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14 • MARIA HELENA MIRA MATEUS! ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 15
humana e das línguas naturais. Para quem nunca teve contacto Ainda que a questão da origem das línguas continue a fazer
com esta disciplina, a definição pode causar alguma perplexidade: parte da lista dos temas em debate, o que se sabe é que as lín-
guas naturais (e mais especificamente, as protolínguas de que
... línguas naturais... Mas haverá línguas 'não-naturais'? E por-
quê estudar só as naturais? não existem registos materiais) são manifestações espontâneas
da capacidade de linguagem, ou seja, não foram construídas 'pelo'
Comecemos por esta questão das línguas naturais. Este é o homem, foram construídas 'com' o homem. Pelo contrário, as
no~e dado a línguas como o Português, o Francês, o Irlandês ou línguas artificiais foram arquitectadas deliberadamente por uma
o Arabe, já que podem ser aprendidas como língua materna, mas pessoa ou por um pequeno grupo de pessoas, num tempo relati-
que também é dado ao Latim 1, que ainda hoje pode ser aprendido vamente curto e, portanto, não se desenvolveram espontanea-
e falado, mas que já não está disponível como língua materna' ou mente numa comunidade de falantes, nem nunca foram aprendidas
ao Sânscrito, que perdura na índia apenas como língua sagr~da. como língua materna. Por outras palavras, as línguas artificiais
são definidas à partida, enquanto as línguas naturais correspon-
dem à activação de um potencial inscrito no código genético hu-
As línguas artificiais
mano.
. Integrado n~ colecção Construir a Europa, Umberto Eco [081 pu- O interesse da linguística pelas línguas naturais e o comple-
bh~ou um. ~~salo, onde estabelece uma tipologia das ( línguas cons- mentar desinteresse pelas línguas artificiais (embora haja alguns
trUlda~ a.rtlflclalmentell com base na identificação dos seus objectivos. trabalhos de descrição da forma como estas línguas se organi-
Eco distingue assim: zam) decorrem do entendimento da linguística como uma ciência
• as línguas que buscam a perfeição estrutural ou funcional como cognitiva, o que nos conduz à segunda questão:
as línguas filosóficas criadas em Inglaterra nos séculos XVI" e XVIII
(que procuravam substituir o Latim por outra língua veicular), como ... linguagem humana... Mas haverá linguagem 'não-humana'?
o Lo!ba.n (uma língua oral criada com o propósito de eliminar a E porquê restringir?
~mblguld~de) ou como o Láadan (que é apresentada como uma
Esta restrição põe fora do alcance da linguística outros siste-
hngua mais adequada à expressão das mulheres);
• as chamadas línguas internacionais, como o Esperanto ou o Ido mas de comunicação, como o das linguagens dos animais, que
(que pretende ser um aperfeiçoamento do Esperanto); são igualmente naturais, mas se distinguem da linguagem huma-
• e aslrnguas secr~t~s ou cifradas, .como a Língua dos Pês, que na (são clássicos os exemplos de comunicação entre abelhas ou
tem algum prestigio entre as crianças, ou o Minderico dos entre golfinhos); ou o de formas de comunicação codificadas,
cardadores e negociadores de lã de Minde, no início do século XVIII, como a linguagem das flores, a linguagem dos tambores ou ainda
q~e f~z lembrar os sistemas de criptologia que os meios de comu- linguagens de programação.
nlcaçao actualmente disponíveis tornam cada vez mais necessários.
Quando a 'linguagem' se acrescenta o adjectivo 'humana',
Fora dest~ tipologia fic?m ai~da várias línguas artificiais, como, por o que se pretende é referir exclusivamente a actividade que de-
exemplo, o Khngon, uma Ilngua Inventada para os alienrgenas do Star
Trek. corre da existência geneticamente determinada da faculdade da
linguagem. Ora, se este é um mecanismo universal, então a rela-
ção com a gramática das línguas também é universal, o que
implica que todas as línguas possuem propriedades comuns.
1 Latim é um termo que recobre sistemas linguísticos muito distin-
A estas propriedades dá-se o nome de universais linguísticos: por
tos: do Lati.m ~Iássico dos textos literários de autores consagrados, ao
Latim EcleSIástiCO usado regularmente na liturgia católica até ao início do exemplo, o conjunto de sons que podem ser utilizados pelas
século XX, por exemplo. línguas naturais é universal; tal como a presença de elementos
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PERGUNTAS INTERESSANTES
& RESPOSTAS CONHECIDAS
COMO SE SABE QUE UMA LíNGUA
É UMA LíNGUA?
mado período de aquisição da língua. Ora, do ponto de vista da Por outro lado, em deter-
linguística, o conceito de dialecto pode ser definido da mesma minadas circunstâncias, o ter-
oPortuguês Brasileiro
acelerado (sendo que comunidades linguísticas formadas por um zação do uso de tecnologias multimédia, como a televisão, tende
número de indivíduos inferior a 100 000 não asseguram a sobre- a esbater as diferenças dialectais.
vivência da sua língua). Por outro lado, ainda que o Português não seja a única língua
oficial de Portugal, é esta a língua falada por maior número de
falantes e a que tem maiores possibilidades de crescimento. As
outras línguas oficiais são a Língua Gestual Portuguesa e o
África 30%
Mirandês. A Língua Gestual
Portuguesa é utilizada por
boa parte da comunidade Varíedades dó Português
surda portuguesa como
Português Falado. Documentos Au-
língua materna. Esta língua
tênticos [1 O] é um registo (com cerca de
só foi oficialmente reconhe- 9 horas de gravação e transcrição orto-
Repartição das línguas por continentes cida em 2003, facto que gráfica alinhada com o som). quer de
veio a permitir, por exem- conversas informais quer de interven-
plo, a escolarização dos ções mais formais, exemplificativo do
O nome das línguas é outra das questões que pode suscitar seus falantes nesta língua. Português falado em todos os paises de
controvérsia. Parece ser um facto pacífico, esperável até, que em 3 expressão oficial portuguesa.
O Mirandês , que é uma
Portugal se fale Português, mas que esse seja o nome da língua língua de origem asturo-Ieo-
falada no Brasil é um dado que só é compreensível à luz do con- nesa e não galaico-portu- Português
DOCUMENTOS
texto histórico de formação desse país. Por outro lado, que uma guesa (como o Português), Falado AUT~NTICOS
Grtv.ç~j'~ .udlo com tr.n'çrl~lo .Ilnh,ada
das línguas oficiais de Espanha seja o Espanhol, quando esse nome tem estatuto de língua ofi- lInaola
corresponde a uma renomeação do Castelhano, é um facto que ciai desde 1999, mas só
braslf
;"""''1,
cabo vH1l."
muitos dos falantes nativos das restantes línguas oficiais de Es- é falado por um pequeno
lul"é-!)l....,
panha (como o Catalão ou o Basco) têm dificuldade em aceitar. número de falantes, numa m.cau
A caracterização linguística de Portugal mostra-nos que a região do Nordeste trans-
f·'"
moçambique
.10 lomn"prlnclpe
tuguês, o que significa que se trata de uma comunidade que não riza como língua minoritária dmor-lfll~8::'~ ,'o !'
é afectada por muitas tensões linguísticas. Por um lado, as des- e, a prazo, pode pôr em
crições da diversidade do Português no território de Portugal (cf. causa a sua sobrevivência.
[06al e [07]) mostram uma divisão mais ou menos estável entre Para além das línguas oficiais há, em Portugal, comunidades fa-
os dialectos setentrionais (que incluem os dialectos transmonta- lantes de línguas estrangeiras, como o Crioulo Caboverdiano, o
nos, minhotos e beirões), os dialectos centro-meridionais (que in- Romeno ou o Ucraniano.
cluem os dialectos do Centro e do Sul) e os dialectos insulares Por último, a distribuição geográfica das comunidades falan-
(dos Acores e da Madeira)2. Sabe-se, no entanto, que a generali- tes do Português assegura a presença desta língua na Europa (Por-
tugal), em África (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique
e São Tomé e Príncipe), na América do Sul (Brasil) e na Ásia (Timor A situação do Português é, pois, complexa e merecedora de
Lorosae e, residualmente, Macau). O reconhecimento do Portu- atenção linguística e política. No conjunto das línguas do mundo,
guês como língua de trabalho em organizações internacionais, o Português é uma das mais faladas: embora a ordenação das
como a União Europeia, o Mercosul ou a Organização de Unidade línguas varie de autor para autor, em função dos dados considera-
Africana, vem desta disseminação pelos diversos continentes. A dos e das fontes utilizadas, a graduação mostra com clareza que
comunidade internacional falante de Português já encontrou, o Português ocupa uma das posições de topo. Vejamos o seguinte
mesmo, uma instituição sua representante, a Comunidade dos exempl04:
Países de Língua Portuguesa. A esta diversidade geográfica cor- 1. Chinês, Mandarim 885,000,000
responde uma esperável diversidade linguística. 2. Espanhol 332,000,000
3. Inglês 322,000,000
4. Bengali 189,000,000
5. Hindi/Urdu 182,000,000
Os crioulos de base portuguesa
6. Português 170,000,000
A propósito da diversidade do Português não pode deixar de 7. Russo 170,000,000
referir-se o papel desta língua na formação de um grande número 8. Japonês 125,000,000
de crioulos:
9. Alemão 98,000,000
«Os crioulos são línguas natUrais, de formação rápida, criadas pela
necessidade de expressão e comunicaçãoplena entre indivíduosin- 10. Chinês, Wu 77,175,000
seridos em comunidades multilingues relativamente estáveis. Cha-
Esta descrição do 'valor' do Português numa hierarquização
mam-se de base portuguesa os crioulos cujo léxico é, na sua maioria,
de origem portuguesa. No entanto; do ponto de vista gramatical, os das línguas do mundo pode induzir no erro de que há línguas
crioulos são línguas diferenciadas e autónomas. I...) melhores ou mais importantes do que outras. Não é esse o senti-
Em África formaram-se os Crioulos da Alta Guiné (em Cabo Ver- do que deve ser dado ao que acaba de ser dito: não é por ser
de, Guiné-Bissau e Casamansa) e os do Golfo da Guiné (em São falada por mais pessoas, em mais países ou em mais instituições
Tomé, Príncipe ~ Ano Bom). Classificam-se como Indo-port\.lgueses internacionais que uma língua ganha maior valor intrínseco. O que
os crioulos da India (de Diu, Damão, Bombaim, Korlai, Quilom, essas medidas asseguram é a vitalidade da língua e alguma ga-
Cananor, Tellicherry, Cochim é Vaipim e da Costa de Coromandel e
rantia da sua preservação, com o que isso pode significar de van-
de ~engala) e os crioulos do Sri-Lanka, anti~()Ceilão (Trincomalee e
Battlcaloa, Mannar e zona de Puttallam). NaAsia surgiram ainda criou- tagem para as comunidades que a falam. Do ponto de vista
los de base portuguesa na Malásia (Malaca, Kuala Lumpur e linguístico, o número de falantes de uma língua ou o prestígio
Singapura)' e em algumas ilhas da Indonésia (Java, Flores,remate, internacional que ela possa ter são critérios de comparação abso-
Ambom, Macassar e Timor) conhÇlcidos soba designação de Malaio- lutamente vazios de significado.
portugueses. Os criOlJlos Sino~portugueses S~qOS de Macau eHong- A presunção de que há línguas melhores ou mais importantes
-Kong. Na América encontramos ainda um crioulo que se poderá con-
do que outras radica integralmente em raciocínios preconceituosos,
siderar de base ibérica, já que o português partilha com o castelhano
semelhantes, aliás, aos que tomam a norma de uma língua como
a origem de uma grande parte do léxico (o Papiamento de Curaçau,
Aruba e Bonaire, nas Antilhas) e um outro brioulohO SlJriname, o um dialecto mais 'correcto', 'respeitável' ou 'sofisticado' do que
Saramacano, que, sendo de base inglesa, manifesta no seu léxico
uma forte influência portuguesa.)
4 Dados do Ethnologue Survey (1999), disponfveis em web.archive.orgl
Dulce Pereira [06 b]
web/19990422030645/www.sil.org/ethnologueltop100.html
28 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA
outros ou aos que consideram que os crioulos não são línguas ou DE ONDE VEM A REFLEXÃO
são línguas 'deficientes', ou ainda àqueles que afirmam que a SOBRE A LINGUAGEM E AS LíNGUAS?
gramática de uma dada língua é mais complexa ou difícil do que
a de outra. Não existe qualquer fundamento linguístico para ne-
nhum destes raciocínios - trata-se de manifestações de uma ideo-
logia que reconhece aos detentores do poder direitos que não
reconhece aos restantes indivíduos e que defende que o acesso
ao poder passa pela imitação dos poderosos.
A INVENÇÃO DA ESCRITA
cia de um tal parentesco poderia vir a mostrar que todas deriva- vivo que nasce, cresce e morre aproximou o seu estudo das hipó-
vam de uma fonte comum que talvez já não existisse, sendo por- teses formuladas por Darwin sobre a origem das espécies e a sua
tanto necessário proceder a uma comparação do Sânscrito com evolução por meio de uma selecção natural. No entanto, não foi
línguas europeias, para que se pudesse ir mais longe no conheci- por causa deste enfo-
mento da sua origem e das suas características gramaticais. Se que histórico que
esse parentesco viesse a ser provado, então a língua falada na essa época foi enten- A palavra 'linguística'
índia antiga e as línguas que estavam na base das línguas euro- dida como a do nas-
Cabe aqui abrir um parêntese sobre a utili-
peias actuais teriam tido uma 'mãe' comum. A hipótese da existên- cimento da linguística
zação do termo linguística, já que alguma re-
cia dessa protolíngua desconhecida veio a ser aceite, tratando-se como ciência. Foi sim lação existe entre o seu uso e. a consideração
de uma recriação a partir dos aspectos comuns que era possível em consequência da da linguística como um domínio científico.
detectar entre as suas 'filhas' (as línguas antigas da índia e da descrição sistemáti- 'Sprachwissenschaft', 'Iinguistics', 'Iinguistique'
Europa), ou seja, entre as línguas a que se podia ter acesso, fos- ca, rigorosa e compa- e 'linguística' são termos de línguas diferentes
rada das unidades (Alemão, Inglês, Francês e Português, respec-
se directo, através de documentos escritos, ou indirecto, anali-
fonéticas e morfoló- tivamente) que não começaram a ser usados si-
sando as línguas contemporâneas. Essa protolíngua passou a ser multaneamente. Com os linguistas alemães, o
denominada Indo-europeu. gicas das línguas em
termo Sprachwissenschaft surgiu a partir da se-
Iniciou-se, então, a grande empresa dos linguistas da época análise. Não se tra- gunda metade do século XIX. O uso dos termos
que, seguindo o interesse contemporâneo pela descoberta das tava já de estudar as- equivalentes nas outras línguas é bem posterior.
origens do pensamento e da religião, o estenderam ao estudo das pectos históricos Vale como curiosidade referir que, até há bem
línguas, tomando em mãos o trabalho de estabelecer sistemati- ou filosóficos atra- ~ouco tempo, a palavra inglesa 'Iinguist' signi-
vés das línguas, mas, ficava, sobretudo, 'aquele que sabe línguas'.
camente a comparação entre elas. Dos estudiosos comparatistas
como dizia Franz A România (designação que engloba o conjun-
cujas obras ainda hoje são merecedoras de atenção, destacam- to dos parses românicos) também foi muito
-se Rasmus Rask (1787-1832), filólogo dinamarquês, e Franz Bopp Bopp [05], as línguas
renitente na substituição da denominação tra-
(1791-1867), filólogo alemão, que estabeleceram princípios e eram estudadas por si diCional de filologia (que estuda textos escritos) J~
métodos para o estudo comparado das línguas a partir da análise mesmas, como objec- pela de 'linguística' quando se tratava do estu- ,I
filológica de textos. A estes nomes deve acrescentar-se o de to e não como meio do das línguas. Note-se, por exemplo, que nos
Wilhelm von Humboldt (1767-1835), linguista e político alemão de conhecimento. anos 50 do século XX as disciplinas que trata-
Este é o momen- vam de língua na Faculdade de Letras de lis-
que se interessou pela relação entre o homem e a linguagem (<<a
to em que se consi- boa - mesmo quando já se falava do trabalho
língua é o órgão que forma o pensamento») e associou a estas de Saussure - se chamavam 'Filologia Portugue-
reflexões o conceito de que a superioridade de uma língua estaria dera que a linguística sa' e 'Gramática Comparativa'.
relacionada com a superioridade do povo que a falava. se constitui como um
Assim, o final do século XVIII encontrou uma forma de con- domínio do conheci-
tornar o problema do desconhecimento da origem das línguas, pro- me~to. A. marca visível aparece nos trabalhos de toda uma plêiade
pondo que o caminho fosse percorrido em retrocesso, com base de investigadores alemães e nórdicos, maioritariamente redigidos
na observação directa dos dados linguísticos e numa rigorosa e~ Ale~ão, que fixaram a relação entre as línguas indo-europeias,
metodologia de trabalho. A pouco e pouco, a análise comparada eVidenCiando as correspondências fonéticas e morfológicas
das línguas foi abrindo caminho para o estabelecimento da sua detectadas na análise das línguas escandinavas e germânicas,
genealogia, em sintonia, aliás, com os métodos científicos seus do Grego e do Latim, do Lituano, do Arménio, do Sânscrito e do
contemporâneos: o entendimento da língua como um organismo Iraniano.
I~
42 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 43
I
Biblioteca Nacional Digital disponi- 191 8 e o Compêndio de Gra-
biliza uma reprodução digitalizada da mática Histórica Portuguesa
1." edição da Sintaxe Histórica em
7 A expressão latina a quo significa 'data a partir da qual se começa de José Joaquim Nunes foi
purl.pt/190.
a contar um prazo'. publicado em 1919.
o ESSENCIAL SOBRE LlNGufSTlCA • 45
44 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA
~
\ tas norte-americanos usaram para explicar o funcionamento da
A linguística portuguesa fora de portugal \ linguagem.
O interesse pelo estudo do Português não tem fronteiras, ~omo ber;' I A estas duas vertentes do estruturalismo estão ligados os
o demonstra o trabalho de Jules Comu, autor da primeira gramatica hlsto- i nomes de dois grandes linguistas: Ferdinand de Saussure (1857-
rica do Português, publicada em 1888, em Alemão, com o título Grammatik I -191~), na Europa [17], e Leonard Bloomfield (1887-1949), na
der portugiesischen Sprache; ou o livro Altportugiesisches: Elementarb~ch, \ América do Norte [04]. Para a história da linguística um dos mais
de Joseph Hüber, publicado em 1933 e traduzido em 1986 com o titulo : relevantes movimentos da época foi a criação, em 1926, do Cír-
Gramática do Português Antigo; e ainda From Latm to Portugues e, que culo Linguístico de Praga, que estabeleceu uma coordenacão nos
estudos da fonética e da fonologia das línguas e represent~u uma
Edwin Williams apresentou em 1938 e que só em 1975 fOI traduzida com
o título Do Latim ao Português. . I
Papel particularmente relevante neste domínio é o que cabe ao ~rasli, inovação nos métodos de análise estruturais. Os linguistas mais
I com linguistas como Said Ali. autor de diversos textos de ref~rencla. notáveis deste grupo foram o polaco Baudouin de Courtenay
A sua Gramática Histórica [da Língua Portuguêsa]. de 1931 (que reune dOIs (1845-1929) e os russos Nicolai Trubetzkoi (1890-19381 e Roman
volumes anteriormente publicados - a Lexeolog ia do Português H~stórico, Jakobson (1896-1982).
de 1921, e a Formação de Palavras e Sintaxe do Português HIstor~co, de Para todos estes linguistas, 'estrutura' significa um conjunto
1923). foi, à data da sua publicação, um trabalho inovador e mantem-se, de elementos que constituem um sistema pelas relações que esta-
até hoje, como uma referência incontornável. belecem entre si. Assim, por exemplo, afirmar que as línguas têm
uma estrutura fonológica significa que se servem de um conjunto
de sons que funcionam nas palavras por contraste e na relacão
de uns com os outros. O conceito de estrutura é uma prese~ça
constante nos trabalhos dos linguistas da época, motivando a
o SÉCULO XX criação de métodos e técnicas de descrição e análise próprios.
Os dados em que assentam as descrições das línguas constituem
Descobertas as relações genéticas entre as línguas e algumas
o corpus que, na perspectiva estrutural, deve ser recolhido junto
das bases fonéticas da mudança linguística, chega-se ao século xx
dos falantes para atestar as particularidades e os elementos que
e ao início da pesquisa que olha para as línguas na sua especifici-
pertencem, na realidade, à língua em estudo. Os bons resultados
dade, como expressão de uma faculdade humana. Por reacção
da investigação realizada no que diz respeito à descrição das lín-
ao positivismo dos neogramáticos, e admitindo uma dimensão psi-
guas, com metodologias de trabalho claras e sistemáticas, e que
cológica para além da dimensão mecânica anteriormente reconhe-
se tornaram visíveis no efectivo progresso do conhecimento lin-
cida, surgiu na Europa, durante a primeira metade deste século,
gUí~tico, co.nvid~ram outras ciências humanas, como a antropo-
a corrente que iria ocupar durante largos anos o lugar mais im-
logia, a sociologia e a arqueologia, a adoptar os instrumentos de
portante no estudo da ciência da linguagem e das demais ciên-
análise que a linguística desenvolveu.
cias humanas. Trata-se do estruturalismo, corrente de pensamento
. E~ Portugal, a perspectiva estruturalista está presente, pela
que se baseava na importância que a 'forma' vinha assumindo na
pr.lmelra vez, na obra de Jorge de Morais Barbosa (cf. [03]), pu-
recém-criada psicologia, e na perspectiva de que a linguagem era
bhcad~ em 1965. No Brasil, também nos anos 60, distinguiu-se
uma actividade com uma estrutura especial, ou seja, uma activi-
Joaquim Mattoso da Câmara Jr., que, por oposicão ao meca-
dade que funcionava em sistema. Enquanto, na Europa, essa ver-
nicismo reinante na época na linguística norte-ame~icana tomou
então como referência a visão mentalista desenvolvida p~r Sapir
tente das teorias psicológicas influenciou largamente a linguística,
nos Estados Unidos da América foi a teoria do comportamento,
(cf.[16]).
que relacionava estímulo e resposta, o instrumento que os linguis-
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A LINGuíSTICA FORMAL
Esta é uma representação formal extremamente elementar,
A linguística foi precursora na adopção da abordagem estru- mas que cobre todas as frases que integrem apenas um sintag-
turalista, mas também recorreu a outros domínios do conhecimen- ma nominal e um sintagma verbal, como é o caso de:
to, como a lógica, a estatística e a computação, para encontrar O irmão do meu cunhado tem um carro descapotável.
instrumentos de análise.
[F [o irmão do meu cunhado]sN [tem um carro descapotável]sv IF
Foi durante o século XIX e o início do século XX que a lógica
abandonou certos fundamentos que remontavam a Aristóteles (por
Ainda que seja equivalente à anterior, a representação formal
exemplo, a noção filosófica abstracta de 'forma' por oposição à
das frases que mais se vulgarizou foi a dos chamados indicado-
de 'matéria') e, tomando a matemática como modelo, construiu
res sintagmáticos, mais conhecidos como árvores. Os parênte-
uma linguagem constituída por símbolos e regras para a expres-
ses são substituídos por ramos que nascem no nó que domina e
são do conteúdo do pensamento lógico.
terminam no(s) nó(s) dominado(s). Os ramos que se unem na base,
Na interacção da matemática com a lógica foram adoptados
formando um triângulo, indicam que o constituinte que dominam
instrumentos teóricos como os sistemas formais ou a lógica de pre-
não está plenamente analisado:
dicados, que influenciaram profundamente os estudos linguísticos
a partir de meados do século XX. OS linguistas passaram, desde
F
então, a recorrer a representações formais das unidades e dos
processos linguísticos. De uma forma muito simplificada, pode di-
SN SV
zer-se que os elementos concretos são substituídos por símbolos
que permitem representar, de um modo abstracto, as relações entre
os elementos dos sistemas linguísticos. A utilização destes instru-
~
o irmão do meu cunhado
~
tem um carro descapotável
mentos por linguistas norte-americanos desenvolveu, por exemplo,
a análise das frases em constituintes imediatos, ou seja, em unida-
des menores do que a frase, como o sintagma nominal e o sintag- A vantagem de um modelo de análise linguística que utilize
ma verbal (representados respectivamente por SN e SVI. e a análise este tipo de representação face aos modelos não-formalizados
dos sintagmas em constituintes menores, até chegar às palavras. reside no acréscimo de capacidade explicativa e na melhoria da
Quando se representa a unidade 'frase' por F, a unidade que inclui classificação das estruturas complexas. A linguística é um domí-
o nome e os seus especificadores e modificadores por SN e o verbo nio em que o objecto do conhecimento é descrito por si próprio:
e seus complementos por SV, podem apresentar-se as relações entre é a língua que permite descrever a língua. Sendo a ambiguidade8
estas três unidades através de uma representação, que faz uso
de parênteses rectos para mostrar os limites de cada constituinte
e as suas relações hierárquicas. Por exemplo, em: [F [SNI [SVIl F: 8 A ambiguidade é uma propriedade das línguas naturais. Neste sen-
uma das propriedades das línguas naturais, só a utilização de um SERÁ A LINGuíSTICA UMA CIÊNCIA?
sistema formal permite descrever os fenómenos linguísticos de
forma inequfvoca.
As árvores do conhecimento
O uso da metáfora da árvore na representação das estrutura~ linguís-
ticas não é original. No domínio dos estudos linguísticos, reglsta-~e a
árvore da gramática, uma elegante iluminura incluída nas Grammatlces
Rudimenta, um manual (incompleto) de
ensino de verbos, datado de 1538, que r.........- .. ---~ •• ií
João de Barros dedicou à Infanta D. Ma- !
ria. A primeira utilização da árvore como f Esta dúvida sobre o carácter científico da linguística é comum
instrumento para a representação do f a todas as chamadas ciências sociais ou humanas. Tal como em
I.
conhecim~nto é, contud?,.bastante mais I. relação à psicologia, à sociologia ou à antropologia, também no
antiga: a arvore de PortlrlO encontra-se I" âmbito dos estudos da linguagem convivem diversas formas de
na tradução para Latim que este fidlósdOfO ~.t'f~
.l' conhecimento, que vão desde as abordagens filosóficas e históri-
fenício (século III a. C.) fez do trata o as ~, , .,,1
categorias de Aristóteles [141. Na tradição : . . ~...... cas às construções teóricas e formalizadas, passando pelas des-
generativa, as árvores (invertidas) mos- I ~ crições pré-científicas e pelas aplicações em domfnios de grande
tram a hierarquia dos constitUintes: os ra- I diversidade, da sociologia à informática, às neurociências ou ao
mos indicam relações de domínio entre ensino. Esta multiplicidade de tratamentos decorre da própria
nós (os pontos onde pode haver ramifi- natureza da linguagem, que é simultaneamente veículo de inte-
cação), que são identificados por etique- gração social (a Ifngua é uma das formas de comunicação com
tas categoriais. os outros) e factor constituinte da construção do indivfduo: em
boa medida, é através da Ifngua que as pessoas vão integrando a
experiência da sua vivência. Na verdade, a relação da actividade
lingufstica com os factos históricos e sociais, com o universo
psicológico e com a criação artfstica, coloca o estudo da lingua-
gem e das Ifnguas no centro de uma constelação formada por
múltiplas interacções com outras formas de comportamento hu-
mano. Além disso, como já foi dito, a especificidade da lingua-
gem humana leva a uma coincidência entre o objecto de análise e
o meio com que se explicita e produz essa análise: é com pala-
vras que se estudam as palavras. Estes aspectos particulares do
estudo da linguagem permitem, estimulam e valorizam interpre-
tações e análises subjectivas e não-cientfficas.
Por todas estas razões tem sido diffcil o caminho de quem
defende que a lingufstica é uma ciência. Para justificar esta afir-
50 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 51
mação é, pois, necessário reflectir sobre as características essen- outros domínios que procedem de modo idêntico - a linguística
ciais do que se considera ser uma ciência e verificar se essas teórica é um deles.
características também existem neste domínio do saber.
A LINGuíSTICA TEÓRICA
o CONCEITO DE CIÊNCIA
Ainda que os anteriores paradigmas da análise linguística,
Pode definir-se ciência como um conhecimento sistematizado como, por exemplo, o do estruturalismo, constituam quadros teó-
do que vulgarmente se denomina 'o real'. Para que seja considerada ricos coerentes, é no início da segunda metade do século xx
científica, a forma de produzir esse conhecimento deve obedecer que a linguística teórica conhece um desenvolvimento de maior
a um conjunto de requisitos que permitam, em idênticas circuns- relevo. Trata-se da Teoria Generativa, indissociavelmente
tâncias, a sua verificação. Esses requisitos incluem, entre outros: ligada à publicação, em 1957, do livro Aspects of the Theory of
• uma clara delimitação do objecto de estudo: não é possível Syntax, de Noam Chomsky.
estudar tudo ao mesmo tempo, é preciso garantir que o estu- A relevância da Teoria ~'\I