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FACULDADE DE CIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO

LICENCIATURA EM ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Neologismos no Português de Moçambique

Estudante: Olímpio Adriano Uaiene


Código: 41200095

Maxixe, Maio de 2023


FACULDADEDE CIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO
CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Neologismos no Português de Moçambique

Trabalho de Campo a ser submetido na


Coordenação do Curso de Licenciatura
em Ensino de língua portuguesa da
UnISCED.

Tutor: Dioclerciano Nhatuve

Estudante: Olímpio Adriano Uaiene


Código: 41200095

Maxixe, Maio de 2023

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Índice
Introdução ............................................................................................................................... 4
Metodologia ............................................................................................................................ 4
Referencial Teórico ................................................................................................................. 5
Breve perfil linguístico de Moçambique................................................................................. 5
A Língua Portuguesa em Moçambique................................................................................... 5
Língua portuguesa e ensino em Moçambique ........................................................................ 6
A reconstrução do português em Moçambique ...................................................................... 7
Mudança sócio-simbólica ....................................................................................................... 7
Mudança linguística ................................................................................................................ 8
Lexicologia e inovação lexical................................................................................................ 9
Neologismo ........................................................................................................................... 11
Tipologia de neologismos ..................................................................................................... 12
Indícios da nativização: alguns traços................................................................................... 13
Traços fonético-fonológicos ................................................................................................. 13
Traços lexicais ...................................................................................................................... 14
Neologismos semânticos ....................................................................................................... 14
Morfo-sintaxe ........................................................................................................................ 14
Conclusão .............................................................................................................................. 15
Referências Bibliográficas .................................................................................................... 16

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Introdução
Moçambique é um país linguisticamente heterogéneo, onde coexistem diversas línguas
nativas de origem Bantu, faladas pela maioria da população, o Português e diversas línguas
estrangeiras. Dada a diversidade linguística, após a independência nacional, foi muito difícil
escolher uma das línguas nativas como língua nacional. Assim, Moçambique conferiu à língua
portuguesa o estatuto de língua oficial, por ser a única que poderia reduzir as desigualdades
entre as línguas nativas, desempenhando o papel de língua de unidade nacional, pois permite a
intercomunicação entre moçambicanos oriundos de diferentes locais, ou seja, falantes de
diferentes línguas nativas.
O português moçambicano, língua oficial de Moçambique, sofreu mudanças
significativas nos últimos anos devido ao surgimento de neologismos. Os neologismos referem-
se a palavras ou expressões recém-criadas que ainda não são amplamente aceitas em um idioma.
Não obstante o estatuto privilegiado da língua portuguesa em Moçambique, esta é falada
por 57% da população, de acordo com os dados do Censo de 2017 (ine.gov.mz). Na realidade,
para muitos moçambicanos, em particular nas zonas rurais e suburbanas, o Português é uma
língua segunda (língua não materna), geralmente aprendida na escola, por ter o papel de língua
veicular do conhecimento científico e técnico em Moçambique. Por esta razão, cabe ao
professor, à escola e à comunidade encontrar estratégias que possam conduzir à motivação para
a aprendizagem da língua portuguesa, mostrando as vantagens da sua aprendizagem.
A língua portuguesa é usada frequentemente nas instituições públicas e privadas e na
interacção com outros povos, promovendo, assim, a integração de Moçambique no contexto
internacional.Neste trabalho, exploraremos a definição e classificação dos neologismos no
português moçambicano, as razões do seu surgimento e as suas implicações para a identidade
linguística e cultural de Moçambique.

Metodologia
Para a elaboração do trabalho e como forma de dar maior sustentabilidade científica
recorreu-se à pesquisa bibliográfica e a análise do poema na perspectiva do objetivo definido.
A consulta bibliográficafoi utilizada para obtenção de bases teóricas e científicas para
justificarmos os factos e fenómenos a serem observados, através de consultas de uma gama de
livros e documentos com bases científicas.

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Referencial Teórico
Neste capítulo, desenvolveu-se as ideias de diversos autores sobre os conceitos-chave
desta pesquisa, foi desenvolvida com base na revisão da literatura que reflete sobre a temática
em discussão.

Breve perfil linguístico de Moçambique


Moçambique é um país multilingue e multicultural. Convivem neste território línguas
de raiz bantu, faladas, naturalmente, pela maioria da população, o português e outras línguas
estrangeiras, tais como inglês, gujarate, memane, hindi, urdo, entre outras. Paradoxalmente ao
facto de as línguas de raiz bantu serem as que são faladas pela maioria, a língua portuguesa
ocupa um lugar de destaque, já que ostenta o estatuto de língua oficial e língua de Unidade
Nacional.
Guthrie (1967-71), citado por Firmino (2006:47), mapeia 4 zonas linguísticas no
território moçambicano, nomeadamente:
• ZONA G:2, com o grupo linguístico G. 40, composto pelo Swahili;
• ZONA P, com os grupos P.20 (Yao), composto pelas línguas Yao (P. 21), Makonde (P.
23)4, Mabiha/Mavia (P. 25) e o grupo linguístico P. 30 (Makua), com as línguas Makua (P.
31), Lomwe (P. 32), Ngulu/ W. Makua (P33) Cuabo/ Cuambo (P. 34);
• ZONA N, com o grupo linguístico N. 30 (Nyanja), com as línguas Nyanja (N. 31a),
Cewa (N. 31 b), Mananja (N. 31c) e o grupo linguístico N. 40 (Senga-Sena), composto pelas
línguas Nsenga (N. 41) Kunda (N. 42), Nyungwe (N. 43), Sena (N. 44), Ruwe (N. 45), Podzo
(N. 46);
• ZONA S, com o grupo linguístico S. 10 (Família Shona), com as línguas Korekore (S.
11), Zezuru (S. 12), Manyika (S. 13a), Tebe (S. 13b), Ndau (S. 15), o grupo linguístico S. 50
(Tswa-Ronga), com as línguas Tswa (S. 51), Gwamba (S. 52), Tsonga (S. 53), Ronga (S. 54)
e o grupo linguístico S. 60 (Chopi), de que fazem parte as línguas Chopi/Lenge (S. 61) e
Tonga/Shengwe (S. 62).

A Língua Portuguesa em Moçambique


De acordo com Firmino (2002: 114 -116),com a consolidação do domínio colonial em
Moçambique, o Português tornou-se a língua oficial através da qual as políticas coloniais eram
implementadas. O Português foi imposto como símbolo de identidade cultural portuguesa e
tornou-se um dos importantes instrumentos da política assimilacionista promovida pelas
autoridades portuguesas.
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Quando Moçambique se tornou independente, a associação do Português a um poder
socialmente distintivo não desapareceu, pelo contrário, revelou-se que o Português era a única
língua em Moçambique que poderia agregar um conjunto de falantes – a elite escolarizada –
localizados em todas as regiões do país, tais como funcionários públicos de nível médio e baixo.
Após 30 anos de independência, o Português tem mantido o seu estatuto de língua
oficial e tem assumido o papel de língua de unidade nacional.
Para além disso, pelo menos nos centros urbanos, continua a ser a língua mais
prestigiada e mais desejada, devido às compensações sociais e económicas a ela associadas.
Todas as atividades oficiais, desde a burocracia estatal até todos os níveis do ensino
formal, são exclusivamente conduzidas em Português. Esta língua é também largamente usada
fora dos domínios oficiais, sobretudo pelas elites urbanas, que a usam em todas as atividades,
incluindo os contactos informais do dia-a-dia.
Os falantes do Português podem ser encontrados em todas as regiões, especialmente
entre a elite escolarizada, a maior parte da qual se encontra nos centros urbanos, conforme
podemos notar nos dados apresentados no senso de 1997 (Firmino, 2000: 14).

Língua portuguesa e ensino em Moçambique


Ensinar não é representar. Se ensinar não é representar, no sentido literal da palavra,
defendemos, aqui, a ideia do termo “representar” como um grande palco onde o espetáculo
“aula” tem um ator ou palhaço instigando a atenção e humor da plateia, então, de que forma
algo tão sério como “[...] preparar o aluno para expressar oralmente, e por escrito”, (Azevedo,
2007, p.38), pode estar sendo aparentemente representado no palco “escola”?
A aula não deve ser espetáculo e nem a escola um palco, nem tampouco o professor é
um comediante. Moçambique é um país multilíngue e a língua portuguesa é a segunda língua
usada no contexto escolar, como sustenta o artigo que passamos a transcrever:
Artigo 10 (Língua Oficial)
«Na República de Moçambique a língua portuguesa é a língua oficial.» (Constituição
da República, 2004:7).
Relativamente a este aspeto, Firmino (2002) refere que “além de ser a língua oficial em
Moçambique, o Português foi promovido a símbolo de unidade nacional”. De um modo geral,
como língua segunda (L2), o Português é adquirido durante a infância por via instrucional,
embora nas cidades haja também condições para a sua utilização em meio natural, através
de conversas entre companheiros de bairro, dos meios de comunicação social, etc.

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Pode considerar-se que, devido ao facto de esta língua ser tipicamente aprendida na
escola, num ambiente em que os aprendentes estão expostos a um input relativamente
estruturado e têm acesso a materiais escritos nesta língua (cf. Mufwene, 1997: 49-50), está
entre os principais fatores (externos) que impediram o desencadeamento de um processo de
crioulização do Português em Moçambique.
No ensino básico moçambicano, há uma grande dificuldade dos alunos progredirem
nos estudos, sobretudo nas fases iniciais, devido ao custo da adaptação do português e da escrita
alfabética, porque o português não é língua materna da maioria da população.
Num estudo sobre o Ensino Primário, em Maputo, Timbane (2014), afirma que, “a maior
parte dos alunos que frequenta o ensino primário são crianças que entram na escola, mas
não leem e não escrevem em português, enfatiza dizendo que mesmo aqueles que aprendem
o português na família têm enormes dificuldades de se comunicar na sala de aulaˮ (Timbane,
2014, p.3).

A reconstrução do português em Moçambique


O português está a interiorizar-se no contexto sócio-cultural do Moçambique
póscolonial, podendo argumentar-se que está a sofrer um processo de «nativização». Este
processo corresponde ao desenvolvimento de uma nova ideologia linguística, à medida que as
autoridades oficiais e a opinião pública concebem e reconhecem o português como uma língua
oficial e língua franca. Paralelamente ao desenvolvimento e consolidação desta ideologia
linguística, a língua portuguesa em Moçambique vai incorporando novas características
linguísticas distintivas. Assim, o processo de nativização do português compreende duas
dimensões: uma sócio-simbólica, com a emergência de novas atitudes e ideologias sociais face
ao uso da língua; outra linguística, com o desenvolvimento de novas formas de uso da língua.

Mudança sócio-simbólica
Um aspecto crucial na emergência de novas atitudes face ao uso da língua portuguesa
no Moçambique pós-colonial está ligado à sua promoção como língua oficial e como símbolo
da unidade nacional. A apropriação social do português é uma consequência do facto de que as
pessoas o associam a estes papéis e o reconhecem como um instrumento vital para a integração
social e construção da nação-estado. Neste processo, o português tem estado a sofrer uma
transformação ideológica e a adquirir valores sócio-simbólicos que surgem em conexão com o
ambiente político, social, cultural e económico da naçãoestado moçambicana independente.

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Uma variedade de casos ilustra o reconhecimento social do português como um
instrumento vital da integração social e construção da nação-estado em Moçambique. Um dos
exemplos pode ser o esforço frenético dos representantes das autoridades no sentido de
reforçarem a política linguística oficial conducente à apropriação da língua portuguesa, como é
o caso de repartições públicas ostentando dísticos que incitam as pessoas a usá-la.
Outro exemplo é a pronta vontade das pessoas para usarem o português como língua de
união nacional, especialmente em lugares onde se encontram regularmente pessoas de origens
diferentes. Em consequência directa do conhecimento consciente do papel do português como
uma língua de unidade nacional, os cidadãos recriminam os que teimam em não usarem esta
língua, principalmente em locais com uma grande diversidade étnica.
À medida que a ideologia oficial promove o português como língua oficial e língua de
unidade nacional, a consciência da importância dos valores sócio-simbólicos ligados a esta
língua é mais consolidada. Por esta razão, o português poderá ser atualmente um dos símbolos
que é amplamente reconhecido pelos moçambicanos para marcar a unidade nacional e através
do qual a ideia de nação é imaginada e vivida, especificamente entre os moçambicanos
urbanizados.

Mudança linguística
Do mesmo modo que o português no Moçambique independente está a adquirir novas
funções sociais, está também a desenvolver características estruturais e retóricas típicas. O
desenvolvimento dessas características é, contudo, uma continuação de um processo que
começou antes da independência. Mesmo antes da independência, o português falado em
Moçambique incluía traços típicos largamente propagados, ou seja, os chamados
moçambicanismos, usados até pelos colonos portugueses.
Tais moçambicanismos podem ser exemplificados com elementos lexicais, como
machimbombo (o equivalente na forma europeia a autocarro, também usada em Moçambique),
maningue (equivalente a muito), quinhenta (cinquenta centavos, na forma europeia, também
usada em Moçambique).
Depois da independência, o uso do português alargou-se e os sinais da sua
«moçambicanização» expandiram-se. Enquanto o uso do português se alargava, os mecanismos
que haviam contribuído para a aprendizagem e reforço do padrão linguístico se alteraram, dando
origem à proliferação de novas formas linguísticas. Por exemplo, com a saída massiva de
colonos reduziu significativamente a possibilidade de exposição dos aprendentes da língua
portuguesa à norma europeia. De facto, dado o imperativo primordial de se comunicar na língua
8
oficial, formas incorrectas do uso, tomando como referência o padrão europeu, divulgaram-se,
até ao ponto de se tornarem tema normal de discussão, por exemplo, na imprensa local. Um
objecto frequente de discussão era a violação das normas gramaticais, o que alguns sentiam
como uma redução de nível e desrespeito pelo português.
Rosário (1982)apresenta um argumento importante que defende que a nativização do
português tem mais a ver com a incorporação de traços tais como elementos lexicais e modelos
comunicativos que invocam a nova «economia política» em que são usados do que com a
«subversão» dos padrões gramaticais europeus. Um exemplo elucidativo é a mudança do uso
dos termos criado ou moleque para empregado doméstico. As formas criado ou moleque eram
frequentemente usadas durante o tempo colonial, tendo, portanto, uma conotação racista e
opressiva. São, por isso, dificilmente usadas na actualidade em Moçambique, onde passou a
predominar uma ideologia que fomenta a antidiscriminação e a antiexploração. A expressão
empregado doméstico, atualmente em voga, é mais neutra, reflectindo uma nova percepção
social do trabalho doméstico, como resultado de uma mudança no ambiente político, económico
e social.

Lexicologia e inovação lexical


A língua é um produto social que reflete as mudanças ocorridas na sociedade que a
criou. Essas mudanças são mais percetíveis no léxico, que é a componente da linguagem que
apresenta mais inovações, pois possui um inventário aberto que acompanha e adapta-se as
mudanças que ocorrem naturalmente na língua falada. Além disso, a necessidade de uma maior
expressividade no discurso faz com que os falantes de determinada língua busquem, no léxico,
alternativas para aperfeiçoar a sua comunicação.
Segundo Correia e Lemos (2009, 9), o léxico de uma língua é o “conjunto virtual de
todas as palavras de uma língua, isto é, o conjunto de todas as palavras da língua, as neológicas
e as que caíram em desuso, as atestadas e aquelas que são possíveis tendo em conta os processos
de construção de palavras disponíveis na língua.” De acordo com esta definição, podemos
concluir que a criatividade lexical dos falantes de uma língua é quase ilimitada e que traduz os
novos usos e novas exigências da sociedade. Deste modo, a língua é um fator preponderante na
identificação de um grupo de falantes porque transmite a cultura deste grupo e permite que o
grupo expresse a sua realidade.
Com efeito, o léxico é estudado por várias disciplinas: lexicologia (estudo da
componente lexical geral das línguas); lexicografia (arte ou técnica de compor dicionários da
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língua geral); terminografia (voltada a produção de glossários, dicionários técnicos ou
terminológicos e bancos de dados); e a terminologia (ciência que integra a história da
humanidade, dedicando-se ao estudo dos termos, unidades lexicais dos campos técnicos e
científicos). A disciplina mais importante atualmente é a lexicologia, porque “estuda as palavras
de uma língua, em todos os seus aspetos (…): pode incluir a etimologia, a formação de palavras,
a importação de palavras, a morfologia, a fonologia, a sintaxe, mas tem uma ligação especial
com a semântica” (Vilela, 1994, 10).
Por certo, a unidade básica da lexicologia é o lexema, a unidade disponível para a
atualização e construída antes de emissão da mensagem. Quando o lexema se efetiva em um
discurso, ele passa a ser um vocábulo, uma unidade do vocabulário. O vocabulário é o “conjunto
factual de todos os vocábulos atestados em determinado registo linguístico, isto é, o conjunto
fechado de todas as palavras que ocorreram de facto nesse discurso” (Correia e Lemos, 2009,
9). O vocabulário corresponde a uma determinada parte do léxico individual, que por sua vez
faz parte do léxico global.
Por outro lado, o vocabulário é uma realização concreta, constituída a partir da
linguagem ativa do individuo. Neste sentido, o enriquecimento do léxico individual depende do
meio sociocultural do individuo. No pressuposto que em cada fase da vida e em todos os
ambientes, do familiar ao profissional, o individuo amplia o seu vocabulário, pois a
aprendizagem do léxico é um processo que ocorre durante toda a vida de um individuo.
Ademais, na memória do falante existe um número variável de signos que podem ser
atualizados no ato da fala. Estes signos possuem diferentes significados que, ao serem
atualizados, serão restringidos pelo contexto. Podemos então concluir que, ao nível da memória,
uma palavra funciona como a unidade do sistema e possui todos os significados possíveis que
lhe podem ser atribuídos e que, no ato da fala, o seu significado restringe-se a um único sentido
que está intrinsecamente ligado ao contexto em questão.
Adicionalmente, o léxico, sendo um inventário aberto e representativo da
disponibilidade e as possibilidades de criação do sistema, é responsável pela mudança e
dinâmica da língua. No pressuposto que todos os avanços tecnológicos e as mudanças de visão
do mundo exigem novos termos; o que justifica a dinâmica da língua acompanhar a dinâmica
do mundo.
Com efeito, a inovação lexical é um processo de criação de novas palavras numa língua
e um indício da vitalidade de uma língua . Quanto maior o número de novas palavras, mais
“viva” estará a língua. A realidade dos falantes de uma língua condiciona e determina a criação
de novas palavras. Uma vez que a criatividade lexical dos falantes é quase ilimitada, é
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necessário dar um nome aos novos conceitos e novas realidades. As novas denominações
aparecem em dois grandes grupos de objetos: os do quotidiano (tweetar/tweetati) e os dos
domínios especializados (biomédica).
Assim sendo, para podermos verificar o grau de inovação de uma língua, é necessário
medir a sua capacidade criativa, o que pode ser feito através da monitorização da introdução de
novas palavras na língua em grandes nomenclaturas, nomeadamente os dicionários.
A criação neológica faz parte da competência linguística e não apenas da criação
literária, pois a língua é um sistema capaz de criar infinidade de sentenças e palavras a partir de
um conjunto finito de peças de vocabulário. A diferença entre a criação neológica dos falantes
e dos escritores é a quantidade de aproveitamento que cada um destes neologismos apresenta.
A criação de palavras é um processo recorrente nas línguas e pode ser utilizado para
nomear novos objetos, novas tecnologias, novos descobrimentos científicos, novas ideologias
sociais, ou como forma de expressão artística ou outra. Na comunicação quotidiana podemos
observar os novos vocábulos na média, no mundo virtual e até dentro das comunidades, atráves
conversas informais.

Neologismo
O neologismo é a criação de palavras novas que não fazem parte de um repertório finito
socialmente oficializado. Eles podem assumir diferentes formas, como estrangeirismos,
composição e derivação. Loanwords são palavras emprestadas de outras línguas, como
“computer” ou “internet”, que se tornaram amplamente utilizadas no português moçambicano
devido à influência do inglês. A composição envolve a combinação de duas ou mais palavras
para criar uma nova palavra, como “casa-telhado” ou “pé-descalço”.

Correia e Lemos (2009, 13) definem a neologia como “uma denominação que
corresponde a dois conceitos distintos:

1. A neologia traduz a capacidade natural de renovação do léxico de uma língua pela


criação e incorporação de unidades novas, os neologismos.
2. A neologia é entendida, ainda, como o estudo (observação, registo e datação,
descrição e análise) dos neologismos que vão surgindo na língua).”

Neste sentido, Correia e Lemos distingue dois tipos de neologia: a denominativa, que
resulta da necessidade de nomear novas realidades (objetos ou conceitos) anteriormente
inexistentes, e a estilística, resultando da procura de uma maior expressividade do discurso.

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Dessa forma, os neologismos surgem para nomear uma nova tecnologia (celular,
computador), da formação onomatopeia (zunzum, sussurrar, tiquetaque), a partir de nomes de
personagens históricos (Rudolf Diesel/diesel; Karl Max/marxismo; Buda/budismo). Com o
passar do tempo, algumas palavras novas serão adotadas por um grande número de usuários,
listadas no léxico dicionarizado e os falantes não as distinguirão do restante das palavras da
linguagem oficial. Contudo, neologismos criados no âmbito familiar não são incorporados ao
uso geral.
O surgimento de novas tecnologias e a ampla divulgação de textos através da Internet
permitiu o aparecimento de um número cada vez mais amplo de neologismos e
consequentemente a ampliação do léxico do universo virtual. Do ponto de vista gramatical, a
formação das palavras pode resultar de vários recursos disponíveis: redobro (ex.: corre-corre),
composição (ex.: porta-joias), amálgama (ex.: radiofonia, rádio + telefonia), empréstimos
linguísticos (ex.: insight) ou parte deles (ex.:deletar, gatonet) e derivação (ex.: assistencialismo,
liberalidade).
O neologismo por derivação é um mecanismo gramatical que os escritores empregam
continuamente para expressarem-se de forma criativa. A criação de palavras novas depende de
um mecanismo gerativo da mesma natureza daquela que nos permite criar sentenças.

Tipologia de neologismos
Ao tratarem de tipologia de Neologismos, Figueiredo & Figueiredo (2003:299)
distinguem dois tipos de neologismos: os de forma e os de sentido.
Os neologismos ao nível da forma consistem em formar novas palavras não atestadas
no estádio anterior do registo da língua. Essas formas podem ser empréstimos de outras línguas
ou palavras resultantes dos processos existentes na língua para a formação de palavras.
No entender de Figueiredo & Figueiredo (2008), os neologismos de forma
correspondem a:
a) uma palavra nova criada por derivação (substanciar-se, praiistas, etc.)1;
b) uma palavra nova criada por truncação (tuga, prof. etc.);
c) uma palavra nova criada por composição (teledependente, quadro-robot, etc.);
d) uma palavra nova criada por mudança de categoria gramatical (um quotidiano, um
nadinha,etc.);

1
Todos os exemplos desta parte do trabalho são de Figueiredo & Figueiredo (2008).

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e) uma palavra estrangeira (fastfood, paparazzi, etc.);
f) uma palavra de algumas letras a partir de uma expressão longa (laser – criada a partir
da expressão inglesa light amplificationbystimulatedemissonofradiation);
g) uma palavra criada a partir de duas (espatifurada de espatifada + furada).
Os neologismos de sentido são aqueles que correspondem auma nova associação
significado-significante. Tais neologismos, também conhecidos por neologismos semânticos,
correspondem a
a) uma extensão de sentido de uma palavra (feira significa “dia de festa”, hoje designa
“o lugar onde em certos dias da semana se vendem produtos”);
b) um emprego figurado por metáfora (uma corrente de opinião; uma festa brava, etc.)
A estes dois tipos de neologismos, Sengo (2010) acrescenta os neologismos
pragmáticos. Para ela, estes neologismos são resultantes da passagem de uma palavra
previamente usada num determinado registo para outro da mesma língua. A novidade
pragmática, na ótica de Sengo (2010), implica, normalmente novidade semântica. Esta
autoracita Correia (1998:63) que considera que em Portugal houve unidades lexicais que
passaram da gíria dos marginais dos bairros lisboetas para registos menos marcados
socialmente, como a linguagem dos jovens e até o registo familiar.

Indícios da nativização: alguns traços


As inovações que caracterizam a língua portuguesa em Moçambique abrangem
múltiplas dimensões, que incluem aspetos fonético-fonoló-gicos, morfo-sintáticos, semântico-
pragmáticos e retóricos. Os exemplos que se seguem ilustram alguns casos de características
linguísticas que indiciam a nativização do português em Moçambique e são fornecidos como
uma indicação das tendências que a língua está a tomar, sem nenhuma intenção de dar uma
sistematização exaustiva ou de fazer uma análise linguística extensiva, pois ambos os exercícios
estão para além do âmbito deste trabalho, para além de há estudos de outra natureza que
exploraram estes aspetos com mais detalhe e profundidade.

Traços fonético-fonológicos
Um aspeto evidente que dá um carácter único ao português falado em Moçambique é a
variação do sotaque, que muitas vezes surge em conexão com uma transferência de
propriedades das línguas autóctones.
Ex. gato [gatu]> [katu].
✓ golo [golu]>[γolu].
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Traços lexicais
Observam-se em falantes do Português em Moçambique vários tipos de inovações
lexicais que resultam de uma aplicação de diferentes processos, em que se incluem os seguintes:
a) Empréstimos das línguas autóctones.
Ex. Khanimambo, ‘obrigado’, do Xironga e Xichangana.

Ex. Navelar, ‘desejar ou ansiar por alguma coisa’, de «ku-navela», em Xironga e


Xichangana. A palavra foi transformada num verbo português pela adição do sufixo verbal
português «-ar»
Ex. bichar, ‘formar bicha’.
No exemplo, um substantivo, bicha, foi verbalizado através da adição do sufixo de
terminação verbal «-ar». Este processo ocorre em Português em pares como «ficha/fichar»,
«caça/caçar», ou «canto/cantar». O verbo «bichar» porém, não é conhecido no Português
europeu.

Neologismos semânticos
Ex. barraca, usada em referência a um tipo de quiosque, geralmente construído com
material precário, como o caniço.
Ex. mola, usada com o significado de dinheiro, como em «Estou sem mola».
Ex. batedor, usada com o sentido de ‘ladrão’, como em «batedor de carros». Deriva do
verbo «bater», que no Português informal moçambicano pode também significar ‘roubar’.

Morfo-sintaxe
Podem encontrar-se exemplos de padrões morfossintáticos inovativos.
Ex. O rapaz que ela gostava dele é moçambicano.
O exemplo usa o verbo «gostar de» e, seguindo o modelo europeu, a frase deveria ser
tal como a seguinte: O rapaz de que ela gostava é moçambicano.
Ex: Nós fomos ditos que hoje não há aulas.

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Conclusão
O presente trabalho intitulado aos neologismos no Português de Moçambique, começou
por descrever a situação linguística de Moçambique, como forma de se entender o contexto em
que o português está implantado neste país, ao que se seguiu a caracterização do processo da
sua inserção no contexto moçambicano, bem como os aspectos problemáticos daí decorrentes.
Assim, ao tratar dosneologismos no português de Moçambique, o trabalho analisou os
processos que determinaram a sua mudança da posição de língua colonial para a de língua que
é reconhecida como língua oficial e símbolo da unidade nacional. Colocou-se a ideia de que o
português está a sofrer um processo de nativização, já que se associa a novos valores sócio-
simbólicos e traços linguísticos.
Esta nativização, no entanto, tem mais a ver com o novo uso social do que com a
diferenciação da língua em si. Ao português em Moçambique é conferido um carácter singular
pela ideologia que motiva os seus usos e não somente pelas suas inovações linguísticas.

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Referências Bibliográficas
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uma prática linguístico-escolar libertadora. 1.ª ed. Maputo: Texto editora.
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Dissertação de Mestrado. Porto, inédito.

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