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O
título deste artigo faz referência à re- somente de um determinado conceito. Pode-
tórica da qualidade da educação repro- mos dizer que este tem relações intrínsecas
duzida massivamente nas mídias e nos com o que Ball (2006) denomina de “revolu-
discursos de profissionais das diferentes áreas ção da qualidade”. O autor argumenta que a
que compõem o campo educacional e o objeti- educação está sujeita à retórica de aperfeiço-
vo deste estudo é problematizar e desvendar amento dessa chamada “revolução da quali-
as entrelinhas em diferentes contextos. dade”, que:
Ao observarmos como alguns jornais re-
tratam os temas relativos à educação, pode- Tem sido uma característica-chave
mos perceber que a maior parte dos sujeitos das reformas governamentais no
compartilha a ideia da existência de um gra- Reino Unido (e em vários outros lu-
ve problema no sistema de ensino brasileiro, gares) desde o início dos anos 1980.
especialmente relacionado ao baixo desem- [...] Muito da parafernália de qualida-
penho dos estudantes nos testes de larga es- de é tomada de empréstimo do setor
cala, resultando, portanto, em uma educação privado – o setor público, foi defendi-
de má qualidade. do [segundo essa retórica], e se be-
Essa ideia é compartilhada tão ampla- neficiaria da exposição às forças do
mente que quase atinge a consensualidade e, mercado, aos modelos comerciais de
em muitos níveis, acarreta a falta de reflexão gerenciamento e de aperfeiçoamen-
sobre o ideal educacional que almejamos. Ou to da qualidade (p.14).
seja, o excesso de importância que se atribui
ao problema da má qualidade via resultados Ou seja, está evidente o papel da retórica
de exames, não permite brechas para discus- da qualidade na imposição de orientações para
sões sobre o que se entende por escola de a educação pública, que se referenciam na
qualidade ou boa escola. A partir desse trata- lógica do mercado e buscam a criação de um
mento superficial, concepções veladas e não “novo ambiente moral” (BALL, 2006) no setor
declaradas invadem as páginas dos jornais por público, ambiente em que valores como com-
meio de declarações e comentários que com- petitividade, empreendedorismo e flexibilida-
põem a repercussão dos resultados, rankings de se impõem no lugar de estabilidade, coope-
e notícias sobre as grandes avaliações dos sis- ração e justiça social. Ball (2006) ainda afirma
temas de ensino. que “a ideia de deliberar e planejar almejando
A preocupação sobre a qualidade do en- o ‘bem comum’ torna-se sem sentido” (p.14).
sino está presente nas discussões do campo É possível exemplificar a questão citan-
teórico da educação, como no trabalho de do políticas meritocráticas, como por exem-
Paro (2007): plo, a bonificação salarial para professores,
vinculadas ao desempenho de seus alunos em
Ora, quando se atenta para a impor- exames de larga escala.
tância social da educação e para os Neste artigo, buscaremos discutir algu-
enormes contingentes populacio- mas das concepções de qualidade encontradas
nais que as políticas públicas da área na história recente da educação. Considerando
envolvem, mostra-se bastante pre- que elas se relacionam com o contexto político
ocupante essa ausência de um con- e local de cada época, e que uma corrente não
ceito inequívoco de qualidade (p.15). é suprimida com o fortalecimento de outra,
elas coexistem na cultura escolar e influenciam
Acreditamos que muitas vezes o trata- de diferentes formas as práticas educativas e a
mento dado à qualidade cumpre uma função formulação de políticas educacionais.
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Em nossos percursos de pesquisa, per- imprescindível para a instituição do Estado de
cebemos que a educação de qualidade, iden- Bem-Estar Social, uma vez que se acredita que
tificada com valores como competitividade, o maior investimento financeiro e material nos
empreendedorismo, performance e eficiência, serviços públicos, como a educação e saúde,
é hegemônica nas mídias de massa, especial- é determinante para a ampliação da qualida-
mente nos jornais de grande circulação da de desses serviços, considerando que, a partir
cidade do Rio de Janeiro. Discutiremos essa dessa ótica, é responsabilidade do Estado pro-
questão apontando para a ideia de qualidade mover o bem-estar social e garantir serviços
negociada como uma alternativa mais coeren- públicos e direitos sociais à população.
te com as discussões científicas contemporâ- “Mais tarde, o foco da atenção do con-
neas no campo da educação, principalmente ceito se deslocou dos recursos para a eficácia
na avaliação educacional, ou seja, uma quali- do processo: conseguir o máximo resultado
dade de natureza negociável, processual, con- com o mínimo custo” (ENGUITA, 1994, p.98).
textual e transformadora (FREITAS, 2005). Na mudança do discurso da qualidade da
educação se expressa a transmutação do mo-
Concepções de qualidade mento em que se pautava o Estado de Bem-
na educação -Estar Social para a lógica empresarial privada,
Quando abordam o tema da qualidade pois nessa perspectiva a relação dos recursos
no contexto educacional, os jornais1 impri- com resultados esperados e atingidos é que
mem uma visão ahistórica e unívoca ao mes- determina o grau de qualidade do sistema.
mo. Desconsideram que o conceito de quali- Posteriormente, ainda segundo o autor,
dade é historicamente produzido e deve ser é possível localizar a predominância da con-
visto como fenômeno complexo. cepção da qualidade, que é medida por meio
Por essa razão, o termo qualidade da de grandes avaliações de desempenho dos
educação carrega em si diversas significações alunos, entre outros resultados quantitativos,
que tomaram corpo de acordo com diferen- como “taxas de retenção, taxas de promo-
tes contextos políticos.2 No artigo O discurso ção, egressos dos cursos superiores, compa-
da qualidade e a qualidade do discurso, Enguita rações internacionais do rendimento escolar,
(1994, p. 98) expõe que o conceito de quali- etc.” (ENGUITA, 1994, p.98).
dade na educação “inicialmente foi identifica- Mais adiante, apresentaremos indícios
do tão-somente com a dotação em recursos dessa forte tendência de identificação da
humanos e materiais dos sistemas escolares qualidade, com o desempenho de alunos em
ou suas partes componentes”. Segundo ele grandes exames como PISA e Prova Brasil.
o foco das discussões sobre qualidade da Desta forma, discutiremos os contextos e as
educação estava na relação entre o Produto consequências desse discurso nos rumos da
Interno Bruto (PIB) e o financiamento dos sis- política educacional brasileira.
temas de ensino, o gasto por aluno, o salário
de professores e as condições de trabalho, A qualidade é polissêmica
isso tudo em consonância com o entendimen- Buscando uma ótica mais coerente com
to do investimento na educação pública como nossos estudos e vivências, concordamos
com a argumentação de Moreira e Kramer
1
Referimo-nos a esse meio de comunicação por ser (2007) segundo a qual a qualidade da edu-
o objeto de nossa pesquisa, porém os problemas cação é um fenômeno complexo que possui
explicitados não são exclusivos dos textos jornalísticos. determinações intraescolares (currículo, for-
2
Cabe explicar que, neste momento, estamos nos
referindo à hegemonia dessas visões em diferentes mação docente, gestão escolar, etc.) e extra-
épocas, pois uma não desaparece com a chegada escolares (condições de vida da população,
da outra, elas convivem nas práticas e discursos, capital econômico e cultural das famílias dos
conflitam entre si, se complementam e transformam. alunos, entre outros).
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Os autores demonstram ainda as limi- mandas distintas e mutáveis (MO-
tações que apresentam algumas concepções REIRA e KRAMER, 2007, p.1044).
acerca de educação de qualidade, as quais tra-
tam com simplismo o fenômeno: Reconhecendo a base arbitrária sob a
qual os conceitos de qualidade têm sido cons-
Nesse caso, encontram-se as que tituídos, podemos problematizar a questão
priorizam: desempenho satisfató- e propor uma ótica mais condizente com as
rio em exames nacionais; domínio recentes pesquisas em avaliação e currículo,
de conhecimentos, habilidades e por exemplo. Ou seja, levantar a bandeira da
competências que se estabeleçam qualidade identificada com o argumento das
previamente; emprego de tecnolo- escolas como:
gias avançadas; supervalorização
da competitividade e da produtivi- Formas sociais que ampliam as ca-
dade; novos métodos de gerencia- pacidades humanas, a fim de ha-
mento de sistemas e instituições bilitar as pessoas a intervirem na
educacionais; procedimentos inte- formação de suas próprias subjetivi-
grados e flexíveis no trabalho peda- dades e a serem capazes de exercer
gógico (MOREIRA e KRAMER, 2007, poder com vistas a transformar as
p.1043). condições ideológicas e materiais
de dominação em práticas que pro-
Não se descarta a importância de alguns movam o fortalecimento do poder
desses aspectos na ótica da qualidade da edu- social e demonstrem as possibili-
cação como fenômeno complexo, porém a dades da democracia (GIROUX e
crítica se fundamenta quando: SIMON, 2009, p. 95).
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de desempenho de estudantes que servem ta de direitos, de cidadãos plenos,
como base para avaliar a qualidade do profes- identificados com os valores éticos,
sor e responsabilizá-lo pelo desempenho dos voltados à construção de um projeto
seus alunos. social solidário que tenha na prática
Utilizando a análise dos jornais para res- da justiça, liberdade, no respeito hu-
ponder a pergunta dessa seção do artigo, po- mano, nas relações fraternas entre
demos afirmar que a missão da escola, na ótica homens e mulheres e na convivência
das propostas neoliberais, é fazer com que os harmônica com a natureza, o centro
alunos tenham bons desempenhos em exames de suas preocupações.
que abarcam conteúdos arbitrários, padroniza-
dos e mundializados. Isso significa dizer, entre Essa escola de qualidade a partir da
outras coisas, que o problema da má qualidade ótica progressista não está pronta, e nem
está na ineficiência da escola e baixo desempe- poderia estar. É necessário trabalhar para a
nho dos alunos se comparados a outros países sua construção com base em outros precei-
do mundo por meio do ranking do Programa tos. Freitas (2005, p. 921) explica que, para
Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) da definir essa qualidade, é preciso clarificar os
Organização para Cooperação e Desenvolvi- principais aspectos de sua natureza como
mento Econômico (OCDE). “seu caráter negociável, participativo, auto-
Se nos voltarmos para as propostas di- -reflexivo, contextual/plural, processual e
tas progressistas, percebemos outras preocu- transformador”.
pações que são fundamentalmente políticas, Em que pesem esses dois papéis confe-
voltadas para a democratização do acesso à ridos à escola, entendemos que a análise da
escola e do sucesso escolar, englobando prá- complexidade (Morin, 1999) cotidiana das
ticas de gestão democrática e de formação, práticas educativas e das práticas políticas
relacionamento com a comunidade local e voltadas para a educação, objeto de análise
a preocupação com a formação dos sujeitos no texto, nos incitam a afirmar que há mais
para o exercício pleno da vida. Assim, a fun- atos, ações e estratégias e intrincadas redes
ção dessa escola tem a ver com a sociais, culturais e políticas que apontam di-
versas possibilidades de papéis do que ape-
[...] atualização histórica do homem nas uma simples percepção dicotômica de
[como] condição imprescindível, sua função social. Toma-se tal divisão para
embora não suficiente, para que tecer argumentos de um ponto de vista mais
ele, pela apropriação da cultura didatizante para o leitor.
produzida historicamente, construa
sua própria humanidade histórico- Qualidade negociada
-social, parece justo admitir que a A noção de qualidade que pretende-
escola fundamental deva pautar-se mos focar é a qualidade negociada (FREITAS,
pela realização de objetivos numa 2005, 2009). Assim objetivamos contribuir
dupla dimensão: individual e social para o fomento ao debate acerca desse tema
(PARO, 2007, p.16). com uma concepção mais coerente em rela-
ção às propostas progressistas de educação,
Ainda nessa linha, Azevedo (apud KRUG, justamente por ser negociada, aberta e em
2006, p. 131) defende processo de construção permanente.
Nas propostas neoliberais que discuti-
Um projeto de educação de Qualida- mos anteriormente “a mudança é vista como
de Social transformador e libertador, parte de ações gerenciais administradas des-
onde a escola seja um laboratório de de um ‘centro pensante’” (FREITAS, 2009, p.
prática, de exercício e de conquis- 56). Dentre muitos aspectos, esse é o funda-
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mental, pois pensando nas políticas de avalia- atores: da escola para com seus estudantes;
ção essa questão fica evidente. da escola consigo mesma; da escola com os
De forma geral, as propostas políticas gestores do sistema escolar; e dos gestores
progressistas e neoliberais parecem ainda do sistema para com a escola” (FREITAS,
pouco satisfatórias, por não prezar o aspec- 2009, p. 922).
to negociável da qualidade. Em outras pala- Por fim, devemos deixar claro que qua-
vras, mesmo propostas identificadas como lidade negociada não significa que as escolas
progressistas, fundamentadas teoricamente devem isoladamente estabelecer seus crité-
e que obtiveram sucesso em outros contex- rios como se não fizessem parte de uma socie-
tos, por exemplo, as propostas de ciclos e de dade. Os indicadores devem ser negociáveis
não reprovação, quando implantadas a partir porque os problemas são contextualizados
de um centro pensante sofrem resistência de e plurais, porém “é importante frisar que a
professores, alunos e pai, comprometendo definição de indicadores, apesar das caracte-
seu desenvolvimento. rísticas locais que fortemente explicarão as
Sob a ótica da qualidade negociada a dificuldades ou facilidades de realização, é
“tendência das políticas participativas é gerar estabelecida no conjunto das necessidades e
envolvimento da ‘ponta’ do sistema” (FREI- dos compromissos do sistema público de en-
TAS, 2009, p. 56), por isso o destaque para sino” (FREITAS, 2005, p. 924).
o caráter negociável da qualidade. Sendo as-
sim, os indicadores dessa qualidade não são Avaliação e qualidade da educação
Não fugindo dessa lógica, as atuais ava-
Normas impostas do alto, às quais liações da educação básica, como o PISA no
devemos nos adequar. Não repre- âmbito internacional, a Prova Brasil em nível
sentam, nem mesmo, um ‘valor mé- nacional e o Prova Rio na esfera municipal, têm
dio’ de exequibilidade de aspectos recebido destaque nas páginas dos jornais e
da qualidade. São, ao contrário, sig- discussões que permeiam as políticas públicas.
nificados compartilhados [...]. São, Em nossa pesquisa, ficou evidente a par-
portanto, como indica o próprio ter- ticipação da avaliação para justificar a neces-
mo, sinalizações, linhas que indicam sidade de mais qualidade no ensino público.
um percurso possível de realização Por isso, optamos por partir da avaliação para
de objetivos compartilhados. [...] compreendermos os discursos sobre a quali-
aquilo que os diferentes atores so- dade da educação nos jornais.
ciais [...] se empenham em buscar, Para tal, selecionamos alguns textos jor-
contribuindo, para isso, cada um nalísticos que expressam as tendências obser-
de acordo com o próprio nível de vadas em todo o nosso corpus de análise.
responsabilidade (BONDIOLI apud No dia 18 de maio de 2009 foi publicado
FREITAS, 2005, p. 921). no jornal O Globo uma reportagem intitulada
Na série B da Educação, que retrata a mudan-
Nessa citação, o autor destaca dois aspec- ça na forma de avaliação do PISA, o qual, na
tos: “sua significação compartilhada” e a “con- edição de 2009, teve questões consideradas
tribuição de cada um de acordo com seu pró- mais fáceis, com o intuito de identificar dife-
prio nível de responsabilidade” (FREITAS, 2009, renças entre o desempenho de alunos com
p. 921). Por isso, os indicadores são mais impor- baixo rendimento.
tantes pela sua significação compartilhada do Na referida reportagem acredita-se ser
que pela sua capacidade de gerar estatísticas. possível medir a qualidade do ensino pelo
Para a efetivação desse projeto de esco- desempenho de estudantes em grandes ava-
la, é necessário um “pacto com os múltiplos liações padronizadas. Não são consideradas
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as especificidades do exame, por exemplo, cos, sem deixar de incentivar as ha-
somente a participação de alunos de 15 anos, bilidades dos mais fortes (O Globo,
sem levar em conta seu grau de escolarida- p. 3, 18/05/2009).
de, e a abordagem de Ciências, Matemática e
Português, tal como fica explícito no trecho Assim, Weber (2009) atribui o bom de-
exposto na sequência. sempenho e a alta qualidade à maneira de os
professores lidarem com as diferenças. Ou
A nota alcançada pelos alunos bra- seja, a qualidade é atribuída a esses países
sileiros sempre ficou abaixo da mé- porque conseguem homogeneizar o desem-
dia geral. O número de países que penho dos seus estudantes a ponto de eles
participam varia em cada edição do possuírem os mesmos conhecimentos sobre
exame, um dos mais importantes os temas abordados na prova.
para medir a qualidade do ensino. A outra reportagem que escolhemos
São avaliados estudantes de 15 para analisar mais criteriosamente foi publica-
anos de idade, independentemente da em 6 de setembro de 2009 no citado jor-
da série que cursam. (O Globo, p. 3, nal, cujo título da manchete é Metas para me-
18/05/2009). lhorar as notas do ensino, a qual faz referência
ao contrato de gestão assinado pelos direto-
O texto continua reforçando a ideia de res das escolas municipais do Rio de Janeiro
que o exame é capaz de medir o aprendizado, com a Secretaria Municipal de Educação, com
ou seja, parte da perspectiva de que o baixo o objetivo de melhorar a qualidade da educa-
desempenho no exame significa pouco apren- ção por meio de metas a serem atingidas.
dizado e, por isso, pouca qualidade do siste- No trecho abaixo, é possível observar
ma de ensino. novamente a visão de que a qualidade da es-
cola pode ser medida pelo desempenho dos
O coordenador-geral do Pisa na alunos nas avaliações externas.
OCDE, Andreas Schleicher, consi-
dera surpreendente uma parcela Cada escola tem uma meta indivi-
significativa dos estudantes de 15 dualizada, de acordo com seu de-
anos aprender tão pouco, apesar de sempenho: as que estão com notas
freqüentar a escola por quase uma piores precisam evoluir mais do que
década ou mais. Segundo ele, a me- as que já têm bons índices. Profes-
lhoria da qualidade do ensino é o sores e funcionários das unidades
maior desafio dos países, não só do que atingirem as metas receberão
Brasil. (O Globo, p. 3, 18/05/2009). o Prêmio Anual de Desempenho (O
Globo, p. 15, 06/09/2009).
Nesta última citação, além das conside-
rações já realizadas, observamos o uso super- Como consequência dessa ótica de ava-
ficial do discurso da qualidade sem levar em liação e qualidade da educação, entende-se
conta a historicidade do termo. também que o currículo deva ser padronizado
Ao tentar entender as possíveis causas para atender às demandas das provas. Dentre
do sucesso de alguns países no PISA, o jorna- as estratégias para diminuir as defasagens
lista Demétrio Weber considera que identificadas nos exames, as escolas devem
estabelecer formas de treinamento para as
Os professores nesses países con- provas e incentivos para alunos e funcioná-
seguem dar conta das diferenças rios que melhor se adequarem ao sistema,
dos estudantes de modo muito visando fortalecer uma cultura meritocrática
construtivo: dão apoio aos mais fra- e competitiva em detrimento de outros fato-
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res, como a valorização da carreira docente, é, principalmente, a crença de que as grandes
como pode se observar no trecho a seguir. avaliações são capazes de estabelecer o grau
de qualidade de uma escola ou rede de ensi-
A cada bimestre, as escolas têm no. Assim, as avaliações expressam a terceira
recebido orientações curriculares, forma de percepção da qualidade retratada
que tornam mais preciso o que por Oliveira e Araujo (2005, p. 6):
deve ser ensinado. Nas provas pa-
dronizadas que são aplicadas a No Brasil, a qualidade de ensino foi
cada dois meses, ficam evidentes percebida de três formas distintas.
os erros mais comuns. É enviado Na primeira, a qualidade determi-
um relatório para as escolas, apon- nada pela oferta insuficiente; na
tando como trabalhar com os con- segunda, a qualidade percebida
teúdos necessários (O Globo, p. 15, pelas disfunções no fluxo ao longo
06/09/2009). do ensino fundamental; e na ter-
ceira, por meio da generalização
Pode-se, ainda, problematizar o fato de de sistemas de avaliação baseados
que provas padronizadas e elaboradas num em testes padronizados.
nível central não garantem a qualidade da
educação no sentido que abordamos neste Vale ressaltar o papel central desempenha-
estudo, uma vez que não consideram as dife- do pela avaliação, quando sua função seletiva é
renças nem entre os sujeitos que aprendem, tão superestimada que dificulta o estabeleci-
nem entre os grupos de discentes ou docen- mento de perspectivas de avaliação continuada
tes, nem entre as unidades escolares. e formativa. Cury (apud FRANCO; FERNANDES;
Nesse sentido, o parágrafo apresenta- BONAMINO, 2000, p. 168) demonstra que, a
do na sequência também nos traz algumas partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
reflexões: (LDB) – Lei nº 9.394/96, a avaliação ganha um
papel central que “vai da negação de um sis-
Os dados dos testes de matemática tema nacional de educação à afirmação de um
do 9º ano foram considerados por sistema nacional de avaliação”.
Claudia Costin como ‘um verdadei- A avaliação, principalmente por meio
ro desastre’, resultado principal- de exames, foi colocada no papel de guia na
mente de uma sequência de anos caminhada pela qualidade da educação na úl-
no sistema de aprovação automáti- tima década. Aliados à cobertura dada pelos
ca. Em visita a escolas, ela colheu re- jornais no tocante à matéria, a criação de exa-
latos de que sequer provas vinham mes, os índices e as políticas de bonificação
sendo aplicadas, já que não havia a de professores e alunos, reforçam a função
possibilidade de reprovação (O Glo- classificatória e seletiva. Para colocar a educa-
bo, p. 15, 06/09/2009). ção no caminho de outra visão de qualidade,
mais democrática e emancipatória, se faz ne-
Apesar de a declaração expressa ser da cessário a construção de práticas articuladas
gestora de uma grande rede de ensino, ela re- de avaliação para a aprendizagem, da institui-
vela dois equívocos característicos do senso ção e das redes de ensino, respeitando os pro-
comum e da nossa cultura escolar por meio fessores, os gestores e a comunidade escolar.
das seguintes ideias: a reprovação garante a Buscamos apresentar neste artigo a ar-
aprendizagem e sem aprovação ou reprova- gumentação de que se tem atrelado ao sen-
ção não há avaliação. so comum, pelos meios de comunicação, em
O ponto de convergência entre os textos especial nos meios impressos/jornais, mas
jornalísticos supracitados e outros analisados não somente a eles, a concepção de que para
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ser uma escola de qualidade basta ter bons proficiência em disciplinas escolares. Fica-nos
resultados de desempenho dos estudantes. a mensagem nas entrelinhas que os responsá-
Não desconsiderando que um bom desempe- veis pelo sucesso ou insucesso da educação,
nho é indicador de qualidade, tal perspectiva em especial a pública, são os docentes e dis-
desconsidera que qualidade em educação é centes. Tal redução vem causando retroces-
termo polissêmico, e que a educação escolar, sos perigosos para a educação escolar, para
por ser uma prática social e ter como uma de os sistemas de ensino e, em última instância,
suas funções a formação cidadã, não pode ser para o projeto de uma sociedade mais demo-
avaliada em sua missão apenas por exames de crática e inclusiva.
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