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Políticas de avaliação em larga escala e a questão

da inovação educacional
Policies of evaluation in large scale and the
question of educacional innovation
Bernardete A. Gatti
Pesquisadora Colaboradora na Fundação Carlos Chagas.
E-mail: gatti@fcc.org.br

Resumo
Neste texto discutem-se as políticas de avaliação em larga escala no âmbito das políticas educacionais
brasileiras, retratando como as avaliações se tornaram o carro chefe das ações políticas em educação,
marcadas por uma perspectiva produtivista e vinculada às pressões dos organismos internacionais. Com
tal perspectiva, instalou-se um modelo gerencialista que se baseia nos resultados do rendimento escolar
dos alunos, medidos por testes em larga escala, utilizados como indicadores da qualidade de ensino
e como forma de controle da educação nacional. Nesse sentido, dificilmente pode-se falar em caráter
inovador dessas avaliações.
Palavras-chave
Política educacional. Avaliação em larga escala. Inovação educacional.

Abstract
The text discusses the evaluation policies in large scale in the scope of Brazilian educational policies,
showing how the evaluations became central in political actions in education, characterized by a pro-
ductivist perspective and linked to pressures from international organizations. With this perspective in
mind, a management model has been installed, which is based on the results from the students school
performance, measured by large scale tests, used as indication of teaching quality and as a way of con-
trolling national education. In this way, it is hardly to talk about innovative aspect of these evaluations.
Key words
Educational policies. Large scale evaluation. Educational innovation.

Série-Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB


Campo Grande, MS, n. 33, p. 29-37, jan./jul. 2012
Para discutir as políticas de ava- postas em nível do MEC, e de secretarias
liação em larga escala, faz-se necessário de educação, nas duas últimas décadas.
considerá-las no conjunto das políticas Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o
educacionais no seio das quais elas se Plano Nacional de Educação (PNE) 2001
aninham. Só assim podemos desvelar o foram posteriores à implementação das
sentido e os significados que elas podem avaliações externas das redes de ensino,
assumir nas realidades socioeducacionais as quais datam do início dos anos 1990 e,
em seu caráter histórico. E, como explicitam mesmo sobrevindo tardiamente nas polí-
Gatti, Barretto e André (2011, p. 31), ticas de governo em relação às propostas
[...] o caráter histórico das políticas já implementadas de avaliações em larga
educacionais remete, por sua vez, à escala, não representaram papel condizen-
necessidade de analisá-las com base te com uma perspectiva política integrante
no contexto nacional e internacional para a educação escolar. A proposição des-
em que se inserem, das demandas de sas avaliações, assim como de parâmetros
diferentes âmbitos a que procuram curriculares, foi, sem dúvida, motivada pela
responder e da própria evolução das necessidade de aumentar o controle da
tradições educativas em que elas são educação nacional por parte do governo
desenhadas e postas em prática. central, através desse sistema avaliativo,
Não é de hoje que se coloca nas introduzindo uma nova lógica de operar o
discussões havidas em vários eventos sistema público, tal como ocorreu na maior
científicos e nos trabalhos aí apresentados1 parte dos países desenvolvidos e em toda
que, no Brasil, tivemos uma inversão na a América Latina (AFONSO, 2000; RAVELA,
ênfase de ações políticas, tanto do MEC 2000; GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011).
como de secretarias de educação, privile- Essas avaliações se tornaram o
giando sobretudo as políticas de avaliação carro-chefe das ações políticas em educa-
do desempenho escolar em detrimento ção, muito especialmente em nível federal.
de definição e orientações claras de uma De um lado, podemos dizer que, subja-
filosofia e política educacional abrangente centemente, isso indica uma perspectiva
e articuladora, especialmente de políticas produtivista em educação, que veio se
de currículo, onde as questões de avaliação acentuando, e de outro, sinaliza para a
em larga escala se inseririam. Observa-se sua vinculação às pressões de organis-
certo esgarçamento no tocante a esses as- mos internacionais, especialmente os que
pectos quando se analisam as ações pro- favorecem financiamentos de diferentes
ordens ao país. Conforme os autores aci-
ma citados, no modelo gerencialista que
1
Estamos nos referindo, em particular, aos últimos passa a informar as reformas educacionais
encontros da ANPED e ANPAE, dos ENDIPEs e dos
CEPFEs – Congresso Estadual Paulista de Formação
no mundo globalizado, o foco se situa
de Professores, e I Congresso Nacional de Formação nos resultados de rendimento escolar
de Professores, cujos Anais são disponíveis. dos alunos, medido por testes em larga

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escala, com grande ênfase na eficácia na busca de equidade educacional. O que
e na eficiência das escolas no manejo colocamos é que, não se pode pensar que
do currículo. Isso, sem apoiar as escolas se cumpre esse compromisso e se obtém
no que diz respeito a esse manejo. No melhoria na educação escolar apenas
caso do Brasil, a busca pela qualidade do através da pressão de avaliações externas
ensino, equacionada nos termos de suas (e até de comparações cientificamente
avaliações externas, ocorre principalmente espúrias)2, sem o contraponto de políticas
no interior das próprias redes públicas de de melhor qualificação dos profissionais
ensino, responsáveis majoritárias pelas da educação, com inovações relevantes
matrículas da educação básica no país, em sua formação inicial e continuada, e
e a tendência das ações implementadas de financiamento suficiente, com grandes
é a de assumir um caráter meramente investimentos, coerentes e articulados, seja
supletivo e compensatório. No caso brasi- em infraestrutura, seja em apoios pedagó-
leiro, em duas áreas curriculares apenas: gicos nas redes.
língua portuguesa (leitura) e matemática. O investimento em mídia para que
Com esse caráter, falarmos em inovação este carro-chefe – as avaliações externas
educacional provocada por essas avalia- – assumisse socialmente proporções de
ções, entendida inovação como avanços solução para os problemas escolares foi
propositivos em didáticas, em renovação alto, explorando-se os aspectos pragmáti-
curricular, em materiais didáticos diferen- cos e competitivos de resultados sobre os
ciados dos existentes, projetos formativos quais não se pergunta de sua validade,
renovadores, para a escola básica como seja política, seja teórica, seja técnica, seja,
um todo, parece-nos inapropriado. O que acima de tudo, socioeducacional. Não se
se constata são ações que procuram cobrir põe a questão dessas avaliações, tal como
as lacunas de desempenho nessas duas são realizadas, em relação às finalidades
áreas do conhecimento, por parte dos da educação básica para o Brasil, em sua
estudantes, com propostas sobejamente conjuntura, essencial para a construção
conhecidas há tempos. Nos projetos for- de políticas educacionais articuladas,
mativos de professores que se propõem avaliações sustentadas por uma filoso-
como renovadores (UAB, PARFOR etc.), o fia educacional mais humanitária, e por
que se constata é a reprodução de formas inovações consistentes nos processos de
curriculares tradicionais (veja-se estudo de ensino-aprendizagem.
Gatti, Barretto e André, 2011). As avaliações e suas matrizes,
Ao lembrarmos as pressões interna- as comparações e indicadores e metas
cionais ligadas às propostas da UNESCO
de “Educação para Todos”, cujos compro-
missos o Brasil assinou, não queremos 2
Por ex. ver artigo de Ruben Klein sobre as com-
afirmar que essas propostas não sejam parações realizadas com os dados do PISA (KLEIN,
éticas e relevantes. Elas o são: caminham 2011)

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propostos, sem um questionamento mais produto está dentro da linha quantitativa
sério, ao longo do tempo, de seus funda- de produção proposta, em um discurso
mentos, origens e pertinência, são erigidas educacional ambíguo, mas que sinaliza
de modo funcional e fragmentário, em eixo a positivação de números estimados por
das ações políticas em educação. Se, em critérios probabilísticos, em detrimento de
seus inícios, essas avaliações eram apre- pessoas em situações heterogêneas, e com
sentadas como apenas diagnósticas, elas a redução do mundo da escola, da edu-
passaram a ser tomadas como a grande cação, a duas áreas de conteúdo – língua
política de currículo educacional e, mais portuguesa e matemática.
recentemente, como política definidora de Na perspectiva da didática e das
equidade social. Cabe perguntar que ele- teorias pedagógicas, focaliza-se a avalia-
mentos pedagógicos realmente oferecem ção do ponto de vista dos processos de
para a inovação educacional, mesmo que ensino-aprendizagem. Já o modelo de
seja apenas nas duas áreas consideradas? gestão de políticas educacionais centrado
Olhando o modelo utilizado universalmen- nos resultados não se mostra particular-
te nessas avaliações e a escala utilizada, mente preocupado com os processos. O
há pouca informação que possa alimentar IDEB tornou-se a expressão de qualidade
e orientar processos de ensino. O dado fica do ensino, a qual, nessa postura, é tradu-
como provocador, supondo-se, parece, que zida por um cálculo que tem por base o
cada escola, cada rede se “vire” para atingir desempenho do aluno obtido por meio
metas teóricas propostas. dos testes de larga escala e em taxas de
Não se constata lastro educacional e aprovação. Então, consoante a perspectivas
pedagógico mais denso nessas propostas da globalização, estabeleceram-se metas
avaliativas, mesmo com toda a sofisticação de desempenho, estipulando-se o prazo até
metodológica. Não estão postas questões 2021, para que os alunos das escolas bra-
de base para sustentá-las: educação es- sileiras atinjam os padrões apresentados
colar básica para quê, para quem, para pelos sistemas escolares dos países desen-
que futuro país? Qual educação escolar? volvidos, referenciando-se nos resultados
Apenas se discute se o IDEB3 – medida do Programa Internacional de Avaliação
educacional bem restrita – deste ou da- da Aprendizagem (PISA). Estados e mu-
quele estado ou município, e até escola, nicípios, que são os responsáveis diretos
atingiu ou não a meta teórica proposta. O pelas redes escolares da educação básica,
IDEB coloca um desafio às redes, que é a passam a ser cobrados incisivamente,
obrigação de se empenharem para que induzindo a uma progressão orientada
todos, indiscriminadamente, aprendam por metas quantitativas com vistas ao
aquilo que a prova mede. Ou seja, se o alcance deste “padrão de qualidade.” O
grande desafio da educação no país, a
melhoria da qualidade do ensino, tende,
3
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. portanto, a se traduzir fundamentalmente

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no seu equacionamento em termos da pedagógicos. Perde-se, também, de vista,
capacidade de alcançar um bom resultado com essa sofisticação estatística que foi
na pontuação do IDEB. Se de um lado, generalizada em seu uso aqui no Brasil,
os dados desse indicador, mesmo com a questão curricular que subjaz a ela.
as restrições quanto à sua composição, Justifica-se esse uso indiscriminado com
poderiam servir de informação e estímulo a vantagem da comparabilidade; mas,
aos gestores, de outro, o que se observa para se ter comparabilidade de resultados,
é que vêm propiciando comparações pro- dispõe-se de vários outros mecanismos
blemáticas e um reducionismo na gestão estatísticos. Seria importante trabalhar
do currículo escolar. com certa variação nos modelos avaliati-
Como afirma Flávia Werle (2011, vos, definidos para situações e objetivos
p. 769), em estudo sobre esses sistemas específicos, considerando as finalidades
avaliativos, as avaliações externas em larga de cada nível, subnível ou área de ensi-
escala, do desempenho escolar, passaram no que compõem a educação básica de
de “um nível de diagnóstico, para os signi- modo integrado com os diferenciais de
ficados pautados pelo pragmatismo e ope- desenvolvimento cognitivo-sócio-afetivo
racionalização”. Completamos, apontando das crianças, adolescentes e jovens – seres
também a segmentação das matrizes por em desenvolvimento. O próprio ENEM, que
conteúdos (definidos genericamente por se originou com um sofisticado modelo de
especialistas, já que não temos currículo habilidades e competências, propondo-se
claro) ou, por competências/habilidades a trabalhar com questões de cunho inter-
(mal definidas, e, portanto mal compre- disciplinar e com metacognição, veio re-
endidas). Essas avaliações passaram, centemente a ser adaptado ao modelo da
também, por um nivelamento para uma Prova Brasil e à metodologia TRI. A própria
escala única, todas baseadas na Teoria da construção dessa escala é controversa, não
Resposta ao Item (TRI), aí incluídas avalia- se tendo informação de quais itens foram
ções de estados e alguns municípios que considerados ou não nos resultados, entre
ajustaram seus modelos à TRI. Não se faz outros aspectos. Faltam informação e trans-
um questionamento mais profundo se esse parência. Ainda, na própria área estatística
procedimento é adequado para todas as discute-se a consistência desse modelo
situações, apenas adere-se. Não se levanta probabilístico de estimativa de desempe-
a questão relevante sobre a contribuição nho de estudantes, e, no caso do modelo
pedagógica para as escolas dessa escala, estatístico, o que se propõe é a detecção
no formato divulgado, e também não se de um traço cognitivo latente, havendo na
faz considerações sobre a perda de infor- literatura especializada várias restrições às
mações educacionais importantes como, funções probabilísticas utilizadas.
por exemplo, a análise dos erros, que Por outro lado, o MEC está propondo
muito informam sobre caminhos cogni- a discussão das “expectativas de aprendi-
tivos e contribuem para planejamentos zagem” para a educação básica e as

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pergunta que se colocam são: com que Mesmo com a colocação em docu-
bases se faz essa discussão? Sobre qual mentos oficiais que essas matrizes tinham
perspectiva educacional e quais tipos de como referência os Parâmetros Curricula-
conhecimentos? Não há como lidar com res, depois que eles foram editados, sem-
expectativas de aprendizagem escolar sem pre foi difícil reconhecê-los nos tópicos
um currículo explicitado, caso contrário operacionais das matrizes do SAEB, ENEM
fica-se em generalidades ocas. ou Prova Brasil. Matrizes são funcionais e
Os parâmetros, referenciais ou orien- demandam especificação de conteúdos
tações curriculares nacionais, ainda que curriculares em uma forma “avaliável”,
oficiais, são de caráter amplo, aberto e portanto, não dão conta de processos de
flexível, não tendo na maioria dos casos aprendizagem, mas sim de um tipo de
caráter de obrigatoriedade. As redes esta- desempenho sob certas condições, num
duais e municipais de ensino têm boa dado momento. Elas não podem substituir
margem de autonomia para organizar seus propostas curriculares com seus desdobra-
currículos, podendo construir suas próprias mentos pedagógicos.
orientações curriculares de acordo com Essas considerações que fazemos
suas necessidades e possibilidades, o que têm a intenção de colocar um pouco mais
leva a diferenciais formativos escolares, con- de reflexão quanto aos fundamentos e
forme a orientação específica e distribuição processos desses modelos avaliativos, e
dos conteúdos. Considere-se também que a função real que podem ter, mas não
vários estados e muitos municípios não pretendem invalidar o papel de avaliações
estruturaram suas orientações curriculares, externas, que, quando bem conduzidas e
ficando essa questão a cargo das escolas. bem tratadas social, educacionalmente e
Embora haja, nas novas formas de regula- eticamente, podem trazer contribuições
ção assumidas pela União, uma ampliação relevantes à gestão educacional e aos
do caráter centralizador da ideia de um processos de ensino-aprendizagem.
currículo nacional, via a política dos livros Cabe a pesquisadores da educa-
didáticos e dos modelos nacionais de ava- ção aprofundar as análises sobre esses
liação, a variação curricular entre escolas, processos, conduzindo investigações de
municípios e estados é grande, cabendo meta-avaliação, procurando contribuir para
perguntar sobre a validade das matrizes aperfeiçoamentos e redirecionamentos,
adotadas nessas avaliações. Também, a tendo como referência as escolas em suas
incidência ou o papel das matrizes avalia- práticas pedagógicas. Mas, para tanto, é
tivas substituindo uma proposta curricular, preciso conhecer os meandros das meto-
apenas se poderia fazer sentir nas duas áre- dologias avaliativas e ter no horizonte
as que são avaliadas, isso, se especialistas uma visão de filosofia política educacional.
destrinchassem nas redes essas matrizes. As propostas avaliativas de desempenho
Ou seja, se elas fossem adequadamente escolar podem ser muito significativas e
apropriadas pelos gestores e professores. úteis, tanto como diagnóstico, ou como

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avaliação posterior ou simultânea ao de- avaliação, sejam as de redes de ensino,
senvolvimento de políticas ou programas sejam as de sala de aula, com maior do-
educacionais. Porém as avaliações de mínio de conhecimentos, com seriedade e
desempenho escolar precisam estar apoia- transparência, com bom senso e pondera-
das em uma proposta educacional clara, ção, com uma visão pedagógica, utilizando
uma base curricular real e dependem de seus resultados como meio de apoio para
boas perguntas sobre situações concretas a melhoria das condições educacionais
dentro de uma perspectiva educacional escolares. Em nível de redes, pela criação
explicitada. A avaliação não prescinde de de políticas coerentes e mais consistentes
uma visão política, de uma projeção de para a melhoria do ensino escolar. Em
sentido, mesmo a diagnóstica: os porquês nível de escola, pela atuação direta de
e os para quê e para quem. Isto é exigência diretores, coordenadores, supervisores pe-
básica de uma postura democrática e de dagógicos, pedagogos, e, dos professores
uma perspectiva humanitária em que a em suas salas de aula. Mas, para tanto
avaliação educacional tem como perspec- são necessárias metodologias de avaliação
tiva essencial alavancar aprendizagens e adequadas a cada caso com sua validade
desenvolver pessoas e instituições. Então, minimamente garantida. Validade interna
é preciso considerar que os processos de e externa.
avaliação educacional devem ser concebi- Na situação que vivenciamos até o
dos e executados, não como instrumentos momento, há sinalizações de que estamos
de exposição punitiva, de depreciação, mas, longe de concretizar essa perspectiva com
sim, como meios auxiliares para melhorar nossos modelos de avaliação externa e a
processos de gestão, processos de ensino e forma de tratamento, divulgação e formas de
garantir aprendizagens significativas, para utilização dos resultados. Estamos assistindo
orientar ações didáticas, corrigir problemas a mobilizações de alguns estados e municí-
e solucionar impasses. Sua utilização ver- pios quanto aos desempenhos dos alunos,
dadeiramente democrática pressupõe uma mas, apenas em duas áreas de conheci-
nova ética social. mento (as avaliadas), o que representa um
Seria importante questionar-se, reducionismo curricular e uma fragmentação
com análises mais profundas e de cunho no trabalho das escolas. Com esse modelo
educacional, se o modelo adotado em fica difícil entrar em pauta o conceito de
nossas avaliações externas de larga es- educação integral. Nos últimos anos, o IDEB
cala propiciam informações pertinentes tornou-se a referência mais direta para ad-
ao trabalho pedagógico no cotidiano das ministradores escolares e para políticos. No
escolas, trabalho que, esse sim, é responsá- entanto não há como negar que a maioria
vel pela qualidade da formação oferecida dos gestores se restringe a criar pressões que
a crianças e jovens, e pela construção de se dirigem mais para o alcance de metas nu-
um processo de equidade social. Por isso, méricas a qualquer custo, em dois quesitos
há necessidade de tratar as questões de curriculares, do que a criar mobilizações em

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relação a aspectos de gestão educacional e Voltamos a Werle (2011), que, após
mobilizações em relação a aspectos ligados densa análise das políticas de avaliação
à gestão pedagógica, considerando cada do MEC e sua incidência em políticas
escola em seu todo. Há o efeito de segmen- correlatas4, refere-se ao emprego intensivo
tação da escola – português e matemática de tecnologias da informação na adminis-
de um lado, as demais disciplinas ao léu. tração da educação, o que proporciona
Temos poucos exemplos eficazes de políticas uma enorme centralização do controle, e
e planejamento educacional subsidiado por que, com a “padronização de áreas, indica-
análises detalhadas e aprofundadas, com dores e critérios presentes nos instrumen-
os dados regionais ou locais dos processos tos de coleta de dados, retira a escola de
avaliativos, o que seria interessante, mesmo um patamar de autoidentidade formulada
considerando seus limites e problemas. a partir de seu próprio olhar para lançá-la
Mas, mesmo poucos, os exemplos existem como organização caracterizada por uma
(embora nem sempre subsistam). Entre vá- linguagem padrão, universalizante e uni-
rias iniciativas recentes, podemos lembrar ficadora.” Conclui, então, que
as experiências de municípios como os A crença na capacidade reguladora
de Amargosa (BA), Campo Grande (MS), dos números e índices produzidos
Dourados (MS), Farroupilha (RS), Itaiçaba pelas avaliações é reforçada por todas
(CE), Petrolina (PE), Pompéia (SP), Santarém as estratégias adotadas nos vários
(PA), Santos (SP), São Sebastião do Paraíso programas em nível federal. (WERLE,
(MG), Sobral (CE) e Triunfo (RS), nos quais 2011, p. 790).
foram desenvolvidos processos de implan-
tação de currículo, formação continuada de Considerações finais
professores e sistema próprio de avaliação, Os pesquisadores em educação
integrados por uma política educacional precisam voltar-se mais ao estudo e à
local. Os dados evidenciam nesses locais discussão das avaliações externas em
melhorias substantivas no desempenho larga escala, quer quanto aos aspectos
escolar das crianças. (Ver Documentos do relativos às políticas e ações educacionais,
Prêmio de Inovação em Gestão Educacional, quer quanto aos aspectos teóricos e aos
INEP/MEC, 2008). Também podemos lembrar procedimentos implementados, à luz de
aqui experiências diferenciadas de estados uma perspectiva também pedagógica.
como Acre, Pernambuco, Ceará e Paraná Estudos meta-avaliativos podem con-
(GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011). Temos a tribuir para análises consistentes quanto
observar que há um aspecto a considerar
nessas iniciativas, na realidade brasileira,
4
que é o da descontinuidade de políticas Programa Universidade para Todos (PROUNI);
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
implementadas, o que quase sempre ocorre que contém vários programas; Sistema de Seleção
nas administrações públicas na passagem Unificada para ao Ensino Superior (SISU); Plano de
de um gestor para outro. Ações Articuladas (PAR) e seus desdobramentos.

36 Bernadete A. GATTI. Políticas de avaliação em larga escala e a questão da inovação educacional


às políticas avaliativas adotadas no país e de estereótipos, reconhecer as diversidades
seus percursos histórico-sociais. Quanto à e acreditar que é possível melhorar, mudar
perspectiva de meta-avaliação, ela permite; uma condição, respeitar situações.
(1) manter nossa capacidade “crítica” em Quando se trata de avaliação que
estado de atenção, evitando o subjugar-se atinge pessoas em sua vida escolar, por-
por opiniões “prontas” e justificativas pseu- tanto, em sua vida social, há cuidados
dorrevolucionárias; (2) buscar certo domínio imprescindíveis a tomar. Envolve questões
sobre os métodos empregados (o que de ética, além de envolver conhecimento
permite uma visão consciente quanto à científico e técnico. Não pode ser um pro-
avaliação e seus resultados; limites, proble- cesso construído com ligeireza e adesismo.
mas, contribuições); (3) trabalhar os fatos e É preciso refletir sobre os objetivos e os
dados da avaliação educacional com uma impactos desse processo, que tem conse-
visão prospectiva de aprimoramento, ala- quências pessoais, institucionais, sociais.
vanca para desenvolvimento de domínios Os processos avaliativos são processos que
de conhecimentos, saberes, formas de agir; implicam necessariamente julgamento de
(4) traçar novos caminhos de socialização valor, e é preciso que se tenha consciência
de saberes, lembrando o direito de todos ao ética em relação aos objetivos, finalidades,
conhecimento, à apropriação de saberes ne- procedimentos empregados, socialização
cessários a uma melhor existência e aos cui- das informações e ações decorrentes e
dados de si e do outro; (5) fugir ao domínio seus consequentes.

Referências

AFONSO, A. J. Avaliação educacional: regulação e emancipação. São Paulo: Cortez, 2000.


GATTI, B. A.; BARRETTO, E. S. S.; ANDRÉ, M. E. D. A. Políticas docentes no Brasil: um estado da
arte. Brasília: UNESCO, 2011.
KLEIN, R. Uma re-análise dos resultados do PISA: problemas de comparabilidade. Ensaio: Ava-
liação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 717-768, dez. 2011.
INEP/MEC. Prêmio de Inovação em Gestão Educacional, Documentos, 2008.
RAVELA, P. et al. Hacia donde y como avanzar en la evaluación de aprendizages en América
Latina. Umbral 2000, Digital n. 3, mayo, 2000. Disponível em: <www. reduc.cl>.
WERLE, F. O. C. Políticas de avaliação em larga escala na educação básica: do controle de
resultados à intervenção nos processos de operacionalização do ensino. Ensaio: Avaliação e
Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 769-792, out./dez. 2011.

Recebido em abril de 2012


Aprovado para publicação em junho de 2012

Série-Estudos... Campo Grande, MS, n. 33, p. 29-37, jan./jun. 2012. 37

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