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REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO DOS COORDENADORES


PEDAGÓGICOS NO CONTEXTO DE TESTAGEM

MENEGÃO, Rita de Cássia Silva Godoi

RESUMO: Este trabalho aborda a posição de coordenadores pedagógicos frente a


avaliação externa em larga escala no contexto escolar. Parte-se do pressuposto que a
política avaliativa como instrumento de poder pode dado seu caráter indutor demarcar o
que a escola deve valorizar. Em contrapartida considera-se também que toda política ao
ser implementada está sujeita à interpretação e recriação pelos protagonistas locais, bem
como pelas condições estruturais e culturais que as materializam. Nesse sentido, torna-
se imprescindível analisar como as políticas de avaliação em larga escala, presentes no
cenário da educação brasileira estão sendo compreendidas pelos que atuam nas unidades
escolares. Nesse sentido, partimos da seguinte interrogação: Como os coordenadores
pedagógicos entendem, reagem e convivem com essa política de avaliação no contexto
escolar? O objetivo principal deste estudo é analisar como a prática de avaliação externa
introduzida nas unidades escolares é compreendida e gerida pelos coordenadores em
suas práticas. A opção é pela metodologia de natureza qualitativa, com enfoque
descritivo-interpretativo analítico tendo por instrumento de coleta de dados entrevistas
semiestruturadas e análise documental. O lócus desse estudo foram escolas da rede
pública municipal de Cuiabá/MT, no ano letivo 2013. A análise se orientou na
perspectiva de captar os sentidos que os sujeitos atribuem às avaliações externas em
larga escala no contexto escolar. A pertinência do estudo está em contribuir para
ampliar o conhecimento acerca do entendimento que os protagonistas da escola
atribuem à avaliação em larga escala, bem como, a configuração do cenário escolar pós-
advento avaliativo considerando-se a abrangência e atualidade das políticas de avaliação
no contexto da educação nacional.
Palavras-chave: Avaliação externa em larga escala, Política de Avaliação, Gestão
Escolar, Coordenação Pedagógica

Introdução

Neste texto, abordaremos as políticas de avaliação em larga escala que se


efetivaram no cenário educacional, após a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB 9394/1996) na interface com o trabalho da
coordenação pedagógica nas unidades escolares. O Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (SAEB 1990) introduziu as práticas de avaliações das aprendizagens
dos alunos, por meio de testes de múltipla escolha realizadas pelo INEP/MEC. Analisar
tais políticas é uma tarefa que se impõe aos profissionais da educação, até mesmo
porque as escolas e os que dela fazem parte, em especial os coordenadores pedagógicos
têm sido convocados a interatuar com essas avaliações.
Nessa direção, asseveramos com Souza (2011, p.314) que: “Pesquisas que
informem sobre como vem sendo concebida e vivenciada a avaliação têm relevância
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científica e social”, pois ela é uma ferramenta de poder, que pode contribuir (ou não)
para promover a escola de qualidade para todos. Entendendo imprescindível analisar
tais políticas buscamos responder: Como os coordenadores pedagógicos entendem,
reagem e convivem com essa política de avaliação no contexto escolar? O principal
objetivo é analisar como essa prática de avaliação é compreendida e gerida pelos
coordenadores pedagógicos em suas práticas. Nosso esforço está em compreender como
aspectos legais, instituídos por meio de encaminhamentos provenientes dos gabinetes
governamentais, são acolhidos no contexto escolar, uma vez que ocorrem
concomitantemente com as práticas educativas “regulares” no interior das escolas.
A investigação é de natureza qualitativa, com enfoque descritivo-interpretativo
analítico, cuja coleta de dados teve por instrumentos as entrevistas semiestruturadas e
análise documental. O lócus desse estudo foram 10 (dez) escolas da rede pública
municipal de Cuiabá/MT, sendo sujeitos 10 (dez) coordenadores/as pedagógicos/as que
atuavam junto aos professores do 5º ano do ensino fundamental em 2013.

Políticas de avaliação: alguns esclarecimentos...

Neste artigo, mencionaremos o Ideb, Indicador de Desenvolvimento da


Educação Básica, sistema avaliativo que opera com a Prova Brasil e os dados do Censo
Escolar, iniciativas que estão mobilizando redes de ensino e escolas, em especial a lócus
deste estudo. Para atender essa finalidade o INEP realiza uma pesquisa bianual
denominada SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, avocando
essa ação como monitoramento da qualidade da educação básica brasileira. Para tanto,
utilizam-se de cinco instrumentos para coletar dados: um teste de língua portuguesa e
matemática e quatro questionários para serem respondidos pelos segmentos: alunos,
professores, diretor e responsável pela coleta na instituição.
Elucidam que os testes são elaborados com base em uma matriz de
competências, construída de forma a atender as indicações dos parâmetros curriculares e
ainda as matrizes dos diferentes sistemas de ensino, quer seja ao nível estadual ou
municipal. Deste modo, assumem que são essas matrizes de referências que orientam os
itens e a elaboração das provas. Argumentam que estas matrizes traduzem a associação
entre os conteúdos praticados nas escolas de ensino fundamental e as competências
cognitivas e habilidades utilizadas pelos alunos na construção do conhecimento.
A avaliação nacional em larga escala pode ser entendida como: “um instrumento
de acompanhamento global de redes de ensino com o objetivo de traçar séries históricas
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do desempenho dos sistemas que permitam verificar tendências ao longo do tempo com
a finalidade de reorientar políticas públicas” como afirma Freitas (FREITAS et al, 2009
p. 47) ou como “forma privilegiada e frequentemente a única de se analisar a qualidade
da educação básica brasileira” como propõe Soares e Xavier (2013, p. 904) referindo-se
ao Ideb. Para esses autores a admissão do Ideb colocou no cerne do debate a ideia de
que os sistemas educacionais brasileiros devem ser avaliados não apenas pelos seus
processos de ensino e gestão, sobretudo, pelo aprendizado e trajetória escolar dos
alunos.
As políticas educacionais têm sido claramente influenciadas pela ideologia
neoliberal. Para Santos (2006) o surgimento de tais políticas foi propiciado por um
intenso desequilíbrio da tensão permanente entre aqueles que historicamente têm sido os
três grandes pilares reguladores da vida social: o estado, o mercado e a cidadania.
Dentre suas finalidades está garantir eficiência e produtividade em processos
pedagógicos, deste modo, implantaram no campo educacional mecanismos de mercado,
como responsabilização, meritocracia, e por que não dizer, privatização.

A emergência de um capitalismo global, servido por uma ideologia de


cariz neoliberal e apoiado no rápido e acentuado desenvolvimento das
tecnologias de informação e comunicação, implicou profundas
transformações no mundo do trabalho, o que originou enormes
pressões sobre os estados e sobre as instituições e serviços públicos,
entre os quais os sistemas educativos, (PATACHO, 2013, p. 563)

Tendo vivenciado políticas educacionais pautadas nessa lógica, Ravitch (2011,


p. 26) pesquisadora da Universidade de Nova York com prestígio acadêmico, consultora
de George Bush e forte promotora destes modelos nos EUA, aconselha a revisão dessas
políticas. Alerta a autora que estas são pensadas pelos “novos reformadores
corporativos” com precária compreensão acerca de educação e constroem falsas
analogias entre a educação e o mundo empresarial. Segundo a autora, os reformadores
creem que podem restaurar a educação utilizando os princípios de negócio, organização,
administração, lei e marketing, acrescido de um bom sistema de coleta de dados.
Nessa direção, Freitas (2011, p.11) além de concordar que a responsabilização, a
meritocracia e a privatização são elementos característicos das propostas desses
“reformadores empresariais” para a educação, afirma ainda que colaboram para a
“desprofissionalização do exercício da docência”. A responsabilização serve ao
propósito de focalizar os professores como responsáveis pelo sucesso de sua instituição
escolar, medido pelo alcance dos resultados de desempenho dos alunos nos testes,
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desconsiderando os demais fatores e suas influências. Ademais, esclarece que em


algumas redes, tomam esses resultados para premiação e ou punição configurando-se o
esquema meritocrático que tem por base o esforço pessoal.
Sobre a avaliação, cabe esclarecer que não se trata de ser contrários a mesma,
Almeida (2009), Freitas (2009) e Ravitch (2011) admitem que a discussão é em torno
do seu uso e dos efeitos que produzem no campo educacional. Nessa perspectiva,
Freitas et al. (2009, p. 41) defende que “as escolas não devem se opor à avaliação de seu
trabalho. Cabe-lhes aceitar a prestação pública de contas daquilo que fazem em área tão
importante para a sociedade”. No entanto, propõem que a avaliação ocorra numa
perspectiva colaborativa e de responsabilização bilateral, já que a qualidade depende
tanto das escolas, quanto das políticas públicas e ambas devem ser avaliadas.
Ravitch (2011) sugere a ampliação e a variedade de medidas, por acreditar que
“um bom sistema de responsabilização, seja para escolas, professores ou estudantes,
deve incluir uma variedade de medidas, não apenas escores de testes” (2011, p. 255).
Apple (2002, p.38) reforça que a avaliação em larga escala é uma força seletiva e
coercitiva do conhecimento imposta à escola e acredita que “culpar os professores,
incriminar os indivíduos, não ajuda em nada”. (APPLE 2002, p. 38). Nesse propósito,
propõe-se cautela, pois tornar público os resultados da avaliação de forma classificatória
pode gerar um clima individualizador, competitivo e conflituoso entre os agentes
escolares e pode ainda acarretar em outras consequências mais graves.
Corrobora, nesse sentido, Madaus; Russel; Higgins (2009) ao alegarem que os
testes por mais bem elaborados que sejam, são passíveis de erros humanos e técnicos,
podem ser imprecisos e sujeitos a variações aleatórias. Esses autores afirmam que os
testes possuem limitação até mesmo para medir o conhecimento dos alunos, portanto,
inapropriados para avaliar a qualidade das escolas e a de seus profissionais.
Neal e Schanzenbach (2010) referindo-se às escolas públicas de Chicago,
pioneira das políticas dessa natureza, também criticam a vinculação dos resultados de
desempenho dos alunos a responsabilização. Para eles “sistemas de responsabilização
construídos em torno de medidas de proficiências podem não ajudar os alunos que estão
frequentemente muito abaixo ou acima destes limites” (NEAL e SCHANZENBACH,
2010, p. 278). Ou seja, os esforços e o trabalho acabam sendo para o com os alunos que
se apresentam na média (da pontuação) e os da ponta acabam por ser abandonados.
Outra situação é apontada por Darling-Hammoond: “a média dos resultados de
uma escola é sensível à população de estudantes que são submetidos aos testes, esse tipo
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de políticas cria incentivos para que as escolas mantenham afastados aqueles estudantes
que podem baixar as médias dos resultados”. (DARLING-HAMMOND, 1991, p. 223
apud AFONSO, 2000, p. 90). Essa situação é reiterada por Hout e Elliott (2011) e
Ravitch (2011), pois eles também denunciam situações contestáveis, constrangedoras e
excludentes que algumas escolas americanas realizam para afastar os alunos que
consideram “fracos” e assim indesejáveis às escolas, porque podem deixar decair as
pontuações dos testes.
Ainda tomando o sistema educacional americano por lócus Nichols e Berliner
(2007) apresentam evidências de que os testes de alto impacto distorcem e corrompem a
educação e que o uso continuado destes constitui uma grave ameaça à profissão
docente. Os autores referem-se às fraudes, divulgadas corriqueiramente em estudos
acadêmicos e imprensas locais, como a manipulação da população de alunos testados, a
adulteração de respostas e notas em avaliações, e a diminuição do nível de exigência,
pelos estados, para dissimular resultados que comprovem melhoria, mesmo quando
estas não ocorrem.
Embora haja anuência a respeito da importância da avaliação, vale lembrar que
não é qualquer avaliação. Compreendemos que a meritocrática baseada exclusivamente
em testes não favorece o desenvolvimento de uma educação de qualidade. Defendemos
uma avaliação com significado político de caráter formativo, que sirva como
instrumento de apropriação da realidade escolar pelos seus atores, e que aponte como
referência esforços para a melhoria.

Gestão Escolar: Atividades da Coordenação Pedagógica na Escola

Entendendo que essas políticas mexem na função social da escola, logo tem que
alterar a organização do trabalho pedagógico da escola para além da sala de aula. Se por
um lado, a ação do coordenador pedagógico na contemporaneidade tem sido atingida
por uma gama de questões que permeiam o ambiente escolar que de certa forma,
também emergem de um contexto mais amplo que constitui o cenário nacional social,
político, econômico e educacional; e por outro, a escola, de acordo com Pérez Gómez
(2001, p.17) ao mesmo tempo em que propicia a mediação reflexiva dos valores e das
relações sociais de uma dada sociedade, respectivamente desenvolve e reproduz sua
própria cultura, suscitando um conjunto de significados e comportamentos próprios,
então podemos dizer que a escola situa-se em um constante movimento de contradições.
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O coordenador pedagógico, no desempenho do seu papel fica com a


responsabilidade de elaborar e desenvolver atividades relevantes que corroborem na
promoção de melhorias na ação educativa escolar. Sabe-se, pois, que o trabalho
pedagógico de um modo geral e do professor com vista à formação do aluno não se
esgota na sala de aula, ele continua nos debates durante as reuniões de horário
complementar, na reflexão dos problemas que ocorrem na escola, no planejamento, na
elaboração e desenvolvimento do Projeto- Político-Pedagógico, num processo reflexivo
avaliativo constante de todo o trabalho.
Se concebermos que o professor se vê constantemente em circunstâncias que
envolvem a relação entre ele, seus alunos e o conhecimento, da mesma forma o
coordenador também se vê rotineiramente diante de problemas que surgem no cotidiano
da escola necessitando em muitos casos de solução imediata. Diante disso é requisitada
sua atenção e atuação. Essas por sua vez deveriam resultar em ações agregadoras e
mediadoras, pois ser agente agregador, auxiliador por excelência nas situações
pedagógicas, sobretudo como construtor de sentido dessas questões que fazem parte de
sua função. O coordenador pedagógico é um “artesão” que reconstrói permanentemente
seus saberes, nas relações travadas entre os demais membros da comunidade escolar
(CHARLOT, 2005, p. 22).
Assim, a coordenação pedagógica escolar, no contexto em que se insere, precisa
analisar as propostas de reformas e ou inovações, buscando elucidá-las na realidade da
unidade escolar, explicitar suas contradições e, com base nas condições concretas que
possui promover as devidas articulações para por encaminhar o desenvolvimento de
relações democráticas dentro do espaço escolar e o PPP com vistas à educação com
qualidade social.

Avaliação externa em larga escala na voz dos coordenadores pedagógicos

Os sujeitos da pesquisa dizem perceber características positivas e negativas


sobre a avaliação (Ideb e Prova Brasil) no contexto escolar. Nos relatos, os
entrevistados demonstraram “aceitar” ou “acatar” com certa tranquilidade os testes
externos buscando qualificar seus mecanismos em relação ao processo de ensino e
aprendizagem escolar. Assim sendo, não se percebe uma defesa explícita ou
contraposição à sua realização por parte dos sujeitos.
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Contudo, percebemos que os coordenadores estão valorizando nos testes sua


estruturação e seus conteúdos, pois comungam da ideia que é preciso fazer testes com
os estudantes, porque os testes farão parte de sua vida no futuro.
Não obstante, reconhecemos o caráter indutor da política de avaliação, bem
como os mecanismos de “envolvimento” proposto pelo órgão central às unidades
escolares e seus respectivos profissionais. Mesmo assim, tomando os relatos dos
sujeitos dessa pesquisa os posicionamos como viabilizadores da avaliação externa e à
realização dos testes de desempenho dos alunos. A seguir apresentaremos alguns
episódios relatados em entrevista realizada no ano letivo de 2013 com grifos nossos.

Nós fomos chamados na SME para melhorar nosso IDEB. Por parte da SME,
propuseram auxiliar, às vezes técnicos vem aqui na escola olhar o
planejamento do professor, ajudar o professor a pensar numa melhor forma
de trabalhar algum tipo de conteúdo, então, houve essa mudança no sentido
de mexer com essa escola. Vem de lá uma orientação curricular, que nós
seguimos, porque entendo que a SME tem o papel de orientar e precisamos
seguir essas orientações. (CPM)

As consequências que a tecnologia dos testes pode acarretar de acordo com os


apontamentos que a literatura da área vem desvelando, tem encontrado ressonância nos
relatos de alguns coordenadores que atuam nessas escolas. Nesse sentido, destaco a
padronização e o estreitamento curricular como uma das mais preocupantes, pois os
sujeitos ficam aprisionados aos conteúdos, disciplinas e ao formato das provas e nisso
despendem muito tempo e esforços que poderiam ser usados em outros aspectos
formativos tão ou mais substanciais para o desenvolvimento dos estudantes.
A gente busca muito “montar a avaliação de acordo com o site do professor”,
no MEC. Para ver se “o aluno vai acostumando”. A gente trabalha
principalmente o preenchimento de gabarito, que é para ele não ficar nervoso
na hora. (CPA)

É claro que a gente sabe que exige muita “leitura e interpretação” e isso já é
uma coisa que temos a preocupação de trabalhar. (CPML)

Analisamos os resultados junto aos professores se é a “Matemática ou a


Língua Portuguesa” que está precisando de uma atenção mais especial.
(CPN)

É um “conteúdo” que cai, então “porque não cobrar da criança”? Temos essa
visão de que tem que ser trabalhado esse “conteúdo”. Quanto às avaliações já
vínhamos fazendo simulados desde 2008. (CPA)

Também percebemos como preocupante a publicitação dos dados,


especialmente, se “dar visibilidade” aos resultados for para constranger escolas e
professores como estratégia para gerar melhorias no desempenho dos alunos.
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A primeira coisa que a gente faz é “divulgar” os resultados e depois analisar


junto aos profissionais da escola o que poderia ter melhorado. Fazemos
reuniões pedagógicas com todo mundo, porque o resultado não é só do
professor do 5º ou do 9º ano, “o resultado é da escola toda”. (CPN)

Em relação às questões dos resultados do IDEB temos procurado dar


“visibilidade”, temos um IDEB tranquilo em relação à rede, ao município e
temos procurado trabalhar com os professores buscando motivar cada vez
mais em relação a esse IDEB para que ele não venha a cair, mas em relação à
motivação. (CPT)

Tem que “divulgar” para ver como está o ensino no Brasil e para o próprio
professor ver a turma dele. Não é uma turma só dele é de todos que já
passaram desde a Educação Infantil até o 5º, mas recai a responsabilidade no
professor do 5º ano. Aqui o IDEB é alto. Então a gente tem que puxar cada
vez mais porque não é a mesma turma que faz às avaliações. (CPA)

Os relatos explicitam que os profissionais da escola passaram a realizar mais


provas no estilo dos testes deixando clara a intervenção da avaliação externa nas
escolas, especialmente, em treinar os alunos para os testes.

O professor usa vários tipos de avaliações para chegar ao resultado final e


uma delas é a prova. Por quê? Porque “os alunos vão passar por isso na vida
e não dá para negar uma coisa que virá a acontecer para eles mais cedo ou
mais tarde”. (CPMG)

Fazemos a semana avaliativa e “simulados com as crianças” para eles


saberem como está o nível de aprendizagem, retomamos essa avaliação que
ficou mais “forte depois que a rede a adotou”. Acho importante a questão do
IDEB. (CPN)

Não menos inquietante é a explicação dos sujeitos que entendem como


necessário à “preparação” dos alunos desde o ensino fundamental - um admitiu desde a
educação infantil por meio do uso de testes com vistas ao vestibular e a
empregabilidade. Esse entendimento revela uma concepção de educação e orienta uma
determinada função para a escola.

Aumentou a “responsabilidade do professor” em fazer trabalhar o conteúdo


que tem que ser trabalhado. Mais responsabilidade de cobrar. É necessário
trabalhar mais porque não é só a Prova Brasil que cobra, saindo daqui se a
criança for prestar um concurso para qualquer universidade para qualquer
concurso público... (CPA)

Nós fazemos nosso “simuladinho” aqui, vamos fazer, sempre estamos


fazendo. E os professores pesquisam, pegam as questões da PB anteriores,
aplicam nos alunos, então a gente vê a preocupação deles. E as outras turmas
também desde isso desde a EI, estamos mudando o nosso método desde a EI,
tem aluno que esta saindo alfabetizando da EI. (CPJ)

Fizemos inúmeras atividades, assim “treinando nossos alunos” para que eles
pudessem sair bem nessa avaliação e em outras que virão para eles na frente.
Ler, escrever e interpretar esse é nosso objetivo. O professor é escolhido a
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dedo. Já tivemos um professor do 5º ano sem compromisso. A gente fica


numa ansiedade porque na verdade se os alunos estão bem é também mérito
do coordenador se estão mal, fracasso do coordenador. (CPJ)

Avaliando o relato dos coordenadores, pudemos constatar que aumentou as


cobranças em relação ao trabalho do professor e consequentemente sua
responsabilidade; o mesmo tem acontecido em relação aos alunos e pais. Os sujeitos da
pesquisa, os coordenadores/as por sua vez, também ficaram mais ansiosos, pois
entendem que estes posicionamentos e situações refletem também sobre suas ações.
Vale lembrar que a qualidade da educação depende de múltiplos fatores, portanto não
cabe responsabilizar unilateralmente a escola e seus profissionais pelos resultados de
desempenho dos alunos. Nesse quesito, Madaus; Russel; Higgins (2009) afirmam que os
testes de desempenho dos alunos são inadequados para avaliar as escolas e os
professores.

Para mim está avaliando o professor. A gente tem trabalhado muito com os
pais buscando a responsabilidade deles na ajuda em casa, no
acompanhamento. (CPA)

A gente cobra mais dos professores. E os professores cobram de quem? Dos


alunos. E nós cobramos dos pais fazemos reunião e mostramos a
classificação para os pais, no início do ano, antes de começar às aulas. Nós
estamos com a professora do 5º ano, desde o 4º ano acompanhando porque é
bem melhor a do 4º pegar o 5º ano porque ela já vai ver a dificuldade de cada
aluno. Mostramos para os pais pedimos ajuda, é o coordenador, diretor,
secretário, articulador todos ajudam. (CPJ)

Ademais há uma correlação entre os profissionais das unidades escolares para


não deixar a nota do Ideb “cair”. Assim, não é de se estranhar que procuram adequar a
prática que realizam aos conteúdos e estrutura das questões da PB e propõem que os
alunos treinem.

Nossa filosofia é que a PB e a provinha é resultado de um trabalho de longos


anos, ela não é de um ano. Nós tentamos trabalhar com os professores as
provas como resultado de um trabalho para que não pese para um professor,
mas para o conjunto da escola. (CPL)

Nesse relato, percebe-se uma tentativa de ver o resultado do desempenho dos


alunos como frutos de um coletivo de professores, e não do professor que atua com o
aluno no ano de realização dos testes. Nesse caso, resta-nos esclarecer se pontuam que o
conhecimento é processual e se dá ao longo da escolaridade ou se é uma convocação de
todos à responsabilização.
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Todavia, percebe-se um ambiente de cobrança no espaço escolar, em que os


gestores cobram os professores que por sua vez cobram seus alunos e em alguns casos
chamam até mesmo os pais para ajudarem. Nesse cenário, os sujeitos não aparentam ter
clareza suficiente sobre as diferenças existentes em trabalhar focando no desempenho
para aumentar a nota ou focando no processo de aprendizagem do aluno.
Um dos sujeitos assinalou ainda que o ranqueamento induz a competição e dois
disseram que não modificaram o trabalho que vinham realizando na escola por causa
dessa avaliação, pois a consideram como resultante do processo escolar.

A posição no ranking acaba virando uma competição, acaba virando uma


coisa que tenho que produzir número e você acaba trabalhando só em função
disso. Por isso sou contra. (CPV)

É evidente que se você trabalhar com uma estratégia pra ter um IDEB lá em
cima você tem, agora se esse IDEB corresponde realmente ao que o aluno
sabe, o que o aluno conhece, o que o aluno pensa? Tenho dúvidas... (CPV)

Vemos de maneira positiva, mas procurando não modificar o trabalho da


escola por causa da avaliação. Ela tem que refletir o trabalho que a escola
vem fazendo. Se for positivo vai refletir isso na avaliação, a gente tem
trabalhado assim. (CPML)

Diante dos relatos, analisamos que a avaliação externa vem se entranhando na


escola, inclusive ocasionando consequências diretas às escolas e seus professores como
a responsabilização, centralização nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática,
focalização no treinamento para os testes, inclusive nos anos escolares que nem sequer
fazem a Prova Brasil.

Algumas considerações

Notamos que as avaliações externas vêm ganhando espaço e se fortalecendo a


cada dia nesses contextos escolares e com isso passam a influenciar as práticas
docentes. Avaliando os dados percebemos a existência de um encadeamento de
cobranças - Secretaria cobra coordenadores pedagógicos, que cobram professores, que
cobram alunos e por vezes os pais com o objetivo de aumentar a pontuação nos testes de
desempenho dos alunos.
O relato de situações altamente prejudiciais para o desenvolvimento de um
processo ensino aprendizagem consubstanciado na formação humana, uma vez que tem
ocasionado posições controversas, como: indução ao treino em vez da reflexão e
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centralização nos aspectos que influenciam as notas em detrimento dos objetivos e


aspectos não passíveis de mensuração.
Considerando a importância da avaliação no sistema educativo, vale advertir que
não referendamos qualquer avaliação, entendemos que a meritocrática baseada
exclusivamente em testes de desempenho não favorece o desenvolvimento de uma
educação de qualidade. Advogamos uma formação integral para os estudantes cuja
configuração avaliativa seja apropriada para dar sustentação a uma educação pautada na
qualidade social.
Ademais, os testes de desempenho dos alunos da forma que estão sendo
empregados tem o poder de responsabilizar as escolas e profissionais como se seus
resultados fossem reflexos unicamente do trabalho dos professores e do que ocorre na
escola, desconsiderando-se as condições socioeconômicas, culturais e demais aspectos.
É importante que a escola realize um profundo processo de reflexão em busca de
“aclarar” os interesses e a “qualidade da educação” proposta nessa política de avaliação,
bem como as consequências que induzem às escolas, aos profissionais da educação e a
comunidade escolar com vistas à qualidade educacional que desejamos construir.

Referências

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