Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 775
Entre a base nacional comum curricular e a avaliação
Contexto e intertextos
E
ste artigo foi produzido durante o período de consulta pública acerca da pro-
posta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), apresentada com a
pretensão de vir a nortear “o ensino, o aprendizado, a formação docente e o
material didático em nossa sociedade” (MEC, 2015, p. 2)1. Embora o documento abran-
ja toda a escola básica, o foco aqui está posto no ensino fundamental, em função das
pesquisas específicas em que se baseia2. Como os demais textos, é tecido em diálogo com
outros, sendo a intertextualidade explícita uma característica da produção acadêmica.
Por outro lado, é oportuno o registro do fato de que, na tendência ne-
otecnicista atual, parece estar se tornando corriqueira a ausência de referências
bibliográficas em produções patrocinadas por corporações, como ocorre no
livro publicado por Lemov (2011), aqui destacado por ter sido distribuído gra-
tuitamente aos aprovados em concurso para provimento no cargo de professor
do quadro permanente de pessoal do município do Rio de Janeiro, no âmbito da
Secretaria Municipal de Educação. Seu título é “Aula nota 10: 49 técnicas para ser
um professor campeão de audiência” e seu patrocinador é a Fundação Lemann.
Desprovido de quaisquer referências, o material se baseia apenas e tão somente em
observações de “boas práticas”, no julgamento do autor.
Quanto aos intertextos fundamentais, refiro-me a Freitas (2014) e Ma-
cedo (2014), dois trabalhos com a mesma datação, ambos inclusive publicados no
776 Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016
Raquel Goulart Barreto
quarto trimestre, com abordagens diversas das questões relativas ao trabalho e à forma-
ção docente, convergindo na análise do desenho de uma nova regulação educacional.
Trata-se, respectivamente, de “Os reformadores empresariais da educação e a disputa
pelo controle do processo pedagógico na escola”, em perspectiva histórica, e de “Base
nacional curricular comum: novas formas de sociabilidade produzindo sentidos para
educação”, “articulando a teoria do discurso [pós-estruturalista], de Ernesto Laclau,
com o conceito de redes de políticas, de Stephen Ball” (Macedo, 2014. p. 1530).
O primeiro aborda os “reformadores empresariais” na concepção de que:
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 777
Entre a base nacional comum curricular e a avaliação
778 Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016
Raquel Goulart Barreto
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 779
Entre a base nacional comum curricular e a avaliação
780 Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016
Raquel Goulart Barreto
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 781
Entre a base nacional comum curricular e a avaliação
782 Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016
Raquel Goulart Barreto
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 783
Entre a base nacional comum curricular e a avaliação
784 Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016
Raquel Goulart Barreto
da rede particular e não quero mais voltar. O município é ótimo. Nos dá tudo
mastigado. Entro na minha sala e já sei o que vou dar naquele dia, sem dor de
cabeça. Está tudo pronto”.
A partir desse discurso, é possível dimensionar os sentidos do lugar de
professor em disputa por hegemonia. Objetivando as relações entre as TIC e o tra-
balho docente, são retomadas na seção final as proposições retidas de Freitas (2014,
p. 1113) — “professores improvisados treinados em seguir apostilas e obedecer” — e
Macedo (2014, p. 1551) — “se não se pode [ainda] eliminar o professor des-
se processo, é preciso torná-lo cúmplice”. Em outras palavras, o treinamento dos
improvisados para a obediência passa pela produção de uma cumplicidade singular.
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 785
Entre a base nacional comum curricular e a avaliação
[...] me vejo obrigada a dar aula de assuntos que não tenho for-
mação para lecionar. Dessa forma, por mais que eu me esforce, a
educação dos meus alunos se torna aligeirada. E eu por vezes me
culpo por isso. É nitidamente uma questão de se gastar menos
com educação. Faço o trabalho de cinco professores e, como é
para pobre, pode. (destaque meu)
Eu achei muito bom. [...] para mim foi ótimo! Você ser de uma
área, ser catedrático (sic)... aquela cadeira ser sua, e de repente
você passa a ministrar aula de uma outra coisa que você não conhece
bem, primeiro que você tem que estudar, e você vai transmitir
aquilo não sendo o detentor daquele conhecimento, então acho
que você transmite com mais facilidade. Com mais dúvidas, você
pesquisa mais e pesquisa melhor, e acho que isso tudo faz com que
o aluno acompanhe o professor e vai aprendendo com o professor.
E o professor aprendendo com o aluno. (destaques meus)
786 Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016
Raquel Goulart Barreto
Cabe pontuar que os polivalentes não são obrigados a lidar com con-
teúdos que extrapolam, em muito, a “área” da sua formação, exceto no caso de
Português, História e Geografia. Também podem ter o apoio de “especialistas” na
escola, além de contar com alguma cumplicidade dos alunos:
Eu até dou algumas avaliações elaboradas por mim, mas não ser-
vem de nada. No final das contas a que conta é a avaliação que
já vem pronta. Mesmo que eu tenha concluído com a minha
avaliação que o aluno está mal em determinada disciplina, se ele
vai bem na prova externa é o que conta. (destaques meus)
Tanto no que diz respeito aos polivalentes quanto aos generalistas, me-
recem registro as táticas utilizadas para contornar a ausência de conectividade nas
escolas: o recurso sistemático a pen drives. Havia uma gaveta deles no GEC, fa-
zendo com que os professores chegassem mais cedo para efetuar a busca, e uma
generalista afirma: “uso Educopédia, mas salvo em um pen drive porque nem sem-
pre a internet funciona”.
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 787
Entre a base nacional comum curricular e a avaliação
Notas
1. Texto assinado pelo então Ministro Renato Janine Ribeiro, ora reafirmado por campanha publi-
citária (https://www.youtube.com/channel/UCn9sSXxb1Pd3v6bszZRssJA) como sendo “o que
deve ser ensinado na escola básica”. A sigla está reduzida a BNC no sítio do Ministério da Educa-
ção, embora a referida campanha repita, estranhamente, na mesma frase, a designação completa:
Base Nacional Comum Curricular.
788 Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016
Raquel Goulart Barreto
3. As aspas pretendem demarcar as ressignificações dos conceitos envolvidos, sempre em disputa, comu-
mente invocados para legitimar propostas políticas. Em se tratando da democracia, Coutinho (2008)
sublinha que, “sobretudo a partir dos anos 1930, o liberalismo assumiu a democracia e passou a de-
fendê-la, ainda que não sem antes minimizá-la, empobrecendo suas determinações, concebendo-a de
modo claramente redutivo. Assim, pelo menos nominalmente, hoje todos são democratas”.
4. Restam estratégias de gestão em níveis centrais para fazer com que alunos considerados fracos e
potencialmente comprometedores de resultados positivos sejam retirados da população, com o
seu deslocamento para programas especiais, fora do censo.
5. Não são discutidas neste texto as questões relativas aos meandros da aquisição dos equipamentos, ou
mesmo as contestações da sua qualidade, mas cabe destacar que o critério técnico parece ter sido o
da maior portabilidade, razão pela qual a proposta para o ensino médio esteve centrada em tablets.
9. Apenas para citar dois exemplos, em 2013, o Caderno de Matemática designou Belém como
capital de Pernambuco e, em 2015-2016, o de Ciências propôs a identificação dos tipos de ali-
mentos contidos nas imagens, sendo uma das opções “cereais e pãos” (sic).
Referências
BALL, S.J. Educação global S.A.: novas redes políticas e o imaginário neoliberal. Tradução
de Janete Bridon. Ponta Grossa: UEPG, 2014.
BARRETO, R.G. A recontextualização das tecnologias da informação e da comunicação na
formação e no trabalho docente. Educação & Sociedade, v. 33, n. 121, p. 985-1002, dez. 2012.
__________. Tecnologias e trabalho docente: entre políticas e práticas. Petrópolis: De Petrus
et Alii, 2014.
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 789
Entre a base nacional comum curricular e a avaliação
BRASIL. Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional.
Brasília: Presidência da República, 2015. Disponível em: https://avaliacaoeducacional.
files.wordpress.com/2015/04/qualificacao-do-ensino-basico-documento-para-discussao.
pdf. Acesso em: 12 jun. 2015.
BRITO, K.L. Os desdobramentos da substituição tecnológica no Município do Rio de Janeiro.
140f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação. Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
CHAUÍ, M. Ideologia neoliberal e universidade. In: OLIVEIRA, F.; PAOLI, M. C. (Org.)
Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis: Vozes,
1999. p. 27-51.
COSTA, K.B.B.M. O trabalho docente e as tecnologias no Programa Ginásio Experimental
Carioca. 127f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação. Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
COUTINHO, C.N. Democracia: um conceito em disputa. Disponível em: http://laurocampos.
org.br/2008/12/democracia-um-conceito-em-disputa/. Acesso em: 28 jun. 2015.
EVANGELISTA, O.; LEHER, R. Todos pela Educação e o episódio Costin no MEC: a
pedagogia do capital em ação na política educacional brasileira. Trabalho Necessário, v. 10,
n. 15, p. 1-29, 2012.
FAIRCLOUGH, N. Language and globalization. London: Routledge, 2006.
__________. Discurso e mudança social. Brasília: Editora da UNB, 2001.
FREITAS, L.C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do
processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, Campinas, v. 35, n. 129, p. 1085-1114,
out.-dez., 2014.
LABARCA, G. Cuánto se puede gastar en educación? Revista de la CEPAL, n. 56,
p. 163-178, ago.1995.
LEMOV, D. Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência.
São Paulo: Da Boa Prosa, Fundação Lemann, 2011.
MACEDO, E. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade produzindo
sentidos para educação. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 1530–1555,
out./dez., 2014.
MARX, K. O capital. Livro 1, Volume 1. 10. ed. São Paulo: Difel, 1985.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC. Base Nacional Comum Curricular. Brasília:
MEC/SEB, 2015.
PRETTO, N.D.L. Formação de professores exige rede! Revista Brasileira de Educação, n. 20,
p. 121-131, maio/ago., 2002.
RAVITCH, D. The death and life of the Great American School System: how testing and
choice are undermining education. New York: Basic Books, 2010.
790 Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016
Raquel Goulart Barreto
Educ. Soc., Campinas, v. 37, nº. 136, p.775-791, jul.-set., 2016 791