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PROJECTO EDUCATIVO

UM ESTUDO SOBRE AS REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES DO 1ºCICLO DO


ENSINO BÁSICO

Nancy Carolina Pereira


Universidade Portucalense
nancypereira79@portugalmail.pt

José Augusto Pacheco


Universidade do Minho
jpacheco@iep.uminho.pt

Aceitando-se a abordagem teórica que enquadra o projecto educativo como dispositivo de


formação da comunidade escolar, em particular, e da comunidade educativa, em geral, pretende-se
indagar de que modo os professores, face às pretensas políticas de descentralização da gestão e
administração escolar, valorizam o projecto educativo nas decisões curriculares.
Na realização deste estudo seguiram-se duas abordagens metodológicas distintas: a recolha de
dados, através de um inquérito por questionário, relativos às representações dos professores do 1º
ciclo do Ensino Básico de cinco Agrupamentos do concelho de Santa Maria da Feira; a análise
documental tendo por referência os cinco projectos educativos.
Nesta comunicação são apresentados alguns resultados obtidos ao longo do percurso de
investigação, permitindo-se concluir que existe ainda um longo caminho a percorrer para que o
projecto educativo, tal como é regulado pela Administração central, se concretize num projecto real,
dinâmico e participativo.

Introdução

Abordar o projecto educativo como dispositivo de formação da comunidade escolar


requer a análise dos conceitos de projecto e educação, a dilucidação dos modelos de políticas de
descentralização e ainda a discussão dos termos autonomia, participação, colaboração e
comunidade educativa. É na base deste enquadramento teórico que divulgamos os resultados de
um estudo empírico, com a finalidade de compreender de que forma os professores do 1º ciclo,
face ao actual modelo de gestão escolar, valorizam e utilizam o projecto educativo nas suas
práticas pedagógicas.
Os resultados não são ainda definitivos e referem-se unicamente a alguns itens do
inquérito por questionário, que, futuramente serão descritos e interpretados conjuntamente com
a análise de conteúdos de projectos educativos.

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1. Noção de projecto educativo

As mudanças sociais e políticas que atravessam os tempos actuais levam,


progressivamente, a novas concepções da função da escola e da sua própria natureza.
Paralelamente, exige-se a toda a organização educativa alterações profundas de forma a que
possa corresponder às expectativas daquilo que se designa por sociedade do conhecimento
(Hargreaves, 2004).
Ao serviço da construção de uma nova concepção de escola encontramos um documento
fundamental de planificação estratégica da acção educativa – o projecto educativo. À medida
que assume a elaboração de um projecto que dê sentido à acção, a escola afirma-se mais como
um centro de educação e menos como um centro de instrução.
Por isso, o projecto educativo encerra a noção de projecto e de educação. A de projecto,
na medida em que pretende ser, a origem de um futuro próximo a construir. Tal significado tem
sido teorizado, por diversos autores, como Pacheco e Morgado (2002, p.11), que referem o
projecto “como um conjunto de intenções que pretendem dar sentido e antecipar a acção”. Num
mesmo sentido, Carvalho e Diogo (2001, p.8) referem-no “como um meio pelo qual o homem
entra no jogo da história, referência a sua acção, projecta e se projecta num futuro antecipado”.
Ainda no âmbito da definição de projecto, Barbier (1993, p.22) apresenta-o “como uma série de
interacções entre o real e o que é desejado, o que tende a reduzir o desfasamento entre valores e
discursos, por um lado, e actos, por outro, e eventualmente a jogar sobre as satisfações e
insatisfações que daí procedem”.
O projecto educativo segundo esta primeira noção surge-nos como um pressuposto de
uma acção comum, que resulta da intenção de satisfação de uma necessidade real. Segundo
Carvalho (1992, p.144), os projectos são “em si mesmos, um corpo organizado de propostas
tecidas por conceitos intrinsecamente harmónicos geradores de consensos (provisórios) e
fundamentadores de comportamentos, teorias e visões do mundo”. Neste caso, defende-se ainda
a existência de uma forte conexão entre a noção de educação e a noção de projecto, conexão
esta que tornou a expressão projecto educativo quase uma redundância dentro do vocabulário
pedagógico (Carvalho, 1992).
A noção de educação encerra um processo mais amplo do que a mera optimização do
processo ensino/aprendizagem. Este significado encontra-se presente na definição apresentada
por Costa (1996, p.5), em que o “projecto educativo é o instrumento organizacional de
expressão da vontade colectiva desta escola-comunidade educativa, é um documento que dá
sentido útil à participação e à corporização da autonomia da escola-comunidade”.

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2. Políticas de descentralização

É fundamental analisar o modelo que enquadra as políticas de descentralização, com


especial relevo para as noções de autonomia, participação, colaboração e comunidade educativa.
O projecto educativo, que decorre da descentralização do sistema educativo, iniciada pela Lei de
Bases do Sistema Educativo, induz-se por uma maior autonomia das escolas.
De acordo com Ball (1994, p. 25), as organizações escolares inserem-se no âmbito do
modelo da micropolítica, muitas vezes olhado como sendo o lado obscuro da vida organizativa.
É neste campo de acção que situa os seguintes conceitos-chave: poder, diversidade de
finalidades, disputa ideológica, conflito, interesses, actividade política e controlo.
As acções dos professores e doutros actores da comunidade educativa (território de
discussão do projecto educativo) podem ser analisadas nos contextos das macro e micropolíticas
(Ball, 1994, Pacheco, 2002).
No plano das macropolíticas, questionam-se os aspectos da fundamentação e organização
dos poderes não só expressos nos documentos oficiais, mas também nos momentos de produção
desses textos. Neste sentido, reconhece-se o papel marcante da Administração central, sobretudo
naquilo que se verifica pela produção de um corpus legislativo com a finalidade de regular as
políticas educativas e curriculares.
No plano das micropolíticas aborda-se o lugar dos actores locais, nomeadamente nos
espaços organizacionais, sabendo-se que as escolas são lugares que nem sempre são controlados
totalmente pela administração. É neste sentido que se admite a imperfeição das políticas, já que
o Estado nem tudo pode controlar e as práticas de decisão são complexas e instáveis.
Dentro deste modelo de políticas sustentar-se-á que o projecto educativo é um dispositivo
de formação elaborado pela comunidade educativa que existe entre dois lados, situados numa
linha de continuidade que vai da regulação normativa1 formal à regulação normativa informal,
isto é, entre o que o Ministério da Educação decide o que deve ser e o que a Escola entende o
que pode ser.

1
No sistema educativo Português, dois normativos são fundamentais para analisar este processo: o
Decreto-Lei 43/89 de 3 de Fevereiro e o Decreto-Lei nº115 A/98.

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Por mais regulação formal que exista, o projecto educativo dependerá de redes informais
de decisão que existem em função das dinâmicas das escolas e de estratégias de negociação dos
actores educativos. Daí que ao nível da sua construção, a abordagem política decide-se e aplica-
se numa perspectiva interpretativa e menos determinista (Richard e Sykes, 1992) ou num
espaço de reconstrução de valores, experiências e interesses.

3. Autonomia, participação, colaboração e comunidade educativa

Neste quadro de valorização das micropolíticas associam-se os conceitos de autonomia,


participação, colaboração e comunidade educativa
Num texto recente, Costa (2004) refere que a associação entre a autonomia e o projecto
educativo de escola constitui um dos traços mais evidentes do Decreto-Lei 43/89. No entanto, as
práticas educativas das escolas encontram-se ainda dependentes das indicações provindas de
poderes exteriores. Recorda ainda que o Decreto-Lei nº115 A/98, intitulado Regime de
Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos da Educação Pré-escolar e dos
Ensinos Básico e Secundário, “apresenta um conjunto de princípios (e mesmo de estratégias de
desenvolvimento) que parecem augurar ao projecto educativo de escola um lugar estratégico na
senda de uma organização escolar mais autónoma” (Idem, Ibidem, p.96).
É assim que o projecto educativo de escola aparece directamente ligado à questão da
autonomia, já que é através daquele que esta se exerce, tendo-se, porém, sempre em conta a
participação dos vários intervenientes do processo educativo (comunidade educativa) na sua
definição e implementação, de modo a que esta autonomia não signifique uma separação, mas o
oposto, ou seja, uma aproximação da escola aos que a frequentam e aos que dela beneficiam.
Poderemos, pois, ver todo o processo de construção do projecto educativo como um exercício
de participação que implica motivação e mobilização de todos os intervenientes através do
diálogo e da partilha. Não é minimamente novo que existe uma estreita e óbvia relação entre
projecto educativo e autonomia da escola, poderemos mesmo dizer que se trata de uma relação
de imprescindibilidade. Daqui retiramos que não poderá existir uma verdadeira autonomia sem
um projecto educativo elaborado e concretizado, duma forma dinâmica, com a participação de
toda a comunidade educativa.
Segundo Madeira (1995, p.187), a autonomia só faz “sentido quando o campo escolar é
capaz de gerar a energia suficiente para desencadear processos de mudança organizacional e
social, local, ou regionalmente, que pelo seu dinamismo influenciem o funcionamento do
próprio sistema de ensino”. Poderemos considerar então que o projecto educativo de escola será

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o documento fundamental de organização e canalização da corrente de esforços e intenções da
comunidade educativa de modo a contextualizar e optimizar o processo de
ensino/aprendizagem.
Para Halpin (2003, citado por Barroso, 2004, p.68) “a “autonomia das escolas” pode ter
um sentido menos ficcional e mais utópico. Referimo-nos aqui ao conceito de utopias reais -
isto é, imagens criativas e complexas do futuro, construídas para resolver problemas do
presente, e cuja concretização depende de uma visão optimista da sociedade e da sua capacidade
de mudança”. Por conseguinte, Barroso (2004) refere que uma visão utópica da autonomia
escolar transcende a mera alteração administrativa e normativa das competências e dos modos
de gestão das escolas, ideia esta que se encontrava nos sete princípios programáticos relativos
ao modelo de “autonomia construída”que estariam na base do modelo de gestão das escolas
discutido em Portugal, nos finais da década de 90. Destes princípios, retiramos a ideia de que o
reforço da autonomia das escolas não deve ser definido de modo isolado, exigindo sempre que
seja preservado e aumentado o papel regulador do Estado e da sua administração. Este reforço
deve ainda traduzir-se, por um lado, na criação de um conjunto de competências e meios que os
órgãos próprios de gestão devem possuir para decidirem sobre matérias relevantes e, por outro,
na criação de condições para que a autonomia seja “construída”. O reforço da autonomia não
deverá constituir um fim em si mesmo, nem surgir às escolas como uma imposição, devendo ser
as próprias escolas a exprimir a sua vontade em aceder a um estatuto mais elevado de
autonomia. Nestes princípios encontram-se ainda duas ideias fundamentais, a primeira é a de
que a autonomia é um investimento, pois tem custos e consome recursos que se deverão traduzir
em benefícios para todos; a segunda é a de que a autonomia também se aprende, sendo então
necessário incentivar e desenvolver uma pedagogia da autonomia, que comece na
Administração central e acabe nas próprias escolas.
Carvalho e Diogo (2001) argumentam que o projecto educativo poderá vir a cumprir para
com a comunidade educativa várias funções, na medida em que permite a passagem do ideal à
acção, assumindo-se como organizador de diversidade e construtor de espaços de autonomia;
apresenta-se como um gerador de descentralização; favorece uma atitude democrática e
comunicativa; exige competências próprias, assim como também tem a função de propiciar o
trabalho em equipa.
Sentir a necessidade de um projecto, iniciar um processo que conduzirá à sua elaboração,
conseguir o envolvimento dos elementos da organização, torná-lo exequível operacionalizando-
o, avaliar a sua implementação e reformulá-lo, adequando-o à escola como comunidade
dinâmica, não são mais do que diferentes fases de um processo com o propósito de assumir na
plenitude o espaço de autonomia que o actual quadro normativo confere às escolas.

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Este é também o momento para recolher contributos sobre o que deve ser,
conceptualmente a educação e o projecto educativo: a que valores deve fazer referência? Qual o
âmbito das suas finalidades? Que estratégias deve utilizar? Relativamente a este aspecto, não
existem receitas definitivas, o espaço de actuação é amplo e cada escola deve utilizá-lo de
acordo com as condições humanas, sociais, culturais ou mesmo económicas de que dispõe.
Um aspecto a ter em conta é se o projecto educativo se elabora apenas por ser uma
imposição resultante de um processo de implementação do regime de autonomia e gestão das
escolas, ou se resulta da vontade de se delinear o seu espaço social, de se pensar como serviço
público de educação e de se organizar para melhor servir a comunidade em que a escola se
integra (Formosinho e Machado, 2000). Factores como a negociação, a tomada de decisão e a
participação deverão ser tidos como elementos fundamentais que contribuem, simultaneamente,
para a qualidade do projecto e para assegurar a sua realização. Ainda a propósito deste factor
convém referir que em Portugal, desde 1975, com as estruturas dos órgãos de gestão das escolas
e o desenvolvimento da denominada “gestão democrática” reuniram-se condições favoráveis à
participação dos diferentes elementos que constituem a escola. No entanto, a realidade com que
nos deparamos na maior parte dos casos, remete-nos para um projecto educativo de escola
elaborado por um restrito grupo de pessoas que sem alargar o debate à restante escola, o
apresenta à aprovação do Conselho Pedagógico. De modo geral, todo este curto processo vê-se
irremediavelmente limitado e terminado com a sua afixação na sala de professores (Silva,
1994).
Parece ainda importante salientar e apoiar a afirmação de que pior do que não ter um
projecto educativo é ter um mau projecto educativo. Entenda-se aqui por mau projecto
educativo aquele que é esquecido na gaveta da escola, ou aquele que é elaborado sem o
contributo da comunidade escolar, muitas das vezes copiado ou então adaptado sem
corresponder minimamente a uma profunda reflexão acerca da escola e da sua especificidade.
Estas atitudes conduzirão a um vazio de conteúdo e traduzirão uma clara ausência de cultura
colectiva no que respeita à questão da organização, substituída por uma “cultura do
individualismo” ou corporativista de professores, funcionários, coordenadores, etc. (Sarmento,
1993, p.29).
Ainda segundo Sarmento (Idem, Ibidem, p. 29) “a má utilização do projecto educativo
enquanto instrumento de melhoria do estabelecimento de ensino radica na indefinição de
princípios, orientações e valores da escola o que virá, mais cedo ou mais tarde, a condenar o
próprio projecto a um acumular de actividades sem estratégia. Corre-se assim o risco de se
chegar à situação em que o projecto educativo se reduz a um mero plano de actividades”.

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Existe ainda um outro aspecto fundamental que se não for convenientemente definido
conduzirá a uma realidade errada. Para a construção do projecto educativo de escola é
necessário partir para o diagnóstico da situação escolar de modo a que se possa equacionar a
área problemática adequada. A identificação do(s) problema(s) levar-nos-á à inventariação de
um conjunto de soluções possíveis, soluções essas que resultarão de critérios que terão em conta
o conceito de educação defendido pela comunidade educativa. Quanto mais aproximado for o
diagnóstico da real situação da comunidade educativa, maiores serão as probabilidades de êxito
do projecto educativo (Carvalho e Diogo, 2001).
Este trabalho de diagnóstico, relacionado também com o trabalho de avaliação, é
fundamental e incontornável, apesar de normalmente as escolas denotarem grandes dificuldades
em fazê-lo, já que implica uma grande abertura, um elevado espírito crítico ou melhor, uma
grande capacidade de auto-crítica.
Um aspecto essencial que se deve ter em consideração na sua elaboração é o de que o
projecto educativo representa uma oportunidade para aproximar a escola da comunidade
envolvente.
O projecto educativo, para Madeira (1995, p.172), pode ser “encarado como um
instrumento orientador da acção educativa no âmbito de um determinado contexto social, que
articula a concepção e operacionalização da estratégia de desenvolvimento de um determinado
estabelecimento de ensino, com a participação da comunidade educativa na função educação”.
O projecto educativo é então uma peça vital na construção da autonomia da escola e a sua
construção participativa remete para um conceito de escola aberta à comunidade que, perante
um ideal de democracia pluralista e através de estratégias diversificadas, procura promover o
sucesso educativo de todos os alunos, originando o que se denomina por “escola comunidade
educativa”. Estamos, assim, perante uma escola de interesse público que tem como função
participar no alargamento e aprofundamento da educação e que não esquece a sua relação com a
comunidade envolvente, que, por sua vez, assume também o seu papel de agente educativo
(Carvalho e Diogo, 2001).
O projecto educativo depois de elaborado e aprovado por toda a comunidade educativa
passa então para as fases da implementação e avaliação.
Convém ainda referir a existência de documentos de planificação operatória que
funcionam como instrumentos fundamentais para a concretização do projecto educativo, como é
o caso do projecto curricular de escola, onde encontramos planificadas todas as actividades
lectivas e não-lectivas a desenvolver ao longo do ano lectivo. Um outro instrumento a ter em
conta é o Regulamento Interno que deve servir de guia para as relações quer entre indivíduos,
quer entre grupos, devendo conter os direitos e deveres dos actores, normas de funcionamento

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dos serviços e regras de convivência (Rocha, 1996). Referencia também para o projecto
curricular de turma, onde o professor planifica e programa a sua prática, tomando deste modo
decisões que afectam o conteúdo da educação dos seus alunos (Carvalho e Diogo, 2001;
Carlinda, et all , 2001).
Depois de referidos alguns aspectos relacionados com a construção do projecto educativo,
parece-nos ser de extrema importância evidenciar alguns dos obstáculos que podem surgir na
sua elaboração. A construção do projecto educativo, e consequentemente a concretização da
autonomia, estruturar-se-á com o carácter generalista dos normativos, já que estes não respeitam
a identidade de cada escola, assim como as suas características geográficas, económicas, sociais
e culturais. Um outro obstáculo de grande importância será a grande mobilidade dos docentes
que compõem o corpo docente da escola, pois torna-se difícil incentivar os professores para a
concretização de um projecto que não foi por eles idealizado e com o qual podem até ter
algumas discordâncias e do qual não se apropriaram afectivamente.
Existe a falta de incentivos para os docentes conduzirem o seu trabalho para lá da sala de
aula. Os docentes que se mostram motivados profissionalmente vêem-se muitas vezes
confrontados com atitudes passivas e descrentes de outros docentes, na base daquilo que Lima
(2003) chama a cultura do individualismo.
Deve-se ainda referir a escassez de recursos materiais, embora seja bom ter a consciência
de que os recursos serão sempre escassos para as necessidades.
Podemos então concluir que o projecto educativo será sempre uma manifestação de
vontade, uma conceptualização da realidade da comunidade educativa, no seu sentido mais
amplo, que se deparará com inúmeros obstáculos. Um projecto educativo, para ultrapassar o
mero plano das intenções, precisa de saber com que meios poderá contar para avaliar a sua
capacidade e para atingir os seus objectivos.

4. Questões de metodologia

O estudo de investigação tem como principal finalidade compreender de que forma os


professores do 1ºciclo, face ao actual modelo de gestão escolar, valorizam e utilizam o projecto
educativo nas suas práticas pedagógicas.
Uma vez formulada a problemática, bem como os objectivos, tornou-se necessário definir
as técnicas de recolha de dados, tendo-se optado pelo inquérito por questionário e pela análise
de documentos. O inquérito por questionário contém questões fechadas e abertas, de modo a

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que as respostas sejam submetidas a procedimentos estatísticos e à análise de conteúdo. A
análise de conteúdo foi utilizada para os projectos educativos das escolas a que pertencem os
professores.
Além disso, depois de recolher e analisar os dados quantitativos procedeu-se a uma
análise de conteúdo das questões abertas do inquérito por questionário, com o propósito de criar
um sistema emergente de categorias.
A partir destes dados, obtidos pela análise documental dos projectos educativos e pelo
inquérito por questionário sobre as representações dos professores do 1º ciclo, procurou-se
relacionar os resultados obtidos de forma a compreender a problemática da valorização do
projecto educativo, perspectivado como um documento participativo e/ou instrumento de
planificação pedagógica.

4.1 Apresentação dos resultados

Dado que a investigação está em curso, os resultados são apresentados, nesta


comunicação, no sentido da introdução exploratória de uma questão que faz parte da regulação
administrativa, por um lado, e da autonomia das escolas, por outro. Por isso, os resultados não
são definitivos e circunscrevem-se unicamente aos itens do inquérito por questionário, pelo
menos aos que dizem respeito à autonomia das escolas, à participação dos actores educativos
(pais e representantes locais) e ao grau de conhecimento que os professores têm do seu projecto
educativo.
Na caracterização dos respondentes (n=145), todos professores do 1º ciclo de cinco
agrupamentos do concelho de Santa Maria da Feira, a maioria tem menos de 30 anos (33,1%), é
do sexo feminino (93,8%), tem como habilitações académicas a licenciatura (71,7%), pertencem
ao Quadro de Zona Pedagógica (34,5%), tem menos de 10 anos de serviço na docência (46,9%)
e encontra-se no mesmo agrupamento há pelo menos 2 anos (46,9%).
O nível de conhecimento que os professores dizem ter sobre o projecto educativo é
bastante significativo (71%).
À questão da adequação do projecto educativo do agrupamento à realidade em que está
inserido é de referir que a quase totalidade dos professores inquiridos (99%) respondeu sim.
Relativamente à questão que procura conhecer se o projecto educativo está a ser
implementado na escola, os professores responderam do seguinte modo: muitas vezes (46,6%),
às vezes (39,8%), sempre (10,7%) e raramente (2,1%).

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Relativamente ao item “o projecto educativo do seu agrupamento apresenta medidas que
concretizem a relação escola-meio”, a grande maioria dos professores respondeu sim (96,1%).
À questão do projecto educativo ser um instrumento importante para a operacionalização
da autonomia nas escolas, a maioria dos professores assinalou sim (57,2%), sendo significativa
a percentagem daqueles que não têm opinião (26,9%), respondendo ainda não (15,9%).
No que se refere à questão da contribuição do projecto educativo para um aumento
significativo da participação dos pais, encarregados de educação e representantes da
comunidade local no processo educativo, os professores responderam sim (63,4%), não (13,8%)
e sem opinião (22,8%).

4.2 Discussão dos resultados

Em termos de perfis, verifica-se que os respondentes são relativamente jovens, sendo a


maioria do sexo feminino, licenciados e pertencentes a um Quadro de Zona Pedagógica.
Com base nos resultados a que a investigação nos permitiu aceder, podemos concluir que,
embora a maioria dos professores se encontre a leccionar no agrupamento há relativamente
pouco tempo, o projecto educativo é do seu conhecimento.
Constatamos que quase a totalidade dos professores considera que o projecto educativo se
adequa à realidade em que está inserido, no entanto, também constatamos que não é
implementado muitas vezes nas escolas. Tal facto, poder-nos-á levar a concluir que os
professores, apesar de reconhecerem algumas potencialidades ao projecto educativo, ainda não
compreenderam totalmente o seu significado. Estes dados serão confirmados pela análise de
conteúdo dos projectos educativos.
Outro aspecto a valorizar é a elevada percentagem de respondentes que considera que o
projecto educativo do seu agrupamento apresenta medidas que concretizam a relação escola-
meio. Porém, na questão que relaciona o projecto educativo com o aumento da participação dos
pais, encarregados de educação e representantes da comunidade local essa percentagem diminui
significativamente. Esta constatação deve-se, a uma dificuldade de interpretação, por parte dos
professores, do conceito de escola-meio, ou mesmo de participação, pois, se o projecto
educativo apresenta medidas que concretizam a relação escola-meio, contribuirá, de igual modo,
para a participação dos pais, encarregados de educação e representantes da comunidade local,
ou então, talvez se deva a um desinteresse por parte destes últimos elementos em participar no
quotidiano da escola.

3332
Embora na primeira parte deste texto se faça referência à relação de imprescindibilidade
existente entre o projecto educativo e a autonomia, com a observação dos resultados obtidos,
registamos que, mesmo não sendo a maioria, existe uma elevada percentagem de professores
que não concorda, ou que não possui qualquer opinião, relativamente à questão do projecto
educativo ser um instrumento importante para a operacionalização da autonomia das escolas. Os
resultados definitivos deste estudo permitir-nos-ão sustentar toda esta argumentação.

Referências bibliográficas

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