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Vinte e cinco anos

de avaliação de
sistemas educacionais
no Brasil
Implicações nas redesde ensino,
no currículo e na formação de professores

Adriana Bauer,BernardeteA Gana(orgs.)

Editor
Nekon Ratitl} & Mou a

Projeto Gráfico e Direção de Arte


Akxandre Oliveira

Capa
Rodrigo Poeta
Revisão
Canos Neto

Vinte e cinco anos de avaliação de sistemas educacionais no Brasil Implica-


çõesnas redesde ensino, no currículo e na formação de professores.V 2. /
Adriana Bauer, BernadeteA. Gatti -- Florianópolis : Insular, 2013.

296P.:il
ISBN 978-85-7474-712-5

1. Educação. 2. Sistemas educacionais. 3. Avaliação. 4. Redes de ensino.


5. Currículos. 6. Formação de professores.7. FundaçãoCarlos Chagas
1.Título.
CDD 371.26

EOiTORAllf INSULAR

Editora Insular Ltda.


Rod. Jogo Paulo, 226 CEP 88030-300 -- Florianópoiis/SC Fine/fm= 48 3232 9591
editora@insular.com.br.www.insular.com.br. twitter.com/editorainsular
A Avaliacão em Debate

Lüciota LicÍuio Santos

Introduzindo o tema

Essecapítulo é o resultadode minha participação,como debate-


dora, no Ciclo de Debates "25 Anos de Avaliação de SistemasEdu-
cacionais no Brasil", promovido pela Fundação Carlos Chagas. Por
meio da transcrição de minhas calas,que me foi entregue pelos coor-
denadoresdo projeto na FCC, busquei recuperaras intervençõesque
Gize fui um pouco mais longe, organizando o texto de modo a facili-
tama compreensãodos pontos de vista que advoguei naquela ocasião.
O objetivo centra] destetexto é ana]isaros limites e problemasdas
avalições sistêmicas dirigidas, sobretudo, à educação básica e também
apontar em que direção pode ser pensada uma avaliação coerente com
as propostas educacionais que se articulam com projetos que buscam
justiça social.

O lugar de onde fdo

Durante o Ciclo de Debatesouvi alguns acadêmicosque tentaram


mostrar como, no Brasil, a avaliação sistêmica avançou nessesúltimos
anos e como ela é um elemento chave no campo da gestão. Considerei
os discursos dessespalestrantes bastante coerentes e consistentes,

l Mestre em Educação pe]a Universidade Federa] de São Car]os(] 980) e Doutora em Educação pela
Universidade de Londres(1989). Realizou estudos de pós-doutorado no Departamento de
Sociologia do Instituto de Educação da Universidade de Londres(2003-2004), na Universidade de
Lisboa (201 1) e na Universidade Católica de Petrópolis (20 12). ProfessoraTitular da Faculdade de
Educaçãoda UFMG.

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evidenciando uma real preocupaçãocom a melhoria da educação. Em Avaliação e performatividade


suasfalas buscaram também mostrar que o desenvolvimento e aprimo-
ramento do aparato avaliador tem induzido e produzido melhorias nos Stephen Bati tem sido uma referência na crítica às política públi-
resultados do desempenho das instituições escolarese de seusestudan- cas orientadas pelos princípios da "nova gestão pública (/zeu'pwó#r
tes.No entanto, suasposiçõesentram em confronto com as minhas. m/z/z'zgeme/zf).Um de seus trabalhos, intitulado .EZz/r fãa a z,é#dá2
Elesestãofalando do interior do campo da avalição,enquanto me situo ilustra de forma clara e pertinente o que significa essanova perspec'
em outro território, pois falo do interior do campodo currículo e da uva. Nela, a per6ormatividadeassumeum papel fundamental. Para
formação docente, calo de um lugar em que a maior preocupação é que Bal1 (2004), com base em L)motard, a performatividade "envolve a
as políticas públicas estejam convergindo para a construção de uma funcionalidade e a instrumentalidade da modernidade e a mercanti-
sociedademais justa, mais igualitária e para a formação de pessoascom lização e exteriorização do conhecimento", alcançada pela "constru-
maior capacidade de participação na esferapolítica e social. Começam ção e publicação de informações", dirigidas para "nomear, diferenciar
aí nossasdivergências. e classificar" (p. 15). De acordo com Lyotard (1989), neste processo
Preliminarmente, é necessárioobservarque essapolítica de avalia- as narrativas de emancipação cedem lugar a um discurso em que não
ção está ancorada em elementos como o ranqueamento e a premia- há espaçopara o verdadeiro, o justo, o belo, em que o critério central
ção. São elementos que exercem forte atração, uma vez que trabalham é a.eficiência-- algoé bom "quando realizamelhor e/ou gastamenos
com alguns sentimentos humanos que estão sendo muito explorados, que outro" (p. 91). Há uma mercantilização do conhecimento e das
atualmente, na sociedadede consumo. O fato de ranquear as escolas relaçõessociais,em que o valor de troca substitui o valor de uso, em
é algo que termina mobilizando a população "olha, a escolhado uma sociedadedominada pela cultura do consumo. Assumecentrali-
meu filho é melhor do que a dual". E os professores:"minha turma dade a busca de habilidades e de lucro em um mundo em que não há
deu os melhores resultados da escolar"Manipulam sentimentos, hoje, mais lugar para antigos ideais de justiça e de emancipação.A cultura
muito explorados pela mídia, nas novelas,nos rez/ig sÃomi,nas pro- da avaliação situa-se dentro dessecontexto. Nessa cultura só é possí-
pagandase anúncios de produtos. São sentimentos que exploram a vel trabalhar com resultados mensuráveis.Com afirma Lyotard
competição, a concorrência, a inveja, a cobiça, a vaidade e a culpa pe- (1989): seja mensurável ou desapareça.
lo fracasso.Ao mobilizar esseselementos podem até alcançar algum Ao se colocar em primeiro plano o desempenho dos alunos e dos
sucesso.E sucessoem termos de avaliação significa melhoria de resul- professoresocorre um deslocamento da preocup'ção com o processo
tados. No entanto, é necessárioaprofundar esteaspecto,discutindo o educacional para o seu produto, para os resultados. Nessesentido, "esta
significado dessa melhoria. nova moeda de julgamento na educaçãoofereceuma infraestrutura de
O que estáem jogo no campo educacionalsão,primordialmen- comparaçãoem que o valor das instituições e dos proâssionaissão
te, outras questões: que tipo de valores, que formas de conduta e que dados somente em termos de sua produtividade de sua performances
tipo de pessoasestão sendo formadas m.ze.peiaescola?É em função (Bala, 2004, p. 14). Na busca por melhores resultados, as escolas pro-
do sentido que a educaçãopassaa ter no interior da cultura da ava- curam atrair e selecionar apenasaqueles alunos considerados "fáceis de
liação que dirijo minha crítica. É nessaperspectivaque tenho criti-
cado o crescimento de uma cultura da avaliaçãocomo vem ocorren-
do no Brasil. 2 Este trabalho diz respeito a à conferência anual sobre educação, realizada pelo autor iio King ' s College
da Universidadede Lnndres, em i7 de junho de 2004 e encoiirra-se rítmbéín disponível na internet.

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de um acadêmico
na era do pós-profissionalismo
é a atividadede
lidar". Como professora do Estágio em Coordenação Pedagógica na
alguém cuja tarefa principal consiste em empresariar a si mesmo, como
Faculdadede Educaçãoda UniversidadeFederalde Minas Gerais(UFMG) bem descreve Robe (1999). .Nguém que é mais hábil em seduzir do que
tenho ouvido o relato de vários alunos que já identificam na rede públi-
em convencer.Alguém que usa tecnologiasdo abetoao invés de argu-
ca a busca de melhores estudantes.Tem sido observado por estesfutu- mentos bem fundamentados para defender suas ideias, pres'rvar seu
ros professores,que os dirigentes escolaresestão se esquivando da acei-
posto ou ser promovido. .Alguém que substitui valores éticos por .habi-
tação da matrícula de alunos com um histórico escola desfavorável, ale-
lidades sociais. Alguém que, preocupado com sua performance, busca
gando não haver vaga na escola. Contudo, para alunos que são avalia- descobrir "o que funciona" em cada situação, ao invés de buscar o mais
dos como "bons estudantes" ou "estudantes fáceis de lidar" a matrícu-
)usto e mais adequado.Nessecontexto, as pessoastrabalham para o bri-
la ou transferência é feita sem problemas. Se os professores recebem um lho de si mesmase até mesmo da instituição em que estão inseridos.
bónus salarial pela obtenção de bons resultados nas avaliaçõessistêmi- Serinstitucional não maissignifica trabalhar paraque a instituição fun-
cas, ter alunos "fáceis de lidar" é uma garantiapara a obtenção dessa cione orientada pela defesa do bem público, mas sim trabalhar para o
premiação. Ganha também a escola que aumenta suas chances de brilho e gloria de sua instituição e, em consequência,de si mesmo,
melhorar o indicador de qualidade educacional (IDEB) e de atingir a como parte dela.
metas definidas pelos órgãos superiores. Neste cenário a competitivida-
Segundo Bal1 (2002, P. 11) há uma mudança no significado da
de entre as escolas é exacerbada. Ball relata o caso de uma diretora que
experiência educacional e do que significa ser professor e aprendiza,Há
disseque não iria mostrar o planejamentode sua escola,suaspropos- uma mudança naquilo que somose em nossarelaçãocom o que faze-
tas, pois havia o perigo das boas ideias serem roubadas e levadas para mos. Há uma mudança na forma como pensamos sobre nós mesmos e
outrasescolas(2004,p.21). sobre os outros. Há uma mudança na estrutura das possibilidades na
qual agimos.Nas palavrasde Bal1(2004, P-16): "isso não é apenasum
processo de reforma é um processo de transformação social
Onde mais repercute a cultura da avaliação Ao lado disso, quero também argumentar que todos os siste-
mas que instalam mecanismos mais rígidos de controle terminam
Segundo Ball, o uso de metas ligadas ao incentivo e à punição, e a intensificando a burla. As pessoascomeçam a pensar: "Como eu pos'
constante "colegae publicação de dados de desempenho revestede ins- se alcançar tais resultados de uma forma mais fácil?" Nesse processo,
trumentalidadé cada coisa que fazemos" (p. 15). Neste cenário há uma
parte do professorado começa a centrar seu ensino naquilo que cai
divisão entre política e boa prática. A boa prática que caracterizao pro-
nas provas, a treinar os alunos; os gestores, a pedir que os estudantes
fissionalismo é substituída pela per6ormatividade. A ideia de realizar considerados mais atrasados, ou os menos competentes do ponto de
um bom trabalho, dentro daquilo que é considerado umà boa prática, vista dos testes, não compareçam à escolano dia dos exames.Começa
de acordo com o julgamento profissional, é substituída pela busca de então essasérie de comportamentos de burla que vão instaurando
resultados mensuráveis.A prática é mercantilizada e o cálculo frio
uma cultura perversanasinstituições,porque termina trabalhandocom
marca o trabalho dessenovo profissional pós-moderno. Na verdade
aquilo que é mais rápido e mais "eficiente" para obtençãode bons
estamosdiante de um pós-profissionalismo, caracterizado "pela super- resultados, sem questionar que resultados são estes e as formas usadas
ficialidade, flexibilidade, transparência e representado como espetácu-
para alcança-los.
lo, com performances"(Bal1,2004, p. 16). O trabalho de um professor,
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Uma visão economicista da educação aprendizagem que estão mais diretamente relacionados ao desenvolvi-
mento económico e à empregabilidade. No mesmo sentido, Dias So-
É importante lembrar que essestestes, componentes das avaliações brinho (2008) salienta que o problema maior das avaliações realizadas
sistêmicas,sãoproduzidosno interior de um contexto internacional. pelo Estado é que são orientadas por uma visão económica da educa-
Nós aderimosa essacultura da avaliaçãoporque ela também é uma ção. Isto leva a educação a se afastar das questões relacionadas à Forma-
prática dos sistemas educacionais de diversos países desenvolvidos e ção humana, para cumprir papéis relacionados-às metas económicas,
nossas autoridades educacionais e gestores estão preocupados com o servindo para o governo como mecanismo para controlar a eficiência e
lugar do Brasil no cenário internacional. É no interior dessesistema a produtividade das instituições (p. 79)
internacional de avaliação que se desenvolve o sistema de avalição bra-
sileiro. Desta forma, são modelos de testescomo o Programa Inter-
nacional de Avalição de alunos (Pisa), que se propõe a avaliar a quali- Outras críticas à cultura da avaliação
dade da educação em cada país, por meio do desempenho dos estudan-
tes, que vão servir de referênciapara os nossos.O Pisa, segundo Um ponto comum nascríticas à cultura da avaliaçãoreside no fato
Popkewitz (201 1) compara o conhecimento prático dos estudantes, das políticas educacionais estarem baseadassomente em dados estatís-
medindo "a contribuição dos sistemasescolarespara a competitividade ticos em que sãolevadosem conta apenasaquelesaspectosda realida-
da nação, de acordo com as novas demandas económicas globais" (p. 33). de educacional capazesde serem mensurados. Lama (20 1 1) ressalta este
Nesseprocesso,os objetivos da educaçãovão sendo modificados, em ponto ao argumentar que os processosnão são examinados quando se
função de todo um aparatotécnico no qual a educaçãoestácentral- trabalha apenascom resultados (p.74). Sá (2009) também enfatiza que,
mente atrelada à ideia de desenvolvimento económico. ao tomar o resultado dos testes nacionais como indicador da qualidade

Por um lado, na tradição crítica no campo do currículo, a questão da escola, abre-se possibilidade para diferentes desvios no processo edu-
dos objetivos educacionais assumeum papel de grande relevância. São cacional. É que neste processo as escolas são levadas a preparem os alu-
essesobjetivos que deânem o que deve ser ensinado,são elesa referência nos para estesexames,o que induz a secundarizaçãode aprendizagens
para a seleçãodos conteúdos escolares-- o que realmente vale a pena ser mais dificilmente mensuráveis(p.99).
aprendido pelos alunos?Que conhecimentospossibilitam o aluno enten- Casassus(2009) vai mais longe ao afirmar que qualidade, conside-
der melhor essemundo em que vivemos?Que conhecimentos
são rada a partir do resultado em testes, esconde aspectosque são finalida-
importantes para garantir a permanênciados alunos na escola?Essassão des importantes da educação, "o desenvolvimento da personalidade, o
questões diretamente conectados aos objetivos e finalidades da educação. respeito, a cidadania, a curiosidade, ao desenvolvimento de valores, a
Por outro lado, na tradição eficientista da educação,em que essaé vontade de descobrir conhecimentos, o compromisso com a sabedoria'
fortemente associadaà economia, como no casoda Teoria do Capital (p.75). Segundo este autor, o desejo de subir nas pontuações pode levar
Humano, a educação é vista apenas sob a ótica de seus resultados. as escolasa comportamentos que desvirtuam os resultados,quando,
Investir em educação vale a pena pelo retorno económico de tal inves- por exemplo, excluem os alunos mais "fracos" destes processos avaliati-
timento. Jenny Ozga e Sotiria Grek (2008), por exemplo, no artigo vos, quando treinam os alunos para os testesou, até mesmo, quando
-tK\tuna.à.o Governando poT ntlmeros? Modelando o sistema educacional fornecem aos alunos as respostasdas questões das provas' Já para Dias
arxaz,áZr 2aZai, afirmam que os dados dão prioridade aos resultadosda Sobrinho (2000) os testesempobrecem os objetivos curriculares, pois a

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centralidade passaa ser naquilo que é passível de mensuração (p.97). social e respeito às diferenças e à liberdade individual. Há países desen-
Por seu turno, Afonso (2007) argumenta que resultados cognitivos e volvidos com valores e com relações sociais que são bem questionáveis.
aspectosinstrumentais que são mais facilmente mensuráveis,podem Por isso é inadequado relacionar automaticamente bons resultados
deixar de lado, ou na "penumbra", outras dimensões educativas funda- educacionais a um povo mais educado e a uma nação onde há meno-
mentais (p.19-20). res assimetrias sociais e maior respeito às diferenças culturais. Do ponto
Barriga (2009), falando sobre os testes nacionais realizados na edu- de vista económico, a melhoria nos resultadosdos testespode até
cação básicano México, afirma que os relatórios dos resultados não for- aumentar a competitividade de um país, trazendo-lhe maiores investi-
nece aos professoresinformações que lhes possibilitem ver em que con- mentos e com isso melhorando sua economia. Mas isso não quer dizer
teúdos os alunos tiveram diâculdade, ou seja, a avaliação não cumpre que estão sendo reduzidas as desigualdades sociaisj que está sendo cria-
seupapel de informar aos professoresaquilo que precisam melhorar em da uma sociedade mais fundamentada em valores humanos e mais con-
seu ensino (p.27). sistente com valores como a solidariedade, o respeito ao outro, ao dife-
No debate sobre as implicações e consequênciasda criação destes rente; com o interesse na participação nas diversas esferas da vida públi-
sistemas nacionais de avaliação, AÊonso (2007; 2009) ressalta um pon- ca, guiado pela ética e pelo compromisso social. Ao contrário, como J.á
to importante, que reside no fato de governosde orientaçãosocialista 6oi mostrado, a cultura da avaliação exacerba sentimentos como a vai-
ou socialdemocratanão terem modiâcado as políticas nestaárea,her- dade, a competição, a inveja, a culpa, a cobiça.
dadas de governos conservadores.Ao contrário, muitos deles amplia- De uma maneirabem polarizadae dicotâmica, apenascomo recur-
ram sua ação e incentivaram os rankings das escolas.Isto é bem visível so didático, observa-seque no interior da educação,de um lado estão
no Brasil, em que o governo Lula aumentou o poder e o alcance do sis- aquelespreocupados com os resultados, os produtos, e de outro estão
tema nacional de avaliação,cujas açõesjá haviam sido ampliadaspelo aqueles preocupados com o processo. Essesúltimos estão constante-
governo anterior, consideradocomo de orientação política neoliberal mente discutindo as condições em que a educação se efetiva, como ele-
(2007,P.17;2009,P.19). mentos fundamentais para o desenvolvimento da educação.As condi-
çõesenvolvem desde a infraestrutura Hsica, os prédios escolarese seus
equipamentos, até a formação docente, a definição.do currículo e das
unidades
Mais uma vez a polarização "processo x produto" práticas pedagógicase a gestão dos sistemas de ensino e das
escolares.Quem estáconcentradono produto vê avaliaçãocomo indu-
Aqueles que defendem e insistem no desenvolvimento dessacultu- tora de mudançase, realmente ela pode trazer mudanças, pois para isso
ra da avaliaçãoirão argumentar que ela torna o sistemamais transpa- as pessoasfazem até mesmo o indesejável e o pouco ético. Ao se inves-
rente e exercendo um papel de controle sobre as escolas,a direção e os tir nas condições em que a educação se realiza, está se investindo no
professores, terminando por melhorar o desempenho das instituições futuro, enquanto o investimento no produto é imediatista e sem pera'
escolares. Neste tipo de raciocínio parte-se do pressuposto que as pes- pectiva de fiituro.
soas mais educadas, por serem mais educadas, teriam mais condições Durante muitos anos, os trabalhos no campo educacionalse preo'
de lutar e de reivindicar por seusdireitos e cobrar do poder público cupavam tanto com o contexto económico e social que o espaço de dis-
suasreponsabilidade. No entanto, as consequênciasda melhoria nos cussão dos problemas educacionais propriamente ditos terminava
índices educacionais não estão diretamente associadascom justiça sendo bastante reduzido. Ao se evitar este viés há o perigo de se cair no

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outro extremo, o de analisar os problemas educacionais sem conside- dos resultadosdo desempenhodos alunos em testes', definem os países
de melhor sistemaeducacional,assimcomo no interior dos países,as
rar o contexto em que eles estão inseridos. Por exemplo, não tem sido
examinado o contexto sociocultural em que estas avalições estão regiões, as cidades e as melhores escolas. Nesses casos, ser o melhor ou
sendo feitas. Vivemos em uma sociedadeque se torna cadavez mais um dos melhoressignifica servir de modelo, ser respeitado,ter maior
individualista, onde sentimentos como competição vão se infiltrando demanda por matrículas (no caso das escolas), receber prêmios, enfim,
na alma e na vida das pessoas.É nesseuniverso que muitos acadêmi- ter maior visibilidade, prestígio e destaque.
Robemostra também como os números tornaram possíveisasfor-
cos estão preocupados com os efeitos e as repercussõessociais do
desenvolvimento dessacultura da avaliação.Estamosnos contrapon- mas modernas de governar, ao mesmo tempo em que as tornaram pari'
do a essalógica social que penetra o campo educacional com base em síveisde avaliação.É atravésdos números,trabalhadospor meio de
diferentes formas e fórmulas (orçamento, renda per capita, taxa de cres-
princípios e critérios empresariais, mesmo sabendo que, às vezes, ela
cimentode nascimento,de morte,de doenças,de escolarização
da
é eficiente, conseguindo até algumasmelhorias nos resultadosdos
teste, embora estaspossam ser passageirase pouco significativas. E população etc.), que se diagnosticam, se justificam e se avaliam as ações

uma lógica que pode até ser eâciente na busca de seusobjetivos eco- políticas. Este argumento mostra a razão dos resultadosnos testesda
nómicos. Torna-se eficiente porque manipula certos valores e senti- avaliaçãosistêmica,ao lado de outras estatísticas,definirem e legitima-
mentos. Controla o trabalhador e o leva a render mais, criando novas rem as políticas educacionais.
subjetividades, novas relaçõese novos valores. Valores que reduzem a Segundo Rose, os números parecem neutros, verdadesincontestá-
veis, mas na realidade são de natureza política, porque escolher o que
dimensão humana e o potencial de realização de outros sentimentos
medir e como medir é uma decisãode dimensão política, assimcomo
que gostaríamos que a sociedade compartilhasse. É inegável a impor-
tância da ampliação do conjunto de conhecimentosde cada um, o domínio da política é constituído por números.No entanto, devido
à incontestável "objetividade" que os números parecemevidenciar, sua
porém mais importante ainda são as condiçõesem que esseprocesso
está sendo realizado. Não reduzimos o aluno a um consumidor atino utilização termina despolitizando os debates que pressupõemjulga-
dos conhecimentos estabelecidospelas matrizes de referência mas, mentos políticos. O que o autor que enfatizar, nesseúltimo caso, é que
os números centralizam de tal modo a discussãoe as açõespolíticas,
acima de tudo, queremos que ele seja um aprendiz ativo daqueles
conhecimentos e habilidades que o. tornem capacitado para viver que outras dimensões dos problemas deixam de ser examinadas.
mais plenamente como sujeito que contribui para a construção de Outro aspecto discutido por Rose diz respeito ao controle exercido
uma sociedade melhor e mais justa. por meio dos números. Se na Antiguidade os censosserviram para infor-
mar ao soberano de quantos homens dispunha para organizar seusexér-
citos, na Modernidade serviu para os colonizadores inventariarem suas
E por que razão os resultados exercemtanto íàscínio? colónias, para calcularem os impostos e as taxas que iriam cobrar e os

Por que os resultados,o produto, o mensurávelatrai tanto as pes-


3 Os testesa que este texto dizem respeito aostestes de desempenhodos alunos, sobretudo da educação
soas?Popkewitz (201 1) calasobre o fetiche dos números. Rosé (1999) básica, solic lados, organizados e aplicados por instâncias pública e privada a serviço do Ministério de
também já discutia em seu livro PomezlofFree2om, o poder que os nú- Educação' e 'das Secreo'ias Estaduais e Municipais de Educação como, po' e*'mplo, a Prova Brasil e o
SAEB de âmbito nacional. Da mesma forma a palavra avaliação, neste texto, refere-seàs mensurações
meros exercem. Realmente, no caso da avaliação, os números, na forma sistêmicas do desempenho dos alunos realizadas por meio dos testes acima mencionados

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recursos que iriam obter. Rose mostra como censo e censura caminha- Horizonte e indaguei sobre os resultados da avaliação das escolasda
ram juntos ao longo do tempo, uma vez que as pessoasencarregadasdo rede municipal. Fui então informada de que a Secretariaestavatraba-
censo também exerciam vigilância sobre as populações. Números e con- [hando na produção de um banco de questões, a partir do qual os pro-
trole aparecem,portanto, na história como Faceda mesmamoeda. fessoresorganizam provas diagnósticas e podem identificar as dificul-
dadesde seusalunos. Foram muito enfatizadas,pelo corpo técnico da
Secretaria, as possibilidades dessa avaliação, suas vantagens e como ela
Concluindo essa primeira parte estava ajudando os professores no planejamento de suas aulas e em suas
práticas pedagógicasem sala de aula. De acordo com os depoimentos,
Em síntese,a literatura que analisacriticamente a criação e o desen- os professoresestavam mais conscientes de onde deviam começar seu
volvimento dos sistemas de avaliação do desempenho dos alunos, a partir trabalho, identificavam melhor as dificuldades de cadaaluno e perce-
do qual as escolas são classificadas, servindo ainda como referência para biam mais claramente o que precisavaser retomado, revisto ou ensina-
definir a qualidade da educação, aponta os desvios e as distorções que tais do de outra forma.
sistemas podem causar à educação. Primeiramente, é importante conside- Por vários dias fiquei refletindo sobre essaconversa.No Brasil foi
rar que as matrizes de referência dos testesterminam reduzindo o currícu.
deito um grande investimento no campo da avaliação.Será que todo
lo escolaràquilo que é mensurável,enquantooutros aspectosfiindamen- esseconhecimento não poderia ajudar ao Ensino? Será que ao invés de
tais do processo educacional são secundarizados, ou até descarnados. Em
pensar na avalição como recurso de gestão, não deveríamos colocar a
segundo lugar os testes, ao classificarem as escolas e estabelecerem metas a
avaliação a serviço do ensino? Será que mesmo se constituindo em uma
serem alcançadas por elas, instauram um movimento de competição, forma de controle sobreas escolase professores,os educadorescríticos
modiâcando as relações entre as escolas e destas com a comunidade, uma
não poderiam trabalhar no sentido de reverter o sentido e a forma
vez que as escolaspassam,também, mesmo que de forma disEmçada,a como a avaliaçãotem sido utilizada?
selecionar seusalunos e/ou a pressionar e cobrar das famílias, cada vez
Foi nessemomentoque me ocorreuuma comparação
com o
mais, empenho no acompanhamento escolardos filhos, responsabilizan- campo médico. No passado,a medicina só atingia uma elite e os médi-
do-as pelo insucesso escolar de seus alunos. Os professores também so-
cos em número bastante reduzidos clinicavam, tratando de seuspacien-
frem os efeitos da pressão exercida sobre as escolas para atingirem melho- tes com poucos recursos técnicos. O exame médico, se constituía em
res resultados. Como consequência há um visível crescimento do absen-
uma anamnesee um exame deito no corpo do doente. Hoje, os médi-
teísmo, aumento do adoecimento e crescenteinsatisfação com o trabalho.
cos trabalham com baterias de examespara indicar o tratamento de
As relações no interior da escola também se modificam quando as pessoas
seuspacientes. Hoje a medicina não inclui apenas uma reduzida elite.
passama ser vistas apenaspelo prisma da produtividade.
Os médicos se multiplicaram, assim como as doençase o atendimento
médico atinge várias camadasda população. Nesse contexto, os exames
médicos tornaram-se fundamentais para o diagnóstico e o consequen-
Para onde algumas práticas apontam
te tratamento dos problemas de saúde.
Da mesma forma, será que as avaliações diagnósticas, como a que
Em função de uma pesquisaque desenvolvi sobre a implementação
estásendo proposta pela rede municipal de BH, não tem também gran-
de uma proposta curricular na rede municipal de Belo Horizonte, no
de potencial? Por ser um tipo de avalição para melhoria do ensino e da
ano passado, entrevistei funcionários da Secretaria de Educação de Belo

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aprendizagem, não teria possibilidade de superar os problemas trazidos dos instrumentos utilizados, da forma como se realiza e do uso dados
pela cultura da avalição que acabamos de discutir? Será que este tipo de aos seus resultado. Assim, no anual momento, toda a crítica às políticas
avaliação não poderia ultrapassar os limites e problemas gerados pelas públicas derivam desseprocessode mercantilização trazido, entre outras
avaliçõessistêmicas?Por ser uma iniciativa que mostra aospais quais açõespor um sistemade avaliaçãoque é parte de uma política que tra-
são os problemas que seus filhos estão enfrentando, por ser um tipo de balha com metas, sistemas de recompensa e/ou premiação que integram
avaliação com potencial de produzir práticas de cooperação ao invés da as práticas empresariais.É necessáriodeslocar a avaliaçãodo campo da
competição, por ser um tipo de avaliaçãoque tem possibilidade de criar gestão' e recontextualizá-las no campo do ensino. Ao se deslocar do
solidariedadeao invés de sentimentos de inveja e culpa, não poderia campo da gestão para ser realocado no campo do ensino, a avaliação, seu
nos conduzir a outros percursos? signiRcados, métodos e práticas serão fatalmente transformados, passan-
do a se subordinarà lógica do novo campo em que se inserem.Se o
campo da gestão6oi invadido pela lógica empresarial, felizmente ainda
E o perigo das comparações? há espaçosno campo do ensino orientados por uma visão mais social e
mais humanística sobre o processode ensinar e de aprender.
Sei que as comparaçõessão perigosas, principalmente quando se Assim, quando pensamos na avalição diagnóstica a serviço dos
tenta fazer um paralelo entre situaçõesdistintas. Sobretudo quando estudantes, mudamos o sentido da avalição. Transformam-se seusins-
esseparalelo inclui situações do campo biológico com paralelos com trumentos que passam a ser produzidos com o professor. Seus resulta-
situações do campo social. Quero ressaltar,contudo, que para mim o dos passama ser utilizados para o estudante, o professor e a família tra-
importante na comparação deita acima foi seu valor heurístico. Ele me balharem na superaçãodas dificuldades dos alunos. E uma maneira
permitiu vislumbrar novas possibilidades e caminhos para a avaliação também do professor identificar Edhasem suaspráticas, no seu ensino
sistêmica.Ele me permitiu pensarno deslocamentoda avaliaçãopara e buscar meios para sana-las.
outra área, mudando seu sentido, seus instrumentos e as técnicas com Ao invés de apenas criticarmos a avaliação sistêmica, cujas repercus-
que operam. Para isso vamos utilizar de forma produtiva, recontextuli- sõesrealmente têm que ser denunciadas, comecemos de forma propo-
zando e modificando o conhecimento produzido nessecampo, para sitiva buscar reverter a cultura da avaliação. Nesta direção, julgo que
promover um ensino de qualidade. nosso desafio, hoje, é refletir sobre as possibilidades da utilização na
prática cotidiana das escolasde conhecimentos acumulados no campo
da avaliação, orientadas por ideais de muitos educadores, que como eu,
Finalizando. sonham com uma educação que realmente esteja a serviço de um
mundo melhor do que esseem que vivemos.
Como acadêmicada áreado currículo não poderia deixar de reco-
nhecer a grande importância da avaliação como parte do contexto do
planejamentoe da prática pedagógica.Avaliar, portanto é de funda- 4 É necessárioque os gestoresidentiGlquem os problemas de uma rede, mas para isso szfrugs periódi-
mental importância no processo de ensino, não sendo a avaliação cosresolveriam esseproblema. Também visitas as escolaspodem fornecer dados significativos sobre
seu funcionamento e suas práticas
intrinsecamente boa ou ruim, pois tudo depende da orientação que ela 5 Bernstein( 1996) mostra que ao deslocarum conhecimento de um campo para recontextualizá-lo
assume,o sentido que Ihe é impresso, assim como depende também em outro campo,esteconhecimentoé radicalmentemodificado, mantendo apenasuma relaçãovir-
tual com o saberdo qual seoriginou.

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VINTE E CINCO ANOS DE AVALIAÇÃO DE SISTEMASEDUCACIONAIS NO BRASIL
IMPLICAÇÕES NAS REDES DE ENSINO, NO CURRÍCULO E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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