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A LITERATURA DE CORDEL: PRIMEIROS PASSOS

2. A LINGUAGEM
POÉTICA DO
CORDEL
OBJETIVOS:
Reconhecer os principais elementos da linguagem poética;

Perceber, no cordel, o uso da linguagem poética.

A linguagem cordelista é peculiar e, por muitas vezes, quebra os padrões gramaticais, o


que não significa que os autores não possuam cultura linguística, pelo contrário, é uma
forma de expressar para os leitores as várias facetas da cultura brasileira.

Atrelado à linguagem, o cordel apresenta características como a musicalidade das


rimas e o uso do regionalismo, mediante metáforas que fazem desse gênero literário
expressão poética de grande beleza, constituindo-se numa importante ferramenta de
comunicação artístico-literária.

Por sua essência poética, a linguagem do cordel possui características que, em um


conjunto, mostram o talento dos autores ao combinar palavras, sons e rimas que
cadenciam um ritmo próprio da poesia popular.

Vamos conhecer agora como são nomeados e tratados os elementos poéticos no cordel.

2.1 Estrofe
Estrofe é a divisão de um texto poético, formada por um conjunto de versos rimados
ou não entre si.

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No cordel, as estrofes são determinantes para a compreensão do poema e geralmente


apresentam um sentido completo, por isso são, às vezes, chamadas de instâncias.

As estrofes mais comuns no cordel são:

Sextilha – estrofe de seis versos

1. O húngaro conheceu nela


2. formato de fidalguia
3. mandou educá-la bem
4. na melhor escola que havia
5. um pouco tempo ela soube
6. o que ninguém mais sabia.

(História da donzela Teodora, de João Martins de Atayde).

Setilha - estrofe de sete versos

1. No Rio Grande do Norte


2. havia um fazendeiro
3. era muito respeitado
4. pela fama do dinheiro
5. criava numa fazenda
6. para qualquer encomenda
7. um grande boi mandingueiro

(O boi Mandingueiro e o cavalo misterioso, de José Bernardo da Silva).

Décima - estrofe de dez versos

1. Para me certificar
2 da morte de Lampião
3. arrumei o matulão
4. e andei pra me acabar
5. não escapou-me um lugar
6. do Brasil ao estrangeiro
7. percorri o mundo inteiro
8. procurando a realeza
9. até que tive a certeza
10. da morte do cangaceiro

(O grande debate de Lampião com São Pedro, de José Pacheco).

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Para reafirmar o conceito de instância como uma estrofe de sentido completo, leia a
seguinte estrofe.

Cabeça de jogador
tem um mapa desenhado
o qual está resumido
em um só ponto indicado
sua sorte é sempre clara
com um ponteiro que pára
no seu número premiado.

(O ABC do jogo do bicho e suas revelações, de Apolônio Alves dos Santos).

Observe que, mesmo não tendo lido o cordel O ABC do jogo do bicho e suas revelações,
entendemos perfeitamente a mensagem da estrofe, porque ela é clara e não depende da
estrofe anterior ou da posterior para sua compreensão. Ou seja, ela contém informações
que se completam em si próprias.

2.2 Rima
Por mais que costumemos olhar em separado, estrofe, rima, métrica e ritmo são
componentes intimamente ligados no poema. Da mesma maneira que fizemos com a
estrofe, destacando os principais tipos utilizados no cordel, veremos agora a rima.

Sobre rima, o dicionário Aurélio assim a define como:

Repetição de sons idênticos, iguais ou parecidos, em uma ou várias


sílabas, nos finais de duas ou mais palavras. Processo de repetição
dos sons no final de dois ou mais versos. [Por Extensão] A palavra
que possui rima: alegria é rima de ousadia. s.f.pl. Versos; a reunião
das palavras que compõem um poema.

A repetição de sons (rima), em uma estrutura pré-determinada, é parte essencial de


um poema de cordel e, como já dissemos, ela também facilita a memorização em seus
ouvintes, além de melhorar a compreensão do texto.

As rimas ocorrem, quanto à posição, internamente, ou seja, no interior dos versos, ou


ao final dos versos, portanto podem ser internas, quando a rima tem semelhança de
sons com palavras que estão no interior dos versos, ou externas, quando há semelhança
de sons somente ao final dos versos.

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Quanto à semelhança das letras base da rima, ela O Cordel, por tradição,
pode ser consoante se apresentar semelhança faz maior uso de rima
de consoantes e vogais, e toante se apresentar externa e consoante.
semelhança somente dos sons vocálicos.

Destacamos na estrofe somente os


Vejamos a seguinte estrofe:
versos que têm rima -dores
-dores. Observe-os.
Fazer fé não é pecado
Veja que a rima está igual no final dos
hoje muita gente faz dois versos (rima externa), a partir
até as autoridades da sílaba tônica, mantendo a mesma
joga, ganha e satisfaz sonoridade entre vogais e consoantes
ores
bicheiros são lutadores (rima consoante).
ores
portanto governadores
Quanto ao padrão de rimas para as
deixem o bicheiro em paz. estrofes do cordel, essas são classificadas
de acordo com o número de versos e
(O ABC do jogo do bicho e suas reve-
possuem uma combinação específica
lações, de Apolônio Alves dos Santos).
para cada tipo.

a) Na sextilha (seis versos) rimam entre si, obrigatoriamente, o segundo, o quarto e o


sexto versos, os outros versos não rimam, constituindo o esquema de rimas ABCBDB,
conforme destacado na estrofe:

1. O húngaro conheceu nela (sem rima) A


IA (rimam) B
2. formato de fidalguIA
3. mandou educá-la bem (sem rima) C
IA (rimam) B
4. na melhor escola que havIA
5. um pouco tempo ela soube (sem rima) D
IA. (rimam) B
6. o que ninguém mais sabIA

(História da donzela Teodora, de João Martins de Atayde).

b) Na setilha (sete versos) rimam entre si o segundo, o quarto e o sétimo versos; há uma
segunda rima para o quinto e o sexto versos; e o primeiro e último (sétimo) versos não
rimam, constituindo o esquema de rimas ABCBDDB, conforme destacado na estrofe:

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1. No Rio Grande do Norte (sem rima) A


EIRO (primeira rima) B
2. havia um fazendEIRO
3. era muito respeitado (sem rima) C
EIRO (primeira rima) B
4. pela fama do dinhEIRO
ENDA (segunda rima) D
5. criava numa fazENDA
ENDA (segunda rima) D
6. para qualquer encomENDA
EIRO (primeira rima) B
7. um grande boi mandinguEIRO

(O boi Mandingueiro e o cavalo misterioso, de José Bernardo da Silva).

c) A décima (dez versos) tem o seguinte esquema rítmico: o primeiro verso rima com o
quarto e o quinto; o segundo rima com o terceiro; o sexto rima com o sétimo e com o
décimo; e o oitavo rima com o nono, constituindo o esquema de rimas ABBAACCDDC,
conforme destacado na estrofe:

1. Para me certificar A
2. da morte de Lampião B
3. arrumei o matulão B
4. e andei pra me acabar A
5. não escapou-me um lugar A
6. do brasil ao estrangeiro C
7. percorri o mundo inteiro C
8. procurando a realeza D
9. até que tive a certeza D
10. da morte do cangaceiro C

(O grande debate de Lampião com São Pedro, de José Pacheco).

Já sabemos que no cordel a tradição é por rimas externas e consoantes e, no que diz
respeito ao jogo rítmico, a sextilha é o modelo mais utilizado. O segundo modelo é a
setilha e o terceiro é a décima. Há ainda a oitava (oito versos) e a quadra (quatro versos),
menos populares.

Lembramos que a estrofe de quatro Quando estiver fazendo suas leitu-


versos, a quadra ou quadrão, é mais ras de cordéis, observe os usos das
comum na poesia matuta e nos desafios. rimas. Sempre aprendemos mais.

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2.3 Métrica
No cordel, as métricas mais comuns são o verso de quatro sílabas poéticas (que também
é chamado de parcela); o verso de cinco sílabas e o verso de sete sílabas.

A contagem das sílabas do verso é chamada de metrificação e é uma parte importante


na aprendizagem do cordel. O esquema mais comum é o verso de sete sílabas, também
chamado de redondilha maior em contraponto ao de cinco sílabas, chamado redondilha
menor.

Leia o cordel O grande debate de Lampião com São Pedro, de José Pacheco. Em vinte e
duas décimas e, como explicita o título, o cordel trata de um tema comum: o cangaço,
entremeado pela religiosidade.

Para me certificar Fui à Serra do Cambão


a morte de Lampião desci na jumenta prenha
arrumei o matulão mandei Chico Tomás Lenha
andei pra me acabar no engenho de Felipão
Não escapou-me um lugar Pindoba de Damião
o Brasil ao estrangeiro fica perto da furada
percorri o mundo inteiro lá deixei um camarada
procurando a realeza caminhei mais légua
até que tive a certeza dormi na baixa da égua
da morte do cangaceiro. perto da Tábua Lascada.

Andei nas areias gordas Depois eu fui à quinzanga


pilão sem boca e macumba o engenho de seu Melo
as ribeiras de cazumba subi para o birimbelo
estas eu remexi todas cheguei na chã da munganga
passei nas várzea das poldras treis cassetes de zé panga
fui à baixa da fulia já fica do outro lado
levei uma companhia fui ao cambito quebrado
deixei no bico da pata do rodete de pinheiro
passei nas brechas da gata deixei o meu companheiro
dormi na boca da gia. na bargada dum sevado.

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Passei na Chã da Risada Continuei a viagem


desci na fazenda mole com boa capa de luva
fui à usina do fole porque a terra é de chuva
de Bertolina Pelada e mora dona friagem
segui pela mesma estrada seu palácio era na margem
do alto da geringonça do rio major relento
do tapado do Mendonça descansei no aposento
puxei para Virador da velha seca puxada
e mandei um portador nesta noite a trovoada
dormir na boca da onça. deu uma surra no vento.

E atravessei os mares No reino da branca aurora


montado em um planeta encontrei a brisa mansa
que ao som de uma trombeta que vinha trazer lembrança
vinha descendo dos ares à princesa deusa flora
visitando aqueles lares a neve aquela hora
terra de santos e fadas em sua alcova dormia
naquela mesma jornada depois o sol lhe surgia
encostei no arrebol desfazer-lhe do regaço
cheguei na terra do sol enquanto pelo espaço
na casa da madrugada. a neve branca corria

Ela me deu um abraço P’ra saber de Lampião


prestou-me bem atenção qual foi a parada sua
mandou chamar o verão subi à terra de lua
no reino do mestre espaço escanchado num trovão
depois chegou o mormaço encontrei um ancião
e saiu muito vexado velho, barbado e corcundo
porque estava ocupado que vinha do fim do mundo
no palácio da manhã me viu e foi me contando
tratando da sua irmã que viu São Pedro açoitando
mulher do vento gelado. um espírito vagabundo

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Chegou no céu, Lampião Lampião lhe respondeu:


a porta estava fechada — Não venha com seu insulto
ele subiu a calçada você é um santo bruto
ali bateu com a mão que ofensa lhe fiz eu?
ninguém lhe deu atenção e mesmo o céu não é seu
ele tornou a bater você também é mandado
ouviu São Pedro dizer: portanto esteja avisado
— Demore-se lá. quem é? se não deixar eu entrar
estou tomando café nós vamos experimentar
depois vou receber quem é que tem bom guardado

São Pedro depois da janta Você não entre atrevido


gritou por Santa Zulmira: São Pedro lhe disse assim:
—Traz o cigarro caipira — Ingresso a quem é ruim
acendeu no de São Pranta nesta porta é proibido
apertou o nó da manta não sabes que sois bandido
vestiu a casaca e veio roubador da vida humana
abriu a porta do meio alma ferina e tirana
falando até agastado: coração cruel perverso!
— Triste do homem empregado como queres um ingresso
que só lhe chega aperreio nesta mansão soberana

Abriu na frente o portão — É certo fui bandido


ficou na trave escorado perverso, estrompa, voraz
branco da cor de um finado porém, quem foi não é mais
quando avistou Lampião é mesmo que não ter sido
mas com a trave na mão mesmo eu sou garantido
não temeu de lhe falar por um provérbio que tenho
e disse: — Aqui não se dar escrito sobre um desenho
aposento a gente mal por pessoas elevadas
senão que entrar no pau o qual diz: — águas passadas
acho bom se retirar Não dão voltas a meu engenho

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— Não quero articulação que lá vinha no caminho


você aqui nada tem e disse a Santo Agostinho
— É como você também arretocendo o bigode:
lhe respondeu Lampião — Arreda que tu não pode
é porque do seu patrão Eu pego o cabra sozinho.
você transmite um mandado
eu tenho visto empregado Porém antes de pegar
sair do trabalho expulso apertou o cinturão
sem direção, sem recurso e botou a faca na cinta
por qualquer trabalho errado. encontrou Santa Jacinta
que lá vinha no caminho
Ali falou São Bernardo e disse a Santo Agostinho
Que também vinha chegando arretocendo o bigode:
— Pedro você está brincando — Arreda que tu não pode
com este cabra safado? Eu pego o cabra sozinho.
vá me chamar São Ricardo
e São Francisco da Penha Porém antes de pegar
diga a São Tomé que venha desceu um grande corisco
e chame São Juvenal jogado por São Francisco
traga um pau do quintal da porta do quarto andar
e uma lasca de lenha. num tremendo ribombar
um trovão também desceu
São Pedro ergueu-se nos pés o espaço escureceu
E disse de cara feia: veio um forte pé-de-vento
— Pra dar num cabra de peia Lampião neste momento
não precisa oito nem dez dali desapareceu
e gritou por São Moisés:
— Vamos dar no bandoleiro Poeta tem liberdade
saltou no meio do terreiro Sagrado dom da natura
até preparar a faca conforme a literatura
gritando: — Quebra uma estaca escreve o que tem vontade
Arranque um pau do chiqueiro também a propriedade
precisa o dono ter
São Paulo estava no quintal pelo menos vou dizer
mas ouvindo a discussão se meu espírito não mente
apertou o cinturão poeta também é gente
e botou a faca na cinta também precisa comer.
encontrou Santa Jacinta

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José Pacheco é um importante autor para a história do cordel. Escreveu na primeira


metade do século XX e nos deixou grandes obras, como as duas que tratamos aqui: A
chegada de Lampião no Inferno e O grande debate de Lampião com São Pedro. Nordestino
de Pernambuco, os cordéis de gracejos são uma marca forte em sua obra.

Nos sites das academias, indicados na Unidade 1, você encontrará mais informações
sobre esse grande cordelista.

Passaremos então a analisar a última estrofe de O grande debate de Lampião com São
Pedro para reconhecermos o número de sílabas poéticas a partir da metrificação.

SAIBA MAIS

Para conhecer um pouco mais sobre metrificação, convidamos você a aces-


sar o site da Academia Brasileira de Cordel clicando no link a seguir <http://
www.ablc.com.br/o-cordel/metricas-2/> Nele, você encontrará também
um breve resgate acerca da evolução da história do cordel no Brasil.

Vamos escandir (esse é a forma verbal da ação de separar as sílabas poéticas, de fazer a
escansão do verso) todos os dez versos dessa estrofe.

1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7
Po / e / ta / tem / li / ber / da / de pre / ci / sa / o / do / no / ter

1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7
sa / gra / do / dom / da / na / tu / ra pe / lo / me / nos / vou / di / zer

1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7
com / for / me a / li / te / ra / tu / ra se / meu es / pí / ri / to / não / men / te

1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7
es / cre / ve o / que / tem / von / ta / de po / e / ta / tam / bém / é / gen / te

1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7
tam / bém / a / pro / pri / e / da / de tam / bém / pre / ci / sa / co / mer.

Na escansão poética contamos os sons ou sílabas poéticas, mas somente até a última
sílaba tônica. Algumas vezes, a última sílaba tônica poética coincide com a última
sílaba gramatical. Porém, é muito comum que não haja correspondência entre as duas
formas de sílabas.

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Observe o sexto verso da estrofe com as duas formas de tratamento da sílaba: a sílaba
gramatical e a sílaba poética (escansão).

1 2 3 4 5 6 7 8

Sílaba gramatical É PRE CI SO O DO NO TER

Sílaba poética É PRE CI SO O DO NO TER

Nesse caso, o verso tem sete sílabas gramaticais e sete sílabas poéticas e houve
coincidência entre os dois modos de divisão. A divisão poética chamamos de escansão
- o processo de contar as sílabas métricas de um verso.

Veja a seguir a divisão silábica gramatical e poética do terceiro verso da estrofe anterior.

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Sílaba gramatical CON FOR ME A LI TE RA TU RA

Sílaba poética CON FOR ME A LI TE RA TU RA

Nesse verso não houve coincidência entre o número de sílabas gramatical e poética.

Note que, na escansão, há uma união de sílabas (CON / FOR / ME A / LI / TE / RA /


TU / RA): a primeira termina por vogal e a segunda começa por vogal. Como ambas
são sílabas átonas, há essa junção. Se você lesse o verso em voz alta, veria que as duas
sílabas são realmente pronunciadas juntas.

Observe também que só contamos as sílabas poéticas até a última sílaba tônica, que no
caso do verso, é TU. Assim, a próxima sílaba átona (RA) não deve ser contada.

A partir do exemplo anterior, se você escandir os duzentos versos do cordel de José


Pacheco, notará a mesma quantidade de sílabas poéticas em cada verso.

Nesse ponto, podemos concluir que estamos diante de um cordel escrito em estrofes de
dez versos, com sete sílabas poéticas em cada verso. Ou seja, escrito em décimas e em
redondilha maior.

A partir dessas informações, podemos tratar do próximo elemento.

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2.4 Ritmo
Sobre ritmo na poesia, vejamos o que diz Norma Goldstein (p.12):

Toda atividade humana se desenvolve dentro de certo ritmo. Nosso


coração pulsa alternando batidas e pausas; nossa respiração,
nossa gesticulação, nossos movimentos são ritmados. Há trabalhos
coletivos - tanto no campo como na indústria - que têm rendimento
maior em virtude do ritmo conjunto de todos os participantes. O
resultado de certas provas esportivas em equipe depende do ritmo
conjunto para o bom resultado final.

Vimos, pelas palavras da autora, que o ritmo não está somente no poema. O ritmo está
em situações cotidianas. Portanto, sabemos, intrinsecamente, perceber um ritmo.

A poesia falada, origem de toda poesia, necessitava ter um ritmo (e outros aspectos)
que facilitasse o processo de memorização e ajudasse na divulgação e multiplicação
dos poemas. Desse modo, compreendemos o ritmo como um jogo de sons marcados
dentro dos versos e, tal qual a rima, ligado também ao aspecto sonoro. Por essa razão o
ritmo é imprescindível na música.

Vamos olhar com atenção para a estrofe do cordel O grande debate de Lampião com São
Pedro, de José Pacheco. Leia-a em voz alta, verso a verso. Repita várias vezes a leitura.

Poeta tem liberdade


sagrado dom da natura
conforme a literatura
escreve o que tem vontade
também a propriedade
precisa o dono ter
pelo menos vou dizer
se meu espírito não mente
poeta também é gente
também precisa comer.

Ao fazer a leitura, você deve ter percebido que há algumas sílabas dos versos que, em
nossa pronúncia, soam levemente mais fortes, marcando o ritmo de nossa leitura. Ao
marcar esses sons, você determina o ritmo dos versos no poema.

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1 2 3 4 5 6 7
Po / e / ta / tem / li / ber / da / de

1 2 3 4 5 6 7
sa / gra / do / dom / da / na / tu / ra

1 2 3 4 5 6 7
com / for / me a / li / te / ra / tu / ra

1 2 3 4 5 6 7
es / cre / ve o / que / tem / von / ta / de

Há regras para acentuação (sonoridade da sílaba mais forte no verso) dos versos. O
verso de sete sílabas tem por regra o seguinte: a acentuação recai, obrigatoriamente,
na última sílaba tônica. Os demais acentos podem ocorrer em qualquer outra posição
dentro do verso.

RESUMO
Nesta Unidade conhecemos a linguagem do cordel, enfatizando estrofe, rima, métrica
e ritmo. A aprendizagem desses aspectos exige dedicação, por essa razão sugerimos
que você se dedique um pouco ao estudo desses elementos. Assim, será mais fácil
reconhecê-los em um cordel.

Esperamos que sua percepção dos elementos poéticos do cordel tenha sido aguçada
e que você possa reconhecê-los em suas leituras. Você pode até escrever seu próprio
cordel!

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REFERÊNCIAS
GOLDSTEIN, Norma. Verso, sons e ritmos. São Paulo: Ática, 2010.

LOPES, Ribamar. Literatura de cordel - antologia. 3. ed. Fortaleza: Banco do Nordeste do


Brasil S.A, 1994.

WEITZEL, Antônio Henrique. Folclore literário e linguístico: pesquisas de literatura oral


e de linguagem popular. 3. ed. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 2013.

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