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CURRÍCULO E FORMAÇÃO Palavras-chave: Currículo,

DOCENTE: questões em análise Formação docente, Globalização,


Prestação de contas.
José Augusto Pacheco1
Ila Beatriz Maia2 Introdução

Universidade do Minho Na análise contemporânea de


questões sobre Currículo e formação
Resumo docente, há uma diversidade de
caminhos conceptuais e empíricos
Neste artigo sobre Currículo e que podem ser seguidos,
formação docente: questões em principalmente se forem tidos em
análise, partimos da teoria-ação conta contributos pertinentes das
curricular formacional (MACEDO, ciências sociais e humanas, cuja
2016), bem como da perspetiva de análise remete para um
currículo como conversação conhecimento subjetivo. Para Max
complexa e deliberativa (PINAR, Weber (1977, p. 17), o conhecimento
2007; PINAR, 2017; HENDERSON, em ciências sociais e humanas é
2015), para argumentar que: i) a diferente, não significando que seja
formação docente é uma das menos válido, a quem a "ciência
temáticas inerentes aos Estudos empírica não está apta a ensinar
Curriculares (PACHECO, ROLDÃO, aquilo que "deve", mas sim e apenas
ESTRELA, 2018), apesar de uma o que "pode" e - em certas
multiplicidade de abordagens que lhe circunstâncias - o que "quer" fazer”.
conferem ainda mais complexidade; Com efeito, Max Weber (1977)
ii) a globalização das políticas sublinha que o conhecimento é
educacionais está a criar situações sempre provisório, pois a
críticas no trabalho docente complexidade e multiplicidade da
(LIBÂNEO, FREITAS, 2018; realidade tornam o conhecimento
MORGADO, 2018; ZEICHNER, 2013); numa conquista permanente. Tal
iii) a cultura de accountability provisoriedade está presente na
(prestação de contas) está a induzir formulação conceptual, através da
os docentes, pelo estudo da teoria-ação curricular formacional,
realidade portuguesa, a um processo de Roberto Macedo (2016, p. 26),
de alinhamento curricular, em função pois, “ao contrário de alimentar uma
de uma abordagem de competências, imagem confortável das nossas
repensada globalmente pela OCDE “verdades” sobre currículo e
(2018). formação”, “necessário se faz
realizar um certo exercício autocrítico
e intercrítico que pode nos ajudar a
olhar de forma dilatada nossas

1
Sobre os Autores: Professor Catedrático 2
Estudante de pós-graduação do Instituto
do Instituto de Educação da Universidade de Educação da Universidade do Minho.
do Minho. Grupo de Pesquisa de Currículo
do Centro de Investigação em Educação.
ideias, práticas curriculares, demonstrando uma imagem
experiências formativas e pesquisas” fragmentada do desenvolvimento do
(MACEDO, 2016, p. 26). De modo currículo, no contexto de um sistema
idêntico, essa mesma subjetividade de accountability. Assim, o racional
do conhecimento, que é sempre um tyleriano é, ainda, uma estrutura
modo de problematização, sem significativamente presente no
respostas definitivas e conclusivas, desenvolvimento do currículo, com
encontra-se na conceptualização do tendência para definir as práticas
currículo – e também da formação, curriculares de forma uniformizante,
acrescentamos nós – como como se o currículo fosse a
conversação complexa e deliberativa expressão de resultados expressos
(PINAR, 2007; PINAR, 2017; em números, em que os resultados
HENDERSON, 2015). medidos por testes à larga escala são
Conversação complexa, porque a fonte das mudanças, bem como o
o Currículo é a hermenêutica de um rumo para a definição internacional
sujeito ou sujeitos não incorporados das políticas educacionais.
em procedimentos de É a partir destes pressupostos
estandardização do conhecimento, que são analisadas de forma
numa busca analítica do passado que argumentativa os pontos seguintes.
é futuro e que se torna presente, já
que “o futuro não está à nossa frente, 1. Currículo e formação
está atrás, oculto no passado, num docente
tempo anterior a resultados
escolares inscritos numa falsa Na asserção de que a formação
competição internacional que servem docente é uma das temáticas
para os políticos esconder as suas inerentes aos Estudos Curriculares
próprias lacunas” (PINAR, 2015, p. (PACHECO, ROLDÃO, ESTRELA,
XI). Conversação deliberativa que 2018), apesar de uma multiplicidade
significa, por um lado, a crítica da de abordagens que lhe conferem
racionalidade tyleriana, agora ainda mais complexidade. Assim,
ressignificada por conceitos e currículo e formação docente,
procedimentos de prestação de juntamente com a didática, são
contas e responsabilização, no campos que precisam de ser
sentido de uma escola como negócio analisados na interseção da esfera
e de uma escola sem ideologia, como pública com a esfera privada, ou
se fosse possível a utopia política de seja, do social com o pessoal, e no
uma escola sem crenças, atitudes e reconhecimento de que a escola é
comportamentos, despida de valores formadora de identidades de sujeitos
e baseada num conhecimento que têm uma consciência de si e se
asséptico e, por outro, uma nova relacionam com os outros,
perspetiva de desenvolvimento do sublinhando Ivor Goodson (2008, p.
currículo (HENDERSON, 2015), com 17) que “devemos entender o
marcas de contestação do paradigma pessoal e o biográfico se quisermos
dominante do pensamento entender o social e o político”, e
curricular, de cariz técnico, compreendendo estes significados
normativo e burocrático, estaremos a valorizar a ação
subjetiva do sujeito na construção do perspetivas mais técnicas e práticas,
currículo e na formação dos sendo preciso recordar que “a
professores, que se transformam nos formação de professores é um
seus agentes principais, não se problema político, e não apenas
tornando necessário escrevê-lo com técnico ou institucional” (NÓVOA,
letra maiúscula, como o fez Joseph 2017, p. 1111), pelo que é crucial
Schwab (1969), quando defendeu reorientar a formação docente em
que o professor, juntamente com o função de uma perspetiva de análise
aluno, o conhecimento e contexto, é crítica do contexto escolar.
um dos elementos principais a ter em
conta na construção de um currículo 3. Alinhamento curricular
orientado não para a forma, ditada
pelos seus aspetos organizacionais, A cultura de accountability está
mas para a linguagem da prática. a induzir os docentes, pelo estudo da
realidade portuguesa, a um processo
2. Trabalho docente de alinhamento curricular, em função
de uma abordagem de competências,
São muitas as publicações que repensada globalmente pela OCDE
traduzem com estudos empíricos as (2018; PACHECO, SOUSA, 2018).
condições do trabalho docente Em países mais centralizados, como
suscitadas pela globalização das Portugal, e tendo como ponto de
políticas educacionais, no seu partida o plano curricular, com a
múltiplo processo de uniformização designação de disciplinas e tempos
(LIBÂNEO, FREITAS, 2018; letivos, bem como o programa, um
MORGADO, 2018; ZEICHNER, 2013). dispositivo de identificação dos
Em tempos de transglobalidade, conteúdos a serem aprendidos em
em que a educação é apresentada cada ano de escolaridade, a
como matriz de todos os problemas e organização tradicional do currículo
soluções, qualquer análise sobre a nacional sofre um revés. Agora fala-
formação de professores exige um se em competência (conhecimentos,
olhar crítico para o trabalho docente capacidades, atitudes e valores) e a
inserido em contextos de sua fundamentação está ligada a um
accountability (prestação de contas), movimento de reforma global, no
concretamente, através de um perfil sentido de reafirmação da lógica da
docente ditado por uma cultura de escola dos comuns (organizacional,
prestação de contas, de um currículo curricular e pedagógico). Entretanto,
orientado para resultados de os testes à larga escala,
aprendizagem e standards e de uma principalmente o PISA, contribuem
escolarização restrita que provoca de modo significativo para esse
um impasse silencioso nos comum, cuja validade social é
professores. Neste caso, a formação avaliada quase exclusivamente pelos
pode ser uma simples panaceia, resultados comparativos a nível
mantendo-se os princípios, mas internacional. E assim estão criadas
alterando-se o contexto em que é as condições para a definição do
realizada, com primazia para currículo do século XXI à imagem e
situações que privilegiam semelhança da OCDE, cuja
preponderância nos sistemas informing action. New York:
educativos se torna crescentemente Routledge, 2015, p. 1-34.
efetiva nas últimas décadas, mais LIBÂNEO, J. C.; FREITAS, R.
ainda com o relatório The future of (Org.). Políticas educacionais
Education and Skills, Eduaction, neoliberais e escola pública. Uma
2030, cuja leitura é norteada por qualidade restrita de educação
estas duas questões essenciais: Que escolar. Goiânia:Editora Espaço
conhecimentos, capacidades, Académico, 2018.
atitudes e valores os alunos de hoje MACEDO, R. S. A teoria
precisam para prosperar e partilhar o etnoconstitutiva de currículo.
seu mundo? De que modo os Teoria-ação e sistema curricular
sistemas educativos podem formacional. Curitiba: Editora CRV,
desenvolver, de forma eficaz, tais 2016.
conhecimentos, capacidades, MORGADO, J. C. Currículo e
atitudes e valores? políticas educacionais
Tais questões baseiam-se num contemporâneas: que papel
currículo que, segundo os preceitos para o professor? IN: AGUIAR,
da OCDE (2018), será flexível e M. A., MOREIRA, A. F.;
dinâmico, já que escolas e PACHECO, J.A. (Org.),
professores devem ser capazes de Currículo: entre o comum e o
atualizar e alinhar o currículo, tendo singular (pp. 63-84). Recife:
em atenção os requisitos sociais e as ANPAE, 2018
necessidades individuais de http://www.anpae.org.br/Biblio
aprendizagem. Também é dito que o tecaVirtual/coloquiocurriculo201
currículo deve estar bem alinhado 6.html#fane7-tab. ACESSO EM:
com as práticas de ensino e 31 AGOSTO DE 2018.
avaliação, surgindo desse modo uma NÓVOA, A. Cadernos de
prática de alinhamento curricular, Pesquisa, v.47, n. 166, p. 1106-
que pode colocar em causa toda e 1133, 2017.
qualquer proposta de flexibilização PACHECO, J. A., ROLDÃO, M.
do currículo nacional, com tendência C.; ESTRELA, M. T. (Org.), Estudos
para uma formação docente de currículo. Porto: Porto Editora,
didatizante. 2018.
PACHECO, J.A.; SOUSA, J.
Referências Políticas curriculares no período
pós-LBSE (1986-2017). Ciclos de
mudança na educação pré-escolar
GOODSON, I. As políticas de e nos ensinos básico e secundário.
currículo e de escolarização. IN: PACHECO, J. A., ROLDÃO, M.
Petrópolis: Editora Vozes, 2008. C.; ESTRELA, M. T. (Org.), Estudos
HENDERSON, J. G. A new de currículo. Porto: Porto Editora,
curriculum development: 2018, p.129-176.
inspiration and rationale. IN: J. G. PINAR, W. F. Educational
HENDERSON et al. experience as lived: Knowledge,
Reconceptualizing curriculum history, alterity. New York:
development. Inspiring and Routledge, 2015
PINAR, W. F. O que é a teoria
curricular? Porto: Porto Editora,
2007.
PINAR, W. F. Working from
within, together. IN: M. A DOLL
(Ed.), The reconceptualization of
curriculum studies. A festschrift in
honor of William F. Pinar. New
York: Routledge, 2017, p. 194-
205.
SCHWAB, J. The practical: a
language for curriculum. School
Review, n. 78, p. 1-23, 1969.
WEBER, M. Sobre a teoria das
ciências sociais. Lisboa: Editora
Presença, 1977.
ZEICHNER, K. M. Políticas
de formação de professores nos
Estados Unidos. Como e por que
elas afetam vários países do
mundo. Belo Horizonte:
Autêntica, 2013.

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