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ambiguidades e hibridismo
EducaƟonal policies and organizaƟonal idenƟƟes:
ambiguiƟes and hybridity
Las políƟcas educaƟvas y las idenƟdades de organización:
ambigüedades y hibridación
Susana Faria*
DOI: http://dx.doi.org/10.20435/serie-estudos.v22i44.924
Resumo
Vários estudos têm demonstrado que, um pouco por todo o mundo, as transformações ocorridas
no campo educa vo por influência da nova gestão pública apontam para uma certa hegemonia do
ideal empreendedor de organização. Se é verdade que, a par r da década de 1990, as organizações
escolares se tornaram mais burocrá cas porque o inves mento na ‘qualidade’ foi formalizado,
estruturado e associado à estrutura hierárquica das ins tuições, não podemos deixar de atentar a
certos traços iden tários próximos do ‘empreendedorismo’, ou que alguma vez tenham perdido de
vista o ideal profissional. Ao refle r sobre o processo de transformação iden tária das organizações
escolares, aquilo que procuramos demonstrar neste texto, é que à entrada da 2ª década do século
XXI, os agrupamentos de escolas portugueses se estão a tornar ‘empreendedores’ porque pressio-
nados pela ‘ecologia de mercado’, reorientando-se, crescentemente, para a prestação de contas,
para a sa sfação dos seus ‘públicos’ e para a construção de uma imagem que lhe seja favorável
nas relações de troca que estabelece com diferentes partes. Mas isso, não significa que alguma vez
tenham deixado de ser burocra camente geridas e que os profissionais docentes tenham deixado
de exercer as suas próprias pressões.
Palavras-chave
Transformação iden tária; nova gestão pública; projeto educa vo.
Abstract
Several studies have shown that, all over the world, the changes induced by the new public
management in educa onal field produced a hegemony of the entrepreneurial ideal of organiza on.
From 1990 the school organiza ons becomes more bureaucra c because the investment in ‘quality’
was formalized, structured and connected with hierarchical structures. However we may not forget
some iden ty features near to entrepreneurship, neither the professional pressure of the teachers.
Reflec ng on the iden ty transforma on process of school organiza ons, we intent to demonstrate
that in beginning of second decade of this century, schools are becoming entrepreneurial by the
* Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Ins tuto Politécnico de Leiria, Leiria, Portugal.
Resúmen
Varios estudios han demostrado que, en todo el mundo, los cambios ocurridos en el campo de la
educación bajo la influencia de la nueva ges ón pública, apuntan a una cierta hegemonía del ideal
empresario de la organización. Si bien es cierto que, desde la década de 1990, las organizaciones
escolares se han vuelto más burocrá co debido a que la inversión en la ‘calidad’ se ha formalizado,
estructurado y asociada con la estructura jerárquica de las ins tuciones, no podemos dejar de
prestar atención a ciertas caracterís cas que iden fican cerca de ‘ espíritu de empresa’, ni nunca
han perdido de vista el ideal profesional. Al reflexionar sobre el proceso de transformación de la
iden dad de las organizaciones escolares, lo que tratamos de demostrar en este trabajo, es que a la
entrada del segunda década de este siglo, los grupos de las escuelas portuguesas están convir endo
en ‘empresarios’ porque presionado por la ‘ecología de mercado’ Si reorientación, cada vez más, a
la rendición de cuentas, a la sa sfacción de su ‘público’ y la construcción de una imagen a su favor
en las relaciones de intercambio que ene con diferentes partes. Al reflexionar sobre el proceso de
transformación de la iden dad de las organizaciones escolares, lo que tratamos de demostrar en
este trabajo, es que a la entrada del segunda década de este siglo, los grupos de las escuelas portu-
guesas han de conver rse en ‘empresarios’, ya que, presionados por la ‘ecología mercado’ se vuelve
a dirigir cada vez más a la rendición de cuentas, a la sa sfacción de su’ público’ y la construcción de
una imagen a su favor en las relaciones de intercambio que ene con diferentes partes. Pero eso
no quiere decir que las escuelas han cesado nunca para ser administrado burocrá camente y que
profesionales de la enseñanza han dejado de ejercer sus propias presiones.
Palabras clave
Transformación de la iden dad, la nueva ges ón pública, proyecto educa vo
sistemas educa vos, mas, também, so- ‘empreendedor’ que, nos bas dores das
bre a necessidade de introduzir a inova- reformas polí cas, se foi impondo, tendo
ção no seio das ins tuições escolares. A em vista as necessidades e os obje vos
par r dos anos 1980, a mudança parece de cada escola. A passagem de um mo-
ter-se tornado um elemento recorrente delo de planificação a priori para um
da retórica managerialista, ligado à cen- modelo de avaliação a posteriori parece
tralidade crescente da eficácia e da efici- explicar a orientação para os resultados e
ência na resposta às transformações das a ênfase nas lideranças e nos diferentes
sociedades, sob pressão da globalização níveis de regulação que caracterizam a
e da metáfora da ‘sociedade/economia ideologia managerialista3.
do conhecimento’. A focalização das polí cas educa -
Acontece que a mudança produ- vas na questão da ‘qualidade’ é inerente
zida no campo educa vo, nos úl mos a todo esse processo e não pode deixar
40 anos, está longe de ser linear, uma de ser entendida à luz da reforma do
tendência que vai ao encontro do hibri- setor público - uma meta-ideia, segundo
dismo iden ficado por Stensaker (2004), Stensaker, que se cons tuiu na palavra-
no caso norueguês, e que parece ser -chave de qualquer polí ca educa va,
comum a vários países europeus, fruto ainda que com sentidos divergentes,
das diferentes combinações entre os três consoante o ideal organizacional invo-
mecanismos de regulação iden ficados cado4. Esse interesse polí co pela ‘qua-
por Reed (2002): a norma burocrá ca,
o mercado e as normas profissionais. 3
Este cenário, de «mudança de paradigma ao
Assim, enquanto as reformas educa vas invés de mudanças no paradigma» (STENSAKER,
implementadas, a par r dos anos 90, 2004) parece ir ao encontro do caso português,
enfa zaram a estandardização e a buro- independentemente do nível de ensino. Nos
úl mos anos, o estabelecimento e divulgação
cra zação, no sen do da racionalização pública dos rankings de escolas, bem como a
dos esforços, a retórica polí ca foi pondo criação de mecanismos de avaliação institu-
a tónica na responsabilidade profissional cionais a nível nacional e internacional e de
como garan a da qualidade do proces- avaliação do desempenho docente, parecem
so de ensino-aprendizagem. Paralela e bons exemplos desta nova orientação no ensino
básico e secundário.
progressivamente, a compe ção entre
4
as ins tuições emerge, sobretudo como Não obstante a centralidade do conceito de
‘qualidade’, que nos úl mos anos tem influen-
resultado do reforço do sistema privado ciado tanto o sector público quanto o privado,
de ensino e da crescente autonomia ocupando o lugar central até então dominado
das escolas, dando forma a um espírito pela ideia de eficácia, Stensaker (2004, p. 75-
78) demonstra a falta de consenso sobre o seu
significado, o qual tende a ser apropriado por
Educação, planificadores, inves gadores, profes- diferentes discursos polí cos e adaptado a dife-
sores, pais, alunos e organismos internacionais rentes ideais organizacionais: eficiência adminis-
(CORREIA, 1989, p. 15). tra va (organização burocrá ca), capacidade de
É por isso que pouco importa saber Como sabemos, Bourdieu (1997)
se as narra vas e as imagens produzidas sublinha que nem todos os grupos têm
no processo de construção iden tária o mesmo poder de iden ficação e de
correspondem ou não à ‘essência’ de agência sobre as estruturas, dependen-
um cole vo, interessando, antes, saber do essa capacidade da posição ocupada
se o património produz e ou expressa no sistema de relações que liga os gru-
iden ficação (PERALTA; ANICO, 2006, p. pos uns aos outros num determinado
3). Conforme sugere Pereira (2006), é campo e no campo do poder. O conceito
a construção de patrimónios cole vos de estratégia iden tária dá conta, preci-
que permite a coesão e a integração, samente, da forma como a iden dade
fornece referências e cria estabilidades, surge como um meio ao serviço de um
sugerindo uma imagem, necessariamen- fim e da liberdade rela va dos atores
te simplificada de um futuro desejado e sociais – uma ferramenta ou caixa de
possível e de uma mudança controlada. ferramentas, conforme a classifica Cuche
Tal ideia vai ao encontro dos trabalhos (2003). Nesse sentido, a identidade
publicados, em 1977, por Galissot, em não existe em si mesma, independen-
que o autor reflete sobre os conceitos temente das estratégias de afirmação
de identidade e alteridade, enquan- iden tária dos atores sociais, sendo, no
to conceitos relacionais, sugerindo o entanto, o produto e o suporte de lutas
conceito de iden ficação como aquele sociais e polí cas que visam estabelecer
que melhor dá conta da ideia de com- fronteiras a par r de determinados tra-
promisso, de negociação e de auto e ços culturais.
heteroiden dade. No que à análise organizacional
Nesse sentido, a imagem, não diz respeito, a idenƟdade organizacio-
mais é mais do que o conjunto de traços nal tende então a ser definida como o
dis n vos que o grupo tenta exterio- conjunto de crenças e perceções acerca
rizar a par r de uma visão redutora e dos elementos dis n vos de uma organi-
simplificada de si próprio. Daí a ideia zação. Já o termo cultura organizacional
de projeção pública da iden dade e a é empregado de forma mais imprecisa,
ênfase concedida à dimensão da visi- muitas vezes utilizado por referência
bilidade cultural por Rénaud (1989) ao a um determinado campo, procuran-
abordar o conceito de imagem. Num do, na maioria das vezes, dar conta da
pequeno ensaio publicado, em 1989, predisposição dos elementos de uma
sobre o estatuto da imagem, o autor organização para a adesão aos seus ob-
convida-nos, precisamente, a pensar nas je vos. Na perspe va de Schein (1985),
transformações advindas dos processos a noção remete para um conjunto de
de simulação intera va, que permitem pressupostos, inventados, descobertos
antecipar o real sico, reproduzi-lo e ou desenvolvidos por um grupo ao lidar
manipulá-lo. com problemas de adaptação externa e
Touraine (1994), Boudon (1995), Crozier dos têm procurado estabelecer com a
e Friedberg (1977), encaram a escola eficácia organizacional e com o es lo de
como um ‘locus de produção norma va’, liderança exercido.
pela produção intraorganizacional de Ora, a nova gestão pública tem
regras não formais e informais (TORRES, vindo a afirmar-se pela primazia da efi-
1997, p. 82). cácia e da prestação de contas, isto é, por
Parece ser este o sen do com que uma ação orientada para a promoção da
Santiago (1996), estudando a forma ‘qualidade’, centrada na avaliação dos
como alunos, pais e professores conhe- resultados do serviço prestado, como
cem e se situam perante a escola, se pro- afirmação da autonomia das ins tuições
pôs analisar a ‘reconstrução concertada públicas. Embora a questão da ‘quali-
da escola’. Diferentes representações dade’ nos sistemas educa vos esteja
da escola sugerem diferentes posições longe de ser uma questão consensual,
entre os atores, que parecem estar na porque ideologicamente permeável a
origem de conflitos susce veis de em- diferentes ideias organizacionais, parece
pobrecer as interações educa vas. Visto existir alguma convergência analítica
que as representações sociais da escola sobre a importância do envolvimento
(contendo elementos de ordem cogni- da comunidade educa va na promoção
tiva, afetiva e normativa) constituem da ‘qualidade’, sobretudo quando, numa
quadros de referência que orientam perspe va managerialista, se olha para
formas de envolvimento e de par ci- a escola como organização ‘empreen-
pação na ação educa va, são elas que dedora’. De tal forma que as escolas de
estão na origem das formas e prá cas ‘qualidade’ serão “as que conseguem
de comunicação e de relação instaladas envolver toda a comunidade educa va
entre os principais atores na escola. Por na vida da escola” (BRITO, 1991, p. 53).
outro lado, influenciam diretamente os Tal perspetiva parece legitimar
es los de interação educa va que, por as novas conceções de liderança trans-
sua vez, podem estar na origem de uma formacional, fundadas na promoção da
maior ou menor mobilização para os par cipação e na função de mobilização
obje vos organizacionais. da organização para gerar o seu próprio
crescimento em função de uma missão
5 CLIMA DE ESCOLA E EFICÁCIA ou projeto par lhado (BARROSO, 1995).
Por essa via, a nova gestão pública pare-
ORGANIZACIONAL ͵ A CULTURA
ce recuperar, ainda que implicitamente,
COMO VARIÁVEL DE GESTÃO
a noção de clima de escola.
Desde meados da década de 1960 As teorias mais recentes sobre o
que a noção de clima de escola tem clima organizacional reportam-se assim
vindo a conhecer alguma popularidade, a uma série de caracterís cas rela va-
sobretudo pela relação que vários estu- mente permanentes, que: diferenciam
descobrir, susce vel de se materializar das diferenças entre os atores educa vos
num projeto educa vo. e os interesses dos vários grupos. A ela-
boração de projetos educa vos obriga a
6 IDENTIDADEΈSΉ: AS LINHAΈSΉ um esforço de produção de consensos,
LINHAΈSΉ COM QUE SE COSEΈMΉ AΈSΉ mas estes são dinâmicos e desenvolvem-
PERTENÇAΈSΉ11 -se em torno de obje vos que, num dado
momento, se querem par lhados.
Numa comunidade educativa É verdade que, em Portugal, a
onde interagem pessoas e grupos com missão estruturante da escola é definida
interesses dis ntos, e até divergentes,
pelo próprio Estado, quer se trate da
emergem, necessariamente, represen-
escola pública ou privada. Mas, o que
tações sociais diversas e conflituantes
temos vindo a argumentar é que resta
sobre a escola, sobre as suas finalida-
uma margem de manobra para ‘inter-
des, sobre os seus projetos e sobre as
pretar’ as polí cas educa vas, de forma
suas a vidades sociais e educa vas. A
cria va, e para comprometer, num pro-
comunidade educativa não exprime,
jeto próprio e par lhado, os atores que
portanto, uma visão está ca de consen-
interagem em cada escola ou em cada
so, mas uma visão dinâmica e até confli-
agrupamento de escolas.
tual da realidade social, suportada num
Olhando para a administração
espaço de intercomunicação, par lha e
escolar de forma dicotómica, ora enfa-
construção cole va de iden dade e de
zando a burocracia externamente pro-
projetos que os atores experimentam na
duzida, ora privilegiando a ‘anarquia’ en-
procura de soluções para os problemas
dogenamente organizada, a perspe va
comunitários e para as necessidades dos
sistémica com que, tradicionalmente, se
alunos. Nóvoa (1995) vê na comunida-
tem olhado para a organização escolar,
de educa va, assim conceptualizada, a
tende a colocar a análise organizacional
possibilidade de atribuição de sen do à
num vazio social e a ocultar os modos
par cipação dos diversos grupos (profis-
de dominação social que operam no seu
sionais, sociais, polí cos) e à sua capaci-
interior. Desse modo, fica por explicar a
dade para construírem uma iden dade
produção de burocracias escolares ao
própria da escola a que pertencem, mas
nível do estabelecimento de ensino, as
admite a necessidade de evitar o esbater
quais parecem ser legi madas não por
uma racionalidade apriorís ca, mas me-
11
Nome dado a um projeto de investigação diante recursos simbólicos, mobilizados
da Escola Superior de Educação e Ciências pelos professores e por outros agentes
Sociais (ESECS), em 2002, depois transformado educa vos nas zonas de incerteza or-
em Centro de Investigação de Identidades e
Diversidades (CIID) do Ins tuto Politécnico de ganizacional (cf. CROZIER; FRIEDBERG,
Leiria e hoje transformado no polo de Leiria do 1977), que se assumem como processos
CICS:NOVA. reguladores.
sempre original, de forma a dar um novo emergindo. Por isso, é que uma iden -
significado a essa nova iden dade, mas dade forte pode favorecer o processo,
não a transformá-la radicalmente. e quanto maior capacidade de agência
Nesse processo, que busca legi - houver mais bem sucedido poderá ser o
midade externa (via ideal organizacional) empreendimento – manter a integridade
e interna (via iden dade cole va), as da ins tuição e os seus traços dis n -
lideranças desempenham um papel fun- vos, associando as normas e os valores
damental, desencadeando, conduzindo existentes à procura e às expecta vas
e acompanhando as mudanças que vão externas.
REFERÊNCIAS
Sobre a autora:
Susana Faria: Professora Adjunta na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais
do Ins tuto Politécnico de Leiria, integra o núcleo de Leiria do CICS.NOVA. Doutora
em Ciências Sociais pela Universidade de Aveiro, atua na área de Sociologia,
em que é licenciada, e das Ciências da Educação, onde obteve o grau de mes-
tre. Coordena o Curso de Relações Humanas e Comunicação Organizacional à Distância
e Integra a Comissão Científico-Pedagógica do curso de Serviço Social. E-mail:
susana.sousa@ipleiria.pt