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Barcelos, 2019. Revista Iberoamericana de Economía Ecológica Vol. 31, No. 1: 1-17.
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ANTROPOCENO OU CAPITALOCENO:
Da simples disputa semântica à interpretação histórica da crise ecológica global

Eduardo Álvares da Silva Barcelos


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano
Campus Valença, Bahia
eduardo.barcelos@ifbaiano.edu.br

Resumo
A natureza complexa da crise ecológica atual postula diferentes versões e causalidades para explicar
as mudanças ambientais contemporâneas. Os efeitos do crescimento populacional e da atividade
econômica nos diferentes ecossistemas tem provocado uma crescente disputa de interpretação
sobre as circunstâncias que permeiam a relação sociedade e natureza e como tal relação conforma
o desenvolvimento da crise atual. Recentemente, o debate ambiental contemporâneo foi reaquecido
pela difusão da noção de Antropoceno, uma nova época geológica demarcada pela industrialização
e pela capacidade humana de intervenção na evolução da Terra. Esta noção, porém, tem sido objeto
de críticas e por tentativas de reformulação, entre elas a noção de Capitaloceno. No presente artigo,
busca-se analisar as noções de Antropoceno e Capitaloceno e suas raízes empíricas, científicas e
políticas. Apesar de ambas formularem uma versão para a fenomenologia da crise ecológica, suas
interpretações diferem quanto às origens e as concepções ontológicas e históricas da crise.
Enquanto a primeira postula uma centralidade no humano (Anthropos) como causalidade primeira
da crise, a segunda desloca o eixo da crise para compreendê-la como um câmbio no processo
histórico em curso do capitalismo, que incorporou as condições da natureza num projeto específico
de reorganizar o mundo material.

Palavras-chave: Antropoceno, Capitaloceno, crise ecológica, mudanças globais, impactos


antrópicos

Abstract
The complex nature of ecological crisis postulates different versions and causalities to explain
contemporary environmental changes. The effects of population growth and economic activity in
different environments have led to a growing dispute over interpretation of the circumstances that
permeate the relationship between society and nature and how this relationship shapes the
development of the current crisis. Recently the contemporary environmental debate was rekindled by
the diffusion of the notion of Anthropocene, a new geological epoch demarcated by industrialization
and the human capacity for intervention in Earth evolution. This notion, however, has been the object
of criticism and attempts at reformulation, among them the notion of Capitalocene. In this article, we
seek to analyze the notions of Anthropocene and Capitalocene and their empirical, scientific and
political roots. Although both formu late a version for the phenomenology of the ecological crisis, their
interpretations differ on the origins and the ontological and historical conceptions of the crisis. While
the former postulates a centrality in the human (Anthropos), as the first causality of the crisis, the
second poses the axis of the crisis to understand it as a change in the ongoing historical process of
capitalism, which incorporated the conditions of nature into a specific project of reorganize the
material world.

Keywords: Anthropocene, Capitalocene, ecological crisis, global changes, anthropic impact

JEL Codes: Q50; Q59

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1. Introdução lado, as descontinuidades ambientais são vistas
historicamente como “mudanças de estado” da
As mudanças ambientais que vieram a ocorrer matéria (aumento na concentração de gases,
no curso da história humana, especialmente uso de novos materiais, acidificação dos
nos últimos três séculos, têm gerado uma oceanos). Por outro, são vistas em
corrida epistêmica e política pela conceituação transformações ambientais globais como
e periodização do desenvolvimento material das efeitos tramados de relações e processos
sociedades. Não são poucas as tentativas de históricos, ou seja, tenta compreender a forma
definir um marco espaço-temporal para social que deu condições para que tais
relacionar tais mudanças com a co-evolução mudanças ocorressem como síntese de uma
produzida na interdependência das relações dada racionalidade.
humanas com a ampla trama da vida.
Há quem defenda inclusive tratar estes termos
Algumas tentativas recentes afirmam que não como eras ou períodos na evolução
estamos vivendo um novo ritmo (uma nova geológica, mas como fronteiras que demarcam
intensidade e velocidade) de apropriação da descontinuidades graves e prorrogam por muito
base ambiental do planeta. Pois é certo, afinal, tempo os efeitos produzidos (Haraway, 2016). E
que a aceleração do tempo da atividade social há também aqueles, como o antropólogo
sob o capitalismo nesses últimos três séculos Eduardo Viveiros de Castro e a filósofa Deborah
teve implicações imediatas no desenvolvimento Danowski que afirmam que as expressões
material das sociedades e isso certamente não filosóficas, conceituais e culturais, quer
pode ser ignorado, se considerarmos os efeitos enquanto emergência político-social quer
já sentidos em toda a Terra, com as mudanças entanto colapso metafísico dos termos que
globais no clima, nos oceanos, nos alimentos, constituíram o humanismo, buscam de fato
nas florestas, decorrente de novas plataformas construir diferentes versões para o “fim do
tecnológicas e de matérias primas que vieram a mundo”, dispondo-se na contracorrente do
dominar todo o mundo. otimismo “humanista” predominante nos quatro
Mas tais mudanças que levaram a muitos a últimos séculos de história do Ocidente
definir um “marco temporal” das mudanças (Carvalho, 2015).
ambientais, motivo pelo qual surgiram De todo o modo é necessário esclarecer que, a
diferentes propostas de conceituação – despeito de todas estas tentativas de
Antropoceno, Capitaloceno, Industrialoceno, classificação das transformações ambientais ou
Termoceno – e ainda outros “cenos”, oscila das versões do “fim do mundo” não há na
entre enfatizar as causas da crise, por um lado; história humana apenas um “ponto de inflexão”
ou descrever suas consequências, por outro. É que explique as descontinuidades no
certo que tentativas de demarcar no tempo as desenvolvimento material das sociedades ou na
descontinuidades ambientais é uma forma forma como elas se apropriam da natureza. Há,
interessante de demarcar não somente a no fundo, câmbios históricos, bifurcações e
história evolutiva das espécies, mas também as trajetórias históricas que moldam o tempo e o
mudanças de racionalidade envolvidas nas espaço. Mesmo que no fundo todos os seres
relações históricas que marcam a relação das “terranos”, “terráqueos”, humanos e não
sociedades com a ecologia da vida. humanos, compartilhem de uma mesma
Estas “versões” da crise têm demarcado duas “carne”, paralelamente, semioticamente e
grandes correntes de interpretação. Por um genealogicamente a Terra, há diferentes

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temporalidades, descontinuidades e trajetórias “era do humanus”, ou seja, um ponto de vista
históricas de sociedades/grupos/civilizações. autodeclarado e, de certa forma,
Assim, no plano de compressão histórica da antropocêntrico e universal de pensar as
crise ecológica global, o importante é relações com a natureza, ou se, de fato,
compreender como a natureza tem sido estaríamos mergulhados na “era do capital”,
produzida e usada a cada período histórico e uma forma social e histórica muito particular de
como as formas sociais refletem esta produção. organizar e co-produzir a natureza.
No presente artigo, tomaremos uma reflexão A questão levantada por Moore é uma tensão
mais ampla que tentará ampliar a interpretação entre aqueles que apenas procuram
sobre as mudanças ambientais e a crise diagnosticar e mensurar as mudanças
ecológica global na sua relação com os câmbios ambientais contemporâneas, enfatizando os
históricos. Para isso, adotou-se como efeitos e os impactos das atividades humanas
problemática as interpretações recentes em sobre o sistema Terra e a proposição de uma
torno da ideia de Antropoceno e as versões plataforma intervencionista (geo-engenharia,
críticas que problematizam seus limites adaptação tecnológica, governabilidade); e
explicativos, políticos e epistêmicos. Em torno entre aqueles que buscam compreender como
desta questão, surge a noção de Capitaloceno, e porque estas mudanças ocorrem, suas
uma metanarrativa provocadora que constrói determinações, agentes, escalas. É uma tensão
uma tensão heurística importante em torno das político-epistêmica entre aqueles que definem a
categorias de sujeito, da ideia de tempo, espaço “humanidade” como uma força geofísica global,
e humanidade. um “ator global” capaz de afetar o planeta como
um todo; e entre aqueles que buscam
interpretar como os humanos fazem história e
2. Mudanças ambientais, tempos de ruptura: como organizam sua relação com a natureza,
Antropoceno, Chthulhuceno Capitaloceno, mediada por formas sociais e históricas
Industrialoceno e as diferentes versões do específicas e interconectadas com a teia da
“fim do mundo”. vida.
“Estamos realmente vivendo o Antropoceno Certamente, estas duas perspectivas nos
– com seu retorno a um ponto de vista conduzem a diferentes interpretações sobre o
curiosamente eurocêntrico da humanidade e
desenvolvimento material das sociedades e
sua confiança em noções e recursos bem
sobre as versões fenomenológicas da crise
estabelecidos e consolidados de seu
determinismo tecnológico – ou estamos ecológica. A “era do humanus” significa postular
vivendo o Capitaloceno, uma era histórica uma centralidade particular de um tipo de
formada por relações que privilegiam a sujeito, o Anthropos, daí o Antropoceno como a
acumulação interminável de capital?” “época da dominação humana” sobre a Terra;
(Moore, 2013a: 10) enquanto que a “era do capital” revela uma
A pergunta do historiador ambiental americano centralidade no projeto histórico-estrutural de
Jason Moore pode ser considerada um “ponto co-produção da humanidade na ampla teia da
de clivagem” na ecologia política vida, ou seja, a interpenetração eco-histórica e
contemporâneo sobre as mudanças globais e de longa duração da atividade social humana
as interdependências entre o tempo, o espaço, dentro da essência da vida sob uma lógica de
o ser e o social. A pergunta nos provoca a acumulação (Moore, 2016).
pensar em que medida estaríamos vivendo uma

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As duas perspectivas se diferenciam também ecossistemas sustentáveis que permitiram a
pelo fato da primeira considerar o ambiente um agricultura. Num artigo de 2007, ”The
mundo objetivado, algo exógeno à história, Anthropocene: Are Humans Now
considerando humanidade-e-natureza como Overwhelming the Great Forces of Nature”,
assinado em conjunto com John R. McNeill
coisas distintas; enquanto a segunda busca
e Crutzen, Will Steffen, engenheiro químico
uma dialética complexa de relações
australiano, esboça uma história faseada do
interpenetrantes e interdependentes das Antropoceno cujo fio condutor são os valores
naturezas humanas e não humanas dentro de de concentração atmosférica de dióxido de
uma interação histórica de humanidade-em- carbono, que passam de 270-275 partes por
natureza (Moore, 2016). É por esta tensão que milhão (ppm), na era pré-industrial, para 380
pretendemos caminhar. ppm, em 2005” (Carvalho, 2015: 03, 04).

As pesquisas sustentam que o crescimento da


produção e de energia exossomática
2.1. O Antropoceno e a “Era do Homem”
(carbonização e mineralização da vida social)
A hipótese de uma nova época geológica, o modificou o planeta a tal ponto de tornar a
Antropoceno (anthropos – filho do homem; e atividade social humana a maior força ambiental
ceno – novo, ruptura qualitativa) é inicialmente dominante na Terra. O marco temporal desta
subscrita por uma série de artigos do químico cisão inaugural estaria na emergência da
atmosférico holandês Paul Josef Crutzen, Revolução Industrial na Inglaterra, ou a “Grande
ganhador do Prêmio Nobel de Química, em Transformação” ocorrida no final do século XVIII
1995, que afirma ter concebido o conceito para com a chamada sociedade de mercado e a
demarcar o fim da estabilidade climática. moderna indústria.
“A proposta de Crutzen pode ser resumida Este período marca o momento de
na premissa de que a humanidade é agora modernização técnica e ampliação das escalas
uma força geológica, ou seja, que o impacto de produção com a mudança no paradigma de
da atividade e da história humanas
matérias primas. O comportamento econômico
adquiriram uma equivalência causal à da
da emergente sociedade industrial induziu uma
meteorização, da erosão e das
movimentações tectónicas. O argumento mudança profunda: saiu-se de uma vida
sustenta que a esfera de ação humana que fundamentalmente ancorada na fotossíntese e
se constituiu a partir da utilização industrial seus derivados, para uma sociedade baseada
de combustíveis fósseis deu azo a uma na extração de rochas, minerais e energia
antropização do planeta tão significativa, fossilizada (Moreira, 2016). O uso de energia
que a alteração dos indicadores geológicos fossilizada dá início a uma extraordinária
e atmosféricos exige uma nova aceleração de transformações na natureza.
periodização. Esta nova era geológica
servirá de enquadramento teórico, e de a Abre-se, desde então, o período fossilista e uma
priori histórico, a uma série de medidas que socioecologia planetária materialmente
visam pensar e instituir uma governação inorgânica. A humanidade opera então uma
para a era”. (...) Para Crutzen, os processos transição para uma “sociedade de alta energia”,
em curso irão pôr fim à estabilidade climática rompendo a dependência solar das sociedades
do Holoceno, o período geológico que serve agrárias. Esta mudança radicalizou em
de cenário à emergência de culturas
toneladas os conteúdos energéticos por
humanas estáveis, ambientadas nas
unidade de peso em várias vezes superior a
amplitudes térmicas regulares e nos
matéria vegetal derivada da fotossíntese

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(Naredo, 2000). Ou seja, as sociedades saíram (como nos oceanos e na atmosfera)
de uma dominância essencialmente agrícola apresentaram variações crescentes
(vegetal e animal) para uma dominância exponenciais e em magnitude e extensão nunca
industrial (Moreira, 2016); e os processos antes observadas. Foi a partir 1950 que o
extrativos não mais reiteram o “movimento da consumo de fertilizantes, a população urbana, a
natureza”, com seus ciclos e processos de construção de barragens, o uso da água, a
renovação energética, mas são direcionados à produção de papel, de veículos e de
extração de toneladas de terra e material da equipamentos para telecomunicações, a
“crosta terrestre”, superando em importância concentração de metano, óxido de nitrogênio,
qualquer agente geológico e transformando dióxido de carbono, a acidez dos oceanos, os
cada vez mais a Terra em uma grande mina elementos radioativos, o desmatamento e a
(Naredo, 2000). Assim, a revolução industrial degradação dos solos experimentaram as taxas
com todas as suas mudanças estaria na base mais crescentes na história humana e nos
da “era do homem”, o Anthropo-ceno. registros até então (Steffen et al., 2015 e Lewis
e Maslin, 2015) 1.
Segundo os antropocenólogos, estas
transformações incidiram sobre os estratos A “Grande Aceleração” seria uma radicalização
geológicos e o sistema climático a ponto de nos intercâmbios de matéria e energia e estaria
mudar as condições gerais e os processos referenciada à ascensão do padrão cultural
geoecológicos e ecossistêmicos inerentes à estadunidense e o modelo de gestão industrial
toda biosfera. O impacto ambiental destas (fordismo) e ao sistema de produção em massa
mudanças tornou-se evidente logo a partir do que criou as linhas de montagem
século XX e especialmente a partir de 1950 este semiautomáticas, possibilitadas pelos pesados
processo se aprofundou com as novas investimentos para o desenvolvimento de
mudanças políticas e tecnológicas que vieram a maquinários e instalações industriais, tornando
ocorrer no interior da nova ordem mundial do os produtos industrializados acessíveis ao
pós-guerra. mercado consumidor em massa. A expansão
deste modelo ao redor do mundo provocou um
Na narrativa do Antropoceno, o pós-1950
crescimento econômico sem precedentes e
marcaria o momento de emergência de um novo
permitiu a criação das sociedades de bem-
“ponto de bifurcação” histórica e geológica,
estar-social nos países chamados
chamado de a “Grande Aceleração” (Steffen et
desenvolvidos (ou industrializados) (Barcelos,
al., 2015; Lewis e Maslin, 2015; Waters et al.,
2018).
2016). A partir de 1950 todos os indicadores
monitorados para avaliação das interferências Do ponto de vista dos efeitos, todas estas
ambientais aumentaram drasticamente. As variações desde o século XVIII estariam
tendências observadas em alguns sistemas promovendo uma “Grande Ruptura” (ou Fratura

1
O ciclo do nitrogênio por exemplo mudou tão radicalmente que grande maioria, os depósitos antropogênicos recentes gerados
sua concentração não encontra paralelo (comparação geológica) pela maquinaria industrial – resíduos de mineração, produtos da
a pelo menos 2,5 bilhões de anos, ou seja, uma mudança construção civil e da urbanização – já contém concentrações de
infinitamente impensável. A concentração de CO2, desde 1750 elementos químicos (minerais) maiores do que o período da
cresceu para níveis não vistos a pelo menos 800.000 anos atrás. “Grande Oxigenação” (a 2,4 milhões de anos), formando novos
A apropriação de 25%-38% da produtividade energética primária estratos deposicionais com longo potencial de persistência no
tem também reduzido o estoque energético dos ecossistemas e ambiente. Os sinais da civilização industrial podem ser vistos pelo
levado milhares de espécies ao colapso. Estima-se uma taxa de aumento brusco da concentração de alumínio (98% maior desde
extinção de espécies na ordem de 100 a 1000 vezes maior do que 1950), de concreto pela intensa urbanização e de novos polímeros
em eras anteriores, o que provavelmente constitui a sexta orgânicos (substâncias a base de carbono) encontrados nos
extinção em massa no planeta (Lewis e Maslin, 2015). Em sua plásticos (Waters et al., 2016).

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Metabólica) (Barcelos, 2018) no funcionamento de autoregulação da Terra ou por mudanças
dos sistemas naturais, como o clima, os ciclos abruptas do “piso geológico”, mas sim
biogeoquímicos, os ciclos agrícolas, e assim se ocasionada por “um processo econômico
afastando das “tendências naturais” de (relativamente) pacífico, considerado por muitos
variabilidade observadas nos registros como benéfico e mesmo imprescindível, e no
geológicos de épocas anteriores. As alterações qual as mudanças de fase são ainda quase
observadas, pela sua intensidade e imperceptíveis em sua configuração geral”
principalmente pela velocidade com que (Marques, 2016: 452).
ocorrem estariam “fora” dos padrões
Segundo o antropólogo Eduardo Viveiro de
encontrados no Holoceno, ou seja, o problema
Castro, o Antropoceno é uma “dobradura na
do Antropoceno não está necessariamente
história humana”; ou seja, apesar de não ser
ligado ao padrão de racionalidade do
possível separar humanidade de ambiente (o
capitalismo orientado à expansão e à
anthropos, húmus, humanos do mundo natural
acumulação, mas sim ao ritmo acelerado desta
– Gaia), exatamente por ser um lado só (não se
acumulação.
trata de dois lados, de um lado Gaia, de outro o
Assim, com a aceleração do tempo, a escala da Humanos) nossa relação com a natureza
cronotopia humana (do grego kronos = tempo e produziu uma descontinuidade, uma dobra
topos = espaço, ou seja, a convergência das nesta figura de um lado só. Esta dobra, assinala
relações temporais com as espaciais) se Castro pôs fim ao Ocidente como guardião do
deslocou para a escala geológica (Castro, 2015)
. universal. “Podemos imaginar que o Ocidente
Com a emergência desta nova época geológica, acabou já com o Antropoceno, quanto ao
a ecologia planetária não poderia mais ser capitalismo é outra história. Podemos imaginar
explicada apenas por variáveis convencionais que o Ocidente já acabou e que já nos abrimos,
(relevo, geologia, vegetação), mas acima de querendo ou não para uma multiplicidade de
tudo por relações sociais, e especificamente a outras versões de Gaia, enquanto vamos
vida política, cultural e gregária – o anthropos - observando e sofrendo os efeitos que nossa
enquanto principal sujeito desta periodização versão vai produzindo sobre os demais entes do
geológica. mundo” (Castro, 2015).
A trajetória de construção da noção de A ideia de Antropoceno, segundo Castro
Antropoceno, no entanto, é de origem assinala o Ocidente como um ator impossível:
pluriautoral, já que ela não nasce primeiro pela velocidade destrutiva de seu
exclusivamente do campo científico, mas padrão cultural de transformação da ecologia
remonta a uma tradição mais antiga de pensar planetária; e segundo pela sua impossibilidade
a ação humana sobre o sistema Terra, desde o de agir numa direção contrária exatamente
século XVIII às preocupações do ambientalismo porque o Ocidente não se reconhece para si. “O
do século XX, em especial o texto precursor de Antropoceno é um ponto de não-retorno. O
Rachel Carson, Primavera Silenciosa (1971) e o Antropoceno pode não ser o fim do mundo, mas
relatório do Clube de Roma, Os Limites do é certamente o modo inferior do mundo, tanto
Crescimento (1972) (Marques, 2016). O quanto nós como vários outros seres estão em
Antropoceno se preocupa em mostrar que as questão, com uma persistência muito mais
transformações no interior da ecologia garantida e muito mais duradoura do que a do
planetária não foram mudanças catastróficas capitalismo. A temporalidade do Antropoceno é
regidas por uma “falha trágica” nos mecanismos

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de outra ordem que os ciclos de Kondradief ou (Carvalho, 2015). O Cthulhuceno seria uma era
os ciclos hegemônicos de Wallerstein” (Castro, 2015)
composta por uma legião de entidades
inumanas, não-humanas, mais-do-que-
Na hipérbole das versões do “fim do mundo”,
humanas incontroláveis de diversos “poderes e
Viveiro de Castro e a filósofa Deborah
forças tentaculares de toda a terra e de coisas
Danowski, traçam em “Há Mundos Por Vir?”, um
reunidas em nomes como Naga, Gaia,
panorama geral das várias expressões
Tangaroa (emerge da plenitude aquática de
filosóficas, teóricas e culturais que versam
Papa), Terra, Haniyasu-hime, Mulher-Aranha,
sobre o “fim do mundo”. O aceleracionismo, a
Pachamama, Oya, Gorgo, Raven, A’akuluujjusi,
profusão de formas culturais que exploram
Medusa e muitos outros” (Haraway, 2016: 19).
declinações do mesmo motivo apocalíptico e o
Trata-se de uma narrativa hiperbólica que
seu próprio “perspectivismo ameríndio”,
colapsa todas as concepções clássicas de
Viveiros de Castro e Danowski afirmam que
sujeito e, consequentemente, a possiblidade
“toda esta floração disfórica se dispõe na metafísica do mundo.
contracorrente do optimismo “humanista”
predominante nos três ou quatro últimos Dentro deste panorama, porém, o que distingue
séculos de história do ocidente. Ela prenuncia, o Antropoceno das narrativas metafísicas é a
se é que já não reflete, algo que parecia estar postulação da centralidade do sujeito, o
excluído do horizonte da história enquanto anthropos, a figura do humano – filho do
epopeia do espírito: a ruína da nossa homem, uma distinção grega para situar a
civilização global em virtude mesmo da sua diferença entre deuses e animais, entre o bestial
hegemonia constante, uma queda que poderá
e o divino, ou a figura escatológica que vem no
arrastar consigo parcelas consideráveis da
fim da história (Carvalho, 2015). O Anthropos é
população humana.” (Carvalho, 2015: 11).
colocado como “excepcionalismo ontológico”,
Mas Viveiro de Castro e Danowski, apesar da fundado na separação homem-natureza, o
epopeia cataclísmica não afirmam homem como “senhor e possuidor da natureza”,
necessariamente a aniquilação total da vida ou cabendo-lhe uma posição superior e anterior ao
da própria ecologia, um “planeta sem ecologia”, mundo. Esta excepcionalidade humana, que se
mas sugerem as possibilidades de um colapso afirma acima de tudo, assume a natureza como
material dos processos que sustentam o mundo estoque e qualifica a obra humana como o
enquanto sistema holístico ou metafísico. Visão poder técnico de modificar uma esfera
totalmente diferente para aqueles que forjaram disponível e ontologicamente inferior na direção
os “hiperobjetos” como síntese de um colapso de aumentar os fluxos do sistema mundo.
intocável e insuperável da experiência humana.
Mas a centralidade no anthropos torna o sujeito
Os hiperobjetos são realidades materiais que
da história
impactam a vida humana, mas não podem ser
“controlados” pela experiência humana, a (...) enquanto agente exclusivamente
exemplo do aquecimento global. económico, sendo as especificidades
contingentes secundárias às tendências
Neste sentido, Donna Haraway (2016) gerais da espécie. A humanidade que vem
desenvolve esta reflexão chamando a era atual constituir o antropos que dá nome ao
de Chthulhuceno, uma alusão ao monstro momento presente não é um somatório das
Cthulhu, divindade ficcional criada por H. P. experiências e formulações do humano, mas
Lovecraft, anterior a qualquer sinal de vida sim uma tendência histórica de determinado
humana, símbolo de horror cósmico e inumano uso hipostático da técnica. É, portanto, esta
determinada especificidade e

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excepcionalidade técnica a constituir o “terraplanando” a ideia de humanidade, o que
homem enquanto agente da sua própria no limite ofusca as concepções ontológicas,
história e do seu próprio ambiente. A históricas e políticas da crise.
presença humana na natureza configura-se
numa permanente aceleração do seu Isso porque a figura do “Anthropos”, do humano,
impacto, que atinge no momento da na superfície da Terra é uma variedade de
revolução industrial uma dimensão telúrica, versões e possibilidades de “grafar” a Terra e,
comparável apenas às forças tectónicas e como tal, revela a necessidade de compreender
naturais que esculpem a forma e os as postulações causais e históricas de
processos do mundo. Este impacto humano enquadramento desta fenomenologia da crise
é paradoxal. Por um lado, confirma a
ecológica. Afinal, há diferentes humanidades e
excepcionalidade humana, a sua
diferentes trajetórias humanas. O Anthropos
emancipação do meio natural e o seu triunfo
civilizacional, mas por outro afirma-a como
como “força geofísica global” implica em
fiel depositária de um cuidado que ainda considerar a ação humana num absoluto
apenas mal compreende. O triunfo humano determinismo triunfalista. O crescimento da
corre o risco de ser também o seu fim, literal população e o consumo de recursos naturais
ou civilizacional (Carvalho, 2015: 48). ficam dispostos em eventos lineares e foge a
Apesar de lançar uma narrativa abstrata e qualquer menção dos conflitos históricos, as
universalista, com um sujeito elevado à descontinuidades, os câmbios e as
categoria geológica e exclusivamente desigualdades estruturais resultantes das
econômico, a hipótese do Antropoceno transformações globais.
enquanto conceito-chave joga luz a um conjunto De certa forma, isso é uma maneira de tornar
de fenômenos e questões que serve de “língua omisso os efeitos desiguais da expansão das
franca” a várias problemáticas do presente, economias de mercado (desigualdades,
contraditórias e até opostas. É uma tentativa de proletarização, multiplicação da pobreza), as
enquadrar um conjunto de fenômenos num arbitrariedades do exercício do poder e as
discurso próprio sobre a crise, o que torna possibilidades de intervenção e superação das
paradigmático um determinado período da macroestruturas de dominação. Assim,
história e um certo estado de coisas. segundo Jason Moore (2017), a narrativa do
Antropoceno não tem intenção de legitimidade
historiográfica, mas sim tornar o sistema-Terra
2.2. O Capitaloceno e a “Era do Capital” um objeto de saber e de governo (Bonneuil &
Por mais que a narrativa do Antropoceno seja Fressoz apud Carvalho, 2015).
importante para demarcar e mensurar “O sujeito que emerge deste a priori histórico
fenômenos e efeitos sobre o sistema Terra, é - este antropos unidimensional que dá nome
ainda uma narrativa que olvida tratar a à era - é uma humanidade abstrata e
humanidade em termos de poder, desigualdade achatada, uniformemente culpada do
e justiça. Ao tornar a “experiência humana” colapso iminente, onde as dimensões
(atividades antrópicas) uma força fora de telúricas e ctónicas vieram anular todo o
pensamento da diferença e da alteridade e
controle, “acima” da natureza, a ideia de
todas as distinções entre mestre e escravo.
colapso ambiental triunfa como produto da
Christophe Bonneuil & Pierre de Jovancourt
ganância humana. Assim, apesar de mostrar as resumem bem a questão: “a Grande
taxas e a velocidade das mudanças ambientais Narrativa dominante do Antropoceno
(o que é importante), o Antropoceno acaba parece-se com uma epopeia no que tem de

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exaltação de um grande sentimento coletivo hipóteses, essas relações são reconhecidas,
(o fato de pertencer à espécie humana) onde mas como complementos de última geração
o protagonista está cometido de modo para o enquadramento do problema. Esse
indiferenciado (ausência de interioridade, e enquadramento se desenrola de uma forma
portanto de reflexividade e de eminentemente comparativa, mas acho
conflitualidade) e involuntariamente preso também uma narrativa profundamente
dentro de um destino que o ultrapassa, onde enganosa: uma na qual o "empreendimento
nem a categoria da ação nem a dos agentes humano" está contra as "grandes forças da
está claramente desenhada”. Uma natureza" (Steffen, et al., 2011b, 2007). Ao
humanidade de diorama, que, no entanto, na mesmo tempo, os estudiosos do
sua “dissonância cognitiva”, se revela antropoceno não podem escapar da
incapaz de assumir o propósito histórico de conclusão de que os humanos também são
enfrentar as questões da sua própria época, uma "força geofísica" - o singular é
onde, como na economia, caberá a uma importante aqui - que opera dentro da
vanguarda de especialistas definir as natureza (Steffen, et al., 2011b, 741). Este é
políticas que a sociedade não está o problema: "um sistema/dois sistemas"
preparada para enfrentar” (Carvalho, 2015: comum ao pensamento verde em suas
18). correntes principais e críticas.
Filosoficamente, a humanidade é
Para enfrentar este papel ideológico do
reconhecida como uma espécie dentro da
Antropos, este homem universal vitimado pelas teia da vida; mas em termos de nossos
mudanças globais e, ao mesmo tempo, um quadros metodológicos, estratégias
agente geofísico de primeira grandeza, Jason analíticas e estruturas narrativas, a atividade
Moore explicita a proposta do Capitaloceno, ou humana é tratada como separada e
a “era do capital” para explicar esta independente. Existem "construções
fenomenologia da crise ecológica. Apesar de humanas" e construções "naturais"
não ter a mesma validade científica institucional (Zalasiewicz, et al., 2011b: 837) - mesmo
que a hipótese do Antropoceno, o Capitaloceno quando os seres humanos são reconhecidos
como uma força geofísica. Essa dissonância
surge enquanto crítica de uma determinada
cria mais nevoeiro do que luz, pois o
narrativa do tempo e da ecologia política e serve
reconhecimento da humanidade-na-
para impedir o desfecho histórico de uma série natureza torna-se uma espécie de cobertura
de problemas convalidados na máxima “de que filosófica para as narrativas reducionistas da
não há alternativas”. humanidade e da natureza” (Moore, 2017:
02).
Para sua postulação, Moore afirma que o
Antropoceno é uma história fácil. Na visão de Moore (2013a, 2013b, 2016, 2017)
“Fácil, porque não desafia as iniquidades, a o Antropoceno dispara um relógio
alienação e a violência naturalizadas e cronometrado a partir de 1784 com a invenção
inscritas nas relações estratégicas de poder da máquina a vapor de James Watt e o uso da
e de produção da modernidade. É uma matéria fossilista para engendrar uma “história
história fácil de contar porque não nos pede do clima” e um ponto de vista histórico para
que pensemos nessas relações. O mosaico narrar as descontinuidades ambientais,
da atividade humana na rede da vida é olvidando uma série de transformações
reduzido a uma humanidade abstrata como ocorridas entre 1450 até a Revolução Industrial
unidade de atuação homogênea.
inglesa, como as revoluções agrícolas
Desigualdade, mercantilismo, imperialismo,
holandesas e inglesas do século XV e a
patriarcado e muito mais. Na melhor das
conquista da América no século XVI, para

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citarmos algumas. É certo afirmar que a 1) A revolução agrícola dos Países Baixos (c. 1400-
Revolução Industrial provocou uma “inflexão” 1600) (Brenner, 2001);
na história do capitalismo. Porém uma inflexão 2) A revolução mineira e metalúrgica centrada em
que não representa a culminância de um mercadorias na Europa Central (Nef, 1964)
desenvolvimento material pré-moderno, mas
3) Os primeiros nexos da escravidão moderna
um câmbio no processo histórico em curso do associada ao cultivo da cana de açúcar na ilha da
capitalismo, que incorporou as condições da Madeira e em São Tomé (1452- 1520s, 1540s-
natureza num projeto específico de reorganizar 1590s) (Moore, 2009, 2010d);
o mundo material (Moore, 2013a).
4) O surgimento do nordeste brasileiro como líder da
A época que precedeu este cambio histórico economia açucareira mundial, sucedendo Santo
condensou um conjunto globalizador de Tomé, depois de 1570, no qual se derivo a primeira
relações e formulações que se seguiram por grande devastação da floresta atlântica no Brasil
três séculos após 1450. (Schwartz 1985; Dean, 1995);
5) a expropriação da “fronteira escrava” africana no
“Estas relações – em que o valor se torna
golfo de Guiné a Angola e no Congo (Miller, 1988);
uma “forma de organizar a natureza” – foram
as primeiras a se manifestar e de forma 6) a ascensão de Potosí depois de 1545, e sua
espetacular em dois campos: primeiro, em dramática reestruturação depois de 1571, seguindo
uma série extraordinária e em cascata de os passos do esgotamento das minas de prata
transformações de paisagens e corpos em saxônicas e da Boemia (Moore, 2010e);
todo o mundo atlântico e além dele; e em
7) a drenagem dos pântanos na Inglaterra e das
segundo lugar em um conjunto emergente
zonas húmidas em todo o mundo atlântico, de
de idéias e perspectivas sobre a realidade
Pernambuco a Varsóvia, de Roma a Gotemburgo;
que permitiu Estados e Capitais europeus
ver o tempo como linear, o espaço como 8) o esgotamento relativo das florestas
plano e homogêneo, e a natureza como algo mediterrânicas, especialmente pela indústria naval,
externo às relações humanas” (Moore, no início do século XVII (Braudel, 1972; Moore,
2013a: 10). 2010a); o que resultou

Moore destaca, inspirado na historiografia 9) na deslocalização dos estaleiros espanhóis para


braudeliana de larga duração, que a ascenção Cuba, onde um terço da frota foi construído por volta
do capitalismo e seus cambios de época de 1700 (Funes Monzote, 2008);
decorrem de giros e rupturas que se 10) a aparição de importantes centros de construção
desenvolveram no plano macro histórico- naval e fronteiras significativas para a extração de
geográfico, “arrastando” a natureza para o madeira e "lojas navais" na América do Norte
interior de um regime próprio de organização da durante o século XVIII (Perlin, 1989, Williams, 2003);
base material. Desde 1450 até os idos da 11) a exaustão da agricultura mercantil polonesa e a
Revolução Industrial há um hiato histórico revolução agrícola inglesa do século XVII, a qual fez
olvidado na historiografia do Antropoceno. da Inglaterra o celeiro do norte da Europa em 1700;
Desde 1400, um conjunto de transformações 12) o deslocamento do centro de produção de cobre
em cascata foram criando condições para a e ferro para a Suécia, começando no final do século
emergência de um “capitalismo fossilista” e de XVI, deslocando os centros húngaros e alemães que
um aparato técnico capaz de acelerar as floresceram no "primeiro" século XVI (Hildebrand,
dinâmicas de espoliação da natureza. A lista é 1992);
interminavel, mas podemos destacar (Moore,
2013a: 10-11):

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13) as incursões cada vez mais alargadas das frotas não seriam, portanto, algo datado a partir do
de pesca de arenque, bacalhau e baleia em toda a século XVIII, mas efeitos acumulados e
extensão do Atlântico Norte (Richards, 2003); complexos de longa duração entre a natureza
14) as sucessivas revoluções de açúcar das Índias humana e não humana que produziu mudanças
Ocidentais, de Barbados, na década de 1640, para a geológicas e biofísicas identificadas a partir das
Jamaica e São Domingo, deixando uma trilha de novas condições de reestruturação do
túmulos africanos e paisagens nuas à sua volta capitalismo e das relações de produção e de
(Watts, 1987); poder.
IMPORTANTE D+
15) a "cerealização" fortemente desigual das dietas
Com esta formulação, Jason Moore apresenta
dos camponeses - e a "carnificação" das dietas da
seu argumento mais importante: o sistema-
aristocracia e da burguesia na Europa;
mundo capitalista torna-se, nesta abordagem,
16) o aumento da produção de prata mexicana no uma ecologia-mundo. A economia política do
século XVIII (Studnicki-Gizbert e Schechter, 2010); capital é na verdade uma ecologia e a história
17) a "troca colombiana" que fez história, quando as do capitalismo não é a da dicotomia sociedade
doenças do Velho Mundo entraram no Novo Mundo, e natureza, mas sim um conjunto de
e as culturas do Novo Mundo fluíram para o Velho, transformações co-produzidas por naturezas
assim como as batatas e o milho (Crosby, 1972, humanas e extra-humanas (Moore, 2017;
1986).
Carvalho, 2015). O capitalismo, assim, seria
Todas estas transformações socioambientais uma civilização produtora de natureza, onde o
sequer são mencionadas nas narrativas oficiais processo de trabalho conformaria um “meio
do Antropoceno. Passam despercebidas estas ambiente”. A história do capital é uma história
diferentes situações que foram moldando as de “movimentação da Terra” e o processo de
relações humanas com a ampla trama da vida e produção é uma “produção de natureza”: um
produzindo efeitos acumulados que, mais tarde, conjunto de relações interdependentes com a
foram desenvolvidos pelos novos câmbios que ampla rede da vida que governam a
vieram a ocorrer. Assim, é necessário entender interpenetração da humanidade com (e dentro
que a industrialização, a urbanização, o da) natureza no curso da história.
crescimento da população urbana, fenômenos
Moore apresenta este argumento com base na
inerentes a Revolução Industrial do século XVIII
reformulação da lei do valor, avançando para
não podem ser considerados o “big bang” da
uma teoria unificada do capitalismo ou uma
nova época geológica – o momento primeiro.
síntese mundial-ecológica. O trabalho social
Estes fenômenos são desdobramentos e
abstrato não é mera captura e exploração de
expressões cíclicas dos processos de
trabalho não pago; é também apropriação de
reprodução do capital e de dinâmicas de longa
bens naturais. Paralelo a um “trabalho social
duração que foram transformando a ecologia do
abstrato” existe uma “natureza social abstrata”:
capital (Carvalho, 2015; Moore, 2013a). Ou
a lei do valor não é apenas um fenómeno
seja, a emergência do período fóssil ou do
económico, mas um processo sistémico com
capitalismo de base fossilista (Moore, 2017) não
um momento económico decisivo e central
foi uma “automutação” do desenvolvimento do
(trabalho social abstrato) – o momento da
capital, mas um câmbio estrutural nas formas de
acumulação de valor enquanto trabalho
co-produzir a humanidade-em-natureza.
abstrato é historicamente materializado através
Assim, no curso do tempo, as consequências do desenvolvimento de regimes simbólicos e
biosféricas destas transformações históricas científicos necessários para identificar,

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quantificar, pesquisar e permitir não apenas o “A acumulação de capital é a proletarização
desenvolvimento da produção de mercadorias do trabalho, mas é a apropriação da
mas a cada vez mais maior apropriação de natureza global. A acumulação infinita de
naturezas baratas” (Moore, 2013b). capital e a apropriação interminável da Terra
são dois lados da mesma moeda. Aquela é
“Minha proposta é a seguinte: colocamos a impensável sem a outra. Esta dialética é
simplificação radical mediada pelo mercado constituída pela tendência à acumulação por
dentro da produção e da realização do valor apropriação - à qual os quatro grandes
como um todo orgânico. Desta forma, fatores de produção (trabalho, alimentação,
podemos ampliar com êxito a ótima visão de energia e matérias-primas) são apropriados
Braverman, na qual o capitalismo tende a com o investimento mínimo de capital e
dissolver formas concretas de trabalho - bem poder territorial - e a tendência para
como as naturezas extra-humanas - no acumulação por capitalização, através da
campo da capitalização e da apropriação – qual esses "Quatro Baratos" são colocados
em modelos gerais de movimentos de em ação por capital intensivo, inovações
trabalho (1974). O movimento de dissolução, para aumentar a produtividade. (Moore,
previsto no desenvolvimento imperativo da 2011a, 2011b, 2012). O saque das áreas
produtividade do trabalho, tende a reduzir fronteiriças e os avanços na produtividade
não apenas os trabalhos concretos, mas do trabalho da metrópole formam um todo
todas as formas de especificidades orgânico” (Moore, 2013a: 14; grifos nossos).
biofísicas (do qual o trabalho é um momento)
à categoria de "parte intercambiável" (ibid: A ideia de Capitaloceno, portanto, é entendida
181-182). Desta forma, o capital tende a criar como ecologia-mundo do capital, juntando a
materialidades que se assemelham à lógica acumulação de capital, a busca do poder e a co-
imanente da acumulação de valor, através produção da natureza na unidade dialética
da qual as particularidades humanas e extra- (Moore, 2013a). Isto significa que capital e
humanas são dissolvidas poder não agem sobre a natureza, mas se
(proporcionalmente) à forma de dinheiro, o conformam a partir dela. Se trata de uma
padrão normal de trabalho social abstrato. extraordinária combinatória de exploração e
Desta forma, o trabalho social abstrato e
expropriação, ao mesmo tempo pela produção
natureza social abstrata são mostrados
e circulação de mercadorias e a exploração do
como uma condição de cada um” (Moore,
2013b: 22). trabalho com a apropriação da natureza e o
esgotamento de recursos. Assim o processo de
Neste mesmo sentido, a acumulação primitiva acumulação de capital torna a exploração
seria precisamente um repertório de capitalista do trabalho uma forma social de
enclausuramentos imperialistas e de conformação do ambiente. Por isso, segundo
apropriação da natureza, pondo-os à serviço da Moore, assim como não há como explicar a
produção de mercadorias. O capital como valor economia capitalista sem analisar as relações
em movimento é o valor da natureza (Moore, de produção, não há como explicar a ecologia-
2017). O valor é uma relação agrupada de mundo do capital sem analisar as relações de
naturezas humanas e extra-humanas. Daí Marx apropriação. E na verdade, conforme nos fala
escreve que a fertilidade natural do solo pode Moore (2013), Naredo (2000), Toledo (2013),
"atuar como um aumento no capital fixo": uma não cabe dicotomizar exploração de
observação pregativa com implicações sócio- apropriação, mas sim entender que a
ecológicas para a análise da acumulação de acumulação capitalista é um metabolismo
capital (Moore, 2017: 06) civilizatório de transformação da Terra como um

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todo orgânico e dialético de apropriação, Através do oikeios formamos e reformamos
produção, transformação, circulação e descarte as relações e condições que criam e
de matéria e energia. destroem o mosaico de cooperação e
conflito humanos: o que tipicamente
Pensando como a natureza humana e não chamamos de organização “social”. Assim a
humana se juntam, Jason Moore (2013b; 2016) natureza como oikeios não é oferecida como
propõe o termo oikeios como uma alternativa fator adicional, a ser colocado lado a lado
para explicar como a atuação humana está como cultura, sociedade ou economia. Em
sempre dentro e dialeticamente ligada com a vez disso a natureza se torna matriz dentro
natureza como um todo. Oikeios ou o “lugar da qual as atividades humanas se
desenrolam, e o campo no qual agentes da
favorável” é o espaço de fusão das
história operam. Da perspectiva do oikeios,
combinações entre as relações humanas e não
civilizações não “interagem” com a natureza
humanas, que desperta uma compreensão de como recurso (ou natureza como balde de
natureza como matriz e não como recurso, o lixo); elas se desenvolvem através da
que significa afirmar que a atuação humana natureza-como-matriz. (...) Nesta alternativa
nunca é puramente humana e está sempre dialética e holística, a oikeios comunica uma
enraizada na natureza, como se fossem duas perspectiva sobre a mudança histórica na
entidades organicamente ligadas. A ideia de teia da vida, enfatizando a agregação de
oikeios é que o humano não age sobre a naturezas humanas e extra-humanas. Os
natureza (assim como o capitalismo), mas se projetos múltiplos e processos da
humanidade-em-natureza – incluindo
desenvolve através da ampla rede da vida,
imperialismos e anti-imperialismos, a luta de
como um feixe de relações para o qual os seres
classes de cima e de baixo, a acumulação
humanos são “ambientes” a serem feitos, e do capital em suas expansões e crises – são
também a serem desfeitos. sempre produtos dos oikeios, mesmo
Com o oikeios, a expressão “sociedade e quando eles trabalham para criar novas
relações de poder e de produção dentro dos
natureza” passa a ser então um domínio
mesmos” (Moore, 2016: 169-170; 172-173)
ontológico singular, semelhante a Gaia, de
James Lovelock, de modo que toda a atividade Neste modo de ver, segundo Moore, a chamada
humana seja simultaneamente produtora e “era do capital” produziu uma versão destrutiva
produto da teia da vida (Moore, 2017). O que há, de oikeios entre o humano e não humano como
no fundo, é uma relação criativa, histórica e produção histórica e imanente às relações de
dialética, uma fusão da espécie humana com o produção e de poder que se desenvolveram ao
ambiente enquanto um pivô das mudanças redor do mundo desde o final do século XV,
históricas, sendo o capitalismo uma expressão especialmente com a conquista da América.
desta internalização das condições da biosfera Segundo Moore (2013a), é a partir deste
no modo de reprodução da vida social num período que o capitalismo foi se constituindo
dado período histórico. como força genuinamente global, “arrastando” a
complexa trama da vida para o processo de
“Esta é a contribuição desejada de oikeios.
Ele expressa as relações espécie-ambiente reprodução e acumulação. Esta fusão sintetizou
ocultas (Levins e Lewontin, 1985). É uma um modo particular de desenvolvimento
dialética multicamadas, compreendendo material com base na acumulação e na
flora e fauna, mas também as múltiplas expansão territorial, tornando o capital (como
configurações geológicas e da biosfera, relação social) um agente ativo de co-produzir a
ciclos e movimentos do nosso planeta. natureza a escala global.

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Este modo só foi possível porque as condições não são invariáveis à economia, assim como é
coloniais criaram uma “natureza abstrata”, impossível tratar a economia como um sistema
exterior ao sistema de mercadorias, necessária fechado, cíclico e descolado dos “fluxos
à generalização do sistema de propriedade e de biofísicos” e das relações sociais.
um novo ciclo de trocas e de reprodução do
Até este ponto de vista, o Antropoceno parece
capital em todo o mundo. A América,
ocupar um espaço importante na
essencialmente, inaugura esta ecologia-mundo
fenomenologia da crise ecológica ao revelar a
do capital por ser a fonte primária de natureza
pressão material e energética do Anthropos
abstrata a escala global necessária à realização
sobre a ecologia da vida, a ponto de considerá-
da mais valia relativa. Apesar dos
lo uma força geofísica global elevada à escala
antropocenólogos insistirem na
geológica. Deste ponto de vista, o conceito
“excepcionalidade humana” e nas mudanças
apresenta uma hipótese ontológica e telúrica,
ambientais ocorridas na Europa, com as
ao demarcar uma inédita causalidade humana
revoluções agrícolas e industriais para explicar
de decidir os destinos do planeta. A “era do
o fim da estabilidade climática, a narrativa do
homem” estaria nos conduzindo a um colapso
Capitaloceno parece historicizar a relação
sistêmico, colocando toda a humanidade em
social, o sujeito histórico e o projeto específico
xeque e diante de uma situação paralisante
de co-produzir a natureza na ampla trama da
visto a catástrofe civilizacional que gira em torno
vida. Ao propor uma interpretação eco-histórica
de si mesma e se aprofunda.
do desenvolvimento material das sociedades, o
Capitaloceno oferece uma legitimidade Com este sentido, o Antropoceno parece trazer
historiográfica para as mudanças ambientais e uma visão fatalista da crise ecológica e uma
uma compreensão dialética da natureza hipótese de periodização baseada no
humana e da crise ecológica. argumento geológico, que se espelha num
processo de validação científica e institucional e
determina regimes de poder, de produção de
3. Considerações finais conhecimento e soluções para a crise. Assim, a
tarefa política neste “presente apocalíptico” tem
O Antropoceno como “versão contemporânea”
como programa a adaptação e adoção de
da crise ecológica trouxe uma virtude
medidas extraordinárias consideradas
importante ao interpretar as implicações das
suficientemente urgentes e a legitimação de
atividades humanas sobre os estratos da Terra
especialistas capazes de criar e gerenciar estas
desde a 1° Revolução Industrial inglesa. A
medidas.
mensuração calculada da “pegada humana” e
dos impactos sobre a ecologia planetária (clima, O problema (ou a solução) da crise, então, se
oceanos, florestas) tem mostrado um “estado de coloca como um problema tecnológico-
perdas” e uma mudança qualitativa dos operacional, mediado pela técnica e pela
recursos naturais a partir da ação humana. Os ciência, como se a ciência e a técnica
indicadores ambientais têm mostrado assumissem um poder crescente,
transações materiais e energéticas inéditas nos pretensamente benigno e irrefreável de
últimos três séculos e a partir de 1950, uma “adaptar” a natureza aos desígnios humanos
“Grande Aceleração” no uso de recursos (Marques, 2016). Isso parece reforçar uma
naturais se desenvolveu numa intensidade presunção ecológica do antropocentrismo, quer
jamais vista. Os efeitos nos relevam que o fator dizer, uma maneira bem-sucedida de interpretar
tempo e as mudanças qualitativas da matéria a problemática ambiental como se a Terra fosse

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algo a ser melhorado ou controlado (Marques, como réu de um colapso eminente da ecologia
2016). Outro aspecto é que o Antropoceno não planetária. A visão “triunfalista do presente”
apresenta uma teoria social e histórica da crise, proposta pelo Antropoceno, um presente
pois demarca a periodização do tempo apenas vitimado pelas mudanças tecnológicas e por um
pelo argumento geológico e, neste sentido, ser humano universal e egoísta esconde as
olvida as relações de classe, os conflitos e as determinações sociais e os sujeitos que deram
assimetrias que atravessam a relação condições para a emergência de um sistema
sociedade-natureza. destrutivo. O Capitaloceno, assim, nos traz uma
alternativa epistêmica e política que amplia
De modo paralelo e no contraponto a esta
histórica e ontologicamente a análise da crise
versão cataclísmica e tecnicista do mundo, a
ecológica ao buscar compreender as formas
noção de Capitaloceno do historiador ambiental
sociais históricas de apropriação da natureza. O
Jason Moore parece deslocar a ontologia da
Capitaloceno, heuristicamente, desloca as
crise e o dualismo cartesiano entre sociedade e
“categorias de sujeito” do Anthropos para o
natureza. Segundo Moore, a crise ecológica
Capital (relação social) exatamente para
causada pelo “homem” não foi disparada pelo
demarcar o “projeto histórico específico” e a
relógio da Revolução Industrial inglesa. Este
forma social que desenvolveu as
momento só ocorre com a longa gestação das
transformações ambientais.
condições materiais e políticas que ascenderam
o capitalismo como força genuinamente global. É por isso que a noção universalista de “força
Entre 1450 a 1750 o mundo passou por longas humana global” presente no Antropoceno
transformações sem precedentes desde a condena a humanidade a sua própria sorte
Revolução Neolítica e foi dando condições para como uma força extraordinariamente destrutiva
que o capitalismo se transformasse numa “força e impede de ver a humanidade como
ambiental”. Com isso, a ideia de Capitaloceno possibilidade e como devir social. Impede,
desloca o argumento geológico que busca portanto, de ver os câmbios históricos e
demarcar os “picos dourados” das mudanças processos de larga duração que forjaram
ambientais e refuta a ideia de que os problemas humanidades, tempos históricos, formas
do mundo são os problemas criados por todos, sociais, ritmos e trajetórias distintas de
quando na verdade foram criados por uma era apropriação da natureza, desigualdades,
histórica dominada pelo capital e por uma rupturas e hierarquias inerentes ao
2
parcela pequena da humanidade . desenvolvimento da crise. Tornar a humanidade
um todo absoluto joga a crise no plano da
Outro aspecto é que a crise ecológica não pode
metafísica do sujeito, um sujeito sem cor, lugar,
ser vista dentro de um fatalismo histórico que
sem língua e universal, um sujeito de
coloca a humanidade como externalidade e
dimensões telúricas, um hiper-objeto

2De acordo com a Oxfam, as emissões de carbono das emissões atmosféricas desde a era industrial
de 1% da população mais rica do mundo são 30 (entre 1751 a 2010). Este trabalho responsabiliza o
vezes maiores do que as de 50% dos mais pobres. chamado “Clube do Carbono”, gigantes corporativos
A pesquisa do cientista Richard Heed, publicado pelo de exploração de energia fóssil como Chevron,
Climate Mitigation Services e encomendado pelo Exxon, Shell, Repsol, British Petroleum, Royal
Programa de Justiça Climática, em 2014 aponta que Deutch, Conoco Phillip, Gazprom e outra dezena de
apenas 90 empresas em todo o mundo (incluindo as empresas privadas e entes governamentais pelo
multinacionais e estatais do petróleo, do carvão, gás caos climático e pela emissão de mais da metade
natural e cimenteiras) foram responsáveis por 63% dos gases em todo o mundo (Barcelos, 2018).

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comparado apenas às forças tectônicas e Referências
naturais que esculpem o mundo (Carvalho,
Barcelos, E. A. S., 2018. Geografia e grandes
2015).
projetos: Ecologia, política e economia no
Assim, conforme Moore, torna-se necessário capitalismo de fronteira. Tese de Doutorado em
tratar a crise ecológica global como câmbios Geografia. Universidade Federal Fluminense,
históricos de longa duração que levaram o Niterói. Acessível em:
capital a conformar uma ecologia-mundo, ou https://drive.google.com/drive/folders/1VanbGb
uma civilização produtora de natureza na sua 5ZWz-OtLVMjTKLuxvX6kjKDve5
capacidade de globalizar as relações de troca
Carvalho, L. F. M., 2015. O tempo da ruptura do
material e a formulação da natureza como valor
mundo: Antropoceno e Capital. Dissertação de
abstrato para a socialização da mercadoria.
Mestrado em Ciências da Comunicação.
Afinal, o capitalismo, ele mesmo, é fronteira
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.
(Moore, 2017) que consegue estender a outros
Universidade Nova de Lisboa. Portugal.
espaços considerados “não produtivos” o seu
Acessível em:
poder de captura e transformação. A
https://run.unl.pt/bitstream/10362/16098/1/O%2
apropriação destes espaços decorreu de um
0Tempo%20da%20Ruptura%20do%20Mundo_
fenômeno extra econômico que direcionou a
Luhuna%20Carvalho.pdf
terra para o circuito do capital. Estes processos
de captura antecedem a industrialização e, Castro, E. V., 2015. A revolução faz o bom
como tal, são também uma proposta alternativa tempo. Youtube, 18 abr. 2015. Acessível em:
à periodização do Antropoceno. https://www.youtube.com/watch?v=CjbU1jO6r
mE. Acesso em: 17 mar. 18.
Deste modo, a crise ecológica global não é
resultado de Todos (a humanidade) contra Um Haraway, D., 2016. Antropoceno, Capitaloceno,
(a natureza), mas da era histórica do capital Plantacionoceno, Chthuluceno: generando
contra a ampla trama da vida. A dificuldade de relaciones de parentesco. Revista
perceber essa inversão, sua gravidade e Latinoamericana de Estudios Criticos Animales.
extensão de seus efeitos é o principal obstáculo Vol. 1:15-26.
político e epistêmico para uma real Lewis, S. e Maslin, M. A., 2015. Defining the
compreensão dos impasses ambientais que nos Anthropocene. Nature. Vol. 519: 171-180.
ameaçam.
Marques, L., 2016. Capitalismo e colapso
ambiental. 2ª ed. Editora da Unicamp,
MUITO Campinas.
IMPORTANTE
Moore, J. W., 2017. The Capitalocene, Part I: on
the nature and origins of our ecological crisis.
The Journal of Peasant Studies. Vol. 44: 594-
630.
Moore, J. W., 2016. De Objeto a Oikeios:
geração do meio ambiente na ecologia mundial
capitalista, em Silva, S. D.; Sayago, D.; Toni, F.;
Campos, F. I. (orgs). Ensaios em ciências
ambientais: crises riscos e racionalidades. 1ª
ed. Garamond, Rio de Janeiro.

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Barcelos, 2019. Revista Iberoamericana de Economía Ecológica Vol. 31, No. 1: 1-17.
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Moore, J. W., 2013a. El auge de la ecología-
mundo capitalista (I): las fronteras mercantiles
en el auge y decadencia de la apropiación
máxima. Revista Laberinto n°38: 9-26.
Moore, J. W., 2013b. El auge de la ecología-
mundo capitalista (II): las fronteras mercantiles
en el auge y decadencia de la apropiación
máxima. Revista Laberinto n°39: 21-29.
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mundo: Conflitos e superações no espaço do
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