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As mudanças ambientais e suas dimensões no Antropoceno e no Capitaloceno

Conference Paper · July 2019

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2 authors:

Sara Aparecida de Paula Leonardo Freire de Mello


Universidade Federal do ABC (UFABC) Universidade Federal do ABC (UFABC)
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As mudanças ambientais e suas dimensões no Antropoceno e no
Capitaloceno

Sara Aparecida de Paula


1
Leonardo Freire de Mello2

RESUMO
Nota-se que o planeta tem passado por profundas transformações, especialmente,
quando consideradas as variáveis de população-espaço-ambiente. Por um lado, a
ação humana no ambiente com padrões de produção e consumo baseados na
“​cheap nature​” impulsiona os processos de degradação e mudanças ambientais
que, por sua vez provocam as mais variadas consequências na sociedade como um
todo, isto é, trata-se de um ciclo interrelacionado entre sistema humano e sistema
natural. Exemplos dessas consequências seriam a maior incidência de desastres e
transformações nos padrões de chuva, temperaturas e meios de existência como a
agricultura, fazendo com que muitas pessoas sejam forçadas a se deslocar em
busca de sobrevivência. Diante do contexto de mudanças ambientais e dos amplos
desafios a elas relacionados, percebe-se a necessidade de construções teóricas
que permitam a compreensão dessas situações. Nesse sentido, áreas como a
Demografia devem ampliar a discussão de conceitos como antropoceno e
capitaloceno, buscando, através deles e outros relacionados, uma abordagem
interdisciplinar, na qual, a relação entre ambiente e sociedade seja profundamente
debatida. Desta maneira, este trabalho visa contribuir para a discussão sobre os
termos supracitados e o seu papel no estudo sobre populações na
contemporaneidade, através da realização de revisão bibliográfica.
Palavras-chave: mudança ambiental global; dimensões humanas; antropoceno,
capitaloceno

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Mundial da Universidade
Federal do ABC (UFABC-Brasil). Bacharel em Ciências e Humanidades e Relações Internacionais.
Interesses de pesquisa em Demografia, Mobilidade, Estudos Populacionais e Ambiente, População e
Espaço, Mobilidade Espacial, Fronteiras, Antropoceno, Capitaloceno, Dinâmica de Consumo.
Contato: s.paula@ufabc.edu.br, http://lattes.cnpq.br/5640620782793272
2
Professor Adjunto do Curso de Bacharelado em Planejamento Territorial e Pós-Graduação em
Economia Política Mundial na Universidade Federal do ABC (UFABC-Brasil). Doutor em Demografia
pela UNICAMP. Interesses de pesquisa em Planejamento Territorial, Demografia, Planejamento
Ambiental, Mobilidade, Estudos Populacionais e Meio Ambiente, Dinâmica de Consumo,
Espaço-População-Ambiente. Contato: leonardo.mello@ufabc.edu.br,
http://lattes.cnpq.br/2650858119455746
INTRODUÇÃO

Nos anos 2000, os países-membros das Nações Unidas definiram os oito


Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) que visavam, sobretudo,
erradicar a pobreza, a fome, ampliar o acesso à educação, diminuir as
desigualdades sociais e econômicas, definir metas e meios de desenvolvimento e
garantir a sustentabilidade ambiental.
Percebe-se que há uma confluência dos objetivos, conectando a esfera
social, econômica, política e ambiental para a construção conjunta de um mundo
melhor para todos. Ainda que algumas dessas metas tenham sido muito
promissoras, os desafios continuaram existindo e se agravando, apontando para a
urgente necessidade de ampliação das agendas.
Nesse sentido, visualizando o contexto contemporâneo e baseando-se nos
ODM, a ONU lançou, em 2015, os ​Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
(ODS): erradicação da pobreza; fome zero e agricultura sustentável; saúde e
bem-estar; educação de qualidade; igualdade de gênero; água potável e
saneamento; energia limpa e acessível; trabalho decente e crescimento econômico;
indústria, inovação e infraestrutura; redução das desigualdades; cidades e
comunidades sustentáveis; consumo e produção responsáveis; ação contra a
mudança global do clima; vida na água; vida terrestre; paz, justiça e instituições
eficazes e; parcerias e meios de implementação (ONU, 2018).
Dos ODS supramencionados, pelo menos oito têm uma conexão direta com a
preservação ambiental e, quando todos são vistos num panorama geral, fica clara a
ideia de que a sobrevivência digna do ser humano é profundamente conectada com
o preservação dos recursos naturais e do planeta em geral, por meio de ações
sustentáveis.
Esses objetivos são parte ou resposta de um cenário tomado por mudanças
bruscas em diferentes áreas, principalmente no ambiente como elemento básico da
sociedade. Para corroborar essa informação é possível basear-se nas informações
do relatório anual da ​United Nations Environment de 2016. Neste relatório, os
pesquisadores concluíram que 2015 foi um dos anos mais quentes, afetando
diretamente ecossistemas e a biodiversidade do planeta, além disso, as mudanças
ambientais são predominantes no sentido de prolongar e impulsionar conflitos por
recursos, por exemplo (UNITED NATIONS ENVIRONMENT, 2016).
No mesmo relatório, os pesquisadores também destacaram que há uma
tendência internacional de se gastar tempo e recursos econômicos em resposta às
crises, no entanto, deve-se adotar uma postura de mitigação e adaptação às
mudanças ambientais e climáticas a fim de evitá-las. Outro fato importante a ser
realçado é que algumas das mudanças ambientais e climáticas são influenciadas ou
impulsionadas pela própria ação humana, isto é, principalmente pelos padrões de
produção, consumo e descarte vigentes.
Desta maneira, percebendo a necessidade de se conectar a sociedade e o
ambiente, bem como, as mudanças ambientais em seus aspectos físicos e sociais,
este trabalho visa promover uma discussão sobre os conceitos de ​antropoceno e
capitaloceno como categorias de análise para ampliar o entendimento sobre as
transformações, como elas têm ocorrido, alguns de seus por quês e seus impactos.

MÉTODO
Este trabalho visa empreender um estudo comparativo entre os conceitos de
antropoceno e capitaloceno, apontando sua relevância para a discussão para os
estudos de população, principalmente na relação entre população-espaço-ambiente.
Pretende-se uma abordagem teórica sobre o tema e suas nuances.
Para tal debate, optou-se por uma revisão bibliográfica dos termos
utilizando-se, especialmente mas não exclusivamente, de autores como:
antropoceno (Paul Crutzen, Paulo Artaxo, Amparo Vilchés, Daniel Giz Pérez) e
capitaloceno (Jason Moore, Christian Parenti, Eileen Crist, Donna Haraway).

DISCUSSÃO E RESULTADOS
Antropoceno
Em meados de 2002, o químico Paul Crutzen sugeriu que a humanidade
estaria vivendo uma nova era, o Antropoceno. Para entender essa nova era, o autor
faz uma breve recapitulação do “Holoceno”, isto é, trata-se do período geológico
pós-glacial (últimos 10-12 milênios). Para ele, a partir do cenário de Revolução
Industrial no final do século XVIII, a ação humana ganhou potência de
transformação geológica e morfológica, confirmada pelo aumento dos níveis de
concentração de dióxido de carbono e metano, fazendo com que o planeta migrasse
da era do holoceno para o antropoceno (CRUTZEN, 2002, 2006).
Além do avanço industrial, o autor também disserta sobre o aumento da
população, um avanço do processo de urbanização e a maior utilização dos
recursos energéticos. Sobre este último, Crutzen discorre que “in a few generations
mankind is exhausting the fossil fuels that were generated over several hundred
million years, resulting in large emissions of air pollutants” (CRUTZEN, 2006, p. 2).
Em texto de 2007, escrito em parceria com Will Steffen e John R. Mcneil,
Paul Crutzen diz que o Antropoceno sugere que o Planeta Terra deixou o seu ciclo
geológico natural, sobretudo, pelas atividades humanas que são tão pervasivas. Os
autores sugerem que esses fenômenos representam uma mudança profunda no
relacionamento entre os seres humanos e a natureza como um todo.
Para entender melhor o processo, Steffen, McNeil e Crutzen (2007) relatam
que no período pré-antropoceno, cerca de 10-12 mil anos atrás, antes do advento
da agricultura, os humanos viviam em pequenos grupos como caçadores-coletores.
Essas características foram se transformando com a utilização do fogo, fazendo
com que os humanos obtivessem uma ferramenta, que não era disponível para
outras espécies.
O uso do fogo permitiu que os humanos também avançassem na manufatura
de ferramentas que auxiliassem na caça, na domesticação de animais e na
produção de alimentos, caracterizando a era do Holoceno, já mencionado
anteriormente.
Os autores relatam que, na era do Holoceno já havia um certo processo de
desmatamento, uso de combustíveis fósseis como o carvão e de emissão de CO​2​,
entretanto, trata-se de uma taxa muito pequena se comparada com os últimos
trezentos anos.
Steffen, McNeil e Crutzen escrevem que as sociedades pré-industriais
transformaram os seus ambientes de diferentes formas, no entanto, o que as difere
das sociedades industriais é que
Preindustrial societies could and did modify coastal and terrestrial
ecosystems but they did not have the numbers, social and economic
organisation, or technologies needed to equal or dominate the great
forces of Nature in magnitude or rate. Their impacts remained largely
local and transitory, well within the bounds of the natural variability of
the environment (STEFFEN, CRUTZEN, MCNEIL, 2007, p. 615).

Steffen, Crutzen e McNeil escrevem ainda sobre a primeira fase do


Antropoceno, de meados de 1800 até 1946, e marcada pela industrialização e
utilização de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás.
Como resultado da queima de combustíveis fósseis, o uso de fertilizantes na
agricultura, criação intensiva de gado e desmatamento, os gases do efeito estufa
têm aumentado substancialmente na atmosfera, alterando padrões de chuva,
provocando aumentos de temperatura e aumento dos níveis dos mares. Esses são
alguns dos exemplos utilizados para entender o potencial de ação das atividades
humanas. Por isso, Crutzen argumenta que,
Considering these and many other major and still growing impacts of
human activities on earth and atmosphere, and at all, including global,
scales, it thus is more than appropriate to emphasise the central role
of mankind in geology and ecology by using the term “Anthropocene”
for the current geological epoch (CRUTZEN, 2006, p.16).

Outro ponto importante a ser considerado é que para Crutzen não há uma
data definida para o início do Antropoceno, muito menos uma previsão de fim para a
ação humana. Para o autor, a consideração de que o processo ganha espaço
durante o final do século XVIII relaciona-se com o fato de que foi neste contexto que
os impactos globais das atividades humanas começaram a ser notados, como
colocado anteriormente.
Já em relação ao segundo estágio do Antropoceno, Steffen, Crutzen e McNeil
entendem que o período entre 1945 e 2015 representa a grande aceleração dessa
era. Eles descrevem que durante esse período a população praticamente dobrou,
tornando possível que em aspectos demográficos o número de nascimentos
ultrapassasse o de óbitos além disso, houve ainda o desenvolvimento econômico
com o amplo fluxo de capitais e comércio em geral, o aumento consumo de
petróleo, aceleração do processo de urbanização e o advento de novos tecnologias.
Para completar, eles descrevem o terceiro estágio do Antropoceno e sua
transição para a fase ​business-as-usual e que começou em meados dos anos 1960,
quando questões como o alto nível de emissão de CO​2 e o aquecimento global
passaram a ser reconhecidas e debatidas como consequências impulsionadas pelas
atividades humanas. Já a fase business-as-usual diz respeito ao fato de que as
instituições econômicas ainda são predominantes nos processos de decisão do
mundo e que do ponto de vista econômico, o problema ambiental não é tão grande
já que são orientados pela premissa de que o sistema econômico orientado pelo
mercado poderia lidar de forma autônoma com as mudanças ambientais (STEFFEN,
CRUTZEN, MCNEIL, 2007).
Por fim, tendo em vista que os processos humanos característicos do
Antropoceno ainda ocorrerão por mais milhares ou até milhões de anos, Crutzen
(2006) diz que a maior tarefa da humanidade é construir uma estratégia global de
uso sustentável dos recursos e que isso se dará com um uso adequado do
conhecimento e o aproveitamento das oportunidades tecnológicas, como o uso de
energias alternativas, por exemplo.
Através da leitura dos textos de Crutzen, percebe-se que o autor adota uma
postura mais conectada ao contexto das exatas, constantemente fazendo alusão a
elementos químico-físicos das transformações ambientais. No entanto, outros
autores, baseados nos estudos de Crutzen e na ideia do Antropoceno, ampliam o
tema, relacionando-o com os aspectos e estruturas sociais.
Seguindo esta ideia, Bruno Latour (2014) escreveu um texto em que faz uma
dura crítica aos que acreditam que ciência e política devem ser áreas separadas,
porque, para o autor elas só têm a perder. Desta maneira, na era do Antropoceno,
elas devem ser tratadas em conjunto. Isso se dá, sobretudo, porque os problemas
atingem uma escala muito grande, assim como o número de indivíduos afetados, se
antes ciência e política estavam afastadas pelos ​matters of fact,​ hoje elas têm que
se aproximar pelos ​matters of concern.​
Eduardo Viola e Luiza Basso (2016) no texto intitulado “O Sistema
Internacional no Antropoceno” escrevem que com o fim da estabilidade ambiental
presente no Holoceno, é necessário introduzir no debate os conceitos de ameaça e
segurança no Antropoceno. Isso se dá porque a Terra está ultrapassando os ​limites
planetários ou planetary boundaries (ARTAXO, 2014; VIOLA, BASSO, 2016), isto
é, como colocado por Artaxo (2014, p. 17), seriam “os limites operacionais seguros
para a humanidade”3. Sendo assim, os limites planetários representam a própria
sobrevivência humana.
Fato é que, como colocado por Artaxo em gráficos representativos da
“Grande Aceleração”, o sistema socio-econômico e o sistema planetário se
associam ao passo que os modelos de produção e consumo dos recursos naturais
provocam graves consequências nos limites planetários, em adição, a
ultrapassagem desses limites provoca consequências dramáticas na sociedade,
como as inundações de zonas costeiras (sendo que pelo menos 40% da população
mundial vive nessa área) e a ocorrência de eventos climáticos extremos, alterando
toda uma estrutura em relação à agricultura e aos próprios meios de vida da
população.
Deste modo, Viola e Basso, ao entenderem a importância das ideias de
ameaça e segurança, destacam há a tendência de se relacionar essa área apenas
com a incidência de conflitos humanos, não colocando a escassez da água e os
eventos climáticos extremos no mesmo patamar. Portanto, para haver a mitigação
das mudanças ambientais, faz-se necessário a conexão de áreas e medidas no que
tange os padrões de vida, o uso das fontes de energia e as escolhas e políticas
governamentais, demonstrando a necessidade de um regime internacional sobre
mudanças ambientais4 realmente efetivo.
Amparo Vilches e Daniel Gil Pérez (2008) em um artigo concebido no âmbito
da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (2005-2014),
colocaram em debate a ideia de que o Antropoceno demonstra um planeta em risco
impulsionado, principalmente, pelas ações humanas, no entanto, trata-se também
de um contexto de oportunidade de se rever o comportamento humano em relação
ao futuro.

3
De acordo com Paulo Artaxo (2014), discussões científicas recentes retratam esses limites
planetários através de nove tópicos de relevância: 1) mudanças climáticas; 2) perda de ozônio
estratosférico; 3) acidificação dos oceanos; 4) ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo; 5)
mudanças na integridade da biosfera associadas à perda de biodiversidade; 6) mudanças no uso do
solo; 7) uso de recursos hídricos; 8) carga de partículas de aerossóis na atmosfera; 9) introdução de
entidades novas e poluição química.
4
Os autores Eduardo Viola e Luiza Basso frequentemente utilizam da terminologia “Mudanças
Climáticas”. Entretanto, nós, autores deste trabalho acreditamos na melhor utilização do termo
“Mudanças Ambientais” para descrever as transformações da contemporaneidade, colocando o
“impulsionamento dos eventos climáticos” como uma consequência deste termo.
De acordo com os autores, o planeta sempre passou por desastres “naturais”
e não naturais no decorrer da história, entretanto, eles notam que na era do
antropoceno, os riscos contemporâneos representam uma “emergência planetária”
(VILCHÉS, PÉREZ, 2008, p. 4).
Isto deve-se ao fato de que o risco não é mais localizado em lugares
específicos, mas, sim, no planeta como um todo, pois afeta ecossistemas, sistemas
e sociedades.
Os autores também demonstram a interação dos sistemas, isto é, ambiente,
política, economia e sociedade através da explanação dos problemas. Como já
colocado antes, uma das características mais importantes é de consequências “sem
fronteiras”, como os riscos não são mais localizados, todos podem ser afetados de
alguma forma, principalmente os grupos mais vulneráveis estruturalmente;
esgotamento dos recursos naturais e energéticos através do uso desenfreado e das
contaminações, alavanca problemas como o acesso à alimentação e água potável;
degradação dos ecossistemas o que afeta os meios de sobrevivência de todas as
espécies e, por fim, um ponto bastante complexo são os desequilíbrios sociais
impulsionados pelas mudanças ambientais, como a pobreza, a fome e os conflitos
por recursos (VILCHÉS, PÉREZ, 2008).
A tese dos autores apresenta o aspecto social do Antropoceno, por lado, eles
discorrem a premissa de que o mundo apostou no crescimento contínuo,
principalmente na segunda metade do século XX. Apesar do crescimento ter trazido
avanços às sociedades, é necessário considerar a ampla desigualdade de acesso e
o desequilíbrio provocado no ambiente (MELLO; SATHLER, 2015).
Mello e Sathler notam que o pós-Segunda Mundial é baseado na sociedade
de consumo e no consumismo desenfreado como se os recursos do planeta fossem
infinitos.
Outro ponto que precisa ser ressaltado sobre o texto de Vilchés e Pérez é
que os autores entendem que há uma tendência de fluidez nos meios de
comunicação e no destaque que se dá para os problemas contemporâneos. Em
outras palavras, a publicação das situações desaparece rapidamente, além disso,
os problemas aparecem de forma separada, como se não houvesse nenhuma
conexão. Deste modo, faz-se necessário construir um debate em que o
Antropoceno deixe um pouco de lado o seu lado exato, para destrinchar suas
características do meio social, sendo o Antropoceno uma transformação nos
padrões e comportamentos humanos, ele não altera apenas o meio físico, mas a
política, a economia, a cultura e as identidades da sociedade.
Por fim, como já colocado anteriormente, as primeiras utilizações do conceito
de antropoceno referiam-se, sobretudo, às suas características físicas. Contudo,
autores das chamadas “ciências sociais” têm tentado associar o termo às suas área.
Apesar da dificuldade de implementá-lo e do conflito com negacionistas das
“mudanças ambientais”, o antropoceno tem se mostrado atualmente um dos meios
de se promover um debate mais amplo, por isso, é iminente a necessidade que
especialistas busquem através dele adotar uma postura multidisciplinar e dinâmica
para os desafios do século XXI.

Capitaloceno
Donna Haraway (2015) ao descrever a ascensão de novos termos para o
entendimento da contemporaneidade entende que o Antropoceno é, na realidade,
muito mais um evento fronteiriço ou limitador do que uma era específica. Nesse
sentido, nasce o conceito ​Capitaloceno de Jason Moore, professor de sociologia da
Binghamton University nos EUA, pesquisador de história e geografia ambiental.
Em seus textos, Jason Moore deixa claro sua crítica ao Antropoceno por se
tratar, em sua perspectiva, de um conceito limitado. Para Moore, os autores ligados
à ideia de antropoceno enfatizam a Revolução industrial como a origem dos fluxos
modernos, focalizando principalmente nas consequências ambientais geradas por
tal processo e ocultando as profundas relações de capital e poder. Por isso, Moore
apresenta o capitaloceno, ou era do capital, como uma contraposição à utilização de
antropoceno (MOORE, 2014)
Uma das características essenciais para se entender a percepção do
capitaloceno é colocá-lo como um conceito dinâmico e multidisciplinar, em que o
capitalism-in-nature e o ​nature-in-capitalism ​são parte um do outro, fazendo com
que o capitalismo seja entendido como um ​world-ecology​, em que a acumulação de
capital, a busca pelo poder e a co-produção da natureza sejam vistos em unidade e
por diversas áreas, não só físico-ecológicas, mas também históricas, geográficas e
filosóficas.
Para explicar sua teoria, ele constroi a primeira parte dos seus textos com a
desmistificação do Antropoceno, isto é, ele diz que apesar de variadas
interpretações, a versão dominante diz que o mundo moderno tem suas origens na
Inglaterra do século XIX, com a Revolução Industrial potencializada, sobretudo, pela
utilização do carvão e do vapor. Para Moore, através dessa visão, se esquece de
debater as forças motoras por trás desse processo, a relação entre capital, cultura,
sociedade, limitando-se apenas ao Antropos, ou seja, a humanidade como unidade
sem diferenças entre si. Moore assim descreve “the Anthropocene makes for an
easy story. Easy, because it does not challenge the naturalized inequalities,
alienation, and violence inscribed in modernity’s strategic relations of power and
production” (MOORE, 2014, p. 2).
Assim como já colocado no tópico anterior, Moore concorda que o
Antropoceno tem dois tipos de visões: (1) a mudança atmosférica e o que a
impulsiona; (2) o presente global como um momento histórico resultado de
periodização. Sob esse ponto de vista, Jason Moore destaca o papel do
antropoceno como uma conceituação simplista, um dualismo Cartesiano como ele
sugere, que tende a culpabilizar a humanidade como uma força motora única; tende
ainda à ascensão de visões neo-malthusianas sobre a população e se esquece de
debater as características dos grupos, seus fluxos e as diferentes relações que
levam às transformações históricas, econômicas, sociais e ambientais.
Desta maneira, acreditando que o antropoceno foca nas consequências5,
Jason Moore sugere uma interpretação que comece nas origens e condições das
transformações rápidas e fundamentais na biosfera do planeta, ou seja, as
mudanças decisivas que ocorreram nas relações de poder e produção e, para tal,
ele centraliza seu debate nas questões históricas e políticas.
Moore destaca que a civilização capitalista incorpora em sua personalidade
as relações de valor. Para ele, cada sociedade prioriza diferentes relações de valor

5
Para Moore as consequências deste processo também são muito importantes já que causam
amplos impactos nos meios de vida, no emprego e na terra, por exemplo. Contudo, faz-se necessário
compreender o processo. (MOORE, 2014)
quanto à riqueza, poder e produção. Por isso ele cita que durante o período
medieval se privilegiava a produção da terra enquanto o sistema capitalista privilegia
a produção de trabalho após 1450 (MOORE, 2014, p. 6). Nesse sentido, ele cita
Marx e a ideia de “Lei do Valor” com a produção de um excedente peculiar de
riqueza.
Para entender essas questões, ele descreve que a relação do capitalismo
com e dentro da natureza é de exploração (produz o trabalho social abstrato) e
apropriação (produz natureza social abstrata). Fato é que o trabalho humano além
de se tornar uma commodity desse sistema, é ponto central na reprodução de
riqueza, no entanto, é importante entender que o sistema não é definido por isso
mas sim pelo mercado mundial e as condições necessárias para sua reprodução,
como a apropriação das “​four cheap natures”​ .
Para ele, a ​cheap nature seria um trabalho não-pago de natureza
extra-humana (aspectos históricos de atividades físicas, biológicas e geográficas),
separado em quatro categorias principais: força de trabalho, comida, energia e
matéria-prima. Para o autor, o capitalismo tem a estratégia de “cheap nature” como
central, bem como movimentos cíclicos para que a natureza torne-se ainda mais
barata (MOORE, 2014).
A ideia aqui subentendida é de que o capitalismo é um sistema de
organização da natureza, em que toda a atividade humana é simultaneamente
produtora e produto da rede da vida.
Sendo assim, em aspectos históricos, Jason Moore entende que a ascensão
do capitalismo como sistema aconteceu após a Peste Negra, em 1450
aproximadamente, neste ponto deve-se salientar ainda as expedições marítimas.
Nota-se que a partir deste período, em comparação com a era medieval, a
velocidade e escala de desmatamento foi cinco a dez vezes maior6.
Como já mencionado, o que mudou, foi o modo de exploração do trabalho e
de apropriação global do chamado ​unpaid work, ​assim como a introdução de novas
técnicas e tecnologias de apropriação.

6
Em relação a este ponto, o autor utiliza-se de vários exemplos de transformação no trabalho e na
terra: a revolução da agricultura com os ciclos de cana em São Tomé e no nordeste do Brasil, a
extração de prata em Potosí, comércio de escravos da África, exaustão da mineração e metalurgia
na Europa Central, entre outros. (MOORE, 2014, p. 17-19)
Para completar sua ideia, Moore diz que as transformações
supramencionadas são parte de uma época de transição, não só de mudança nas
técnicas, mas também na mentalidade, ou seja, “proliferation of knowledges and
symbolic regimes that constructed nature as external, space as flat and geometrical,
and time as linear” (MOORE, 2014, p.22).
Em suma, Moore destaca que o capitalismo deve ser entendido como um
world-ecology​, em que a acumulação de capital, a busca pelo poder e a utilização
da natureza devem ser vistos como um todo, o autor deixa claro que world-ecology
não significa a “ecologia do mundo/ecologia da natureza”, mas sim “the ecology of
the oikeios: that creative, generative, and multilayered relation of life-making, of
species and environments” (MOORE, 2016, p.79).
Ele ainda deixa claro que o capitalismo não é apenas um processo de
acumulação, pois traz consigo todo um espectro de transformação baseado na
cheap nature​, ou seja, na utilização dos recursos naturais como se fossem ilimitados
e a um baixo custo (MOORE, 2014, 2016).
Seguindo a ideia do ​cheap nature, na era do Capitaloceno não há apenas
uma ameaça de extinção biológica, mas trata-se, de um processo de extinção
cultural, já que uma das premissas básicas do capitalismo seria avançar através da
exclusão e da desigualdade. Ele salienta que um dos maiores segredos do
capitalismo é sua natureza exclusiva, “capitalism was built on excluding most
humans from Humanity” (MOORE, 2016, p. 79).
Sobre as transformações no ambiente, Moore diz que o Capitaloceno
acelerou as mudanças de forma nunca antes vistas, isto se deu com tecnologias
que facilitaram o processo mas, sobretudo, técnicas ou “a new repertoire of science,
power, and machinery” (MOORE, 2016, p. 98) que permitiram o amplo acesso a
apropriação da ​cheap nature.
Para completar, ele destaca que o sistema capitalista está em fase de
exaustão, levando o planeta a mudanças ambientais cada vez mais intensas e a
crises econômicas mais devastadoras, afirmando que o planeta não está passando
por uma marcha do Antropoceno mas sim chegando ao fim do Capitaloceno já que
a estratégia dos cheap nature está se exaurindo numa escala cada vez maior e
mais veloz.
Em complementação às ideias de Moore, autores como Justin McBrien
ampliam o entendimento do conceito e suas características.
Justin McBrien descreve ​Necrocene ou ​New Death como um adjetivo para a
época do Capitaloceno, ao afirmar que a acumulação de capital subentende a
acumulação de potencial de extinção, sendo este potencial impulsionado,
especialmente, nas últimas décadas. Sendo assim, ele descreve que,
This becoming extinction is not simply the biological process of
species extinction. It is also the extinguishing of cultures and
languages, either through force or assimilation; it is the extermination
of peoples, either through labor or deliberate murder; it is the
extinction of the earth in the depletion fossil fuels, rare earth minerals,
even the chemical element helium; it is ocean acidification and
eutrophication, deforestation and desertification, melting ice sheets
and rising sea levels; the great Pacific garbage patch and nuclear
waste entombment; McDonalds and Monsanto (MCBRIEN, 2016,
p.116-117).

Considerações Finais
Como descrito no início deste texto, é inquestionável o fato de que o planeta
tem passado por transformações profundas, assim como as consequências
provocadas por tais mudanças como os deslocamentos forçados e o
impulsionamento de problemas já existentes como a pobreza, a fome e o próprio
acesso a itens de sobrevivência como água potável e alimentos.
A realidade mostra duros processos de desertificação, acidificação dos
oceanos, aumento de temperatura e alteração nos padrões de chuva influenciando
a incidência de desastres climáticos severos, degradação do solo, poluição e a
ocorrência de epidemias, escassez de recursos, entre muitas outras situações.
Dada conjuntura, é imprescindível a construção de abordagens teóricas que
examinem o problema, suas origens e considerem possíveis soluções para o futuro.
Com o objetivo de incorporar o debate teórico, este trabalho traz os conceitos
de Antropoceno e de Capitaloceno. Através da discussão, nota-se que os termos
trazem semelhanças e oposições.
De um lado, o Antropoceno foi descrito pela primeira vez pelo químico Paul
Crutzen sugerindo que o planeta passava por uma nova Era Geológica e que a
força motora de transformação era o antropos, ou seja, a ação humana. É
perceptível que o termo carrega séries de características voltadas ao seu aspecto
mais físico-químico e, atenta-se, sobretudo, a periodização dessa época e a
representação de suas consequências.
Do lado oposto, o Capitaloceno se lança como uma perspectiva de crítica ao
Antropoceno e suas limitações. Outra característica importante é que o termo foi
criado por Jason Moore que é sociólogo e estuda história/geografia ambiental,
sendo assim, sua conotação é mais voltada para a personalidade social das
transformações ambientais, pois elas seriam impulsionadas por escolhas políticas e
econômicas baseadas na ​cheap nature ​(força de trabalho, comida, energia e
matéria-prima). Além disso, a proposta de Moore é entender as origens das
mudanças ambientais, considerando que a era do capitaloceno pode estar
chegando a um fim e que o planeta precisa estar preparado para o futuro.
Cada perspectiva traz um ponto de vista mais voltado para uma área de
conhecimento, todavia, ambas demonstram a necessidade de conexão entre as
disciplinas, na busca de se promover uma construção interdisciplinar, dinâmica e
integradora que entenda a relação existente entre sistemas naturais e sistemas
humanos, a fim de produzir soluções alternativas para as transformações do
planeta, tanto no presente como no futuro.
Referências Bibliográficas

ANUAL REPORT 2016 - ENGAGING PEOPLE TO PROTECT THE PLANET. UN


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