Você está na página 1de 11

Natural Resources

Nov 2021 a Fev 2022 - v.12 - n.1 ISSN: 2237-9290

This article is also available online at:


www.sustenere.co

Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em


Macuse, centro de Moçambique
Nos últimos tempos, as florestas de mangal tem sido alvos de distúrbios naturais e antrópicos, destacando-se as atividades humanas como as principais
responsáveis pela degradação destes ecossistemas. Nesse contexto, o estudo teve como objetivo, analisar as atividades antrópicas nas florestas de mangal em
Macuse, no centro de Moçambique, através da identificação das atividades antrópicas que levam a sua degradação, descrição das finalidades e consequências
dessas atividades, bem como o nível de conhecimento das medidas de uso sustentável dos recursos existentes nos ecossistemas de mangal. O estudo consistiu em
um inquérito com amostra de 101 agregados familiares selecionados entre os diferentes bairros do Posto Administrativo de Macuse, sendo que, os indivíduos
entrevistados foram selecionados com base na amostragem por conveniência. Em termos de resultados, constatou-se que quase toda a população da área de
estudo (98%) depende dos mangais como uma das principais fontes de subsistência, e foi constatado que atividades como a pesca (31%), corte de estacas (24%),
procura de crustáceos (4%), produção de carvão (6%), extração de sal (7%), de areia (4%) e lenha (24%), foram identificadas como as que mais contribuem para a
degradação dos mangais na área de estudo. A população de Macuse utiliza preferencialmente espécies de mangal como a Avicennia marina, Ceriops tagal e
Sonneratia alba na maior parte de suas atividades, sendo que grande parte da população (cerca de 63%) não tem noção de que a sobre-exploração do mangal
aliada a causas naturais como ciclones, erosão, cheias, entre outras, contribui de forma significativa para a degradação do mangal.

Palavras-chave: Ecossistemas de mangal; Degradação; Crescimento populacional.

Analysis of anthropic activities in the forest of mangrove in Macuse,


center of Mozambique
In recent times, mangrove forests have been targets of natural and anthropogenic disturbances, highlighting human activities as the main responsible for the
degradation of these ecosystems. In this context, the study aimed to analyze human activities in the mangrove forests in Macuse, in central Mozambique, through
the identification of human activities that lead to their degradation, description of the purposes and consequences of these activities, as well as the level of
knowledge of measures of sustainable use of resources in mangrove ecosystems. The study consisted of a survey with a sample of 101 households selected from
the different neighborhoods of the Administrative Post of Macuse, and the individuals interviewed were selected based on convenience sampling. In terms of
results, it was found that almost the entire population of the study area (98%) depends on mangroves as one of the main sources of livelihood, and it was found
that activities such as fishing (31%), cutting of cuttings (24% ), demand for shellfish (4%), charcoal production (6%), extraction of salt (7%), sand (4%) and firewood
(24%) were identified as those that most contribute to the degradation of mangroves in the study area. The population of Macuse preferentially uses mangrove
species such as Avicennia marina, Ceriops tagal and Sonneratia alba in most of their activities, and a large part of the population (about 63%) is not aware that the
allied overexploitation of the mangrove. natural causes such as cyclones, erosion, floods, among others, contribute significantly to mangrove degradation.

Keywords: Mangrove ecosystems; Degradation; Population growth.

Topic: Uso de Recursos Naturais Received: 18/11/2021


Approved: 24/02/2022
Reviewed anonymously in the process of blind peer.

Anaidine Lacerda
Universidade Lurio, Moçambique
http://lattes.cnpq.br/6300045306569492
http://orcid.org/0000-0002-0208-7598
anaidinedesebastiana@gmail.com

Amândio Castro de Andrade


Universidade Lurio, Moçambique
http://lattes.cnpq.br/6258955837636717
http://orcid.org/0000-0002-3644-9366
amandiolgd@gmail.com

Referencing this:
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.. Análise das atividades antrópicas nas
florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique. Natural
Resources, v.12, n.1, p.159-169, 2022. DOI:
DOI: 10.6008/CBPC2237-9290.2022.001.0015 http://doi.org/10.6008/CBPC2237-9290.2022.001.0015

©2022
®Companhia Brasileira de Produção Científica. All rights reserved.
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

INTRODUÇÃO

Moçambique é um País com abundância de recursos florestais, onde cerca de 50% da superfície total
do país é ocupada por formações florestais (MARZOLI, 2007). As florestas de Miombo constituem o primeiro
maior tipo florestal em Moçambique e estas ocupam cerca de 2/3 da superfície do País, ao passo que as
florestas de mangal ocupam menor área, com cerca de 0,50% da superfície do país (RIBEIRO et al., 2002;
MARZOLI, 2007).
Para Giri et al. (2011), Moçambique é o segundo país com maior cobertura de mangal na África e o
primeiro na região oriental, com cerca de 357 mil hectares, sendo Nigéria o primeiro, com maior cobertura
de mangal na África. As maiores concentrações de mangal em Moçambique localizam-se na região centro do
país, concretamente nas províncias de Zambézia e Sofala (MARZOLI, 2007).
Os mangais ou manguezais são florestas que crescem na área entre marés nas zonas tropicais e
subtropicais Kathiresan at al. (2001), ocupando aproximadamente 137.760 km2 (GIRI et al., 2011), e ocorrem
nas zonas costeiras e lugares com pouca influência da energia das marés (PEREIRA et al., 2014). Os mangais
são constituídos por um grupo de árvores muito diversificadas, e que tem uma grande capacidade de viver e
se adaptar em locais alagados com inundação regular ocasionada pelas marés (KATHIRESAN et al., 2001).
O grande número de espécies marinhas que os mangais abrigam possuem alto valor comercial e
quando associado às plantas arbóreas, constituem ecossistemas com grande importância socioeconómica
para as populações que vivem nas zonas costeiras (RONNBACK et al., 1999).
Dentre os ecossistemas costeiros, o mangal é considerado no contexto atual o mais vulnerável e
passível a degradação, devido às atividades antrópicas.
Em Moçambique, as causas de degradação dos mangais estão ligadas a fatores antropogênicos e
naturais, os fatores antropogênicos constituem a principal ameaça aos mangais no país, e estão relacionados
em grande medida com as principais formas de uso dos recursos de mangal (MACAMO et al., 2017). Entre as
formas de uso do mangal pode se destacar: extração de combustível lenhoso, o corte de árvores para a
construção de casas e embarcações, as construções de salinas (BARBOSA et al., 2001; RIBEIRO et al., 2002).
Nesse contexto, o presente estudo faz uma análise das atividades antrópicas desenvolvidas nas
florestas de mangal de Macuse, no centro de Moçambique, através da identificação das atividades antrópicas
que levam a sua degradação, descrição das finalidades e consequências dessas atividades, de forma a
perceber até que ponto essas atividades antrópicas contribuem para a sua degradação.

MATERIAIS E MÉTODOS

Caraterização da área de estudo

O estudo foi desenvolvido no distrito de Namacurra, concretamente no Posto Administrativo de


Macuse (ver a figura 1 abaixo). O distrito de Namacurra localiza-se a Sul da província da Zambézia, zona
centro de Moçambique, fazendo fronteira a Norte com o distrito de Mocuba, a Oeste com o distrito de
Nicoadala, a Sul com Oceano Índico e a Este com o distrito da Maganja da Costa. O posto administrativo de

Natural Resources P a g e | 160


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

Macuse situa-se a 45 km da vila do distrito e faz fronteira a Norte com ela, a Sul com o oceano índico, a Este
com a localidade de Nante e a Oeste com o Posto Administrativo de Maquival.

Figura 1: localização da área de estudo.

O clima da região é Ami (quente e húmido), segundo a classificação de Köppen, com temperatura
média anual oscilando na ordem do 25,7º C. Quando comparados o mês mais seco tem uma diferença de
precipitação de 251 mm em relação ao mês mais chuvoso.
Ao longo do ano as temperaturas médias variam de 5,9 °C e 28,3 °C é a temperatura média do mês
de Novembro, o mês mais quente do ano. Outubro é o mês mais seco e tem 13 mm de precipitação, sendo
janeiro o mês mais chuvoso com uma precipitação média de 264 mm.
A região apresenta 4 tipos de solos, nomeadamente: solos argilosos pesados, solos areno-argilosos,
solos salinos e solos metamórficos. Os solos salinos ocorrem ao longo da costa oceânica, isto é, a Sul e
Sudoeste do distrito. Ao longo dos rios que atravessam o distrito (Licungo e Phuade), ocorrem solos
metamórficos, aptos para o cultivo de batata reno, milho, feijão manteiga e hortícolas. Os solos argilosos
pesados estão localizados na planície e são férteis para o cultivo de culturas como arroz, batata-doce,
hortícolas e feijões da 2ª época.
A tipologia florestal da área conta com florestas semidecíduas e decíduas secas que estão distribuídas
na zona sublitoral, cujas espécies predominantes são: Pteleopsis myrtifolia Engl & Diels, Erythrophleum
suaveolens Guill & Perr., Brachystegia spiciformis Benth., Julbernardia globiflora Benth e Hirtella
zanguebarica Prance. As florestas de mangal estão localizadas a Sul e Sudoeste do distrito, concretamente
no Posto Administrativo de Macuse-sede ao longo da costa, que é a área de estudo, encontrando-se mangais
intrusivos e exclusivos.
O mangal é do tipo ribeirinho, margeando rios e canais. A área ocupada por manguezais em Macuse
é de cerca de 41 km2 (2% da área do distrito), distribuídos essencialmente pelo estuário do rio Macuse e pelo
delta do rio Licungo. As manchas florestais de mangal ocorrem no interior, para além da boca dos rios, ao
longo dos seus inúmeros canais. Estas são normalmente compostas pela espécie Avicennia marina (MICOA,
2012).

Natural Resources P a g e | 161


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

Coleta de dados

Para a coleta de dados, inicialmente buscou-se informação junto à população local a respeito do uso
das florestas de mangal, em seguida foram aplicados os seguintes procedimentos metodológicos para a
recolha de dados: inquéritos, revisão bibliográfica e observação direta (observação direta-consistiu em
observar in-loco as características da vegetação, do solo e identificar as causas da destruição ou que colocam
em risco a conservação das florestas de mangal).
As entrevistas foram conduzidas aos agregados familiares com base em um guião previamente
elaborado e com auxílio de um guia de campo. Os dados coletados incluíram as características
socioeconómicas dos residentes de Macuse (idade, sexo, tamanho do agregado familiar, fontes de
renda/sobrevivência), uso do mangal, atividades desenvolvidas nos mangais, finalidade dos produtos
explorados nos mangais e a percepção da população sobre o maneio das florestais de mangais.
O cálculo do tamanho da amostra da pesquisa baseou-se na metodologia recomendada por Luchesa
et al. (2011), em que foi necessário conhecer o número total de agregados familiares residentes no posto
administrativo, que foi de 1005 agregados familiares, obtido na secretaria do posto. Dessa forma, o número
total de entrevistados foi de 101 agregados, obtido a partir da expressão abaixo:
𝑍 ∝ × (0.25) × 𝑁
𝑛=
𝑍 ∝ × (0.25) + (N − 1) × 𝐸
Onde:
n: Tamanho da amostra calculada;
0,25: Constante referente ao produto 𝑃 × 𝑞 = 0,25, usado quando não se faz um estudo prévio para
determinar o valor de 𝑃 , sendo 0,25 o maior valor que pode ser obtido pelo produto 𝑃 × 𝑞 , onde se assume que o
𝑃 = 0,5 e 𝑞 = 0,5, resultando no maior tamanho de amostra possível;
E: Margem de erro ou erro máximo de estimativa. Identifica a diferença máxima entre a média amostral (X) e
a verdadeira média populacional (0,05);
𝑍 ∝: Proporções da variável do nível de confiança (95%, 1,96).
N: Número total de agregados familiares na área de estudo.
A amostra dos inqueridos foi fixada em um erro padrão de 5% e um nível de confiança de 95% de
probabilidade e os inquéritos foram feitos através da amostragem por conveniência, que segundo Mayer
(2012) consiste em selecionar elementos da população para fazer parte da amostra mediante a sua
disponibilidade ou acessibilidade.
Para que a amostra fosse representativa na população, os inquéritos foram aplicados aos agregados
familiares dos diversos bairros de Macuse, uma vez que existe uma variação em termos das atividades
praticadas entre os diferentes bairros. Sendo assim, em cada agregado familiar amostrado, foi entrevistado
um representante (do sexo feminino ou masculino) que respondia por toda a família, com idade mínima de
18 anos.

Análise de dados

Após a coleta, os dados foram submetidos a uma análise descritiva, tendo-se obtido os respetivos
gráficos de percentagem, empregando o programa estatístico R (versão 3.4.1). Aos dados coletados, foi
aplicado um teste de superdispersão e não houve evidências de existência de superdispersão dos dados

Natural Resources P a g e | 162


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

(pvalue=0.99, c=0.34).
Usando o programa estatístico SPSS v.20, foram feitos testes de concordância de qui quadrado para
verificar se existiam diferenças significativas entre o observado e esperado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Uso dos mangais em Macuse

Através das entrevistas semiestruturadas feitas às famílias dos diferentes bairros do Posto
Administrativo de Macuse, foi possível perceber até que ponto a comunidade depende dos mangais,
possibilitando também fazer a análise das causas da degradação, bem como a forma que os membros da
comunidade do Posto Administrativo de Macuse fazem o maneio dos manguezais, entre outros aspetos.
No que diz respeito a percentagem das famílias que utilizam os mangais no dia-a-dia, observou-se
que maior parte delas (98%) desenvolvem diretamente diferentes atividades (indicadas no subtítulo a seguir)
nesses ecossistemas ricos em biodiversidade, sendo que apenas 2% dos entrevistados nunca exploraram os
manguezais.
A figura 2 a seguir mostra que existe uma grande dependência da população do posto administrativo
de Macuse pelos mangais, que se deve a pobreza, desemprego e a falta de fontes alternativas de rendimento
e pelo fato de os manguezais serem o único tipo florestal existente no Posto Administrativo de Macuse.

Figura 2: Percentagem das famílias que utilizam os recursos de mangal em Macuse.

Um estudo feito por Sitoe (2015) no bairro da costa de sol, em Maputo, mostrou também que grande
parte da população (cerca de 65%) utiliza os mangais para diversas atividades (produção de sal, extração da
lenha, pesca, etc.), servindo de fonte de sustento, como consequência do desemprego.

Atividades desenvolvidas nos mangais do Posto Administrativo de Macuse

Resultados do inquérito indicam que as famílias do Posto Administrativo de Macuse utilizam


frequentemente os mangais para desenvolver atividades como a pesca, corte de estacas, procura de
crustáceos, produção de carvão, extração de sal, areia e lenha, que são incentivadas pelos altos níveis de
pobreza (37%), desemprego (45%) e a falta de alternativas (18%).
A pesca (31%) constitui a atividade mais praticada nos mangais pela população de Macuse, dada a
riqueza em recursos pesqueiros de grande valor (por exemplo, o camarão) que os mangais apresentam. O
corte de estacas (24%) e a extração de lenha (24%) constituem as segundas atividades mais praticadas nos

Natural Resources P a g e | 163


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

mangais, sendo que a extração de sal (7%), a produção de carvão (6%), a extração de areia (4%) e a caça de
caranguejos (4%), constituem as atividades praticadas pela minoria da população de Macuse-sede, como se
pode observar na figura 4.5 acima.

Figura 3: Principais atividades desenvolvidas nos mangais do Posto Administrativo de Macuse.

As casas da população de Macuse são construídas na base de estacas de Ceriops tagal, sendo
posteriormente revestidas e rebocadas por uma mistura de areia que inclui o solo pegajoso do magal.
Existem ainda em Macuse, áreas de mangal cujo solo é rico em areia de construção, e a população utiliza
para construir pequenas obras de concreto como sepulturas e pisos de casas, entretanto, segundo os
entrevistados, essas áreas ficam distantes da população e só podem ser acessadas por meio de pequenas
canoas, o que limita as quantidades extraídas.
Resultados do presente estudo são similares aos constatados por Rodrigues (2016) em estudos feitos
nos mangais dos distritos de Pebane e Angoxe, onde a obtenção de lenha, pesca, obtenção de estacas para
construção de residências, construção de salinas, extração de madeira para construção de embarcações,
fabrico de carvão e plantas medicinais, são as atividades realizadas pelas famílias naqueles distritos.
Para Abreu et al. (2008), em um estudo feito nas Ilhas segundas, na zona Norte de Moçambique,
constatou a exploração de plantas medicinais, pesca, exploração de lenha e estacas, como as principais
atividades praticadas pelas comunidades, atividades estas constatadas no presente estudo, na comunidade
do Posto Administrativo de Macuse – sede.

Finalidade dos produtos explorados nos mangais

Em relação a finalidade dos produtos provenientes do mangal, verificou-se que grande parte dos
entrevistados (cerca de 76%) faz o consumo próprio e venda dos produtos explorados nos mangais, sendo
que para os restantes 24% dos entrevistados, os produtos explorados nos ecossistemas de mangal destinam-
se exclusivamente ao consumo próprio.
Nota-se também a partir da figura 4 abaixo que nenhum dos entrevistados explora o mangal apenas
com a finalidade de vender os produtos explorados, dando a entender que o principal objetivo da exploração
do mangal é a subsistência das famílias pelos produtos explorados, ficando para a venda a parte excedente
ou quando os produtos são extraídos em grandes quantidades. Ver a figura 4 abaixo.

Natural Resources P a g e | 164


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

Figura 4: Diferentes finalidades dos produtos explorados nos mangais de Macuse.

Dentre as pessoas que comercializam os produtos explorados, grande parte (cerca de 87%)
comercializam localmente e apenas 4% tem comercializado na vila distrital, sendo que 9% vendem em outros
locais, como nos distritos de Mocuba, Gurué e algures da Província de Nampula.
Rodrigues (2016) constatou que 67% da comunidade utiliza os mangais apenas para fins caseiros,
sendo que o restante 33% dedicam-se a comercialização dos produtos explorados dos mangais, diferindo um
pouco do presente estudo, pois grande parte (76%) das famílias do Posto Administrativo de Macuse – sede
combina o consumo próprio com a venda do excedente dos produtos explorados. Entretanto, o autor acima
citado também constatou que maior parte da população vende os seus produtos localmente.
No que diz respeito ao uso da componente florística dos mangais do Posto Administrativo de Macuse,
a tabela 1 abaixo apresenta detalhadamente os principais usos das espécies arbóreas/arbustivas pela
comunidade, mostrando que a Avicennia marina, a Ceriops tagal, Sonneratia alba, bem como a Xilocarpus
granatum, são as espécies com mais aplicações nas diferentes atividades do dia-a-dia da comunidade. A
Sonneratia alba e a Avicennia marina são praticamente usadas para as mesmas finalidades, sendo
empregadas na construção de casas e barcos, como lenha, como material combustível na produção de carvão
vegetal, bem como fornecem madeira para a produção de mobiliários, não sendo usadas na medicina
tradicional.

Tabela 1: Principais utilidades das espécies arbóreas/arbustivas das florestas de mangal em Macuse.
Usos das espécies de mangal no posto administrativo de Macuse
Espécies Casas Barcos Medicinal Lenha Carvão Móveis
Avicennia marina X X X X X
Ceriops tagal X X X
Rhizophora mucronata X X X
Bruguiera gymnorhiza X X
Sonneratia alba X X X X X
Heritiera littoralis X X X
Xilocarpus granatum X X X X
Acacia aranaria X X

As espécies Ceriops tagal e Rhizophora mucronata, vulgarmente chamadas "lacalacas", são


abundantemente usadas pelas famílias na construção de casas, empregando-se na cobertura de paredes e,
como consequência, essas espécies apenas podem ser encontradas em grandes quantidades, em áreas de
mangal mais distantes de aglomerados habitacionais, dada sua escassez em áreas mais próximas.
Quase todas as espécies são usadas na produção de carvão vegetal, quando estas apresentam o

Natural Resources P a g e | 165


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

diâmetro adequado (normalmente maior ou igual a 20 cm) e, segundo os entrevistados, a Avicennia marina,
Sonneratia alba, Heritiera littoralis, Xilocarpus granatum e a Acacia aranaria, são as mais preferidas para essa
atividade de produção de carvão.
Nota-se ainda que na área de estudo apenas duas espécies são usadas para fins medicinais
(Rhizophora mucronata e Xilocarpus granatum), o que revela um baixo conhecimento da população local
sobre a importância medicinal das espécies arbóreas/arbustivas de mangal, pois estas podem ser usadas para
diferentes fins na medicina tradicional.
Rodrigues (2016) no seu estudo destacou a Ceriops tagal e a Rhizophora mucronata como as espécies
mais preferidas pelas comunidades em quase todas as atividades, principalmente em atividades como corte
de estacas para casas, lenha e produção de carvão. Entretanto, resultados similares foram encontrados no
presente estudo, pois, a Ceriops tagal e a Rhizophora mucronata são também usadas como estacas para
construção, lenha e produção de carvão, apesar de não serem as mais preferidas pela população do Posto
Administrativo de Macuse – sede.
Abreu et al. (2008) identificaram a Avicennia marina, Ceriops tagal, Rhizophora mucronata,
Xilocarpus granatum e Bruguiera gymnorrizha como espécies com importância medicinal, enquanto no
presente estudo apenas duas espécies foram identificadas como medicinalmente úteis para a comunidade
do Posto Administrativo de Macuse – sede.

Percepção da população de Macuse sobre o maneio dos mangais

No que diz respeito ao conhecimento das famílias sobre o maneio dos ecossistemas de mangal, foram
feitas quatro questões, como mostra a figura 5 abaixo.

Figura 5: questões relacionadas a percepção da comunidade sobre o maneio dos mangais no posto administrativo de
Macuse. Legenda: Q7 - Já pensou que o mangal pode desaparecer no futuro? Q8 - O que vai fazer se a zona onde
corta deixar de existir o mangal? Q9 - Existe algum critério para a exploração do mangal? Q12 - Para a extração de
lenha tem usado árvores caídas ou em pé?

Quando os entrevistados foram questionados se alguma vez já pensaram que as florestas de mangal
poderiam desaparecer devido a sobre-exploração e/ou causas naturais, cerca de 63% responderam que
jamais os mangais deixariam de existir, justificando que eles existem desde os tempos mais remotos e que
por nada neste mundo desapareceriam. Portanto, esse raciocínio mostra que grande parte da população do

Natural Resources P a g e | 166


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

Posto Administrativo de Macuse ainda não está bem conscientizada sobre os mangais, o que pode estar por
detrás sobre exploração e a consequente degradação dos mangais.
Por outro lado, 37% dos entrevistados tem noção de que a pressão populacional aliada às causas
naturais como cheias e ciclones, pode levar a destruição e ao desaparecimento das florestas de mangal.
Quanto à questão que procurava saber o que os entrevistados fariam se por alguma razão a área de
mangal que utilizam presentemente deixasse de existir, cerca de 69% responderam que procurariam outras
áreas em que pudessem encontrar os mesmos recursos existentes na área anterior. Eles acrescentaram
dizendo que quando determinadas espécies se tornam escassas em uma área por conta da pressão
populacional, procuram explorar novas áreas enquanto as perturbadas estão em processo de regeneração
natural.
Resultados do inquérito indicam que grande parte da população do posto administrativo de Macuse
– sede não obedece a nenhum critério ou regra costumeira para a exploração dos recursos naturais
fornecidos pelos mangais, sendo que cada um explora quando quer e na quantidade desejada, quase sem
nenhuma restrição ou autorização.
A marinha das forças de defesa e segurança nacional instalada no Posto Administrativo de Macuse –
sede, tem participado no maneio e fiscalização dos mangais, proibindo a comunidade de desenvolver
atividades de pesca nos períodos de defeso, porém, mesmo com essa proibição, a comunidade tem insistido
em praticar estas atividades, na alegação de que não existem outras alternativas que garantam o sustento
familiar.
De acordo com a figura 4 acima, a comunidade do posto administrativo de Macuse utiliza
maioritariamente árvores caídas e secas em pé para extrair a lenha usada diariamente na preparação dos
alimentos e pouco abate árvores vivas para usar como lenha, dando a perceber que em algumas atividades
a população tenta ao menos pôr em prática, algumas regras de maneio voltadas a conservação dos mangais.
Entretanto, ainda existem indivíduos que extraem a lenha de forma não conservacionista, através do abate
das árvores vivas que depois são deixadas no local de corte para sua secagem, e posteriormente são levadas
ao local de venda ou de consumo. Este método é mais usado por indivíduos que tem como principal
finalidade a venda da lenha.
Sitoe (2015) e Rodrigues (2016) obtiveram resultados idênticos ao fazer estas questões às famílias
das suas áreas de estudo, dando a entender que estes problemas não ocorrem apenas em Macuse, mas sim
no País inteiro. Portanto, esta atitude acaba colocando em risco o estado de conservação dos ecossistemas
de mangal.
Importa também destacar que membros da comunidade que vivem mais próximo às áreas de mangal
têm entulhado as bermas do mangal com troncos de árvores e lixo orgânico, assim como plantando árvores,
visando minimizar a erosão costeira provocada pelas marés. A escola de formação de professores de Macuse
e a Direção Provincial de Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural da Zambézia (DPTADR), são as entidades
que tem feito plantios de árvores e construção de barreiras de pedra para combater a erosão costeira que

Natural Resources P a g e | 167


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

se faz sentir em algumas áreas.

CONCLUSÕES

De tudo que ficou exposto no presente trabalho, após análises feitas, com base nos objetivos
traçados, conclui-se que: Depois da agricultura, os mangais constituem a principal fonte de rendimento e de
subsistência para a maior parte da população (cerca de 98%) do posto administrativo de Macuse, havendo
uma relação de dependência pelos recursos fornecidos.
A pesca (31%), corte de estacas (24%), procura de crustáceos (4%), produção de carvão (6%),
produção de sal (7%), extração de areia (4%) e lenha (24%), constituem as principais atividades realizadas
pela população e que colocam em risco a conservação dos mangais, sendo estas incentivadas pelo alto nível
de pobreza, desemprego e falta de alternativas.
A população usa preferencialmente espécies de mangal como a Avicennia marina, Ceriops tagal e
Sonneratia alba na maior parte de suas atividades, aplicando-as na construção de casas, produção de
mobiliários, construção de barcos, lenha e carvão vegetal.
Maior parte da população (cerca de 63%) não tem noção de que a sobre-exploração do mangal aliada
a causas naturais como ciclones, erosão, cheias, entre outras, contribui de forma significativa para a
degradação do mangal, o que pode levar ao desaparecimento completo desses ecossistemas. Entretanto, a
falta de conhecimento das consequências de suas ações é um dos motivos que leva a não observância das
normas de uso sustentável dos ecossistemas de mangal.

REFERÊNCIAS

ABREU, D. C.; COSTA, A.; MOTTA, H.. Levantamento rápido MARZOLI, A.. Avaliação Integrada das Florestas de
no arquipélago das primeiras e segundas, contribuição para Moçambique: Inventário Florestal Nacional. Maputo:
o estabelecimento de um programa de monitoria. Maputo: DNFFB, 2007.
WWF Moçambique, 2008.
MAYER, F. P.. Introdução à estatística e conceitos de
BARBOSA et al. Status and distribution of mangroves in amostragem. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.
Mozambique. South African Journal of Botany, v.67, p.393- 2012
398, 2001.
MICOA. Projeto de avaliação ambiental estratégica da zona
GIRI, C.; OCHIENG, E.; TIESZEN, L. L.; ZHU, Z.; SINGH, A.; costeira – Moçambique: Sumário executivo. Boletim da
LOVELAND, T.; MASEK, J.; DUKE, N.. Status and distribution República, 2012.
of mangrove forests of the world using earth observation
satellite data. Global Ecology and Biogeography, v.20, n.1, PEREIRA, M. A. M.; LITULO, C.; SANTOS, R.; LEAL, M.;
p.154-159, 2011. DOI: http://doi.org/10.1111/j.1466- FERNANDES, R. S.; TIBIRIÇÁ, Y.; WILLIAMS, J.; ATANASSOV,
8238.2010.00584.x B.; CARREIRA, F.; MASSINGUE, A.; SILVA, I. M.. Mozambique
marine ecosystems review. Final report submitted to
KATHIRESAN, K.; BINGHAM, B. L.. Biology of mangroves and Foundation Ensemble. Maputo, 2014.
mangrove ecosystems. Advances in Marine Biology, v.40,
p.81-251, 2001. RIBEIRO, N.; SITOE, A. A.; GUEDES, B. S.; STAISS, C.. Manual
de Silvicultura Tropical. Revista do Instituto de Medicina
LUCHESA, C. J.; NETO, A. C.. Cálculo do tamanho de amostra Tropical de S, v.1, n.4, p.130, 2002.
nas pesquisas em administração. Curitiba: UNICURITIBA,
2011. RODRIGUES, C.. Avaliação da atividade antrópica na
degradação do mangal na área de proteção ambiental das
MACAMO, C. D.; SITOE, A.. Relatório de Governação ilhas primeiras e segundas, nas províncias de Zambézia e
Ambiental 2016. Governação e gestão de mangais em Nampula. Unango, 2016.
Moçambique. Ma, 2017.
RONNBACK, P.; TROELL, M.; KAUTSKY, N.; PRIMAVERA, J. H..

Natural Resources P a g e | 168


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022
Análise das atividades antrópicas nas florestas de mangal em Macuse, centro de Moçambique
LACERDA, A.; ANDRADE, A. C.

Distribution pattern of shrimps and fish among Avicennia


and Rhizophora microhabitats in the Pagbilao mangroves, SITOE, C. T.. Análise da sustentabilidade do mangal no
Philippines. Estuarine, Coastal and Shelf Science, v.48, n.2, âmbito da construção de infraestruturas zona costeira: caso
p.223-234, 1999. DOI: costa do sol. Maputo: UEM, 2015.
http://doi.org/10.1006/ecss.1998.0415

Os autores detêm os direitos autorais de sua obra publicada. A CBPC – Companhia Brasileira de Produção Científica (CNPJ: 11.221.422/0001-03) detêm os direitos materiais dos trabalhos publicados
(obras, artigos etc.). Os direitos referem-se à publicação do trabalho em qualquer parte do mundo, incluindo os direitos às renovações, expansões e disseminações da contribuição, bem como outros
direitos subsidiários. Todos os trabalhos publicados eletronicamente poderão posteriormente ser publicados em coletâneas impressas ou digitais sob coordenação da Companhia Brasileira de
Produção Científica e seus parceiros autorizados. Os (as) autores (as) preservam os direitos autorais, mas não têm permissão para a publicação da contribuição em outro meio, impresso ou digital, em
português ou em tradução.

Todas as obras (artigos) publicadas serão tokenizados, ou seja, terão um NFT equivalente armazenado e comercializado livremente na rede OpenSea (https://opensea.io/HUB_CBPC), onde a CBPC irá
operacionalizar a transferência dos direitos materiais das publicações para os próprios autores ou quaisquer interessados em adquiri-los e fazer o uso que lhe for de interesse.

Os direitos comerciais deste artigo podem ser adquiridos pelos autores ou quaisquer interessados através da aquisição, para
posterior comercialização ou guarda, do NFT (Non-Fungible Token) equivalente através do seguinte link na OpenSea (Ethereum).
The commercial rights of this article can be acquired by the authors or any interested parties through the acquisition, for later
commercialization or storage, of the equivalent NFT (Non-Fungible Token) through the following link on OpenSea (Ethereum).
https://opensea.io/assets/ethereum/0x495f947276749ce646f68ac8c248420045cb7b5e/44951876800440915849902480545070078646674086961356520679561157771417964511233/

Natural Resources P a g e | 169


v.12 - n.1  Nov 2021 a Fev 2022

Você também pode gostar