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HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE:

TEMPO PASSADO, TEMPO PRESENTE


Márcio Mota Pereira
(Organizador)

HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE:


TEMPO PASSADO, TEMPO PRESENTE

1.ª edição

MATO GROSSO DO SUL


EDITORA INOVAR
2024
Copyright © dos autores.
Todos os direitos garantidos. Este é um livro publicado em acesso aberto, que permite uso,
distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins comerciais e
que o trabalho original seja corretamente citado. Este trabalho está licenciado com uma Licença
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(BENITEZ Catalogação Ass. Editorial, MS, Brasil)

H578 História e meio ambiente : tempo passado, tempo presente


1.ed. [livro eletrônico] / organizador Márcio Mota Pereira. – 1.ed. –
Campo Grande, MS : Editora Inovar, 2023. 90 p.; PDF

Bibliografia.
ISBN 978-65-5388-209-6
DOI 10.36926/editorainovar-978-65-5388-209-6

1. História. 2. Meio ambiente. I. Pereira, Márcio Mota.

02-2024/22 CDD 304.2


Índice para catálogo sistemático:
1. Meio ambiente : História 304.2
Aline Graziele Benitez – Bibliotecária - CRB-1/3129
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refletindo, necessariamente, a opinião da editora, organizadores da obra ou
do conselho editorial.
APRESENTAÇÃO

Na confluência entre o passado, o presente e a natureza, a His-


tória Ambiental trata das mudanças que o meio ambiente sofreu e con-
tinua sofrendo, tanto pelos efeitos naturais quanto pela atividade hu-
mana, e apresenta-se como um campo de estudo crucial para com-
preendermos a complexa relação entre a humanidade e seu entorno.
Embora não pareça, a História Ambiental possui uma ampla
trajetória teórica, que remete à década de 1930, com propostas que
desde então buscam situar a natureza como agente transformador da
história, destacando o papel do meio ambiente na formação das ci-
vilizações. No tempo presente, a História Ambiental nos proporciona
um valioso referencial teórico para contextualizar os desafios ambien-
tais contemporâneos, como as mudanças climáticas, a perda da bio-
diversidade e a crescente degradação do solo, resultado do uso cada
vez mais indiscriminado da terra pela agroindústria, para suprir a nos-
sa necessidade alimentar. São, todos esses, temas muito complexos,
que demandam nossa maior atenção e reflexão.
Este livro busca analisar aspectos da relação humana com a
natureza e como eles foram responsáveis por moldar o ambiente que
conhecemos hoje, explorando os vínculos que relacionam eventos
históricos e o meio ambiente. No primeiro capítulo, Márcio Mota Pe-
reira apresenta os processos de construção de nossa legislação am-
biental, ao longo da Primeira República brasileira. No segundo capítu-
lo, Gabriela Silveira Alencar discursa sobre o racismo ambiental, tema
cada vez mais proeminente na agenda contemporânea e que ressal-
ta o quanto os impactos da ação do homem na natureza são díspa-
res para as diferentes camadas sociais que compõem a nossa socie-
dade. No terceiro capítulo, Aguinaldo de Jesus Moraes Marques, An-
dré Felipe de Moraes Marques, Brenda Bandeira de Azevedo, Isabella
almeida de Oliveira e Manoel Tavares de Paula apresentam algumas
possibilidades que arqueologia têm a oferecer para o estudo da His-
tória Ambiental.
No quarto capítulo, Jociele de Araújo Silva apresenta um exem-
plo apurado de como a economia capitalista aliada às nossas deman-
das contemporâneas é responsável por infringir severos danos ao
meio ambiente, atendo-se à devastação ambiental face ao agronegó-
cio, no estado do Tocantins. No quinto e último capítulo, Cheyenne de
Oliveira Alencar, Francilda Alcântara Mendes e Juliana Rodrigues Bar-
reto Cavalcante refletem como o cinema pode nos inspirar a tratar os
múltiplos patrimônios com que relacionamos, como o patrimônio cultu-
ral e o patrimônio ambiental.
Convido você a acompanhar, através das páginas deste livro,
às reflexões sobre a História Ambiental aqui pontuadas, fundamentais
para que possamos entender nossa relação com o meio ambiente e
para que possamos, também, pensar nosso futuro enquanto civiliza-
ção dependente cada vez mais com a natureza que nos cerca.

Márcio Mota Pereira


Organizador
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1
DA TEORIA AO PRIMEIRO PARQUE NACIONAL: AS POLÍTICAS
AMBIENTAIS E O BRASIL DA PRIMEIRA REPÚBLICA
Márcio Mota Pereira
doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-209-6_001

CAPÍTULO 2
RACISMO AMBIENTAL: UMA PERSPECTIVA A PARTIR DA ECO-
NOMIA ECOLÓGICA
Gabriela Silveira Alencar
doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-209-6_002

CAPÍTULO 3
POR UM PASSADO MAIS DISTANTE: CONTRIBUIÇÕES DA AR-
QUEOLOGIA PARA A HISTÓRIA AMBIENTAL
Aguinaldo de Jesus Moraes Marques
Brenda Bandeira de Azevedo
Isabella Almeida de Oliveira
André Felipe de Moraes Marques
Manoel Tavares de Paula
doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-209-6_003

CAPÍTULO 4
A PERDA DE COBERTURA VEGETAL DEVIDO À EXPANSÃO DAS
ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS NO ESTADO DO TOCANTINS
Jociele de Araújo Silva
doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-209-6_004

CAPÍTULO 5
COCOCI, A CIDADE ESQUECIDA PELO TEMPO: A MATERIALIZA-
ÇÃO DA MEMÓRIA ATRAVÉS DO CINEMA
Cheyenne de Oliveira Alencar
Francilda Alcântara Mendes
Juliana Rodrigues Barreto Cavalcante
doi.org/10.36926/editorainovar-978-65-5388-209-6_005
SOBRE O ORGANIZADOR
Márcio Mota Pereira

ÍNDICE REMISSIVO
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CAPÍTULO 1

DA TEORIA AO PRIMEIRO PARQUE NACIONAL:


AS POLÍTICAS AMBIENTAIS E O BRASIL
DA PRIMEIRA REPÚBLICA

FROM THEORY TO THE FIRST NATIONAL PARK:


ENVIRONMENTAL POLICIES AND BRAZIL OF THE FIRST REPUBLIC

Márcio Mota Pereira


Secretaria Municipal de Educação de Juatuba – Minas Gerais
https://orcid.org/0000-0002-7698-6270
drmmota@yahoo.com.br

RESUMO
Este estudo tem por objetivo analisar a emergência de uma política
ambiental, ao longo da Primeira República brasileira. Para tanto, re-
alizou-se uma revisão bibliográfica, bem como uma análise crítica de
legislações enquanto fontes primárias, para que seja possível enten-
der a evolução das leis ambiental do país, até a criação do primeiro
parque nacional, em Itatiaia, enquanto culminância de um projeto que
adotou o meio ambiente e a salvaguarda dos recursos naturais como
estratégia política e de poder econômico. Conclui-se que apesar da
ação de intelectuais, cientistas, políticos e outros atores sociais, para
com a preservação ambiental, muitos destes esforços permaneceram
no campo teórico, com pouca implicação prática.
PALAVRAS-CHAVE: Conservacionismo; Meio Ambiente; Política am-
biental; Primeira República, Parque Nacional do Itatiaia.

ABSTRACT
This study aims to analyze the emergence of an environmental poli-
cy throughout the First Brazilian Republic. To this end, a bibliograph-
ical review was carried out, as well as a critical analysis of legislation
as primary sources, so that it is possible to understand the evolution of
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the country’s environmental laws, up to the creation of the first national


park, in Itatiaia, as the culmination of a project which adopted the en-
vironment and the safeguarding of natural resources as a political and
economic power strategy. It is concluded that despite the action of in-
tellectuals, scientists, politicians and other social actors towards envi-
ronmental preservation, many of these efforts remained in the theoret-
ical field, with little practical implication.
KEYWORDS: Conservationism; Environment; Environmental Policy;
First Republic, Itatiaia National Park.

1. Introdução

Este estudo possui como objetivo apresentar uma síntese das


ações para a proteção do meio ambiente por parte do Estado Brasi-
leiro, durante a Primeira República. Considera-se imperativo, contu-
do, a apresentação de uma contextualização do período histórico no
qual estão desenvolvidas nossas análises, pois após um longo tem-
po de administrações nacionais e regionais reclusas, sempre domina-
das por elites econômicas e agrícolas, período comumente denomina-
do República Velha, República dos Coronéis ou, ainda, como Primei-
ra República, um golpe de Estado foi responsável por conduzir à Pre-
sidência da República Getúlio Dorneles Vargas, carregando consigo
as expectativas de uma revolução nas políticas industriais, econômi-
cas e sociais no Brasil.
Não se deseja aqui expor por completo as particularidades des-
te governo, haja vista que este assunto vem sendo tratado em dema-
sia, a partir de estudos históricos consolidados, mediante uma abun-
dante disponibilidade documental, mas sim demonstrar parcialmente,
à título de introdução a um estudo mais aprofundado, sobre as menta-
lidades quanto à preservação ambiental e demais políticas resultantes
da publicação do Decreto nº. 23.793, de 1934, responsável por apro-
var um novo Código Florestal para o país, documento que, segundo
os intelectuais da época, ainda fazia falta nos esboços republicanos
para a consolidação de uma política ambiental. Este documento, que
esmiuçou as possibilidades de conservação e ainda regulou os mo-
dos de exploração dos recursos naturais, é considerado um divisor de
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águas, uma espécie de Certidão de Nascimento das práticas conser-


vacionistas ambientais brasileiras.
Procuramos entender ainda como se deu a lenta evolução da
mentalidade ambientalista brasileira, desde a Proclamação da Repú-
blica, em 1889, e a publicação da primeira Constituição republicana,
de 1891, vazia de ações conservacionistas e carregada do desenvolvi-
mentismo positivista, até a criação do primeiro parque nacional brasi-
leiro, em 1937, considerando que foram vários os expoentes que bus-
caram sensibilizar as classes políticas brasileiras da prática da boa
gestão e da preservação ambiental sem, contudo, serem levados em
conta, frente às doutrinas positivistas de desenvolvimento nacional e
o processo de industrialização que teve início no final do século XIX e
continuou ao longo do século seguinte.

2. A ascensão de Vargas ao poder: uma síntese

O período compreendido entre 1930 e 1945 marca, definitiva-


mente, não apenas uma nova fase política do Brasil, mas também
atua como divisor de águas em diversos setores como o social, eco-
nômico, político e ambiental, inclusive.
O idealizador de todo este complexo cenário de intrincados
acontecimentos políticos foi Getúlio Vargas, gaúcho de São Borja, Rio
Grande do Sul, político oriundo de tradicional família dos pampas de
fronteira, que já havia assumido diversos cargos políticos em seu es-
tado natal, sendo eleito deputado estadual pelo Partido Republicano
Rio-Grandense (PRP) em 1913, e reeleito em 1921. Em 1922, foi elei-
to à Câmara Federal, novamente pelo PRP, sendo reeleito para o mes-
mo cargo em 1924. Posteriormente, em 1926, foi designado Ministro
da Fazenda pelo Presidente Washington Luiz, consolidando uma cres-
cente trajetória política nacional.
No início do ano de 1928, Vargas assumiu mediante eleição o
governo da então Província do Rio Grande do Sul, tendo sido indica-
do à candidatura por Borges de Medeiros, tendo João Neves da Fon-
toura como seu Vice-Presidente. Neste período, Vargas reorientou a
política e a economia do estado, atuando principalmente na economia
rural, com medidas de amparo à lavoura e à pecuária, os mais impor-
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tantes setores econômicos sul-rio-grandenses daquele recorte históri-


co. Consolidando sua predileção até mesmo por outros políticos gaú-
chos oposicionistas, e contando ainda com o apoio de Minas Gerais,
obteve o apoio necessário para lançar-se candidato à Presidência da
República, em 1930, atuando pela oposição, à frente da recém-criada
Aliança Liberal, coligação de políticos e militares de todo o país que se
opunham ao desenrolar da atuação política coronelista do então Pre-
sidente Washington Luiz.
Neste ano, Vargas travou combate eleitoral com o candidato
situacionista, Júlio Prestes, pelo principal cargo político do país. Der-
rotado nas urnas, Vargas liderou um movimento político e militar com
grande adesão e apoio popular, principalmente no Sul do país, contan-
do ainda com adesões em outras regiões, e que foi responsável pela
deposição do então Presidente Washington Luiz. Reunindo tropas ao
seu lado e partindo em direção à então capital da República, a cidade
do Rio de Janeiro, quase travou combate com as tropas nacionais ao
longo do percurso, obtendo a não efetivação da posse do novo presi-
dente eleito, Júlio Prestes, antes que os confrontos fossem efetivados.
Como resultado deste movimento, Vargas foi alçado à Presi-
dência da República, de forma não democrática, em 3 de novembro de
193, como chefe de um instável Governo Provisório, que reunia oligar-
quias regionais e militares com diferentes perspectivas acerca da con-
dução do país que, por sua vez, passava inúmeras dificuldades no se-
tor econômico, em função das crises monetárias internacionais.
Ao longo do governo provisório, Vargas deu início ao remodela-
mento estatal, dissolvendo o Congresso Nacional, as Assembleias es-
taduais e as Câmaras Municipais, nomeando interventores para os go-
vernos estaduais e estabelecendo as primeiras leis trabalhistas e be-
nefícios, como aposentadoria e férias, com o objetivo de alcançar al-
gum prestígio junto à sociedade.
No ano de 1933, foram realizadas as eleições responsáveis por
eleger uma Assembléia Nacional Constituinte, responsável por pro-
mulgar uma nova Constituição que, contudo, seria utilizada pelo pró-
prio Vargas para se manter no cargo de Presidente da República, nas
eleições de 1934, colocando fim ao governo provisório e inauguran-
do no país uma nova ordem democrática, com uma suposta garantia
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do voto secreto e direto, da retomada dos direitos civis, da possibilida-


de de coexistência entre vários partidos, com distintas ideologias, e de
uma possível e aguardada alternância no poder. 1
Em 1935, diversos acontecimentos foram responsáveis por
avaliar a capacidade de permanência de Vargas no poder, como a
presença política da Aliança Nacional Libertadora – ANL, um dos par-
tidos políticos que mais afrontaram a governança varguista, caracte-
rizada por ser um movimento de massa que reunia adeptos das ideo-
logias socialistas e nacionalistas possuindo, ainda, uma mentalidade
de reforma política.
Para confrontar este cenário, Vargas deu início a diversas medi-
das, como a dissolução da própria ANL, a declaração de estado de sí-
tio e a perseguição às lideranças militantes do comunismo. Teve ainda
que combater a Intentona Comunista, um levante sob organização do
Partido Comunista que foi rapidamente abafado pelos militares, resul-
tando na prisão de diversos líderes, como o próprio Luís Carlos Prestes.
Temendo a possibilidade da perda do poder, em 1937 nova-
mente Vargas empreende um novo golpe, dissolvendo o Congresso e
outorgando uma nova Constituição. O recorte histórico compreendido
entre este novo golpe e sua deposição, já no ano de 1945, tornou-se
conhecido como Estado Novo.

3. As novas perspectivas ambientais a partir da década de 1930

Para que qualquer comparação ou análise de melhoria em re-


lação às políticas de proteção ambiental possa ser estabelecida princi-
palmente no recorte histórico proposto, é necessário, contudo, estabe-
lecer quais políticas ambientais estavam vigentes quando da procla-
mação da última Constituição, ainda desde 1891, elaborada em fun-
ção da Proclamação da República dois anos antes.

1 O Art. 181 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil promulgada em 16 de


julho de 1934 faria referência às eleições para a composição da Câmara dos deputados, das
Assembléias Legislativas estaduais e das Câmaras Municipais que deveriam obedecer “ao
sistema da representação proporcional e voto secreto, absolutamente indevassável, man-
tendo-se, nos termos da lei, a instituição de suplentes.” In: BRASIL. Constituição da Repúbli-
ca dos Estados Unidos do Brasil. Promulgada em 16 de julho de 1934, página 39. Disponí-
vel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/Constituiçao34.htm. Acesso em 28
de outubro de 2011.
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Analisando esta Constituição, podemos perceber facilmente o


quanto as políticas ambientais eram, para não dizer ignoradas, ine-
xistentes, haja vista que neste importante documento que balizam as
normalizações político-administrativas da Nação não há nenhuma re-
ferência à gestão dos recursos ambientais (generalizando, nesta pers-
pectiva, os recursos hídricos, minerais, animais e vegetais) ou mesmo
englobando outras terminologias, como patrimônio natural.
Esta inexistência de alusões à proteção da natureza deve-se,
segundo Cynthia Roncaglio (2009, p. 127), ao fato desta Constituição
ter sido inspirada “nos princípios liberais e democráticos da Constitui-
ção dos Estados Unidos da América”, tendo então sido suprimidos os
assuntos análogos em função de “atender aos interesses e pressões
das oligarquias latifundiárias”. De fato, segundo Paixão (2000, p. 23,)
que analisa a perspectiva positivista no Brasil no final do século XIX,
as idéias de Augusto Comte idealizavam a sociedade do futuro “como
uma espécie de nação-estado corporativa”, ou seja, voltada para o
desenvolvimento econômico e social de modo que todas as áreas de-
veriam potencializar suas possibilidades. Em um cenário econômico
onde despontava a indústria e prevalecia a economia agrícola, com
forte predominância do setor cafeeiro, nada mais natural do que impul-
sionar este último, demandando obviamente mais terras para o setor e
culminando na utilização de mais áreas para plantio.
Em contrapartida a este pensamento desenvolvimentista, en-
contramos nas literaturas especializadas durante o período de tran-
sição do sistema monárquico para o republicano, majoritariamente
quando da Proclamação da República até a metade da década de
1910, um vasto grupo de intelectuais, cientistas e políticos, que cola-
boraram para a construção de um pensamento crítico sobre a prote-
ção da natureza no Brasil. Constam, neste rol as atuação, Alberto Löe-
fgren, Alberto Torres, Edmundo Navarro de Andrade e Hermann von
Ihering, dentre outros. A maioria era de profissionais ligados às ciên-
cias ambientais, destacando-se também gestores que ocupavam car-
gos em instituições de pesquisa, como Hermann von Ihering, diretor
do Museu Paulista; Alberto Löefgren, botânico sueco que se tornou o
primeiro diretor do Horto Botânico de São Paulo, em 1898, e Edmundo
Navarro de Andrade, “cientista contratado pela Companhia Paulista de
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Estradas de Ferro em 1904 para encontrar a espécie florestal que me-


lhor se prestaria ao fornecimento de carvão para as locomotivas e ma-
deiras para os dormentes das ferrovias”, tendo escolhido uma espécie
não nativa, o Eucalyptus, não deixando ainda de lançar mão sobre a
necessidade de preservação das matas nativas (Martini, 2007, p. 77).
Desde a promulgação da Constituição da República, em 1891,
apesar da inexistência de Artigos, Parágrafos ou Incisos, responsabi-
lizando o Governo Federal, os Estados ou as municipalidades como
fiéis detentores e protetores do patrimônio ambiental, vários Decre-
tos foram publicados ao longo dos anos sequentes, de modo a com-
plementar esta legislação no tocante a estas necessidades ou, en-
tão, criando e, posteriormente, modificando órgãos administrativos,
de modo a adequá-los às necessidades técnicas. Concomitantemen-
te, estudos científicos foram sendo desenvolvidos ao longo dos anos,
com o intuito de gerar perspectivas e aportes metodológicos para o
desenvolvimento e a consolidação de uma política ambiental.
Consta como uma das primeiras iniciativas de preservação am-
biental a assinatura por parte do Brasil no “Convênio das Egretes, em
1895, em Paris, visando diminuir a caça de garças na região amazôni-
ca” (Diegues, 1994, p. 224). Em 1902, o supracitado Alberto Löefgren
“já notava a presença de uma frente em movimento que estava dei-
xando em seu rastro terrenos esgotados e improdutivos em extensões
que constantemente aumentavam” (Dean, 1995, p. 4), tendo contri-
buindo ainda para o desenvolvimento das preocupações ambientais,
com a publicação de vários artigos técnicos e científicos.
Já em 26 de junho de 1911, de acordo com o Decreto nº. 8.843,
foi criada a primeira reserva florestal do Brasil, no antigo Território do
Acre, possuindo então 2,8 milhões de hectares, sendo subordinada
ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (Secretaria Estadual
do Meio Ambiente, 2007, p. 29). A iniciativa assinada pelo então Pre-
sidente da República, Hermes da Fonseca, afirmava que “a devasta-
ção desordenada das mattas estava produzindo em todo o paíz effei-
tos sensíveis e desastrosos, salientando-se entre elles alterações na
constituição climaterica de varias zonas e do regimen das águas plu-
viaes...”. Para efetivação da mesma legislação, constava ainda a proi-
bição de entrada nas áreas da reserva florestal além da extração de
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madeiras ou de outros produtos florestais, assim como a caça e da


pesca. As populações então residentes na área teriam o prazo de 12
meses para demonstrar a posse do território e, sendo confirmada a ve-
racidade, serem desapropriadas mediante a aquisição de outras terras
ou através de um acordo amigável (Brasil, 1911).
Outro personagem que buscou contribuir para o desenvolvi-
mento da mentalidade preservacionista foi Gonzaga de Campos, ten-
do elaborado seu Mapa Floresta em 1912, um volumoso compêndio
que reunia as várias disponibilidades de matas dos Estados e Territó-
rios do país sendo este trabalho, segundo o próprio autor, necessário
servindo como “base aos primeiros estudos para creação das reser-
vas florestaes” (Gonzaga de Campos, 1912, p. 03).
Posteriormente, novamente Löefgren liderou, em 1913, uma
iniciativa para a criação de um futuro parque nacional, na região de
Itatiaia. “Naquele mesmo ano, essa idéia foi apresentada e defendi-
da pelo naturalista Joseph Hubmayer, na Conferência da Sociedade
de Geografia do Rio de Janeiro, tendo obtido a aprovação de diversos
conhecedores da região com a justificativa de possibilitar um inesgo-
tável potencial de pesquisas, além de oferecer um retiro ideal para a
reconstrução física e psicológica após o trabalho exaustivo nas cida-
des” (Barros, 2003).
Warren Dean destaca a percepção do então Presidente Epitá-
cio Pessoa que, em 1920, observou “que o Brasil era o único país co-
berto por florestas sem um código florestal” (Dean, 1995). A mesma
ausência de um Código Florestal já era perceptível em 1911, quando
da criação da Reserva Florestal no Território do Acre. No quarto Arti-
go deste Decreto, a ausência de um Código Florestal transferia para o
Serviço de Inspeção e Defesa Agrícolas a responsabilidade em zelar
pela integridade da Reserva (Brasil, 1911).
Pessoa converteu então um viveiro de árvores do Rio de Janei-
ro em Serviço Florestal Federal. “No decreto regulamentando o Ser-
viço, este mudou apenas de nome; uma década depois ele estava fa-
zendo pouco mais que distribuir mudas. Além de falta de recursos ou
lei para executar, o Serviço também carecia de florestas para manter
desde que a Constituição republicana havia devolvido todas as terras
públicas aos Estados. O governo federal não conseguiu persuadir os
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Estados a devolverem algumas de suas áreas florestais para criar re-


servas. Acordos foram finalmente assinados com alguns Estados para
auxiliá-los a fundar seus próprios serviços florestais” (Dean, 1995).
Em 28 de dezembro de 1921, foi criado o Serviço Florestal do
Brasil, primeira instituição a quem foi atribuída a gestão das matas.
Entretanto, mudanças nos cenários políticos seriam responsáveis por
alterações nas denominações e até mesmo nas funções dos órgãos
que sucederiam o Serviço Florestal do Brasil. Esta instituição seria
sucedida pelo Departamento de Recursos Naturais Renováveis, este
pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF e este
pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
– IBAMA em 1981 sendo este último fragmentado no ano de 2007, re-
sultando na criação do Instituto Chico Mendes, a quem cabe a atu-
al responsabilidade pela gestão das áreas de preservação ambiental.
Em 1933, um novo Decreto, nº. 22.698, passou a regulamen-
tar as expedições ou missões particulares, nacionais ou estrangeiras,
no território nacional. Segundo este, o governo considerava que esta-
vam se tornando “cada vez mais frequentes as incursões em territó-
rio nacional de expedições sem prévio conhecimento do Governo Bra-
sileiro”; considerava ainda a necessidade de coibir os abusos ou pre-
juízos que pudessem acarretar essas explorações no interior do País,
a urgência de proteger os monumentos naturais, históricas, legendá-
rios e artísticos do País assim como a necessidade de assistir idonei-
dade destas expedições e a veracidade dos objetivos por elas alega-
dos (Brasil, 1933).
Para tanto, atribuía através do seu Art. 1º o Ministério da Agri-
cultura em fiscalizar as expedições nacionais de iniciativa particular
e as estrangeiras de qualquer natureza devendo ainda regularizar as
missões estrangeiras que se prepusessem a penetrar no interior do
País deverão através de autorização concedida por intermédio do pró-
prio Ministério da Agricultura e do Ministério das Relações Exteriores.
Em seu 5º Artigo, buscava preservar os espécimes botânicos, zooló-
gicos, mineralógicos e paleontológicos vetando sua saída do país em
determinadas condições.
Do ano de 1934 datam o Código de Minas, publicado através do
Decreto nº. 23.642 e o Código das Águas, pelo Decreto nº. 24.643, am-
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bos assinados em 10 de julho de modo a ampliar não apenas a rede de


proteção aos recursos ambientais brasileiros, mas também com intenção
de estes referidos recursos dentro de uma legislação vigente e protetora.
Ainda em 23 de janeiro de 1934, através do Decreto 23.793, foi
publicado o Código Florestal, com a assinatura do Presidente da Re-
pública em exercício, Getúlio Vargas, atribuindo a responsabilidade de
sua execução e fiscalização ao Ministério da Agricultura (Brasil, 1934).
Através deste Decreto, pela primeira vez, a proteção da natureza figu-
rava como um princípio fundamental para o qual deveriam concorrer
a União e os Estados. Esmiuçando este Decreto, podemos ver a com-
plexidade de especificações referentes à proteção ambiental como a
regularização das explorações mediante concessões, a possibilidade
da criação de polícias florestais capazes de gerenciar e aplicar a pro-
teção vigente, as infrações florestais e o estabelecimento de conse-
lhos para gerir os fundos florestais.
Em seu Artigo 1º, por exemplo, o Decreto apontava o fato de que

“as florestas existentes no territorio nacional, considera-


das em conjuncto, constituem bem de interesse commum
a todos os habitantes, do paiz, exercendo-se os direitos
de propriedade com as limitações que as leis em geral, e
especialmente este codigo, estabelecem” (Brasil, 1934).

As florestas eram ainda passíveis de proteção de acordo com


os interesses que suscitavam, sendo protegidas se fossem responsá-
veis por conservar o regime das águas, evitar a erosão das terras pela
ação dos agentes naturais, fixar dunas, auxiliar a defesa das frontei-
ras de modo julgado necessário pelas autoridades militares, assegu-
rar condições de salubridade publica, proteger sítios que por sua bele-
za mereçam ser conservados ou asilar espécimes raros de fauna indí-
gena. Em relação às tipologias e categorias das áreas de preservação
ambiental, elas eram classificadas como Parque Nacional, Floresta
Nacional e Reserva de Proteção Biológica ou Estética (Brasil, 1934).
Outro aspecto interessante a ser analisado presente no Decre-
to é a preocupação da legislação na efetivação da preservação em
áreas “cuja conservação se considerar necessária por motivo de inte-
resse biológico ou estético” (Brasil, 1934).
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 20

O decreto aplicava ainda a competência ao Ministério da Agri-


cultura para classificar as áreas de interesse e localizar e demarcar os
parques nacionais e demais florestas modelo. Entretanto, apesar da
administração federal, a competência federal não excluía das autori-
dades locais o poder de criar reservas, deixando livre a possibilidade
de criação de parques e de florestas à ação das autoridades locais.
O Decreto ainda fazia referência às restrições exploratórias nas
áreas que fossem demarcadas como de preservação ambiental, ve-
tando a coleta de produtos e subprodutos florestais como seivas, se-
mentes ou a coleta de mel ou de madeira para a confecção de lenha
ou carvão. Regulava ainda a necessidade das empresas que utiliza-
vam vastas quantidades de lenha ou carvão a ter reservas próprias
que lhe proporcionassem condições de subsistir na intenção de deso-
nerar das matas nativas a extração para este fim.
Possibilitava ainda a bem da regulação exploratória, conces-
sões de terras para serem exploradas parcialmente contanto que
não fossem completamente oprimidas. Neste sistema, mediante con-
corrência pública, contratantes poderiam utilizar-se de determinadas
áreas para exploração, não podendo este prazo exceder 10 anos,
devendo então haver nova concorrência. Quando a exploração era
por demais danosa quando em conseqüência da atividade fim a que
se destinava, o previsto era a prática do reflorestamento pela empre-
sa contratante.
O decreto nº. 23.793/34 determinava ainda as penalidades
que seriam imputadas aos infratores, classificando a infração flores-
tal como crime e contravenção. Oferecia ainda a possibilidade da cria-
ção de polícias florestais em nível nacional e nos Estados da federa-
ção e determinando as penalidades a serem imputadas aos infratores.
No mês de julho deste mesmo ano, meses após a publicação
desse Decreto, seria promulgada uma nova Constituição. Nesta, po-
demos perceber singelas mudanças no tocante à presença de referên-
cias à preservação ambiental em seu escopo. Roncaglio acredita que
a Constituição de 1934, por ter sido inspirada na “Carta de Weimar” a
Constituição alemã pós Primeira Guerra Mundial, que percebia a na-
tureza “ainda e tão-somente sob o viés econômico e utilitarista”. Nes-
ta nova Constituição brasileira, em seu Artigo 119º, eram referências
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 21

às ações ambientais e ao aproveitamento industrial dos recursos na-


turais “apenas as regulamentações acerca da exploração progressiva
das minas, as jazidas minerais e as quedas d’água” (Roncaglio, 2009,
p. 127), deixando, entretanto, de fazer referências à exploração das
matas e recursos vegetais.
Na Constituição de 1934, também podemos encontrar no Arti-
go 10, referente às competências da União e dos Estados, a necessi-
dade de “proteger as belezas naturais e os monumentos de valor his-
tórico ou artístico”, devendo também “promover a colonização” (Bra-
sil, 1934, p. 39)
Além da inserção nesta nova versão de aspectos que façam
referência à necessidade de proteção das belezas naturais, sendo as
mesmas pareadas aos monumentos de valor histórico ou artístico, tão
importante quanto compreender a presença de uma nova sensibili-
dade na necessidade da proteção das belezas naturais, é importante
perceber também a presença de instruções sobre a promoção da co-
lonização. Uma outra perspectiva que cursava paralelamente à teoria
da necessidade de colonização em terras virgens e improdutivas era a
idéia de que era necessário também “regular investimentos estrangei-
ros,” tal qual elenca Warren Dean (1995), de modo a regular a aquisi-
ção de terras por pessoais civis e jurídicas estrangeiras.
Três anos depois, em 1937, outra Constituição seria promul-
gada para, novamente, atender às necessidades de administração do
governo federal frente aos acontecimentos políticos e sociais que vi-
goravam naquele ano.
Assim como na Constituição promulgada anteriormente, nesta
nova versão, as referências à necessidade de preservação do patrimô-
nio natural são escassamente presentes. Apenas no Artigo Número 134
deste referido, no item “Da Educação e Cultura”, vem a constar que:

“Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim


como as paisagens ou os locais particularmente dotados
pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados espe-
ciais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atenta-
dos contra eles cometidos serão equiparados aos come-
tidos contra o patrimônio nacional.” (Brasil, 1937, p. 21).
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 22

Diferentemente das versões anteriores, o que chama a atenção


para este Artigo é a referência de que os atentados cometidos contra
as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza, se-
rão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional, demons-
trando, nesta oportunidade, a apropriação por parte da Nação destes
recursos podendo também exercer o devido poder sobre aqueles que
inconsequentemente venham a utilizá-lo de má forma. Pode-se cons-
tatar, assim, que a partir do golpe político empreendido por parte de
Getúlio Vargas as medidas de proteção da natureza no Brasil adquiri-
ram características estratégicas, passando o Estado a considerar os
recursos naturais protegidos sob sua tutela no intuito de construir re-
servas, tanto ambientais quanto minerais, assim como exercer o con-
trole sobre os recursos hídricos.
Obviamente, naquele momento da história do Brasil onde as
constantes transformações políticas e sociais estavam mais evidentes
em detrimento das ainda pouco divulgadas políticas ambientais, pode-
mos imaginar que não eram poucas as falhas do Código Florestal no
tocante à efetividade de sua atuação assim como a falta de recursos
e condições do Estado para fazer cumprir as novas normas vigentes
não obtendo desta forma a proteção prevista consentido ainda que in-
voluntariamente a continuidade e o aumento da devastação florestal.

4. O Parque Nacional do Itatiaia como resultado de uma nova po-


lítica ambiental

Muito antes de ser criado o Parque Nacional do Itatiaia, aque-


las terras que hoje impressionam pela diversidade biológica e pela
estética geológica já estavam teoricamente resguardadas das ações
predatórias.
As terras que hoje delimitam este parque “pertenciam ao Vis-
conde de Mauá e, no ano de 1908, foram adquiridas pela Fazenda Fe-
deral para a criação de dois núcleos coloniais. Devido à alta declivida-
de do local, os núcleos não obtiveram o sucesso esperado e as terras
foram então repassadas ao Ministério da Agricultura” (Barros, 2003).
Em 1913, o botânico sueco Alberto Löefgren buscava influen-
ciar os partidários da nascente ciência ambiental da importância da
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 23

criação de um parque nacional na região de Itatiaia, proposta que foi


reafirmada pelo naturalista Joseph Hubmayer, na Conferência da So-
ciedade de Geografia do Rio de Janeiro, no mesmo ano.
Não apenas a possibilidade de estabelecer um futuro centro de
pesquisas e de conservação ambiental deslocava a atenção das clas-
ses mais letradas para a causa de um parque possibilitador de uma
maior gama de estudos científicos na região. O suíço Joseph Hubmayer
“defendeu vigorosamente a idéia de se instalar um Parque Nacional no
maciço do Itatiaia”. Apoiaram-no nesta perspectiva Alberto Loefgren e o
Barão Homem de Melo, expoentes da botânica e da geografia brasilei-
ra que conheciam muito bem a região. Em discurso, Joseph Hubmayer
disse ressaltou que o Parque Nacional do Itatiaia,” sem igual no mundo,
estaria às portas abertas da bela capital [a cidade do Rio de Janeiro],
“oferecendo, portanto, aos cientistas e estudiosos, inesgotável potencial
para pesquisas as mais diversas, além de oferecer um retiro ideal para
a reconstituição física e psicológica após o trabalho exaustivo nas cida-
des e fonte de satisfação a excursionistas e visitantes curiosos dos atra-
tivos da natureza local” (Pádua, 1983, p. 52).
Posteriormente, em 1914, as terras em questão foram trans-
feridas para a responsabilidade do Jardim Botânico do Rio de Janei-
ro para que servissem de fonte de coleta de exemplares botânicos e
também para pesquisas de novos espécimes, atividades que foram
desenvolvidas com lentidão e parcimônia. Somente no ano de 1929
fora estabelecida no local uma Estação Biológica ainda subordinada
ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro. A partir deste momento, a re-
gião torna-se mais freqüentada por pesquisadores passando a ofere-
cer uma maior possibilidade de opções para estudos apesar das de-
mandas existentes e que foram percebidas inclusive pelo então Pre-
sidente Getúlio Vargas que esteve presente em visita oficial no local
no ano de 1931, sendo este evento considerado pelo Diretor do Jar-
dim Botânico do Rio de Janeiro Dr. Achilles Lisboa como um “decisivo
impulso para a sua incrementação” apesar de nada ter mudado após
este significativo evento (Jornal A Noite, 1931, p. 8).
Como supracitado, a possibilidade da criação de parques na-
cionais resulta do Decreto nº. 23.793/1934, responsável por aprovar
um inédito Código Florestal. Este Decreto afirmava “que os parques
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nacionais, estaduais ou municipais constituem monumentos públicos


que perpetuam a composição florística primitiva” e que, por estas qua-
lidades, assim merecem ser designados (Brasil, 1934).
O Parque Nacional do Itatiaia encontra-se localizado no muni-
cípio homônimo, tendo seu limite territorial também inserido no muni-
cípio fluminense de Resende, e nos municípios de Itamonte, Alagoa e
Bocaina de Minas, no estado de Minas Gerais, uma região conhecida
como Mantiqueira, ocupando uma área de 30 mil hectares, tendo sido
criado pelo decreto nº. 1.713, em 14 de junho de 1937.
Tinha como propósitos, além de exercer a preservação am-
biental, atuar na “introdução e práticas de manejo de ‘sistemas agro-
florestais’, visando a reincorporação de áreas degradadas ao siste-
ma de produção agrícola; a capacitação de 200 produtores em técni-
cas de enxertia, produção de mudas e hortaliças; montagem de duas
unidades de beneficiamento de produtos agroflorestais e a realização
de campanhas ambientais” (PNMA, 1997, p. 78). Mais do que exercer
a preservação ambiental e o desenvolvimento e divulgação de novas
técnicas agrícolas, Drummond afirma que a criação do referido parque
“enfatizava mais as suas finalidades ‘científicas’ do que ‘recreativas’”
apesar de aparentemente ter sido levado em conta o fato do mesmo
estar localizado entre “as populosas cidades do Rio de Janeiro, São
Paulo e Belo Horizonte” sendo que o Decreto menciona ainda “expli-
citamente a necessidade de atrair turistas nacionais e estrangeiros”
(Drummond, 1997, p. 163).
Através do próprio Decreto de criação do Parque Nacional do
Itatiaia podemos perceber o quanto esta nova metodologia de prote-
ção ambiental apresentava-se incipiente e desprovida, tanto de inicia-
tiva quanto de recursos. De início, o quadro de funcionários do pró-
prio parque seria “organizado com funcionários do Jardim Botânico do
Rio de Janeiro”, sendo outros funcionários necessários contratados
de acordo com os recursos orçamentários do Jardim Botânico. O pró-
prio plano a ser elaborado para o funcionamento do parque deveria
ser constituído por uma comissão subordinada ao Ministro da Agricul-
tura, composta de membros de diversos serviços, dentre eles o dire-
tor de Serviços Culturais e do próprio Superintendente do Jardim Bo-
tânico do Rio de Janeiro.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 25

Pode-se dizer que a questão ambiental referente à formulação


de parques nacionais estava começando a adquirir escopo. Menções
como “perpetuamente conservada no seu aspecto primitivo” se faziam
presentes em sua regulamentação, além do fato da região continuar
atendendo “às necessidades de ordem científica decorrentes das cir-
cunstâncias”. Para tanto, toda a área a ser definida como pertencen-
te ao parque nacional seria acrescida ainda de pequenos lotes de ter-
ras que foram outrora alienados a particulares e que deveriam voltar
ao domínio do Estado de modo que haja prejuízo ao objetivo de pre-
servação (Brasil, 1937).
Outras providências a serem tomadas visavam aproveitar as
benfeitorias presentes nas terras que compunham o novo parque na-
cional, resultando em uma “grande economia para os cofres da União
e mais vantagens para as realizações científicas e turísticas a serem
encetadas” (Brasil, 1937).
Não apenas as necessidades científicas seriam supridas quan-
do necessário a partir da disponibilidade das terras para pesquisa. O
Decreto de criação previa ainda atender as “demandas de ordem turís-
tica, que se apresentam, em condições de fazer do Parque um centro
de atração para viajantes, assim nacionais como estrangeiros” (Bra-
sil, 1937).
Lino considera que os parques eram inicialmente “planejados
como ‘ilhas naturais’, sem ocupação humana de propriedade gover-
namental, com prioridade para a preservação de paisagens excepcio-
nais, ecossistemas primitivos e algumas espécies ameaçadas. Seu
uso seria voltado, em graus variados, para a pesquisa científica, a re-
creação e turismo para fins educacionais” (Lino, 2008, p. 36).
No Parque Nacional do Itatiaia, podemos perceber a presença
de todos estes itens: a região apresentava vastos territórios de Mata
Atlântica preservados que compunham um dos últimos fragmentos ín-
tegros deste bioma; a zoologia da região é diversa, ainda que este as-
pecto não tenha sido relevante para o estabelecimento da reserva am-
biental; o turismo contemplativo era o mais vigente em função da bela
e acentuada topografia e, por fim, o fato da região também ser outrora
bastante procurada por pessoas com problemas respiratórios, em fun-
ção de sua atmosfera considerada favorável.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 26

Apesar de sua criação remeter ao ano de 1937, a administra-


ção do parque foi por demais vagarosa em exercer o controle sobre a
região de modo administrativo e mesmo efetivo. O sistema administra-
tivo do mesmo só fora elaborado e desvinculado do Jardim Botânico
do Rio de Janeiro a partir da criação de um conselho denominado “Co-
missão do Parque Nacional de Itatiaia, criada no âmbito do Ministério
da Agricultura, pelo Decreto-lei nº. 337 de 16 de março de 1938”, sen-
do o maior desafio desta primeira administração a posse do território
frente a dois núcleos coloniais rurais ainda vigentes na época. Somen-
te no ano de 1942 através do Decreto-lei nº. 4.084 a Comissão do Par-
que Nacional de Itatiaia fora extinta sendo a administração do mesmo
passado à nova Seção de Parques Nacionais, órgão do Serviço Flo-
restal Federal (Drummond, 1997, p. 164).
Pelas experiências que nos remetem a maioria das instituições
mantenedoras de instituições científicas, ambientais e similares no
Brasil, podemos arquitetar o quanto pendências administrativas foram
causas de empecilhos para a efetivação de uma política efetiva de ma-
nutenção do novo parque criado. Se levarmos em conta que dois anos
após a criação de Itatiaia, em 1939, dois outros Parques Nacionais se-
riam criados, o da Serra dos Órgãos de o das Cataratas do Iguaçu, po-
demos idealizar sem dificuldades o quanto problemas em vez de se-
rem sanados não poderiam facilmente ser multiplicados, comprome-
tendo todos os planos e intenções existentes desde o início da déca-
da de 1900.
A latência para a criação de novos Parques Nacionais duraria
pouco mais de 20 anos. Apenas em 1959 outro Parque Nacional seria
criado, o do Araguaia.

Considerações Finais

A partir de 1930, a preservação da natureza no território brasi-


leiro passou a ser compreendida como objeto estratégico para o Esta-
do que, por sua vez, passava a considerar como de essencial obser-
vância os recursos naturais, tais como as grandes matas, mas tam-
bém os recursos hídricos e minerais, seguindo os princípios da indus-
trialização tão almejada à época.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 27

Como frutos destas preocupações temos uma sucessiva publi-


cação de Decretos, que separadamente visavam estabelecer prote-
ção aos distintos setores do meio ambiente como os rios, as matas e
as espécies animais. Não apenas uma preocupação em salvaguardar
um patrimônio ambiental era perceptível estando intrínseca nestas pu-
blicações uma necessidade econômica em regulamentar e regularizar
as explorações que culminavam em processos devastatórios.
Ao longo dos primeiros 40 anos de República, advertências so-
bre a conservação da natureza por parte das classes acadêmicas e
científicas arremetiam contra as ações desenvolvimentistas estatais
sem, no entanto, serem levadas em consideração e, muitas vezes,
indo o governo na contramão destas expectativas. É o caso de uma
citação recolhida de uma palestra ministrada por Hermann von Ihering
na Universidade Popular de Piracicaba sobre uma disposição em que
o governo “concedia um prêmio ao maior exportador de madeiras de
lei” (Ihering, 1911, p. 486).
Contra esse cenário de completa devastação e ruína do patri-
mônio natural brasileiro não deixaram de se insurgir vários entusias-
tas do assunto, sendo os principais aqueles que foram citados ao lon-
go deste trabalho. Outros ainda constam como importantes mentores
de ideais conservacionistas durante os primeiros anos do Século XX,
como deputado federal Antonio Augusto de Lima, o escritor Henrique
Maximiano Coelho Neto e o médico José Marianno Filho, todos defen-
sores de medidas que se não visavam interromper práticas explorató-
rias, propunham no mínimo regulamentá-las.
Não por coincidência, após mais de trinta anos de publicações
por parte das classes acadêmicas estas demandas começaram a ser
atendidas pelas classes políticas. Talvez as discussões da época en-
volvessem uma miscelânea de interesses econômicos e preservacio-
nistas, algo que sucinta uma maior observação e análise.
O próprio Parque Nacional de Itatiaia fora o primeiro resulta-
do da evolução destas legislações ambientais. Entretanto, seguindo
o exemplo de medidas preservacionistas que foram implementadas
ao longo das primeiras três décadas do século passado, não nos es-
pantaria constatar que a simples criação mediante Decreto deste ins-
trumento de preservação não fosse suficientemente responsável pela
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 28

proteção efetiva do delimitado espaço geográfico haja vista que ape-


nas o Decreto por si só não seria capaz de regular as atividades den-
tro do parque sendo necessária a efetivação física do mesmo com sua
infra-estrutura, seus repasses econômicos e seus recursos humanos.
Creio que, de início, este não passava de um simples “parque de pa-
pel”; criado, mas não efetivado.
Afirmativa esta que pode ser verificada em um Relatório do
Programa Nacional do Meio Ambiente que afirmava que o Parque Na-
cional de Itatiaia de início “possuía sérios problemas decorrentes da
indefinição de seus limites, além da ausência de informações sobre a
situação fundiária, o que gerava conflitos com proprietários de terras
da região vizinha” (PNMA, 1997, p. 78). Esta mesma situação perdu-
ra na maioria dos Parques Nacionais vigentes hoje no país, principal-
mente aqueles mais distantes do turismo efetivo, aos fechados à re-
cepção de turistas ou àqueles que só estão abertos para pesquisado-
res e cientistas, os parques de papel.

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HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 31

CAPÍTULO 2

RACISMO AMBIENTAL: UMA PERSPECTIVA


A PARTIR DA ECONOMIA ECOLÓGICA

ENVIRONMENTAL RACISM: A PERSPECTIVE


FROM THE ECOLOGICAL ECONOMY

Gabriela Silveira Alencar


Universidade do Estado do Amazonas
Mestrado Profissional em Segurança Pública,
Cidadania e Direitos Humanos (PPGSP)
Manaus-AM
https://orcid.org/0009-0007-6058-4561
gabrielasilveiraalencar@gmail.com

RESUMO
Na década de 1990, surgiram as primeiras manifestações do chama-
do racismo ambiental, no contexto de emergência em favor de gru-
pos sem qualidade de vida e em situações de vulnerabilidade. A eco-
nomia ecológica, por sua vez, visa abordar o componente humano e
ambiental como peças da economia, sem a qual sequer poderia exis-
tir. A partir disso, o trabalho visa abordar como a economia ecológica
pode facilitar na prevenção do racismo ambiental no Brasil. Sendo as-
sim, objetiva-se analisar os impactos do racismo ambiental no desen-
volvimento brasileiro, a fim de demonstrar que a economia, na pers-
pectiva ecológica, tende a evitar o racismo ambiental e consequente-
mente promover o crescimento do país. A metodologia fundou-se em
uma pesquisa qualitativa delineada a partir de uma revisão integrati-
va, a qual se utilizou de fonte documental e bibliográfica para relacio-
nar os estudos interdisciplinares. O método dedutivo impulsionou o
pensamento de que é possível conjugar desenvolvimento econômico
e social evitando, ao máximo, a marginalização fundada no racismo.
PALAVRAS-CHAVE: Racismo Ambiental; Economia Ecológica; De-
senvolvimento.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 32

ABSTRACT
In the 1990s, the first manifestations of so-called environmental racism
emerged, in the context of emergency in favor of groups with no qual-
ity of life and in vulnerable situations. The ecological economy, in turn,
aims to address the human and environmental components as parts of
the economy, without which it could not even exist. From this, the work
aims to address how ecological economics can facilitate the preven-
tion of environmental racism in Brazil. Therefore, the objective is to an-
alyze the impacts of environmental racism on Brazilian development,
in order to demonstrate that the economy, from an ecological perspec-
tive, tends to avoid environmental racism and consequently promote
the country’s growth. The methodology was based on qualitative re-
search outlined from an integrative review, which used documentary
and bibliographic sources to relate the interdisciplinar studies. The de-
ductive method promoted the idea that it is possible to combine eco-
nomic and social development, avoiding, as much as possible, margin-
alization based on racism.
KEYWORDS: Environmental Racism; Ecological Economy; Devel-
opment.

1. Introdução

Para analisar a ótica dos conceitos de racismo ambiental e eco-


nomia ecológica é necessário problematizar a questão ambiental. Se-
gundo Acselrad (2004), este conceito mereceria ser tratado no plural,
visto a sua socialização que ultrapassa a simples utilização ou esgota-
mento dos recursos naturais. Ou seja, aprofundar a discussão no que
se refere à finalidade da apropriação do que a natureza tem a oferecer.
A partir disso, infere-se que os conflitos ambientais devem ser
pautados sob a ótica do social em sintonia com a concepção do de-
senvolvimento. Justamente por não ser possível manter a sustentabi-
lidade sem considerar ambos os aspectos com finalidade de cresci-
mento econômico ou apenas a conservação ambiental.
Um conceito propulsor do denominado “racismo ambiental” de-
correu do Benjamin Chavis, em 1982, quando o relatou como uma dis-
criminação racial na elaboração de políticas ambientais, na aplicação
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 33

de regulamentos e leis e, principalmente, na exclusão das pessoas ra-


cializadas dos espaços de liderança nos movimentos ecológicos (Fer-
dinand, 2020).
Portanto, resta evidente que “preocupação” com o ambienta-
lismo não abrange a totalidade das pessoas, mas se limita a um gru-
po seleto em um determinado espaço, o qual, por muitas vezes, não
engloba pretos, indígenas e outros. A finalidade da sustentabilidade é
mascarada com o racismo que isola pessoas do acesso ao meio am-
biente equilibrado e sadio.
Neste contexto, outro conceito é de fundamental importância
para entender que um dos meios para o enfrentamento do racismo
ambiental pode ocorrer com o foco na economia ecológica. Esta, por
sua vez, perpassa pela economia tradicional o qual não contempla
molduras ou restrições ambientais, posto que objetiva somente os flu-
xos e as variáveis do domínio econômico (Cavalcanti, 2010).
Em comparação a ela, a economia ecológica é a economia
como atividade dentro do ecossistema, ou seja, ela objetiva equilibrar
os conflitos entre a valorização essencialmente monetária e situações
essenciais para a vida. Desse modo, a economia humana é parte do
todo maior que é a natureza que se submete de uma forma ou de ou-
tra (Cavalcanti, 2010).
Com os conceitos iniciais já expostos, o problema de pesqui-
sa pautou-se em avaliar quais os impactos do estudo do racismo am-
biental para atingir o desenvolvimento econômico ecológico no Brasil.
Já que claramente o cuidado com o meio ambiente é propulsor para a
manutenção da qualidade de vida das pessoas e consequentemente
isso viabiliza o crescimento econômico.
Dentre os demais objetivos da pesquisa, o primeiro tópico trata-
rá dos desafios de se incorporar ideais ambientalistas no modelo eco-
nômico vigente no Brasil. É crucial esclarecer que a visão tradicional
da economia não lida com o meio ambiente como um auxiliar do seu
desenvolvimento, mas como um limitador do alcance desse sucesso.
De acordo com o Hugo Penteado, mestre em economia pela
Universidade de São Paulo, em entrevista à IHU On-Line, o imediatis-
mo dos economistas faz com que ignorem os recursos naturais como
bem finitos. Além disso, consideram que o planeta seria um subsis-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 34

tema da economia e não o inverso, prejudicando ainda mais o imple-


mento de ideais sustentáveis que visam melhorar a vida humana, as-
sim como deveria ser a finalidade do desenvolvimento econômico.
Já no segundo tópico, será abordado como esse modelo de eco-
nomia ecológica pode prevenir o racismo ambiental. Neste viés, perce-
be-se que se trata de uma via dupla, em razão de não só a fixação da
economia ecológica pode ser propulsora da prevenção do racismo am-
biental como ele próprio pode alcançar a economia ecológica.
Neste caso, parte-se primeiramente das disposições constitu-
cionais que garantem direito socioambientais. Ou seja, ao seguir os
parâmetros legais de acesso ao meio ambiente sadio e equilibrado é
possível evitar o racismo ambiental, posto que garantiria a todos, in-
discriminadamente, a vida digna no meio ambiente. Com base nisso, a
economia, necessariamente, pautar-se-ia vinculada a ideais ambien-
talistas, garantindo, assim, a harmonia no planeta.
Quanto ao referencial teórico, o estudo prioriza o racismo am-
biental como uma de suas vertentes e o multiculturalismo, assim como
a ecologia como pressuposto da economia. A abordagem essencial-
mente multidisciplinar foi uma opção metodológica clara e fundamen-
tal à compreensão de conceitos, já que englobam questões essencial-
mente sociais, mas com a importância da economia que, atualmente,
direciona a vivência humana.
Conclui-se que a pesquisa na perspectiva de que a análise in-
terdisciplinar da economia viabiliza resultados mais próspero que de
forma isolada. Ou seja, quando se prioriza o bem-estar da humanida-
de cumulado com o desenvolvimento econômico é possível prevenir
mazelas como o racismo ambiental. Além disso, os conceitos podem
atingir o mesmo resultado partindo de políticas de prevenção ao racis-
mo ambiental como também de políticas de uma economia multidisci-
plinar voltada para a ecologia.

2. Desafio de ideais ambientalistas no modelo econômico vigen-


te no brasil

Dentre os seguimentos da economia vigente no Brasil é possí-


vel destacar a tentativa não tão satisfatória do modelo vigente na Euro-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 35

pa após a Revolução Industrial. Segundo Furtado (1974), países sub-


desenvolvidos se utilizaram do caráter predatório do modelo de civiliza-
ção industrial o qual desconsiderou o papel dos limites físicos dos re-
cursos naturais incorporados em qualquer processo de criação de valor.
A partir disso, o economista criticou o referido modelo que não
considerava que a realidade dos países desenvolvidos não era a mes-
ma dos subdesenvolvidos, já que estes possuíam grande massa da
população sem condições de adentrar ao sistema de consumo próprio
do capitalismo nos moldes em que foi inserido no Brasil.
Sendo assim, a mais importante conclusão dos estudos esta-
va pautada no “estilo de vida criado pelo capitalismo industrial”, o qual
privilegiava primordialmente uma minoria. Portanto, geraria um custo
ambiental inestimável que poderia colapsar a população de forma ge-
neralizada (Furtado, 1974).
Extrai-se dessa constatação que um dos desafios dos ideais
ambientalistas não é fazer sua coexistência com a economia, mas re-
tirar de uma minoria o anseio por uma lucratividade desmedida. É pre-
ciso refletir sobre a conjugação desses institutos os quais necessitam
viver em harmonia para alcançar o bem-estar social ambiental e de
qualidade de vida.
A fim de comprovar os motivos que impediram o Brasil a se des-
tacar no desenvolvimento econômico, Furtado (1974) identificou que ha-
viam dois grupos de consumo no país: aqueles com baixo poder aqui-
sitivo e com possibilidade de consumo pouco diversificada e aqueles,
uma minoria, cuja demanda era de bens complexos e diversos.
Consequentemente, a tendência da indústria foi se ater a pro-
dução de bens simples e importar bem complexos não alcançando o
sistema industrial desejado. Portanto, percebeu-se que o modelo bra-
sileiro tinha uma tendência estrutural para excluir a massa da popula-
ção dos benefícios da acumulação e do progresso técnico.
De acordo com Juan Martinéz Alier (2015), a economia ecológi-
ca visa, justamente, equilibrar parâmetros de desenvolvimento indus-
trial com a sustentabilidade do meio ambiente. Embora seja desafia-
dor, os empecilhos estão muito mais atrelados aos interesses de gran-
des investidores do que propriamente uma coexistência entre econo-
mia e meio ambiente.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 36

O questionamento da economia ecológica é quanto à susten-


tabilidade, partindo dos impactos ambientais. Objetiva-se com ele li-
quidar perdas ambientais bem como introduzir indicadores físicos da
sustentabilidade, relacionar direito de propriedade e gestão de recur-
sos. Ou seja, a intenção é priorizar o ambiente em detrimento do cres-
cimento econômico.
Considera-se a dicotomia dos institutos no seu próprio ponto de
partida. Conforme René Passet (1979), a economia ecológica consi-
dera que é parte integrante do ecossistema, já a economia tradicional,
é vista como autossuficiente, em um sistema aberto no qual se limita a
precificar os bens e serviços ao consumidor e os preços da produção.
Em consonância com o exposto, Cavalcante (2004) dispõe que o
processo econômico deve respeitar limites. A sustentabilidade parte da
consideração simultânea dos males que estão associados à produção, a
grande modificação é a percepção dos problemas de alocação de recur-
sos e de como eles devem ser tratados. Para assim, alcançar um novo
entendimento da realidade humana para fins até mesmo políticos.
Acontece que considerar questões ambientais no decorrer do
processo de desenvolvimento econômico é limitar muito o alcance
dele. No geral, os custos considerados na economia tradicional se li-
mitam à contabilidade interna, já questões como degradação ambien-
tal são fatores externos que se excluem do “cálculo econômico”. O
olhar da biosfera, como todo, deve considerar que a natureza possui
sistemas de uso e retorno, como na respiração em que se utiliza oxi-
gênio e devolve gás carbônico, o mesmo ocorrer com os bens produ-
zidos pelo ser humano, como quando um carro se utiliza de combustí-
vel fósseo, gera trabalho e depois vira sucata.
Sendo assim, resta insustentável o modelo econômico vigen-
te. De acordo com Branco (1999) os modos econômicos predadores
dos recursos finitos só teriam chances de durar para sempre se acom-
panhassem os princípios de funcionamento do sistema natural. Ocor-
re que a economia neoclássica considera uma automaticidade no sis-
tema de mercado quando a livre competição pode, por si só, regular
desde a alocação de recursos até a distribuição de renda.
Entretanto, os resultados obtidos a partir dessas premissas não
condizem com o esperado. Posto que a autorregulação seria ilusória,
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 37

já que a economia, essencialmente, tende a esgotar os recursos natu-


rais, com a visão apenas de produção e, consequentemente, desper-
dício. Logo, um passivo ambiental crescente e a recorrente infelicida-
de do homem (Cavalcante, 2004).
Todo o caminho para se alcançar o equilíbrio descrito acima
visa comprovar que os níveis de satisfação pessoal da sociedade po-
dem ser atingidos com menos do que se espera. De acordo com o
chamado Paradoxo de Easterlin, a satisfação com a vida não cres-
ce acima de um certo nível de renda, em média US$ 15.000 por ano
per capita.
Ou seja, se o crescimento da economia visa atender os an-
seios de felicidade e bem-estar da sociedade, por que não considerar
uma economia sem crescimento? É o que o economista, Peter Victor
(2008), cogitou na realidade do Canadá que uma economia tendente
ao equilíbrio poderia não crescer, mas alcançaria quase o pleno em-
prego, eliminaria a pobreza e reduziria os gases do efeito estufa.
Uma das recomendações para alcançar este equilíbrio, segun-
do Martinez-Alier (apud. Jackson, 2009), é revalorizar os bens que se
pode obter a partir dos ativos comuns. Isso decorre de projeções que
ele realizou em 2007 de que países desenvolvidos com uma emissão
média de 450 ppm de CO2 deveriam diminuir mais de cem vezes até
2050. Embora seja, aparentemente impossível, seria uma das poucas
maneiras de manter a vida humana na Terra.
Com as ideais já expostas, é possível aduzir que o processo
de desaceleração econômico é realizável, embora os desafios este-
jam atrelados ao que a minoria da população, detentora das grandes
riquezas, está disposta a renunciar em prol da coletividade. Se, ao lon-
go do tempo, esta sistemática prevalecesse em detrimento da econo-
mia clássica, o ecossistema não estaria em estado de emergência, su-
plicando por medidas extremas, como na atualidade.
Portanto, economistas mais tradicionais e, até mesmo, os mais
flexíveis, podem considerar que priorizar o meio ambiente limitaria a
economia a níveis alarmantes a ponto de prejudicar a humanidade.
Entretanto, manter uma sistemática que prioriza apenas os interesses
da minoria que detém capital é acelerar os danos sociais causados
pela despreocupação com o meio ambiente.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 38

Este o ponto a ser tratado em seguida, quando as primeiras


medidas para a conservação do meio ambiente se limitaram, nova-
mente, a locais privilegiados, de moradia de quem já tinha o básico
para sobreviver e, agora, se dariam ao “luxo” de se preocupar com
questões ambientais, como a coleta seletiva de onde moram. Enquan-
to grande parte da população sequer detém saneamento básico, pos-
to que a prioridade dela é sobreviver a cada dia.

3. A prevenção do racismo ambiental a partir da economia ecológica

Os termos da economia ecológica apresentados anteriormen-


te são a base para o entendimento do racismo ambiental. As primeiras
manifestações desse termo aconteceram na década de 1990, no eco-
logismo norte-americano, com a consolidação de um movimento po-
pular o qual recebeu diversas denominações: movimento por justiça
ambiental; movimento contra o racismo ambiental ou movimento pela
igualdade ambiental (Capella, 1996).
Ocorre que, em viés contrário, José Augusto Pádua (2002) de-
monstra que o surgimento da crítica ambiental surgiu como uma rea-
ção contra o modelo colonial, difundido pelo latifúndio, escravismo e
os maus-tratos à terra. Logo, não se trata de um movimento advindo
da Europa ou mesmo dos EUA, mas dos próprios países sedes de co-
lônia, como Cariba, Índia, África do Sul e América Latina, como exem-
plo de José Bonifácio de Andrada e Silva (primeiro ministro do Bra-
sil independente, a partir de 1822) e Joaquim Nabuco (abolicionista,
1849-1910).
É nesse viés que se ressalta uma importante constatação:
os direitos ambientalistas acompanhavam a economia. Aqueles que
eram detentores dos movimentos que marcaram a história também fa-
ziam parte da elite branca, privilegiada em detrimento dos que, de fato,
sofriam os impactos da degradação ambiental e da exclusão territorial
que a sua condição racial e financeira os permitia.
Acontece que, mesmo existindo indícios de que as primeiras
manifestações ambientais aconteceram em países colônias, a reper-
cussão da sustentabilidade apenas gerou preocupação quando tra-
tada por países desenvolvidos. Após esse começo, o que passou a
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 39

ser necessário foi tratar de assuntos antes sequer referenciados pe-


los anteriores, como a qualidade de vida da população a partir do sa-
neamento, da contaminação química nos locais de moradia, do tra-
balho, da disposição indevida de lixo tóxico (Paes e Silva apud Acsel-
rad, 2004).
É assim que surge o conceito de racismo ambiental. Trata-se
de uma condição constatada pelas populações vulneráveis as quais
passaram a reivindicar tratamento juntos e envolvimento de todas as
pessoas, independentemente de sua raça, cor ou renda no que diz
respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de
políticas, leis e regulações ambientais. Ou seja, parcelas menos favo-
recidas da sociedade não poderia arcar com o ônus exacerbado de-
corrente das operações industriais, comerciais ou da omissão de polí-
ticas locais (Bullard apud Acselrad, 2004).
Umas das constatações fáticas de que a sustentabilidade
acompanha a economia foi em um dos primeiros episódios de racis-
mo ambiental que repercutiram no mundo em 1982, quando morado-
res da comunidade negra de Warren County (Carolina do Norte), se-
gundo Paes e Silva (2012), descobriram que um aterro contendo bife-
nilo policlorado seria instalado na sua vizinhança, gerando muitos pro-
testos e acima de quinhentas prisões.
Após isso, a mobilização do movimento negro impulsionou os
congressistas que constataram que a distribuição espacial dos depósi-
tos de resíduos químicos correspondia a áreas habitadas pelas etnias
mais pobres dos Estados Unidos. Como além de pobres eram pesso-
as negras, o movimento por justiça ambiental reforçava a condição do
racismo estruturado nos EUA. Realidade esta muito próxima da atua-
lidade brasileira.
No contexto brasileiro, Malcon Ferdinand (2020) retrata como
uma das lutas da ecologia decolonial as resistências da ecologia polí-
tica de ex-escravizados nagros, dos quilombos do Brasil. Esta é repre-
sentada nas lutas pela ecologia urbana a partir de bairros populares,
favelas, onde residem minorias étnicas, na qual a melhoria do meio de
vida está atrelada a busca pela justiça social.
Lays Helena Paes e Silva (apud Gomes, 2007) reforçar que a
diversidade etnorracial e a educação no Brasil reflete uma conjugação
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 40

entre classe, gênero e raça, promovendo, simultaneamente, o contex-


to de racismo brasileiro e desiguadade social. Ocorre que a ausência
da temática da democracial racial evitou que a própria sociedade pu-
desse ter consciência da realidade da população negra no país.
No que se refere à falsa percepção de que o Brasil, por ser
um país miscigenado, não teria traços de desigualdade social, Santos
(2009a) declarou que a questão pode ser refutada em virtude dos da-
dos que demonstram o predomínio de uma tendência estrutural para
a extrema desigualade racial, a centralização e concentração racial da
riqueza, do prestígio social e do poder.
Portanto, o panorama resultante do crescimento econômico
tradicional gerou as desigualdades sociais, discriminações raciais, do-
minação política e poluição do meio ambiente. Consequentemente,
essas lutas demonstram que o racismo é o avesso de um desprezo
pelos ecossistemas da Terra (Ferdinand, 2020).
Diante do exposto, o ideal de economia ecológica pautada em
sustentabilidade caminha ao lado da prevenção do racismo ambiental.
Na verdade, são institutos complementares, já que ao focar na preven-
ção do racismo ambiental e na luta pela justiça ambiental, já estará di-
recionando medidas eminentementes ecológicas da economia, já que
haverá preocupação com o bem-estar da sociedade em primeiro pla-
no e depois do crescimento econômico em si.
Noutro viés, é possivel que, do lado oposto, se priorizarmos a
economia ecológica se evitará, consequentemente, o racismo ambien-
tal. Ou seja, conclui-se que os benefícios podem ser conquistados si-
multaneamente com políticas sociais e ambientais pautadas tanto na
economia ecológica quanto na prevenção do racismo ambiental, visto
que ambas objetivam diversos pontos em comum.
Com base neste contexto, constata-se que a ausência de re-
presentatividade nas discussões sobre sustentabilidade, economia
ecológica e ecologia impactam no impedimento do alcance das políti-
cas desejadas. Por isso, Acserald (2004) dispõe sobre a necessidade
de compreensão de que não só diferentes atores se somam na defesa
de um todo ambiental e social, mas os instrumentos de justificação le-
gítima devem relacionar as causas particulares em detrimento de en-
tidades mais gerais.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 41

A partir disso, Herculano (2006) cria um impace conceitual en-


tre justiça ambiental e racismo ambiental e qual deles seria o mais in-
dicado para contemplar mais benefícios aos grupos sociais. Primei-
ramente, a justiça social tem como linha de ação o recurso ao siste-
ma jurídico, ou seja, ela é garantida a partir da reivindicação de me-
didas compensatórias por exemplo, exigindo certa objetividade no ato
para que seja solucionado de forma clara, como o funcionamento na-
tural da justiça.
Acontece que o termo, por si só, não abrange terminologias
como raça, cor, origem e renda, posto que, sob a ótica do Judiciário, a
finalidade deve se ater ao tratamento justo, independente dos demais
requisitos. Contudo, a ideia de racismo ambiental também objetiva tra-
tamento justo quanto à partilha de bens e riscos naturais, direito de vi-
ver em ambientes saudável e outros. Portanto, qual seria a aplicabili-
dade da coexistência de ambos os termos?
A intenção é reforçar a importância da questão social como pro-
pulsora das desigualdades ambientais, visto que a injustiça pode ser
identificada por diversos fatores e o mais comum é o relacionado a cor
da pele. Quando o primeiro caso eclodiu, em Warren County (Silva,
2012), o fato estava atrelado à instalação de rejeitos tóxicos em uma
comunidade predominantemente negra, ou seja, embora as injustiças
ambientais ou sociais considerem outros fatores, o predomínio da ra-
cialidade não pode ser considerado apenas um deles, mas deve ser
reportado individualmente, para garantir melhor eficácia na solução.
Por isso, as terminologias são de tamanha importância. No
caso do racismo ambiental, embora o tempo “justiça ambiental” abran-
ja-o, há situações de desigualdades as quais precisam ser individua-
lizadas, posto que não se limitam só à classe social pertencente da-
quele indivíduo vítima de preconceito. Assim como não há possibilida-
de de utilização do termo “racismo ambiental” em todas as hipóteses.
As diversas práticas de políticas públicas ambientais devem
envolver os detentores do conhecimento, dos membros da sociedade
local. Este ponto é reforçado por Juliana Santilli (2005), quando decla-
ra que a sustentabilidade não se limita ao ambiente, mas deve objeti-
var a redução da pobreza, das desigualdades sociais e a promoção da
justiça social. Por isso, a importância daqueles que vivem a realidade.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 42

Na mesma abordagem, Santilli (apud Santos, 2001) dispõe


acerca da contraposição de dois paradigmas: capital-expansionista e
eco-socialista. O primeiro reflete uma economia conhecida em que o
desenvolvimento social só é, de fato, constatado quando o crescimen-
to econômico, a industrialização e o desenvolvimento tecnológico es-
tão em níveis satisfatórios.
Já o eco-socialista garante desenvolvimento à sociedade pelo
modo em que é satisfeita a seguinte caraterística: necessidades hu-
manas fundamentais. Ou seja, quanto mais diversa e menos desigual,
mais poderá ser considerada desenvolvida. Mas isso decorre de um
diálogo intercultural em que as diversas culturas consideram os pres-
supostos de dignidade de outras culturas.

Considerações Finais

Antes tais considerações, é possível aduzir o quanto as termi-


nologias são importantes para o aprofundamento do estudo das no-
vas demandas sociais. Apenas a partir delas é que será possível fazer
paralelos como este, entre racismo ambiental e economia ecológica.
Com base nas definições de alguns estudiosos como Malcon
Ferdinand, Boaventura de Souza Santos e Juliana Santilli é possível
reconhecer a origem do surgimento dessas instituições e de como o
estudo delas podem auxiliar no desenvolvimento da sociedade.
Além dos objetivos específicos tratados no trabalho, a pesqui-
sa focou na utilidade se conhecer maneiras diferentes de visualizar a
realidade, de fazer uma reflexão sobre condições sociais que conside-
rem parcelas da população as quais nem sempre se está inserido. Ou
seja, é crucial passar a cogitar cenários diferentes daqueles em que se
vive a fim de pensar coletivamente.
Os casos voltados para o cenário brasileiro demonstram que
essa prática do racismo ambiental, embora considerada recente, re-
flete uma realidade anterior. Desde a época colonial, segundo Ferdi-
nand (2020), o desejo por descolonização estava atrelado a ser o pró-
prio colonizador e não a subverte o sistema.
Ou seja, os mesmos ideias definidas ao longo do tempo pelos
colonizadores perdurou até os dias atuais no Brasil. Por isso, as ques-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 43

tões raciais e de desenvolvimento econômico não consideram a estru-


tura populacional do país, mas toda a sistemática já imposta no ter-
ritório desde sempre. Isso acarretou uma estigmatização da popula-
ção, principalmente, negra e indígena para, cada vez mais, se fixarem
à margem da sociedade, permitindo o reconhecimento de uma mino-
ria branca privilegiada.
A partir disso, se solidificou a permanência desses grupos em
áreas desvalorizadas, as quais sofriam impactos muito maiores pela
falta de sustentabilidade ambiental. Após os clamores por salvação,
a terminologia “racismo ambiental” pôde ser criada para evidenciar
o descaso com grande parcela das pessoas que não detêm serviços
básicos de qualidade de vida e tem sua sobrevivência condicionada
àquele espaço.
Embora em épocas diferentes, o surgimento do conceito de
economia ecológica, mais tarde, seria uma ferramenta possível para
auxiliar na prevenção ao racismo ambiental. Esses termos possuem
semelhanças entre si capazes de atingir a mesma finalidade: o bem-
-estar social conjugado com a qualidade de vida no espaço social e na
economia, já que a prioridade, em ambos, é o desenvolvimento das
pessoas e consequentemente a economia atingirá patamares satisfa-
tórios para a coletividade.
Segundo Paes e Silva (apud Bullard, 2005) é importante ques-
tionar quem paga e quem se beneficia das politicas ambientais e in-
dustriais. Uma vez que ela pe geradora da institucionalizada da ex-
ploração da saúde humana para obtenção de benefícios econômi-
cos, da imposição das provas de poluição às vítimas e não às em-
presas poluentes.
Em consonância com Hugo Penteado (2019), mesmo viven-
do em uma sociedade individualista, a interdependência é fundamen-
tal para a sobrevivência. Portanto, não há espaço para privilegiar a
expansão agrícola em detrimento da Amazônia, pois não se conside-
ra complicações sistêmicas. Neste viés se funda a ideia de economia
ecológica que visa priorizar mecanismos econômicos que não afetem
de forma indiscriminada o meio ambiente.
Sendo assim, com a comutação de ambos os conceitos cujas
finalidades se assemelham é possível redesenhar a política ambien-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 44

tal para que seja pautada em ações não discriminatórias e se consi-


ga atingir, com base na economia ecológica, níveis satisfatórios de de-
senvolvimento conjugando ambas as ideias.

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CAPÍTULO 3

POR UM PASSADO MAIS DISTANTE: CONTRIBUIÇÕES


DA ARQUEOLOGIA PARA A HISTÓRIA AMBIENTAL

FOR A MORE DISTANT PAST: CONTRIBUTIONS OF


ARCHEOLOGY TO ENVIRONMENTAL HISTORY

Aguinaldo de Jesus Moraes Marques


Universidade do Estado do Pará - UEPA
Belém - Pará
https://orcid.org/0009-0008-8637-2564
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Brenda Bandeira de Azevedo


Museu Paraense Emílio Goeldi
Belém - Pará
https://orcid.org/0009-0009-9967-1296
brendabandeira20@gmail.com

Isabella Almeida de Oliveira


Universidade Federal do Pará - UFPA
Belém - Pará
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André Felipe de Moraes Marques


Universidade da Amazônia – UNAMA
Belém – Pará
https://orcid.org/0009-0007-9403-0727
andregestaoamb@gmail.com

Manoel Tavares de Paula


Universidade do Estado do Pará - UEPA
Belém - Pará
https://orcid.org/0000-0002-8795-8830
tavares@uepa.br
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 47

RESUMO
A História Ambiental é uma área que tem crescido academicamente
dentro da historiografia nos últimos anos, principalmente, por ser uma
área que dialoga com outras ciências, o presente artigo busca apre-
sentar possíveis contribuições que a Arqueologia, por ser uma área
com objeto de estudo diferente e de caráter multidisciplinar pode ofer-
tar dentro do contexto brasileiro. Para isso, utilizou-se como metodo-
logia revisão bibliográfica, primeiramente para contextualizar os limí-
trofes de atuação das áreas, em seguida apontou-se exemplos onde o
diálogo entre áreas é possível, espera-se que a reflexão possa fomen-
tar a expansão da construção de uma história ambiental mais densa e
completa dentro do espectro temporal.
PALAVRAS-CHAVE: Arqueologia; História e Manejo; Manejo Ambien-
tal; História Ambiental.

ABSTRACT
Environmental History is a field within historiography that has been
growing academically in the last few years, mainly because of the pos-
sibilities of dialogues with other sciences. This article seeks to pres-
ent possible contributions that Archeology, a field with a different ob-
ject of study, character, and multidisciplinary approach can offer with-
in the Brazilian context. For this, a bibliographical review was used as
a methodology, firstly to contextualize the boundaries of the fields and
activities, then, examples were pointed out where dialogue between
those fields could be possible. We hope that this reflection can encour-
age an expansion in Environmental History helping to make it more
denser and complete within the temporal spectrum.
KEYWORDS: Archeology; History and Management; Environmental
Management; Environmental History.

1. Introdução

A sensibilidade às questões ambientais na América do Sul foi


notada inicialmente por historiadores brasileiros, argentinos e chile-
nos. No Brasil especificamente, a questão ambiental tem sido discuti-
da a partir dos impactos ambientais causados em nome do “desenvol-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 48

vimento” e da “urbanidade”. A história ambiental como subárea de his-


tória, vem sido discutida a pelo menos desde a década de 19802 tendo
ganhado força principalmente nas duas últimas décadas (Mahl e Mar-
tinez, 2021). Apesar de se potencializar a partir das discussões de im-
pactos, a história ambiental não se limita a este tipo de estudo:

Os historiadores ambientais usam também memórias, di-


ários, inventários de bens, escrituras de compra e venda
de terras, testamentos. Usam descrições de dietas, rou-
pas, moradias, materiais de construção, mobiliário, ferra-
mentas e técnicas produtivas, estudos sobre epidemias e
doenças, projetos e memoriais descritivos de obras (es-
tradas, ferrovias, portos), listas de bens comercializados,
romances, desenhos, pintura (Drummond, 1991, p.184).

Desta forma é importante notar que a história ambiental é área


de estudo que busca compreender a interação do ser humano com o
ambiente, e também a própria história natural do ambiente (Gomes e
Silva, 2021).
É neste contexto que o artigo propõe refletir sobre as contri-
buições que a Arqueologia pode oferecer para colaborar para o de-
senvolvimento desta historiografia específica, afinal as duas discipli-
nas possuem potencial para auxiliar na interpretação de uma histó-
ria mais antiga, anterior à chegada dos colonizadores no atual terri-
tório brasileiro.
A arqueologia pré-colonial como área que estuda os vestígios
materiais da presença humana, têm demonstrado que o manejo hu-
mano da floresta, de recursos naturais, além da própria relação com
a fauna ocorre desde o período anterior da colonização, estabelecen-
do níveis de coexistências que reverberam ao modo que algumas po-
pulações na atualidade vivem. Já a História Ambiental, busca através
de documentações3 a compreensão entre o ser humano e o ambiente,
tendo, portanto, seu corte temporal mais antigo estabelecido na pre-
sença européia nas américas.

2 Sem considerar estudos anteriores de naturalistas ou autores clássicos da historiografia bra-


sileira como Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, etc.
3 Para estes autores, considera-se os diversos tipos de documentação apresentados por
Drummond (1991), em citação no parágrafo anterior.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 49

Buscou-se através de revisão bibliográfica atenuar os limítrofes


das áreas, propondo a complementação ou a própria expansão tem-
poral de estudos entre disciplinas, contribuindo para o aprimoramento
e discussões posteriores sobre as ciências.

2. Arqueologia e Meio Ambiente

Como mencionado anteriormente, as pesquisas historiográfi-


cas em suma são feitas tendo como objeto de estudo majoritariamen-
te documentos históricos. Em geral, para se compreender a formação
do atual território brasileiro se recorre a documentos históricos e etno-
gráficos como relatos de viajantes para se ter dimensão das ocupa-
ções mais remotas, contudo os primeiros registros desse tipo remon-
tam do século XVI. Uma das maneiras de se compreender um passa-
do mais remoto seria por meio da Arqueologia:

Arqueólogas são cientistas sociais que pretendem enten-


der a história das populações do passado, mas fazem
suas investigações a partir de uma fonte diferente da
usada por historiadoras. Enquanto estas trabalham com
documentos escritos como fonte primordial, embora não
única, arqueólogas usam outros tipos de material: obje-
tos, estruturas, feições, sepultamentos, restos orgânicos
e outros detritos (Neves, 2022, p. 17).

Por isto, há uma conceituação errônea que nomeia o período


anterior à conquista das américas de “pré-história”, por não haver do-
cumentos escritos. Contudo, os povos indígenas que viviam nas amé-
ricas detinham história, mas não a reproduziam da maneira que nós
ocidentais julgamos ser a correta. Assim, para não haver uma ruptu-
ra na concepção da história da povoação das américas, entende-se
que há uma continuidade na ocupação de territórios ao longo do tem-
po, desde os períodos mais remotos. Para isto, podemos nos referir a
esse período sem documentação escrita de “pré-colonial” ou “pré-ca-
bralino” (Funari, 2020, p.25). As datações mais antigas que indicam a
presença humana nas Américas constam entre 20.000 e 11.000 anos
antes do presente. Desde então essas populações modificaram os di-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 50

ferentes biomas de acordo com as suas necessidades e cultura, trans-


formaram matéria-prima em tecnologia, produzindo artefatos e deixan-
do seus vestígios de ocupação no solo e na paisagem (Prous, 2019,
p.167). 4
O estudo arqueológico, embora se concentre na observação
da cultura material5 produzida pelos humanos, busca compreender
“as relações sociais e as transformações na sociedade” (Funari, 2020,
p.15). Este tipo de análise implica na necessidade de estudos interdis-
ciplinares e holísticos para a compreensão da ocupação humana no
meio ambiente a depender do tipo de artefato arqueológico, gerando
diversas áreas de pesquisas dentro da disciplina arqueologia, que se
utilizam da conversação com a antropologia, biologia, geologia, petro-
grafia etc., estes diálogos permitem enxergar o ser humano “por intei-
ro” no tempo e no espaço. Além disso, existem diversos tipos de evi-
dências arqueológicas para além da cultura material, que permitem
obtermos uma noção dessas ocupações.
As matérias-primas mais evidentes em sítios arqueológicos
pré-coloniais brasileiros são rochas para a produção de artefatos líti-
cos utilizados não só como ferramenta ou pontas de projétil, mas es-
culpidos como ídolos (Prous, 2019, p. 98-125). A argila é largamente
utilizada para produção de itens cerâmicos como vasos ou estatuetas
e podem ter funções extremamente diversificadas que variam desde
instrumentos musicais até urnas funerárias ou panelas de cozimento
(Barreto, Lima e Betancourt, 2016). Os materiais ósseos (ou osteoló-
gicos) ora são observados em áreas de sepultamento ou cemitérios,
ora são identificados como ferramentas ou adornos corporais (Glória,
2019).

4 O conceito de paisagem neste texto remete a Balé (2008, p.11) “Paisagens são encontros
de pessoas e lugares cujas histórias estão impressas na matéria, incluindo matérias vivas.”
onde por fim se observa uma indigeneidade do meio ambiente e, portanto, ela passa também
passa a ser como um artefato
5 Entende-se aqui Cultural Material conforme Cardoso e Vainfas (1997, p.134) como “amplo
segmento de realidades físicas definidas por sua inserção na atividade humana”.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 51

1 - Exemplos de artefatos identificados em sítios arqueológicos. A- Vaso cerâmico


Marajoara, fonte: LAART, 2020. B- Amuleto Muiraquitã esculpido em pedra, fonte:
Medium 2018. C- Ponta de projétil esculpida em pedra, fonte: Praiabrava.info 2020.
D- Conchas presentes em sítios sambaquis, fonte: CHC, 2018. E- Restos humanos
(osteológicos) identificados em sepultamento, fonte: El País, 2017. F- Terra preta ar-
queológica, fonte: Teixeira et al. 2009. G- Amostras de carvão e sementes carboni-
zadas, fonte: Vidal-Matutano et al., 2018.

Também é observado em sítios arqueológicos restos ósseos de


animais que podem ser evidência de consumo de fauna ou de ferramen-
tas produzidas a partir deste material. Neste campo se tem também evi-
dência de uso de material malacológico não somente para a produção de
adornos corporais, mas como evidência de consumo e construção de pi-
sos residenciais (McDaniel 2022). Por fim, é possível identificar também
por meio de macrovestígios como sementes carbonizadas até microvestí-
gios identificados em solos e sedimentos, evidências de plantas consumi-
das e em larga escala a modificações do meio ambiente como a produção
de terra preta arqueológica ou construções de montículos (Banning 2020).
Portanto os artefatos estão inseridos em áreas onde as ações
antropogênicas tiveram um grande impacto cultural ao longo do tem-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 52

po, resultando em um manejo ecológico voltado para a domestica-


ção da paisagem (Clement et al. 2015). Estas ações se configuram
como “conscious process by which human manipulation of the lands-
cape results in changes in landscape ecology and the demographics
of its plant and animals and populations [..]” (Heckenberger e Neves,
2009, p. 253). Como consequência estimularam não somente uma En-
genharia da Paisagem (Balé 2013, p.177), mas​​estes recursos natu-
rais por sua vez impactaram nas escolhas e dinâmicas voltadas para
a ocupação local, gerando evidências na paisagem.

3. Sítios arqueológicos e a interpretação de um passado

O manejo ambiental evidenciado na arqueologia tem sido ins-


trumento do ser humano desde do início da domesticação de plan-
tas e animais, seja para a implementação de um modo de subsistên-
cia ou pela própria questão de ocupação da floresta, essas evidências
ou parte delas perpetuaram durante o tempo chegando a atualidade.
É possível obter outras informações a partir de documentos históricos,
para apresentar melhor este contexto, alguns exemplos serão apre-
sentados a seguir.
O território amazônico por sua especificidade demandou mane-
jamentos próprios, entre alguns exemplos, existe os tesos marajoaras,
que ocorrem dentro do território do da ilha do Marajó no Estado Pará:

Marajó é uma ilha com 49.606km², fazendo parte de um


arquipélago de mesmo nome, localizado no delta do rio
Amazonas, que banha a ilha em sua porção noroeste. O
clima se caracteriza por duas estações bem marcadas –
um período de chuvas abundantes e um período de seca
prolongada. A estação chuvosa vai de janeiro a junho,
com índices de precipitação pluviométrica da ordem de
2800 a 3600mm. Cerca de 70% da área de campo ou sa-
vana permanece sob a água por um período de 4 a 5 me-
ses (OEA, 1974). A estação seca se estende de agosto
a dezembro, quando as savanas tornam-se dissecadas e
a maior parte dos pequenos cursos de água secam com-
pletamente, pois os rios da ilha não têm fontes perma-
nentes (Schaan e Silva, 2004, p. 16).
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 53

Os tesos marajoaras são construções de grandes montículos


de terras com finalidade de permitir a ocupação humana em períodos
de cheia onde a área do campo fica totalmente submersa, para isso,
era manejado porções de sedimento até formar os montículos e so-
bre este firmava-se habitações de povos indígenas6 que viviam na re-
gião no período anterior à colonização. Por outro lado, as depressões
formadas pela retirada de camadas de terra eram aproveitadas para a
formação de pequenos currais onde no período de seca seriam utiliza-
dos para a criação de peixes e quelônios, tendo representação gráfica
a seguir (Schaan e Silva, 2004).

2 - Representação ilustrativa de tesos marajoaras e currais. In: Schaan, 2009 p. 196.

Este é um exemplo interessante, pois, embora este tipo de sí-


tio seja objeto de estudo arqueológico, há registros historiográficos
que marcam a presença de tesos e consequentemente de manejo am-
biental, como o texto “Notícias da Ilha Grande de Joannes” de 1783 do
naturalista Alexandre Ferreira, ou a partir de pesquisas de Domingos
Penna (entre 1860 e 1870), como as “notas” de William Stebbins Bar-
nad de 1870 entre outros (Araújo; Sarraf-Pacheco, 2023).
6 Sua cultura caracterizou-se por uma atitude bastante assertiva sobre o ambiente natural, de-
senvolveu tecnologias de engenharia hidráulica para controlar a oferta de água e assegurar
a disponibilidade de fauna aquática para sua alimentação (Schaan. 2009 p. 196).
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 54

Ou seja, os tesos são estruturas que demonstram o manejo


ambiental de povos pretéritos em que não há registros históricos de
sua ocupação, mas por outro lado, existem registro que demonstram a
percepção da presença destes sítios através de relatos de viajantes e
pesquisadores, tornando possível a utilização de elementos analíticos
arqueológicos complementando a pesquisa historiográfica ambiental
tanto de períodos anteriores quanto da atualidade, visto que essas es-
truturas ainda estão presentes na paisagem.
Outro exemplo, são sítios arqueológicos do tipo sambaquis,
que são caracterizados e formados por material predominantemen-
te malacológico: configurado como colina de base elíptica, constituí-
do predominantemente pelo acúmulo de restos faunísticos (carapaças
de moluscos, ossos de fauna aquática e terrestre), além de enterra-
mentos. (Barreto; Lima; Betancourt, 2016, p. 613), essas colinas foram
ocupadas por povos que habitavam o atual território brasileiro, sendo
também exemplo de manejo ambiental para a ocupação, onde arque-
ologicamente pode apontar dados sobre dietas e consumos, além de
evidenciar a presença de faunas do período. Este tipo de sítio pode
ser percebido principalmente no litoral brasileiro, e também às mar-
gens de rios (Barreto, Lima e Betancourt, 2016 p. 613).

3 - Sítio Sambaqui localizado em Santa Catarina. Disponível em: https://www.bbc.


com/portuguese/articles/cxegxkr04jvo. Foto: Ximena Villagran.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 55

Os sambaquis também são objeto de registro histórico por par-


tes de cronistas viajantes como do padre jesuíta Manoel Nóbrega em
“cartas do Brasil” datadas em 1517 a 1570, Gabriel Sousa em “Tratado
descritivo do Brasil em 1587”, e o francês Jean de Léry e sua crônica
“Viagem à terra do Brasil” no século XVI entre outros (Bonetti, 2014).
A construção da estrutura de sambaqui requer certa organiza-
ção social e força de trabalho, consequentemente recursos humanos,
visto a quantidade de restos malacológicos necessários para erguer
o montículo. Os próprios documentos históricos relatam a grandeza
deste tipo de sítio, de outro modo também é possível pensar na histó-
ria ambiental do período colonial até o presente, uma vez que os sam-
baquis são alvos desde o início da colonização de extração indevida
de seu material, principalmente como fonte cal (Bonetti, 2014).
Outros tipos de sítios de manejo ambiental podem ser encon-
trados no Brasil como Geoglifos, Cerritos, Casa subterrâneas, Megá-
litos entre outros, que podem conjuntamente com registros historio-
gráficos principalmente dos primeiros exploradores contribuir para a
construção e/ou interpretação de um passado mais completo.

Considerações Finais

A dinâmica ambiental vem mudando ao longo do tempo assim


como a relação do ser humano com o meio ambiente, o período co-
lonial por exemplo, tinha como contexto a exploração, a ocupação, o
comércio, etc., onde a força da colonização mudou a forma e o ma-
nejo ambiental que até então as populações indígenas que habitavam
conduziam, é onde surgem as primeiras leis ambientais (advindas de
Portugal) neste território (Abrantes, 2018, p. 326). Da mesma forma, o
período do Império é totalmente diferente do contexto anterior, assim
como o período da República em relação a atualidade.
A periodização da História é um dos instrumentos metodológi-
cos para a classificação dos eventos históricos, portanto, do ponto de
vista ambiental, também existem mudanças de paradigmas ao longo
do tempo que não necessariamente acompanham os períodos comu-
mente conhecidos. É importante a busca por registros que permitam
escrever uma história ambiental, especialmente por conta dos para-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 56

digmas atuais (lidando cada vez mais com as consequências da inte-


ração ser humano e ambiente) mas vejamos, a história ambiental es-
sencialmente se limita ao alcance dos registros históricos, enquanto
a arqueologia permite o entendimento de um passado mais distante.
A relação entre a história e arqueologia é de grande relevân-
cia, visto que juntas, permitem o entendimento do manejo ambiental
no passado, de modo a ter uma abrangência expandida desta prática
e em alguns casos mais completa, mas para além, permitem a visibili-
dade de povos que habitavam o mesmo território que hoje é impacta-
do, e como este impacto ocorre de maneira muito diferente ao que era
praticado, talvez sendo possível inclusive exemplos para as discus-
sões de sustentabilidade que acontecem na atualidade.

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HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 59

CAPÍTULO 4

A PERDA DE COBERTURA VEGETAL DEVIDO À


EXPANSÃO DAS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS
NO ESTADO DO TOCANTINS

THE LOSS OF VEGETATION COVER DUE TO THE


EXPANSION OF AGRICULTURAL AND LIVESTOCK
ACTIVITIES IN THE STATE OF TOCANTINS, BRAZIL

Jociele de Araújo Silva


Universidade Estadual da Região
Tocantina do Maranhão – UEMASUL
Imperatriz – Maranhão
jocielesilva.20212000252@uemasul.edu.br

RESUMO
A Revolução Verde impulsionou a expansão agropecuária no Brasil a
partir da década de 1970, consolidando-se em todos os estados, in-
clusive no Tocantins, onde o crescimento agrícola começou na déca-
da de 1990 com políticas públicas focadas em produção alimentar e
exportação. Uma análise temporal de 1988 a 2021 revela as transfor-
mações na cobertura vegetal e áreas destinadas à agricultura e pecu-
ária no estado. Mapas temáticos indicam uma perda significativa de
3.779.327 hectares de vegetação nativa, principalmente no bioma cer-
rado, que registrou a maior redução, atingindo 2.864.265 hectares. O
aumento de atividades agropecuárias levou a uma expansão de 100%
nas áreas de pastagem, resultando em impactos ambientais como di-
minuição da biodiversidade, perda de habitat, degradação do solo e
mudanças climáticas. Este cenário destaca a necessidade urgente de
abordagens sustentáveis para equilibrar a produção agrícola com a
preservação ambiental.
PALAVRAS CHAVES: Degradação ambiental. Agricultura. Pecuária.
Vegetação nativa.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 60

ABSTRACT
The Green Revolution drove agricultural expansion in Brazil from the
1970s, establishing itself in all states, including Tocantins. In Tocan-
tins, agricultural growth commenced in the 1990s with public policies
focused on food production and exportation. A temporal analysis from
1988 to 2021 reveals changes in vegetation cover and areas designat-
ed for agriculture and livestock. Thematic maps indicate a significant
loss of 3,779,327 hectares of native vegetation, primarily in the cerra-
do biome, experiencing the most substantial reduction at 2,864,265
hectares. The increase in agricultural activities resulted in a 100% ex-
pansion in pasture areas, causing environmental impacts such as re-
duced biodiversity, habitat loss, soil degradation, and climate change.
This scenario underscores the urgent need for sustainable approach-
es to balance agricultural production with environmental preservation.
KEYWORDS: Environmental degradation. Agriculture. Livestock. Na-
tive vegetation.

1. Introdução

A agropecuária é uma das principais atividades econômicas no


Brasil e sua expansão acontece de forma acelerada, principalmen-
te devido ao crescimento da demanda por alimentos, biocombustí-
veis e matérias-primas para a indústria. Conforme afirmado por Ba-
cha (2018. p. 265), a agropecuária e a agroindústria são exportadoras
líquidas e geram a maior parte da balança comercial brasileira. Além
disso, a agropecuária contribui com a geração de emprego no país.
Segundo o IBGE (2020), cerca de 10,5 milhões de brasileiros traba-
lham direta ou indiretamente com a agricultura e pecuária. E, essa ati-
vidade se destaca mundialmente como fornecedor de alimentos (Bra-
sil, 2020). De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Ali-
mentos - ABIA (2022), a demanda por alimentos se manteve crescen-
te no Brasil e no mundo, o que fez com que as empresas mantivessem
a produção a todo vapor.
Apesar dos efeitos econômicos favoráveis, à medida que a pro-
dução agropecuária se intensifica, há resultados negativos sobre o
meio ambiente, notadamente a degradação. (Alves, 2022). Esta cres-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 61

cente demanda por produtos agropecuários tem estimulado o aumen-


to da produção, gerando pressão sobre a vegetação nativa. De acor-
do com FRAGA (2020), a expansão agropecuária no Brasil foi a prin-
cipal responsável pela conversão de 10,3 milhões de hectares de flo-
restas para uso agropecuário entre 2000 a 2012.
Ainda conforme o autor, a expansão da agricultura no Brasil foi
responsável pela maioria das queimadas registradas no país durante
o período. Conforme estudos realizados por (Oliveira et. al, 2022), nos
últimos 20 anos, 45% do Pantanal, 34% do Cerrado e 9% da Amazô-
nia pegaram fogo pelo menos uma vez. Causando grande impacto a
áreas de vegetação nativas. O desmatamento para a produção agro-
pecuária e o uso do fogo para rebrota de pasto são as principais cau-
sas dos incêndios, que se iniciam em propriedades privadas, escapan-
do em seguida para as áreas de vegetação nativa das Unidades de
Conservação e Terras Indígenas (Oliveira et. al, 2022), e na Amazônia,
as queimadas estão inerentemente relacionadas ao desmatamento ao
longo da fronteira agrícola (Oliveira et. al, 2022).
A expansão agropecuária se consolidou durante a revolução
verde em todos os estados brasileiros. Essa revolução foi um movi-
mento agrícola de grande porte que teve início nos anos 1960 e que
buscou melhorar a produtividade de alimentos, principalmente de ce-
reais, a partir de técnicas de melhoramento genético, uso de agrotóxi-
cos e irrigação OLIVEIRA (2009).
No estado do Tocantins, região norte do Brasil, teve início, na
década de 1990, o desenvolvimento de políticas públicas voltadas
para a agricultura, visando à produção de alimentos para a população
local e exportação. O governo do Tocantins, então, criou o Programa
de Desenvolvimento Rural Sustentável (PDRS), que visava à melho-
ria da agricultura no estado e às práticas de conservação do meio am-
biente. Segundo Morais (2019), o programa foi responsável pelo in-
centivo à produção de milho, soja, algodão, feijão e arroz, além da pro-
dução de leite, carne bovina, frutas e hortaliças.
Segundo informações geradas pelo MapBiomas (2022), a agri-
cultura no estado do Tocantins está em crescimento, com um aumento
significativo nas áreas de cultivo entre 1988 e 2018. A agricultura e a
pecuária são atividades fundamentais para o desenvolvimento socioe-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 62

conômico do Tocantins e conforme dados da Secretaria de Estado da


Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Agrário (SEAGRO-TO), o es-
tado possui um parque agropecuário com mais de 2 milhões de hecta-
res destinados à atividade agropecuária.
No entanto, o crescimento dessas atividades no estado tem ge-
rado preocupações ambientais, visto que a perda de cobertura vegetal
pelo desmatamento provocado pela expansão das atividades agrope-
cuárias no Estado do Tocantins tem sido um dos principais fatores de
degradação ambiental. Estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e a Secretaria de Meio Ambiente e Re-
cursos Hídricos do Estado (SEMARH-TO) apontam que entre os anos
de 2000 e 2011 houve, no Estado do Tocantins, uma redução de qua-
se 30% da cobertura vegetal. As principais causas dessa perda estão
relacionadas às atividades como a agricultura e a pecuária. Neste con-
texto, este artigo tem como objetivo quantificar as perdas de cobertura
vegetal no estado do Tocantins, para implantação de atividades agro-
pecuárias, com recorte espacial de 1988 a 2021.

2. Procedimentos Metodológicos, Resultados e Discussão

2.1. Área de estudo

O Tocantins é um estado brasileiro localizado no centro-norte


do país, limitado pelos estados do Maranhão, Pará, Mato Grosso, Goi-
ás e Bahia (Figura 1). É o único estado criado no século XX, em 1988.
Conforme dados do IBGE (2021), o estado do Tocantins tem popula-
ção estimada em 1.607.363 habitantes.
No estado do Tocantins encontra-se tanto as áreas de transi-
ção entre o bioma Floresta Amazônica e o Cerrado. De acordo com o
PROBIO (2007), a Amazônia é considerada a maior floresta tropical do
mundo, este tipo de vegetação ocupava cerca de 8,79% do Tocantins.
Quanto ao cerrado, este bioma ocupava originalmente 91,21% do ter-
ritório tocantinense (Silva, Mendes, 2020).
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 63

Figura 1. Mapa de localização do Estado do Tocantins.

Fonte: Silva, (2022)

No estudo realizado por Silva (2007), dos cinco grandes tipos


de vegetação que formam as províncias vegetacionais que cobrem o
país, o Tocantins apresenta duas: a Floresta Amazônica de terra firme,
ou Floresta Ombrófila, e a Savana, denominados, respectivamente,
de Bioma Amazônia e Bioma Cerrado. Silva, (2007) também citou que
no domínio Amazônico estão as regiões de Floresta Ombrófila Den-
sa (Aluvial, Terras Baixas, e Submontana) e Floresta Ombrófila Aberta
(Terras Baixas e Submontana); e no domínio Extra-Amazônico as regi-
ões de Floresta Estacional Decidual e Semidecidual, e Savana (cerra-
do, cerradão, campo-cerrado, parques, campo limpo e campo rupes-
tre), como mostra a figura 2.
A morfologia geográfica do Tocantins é predominantemente
plana, com pequenas elevações em algumas áreas. Campolia et al.
(2012) classifica a topografia como sendo caracterizada por planícies
intercaladas com colinas e montanhas localizadas principalmente na
região oeste. A parte central do estado apresenta um relevo mais ele-
vado, com elevações que variam entre 700 e 1.000 metros. A região
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 64

norte é mais plana, enquanto a região sul apresenta um relevo mais


acidentado. Conforme IBGE (2021) sua economia é baseada princi-
palmente na agricultura, pecuária, exploração florestal e turismo.

Figura 2. Mapa de vegetação do Estado do Tocantins.

Fonte: Silva, (2007)

3. Procedimentos metodológicos

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, consultas em órgãos


públicos, como a Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e De-
senvolvimento Agrário (SEAGRO-TO), Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística (IBGE), Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hí-
dricos (SEMARH-TO) e Secretaria de Planejamento do Estado de To-
cantins (SEPLAN/TO), além disso, foi realizado a elaboração de ma-
pas de localização do estado do Tocantins e de cobertura vegetal e
uso da terra da área estudo. Para elaboração de mapas de cobertura
e uso do solo, foram utilizadas imagens dos anos de 1988 e 2021, as
quais foram obtidas da plataforma do MapBiomas.
O shape da cobertura vegetal e uso da terra da área em estudo,
foi exportado da plataforma do MapBiomas por meio do Google Earth
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 65

Engine (GEE) e em seguida utilizado no SIG QGis versão 3.22.2. Para


realizar a execução de pós-classificação foram selecionados os dados
referentes a formação florestal, savana, formação campestre, agricul-
tura, pastagem e área urbanizada, informações consideradas mais in-
teressantes ao artigo. No processo foi utilizado a paleta de cores RGB
da coleção 7 do MapBiomas para reclassificação necessária de co-
res, além disso, foram elaborados os layouts dos mapas, assim como a
quantificação dos valores de área e as classes temáticas de cada ano.
Para a quantificação de valores, foi realizada uma avaliação com-
parativa entre os anos de 1988 e 2021 dos dados contidos na coleção 7
do MapBiomas de mapas de uso e cobertura da terra. Foram filtradas as
informações do Estado do Tocantins e em seguida, foi gerado um gráfico
de linha, para melhor disposição e compreensão dos resultados obtidos.

4. Resultado e Discussão

Os resultados obtidos sobre as mudanças da cobertura vege-


tal e uso do solo do estado do Tocantins no recorte temporal de 1988
a 2021 estão apresentados na figura 3 e no gráfico 1.

Figura 3. Análise do uso e cobertura do solo do Estado do Tocantins


nos anos de 1988 e 2021.

Fonte: Silva, (2023).


HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 66

Gráfico 1. Análise do uso e cobertura do solo do Estado do Tocantins


nos anos de 1988 e 2021 (2023).

Fonte: Silva, (2023).

A pastagem para implantação da atividade de pecuária foi a


classe temática que mais cresceu no período avaliado. No ano de
1988 havia 3.645.189 ha de áreas ocupadas com pastagem no esta-
do do Tocantins, e no ano de 2021 passou a ocupar 6.394.545 ha, o
que representa um aumento de aproximadamente 100%. Esses da-
dos refletem no aumento da produção de carne bovina no estado, que
de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de
Carnes (ABIEC), o Tocantins exportou mais de 140 mil toneladas de
carne bovina no ano de 2021.
Em relação à agricultura, no ano de 1988 havia 19.870 ha
de área destinada a essa atividade, e no ano de 2021 passou para
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 67

1.323.138 ha. Esse aumento significativo, teve o intuito de acompa-


nhar o desenvolvimento da agricultura no Tocantins, principalmente,
no cultivo de grãos. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecu-
ária e Abastecimento (2022), a soja e o milho são as principais cultu-
ras agrícolas cultivadas no estado do Tocantins, tendo registrado co-
lheitas recordes em 2021, com produção de 6,1 milhões de toneladas
de soja e quase 2,8 milhões de toneladas de milho.
O aumento de atividades agropecuárias acarretou a perda de
3.779.327 hectares de vegetação nativa no Tocantins, sendo que as
áreas inseridas no bioma cerrado foram as mais alteradas. Os registros
das imagens de satélite demonstraram que em 1988 havia 13.599.696
ha, no ano de 2021 a área do cerrado diminuiu para 10.735.431 ha, ou
seja, uma perda de 2.864.265 ha.
Segundo o Censo Agropecuário realizado pelo IBGE (2017), o
estado do Tocantins possui 63,8 mil estabelecimentos agropecuários,
totalizando 15,2 milhões de hectares. Para Santos et al. (2017), existe
uma concordância de que as alterações temporais no uso e cobertura
da terra são as maiores condutoras de mudanças ambientais locais,
regionais e globais, pelo fato de sua intervenção refletir diretamente
nas condições climáticas. O efeito da intervenção está diretamente re-
lacionado à remoção da cobertura vegetal original, o que afeta os ci-
clos biogeoquímicos, a biodiversidade e as atividades humanas. (SI-
MON et al., 2010). Em análise temporal também se observa que as
formações florestais do Estado do Tocantins perderam 16% de cober-
tura vegetal, em comparação com o ano de 1988 e 2021
Vale ressaltar que ao longo dos 32 anos avaliados neste estu-
do, o estado do Tocantins apresentou uma perda de cobertura vegetal
de aproximadamente 15,2 milhões de hectares, devido às atividades
agropecuárias. Ao analisar os atuais sistemas produtivos no Estado do
Tocantins percebe-se que a maioria deles é linear, pois ocorre na se-
guinte sequência: extração, produção, consumo e descarte/abandono
(Fragoso e Cardoso, 2022). Do ponto de vista ambiental (recursos na-
turais finitos) esse sistema é insustentável, pois gera inúmeros proble-
mas sociais, econômicos e ambientais relacionados, dentre outros, ao
aparecimento de milhares de hectares de florestas secundárias, sa-
vanas e/ou formações campestres, abandonadas, degradadas ou até
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 68

mesmo improdutivas, devido à redução da capacidade produtiva do


solo, em decorrência do uso intensivo. Afinal, solo submetido a cultivo
intensivo tem a sua estrutura original alterada, tanto em níveis de po-
ros quanto na densidade do solo. (Deus; Bakonyi, 2012).
A atividade agrícola quando pautada apenas nas questões eco-
nômicas e de alta produção pode contribuir significativamente para a
degradação dos recursos naturais, redução da qualidade ambiental e
agravamento de problemas sociais (Fragoso e Cardoso, 2022). No es-
tado do Tocantins, a cobertura vegetal tem sido cada vez mais impor-
tante para a preservação e conservação dos recursos hídricos, da bio-
diversidade, da paisagem e da qualidade de vida da população (Coe-
lho, 2011). Por isso, é importante que sejam implementadas medidas
para reduzir os impactos ambientais causados pelas atividades agro-
pecuárias, como incentivar o uso de técnicas de manejo adequado do
solo, o uso de agrotóxicos com menor impacto ambiental e práticas de
conservação de áreas degradadas.

Considerações Finais

Houve um significativo crescimento da atividade pecuária no


estado do Tocantins nos últimos anos, a qual, representou a maior
ocupação do uso do solo com 6.394.545 ha. A atividade agrícola ocu-
pou uma área menor em comparação à pecuária, no entanto, a sua
expansão passou de 19.870 ha para 1.323.138 ha. Essa expansão
agropecuária acarretou em uma perda de 3.779.327 hectares de ve-
getação nativa no Tocantins, em comparação ao ano de 1988 e 2021.
O aumento dessas atividades agropecuárias, tiveram um impacto ne-
gativo na vegetação do estado do Tocantins, principalmente, sobre o
bioma cerrado, com a maior perda de sua vegetação nativa, 2.864.265
ha. Esse quadro sinaliza a necessidade de adoção de políticas públi-
cas de conservação do meio ambiente e de utilização sustentável dos
recursos naturais, de forma a garantir a preservação da biodiversidade
e a manutenção do equilíbrio ecológico no estado do Tocantins.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 69

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HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 72

CAPÍTULO 5

COCOCI, A CIDADE ESQUECIDA PELO TEMPO:


A MATERIALIZAÇÃO DA MEMÓRIA ATRAVÉS DO CINEMA

COCOCI, THE CITY FORGOTTEN BY TIME: THE


MATERIALIZATION OF MEMORY THROUGH CINEMA

Cheyenne de Oliveira Alencar


Centro Universitário Dr. Leão Sampaio
Juazeiro do Norte – Ceará
cheyenne.alencar96@gmail.com

Francilda Alcântara Mendes


Centro Universitário Dr. Leão Sampaio
Juazeiro do Norte – Ceará
https://orcid.org/0000-0001-7606-3559
francilda@leaosampaio.edu.br

Juliana Rodrigues Barreto Cavalcante


Universidade Federal da Paraíba
Universidade de Fortaleza
Fortaleza- Ceará
https://orcid.org/0000-0002-4348-5074
julianacavalcantedv@gmail.com

RESUMO
O presente trabalho busca compreender de qual forma o audiovisu-
al pode ser utilizado como ferramenta metodológica na preservação
de memórias coletivas, utilizando como objeto para estudo de caso
a cidade de Cococi, localizada no interior central do Ceará, esqueci-
da pelo tempo. A pesquisa se utiliza da revisão de literatura acerca de
conceitos cruciais como patrimônio cultural imaterial e material, me-
mórias, identidade e audiovisual, assim como levantamento documen-
tal, cinematográfico e bibliográfico envolvendo a cidade estudada, em
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 73

busca de propor alternativas de preservação ao patrimônio imaterial


cultural brasileiro, e melhorias na economia local, por meio do audio-
visual. Concluiu-se, a partir do estudo realizado, que é necessário es-
timular medidas que revitalizem locais esquecidos pelo tempo e pela
população, não apenas para a preservação sua riqueza histórico-cul-
tural, mas também para fomentar oportunidades econômicas para as
comunidades locais.
PALAVRAS-CHAVE: Cococi; Patrimônio Cultural; Audiovisual; Memó-
ria Coletiva.

ABSTRACT
The present work seeks to understand how the audiovisual can be
used as a methodological tool in the preservation of collective memo-
ries, using as an object for case study the city of Cococi, located in the
central interior of Ceará, forgotten by time. The research uses the lit-
erature review about crucial concepts such as intangible and material
cultural heritage, memories, identity and audiovisual, as well as doc-
umentary, cinematographic and bibliographic survey involving the city
studied, in search of proposing alternatives for the preservation of the
Brazilian intangible cultural heritage, and improvements in the local
economy, through the audiovisual. It was concluded, from the study
carried out, that it is necessary to stimulate measures that revitalize
places forgotten by time and population, not only for the preservation
of their historical-cultural richness, but also to foster economic oppor-
tunities for local communities.
KEYWORDS: Cococi; Cultural Heritage; Audiovisual; Collective Memory.

1. Introdução

O patrimônio cultural e natural, material e imaterial, permanece


sob risco de desaparecimento nas suas diferentes escalas (internacio-
nal, nacional, local). Tais riscos advêm da insustentabilidade do mo-
delo de desenvolvimento e da desenfreada intervenção antrópica. Se
a preocupação é com a sustentabilidade do patrimônio natural, preci-
samos caminhar em direção a uma visão holística de que não separa
natureza e sociedade, que não considera que a felicidade se encontra
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 74

no consumo, que não separa a condição material e imaterial como re-


alidades distintas. Isso requer reconhecer a imprescindível necessida-
de da participação social a legitimar as ações públicas em prol de uma
conservação integrada, que articule as políticas de proteção do patri-
mônio com as demais políticas públicas, no intuito de viabilizar e ga-
rantir a sua conservação (Hartog, 2006).
Este trabalho busca analisar como a sétima arte pode ser utiliza-
da como meio de resgate e preservação da história e identidade da ci-
dade de Cococi, contribuindo para a valorização e conservação do patri-
mônio cultural urbano. Segundo Pinheiro (2013), é a memória a grande
responsável pela preservação da nossa história, seja ela pessoal, pro-
fissional ou coletiva, pois cada ser humano tende a cumprir uma trajetó-
ria que não pertence apenas a si, ao mesmo tempo em que a constru-
ção desta memória é capaz de nos conectar através de fios invisíveis a
grande memória coletiva de uma cultura ou sociedade a que pertence-
mos. “Eis porque a memória desperta tanto fascínio e tanto medo”.

O cinema constitui uma linguagem, uma existência cine-


matográfica na qual estruturas narrativas e visuais rela-
cionadas com o espaço e o tempo se articulam e lidam
com o real, ou ilusão deste, através de um movimento
que é imaterial, que só se mostra visualmente, mas que
sugere, projeta a materialidade a corporalidade de uma
ilusão. Assim o real é irresistivelmente confundido com
o tangível, já que o cinema lida com sombras e luzes,
e o critério da materialidade passa pelo tátil (Sarmento,
2012, p. 188).

Ao construirmos uma breve análise acerca das manifestações


guardadas em nossas memórias, como uma imagem mental, a re-
cordação de um instante ou mesmo a imaginação deste pensamen-
to em um conjunto de imagens construídas em nossa mente com co-
res, movimentos, sons... estaremos pensando no cinema, pois, des-
de seu surgimento no século XIX, o cinema vem registrando memórias
sejam verdadeiras ou não. “O cinema carrega a missão- ou maldição-
de eternizar o tempo” (Pinheiro, 2013).
Os filmes desenvolveram uma linguagem audiovisual que se
tornou dominante no planeta. O padrão de organização de imagens,
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 75

sons criados pela linguagem cinematográfica tem, desde então, in-


fluenciado nossas maneiras de conceber e representar o mundo, nos-
sa subjetividade, nosso modo de vivenciar nossas experiências, de ar-
mazenar conhecimento e transmitir informações (Costa, 2005, p. 17).
Quando idealizamos a produção de um filme, visualizamos uma
série de fatores que precisam manter ordem de seguimento para que
o produto se transforme em um resultado final. Primeiro, surge uma
história, seja ela vinda de uma imagem, uma memória ou uma motiva-
ção do imaginário, e, a partir desse despertar é que surge uma narra-
tiva, que é a organização do conhecimento e a experiência acerca da
história daquele patrimônio.
Ao pensarmos na ideia de memória, especificadamente voltan-
do a uma vivência do passado, presente ou um futuro idealizado, es-
tamos transformando essas tradições orais para as formas escritas, e,
posteriormente, para o próprio cinema, que, por sua vez, nos mostra
como funciona nossa própria memória. Passado e presente coexistem
em um mesmo momento, dentro do cinema, e o passado, que já foi
presente, é contemporâneo do presente, que já foi passado.
Investigar o papel do cinema na preservação da identidade cul-
tural de cidades esquecidas levantando hipóteses de como as repre-
sentações audiovisuais podem capturar nuances históricas e sociais
pode também destravar uma problemática importante: como ter a cer-
teza de que aquelas informações que colhemos através de entrevis-
tas e relatos são, de fato, realidade? A memória é uma grande fonte
de patrimônio cultural imaterial, mas até que ponto essa narrativa cor-
responde à realidade?
Por outro lado, no sentido de proporcionar uma compreensão
mais clara das relações entre audiovisual, memória e identidade, é
possível destacar como o cinema pode ser grande promotor da valo-
rização e proteção do patrimônio cultural de cidades negligenciadas
como Cococi, objeto de estudo deste trabalho.
No curta “Dos Restos e das Solidões” (2006), cujo Diretor é Pe-
trus Cariry, com roteiro desenvolvido por Petrus Cariry e Rosemberg
Cariry, é possível visualizar uma cidade engolida pelo tempo, e, em
meio aos seus destroços temos dona Laura, uma senhora de 70 anos,
que narra saudosamente os momentos vividos no passado: sobre al-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 76

guns, a memória é tão clara que seria impossível questionar; sobre ou-
tros, ela busca com dificuldade, no fundo da memória, se certificar so-
bre a real ocorrência daquele fato. O tempo, os destroços, e a vivência
solitária em um lugar fantasma, causam bagunça nas lembranças da-
quela senhora, que, por vez, confunde-as com seu próprio imaginário.
O cinema simboliza a memória de qualquer ser humano que,
em algum momento, já tenha sido transformado em imagens por uma
câmera, como em recordações da infância, aniversários, férias, nas-
cimentos, formaturas e tantos outros marcos. A imagem é um tipo de
testemunho, seja ficção ou documentário, vídeo caseiro ou grandes
produções, comprovando que o foi mostrado, um dia aconteceu.
Localizada no interior do Ceará, Arcococi (Cococi) conhecida
como a cidade fantasma, por conta de sua história e por encontrar-se
em destroços, e com o turismo inexplorado devido à grande dificul-
dade de acesso ao local, parece ter virado apenas uma memória nos
fragmentos do passado.

2. Procedimentos metodológicos, resultados e discussão.

2.1. Metodologia

A pesquisa se utiliza da revisão de literatura acerca de concei-


tos cruciais como patrimônio cultural imaterial e material, memórias,
identidade e audiovisual, assim como levantamento documental, ci-
nematográfico e bibliográfico envolvendo a cidade de Cococi, locali-
zada no interior central do Ceará, em busca de propor alternativas de
preservação ao patrimônio imaterial cultural brasileiro, e melhorias na
economia local, por meio do audiovisual.

2.2. Referencial teórico

A partir da ideia de que a cultura material está incrustada às


nossas vidas, observa-se que nascemos, crescemos e morremos in-
teragindo com as mais diversas materialidades, criadas dentro de dife-
rentes propósitos: são as estruturas, objetos e modificações que com-
põe os nossos espaços de lazer, trabalho, moradia, entre inúmeras
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 77

outras possibilidades (Funari, 2001, p. 04), ou seja, sua construção


provém do processo de desenvolvimento humano. E ao reconheci-
mento deste conjunto de tradições materiais e imateriais, e de repre-
sentatividade simbólico-valorativa para um povo atribui-se a ideia de
patrimônio cultural.
Hodiernamente, compreende-se que “o patrimônio é o legado
que recebemos do passado, vivemos no presente e transmitimos às
futuras gerações. Nosso patrimônio cultural e natural é fonte insubsti-
tuível de vida e inspiração, nossa pedra de toque, nosso ponto de refe-
rência, nossa identidade” (UNESCO, 2017). Conforme Carlos Frederi-
co Marés de Souza Filho (2006, p.15), o patrimônio natural é compos-
to pela terra, água, o ar, a flora, a fauna, as edificações, as obras de
arte e os elementos subjetivos e evocativos, como a beleza da paisa-
gem ou a lembrança do passado, inscrições, marcos, ou sinais de fa-
tos naturais ou da passagem dos seres humanos.
A expressão patrimônio cultural foi adotada na Constituição de-
mocrática de 05 de outubro de 1988, de modo a compreender os bens
de natureza material e imaterial tomados de forma individual ou em
conjunto, referenciando à identidade, à ação e à memória dos diferen-
tes grupos formadores da sociedade brasileira.
Com a Constituição de 1988, o conceito de patrimônio cultural
sofreu sua mais significativa ampliação no que diz respeito à materia-
lidade ou imaterialidade dos bens culturais tutelados, pois os valores
conferidos aos bens culturais e às práticas sociais foram abarcados
pelo princípio da referencialidade, no bojo do texto constitucional, ba-
lizado mediante atuação do poder público com a colaboração da so-
ciedade, de forma a compreender como patrimônio cultural brasileiro:
as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver; as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
-culturais; e, por fim, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cien-
tífico (Brasil, 1988).
Considera-se patrimônio cultural brasileiro aqueles bens de natu-
reza material e imaterial que possuam referência à memória, à identifica-
ção e à ação dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 78

As memórias são importantes registros vividos que partem das


lembranças e eternizam lugares como referências e cenários para
uma constante visita ao passado, trazendo em si, os mais diversos
sentimentos documentados e aflorados em narrativas, sonhos e per-
cepções.
A memória é reconhecida por meio da transmissão de histórias,
saberes, relatos, documentos, e formas simbólicas de expressão, no
intuito de reconhecer fatos e acontecimentos que representaram um
marco na história. Nos fragmentos da memória encontramos atraves-
samentos históricos e culturais; fios e franjas que compõem o tecido
social, o que nos permite ressignificar o trabalho com a memória como
uma prática de resistência.
Salienta-se que o espaço reservado ao direito à memória vem
se alargando nos debates acadêmicos, sobretudo em razão da sua
crescente relevância social. O patrimônio cultural é objeto da memó-
ria, ao passo que o objeto do direito à memória é a preservação deste
patrimônio (Pazzini; Sparemberger; 2014, p. 4528).
Fabiana Dantas (2010, p. 66) propõe o conceito para o direito
à memória como “o poder de acessar, utilizar, reproduzir e transmitir
o patrimônio cultural, com o intuito de aprender as experiências preté-
ritas da sociedade e assim acumular conhecimentos e aperfeiçoá-los
através do tempo”. E como direito fundamental, “a memória é o direito
subjetivo de conhecer, resgatar e refletir sobre o passado da socieda-
de, através do acesso orientado e gratuito ao patrimônio cultural brasi-
leiro, em sua dimensão tradicional” (Dantas, 2010, p. 66/67).
Nesse contexto, temos também os lugares de memória, que
“são lugares, com efeito, nos três sentidos da palavra, material, sim-
bólico, funcional” (Nora,1993). Neste mesmo sentido, Gastal (2002)
completa afirmando que, “conforme a cidade acumula memórias, em
camadas que, ao somarem-se vão constituindo um perfil único, surge
o lugar de memória [...] onde a comunidade vê partes significativas do
seu passado com imensurável valor afetivo”.
De acordo com Inês Virginia (2011), os lugares de memória são
um recurso fundamental para a efetividade dos direitos humanos e,
para o ordenamento jurídico brasileiro. Já a identidade, por sua vez, é
fundamental para a legitimação de um grupo social, mas deve ser nor-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 79

teada, como por exemplo, com ideais de regionalidade, religião, etnia,


ou práticas sociais. E é com paredes rachadas em grande estado de
deploração e casas abandonadas que nos deparamos com esse ce-
nário ao chegar em Cococi, com um espaço vazio que antes fora cha-
mado de cidade.
Cococi está localizada na região dos Inhamuns, a 43 km do
município de Parambu, no Ceará, sua atual sede municipal; e fica a
cerca de 409 quilômetros da capital cearense – Fortaleza. O peque-
no trajeto de Cococi foi suficiente para ser palco de grandes disputas
pelo poder político municipal. Tais conflitos ocorriam dentro do grupo
dos Feitosa, família tradicional da região, onde a decadência de Co-
coci marca essas agitações, assim como o uso da violência arbitrária
de alguns membros da família. Outro aspecto foi o fato dessa forma-
ção urbana estar localizada em uma propriedade privada, pertencente
aos Feitosa, concedida a eles no período da colonização, por meio da
distribuição das sesmarias. Todavia, os desentendimentos familiares
provocaram a tensões dentro do seio familiar, fazendo com que, pos-
teriormente, essa cidade fosse abandonada pela população que resi-
dia no local (Costa, 2017).
As lembranças e experiências de vida que norteiam a cidade
de Cococi, se fazem presentes nas memórias daqueles que um dia lá
residiram, vivenciaram ou até mesmo visitaram, mesmo que por pou-
co tempo, mas partilharam de experiências e sociabilidades na esque-
cida cidade.

2.3. Resultados e discussões

O escritor Jeferson Soriano (2022), em sua pesquisa sobre o


desenvolvimento de um possível museu da cidade de Cococi, afirma
que cada vez mais turistas demonstram interesse nos museus como
uma das primeiras atividades turísticas a serem vivenciadas por conta
da sua capacidade de expor e contar a história cultural de um determi-
nado lugar, motivação primordial para que fosse viabilizado o projeto
do museu de Parambu sobre a cidade de Cococi, com início em 2008.
O aumento do turismo, as relações econômicas e sociais potenciali-
zariam o projeto com afinidades de aprendizagem como a busca pelo
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 80

desenvolvimento regional sustentável realizando um trabalho integra-


do com a população local; destacando o impacto econômico positivo
em sua área de implantação pelo canal de turismo cultural e científico.

3. Preservando Narrativas: A riqueza das tradições orais e suas


memórias vivas.

No ano de 2008, um grupo de pesquisadores arquitetos, muse-


ógrafos, restauradores, dentre outros profissionais, tomados pela in-
quietude da “cidade fantasma”, como é popularmente conhecida Co-
coci, procurou dialogar com o poder público e a comunidade para jun-
tos, pensarem estratégias de musealização da cidade, à luz da discus-
são sobre patrimônio imaterial, bem como a preservação do patrimô-
nio pode ser abordada como processo de musealização. Entretanto,
findando em frustração, o projeto não progrediu.

Infelizmente, desafios de ordem prática se interpuseram


à continuidade do projeto, especialmente por conta da
gestão de recursos pela prefeitura ter afetado o paga-
mento de etapas do trabalho já realizadas pela equipe,
que entregou relatórios e prestações de contas ao IPHAN
no início de 2009, informando a impossibilidade de pros-
seguir (Cândido, 2014).

Segundo Pelegrini (2017), a cultura material é compreendida


como algo concreto em sua totalidade no mundo físico como seus ar-
tefatos. Por outro lado, quando se fala em cultura imaterial é possível
entendê-la como algo intangível, como saberes e costumes passados
de geração em geração. Partindo dessa reflexão, este trabalho busca
alternativas no campo do audiovisual para a preservação desse patri-
mônio intocável, e tão rico, através de produções que possam captar
imagens, sons e provocar o senso de pertencimento das nossas me-
mórias que percorrem o risco do esquecimento.
De acordo com Rosália Duarte (2016), o cinema de cada um é
um conjunto de fragmentos que nos tocam através das produções fíl-
micas. Assim como as memórias, não há como registrar todos os mo-
mentos, e todos os detalhes, como vimos anteriormente, por vezes, a
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 81

memória tende a ser falha, mas a produção audiovisual consegue ca-


minhar por lugares a fim de trazer veracidade e continuidade para es-
timulação dessas memórias adquiridas ao longo do tempo. O cinema
de cada um, de Rosália Duarte, traz a reflexão de que a sua maior fi-
nalidade é a interpretação da realidade, a forma como compreende-
mos as experiências e idiossincrasias humanas através do cinema.
Em 2016, Petrus e Rosemberg Cariry produziram um filme-do-
cumentário chamado “Dos Restos e das Solidões”, premiado em vá-
rios festivais nacionais e internacionais, onde carrega as falas nostál-
gicas de dona Laura, uma habitante que vive na cidade fantasma à
mercê das memórias de um tempo que não volta mais. A imagem em
plano aberto (planos mais abertos são descritivos, ajudam a ambien-
tar e situar o espectador na história) de Dona Laura, sentada numa ca-
deira de madeira em sua calçada, lamenta saudosamente a lembran-
ça de uma cidade que poucos conheceram:

Imagem 1: senhora sentada à cadeira (captura de tela do Youtube)

“Era um lugar muito animado, tinham umas festas boas, fes-


ta em igreja, festa dançante, tudo tinha, tudo existia de bom aqui.
Não parecia ser um lugar tão pequeno né? Tão atrasado. (...) até
que se acabou.”
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A cena nos faz refletir acerca do esquecimento de lugares, que


antes tinham importância para uma determinada sociedade em deter-
minado ponto no tempo e no espaço. A ideia de que “o ser humano
é dotado de duplo estatuto de cultura e natureza” (Marchesan, 2007,
p. 94) deve ser conferida pelas legislações no intuito de garantir que
o meio ambiente natural e cultural devam ser conservados enquanto
necessários ao bem-viver dos cidadãos; e isso impõe a necessidade
de o Poder Público evitar a especulação imobiliária, em determinados
edifícios históricos, e tratar com sensibilidade projetos de musealiza-
ção de locais que não possuem mais habitante, o que pode ser aplica-
do a prédios e cidades abandonadas, como é o caso de Cococi, que
apesar de sua franqueada importância histórica ter sido reconhecida,
hoje resiste ao tempo e ao esquecimento.

3.1. Capturando o passado: Desafios na produção audiovisual

A relação cinema- memória proposta nesta pesquisa tem a fi-


nalidade de trazer uma reflexão sobre como o cinema pode contribuir
para a preservação dessas tradições orais e, consequentemente, pro-
mover o desenvolvimento regional através do turismo.
Hodiernamente, grande parte das cidades e prédios que se en-
contram em situação de destroços, são locais que atraem vários turis-
tas e curiosos, centros de preservações, e, em alguns casos, tornam-
-se cenário de filmes que buscam reconstituir aquilo que passou. An-
dré Bazin, crítico de cinema, acredita que as imagens (fotografias) e
pinturas serviram apenas para “preparar o terreno” para o cinema, um
verdadeiro registro realista do mundo.

O aparecimento da fotografia ofuscou a capacidade da câ-


mera obscura de refletir imagens em movimento e enco-
rajou ainda mais as comparações entre a memória e ima-
gens fixas, e o posterior aparecimento do cinema abre no-
vamente caminho para uma noção da memória em analo-
gia com a imagem em movimento (Costa, 2020).

Entretanto, quando refletimos que o cinema também se desen-


volve através do funcionamento da memória, uma das principais asso-
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 83

ciações é a capacidade de criar elos intuitivos na memória do expecta-


dor. Uma das maiores transmissões coletivas é realizada por meio da
narrativa fílmica - narrar é organizar o conhecimento experimentado.

Narrar é organizar o conhecimento e a experiência de um


grupo e partilhar este patrimônio, explicar a vida pelo po-
der dos mitos, fazer circular lendas, exemplificar como os
homens lidaram com problemas no passado e suas solu-
ções. Narrar é mobilizar um patrimônio cultural e social,
complexo e rico, de todas as existências humanas já vivi-
das. Este patrimônio migrou da oralidade para as formas
escritas e posteriormente para o cinema, que coloca em
circulação os mitos e arquétipos em nosso tempo. A ima-
gem em movimento e o som apenas dão um caráter mais
verossímil às narrativas (Pinheiro, 2022).

Ao desenvolver um projeto de audiovisual, o produtor pode se-


guir diferentes metodologias e fluxos, principalmente, ao lidar com a
ideia de memória sobre algum fato, que, inclusive, pode sofrer am-
biguidade, tendo em vista a indeterminação de narrativas. Segundo
March Bloch (2021, p.117), “a incerteza está, portanto, em nós, em
nossa memória, ou na memória de nossas testemunhas; não nas coi-
sas. É por pensar na memória como fruto de incerteza que também
existem modificações nos armazenamentos de nossa própria existên-
cia. Quanto mais envelhecemos, mais a nossa memória tente a es-
quecer de fatos vividos; e é aí que reside a importância de gravar me-
mórias coletivas por meio de instrumentos, como o audiovisual, no
sentido de garantir a perpetuação de saberes, crenças, acontecimen-
tos, e bens culturais para as gerações futuras.
A título de reflexão: durante uma entrevista, indaga-se determi-
na situação que o entrevistado viveu há bastante tempo; ele tentará se
recordar da história, podendo ou não ter a claridade da vivência que
passou, ou até mesmo criando falsas memórias.

O cinema moderno apresenta narrações nas quais não


temos certeza se estamos diante da narrativa em si, dos
sonhos, lembranças ou devaneios do personagem. A for-
ça da causalidade é diluída, com causas sem efeito e
efeitos sem causas aparentes. Repentinamente, uma
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 84

cena pode ser invadida por imagens de um passado não


identificado ou nomeado. O próprio ato de narrar se torna
objeto da narrativa (Pinheiro, 2022).

Um exemplo de filme construído sobre a narrativa da memória


é “O brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004), que explora
a complexidade das relações humanas a contar a história de um casal
que decide apagar as lembranças um do outro através de um proce-
dimento. O filme questiona se a ausência da lembrança (memória) se-
ria uma benção ou uma maldição. Por outro lado, ainda em 2004, te-
mos outra grande produção fílmica chamada “Como se fosse a primei-
ra vez” onde a protagonista possui um distúrbio que a impede de lem-
brar o que aconteceu no dia anterior e através de uma série de regis-
tros fílmicos do cotidiano dela (vivido nos dias anteriores) é possível
que ela se recorde quem é.
Durante a produção de um filme, é necessário determinar que
tipo de produção será desenvolvida: uma ficção, um documentário, um
romance, uma comédia; qual o gênero e formato que irá utilizar. O fil-
me documentado, como dos restos e das solidões traz algumas nar-
rativas de uma senhora que viveu na cidade de Cococi, no interior do
Ceará, sendo assim, podemos considerar um documentário, pois re-
gistra o que aconteceu no mundo real. Já a ficção, esta é considerada
como a criação de uma história, um mundo imaginário. Termos uma
ideia não significa termos um filme, pois, muito antes, é preciso obser-
var as seguintes questões básicas: O que quero mostrar? Como mos-
trar? Por que mostrar? Quem é o meu/minha personagem? Como ele/
ela irá agir?
Questões como as acima descritas podem direcionar melhor as
entrevistas, bem como a apresentação do produto audiovisual. É pos-
sível se utilizar de materiais específicos, como câmeras, lapela, refle-
tor, dentre outros, para que possa compor melhor o espaço ao redor,
prezando por uma maior qualidade para a fotografia do vídeo. Tam-
bém é possível criar curtas a partir de recursos simples, por meio da
iluminação natural e de um aparelho celular. O importante é registrar
essas memórias que constituem patrimônio imaterial da nossa cultura,
pois a incerteza do tempo é o nosso maior desafio.
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Acredita-se que através da produção audiovisual é possível


promover a conscientização da coletividade por meio do turismo res-
ponsável. Ao revitalizar esses locais esquecidos não apenas para pre-
servação da história, arquitetura e memória, mas também para fomen-
tar oportunidades econômicas para as comunidades locais. O turismo
pode servir como um catalisador para a restauração desses espaços,
desenvolvendo empregos, promovendo o comércio local e estimulan-
do projetos de preservação ambiental, estabelecendo uma simbiose
entre conservação e prosperidade, transformando lugares abandona-
dos em destinos sustentáveis.
O turismo responsável dialoga com a ideia de museologia e pa-
trimonialização, que têm auxiliado as pessoas ao redor do mundo na
compreensão da história. Trata-se da assimilação do passado e a pre-
sença das pessoas no tempo, pois a história do patrimônio é exatamen-
te a história da maneira como uma sociedade constrói seu patrimônio.

Considerações Finais

Este trabalho buscou compreender como o recurso audiovisu-


al pode ser utilizado como ferramenta para a preservação de memó-
rias coletivas, utilizando como objeto para estudo de caso a cidade de
Cococi, localizada no interior central do Ceará, esquecida pelo tempo.
A partir da análise, verificou-se que Jeferson Soriano (2022),
em sua pesquisa sobre o desenvolvimento de um possível museu da
cidade de Cococi, afirma que cada vez mais turistas demonstram inte-
resse nos museus como uma das primeiras atividades turísticas a se-
rem vivenciadas por conta da sua capacidade de expor e contar a his-
tória cultural de um determinado lugar.
Compreendeu-se que a memória figura como parte da cidada-
nia cultural, promotora da coesão cultural e intrínseca à formação da
identidade e da diversidade cultural de grupos. Ademais, transcende a
esfera individual, e funciona, especialmente, no âmbito da coletivida-
de, vislumbrando as seguintes acepções jurídicas: direito à integrida-
de do passado; à veracidade; à reserva; direito ao acesso às fontes da
cultura nacional; direito de criar memória; e, por fim, direito de transmi-
ti-la. A ausência de memória coletiva implicaria, pois, o esquecimento
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 86

de crenças, saberes, valores e normas de conduta dos povos, portan-


to, malferiria os direitos culturais e a própria democracia.
Concluiu-se que, com relação à Cidade de Cococi, é necessá-
rio estimular medidas que revitalizem locais como este, esquecidos
pelo tempo e pela população, não apenas para preservação sua rique-
za histórico-cultural, mas também para fomentar oportunidades eco-
nômicas para as comunidades locais.
Por meio da patrimonialização e desenvolvimento de museus na
cidade, seria possível o aumento do turismo responsável, integrando as
relações econômicas e sociais e potencializando afinidades de aprendi-
zagem como a busca pelo desenvolvimento regional sustentável, a prote-
ção do patrimônio cultural e das memórias coletivas, e o impacto econô-
mico positivo em sua área de implantação pelo canal de turismo cultural.
É importante compreendermos que o campo cultural vive em
constante mutação que instiga a prática dialógica com diferentes gru-
pos sociais em busca de sua identidade. O patrimônio histórico e cul-
tural de um povo se mantém, portanto, vivo graças às práticas de me-
mória que o revestem. Assim, sua história se dá justamente àquela
que a sociedade constrói, e sua compreensão deriva dessas constru-
ções sociais no tempo.

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SOBRE O ORGANIZADOR

Márcio Mota Pereira

Nasceu em 1983 em Belo Horizonte, Brasil. É bacharel e licenciado


em História (2008) pela Universidade Federal de São João del-Rei,
mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais (2013) pela Fundação
Getúlio Vargas e doutor em História (2018) pela Universidade Federal
de Minas Gerais. Possui interesse nas seguintes linhas de pesquisa:
Educação e suas interfaces com a História, História Moderna (educa-
ção, saberes, artes e ciências nos séculos XVIII e XIX), História Am-
biental e Patrimônio (ambiental, histórico, cultural material e imaterial).
É autor dos seguintes livros: O Parque Nacional do Itatiaia e a Histó-
ria Ambiental no Brasil (2022) e Paulo Freire: por uma pedagogia sem
fronteiras (2023).
HISTÓRIA E MEIO AMBIENTE | 90

ÍNDICE REMISSIVO

A R
Agricultura, 59 Racismo Ambiental, 31
Arqueologia, 47
Audiovisual, 73 V
Vegetação nativa, 59
C
Cococi, 73
Conservacionismo, 10

D
Degradação ambiental, 59
Desenvolvimento, 31

E
Economia Ecológica, 31

H
História Ambiental, 47
História e Manejo, 47

M
Manejo Ambiental, 47
Meio Ambiente, 10
Memória Coletiva, 73

P
Parque Nacional do Itatiaia, 10
Patrimônio Cultural, 73
Pecuária, 59
Política ambiental, 10
Primeira República, 10

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