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Fundação Biblioteca Nacional

ISBN 978-65-5821-044-3

9 786558 210443

CL I M AT OL OG I A
Código Logístico

59919

L I ND B ERG NA SC IME NTO J Ú NIO R


Climatologia
Lindberg Nascimento Júnior

IESDE BRASIL
2021
© 2021 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e
do detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Piyaset/ Galyna Lysenko/Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
N195c

Nascimento Júnior, Lindberg


Climatologia / Lindberg Nascimento Júnior. - 1. ed. - Curitiba [PR] :
IESDE, 2021.
110 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-044-3

1. Climatologia. I. Título.
CDD: 551.6
21-71562
CDU: 551.58

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Lindberg Nascimento Doutor e mestre em Geografia pela Universidade
Estadual Paulista (Unesp). Licenciado e bacharel em
Júnior Geografia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Professor adjunto do Departamento de Geociências da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde
atua nos cursos de Pós-Graduação em Geografia e em
Desastres Naturais. Pesquisa temas voltados para a
climatologia geográfica, geografia do clima e educação
geográfica das relações étnico-raciais, com foco em
impactos da variabilidade, teleconexões climáticas, clima
urbano, riscos climáticos, vulnerabilidade e cartografia
histórica da África.
SUMÁRIO
1 Introdução à climatologia 9
1.1 História da climatologia 9
1.2 Objeto e método da climatologia 14
1.3 Conceitos de tempo e clima 17
1.4 Clima e sociedade 20

2 Escalas do clima 25
2.1 Escalas espaciais e temporais 25
2.2 Escalas locais – ritmo climático 31
2.3 Escalas regionais – variabilidade climática 33
2.4 Escalas globais – mudanças climáticas 36

3 A atmosfera da Terra 42
3.1 Origem e formação da atmosfera 42
3.2 Características da atmosfera 45
3.3 Estrutura da atmosfera 47
3.4 Balanço de energia 51

4 Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 56


4.1 Elementos climáticos 56
4.2 Circulação geral da atmosfera 60
4.3 Sistemas atmosféricos 64
4.4 Fatores geográficos do clima 69

5 Climatologia aplicada 74
5.1 Classificações climáticas 74
5.2 Clima e agricultura 79
5.3 Clima urbano 83
5.4 Clima e saúde 87

6 Mudanças climáticas 91
6.1 Os climas do passado 91
6.2 Aquecimento global 95
6.3 Riscos climáticos e desastres naturais 97
6.4 O clima e o futuro da humanidade 101

7 Resolução das atividades 104


APRESENTAÇÃO
Vídeo
Em tempos de emergência climática, os conceitos de clima e de tempo
meteorológico – referente à previsão que diariamente acompanhamos
nos jornais e na imprensa –, assim como de eventos extremos, desastres
naturais, ilha de calor urbana, mudanças climáticas e aquecimento global,
nunca foram tão debatidos e nem ganharam tanta importância como
atualmente.
Este livro trata exatamente desses processos, e vamos abordá-los como
um todo, valorizando especialmente o clima como fenômeno geográfico,
ou seja, como um dos processos de produção do espaço geográfico, uma
construção social, incorporado e atravessado por uma série de contradições,
sendo melhor entendido e explicitado no conjunto das relações entre
sociedade e natureza do mundo contemporâneo.
Basicamente, partiremos do clima em suas múltiplas dimensões. Vamos
valorizar o conhecimento das suas bases físicas e biológicas, ecológicas, pois
nos auxiliam na interpretação do conjunto dos condicionantes formadores
da paisagem e dos graus de influência climática nos sistemas naturais,
humanos e produtivos. Também discutiremos como o clima é apropriado
pelos agentes sociais, sobretudo quando é utilizado como insumo econômico
ao processo produtivo.
Com essas possibilidades, podemos compreender o uso e a finalidade
do clima para atender aos processos de territorialização da nossa sociedade,
seja no contexto da humanidade global, seja no contexto das nossas cidades,
comunidades e famílias.
Esses conhecimentos devem ajudar você a questionar, problematizar,
antecipar e propor resoluções para muitos problemas que nossa sociedade
tem enfrentado e que, em grande parte, são atribuídos ao clima. Estamos
falando, de fato, das chuvas extremas, das inundações, das secas, das ilhas de
calor urbanas, do desconforto térmico, da proliferação de pragas e doenças,
entre outros, que tornam altamente vulnerável e exposta a qualquer
manifestação natural grande parte das populações e países pobres.
Como geógrafos, esse conhecimento é inicialmente importante porque
podemos definir regiões e zoneamentos, elaborar políticas públicas e
sistemas para uso e conservação das riquezas naturais e defesa civil,
além de nos ajudar a compreender estratégias para redução de conflitos
socioambientais e os marcos regulatórios e geopolíticos do mundo atual.
Este é, portanto, o principal objetivo desta obra: oferecer um debate
sobre as dimensões do fenômeno climático e sua relação com o mundo
contemporâneo.
Por isso, este livro aborda os temas, os conteúdos e os problemas
do clima, partindo da sua história natural e social, abrindo críticas ao
conhecimento e à nossa sociedade sempre que possível. Essa estratégia
didático-pedagógica deve indicar a formação de um olhar voltado para a análise das
nossas ações (como sociedade) no passado, requerendo mudanças em nosso presente e
transformações futuras.
Associações e articulações entre o estudo do clima e da geografia são bastante
valorizadas. Escolhemos essa perspectiva para evidenciar a particularidade da climatologia
dentro da ciência geográfica, que chamamos de climatologia geográfica, e, ao mesmo tempo,
para não perder de vista a indissociabilidade entre o clima e as diversas áreas e campos do
conhecimento científico.
Veremos esse encadeamento em seis capítulos. No primeiro vamos apresentar a
história e o desenvolvimento da climatologia. Entendemos que as relações entre natureza e
sociedade, ou clima e sociedade, são resultado, inicialmente, de um conjunto de significados
e sentidos que foram sendo codificados com base em nossas visões de mundo e projetos
de sociedade. Nesse caso, a climatologia é o ramo do saber orientado a desvendar como o
tempo, os tipos de tempo e o clima são conceitos que servem para entender a organização
das paisagens naturais e a constituição dos territórios.
Em seguida, no segundo capítulo, trataremos das formas de representação,
interpretação e explicação do fenômeno climático, com a premissa analítica possibilitada
pelas escalas geográficas do clima. Vamos admitir que a escala geográfica do clima pode
ser operada como um processo que integra movimentos com ritmos e variações muitos
rápidos e constantes junto com outros lentos e excepcionais e que, por isso, carece de uma
organização analítica para oferecer coerência da sua interface natural e social, diversidade
e diferença.
No terceiro capítulo vamos debater a gênese, a formação e a composição da atmosfera
como o ambiente principal do fenômeno climático sob modelos explicativos mais bem
aceitos pela comunidade científica. Vamos partir da sua importância geográfica para a
manutenção e a transformação da vida no sistema terrestre, especialmente no que tange
ao balanço de radiação e aos debates da degradação ambiental.
No quarto capítulo vamos colocar mais foco na articulação entre elementos e fatores
do clima. Tentamos utilizar uma abordagem de trabalho aplicado, que deve auxiliar na
coerência entre conceitos e teorias, bem como na construção integrada e próxima da
realidade e do cotidiano. Reconheceremos os princípios dinâmicos que regem os fluxos
atmosféricos e explicam o tempo meteorológico, os tipos de tempo e o clima como
resultados de complexos movimentos de troca de matéria e energia.
No quinto capítulo daremos destaque às possibilidades de trabalho dos profissionais
formados em Geografia e aos problemas reais. Vamos enfatizar o estudo do clima e sua
relação com o espaço rural e urbano e, também, seus impactos na produtividade, na saúde,
na qualidade ambiental e nos riscos de desastres. O objetivo é aprofundar o estudo mais
prático do clima no sistema terrestre.
No sexto e último capítulo vamos tratar das mudanças climáticas e considerar sua
importância no passado, bem como os problemas associados aos dias atuais, inclusive
quanto a questões relativas ao aquecimento global, à emergência climática e ao futuro da
humanidade.
Esperamos que esta obra enriqueça suas ideias atuais e suas perspectivas na Geografia.
Boa leitura!
1
Introdução à climatologia
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo você será capaz de:


• Definir o objeto de estudo da climatologia, suas relações com a Geo-
grafia e conhecer os seus métodos teóricos e aplicados.
• Entender a evolução histórica da climatologia e discutir seus
paradigmas.
• Distinguir as noções de tempo e clima e compreender suas intera-
ções com a sociedade.

Seja bem-vindo ao primeiro capítulo do material de Climatologia. Neste


momento vamos aproximar você do estudo geográfico sobre o clima.
Pretendemos, ainda, indicar elementos analíticos para que as conexões
dentro e fora da Geografia também possam ser cada vez mais coerentes
e interessantes.
Para isso, vamos valorizar os fundamentos da climatologia geográfi-
ca que mais podem ser articulados às práticas profissionais, seja como
­licenciado ou bacharel. Aprenderemos que, para além de fenômeno físico-
-natural, o clima é um fenômeno geográfico, pois nos oferece maneiras de
tratamento da história natural e social associadas às questões ambiental,
agrária, urbana, econômica, política, social, de gênero, étnica, racial etc.
Inicialmente, recorreremos aos atributos históricos da formação dos
saberes que organizaram a climatologia como campo científico. Para isso,
destacaremos seus objetos e métodos, valorizando especialmente a parti-
cularidade que interessa à ciência geográfica. Além disso, apresentaremos
os principais paradigmas e conceitos que envolvem as formas de análise
e de interpretação do clima e quais oferecem processos consistentes de
produção do espaço geográfico.
Não se esqueça do bloco de anotações, da sua caneta ou lápis e
construa sempre sínteses para otimizar seus estudos. Essa técnica de
estudo serve sobretudo para que você construa um saber independen-
te, autônomo e crítico.

Introdução à climatologia 9
1.1 História da climatologia
Vídeo Na ordem do desenvolvimento histórico, a ideia de clima sempre foi apresenta-
da de modo inseparável das preocupações biológicas, sociais e produtivas. Nessa
perspectiva, os primeiros registradores não foram os instrumentos tecnológicos
de medida, mas sim os naturais, em particular a sensibilidade dos seres humanos.

Segundo Sorre (1943), não se conhecia o calor e o frio a não ser por seus efei-
tos sobre o organismo humano, e, por isso, grande parte da representação desse
saber, chamado saber climático, foi inicialmente associada às concepções mitoló-
gicas ou sobrenaturais sobre a natureza.

Trata-se do saber climático elaborado pelos primeiros seres humanos, que não
diferenciavam a vontade dos deuses das suas práticas cotidianas. A construção de
instrumentos tecnológicos, apropriados à produção agrícola, foi inserida na estru-
tura socioespacial como meio de realização original de criação de tempo e produ-
ção de espaço.

Esses primeiros saberes climáticos eram obtidos, em geral, por presságios e adi-
vinhações e relacionavam o fenômeno natural com ações associadas à vontade dos
deuses. Em nossa história e até os dias atuais, nós operamos esse saber quando
transvestimos o tempo e o clima de benção, dádiva, castigo e fúria, elementos que
o artista do Romantismo John Martin representou em uma de suas obras (Figura 1).
Figura 1
A sétima praga do Egito (1823)

Museum of Fine Arts/Wikimedia Commons

Na pintura, Martin ilustra uma das histórias bíblicas sobre o processo de libertação do povo hebreu e a ocorrência
de chuva de pedras misturada com fogo.

Nesse período, a produção do espaço era definida pelos ritmos dos sistemas
naturais, em uma concepção sobrenatural de um tempo-espaço eterno e absoluto,
mas que já envolvia alguma possibilidade de se criarem parâmetros de medida e
instrumentos de observação.

10 Climatologia
A título de exemplificação, a Figura 2 representa um tipo de embarcação uti-
lizada pelos egípcios da Antiguidade e que servia para medir as cotas fluviais do
Rio Nilo acopladas. Essa concepção possibilitou representar os limites dos fenô-
menos naturais, bem como princípios de um espaço-tempo cíclico que servia tanto
para descrever o nascer e o pôr do sol, as mudanças das estações e as posições
das constelações no céu quanto para subsidiar a origem das noções de calendário,
orientação e localização geográfica.
Figura 2
Embarcação egípcia retratada em baixo relevo

Rémih/JMCC1/Wikimedia Commons
Desse modo, o saber climático se fazia presente com base no regime de chuvas,
na força do vento, nos espetáculos luminosos e ópticos (raios, auroras, arco-íris,
estrelas cadentes etc.), na dinâmica dos rios e nas plantas que definiam das esta-
ções do ano (a época de inundação, germinação, colheita), associados à história das
primeiras civilizações (SANTOS, 2008).

A utilização das técnicas de observar, descrever, medir e mapear foi suficiente


para determinar os limites, o controle e a organização do território levando em
conta a abrangência do sistema natural – os canais fluviais, por exemplo. A relação
clima e produção do espaço não apenas era associada para definir períodos e lu-
gares de lazer, moradia, trabalho, ritos, mas também para estabelecer uma cultura

Introdução à climatologia 11
Glossário própria e autóctone, notadamente no entorno de grandes rios e sob domínio de

autóctone: original,
climas semiáridos (secos ou com baixos índices de precipitação).
primária.
Dentro de uma racionalidade explicada pelo conjunto de saberes empíricos,
repletos de manifestações místicas e religiosas, esse saber pôde ser construído
no conjunto de possibilidades tecnológicas e linguísticas das primeiras formas de
apropriação da natureza. É importante considerar esses aspectos, uma vez que
mostram desde esse momento uma estreita relação de princípios-base da geogra-
fia no que se refere às relações natureza-sociedade e clima-sociedade.

Artigo

https://revistas.ufpr.br/revistaabclima/article/view/27788/20844

Como todo conhecimento humano, o saber climático foi inicialmente construído com base
em concepções sobrenaturais. Atualmente, podemos atribuir esses saberes ao conjunto de
tradições, folclores, artes e obras cinematográficas. Isso significa que, até os dias atuais, esse
conhecimento subsidia grande parte das nossas concepções de clima, natureza e sociedade.
Para que você tenha mais elementos sobre esse momento histórico, leia o artigo Mitologia e
Climatologia: um estudo das divindades relacionadas à ocorrência de tempo severo, de Daniel Hen-
rique Candido e Lucí Hidalgo Nunes, publicado na Revista Brasileira de Climatologia em 2012.

Acesso em: 28 abr. 2021.

No entanto, foi a partir da civilização grega, com a atribuição da razão como


tarefa dos filósofos, que surgem os primeiros estudos sistemáticos sobre o
clima. Baseando-se na separação espiritual, orientando para o entendimento
naturalista e empirista com base nas perspectivas cosmológicas e físicas do
mundo, essa sociedade ofereceu as principais contribuições lógicas, referindo-
1 1
-se primeiro ao termo Klima , utilizado por Parménides de Eleia para designar
Klima também pode ser a inclinação da Terra e a explicação para a ocorrência de zonas climáticas: tórri-
considerada a primeira da, temperada e frígida (primeiro zoneamento climático da história).
classificação climática da
história, e seu zoneamento Em seguida, somam-se os avanços de Anaxímenes de Mileto, que acreditava
atendia a concepção da
Terra plana, em que as
que o fenômeno da vida estava ligado ao ar e que o vento era definido pelo
zonas tórrida e frígida movimento do ar; e também de Hipócrates, que escreveu a obra Dos Ares, Águas
estariam como as porções e Lugares (fins do século V a.C.) e associou as condições ambientais dos lugares
mais próximas e distantes
do Sol, respectivamente. às diferentes culturas, povos, sociedades, costumes, paisagens e enfermidades
Por esse caráter, esse con- (doenças).
ceito orientou concepções
de que nessas regiões De outro modo, foi fundamentalmente com as contribuições de Aristóteles,
o fenômeno da vida era
por meio da obra Meteorologika (340 a.C.), que o saber climático foi mais bem
impossível devido às re-
giões extremas. Por outro desenvolvido. Primeiramente porque o filósofo introduziu a noção de meteo-
lado, as zonas temperadas rologia como discurso sobre as coisas do alto, que incluíam meteoros e fenô-
sugeriam uma condição
climática ideal para o
menos ópticos. Desse período em diante, as observações da natureza física do
desenvolvimento da vida e céu, do ar, da terra, da água e do mar já consideravam todos os fenômenos
do ser humano.
meteorológicos até então conhecidos.
É também importante destacar que o saber climático construído na Antigui-
dade grega constituiu-se pela representação local do mundo, com reconhecida
legitimação do domínio e do controle dos ambientes topicalizados como terri-
tórios destinados à exploração econômica. Ressaltamos que ainda se tratava de
uma sociedade organizada em classes e estabelecida no escravagismo.
A sociedade grega exagerou na influência que o clima exerce nas sociedades
e nos povos, iniciando um processo de naturalização dos processos de domina-

12 Climatologia
ção, que posteriormente seria chamado na geografia de Determinismo Ambien-
tal. Nesse sentido, até hoje essa concepção tende a oferecer sentidos de que o
clima é o principal agente determinante da vida, da sociedade, do desenvolvi-
mento e da produção do espaço
Essas concepções, em geral, prevaleceram por quase 1500 anos até a revo-
lução científica, quando, a partir do século XIII, o cientista inglês Francis Bacon
introduziu de maneira crítica aos estudos de Aristóteles o método experimen-
tal. Após esse momento, houve um avanço expressivo das experimentações,
que deram outra qualidade às observações do tempo e do clima (SANT’ANNA
NETO, 2001).
Ao mesmo tempo que essas experimentações foram paulatinamente intro-
duzindo a instrumentalização para mensuração quantitativa dos elementos
climáticos e meteorológicos, suplantando sobretudo as concepções religiosas
vigentes, elas também ofereceram mais possibilidades de ampliação do uso
do saber climático para fins de dominação dos povos e exploração das rique-
zas naturais.
Para exemplificar, a invenção de instrumentos de medida do vento, da umi-
dade, das chuvas e da temperatura ocorre analogamente aos registros sobre o
magnetismo e as manchas solares, bem como à explicação empírica dos equi-
nócios, dos solstícios e das estações do ano. Observe que todos esses conheci-
mentos formavam o estabelecimento de um momento rico sobre as dinâmicas
da natureza, tanto em termos de produção de informação quanto de geração
de dados.
Essas transformações no conhecimento ofereceram aos agentes he-
gemônicos da época uma visão ampla de mundo. Trata-se da origem

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da sociedade capitalista, cuja funcionalidade do instrumental técnico
não servia somente para medir os elementos climáticos nos luga-

Wikimed
res, mas também para sistematizar um conjunto de informações

sons/
sobre as riquezas naturais (metais e pedras preciosas) a serem

Mark Par
exploradas, especialmente a partir da fase mercantilista, das
grandes navegações e do processo colonial.
Da mesma forma, o desenvolvimento do saber climá-
tico ocorre de maneira paralela ao conhecimento filo-
sófico e se fundamenta notadamente pela sofisticação
dos instrumentos tecnológicos. Em outras palavras,
filosofia e técnica uniram-se em um único processo
de produção do conhecimento científico, tanto para
indicação de seus procedimentos como para consoli-
dação de um campo que no futuro marcaria a gêne-
se da climatologia e da meteorologia moderna
(SANT’ANNA NETO, 2001).

Se até o século XIX o saber climático era de-


senvolvido no conjunto das ciências naturais,
a partir do século XIX, com o extraordinário
avanço da física newtoniana (mecanista), o rigor
metodológico e a disciplinarização de todos os Sede da OMM, em Genebra, compartilhada com o Painel Intergovernamental sobre
ramos do saber, ele começa também a ser sub- Mudanças Climáticas (IPCC) e o Grupo de Observações da Terra.

Introdução à climatologia 13
metido a fragmentações para se diferenciar e se distanciar de outros campos em
termos metodológicos e em propósitos de análise.

O momento era tão importante que, em 1950, a Organização Meteorológica


Mundial (OMM) foi criada, substituindo a Organização Meteorológica Internacio-
nal (OIT), fundada em 1873, tendo como papel fornecer padronização de equi-
pamentos, instrumentos e lugares de instalação de estações meteorológicas e
normas para serem obtidas séries históricas confiáveis e consistentes, bem como
suas formas de representação e análise.

Nesse período, notáveis esforços por parte de geógrafos, meteorologistas,


geólogos e biólogos foram imprescindíveis para consolidar o clima no rol dos
estudos da natureza, com um objeto e uma teoria lógica que poderiam ser ab-
sorvidos como processo do método científico. Nesse escopo, os estudos de
previsão meteorológica foram os que ganharam maior destaque, uma vez que
acurácia e precisão estariam associadas à qualidade das séries históricas (lon-
gas e consistentes) e à padronização dos dados meteorológicos.

Acompanhando o desenvolvimento técnico-científico, as previsões foram


cada vez mais precisas conforme se ampliavam a quantidades de estações me-
teorológicas pelo mundo. Enquanto o campo da meteorologia foi sendo orien-
tado para concentrar estudos da previsão do tempo, a climatologia foi instigada
ao estabelecimento do conceito e das regras do estudo científico do clima.

1.2 Objeto e método da climatologia


Podemos considerar que a origem da climatologia como campo do conheci-
Vídeo
mento científico foi construída de modo análogo à astronomia, à meteorologia
e à geografia, visto que sempre se tornaram centrais para definir os fenômenos
processados no ambiente atmosférico. Além disso, até a modernidade, esses
saberes atendiam quase que exclusivamente à constituição dos climas dos lu-
gares, ou seja, a definição de clima era restrita às localidades e às condições do
seu entorno imediato.
A partir do século XIX, quando essas ciências começaram a oferecer con-
tribuições mais consistentes sobre o que definiria o objeto e o método da cli-
matologia, um conjunto de estudos sistemáticos sobre a distribuição espacial
dos climas no mundo foi desenvolvida de maneira mais racionalista e criteriosa.
Dentre esses estudos, destacam-se os realizados pelo naturalista Alexander von
2 Humboldt, que, com base na integração entre meteorologia e geografia, elabo-
O mapeamento foi basea- rou observações que designaram os papéis dos climas na formação da paisa-
do em isotermas, ou seja,
gem (SANT’ANNA NETO, 2001).
linhas desenhadas em
um mapa que conectam Para ele, o clima se apresentava por meio de múltiplas relações dentro do
diferentes localidades com
as mesmas temperaturas escopo da geografia física, isto é, poderia oferecer explicações de acordo com
iguais. Dessa representa- as correspondências de tamanho das formações naturais, da disponibilidade hí-
ção, H
­ umboldt ofereceu
uma explicação coerente
drica, da cobertura vegetal, da presença de neve, entre outros. Dessas interpre-
do globo, em termos de tações, Humboldt identificou a existência de determinados padrões regionais,
correspondência com os principalmente com base em sua proposta de mapeamento global da tempera-
domínios de paisagem 2
mais abrangentes do tura (Figura 3).
planeta.

14 Climatologia
Figura 3
Carta de isotermas do mundo (1823)

Slick-o-bot/Jujutacular/Wikimedia Commons
William Channing Woodbridge, criador do mapa, foi o primeiro a utilizar cores representando temperaturas. O
geógrafo o elaborou baseando-se em dados de Humbodlt sobre as condições climáticas de vários países.

É importante compreender já em primeira instância que a necessária coesão


do fenômeno climático foi a valorização da sua dimensão espaço-temporal. Essa
tradição, mais do que um fundamento dos estudos científicos sobre o clima, está
presente até os dias atuais como um dos principais elementos para construção
teórica do clima como objeto de estudo científico.

Ou seja, para um estudo que busca utilizar valores e informações climáticas,


o primeiro exercício a ser realizado é a definição de uma unidade espacial (uma
casa, um bairro, um ambiente, uma cidade, um estado, um domínio, um país etc.) e
outra temporal (horas, dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos etc.). A união
espaço-tempo é o que define, por exemplo, a área de estudo e sua periodização
(MONTEIRO, 1971a).

Humboldt praticamente ofereceu esses princípios e incorporou diretamente o


estudo do clima no escopo da geografia. Nesse contexto, a climatologia tanto au-
xiliou na consolidação e na institucionalização da ciência geográfica como também
foi integrada a outros ramos do saber, atualmente designada como um dos cam-
pos das ciências atmosféricas.

Introdução à climatologia 15
O conjunto de campos que envolvem as ciências atmosféricas define o clima
como o principal fenômeno do ambiente atmosférico. Seus processos de aná-
lise são diversos, uma vez que cada campo científico retira do clima aquilo que
é mais interessante para dimensionar seus estudos. Dessa forma, devido ao
caráter múltiplo do clima, o fenômeno não pode ser reduzido e restrito a um de-
terminado campo – pelo contrário, é fundamental entender que, antes de mais
nada, o clima é uma teoria. O sentido é de que cada investigador implementa
uma dada experiência de tempo meteorológico adequada aos seus próprios
propósitos (CURRY, 1952).

A Figura 4 apresenta esquematicamente o posicionamento da climatologia e


seus subcampos, demonstrando seu caráter interdisciplinar, representado no
âmbito das relações da climatologia com a geografia, com a meteorologia, e
também os subcampos: bioclimatologia, agrometeorologia, dendroclimatologia
e hidroclimatologia. Em geral, podemos entender que ela pode ser, em síntese,
entendida como o campo voltado ao estudo científico do fenômeno climático,
oferecendo desde o entendimento dos seus padrões espaço-temporais, asso-
ciando-o às relações adaptativas dos seres vivos e da produtividade agrícola,
como também às interações que promove com a dinâmica natural do sistema
terrestre, sobretudo em relação à dinâmica da atmosfera e da hidrosfera.

Figura 4
Organização da climatologia como campo científico

CLIMATOLOGIA
estudo científico do clima
Geografia
Hidroclimatologia

• Padrões climáticos em sua Meteorologia Bioclimatologia


concepção geográfica • Interação climática entre
• Interações do fenômeno na • Estudo de processos atmosfera, hidrosfera e
• Relações adaptativas
produção do espaço atmosféricos em sua criosfera
dos seres vivos à
• Ordem espacial do concepção física • Papel de oceanos,
influência climática
fenômeno climático • Interação dos geleiras e calotas
• Interações do clima
fluidos ar e água na • Clima e dinâmica da água
na saúde e no
atmosfera no planeta
conforto
• Dinâmica
• Influência fisiológica
dos sistemas
do clima
Agrometeorologia atmosféricos
Paleoclimatologia
• Relações de causa e efeito Dendroclimatologia
• Variações climáticas ao longo
entre clima e produtividade
da formação da Terra por
agrícola
• Clima como fator de variação ambiental e de influência geofísica (interna ou
• Exigências climáticas de
crescimento de árvores externa)
plantas e animais
• Impacto registrado na estruturação e • Indicadores paleoclimáticos da
• Clima como fator de
organização de anéis de árvores história natural
rendimento
• Clima como fenômeno geológico

Fonte: Elaborada pelo autor.

É por isso que os subcampos da climatologia não são puros e separados en-
tre si; na verdade, cada um deles se articula e nutre o processo de produção do
conhecimento do clima como um todo, sendo particularizados exclusivamente
com base em critérios definidos e aplicados às suas indagações.

16 Climatologia
A climatologia geográfica, ou a climatologia que interessa aos estudos geográfi-
cos, além de aumentar a relação com outras áreas da geografia (física e humana),
atende à particularidade de desenvolver a análise que envolve a ordem espacial
do fenômeno climático. Isso significa afirmar que se trata essencialmente de uma
análise orientada para integrar a complexidade do clima no escopo das relações
natureza-sociedade considerando suas espacialidades, ou seja, sua realização,
apropriação e construção no processo de produção do espaço geográfico.

Em outras palavras, na climatologia geográfica o interesse é garantir a inse-


parabilidade das questões biológicas, ambientais, sociais e produtivas, admitin-
do-as como o centro das problemáticas que envolvem o clima como fenômeno
geográfico, um exercício que pode ser realizado desde que se garanta a indis-
sociabilidade entre suas dimensões física (natural) e social (histórica).

Artigo

http://docplayer.com.br/21446875-Objeto-e-metodo-da-climatologia-max-sorre-1.html

Para aprofundar os conhecimentos sobre o aspecto particular da climatologia geográfica,


recomendamos um texto clássico e introdutório do estudioso Max Sorre, publicado na
Revista do Departamento de Geografia em 2006. Objeto e método da climatologia apresenta as
preocupações iniciais para os geógrafos, inclusive indicando as diferenças e as similaridades
com os estudos desenvolvidos por meteorologistas.

Acesso em: 29 abr. 2021.

Mas como operacionalizar de modo prático esses princípios? Digamos que, em


função da natureza dos estudos geográficos do clima, a resposta para essa pergun-
ta precisa ser dimensionada com base nos seus paradigmas e conceitos principais.
Vamos facilitar a compreensão por meio da identificação das finalidades, dos pro-
pósitos, das intencionalidades e das aplicabilidades do estudo geográfico do clima.

1.3 Conceitos de tempo e clima


Vídeo O desenvolvimento da climatologia geográfica, em sua fase moderna, teve
seu princípio na sua legitimação como campo científico, fundamentando-se no
método positivista e respaldando-se na abordagem clássica. Nesse sentido, a
literatura clássica aponta duas vertentes teóricas e metodológicas principais: a
climatologia tradicional e a climatologia dinâmica.

A climatologia tradicional, também conhecida como separativa ou analítica,


organiza os estudos do clima baseando-se na análise separada e fragmentada
dos elementos climáticos – radiação, temperatura, precipitação, umidade etc. –,
passando pela sua máxima descrição. Não à toa, até os dias atuais a climatolo-
gia valoriza muito a linguagem matemática e estatística.

Essa vertente está historicamente vinculada aos conceitos de tempo e clima


de Julius Hann, que elaborou a obra Handbuch der Klimatologie (Manual de clima-
tologia), publicada em 1883. Segundo ele, o clima é o conjunto de fenômenos me-
teorológicos que caracterizam o estado médio da atmosfera sobre determinado
ponto da superfície terrestre. Já o tempo seria a condição instantânea, efêmera,
momentânea da atmosfera sobre um determinado lugar (CONTI, 2001).

Introdução à climatologia 17
Saiba mais Essa perspectiva valoriza a espacialidade do clima como um fator estático
A definição de clima de Hann e um fenômeno passível de fragmentação, sendo bem definido em termos es-
é tradicionalmente expressa
no sequenciamento das con- tatísticos e associado às configurações territoriais (limites e abrangência) dos
dições de tempo, em termos sistemas naturais – os domínios vegetacionais, por exemplo. Em seu processo
de observação da tempera-
tura, chuva, umidade do ar, de análise, a climatologia estática oferece inicialmente a caracterização do clima
visibilidade etc. O período tratando os valores médios e o regime climático. Pelo tipo climático regional, ela
mínimo de observação é de
30 anos, sendo admitido pela confere a indicação geográfica e o enfoque locacional de onde, como e quando
OMM e comumente denomi- as riquezas dos lugares poderiam ser extraídas.
nado normal climatológica. As
normais climatológicas para Contudo, a concepção de clima como estado médio apresenta duas limi-
todo o território nacional
podem ser acessadas no
tações importantes, que foram bastante debatidas pelo geógrafo francês
site do Instituto Nacional ­Maximilien Sorre em pelo menos dois pontos. O primeiro se refere ao uso ex-
de Meteorologia (INMET),
que é a instituição federal
cessivo das médias. Segundo Sorre (1943), os valores médios são abstrações e
responsável por prover não permitem a compreensão da realidade climática concreta em suas caracte-
informações meteorológicas
por meio de monitoramento,
rísticas e sua manifestação. O segundo é que esse conceito representa o clima
análise e previsão do tempo como fenômeno estático, com limites e valores quase absolutos, o que não pos-
e do clima. No portal são
apresentados dois conjuntos
sibilita compreender como o desenvolvimento e a formação de paisagens, bem
de dados – 1961-1990 e como os sistemas produtivos e sociais podem estar adaptados às condições
1981-2010. Acesse o site e
descubra quais são os valo-
climáticas.
res médios da sua região.
A título de exemplificação, apresentando os valores médios de 30 ºC de tem-
Disponível em: https://portal.inmet.
peratura no deserto do Saara, sugere-se um clima típico de verão no Brasil, ou
gov.br/normais. Acesso em: 29
abr. 2021. seja, não se tem a noção de uma paisagem naturalmente seca e que apresenta
grandes amplitudes térmicas, podendo variar de -10 ºC a 50 °C diariamente,
Importante dependendo da época do ano. O valor médio de 30 ºC mascara uma realidade
O regime climático é em que diferentes tecnologias, como construções, vestimentas, domesticação
um conceito-chave da de animais e conservação de água e alimentos, ofereceram historicamente às
climatologia estática e que
serve para caracterizar populações africanas um conhecimento adequado sobre a dinâmica climática
inicialmente os climas par- do clima semiárido.
tindo da variação anual dos
elementos. Habitualmente,

Anna Om/Shutterstock
o regime é apresentado de
modo gráfico, sendo con-
vencionalmente represen-
tado pela variação anual,
como por termogramas
(representação gráfica de
temperaturas máxi-
mas, médias e mínimas
mensais); pluviogramas
(representação gráfica da
média dos totais mensais
de chuva); e climogramas
(representação gráfica
das temperaturas médias
mensais e da precipitação
média mensal conjun-
tamente). Para além da
representação gráfica, a
análise estatística também
valoriza a descrição dos
valores médios, máximos,
mínimos, entre outras
medidas de descrição
estatística. Deserto do Saara, terceiro maior deserto da Terra e maior deserto quente.

18 Climatologia
Partindo dessas críticas, Sorre (1943) elaborou o conceito de clima que está di- Dica
retamente relacionado com a vertente da climatologia dinâmica, que Pédèlaborde Como você descreveria
a sucessão dos tipos de
(1970) intitulou de climatologia sintética das massas de ar e dos tipos de tempo, tempo da sua cidade, co-
essencial para definir e caracterizar o clima de um lugar. É importante considerar munidade e região? Você
pode encontrar a resposta
que essa abordagem foi desenvolvida em outro contexto técnico-científico, sobre- para essa pergunta em
tudo porque as ciências da natureza já apresentavam incorporações das teorias do sites, pesquisando a
tipologia climática. Seguem
movimento (gravidade e termodinâmica). algumas dicas:

Sorre (1943) conceituou o clima como sendo a sucessão habitual dos tipos de • Weather Spark - O clima
típico de qualquer lugar
tempo sobre um determinado lugar. Essas interpretações já estavam sendo con- da Terra é um portal
templadas na meteorologia sinótica pelos estudiosos da Escola Escandinava de que apresenta análises
com gráficos de regimes
Meteorologia Sinótica, que ofereciam à sociedade a inclusão da dinâmica do ar climáticos para qualquer
­atmosférico pelos conceitos de massas de ar, frentes, ciclones e anticiclones, bem lugar do planeta. Inclui
também possibilidades
como a organização dos movimentos atmosféricos por modelos de circulação geral. de comparação do clima
entre lugares diferentes.
Nessa abordagem a dinamicidade do clima está presente nos princípios de va-
Disponível em: https://
riação, duração, intensidade e frequência, que pressupõem a existência de ritmos, pt.weatherspark.com/. Acesso em:
sendo fundamentais para uma interpretação do tempo (uma parte do fluxo, uma 29 abr. 2021.

fração do clima, um momento no movimento dinâmico da atmosfera) e do clima • CLIMATE-DATA.ORG. –


como totalidade espaçotemporal (MONTEIRO, 1971b). Dados climáticos para
cidades mundiais é um
Como você deve ter percebido, a transposição do paradigma estático para o portal que apresenta
análises com gráficos de
paradigma dinâmico ofereceu à climatologia um reordenamento quase que total regime climático, tipolo-
dos seus conceitos. Para além da ideia de clima baseado na abstração matemáti- gia e previsão do tempo
instantânea.
ca, a sucessão habitual demonstrava não só a dinâmica apresentada pelo ritmo
Disponível em: https://pt.climate-
de entrada da energia solar na atmosfera, na superfície terrestre e nas atividades data.org/. Acesso em: 29 abr. 2021.
humanas, mas também outra maneira de compreender o ambiente atmosférico
(SANT’ANNA NETO, 2001; MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Saiba mais
De outro modo, as condições de adaptação do clima no deserto do Saara mos- Vilhelm Bjerknes e
­Carl-Gustaf Rossby são
tram fundamentalmente a marca cultural de uma sociedade que convive com seus os principais estudiosos
climas e fez da adversidade um obstáculo momentâneo. Em geografia, chamamos da Escola Escandinava de
Meteorologia Sinótica. Preo-
de ajuste espacial essa habilidade das sociedades humanas de extrair dos sistemas cupados com a acurácia dos
naturais aquilo que é suficiente para incrementar suas formas de reprodução so- sistemas de previsão meteo-
rológica – grande parte ba-
cial (SANTOS, 2008). seada nas cartas de pressão
em superfície (também cha-
Esse jogo complexo de ajustes espaciais e adaptação climática foi mais relevante madas de cartas sinóticas ou
quando a introdução dos satélites orbitais e as técnicas computacionais ajudaram a de isóbaras) – e da interação
do ar atmosférico em altos e
conceber o clima como um sistema, chamado de sistema climático. O tempo, por baixos níveis da troposfera,
esses estudiosos fundamen-
outro lado, seria a condição empírica, experimentada e percebida da atmosfera.
talmente contribuíram com a
estruturação e são, também,
Essa maneira de compreender colaborou para a construção do discurso e das
os precursores da aborda-
práticas da geografia, bem como das demais ciências atmosféricas, e estas dirigi- gem da climatologia dinâ-
mica. Nessa concepção, o
ram seu olhar para a análise do sistema climático, que integra e articula os fatores clima de um lugar não pode
bióticos e abióticos passíveis de serem compreendidos tanto por correspondências ser caracterizado somente
por valores médios, mas,
quanto pela articulação com o sistema terrestre como um todo. sobretudo, pelo conjunto
de fluxos (locais e remotos)
Assim, o conceito de sucessão habitual sugeriu a integração entre os elementos que resultam da atuação
que compõem a atmosfera dinâmica, altamente mutável a qualquer alteração no de sistemas atmosféricos e
definem a sucessão habitual
sistema climático. E, dependendo das combinações, as sensações para os seres dos tipos de tempo.
vivos podem ser muito diferentes. Ao considerar esse caráter, a análise climáti-

Introdução à climatologia 19
ca foi organizada em dimensões escalares (global, zonal, regional, local e micro),
contemplando a participação de eventos excepcionais ou extremos como parte da
dinâmica natural do clima dos lugares.

O clima, de acordo com essa lógica, é o fenômeno formado na interação de


processos naturais e antrópicos, além de incorporar as irregularidades da variabi-
lidade sazonal e de eventos que formam a paisagem e afetam os sistemas sociais,
produtivos e humanos. Essa concepção foi fundamental para destacar a gênese
dos processos climáticos que se manifestam na superfície terrestre, seja na forma
de impactos, seja como variações ao longo da história natural.

Dessa forma, o sistema climático pode ser interpretado por meio da ocorrência
dos eventos e episódios concretos, que, para além das condições médias e habi-
tuais, são os processos que se constituem como os principais insumos, por ex-
celência, das transformações ecológicas e históricas da paisagem, bem como das
calamidades que causam alterações para o ambiente e para os sistemas sociais,
produtivos e humanos (SANT’ANNA NETO, 2008).

1.4 Clima e sociedade


Vídeo Você deve estar convencido de que, ao longo do desenvolvimento histórico, o
clima sempre esteve presente na organização dos saberes e das sociedades. De
fato, as mudanças nas noções sobre esse aspecto foram provocadas por cada nova
transformação tecnológica e avanço no conhecimento. Do mesmo modo, nenhuma
dessas mudanças ficou de fora das transformações que se processavam nos con-
textos políticos, sociais, culturais e produtivos.

A partir disso, a abordagem geográfica incorporou a interpretação dos seus im-


pactos do clima, assumindo papel de condicionante ambiental e insumo econômi-
co. Agora o clima não pode mais ser concebido exclusivamente como dádiva divina,
fruto do acaso, fator aleatório ou acidental, fenômeno físico ou sistema climático
– tudo isso fará parte do processo da produção do espaço.

Desse modo, são os contextos social, político e cultural das sociedades que de-
vem produzir, desenvolver e orientar determinadas ideias, que caracterizam uma
concepção ou tendência mais geral do que o tempo e o fenômeno climático. No
processo, não somente a gênese e a configuração espacial do clima são interes-
santes, mas também as múltiplas concepções de clima que orientam e revelam a
ordem espacial das relações entre sociedade e natureza.

Em outras palavras, toda sociedade constrói um determinado conceito de cli-


ma. Sob o modo de produção capitalista, por exemplo, o clima se territorializa por
diferentes formas de uso e ocupação da superfície terrestre e por lógicas incompa-
tíveis com o bem-estar de grande parte das pessoas. Assim, o fenômeno climático
se manifesta espacialmente de maneira desigual, gerando problemas também de
origens desiguais.

20 Climatologia
Por isso, a incorporação da dimensão socioespacial na interpretação do clima
na produção do espaço deve compreender que a repercussão dos fenômenos
­atmosféricos na superfície terrestre se dá em um território, transformado e produ-
zido pela sociedade, e apropriado segundo os interesses, as intencionalidades e as
capacidades dos agentes sociais (SANT’ANNA NETO, 2001).

Artigo

https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6599/3599

Recomendamos a leitura do artigo Da climatologia geográfica à geografia do clima gênese, para-


digmas e aplicações do clima como fenômeno geográfico, de João Lima Sant’Anna Neto, publica-
do na Revista da Anpege em 2008, para você se aprofundar nas questões contemporâneas e
que estão diretamente associadas às formas com que relacionamos com o clima atualmente.

Acesso em: 29 abr. 2021.

Essa perspectiva de análise foi denominada por Sant’Anna Neto (2001) como
Geografia do Clima. Observe que essa noção qualifica uma abordagem geográ-
fica orientada para explicação dos processos formadores do planeta (com con-
junção com estrutura geológica, relevo, solo, água, fauna e flora no escopo da
paleoclimatologia), como também da problemática ambiental, do aquecimento
global, dos desastres naturais e das alterações antrópicas no escopo de um
mundo em globalização.

Além disso, é interessante avaliar a essência geográfica do fenômeno climático,


já que ele sugere a inseparabilidade de conexões e da sua origem dentro e fora da
geografia. Ou seja, se inicialmente os serem humanos eram os instrumentos na-
turais de medida, uma vez que só os sentidos podem oferecer percepção e obser-
vação concreta das variações atmosféricas, atualmente, em um estágio bem mais
avançado do desenvolvimento técnico-científico, quando se adquire uma ideia
mais lógica das relações e interações climáticas, os seres humanos ainda conti-
nuam como parâmetro principal e final de estudo

Por esses aspectos, a relação entre clima e sociedade, com base na climatolo-
gia geográfica, sugere pelo menos duas abordagens complementares. A primeira é
que o clima desempenha um importante papel como condicionante ambiental,
principalmente quando ele é entendido como: gerador de impactos e se qualifica
na ocorrência de desastres, influencia a saúde ambiental, o desempenho humano
e as perdas e os prejuízos econômicos; modificante e estruturante da paisagem
natural, quando é a variável de primeiro tratamento para explicar as diversas varia-
ções (pretéritas e atuais) e os níveis de intervenção humana em termos de degra-
dação ambiental, alteração climática, entre outros.

A segunda vê o clima como insumo econômico ao processo produtivo, quando


ele é incorporado na cadeia produtiva (da mecanização, das sementes, da prepa-
ração do solo, dos funcionários etc.) por meio dos custos econômicos e financeiros
que oferece a cada manifestação (CURRY, 1952). O princípio é que o resultado do

Introdução à climatologia 21
impacto é relativo à capacidade de elaborar planos de ação e de adaptabilidade
frente à dinâmica climática, uma concepção que não dissocia os padrões climáticos
das consequências humanas e das decisões políticas.

O que queremos afirmar é que, para o estudo geográfico do clima, devemos


sempre partir da indissociabilidade sociedade-natureza na produção do espaço.
Dizendo de outra maneira, o clima como fenômeno geográfico pode ser operado
para explicar a organização das paisagens naturais (representada pela espacialida-
de dos domínios naturais e que incorpora uma abordagem sistêmica quando se as-
sume o caráter condicionante ambiental); e, ao mesmo tempo, revela os processos
de constituição dos territórios, com base na identificação das lógicas da produção
da riqueza e da apropriação da natureza (Figura 5).

Na relação clima-produção do espaço, as interpretações correspondem às pos-


sibilidades técnico-científicas de representação da dinâmica natural como algumas
das formas mais adequadas à profissão de geógrafo, ou seja, no conjunto das sé-
ries históricas de dados, podemos também desenvolver estudos com recursos que
auxiliam a análise climática, como mapas, geotecnologias, técnicas estatísticas, sen-
soriamento remoto e geoprocessamento.

Além disso, há interpretações e formas com que podemos utilizar e construir


o fenômeno climático segundo determinadas práticas espaciais. Por exemplo,
quando desenvolvemos políticas e planos de recuperação ambiental, exploração
de recursos naturais, zoneamento climático para produção agrícola, calendário de
atividades turísticas, mitigação das mudanças climáticas, gestão dos riscos natu-
rais, entre outros, estamos de fato utilizando o clima para desenvolver o território.
Figura 5
O clima como fenômeno geográfico

Organização das paisagens naturais Constituição dos territórios

Condicionante ambiental Insumo econômico


Concepção: Natureza físico-natural Concepção: Natureza híbrida (complexa)
Explicação: Leis gerais do movimento Explicação: Transformações
Abordagem: Sistêmica – dinâmica e epistemológicas
funcionamento Abordagem: Crítica – construção social
Representação: Gênese e formação dos Representação: Estruturação e apropriação
domínios naturais da natureza
Interpretações associadas ao Interpretações associadas às
desenvolvimento e à sofisticação práticas espaciais e das lógicas
técnico-científica da produção da riqueza

Produção do espaço geográfico

Fonte: Elaborada pelo autor.

22 Climatologia
Assim, na climatologia geográfica é importante incorporar a dimensão socioes-
pacial do fenômeno climático, na qual ele deve ser sistematicamente conhecido
e definido segundo suas manifestações socioespaciais, sendo negativas ou positi-
vas. Ou seja, desde que previamente estabelecidos, representados e conhecidos,
o clima e suas variações e manifestações poderão ser suportáveis, o que oferece
possibilidades de qualificar os processos de mitigação e adaptação.

Mas como isso pode ser apresentado de maneira prática? Vejamos a situação
do clima no Brasil. Na qualidade de condicionante ambiental, o clima é apresen-
tado em grande parte do país como tropical, por isso ele oferece naturalmente,
e a partir da sazonalidade, pelo menos duas estações: uma chuvosa e outra seca
ou menos chuvosa. A primeira é também predominantemente mais quente que a
segunda e, em razão disso, muitas dinâmicas dos sistemas naturais ocorrem e são
desenvolvidas com base nessa organização – por exemplo, o fluxo sazonal dos rios
(enchente e vazante) e de reprodução plantas e animais.
3
O conhecimento da dinâmica climática tropical é utilizado também para desen-
Mercadorias produzidas
volver uma série de práticas espaciais, como as atividades turísticas e de lazer, que em larga escala e que são
comercializadas no mer-
na estação chuvosa ocorrem concentrando atividades na zona costeira ou próximo
cado internacional (bolsa
a rios, cachoeiras, resorts, clubes etc. Podemos destacar, ainda, as atividades agrí- de valores). O Brasil é um
dos principais produtores
colas, como é o caso do cerrado brasileiro, que, devido ao desenvolvimento de uma
de c­ ommodities do mundo,
agricultura altamente tecnológica e adaptada, tem transformado a paisagem natu- sobretudo no que tange à
3 produção de soja, milho,
ral no maior território produtor de commodities e também em um dos ambientes
laranja, petróleo, minério
mais degradados do país. de ferro, entre outros.

Observe que nesses dois exemplos destacamos o clima como um dos fatores
de produção do espaço, mas, para que esse processo aconteça, é preciso ainda
muito conhecimento sobre a dinâmica (condicionante ambiental), algo que não se
dá sem o avanço técnico-científico, e também sobre sua participação nas políticas
de desenvolvimento regional e territorial (insumo econômico).

É possível considerar que as múltiplas concepções foram definidas com base


nos interesses de cada sociedade em escolher seus parâmetros e conceitos de
tempo e clima. Para isso, basta rever que todas as sociedades, povos e nações
representaram e representam o clima com muitas e diferentes faces, grande parte Área de plantio no noroeste do
destas estabelecidas por concepções próprias de espaço. Mato Grosso, próximo à região do
Parque Indígena do Xingu. Pedro Biondi/ABr/Wikimedia Commons

Introdução à climatologia 23
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Inicialmente apresentamos que as bases mitológicas e o instrumental foram funda-
mentalmente os antecedentes dos saberes climáticos. Da mesma forma, destacamos
a elaboração das primeiras noções de tempo e clima, da dimensão espaço-temporal e
da racionalidade científica, que promoveu a instituição da climatologia moderna. O es-
tudo do clima incorpora, mais recentemente, uma multiplicidade de concepções, por
isso distintos campos do saber são organizados para dar ênfase em seus interesses,
definindo suas particularidades.
Podemos considerar, assim, que o estudo do clima sempre muda quando o conhe-
cimento sobre a dinâmica natural se modifica, e esses avanços sempre são incorpo-
rados de transformações nas formas de observação, sobretudo a cada novo contexto
técnico-científico.
Nesse sentido, o estudo geográfico do clima não limita o fenômeno climático a ser
físico e natural, uma vez que ele é também uma construção social, ou seja, um conjun-
to de processos e práticas espaciais. Essa análise pode ser elaborada desenvolvendo
estudos que orientem as questões evolvendo a constituição de paisagem (clima como
condicionante ambiental) e/ou a definição de territórios (insumo econômico). Separa-
das ou combinadas, as duas formas de análise são bastante adequadas ao trabalho
do geógrafo.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Quais são os atributos fundamentais de constituição do clima?

2. O que diferencia as abordagens da climatologia estática e tradicional?

3. Com quais critérios podemos desenvolver uma análise geográfica do clima?

REFERÊNCIAS
CONTI, J. B. Geografia e climatologia. Revista GEOUSP, São Paulo, n. 9, p. 91-95, 2001. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/123516/119794. Acesso em: 29 abr. 2021.
CURRY, L. Climate and economic life: a new approach with examples from the United States. Geographical
Review, v. 42, n. 3, p. 367-383, 1952.
MONTEIRO, C. A. de F. Análise rítmica em climatologia: problemas da atualidade climática em São Paulo e
achegas para um programa de trabalho. Climatologia, São Paulo, n. 1, p. 1-21, 1971a.
MONTEIRO, C. A. de. F. Análise rítmica em climatologia. São Paulo: USP/Igeog, 1971b.
MENDONÇA, F.; DANNI-OLIVEIRA, I. M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina
de textos, 2007.
PÉDÈLABORDE, P. Introduction a I´étude scientifique du clima. Paris: Sedes, 1970.
SANT’ANNA NETO, J. L. Por uma geografia do clima: antecedentes históricos, paradigmas contemporâneos
e uma nova razão para um novo conhecimento. Terra Livre, São Paulo, n. 20, 2001.
SANT’ANNA NETO, J. L. Da climatologia geográfica à geografia do clima gênese, paradigmas e aplicações
do clima como fenômeno geográfico. Revista da Anpege, v. 4, n. 4, p. 51-72, 2008. Disponível em: https://
ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6599/3599. Acesso em: 29 abr. 2021.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2008.
SORRE, M. Les fondements biologiques de la géographie humaine. Paris: Colin, 1943.

24 Climatologia
2
Escalas do clima
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo você será capaz de:


• Compreender a importância das escalas espaciais e temporais e
suas implicações na análise geográfica do clima.
• Distinguir as escalas locais, regionais e globais, por meio dos concei-
tos de ritmo climático, variabilidade climática e mudanças climáticas.

Seja bem-vindo ao segundo capítulo do estudo de climatologia. Dessa


vez discutiremos outros elementos para a construção da perspectiva analí-
tica dos estudos geográficos do clima, que é inicialmente operada com base
nas escalas do clima.
Entenderemos as escalas do clima como processos espaçotemporais, os
quais integram não somente a área e a frequência para as representações gráfi-
ca e cartográfica do fenômeno climático, mas fundamentalmente a definição de
sua espacialidade, organização e estruturação com base na realidade concreta.
Discorreremos sobre como os atributos naturais e sociais são articulados
em processos temporais e espaciais e sugerem, no conjunto do estudo geo-
gráfico do clima, a potencialidade de explicar, caracterizar e interpretar as con-
figurações do clima nos lugares. Desse modo, nosso objetivo é que você possa
compreender a importância das escalas espaciais e temporais e suas implica-
ções para os estudos geográficos do clima.
Para isso, distinguiremos as escalas locais, regionais e globais por meio dos
conceitos de ritmo, variabilidade e mudanças, fundamentos analíticos para aten-
dermos os processos de particularização, organização e generalização do clima.

2.1 Escalas espaciais e temporais


Vídeo Para uma interpretação analítica da diversidade climática, as escalas do clima
apresentam-se como recurso fundamental para o enquadramento dos fluxos
atmosféricos nos lugares, sejam eles utilizados para a sistematização dos controles
que condicionam ambientalmente a formação das paisagens naturais, sejam como
conhecimento inicial para territorialização – quando é utilizada e apropriada como
insumo econômico do processo produtivo.

Escalas do clima 25
Com o auxílio das escalas, é possível revelarmos sistematicamente a definição
do fluxo atmosférico com base em sua duração, abrangência, domínio, padrão,
intensidade, frequência, variação e ritmo, oferecendo, assim, uma maneira lógica
para entendermos a dinâmica, os movimentos, o funcionamento e a manifestação
em impactos concretos.

Nessa perspectiva, a qualidade, a consistência e a confiabilidade da análise cli-


mática dependerão, basicamente, de como as escalas climáticas são operacionali-
zadas e integradas à abordagem espaçotemporal coerente, a qual envolve:

Um conjunto metodológico rigoroso de técnicas de análise


quantitativas e qualitativas.

Um sistema apropriado de instrumentos tecnológicos e


adequados aos tipos de dados e informações.

Um processo criterioso para validação dos resultados associado


a uma representação gráfica e cartográfica significativa.

Para contemplar esse caráter do uso das escalas do clima, Monteiro (1999) apre-
senta uma organização hierárquica e taxonômica das escalas do clima (Quadro 1),
articulando os níveis de influência superiores (na faixa dos milhões de km² de
abrangência espacial), passando pelas dimensões intermediárias (da ordem de
centenas ou milhares de km²), chegando às escalas inferiores (a dezenas de km²)
na dimensão dos climas locais, dos topoclimas (climas organizados pelo relevo) e
dos microclimas (climas muito específicos relativos a qualquer fluxo turbulento ou
unidade muito particular).

Quadro 1
Ordem de grandeza e níveis taxonômicos das escalas do clima

Ordens de Unidades de Unidades de Escalas Espaços


grandeza espaço tempo cartográficas climáticos
Uma semana a 1:45.000.000
Zonal Milhões de km² Zonal
seis meses 1:10.000.000

1:5.000.000
Milhares de km²
1:2.000.000 Regional
Regional Centenas de Um dia a um mês
1:1.000.000 Sub-regional
km²
1:500.000

1:250.000
Dezenas de km² 12 horas a uma 1:100.000 Local
Local
Centenas de m² semana 1:50.000 Mesoescala
1:25.000

Variações diurnas 1:10.000


Topoclima Dezenas de m² Topoclima
(24 horas) 1:5.000

Horas, minutos e 1:2.000


Microclima Alguns m² Microclima
segundos 1:1.000

(Continua)

26 Climatologia
Estratégias de abordagens
Espaços rurais Espaços urbanos
Técnicas de
Meios de observação Fatores de organização
análise
Latitude e centros de Caracterização
Grandes zonas climáticas Satélites e reanálise
pressão comparativa

Cartas sinóticas, Sistema meteorológico e


Redes de
Biomas e domínios Megalópole sondagens aerológicas, circulação atmosférica
superfície e
morfoclimáticos Região metropolitana rede de superfície Fatores geográficos
transectos
(30 anos) regionais

Grande propriedade Metrópole Posto meteorológico


Paisagem natural e Mapeamento
Pequena e média Cidade ou periferia Registros móveis
atividades humanas sistemático,
propriedade e parcela rural de metrópole (episódios)
Forma e estrutura da análise espacial,
superfície rede de abrigos
Desnível em relação ao plano e meteorológicos,
Diferenças altimétricas
rugosidade do terreno e transectos
móveis
Instrumentos
Quarteirão, edificações, Habitação, condições de
Planta e espécie vegetal de captação do
material construtivo etc. contorno, planta etc.
turbilhamento
Fonte: Monteiro, 1999.

Observamos que para ordem de grandeza – zonal, regional, local, topoclima e mi-
croclima – Monteiro (1999) oferece unidades de espaço e de tempo específicas, as
quais podem ser tanto representadas pela escala cartográfica quanto por processos
espaciais, sobretudo quando atendem à dinâmica dos espaços rurais e urbanos. Além
disso, precisamos destacar a preocupação do autor com a qualificação das estratégias
de abordagem, em que os parâmetros de análise e os instrumentos de observação são
decisivos para o desenvolvimento do estudo do clima por meio das escalas.

Nessa hierarquia escalar, a possibilidade de estabelecer conexões com as esca-


las superiores (zonal) pode ser designada com um nível de gradualismo, que se dá
por meio dos desdobramentos dos impactos dos fluxos atmosféricos e meteoroló-
gicos em todas as variáveis climáticas observadas nas escalas inferiores (regional
e sub-regional), bem como sua identificação e particularização no conjunto dos cli-
mas locais – mesoclima, topoclima e microclima (SANT’ANNA NETO, 2013).

Outra característica importante é que na lógica hierárquica e gradual quanto


mais inferior se torna a escala, maior será a exigência de tratamento integrado e
articulado com os conhecimentos produzidos por outros campos do saber, para
além da climatologia.

Por exemplo, no clima local, que ocorre em espaços urbanos, o debate entre cli-
matologia, geografia, arquitetura e engenharias é tão importante quanto a articula-
ção entre agronomia e biologia nos espaços rurais. O mesmo nível de diálogo deve
acontecer quando são integrados os impactos do clima na saúde e no conforto
humano, que atendem também um rico diálogo com a medicina, a saúde pública,
a epidemiologia, a educação física etc.

É importante sempre considerarmos que os processos físico-naturais e os de


origem socioeconômica interferem nas suas características e/ou as determinam e

Escalas do clima 27
1 é por meio delas que o clima se articula ao espaço geográfico (SANT’ANNA NETO,
A escala cartográfica (gráfi- 2013). Nesse caso, as escalas do clima não devem ser entendidas como a tradi-
1
ca ou numérica) é utilizada cional escala cartográfica , isto é, apenas com base nas dimensões espaciais ou
fundamentalmente para
reproduzir de maneira pro- temporais nas quais os elementos climáticos se manifestam.
porcional determinada área
de um mapa. Trata-se, por-
De outro modo, as escalas climáticas devem ser compreendidas como processos
tanto, de um valor arbitrá- dinâmicos dotados de atributos altamente sensíveis aos ritmos, às variações e às
rio de referência espacial,
que depende da finalidade
alterações de todas as forças terrestres, atmosféricas e cósmicas que de alguma
do produto e do propósito forma exercem ou provocam qualquer tipo de interferência no sistema climático.
de sua representação.
Incluem-se também as interferências de origem antrópica e socioespacial com valor
importante na dinâmica integrada do sistema climático (SANT’ANNA NETO, 2013).

Estudiosos das alterações climáticas globais contemporâneas têm debatido que


os processos climáticos de larga escala podem afetar os climas regionais e locais
Importante
não somente em um sentido hierárquico e gradual, mas também com formas va-
A perspectiva de Sant’Anna
Neto (2013) nos orienta a riadas e contraditórias, modificando, inclusive, os padrões originais e preexistentes.
compreender as escalas do Em outras palavras, o desenvolvimento de dado processo climático (uma chuva,
clima para além do caráter
hierárquico e do gradual, uma seca, um vento, um tornado) pode ser desencadeado nas escalas superiores e
os quais sugerem defini- manifestar-se de maneira oposta em diferentes regiões remotas do planeta.
ções absolutas com limites
precisos. Nessa perspecti- A mudança, a variabilidade e o ritmo são os três conceitos analíticos que
va, a forma mais adequada
de tratar do fenômeno cli-
mais devem servir para a compreensão desses processos e que auxiliam em suas
mático é em sua totalidade determinações espaçotemporais, ora dotando-os de estabilidade e constância,
espaçotemporal, uma vez
que ele se apresenta muito
ora manifestando-se como perturbações e instabilidades que modificam os pa-
mais como resposta final drões habituais e provocam alterações em variadas intensidades e magnitudes.
do conjunto de forçan-
tes, movimentos e fluxos Nessa perspectiva, o encontro da duração, velocidade e extensão com que os
diversos, que atuam no
processos climáticos se manifestam está associado à produção do espaço geográ-
decorrer do tempo (geoló-
gico e/ou histórico), do que fico. Assim, nesse processo, é mais relevante integrar o tempo longo ao tempo cur-
necessariamente como
to, como unidades fundamentais, para explicitar os níveis de articulação, sincronia
um evento isolado, sob
determinada área ou com e diacronia das relações entre sociedade e natureza, clima e espaço (SANT’ANNA
relação a determinados
NETO, 2013). O esquema apresentado na Figura 1 resume essa perspectiva e repre-
sistemas atmosféricos.
senta a articulação desses processos.

Figura 1
Processos espaçotemporais das escalas geográficas do clima

Temp
o cur
to (h
istór
ico)

Mudança

Variabilidade

Ritmo

Temp
o lon
go (g
eológ
ico)

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Sant’Anna Neto, 2013.

28 Climatologia
Enquanto o tempo longo é definido pela escala geológica de processos que
duram milhares ou milhões de anos, modificando os climas do planeta (global),
ora mais quentes, ora mais frios, alternadamente mais secos ou mais úmidos, o
tempo curto relaciona-se diretamente ao tempo histórico, ou seja, as variações
do clima estão associadas à presença do homem e da sociedade como agentes de
transformação das paisagens e modificadores dos ambientes (regional e local) ou
como grupo social que percebe e sofre as suas variações (SANT’ANNA NETO, 2013).

O tempo logo é explicado por movimentos astronômicos da órbita da Terra,


pelas manchas solares, pela intensa atividade vulcânica de determinados períodos
geológicos ou mesmo pela tectônica de placas. Já no tempo histórico essas forças
deixam de influenciar exclusivamente os climas terrestres, tornando-os muito mais
complexos e de difícil determinação (SANT’ANNA NETO, 2013).

Em todas essas movimentações, o fenômeno climático remete a princípios dis-


tintos de análise (Quadro 2). Por exemplo, o encontro de processos adequados às
escalas globais e de mudança é mais bem interpretado por análises mais generali-
zantes, que valorizam o fundamento da gênese natural do clima.

Quadro 2
Escalas geográficas do clima

Escala espacial Escala temporal Gênese Processos

Movimentos astro-
nômicos, glaciações,
Generalização Global Mudança Natural
vulcanismo, tectônica
de placas

Sazonalidade, padrões
e ciclos naturais,
Natural e
Organização Regional Variabilidade mudanças da paisa-
antrópica
gem (desmatamento,
poluição)

Uso da terra, expan-


Especialização Local Ritmo Antrópica são territorial urbana,
cotidiano

Fonte: Sant’Anna Neto, 2013.

Assumimos também atributos regionais e da variabilidade como necessários


quando os processos climáticos integram seu caráter híbrido, isto é, da mistura, in-
teração e combinação de processos com gêneses naturais e antrópicas, que podem
ser identificados como níveis de organização espaçotemporal.

Para além da organização e generalização, variações climáticas muito par-


ticulares e até singulares favorecem a especialização climática, uma vez que
absorvem com maior significância a influência antrópica, da fauna, da flora, de
organismo vivos e de objetos naturais e artificiais mais adequados às escalas
locais e do ritmo climático.

Escalas do clima 29
É importante observarmos que esses processos são essencialmente temporais,
manifestando-se em todas as escalas espaciais. Entretanto, alterações espaciais
em escalas inferiores (locais e regionais) podem resultar em modificações na cir-
culação da atmosfera capazes de afetar todo o planeta (SANT’ANNA NETO, 2013).

É imprescindível nos orientarmos por definições que contemplem respostas à


seguinte indagação: quais espaçotemporalidades são exigidas para interpretar, ex-
plicar e analisar o fenômeno climático de interesse? Em outras palavras, essa ques-
tão remete necessariamente à identificação de como os mecanismos climáticos
evidenciam essencialmente suas movimentações e manifestações em seu quadro
espaçotemporal. A Figura 2 a seguir sintetiza uma parte desses atributos, sobre-
tudo a identificação dos diversos processos climáticos e sua relação com os ciclos
observados na Terra.

Figura 2
Processos climáticos de ciclos da Terra

---------------------- MUDANÇA ------------------------------------------------------ VARIABILIDADE --------------------------- RITMO -----


10 Ma
Eventos de Heinrich

6 meses
Ciclos sazonais

30 a 60 dias
100 a 400 anos

50 a 90 anos

25 a 35 anos

10 a 20 anos

5 a 7 anos

2 a 2,5 anos
Enos

QBO

OMJ

3 a 7 dias
Ciclos sinópticos
200 a 400 Ma*

30 a 60 Ma (impacto de

100 a 400 Ma

1,5 Ma
Eventos de
Dansgaard-Oeschger

Ciclos de Gleissberg, Suess

OMA

NAO

ODP
asteroides)

Excentricidade da órbita

40 Ma

22 Ma
Precessão dos equinócios
Obliquidade eclíptica

Impacto de grandes
asteroides
Ciclos vulcânicos e tectonismo
Ano galáctico – Órbita do Sistema

Ciclos solares e lunares


Solar ao redor do centro da Via

Oscilação vertical do Sistema

Oscilações de baixa frequência


Teleconexões climáticas
Solar no Plano Galáctico

Sistemas atmosféricos
Ciclos multidecadais

Ciclos interanuais
Ciclos geológicos

Ciclos milenares

Ciclos semanais
Ciclos seculares

Ciclos decadais

Ciclos mensais

Ciclos diários
Láctea

Superciclos Ciclos do Holoceno


Ciclos orbitais Ciclos curtos
(galácticos e (solares, lunares,
(Milankovitch) (diários a interanuais)
tectônicos) atmosféricos e oceânicos)

*Ma: milhões de anos.


Fonte: Elaborada pelo autor.

Partindo dos princípios da velocidade, duração, intensidade, mobilidade,


instabilidade, estabilidade e alternância de padrões climáticos, é possível reco-
nhecermos os ciclos (as repetições e os retornos dos processos climáticos), as
periodicidades (a organização de instabilidades e estabilidades em fases distin-
tas) e principalmente a estruturação, os quais induzem a gênese e formação das
paisagens e a constituição dos territórios.

Para aprofundar esse debate, detalharemos cada um desses processos separa-


damente, evidenciando suas formas de representação e seus meios instrumentais
para a análise e diversidade de aplicações.

30 Climatologia
2.2 Escalas locais – ritmo climático
Vídeo Como inicialmente apresentado, na escala do ritmo, as interações dos
processos climáticos apresentam velocidades muito variadas, por isso são muito
complexas em termos de dinâmicas, ciclos e manifestações associados à articula-
ção do tempo histórico.

Trata-se de uma escala inferior, pois seus atributos permitem a identificação


dos tipos de tempo associados ao cotidiano da sociedade e apresentam um nível
de especialização muito ligado à produção dos espaços urbano e rural.

A análise rítmica mostra-se nessa escala como o instrumento principal de enten-


dimento do clima, já que associa a decomposição do tempo a nível cronológico como
também o clima do cotidiano, o clima mais próximo do homem, em uma feição emi-
nentemente geográfica (MONTEIRO, 1999). Essa técnica é representada pelo gráfico
de análise rítmica, em que são ordenados todos os elementos do clima observados
no conjunto dos tipos de tempo e dos sistemas atmosféricos (Figura 3).

Figura 3
Exemplo de gráfico de análise rítmica

Fonte: Borsato; Borsato, 2014.


Escalas do clima 31
A estratégia de abordagem relaciona-se com uma perspectiva embricada das pers-
pectivas dinâmica, sistêmica e dialética, em que a sucessão dos tipos de tempo tam-
bém é construída por climas antropizados, ou seja, produzidos pelas interferências
dos agentes sociais e econômicos e pelas incorporações tecnológica (medidas adap-
tativas) e infraestrutural (material construtivo e densidade das edificações), as quais
se efetivam em alterações dos padrões climáticos originais. Destacam-se nessa esca-
la os estudos de clima urbano, das relações clima e planta e clima, saúde e qualidade
ambiental e dos impactos de eventos e episódios extremos.

Sem dúvida, os estudos dos climas urbanos são mais difundidos.


Contemplam-se nesse escopo o estudo do clima das cidades, restrito à área
urbana, admitida pelos seus diversos portes, tamanhos, estruturas e formas,
articulado aos processos históricos de transformação do sítio urbano (ambiente
original da área urbana) por meio da implantação de residências, arruamentos,
edificações, equipamentos urbanos etc.

A influência significativa dessa transformação deve resultar em um ambiente al-


terado, que promove modificações primeiro no balanço enérgico e hídrico e depois
em todos os elementos climáticos – temperatura, umidade, ventos, composição
química da atmosfera etc. O estudo também deve envolver as interações com o
material construtivo, a densidade construtiva, a distribuição de áreas verdes e a
presença de corpos hídricos.

Em função de todos esses processos, o clima urbano contempla ainda uma série
de derivações associadas, que, em geral, deve se constituir em outros fenômenos
de mesma complexidade, como as ilhas de calor (Figura 4) e de frescor, as inver-
sões térmicas, a insalubridade do ar, a inércia térmica, o conforto bioclimático e as
morbidades negativas à saúde humana.

Figura 4
Representação do efeito das ilhas de calor urbanas em diferentes solos

PERFIL DAS ILHAS DE CALOR URBANAS

Alexchris/Wikimedia Commons
33.3
32.8
32.2
31.7
31.1
30.6
30.0
29.4

Temperatura
ºC

Área rural Área comercial Área residencial Área periférica

Área periférica Cento da cidade Área verde

Já nos espaços rurais, a interpretação por meio da escala do ritmo é contextuali-


zada segundo a seletividade e exigência de plantas e animais e a sua adaptabilidade

32 Climatologia
natural ao regime pluviométrico, à variação da temperatura, ao fotoperíodo e à ra-
diação solar. Basicamente, os tipos de tempo devem revelar os graus de interação
e dependência, nos quais o clima é fator natural que condiciona o desenvolvimento
da diversidade de práticas econômicas. O resultado é sem dúvida reconhecer a
influência climática no rendimento e na produtividade.

A explicação é conjuntiva, sistêmica e ecológica, uma vez que a produtivida-


de final corresponde em grande parte à radiação solar (primeira fonte de ener-
gia), à importância ecológica da temperatura do ar e do mar, à disponibilidade
hídrica e ao regime de ventos. Em geral, são esses os atributos principais que
acarretam as condições ambientais ideais para as atividades agrícolas, pecuá-
rias, pesqueiras e silvícolas.

Portanto, o progresso científico e a sofisticação tecnológica são muito relevan-


tes para proporcionar segurança a essas atividades, possibilitando práticas com 2
2
culturas adaptadas às distintas regiões edafoclimáticas , mesmo que o sistema Conceito que integra o con-
junto sistêmico da relação
climático ofereça adversidades e excepcionalidades, como as condições naturais
solo, clima e vegetação.
que estimulam a proliferação de pragas e a ocorrência de estresses hídricos (secas
e estiagens) e térmicos (baixas ou altas temperaturas).

2.3 Escalas regionais – variabilidade climática


Vídeo A escala da variabilidade, que compreende os níveis de organização da escala
regional, valoriza análises com níveis abrangentes e em constante combinação, po-
dendo potencializar e minimizar mecanismos climáticos e combinar-se com eles,
sendo tanto de ordem global quanto local. Por isso, esse domínio escalar é tradicio-
nalmente chamado de intermediário, pois atende à complexidade eminentemente
geográfica das interações entre sistemas naturais, sociais e produtivos.

Ela apresenta elementos e atributos geográficos por excelência pela possibilidade


de estabelecer conexões tanto com as escalas superiores (mudança), compreen-
dendo como se desdobram os processos climáticos e como as transformações
das paisagens impactam as variáveis climáticas, quanto com as escalas inferiores
(ritmo), identificando sua particularização por meio dos climas locais (SANT’ANNA
NETO, 2013). Mas o que isso quer dizer?

A interpretação é que essas escalas orientam o encontro de unidades climáti-


cas híbridas, uma vez que as atividades humanas podem definir graus importan-
tes de alteração ou intervenção, assim como a definição de macrorregiões, como
os domínios naturais da Floresta Amazônica, do Deserto do Saara e da Tundra
Siberiana, e de microrregiões, associadas às zonas costeiras e aos complexos de
ocorrências de serras, planaltos, depressões e planícies.

A título de exemplificação, a Figura 5 representa esquematicamente o território


sul-americano. Vemos que a disposição dos relevos oferece uma diversificação impor-
tante em termos de paisagem e orientação dos fluxos atmosféricos, sobretudo quan-
do estes penetram o continente e em trajetória habitual são organizados pelas calhas
dos principais rios do continente – Rio da Prata no Sul e Rio Amazonas no Norte.

Escalas do clima 33
Figura 5 A dinâmica atmosférica regional associa a cir-
Fluxos atmosféricos da América do Sul culação geral à circulação secundária dos sistemas
atmosféricos e das áreas homogêneas de pressão
atmosférica. Além disso, ela contempla a influência do
relevo, da altitude, da maritimidade, da continentali-
dade, dos domínios morfoclimáticos, do uso da terra
e das transformações históricas da paisagem na orga-
nização, estruturação e trajetória habitual dos fluxos
atmosféricos na superfície.

Isso significa afirmar que na escala da variabilidade


não só os mecanismos físicos naturais do clima podem
ser usados para determinar a dinâmica, mas também
a forma com que a sociedade tem produzido seus
territórios, que por sua vez implica interferências dire-
tas nas interações entre atmosfera e superfície terres-
tre, capazes de gerar modificações nas características
dos padrões climáticos regionais.
Harvepino/Shutterstock

Por exemplo, a instalação de monocultura agrícola em grandes espaços rurais,


a expansão territorial das grandes cidades e áreas metropolitanas, os processos de
desmatamento e a influência de ressurgências marinhas são fatores decisivos da
influência dos regimes climáticos nas escalas regionais e da constância, estrutura e
composição dos sistemas atmosféricos.

Essa dimensão não assume, portanto, o enquadramento absoluto de


determinadas áreas da superfície da Terra, mas sim como esses espaços estão
submetidos aos fluxos atmosféricos pretéritos e recentes. Por isso, são valori-
zadas análises que identifiquem os prazos para a compreensão das alterações
climáticas com base nas variações sazonais e interanuais, por meio da ocorrên-
cia e do retorno em termos de periodicidade, das ciclicidades e das excepciona-
lidades (eventos e episódios e extremos).

Além disso, nessa abordagem, grande parte das interpretações assume a in-
fluência das oscilações climáticas de baixa e alta frequência e as teleconexões
climáticas. Segundo Cavalcanti e Ambrizzi (2009), as teleconexões climáticas
referem-se a um padrão recorrente e persistente de anomalias de certa variável,
que pode persistir por várias semanas ou meses e, algumas vezes, tornar-se domi-
nante por vários anos consecutivos.

Com base na Figura 6 você consegue descrever os períodos e os prazos da tem-


peratura média global? É possível identificar pelo menos três fases distintas: uma
fria, que ocorre de 1880 a 1940; uma de transição, em que alternâncias de tem-
peraturas positivas e negativas definem o período que vai de 1940 a 1980; e uma
terceira, com aumento significativo, que se iniciou em 1980 e permanece até os
dias atuais.

34 Climatologia
Figura 6
Desvios da temperatura média global de 1880 a 2021
1.40 ºC 2.52 ºF

1.20 ºC 2.16 ºF

0.80 ºC 1.44 ºF

0.40 ºC 0.72 ºF

0.00 ºC 0.00 ºF

-0.40 ºC -0.72 ºF

-0.80 ºC -1.44 ºF
1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2021

Fonte: Noaa, 2021.


Leitura
Atualmente, são observados cerca de 11 padrões de teleconexões no Hemis-
Para saber mais dos padrões
fério Norte e cinco no Hemisfério Sul. Cada um deles apresenta uma temporali- associados às teleconexões
climáticas, suas formas de
dade e espacialidade específica, mostrando a relevância de sistemas acoplados
análise, escalas de ação e
oceano-atmosfera e resumindo-se em oscilações – variações cíclicas definidas pela impactos, recomendamos
a leitura do artigo Estudos
frequência no contexto das espaçotemporalidades. O avanço desses estudos tem
de teleconexões atmosféricas
proporcionado um conhecimento bastante avançado do sistema terrestre, sobre- e possibilidades de avanços
na climatologia geográfica:
tudo sobre os impactos da variabilidade e das mudanças climáticas.
conceitos, fontes de dados e
técnicas, em que a autora
De modo geral, esses padrões explicam como as anomalias de determinada re-
discute com bastante didá-
gião podem ser associadas às anomalias de regiões remotas, devido à característica tica a importância desses
fenômenos para os estudos
de conexão a distância. Entre os fenômenos mais importantes podemos destacar o
geográficos do clima.
El Niño e o La Niña (Figura 7), que respectivamente mostram como o aquecimento LIMBERGER, L. Revista Brasileira de
e o resfriamento excepcional das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial Climatologia, Curitiba, v. 19, p. 10 -19,
jul./dez. 2016. Disponível em: https://
modificam grande parte dos padrões de circulação geral da atmosfera e promovem revistas.ufpr.br/revistaabclima/arti-
impactos em todo o planeta. cle/view/48870/29378. Acesso em:
10 maio 2021.
Figura 7
Anomalia da temperatura dos oceanos em novembro de 2007, sob a influência de um La Niña
NASA Earth Observatory/Wikimedia Commons

Durante o La Niña, as temperaturas da superfície do mar no Pacífico tropical oriental ficam abaixo da média e as temperaturas
no Pacífico tropical ocidental ficam acima da média. Esse padrão é evidente nesta figura de anomalia da temperatura, que
mostra a temperatura do milímetro superior da superfície do oceano em novembro de 2007, em comparação à média de longo
prazo. Uma forte faixa de água fria (azul) aparece ao longo do Equador, perto da América do Sul, e condições quentes (laranja
a vermelho) aparecem ao norte e ao sul dessa faixa azul. Os dados foram coletados pelo Advanced Microwave Scanning
Radiometer (AMSR-E) voando no satélite Aqua da Nasa. A média de longo prazo é baseada em dados de uma série de sensores que
voava nos satélites Pathfinder da Noaa de 1985 a 1997.

Escalas do clima 35
Distinguem-se as áreas em que a atmosfera mostra acoplamento com os ocea-
nos, incluindo a influência das correntes oceânicas, da temperatura da superfície
do mar, da estrutura vertical da atmosfera e da articulação de ventos em superfí-
cies com baixos e altos níveis. Por esse caráter, partimos dessa escala para inferir
que todos esses mecanismos podem agir conjuntamente, separadamente e alter-
nadamente e que oferecem modificações importantes na intensidade e estrutura
dos sistemas atmosféricos, dos tipos de tempo e do clima.
3 Por isso, grande parte dos estudos da escala da variabilidade também contem-
Conjunto de processos
pla interpretações das modificações nas estruturas das paisagens e seus impactos
oriundos das atividades
3
humanas que oferece incre- no clima oriundos ou não das forçantes antropogênicas . Assim, podem ser de-
mento, redução ou alteração
tectadas alterações por meio da identificação de tendências, ciclos e períodos, os
dos movimentos do sistema
climático, como mudanças quais se baseiam em séries temporais de dados observados (oriundos de rede
no uso da terra ou modifica-
de estações meteorológicas), orbitais (obtidos por imagens de satélite e radar) e
ções na composição química
da atmosfera. de reanálise (produtos gerados da composição de dados climáticos de diferentes
fontes e instituições).

Além da utilização de imagens de satélite e cartas sinóticas para a identificação


dos tipos de tempo, as estratégias e abordagens inerentes a essa escala pressupõem
a caracterização, a comparação e a classificação climática de base genética, por meio
de redes e transectos espaciais e temporais, pelo mapeamento sistemático (poten-
cial ecológico e agroclimático) e pelo uso de estatística aplicada.

2.4 Escalas globais – mudanças climáticas


Vídeo Os atributos da escala da mudança são relativos à natureza física, geofísica
e astrofísica. A circulação geral da atmosfera (Figura 8), as zonas climáticas da
Terra e os movimentos astronômicos que definem a sazonalidade e a dinâmica
climática diferencial nos hemisférios Sul e Norte formam fundamentalmente o
escopo principal desse nível escalar.

Trata-se da escala de primeira ordem de grandeza, em que os processos


atmosféricos são determinados pelo conjunto das forças endógenas e exógenas
da Terra, com a definição dos padrões climáticos que abrangem todo o planeta
em articulação com as diferentes latitudes, a distribuição dos oceanos e a orga-
nização dos continentes.

36 Climatologia
Figura 8
Modelo tricelular da circulação geral da atmosfera

Hadley Hadley
Ferrel Ferrel
Polar Polar

Polo Sul 60º Sul 30º Sul Equador 30º Norte 60º Norte Polo Norte

Ventos glaciais Zona de Altas Zona de Altas Zona de Ventos glaciais


e polares frentes subtropicais convergência subtropicais frentes e polares
intertropical

Anticiclones Florestas
Florestas Desertos Anticiclones
oceânicos Desertos Florestas subtropicais e
subtropicais e oceânicos
equatoriais temperadas
temperadas

Estabilidades atmosféricas Instabilidades atmosféricas

Fonte: Elaborada pelo autor.

Nesse sentido, observamos exclusivamente os parâmetros iniciais de análise


que enquadram comparações e generalizações abrangentes. A título de explica-
ção, é possível identificarmos na escala de primeira ordem a estruturação espacial
dos grandes sistemas de circulação atmosférica planetária e, consequentemen-
te, os grandes domínios climáticos e de paisagem, como os biomas terrestres, as
regiões oceânicas, os desertos subtropicais e os domínios equatoriais, tropicais,
subtropicais, temperados, polares e glaciais.

Ela sugere o entendimento da gênese, dos centros de ação e da produção


dos climas na Terra e permite três formas distintas de abordagem. A primei-
ra, sem dúvida, contempla os estudos voltados aos paleoclimas e refere-se aos
processos climáticos ressaltados por meio do tempo geológico, como os perío-
dos de aquecimento e as glaciações observados desde o primeiro momento da
formação do planeta.

Grande parte dos estudos dessa forma de análise é voltada para o entendimen-
to dos processos climáticos na perspectiva naturalista, uma vez que contemplam
os mecanismos que remetem à origem das paisagens naturais e aos impactos dos 4
períodos glaciais e interglaciais, especialmente desenvolvimentos durante a época Esses elementos foram
4 estudados, sobretudo, com
do Pleistoceno no período Quaternário . base nas contribuições
do professor Aziz Nacib
A Teoria dos Ciclos de Milankovitch, que explicita os diferentes processos de Ab’Saber a respeito da Teo-
alteração da posição da Terra em relação ao Sol e, consequentemente, as altera- ria dos Refúgios Florestais.

ções no balanço de energia, é um dos principais exemplos de desenvolvimento


dessa análise. A utilização de indicadores paleoclimáticos, como fósseis, rochas,
sedimentos, polens, anéis de crescimento de árvores etc., serve para inferir as
condições climáticas por meio da estruturação, composição e organização obti-
das por datação relativa e absoluta.

Para além da perspectiva paleoclimática, a segunda abordagem também atende


às variações em períodos mais recentes, explicadas por ciclos que se repetem mais
ou menos de maneira periódica em segmentos de tempo que podem se estender

Escalas do clima 37
por décadas e até séculos. Nesse caso, inserem-se as influências das manchas sola-
res na incidência da radiação solar que chega à Terra, ou ainda os movimentos das
correntes oceânicas, associando objetos arqueológicos e documentos históricos,
como registros de eventos, relatos de viajantes, obras de arte etc.

Para exemplificarmos a ocorrência de alterações climáticas com base em do-


cumentos históricos, na representação da Batalha de Óstia (Figura 9), ocorrida
em 849 d.C., o nível do mar estava alto o suficiente para que os navios de guerra
pudessem ser atracados na foz do Rio Tibre. Atualmente, as ruínas de Ostia es-
tão a 3 km da foz do Tibre, o que representa uma condição de clima mais quente
que o atual.

Figura 9
A Batalha de Óstia, pintura atribuída a Rafael.

Sailko/Wikimedia Commons

Já entre os séculos XIII e XIX, o Rio Tâmisa, que se situa na Inglaterra e banha as
5
cidades de Oxford e Londres, estava totalmente congelado, a ponto de Thomas Wyke
Período entre 1645 e 1715,
quando foi observada uma representá-lo como uma pista para esquiar (Figura 10). Esse período é documentado
redução da atividade solar, na história moderna, sendo conhecido como a Pequena Era do Gelo, associada ao
sobretudo no número 5
de manchas solares, em mínimo de Maunder , devido à diminuição da radiação solar na época.
relação a outros períodos
pretéritos e posteriores.
A terceira forma de análise na escala da mudança climática contempla a
designação do aquecimento global contemporâneo, que resulta de alterações
na composição da atmosfera (sobretudo devido à queima de combustíveis fós-
seis pelas atividades humanas). Como consequência, vemos a intensificação
do efeito estufa planetário e o aumento da temperatura média do planeta.
Nesse caso, as transformações antropogênicas (a causa) datam particular-
mente da Revolução Industrial, a partir do final do século XVIII, e atualmente se

38 Climatologia
manifestam na diversidade de altera- Figura 10
ções (os efeitos), sendo as mais impor- Thames frost fair
tantes a elevação do nível dos mares,

Sailko/Wikimedia Commons
as modificações nos padrões climáticos
regionais, o aumento e a intensidade
de eventos extremos e os impactos na
biodiversidade.
Cabe destacarmos que tradicional-
mente os estudos com base na escala
da mudança não compreendiam a inter-
pretação exclusivamente geográfica. De
outro modo, grande parte dos processos
era mais bem explicada pela geologia,
oceanografia e meteorologia. Mas, nos
dias de hoje, dada a imperativa emer-
gência climática, o debate por meio da
geografia tem se tornado essencial para
pensar as estratégias de adaptação, mi-
tigação e proteção dos impactos negati-
vos das mudanças climáticas.

A emergência climática é uma me-


dida política adotada por entidades,
organizações, Estados-nacionais e seus

territórios como resposta à mudança climática. Podemos afirmar que ela não é
nova, há tempos tem sido gerida nos mais diversos setores da sociedade e mo-
mentos distintos da humanidade, em que o clima sempre foi colocado no centro do
debate social, econômico e político, sendo sistematicamente apresentado desde as
primeiras discussões a respeito do futuro do planeta na problemática ambiental.
Vídeo
Podemos, então, argumentar que a origem dessa preocupação coincide com
Para saber mais do debate
a importância do clima no trato das questões construídas no interior do movi- da emergência climática,
mento ambiental-ecologista entre as décadas de 1950 e 1960. Naquele momen- recomendamos a live
O que é clima e como
to, a problemática concentrava-se nos temas da degradação ambiental, da falta compreendê-lo em tempos
d’água, da proliferação de pestes, da desertificação, dos desastres naturais, dos de emergência climáti-
ca?, apresentada pelo
processos migratórios e da fome. Desse modo, o clima esteve sempre no centro Congresso Virtual da UFBA.
do debate, sendo reduzido aos problemas relativos à desertificação, ao buraco Disponível em: https://youtu.be/Uz_
3gi2GDbA. Acesso em: 10 maio 2021.
da camada de ozônio e ao aquecimento global. Hoje, a sua forma mais avançada
chamamos de mudança climática global.

Com base nessas escalas, também têm sido fonte de debate dentro da clima-
tologia geográfica as questões fortemente associadas a parâmetros geopolíticos e
econômicos, designando um papel imperativo dos Estados-nação nas formas de
implementar políticas e marcos regulatórios para assegurar o futuro da humani-
dade, os modelos de desenvolvimento, as fontes alternativas de energia – com a
valorização das renováveis e limpas – e o reconhecimento dos níveis de vulnerabi-
lidade e exposição de populações e países aos impactos das alterações climáticas.

Escalas do clima 39
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
As escalas do clima são um recurso de análise fundamental para a compreensão
das relações temporais e espaciais entre o clima e o espaço geográfico. A necessidade
de compreendê-las como processo dá o sentido de que todo fenômeno climático exi-
ge uma articulação espaçotemporal para sua interpretação, explicação e análise.
Em linhas gerais, podemos considerá-las um processo de adequação espa-
çotemporal segundo um conjunto sistematizado de atributos. Elas devem servir
para que o estudo do clima seja realizado de modo consistente, garantindo con-
fiabilidade e validação da análise. A finalidade é evidenciar os graus de articulação
físico-natural e socioeconômica do fenômeno climático e sua relação com a produ-
ção do espaço geográfico.
Os conceitos básicos para operacionalizar as escalas são definidos pela mudança,
pela variabilidade e pelo ritmo climático e devem integrar os processos climáticos que
se manifestam no tempo longo (geológico) e no curto (histórico). Cada escala também
orienta um conjunto metodológico de técnicas de análise, sistemas apropriados de
instrumentos tecnológicos, formas de validação e modelos de representação gráfica e
cartográfica significativos.
Para além dos atributos inerentes a cada escala, é importante entendermos que
sua definição deve estar inicialmente associada às espaçotemporalidades que o estu-
do exige para interpretar, explicar e analisar algum fenômeno ou os eventos climáti-
cos, garantindo um processo analítico e investigativo consistente e firme.

ATIVIDADES
1. Como as escalas podem ser estruturadas e combinadas?
Vídeo
2. Quais critérios podem ser admitidos para utilizar determinada escala?

3. Sob quais abordagens podemos desenvolver estudos com base na mudança


climática?

4. Em quais níveis a influência antropogênica no clima pode ser enquadrada?

REFERÊNCIAS
BORSATO, V. da. A.; BORSATO, F. H. A elaboração dos gráficos da análise rítmica por meio do software
livre gnuplot. In: 11º SBCGA – SIMPÓSIO BRASILEIRO DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA APLICADA E 5°
SPEC – SIMPÓSIO PARANAENSE DE CLIMATOLOGIA. Anais [...] Curitiba: Contribuições Científicas, 2014.
CAVALCANTI, I. F. de. A.; AMBRIZZI, T. Teleconexões e suas influências no Brasil. In: CAVALCANTI, I. F. de.
A. et al. (org.). Tempo e clima no Brasil. São Paulo: Oficina de textos, 2009.
MONTEIRO, C. A. de. F. O estudo geográfico do clima. Cadernos Geográficos, Florianópolis, n. 1, 1999.
NOAA. Global climate report for March 2021. National Centers for Environmental Information, abr. 2021. State
of the climate. Disponível em: https://www.ncdc.noaa.gov/sotc/global/202103. Acesso em: 10 maio 2021.
SANT’ANNA NETO, J. L. Escalas geográficas do clima: mudança, variabilidade e ritmo. In: AMORIM, M. C.
de. C. T.; SANT’ANNA NETO, J. L.; MOTNEIRO, A. (org.). Climatologia urbana e regional: questões teóricas e
estudos de caso. São Paulo: Outras Expressões, 2013.

40 Climatologia
3
A atmosfera da Terra
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo você será capaz de:

• Compreender a origem e formação da atmosfera terrestre ao longo da


história do planeta.

• Caracterizar as propriedades físicas e químicas da atmosfera, bem como


sua estrutura vertical e tipos de classificação.

• Conceituar o balanço de energia da relação Sol - Terra, demonstran-


do suas implicações na dinâmica atmosférica e na formação dos tipos
climáticos.

Seja bem-vindo ao terceiro capítulo do material de Climatologia. Agora nos-


so foco estará concentrado fundamentalmente no ambiente principal do fenô-
meno climático – a atmosfera.
Antes de falarmos propriamente sobre o significado e o conceito que envol-
ve a atmosfera, porém, vamos considerar que sob o viés da climatologia geo-
gráfica ela tem história, gênese e funcionalidades que dependem sempre das
possibilidades técnico-científicas de observação da sua dinâmica, com foco na
importância ecológica e suas características de massa, composição química e
estrutura física.
Nosso objetivo é compreender a origem e a formação da atmosfera terrestre
ao longo da história do planeta e, com base nesse processo, caracterizar suas pro-
priedades físicas e químicas, sua estrutura vertical e suas formas de classificação.
Vamos introduzir também a definição de balanço de energia, que se dá por
interações do sistema Sol – superfície terrestre – atmosfera. Esse conhecimen-
to deve demonstrar implicações fundamentais para interpretar a dinâmica dos
movimentos atmosféricos nas formações dos principais domínios e tipos climá-
ticos do planeta.

3.1 Origem e formação da atmosfera


Vídeo Você deve imaginar que, como qualquer outro sistema natural, a atmosfera tem
uma história, uma gênese, um início, além de ter sido desenvolvida no conjunto de
todos os outros processos de formação da Terra. E, de fato, é isso mesmo! Com
isso, você já tem construído um dos elementos mais fundamentais para o estudo
geográfico do clima, ou seja, a busca pela origem do sistema climático.

A atmosfera da Terra 41
Nesse sentido, consideramos inicialmente que a atmosfera é o ambiente forma-
do pelo ar atmosférico, tradicionalmente uma fina camada de ar que envolve a Ter-
ra, constituída por diferentes gases e agregada à superfície terrestre pela força da
Figura 1 gravidade (BARRY; CHORLEY, 2013). Ela não apresenta um limite superior em um
A atmosfera terrestre
sentido físico, fixo e marcado; pelo contrário, o que se verifica é uma progres-
siva rarefação do ar atmosférico com a altitude (Figura 1).

Dentre as suas principais funções, po-


demos destacar a distribuição glo-
bal da energia proveniente do
Sol, uma vez que a atmosfera
determina o modo como essa
energia tende a entrar, trans-
formar e sair do sistema ter-
restre, além da capacidade de
redução das amplitudes térmi-
cas entre períodos diferentes
de insolação – por exemplo,
entre o dia e a noite e as esta-
KeyFame/Shutterstock
ções do ano.

Primeiramente, dentro do sistema terrestre, a atmosfera é o principal meio que


favorece a troca de matéria e energia entre Sol e a superfície da Terra, favorecendo
a retroalimentação dos processos físicos, químicos e bióticos integrados a outros
sistemas, como a litosfera, a criosfera, a hidrosfera e a biosfera. Por esse aspecto,
é importante destacar como os processos da história natural foram cruciais para
sua formação.

O pressuposto é de que, como o sistema terrestre passou por diversas transfor-


mações ao longo de 4,5 bilhões de anos, a formação da atmosfera também revela
que alterações químicas e mudanças físicas drásticas impactaram diretamente as
formas de vida e a formação das paisagens naturais.

Aliás, atualmente essas são, em primeira estância, as chaves para entender a


origem e a reprodução dos seres humanos no planeta. E o que de fato a história
natural nos mostra da origem e formação da atmosfera?

Com base nos estudos geológicos, a história natural mostra que o planeta Terra,
antes muito semelhante a uma bola de fogo, começou a diminuir a velocidade do
movimento de rotação e, em seguida, passou por um grande resfriamento, for-
mando a primeira crosta terrestre. Trata-se do momento que marca o fim do éon
Hadeano e início do éon Arqueano, há 3,85 bilhões de anos (TEIXEIRA et al., 2001).

Nesse momento, o Sol era em torno de 40% mais ativo do que é hoje, não havia
oxigênio suficiente para atuar como filtro dos altos níveis de radiação UV e uma at-
mosfera pretérita começava a se formar como um ambiente rico em hidrogênio
(H), oxigênio (O), carbono (C), enxofre (S), hélio (He), sulfetos (elementos químicos

42 Climatologia
compostos de enxofre), cianetos (compostos de carbono e hidrogênio), e que, por
processos fotoquímicos, provavelmente se transformavam em metano (CH4), nitro-
gênio (N), amônia (NH3) e dióxido de carbono (CO2) (TEIXEIRA et al., 2001).

Em um outro momento do Arqueano, impactos de meteoros incrementaram o


elemento água (H2O) e por essa condição vulcanismos e atividades sísmicas foram
se desenvolvendo no conjunto de outros mecanismos de liberação de gases (oxi-
dação, precipitação etc.), e reações físico-químicas rapidamente produziram o que
se chama de atmosfera primitiva (TEIXEIRA et al., 2001).

O resultado foi que grandes quantidades de água foram lançadas na atmosfera,


resultando em ambiente tóxico, muito quente e cheio de vapor, em que, com a
consolidação da crosta terrestre, a água precipitada na forma de chuvas e tempes-
tades originou os primeiros oceanos (cerca de 20 cm de profundidade). Nessa nova
situação, o dióxido de carbono reagiu com rochas sílicas originando carbonatos, e
houve a formação de outros gases atmosféricos, como argônio (Ar), neônio (Ne),
criptônio (Kr) etc. (FERREIRA; ALVES; SIMÕES, 2008).

A partir disso, com a presença de água no sistema terrestre e a formação de sín-


teses pré-bióticas, formaram-se moléculas orgânicas fundamentais para a origem do
fenômeno da vida. Sobretudo a partir do éon Fanerozóico, a interação com radiações
ultravioletas provenientes do Sol viabilizou a formação dos primeiros organismos vi-
vos, as cianobactérias primitivas, que apresentavam características celulares simples,
metabolismo exclusivamente anaeróbio e utilizavam compostos inorgânicos (como
derivados de ferro e enxofre, abundantes à época) para desenvolver processos de
síntese de energia química e fixação do nitrogênio (TEIXEIRA et al., 2001).

Artigo

http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc38_4/06-EA-57-15.pdf

Como você deve perceber, a formação da atmosfera terrestre aconteceu de maneira paralela
ao fenômeno da vida (origem e evolução). Para aprofundar esse detalhamento, recomenda-
mos a leitura do artigo A evolução da composição da atmosfera terrestre e das formas de vida
que habitam a Terra, publicado na QNEsc em 2016, no qual os autores Eduardo Galembeck e
Caetano Costa discutem conceitos fundamentais da seleção natural.

Acesso em: 7 maio 2021.

O interessante é que processos fotossintéticos foram desenvolvidos em série


nesse ambiente. Esses organismos passaram a absorver dióxido de carbono e li-
berar oxigênio no ambiente líquido (os grandes oceanos), e, a partir disso, o oxi-
gênio se combinou com o ferro (Fe), que estava dissolvido no assoalho oceânico
(­FERREIRA; ALVES; SIMÕES, 2008).

O resultado foi a origem dos compostos do tipo óxidos de ferro (FeO), que pre-
cipitaram criando uma fina camada no fundo do oceano, a lama anóxica, formando
xisto e cherts (rochas sedimentares constituídas por sílica – SiO2). Uma parte ­desse
oxigênio fixava-se em rochas sintetizando como óxido de ferro – as formações
­ferríferas bandadas, por exemplo (Figura 2) (FERREIRA; ALVES; SIMÕES, 2008).

A atmosfera da Terra 43
Figura 2
1
Rocha oriunda de formações ferríferas bandadas

André Karwath/Wikimedia Commons


1 Formações ferríferas bandadas são rochas sedimentares de origem química do período Pré-
As diferentes colorações cambriano, fundamentalmente compostas de camadas alternadas (bandas) de óxido de ferro
desse tipo de rocha, bem (coloração acinzentada ou escura) e de chert e/ou jaspe (tons avermelhados, que indicam teores
marcantes, representam baixos de óxido de ferro). No Brasil, elas podem ser encontradas em Minas Gerais e na Serra dos
processos de sedimentação Carajás, localizada no Pará.
em camadas sobrepostas.

Devido a intensos vulcanismos e atividades sísmicas, a destruição do assoalho


oceânico possibilitou a liberação e o transporte oxigênio, antes preso ao óxido de
ferro, para a atmosfera. Na mesma medida, o dióxido de carbono e de vapor de
água só existiam enquanto vestígios, sendo o nitrogênio o gás principal (FERREIRA;
ALVES; SIMÕES, 2008).

Assim, há cerca de 2.100 a 2.300 milhões de anos, o oxigênio começou a en-


riquecer a atmosfera alterando sua composição química para dar condições de
manutenção da vida no planeta. Nesse sentido, consideramos que os patamares
da composição química estão estáveis há pelo menos 400 a 65 milhões de anos, ou
seja, a atmosfera terrestre foi inicialmente consolidada no Período Cretáceo, da Era
Mesozoica, do éon Fanerozoico.

3.2 Características da atmosfera


Vídeo Atualmente, o estudo, a observação e a descrição da atmosfera e sua dinâmica
em altos níveis têm sido significativamente ampliados com o uso de satélites, fo-
guetes e equipamentos eletrônicos. Com base nesses estudos, a atmosfera atual
compreende uma mistura mecânica estável de gases, sendo os mais importantes:
nitrogênio (78%), oxigênio (20%), argônio (0,93%), dióxido de carbono (0,03%) e va-
por d’água em quantidades e proporções variáveis (BARRY; CHORLEY, 2013).

Os três primeiros gases apresentam proporções constantes até 80 km de altitu-


de, já os demais, como ozônio, neônio, hélio, metano, hidrogênio etc., ocorrem em
proporções muito pequenas. O Quadro 1 apresenta alguns dos principais compo-
nentes gasosos da atmosfera agrupados naqueles que são fixos e variáveis, uma

44 Climatologia
vez que estes tendem a apresentar importante variabilidade espaçotemporal de
acordo com a sazonalidade (estações do ano) e as fontes de emissão na superfície
2
2
terrestre .
Por exemplo, é natural o
Especificamente o nitrogênio, embora seja o constituinte mais abundante, não vapor d’água existir em
maior quantidade sob
desempenha papel relevante em termos químicos e energéticos na superfície ter- a superfície de lagoas e
restre. Na alta atmosfera, no entanto, esse gás absorve uma parte de energia solar mares do que em uma área
de solo exposto e seco.
na faixa das ondas curtas, no domínio do ultravioleta, que é nocivo à vida. A mesma razão acontece
para o CO2, que pode ser
O oxigênio, por outro lado, desempenha um papel essencial do ponto de vista observado em grandes
químico e biológico: torna possível a vida aeróbica da Terra, a oxigenação dos com- quantidades no ar próximo
a florestas ou em áreas
postos orgânicos, por meio do processo fisiológico da respiração, e a reciclagem onde há queima de com-
dos elementos químicos por meio da oxidação. Além disso, sua participação na bustíveis fósseis.

atmosfera favorece a formação de ozônio (O3).

Quadro 1
Principais componentes gasosos da atmosfera

% por volume de ar Concentração em ppm


Componentes Gases
seco de ar
Saiba mais
Nitrogênio 79 -
Apesar de o oxigênio apre-
Oxigênio 21 - sentar uma variabilidade
espaçotemporal importante
Argônio 0,1 - (sua concentração é alta no
Equador e baixa nos polos
Neônio 18,2 ou latitudes maiores que
Fixos 50º, e se concentra entre
Hélio 5,24 15 e 35 km de altitude), ele
é um gás instável que se
Metano Menor que 0,09 1,5 dissocia produzindo uma
molécula e um átomo de
Criptônio 1,4 oxigênio quando absorve
radiação solar ultravioleta.
Hidrogênio 0,5
Sua propriedade é, assim,
fundamental, uma vez que,
Vapor d’água <4 -
se a radiação solar ultravio-
Dióxido de carbono 0,03 325 leta não fosse interceptada
pelo ozônio, ela passaria a
Monóxido de carbono < 100 atingir a superfície terrestre
Variáveis diretamente, causando
Ozônio <2 impactos nocivos aos
organismos vivos, como
Dióxido de enxofre - <1 queimaduras na epiderme
dos seres vivos e aumento
Dióxido de nitrogênio < 0,2 drástico da incidência de
câncer de pele. Por outro
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Barry; Chorley, 2013.
lado, se a concentração
O vapor d’água é um constituinte atmosférico que interfere diretamente na dis- de ozônio aumentasse ao
ponto de absorver toda a
tribuição da temperatura no planeta. Em primeiro lugar, ele participa ativamente radiação ultravioleta solar,
dos processos de absorção e emissão de calor sensível para a atmosfera; em se- não haveria formação de
vitamina D no organismo
gundo, atua como veículo de energia ao transferir calor latente de evaporação de
animal e, por consequência,
uma região para outra, liberado como calor sensível quando o vapor se condensa a formação óssea ficaria
prejudicada.
(MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007).
Em sua variação espaçotemporal, o vapor d’água também tende a ser distri-
buído de modo diferencial no planeta. Por exemplo, nas regiões de clima árido
(notadamente secas) sua composição pode chegar a 0% na atmosfera, já nas zonas
úmidas dos trópicos ele não passa de 4%, uma vez que, ao ultrapassar esse pata-

A atmosfera da Terra 45
mar, o ar atmosférico satura e há ocorrência de condensação e/ou precipitação
(BARRY; CHORLEY, 2013).
Por outro lado, durante o verão, nas latitudes médias a capacidade de retenção
do vapor d’água na atmosfera é maior do que no inverno. Sobre a Floresta Amazô-
nica há cinco vezes mais vapor d’água do que sobre o Deserto do Saara e sobre a
Amazônia; ainda, sua concentração varia de 30% entre a estação seca e a chuvosa.
Em regiões polares e em regiões tropicais a uma altura acima de 4 km existe pouco
vapor d’água (BARRY; CHORLEY, 2013).
O vapor d’água também é quase ausente em altos níveis da atmosfera, entre
cerca de 10 e 12 km acima da superfície. Além disso, ele é um dos principais gases
de efeito estufa (GEE). O efeito estufa é o mecanismo planetário caracterizado pela
retenção de calor irradiado pela superfície terrestre que promove a manutenção da
temperatura da Terra, um dos atributos essenciais para as formas de vida atuais.
Assim, a atmosfera e o conjunto dos GEE agem como controladores da radiação
solar, não permitindo que a radiação terrestre saia para o espaço sideral. Sem essa
capacidade, a Terra seria de 30 a 40º mais fria do que atualmente.
Além disso, o vapor d’água é único constituinte da atmosfera que muda de es-
tado em condições naturais e, em consequência disso, ele também é o responsável
pela origem das nuvens, por uma série de fenômenos meteorológicos importantes
(chuva, neve, orvalho etc.), e sua proporção na atmosfera também determina o ní-
vel de conforto ambiental e humano (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007).
Com concentração até 100 vezes inferior à do vapor d’água, o dióxido de car-
bono é o segundo gás do efeito estufa mais importante da atmosfera, por isso ele
desempenha um papel de destaque nos processos energéticos do sistema terrestre,
absorvendo energia solar e terrestre de comprimentos de onda longa. Ao mesmo
tempo, sua entrada na atmosfera se dá principalmente por processos biológicos de
organismos vivos nos oceanos e continentes. Há um intercâmbio contínuo entre o
CO2, a atmosfera e os seres vivos (respiração e fotossíntese), os materiais da crosta
(combustão e oxidação) e os oceanos; ainda, cerca de 90% dos constituintes vegetais
não provêm do solo, mas da atmosfera, por meio da atividade fotossintética. Por
exemplo, o carbono integrante das moléculas sintetizadas pelos vegetais provém do
CO2 atmosférico. Assim, é possível considerar que o processo de fotossíntese ajuda a
manter o equilíbrio do CO2 na atmosfera (TORRES; MACHADO, 2008).
Contudo, a utilização crescente de combustíveis fósseis desde a industrializa-
ção tem proporcionado cerca de 27% de aumento de CO2 na concentração no ar
atmosférico, sendo atualmente o principal debate acerca das mudanças climáticas,
do aquecimento global e da precarização do ar nas cidades.

3 Por esse motivo é um gás que tem causado grande polêmica, pois sua con-
3
1 ppmv = 1 parte por centração, embora baixa, aumentou de 315 ppmv em 1958 para 379 ppmv em
milhão por volume, ou seja, 2005, crescendo à taxa média de 0,4% ao ano. Esse crescimento é atribuído às
1 ml de gás por m3 de ar.
emissões decorrentes das atividades humanas, como a queima de combustíveis
fósseis e o desmatamento das florestas tropicais (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA,
2007). Além desses gases, a atmosfera também é composta de material particulado
em suspensão (aerossóis, poeira, fumaça, matéria orgânica, sais, pólen etc.), que se
apresentam em quantidades significativas, mas mesmo assim variáveis segundo as

46 Climatologia
características naturais ou de uso da superfície. Esses materiais podem, inclusive,
ser associados ao nível de salubridade, sobretudo nos ambientes urbanos e em
áreas muito poluídas. Em grande parte, doenças do aparelho respiratório, viroses,
e alergias têm como fonte a presença desses compostos no ar.

3.3 Estrutura da atmosfera


Vídeo Por ser uma fina camada de gás, a atmosfera apresenta-se extremamente volátil,
compressível e expansiva. Em outras palavras, a capacidade de ser presa à Terra pela
gravidade favorece que ela seja mais densa nos limites inferiores (mais próximos da
superfície) do que nos limites superiores. Ao mesmo tempo, ela tende a ficar mais
espessa quanto mais chega aos limites externos, entrando no espaço sideral.
Vapor d’agua, ozônio, dióxido de carbono e materiais particulados desempenham
papéis importantes na distribuição e nas trocas energéticas na atmosfera e entre at-
mosfera e superfície terrestre (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Devido à cons-
tante e turbulenta mistura, não há separação entre gases leves e gases pesados; o
que há, de fato, é a distribuição estruturada verticalmente na coluna atmosférica.
A densidade do ar atmosférico, no entanto, diminui gradativamente em relação
à altitude. Cerca da metade do total da massa da atmosfera está concentrada abai-
xo de 5 km de altitude. É dessa característica que é possível inferir a organização da
atmosfera em duas camadas.
A primeira, chamada de homosfera, está localizada em uma altitude inferior
de 80 a 100 km, na qual a combinação dos componentes químicos existentes é
homogênea. A camada da atmosfera situada acima da homosfera é chamada de
heterosfera e se caracteriza pela variação em sua composição química e pelo
peso molecular médio dos gases constituintes. Apresenta altitude acima de 80 km
(­MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007).
A homosfera e a heterosfera oferecem a observação da pressão atmosférica,
que é a força mecânica da gravidade exercida pelo peso do ar verticalmente aci-
ma de uma unidade de área horizontal centralizada em um determinado lugar.
A pressão é determinada segundo a capacidade de que cada gás tende a exer-
cer uma pressão parcial independente dos outros, mas também está condicio-
nada pela temperatura do ar, pelo teor de umidade, pela latitude e sazonalidade
(­MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007).
Essa diversidade mostra que a atmosfera vertical apresenta uma estrutura físi-
ca, e a temperatura do ar é a grandeza meteorológica utilizada para dividir a atmos-
fera terrestre em três camadas relativamente quentes – entre 50 e 60 km e acima
de 120 km de altitude –, que são separadas por duas camadas relativamente frias
– entre 10 e 30 km e cerca de 80 km acima da superfície.
A camada denominada troposfera contém cerca de 75% em 1% da massa total
da atmosfera, basicamente a totalidade do vapor d’água e material particulado,
apresentando uma taxa média de decréscimo de 6,5 ºC a cada km de altitude e
1300 g/m3 de densidade. É a camada de mistura que interessa à climatologia geo-
gráfica, uma vez que nela a relação com a superfície se dá por meio dos processos e
sistemas atmosféricos que estabelecem as condições e os tipos de tempo. A figura
a seguir representa as camadas atmosféricas.

A atmosfera da Terra 47
10.000 km Figura 3
Características e estrutura da atmosfera
NOAA/Mysid/Pedro Spoladore/Wikimedia Commons

Exosfera

TERMOSFERA
mb
MESOPAUSA
00,1

690 km MESOSFERA
0,1

PRESSÃO
ESTRATOPAUSA
1
Termosfera

10
Satélite ESTRATOSFERA

100
TROPOPAUSA

TROPOSFERA
1000
-80 -60 -40 -20 0 20 ºC
TEMPERATURA
Aurora Fonte: Adaptado de Torres; Machado, 2008.

100 km A tropopausa corresponde à seção superior da troposfera e é caracterizada pela


(linha Káman) inversão térmica que limita a convecção e outras atividades do tempo. A altura não

85 km é constante, apresentando uma variabilidade espaçotemporal bastante importan-


Troposfera Estratosfera Mesosfera

te. De todo modo, ela é mais elevada na região equatorial (16 km) e mais baixa nos
polos, onde pode chegar a 8 km.
Meteoros
A estratosfera é a segunda camada principal da atmosfera, entende-se até
50 km da superfície e apresenta aquecimento da temperatura em altitude. Isso
acontece porque é nessa camada que se encontra grande concentração de ozônio
50 km
(em torno dos 22 km), que, em contato com a radiação solar, libera uma grande
quantidade de energia e provoca o aumento da temperatura.
Balões
meteorológicos Essa camada é muito importante para o transporte aéreo, pois diminui proces-
sos mecânicos entre o ar atmosférico devido à baixa temperatura, favorecendo a
6-20 km redução de movimentos turbulentos e a condição de estabilidade.

A seção superior é chamada de estratopausa e limita a chamada atmosfera infe-


rior. A atmosfera superior começa na estratopausa e termina na exosfera quando
Monte Everest se funde com o espaço sideral.

Nessa segunda estrutura, ocorre ainda a mesosfera, na qual a temperatura di-


minui com a altura, chegando a valores de -90 ºC aos 80 km, seguida da termosfe-

48 Climatologia
ra, que apresenta aumento da temperatura devido à absorção e reflexão de
radiação de ondas curtas (UV, X etc.), provocando forte ionização ou carregamento
elétrico. É denominada às vezes de ionosfera na seção acima de 100 km.

Os fenômenos de auroras (boreal e austral) ocorrem na altura dessa camada e


podem ser associados à grande prática turística em países onde esses efeitos óp-
ticos são mais facilmente vistos. Devido ao processo de ionização, essas camadas
também apresentam uma diversidade de energia em diferentes comprimentos de
ondas e são preferencialmente utilizadas para comunicação. Nesse caso, as on-
das longas são fundamentais para transmitir mensagens, difundir informação e
ampliar capitais devido às conexões elaboradas por
meio das tecnologias de rádio, TV e internet.

IMAGE Spacecraft Pictures/Wikimedia Commons


A exosfera se entende a partir de 500 e 750 km,
e nela gases como oxigênio, hidrogênio e hélio for-
mam uma atmosfera muito tênue, menos densa e
progressivamente inexiste, pois a camada de gases
da atmosfera não apresenta limite superior exa-
to. Nessa camada, assim como na exosfera, estão
também localizados grandes instrumentos de tele-
comunicação e de geração de informação da super-
fície terrestre, como os satélites.

Observe que atribuímos à troposfera o papel de


camada principal de manifestação dos processos de
tempo e clima, definindo-a como a atmosfera geo-
gráfica, uma vez que é a parte da atmosfera mais
próxima aos seres vivos (MENDONÇA; DANNI-OLI-
VEIRA, 2007).
Aurora austral capturada pelo satélite Image, da NASA, em 2005. Ela foi
No entanto, o estudo geográfico não se restrin-
sobreposta digitalmente à fotografia conhecida como The Blue Marble,
ge a ela, pois a atmosfera tem sido usada pratica- tirada em 1972 pela tripulação da Apollo 17.
mente como uma totalidade, seja para observação
dos fenômenos meteorológicos, seja para desenvolvimento dos sistemas sociais e
produtivos, por meio das atividades turísticas, do transporte, da comunicação e do
conhecimento.

Nesse sentido, para o estudo geográfico da atmosfera, geralmente se considera


a baixa troposfera, a camada de mistura. Isso quer dizer que a climatologia geográ-
fica se preocupa com a representação da atmosfera em sua seção mais importan-
te, que se restringe a apenas 0,3%. Justifica-se, portanto, a crescente preocupação
em preservá-la e considerá-la como um todo, uma vez que é nela que os sistemas
atmosféricos tendem a se manifestar, contribuindo para substanciar as formas de
apropriação dos sistemas produtivos e humanos

Isso significa entender que a superfície terrestre não pode ser reduzida como
espaço geográfico, mas compreende todo o planeta, desde o ponto central do nú-
cleo, indo à periferia da atmosfera, até os limites do universo. Essa abrangência
deve ser considerada espaço geográfico, já que é por esse meio que nós, os seres
humanos, temos construído o nosso lugar.

A atmosfera da Terra 49
3.4 Balanço de energia
Vídeo Como apresentado, a radiação solar é um dos elementos climáticos que serve
para estruturar e organizar a atmosfera verticalmente. Mas, para além disso, a ra-
diação também está associada à energia disponível para o sistema terrestre e aos
diversos processos de transformação e circulação da matéria no planeta, sendo
crucial para o desenvolvimento do fenômeno da vida. Vamos por partes.
Consideramos inicialmente que o Sol é a primeira e principal fonte de energia
de que o planeta Terra dispõe para efetivar os diversos processos físicos, químicos
e biológicos. No sistema terrestre a radiação solar incidente tende a ser diferencia-
da por pelo menos três fatores: período do ano, período do dia e latitude. Dessa
forma, sua distribuição espaçotemporal não é simétrica.
O processo começa assim: o Sol emite para o espaço sideral uma grande quan-
tidade de energia, chamada de energia radiante ou radiação. A radiação solar apre-
senta configurações de ondas eletromagnéticas em diversos comprimentos de onda
(principalmente radiação de onda curta – ROC), que se propagam de maneira difusa
(em todas as direções) até interagir com o planeta Terra (BARRY; CHORLEY, 2013).
A quantidade de radiação solar interceptada pela Terra está relacionada com o
total de energia emitida pelo Sol, ou seja, quanto maior for a atividade solar, maior
será a energia que chega ao planeta. Convencionalmente, essa radiação é constan-
te e pode variar entre 1 e 2%, dentro do valor de 1360 kW/m2.
Os fluxos de ROC não refletido passam pela atmosfera terrestre e boa parte
deles é absorvida pela superfície, que se aquece. Porém, para as temperaturas dos
corpos, encontrados tanto na superfície como na atmosfera terrestre, os compri-
mentos de onda emitida estão entre 4,0 e 50 micrometros, em uma faixa espectral
denominada radiação de ondas longas (ROL). O fluxo de ROL emitida pela superfície
é absorvido por gases, material particulado e pequenos constituintes da atmosfera.
Saiba mais Esses, por sua vez, emitem ROL em todas as direções, inclusive à superfície terres-
Dos instrumentos desig- tre e ao espaço exterior (BARRY; CHORLEY, 2013).
nados para a mensuração
da radiação, o piranómetro Empiricamente, o mecanismo pode ser explicado com base no total de radiação
é usado para medir toda
solar (ROC) que chega à Terra (100%). Desse total, pelo menos 6% são difundidos
a radiação que chega à
superfície da Terra, quer de volta para o espaço sideral pela própria atmosfera e, em seguida, 20% são re-
seja direta, difusa ou refle- fletidos pelas nuvens e 4%, pela superfície do globo. Assim, 30% da radiação em
tida. Ele mede a radiação
direta, e o heliógrafo regista
ROC perdem-se para o planeta, recebendo o nome de albedo planetário (BARRY;
o número de horas de CHORLEY, 2013).
insolação. Desse ponto,
é importante destacar o Dentro do sistema terrestre, as nuvens absorvem 3% da radiação solar restante,
papel da OMM em fornecer ao passo que o vapor d’água, as poeiras e outros componentes no ar contam para
padronização de equipa-
mentos, instrumentos e mais 16%. O resultado de todas essas interferências atmosféricas garante que ape-
lugares de instalação de nas 51% da radiação solar incidente atinja verdadeiramente a superfície do globo
estações meteorológicas
com a introdução dessas
(BARRY; CHORLEY, 2013) (Figura 4).
ferramentas para obten-
Como resultado, apenas uma pequeníssima quantidade de radiação terrestre
ção de séries históricas
confiáveis e consistentes, escapa diretamente para o espaço, e a radiação que por fim chega à superfície da
bem como suas formas de Terra promove todos os processos físicos, químicos e bióticos. O balanço de ener-
representação e análise.
gia, assim, é resultado da diferença entre quantidade de radiação de ondas curtas
(radiação solar) e de ondas longas (radiação terrestre) que é absorvida e transfor-
mada em energia térmica (calor).

50 Climatologia
Figura 4
Representação do balanço de energia

VectorMine/Shutterstock
Albedo planetário Energia
solar
Topo da atmosfera

era
osf
Atm

ens
Nuv

e
str
rre Nuvens, gases
te
ie
fíc atmosféricos
per e material em
Su
suspensão

Superfície terrestre

O primeiro fator que diferencia a distribuição da radiação no planeta é o pró-


prio movimento astronômico de translação. Quando atinge o afélio e o periélio, o
planeta pode estar ora mais distante, ora mais próximo do Sol, respectivamente, e
cada hemisfério tende a receber mais energia do que outro devido à inclinação do
seu eixo.

Essa diferenciação é suficiente para promover a sazonalidade do sistema ter-


restre, proporcionando uma primeira regionalização do clima global entre Hemis-
fério Sul e Norte, com dinâmicas distintas, e definindo que em alguns lugares as
estações são definidas segundo a intensidade da radiação recebida e conforme os
eventos de solstícios e equinócios.

Além da translação, a rotação – que define o período do dia – altera a distribui-


ção de radiação devido à da influência no ângulo de incidência dos raios solares em
um ponto de observação na superfície terrestre. Nesse caso, quanto maior for a
altura do Sol, ou altura solar, mais concentrada será a intensidade da radiação por
unidade de área, já que os raios incidem perpendicularmente.

De modo geral, nesse processo a radiação solar é bastante elevada à tarde,


diminui ao entardecer até o anoitecer, é baixa pela manhã e tende a aumentar con-

A atmosfera da Terra 51
forme a altitude do Sol, sendo o movimento de rotação o processo que organiza a
radiação solar quando a face exposta do planeta está virada para o Sol.

A altura do Sol também é determinada pela latitude dos lugares. Quanto a esse
4
aspecto, a radiação solar tende a diminuir conforme aumenta a latitude. Isso acon-
O planeta Terra apresenta 4
uma forma quase esferoi- tece porque o planeta é um geoide e os raios solares tendem a incidir de maneira
dal, ou seja, ela não é uma perpendicular na zona equatorial e tangencialmente nos limites dos polos.
esfera como concebida
idealmente nos globos Essa situação faz com que nas baixas latitudes seja observado um superávit
terrestres.
radiativo (máximos de incidência solar), enquanto nos polos ocorre déficit radiativo
(mínimos de incidência solar), e pode ser particularizada também na duração do
dia com horas de Sol. Por exemplo, durante o solstício de verão no Hemisfério Sul,
os dias são mais longos do que a noite, e no Polo Sul a luz solar é constante por pra-
ticamente as 24 horas do dia. O contrário acontece no Hemisfério Norte, quando,
no mesmo momento, observa-se o solstício de inverno (Figura 5).

Figura 5
Diferenciação da radiação no Hemisfério Sul e Norte

EreborMountain/Shutterstock
Noite Dia Luz do Sol

Além dos superávit e déficit radiativos, nas baixas latitudes, devido à passagem
do máximo solar duas vezes ao ano, observa-se uma sazonalidade marcada prin-
cipalmente pela presença de períodos chuvosos e secos, típicos dos climas tropi-
cais. Nas latitudes médias e altas, a sazonalidade está condicionada à variação das
temperaturas, sendo comum observar diferença estacional entre verão, outono,
inverno e primavera.

A intensidade com que essas radiações alcançam o solo é denominada intensidade


de insolação e está diretamente relacionada à altura solar de cada lugar. Por exemplo, a
região tropical (por volta dos 20 graus de latitude) apresenta-se como setor do planeta
com os mais acentuados valores de insolação, enquanto nas regiões polares são regis-
trados valores mais baixos em consequência da reduzida altura solar. A faixa equato-
rial possui índices inferiores às áreas tropicais devido à nebulosidade mais intensa que
tende a reduzir a quantidade de radiação solar que atinge o solo (Figura 6).

52 Climatologia
Figura 6
Representação da distribuição da radiação

Fonte: GLOBAL SOLAR ATLAS, 2019. Saiba mais


A variabilidade do albedo
A ação conjunta de movimentos astronômicos, altura solar e latitude dos luga- planetário é explicada,
res apresentam um padrão de recebimento da energia solar que é ligeiramente entre outros fatores, pela
composição e pelas carac-
alterado em interação com a superfície terrestre e a atmosfera. Esses dois com- terísticas da superfície. Por
ponentes recebem radiação solar, mas também a absorvem, difundem e irradiam. exemplo, a neve tem um
dos maiores índices de al-
Em geral, aproximadamente 25 a 30% da radiação que entra no planeta é di- bedo, uma vez que a super-
fície branca tende a refletir
retamente refletida para o espaço sideral e não é utilizada para processos físicos,
de maneira eficiente os
químicos e biológicos no sistema terrestre. Essa reflexão da radiação de onda curta raios solares incidentes. Já
o asfalto, de cor preta, tem
chama-se albedo, sendo comumente representado em termos percentuais.
um dos menores índices de
albedo. Além da composi-
Albedo é um conceito que explica que toda radiação solar, ao incidir sobre qual-
ção e das características da
quer corpo, vai, em maior ou menor quantidade, sofrer uma mudança de direção, superfície, o albedo tende
a ser maior em função do
sendo reenviada para o espaço por reflexão. É a fração de energia refletida por
comprimento de onda e do
uma superfície em relação ao total de energia nela incidente (expresso em percen- ângulo de incidência. Daí a
explicação de que o albedo
tagem) (BARRY; CHORLEY, 2013).
de uma dada superfície é
A absorção e a emissão pela atmosfera reduz a perda de ROL emitida pela su- maior durante o nascer
e o pôr do sol (momento
perfície, que escaparia para o espaço exterior, constituindo uma parte do processo em que os raios luminosos
chamado efeito estufa (BARRY; CHORLEY, 2013). estão tangenciado a super-
fície) e menor por volta do
Deste modo, o balando de energia mostra o albedo e o efeito estufa como os meio-dia (momento em que
os raios luminosos estão
dois mecanismos de transformação de energia eletromagnética em energia tér- perpendiculares à super-
mica (calor) (Figura 7). Em síntese, esses são os princípios da circulação geral da fície). Em outras palavras,
raios solares em posição
atmosfera e devem ocorrer de tal forma que nenhuma parte do sistema se aqueça vertical tendem a produzir
ou se resfrie de maneira significativa no período de um ano. albedo menor do que
quando em posição oblíqua
ou inclinada.

A atmosfera da Terra 53
Figura 7
A estabilidade do clima da Terra resulta do balanço entre o fluxo de radiação absorvido pelo planeta e o emitido
para o espaço

Vitoriano Junior/Shutterstock
A análise da radiação no estudo geográfico do clima pode indicar diferentes
possibilidades. Por exemplo, na bioclimatologia e no clima urbano o estudo tem
sido realizado com foco na função fisiológica e ambiental, sugerindo o encontro da
exigência ecológica e das derivações ambientais associadas aos impactos na pro-
dutividade agrícola e animal, na qualidade ambiental e na saúde humana na cidade
e no campo. Além disso, os valores de radiação são um indicador interessante para
identificação de sistemas atmosféricos e de tipos de tempo estáveis e instáveis.

CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A atmosfera é caracterizada por um complexo de inter-relações, envolvendo pro-
cessos de trocas de matéria e energia, segundo sua composição química, sua estru-
tura física etc. Altamente mutável, variável, fluida e dinâmica, a atmosfera interage
com oceanos, continentes, solos, vegetação e o conjuntos de seres vivos e define de
modo abrangente a organização das paisagens naturais e a constituições dos sistemas
produtivos.
Cabe ressaltar que a relação entre temperatura e altura e os limites entre as diver-
sas camadas variam, entre outros fatores, em função do local e do período do ano.
Também não podemos esquecer que a divisão em camadas depende dos critérios
estabelecidos, e isso quer dizer que, em um dado instante e região da atmosfera, as
condições reais podem estar diferentes daquelas previamente estabelecidas. Por isso,
não podemos deixar de considerar que a atmosfera é um ambiente fluido, bem como
não devemos esperar que existam limites absolutos.
Além disso, a radiação tem papel crucial na análise geográfica do clima, uma vez
que as variações sazonais e diárias são importantes, principalmente pelos impactos
que tendem a promover nos sistemas produtivos e humanos, e em interação com os
fatores geográficos pode qualificar os processos atmosféricos em sua função fisiológi-
ca, ambiental, natural ou antropogênica.

54 Climatologia
ATIVIDADES
1. Explique as principais características da atmosfera pretérita, primitiva e atual.
Vídeo
2. Qual é a importância dos vulcanismos e da vida para a formação da atmosfera
terrestre?

3. Quais fatores podem influenciar a distribuição da radiação no planeta Terra?

4. Quais mecanismos (físicos) contribuem para a transformação, o armazenamento, a


dispersão e a reflexão da radiação no planeta?

5. Qual é a particularidade da atmosfera nos estudos desenvolvidos pela geografia e


pela climatologia?

REFERÊNCIAS
BARRY, R. G.; CHORLEY, R. J. Atmosfera, tempo e clima. Porto Alegre: Bookman, 2013.
FERREIRA, S.; ALVES, M. I.; SIMÕES, P. P. Ambientes e vida na Terra: os primeiros 4.0 Ga. Revista Estudos do
Quaternário, n. 5, p. 99-116, 2008.
GLOBAL SOLAR ATLAS. Direct normal irradiation. 2019. Disponível em: https://globalsolaratlas.info/
download/world. Acesso em: 30 jun. 2021.
MENDONÇA, F.; DANNI-OLIVEIRA, I. M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina
de Texto, 2007.
TEIXEIRA, W. et al. (org.). Decifrando a terra. São Paulo: Oficina de Texto, 2001.
TORRES, F. T. P.; MACHADO, P. J. O. Introdução à climatologia. Ubá: Geographica, 2008. (Série Textos Básicos
de Geografia).

A atmosfera da Terra 55
4
Dinâmica climática e fatores
geográficos do clima
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo você será capaz de:

• Entender a circulação geral da atmosfera e os sistemas produtores dos ti-


pos de tempo (massas de ar e frentes).

• Compreender os fatores geográficos que determinam os tipos climáticos.

• Conhecer os elementos do clima e como se articulam na produção de tipos


de tempo.

Seja bem-vindo ao quarto capítulo do material de Climatologia. Neste mo-


mento desenvolveremos os conhecimentos sobre os estudos geográficos do
clima, fundamentados na abordagem da meteorologia sinótica e da climatolo-
gia dinâmica.
Nos interessamos em construir análises climáticas que interpretem os ele-
mentos climáticos integrados aos fatores do clima e aos sistemas atmosféricos
na unidade de tempo meteorológico, ou melhor, nos tipos de tempo. Por isso,
vamos valorizar os princípios da gênese climática e meteorológica dos tipos de
tempo, partindo sempre das trajetórias, das características e da manifestação
espacial dos sistemas atmosféricos.
Nosso objetivo é oferecer a você o entendimento mais aprofundado da
circulação geral da atmosfera e dos sistemas produtores dos tipos de tempo
(massas de ar e frentes). Esse saber vai auxiliá-lo a desenvolver articulações de
como os elementos do clima podem ser integrados na definição dos tipos de
tempo e como os fatores geográficos do clima condicionam os aspectos mais
específicos de suas manifestações.
Antes de iniciar esse debate, vale a pena destacar que especialmente neste
capítulo vamos nos aprofundar na dimensão do clima como condicionante am-
biental, ou seja, a ideia de como o clima pode ser associado à história natural
dos lugares e à formação das paisagens.

56 Climatologia
4.1 Elementos climáticos
Vídeo Tradicionalmente os elementos climáticos são definidos como atributos físi-
cos que representam as propriedades da atmosfera em um determinado lugar
(MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Em outras palavras, eles representam variá-
veis climáticas, por isso podem ser medidos, observados, mensurados.

A título de exemplificação, a análise do clima na abordagem clássica parte pri-


meiro da caracterização sumária dos elementos climáticos nos lugares, sendo de-
senvolvida basicamente por meio de valores observados em tempo instantâneo
oriundos dos equipamentos instalados nas estações meteorológicas.

É importante destacar o papel da Organização Meteorológica Mundial (OMM)


em fornecer padronização de equipamentos, instrumentos e lugares de instalação
de estações meteorológicas, já que os valores dos elementos climáticos podem ser
transformados em valores numéricos e descritos de maneira relativa com uso de
cálculos estatísticos, como máxima, mínima, média, amplitude etc.

Em geral, o estudo dos elementos é o recurso mais elementar para se definir


o clima dos lugares, sendo o mais utilizado para uma definição inicial de radiação,
temperatura, umidade e pressão atmosférica. Da combinação e interação entre
esses elementos também são gerados outros, como insolação, fotoperíodo, ne-
bulosidade, chuva, descargas elétricas, ventos, evaporação, evapotranspiração etc.

Essa interação acontece em variados níveis de influência, mas pode ser inicial-
mente explicada por meio da dinâmica da atmosfera, sobretudo assumindo os mo-
vimentos que envolvem a transferência de energia no sistema climático, iniciado a
partir do instante que a energia solar atinge a superfície terrestre.

Nesse sistema, o Sol é a principal fonte de energia, e a superfície terrestre fun-


ciona como fonte de calor que aquece a atmosfera por baixo. Por isso, nem a su-
perfície terrestre nem a atmosfera tendem a aquecer ou esfriar bruscamente, já
que a energia (radiação e calor) é distribuída a partir dos processos de transfe-
rência, transformação e armazenamento, fazendo com que deficits sejam repostos
e superavits sejam controlados. Essa movimentação deve ser conduzida por pelo
menos quatro processos que desempenham o papel de fluir energia no sistema,
sendo eles: condução, convecção, advecção e condensação.

A condução consiste na transferência de calor por contato entre dois corpos,


com distintas temperaturas, de maneira que o corpo mais quente cede calor para
o mais frio. Na atmosfera esse processo acontece quando um dado volume de ar
se aquece se estiver em contato com uma superfície mais quente e se resfria pelo
mesmo processo, caso a superfície esteja mais fria.

Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 57


E o que é temperatura? Meteorologicamente, a temperatura é produto de processos
físicos-naturais, concebidos em termos do movimento mecânico das moléculas, e é
determinada pelo fluxo de calor que passa de uma substância para outra. Desse modo,
MicroOne/Shutterstock

quanto mais rápido é o deslocamento de calor entre os corpos, mais elevado será o
aquecimento, e maior será a temperatura. Por isso, a temperatura é sempre definida em
termos relativos, considerando-se o grau de calor que um determinado corpo possui.
Entende-se que o calor é deslocado de um corpo que tem uma temperatura mais elevada
para outro com temperatura mais baixa. O movimento de troca de calor ocorre porque
a temperatura é determinada pelo balanço entre a radiação eletromagnética que chega
e sai de um determinado corpo ou sistema e pela sua transformação em calor latente e
sensível. A temperatura do ar, então, é a medida do calor sensível armazenado no ar e é
comumente dada em escalas de graus (Celsius ou Fahrenheit) e medida por termômetros
ou por termógrafos.

Na convecção a transferência de calor ocorre por deslocamento vertical. Na


atmosfera o processo é relativo ao aquecimento da superfície, que transfere calor
para o ar em contato, promovendo o movimento cinético de suas moléculas, se
expandindo e tornando o ar menos denso. O inverso acontece para a superfície
fria. Enquanto o ar quente ascende (sobe), o ar frio compensa com o movimento
descendente, conduzindo a troca vertical de matéria e energia em diferentes níveis
da troposfera, organizando células convectivas.

E o que é pressão atmosférica? Inicialmente consideramos que apesar de invisível a atmosfera


terrestre é extremamente volátil, compressível e expansiva, por isso ela apresenta uma densi-
dade, um peso. A atmosfera, portanto, exerce uma força mecânica originada pelo peso do ar
verticalmente acima de uma unidade de área em um determinado lugar. Dá-se a essa força
o nome de pressão atmosférica. A pressão atmosférica está relativa, em primeiro lugar,
à força da gravidade e, em segundo, pela mecânica dos fluidos, uma vez que dife-
rentes gases exercem níveis diferentes de pressão. Ela tem sido observada desde
a criação do barômetro de mercúrio por Torricelli em 1643. O barômetro e seus
respectivos, barógrafo e aneroide, fornecem a leitura por unidades de pressão da
coluna de mercúrio (mmHg) em termos milibar (mB) ou hectopascal (hPa), esta
última convencionalmente adotada para unidade internacional para representa-
ção sinótica, sendo 1013 hPa.

Além disso, a densidade do ar é alterada pelo aquecimento que


conduz ao aumento de energia cinética das moléculas, ocasionando
aydngvn/Shutterstock
expansão do ar e consequentemente diminuindo a pressão exercida por
unidade área. Nesse movimento, configura-se uma área de baixa pressão atmos-
férica. O contrário acontece quando o ar se resfria, pois o ar frio é mais denso e,
portanto, é uma área de alta de pressão atmosférica.

58 Climatologia
A advecção ocorre em conjunto com a convecção, mas nesse processo o movi-
mento ocorre quando o volume de ar é forçado a deslocar-se horizontalmente. Na
atmosfera esse processo está análogo ao ar que se desloca de uma área de maior
pressão para outra de menor de pressão e leva consigo as características do lugar
de origem. Nesse caso, por ser gasoso e submetido à termodinâmica, o ar atmos-
férico tende a instalar-se em áreas contíguas com pressões distintas (alta x baixa
pressão). E para que se estabeleça equilíbrio barométrico, o ar mais denso da alta 1
pressão flui em direção à área de menor pressão, tendo como resultado a geração A intensidade, a ve-
1 locidade, e o tipo do
do vento, isto é, o ar em movimento .
vento é controlado pelo
gradiente de pressão, o
O processo de condensação transfere para o ar quantidades importantes de
qual é estabelecido pela
calor que foram consumidas no ambiente durante a evaporação da superfície, por diferença de pressão entre
as duas áreas contíguas.
isso envolve a transformação do calor latente (quantidade de calor que promove
Ou seja, quanto maior for
mudanças no estado físico da água) em calor sensível (quantidade de calor que o gradiente, maior será a
velocidade do vento, que
pode ser mensurada por termômetros).
tende a convergir em áreas
de baixa pressão e divergir
em alta pressão.
E o que é umidade? A água em estado gasoso (vapor d’água) é definida como umidade atmosféri-
ca e pode ser descrita em termos de pressão de vapor (que auxilia na compreensão dos processos
de saturação do ar), umidade absoluta (definida pelo peso em g/m³ do vapor d’água em um dado
volume de ar), umidade específica da razão de mistura (razão entre o peso do vapor d’água e o
peso do ar) e umidade relativa (razão da proporção entre vapor d’água existente no ar e o pon-
to de saturação). A umidade relativa é sem dúvida o parâmetro mais usual e comum para se
tratar da umidade atmosférica. De modo geral, ela é inversamente proporcional ao ponto
de saturação de vapor e, em consequência disso, é também inversamente proporcional
à temperatura do ar, uma vez que é o elemento controlador do teor de umidade máxima
presente em um volume de ar. Isso significa que o aumento da temperatura do ar resulta
na diminuição da umidade relativa no
ambiente observado. Por isso, a quantidade de umidade é uma indicação da capaci-
dade potencial de a atmosfera produzir precipitação, isto é, toda água proveniente do
meio atmosférico que atinge a superfície terrestre, seja em estado líquido ou sólido. Os
parâmetros de medição da umidade obtidos por instrumentos, tais como o higrômetro, seus
S te f
equivalentes higrógrafo (baseado na relação entre a temperatura do ar e o coeficiente de alonga- an H o
lm/Shutterstock
mento do cabelo) e psicrômetro (formado por dois termômetros – bulbo úmido para temperatura
da água em processo de evaporação e bulbo seco para temperatura do ar).

Ao contrário do que acontece com os demais gases que compõem o ar, a umi-
dade atmosférica se apresenta em proporções muito variadas. Em primeiro lugar,
porque a umidade atende fundamentalmente aos processos de transformação do
estado físico da água que ocorrem na movimentação do ciclo hidrológico. Neste
caso, ela é um dos indicadores de como o calor latente é liberado, sobretudo quando
ele é utilizado para efetivar os processos de evaporação (passagem do estado líquido
para o gasoso) e de condensação (passagem do estado gasoso para o líquido).
Em segundo lugar, a umidade pode absorver tanto a radiação solar quan-
to a terrestre e, assim, desempenha papel de regulação térmica no sistema
atmosfera-superfície. Esses processos ocorrem pela presença de água em super-
fície, que, dependendo do ambiente fornecedor (solo, vegetação, oceanos, mares,
lagos rios e banhados) e da variação diária da atmosfera, pode oferecer alterações
espaço-temporais bastante significativas, acarretando inclusive outros elementos
do clima, como a temperatura e a pressão.

Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 59


2 Em terceiro, a umidade afeta diretamente a estabilidade do ar e o desenvolvi-
Quando o ar é forçado a mento de sistemas atmosféricos associados. Isso acontece porque do ponto de vis-
ascender, sua temperatura
ta dinâmico o ar úmido é mais leve que o seco. Por essa razão, o ar úmido tende a
deve diminuir devido à
diminuição da pressão se movimentar de modo vertical mais do que o ar seco, embora ambos estejam sob
atmosférica, que é menor as mesmas condições térmicas. O processo é inicialmente explicado pela ascensão
em altitude. Nesse caso, o 2
resfriamento acontece por do ar úmido, que, pelo processo de resfriamento adiabático , promove alterações
mudança de pressão e não relativas às mudanças de temperatura na densidade sem que haja perda ou ganho
há troca de calor para o
de energia com o ar circundante. De outro modo, o ar resfriado adiabaticamente
exterior desse sistema.
tende a descer, devido ao aumento de sua densidade e, por causa disso, há possi-
bilidade de contato entre as moléculas, realizando o aquecimento adiabático.
3 À medida que a coluna de ar em ascensão vai sendo rebaixada adiabaticamen-
3
Trata-se da temperatura te, sua umidade relativa aumenta e a temperatura do ponto de orvalho decresce.
ideal para que a umidade
Uma vez alcançada essa temperatura, ocorre a condensação do vapor no ar e con-
no ar se condense, ou seja,
apresente água no estado sequentemente formação de nuvens. Neste momento, ocorre a liberação de calor
líquido. O ponto de orvalho latente, o qual possibilita o resfriamento do ar (diminuição do calor sensível), auxi-
pode mudar em razão das
condições sinóticas, uma liando na saturação do ar atmosférico.
vez que diferentes massas
de ar promovem condições Importante
distintas de temperatura e As nuvens são formadas por gotículas de água e cristais de gelo em suspensão no ar, sendo estes depen-
umidade. Caso o orvalho dentes do tipo, forma e processo de formação. Por exemplo, as nuvens cumulonimbus são geradas por
ocorra em condições movimentos ascendentes rápidos e intensos do ar em contato com a superfície quente, podendo chegar
muitos frias, pode ser até 18 km de altitude, por isso apresentam grande desenvolvimento vertical. Sua base é formada por
submetido ao congelamen- gotículas de água enquanto, conforme a altitude aumenta, formam-se mais cristais de gelo até o topo, com
to, originando o fenômeno o predomínio de cristais de gelo. Nuvens, orvalho, geada e nevoeiro também são formas de condensação
conhecido como geada. da umidade. O orvalho origina-se quase ao amanhecer ou anoitecer, quando ocorrem as temperaturas mí-
nimas do dia. A geada ocorre quando há resfriamentos intensos que podem promover tanto a sublimação
do vapor (mudança do estado gasoso para sólido) quanto a solidificação do orvalho (mudança de estado
do líquido em sólido). Já o nevoeiro, conhecido como neblina ou cerração, constitui nuvens muito baixas
em contato com o solo.

O conjunto de processos de condensação, formadores de nuvens principal-


mente, configura em um determinado lugar a nebulosidade. A nebulosidade
é um parâmetro importante na análise do tempo e do clima, pois
Pixel Embargo/Shutterstock

tende a funcionar como barreira de penetração da radiação solar


e de perda da radiação terrestre, diminuindo a amplitude térmica
diária e uniformizando a distribuição da temperatura do ar.

As nuvens também marcam o início do processo de precipitação.


Nesse processo, as gotas d’água são agregadas por coalescência, na qual
gotas maiores devem absorver gotas menores ao longo de seu percurso
e, por isso, crescem e adquirem peso até que em sua queda, pela força da
gravidade, possam atingir a superfície na forma de precipitação. O crescimento
4 e aumento das gotas estão relativos à existência de partículas em suspensão cha-
4
Referem-se a partícu- madas de núcleos de condensação .
las minúsculas que em
suspensão na atmosfera
Assim, o conceito de precipitação atmosférica refere-se a qualquer deposição
funcionam como superfície de água em estado líquido ou sólido que é derivada da atmosfera, sendo chuva,
para que o vapor d’água se
condense, por exem-
granizo e neve as principais formas. Sendo, portanto, um dos principais elementos
plo: poeira, aerossóis e que resulta da dinâmica dos sistemas atmosféricos e dos tipos de tempo.
materiais provenientes da
queima de combustíveis, A análise dos elementos climáticos é relevante, pois o entendimento dos movi-
vegetação etc.
mentos atmosféricos sugere suas definições basicamente por meio das condições
de estabilidade e instabilidade atmosféricas. Nessa perspectiva, a análise dinâmica

60 Climatologia
dos elementos climáticos deve ser orientada para definir a gênese e a trajetória
em sua sucessão habitual e manifestação espacial. Vamos nos aprofundar nesses
mecanismos?

4.2 Circulação geral da atmosfera


Vídeo Historicamente a análise geográfica do clima valoriza a interpretação de como
os tipos de tempo se manifestam e se relacionam com as práticas cotidianas, aque-
las que podem ser entendidas como processos de produção do espaço geográfico.
Nesta análise, a dinâmica atmosférica oferece a observação empírica dos elemen-
tos climáticos e principalmente dos impactos do clima e dos tipos de tempo no
cotidiano, isto é, de como os dias ensolarados ou chuvosos são diferencialmente
apreendidos socialmente e, ainda, sob quais fluxos atmosféricos eles são origina-
dos (MONTEIRO, 1962; SANT’ANNA NETO, 2010).

Consideramos primeiramente que o clima de qualquer lugar no planeta Ter-


5
ra é explicado, em grande parte, pela distribuição diferencial da radiação solar na
A título de exemplificação, é
a partir desses movimen- superfície terrestre. Esse é o principal mecanismo que organiza e inicia a movi-
tos que se configuram mentação a partir do gradiente térmico entre polos e Equador. Esses movimentos
as circulações primárias,
ou de grande escala, que correspondem às direções horizontais e verticais e são, sobretudo, promovidos
definem em grande parte pela diferença entre campos de pressão atmosférica, por processos convectivos ou
a distribuição espacial dos 5
domínios macroclimáticos de subsidência (CAVALCANTI et al., 2009) .
mais evidentes do planeta
(AYOADE, 2006).
Nesse caso, a leitura desses movimentos mostra uma repartição da atmosfera
em unidades espaciais homogêneas, isto é, a organização em áreas de alta ou bai-
xa pressão atmosférica. No primeiro caso, configuram-se movimentos oriundos do
aquecimento do ar, que promovem sua expansão e diminuição da sua densidade, fa-
zendo com que o ar atmosférico seja levantado, iniciando o processo de convecção.

6 Somam-se a esse processo as condições de umidade, em que, no movimento


Ventos oriundos das zonas de ascensão, o ar passa por resfriamento adiabático, gerando em consequência
tropicais do Hemisfério condensação do vapor, formação de nuvens e precipitação. É comum nas áreas de
Norte e Sul que se propa-
gam em direção ao Equa- baixa pressão a observação de tipos de tempo instáveis. O exemplo prático dessa
dor, onde se convergem. situação pode ser observado a partir da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT),
6
que é um sistema atmosférico organizado pela convergência dos alísios . Trata-se
de um dos sistemas atmosféricos mais importantes para a zona equatorial e que
condiciona a formação das paisagens mais úmidas e chuvosas do planeta.

O segundo movimento acontece nas áreas de alta pressão atmosférica, com


predominância de movimentos subsidentes (de descida do ar). Depois do resfria-
mento adiabático, o ar tende a se tornar mais denso, seco e pesado, descendo dos
altos níveis da troposfera para a superfície terrestre. Nesse processo, as áreas de
alta pressão implicam restrição de processos de condensação e, portanto, não há
formação de nuvens e as condições de estabilidade são garantidas.

O resultado é a formação de tipos de tempo firmes, com predominância de dias


ensolarados, céu limpo e pouco vento. A título de exemplificação, os movimentos
das altas pressões geram as grandes paisagens desérticas do planeta e também os
anticiclones oceânicos na zona subtropical.

Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 61


Livro Além dos movimentos verticais, a pressão atmosférica explica os movimentos
horizontais. Para que se estabeleça equilíbrio, o ar mais denso da alta pressão flui
em direção à área de baixa pressão, denominado advecção, e tem como resultado
a geração do vento (Figura 1).

Figura 1
Movimentos ciclônicos e anticiclônicos

alta pressão atmosférica baixa pressão atmosférica


Para que você tenha um

Designua/Shutterstock
aprofundamento maior
dos elementos climáticos,
recomendamos a leitura
do capítulo 3 do livro
Climatologia: noções básicas
e clima do Brasil. Além de
trazer uma definição mais
completa dos elementos,
os autores oferecem ou-
tros exemplos que devem
ampliar sua compreensão
sobre o tema.

MENDONÇA, F.; DANNI-OLlVEIRA, I.


M. A interação entre os elementos do Anticiclone Ciclone
clima com os fatores da atmosfera
geográfica. In: MENDONÇA, F.;
DANNI-OLlVEIRA, I. M. São Paulo:
Oficina de Texto, 2007.
Anticiclones (zonas de alta pressão atmosférica – subsidência do ar) e ciclones
(zonas de baixa pressão atmosféricas – ascendência do ar) são movimentos que au-
xiliam na configuração da circulação atmosférica. Desses processos originam-se as
massas de ar (Figura 2); sistemas atmosféricos que se referem a grandes volumes
de ar com características homogêneas quanto à pressão, à umidade e à tempera-
tura (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007).

Figura 2
Formação de frente fria e frente quente

António Miguel de Campos/Wikimedia Commons


Ar frio presente no local

Frente quente

Massa de ar úmida e
quente
Massa de ar seca e
fria

Frente fria

62 Climatologia
Por esse caráter, as massas de ar, com algumas exceções, estão diretamente
vinculadas com a localização dos anticiclones (subtropicais e polares), que podem
ser entendidos como as áreas fonte ou centros de ação. Por apresentarem desco-
lamentos em função do movimento da circulação geral e da sazonalidade, sempre
resultam em alterações das características das condições de tempo dos lugares
localizados no caminho de sua trajetória (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007).

Assim, a circulação geral da atmosfera é o conceito que explica esse meca-


nismo global de distribuição de calor e água a nível planetário (CAVALCANTI et al.,
2009). Por isso, ele é mais bem pensado como um sistema fechado, inicialmente
representado pelo modelo tricelular formado pela Célula de Hadley, Ferrel e Polar.

Para além do modelo tricelular, o sistema é representado em conjunto com ou-


tros sistemas (alta e baixa pressão atmosféricas) e são estes últimos que proporcio-
nam de fato a real complexidade e concreticidade do sistema climático.

Esses sistemas podem ser variados a nível planetário e correspondem às di-


versidades de superfícies homogêneas, que constituem desde regiões polares até
vastas extensões marítimas e continentais. Sua formação acontece desde que o ar
atmosférico permaneça estacionário durante tempo suficiente para uma massa de
ar ser organizada.

Como essas massas de ar habitualmente são relacionadas ao centro de ação,


elas sempre serão influenciadas pela superfície de contato imediato. Por exemplo,
massas de ar frio são formadas pelos anticiclones localizados nos setores polares
do planeta (Ártico e Antártica), enquanto as de ar quente se formam nas áreas onde
predominam as zonas equatorial e subtropical (Figura 3).

Figura 3
Condições favoráveis para formação de massas de ar
Situação do ar atmosférico estacionário
Ausência de movimentos horizontais

Ar úmido e quente Ar frio e seco

Superfície continental fria


Superfície oceânica tépida

Fonte: Elaborada pelo autor.

Massas de ar associadas a centro de baixa pressão (ciclones) são exclusivas das


regiões equatoriais, já que nessas áreas a convergência de ventos alísios e a acedên-
cia do ramo de Hadley origina o sistema de atração de massas de ar. Cada massa de
ar – quente ou fria – também vai ser caracterizada de acordo com a área fonte.

Além desse aspecto, as condições de contorno do ar serão preponderantes para


definir o grau de umidade da massa de ar, podendo ser classificadas em massas de
ar úmida (formadas sob oceanos) ou seca (originadas nos continentes). De outro

Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 63


Série modo, à medida que uma massa de ar originalmente seca se desloca sobre uma
O entendimento da circu- superfície hídrica, sua umidade aumenta. E ainda, se a mesma massa se desloca
lação geral da atmosfera
representa sinteticamente sobre o continente, perde seus teores de umidade, assimilando as características
o conceito de dinâmica dos lugares em sua trajetória.
climática. Esse caráter tem
sido fundamental para O mesmo processo deve acontecer quanto às suas propriedades térmicas.
elaborarmos uma série de
outros debates históricos e
Nesse caso, uma massa de ar originalmente fria, ao deslocar-se sobre uma su-
atuais. O exemplo do mito perfície quente, tende a assimilar o calor em seus baixos níveis, em um processo
do Triângulo das Bermudas
mostra uma parte dessas
chamado de aquecimento basal. O contrário, quando uma massa de ar quente
problemáticas, já que o avança para uma superfície fria, é submetida ao resfriamento basal e perde suas
lugar foi conhecido pelos
aspectos sobrenaturais que
características originais de calor nos seus níveis mais baixos.
causariam acidentes aéreos
e marítimos, inclusive com
Em síntese, durante seus deslocamentos as massas de ar influenciam direta-
desaparecimento de seus mente os tipos de tempo das áreas nas quais predominam. Porém, à medida que
vestígios. Para que você
tenha uma explicação diver-
uma massa de ar se afasta de sua região de origem, tem suas propriedades ini-
tida e instigante sobre esse ciais modificadas. O interessante é que tendo em vista a complexidade do siste-
mito, assista ao episódio 1,
intitulado “Os mistérios do
ma terrestre, a dinâmica climática só foi bem explicada a partir de 1920, quando
Triângulo das Bermudas”, foi reconhecida a Teoria da Frente Polar, proposta pelo meteorologista Jacob Aall
da série Mundo Mistério,
criada pelo youtuber Felipe
Bonnevie Bjerknes.
Castanhari.
Cabe destacar que a complexidade de todos esses fenômenos climáticos não
Direção: André Lefcadito. EUA: Netflix, pode ser reduzida exclusivamente à observação dos elementos climáticos, como
2020. desenvolvido na abordagem clássica.

4.3 Sistemas atmosféricos


Vídeo Como você já deve ter percebido, os sistemas atmosféricos são um conceito
elaborado dentro da meteorologia sinótica e da climatologia dinâmica e se referem
aos fenômenos climáticos como uma unidade completa do escoamento atmosféri-
co, definindo as condições de estabilidade e instabilidade atmosféricas.

As trajetórias habituais desses sistemas sempre vão obedecer aos princípios da


circulação geral da atmosfera e da sazonalidade. Diante desse exemplo, observe
que o setor norte do país, devido à ocorrência do ramo ascendente e à convergên-
cia dos ventos alísios, origina a Massa Equatorial Continental (mEc) e a Massa Equa-
torial Atlântica (mEa), sistemas associados à configuração da ZCIT. Essas massas
tendem a manter tipos de tempo úmidos e quentes, tipicamente habituais nessa
região do país.

Já no ramo descendente de Hadley, origina-se a Massa Tropical Continental


(mTc), que induz a formação de tipos de tempo secos e estáveis nos domínios conti-
nentais, especialmente na região conhecida como Depressão do Chaco. No Oceano
Atlântico, essa subsidência origina o Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul (ASAS),
definido como o centro de ação da Massa Tropical Atlântica (mTa).

Todo o setor sul do país é frequentemente invadido por circulações advindas


do Anticiclone Migratório Polar (APM), que forma especificamente a Massa Polar
Atlântica (mPa). Por ser mais frequente no inverno, esses sistemas podem provocar

64 Climatologia
tipos de tempo frios e geadas, ocasionando precipitações em forma de neve, parti-
cularmente nas regiões serranas de Santa Catarina e Rio Grande Sul, e o fenômeno
da friagem no norte do país, sobretudo quando são reforçadas pelos fluxos oriun-
dos da Massa Polar Pacífica (mPp).

De maneira geral, a mPa apresenta característica física seca e fria e em sua tra-
jetória habitual pode encontrar algumas das massas tropicais, oferecendo a ge-
ração de Frente Polar Atlântica (FPA). Monteiro (1962) sugere que a frente polar é
responsável por cerca de 80% das chuvas no sul do Brasil e esse valor pode não ser 7
diferente para outros estados, uma vez que em sua rota habitual tende a provocar O termo frente é análogo às
frentes de batalha da Pri-
também a geração de outros sistemas atmosféricos associados. meira Guerra Mundial e é
7 um dos principais conceitos
É importante ressaltar que as frentes (fria ou quente) são um sistema atmos- da meteorologia sinótica e
da climatologia dinâmica.
férico resultante do encontro de massas de ar de características diferentes (Figura
4). Trata-se de uma zona ou superfície de descontinuidade térmica, anemométri-
ca, barométrica e higrométrica, que sempre atua como dinamizadora dos tipos de
tempos estáveis, transformando-os em instáveis.

Figura 4
Zona de contato entre duas massas de ar com características distintas e organização de frente fria e frente quente

Área de instabilidade Área de estabilidade Área de instabilidade


atmosférica atmosférica atmosférica

Frente
fria

TPO
te
en
Ar frio Ar quente e qu
nt Ar fresco
Fre

Superfície

Fonte: Adaptada de Mendonça e Dani-Oliveira, 2007..

Nesse escopo, os processos de convergência de ventos em superfície são de-


terminados pelos campos de pressão em que o ar quente (menos denso) tende a
subir (ser levantado), e o ar frio tende a descer, em um ciclo em que os movimentos
ciclônicos (baixa pressão) indicam uma fase de frontogênese, quando há o levanta-
mento do ar quente mediante ao avanço do ar frio. O movimento finaliza na fron-
tólise, quando o ar do sistema de alta pressão (denso) se instala e paulatinamente
perde suas características ou propriedades originais, até que um outro avanço de
uma frente fria reinicie o clico.

Você já deve imaginar que é por essa movimentação que as condições de esta-
bilidade e instabilidade do tempo são desenvolvidas, ou seja, toda a situação de es-
tabilidade atmosférica deve mudar com a entrada de uma frente fria. Esse sistema

Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 65


basicamente abre espaço para o avanço do ar polar, ao mesmo tempo que força o
levantamento da massa de ar quente. Nesse caso, a temperatura vai ser o primeiro
elemento a ser alterado, já que quanto mais rápido for o deslocamento da frente,
mais elevado será o aquecimento chamado pré-frontal.

Trata-se fundamentalmente do movimento que o ar frio faz quando escoa pró-


ximo da superfície (por ser mais denso), enquanto o ar quente (representado pelas
setas vermelhas) é forçado ao levantamento, gerando um aquecimento rápido, que
pode ser entendido como sinal de anúncio da chegada de frente fria, como repre-
sentado na Figura 5.

Figura 5
Entrada de uma frente fria (A) e condições de nebulosidade de seu anúncio (B)

A
Cumulonimbus Cirrostratus Cirrus

stihii/Shutterstock
Direção
do vento

Altocumulus

Massa de ar
quente

Massa de ar frio Frente fria

Sorin Vidis/Shutterstock
B

Curiosidade
Será que você consegue
fazer relação entre a
explicação sobre o anúncio
da chegada de frente fria
e o ditado popular “céu
pedrento, ou chuva ou
vento”? Observe que por
mais tradicional que esse
conhecimento seja, ele
explica de maneira muito
coerente que nuvens do
tipo altocumulus anunciam
a chegada de uma frente e
apresentam configurações
análogas a pedras no céu.

Além do aquecimento rápido, o anúncio de uma frente fria é observado nas


mudanças dos ventos (devido às alterações nos campos de pressão) e na nebulosi-
dade, com presença de nuvens médias, como as altocumulus.

66 Climatologia
As nuvens de halo (Figura 6) também podem ser enquadradas como sinal que
anuncia uma frente, já que o levantamento do ar antes da chegada da frente gera
a formação de cirrus stratos, os quais tendem a dispersar a luz do Sol ou da Lua por
serem compostos de gelo.

Figura 6
Nuvens halo em torno do Sol (A) e da Lua (B)

Lucian Coman/Shutterstock

cihanyuce/Shutterstock
A B

Com o contínuo avanço do ar polar, observa-se diminuição brusca da tempera-


tura e aumento rápido da umidade no local, bem como precipitação, variações na
direção do vento, formação de tempestades e descargas elétricas (raios e trovões).
A frente fria é restrita espacialmente, ela pode apresentar cerca de 200 a 400 km
de largura. É comum observar nuvens de grande desenvolvimento vertical, tipo
cumulonimbus (Figura 7) ou supercéculas de convecção.

Figura 7
Condições atmosféricas (A) e nuvens (B) associadas à frente fria
: Nicola Patterson /Shutterstock

Cammie Czuchnicki/Shutterstock
A B

Assim como a frente fria, a frente quente também promove instabilidades. Ela
sugere que o ar quente, que foi forçado a ascender na dianteira da massa polar,
escoa em altitude e por resfriamento adiabático desce e avança na retaguarda da
massa de ar frio, completando o movimento ciclônico e provocando a ampliação da
área de atuação da massa (Figura 8). A frente quente se desloca mais lentamente
do que a frente fria e de maneira gradativa altera a temperatura e aumenta a ne-
bulosidade. Sua extensão pode chegar a 1.000 km.

Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 67


Figura 8
Entrada de uma frente quente (A) e condições de nebulosidade de seu anúncio (B)

A Cirrus
Cirrosstratus

stihii/Shutterstock
Altostratus

Nimbostratus
Direção do vento

Stratocumulus

Massa de ar
quente

Frente quente Frente fria

Somyot Mali-ngam/Shutterstock
B

Quando a frente está em oclusão, isto é, quase completando o movimento com-


pleto da espiral no ciclone, a massa de ar polar avança com maior velocidade do
que a massa de ar quente, e a frente fria (fronteira das duas massas) alcança a
retaguarda da massa de ar onde ocorre a frente quente. As duas frentes se fun-
dem, formando uma espécie de frente híbrida, e aumentam as condições de tempo
muito instáveis, podendo inclusive ser transformadas em tempestades de grande
escala, como ciclones extratropicais, furacões, tufões etc.

O último momento do ciclo acontece quando a frente oclusa no movimento


ciclônico favorece a instalação do ar polar e sua permanência indica a condição
de tipos de tempo estáveis, com alguns elementos originais da massa de ar polar.
Devido à assimilação das características locais, que já foi iniciada no começo de seu
deslocamento, o ar frio começa a ser substituído pelo ar quente e deve permanecer

68 Climatologia
estacionário até que seu movimento seja incorporado ao movimento da massa de Vídeo
ar quente, ou que outro sistema frontal reinicie o ciclo. Assista ao vídeo Weather fronts
explained (Frentes meteo-
Nesta perspectiva, os elementos climáticos são como o resultado de uma série rológicas explicadas),
publicado pelo canal
de forças e processos atmosféricos organizados segundo suas fases no ciclo de Met Office – Weather, ins-
uma frente polar. Cada tipo de tempo associado é exclusivamente a representação tituição responsável pelos
serviços meteorológicos
de um momento, uma parte do movimento completo de um ciclone, que deve du- do Reino Unido. No vídeo,
rar, inclusive, em torno de cinco a sete dias. você vai compreender
melhor como visualmente
Você já deve imaginar que nem elementos, nem sistemas atmosféricos fluem os fluídos – ar e água –
apresentam os movi-
sem uma determinação espacial, certo? Todos eles estão de alguma forma entre-
mentos se submetidos a
laçados a partir da importância dos fatores geográficos do clima, que comumente temperaturas distintas.

são entendidos como controles climáticos – grandezas objetivas que condicionam Disponível em: https://youtu.be/
naarbGHoAGU. Acesso em: 20
a interação e a manifestação dos elementos climáticos.
maio 2021.

4.4 Fatores geográficos do clima


Vídeo Na análise geográfica do clima, a relação entre elementos e fatores é opera-
cionalizada como uma das bases para interpretação dos climas, uma vez que eles
são admitidos como diversificadores da paisagem (MENDONÇA; DANII-OLIVEIRA,
2007). Por isso, eles podem ser entendidos como dinâmicos (massas de ar, frentes,
correntes oceânicas) e estáticos (latitude, altitude, relevo, continentalidade, mariti-
midade e atividades humanas). Vamos dar alguns exemplos de como esses fatores
influenciam os elementos.

A latitude é o fator que explica as alterações sazonais da radiação, uma vez que
a incidência dos raios solares sobre a superfície muda de ângulo de acordo com a
posição que se encontra a Terra em sua órbita ao redor do Sol, o que leva a dispo-
nibilizar quantidades diferentes de energia para os aquecimentos do ar em cada
época do ano.

Nas baixas latitudes, a variação da altura solar é pequena e caracteriza essa


região também com baixas amplitudes térmicas anuais. Contrariamente, nas altas
latitudes, a sazonalidade é bastante marcada e repercute diretamente na diferen-
ciação das temperaturas durante o ano, apresentando uma importante amplitude
8
térmica e caracterizando geralmente as quatro estações do ano – primavera, ve-
rão, outono e inverno.
8
Os efeitos da maritimidade e da continentalidade são relevantes para explicar
Diferença entre os valores
máximos e mínimos de que a capacidade calorífera da água é diferente da terra e, por isso, ela favorece po-
temperatura observada em
tencialmente o equilíbrio e controle das amplitudes térmicas nas zonas costeiras,
um determinado local.
ou os ares continentais de contato com os mares e oceanos. As maiores amplitudes
são observadas no interior dos continentes.

Podemos observar melhor esses exemplos a partir das condições de estabilida-


de e instabilidade. A Figura 9 representa o deslocamento de uma massa de ar marí-
tima (quente e úmida) sob uma superfície continental fria. Nesse caso, esse sistema
provoca resfriamento basal e isso gera uma inversão térmica, fazendo com que a at-
mosfera funcione como um tampão com presença de nuvens tipo nimbusestratus.

Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 69


Ao mesmo tempo que impede movimentos verticais, tende a reduzir a claridade,
provocando dias nublados, e também pode apresentar relativa estabilidade (pouco
vento), mas com visibilidade baixa e ocorrências de precipitações fracas.

Figura 9
Avanço de uma massa de ar marítima sob superfície continental fria

Superfície continental
Superfície oceânica

Fonte: Elaborada pelo autor.

Já o deslocamento de uma massa de ar marítima (fria e úmida) sob uma superfí-


cie continental quente provoca aquecimento basal (Figura 9). Essa condição favore-
ce muita instabilidade com pancadas de chuva e formação de nuvens tipo cumulus
e cumulonimbus. Depois da passagem dessa massa, o tempo deve seguir firme,
com boas condições de visibilidade, ou seja, tipos de tempo ensolarados.

Figura 10
Avanço de uma massa de ar marítima sob superfície continental quente

Superfície continental
Superfície oceânica

Fonte: Elaborada pelo autor.


9
Quando uma massa de ar marítima se desloca para uma superfície continental
Refere-se à posição de um
observador, na qual se montanhosa, ela é submetida ao efeito orográfico, ou seja, o ar é forçado a subir das
identifica o lado em que o
baixas altitudes para ultrapassar a barreira montanhosa ou acidente topográfico
vento sopra.
9
(Figura 10). Desse modo, a barlavento , o ar úmido tende a sofrer descompressão
barométrica, apresentando resfriamento adiabático, o que o leva a perder 0,6 ºC
10 10
a cada 100 metros de elevação e provocando precipitações. A sotavento , o fluxo
Refere-se à posição oposta
ao barlavento, isto, é, para da massa de ar deve ganhar 1°C na temperatura a cada 100 metros por aceleração
onde o vento vai. na decida e, devido à compressão barométrica e à força gravitacional, deve gerar
ressecamento e ventos fortes, por isso, é também é chamado de sombra-chuva.

70 Climatologia
Figura 11
Neve na Cordilheira dos Andes mostra como relevo e altitude são fatores diversificadores do clima

VectorMine/Shutterstock
Condensação de
vapor de água

Ar seco
descendente

Precipitação
Ventos
prevalecentes

Vapor d’água

Essas condições explicam a ocorrência das paisagens do Andes na região do Vídeo


Chile Meridional (Figura 11), em que, sob latitudes baixas, o lado a barlavento, que
Se de um lado, o efeito oro-
está voltado para o oceano, recebe toda a umidade marítima, enquanto, ao trans- gráfico gera muitas chuvas,
do outro, ele gera resseca-
por a cordilheira, o ar em sotavento amplia o ressecamento do interior, auxiliando
mento. Por isso, existe um
a formação do Deserto do Atacama. Essa situação se distingue também na ocorrên- conjunto de tecnologias
que tem auxiliado diferen-
cia de temperaturas muito baixas e precipitações na forma de neve em altitudes.
tes povos a se desenvolver
de maneiras adaptadas
O clima também pode ser considerado o principal determinante do tipo de ve-
para conviver com essa
getação, mas não podemos desconsiderar que essa trabalha poderosamente in- situação. Isso ocorre tam-
bém no deserto peruano.
fluenciando os elementos climáticos, já que oferece enormes quantidades de vapor
Assista ao vídeo Transfor-
d’água (evapotranspiração), por isso facilita os processos de calor latente, ameni- mando névoa em água no
deserto peruano, publicado
zando as amplitudes e os controle térmicos.
pelo canal ZoominTV Brasil
e veja como a coleta da
Por outro lado, a retirada da vegetação – por desmatamento, queimadas etc. –,
água presente nos ventos
sua substituição por culturas agrícolas, a construção de cidades bem como a po- do deserto tem sido uma
estratégia para garantir
luição do ar têm impacto direto no balanço hídrico e enérgico, que tendem a inibir
benefícios e continuar a
processos de calor latente e a estimular a geração do calor sensível. produção agrícola familiar,
reduzindo o risco de pobre-
Grande parte dos problemas ambientais atuais estão de certa forma relaciona- za no país.
dos a essa capacidade de construção de um clima próprio, de um clima antropiza- Disponível em: https://youtu.
do. Por isso, as atividades humanas também são consideradas um fator do clima. be/9aUkK_GrZ8Y. Acesso em: 24
maio 2021.

Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 71


CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A definição de clima como sucessão habitual dos tipos de tempo sob um deter-
minado lugar leva em consideração que o tempo meteorológico é muito variável e se
manifesta espacialmente em resoluções cíclicas. Sendo assim, mais importante que
definir os valores climáticos, é necessário encontrar sob quais condições atmosféricas
esses valores foram ou são produzidos.
Isso significa considerar que a manifestação espacial do fenômeno climático é sem-
pre resultado da atuação instantânea, da trajetória momentânea e do resultado final
de um conjunto complexo de fluxos atmosféricos. Nesse sentido, a variação, a dura-
ção, a intensidade e a frequência dos tipos de tempo são oriundas de mecanismos
organizados tanto no âmbito local e regional quanto no remoto. Chamamos esse com-
plexo sistema de sistema climático.
Podemos analisar o sistema climático por meio da articulação entre elemen-
tos climáticos, fatores do clima e características, trajetórias e impactos dos siste-
mas atmosféricos nos tipos de tempo. Nessa perspectiva o interesse final é que a
caracterização dos climas nos lugares seja coerente com o quadro de realização es-
pacial do complexo atmosférico.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Quais condições atmosféricas são favoráveis à concentração de poluentes e qual
impacta diretamente as operações em aeroportos e transportes aéreos?

2. As massas de ar oriundas do Deserto do Saara, na África do Norte, podem provocar


chuvas na Europa Meridional. Quais mecanismos explicam esse processo?

3. Como você explica a condição em que o Chile Meridional é uma região úmida e a
Patagônia uma região seca, apesar de serem regiões vizinhas?

4. Quais sinais podem ser observados na fase de anúncio de uma frente fria?

5. Como podemos desenvolver uma análise geográfica inicial do clima dos lugares?

REFERÊNCIAS
CAVALCANTI, I, F. A. et al. (org.). Tempo e clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Textos. 2009.
MENDONÇA, F; DANNI-OLIVEIRA, I. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Contexto,
2007.
MONTEIRO, C. A. F. Da necessidade de um caráter genético à classificação climática. Revista Geográfica, Rio
de Janeiro, v. 31, n. 57, p. 29-44, jul./dez. 1962.
SANT’ANNA NETO, J. L. A climatologia dos geógrafos: a construção de uma abordagem geográfica do
clima. In: SPOSITO, E.; SANT’ANNA, J. (org.). Uma geografia em movimento. 1. ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2010. p. 295-318.

72 Climatologia
5
Climatologia aplicada
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo você será capaz de:

• Conhecer as principais classificações climáticas e os climas regionais do


Brasil.

• Demonstrar as formas com que o clima afeta e impacta os meios urbanos


e rurais.

• Compreender a influência dos tipos de tempo no agravamento de enfermi-


dades da população.

Seja bem-vindo ao quinto capítulo do material de Climatologia. Vamos


construir um debate sobre os fundamentos que mais articulam as práticas
profissionais de geógrafos, seja como licenciado ou bacharel, e também do es-
tudo acadêmico-científico.
Vamos tratar o clima como um dos fenômenos de primeiro tratamento das
problemáticas que envolvem as questões ambientais, agrárias, urbanas, econô-
micas, políticas e ideológicas. Nosso objetivo é que você conheça as principais
classificações climáticas e os climas regionais do Brasil e do mundo.
Além disso, neste capítulo vamos nos aprofundar nos processos de inter-
pretação e explicação de como o clima afeta e impacta os espaços urbanos e
rurais, admitindo a necessária compreensão da influência dos tipos de tempo
no agravamento de enfermidades da população e na diversificação das deriva-
ções ambientais.
Para isso, vamos apresentar os principais paradigmas e conceitos relacio-
nados às formas analíticas que compreendem concepções e critérios para a
classificação climática; relações que englobam clima, planta e agricultura; pro-
cessos que constituem o clima urbano como uma derivação da urbanização
dos climas locais; e contingências climáticas que envolvem a saúde humana a
partir da qualidade ambiental.

5.1 Classificações climáticas


Vídeo Podemos começar a discussão sobre as classificações climáticas, considerando
que o clima de determinado lugar é resultado da combinação singular e interacio-
nal dos elementos climáticos (temperatura, umidade e pressão) em relação aos
seus fatores dinamizadores (latitude, maritimidade-continentalidade, altitude, rele-
vo, vegetação e atividades humanas).

Climatologia aplicada 73
Por meio da organização dos dados climáticos e dos tipos de tempo em sua
sucessão habitual, as classificações orientam a necessidade de sintetizar e agrupar
aspectos similares, resultando, por sua vez, na elaboração de tipologias climáticas,
sendo que a principal finalidade é a “obtenção de um arranjo eficiente de informa-
ções em uma forma simplificada e generalizada” (AYOADE, 2010, p. 224).

O objetivo de toda classificação é fornecer uma síntese suficientemente eficien-


te e explicativa para a compreensão dos padrões e variações dos climas e dos tipos
de tempo nos lugares. Geograficamente esse processo indica designar e produzir
um conhecimento orientado para desenvolver as sociedades, sendo muito utiliza-
do na gestão e planejamento territorial e regional, e também como parte da análise
ambiental e dos sistemas naturais.

Não à toa, existe também uma estreita relação entre as diversas concepções de
clima na história e as diferentes abordagens rebatem diretamente nas representa-
ções dos tipos climáticos e na realização das classificações.

Artigo

https://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/view/5769

Toda classificação climática é dependente de uma determinada concepção de clima e serve


para entender parte da dinâmica natural tanto dos lugares quanto dos processos de regio-
nalização (definição de regiões). O produto final deve oferecer parâmetros para desenvolver
processos de planejamento e gestão de território. Para maior aprofundamento desses
aspectos, recomendamos a leitura do artigo Panorama dos sistemas de classificação climática
e as diferentes tipologias climáticas referentes ao estado de Goiás e ao Distrito Federal/Brasil, de
Acesso em: 18 maio 2021.
Diego Tarley F. Nascimento, Ivanilton José de Oliveira e Gislaine Cristina Luiz, publicado na
revista Élisée.

Acesso em: 8 jun. 2021.

As primeiras classificações climáticas não foram obtidas pelos atuais instrumen-


tos de medida, mas por registradores naturais, em particular a sensibilidade dos
seres humanos e a observação dos ciclos e ritmos dos sistemas naturais. Segundo
Sorre (1951), não se conhecia o calor e o frio, a não ser por seus efeitos sobre o
organismo humano e pela constituição das paisagens naturais, no sentido da defi-
nição dos períodos e das áreas a serem exploradas.

Podemos dizer que a primeira classificação mais sistemática do clima foi rea-
lizada, na Antiguidade, no Egito. Preocupados com os períodos de cheias e com
o aproveitamento de várzeas do Rio Nilo, os egípcios consideraram aspectos da
sazonalidade, oferecendo a classificação
matrioshka/Shutterstock
que combinava o regime de chuvas e a
dinâmica fluvial do rio em estações de
inundação, germinação e colheita, valo-
rizando significativamente a dimensão
temporal da dinâmica climática.

74 Climatologia
Em outro contexto técnico, os gregos desenvolveram uma série de estudos em-
píricos sobre temperatura, água, precipitação, ventos e im-
plicações nas culturas e na saúde humana, dentre eles a
Zona frígida
introdução de instrumentos de medição. Com base no con-
ceito de Klima, ofereceram a primeira classificação global,
que dividia o planeta em zona tórrida (quente), zona frígida Zona Temperada
(fria) e zona temperada (tépida). A classificação grega se as-
semelha com as modernas latitudes, sua elaboração estava
Zona tórrida
associada à distância/proximidade do Sol, sendo a zona
temperada a única ideal e possível de sobreviver e se repro-
duzir. Com essa classificação os gregos atribuíram diversas Zona temperada
condições climáticas encontradas em diversos lugares do
mundo.
Zona frígida
Atualmente, os princípios dessa classificação podem
ser equivalentes a grandes zonas climáticas da Terra, que
designam as áreas distintas de acordo com a incidência da
radiação solar e a latitude. Nesse sentido, o planeta contempla os domínios dos
climas equatoriais e subequatoriais nas baixas latitudes; os domínios tropicais, sub-
tropicais, e temperados das médias latitudes; e os domínios subpolares e polares
das altas latitudes (Figura 1).

Figura 1
Principais zonas climáticas do planeta

Zona equatorial

Zona subequatorial

Zona tropical

Zona subtropical
Vector Image Plus/Shutterstock

Zona temperada

Zona subpolar

Zona polar

Mais recentemente, na modernidade (período que marca a ruptura entre a cul-


tura tradicional e o racionalismo científico como fundamento do conhecimento),
os instrumentos de medição dos elementos climáticos (termômetro, barômetro,
higrômetro, pluviômetro) já ofereciam aos estudiosos do clima uma visão abran-
gente das configurações climáticas na Terra.

Desse período origina-se também a sistematização das ciências atmosféricas


e a organização teórica da climatologia tradicional, que baseada em uma noção
estática de clima foi sustentada pela observação em valores médios dos elementos
climáticos e pela conformação estanque e absoluta de sua manifestação espacial.

Climatologia aplicada 75
A título de exemplificação, a principal contribuição é sem dúvida a classificação
de Köppen-Geiger, a mais conhecida. Essa classificação climática oferece a divisão
planetária do clima, na qual os tipos climáticos são definidos segundo os limites
dos conjuntos vegetacionais nativos e a sua relação com os graus de aridez (indica-
dos pela relação entre precipitação, temperatura e evapotranspiração).

Fundamentada na espacialização de valores como precipitação, temperatura


e evapotranspiração, essa proposta valoriza associações com aspectos das paisa-
gens a nível global, sobretudo a vegetação e os grandes compartimentos de relevo,
como base para sua classificação climática em escala global (ROSSATO, 2011).

São utilizadas médias mensais e anuais na classificação, que resultam na iden-


tificação de cinco grupos principais de climas mundiais, correspondente aos cinco
grupos vegetacionais. Koppen-Geiger utilizaram um grupo de letras para defini-los,
assim como os subgrupos no interior das cinco grandes classes, e outras divisões
para identificar outras características de precipitação e temperatura (ROSSATO,
2011). A Figura 2 apresenta essa proposta com indicação dos grupos climáticos e
relação com os domínios vegetacionais e biomas do planeta.

Figura 2
Classificação climática segundo Koppen-Geiger

VectorMine/Shutterstock
Equador Equador

Seco (árido e
Tropical Temperado Continental e
semiárido) Polar
subártico

A B C D E

76 Climatologia
Em outro contexto técnico-científico, a climatologia mostrava incorporação das
teorias do movimento (gravidade e termodinâmica) na dinâmica do ar atmosférico
pelo conceito de massas de ar, ciclones e anticiclones explicados com base nos
modelos de circulação atmosférica e na teoria da frente polar. Nessa abordagem,
às classificações climáticas caberia a explicação da sucessão dos tipos de tempo
segundo um caráter genético, com base na movimentação dos campos de pressão
atmosférica, mesmo que se utilizassem os valores médios dos elementos climáti-
cos (ROSSATO, 2011).

Nessa perspectiva, podemos citar as contribuições de Nimer (1989) quando pro-


pôs sua classificação considerando a identificação das fontes dinâmicas da origem
e dinâmica das chuvas, os limiares de temperatura para as estações do ano, os
períodos chuvosos, secos e subsecos (Figura 3).

Nimer (1989) ofereceu cinco grandes domínios climáticos zonais para o Brasil:

Clima equatorial

Clima tropical equatorial

Clima tropical litorâneo do Nordeste oriental

Clima tropical úmido-seco ou tropical do Brasil central

Clima subtropical úmido

Cada um desses climas zonais é dividido em subtipos que denotam as caracterís-


ticas de precipitação sazonal, regime térmico e atuação das massas de ar (Figura 3).

Climatologia aplicada 77
Figura 3
Climas do Brasil segundo a classificação de Nimer

Fonte: IBGE, 2021.

78 Climatologia
Cabe ressaltar que, embora as classificações estáticas e dinâmicas apareçam
em parte significativa da literatura como oposições de perspectivas climáticas dis-
tintas, os dados sintetizados nas médias, por si só, não bastam para compreender
a dinâmica atmosférica. Mas podemos partir dos valores médios para buscar a
gênese e sucessão habitual dos tipos de tempo.

5.2 Clima e agricultura


Vídeo O quadro atmosférico se configura por diferentes padrões climáticos regionais,
altamente suscetíveis às irregularidades do balanço hídrico e energético. O fenô-
meno climático é então analisado como o principal fator de formação das paisa-
gens naturais e favorece a explicação dos tipos vegetacionais mais predominantes
nas diversas regiões do planeta.

Por exemplo, é possível reconhecer a distribuição espacial das florestas equa-


toriais em domínios com significativa disponibilidade hídrica, alta radiação solar e
baixa variação térmica em praticamente todo ano. Florestas tropicais situam-se em
domínios climáticos marcados pela sazonalidade em duas estações com períodos
pluviométricos distintos – estação chuvosa e estação seca. Florestas subtropicais e/
ou temperadas podem ser associadas com domínios climáticos determinados pela
distribuição anual das chuvas e marcada variação térmica, que, por sua vez, define
1 a sazonalidade em quatro estações – primavera, verão, outono e inverno.
Vamos entender a agricul- Essa variabilidade, no entanto, alterna-se em episódios de redução ou incre-
tura no conjunto de todos
os sistemas tecnológicos mento pluviométrico que repercute nos espaços rurais pela redução de safras, que
desenvolvidos para obter desestabilizam o mercado, provocam desemprego e comprometem a segurança
e produzir alimento, ou
seja, inclui-se a pecuária e a alimentar, ao mesmo tempo que tendem a intensificar queimadas, perda da fertili-
piscicultura. dade dos solos e aceleramento de processos erosivos.
1
A relação clima-agricultura é inicialmente construída para promover diagnósti-
Saiba mais cos dos efeitos do clima sobre a organização das práticas agrícolas, do rendimento e
Estresses bióticos referem-se da produtividade, geralmente associados por estratégias de zoneamento agroclimá-
aos impactos de condições
climáticas favoráveis à proli-
tico, que se baseiam na articulação por estresses bióticos e abióticos. Isso porque
feração de pragas e doenças. nos espaços rurais, voltados para as práticas produtivas de alimentos, a interpre-
Por exemplo, tipos de tempo
muito úmidos e quentes
tação deve ser contextualizada segundo o ciclo de vida de plantas e animais, bem
podem aumentar a dissemi- como sua seletividade, exigência e adaptabilidade ao regime climático, ou seja, dis-
nação de fungos e bactérias,
enquanto os tipos de tempo
ponibilidade hídrica, variações da temperatura, fotoperíodo, radiação solar, neve
secos podem restringir. Já os etc. Trata-se, então, de uma análise focada na interação de dependência da planta
abióticos são os conjuntos
de impactos associados aos
ao clima, uma dimensão que envolve essencialmente relações ecológicas.
estresses hídricos (dispo-
A relação clima-agricultura, na perspectiva ecológica, basicamente é desenvolvi-
nibilidade hídrica no solo e
na atmosfera), energéticos da atribuindo como a sazonalidade tende a definir a quantidade de horas de brilho
(quantidade de luz solar –
solar (insolação) durante um dia, e a distribuição das temperaturas e das chuvas
fotoperíodo – que as plantas
precisam para se reproduzir) durante o ano. Nesse sentido, o interesse é garantir uma interpretação da ciclicida-
e mecânicos (devido à ação
de da produtividade de plantas e animais de acordo com os ciclos climáticos, garan-
dos ventos, que promove
choque entre plantas e, por tido inclusive que eventos adversos possam ser previamente conhecidos, tendo em
consequência, diminuição
vista o regime climático do lugar. Desse modo, por exemplo, é possível conhecer
dos processos de respiração).
quais demandas as plantas e animais exigem em termos de luz solar ou temperatu-

Climatologia aplicada 79
ra da água, o que favorece a definição de um calendário agrícola ou a demarcação
dos períodos de migração sazonal de determinadas espécies marinhas.

Com essa estratégia, a climatologia geográfica explica e organiza também uma


série de análises que articulam os tipos de tempo e de clima aos padrões de uso e
tipo de solos para uso agrícola, incluindo recursos tecnológicos para adaptar deter-
minadas culturas, seja como estratégia de aumento da produtividade, seja como
alternativa de diminuição dos impactos adversos, devendo garantir a segurança em
relação à variabilidade climática.

Contudo, reconhece-se que muitos dos efeitos negativos da variabilidade climá-


tica às atividades produtivas são em grande parte consequências muito mais da in-
capacidade técnico-científica de elaborar planos de ação para adaptação das plantas
frente aos padrões e às dinâmicas climáticas. Isso ocorre porque em áreas inseridas
num contexto de forte modernização da agricultura, a relação de dependência é in-
ferior a 50%, enquanto em áreas tradicionais a dependência da rentabilidade com
relação às precipitações pluviométricas pode ser superior a 70% (ORTOLANI, 1995).

O esquema de Ortolani (1995) (Figura 4) busca representar a razão de influência


climática na produção de café do estado de São Paulo. Observe que a dificuldade
da ação humana é proporcional ao controle do rendimento; ela aumenta conside-
ravelmente quando se aproxima da base, determinada pelas condições de tempo
e clima. De outro modo, a dificuldade de ação pode ser reduzida com manejo ade-
quado das culturas em relação aos solos e às plantas adaptadas (genética).

Figura 4
Causas da variabilidade anual da produção agrícola
Manejo
Dificuldade de ação humana

Solo

Genética

Tempo e clima

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Ortolani, 1995.

Nesse sentido, a importância das relações entre clima e planta, além de deter-
minar a distribuição global dos cultivos, é explicada pelas práticas agrícolas, que
compreendem desde o preparo da terra para receber as sementes até o rendi-

80 Climatologia
mento final da produção, o uso de fertilizantes, os sistemas de irrigação, o uso de
agrotóxicos etc.

Em outras palavras, em conjunto com os fatores naturais, o es-


paço rural também é estruturado por avanços tecnológicos, por
práticas agrícolas (tradicionais, modernas, extensiva, intensi-

nn
at t
alli
va etc.) e pela estrutura fundiária. Esses são os outros fa-

/Sh
u tte
tores fundamentais da relação clima-agricultura, e, nessa

rsto
ck
perspectiva, a análise é bastante atravessada pela relação
clima-agricultura na perspectiva econômica. Por isso a
necessidade de tratá-la como insumo ao processo produ-
tivo, auxiliando na definição e constituição de territórios.

No Brasil, temos o exemplo da cultura de soja. Utilizan-


do esse exemplo, vamos articular as duas perspectivas.

De origem chinesa e uso milenar no continente asiático, a


soja é uma leguminosa extremamente rica em óleo e proteínas.
Inicialmente, seu ciclo de vida anual e seu porte arbustivo aéreo de-
ram a possibilidade de que seu cultivo fosse desenvolvido por meio de má-
quinas, contemplando desde a semeadura, a erradicação de plantas invasoras e
insetos pragas, a colheita, o armazenamento, até a comercialização.

A planta da soja adequou-se ao modelo agroexportador, permitindo um retorno


2
rápido do capital investido (maquinários e fertilizantes), como também determinou
Conjunto de produtos
2
a escala global de circulação-produção para controle de preços (commoditie ), ou primários em que o preço
é determinado internacio-
seja, os grãos saírem das áreas de produção e chegarem ao uso final seja ele para
nalmente, considerando
abastecimento de mercados ou para indústria. as bolsas de valores, por
exemplo. São commodities
Assim, a relação clima-soja garantiu que a cultura fosse introduzida no Brasil o petróleo, a soja, o trigo,
por comunidades de agricultores que apresentavam nível técnico suficiente para o ouro.

fazer parte da cadeia produtiva, bem como nas áreas que apresentam climas e
solos similares às de origem da cultura ou que possibilitavam adaptação de outras
variedades/cultivares. O estado do Rio Grande do Sul foi o que apresentou inicial-
mente as condicionantes ecológicas mais adequadas às exigências fisiológicas e
climáticas das plantas. Além disso, o estado apresentava fortes incentivos para im-
plementação de um complexo agroindustrial iniciante no Brasil.

Fotokostic/Shutterstock

Climatologia aplicada 81
A consistência desse projeto ganhou mais destaque a partir do pacote tecno-
lógico e da modernização da agricultura dada pela Revolução Verde. O sentido é
de que o investimento em pesquisa e a substituição de sistemas de cultivos tradi-
cionais por maquinário e agrotóxicos favoreçam mudanças estruturais no campo
e, também, um desenvolvimento vegetativo adaptado ao fotoperíodo mais curto,
típico de regiões de baixa latitude.

Artigo

https://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/5974/4689

A Revolução Verde é um dos marcos mais importantes das transformações do mundo urbano e rural
brasileiro do final do século XX. Trata-se de um processo pautado na profunda reestruturação de
ordem técnica e econômica das atividades agrícolas, legitimada principalmente por políticas da fome,
de transferência tecnológica e de desenvolvimento. Devido à forte modernização e racionalização da
produção, essa revolução também se caracteriza pelos importantes impactos em todos os sistemas
– produtivos, sociais e humanos, em que os sistemas naturais não ficaram de fora. Para entender
melhor essa discussão, leia o artigo : Alterações ambientais no estado do Paraná: um enfoque geográfico
sobre a dinâmica fluviométrica e as transformações no campo, de Lindberg Nascimento Júnior e Douglas
Ambiel Barros Gil Duarte, publicado na Revista NERA, que mostra como a Revolução Verde consolidou
a substituição natural da vegetação, promovendo mudanças do padrão do uso do solo na transição da
cafeicultura para sojicultura e modificações no regime hidrológico.

Acesso em: 7 jun. 2021.

Assim, o ajuste da fisiologia da planta de um ambiente temperado, conhecido


como tropicalização da soja, proporcionou a adaptação da cultura reduzindo o ciclo
anual para o período entre 90 e 200 dias, coincidindo com a sazonalidade do perío-
do chuvoso do clima tropical e proporcionando a migração da cultura do sul para o
interior norte do país, sobretudo nos últimos 40 anos (Figura 5).

Figura 5
Quatro décadas de marcha da soja – 1975-2015

Fonte: Knorr, 2017.

82 Climatologia
Observe que, nesse processo, a sojicultora foi paulatinamente mais consistente
inicialmente na região Sul e em parte das regiões Sudeste e Centro-oeste. Na úl-
tima década, observa-se que o vetor da produção tem se deslocado para o norte
da região Centro-Oeste, setores da região Norte (Roraima e Pará) e Nordeste (oes-
te baiano, sul do Maranhão e Piauí). E o que isso significa em termos da relação
clima-agricultura?

Você já deve ter percebido que o interior do país, que apresenta clima tropical,
se consolidou como o ambiente ideal para efetivação da produção da soja do país.
E isso não ocorreu só em termos climáticos e de extensão territorial, mas tam-
bém porque o domínio Cerrado contempla relevos de planalto e chapadões com
vertentes suaves onduladas que permitem o uso de mecanização por máquinas.
Podemos afirmar que o Cerrado é atualmente o principal espaço para produção
agrícola do país.

Por isso, se em alguns territórios da agricultura tradicional o clima ainda exerce


papel determinante, em outros, a sofisticada tecnificação e as relações de produ-
ção altamente modernas minimizam os efeitos adversos da dinâmica climática so-
bre seus domínios.

Além disso, é necessário considerar que os processos de organização agrícola


afetam negativamente o quadro ecológico, e qualquer evento climático fora dos
padrões habituais é capaz de deflagrar uma reação em cadeia que afeta não só
a produção agrícola como também a dinâmica dos sistemas naturais. Ao mesmo
tempo, “o descompasso entre os benefícios econômicos e o seu retorno social, ao
impacto de qualquer risco climático eventual, põe a nu toda a fragilidade da orga-
nização social” (MONTEIRO, 1990, p. 32).

Por essas razões, a relação clima-agricultura não pode ser concebida exclusiva-
mente na perspectiva ecológica, uma vez que ela é importante para uma aproxima-
ção inicial, e como insumo econômico, o clima assume um papel variado, associado
aos meios distintos que os agentes sociais apresentam para lidar com os impactos
do tempo e do clima, seja para minimizar, neutralizar ou otimizar os seus efeitos.

5.3 Clima urbano


Vídeo Os processos de urbanização, de industrialização e de construção das cidades in-
troduziram elementos físicos e químicos na atmosfera e alteraram sobremaneira as
condições naturais pretéritas. Todo o processo de caracterização do clima tem início
na radiação solar incidente e nas características da superfície receptora, sendo por
meio dessa interação que se configuram as características climáticas específicas.

Nas cidades essa interação favorece ainda mais alterações, inicialmente conhe-
cidas a partir das transformações no balanço de energia, que possibilitam mudan-
ças em todos os elementos climáticos, como temperatura, umidade relativa do ar,
ventos, precipitações e composição química e física da atmosfera (AMORIM, 2000).

Essa configuração parte das alterações do meio natural preexistente – o sítio


urbano, que em num primeiro momento se dá pela remoção da cobertura vegetal
para a instalação de bairros, ruas e casas, favorecendo a alteração do balanço de

Climatologia aplicada 83
radiação e caracterizando mudanças nos processos termodinâmicos de gênese no
clima local.

Com a ampliação das intervenções, tais como construção de grandes prédios


(verticalização), pavimentação asfáltica, remoção de árvores remanescentes, cana-
lização de rios, entre outras, somadas às intervenções cotidianas, com destaque
para a emissão de resíduos tóxicos na atmosfera, os processos termodinâmicos
vão ganhando cada vez mais alterações, e os elementos climáticos repercutem com
maior clareza na configuração de um clima local específico.

Esses processos são, assim, retroalimentados por maior aquecimento do ar, au-
mento das precipitações, velocidade e orientação dos ventos, poluição atmosférica.
O clima local assume dimensões espaciais associadas à área construída, oferecen-
do a explicação de que o clima urbano é o clima de um dado espaço terrestre e sua
urbanização (MONTEIRO, 1976).

Em cidades de países desenvolvidos, o maior aquecimento no ambiente urbano


decorre durante o dia e da combinação dos materiais utilizados nas construções
e edificações (centro da cidade e zona industrial), como mostra a figura a seguir.
Nesse sentido, a intensidade das ilhas de calor está relacionada à maior diferença
de temperatura entre a zona rural e a zona urbana.

Figura 6
Efeitos da ilha de calor urbana durante os períodos diurno e noturno

ValentinaKru/Shutterstock

Vídeo
Para aprofundar o debate
histórico e avançar nos te-
mas contemporâneos das
questões que envolvem o
clima urbano, assista à live
Clima urbano como Risco
Climático, apresentado Podemos inferir que o marco inicial dos estudos sobre clima urbano se deu a
no Canal do Laboratório partir do século XIX, mais especificamente em 1661, com a obra Fumifugium, de
de Climatologia e Análise
Ambiental – LabCAA, da John Evelyn. Naquele momento, Evelyn descreveu o clima urbano de Londres, des-
Universidade Federal de tacando a participação da poluição do ar causada pela queima de carvão dentro do
Juiz de Fora.
período da recente industrialização. Ele já articulava os efeitos negativos da polui-
Disponível em: https://youtu.be/
a6EA1Z6WMVo. Acesso em: 8 jun.
ção na qualidade da saúde humana e recomendava maneiras de melhorar a quali-
2021. dade do ar por meio do plantio de árvores e vegetação florísticas.

84 Climatologia
Mais recentemente, após a Segunda Revolução Industrial, a insalubridade do ar
Saiba mais
londrino foi novamente estudada pelo químico inglês Luke Howard em 1833. Em
A ilha de calor urbana é um
The climate of London, ele descreveu grande parte dos elementos climáticos (nu- fenômeno que resulta na
vens, precipitação, temperatura) e os ciclos sazonais e mensais. Howard também formação de bolsões de
ar quente decorrentes da
detectou a contaminação do ar e observou diferenciação de temperatura do ar na capacidade diferenciada
cidade de Londres em comparação com as áreas rurais e/ou vizinhas. de armazenar e refletir a
energia solar dos materiais
A popularização dos estudos também proporcionou maior abrangência nas prá- encontrados na superfície
(AMORIM, 2000). Segundo
ticas de gestão e planejamento urbano, sobretudo a partir da urbanização acelerada Oke (1979), a característica
observada no período pós-Segunda Guerra Mundial, em conjunto com a expansão mais significante da ilha
de calor é sua intensi-
territorial urbana das grandes metrópoles, a industrialização mais intensa e um dade, entendida como a
importante aumento demográfico, principalmente nos países subdesenvolvidos. diferença entre o máximo
da temperatura urbana e
Nessa perspectiva, pelo menos duas abordagens são bastante destacadas. A o mínimo da temperatura
rural. Essa característica
primeira relaciona-se a questões de cunho meteorológico para compreensão e mo- está relacionada com os
delagem dos tipos e padrões de circulações induzidas sobre uma cidade, cujo inte- fatores que contribuem
para a formação da ilha de
resse é a interpretação dos padrões termais com os materiais construtivos. calor, tais como os naturais
(situação sinótica, relevo
Nessa abordagem, o clima urbano é condicionado principalmente pelo incre- e presença de superfícies
mento térmico, tendo em vista que na cidade muitos materiais de construção com vegetação e/ou água)
ou propriamente urbanos
absorvem e retêm mais radiação solar do que os materiais naturais em áreas rurais (morfologia urbana e ativi-
ou menos urbanizadas, que se configuram em ilhas de calor urbanas. dades antropogênicas).

A outra abordagem de clima urbano é baseada em uma leitura sistêmica e geo-


gráfica. O precursor dessa abordagem foi o professor Carlos Augusto Figueiredo
Monteiro (1976), que se preocupava com a cidade na condição de premissa básica
para a ciência geográfica e carecia de uma intepretação sistêmica para promover a
indissociabilidade sociedade-natureza. Para ele,
entre o núcleo urbano e a área metropolitana há a “cidade”, tomada em seu
sentido habitual, que se identifica como o “lugar”, e cuja configuração da
atmosfera sobre ele, configura a condição local da observação meteorológica
e definição climática. Ao dizer-se “urbanização” – processo de implantação
humana concentrada sobre um dado lugar –, quer-se chamar a atenção sobre
a mobilidade do fato urbano. (MONTEIRO, 1990, p. 80)

A impossibilidade de tratamento a partir da separação dos elementos naturais


3
e sociais destacava (e ainda destaca) as questões ambientais e urbanas em um
Do inglês urban boundary
ponto de vista único, numa perspectiva que considerou que toda cidade possui um
layer, é o conceito proposto
clima próprio, resultado da influência de todos os elementos (naturais, ambientais por Oke (1979) para tratar
3 da atmosfera imediata à
e urbanos) processados sobre a camada limite urbana .
superfície urbana. Basica-
mente ela integra todos os
Por se tratar de um sistema climático aberto, o Sistema Clima Urbano (SCU)
movimentos de estratifica-
indicava as formas de detecção por meio de subsistemas e canais de percepção ção da temperatura e os
movimentos turbulentos do
em uma estrutura interna. O processo de troca de matéria e energia atmosférica
ar na cidade.
é descrito a partir da entrada de energia solar no ambiente (input e insumo prin-
cipal), sua transformação (a partir do núcleo – estrutura interna do sistema), sua
percepção (canais do impacto meteórico, qualidade do ar e conforto térmico), saída
(output – que compreende os níveis de resolução e efeitos paralelos), com interde-
pendência de processos em sua organização funcional e complexa (Figura 7).

Climatologia aplicada 85
Figura 7
Sistema Clima Urbano

Ambiente Núcleo Níveis de resolução Efeitos paralelos Ação planejada


Retroalimentação
Intervenção corretiva

Estrutura do sistema

Metas

Soluções
Conforto

Desempenho
térmico
Energia (caixa preta) Ilhas de calor

humano
Solar Ventilação
Espaço ecológico alterado Condensação

Pesquisa
básica

Decisões
Qualidade
Espaço urbano adaptado
Circulação atmosférica

do ar
(uso do solo, estrutura urbana)

Saúde
Energia líquida

Poluição atmosférica

Expectativa
regional

público
Poder
Espaço natural alterado
(aterros, represas etc.)

Desorganiza-
ção urbana
meteórico
Impacto
Precipitação
Dinâmica urbana

alternativas
Consciência

Estratégias
Disritmias externas

social
(funções e atividades)

Ajustamento adaptativo
Exportação para o ambiente

Insumo Transformação Produção Percepção Autorregulação

Fonte: Adaptado de Monteiro, 1976.


Nessa perspectiva, os climas urbanos que pudessem atingir negativamente a
cidade, ou seja, a saúde das pessoas, a destruição de infraestruturas e a desorga-
nização do espaço, poderiam ser transformados pela ação planejada (autorregu-
lação). A participação de agentes sociais na consciência dos problemas relativos
aos impactos das cidades seria o ponto-chave para mudar as rotinas, a cultura e os
planos urbanos, que sistemicamente rebateria na reorganização do clima urbano.

As duas abordagens se complementam, contudo o Sistema Clima Urbano ofe-


rece uma abrangência maior e mais robusta, uma vez que a identificação da ilha
de calor faz parte de um subsistema e deve ser articulada a outros fatores do coti-
diano urbano, não se limitando somente à caracterização de sua intensidade e aos
padrões espaço-temporais.

De modo geral, o estudo do clima urbano pelo Sistema Clima Urbano absor-
4
ve grande eficiência no trato do clima e da cidade, revelando não só os sistemas
A influência do estado do
tempo e do clima sobre a atmosféricos que deflagram impactos à população, mas também questionando as
saúde humana é reconheci- formas e os processos de produção do espaço urbano e incorporando outros pro-
da desde a Antiguidade.
cedimentos devido ao avanço técnico-científico.

5.4 Clima e saúde


Vídeo Além das classificações climáticas, da relação clima-agricultura e do clima urba-
no, a influência do tempo e do clima sobre a vida vegetal e animal é reconhecida
4
desde a Antiguidade . Nesse escopo, o contato inicial entre geografia (climatolo-
gia – biogeografia) e saúde humana derivou os primeiros trabalhos sistemáticos

86 Climatologia
de Geografia Médica, voltados à descrição minuciosa da distribuição regional das
doenças, empregando amplamente recursos cartográficos (FERREIRA, 2001).

O resultado desse processo foi a produção de obras importantes que orienta-


vam a necessidade de saneamento, medidas preventivas e melhoramento de áreas
precárias e insalubres, principalmente no mundo tropical, onde se manifestavam
com impactos direto na saúde humana. A teoria dos complexos patogênicos,
proposta pelo geógrafo Maximilian Sorre, em 1951, é uma das mais relevantes

De acordo com essa teoria, uma determinada patologia (doenças infecciosas e


parasitárias, fundamentalmente) seria produto de uma interação que combina as
características do meio físico, a ocorrência de doenças pela detecção de agentes
patogênicos em suas condições ecológicas e fisiológicas e as possibilidades das
transformações antrópicas no meio geográfico – que compreende o entorno ime-
diato, próximo e distante de atuação e convivência humana.

A complexidade das relações que interessam aos geógrafos remeteria à “inter-


dependência dos organismos postos em jogo na produção de uma mesma doença
permite inferir uma unidade biológica de ordem superior: o complexo patogênico”
(SORRE, 1951, p. 237). Nesse jogo, todos os seres vivos condicionam ou comprome-
tem a existência, além do ser humano e do agente causal da doença infecciosa (os
vetores), em que o clima é um dos fenômenos mais importantes. A Figura 8 apre-
senta a organização esquemática dessa estrutura e mostra que no nível elementar Saiba mais
a doença resulta da interação entre meio biológico, meio social e clima. Os complexos patogêni-
cos recebem o nome da
Figura 8 doença a que se referem
Estrutura do complexo patogênico (por exemplo, complexo
malárico, da peste etc.). O
interessante é que cada
Vetores complexo seja tratado não
como seções absolutas em
termos numéricos e es-
Tipos de
Bactérias Metabolismo paciais, mas fundamental-
Ambiente tempo mente por meio de grupos
que se desenvolvem de ma-
Vírus
neira indissociável e muitas
vezes inter-relacionados
(SORRE, 1951). A natureza
da abordagem é ecológica,
Meio biológico Meio social Clima
por isso o princípio é en-
Fonte: Elaborada pelo autor. tender que cada complexo
é organizado com vida
A capacidade de adaptação dos seres humanos aos diferentes tipos de tempo é
própria, que é originado,
ampla, porém a facilidade ou dificuldade dessas adaptações também pode ser alte- desenvolvido e desintegra-
rada pelas diferentes vulnerabilidades e pela resiliência da população e dos corpos do epidemiologicamente
de maneira geográfica (em
dos indivíduos. Essas questões devem ser operadas considerando as mudanças termos históricos, biológi-
dos tipos de tempo e sua influência no organismo humano, que necessita sempre cos e evolutivos). O papel
antropogênico é essencial
se readaptar para permanecer com saúde e bem-estar. Atualmente tem-se deno-
para determinar a gênese
minado esse processo de efeito meteorotrópico, e varia de indivíduo para indivíduo. e a desintegração dos com-
plexos, e não se restringe
Desso modo, consideramos que algumas condições climáticas são favoráveis à atuação como hospe-
na recuperação fisiológica humana, como o ar umidificado e a insolação, que po- deiro ou como vetor das
doenças, mas como agente
dem auxiliar na recuperação de riníticos e asmáticos. Entretanto, outras condições
transformador de espaço
atmosféricas e climáticas, como períodos chuvosos com altas temperaturas, permi- (SORRE, 1951).
tem o desenvolvimento dos vetores que transmitem doenças (ALEIXO, 2012).

Climatologia aplicada 87
Segundo Aleixo (2012), a escala de estudo da relação clima-saúde tem sido cada
vez mais associada ao ambiente urbano, pois as cidades têm se tornado o lugar do
viver da sociedade e a alteração dos componentes físicos e químicos, por sua vez,
repercute diretamente na saúde (Figura 9).

Figura 9
Canais de percepção do clima urbano e suas manifestações na saúde

Organização
socioambiental urbana

Tipos de tempo

Falta de
planejamento e
prevenção dos riscos

Impacto na
saúde

Canal 1: Conforto térmico Canal 2: qualidade do ar


• Doenças psicossociais • Doenças respiratórias Canal 3: Impacto meteórico
• Doenças respiratórias • Doenças circulatórias • Doenças de veiculação hídrica
• Doenças circulatórias • Doenças gástricas • Doenças infecciosas
• Doenças cardiovasculares • Doenças dérmicas • Doenças parasitárias
• Desempenho físico • Doenças crônicas

Subsistema Subsistema
Subsistema hidrometeórico
termodinâmico físico-químico

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Aleixo, 2012.

O sentido é que a alteração na quantidade de matéria e energia do sistema climá-


tico, provocada pela produção e expansão territorial dos espaços urbanos e pelas
condições de saúde-doença, bem como de sobrevivência dos vetores, pode modifi-
car, consequentemente, a capacidade de adaptação e o estresse humano também.

Além disso, a relação com a vulnerabilidade humana contempla a população


de anemosensíveis, isto é, o conjunto de pessoas com comorbidades preexisten-
tes (idosos, riníticos, asmáticos, mulheres grávidas e crianças) ou que apresentam
maior sensibilidade fisiológica aos agravos relacionados ao clima. O que remete,
então, a uma diversidade de riscos que comprometem o bem-estar humano e a
qualidade de vida. A figura a seguir apresenta um esquema dessa ideia:

88 Climatologia
Figura 10
Relação clima, saúde e vulnerabilidade humana

Capacidade de adaptação dos seres humanos

Riscos à saúde X Vulnerabilidade humana

Derivados de climas fortemente Ligada às especificidades de


agressivos ou de paroxismos determinados indivíduos aos
climáticos particularmente violentos. fenômenos climáticos particulares.

Clima urbano / eventos externos População de anemosensíveis


Períodos chuvosos e com (pessoas idosas, com enfermidade preexistente,
altas temperaturas riníticos, asmáticos, gestantes e crianças)

Recuperação fisiológica

Readaptação para permanecer com saúde e bem-estar

Fonte: Elaborada pelo autor

As alterações ambientais provocadas por ações humanas manifestam-se em


modificações importantes no meio ecológico e climático, podendo promover o
comprometimento e condicionamento da qualidade ambiental em impactos epi-
demiológicos significativos. A ideia é que as relações entre o ser humano e o am-
biente compreendem também a ação da natureza (meio físico e biológico) sobre o
ser humano, ao passo que a ação humana (social e histórica) modela a natureza.
Por isso, é sempre um desafio sem sucesso tentar separar os efeitos climáticos na
saúde e os determinantes socioeconômicos e culturais, uma vez que o clima apa-
rece muitas vezes como fator de confusão e menos de explicação. Devido a essa
natureza, as perspectivas produzidas têm como princípio a totalidade do problema,
ou seja, integram a saúde e a doença como um processo, que ativa a problemática
das condições para a qualidade ambiental.

Nesse contexto, o processo saúde-doença perpassa múltiplas facetas no espa-


ço urbano, podendo também ser relacionado desde análise de políticas públicas
de saneamento e saúde coletiva até aspectos estruturais de moradias e localiza-
ção da habitação.

Climatologia aplicada 89
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O estudo geográfico aplicado ao clima apresenta pelo menos quatro grandes fren-
tes – a que origina os processos de classificação, a relação clima-agricultura, o clima
urbano e a saúde. Cada abordagem inclui outras possibilidades de estudo, como ris-
cos, desastres, qualidade ambiental, restauração ecológica etc.
De todo modo, a complexidade dos problemas que envolvem as aplicações em
climatologia não é mais passível de ser analisada exclusivamente à luz dos conceitos e
técnicas tradicionais, ou dos problemas em si. O trabalho do geógrafo pode ser mais
propositivo se a análise for encandeada para o encontro das ordens espaciais do fe-
nômeno climático.
É por isso que, por meio da climatologia geográfica, os estudos priorizam a dimen-
são espaço-temporal dos processos climáticos como fator condicionante das paisa-
gens e como constituição dos territórios. A associação com manifestações diferentes e
impactos específicos se abre inclusive para diferentes técnicas de análise e propostas
críticas para resolução de problemas contemporâneos.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Para quais propósitos a classificação climática se faz importante?

2. Como pode ser desenvolvido um estudo geográfico sobre a relação clima-agricultura?

3. Quais as principais abordagens dos estudos sobre o clima urbano e quais seus
elementos principais?

4. Na relação clima-saúde, quais fatores climáticos são considerados para estabelecer


a análise?

REFERÊNCIAS
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cidade de Ribeirão Preto. 2012. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/
handle/11449/101455. Acesso em: 8 jun. 2021.
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Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
KNORR, M. T. Quarenta anos de expansão da soja no Brasil, 1975-2015. Confins, n. 33, 2017. Disponível
em: https://journals.openedition.org/confins/12592. Acesso em: 8 jun. 2021.
MONTEIRO, C. A. F. A cidade como processo derivado ambiental e a geração de um clima urbano:
estratégias na abordagem geográfica. Geosul, Florianópolis, v. 5, n. 9., 1990, p. 80 – 114. Disponível em:
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MONTEIRO, C. A. F. Teoria e Clima Urbano. Série Teses e Monografias, n. 25. São Paulo: Universidade de
São Paulo 1976.
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OKE, T. R. Review of urban climate. WMO Publ., Tech. Note, v. 169, 1979.
ROSSATO, M. S. Os climas do Rio Grande do Sul: variabilidade, tendências e tipologia. 2011. Tese
(Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2011. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/32620/000782660.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 8 jun. 2021.
SORRE, M. Les fondements de la géographie humaine. Primeiro tomo: Les fondements biologiques (Essai
d’une écologie de l’homme). 3. ed. rev. e ampl. Paris: Armand Colin, 1951.

90 Climatologia
6
Mudanças climáticas
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo você será capaz de:

• Entender como o clima da Terra foi se formando ao longo do tempo


geológico e as grandes mudanças climáticas do Período Quaternário.

• Discutir o aquecimento global e suas implicações no aumento dos ris-


cos e desastres, comprometendo o futuro da humanidade.

Seja bem-vindo ao sexto e último capítulo do material de Climatologia.


Dessa vez, nosso debate vai focar nas questões contemporâneas que envolvem
o papel do clima e o futuro da humanidade na Terra, ou seja, vamos abordar
especialmente as mudanças climáticas.
Inicialmente, vamos entender o conceito de mudança no conjunto das trans-
formações do clima da Terra, aquelas que ocorrem ao longo do tempo geoló-
gico. Essa discussão é importante para dimensionar o clima como elemento de
constituição de paisagens e para destacar que o princípio da variação é uma
das suas características mais essenciais.
Em seguida, vamos tratar do aquecimento global contemporâneo, sobretudo
de sua gênese, seus impactos e suas implicações socioespaciais. Basicamente,
vamos relacionar esse processo com o aumento dos eventos climáticos extre-
mos que podem acarretar riscos e desastres naturais.
De modo geral, pretendemos oferecer mais um momento de reflexão crítica
com interpretações analíticas do fenômeno climático com base na climatologia
geográfica e que podem servir para as suas práticas profissionais futuras, seja
como licenciado ou bacharel.

6.1 Os climas do passado


Partimos inicialmente da definição mais abrangente de mudança climática, que,
Vídeo
segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM, 1969), compreende “toda e
qualquer manifestação de inconstância climática independentemente de sua natu-
reza estatística, escala temporal ou causas físicas”.

No escopo da climatologia geográfica, as mudanças climáticas não são uma no-


vidade, já que ao longo da história natural ocorreram modificações que impacta-
ram em grande magnitude os sistemas naturais e sociais e, desse ­ponto de partida,

Mudanças climáticas 91
as mudanças climáticas têm sido estudadas sob pelo menos três p
­ erspectivas dife-
rentes. Primeiramente, as que se relacionam com a abordagem paleoclimática no
período anterior à existência humana; as mudanças climáticas na história, que con-
templam as variações mais recentes; e também as que envolvem o aquecimento
global contemporâneo, que marca o estágio atual do clima, destacando sobretudo
as lógicas e os modelos de desenvolvimento.

Por isso, a mudança climática é vista na geografia essencialmente como uma


questão de escala, uma vez que, das escalas globais às locais, tanto os processos
físico-naturais quanto os de origem socioeconômica interferem e/ou determinam
as características por meio das quais o clima é apropriado na produção do espaço
geográfico (SANT’ANNA NETO, 2011).

Para exemplificar, o debate se resolve se considerarmos os níveis de organiza-


ção espaço-temporal das modificações do clima que atendem aos princípios das
causas naturais e antropogênicas, bem como das suas dimensões temporais. Essa
articulação está representada no quadro a seguir.

Quadro 1
Modificações globais do clima

Conceito Duração temporal Gênese


Atividades geotectônicas e variações
Revolução climática Superior a 10 milhões de anos
polares

Mudança climática 10 milhões a 100 mil anos Movimentos astronômicos

Flutuação climática 100 mil anos a 10 anos Vulcanismos e ciclos solares


Modos e padrões de teleconexão
Oscilação climática Anos e décadas
climática

Interação climática Inferior a 10 anos Fenômenos acoplados oceano-atmosfera

Atividade antrópica e transformações


Alteração climática Muito curta
históricas na paisagem

Fonte: Conti, 1998.

Nesta seção vamos focar na primeira abordagem, visto que, em grande parte,
essas variações são oriundas de flutuações climáticas que propiciaram a constitui-
ção das paisagens naturais atuais. Trata-se da influência cíclica de climas de um
1 passado muito antigo, que basicamente marcam períodos alternadamente secos

Os fatores exógenos das


e frios (glaciação), e úmidos e quentes (interglaciação). Esses períodos são sempre
mudanças climáticas estão descritos conforme a gênese natural de ordem geofísica, ou seja, sua origem é
associados à constante so- 1
lar, aos ciclos orbitais e aos
sempre exógena ou endógena .
movimentos astronômicos
Para que você tenha ideia, nesses períodos os regimes hídrico e térmico globais
– por exemplo, os Ciclos
de Milankovitch, os ciclos foram significativamente modificados à medida que a distribuição de chuvas nas
solares e lunares. Já os
regiões temperadas deslocava-se sobre as regiões semiáridas, e estas, por conse-
endógenos são associados
à dinâmica terrestre, sendo guinte, deslocavam-se sobre as regiões equatoriais quentes e úmidas. Isso significa
importantes os vulcanis-
entender também que os domínios dos climas e das paisagens glaciais (restritas
mos, o tectonismo, a deriva
continental etc. aos polos) se expandiam até regiões próximas a 60º e 50º de latitude.

A título de exemplificação, a Teoria dos Refúgios, desenvolvida pelo professor


Aziz Ab’Saber, é um dos principais sistemas referenciais explicativos dessas varia-
ções. Na teoria, essas alternâncias ocorreram sobretudo durante o Pleistoceno, no

92 Climatologia
Período Quaternário (1,8 milhões de anos AP, ou antes do presente) e provocaram
fortes e profundas mudanças no tipo de vegetação e biomassa nas zonas continen-
tais tropicais, causando extinção, diferenciação e alterações na distribuição biogeo-
gráfica dos animais e das plantas (AB’SÁBER, 1992).

Conforme Ab’Sáber (1992), os glaciares correspondem às grandes eras que du-


raram cerca de 100 mil anos e provocaram forte ampliação das calotas continentais Leitura
e polares devido à precipitação da água na forma de gelo e neve. Por consequên- Para aprofundar os seus
conhecimentos sobre os
cia, houve a redução do nível médio dos mares (cerca de 100 metros), como tam-
impactos das mudanças
bém exposição de grandes faixas de terras (antes cobertas pelas águas marítimas climáticas sob o viés dos
estudos paleoclimáticos,
e oceânicas), recuo natural das florestas e dos climas tropicais, além de expansão
recomendamos a leitura
dos climas áridos e semiáridos. da nota publicada pelo
professor Pedro Hauck da
Na América do Sul, por exemplo, nesses períodos as características climáto- Silva, intitulada “A Teoria
lógicas foram predominantemente semiáridas nas faixas intertropicais, já que a dos Refúgios Florestais e
sua Relação com a extinção
dinâmica climática era marcada pelo deslocamento do centro do anticiclone do da Megafauna Pleistocêni-
Atlântico Sul para baixas latitudes (mais próximas das zonas equatoriais) e domina- ca: um estudo de caso”. O
autor apresenta elemen-
va toda a extensão continental (Figura 1). tos para entender como
grande parte de animais da
Figura 1 megafauna sul-americana
Dinâmica climática nos períodos interglaciais e glaciais na América do Sul foram extintos e chama a
atenção ao caso excepcio-
TRÓPICO DE CÂNCER TRÓPICO DE CÂNCER TRÓPICO DE CÂNCER TRÓPICO DE CÂNCER
nal dos sítios paleontoló-
AS
ÁRI gicos situados na estado
EQ EQ CAN
UA UA do Piauí.
TO

TO
RI

RI

SILVA, P. A. H. da. Estudos Geográficos:


AL

AL

GUIAN SEMIÁRIDO GUIANA


A Revista Eletrônica de Geografia,
EQUATORIAL
EQUADOR EQUADOR EQUADOR EQUADOR

IL Rio Claro, v. 5, n. 1, p. 121-134,


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D

SECO
IL

SEMIÁRIDO 2021.
HEIRA

TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO


ICO

SUBTROPICAL
RT

ÚMIDO
U
DOS

PER
DE

OCEANO
PACÍFICO
OCEANO
PACÍFICO
2
OCEANO
ATLÂNTICO
OCEANO
ATLÂNTICO O domínio das correntes
Rio (Corrente)
LINA

Lago Quente oceânicas também se


Área urbana Fresca
NEB

Calota de gelo Fria associa às fases glaciais –


(Altitude em metros) (Vento)
que provocam o resfria-
ND
LAND

6.800
Julho

mento do ar atmosférico
FALKLA
PERU

Janeiro
FALK

0
0 1000 Km –, uma vez que a condição
das águas oceânicas mais
frias estimula estabilida-
Fonte: Adaptada de Viadana, 2000 apud Silva, 2011. des atmosféricas. Nessa
circunstância, o clima era
resultado do domínio do
Juntamente com os anticiclones do Pacífico Sul, esses sistemas de alta pres-
fluxo extratropical.
são impediam a ascensão de eventual umidade e restringiam a possibilidade de
ocorrências de precipitações na forma liquida (chuvas), resultando na condição de
semiaridez em toda a faixa intertropical. Nas fases glaciais, o sertão nordestino – 3
hoje semiárido – estava individualizado por climas áridos, portanto mais seco em
Conjunto de rios cujos
relação ao atual (CASSETI, 2005). leitos correm durante todo
ano, ao contrário dos rios
Por isso, durante as glaciações, além da queda na temperatura, a precipitação intermitentes, cujos leitos
secam ou congelam pelo
ocorre majoritariamente no estado sólido (gelo e neve), o que, por sua vez, provoca
menos uma vez ao ano.
2 3
o rebaixamento do nível do mar e a diminuição de rios perenes . Ao mesmo tem-

Mudanças climáticas 93
po, observa-se a expansão das calotas polares e continentais, bem como a expan-
são de climas áridos e semiáridos devido ao recuo de florestas tropicais.

De outro modo, nos períodos interglaciares, correspondentes a pequenos inter-


valos em torno de 10 mil anos entre glaciares, a condição climática se caracteriza
por temperatura mais amena, proporcionando precipitações de água na forma lí-
quida e, em consequência, aumento do nível médio dos mares, expansão das flo-
restas e dos climas tropicais e redução dos climas áridos e semiáridos.

Neste aspecto, o deslocamento dos centros dos anticiclones do Atlântico e Pa-


cífico Sul permitia o avanço menos frequente de massas de ar extratropicais e das
correntes marítimas frias, bem como a permanência de sistemas atmosféricos tro-
picais, úmidos e quentes. Sob essas condições, a dinâmica favorece maiores flu-
xos tropicais e intertropicais, enriquecidos pela entrada das correntes quentes (do
­Brasil e do Golfo), que apresentam grande atuação no continente, e das correntes
frias (das Ilhas Falkland ou Malvinas), sendo restritas à seção meridional, muito
semelhante aos aspectos atuais.

Em síntese, a última fase interglacial conhecida ocorreu há cerca de 120 a 150


mil anos AP e foi seguida por uma fase glacial de Würm, tendo esta terminado há 10
mil anos, quando se iniciou a atual fase interglacial. Considerando essa ciclicidade,
essas grandes flutuações são explicadas principalmente por mecanismos inerentes
ao próprio sistema planetário, oriundos de movimentos gravitacionais, que alte-
ram a posição da Terra em relação ao periélio (ponto da órbita da Terra que está
mais próxima do Sol).

Para além dos fatores exógenos, os fatores internos também devem ser consi-
derados. Por exemplo, a criosfera, ou a superfície terrestre coberta de gelo (polos,
calotas, geleiras, permafrost etc.), auxilia no balanço de energia que entra e sai do
sistema terrestre e, junto com os oceanos, devem condicionar em grande parte as
variabilidades climáticas do planeta.

A quantidade de aerossóis emitidos na atmosfera por vulcanismos também


deve alterar o balanço de energia da Terra e provocar resfriamentos de dois a
três anos seguidos. Para ilustrar, a erupção do vulcão Pinatubo, localizado na ilha
­Luzon, nas Filipinas, ocorrida em 1991, reduziu a temperatura média global em
0,5 ºC e impactou a distribuição das chuvas na zona tropical.
Engineer studio/Shutterstock
As variações na concentração de gases do efeito estufa, intensificada, por exem-
plo, pelas atividades humanas, também podem ser consideradas um fator interno.

Para este debate, no entanto, vamos considerar o aquecimento global contem-


porâneo, que tem sido interpretado como fato consolidado, consensual e causador
das mudanças climáticas atuais.

6.2 Aquecimento global


Vídeo As discussões sobre o fenômeno do aquecimento global mostram o cenário
formado por preocupações e inquietações de dimensões ambientais na escala
planetária e desenvolvido nas últimas décadas, principalmente tendo em vista as
possíveis repercussões socioespaciais em um futuro próximo (MENDONÇA, 2006).

Levando em consideração esse debate, é importante reconhecer a distinção


quanto às mudanças climáticas anteriormente debatidas, uma vez que o aqueci-
mento global pode ser interpretado como tendência climática, isto é, trata-se do
“aumento lento dos valores médios ao longo de série de dados (em escala mundial)
4 de no mínimo três décadas, podendo ou não ocorrer de forma linear” (OMM, 1969).
Por exemplo, se os regis- De todo modo, a complexidade do aquecimento global não está em sua defini-
tros históricos observados
globalmente indicassem ção conceitual, mas fundamentalmente em seu caráter de ser um problema social
4
diminuição de valores de e produtivo , que remete à importância de forçantes antropogênicas na dinâmica
temperatura, o fenômeno
seria o resfriamento global, climática.
o que ainda assim seria um
problema. O argumento é de que, nos últimos 160 anos ,o aumento na ordem de 1,1 ºC
da temperatura média global tem sido atribuído à intensificação do efeito estufa
pelas atividades humanas, como queima de combustíveis fósseis e desmatamento e
incêndios de florestas tropicais, que emitem CO2, um dos principais gases de efeito
estufa.

Marti Bug Catcher/Shutterstock

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2007),


a hipótese do efeito estufa intensificado é fisicamente simples e está representada

Mudanças climáticas 95
esquematicamente na Figura 2. O que isso quer dizer? Se considerarmos que os va-
lores médios de energia solar e albedo planetário estão mantidos e são constantes,
as concentrações dos gases de efeito estufa devem aumentar a transformação da
energia solar em energia térmica (provocando aquecimento), e seu aprisionamento
diminuiria sua liberação para o espaço exterior à Terra – por consequência, a tem-
peratura do planeta seria mais alta.

Figura 2
Esquema de representação do aquecimento global contemporâneo

ALBEDO EFEITO ESTUFA


Disponível para os processos Aprisionamento da parte da
físicos e químicos que ocorrem radiação solar que penetra o
no sistema sistema Terra-Atmosfera que
Terra-Atmosfera-Oceano Superfície, gera aquecimento
atmosfera, nuvens
e gases do efeito
estufa absorvem e Na superfície terrestre a
Radiação solar em ondas curtas reemitem a radiação radiação em ondas curtas é
chega à superfície terrestre solar e terrestre transformada em radiação de
ondas longas

Quanto maior é a concentração de GEEs, mais intenso


é o efeito estufa e maior é o aquecimento do planeta.

Assim, uma discussão crítica acerca dos conceitos de mudança climática e


aquecimento global sugere, sobretudo, o conjunto de “fenômenos climáticos al-
terados por uma complexa cadeia de ações sociais e naturais iniciadas a partir
da Revolução Industrial e intensificadas no bojo da sociedade capitalista fossilista”
(ZANGALLI JR., 2020, grifo nosso).

Observe que, em decorrência da intensificação do efeito estufa, o aumento na


temperatura média global deve ser associado a outra série de modificações que
ocorreriam como uma cadeia, atingindo o sistema climático como um todo. Se
essas modificações ocorrerem nos sistemas naturais – como distribuição e com-
posição das florestas, processos de desertificação e alteração da disposição da bio-
diversidade –, todos os outros sistemas (sociais, humanos e produtivos) estarão
expostos e condicionados a uma outra condição de variabilidade e dinâmica climá-
tica (IPCC, 2007).

A união dessas alterações pode promover impactos associados, como a expul-


são de populações das regiões afetadas, que serão obrigadas a migrar em busca
de terras, alimentos e água potável (migrações ambientais), e o acirramento das
injustiças sociais decorrentes das mudanças globais, o que incidirá diretamente no
desenvolvimento de sérios e intensos conflitos socioambientais e socioespaciais
(MENDONÇA, 2006). A figura a seguir resume esquematicamente essa situação.

96 Climatologia
Cube29/Shutterstock
Figura 3 Aumento da
Resumo dos impactos das mudanças climáticas radiação solar que
chega à superfície

Elevação Perda da
do nível diversidade/
do mar variabilidade
genética

Poluição Aumento da
do ar e temperatura
da água do ar
Filme
Como todo debate cien-
Ameaça à tífico e político, o aque-
sobrevivência das Derretimento cimento global congrega
espécies da fauna de geleiras e agentes dissonantes. Para
e da flora que você perceba que
calotas polares
existe diversidade sobre
essa questão, indicamos
É importante destacar que essa preocupação, por ser global, também tem sido dois documentários. O
primeiro, Uma verdade
representada pelos resultados de pesquisas organizadas e apresentadas nos rela- inconveniente, refere-se
tórios do IPCC, que, além de demonstrarem as causas e as consequências, deba- ao debate do aquecimen-
to global antropogênico.
tem a mitigação e a adaptação. O segundo, A grande farsa
do aquecimento global,
O IPCC (2007) também apresenta projeções altamente tecnológicas obtidas por
apresenta a questão de
meio de modelagem climática em níveis regionais e globais. Em sua maioria, essas que a gênese do aqueci-
mento global é natural.
projeções são elaboradas em sistemas computacionais que oferecem a integração
Assista aos dois, formule
de uma série de elementos e recursos com procedimentos para tomada de deci- sua opinião e pondere
sobre os limites e as pos-
sões, levando em consideração uma série de cenários futuros.
sibilidades de cada uma
dessas abordagens.
Por isso, as alterações climáticas assumiram uma destacada importância geopo-
lítica e estratégica para o desenvolvimento dos países, sendo também uma questão
que problematiza o atual modelo de desenvolvimento, de consumo (baseado na
exploração globalizada e predatória de recursos naturais e humanos) e de produ-
ção de energia (porque abre possibilidades de diversificação das matrizes energéti-
cas, valorizando as de energia limpa).

O momento exige que a sociedade global reconheça o aumento da severidade, • Uma verdade inconveniente. Direção:
magnitude, intensidade e frequência dos impactos no clima em seus territórios, já Davis Guggenheim. EUA: Paramount
Vantage, 2006.
que, desde a metade do século XX, esses eventos têm sido cada vez mais extremos
e perigosos, revelando a cada ocorrência as fragilidades, as vulnerabilidades e os
diversos graus de exposição das sociedades e dos sistemas produtivos e humanos.

É sob esse caráter que a climatologia geográfica tem lançado questionamentos


e interpretações dos eventos climáticos no que tange tanto à história natural, ou
seja, a dinâmica desses eventos em sua variabilidade, quanto às sequentes ruptu-
ras engendradas no decorrer da história social, isto é, dos seus riscos (SANT’ANNA
• A grande farsa do aquecimento
NETO, 2011). global. Direção: Martin Durkin. Reino
Unido, 2007.

Mudanças climáticas 97
O aquecimento global antropogênico contemporâneo não deve ser limitado ex-
clusivamente ao debate conceitual, da sua gênese e dos seus impactos em si, mas
deve-se levar em conta que tanto resfriamento quanto aquecimento sempre foram
e são, na realidade, as fontes principais de perigos sociais. Por isso, essa é uma
questão não apenas geológica, mas também meteorológica (CARTER, 2009).

6.3 Riscos climáticos e desastres naturais


Vídeo Devemos considerar que a ocorrência de eventos extremos faz parte da dinâ-
mica natural do clima, mas, historicamente, eles promovem uma preocupação co-
letiva que é tão antiga quanto a própria percepção do homem sobre o ambiente
habitado.

A relevância é tão significativa que as civilizações organizavam suas atividades


em razão de uma série de fatores naturais e condicionantes ambientais, entre as
quais aquelas associadas aos eventos climáticos foram paulatinamente incorpo-
radas na produção do espaço geográfico. A constituição das primeiras civilizações
como sociedades hidráulicas – mesopotâmicos e egípcios são exemplos desse mo-
mento – marca o início dessa história.

Podemos destacar também outros povos. Por exemplo, entre cerca de 800 a
1200 d.C., o clima era mais quente do que o de hoje; e, naquela época, os povos
nórdicos, notadamente os vikings, ocuparam grande parte das terras que atual-
mente correspondem ao norte do Canadá. Uma grande ilha da região foi chamada
de Groelândia, do norueguês Grønland, que significa “terra verde”.

A interpretação sugere que a Groelândia apresentava condições climáticas ame-


nas, e elas favoreciam a presença de vegetação, inclusive com possibilidade de prá-
ticas agricultoras e criação de gado, marcas históricas da cultura norueguesa. Nos
dias atuais, a ilha é, em grande parte, coberta de neve durante o ano todo.

Mais recentemente, particularmente na Europa Ocidental, entre os séculos XIV


a XVIII, estima-se que temperatura global estava 2 °C mais fria do que o observado
atualmente. Após esse período, descrito como “Pequena Era Glacial”, o clima come-
çou a apresentar um aquecimento paulatino das temperaturas, coincidindo tam-
bém com o início do processo de industrialização e de observação dos elementos
climáticos por meio de instrumentos de medida.

Com esses relatos históricos e com todos os conhecimentos que temos sobre o
clima, você deve ter percebido que mudanças periódicas das condições climáticas
– em alguns momentos muito drásticas – são um fato! Durante a história natural e
social, sem dúvida esses processos sempre se fizeram presentes.

Por isso, devemos compreender também os fenômenos de mudanças climáti-


cas como os processos causados por uma complexa cadeia de ações humanas (e
naturais) e como um agente que poderia influenciar um conjunto abrangente de
fenômenos imaginativos e materiais (HULME, 2015).

Para ilustrar isso, no mundo tropical, cuja precipitação é o principal elemento


da dinâmica climática, os eventos extremos se associam sempre ao contexto e às
características da sazonalidade. Por exemplo, os períodos menos chuvosos, asso-

98 Climatologia
ciados à redução da disponibilidade hídrica, deflagram desastres como secas e es-
tiagens, em grande parte relacionadas a bloqueios atmosféricos ou intensificação
de sistemas de alta pressão. A ocorrência de chuvas intensas e extremas, por outro
lado, associa-se à ocorrência de fenômenos como tempestades, tornados, ciclones,
enchentes, inundações, enxurradas.

As secas e estiagens, relacionadas à redução intensa e paulatina das precipita-


ções, são responsáveis pela insegurança das atividades agrícolas e pela geração
hidrelétrica em áreas povoadas, principalmente espaços rurais e regiões de grane
densidade populacional. Em alguns países, como o Brasil e os da África Austral –
Moçambique, África do Sul, Malawi –, o fenômeno das secas auxilia em processos
severos de turbulência social (conflitos por acesso a água) e migração das popula-
ções atingidas (MARENGO, 2009).

No espaço urbano, o mais recente caso de problemas associados à redução


pluviométrica é o da cidade de São Paulo, onde o abastecimento de água na região
foi afetado significativamente. Em 2014, a metrópole passou pela pior seca dos últi-
mos 84 anos, uma das maiores crises hídricas da história, produto em grande parte
da ineficácia governamental e de uma redução pluviométrica paulatina observada
em grande parte do território nacional (Figura 4).

As chuvas intensas deflagram, nas cidades e nas metrópoles, transtornos verifi-


cados principalmente nas estações chuvosas. As cidades de Buenos Aires, S
­ antiago,
São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador e Florianópolis são algumas que apre-
sentam anualmente transtornos ligados às chuvas excepcionais, e isso traz a ne-
cessidade de se garantirem melhores condições de previsibilidade e antecipação.

Figura 4
Sistema Cantareira durante a crise hídrica em 2014 Nelson Antoine/Shutterstock

De outro modo, as chuvas intensas também geram perdas agrícolas, sobretudo


para culturas de frutas, legumes e verduras no espaço rural. As regiões de culturas
sazonais (milho, soja e trigo) se apresentam mais suscetíveis à redução da precipi-
tação, sendo as secas e as estiagens os eventos destacados.

Mudanças climáticas 99
Cabe ressaltar que, quando adquirem a natureza de desastre, esses eventos
causam prejuízos socioeconômicos relacionados aos impactos que tendem a ge-
rar para os sistemas humanos (ocorrência de mortes, desabrigados, saneamento,
Livro proliferação de vetores de diversas patologias etc.), bem como para os produti-
O avanço nos estudos vos (abastecimento de água, produção de energia, transporte, mobilidade etc.)
sobre desastres tem apre- (­MARENGO, 2009).
sentado uma sistematiza-
ção importante, que tem Assim, admite-se o conceito de eventos extremos como eventos concretos,
garantido, de modo critico,
conceitos consistentes e
pois são apreendidos como os principais geradores das adversidades climáticas,
classificação segundo seus ou episódios que causam algum impacto social, ou que proporcionam a sucessão
tipos, sua gênese e seus
impactos. Se você quiser
significativa de danos à sociedade (MONTEIRO, 1991).
se aprofundar nesses con-
Entendidos sob essa ótica, esses eventos só podem ser observados na relação
ceitos, termos e formas de
analisar esses processos, entre clima e sociedade, ou seja, por meio das estruturas dos sistemas socioeco-
indicamos a leitura do livro
nômicos, socioambientais e socioespaciais no escopo da produção do espaço. Nes-
Prevenção de desastres natu-
rais: conceitos básicos. se escopo, os extremos climáticos destacam-se como um elemento condicionante
KOBIYAMA, M. et al. Curitiba: Organic para manifestações e ocorrência de desastres – isto é, um fenômeno natural iden-
Trading, 2006.
tificado como deflagrador potencial na geração de danos, prejuízos e mortes.

A Figura 5 apresenta um esquema da diversidade de desastres, e o clima apa-


rece como um dos seus principais fenômenos indutores. Nessa perspectiva, os
desastres pressupõem a incerteza e se destaca o reconhecimento das causas e gê-
neses diretamente ligadas aos mecanismos físico-naturais do sistema terrrestre na
ocorrência espaçotemporal das suas manifestações e repercussões na supefície,
bem como na forma de impactos que tendem a provocar ameaça a determinadas
situações socioespaciais.

Por isso, o encadeamento da manifestação dos eventos extremos é ainda mais


preocupante quando associado aos níveis de vulnerabilidade das populações e
dos lugares. Eles sugerem diferentes desdobramentos dos impactos conforme a
ocorrência em áreas socioespacialmente desiguais e segregadas. Dessa forma, even-
tos perigosos oferecem uma leitura que considera a relação entre os fenômenos na-
turais destacando os níveis de vulnerabilidade como medida de risco (VEYRET, 2007).

Figura 5
Esquema representativo dos tipos de desastres naturais
Macrovector/Shutterstock

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100 Climatologia
O risco é um conceito importante na análise da dinâmica e da ocorrência dos
desastres naturais, já que perpassa pelas noções de limites, segurança, adaptabili-
dade, capacidade de suporte, crises, exposição, suscetibilidades e vulnerabilidades.
Em específico, os riscos naturais resultam da associação entre fenômenos decor-
rentes de processos naturais perigosos (eventos extremos) agravados pela ativida-
de humana e sua territorialização (VEYRET, 2007).

Artigo

http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ_33_6_Dutra.pdf

Uma diversidade de conceitos de riscos naturais tem sido formulada para interpretar a socie-
dade atual. Podemos considerar o risco natural em pelo menos três possibilidades, segundo
Adriana Dutra: a) uma probabilidade – que valoriza processos estatísticos para admitir a ocor-
rência espacial e temporal de um fenômeno perigoso acontecer; b) uma construção social
– que valoriza a identificação dos perigos naturais identificados segundo uma coesão social;
c) um mecanismo de luta – que atende ao princípio de efetivação de direitos para garantir
segurança e proteção civil com relação à série de ameaças identificadas e ao aumento da
qualidade de vida. Por esse aspecto, indicamos a leitura do artigo Problematizando o conceito
de risco, publicado em 2015 na revista O Social em Questão.

Acesso em: 21 jun. 2021.

O caráter reorienta o risco, o perigo, a suscetibilidade e a vulnerabilidade das


questões relativas às relações sociedade-natureza, principalmente ao entendimen-
to de como os processos históricos – urbanização, colonização, desenvolvimento,
escravização, migrações, patriarcado – elaboraram diferentes relações entre as
pessoas e entre as pessoas e a natureza, que repercutem em condições específi-
cas de vulnerabilização incorporadas ao corpo, ao indivíduo, pelas diferenças de
gênero, raça, etnia, idade, religião, entre outros fatores, e também nas formações
socioespaciais dos territórios (cultura, cidades, estados, países).

Sendo assim, os eventos extremos, os riscos climáticos e os desastres não são


somente um problema para climatologia geográfica, mas também para a comuni-
dade científica como um todo, uma vez que requerem instrumentos explicativos e
complementares voltados a um clima que não pode ser dividido em componentes
natural e social, pois trata-se de um híbrido: inseparável e articulado às demandas
produtivas e aos contextos socioeconômicos (MENDONÇA, 2006).

6.4 O clima e o futuro da humanidade


Vídeo Como você deve ter observado, o clima, todas as questões ambientais e o es-
tudo da natureza ganharam novos sentidos a partir do sentido global do mundo.

Se por um lado, pela primeira vez na história, o ser humano teve uma visão
abrangente e pôde estabelecer os limites do planeta e das suas atividades, por
outro, ele também foi colocado como vítima e agressor do ambiente, exigindo in-
clusive transformações e críticas ao atual modelo de desenvolvimento.

O conjunto desses processos, na produção do espaço, qualifica as mudanças


climáticas sob um caráter relativo e seletivo. Primeiro porque as condições de im-
pacto da medida são mediadas mais por parâmetros políticos e jurídicos do que
essencialmente naturais. E, segundo, porque essas mudanças têm servido muito

Mudanças climáticas 101


mais para legitimar ações de interesse econômico e político de segmentos sociais
mais privilegiados, com as camadas mais pobres da população sendo o alvo.

Assim, o conceito de risco é central para a tomada da decisão e para a elabora-


ção de políticas públicas. Desse modo, precisamos inverter as definições correntes
sobre as mudanças climáticas e tratá-las como possibilidade de ação e transforma-
ção atual, na luta por justiça social e ambiental. Em especial, apontar para a supe-
Vídeo ração da lógica reducionista que, em última instância, naturaliza processos sociais
A emergência climática e políticos complexos e culpabiliza os sujeitos pela sua condição de risco, para além
foi popularizada com os
movimentos ambientalistas da emergência climática.
recentes, nos quais jovens
como a ativista Greta
A emergência climática é uma medida política adotada pelas entidades orga-
­Thunbergm têm sido desta- nizadas (civis ou não), por instituições e Estados-nacionais e seus territórios como
que por seu protagonismo
nos protestos. Para se
resposta às alterações climáticas. Apesar de não ser nova, a medida coloca o clima
aprofundar nessa temática, no centro do debate político, tecnológico e social, apresentando uma carga alta-
indicamos a live intitula-
da O que é clima e como
mente geopolítica, já que, em seu quadro, ele é sistematicamente associado às con-
compreendê-lo em tempos dições de segurança, proteção e ao futuro da humanidade.
de emergência climática?,
disponibilizada no canal da Para transformar essa realidade, é necessário, portanto, definir os parâmetros
TV UFBA.
de emergência climática ou assumir um que não privilegie a exploração e a concen-
Disponível em: https://youtu.be/
tração desigual da riqueza, mas que indique as fontes para efetivação da dignidade
Uz_3gi2GDbA. Acesso em: 21 jun.
2021. humana com justiça social e ambiental.

O sentido prático para efetivação dessa ideia deve integrar-se aos estudos geo-
gráficos dos riscos e às formações socioespaciais dos lugares, ou seja, ao conjunto
das relações natureza-sociedade na história e das práticas estabelecidas pelos di-
ferentes grupos sociais, seus modelos de desenvolvimento e projetos de futuro.

A importância desses estudos é garantida na prática profissional do geógrafo,


já que grande parte desses processos admite sua espacialidade em dimensões das
escalas locais (cidades e municípios) e regionais (conjunto de municípios, estados e
bacias hidrográficas).

As possibilidades de desenvolvimento contemplam análises climáticas com


uso de séries históricas, identificação de sistemas atmosféricos e mapeamento
­geotécnico. No último caso, produtos cartográficos articulam princípios da carto-
gráfica clássica (topográfica e temática), de síntese, coremática e geoestatística. O
interesse do uso da linguagem cartográfica consiste, basicamente, em sistematizar
como e onde o conjunto de indicadores fornece a melhor explicação sobre os im-
pactos dos desastres e a manifestação dos riscos climáticos.

Além disso, nossas práticas podem ser subsidiadas por parâmetros legais para
a tomada de decisão dos setores públicos, privados e de proteção civil. Nosso pa-
pel é elaborar análises para empreender políticas de desenvolvimento territorial e
planejamento urbano e regional, levando em consideração os aspectos legais da
legislação brasileira.

Sobre esse aspecto, é importante considerar a Política Nacional de Proteção e


Defesa Civil (Lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012) e a Política Nacional sobre Mu-
dança do cCima (Lei n. 12.187, de 29 de dezembro de 2009) como algumas estraté-
gias para se pensar o clima e o futuro da humanidade e do país.

102 Climatologia
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Como qualquer saber do sistema natural, o clima é explicado por variações, que
sugerem a alternância de tempos estáveis e instáveis, secos e úmidos, frios e quen-
tes, glaciais e interglaciais. No período contemporâneo, esse caráter tem colocado o
clima como uma das principais questões ambientais nos mais variados setores da
sociedade.
Essas discussões estão associadas fundamentalmente ao advento das tecnologias,
sobretudo das técnicas de sensoriamento remoto, do lançamento de satélites para
monitoramento planetário e da lógica matemática-computacional para representação
do clima como um fenômeno global.
Resta destacar que a dinâmica climática já tem sido incorporada há tempos na
produção do espaço geográfico, e podem ser visualizadas repercussões socioespa-
ciais, seja por meio do nível de sofisticação tecnológica na história do desenvolvimento,
seja pelo grau de adaptação dos sistemas naturais, sociais e produtivos à variabilida-
de climática. Assim, cada zona climática, região, cidade e comunidade oferece seus
­significados em termos de indissociabilidade da sociedade e da natureza nos impactos
positivos ou negativos do clima.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Qual é a relação entre o aquecimento global e a ocorrência de fenômenos climáticos
extremos?

2. Como os fenômenos climáticos tornam-se perigosos?

3. Quais conceitos podem ser operacionalizados para garantir a proteção e a


segurança civil dos sistemas humanos, sociais e produtivos?

REFERÊNCIAS
AB’SÁBER. A. N. A teoria dos refúgios: origem e significado. Revista do Instituto florestal, Edição especial,
São Paulo, mar. 1992.
CARTER, R. M. The myth of dangerous human-caused climate change. Australasian Institute of Mining and
Metallurgy, p. 61-74, 2009.
CASSETI, V. Geomorfologia. 2005. Disponível em: https://docs.ufpr.br/~santos/Geomorfologia_Geologia/
Geomorfologia_ValterCasseti.pdf. Acesso em: 21 jun. 2021.
CONTI, J. B. Clima e meio ambiente. São Paulo: Atual Didático, 1998.
HULME, M. Climate and its changes: a cultural appraisal. Geo: Geography and Environment, v. 2, n. 1, p.
1-11, 2015.
IPCC. Cambio climático 2007: Informe de síntesis. Contribución de los Grupos de trabajo I, II y III al Cuarto
Informe de evaluación del Grupo Intergubernamental de Expertos sobre el Cambio Climático [Equipo
de redacción principal: Pachauri, R.K. y Reisinger, A. (directores de la publicación)]. IPCC, Genebra, Suíça,
2007.
MARENGO, J. A. Mudanças climáticas, condições meteorológicas extremas e eventos climáticos no Brasil.
In: FBDS; LLOYD’S BRAZIL. Mudanças climáticas e eventos extremos no Brasil. Rio de Janeiro: FBDS, 2009.
p. 4-19.
MENDONÇA, F. Aquecimento Global e suas manifestações regionais e locais: alguns indicadores da região
Sul do Brasil. Revista Brasileira de Climatologia, v. 2, 2006.
MONTEIRO, C. A. F. Clima e excepcionalismo: conjecturas sobre o desempenho da atmosfera como
fenômeno geográfico. Florianópolis: Editora da UFSC, 1991.
OMM. Nota técnica n. 79. Mudança climática. Genebra, Suíça, 1969.

Mudanças climáticas 103


SANT’ANNA NETO, J. L. O clima urbano como construção social: da vulnerabilidade polissêmica das
cidades enfermas ao sofisma utópico das cidades saudáveis. Revista brasileira de climatologia, v. 8, 2011.
SILVA, M. L. da. A dinâmica de expansão e retração de cerrados e caatingas no Período Quaternário:
uma análise segundo a perspectiva da Teoria dos Refúgios e Redutos Florestais. Revista Brasileira de
Geografia Física, v. 1, p. 57-73, 2011. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/rbgfe/article/
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VEYRET, Y. Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2007.
ZANGALLI JR., P. C. A natureza do clima e o clima das alterações climáticas. Revista Brasileira de Climatologia,
v. 26, 2020.

104 Climatologia
RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES

1 Introdução à climatologia
1. Quais são os atributos fundamentais de constituição do clima?
O clima sempre esteve presente nas preocupações humanas. Sua inclusão como
objeto científico se deu a partir da Antiguidade grega, quando foi usado para explicar
as relações entre povos, culturas e lugares, e pela elaboração dos conceitos de
meteorologia e Klima. Na modernidade, com a inclusão dos estudos geográficos
sobre as paisagens e a incorporação do método científico, surgiram os conceitos
de tempo e clima.

2. O que diferencia as abordagens da climatologia estática e tradicional?


A diferença entre as duas abordagens está, basicamente, no nível teórico e
conceitual. Primeiramente porque o clima não pode ser reduzido a medidas
estatísticas (média), nem ser interpretado como algo inerte, fixo. O clima é um
fenômeno físico e natural e, portanto, se movimenta e é dinâmico, tem origem e
é mais bem explicado como um sistema oriundo de fluxos naturais e antrópicos.

3. Com quais critérios podemos desenvolver uma análise geográfica do clima?


Podemos desenvolver uma análise geográfica com base na ordem espacial
representada pelo fenômeno climático. Umas dessas possibilidades é admiti-lo
como insumo econômico ao processo produtivo ou como condicionante ambiental
de formação das paisagens.

2 Escalas do clima
1. Como as escalas podem ser estruturadas e combinadas?
Tradicionalmente, as escalas podem ser estruturadas como zonal, regional,
sub-regional, local, topoclima e mesoclima. Contudo, é mais interessante que
elas sejam estruturadas por meio da totalidade espaçotemporal do clima e dos
processos que envolvem o ritmo local, a variabilidade regional e as mudanças
globais. A combinação deve garantir os níveis de especialização, organização e
generalização.

2. Quais critérios podem ser admitidos para utilizar determinada escala?


É importante que se indague a respeito de quais processos espaçotemporais o
fenômeno climático exige para ser analisado. Com base nessa questão, a escala
é definida pelo fenômeno e, com isso, o conjunto de meios instrumentais e de
representação gráfica e cartográfica pode ser mais bem admitido.

3. Sob quais abordagens podemos desenvolver estudos com base na mudança


climática?
Na escala da mudança, as abordagens podem contemplar os estudos por meio
dos paleoclimas e das alterações climáticas recentes (associadas aos registros
históricos) e contemporâneas (associadas ao aquecimento global).

Resolução das Atividades 105


4. Em quais níveis a influência antropogênica no clima pode ser enquadrada?
Todos os processos escalares garantem a participação humana como agente
modificador do ambiente e do clima. Na escala do ritmo, essa ação é muito decisiva,
seja pela alteração ambiental (mudança da dinâmica original), seja pela construção
de tecnologias. Na escala regional, a influência humana deve ser efetiva com base
nos processos de transformações históricas da paisagem, sendo o desmatamento,
a implantação de culturas agrícolas em grandes propriedades e o processo de
urbanização alguns exemplos. Já na escala da mudança a participação humana tem
sido observada sobretudo devido à alteração da composição química atmosférica,
causada pela queima de combustíveis fósseis.

3 A atmosfera da Terra
1. Explique as principais características da atmosfera pretérita, primitiva e
atual.
A atmosfera pretérita pode ser descrita como a que se formou a partir da redução
do movimento de rotação e o resfriamento da Terra no éon Hadeano, basicamente
dos primeiros gases em grande proporção, como o nitrogênio. A atmosfera primitiva
foi formada a partir do éon Arqueano e pode ser descrita como quente, úmida e
tóxica, rica em nitrogênio, enxofre, gás carbônico, vapor d’água etc. Já a atmosfera
atual, formada a partir do éon Fanerozóico, é composta basicamente de nitrogênio
e oxigênio, que somam 99% da composição, sendo 1% outros gases.

2. Qual é a importância dos vulcanismos e da vida para a formação da


atmosfera terrestre?
Tanto os vulcanismos quanto a vida foram importantes para incrementar
transformações e mudanças na composição química da atmosfera terrestre.
Enquanto os vulcanismos possibilitaram a liberação de elementos químicos presos
nas rochas, a vida (por meio dos primeiros organismos) praticamente contribuiu
para a formação de ambiente propício para a sua manutenção e, em consequência,
sua evolução. Podemos afirmar que sem o fenômeno da vida nossa atmosfera seria
muito similar à observada no Arqueano (quente, úmida e tóxica).

3. Quais fatores podem influenciar a distribuição da radiação no planeta


Terra?
Os fatores que podem influenciar a distribuição da radiação no planeta são os
movimentos astronômicos (translação e rotação) e a forma do planeta (geoide),
que podem ser resumidos pelo período do ano (sazonalidade) e do dia, pela altura
solar e pela latitude.

4. Quais mecanismos (físicos) contribuem para a transformação, o


armazenamento, a dispersão e a reflexão da radiação no planeta?
São pelo menos dois mecanismos (físicos) que contribuem para transformação,
armazenamento, dispersão e reflexão da radiação no planeta Terra: o albedo, que
basicamente oferece a explicação da energia refletida e armazenada no sistema;
e o efeito estufa, que integra as formas de transformação de energia solar em
energia térmica.

106 Climatologia
5. Qual é a particularidade da atmosfera nos estudos desenvolvidos pela
geografia e pela climatologia?
A particularidade da atmosfera nos estudos desenvolvidos pela geografia é
basicamente associada às formas como as sociedades se relacionam entre si e
com a natureza. Nesse caso, a atmosfera pode ser usada como espaço geográfico
quando atende às necessidades de transporte, comunicação, atividades turísticas,
conhecimento e degradação. Em particular, a atmosfera que interessa aos estudos
do clima é concentrada na camada inferior, a troposfera, que também pode ser
chamada de atmosfera geográfica, porque, além de ser de primeiro contato com as
atividades humanas, é a que concentra os fenômenos meteorológicos e climáticos.

4 Dinâmica climática
1. Quais condições atmosféricas são favoráveis à concentração de poluentes
e qual impacta diretamente as operações em aeroportos e transportes
aéreos?
Das condições atmosféricas apresentadas as favoráveis à concentração de
poluentes são aquelas nas quais a atmosfera funciona como se fosse um tampão,
impedindo movimentos verticais do ar. E o que impacta diretamente as operações
em aeroportos e transportes aéreos é a condição em que os movimentos de
convecção são muito intensos e provocam fortes ventos, chuvas e baixa visibilidade.

2. As massas de ar oriundas do Deserto do Saara, na África do Norte, podem


provocar chuvas na Europa Meridional. Quais mecanismos explicam esse
processo?
Os mecanismos que explicam chuvas na Europa Meridional ocorrem devido à
umidificação das massas de ar oriundas do Deserto do Saara (originalmente secas)
no Mar Mediterrâneo.

3. Como você explica a condição em que o Chile Meridional é uma região


úmida e a Patagônia uma região seca, apesar de serem regiões vizinhas?
O Chile Meridional é uma região úmida e a Patagônia é uma região seca devido
ao efeito orográfico. Nesse caso, a umidade é condicionada ao setor a barlavento
dos Andes, onde se localiza o Chile Meridional, enquanto a sotavento a umidade
é reduzida, influenciando as condições atmosféricas de estabilidade da Patagônia.

4. Quais sinais podem ser observados na fase de anúncio de uma frente fria?
Os sinais que podem ser observados na fase de anúncio de uma frente fria são a
presença de nuvens tipo cirros e halo (solar e lunar) e a formação de nuvens do tipo
autocumulus. Na fase de instalação da frente fria observa-se a formação de nuvens
de desenvolvimento vertical, como cumulunimbus.

5. Como podemos desenvolver uma análise geográfica inicial do clima dos


lugares?
As possibilidades iniciais para análise geográfica do clima dos lugares podem ser
interpretadas por meio dos fluxos dos sistemas atmosféricos e sua definição nos
tipos de tempo. Com base na identificação desses sistemas é possível integrar de
maneira mais coerente os elementos e a interação com os fatores do clima.

Resolução das Atividades 107


5 Climatologia aplicada
1. Para quais propósitos a classificação climática se faz importante?
Toda classificação climática deve fornecer uma síntese eficiente e explicativa dos
padrões e variações dos climas e dos tipos de tempo nos lugares. Isso significa
designar um conhecimento propositivo para a gestão e o planejamento territorial e
regional, compondo parte da análise ambiental e da paisagem.

2. Como pode ser desenvolvido um estudo geográfico sobre a relação


clima-agricultura?
Um estudo geográfico sobre a relação clima-agricultura deve contemplar uma
leitura que interpreta o fenômeno climático como o primeiro e o principal fator
das paisagens naturais e contextualizada segundo a seletividade, exigência e
adaptabilidade natural das plantas em uma dimensão ecológica; a interação de
dependência ao condicionamento climático; a capacidade tecnológica e da estrutura
fundiária, por exemplo, com estratégias de apropriação do clima, adaptação de
culturas a diferentes domínios climáticos e constituição de territórios, isto é, clima
como insumo econômico ao processo produtivo.

3. Quais as principais abordagens dos estudos sobre o clima urbano e quais


seus elementos principais?
Os estudos sobre o clima urbano podem ser caracterizados pela abordagem de
cunho meteorológico para compreensão e modelagem dos tipos e padrões de
circulações induzidas sobre uma cidade, cujo interesse é a busca de padrões termais
com os materiais construtivos, sendo destacado o fenômeno de ilha de calor e as
circulações associadas. A abordagem geográfica, que parte de uma concepção do
clima urbano, é uma derivação ambiental, um sistema aberto, que integra canais de
percepção, níveis de resolução, formas de transformação e regulação.

4. Na relação clima-saúde, quais fatores climáticos são considerados para


estabelecer a análise?
Considera-se as condições climáticas que são favoráveis à recuperação fisiológica
humana, por exemplo, umidade, temperatura e insolação em níveis ideais para o
conforto humano. De outro modo, condições hostis devem promover a propagação
de doenças ou até mesmo o desenvolvimento dos vetores. Por isso, a importância
da relação com a vulnerabilidade humana, já que a população anemosensível
deve apresentar maiores comorbidades preexistentes (idosos, riníticos, asmáticos,
mulheres grávidas e crianças) e maior sensibilidade aos agravos relacionados ao
clima.

6 Mudanças climáticas
1. Qual é a relação entre o aquecimento global e a ocorrência de fenômenos
climáticos extremos?
A relação entre o aquecimento global e a ocorrência de fenômenos climáticos
extremos é que, nos últimos 160 anos, houve aumento na ordem de 1,1 ºC da
temperatura média global, e, em decorrência desse aumento, são previstas
alterações e modificações no sistema climático como um todo, que são
sumariamente interpretados por meio de impactos concretos e que indicam
perigos aos sistemas naturais, sociais e produtivos.

108 Climatologia
2. Como os fenômenos climáticos tornam-se perigosos?
Os fenômenos climáticos tornam-se perigosos quando são observados na relação
com as estruturas dos sistemas socioeconômicos, socioambientais e socioespaciais,
destacando-se como deflagradores de impactos com diferentes intensidades e
muitas consequências (danos, prejuízos e mortes), ou seja, quando se efetivam
sobre as vulnerabilidades e as formas de exposição a desastres no escopo da
produção do espaço geográfico.

3. Quais conceitos podem ser operacionalizados para garantir a proteção e a


segurança civil dos sistemas humanos, sociais e produtivos?
Os conceitos que podem ser operacionalizados para atender à segurança e à
proteção civil tratam dos níveis de vulnerabilidade das populações e dos perigos
naturais dos lugares. O interessante é compreender que os diferentes impactos
do clima, sejam eles negativos ou positivos, devem ser relacionados conforme o
contexto de áreas socioespacialmente desiguais e segregadas. Se essa dimensão
for considerada, estaremos, de fato, analisando o risco e definindo os parâmetros
de proteção, segurança e defesa civil.

Resolução das Atividades 109


Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-65-5821-044-3

9 786558 210443

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