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Cristina Lúcia Silveira Sisinno

e Eduardo Cyrino Oliveira-Filho

EDITORA INTERCIÊNCIA
PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

(FALSO ROSTO)
PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Cristina Lúcia Silveira Sisinno


Eduardo Cyrino Oliveira-Filho
Organizadores

(ROSTO)
Copyright © 2013 by Cristina Lúcia Silveira Sisinno e Eduardo Cyrino
Oliveira-Filho
Direitos Reservados em 2013 por Editora Interciência Ltda.
Diagramação: Claudia Regina S. L. de Medeiros
Revisão Ortográfica: Maria Angélica V. de Melo
Maria Paula da M. Ribeiro
Capa: Paula Almeida

CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
P952
Princípios de toxicologia ambiental: conceitos e aplicações /
Cristina Lúcia Silveira Sisinno, Eduardo Cyrino Oliveira-Filho
organizadores – Rio de Janeiro: Interciência, 2013.
216p.: 23 cm
Inclui bibliografia
Índice
ISBN 978-85-7193-263-0
1. Toxicologia ambiental. I. Sisinno, Cristina Lúcia Silveira.
2. Oliveira-Filho, Eduardo Cyrino, 1965.
11-4711. CDD: 571.95
CDU: 615.9

É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios,


sem autorização por escrito da editora.

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Impresso no Brasil – Printed in Brazil


DEDICATÓRIA

Às nossas famílias e aos amigos, que não nos deixaram desistir.


Ao amigo, orientador e profissional Zilmar Teixeira Tosta (in
memoriam), pelo apoio e incentivo.
Ao professor Luiz Querino Araújo Caldas, por ter apresentado
aos organizadores a área de toxicologia ambiental.
DEDICATÓRIA
“Todas as substâncias são venenosas. Não há nenhuma que não seja.
A dose certa diferencia um veneno de um remédio.”

Philippus Paracelsus
APRESENTAÇÃO

O que é Toxicologia? E Toxicologia Ambiental? Acreditamos que


muitos leitores devem estar fazendo essa pergunta. Nós também já a
fizemos há alguns anos atrás.
A necessidade de difundir mais essa temática para o público uni-
versitário nos levou a organizar essa publicação contendo informações
básicas que despertem o interesse do leitor em aprender um pouco
mais sobre os efeitos adversos das substâncias químicas sobre os orga-
nismos vivos e o ambiente.
Outro ponto considerado como importante no processo de elabora-
ção dessa obra foi o caráter multidisciplinar da Toxicologia Ambiental.
Biólogos, farmacêuticos, químicos, veterinários, engenheiros, médicos,
biomédicos, enfermeiros e agrônomos podem atuar em diversas áreas
da Toxicologia Ambiental e muitas vezes, durante seu curso de gradua-
ção, esses profissionais não entram em contato com essa promissora área
de trabalho. Assim, nossa intenção é apresentar a disciplina e auxiliar na
divulgação dos potenciais impactos que podem ocorrer sobre o ambien-
te e sobre a saúde, para diversos profissionais em formação. Esses gra-
duandos poderão dar continuidade aos seus estudos e aprofundar as
informações aqui obtidas, na pós-graduação, para futuramente serem
importantes formadores de conhecimento para as gerações futuras.
Nesse livro o principal enfoque é dado à contaminação do ambien-
te, que cada vez mais causa problemas de saúde ao ser humano e afeta
negativamente o equilíbrio natural dos ecossistemas tanto em nível lo-
X ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

cal como em nível mundial, preocupando a todos de forma crescente.


Desse modo, colaborar com a formação de futuros pesquisadores que
tenham o interesse em estudar esses efeitos adversos é uma maneira de,
pelo menos, tentar minimizar consequências que podem ser devasta-
doras, muitas vezes em função do pouco conhecimento sobre os efeitos
adversos das substâncias químicas para a saúde humana e ambiental.
Optamos por estruturar o livro de forma sequencial onde, pela
leitura, possa ser obtido um aprendizado básico sobre o tema principal
que, embora pareça novo, já acompanha a humanidade desde o início
de sua existência, como pode ser demonstrado pelo uso de venenos
animais e vegetais e pelos efeitos adversos causados por fontes natu-
rais (p. ex. vulcões).
No desenvolvimento dos capítulos são apresentados os conceitos
básicos em Toxicologia e as diferentes áreas da Toxicologia, havendo
destaque para os fundamentos da Toxicologia Ambiental. Dinâmica,
transformação e destino dos contaminantes no ambiente foram assuntos
abordados a fim de mostrar ao leitor como, a partir de emitidos por uma
fonte de contaminação, os contaminantes podem atingir o ambiente e
o ser humano nas proximidades ou em áreas distantes de sua emissão
e interagir, acumular, degradar, etc. Também mereceram destaque três
grandes grupos de contaminantes que possuem características toxicoló-
gicas importantes e que provocam, até hoje, muitos casos de contamina-
ção do ambiente e/ou do ser humano: os metais, os agrotóxicos e os hi-
drocarbonetos policíclicos aromáticos. Em seguida são apresentados os
estudos de avaliação (ambiental, da toxicidade e de risco) que mostram
a importância da determinação dos níveis (concentrações) dos contami-
nantes que podem causar algum efeito adverso ao equilíbrio ambiental
e/ou à saúde humana e toda a complexidade dos processos que envol-
vem a determinação dos resultados. Além disso, o controle de qualidade
dos resultados é um tema muito discutido em todos os estudos que en-
volvem análises laboratoriais (tais como os estudos em toxicologia am-
biental) e foi abordado pela importância que a confiabilidade dos dados
precisa ter já que, em muitos casos, decisões serão tomadas baseadas nes-
sas informações. Finalmente, aborda-se a importância da estatística na
avaliação dos dados obtidos nos estudos em toxicologia ambiental uma
vez que os resultados gerados podem ser influenciados por vários fato-
res que o tratamento estatístico poderá minimizar, ou mesmo identificar.

Os organizadores
PREFÁCIO

Entre os inúmeros efeitos adversos para a saúde causados pelos


processos de desenvolvimento econômico e social, destacam-se aque-
les relacionados com a exposição das pessoas, trabalhadoras ou não, a
um excessivo número de substâncias químicas que são utilizadas pelos
processos de produção.
Para que os profissionais interessados no estudo da relação do
ambiente com a saúde, incluindo os gestores e tomadores de decisão
possam desenvolver pesquisas ou contribuir para atividades de pre-
venção, mitigação ou controle destes efeitos, eles necessitam conhe-
cer informações toxicológicas relacionadas com as características da
presença destas substâncias antes e depois de atingir o organismo hu-
mano. Mais especificamente, esse conhecimento envolve como estas
substâncias estão presentes nos diversos compartimentos ambientais e
através de quais vias podem penetrar no corpo; como ao atingir o orga-
nismo humano podem estas substâncias químicas serem distribuídas,
transformadas, armazenadas e eliminadas; quais interações/reações
com moléculas específicas podem iniciar o processo da doença; e final-
mente, quais os sinais e sintomas que caracterizam a sua fase clínica.
Esta não é uma tarefa fácil! A informação toxicológica sobre novas
substâncias de interesse para os profissionais muitas vezes não é en-
contrada nos antigos livros de Toxicologia disponíveis nas prateleiras
de bibliotecas especializadas. Quando existente, pode ser acessada por
XII ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

meio de revistas nacionais e internacionais indexadas nos principais


índices bibliográficos da área da saúde.
Neste sentido, a grande contribuição que os novos livros de to-
xicologia podem apresentar é oferecer os subsídios conceituais e me-
todológicos que são fundamentais para que os profissionais possam
compreender essas informações disponíveis pela literatura recente:
esta é exatamente a proposta do livro Princípios de Toxicologia Am-
biental.
Este livro pode ser dividido em 3 blocos de capítulos. O primeiro
é caracterizado pelas informações sobre aspectos históricos e concei-
tuais. O segundo apresenta a toxicologia de substâncias reconhecidas
como de elevada prioridade no Brasil para avaliação e prevenção. O
último bloco de capítulos aproxima os leitores das principais metodo-
logias utilizadas na avaliação do ambiente, da toxicidade de uma subs-
tância química, do controle de qualidade dos laboratórios de toxicolo-
gia e do risco para a saúde das pessoas em situações por contaminação
ambiental. Inclui também outro capítulo sobre o uso da Estatística em
estudos Toxicológicos e Ecotoxicológicos.
Finalmente vale destacar a grande contribuição dos organizado-
res e autores deste livro para a Toxicologia no Brasil por serem pro-
fissionais atuantes em diversos segmentos e envolvidos na produção
de dados e formação de recursos humanos em instituições de ensino e
pesquisa.
Por todos estes motivos, não temos dúvidas de que esta publica-
ção se trata de mais uma importante fonte de conhecimento para os
profissionais que atuam na área da saúde humana e ambiental.

Volney de Magalhães Câmara


Professor Titular
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX
PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XI

CAPÍTULO 1
Histórico, Evolução e Conceitos Básicos da
Toxicologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1 CONCEITOS E ELEMENTOS BÁSICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.1 A Substância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.1.2 O Organismo Afetado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.1.3 O Efeito Adverso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.2 INTERAÇÃO ENTRE AS SUBSTÂNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.3 SUSCEPTIBILIDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.4 RELAÇÃO DOSE–RESPOSTA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.5 PRINCIPAIS ÁREAS DA TOXICOLOGIA. . . . . . . . . . . . . . . . 15
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
XIV ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

CAPÍTULO 2
Fundamentos da Toxicologia Ambiental. . . . . . 17
2.1 CONTAMINAÇÃO E POLUIÇÃO AMBIENTAL. . . . . . . . . . . 19
2.2 CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL E SUAS FONTES. . . . . . . . 21
2.2.1 Contaminação Biológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.2.2 Contaminação Física. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.2.3 Contaminação Química. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.3 ECOTOXICOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

CAPÍTULO 3
Dinâmica, Transformação e Destino dos
Contaminantes no Ambiente. . . . . . . . . . . . . . 27
3.1 O DESTINO DOS CONTAMINANTES: TRANSFORMAÇÕES
E SUMIDOUROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2 ROTAS DE EXPOSIÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

CAPÍTULO 4
Metais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
4.1 MERCÚRIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.1.1 Características Gerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.1.2 Fontes de Emissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.1.3 Efeitos Tóxicos no Homem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4.1.4 Efeitos Tóxicos na Biota. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.1.5 Limites de Exposição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.2 CÁDMIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.2.1 Características Gerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.2.2 Fontes de Emissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
4.2.3 Efeitos Tóxicos no Homem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
SUMÁRIO ►◄ XV

4.2.4 Efeitos Tóxicos na Biota. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52


4.2.5 Limites de Exposição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.3 CHUMBO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.3.1 Características Gerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.3.2 Fontes de Emissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.3.3 Efeitos Tóxicos no Homem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.3.4 Efeitos Tóxicos na Biota. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4.3.5 Limites de Exposição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
4.4 ARSÊNIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.4.1 Características Gerais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.4.2 Fontes de Emissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.4.3 Efeitos Tóxicos no Homem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
4.4.4 Efeitos Tóxicos na Biota. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
4.4.5 Limites de Exposição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

CAPÍTULO 5
Agrotóxicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
5.1 INSETICIDAS QUÍMICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
5.1.1 Organoclorados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
5.1.2 Organofosforados e Carbamatos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
5.1.3 Piretroides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
5.2 INSETICIDAS BIOLÓGICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
5.3 Herbicidas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
5.4 Fungicidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
5.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

CAPÍTULO 6
Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos. . . . . . 95
6.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
XVI ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

6.2 FONTES DE EMISSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101


6.2.1 Formação de HPAs. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
6.3 CINÉTICA E DINÂMICA DOS HPAs. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
6.4 EXPOSIÇÃO HUMANA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

CAPÍTULO 7
Avaliação Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
7.1 MONITORAMENTO AMBIENTAL EM
COMPARTIMENTOS ABIÓTICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
7.1.1 Monitoramento na Água. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
7.1.2 Monitoramento no Sedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
7.1.3 Monitoramento no Ar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
7.1.4 Monitoramento no Solo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
7.2 MONITORAMENTO AMBIENTAL EM
COMPARTIMENTOS BIÓTICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
7.3 BIOMONITORAMENTO EM TEMPO REAL . . . . . . . . . . . . . . 129
7.4 BIOSSENSORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
7.5 O GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO
MONITORAMENTO AMBIENTAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
7.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

CAPÍTULO 8
Avaliação da Toxicidade. . . . . . . . . . . . . . . . . 135
8.1 ENSAIOS TOXICOLÓGICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
8.1.1 Determinação da DL50 Oral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
8.1.2 Teste de Irritação Dérmica Primária . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
8.1.3 Teste de Irritação Ocular Primária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
8.1.4 Sensibilização Dérmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
SUMÁRIO ►◄ XVII

8.1.5 Mutagenicidade em Microrganismos . . . . . . . . . . . . . . . 144


8.1.6 Mutagenicidade em Células de Mamíferos . . . . . . . . . . 144
8.1.7 Subcrônico Oral, Dérmico, Inalatório . . . . . . . . . . . . . . . 144
8.1.8 Reprodução e Prole – Toxicologia Reprodutiva. . . . . . . 144
8.1.9 Teratogenicidade – Toxicologia do Desenvolvimento. . 145
8.1.10 Carcinogenicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
8.1.11 Toxicidade/Patogenicidade Oral Aguda. . . . . . . . . . . . 146
8.1.12 Toxicidade/Patogenicidade Pulmonar Aguda . . . . . . . 146
8.1.13 Resposta de Imunidade Celular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
8.2 ENSAIOS ECOTOXICOLÓGICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
8.2.1 Toxicidade com Algas, Microcrustáceos e Peixes de
Água Doce. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
8.2.2 Toxicidade Crônica com Microcrustáceos e Peixes de
Água Doce. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
8.2.3 Toxicidade Aguda/Contato Oral com Abelhas. . . . . . . . 150
8.2.4 Toxicidade Subcrônica com Minhocas . . . . . . . . . . . . . . . 150
8.2.5 Toxicidade Aguda Oral com Aves. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
8.2.6 Toxicidade/Patogenicidade Inalatória Aguda com
Aves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

CAPÍTULO 9
Avaliação de Risco em Toxicologia Ambiental . . 155
9.1 O CONCEITO DE RISCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158
9.2 OS AGENTES AMBIENTAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
9.3 AVALIAÇÃO DE RISCO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
9.4 AVALIAÇÃO DE RISCOS À SAÚDE HUMANA
DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO ÀS SUBSTÂNCIAS
QUÍMICAS PERIGOSAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
9.5 ANÁLISE DE INCERTEZAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
9.6 GERENCIAMENTO DE RISCOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
9.7 PERCEPÇÃO DE RISCO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
XVIII ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

9.8 COMUNICAÇÃO DE RISCO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167


REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168

CAPÍTULO 10
Controle de Qualidade dos Resultados em
Toxicologia Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
10.1 METODOLOGIAS E NORMAS TÉCNICAS NACIONAIS. . 173
10.2 CONTROLE DE QUALIDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
10.3 PRECISÃO INTRALABORATORIAL E
CARTA-CONTROLE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
10.4 ENSAIOS DE PROFICIÊNCIA (PROGRAMAS
INTERLABORATORIAIS). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
10.5 SISTEMA DE QUALIDADE E ACREDITAÇÃO DE
LABORATÓRIOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178

CAPÍTULO 11
Estatística Aplicada em Ensaios Toxicológicos
e Ecotoxicológicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
11.1 MÉTODOS ESTATÍSTICOS UTILIZADOS EM ENSAIOS
DE TOXICIDADE AGUDA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
11.2 MÉTODOS ESTATÍSTICOS UTILIZADOS EM ENSAIOS
DE TOXICIDADE CRÔNICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
11.2.1 Comparação de um Único Tratamento com o
Grupo-Controle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
11.2.2 Comparação de Múltiplas Concentrações com o
Grupo-Controle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
11.2.3 Testes de Estimativa Pontual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
REFERÊNCIAS CONSULTADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198
CAPÍTULO 1

Histórico, Evolução e
Conceitos Básicos da
Toxicologia

Eduardo Cyrino Oliveira-Filho


Cristina Lúcia Silveira Sisinno
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 3

A palavra tókson, em grego, quer dizer arco e flecha, sendo que a


forma adjetiva toksikós significaria relativo a arco e flecha. Curiosamente
o significado da expressão toksikón phármacon, veneno para flecha, fun-
diu-se e a palavra toxicum (tóxico, em português) passou a ser utilizada
como veneno em geral.
A ação dos venenos sempre despertou grande curiosidade e temor
no ser humano. Os homens primitivos já usavam seus conhecimen-
tos sobre os efeitos dos venenos de animais e plantas para guerrear,
caçar e, algumas vezes, para remover membros indesejáveis de suas
sociedades.
Várias escritas em papiros do antigo Egito, datados aproxima-
damente de 1500 a.C., apresentavam informações referentes a recei-
tas contendo reconhecidos venenos. Desse modo, a toxicologia pode
ser vista como a formadora da base da medicina terapêutica e expe-
rimental. Pode-se destacar, inclusive, que Hipócrates (460-375 a.C.)
– considerado o pai da medicina – já relacionava vários venenos e des-
crevia instruções que podem ser consideradas hoje como princípios da
toxicologia.
A morte provocada por envenenamento era comum desde os tem-
pos mais remotos e se considerava como um dos perigos cotidianos
inerentes à vida. Em face ao temor existente com relação aos atentados
com venenos contra figuras célebres, como por exemplo reis e rainhas,
era comum a função dos “provadores oficiais” nas cortes antigas: pes-
soas responsáveis por experimentar previamente a comida e a bebida
de seus amos.
Um dos grandes destaques no processo de evolução da toxico-
logia foi o renascentista Philippus Paracelsus (1493-1541). Paracelsus
vislumbrou muitas visões revolucionárias que permanecem até hoje
como partes estruturais da toxicologia. É dele, inclusive, o postulado
que norteia os fundamentos desta ciência: “Todas as substâncias são
venenosas. Não há nenhuma que não seja. A dose certa diferencia um
veneno de um remédio”.
Amplamente citado como o fundador da toxicologia, Mattieu
Orfilla (1787-1853) definiu esta ciência como o estudo dos venenos e
singularizou a toxicologia como uma disciplina distinta das outras.
Orfilla foi o primeiro toxicologista a usar sistematicamente análises
4 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

químicas e autópsias como prova legal de envenenamentos. A intro-


dução da autópsia para propósito de detecção de envenenamentos aci-
dentais e intencionais deu origem a uma área específica, denominada
atualmente como toxicologia forense.
Com o advento da Revolução Industrial (séculos XVIII-XIX) vá-
rias substâncias começaram a ser produzidas e emitidas, trazendo con-
sequências drásticas – até então desconhecidas para o homem daquela
época – para a saúde humana e para o ambiente.
A partir da Segunda Guerra Mundial os estudos no campo da
toxicologia ganharam maior impulso, principalmente por causa do
incremento no uso de uma grande variedade de substâncias e com-
postos químicos. Um dos grandes marcos da toxicologia ambiental foi
a publicação do best seller Silent Spring (Primavera Silenciosa), escrito
pela americana Rachel Carson em 1962. Pela primeira vez eram relata-
dos eventos documentando efeitos de substâncias químicas lançadas
no ambiente (agrotóxicos) sobre organismos vivos, principalmente
pássaros. Os fatos descritos no livro causaram diversas manifestações
sociais e políticas e um incremento na importância do impacto nega-
tivo causado pelas substâncias químicas aos componentes dos ecos-
sistemas. A partir dessa nova visão várias ações na área ambiental
tiveram destaque, como a criação da Agência de Proteção Ambiental
dos Estados Unidos (USEPA) em 1970 e posteriormente o cancelamen-
to do registro do DDT nos Estados Unidos em 1973.
Episódios envolvendo danos à saúde humana e contaminações
ambientais causadas por substâncias químicas entraram no rol das
grandes catástrofes da era moderna. O despejo de mercúrio na Baía de
Minamata (Japão) durante as décadas de 1930 a 1960; a identificação
da contaminação da neve antártica por DDT; os acidentes de Seveso
(Itália) com dioxina em 1976 e Bhopal (Índia) com isocianato de metila
em 1984 são apenas alguns exemplos de casos onde os estudos toxico-
lógicos atuaram e atuam até hoje avaliando, principalmente, os efeitos
em longo prazo (efeitos crônicos).
No decorrer de seu processo de desenvolvimento, a toxicologia foi
ganhando força e reconhecida importância. Por se tratar de uma ciência
multidisciplinar, onde conceitos de outras áreas, como biologia, medi-
cina, química e farmácia, tornam-se complementares, a toxicologia nos
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 5

dias de hoje apresenta uma nova visão de ciência: a ciência integrada,


com o objetivo maior do trabalho em conjunto, visando acima de tudo
à proteção e a melhoria da qualidade de vida do homem.

1.1 CONCEITOS E ELEMENTOS BÁSICOS

Antigamente limitada à ciência do estudo dos venenos, nos dias


atuais a toxicologia é voltada para o estudo dos efeitos adversos das
substâncias químicas sobre os organismos vivos, incluindo efeitos em
níveis moleculares, celulares e bioquímicos, visando ao estabeleci-
mento da magnitude do dano e do uso seguro destas substâncias. Os
agentes químicos tiveram ênfase neste conceito por terem seu número
aumentado significativamente durante o século XX; contudo, os efeitos
de agentes físicos – principalmente radiações ionizantes – também são
estudados em toxicologia.
A melhor maneira de compreender a importância da toxicologia é
comparar a ação dos agentes químicos com a ação dos medicamentos,
que também são substâncias químicas, porém vistas de outra forma
por grande parte da sociedade. Os medicamentos só são seguros se
administrados em doses corretas, caso contrário tornam-se substâncias
tóxicas. Assim sendo, as substâncias são consideradas tóxicas a partir
do momento que provocam alterações na homeostase (equilíbrio) nor-
mal do organismo, produzindo uma resposta danosa.
De acordo com o conceito de toxicologia, três elementos básicos
(figura 1.1) devem estar interagindo:
• Uma substância (agente) capaz de produzir um efeito.
• Um sistema biológico com o qual a substância possa interagir
para produzir o efeito.
• A necessidade de que o efeito (resposta) possa ser considerado
nocivo ao sistema com o qual interage.
6 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

FIGURA 1.1 Inter-relação entre os três elementos básicos nos estudos em toxicologia.
Fonte: Adaptado de Larini & Cecchini (1987).

1.1.1 A Substância

Para a toxicologia, as substâncias podem ser classificadas de vá-


rias formas como, por exemplo:
• Pela sua utilização (pesticidas).
• Pela sua origem (toxinas animais).
• Pelos seus efeitos (mutagênicas).
• Pelo órgão atingido (hepatotóxicas), etc.

Deste modo, a toxicidade é uma propriedade intrínseca que cada


substância tem de produzir efeitos danosos a um determinado orga-
nismo quando este é exposto, durante um certo período de tempo, a
determinadas doses ou concentrações. A toxicidade das substâncias é
determinada com o auxílio de ensaios de laboratório onde são observa-
dos os efeitos adversos, incluindo, muitas vezes, a letalidade.
Os estudos de toxicidade são desenvolvidos em condições espe-
cíficas, de acordo com normas técnicas, e utilizam animais de experi-
mentação ou organismos-teste padronizados. Várias são as espécies
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 7

utilizadas dependendo do foco da avaliação. Em geral, quando o ob-


jetivo do estudo é a proteção da saúde humana são utilizados animais
superiores, principalmente mamíferos, tais como camundongos, ratos,
coelhos, cães, macacos. Os resultados desses estudos também subsi-
diam avaliações ecotoxicológicas com o objetivo de predizer os efeitos
sobre mamíferos silvestres, além de diversos outros ensaios com verte-
brados ou invertebrados realizados exclusivamente para o estudo da
ecotoxicologia, que tem como objetivo maior a proteção dos ecossiste-
mas e de seus componentes. Nesses casos, os organismos utilizados são
representantes de um ecossistema, como animais vertebrados e inverte-
brados aquáticos (p. ex. peixes, microcrustáceos, etc.) e vegetais (p. ex.
algas) de ambientes marinhos ou dulcícolas; invertebrados terrestres
(p. ex. minhocas, colêmbolos, nematoides, etc.) e plantas terrestres.
Os fatores importantes que influenciam na toxicidade são: a rota
de administração da substância, a duração e a frequência de exposição
e a existência de processos físicos, químicos e biológicos no ambiente.
As principais rotas pelas quais as substâncias presentes no am-
biente têm acesso ao corpo humano são: o trato gastrointestinal, os
pulmões e a pele. Todavia, os efeitos mais rápidos ocorrem principal-
mente por via intravenosa, seguindo-se em ordem decrescente pela via
pulmonar, intraperitoneal, subcutânea, intramuscular, intradérmica,
oral e dérmica. A via de administração pode, deste modo, influenciar
na toxicidade das substâncias. Por isso, a comparação da dose letal de
uma substância por diferentes vias de exposição muitas vezes fornece
informações úteis com referência a sua absorção.
Quanto à duração da exposição, uma exposição aguda é aquela
produzida pela administração de quantidades elevadas de uma subs-
tância, por um período de 24 horas ou menos, observando-se um efeito
tóxico imediato. Uma exposição crônica, por sua vez, é aquela ocasio-
nada pela administração de pequenas quantidades de uma substância,
por longos períodos, podendo-se observar efeitos durante ou mesmo
após o término da exposição, ou efeitos que podem se manifestar so-
mente nas gerações seguintes.
Um fator importante para caracterizar a exposição é a frequência
com que uma substância é administrada. O fracionamento da dose
reduz a intensidade do efeito produzido. Assim sendo, a quantidade
8 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

da substância que produz um efeito tóxico, se administrada fracio-


nadamente em várias doses pode reduzir o efeito ou, então, nem
produzi-lo. Isto ocorre devido, entre outras coisas, a processos de
eliminação e de biotransformação. Uma única dose de uma substân-
cia que produz efeitos severos pode não produzir nenhum efeito se
esta dose for administrada em diferentes intervalos. Efeitos tóxicos
crônicos, entretanto, podem ocorrer caso a substância se acumule no
organismo (absorção superando a biotransformação e/ou excreção),
produza efeitos tóxicos irreversíveis ou não haja tempo suficiente
para o sistema recuperar-se do efeito danoso, dentro do intervalo de
frequência da exposição.

1.1.2 O Organismo Afetado

A interação entre a substância e o organismo ocorre por meio dos


fatores toxicocinéticos. Estes fatores incluem os processos envolvidos
no transporte das substâncias absorvidas pelos vários compartimentos
do sistema biológico afetado, desde o central até o mais periférico. A
quantidade da substância distribuída pela circulação sanguínea repre-
senta a disponibilidade biológica desta substância. Esta biodisponibili-
dade está relacionada fundamentalmente com:
• As vias de introdução da substância.
• Os mecanismos utilizados pelas substâncias para passarem pe-
las membranas celulares.
• Os sítios de armazenamento.
• As barreiras hematoencefálica e placentária.
• A biotransformação da substância.
• A indução ou inibição de sistemas enzimáticos.
• A eliminação da substância.

A seguir serão descritas com mais detalhes as vias de introdução


dos contaminantes no organismo por se tratarem da primeira etapa e,
portanto, da principal etapa relacionada ao processo de prevenção dos
efeitos adversos da exposição aos contaminantes.
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 9

1.1.2.1 As Vias de Introdução

A fase de exposição é fundamental para a ocorrência do fenôme-


no da intoxicação, pois representa a disponibilidade da substância no
ambiente. A intensidade da exposição depende, por exemplo, de fa-
tores como a concentração do agente tóxico no ambiente, a duração
da exposição, da frequência da exposição e das condições ambientais
(temperatura, umidade e ventilação).
Ocorrendo a exposição, a substância química poderá ser introdu-
zida no organismo por uma ou mais vias: trato gastrointestinal (inges-
tão), pulmões (inalação), pele (tópica, percutânea ou dérmica), olhos
(ocular) e outras rotas parenterais, não muito comuns no contexto da
toxicologia ambiental.
A via inalatória é uma das mais importantes por causa de vários
fatores:
• Pelo constante contato do sistema respiratório com o meio
externo.
• Pela área dos pulmões ser permeável e ricamente vasculariza-
da, proporcionando rápida e eficiente absorção.
• Pela ocorrência de retenção de agentes químicos nas vias
superiores.
• Pelo fato de a substância química absorvida poder atingir cen-
tros vitais, sistema nervoso central e outros órgãos sem passar
pelo sistema hepático.

Desta forma, as substâncias presentes no ar, ao entrarem em con-


tato com a via respiratória, poderão agir localmente – provocando ir-
ritação, inflamação, edema pulmonar e outras alterações – ou serem
absorvidas, atuando em nível sistêmico.
A partir do contato da substância química com a pele poderão
ocorrer várias manifestações:
• A epiderme, com a película de gordura e suor, atuará como bar-
reira efetiva e a substância química não será capaz de alterá-la
ou danificá-la.
• A substância química reage com a superfície cutânea, provo-
cando irritações locais.
10 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

• A substância química penetra, reage com proteínas teciduais e


produz sensibilização e reação alérgica.
• A substância química se difunde na epiderme, glândulas sebá-
ceas, sudoríparas, folículos pilosos e ingressa na corrente san-
guínea para posterior ação sistêmica.

A exposição por via oral pode ocorrer por condições de higiene e há-
bitos inadequados ou quando há ingestão de alimentos e água contamina-
dos. Quando as substâncias químicas são introduzidas pela via digestiva
os riscos associados aos efeitos nocivos são menores, principalmente:
• Pelo fato de as substâncias químicas estarem sujeitas ao pH áci-
do do estômago.
• Pela ação de enzimas digestivas.
• Pela baixa absorção na corrente sanguínea devido à diluição
das substâncias químicas com água e alimentos, formação de
produtos menos solúveis por interação com esses alimentos e
pela seletividade na absorção intestinal.

1.1.3 O Efeito Adverso

O efeito adverso corresponde ao conjunto de alterações genéticas,


bioquímicas, morfológicas ou fisiológicas (sinais e sintomas) produzi-
das pela exposição à substância química.
O fenômeno da intoxicação se expressa pelos efeitos adversos
(sinais e sintomas) ocasionados pela ação de uma substância em um
sistema biológico. Esta resposta se manifesta por meio de processos
toxicodinâmicos, que compreendem a interação das substâncias com
os seus sítios específicos de ação, e cuja intensidade será função da
quantidade de substância no local de sua ação específica. Por exemplo,
o monóxido de carbono (CO), aspirado em nível do alvéolo pulmonar,
se dilui no plasma sanguíneo e rapidamente se fixa na hemoglobina,
formando carboxiemoglobina, a qual impede a hemoglobina de trans-
portar oxigênio aos tecidos. Desta forma, ocorre o óbito por anoxemia,
cujos sintomas são idênticos à asfixia.
Qualquer efeito tóxico é proporcional à dose, que corresponde
à quantidade da substância química administrada a um organismo,
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 11

introduzida por uma das vias, principalmente oral, dérmica e perito-


neal. É expressa geralmente em mg, g ou mL por kg de peso corpóreo.
Quando a substância é introduzida pela via respiratória, utiliza-se o
parâmetro concentração, expresso em mg/m3 ou mg/L. Quanto me-
nor é a dose necessária para produzir um efeito nocivo, mais tóxica é
a substância.
Os tipos de efeito classificam-se principalmente em:
Efeito agudo: Caracteriza-se como uma resposta severa e rápida
normalmente observada em um curto período de tempo. Para efeito
de estudos são utilizados vários tipos de expressões, sendo a mais im-
portante a Dose Letal 50 ou DL 50. A DL 50 é a quantidade calculada
de uma substância química, necessária para produzir a morte de 50 %
dos animais em estudo. Para se determinar a toxicidade de substân-
cias presentes no ambiente atmosférico ou aquático, utiliza-se o termo
Concentração Letal 50 ou CL 50. Quando o objetivo do estudo é ava-
liar um efeito específico, porém não letal, as expressões utilizadas são
Dose Efetiva 50 ou DE 50 ou Concentração Efetiva 50 ou CE 50. Essas
expressões correspondem à dose (DE) ou concentração (CE) de uma
substância química que provoca um efeito específico em 50 % do lote
de animais utilizados no experimento.
Efeito crônico: Caracteriza-se como uma resposta referente à to-
xicidade cumulativa de uma substância química. Dentre alguns efeitos
crônicos, podem ser destacados:
• Mutagênese – Processo de alteração do material genético de
uma célula. Quando não é letal para a própria célula, o pro-
cesso pode propagar-se pelo corpo em crescimento (muta-
ção somática) ou transmitir-se às gerações seguintes (mutação
germinal). A mutação incidindo sobre células somáticas pode
levar a um processo carcinogênico no próprio indivíduo e, no
caso de incidir sobre células germinativas, pode produzir doen-
ças ou malformações nas gerações futuras. Atualmente vários
sistemas-teste estão disponíveis para avaliar o potencial muta-
gênico das substâncias químicas e alguns destes serão descritos
no capítulo 8.
• Carcinogênese – Processo anormal, não controlado, de dife-
renciação e proliferação celular, de início localizado mas que
12 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

pode se disseminar pelo organismo, levando à sua morte. Os


carcinógenos podem ser divididos em genotóxicos e epigenéti-
cos ou não genotóxicos. Os carcinógenos genotóxicos, também
chamados de iniciadores, interagem com o DNA produzindo
mutação; fenômeno considerado o passo inicial do processo
carcinogênico. O DNA pode voltar ao normal se os mecanis-
mos de regeneração funcionarem de forma bem-sucedida; caso
contrário, a célula transformada pode evoluir para um tumor
clinicamente aparente.

Os carcinógenos não genotóxicos, também chamados promoto-


res, não podem por si só causar tumores, mas potencializam os efei-
tos dos carcinógenos genotóxicos (iniciadores). Desse modo, como os
iniciadores genotóxicos podem levar à formação do tumor eles são
considerados carcinógenos completos. Todavia, estes só são conside-
rados completos (iniciadores/promotores) em doses mais elevadas,
que muitas vezes são letais para a célula, ao contrário da iniciação que
pode ser estimulada após uma única exposição a doses mais baixas.
• Teratogênese – Termo originário das palavras gregas gennan que
significa produzir, e terata, que significa monstro. Processo pelo
qual anomalias em células e tecidos, de um organismo em de-
senvolvimento (período entre a concepção e o nascimento), são
induzidas por agentes estranhos, chamados de teratógenos, re-
sultando em malformações estruturais ou funcionais. Existe um
grande número de agentes teratogênicos, entre os quais se desta-
cam agentes físicos (radiação, trauma mecânico), agentes bioló-
gicos (vírus da rubéola) e agentes químicos (talidomida, álcool).

Os efeitos teratogênicos podem manifestar-se em maior propor-


ção no ser humano quando a exposição à substância tóxica acontece
dentro do primeiro trimestre de vida.

1.2 INTERAÇÃO ENTRE AS SUBSTÂNCIAS

Deve-se destacar também que a resposta do organismo à combina-


ção das substâncias pode ser aumentada ou reduzida pelas respostas
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 13

toxicológicas no sítio de ação. Desta forma, os efeitos de duas substân-


cias químicas administradas simultaneamente podem ser:
• Aditivos: Quando o efeito combinado das duas substâncias é
igual à soma do efeito de cada uma isoladamente.
• Sinérgicos: Quando o efeito combinado das duas substâncias
é muito maior que a soma dos efeitos. Por exemplo, tanto o
tetracloreto de carbono como o etanol são hepatotóxicos, mas
juntos eles promovem uma lesão hepática muito maior do que
aquela esperada pela simples soma de seus efeitos individuais.
• De potenciação: Quando o efeito de um agente tóxico que age
simultaneamente com um agente não tóxico é aumentado. Por
exemplo: o isopropanol por si só não é hepatotóxico, entretanto
aumenta muito a hepatotoxicidade do tetracloreto de carbono,
quando administrados em conjunto.
• Antagônicos: Quando ocorre a interferência de uma substân-
cia química sobre a ação de outra. Um agente que antagoniza a
ação de outro é frequentemente designado como um antídoto.

1.3 SUSCEPTIBILIDADE

Pode-se ressaltar ainda que cada sistema biológico poderá apre-


sentar um tipo de resposta diferente, de acordo com sua susceptibi-
lidade, estando esta susceptibilidade relacionada com os graus de
sensibilidade e tolerância apresentados por este sistema.
A sensibilidade, ou seja, a resposta do organismo pode variar de
indivíduo para indivíduo, sendo que fatores hereditários e idade são
sempre determinantes importantes a serem consideradas nas reações
de sensibilidade.
A tolerância, por sua vez, é um estado de diminuição da resposta
aos efeitos de uma substância química como resultado de uma exposi-
ção prévia à mesma substância ou a outra quimicamente relacionada.
Existem dois mecanismos principais que podem ser considerados res-
ponsáveis pela tolerância:
1) Devido à redução na quantidade da substância que chega ao
local onde o efeito é produzido.
14 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

2) Pela redução na resposta do tecido à determinada substância,


uma vez que pouco se sabe sobre os mecanismos celulares res-
ponsáveis pela alteração da resposta de um tecido à determina-
da substância.

1.4 RELAÇÃO DOSE–RESPOSTA

As características da exposição e os efeitos observados estão


diretamente relacionados em um único termo denominado relação
dose–resposta. Esta relação é fundamental e universalmente estudada
em toxicologia e, desse modo, o entendimento dessa relação é essencial
para o estudo da toxicidade de substâncias químicas.
Por uma perspectiva prática, existem dois tipos de relação
dose–resposta:
1) Aquela que descreve a resposta de um indivíduo (também cha-
mada dose–efeito) às várias doses de uma substância, frequen-
temente observada como uma resposta gradual, em função de
o aumento da medida do efeito ser proporcional ao aumento
da dose.
2) Aquela caracterizada como uma distribuição quantitativa da
resposta a diferentes doses, pelo fato de ser observada em uma
população de indivíduos. A observação do fenômeno quantal
dose–resposta é extremamente importante para a toxicologia,
e é utilizado para determinar a dose letal média (DL50) das
substâncias químicas.
CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 15

TABELA 1.1
COMPARAÇÃO ENTRE DLs50

Substância Química DL50 (mg/kg)


Álcool etílico 10 000
Cloreto de sódio 4 000
Sulfato ferroso 1 500
Fenobarbital 150
Nicotina 1
Toxina da viúva negra 0,5
Dioxina (TCDD) 0,001
Toxina botulínica 0,00001
Fonte: Eaton & Klaassen (1996).

1.5 PRINCIPAIS ÁREAS DA TOXICOLOGIA

Os três elementos básicos da toxicologia descritos anteriormente


– a substância, o organismo afetado e o efeito adverso – são estudados
nas suas várias áreas, classificadas de acordo com seus objetivos.
• Toxicologia Clínica ou Médica: Estuda formas de tratamento
das intoxicações provocadas, em geral, por substâncias quími-
cas, a partir da manifestação do efeito. Os toxicologistas clínicos
tratam pacientes que estão intoxicados e desenvolvem novas
técnicas para o diagnóstico e o tratamento dessas intoxicações.
• Toxicologia Forense: Estuda os aspectos médico-legais das in-
toxicações. É utilizada principalmente para o estabelecimento
da causa da morte e a elucidação de sua circunstância. Essa área
é normalmente desenvolvida como uma atividade policial, ten-
do mais recentemente incorporado as questões da medicina es-
portiva, particularmente as voltadas para as determinações de
dopping em competições.
• Toxicologia Ocupacional: Estuda os efeitos adversos das
substâncias químicas sobre a saúde do trabalhador, durante
o exercício de suas atividades. Trata-se de uma área de atua-
ção extremamente voltada para profissionais de medicina e
enfermagem do trabalho, onde os critérios de avaliação são
16 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

baseados principalmente em indicadores biológicos de exposi-


ção, previamente estabelecidos.
• Toxicologia Reguladora: Estuda se a substância química apre-
senta ou não riscos suficientemente baixos para ser comerciali-
zada na forma em que se propõe. De um modo geral, esta área
de atuação é executada por agências governamentais.
• Toxicologia Ambiental: A toxicologia ambiental será descrita
no capítulo 2.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS
BORZELLECA, J. F. The Art, the Science, and the Seduction of Toxicology:
An Evolutionary Development. In: HAYES, A. W. (ed.). Principles and
Methods of Toxicology. Philadelphia: Taylor & Francis, p. 01-22, 2001.
BRUCE, M. C.; DOULL, J. History and Scope of Toxicology. In: KLAASSEN,
C. D.; AMDUR, M. O. (eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic
Science of Poisons. New York: MacMillan Publishing Company, p. 3-10, 1986.
EATON, D. L.; KLAASSEN, C. D. Principles of Toxicolgy. In: KLAASSEN,
C. D.; AMDUR, M. O. (eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic
Science of Poisons. New York: McGraw-Hill, p. 13-33, 1996.
FERNÍCOLA, N. A. G. G.; JAUGE, P. Nociones Basicas de Toxicología.
México: Organização Mundial de Saúde, 1985.
GALLO, M. A. History and Scope of Toxicology. In: KLAASSEN, C. D.;
AMDUR, M. O. (eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science
of Poisons. New York: McGraw-Hill, p. 3-11, 1996.
KLAASSEN, C. D. Principles of Toxicology and Treatment of Poisoning. In:
HARDMAN, J. G.; LIMBIRD, L. E.; GILMAN, A. G. (eds.). Goodman
and Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. New York:
McGraw-Hill, p. 67-80, 2001.
LARINI, L.; CECCHINI, R. A Intoxicação como Fenômeno Biológico. In:
LARINI, L. (ed.). Toxicologia. São Paulo: Manole, p. 1-46, 1987.
LEHMAN-MAcKEEMAN, L. D. Absortion, Distribution and Excretion of
Toxicants. In: KLAASSEN, C. D. (ed.). Casarett and Doull’s Toxicology:
The Basic Science of Poisons. New York: McGraw-Hill, p. 131-160, 2007.
LOOMIS, T. A.; HAYES, A. W. Loomi’s Essentials of Toxicology. Academic
Press: California. 1996.
CAPÍTULO 2

Fundamentos da Toxicologia
Ambiental

Cristina Lúcia Silveira Sisinno


Eduardo Cyrino Oliveira-Filho
CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA TOXICOLOGIA AMBIENTAL ►◄ 19

Desde o final do século XIX a humanidade entrou em uma nova


era, a era química, caracterizada pelo aumento do número de grandes
indústrias nos países desenvolvidos, com o consequente incremento
no uso de produtos químicos. Não há dúvida de que este progresso
gerou uma série de benefícios econômicos e sociais, melhorando o pa-
drão de vida das populações envolvidas. Todavia, existia o outro lado
da questão e os riscos associados à contaminação do ambiente jamais
poderiam ter sido esquecidos.
Em um primeiro momento, o dano não foi tão evidente, pois se
restringiu basicamente às poucas zonas industriais existentes e prin-
cipalmente aos trabalhadores expostos. A partir da Segunda Guerra
Mundial o desenvolvimento tecnológico causou um aumento notável
no número de áreas industrializadas em várias partes do mundo, ha-
vendo um incremento no número de substâncias em uso.
Entretanto, as consequências decorrentes deste incremento e as
interações destas substâncias – tanto com o ambiente como com os se-
res vivos – na maioria das vezes ainda eram desconhecidas. Muitos
dos efeitos observados incluíram mortes, doenças, desaparecimento
de espécies e desequilíbrio na dinâmica natural dos ecossistemas; o
que motivou a preocupação que agora existe sobre as consequências
indesejáveis da contaminação química.
Segundo informações disponíveis no Chemical Abstract Servi-
ce (CAS), estima-se que das cerca de 54 000 000 substâncias químicas
disponíveis comercialmente, apenas 283 000 estejam inventariadas ou
reguladas. Essas substâncias, ao serem liberadas no ambiente, sofrem
diversas transformações e interações complexas que incrementam ain-
da mais o seu número.
Com o objetivo de evitar ou minimizar as consequências drásticas
do uso e da liberação das substâncias químicas, a Toxicologia Ambien-
tal estuda os efeitos de agentes químicos presentes no ambiente sobre
os organismos vivos e a saúde humana.

2.1 CONTAMINAÇÃO E POLUIÇÃO AMBIENTAL

Os termos em questão muitas vezes são utilizados como sinônimos,


porém há algumas diferenças que podem ser ressaltadas (figura 2.1).
20 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

FIGURA 2.1 Representação esquemática da relação entre contaminação e poluição.


Fonte: Chapman (1995).

O termo contaminação é geralmente empregado em relação


direta aos efeitos sobre a saúde do homem. Também é utilizado para
situações onde a substância está presente no ambiente, mas não causa
dano óbvio e aparente.
O termo poluição, por sua vez, é geralmente empregado em rela-
ção direta aos efeitos sobre o ambiente, sendo também utilizado para
casos onde a substância causa danos evidentes.
De modo a integrar estes conceitos, no contexto deste livro, en-
tende-se que contaminação é o aumento nos níveis naturais de certas
substâncias e poluição é o resultado deste aumento, implicando em
danos evidentes aos organismos vivos e, consequentemente, em riscos
à saúde humana.
CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA TOXICOLOGIA AMBIENTAL ►◄ 21

2.2 CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL E SUAS FONTES

A contaminação desperta particular interesse para a toxicologia


porque se refere diretamente à saúde humana e porque situações apa-
rentemente normais muitas vezes já podem ser consideradas como ca-
sos de contaminação. Isso ocorre quando os contaminantes estão em
concentrações muito baixas para causar algum dano evidente, mas já
são passíveis de ocasionar algum efeito quando a exposição ocorre por
um tempo prolongado.
Qualquer forma ou quantidade de matéria ou energia que entra
em um sistema, por exemplo, um organismo vivo ou um substrato do
ambiente, deve se acumular, se transformar ou ser eliminada.
Quando as formas de matéria ou energia estão presentes de tal
modo que os seres vivos ou os compartimentos abióticos as podem
assimilar, transformar ou eliminar continuamente pode-se considerar
que existe uma situação estável e equilibrada.
Atualmente, devido ao grande aumento na quantidade de subs-
tâncias que estão sendo constantemente liberadas no ambiente, em
muitos casos se ultrapassou a capacidade dos sistemas para transfor-
mar ou eliminar o excesso, ocasionando uma alteração no equilíbrio
ambiental. Como consequência desse fato e do princípio de conserva-
ção da matéria e da energia, ocorre a acumulação de matéria ou ener-
gia nos sistemas.
As atividades humanas tendem a provocar a entrada no ambiente
de tipos indesejáveis de matéria e energia, porém enquanto a quanti-
dade destas substâncias não superar a capacidade do ambiente para
transformá-las, seus efeitos não sejam adversos ou estejam restritos no
tempo e no espaço, pode-se considerar que há uma contaminação tem-
poral ou parcial que, ainda que requeira atenção, pode ser evitada ou
eliminada.
Os problemas graves aparecem quando a contaminação se esten-
de no tempo e no espaço e permanece assim por períodos prolonga-
dos, pois, como já foi mencionado, muitas vezes os danos não são ime-
diatamente aparentes.
De acordo com sua origem, a contaminação pode ser natural ou
antropogênica. A contaminação antrópica é ocasionada por ativida-
des do homem, enquanto a contaminação natural é ocasionada por
22 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

atividades naturais, como por exemplo, a contaminação de alimentos


(grãos) por micotoxinas ou a contaminação atmosférica por erupções
vulcânicas.
Conforme a natureza do agente contaminante, a contaminação
pode ser biológica, física ou química.

2.2.1 Contaminação Biológica

A contaminação biológica ocorre quando um microrganismo (bac-


téria, vírus ou protozoário) se encontra em um substrato ao qual não
pertence ou que até pertence, mas que está em concentrações que exce-
dem as naturais. Este tipo de contaminação é característica dos lugares
cujas condições higiênicas são deficientes.
Essa contaminação pode ser evitada ou controlada com relativa
facilidade. Assim, a contaminação dos solos, águas, alimentos ou ar
causam, em curto prazo, efeitos adversos que são localizados no tempo
e no espaço; o que facilita a identificação de sua origem.
Ainda que a contaminação biológica cause altas taxas de morta-
lidade e morbidade, é relativamente controlável por meio de higiene,
educação em saúde, obras de saneamento, etc.
Atualmente a contaminação biológica também tem sido relaciona-
da ao aparecimento de espécies exóticas em áreas nas quais elas não são
nativas.

2.2.2 Contaminação Física

A contaminação física se deve a presença, em um substrato, de


formas de energia que excedem os níveis naturais. A contaminação
térmica, a contaminação por ruído e a contaminação radioativa podem
ser citadas como alguns exemplos.
Devido as suas características, este tipo de contaminação tem efei-
tos em longo prazo, que são sutis e cuja associação causa-efeito é difícil
de ser estabelecida. Por isso vários anos podem se passar antes que os
efeitos sejam observados e que a fonte contaminante seja detectada,
identificada e controlada.
CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA TOXICOLOGIA AMBIENTAL ►◄ 23

A contaminação física causa diversos efeitos biológicos, tais como:


morte de espécies (flora e fauna), alterações genéticas, câncer, etc.

2.2.3 Contaminação Química

A contaminação química ocorre quando uma substância química


se acumula em um substrato em concentrações que excedem os níveis
naturais. Esta substância pode ser natural ou sintética.
Se a substância existe na natureza ela é considerada uma substân-
cia natural; caso ela seja sintetizada pelo homem, é denominada subs-
tância xenobiótica. A contaminação química de origem natural pode
ser limitada no tempo e no espaço, já que está associada a circuns-
tâncias biogeoclimáticas especiais, portanto, se existir limites e origem
bem definidos, a contaminação química pode ser identificada com fa-
cilidade e, em alguns casos, ser eliminada.

2.3 ECOTOXICOLOGIA

A preocupação do homem com o aumento dos casos de conta-


minação química no ambiente e com os reflexos deste fato para sua
qualidade de vida gerou a integração da ecologia com a toxicologia.
O termo ecotoxicologia foi proposto por René Truhaut em 1969,
como um ramo da toxicologia voltado para o estudo dos efeitos adver-
sos das substâncias sobre os ecossistemas.
Em uma definição mais atual, entende-se ecotoxicologia como o
estudo do destino e dos efeitos de substâncias químicas sobre os com-
ponentes de um ecossistema, baseado no emprego de métodos de la-
boratório e de campo.
Talvez nada defina melhor a ecotoxicologia do que a abordagem
necessariamente integrativa. Para compreender o impacto de substân-
cias nos ecossistemas é preciso reunir e integrar informações toxicoló-
gicas e de química ambiental.
Dentre os ecossistemas, os aquáticos acabam – de uma forma ou de
outra – se constituindo em receptáculos temporários ou finais de uma
24 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

grande variedade e quantidade de contaminantes, sejam esses lança-


dos no ar, no solo ou diretamente nos corpos d’água. Desse modo, para
adquirir conhecimentos sobre os efeitos dos agentes químicos para a
biota aquática, têm sido utilizados ensaios de toxicidade com orga-
nismos de águas continentais, estuarinas e marinhas, em condições
laboratoriais e/ou de campo. Os ensaios, além de possibilitar o esta-
belecimento de limites permissíveis para várias substâncias químicas,
servem também para avaliar o impacto de misturas de contaminantes
sobre os organismos aquáticos dos corpos hídricos receptores.
Os estudos sobre os efeitos de substâncias químicas sobre organis-
mos terrestres são muito complexos por causa do número de fatores
intrínsecos e extrínsecos associados com os sistemas terrestres. Muitas
espécies terrestres têm grande mobilidade, cobrindo áreas significati-
vas quando defendem territórios, se alimentam, migram e se disper-
sam. Esses estudos tiveram grande crescimento nos anos 80, baseados
principalmente no desenvolvimento da ecotoxicologia aquática. Atual-
mente vários tipos de ensaios são desenvolvidos para avaliar os efei-
tos de substâncias sobre microrganismos, plantas, minhocas, insetos,
aves e mamíferos. Alguns destes ensaios com organismos aquáticos
e terrestres estão incluídos na legislação americana e brasileira, como
obrigatoriedade para registro e renovação do registro de agrotóxicos,
dentre outras substâncias.
Para caracterizar o comportamento químico das substâncias é ne-
cessário quantificá-las nos diferentes compartimentos ambientais (ar,
água, solo, sedimento e biota) e compreender o movimento e o trans-
porte destas substâncias dentro (intrafase) e entre (interfase) esses
compartimentos. Além disso, deve-se levar em consideração a ocor-
rência de reações bióticas e abióticas, que resultam em mudanças nas
propriedades físicas e químicas dos compostos.
A combinação dessas abordagens facilita a predição da concen-
tração química nos compartimentos ambientais e servem como recur-
so para planejar experimentos toxicológicos usando as concentrações
apropriadas e a forma da substância em questão.
CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA TOXICOLOGIA AMBIENTAL ►◄ 25

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

ALBERT, L. A.; GARCIA, A. M. Contaminacion y Ecosistemas. In: ALBERT,


L.A. Curso Basico de Toxicología Ambiental. México: Limusa, p. 7-15, 1988.
ALLOWAY, B. J.; AYRES, D. C. Chemical Principles of Environmental
Pollution. Great Britain: Kluwer Academic Publishers, 1993.
CAIRNS Jr., J.; MOUNT, D. I., Aquatic Toxicology. Environmental Science
and Technology, v. 24, p. 154-161. 1990.
CHAPMAN, P. M. Ecotoxicology and pollution – key issues. Marine and
Pollution Bulletin, v. 31, n. 4-12, p. 167-177, 1995.
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Disponível em: <http://www.cas.org/cgi-bin/cas/regreport.pl>. Acesso
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EATON, D. L.; KLAASSEN, C. D. Principles of Toxicology. In: KLAASSEN,
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KENDALL, R. J.; BENS, C. M.; COBB III, G. P.; DICKERSON, R. L.; DIXON,
K. R.; KLAINE, S. J.; LACHER, T. E.; LA POINT, T. W.; McMURRY, S.
T.; NOBLET, R.; SMITH, E. E. Aquatic and Terrestrial Ecotoxicology.
In: KLAASSEN, C. D.; AMDUR, M. O.; DOULL, J. (Eds.). Casarett and
Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: McGraw-
Hill, p. 883-905, 1996.
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MOREIRA, I. V. D. Vocabulário Básico de Meio Ambiente. Rio de Janeiro:
FEEMA/Petrobrás, 1990.
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PHILP, R. B. Ecosystems and Human Health: Toxicology and Environmental
Hazards. Boca Raton: Lewis Publishers, 2001.
RAND, G. M.; WELLS, P. G.; McCARTY, L. S. Introduction to aquatic
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26 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

TRUHAUT, R. Ecotoxicology: objectives, principles and perspectives.


Ecotoxicology and Environmental Safety, v. 1, p. 151-173, New York,
1977.
YU, M. H. Environmental Toxicology: Biological and Health Effects of
Pollutants. New-York: CRC Press, 2005.
CAPÍTULO 3

Dinâmica, Transformação e
Destino dos Contaminantes
no Ambiente

Cristina Lúcia Silveira Sisinno


Josino Costa Moreira
CAPÍTULO 3 – DINÂMICA, TRANSFORMAÇÃO E DESTINO... ►◄ 29

Os contaminantes apresentam – em maior ou menor grau – com-


portamentos mais ou menos definidos quando introduzidos nos ecos-
sistemas. De maneira geral, ao serem produzidos e emitidos por suas
fontes, estes contaminantes tendem a se dispersarem no ambiente
onde podem sofrer uma série de processos que envolvem interações
com os elementos constituintes daquele compartimento ambiental e
com a biota, transformações e, eventualmente, degradação.
As substâncias químicas podem ser introduzidas no ambiente sob
várias formas: sólidos, líquidos, gases, vapores, fumaças, aerossóis ou
pós e por meio de várias vias. A persistência no ambiente depende
da espécie química e estas apresentam ciclos de vida característicos. O
ciclo de vida de uma substância química compreende todas as etapas
que envolvem esta substância desde sua produção até sua decomposi-
ção ou disposição final. Entretanto, apenas para alguns contaminantes
seus ciclos ambientais completos são conhecidos.
Uma vez introduzido no ambiente, um contaminante pode se dis-
persar naquele meio (solo, ar, água), interagir com outros constituintes
desse meio, ser transportado a certas distâncias, ser transferido para
outros compartimentos ambientais, ser degradado, transformado ou
imobilizado.
O transporte de um contaminante na atmosfera é principalmen-
te ocasionado por movimentos turbulentos do ar que, dentre outros
fatores, dependem das características dos ventos. A dispersão ocorre
preferencialmente na direção do vento predominante e é denominada
pluma. A pluma e o efeito das condições atmosféricas sobre ela podem
ser facilmente vistos observando-se a fumaça que sai de uma chaminé.
A dispersão sofre ainda a influência de outras condições como, por
exemplo, das características geográficas da área onde a fonte emissora
está situada, além das condições atmosféricas predominantes durante
a emissão.
No ambiente aquático a dispersão de um contaminante é mais
complexa que na atmosfera. Existem inúmeras diferenças em volume
de diluição, características de mistura e velocidade de transporte entre
os diferentes corpos d´água (rios, lagos, mares, estuários e oceanos)
fazendo com que uma abordagem geral fique mais difícil. Adicional-
mente, além das interações dos contaminantes com os componentes
30 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

abióticos do ambiente tem-se uma interação mais ativa com a biosfera


facilitando a transferência do contaminante para o componente biótico
do sistema. De modo geral, um contaminante introduzido no ambiente
aquático sofrerá dispersão, interação com material particulado em sus-
pensão, deposição (sedimentação) e absorção biológica.
No solo, a dispersão depende da natureza da substância, das ca-
racterísticas do solo e de outros fatores, tais como umidade, pH, teor de
matéria orgânica presente, temperatura, etc. Os principais fenômenos
que afetam o movimento de um contaminante no solo são: a adsorção
(retenção na superfície de partículas sólidas), a percolação (transporte
através de um meio líquido), a difusão e a advecção. A substância pode
ser dispersa através da água presente ou que se infiltra no solo e assim
atingir o lençol freático. Muitas substâncias, principalmente as orgâni-
cas, são degradadas pela comunidade biótica que vive neste ambiente.
Na biosfera os nutrientes essenciais podem ser transferidos de or-
ganismo para organismo ao longo da cadeia alimentar que vai desde
os produtores primários até os carnívoros superiores. O transporte de
contaminantes por esta via ocorre em qualquer meio, mas são mais
significativos nos ambientes aquático e terrestre. Geralmente ocorrem
processos de discriminação do contaminante pela biota (concentra-
ção no organismo muito menor que no ambiente), mas casos de bio-
concentração não são raros. Algumas substâncias orgânicas e alguns
metais tóxicos como, por exemplo, o mercúrio, são capazes de sofrer
bioconcentração nos organismos (alguns organismos marinhos podem
apresentar concentrações de mercúrio 10 000 vezes superiores àquela
observada na água do mar). Compostos orgânicos como, por exemplo,
os PCBs (bifenilas policloradas) que foram muito utilizados em trans-
formadores elétricos e que apresentam baixa solubilidade em água, alta
solubilidade em gorduras e baixa taxa de biotransformação também so-
frem bioconcentração.
Algumas substâncias químicas são introduzidas no ambiente como
resultado de sua utilização direta. Entretanto, na grande maioria dos
processos químicos são gerados subprodutos e resíduos que são libe-
rados no ambiente onde podem sofrer todas as etapas acima descritas.
É importante ressaltar que em algumas ocasiões a degradação de uma
substância pode levar a outras mais tóxicas que a original. Por exemplo,
CAPÍTULO 3 – DINÂMICA, TRANSFORMAÇÃO E DESTINO... ►◄ 31

no sistema aquático, o mercúrio pode sofrer metilação, com a formação


de metilmercúrio, espécie química mais tóxica e que é capaz de ser in-
corporada pela biota, concentrando-se ao longo da cadeia alimentar.
Os principais fatores que interagem e influenciam na dinâmica
das substâncias químicas no ambiente são os seguintes:
• Quantidade da substância.
• Frequência na emissão da substância.
• Características físico-químicas próprias da substância.
• Características físico-químicas próprias do compartimento am-
biental receptor.
• Presença e natureza dos organismos vivos – tanto micro como
macrorganismos – existentes no ambiente.
• Grau e tipo de interação entre os organismos vivos e as subs-
tâncias.

A interação do conjunto destes elementos condiciona o modo e a


extensão como a substância pode ingressar no organismo humano e
executar suas funções benéficas ou maléficas.

3.1 O DESTINO DOS CONTAMINANTES:


TRANSFORMAÇÕES E SUMIDOUROS

Após a introdução do contaminante no ambiente ou nos organis-


mos estes podem ser convertidos a diferentes formas e/ou transferi-
dos entre os diferentes compartimentos ambientais.
A transformação de um agente químico no ambiente pode ocorrer
por processos químicos, físicos ou biológicos. Como exemplo de proces-
sos químicos pode ser citado a fotoxidação atmosférica de vários poluen-
tes. Como exemplo de processos biológicos pode-se destacar o metabo-
lismo bacteriano que acontece no solo e no sedimento, e como exemplo
de processos físicos podem ser citados a solubilidade e a deposição.
A disposição final e o mecanismo de remoção de um contaminante
químico são conhecidos como sumidouro. O tempo transcorrido entre a
introdução do contaminante no ambiente, suas transformações e destino
32 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

final são muito variáveis e depende das características químicas e físicas


da substância, bem como do compartimento ambiental que a recebeu.
Em cada compartimento ambiental contaminado vários mecanis-
mos de transporte devem ser considerados. No caso de contaminação
atmosférica, os contaminantes podem ser removidos por vários me-
canismos naturais em sua forma original ou sob a forma de produtos
resultantes de processos reacionais. Isto dependerá ainda da forma em
que foi introduzido o contaminante, ou seja, se ele está presente sob a
forma de partículas (material particulado) ou na fase gasosa. De ma-
neira geral, quando um contaminante é introduzido na atmosfera sob
a forma de partículas, ele será removido por deposição gravitacional,
impacto e interceptação por objetos da superfície do solo ou ser car-
reado pela chuva.
Na fase gasosa, os mecanismos principais de remoção são: a ab-
sorção ou reação com objetos terrestres, a transferência para outros
compartimentos ambientais e as reações químicas que acontecem na
atmosfera. Estas reações podem consumir um contaminante e, even-
tualmente, produzir outro. Reações induzidas pela luz (fotólise) são de
grande importância neste aspecto.
Na hidrosfera os processos podem envolver mecanismos físicos
(p. ex. sorção e sedimentação), químicos/geoquímicos (p. ex. reações
dependentes do pH e do potencial redox) ou biológicos, que podem
ocorrer simultaneamente, interagindo um com o outro. De maneira ge-
ral estes processos são complexos.
No solo, pode ocorrer a degradação do contaminante por ação mi-
crobiana, degradação química, evaporação/volatilização, percolação,
interações com o material do solo e absorção pela biota.
Alguns fatores podem influenciar na cinética dos contaminantes
como, por exemplo:
• Solubilidade na água.
• Pressão de vapor.
• Fator de bioconcentração.
• Velocidade de transformação e de degradação.
• Densidade.
• Tamanho da partícula.
CAPÍTULO 3 – DINÂMICA, TRANSFORMAÇÃO E DESTINO... ►◄ 33

• Coeficiente de partição de carbono orgânico (Koc).


• Coeficiente de partição de octanol/água (Kow).

Também há fatores intrínsecos do local de estudo que influenciam


no destino e no transporte dos contaminantes no ambiente. Cada local
é único e deve ser avaliado de forma específica, a fim de determinar
as características que podem aumentar ou diminuir a migração dos
contaminantes importantes.
Muitos destes fatores que afetam o transporte dependem das con-
dições climáticas e das características físicas do local. Por exemplo:
• Taxa de precipitação anual.
• Temperatura.
• Velocidade e direção dos ventos.
• Condições diurnas e estacionais.
• Características geomorfológicas.
• Características hidrogeológicas.
• Canais de águas superficiais.
• Características do solo.
• Cobertura do solo e características da vegetação.
• Flora e fauna.
• Obras públicas.

Um dos mecanismos mais importantes para a degradação de


substâncias químicas no ambiente é a biodegradação. Este processo,
embora efetivo, é de difícil avaliação porque os ambientes naturais são
muito variados; o que dificulta sua transposição para o laboratório.
Algumas substâncias são persistentes no ambiente; isto significa que
são resistentes à biodegradação. As substâncias persistentes, quando
incorporadas à cadeia alimentar, podem ser bioconcentradas, bioacu-
muladas ou biomagnificadas.
A bioconcentração é o processo por meio do qual uma substância
alcança, em um organismo, uma concentração mais elevada que aquela
observada no ambiente ao qual este organismo está exposto. A bioacu-
mulação é o aumento progressivo na quantidade de uma substância
química em um organismo ou parte dele e se deve ao fato de a taxa de
absorção exceder à capacidade de eliminação orgânica. A biomagnifi-
34 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

cação é observada quando há um aumento das concentrações de uma


dada substância ao longo da cadeia alimentar. Ou seja, concentrações
mais elevadas são observadas nos organismos pertencentes aos níveis
tróficos mais altos.
Assim, substâncias persistentes solúveis em gorduras (p. ex. pes-
ticidas organoclorados, como o DDT, o aldrin; dioxinas; bifenilas poli-
cloradas; metilmercúrio, etc.), mesmo quando presentes em concentra-
ções baixas no ambiente podem se tornar perigosas ao ecossistema por
um dos mecanismos acima descritos.

3.2 ROTAS DE EXPOSIÇÃO

Uma vez presentes no ambiente, as substâncias poderão entrar


em contato com os sistemas biológicos e eventualmente ocasionar
efeitos adversos à saúde. A rota de exposição é o processo que per-
mite o contato dos indivíduos com os contaminantes e inclui todos os
elementos que ligam uma fonte de contaminação a uma população
receptora.
Os componentes que formam uma rota de exposição são os
seguintes:

a) Fonte de contaminação
É a fonte de emissão do contaminante no ambiente, ou seja, sua
origem.
Além de naturais e antropogênicas, as fontes de contaminação po-
dem ser fixas ou móveis, pontuais ou difusas.
As principais fontes antrópicas da contaminação são:
• A exploração dos recursos renováveis e não renováveis.
• A agricultura.
• As indústrias.
• Os transportes.
• As atividades domésticas.
• Os serviços.
CAPÍTULO 3 – DINÂMICA, TRANSFORMAÇÃO E DESTINO... ►◄ 35

• A urbanização.
• O crescimento demográfico.
• Os movimentos migratórios.
• A economia de consumo, etc.

b) Compartimentos ambientais afetados


São os compartimentos em que os contaminantes serão encontra-
dos como, por exemplo, ar, água, solo, sedimento, biota.

c) Mecanismos de transporte
Os mecanismos de transporte determinam os fluxos dos conta-
minantes através dos compartimentos ambientais, desde a fonte até o
ponto de exposição humana, por exemplo, volatilização, por colação,
bioconcentração.

d) Ponto de exposição
É o lugar onde pode ocorrer o contato humano com um compar-
timento ambiental contaminado, ou seja, uma residência, o local de
trabalho, um curso d’água, etc.

e) Vias de exposição
São os caminhos pelos quais os contaminantes podem estabelecer
contato com o organismo como, por exemplo, através de ingestão, ina-
lação, absorção, contato dérmico.

f) População receptora
São as pessoas que estão expostas ou potencialmente podem ficar
expostas aos contaminantes em um determinado ponto de exposição.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS
ATSDR (AGENCY FOR TOXIC SUBSTANCES AND DISEASE REGISTRY).
Evaluación de Riesgos en Salud por la Exposición a Residuos Peligrosos.
México: Organização Mundial de Saúde, 1995.
36 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

COREY, G. Vigilancia en Epidemiologia Ambiental. Série Vigilância, no 1.


México: ECO/OPAS, 1988.
NAVARRETE, A. F. Mercurio y Metilmercurio. In: ALBERT, L. A. (ed.). Curso
Basico de Toxicología Ambiental. México: Limusa, p. 123-144, 1988.
WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Evaluación Epidemiológica
de Riesgos Causados por Agentes Químicos Ambientales. México:
Limusa, 1988.
CAPÍTULO 4

Metais

Paulo Rubens Guimarães Barrocas


CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 39

Os metais são elementos ou compostos químicos que ocorrem na-


turalmente na natureza e têm sido utilizados pelo homem desde a sua
descoberta em épocas pré-históricas. De fato, o uso dos metais é um
dos fatores que definem os estágios de desenvolvimento de socieda-
des humanas (p. ex. Idade do Bronze) e foi a base da teoria econômica
do metalismo do século XV, que definia a riqueza de estados euro-
peus a partir da quantidade de metais preciosos (p. ex. ouro e pra-
ta) acumulados. Assim, as principais características dos metais, tais
como brilho e elevadas densidade, dureza, maleabilidade, ductibili-
dade, elasticidade e resistência, além da capacidade de conduzir calor
e correntes elétricas eficientemente, fizeram com que estes elementos
fossem utilizados amplamente em várias áreas e atividades humanas
(p. ex. metalurgia, mineração, etc.) desde a Antiguidade, sendo estes
usos intensificados significativamente após a Revolução Industrial.
Isto acarretou na alteração dos ciclos biogeoquímicos naturais destes
elementos tornando-os um dos principais e mais perigosos grupos de
contaminantes nos dias de hoje. Alguns metais são classificados, in-
clusive, como poluentes globais (p. ex. chumbo e mercúrio), devido a
sua presença ubíqua na biosfera, mesmo distante de quaisquer fontes
naturais ou antropogênicas.

4.1 MERCÚRIO

4.1.1 Características Gerais

O mercúrio (símbolo Hg; número atômico 80; número de massa


200,59) é o único metal líquido, no seu estado elementar, à temperatura
ambiente. Ele ocorre na natureza em grande variedade de formas físi-
cas (gasosa, líquida e sólida) e químicas. O Hg possui três estados de
oxidação: Hg0 (metálico), Hg+1 (mercuroso) e Hg+2 (mercúrico). Estas
três formas são facilmente convertidas entre si no ambiente, sendo que
os compostos mercúricos são mais estáveis e, portanto mais abundan-
tes na natureza. Dentre eles, os cloretos, nitratos e sulfatos, além dos
hidróxidos, são os sais mercúricos mais importantes. O mercúrio apre-
senta várias singularidades nas suas propriedades físicas e químicas,
possuindo um comportamento químico bastante diferente dos outros
40 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

dois membros do seu grupo da tabela periódica, zinco e cádmio, porém


semelhante ao metaloide arsênio. Por exemplo, no estado elementar, o
mercúrio é um líquido denso prateado brilhante, possuindo alta pres-
são de vapor e baixo ponto de volatilização (357 °C). À temperatura
de 20 °C, a sua pressão de vapor é 0,17 Pa, resultando em uma concen-
tração de 14 mg/m3 em uma atmosfera saturada. Uma característica
ímpar do vapor de Hg, encontrada apenas nos gases inertes, é que ele
é quase totalmente monoatômico. Outra propriedade físico-química
que distingue o mercúrio dos demais metais é o seu elevado potencial
de ionização, superado apenas pelo hidrogênio dentre os elementos
eletropositivos, o que resultou em vários dos seus usos industriais e
tecnológicos.
Os vários compostos do mercúrio também possuem caracterís-
ticas bastante distintas entre si, como ilustrado pela solubilidade do
mercúrio metálico, cloreto mercuroso e cloreto mercúrico, respectiva-
mente 60g/L, 2 g/L e 69 g/L. Além dos sais inorgânicos, o Hg+2 forma
uma série de compostos organometálicos, através de ligações covalen-
tes estáveis com o carbono, formando espécies lipossolúveis tóxicas.
Este grupo de compostos, diferentemente dos compostos organome-
tálicos de outros metais, é muito estável, não sendo significativamen-
te decomposto pelo ar ou a água. Isto se deve, sobretudo, à pequena
afinidade entre o mercúrio e o oxigênio. A capacidade do mercúrio de
substituir o hidrogênio em compostos orgânicos é sem igual entre os
metais, assim como a sua afinidade química pelo enxofre. O mercúrio
se liga fortemente a componentes celulares que possuem grupos sul-
fidrilas (p. ex. enzimas), alterando sua estrutura e função e causando
efeitos tóxicos.
Devido à grande quantidade de reações químicas, mediadas bio-
logicamente ou não, que o mercúrio pode participar, vários compos-
tos mercuriais podem ser formados. Eles podem ser divididos em três
grupos principais: compostos voláteis, compostos reativos e muito
tóxicos e compostos pouco reativos e relativamente inertes. Assim, a
especiação química é fundamental para a avaliação da mobilidade, o
destino, a toxidade e, consequentemente, o risco do mercúrio no am-
biente. A descoberta de que potencialmente, qualquer forma de mer-
cúrio pode ser convertida naturalmente no ambiente a sua espécie
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 41

mais tóxica para o homem, o metilmercúrio, torna qualquer fonte de


mercúrio perigosa.
Por fim, devido a sua reatividade no meio e o seu significativo
transporte e dispersão atmosférica em larga escala, o mercúrio é con-
siderado um poluente global. Isto é, ele está presente como contami-
nante em toda a biosfera, mesmo muito distante de quaisquer fontes
naturais ou antropogênicas. Dentre os metais, apenas o mercúrio e o
chumbo, que será discutido mais adiante neste capítulo, estão nesta
categoria.

4.1.2 Fontes de Emissão

Apesar de o mercúrio ser utilizado pelo homem desde épocas re-


motas, foi no século XX que suas emissões antropogênicas aumenta-
ram substancialmente, em decorrência do seu crescente uso em diver-
sas atividades industriais, alterando seu ciclo biogeoquímico natural.
Amostras ambientais (p. ex. testemunhos de sedimentos e de gelo) co-
letadas em áreas remotas do planeta indicaram um aumento de três a
cinco vezes nos níveis globais de mercúrio desde a Revolução Indus-
trial. Acreditavam-se, antes do desenvolvimento de técnicas analíticas
adequadas, que as emissões naturais do mercúrio eram as mais impor-
tantes quantitativamente. Atualmente, estima-se que estas emissões
sejam apenas 20 % a 25 % das emissões antropogênicas.
Embora as estimativas das emissões e fluxos do mercúrio no am-
biente possuam consideráveis incertezas, calcula-se que a produção
total de Hg durante o século XX foi de 436 000 toneladas. O mercúrio
é produzido principalmente por meio da mineração de minerais sulfí-
ticos, como o cinábrio e o metacinábrio, principais fontes naturais do
mercúrio. Esta produção se manteve estável no início do século XX,
aumentando a partir dos anos 1940 e atingindo um pico na década de
1970. Desde então, a produção mundial de Hg tem declinado em vir-
tude da diminuição da sua demanda, que por sua vez é decorrente da
substituição de diversos usos do mercúrio.
A grande diversificação no uso do Hg é decorrente de suas pro-
priedades físico-químicas singulares (p. ex. liquidez à temperatura
42 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

ambiente, expansão de volume uniforme, baixa resistividade elétrica,


alta tensão superficial, etc.). As principais atividades industriais onde
se utilizam compostos mercuriais são na produção de cloro–soda, de
tintas, de materiais plásticos, de produtos farmacêuticos, de equipa-
mentos elétricos ou de medida, de baterias, de lâmpadas e de fungi-
cidas. Além desses usos industriais deve-se ainda considerar seu uso
em amálgamas odontológicos e na mineração de ouro. Algumas destas
utilizações do mercúrio vêm sofrendo significativas restrições, sendo
eventualmente substituídas por outras tecnologias, principalmente
nos países mais desenvolvidos.
As principais emissões naturais do mercúrio são decorrentes de
atividade vulcânica, incêndios florestais, desgaseificação dos solos e
corpos d’água, além da emissão de espécies mercuriais voláteis (p. ex.
Hg0 e (CH3)2Hg) provenientes de reações mediadas biologicamente.
Enquanto as principais emissões antropogênicas são decorrentes da
queima de combustíveis fósseis e da incineração de resíduos, efluentes
industriais líquidos e gasosos e da mineração.
O reconhecimento da importância das fontes antropogênicas
tanto para o ciclo local quanto para o global do mercúrio levou a um
movimento em diversos países, coordenado por agências/programas
internacionais (p. ex. UNEP – United Nations Environment Programme)
para a redução das emissões antropogênicas do mercúrio para o am-
biente. Entretanto, apesar destas recentes reduções nas emissões de Hg
para o meio, existem atualmente diversas áreas no mundo com altos
níveis de mercúrio nos sedimentos e solos provenientes do seu uso in-
discriminado no passado, permanecendo como um passivo ambiental
ainda sem uma solução adequada.

4.1.3 Efeitos Tóxicos no Homem

A contaminação do homem por compostos mercuriais tem uma


longa história, visto que o seu uso pela humanidade vem desde épocas
remotas, antes de Cristo (a.C.). Os perigos da poluição por mercúrio já
eram conhecidos pelos romanos desde 2 d.C., porém o primeiro caso
relatado de envenenamento por mercúrio foi de um mineiro no século
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 43

XV. Já o primeiro caso conhecido de morte causado por um composto


organomercurial ocorreu em um laboratório clínico na Europa em 1865.
O quadro clínico tanto da intoxicação aguda quanto crônica
pelo mercúrio é função da espécie química do mercúrio presente,
da intensidade da exposição (dose e tempo de exposição) e da via
de exposição. Devido às significativas diferenças nas características
físico-químicas dos vários compostos mercuriais, os efeitos tóxicos
das diferentes espécies químicas do Hg também são bastante distin-
tos entre si, assim como os órgãos afetados. As espécies mercuriais
podem ser divididas, segundo sua toxicologia, em três grupos prin-
cipais: mercúrio metálico, compostos mercuriais inorgânicos e com-
postos organomercuriais.
A exposição a níveis elevados de sais inorgânicos ou do mercú-
rio metálico normalmente ocorre no ambiente de trabalho (exposição
ocupacional). A intoxicação crônica por estas espécies mercuriais inor-
gânicas é comumente denominada de mercurialismo. Já a exposição
ambiental ocorre principalmente pelo consumo de alimentos (p. ex.
organismos de ecossistemas aquáticos) contaminados com o metilmer-
cúrio. Os sintomas da toxidade do metilmercúrio ficaram conhecidos
como síndrome de Hunter-Russel, sendo a neuropatia resultante desta
exposição chamada popularmente de “Mal de Minamata”, devido à
catástrofe ocorrida nesta localidade do Japão nos anos 1950.
A urina é o principal fluido biológico usado para avaliação da ex-
posição crônica ao mercúrio metálico e aos sais inorgânicos de mercú-
rio, enquanto o sangue e o cabelo são utilizados para avaliar a exposi-
ção crônica aos compostos organomercuriais.
Exposições agudas ao vapor do mercúrio metálico afetam princi-
palmente os pulmões, causando bronquite e bronquiolite com pneu-
monia intersticial. Em casos extremos pode ocorrer edema pulmonar
agudo, levando à insuficiência respiratória e à morte.
O sistema nervoso central também é afetado pelo vapor do mer-
cúrio metálico. Os sintomas de exposições crônicas menos severas in-
cluem: insônia, timidez, nervosismo e enjoo, enquanto exposições mais
prolongadas causam habitualmente perda de memória, perda de auto-
controle, irritabilidade, ansiedade, sonolência e depressão. O conjunto
destes sintomas psicológicos é denominado eretismo. Nos casos mais
44 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

graves, os pacientes podem apresentar delírio, alucinações, melanco-


lia suicida e psicose maníaco-depressiva. Entretanto, os tremores, que
se agravam com o tempo de exposição, são os sintomas mais caracte-
rísticos do mercurialismo. Eles atingem tanto os membros superiores
quanto os lábios e a língua, podendo tornar o indivíduo incapaz de
escrever. Quando do fim da exposição, pode ocorrer o desaparecimen-
to gradual destes sintomas motores, mesmo quando os sinais psiquiá-
tricos não tenham sido conclusivamente revertidos.
Enquanto o mercúrio metálico, quando inalado, é quase totalmen-
te absorvido, quando ingerido, é pouco absorvido pelo trato gastroin-
testinal. Ele pode causar apenas uma irritação local e diarreia.
Finalmente, danos renais graves foram observados quando da ex-
posição ao mercúrio metálico ou aos sais inorgânicos de Hg. Os rins
podem apresentar necrose dos tubos proximais, nefrite e evoluir para
um quadro de insuficiência renal.
Os sais inorgânicos do Hg também afetam o trato gastrointestinal,
devido a sua ação corrosiva na mucosa, causando dores, vômitos e
diarreia hemorrágica, levando à necrose da mucosa. Este quadro pode
evoluir para um colapso circulatório, causando a morte do paciente.
Outros sintomas da exposição crônica aos sais inorgânicos do mercú-
rio são: gengivite, salivação excessiva e danos na pele (p. ex. ulcera-
ções, dermatites, etc.).
Os compostos organomercuriais causam os mesmos sintomas tan-
to em exposições crônicas quanto em agudas, especialmente danos ao
sistema nervoso central. Os sintomas característicos desta intoxicação
são danos motores (tremores, ataxia, etc.) e sensoriais (parestesia, es-
treitamento do campo visual, cegueira, surdez, etc.). Uma proprieda-
de importante dos compostos organomercuriais é sua capacidade de
atravessar as membranas biológicas (lipossolubilidade), como a hema-
toencefálica e a placentária. Os graves danos pré-natais (p. ex. lesão
encefálica nos fetos) são os efeitos tóxicos mais relevantes à exposição
ao metilmercúrio, visto que o feto humano é mais sensível que o orga-
nismo adulto. No caso de intoxicação de gestantes, os níveis de mercú-
rio observados eram mais elevados no feto que nas mães. Observou-se
ainda que o leite materno pode conter alguns compostos organomer-
curiais. Estudos epidemiológicos, em populações expostas, indicaram
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 45

ainda danos pós-natais, tais como retardo no desenvolvimento e danos


neurológicos tardios em crianças. Estes efeitos tóxicos no sistema ner-
voso central de fetos foram irreversíveis.
Não existem evidências suficientes de que o mercúrio seja carci-
nogênico para o homem. Embora dados experimentais sugiram que a
exposição crônica a compostos mercuriais pode causar mutações gené-
ticas e aberrações cromossômicas.

4.1.4 Efeitos Tóxicos na Biota


A capacidade dos compostos organomercuriais de cruzar eficien-
temente as membranas celulares, aumenta significativamente sua re-
tenção nos organismos (meia-vida biológica elevada) e resulta na sua
bioacumulação e biomagnificação ao longo das cadeias tróficas. Assim,
a maior parte do mercúrio presente nos tecidos dos organismos aquá-
ticos está na forma de metilmercúrio, embora os níveis de mercúrio
inorgânico no ambiente sejam muito mais elevados que as formas or-
ganomercuriais. Acredita-se que a formação do metilmercúrio no am-
biente aquático se dá principalmente através de uma reação mediada
por microrganismos (p. ex. bactérias sulfatorredutoras). Entretanto,
outros mecanismos abióticos (metilação fotoquímica, transalquilação,
etc.) também são capazes de produzir o metilmercúrio no ambiente.
Por outro lado, o mercúrio, como os metais em geral, é tóxico para
os microrganismos. Por exemplo, compostos organomercuriais têm
sido usados como fungicidas e preservantes, em geral, em sementes,
vacinas, etc. Assim, os microrganismos possuem mecanismos específi-
cos de detoxificação do mercúrio (p. ex. redução do Hg+2, precipitação
do mercúrio como sulfeto, etc.).
Em geral, os organismos aquáticos são mais sensíveis aos compos-
tos organomercuriais do que aos sais inorgânicos do Hg. O mercúrio
elementar é considerado quase inerte devido a sua baixa solubilida-
de e pouca reatividade no meio aquático. Os níveis de resistência ao
mercúrio variam bastante entre os invertebrados aquáticos. Em geral,
os estágios larvais são mais sensíveis ao mercúrio do que os adultos.
A toxicidade do mercúrio é afetada pela temperatura, salinidade, oxi-
gênio dissolvido e dureza da água. Várias anormalidades fisiológicas
46 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

e bioquímicas foram observadas em peixes expostos a concentrações


subletais do mercúrio. Ele também afeta negativamente a reprodução
dos organismos aquáticos.
Entre os organismos terrestres, as plantas não são geralmente afe-
tadas pelos compostos mercuriais, porém os pássaros sofrem uma série
de efeitos tóxicos em decorrência da exposição direta ou indireta (atra-
vés do alimento) ao mercúrio. Dentre os efeitos do mercúrio em pássa-
ros existem relatos de diminuição da alimentação e consequentemente
do crescimento, além de efeitos deletérios nos sistemas enzimáticos, na
função cardiovascular, no sistema imune, no sistema renal, etc.

4.1.5 Limites de Exposição

Os limites de exposição ambiental para o mercúrio se baseiam


nas relações dose–efeito e dose–resposta observadas nos acidentes de
Minamata e Niigata no Japão, no Iraque e, em estudos mais recentes
em populações específicas no Canadá, na Nova Zelândia e nas Ilhas
Seicheles.
Já os limites ocupacionais de exposição ao mercúrio assumem,
além da concentração do mercúrio no ambiente, outros fatores, como o
uso de equipamentos de proteção e a aplicação de medidas de higiene
industrial. Se alguma dessas premissas não se confirmar, a aplicação e
a interpretação dos limites estabelecidos ficam comprometidas. Além
de manter os níveis de mercúrio dentro dos limites estabelecidos para
o ambiente de trabalho, deve-se ainda monitorar periodicamente os ní-
veis de Hg nos organismos dos trabalhadores de forma a assegurar a
sua saúde e minimizar os riscos da exposição ao mercúrio.
Os limites de exposição ocupacional recomendados pela Organiza-
ção Mundial da Saúde para o vapor do mercúrio metálico é 25 μg/m3
para exposição crônica e 500 μg/m3 para exposições de curta dura-
ção. Para exposição crônica aos compostos de mercúrio inorgânico este
limite é de 50 μg/m3, considerando-se a menor taxa de absorção do
mercúrio ionizado (Hg+2). Entretanto, em uma recente revisão da Or-
ganização Mundial da Saúde sobre a qualidade do ar, é recomendado
o limite de 1 μg/m3 para a concentração de mercúrio no ar. Este nível
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 47

do mercúrio no ar protegeria contra danos renais e ao sistema nervoso,


porém não se poderia garantir, com base nos dados atuais, que danos
ao sistema imune não ocorreriam.
Em relação à água potável não existe um consenso, o limite reco-
mendado para o mercúrio total pela USEPA é de 2,0 μg/L, enquanto a
legislação brasileira (Portaria MS 2914/2011) recomenda 1,0 μg/L e a
legislação suíça sugere 0,01 μg/L.
No que concerne aos riscos associados ao consumo de alimentos
contaminados com metilmercúrio, a Organização Mundial da Saúde
concluiu que o consumo diário de 0,48 μg de metilmercúrio/kg de
peso corpóreo em adultos não resultou em nenhum efeito adverso de-
tectado. Entretanto, deve-se ressaltar que fetos são mais sensíveis aos
efeitos tóxicos do metilmercúrio, portanto não existe uma dose segura
para o consumo de alimentos contendo metilmercúrio por mulheres
grávidas.
Em 2003, um grupo de especialistas recomendou, para o mercúrio
inorgânico, uma dose tolerável de 2 μg/kg por dia, considerando-se
danos renais como efeitos tóxicos críticos. Esta dose foi estimada a par-
tir de um nível de 0,23 mg/kg por dia, onde não se observou efeitos
adversos (NOAEL), em um estudo com ratos durante 26 semanas, uti-
lizando um fator de incerteza igual a 100.

4.2 CÁDMIO

4.2.1 Características Gerais

O cádmio (símbolo Cd; número atômico 48; número de massa


112,40) é um metal branco-prateado com estado de oxidação +2, do
mesmo grupo do zinco e do mercúrio da tabela periódica. Ele possui
pontos de fusão e volatilização relativamente baixos, respectivamente
320,9 °C e 765 °C e uma pressão de vapor razoavelmente alta. Portan-
to, é facilmente transferido para o compartimento atmosférico onde é
rapidamente oxidado, podendo formar diversos compostos (p. ex. óxi-
dos, carbonatos, hidróxido, sulfatos, etc.), dependendo dos gases reati-
vos presentes (p. ex. CO2, SO2, vapor d’água, etc.). Estas reações podem
ocorrer tanto no meio ambiente como nas chaminés das fábricas.
48 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

O cádmio dificilmente é encontrado em estado puro na natureza,


sendo considerado relativamente raro (em média 0,2 mg/kg na crosta
terrestre). Ele ocorre em concentrações-traço na água, no carvão e no
petróleo e em várias rochas e solos. Dentre as fontes naturais de Cd, as
principais são os minérios de zinco, chumbo e cobre.
Não existem evidências da ocorrência na natureza de compostos
organocádmio, onde o Cd está diretamente ligado ao átomo de car-
bono por uma ligação covalente. Por outro lado, existem vários sais
inorgânicos de Cd, que são bastante solúveis em água (p. ex. cloreto,
sulfato, acetato, etc.). Eles aumentam a dispersão do Cd no meio e con-
trolam em grande parte seus efeitos no ambiente. Mesmo os sais de
cádmio praticamente insolúveis em água, como os sulfetos, carbona-
tos e óxidos podem ser convertidos a formas hidrossolúveis por meio
de reações com ácidos e o oxigênio. Assim, a especiação química do
cádmio no ambiente é fundamental para avaliar o seu risco.

4.2.2 Fontes de Emissão

Somente no século XX, o cádmio começou a ser produzido comer-


cialmente. Ele é um produto secundário da indústria metalúrgica do
zinco, estando sua produção e emissão para o ambiente intimamente
ligadas a esta atividade econômica. Antes da Primeira Guerra Mundial
não havia preocupação em recuperar o cádmio dos resíduos indus-
triais, resultando em significativa contaminação ambiental próximo
de indústrias metalúrgicas durante décadas. A produção média anual
mundial de Cd cresceu de 20 toneladas, nos anos 1920, para 17 000 to-
neladas até meados dos anos 1980. A partir de 1987, ela se estabilizou
em torno de 20 000 toneladas.
Os usos do cádmio pelo homem mudaram ao longo do tempo.
Inicialmente o Cd era usado principalmente na galvanoplastia e em
pigmentos ou estabilizantes de plásticos. Estas atividades consumiam
mais da metade do cádmio produzido no mundo em 1960. Entretanto,
em 1990, a galvanoplastia consumiu menos de 8 % da produção mun-
dial de Cd. Esta diminuição é associada à adoção de limites mais rigo-
rosos para o lançamento dos efluentes destas atividades industriais e
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 49

mais recentemente a legislações restringindo o uso de cádmio em al-


guns países. Atualmente, o principal uso do cádmio é na fabricação de
baterias de níquel–cádmio, responsável por 55 % do consumo de Cd.
Acredita-se que a demanda por este produto aumentará nas próximas
décadas com o crescente uso destas baterias recarregáveis em diver-
sas aplicações, inclusive em futuros carros elétricos. Assim, o cádmio
se tornou um importante insumo em diversas atividades tecnológicas
modernas, com várias aplicações nas indústrias aeroespacial, de gera-
ção de energia, eletrônica e de comunicação.
Em escala mundial, cerca de 10-15 % do total de cádmio emitido
para a atmosfera são decorrentes de processos naturais, principalmen-
te de atividades vulcânicas. Por outro lado, dados estimam que a emis-
são atmosférica global de cádmio, gerado por fontes antropogênicas
foi de 7 570 toneladas em 1983 e representava cerca de metade do total
de Cd produzido naquele ano. A incineração de resíduos urbanos con-
tendo Cd, oriundo de produtos descartados (p. ex. baterias e plásticos),
é a principal fonte antropogênica de Cd atmosférico, tanto em escala
local quanto global. Outra fonte significativa de Cd atmosférico é a
produção de aço, onde grandes quantidades de aparas contendo Cd
são geradas e recicladas.
Os resíduos sólidos destas atividades também representam uma
fonte importante de Cd para o ambiente devido aos seus elevados ní-
veis. Eles requerem a disposição em aterros industriais adequados que
evitem a contaminação do lençol freático decorrente da lixiviação do
Cd presente nos resíduos.
Os efluentes líquidos, gerados na extração e no processamento
de minérios de metais não ferrosos, são a principal fonte antropogê-
nica de Cd, tanto em escala local quanto global, para os ecossistemas
aquáticos. A contaminação a jusante destas atividades pode ser sig-
nificativa, mesmo após as minas terem sido abandonadas por muitos
anos.
A fabricação de fertilizantes químicos ocasiona a liberação do
cádmio originalmente presente nas rochas fosfatadas. Os resíduos pro-
duzidos, contendo significativas quantidades de Cd, são muitas vezes
lançados em águas costeiras, sendo uma fonte relevante de poluição.
De maneira análoga, a aplicação destes fertilizantes em solos agrícolas
50 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

pode ser uma fonte de cádmio para o ambiente. Os níveis de Cd nos


fertilizantes químicos variam bastante, dependendo da rocha fosfáti-
ca usada para sua produção. O input anual de Cd em solos agrícolas
decorrentes da aplicação de fertilizantes fosfatados foi estimado em 5
gramas por hectare em países da Comunidade Econômica Europeia,
o que representa apenas 1 % da concentração de Cd nos solos. Apesar
de representar um input pequeno, o seu uso contínuo por um longo
período de tempo foi responsável em determinadas regiões pelo au-
mento dos níveis de Cd em solos. O uso do lodo, gerado em estações
de tratamento de esgoto, como fertilizante também pode ser uma fonte
importante de Cd para solos agrícolas. Entretanto, em escala regional
ou nacional, este input é insignificante quando comparado com o input
dos fertilizantes químicos e a deposição atmosférica.
A deposição atmosférica de cádmio em sistemas marinhos e de
água doce é um input importante em nível mundial. Um estudo no
Mar Mediterrâneo, por exemplo, indicou que esta fonte é comparável
ao input fluvial total de Cd para esta região.
Finalmente, a acidificação de solos, lagos e rios podem resultar
na remobilização do Cd da fração particulada (solos e sedimentos)
para coluna d’água, aumentando sua concentração dissolvida nestes
sistemas.

4.2.3 Efeitos Tóxicos no Homem

A principal característica metabólica do cádmio é sua meia-vida


biológica extremamente elevada (cerca de 20 a 40 anos), o que resulta
em uma acumulação virtualmente irreversível do metal no organismo
ao longo da vida. Durante o período de exposição ao Cd, a sua concen-
tração no sangue é o indicador biológico, principalmente da exposição
prévia (alguns meses antes). Os dois principais locais de acumulação
deste metal no organismo são: o fígado e os rins. Nos tecidos, o Cd está
principalmente ligado à metalotioneína. A síntese desta proteína pro-
vavelmente representa um mecanismo de defesa contra a toxidade do
Cd. Acredita-se ainda que esta proteína está envolvida no transporte
deste metal para o córtex renal, sendo sua eliminação principalmente
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 51

através da urina. A concentração de Cd na urina é um bom indicador


biológico do nível do metal no organismo.
A exposição ocupacional crônica ao cádmio causa danos severos
principalmente nos pulmões e nos rins. Com a exposição continuada
ao Cd, sinais de alterações precoces nos testes da função ventilatória
podem progredir até a insuficiência respiratória. Um aumento na taxa
de mortalidade, decorrente de uma síndrome de obstrução pulmonar,
foi observado em trabalhadores com um histórico de exposição ele-
vada ao Cd. A exposição a vapores contendo altos níveis de óxido de
cádmio causa uma pneumopatia com edema pulmonar que pode levar
à morte. Já a ingestão de altas concentrações de sais solúveis de cádmio
leva à gastroenterite aguda.
Existem evidências que exposições ocupacionais ao Cd por um
longo período podem resultar no desenvolvimento de câncer de pul-
mão, embora não tenha sido possível obter resultados conclusivos em
estudos epidemiológicos com trabalhadores expostos, devido aos fa-
tores de confundimento. Para o câncer de próstata os dados não são
conclusivos, mas parecem indicar que não há uma relação causal.
A acumulação do Cd no córtex renal causa danos ao órgão, como
a disfunção tubular renal. Um sintoma desta disfunção é o aumento da
excreção de proteínas de baixo peso molecular na urina. O aumento
nos níveis de cádmio na urina se correlaciona com proteinúria e pode
ser usado como indicador de dano renal. Foi relatado um aumento na
prevalência de proteinúria em trabalhadores expostos por 10 a 20 anos
a níveis de 20-50 μg/m3 de Cd.
Danos renais crônicos também foram relatados na população em
geral, em exposições ambientais a este metal. Em ambientes poluídos,
onde a incorporação de Cd foi estimada em 140-260 μg/dia, foi obser-
vado um aumento de proteinúria em alguns indivíduos expostos por
um longo período. Assim, dados de estudos ocupacionais e ambientais
mostram uma relação entre os níveis de exposição, a duração da expo-
sição e a prevalência de efeitos renais. Entretanto, na maior parte dos
casos, tanto em exposições ocupacionais quanto ambientais, a protei-
núria induzida pelo Cd é reversível.
A exposição ao Cd também causa alterações no metabolismo do
cálcio, como hipercalciúria, e formação de cálculos renais. Além disso,
52 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

a exposição a este metal, associada a outros fatores, como deficiências


nutricionais, pode levar à osteoporose e/ou à osteomalacia.
Atualmente, não existem evidências de que o cádmio seja um
agente etiológico da hipertensão. A maioria dos estudos não mostra
aumento na pressão arterial devido ao Cd e não há evidências de au-
mento da mortalidade devido a doenças cardiovasculares ou cerebro-
vasculares.

4.2.4 Efeitos Tóxicos na Biota

Em animais experimentais, a exposição ao Cd produziu efeitos


tóxicos agudos em vários órgãos (rins, fígado, pâncreas, gônadas e
pulmões). Animais expostos de forma crônica apresentaram uma ne-
fropatia muito similar à observada no homem. Outros efeitos crônicos
do Cd observados em ensaios com animais incluem enfisema pulmo-
nar, alterações no metabolismo do cálcio, danos hepáticos e efeitos no
pâncreas e no sistema cardiovascular. O Cd também produziu efeitos
embriotóxicos, teratogênicos e carcinogênicos.
Os parâmetros ambientais afetam a incorporação e os efeitos tóxi-
cos do Cd nos organismos aquáticos. Enquanto o aumento da tempe-
ratura resulta no aumento da assimilação do Cd, o aumento da dureza
e da salinidade o diminui. Portanto, organismos de ambientes fluviais
são afetados por níveis de cádmio menores que organismos marinhos.
Geralmente, a matéria orgânica dissolvida complexa o Cd, diminui a
sua incorporação pela biota e consequentemente sua toxicidade. En-
tretanto, em alguns casos, a matéria orgânica dissolvida parece ter o
efeito oposto, aumentando a incorporação biológica do cádmio. A to-
xicidade aguda do Cd nos organismos é variável e segue o modelo do
“íon-livre”.
O cádmio é eficientemente acumulado pela biota, particularmente
pelos microrganismos e moluscos. Os níveis de Cd nos organismos po-
dem ser milhares de vezes maiores que as suas concentrações no meio.
Entretanto, a maioria dos organismos apresenta fatores de bioconcen-
tração moderados, menores que cem vezes os níveis ambientais. No
organismo, o cádmio se liga principalmente às proteínas dos tecidos
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 53

biológicos, principalmente nas proteínas especificamente ligadas ao


metabolismo de metais pesados, como as metaloproteínas. O Cd se
concentra principalmente nos rins, nas brânquias e no fígado dos or-
ganismos ou nos seus equivalentes. A excreção renal é provavelmente
a principal via de eliminação do Cd dos organismos biológicos, apesar
de que quantidades significativas podem ser eliminadas pela ecdise
do exoesqueleto nos crustáceos. Nas plantas, este metal se concentra
principalmente nas raízes e em menor escala nas folhas.
O cádmio, como os metais em geral, é tóxico para um grande nú-
mero de microrganismos. O seu principal efeito tóxico é no crescimen-
to e na divisão celular. Dentre os organismos do solo, os fungos são
os mais afetados. Observou-se, em estudos de campo, que o cádmio
exerce uma significativa pressão seletiva por cepas de microrganismos
e invertebrados aquáticos resistentes, alterando a composição específi-
ca dos ecossistemas.
O zinco tem efeito sinérgico em relação ao Cd, aumentando a sua
toxidade para os organismos invertebrados aquáticos. Os seus efeitos
subletais incluem: alterações estruturais nas brânquias e redução no
crescimento e na reprodução dos invertebrados.
O cádmio afeta o metabolismo do cálcio nos animais. Em peixes,
ele pode causar hipocalcemia, provavelmente impedindo ou limitan-
do a incorporação do cálcio da água. Por outro lado, altas concentra-
ções de cálcio reduzem a assimilação e a toxicidade do Cd por meio da
competição pelos sítios de complexação celular. A susceptibilidade aos
efeitos tóxicos do Cd é variável nos peixes; entre os grupos estudados
os salmonídeos estão entre os mais sensíveis. Os estágios de desenvol-
vimento nos peixes mais susceptíveis aos efeitos tóxicos do Cd são: o
embrionário e o larval. Um efeito subletal do Cd em peixes comumente
relatado é a má-formação da espinha. Estudos demonstraram ainda
que o Cd é tóxico para algumas larvas de anfíbios.
Em condições experimentais, o cádmio afetou o crescimento de
plantas, embora isto não tenha sido observado em estudos de campo.
O metal é incorporado mais facilmente de soluções nutrientes que do
solo. Estudos utilizando soluções nutrientes indicaram que a abertura
dos estômatos, a transpiração e a fotossíntese eram afetadas pelo Cd.
54 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Os invertebrados terrestres são relativamente pouco sensíveis aos


efeitos tóxicos do Cd, provavelmente devido a mecanismos de detoxi-
ficação presentes. Em estudos com pássaros, eles também não foram
afetados severamente pelo Cd, mesmo quando em concentrações ele-
vadas, apesar de danos renais terem sido observados.

4.2.5 Limites de Exposição

A agência internacional de pesquisa em câncer classificou o cádmio


e seus compostos como carcinogênicos humanos, concluindo que ha-
via evidências suficientes de que este metal pode produzir câncer de
pulmão tanto em animais como em humanos expostos por inalação.
Entretanto, devido a problemas no controle dos estudos epidemioló-
gicos (ocorreu exposição simultânea ao arsênio) não foi possível deter-
minar uma unidade de risco confiável para estimar o excesso de risco
de desenvolver câncer de pulmão durante toda a vida.
O cádmio, assimilado tanto por inalação quanto por ingestão de
alimento contaminado, pode causar danos renais. O mais baixo limite
estimado para exposição cumulativa ao cádmio presente no ar, que
causa um aumento do risco de alteração renal (proteinúria) ou de
câncer de pulmão, é de 100 μg/m3 para uma exposição de oito horas
(ocupacional) por ano. Extrapolando este valor para uma exposição
contínua ao longo da vida obtém-se um limite de cerca de 0,3 μg/m3.
Os níveis de Cd no ar, na maioria dos centros urbanos ou áreas indus-
triais, são apenas um quinto deste valor. Recomendou-se ainda que
medidas de controle fossem adotadas quando as concentrações de Cd
na urina e no sangue de pessoas expostas excedessem 5 μg Cd/g em
creatinina e 5 μg Cd/L em sangue total, respectivamente.
Um limite de 5 μg Cd/L para água potável foi definido pela Or-
ganização Mundial de Saúde, sendo adotado também pela USEPA. No
Brasil, o limite definido pela legislação é de também 5 μg/L.
Em algumas áreas contaminadas no passado por emissões de Cd,
observaram-se alterações renais na população. Para evitar que ocorra
um aumento adicional dos níveis de Cd nesta população, por meio
da sua dieta, deve-se avaliar os teores deste metal nos solos agrícolas.
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 55

Estabeleceu-se na Europa um limite de 5 ng Cd/m3. Já um comitê con-


junto das organizações mundiais da saúde e dos alimentos e agricul-
tura recomendou como o limite tolerável semanal para ingestão de Cd
de 400-500 μg, para um adulto.

4.3 CHUMBO

4.3.1 Características Gerais

O chumbo (símbolo Pb, número atômico 82, número de massa


207.19) é um metal azulado ou cinza-prateado com dois estados de
oxidação +2 e +4, sendo mais comum o primeiro e pertencendo ao
mesmo grupo do carbono, silício, germânio e estanho da tabela pe-
riódica. Ele possui pontos de fusão e volatilização, respectivamente,
327,5 °C e 1 740 °C. Existem quatro isótopos naturais de chumbo com
massas atômicas, respectivamente em ordem crescente de abundân-
cia, 204, 206, 207 e 208.
O Pb ocorre naturalmente na crosta terrestre com uma concen-
tração média de 13 mg/kg. Como ocorre com todos os elementos quí-
micos, existem áreas dispersas no globo naturalmente enriquecidas
em chumbo. Rochas fosfatadas e sedimentos marinhos podem conter
altos níveis de Pb. A principal fonte natural de chumbo é o minério
galena, uma forma de sulfeto de chumbo. O chumbo ainda ocorre em
concentrações-traço no carvão, petróleo e associado aos minerais de
outros metais.
Em geral, os sais inorgânicos de chumbo possuem baixa solubili-
dade em água, as únicas exceções são: o nitrato, o clorato e em menor
grau, o cloreto de chumbo. O Pb forma compostos orgânicos estáveis,
onde o átomo de carbono está diretamente ligado ao de chumbo, como
o chumbo tetraetila e o chumbo tetrametila. Estes compostos, ambos
líquidos incolores, possuem baixa solubilidade em água e são volá-
teis. Eles foram utilizados em todo o mundo como aditivos à gasolina
e transformaram o chumbo em um dos poucos metais considerados
como um poluente global.
56 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

4.3.2 Fontes de Emissão

Apesar de processos naturais, como o intemperismo das rochas,


formação de aerossóis continentais, marinhos ou de emissões vulcâni-
cas e o decaimento radioativo do radônio lançarem Pb no ambiente,
suas contribuições para os níveis ambientais de Pb são pequenas com-
paradas com as fontes antropogênicas. As principais fontes de emissão
de chumbo para o ambiente, que são significativas para a saúde huma-
na, provêm das suas aplicações industriais e tecnológicas.
Os usos de compostos de chumbo pelo homem, assim como ocor-
reu com outros metais, mudaram ao longo do tempo. Estas mudanças
foram em decorrência principalmente do reconhecimento de sua toxi-
cidade e do surgimento de produtos alternativos menos tóxicos e de
baixo custo. Por exemplo, alguns usos que foram muito reduzidos ou
eliminados: como pigmentos em tintas e em outros produtos químicos,
como inseticida, como protetor/isolante de cabos, em encanamentos e
como aditivo na gasolina. Embora, a diminuição ou as restrições aos
usos do Pb tenham reduzido seus níveis em diversos compartimentos
ambientais e consequentemente a exposição humana, eles deixaram
um passivo ambiental significativo.
Atualmente, o chumbo é classificado como um poluente global,
isto é, está presente em toda a biosfera. Devido ao uso extensivo do
chumbo tetraetila e tetrametila como aditivos na gasolina e ao seu efi-
ciente transporte atmosférico, o Pb é encontrado em ecossistemas em
todo o globo, mesmo distante de fontes antrópicas ou naturais. Estes
compostos de Pb foram usados em diversos países por mais de 50 anos,
chegando ao máximo do seu consumo em 1973. Neste ano, foram con-
sumidos no mundo cerca de 380 000 toneladas de Pb para a fabricação
destes compostos e estimou-se a emissão de pelo menos 266 000 tone-
ladas de Pb para o ambiente desta fonte. Entretanto, desde o final dos
anos 1970, vários países introduziram leis limitando ou substituindo o
uso do chumbo tetraetila como aditivo à gasolina, o que levou à redu-
ção dos seus níveis ambientais nas últimas décadas.
Em 1975, o consumo mundial de chumbo foi de cerca de 4,1 mi-
lhões de toneladas. Nesta época, dentre as diversas aplicações do
chumbo, o seu uso em baterias pela indústria automotiva consumiu
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 57

cerca de 56 % do total da sua produção. A fabricação de baterias é


a atividade antropogênica que mais utiliza o Pb. Ela usa tanto o Pb
metálico, na forma de uma liga com o antimônio, como os óxidos de
chumbo. A indústria de baterias também é a maior fonte de Pb para a
reciclagem. Estima-se que até 80 % do chumbo presente nas baterias
são recuperados em indústrias de fundição.
Outras atividades antropogênicas como fundições e indústrias
metalúrgicas, incineradores de resíduos, usinas de produção de energia
através da queima de carvão ou óleo são fontes pontuais de chumbo,
podendo gerar significativas contaminações locais, dependendo das
medidas adotadas para o controle das emissões. Entretanto, a maior
parte desta contaminação, quando lançada no solo/sedimentos ou na
água, tende a se concentrar próximo às fontes devido principalmente à
genérica baixa solubilidade em água dos compostos de Pb. Somente as
emissões atmosféricas de chumbo geram uma dispersão significativa
da contaminação, especialmente uma fração desta (cerca de 20 %), que
permanece em suspensão no ar por um longo tempo, podendo ser trans-
portada a longas distâncias das fontes. O tempo de residência do Pb na
atmosfera e o alcance da sua contaminação dependem de vários fatores,
como altura das chaminés, topografia local, força dos ventos, material
particulado presente e ocorrência e quantidade de precipitação.
Várias outras fontes de chumbo podem ocorrer como em antigos
encanamentos ou tintas, soldas, vernizes para cerâmica, cosméticos,
baterias usadas e descartadas, etc. Alguns destes usos podem ser im-
portantes para exposição de subgrupos populacionais. Por exemplo,
foi estimado que cerca de 50 % das tintas, contendo pigmento de Pb,
são removidos das superfícies onde foram aplicadas em um período
de sete anos, gerando partículas com Pb e contaminando o solo próxi-
mo. Estas fontes podem ser significativas para bebês e crianças peque-
nas que comumente ingerem pequenas partículas depositadas no solo
e chão das residências.

4.3.3 Efeitos Tóxicos no Homem

A exposição humana ao chumbo, através da água, comida, ar e


outras fontes, pode variar bastante entre os indivíduos e grupos po-
58 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

pulacionais. Um grupo crítico é o de crianças até 6 anos. Elas possuem


um maior risco de exposição ao chumbo devido as suas características
próprias, como colocar na boca tudo que alcançam, o maior consumo
de alimentos e líquidos por unidade de peso que os adultos, a barreira
hematoencefálica não está plenamente desenvolvida, a maior absorção
gastrointestinal do Pb ingerido e o fato de os efeitos tóxicos do Pb ocor-
rerem em níveis mais baixos que nos adultos. Observou-se que a poei-
ra, em geral, e principalmente pequenos fragmentos da pintura das
paredes, com tintas à base de chumbo, depositadas no chão dentro ou
próximo das casas são importantes fontes de chumbo para este grupo.
Outro grupo com maior risco de exposição ao Pb são de mulheres grá-
vidas. Como a placenta não é uma barreira efetiva ao chumbo, podem
ocorrer efeitos tóxicos no feto.
Do ponto de vista da absorção do chumbo, vários estudos indica-
ram que cerca de 35 % do Pb inalado se depositam nos pulmões, sendo
função do tamanho das partículas inaladas. Já o trato gastrointestinal
absorve cerca de 10 % do chumbo ingerido em adultos e de 40-50 % em
crianças. Esta absorção é influenciada por fatores nutricionais e pela
dieta. As solubilidades dos diferentes compostos de chumbo variam
bastante e devem ser consideradas para estimar a absorção do Pb.
O chumbo incorporado pelo organismo é distribuído em três
grandes compartimentos: o sangue, os tecidos moles e os tecidos mine-
ralizados (dentes e ossos). Aproximadamente 95 % do chumbo presen-
te no organismo de adultos se concentram nos ossos, enquanto para as
crianças esse valor cai para cerca de 70 %. Os teores de Pb nos ossos
aumentam com a idade, sendo mais evidentes em ossos densos de ho-
mens. A meia-vida biológica do chumbo nos ossos pode ser de vários
anos. Entretanto, o Pb pode ser liberado dos ossos por diversos proces-
sos naturais de descalcificação que ocorrem, por exemplo, em pessoas
idosas ou mulheres grávidas, aumentando os níveis de chumbo no
sangue. A quase totalidade do Pb presente no sangue está ligada aos
eritrócitos. A meia-vida biológica do chumbo no sangue pode variar
bastante dependendo do teor total de chumbo no organismo sendo,
entretanto menor (p. ex. dias e meses) que nos ossos. Da mesma forma,
a meia-vida nos tecidos moles também é muito menor que nos ossos,
sendo da ordem de meses. Portanto, do ponto de vista biocinético, há
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 59

dois grandes compartimentos: um relativamente estável que tende a


aumentar com o tempo de vida (ossos) e outro relativamente lábil (san-
gue e tecidos moles) que refletem a exposição recente ao chumbo.
O chumbo não absorvido pode ser excretado principalmente pela
urina (cerca de 76 %) e pelas fezes (cerca de 16 %). O restante é eliminado
por várias vias diferentes (suor, perda de cabelo, etc.) pouco estudadas.
Experimentos com animais mostraram que os compostos orgâni-
cos de chumbo (Pb tetraetila e tetrametila) podem ser transformados
nos seus derivativos (Pb trietila e trimetila) e no chumbo inorgânico,
porém este processo não foi observado no homem.
Os estudos dos efeitos tóxicos do chumbo no homem podem ser
divididos em dois tipos principais: estudos retrospectivos, onde se in-
vestigou a mortalidade de indivíduos expostos a altas concentrações
de chumbo em relação a grupos-controle, e estudos das taxas de mor-
bidade resultantes dos efeitos adversos do chumbo em órgãos e siste-
mas específicos. No primeiro grupo, observou-se um maior número de
mortes relacionadas com doenças cerebrovasculares e nefrites crôni-
cas. No segundo grupo, obteve-se, em alguns casos, o nível de chumbo
no sangue onde não se observou efeito adverso (NOAEL) em um gru-
po populacional. Em todos os casos, danos no sistema hematopoiético
foi o primeiro efeito adverso observado, sendo o mecanismo de ação
tóxica do Pb bem conhecido.
A toxidade do chumbo é devida, principalmente, a sua interferên-
cia em diferentes sistemas enzimáticos. Ele inativa as enzimas tanto
pela sua ligação aos seus grupos sulfidrilas quanto pela substituição
de outros metais nas suas estruturas. Assim, vários órgãos são alvos
potenciais do chumbo e vários são os efeitos tóxicos relacionados ao
Pb. Eles incluem efeitos adversos no fígado, na síntese heme, nos sis-
temas nervoso, gastrointestinal, cardiovascular, renal, reprodutivo e
endócrino. Em exposições crônicas a baixas concentrações, condições
de exposição típicas da população em geral, os efeitos críticos mais co-
muns observados ocorrem no sistema nervoso, nos rins, na síntese do
heme, na eritropoiese e na pressão arterial.
Dentre os efeitos no sistema nervoso, observou-se a ocorrência
de encefalopatias em adultos e crianças, quando os níveis de chum-
bo no sangue excederam 1 200 μg/L e 800 μg/L, respectivamente.
60 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Em crianças, este quadro frequentemente levou à morte. Dentre as


que sobreviveram, constatou-se a ocorrência de sequelas neuroló-
gicas e neuropsicológicas irreversíveis, em muitos casos. Por ou-
tro lado, os efeitos subclínicos nas funções neurocomportamentais,
principalmente em crianças, ocorreram em níveis mais baixos de
Pb no sangue. Vários estudos, tanto seccionais quanto prospectivos,
indicaram que um aumento dos níveis de chumbo no sangue de
crianças (de 100 μg/L para 200 μg/L) causou uma diminuição nos
seus resultados em testes de QI.
Existem dois tipos principais de efeitos tóxicos do chumbo nos
rins. O primeiro é caracterizado funcionalmente pelo aumento da ex-
creção de aminoácidos, fosfatos e glicose; sendo reversível e ocorrendo
após exposições curtas. O segundo tipo de efeito renal é caracterizado
anatomicamente por mudanças estruturais que diminuem a capaci-
dade de filtração. Estas mudanças são progressivas e podem levar à
paralisação dos rins. Este segundo efeito foi observado no passado,
associado a exposições ocupacionais ao chumbo.
Em relação aos efeitos carcinogênicos dos compostos de chum-
bo em humanos, a agência internacional de pesquisa em câncer consi-
dera que as evidências existentes são inadequadas para que se possa
concluir se existe uma relação positiva ou não. Por outro lado, experi-
mentos com animais de laboratório indicaram uma associação entre a
ingestão de altas doses de chumbo e a ocorrência de tumores renais.
Da mesma forma, efeitos mutagênicos foram observados em culturas
de células de mamíferos apenas em concentrações elevadas que eram
também tóxicas para as células.
Existem poucas informações sobre as relações de dose–resposta e
dose–efeito e mesmo a frequência da ocorrência de efeitos tóxicos, para
os compostos orgânicos de chumbo. Elas são restritas aos trabalhado-
res ocupacionalmente expostos a estes compostos.

4.3.4 Efeitos Tóxicos na Biota

Uma característica química marcante do chumbo é a sua baixa


solubilidade no ambiente. Os sais inorgânicos de chumbo tendem a
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 61

precipitar das soluções e a se associarem ao solo ou sedimentos, ad-


sorvendo fortemente as partículas. Consequentemente apresentam,
em geral, baixa biodisponibilidade, sobretudo quando existe maté-
ria orgânica no meio. A biota pode incorporar o Pb diretamente da
deposição atmosférica ou indiretamente após sua transferência do
solo ou da água para as plantas e das plantas para os animais. Exis-
tem evidências de que as plantas podem assimilar o Pb tanto do ar
quanto dos solos. As características químicas dos solos (p. ex. pH do
solo, concentração e tipo de matéria orgânica presente, etc.) afetam os
teores de Pb acumulado nos mesmos. Entretanto, em geral, os níveis
observados em áreas remotas, longe de fontes antropogênicas diretas
de Pb, refletem os níveis presentes das rochas, em média 5-25 mg/kg.
Acredita-se que muitas vezes o chumbo está adsorvido à superfície
dos organismos e não incorporado ao seu tecido. De qualquer forma,
os organismos consumidores bioacumulam os compostos de chumbo
através da sua dieta. Entretanto, no caso do chumbo, não ocorre bio-
magnificação ao longo da cadeia trófica. A incorporação do Pb pelos
organismos também é função dos níveis ambientais deste metal, o
que por sua vez está relacionado com a distância das fontes deste
elemento.
Em geral, os compostos inorgânicos de chumbo são menos tó-
xicos do que os compostos organometálicos do chumbo (p. ex. Pb
tetraetila ou Pb trietila). A toxicidade do Pb é principalmente contro-
lada pela concentração da sua espécie iônica (Pb+2) livre, que por sua
vez determina, em grande parte, a sua biodisponibilidade. A toxici-
dade das espécies inorgânicas de Pb é influenciada pelas condições
do meio (p. ex. dureza, pH, salinidade, etc.). Consequentemente, a
incorporação biológica do chumbo por organismos aquáticos tam-
bém é influenciada por vários fatores ambientais, como temperatu-
ra, salinidade, pH e teor de matéria orgânica dissolvida. Em ensaios
com organismos aquáticos, os sais inorgânicos de Pb foram tóxicos
para organismos marinhos e de água doce quando as concentrações
eram maiores que 500 mg/L e 40 mg/L, respectivamente. A menor
toxicidade do Pb em soluções com alta força iônica (marinha) se deve
provavelmente à menor solubilidade do Pb quando destas condições
físico-químicas.
62 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Nas bactérias, a maior parte do chumbo se acumula na pare-


de celular, o que é similar ao que ocorre com plantas superiores.
Aparentemente, existe pouca translocação do chumbo incorporado
pelas raízes das plantas para suas outras partes. A incorporação do
chumbo diretamente do ar pelas folhas pode ocorrer, mas não pa-
rece ser significativa. A maior parte do chumbo retido pelas plantas
fica apenas adsorvida à superfície das raízes e folhas. Assim, so-
mente quando altas concentrações de chumbo são adicionadas aos
solos (100 mg/kg a 1 000 mg/kg), pode-se observar efeitos tóxicos
na fotossíntese e crescimento das plantas. Por exemplo, nos níveis
comumente encontrados no ambiente, o chumbo não afeta significa-
tivamente as plantas aquáticas.
Nos animais, existe uma correlação entre o teor de chumbo nos
seus organismos e nas suas dietas, sendo a distribuição ligada dire-
tamente com o metabolismo de cálcio. Em golfinhos, foi observada a
transferência do Pb das mães para seus filhotes durante os períodos de
desenvolvimento fetal e lactação.
Nos pássaros, os sais inorgânicos de Pb foram tóxicos apenas
em níveis elevados na dieta (maiores que 100 mg/kg). Vários efei-
tos foram relatados nestas doses elevadas (p. ex. diarreia, anorexia,
perda de peso, etc.) basicamente relacionados com o consumo de
comida. Porém, como essas doses são muito acima das observadas
normalmente no meio, não se deve esperar efeitos adversos signi-
ficativos em decorrência da exposição ambiental aos sais inorgâ-
nicos de chumbo. Já o chumbo metálico, principalmente na forma
de fragmentos de balas, é altamente tóxico quando ingerido pelos
pássaros e tem causado o envenenamento de um grande número de
aves. Foram observados diversos pássaros selvagens com grande
quantidade (20 ou mais) destes fragmentos em seu aparelho diges-
tivo. Finalmente, no passado, a produção de gasolina com chumbo
tetraetila causou repetitivos incidentes com grande mortandade de
pássaros em estuários próximos a empreendimentos industriais.
Detectou-se elevados níveis de chumbo, na forma organometálica,
no fígado dos animais.
No caso dos peixes, o chumbo se acumula principalmente nas
brânquias e na pele devido à adsorção, e no fígado, nos rins e nos os-
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 63

sos com o aumento da idade. Entretanto, a sua acumulação do meio é


lenta, podendo levar várias semanas para as concentrações de chum-
bo nos tecidos dos peixes entrarem em equilíbrio com as suas concen-
trações do meio. Já nos ovos de peixes parecem acumular o chumbo
na sua superfície, não atingindo o embrião. De maneira análoga, nos
moluscos o Pb se acumula nas conchas carbonáticas e não nos seus
tecidos, sendo proporcional às concentrações de Pb nos sedimentos.
Os estágios juvenis dos peixes são mais sensíveis aos efeitos tóxicos
do Pb que os adultos ou os ovos. Os sinais típicos de toxicidade são:
a deformidade na espinha e o escurecimento na região caudal. Os li-
mites máximos aceitáveis para o Pb inorgânico foram determinados
para várias espécies sob diferentes condições, variando de 0,04 mg/L
a 0,198 mg/L. Para que estes ensaios ecotoxicológicos sejam represen-
tativos, é fundamental que a concentração do chumbo dissolvida seja
medida, visto que ela pode representar uma pequena fração do Pb
total adicionado no ensaio.
Em oposição ao comportamento dos compostos inorgânicos de
Pb, o chumbo tetraetila é mais tóxico, sendo rapidamente incorporado
pelos organismos aquáticos e eliminado após o fim da exposição. Sua
distribuição nos organismos não segue necessariamente o metabolis-
mo do cálcio, como os sais inorgânicos de chumbo.
A contaminação por chumbo pode alterar a estrutura de comuni-
dades biológicas devido às diferentes sensibilidades das várias popu-
lações presentes no ecossistema.

4.3.5 Limites de Exposição

No Brasil, o limite para o chumbo na água potável é de 0,01 mg/L,


de acordo com a Portaria MS 2914/2011. Entretanto, nos EUA, a USEPA
utiliza uma abordagem diferente. Se mais de 10 % das amostras de água
de uma estação de tratamento de água ultrapassar um valor de 0,015
mg/L, deve-se tomar medidas para reduzir os níveis de Pb.
Os níveis médios de chumbo no ar são geralmente abaixo de
0,15 μg/m3 em áreas rurais. Em áreas urbanas, os níveis são mais
elevados, em média 1,1 μg/m3, principalmente em áreas com gran-
64 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

de tráfego de veículos automotores. Alguns estudos sugerem que


1 μg Pb/m3 de ar contribui com cerca de 19 μg Pb/L de sangue em
crianças e 16 μg Pb/L de sangue em adultos. Entretanto, para certos
grupos populacionais (p. ex. crianças menores de seis anos) outras
rotas de exposição podem ser mais significativas que o ar inalado e
devem também ser consideradas.
O nível de chumbo no sangue é considerado o melhor indicador
de exposição ambiental recente a este metal, podendo ainda fornecer
uma estimativa razoável da dose corpórea de chumbo para situações
de exposições constantes. Assim, vários estudos correlacionaram os
diferentes efeitos biológicos do chumbo com seus níveis no sangue,
indicador de dose interna. Atualmente se considera como níveis de
base para o chumbo no sangue, quando não há uma contribuição an-
tropogênica significativa, na faixa de 10 μg/L a 30 μg/L.
Vários estudos determinaram os níveis mais baixos de chum-
bo no sangue que causaram diferentes efeitos adversos (LOAELs).
Para adultos considerou-se desde efeitos cognitivos até hematoló-
gicos e neurológicos, sendo a elevação da protoporfirina eritroci-
tária livre (biomarcador de efeito) o efeito crítico, aquele que se
desenvolve primeiro a partir de níveis de exposição mais baixos,
neste caso 150 μg/L.
Para as crianças foram considerados efeitos tóxicos similares,
sendo que neste caso os efeitos críticos foram deficiências cognitivas,
surdez e alterações no metabolismo da vitamina D. Entretanto, eles
ocorrem, em geral, a partir de níveis mais baixos que os observados em
adultos. O LOAEL (concentração de chumbo no sangue), para o efeito
crítico em crianças, está entre 100 μg/L e 150 μg/L, sendo recomenda-
do pela OMS o valor mais baixo desta faixa.
Portanto, para proteger a população em geral dos efeitos tóxicos
do chumbo, preconiza-se que pelo menos 98 % das pessoas expostas,
incluindo crianças até 6 anos, não tenham níveis de chumbo no sangue
acima deste valor, o que acarreta que os níveis de chumbo no ar não
devam ser maiores que 0,5 μg/m3. Nestas estimativas está incluída a
contribuição do chumbo no ar para os teores de chumbo no sangue,
assim como os seus níveis de base, ambos referidos acima.
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 65

4.4 ARSÊNIO

4.4.1 Características Gerais

O arsênio (símbolo As, número atômico 33, número de massa


74.91) é um metaloide (possuindo tanto propriedades dos metais como
dos ametais) do mesmo grupo do nitrogênio, fósforo, antimônio e bis-
muto da tabela periódica. Ele ocorre em quatro estados de oxidação.
Em condições moderadamente redutoras o arsenito (estado de oxida-
ção +3) pode ser a forma dominante do As, mas em condições oxi-
dantes (p. ex. oxigenadas), a forma predominante de As é o arsenato
(estado de oxidação +5). Apenas em condições fortemente redutoras, o
arsênio elementar (estado de oxidação 0) e a arsina (estado de oxidação
-3) estão presentes. Portanto, os estados de oxidação +3 e, principal-
mente, o +5 são os mais comuns do As no ambiente.
O As e seus compostos são amplamente distribuídos na natureza,
em média 2 mg/kg na crosta terrestre, ocorrendo de diversas formas
no ambiente (p. ex. cristalina, amorfa, vítrea, etc.). Rochas fosfáticas
e sedimentares argilosas, como o folhelho, podem conter altos níveis
de As, como 200 mg/kg a 900 mg/kg. O arsênio é o principal consti-
tuinte de mais de 200 tipos de minerais, principalmente arsenatos e
sulfetos. Dentre eles o mais comum é a arsenopirita, FeAsS. Devido à
afinidade do As pelo enxofre, ele tende a estar associado aos minérios
sulfíticos de vários metais (p. ex. prata, chumbo, cobre, níquel, antimô-
nio, cobalto e ferro). Os diferentes compostos de As estão geralmente
em concentrações-traço nos diferentes compartimentos ambientais (p.
ex. ar, águas, solos, etc.). Entretanto, níveis mais elevados são encon-
trados em determinadas áreas, resultantes de fontes naturais (p. ex.
intemperismo de minérios de As) ou antropogênicas (p. ex. mineração,
fundição, queima de combustíveis fósseis e uso de pesticidas). Nestas
áreas, os níveis de As nos solos, por exemplo, podem variar de alguns
miligramas a mais de 100 mg/kg.
Enquanto o As elementar é insolúvel em água, os sais de arsênio
possuem diferentes solubilidades dependendo do pH e da composi-
ção iônica do meio. Existem vários compostos de As com importância
ambiental. Do ponto de vista biológico e toxicológico pode-se dividir
66 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

os compostos de As em três grupos principais: compostos inorgânicos


de As (III e V) (p. ex. trióxido de arsênico, arsenato de sódio, tricloro
arsênico e pentóxido de arsênico, arsenato de cálcio e ácido arsênico),
compostos orgânicos de As (p. ex. ácido arsanílico, ácido metilarsônico
e arsenobetaína) e gás arsina. Podem ocorrer alterações na especiação
química do As no ambiente, com mudanças do estado de oxidação, de-
pendendo das condições físico-químicas do meio (p. ex. pH, Eh, etc.).

4.4.2 Fontes de Emissão

As emissões naturais globais de arsênio foram estimadas em


7 900 toneladas por ano, enquanto as emissões antropogênicas são
muito superiores, cerca de 23 600 toneladas. A principal fonte natural
de arsênio para a atmosfera é a atividade vulcânica, enquanto a fun-
dição de metais, queima de combustíveis fósseis e o uso de pesticidas
são as principais atividades humanas que contribuem para emissões
atmosféricas de As, podendo ainda contaminar sistemas aquáticos.
De forma análoga, as concentrações de As em solos não contamina-
dos são geralmente na faixa de 0,2 mg/kg a 40 mg/kg, entretanto ní-
veis de 100 mg/kg a 2 500 mg/kg foram medidos em solos próximos
a fundições de cobre ou hortas onde houve extensivas aplicações de
pesticidas contendo arsênio. Por fim, pilhas de rejeitos de atividades
de mineração também podem ser uma fonte importante de As para
solos e ecossistemas aquáticos.
Comercialmente, o arsênio é produzido principalmente por meio
da redução do trióxido de arsênio (As2O3), o qual é obtido como sub-
produto durante a fundição de minérios de outros metais. A produ-
ção global de arsênio aumentou até meados dos anos 1940 (em 1943,
estimou-se que esta produção era de 70 000 toneladas anuais). Com
a mudança nos usos do arsênio, inseticidas à base de arsênio foram
substituídos por outras formulações, esta produção se estabilizou e
eventualmente foi reduzida. Por exemplo, em 1975, a produção mun-
dial foi de 60 000 toneladas. Entretanto, a utilização do As em defensi-
vos agrícolas ainda ocorre, variando de um país para outro, de acordo
com suas respectivas legislações e mesmo onde foi banida, como nos
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 67

Estados Unidos da América, podem existir resíduos significativos em


áreas com histórico de aplicações intensivas como, por exemplo, de
32 kg/hectare a 700 kg/hectare de arsenato de chumbo. No início dos
anos 1980, estimou-se que o uso do arsênio no mundo foi de 16 000
toneladas/ano como herbicida, 12 000 toneladas/ano como secante
ou desfolhante para a cultura do algodão e 16 000 toneladas como
preservativo para madeiras (fungicida), sendo que este uso aumentou
bastante nas últimas décadas. O As ainda é utilizado na produção de
vidro, ligas metálicas, na preservação de couro e nas indústrias farma-
cêuticas e de semicondutores. Compostos de arsênio ainda são usados
na produção de pigmentos.
Dados de 1986 indicavam que cerca de 5 000 toneladas/ano de
As2O3 eram importadas pelo Reino Unido para diversos usos. Estes
processos geram emissões estimadas de As de 650 toneladas/ano da
indústria de metais não ferrosos, 188 toneladas/ano da produção de
ferro e aço (sendo 9 toneladas/ano para atmosfera e 179 toneladas/
ano de resíduos sólidos), 1 135 toneladas/ano da queima de combus-
tíveis fósseis (sendo 297 toneladas/ano para a atmosfera e 838 tonela-
das/ano de resíduos sólidos).
Uma pesquisa realizada nos países da União Europeia (UE) indicou
que houve significativas reduções das emissões atmosféricas de As em
vários países da comunidade europeia durante os anos 1980 e início dos
anos 1990. Estimou-se o total de emissões atmosféricas de As da UE em
1990 em 575 toneladas, destes 492 toneladas eram provenientes da pro-
dução de energia pela queima de carvão e petróleo e 77 de processos pro-
dutivos, principalmente produção de ferro e aço e de metais não ferrosos.
Como resultado dos diferentes usos do arsênio e seus compostos,
existem diversas formas nas quais o homem pode ficar exposto a este
elemento.

4.4.3 Efeitos Tóxicos no Homem

Existem vários compostos diferentes de As, tanto inorgânicos


quanto orgânicos, no ambiente. Os compostos inorgânicos de As po-
dem causar desde efeitos agudos (p. ex. morte) até crônicos (p. ex.
câncer), os quais podem ser tanto locais quanto sistêmicos. De uma
68 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

maneira geral, a toxicidade do As depende de sua especiação química


(p. ex. orgânico ou inorgânico; As+5 ou As+3). O As pode afetar vários
sistemas e órgãos, como a pele e os sistemas: respiratório, cardiovas-
cular, imune, genitourinário, reprodutivo, gastrointestinal e nervoso.
Os sinais clínicos de exposição crônica ao arsênio podem variar
bastante. Aumento da salivação, dispepsia irregular, cólicas abdomi-
nais, diminuição da atividade sexual e perda de peso também foram
relatados frequentemente. Em geral, ocorrem mudanças na pele e nas
mucosas e lesões neurológicas, vasculares e hematológicas.
A pele é um órgão crítico na exposição a compostos inorgânicos
de arsênio. Os sintomas mais comumente observados são hipercera-
tose, verrugas e melanose. Lesões eczematoides, com vários graus de
gravidade, também podem ocorrer.
A ação neurotóxica do arsênio e seus compostos inorgânicos
foi observada em trabalhadores de fundições, causando neuropatia
periférica. Indivíduos expostos cronicamente à poeira contendo ar-
sênio tiveram uma diminuição na velocidade de condução do nervo
periférico.
Estudos epidemiológicos observaram um aumento na mortalida-
de de trabalhadores expostos a altos níveis de arsênio no ar por doen-
ças cardiovasculares. Dentre elas, foi relatado um distúrbio vascular
periférico que resulta na gangrena das extremidades, chamado black-
foot disease, neste caso em decorrência da exposição oral crônica à água
com altos níveis de As.
Compostos inorgânicos do As causam um efeito inibidor na he-
matopoiese, levando a um quadro de anemia e em casos mais graves a
agranulocitose ou trombopenia.
Existem evidências suficientes na literatura científica que os com-
postos inorgânicos de As causam câncer na pele e nos pulmões de hu-
manos. Entretanto, as evidências de desenvolvimento de câncer em
animais de laboratório não são conclusivas, devido às limitações dos
estudos realizados até agora (p. ex. número de animais e de doses usa-
dos e tempo de exposição insuficiente).
Vários estudos com seres humanos demonstraram uma relação
dose–efeito entre o aumento do risco de câncer e a exposição às espé-
cies inorgânicas de As (tanto do As+5 quanto do As+3) em trabalhadores
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 69

de fundições, mineiros e aqueles envolvidos na produção de pesticidas


à base de As. O câncer de pulmão é considerado o efeito crítico resul-
tante da inalação de compostos de As.
Estudos sobre as possíveis interações entre o fumo e a exposição
ao As inorgânico não foram conclusivos. Alguns resultados sugeriram
que os riscos eram multiplicativos, entretanto outros resultados indi-
caram que os riscos poderiam ser aditivos. Alguns estudos sobre po-
pulações que vivem próximas de fundições de cobre e outras fontes
pontuais de emissões atmosféricas de As mostraram um aumento mo-
derado na mortalidade por câncer de pulmão, embora outros estudos
não detectassem este efeito em situações de exposição análogas.
Observou-se uma taxa de mortalidade significativamente elevada
por câncer de bexiga, pulmão, fígado, rins, pele e colo, em uma popu-
lação que reside em uma área de Taiwan, com altos níveis naturais de
As no seu suprimento de água. Um aumento na frequência de aberra-
ções cromossômicas foi encontrado em linfócitos de vasos sanguíneos
periféricos de pacientes com psoríase tratados com As e em viniculto-
res e trabalhadores de fundições de cobre expostos ao As.
As relações entre a exposição ao As e outros efeitos à saúde do
homem são menos claras. As evidências são mais fortes em relação à
hipertensão, apenas sugestivas para diabetes e efeitos reprodutivos, e
fracas para doenças cerebrovasculares, efeitos neurológicos irreversí-
veis e câncer em outros tecidos que não o pulmão, a bexiga, os rins e
a pele.

4.4.4 Efeitos Tóxicos na Biota

Tanto as biotas aquáticas quanto as terrestres possuem uma gran-


de faixa de sensibilidades às diferentes espécies de As, dependendo
de fatores bióticos e abióticos. Em geral, as espécies inorgânicas de As
são mais tóxicas que as orgânicas e entre elas os compostos de As+3 são
mais danosos que os compostos de As+5.
Existem diferenças marcantes entre os mecanismos de incorporação
e toxicidade das diferentes espécies de As entre os organismos, o que ex-
plica as diferenças de sensibilidade entre as espécies. Considera-se que o
70 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

principal mecanismo de toxicidade do As+3 ocorre pela sua ligação aos


radicais sulfidrilas das proteínas, enquanto o As+5 afeta a fosforilação
oxidativa pela competição pelos sítios de ligação com fosfato, funcio-
nando como um análogo do fosfato. Em ecossistemas onde existem
níveis elevados de fosfato, a toxicidade do arsenato para a biota é, de
maneira geral, reduzida.
Os compostos de As podem causar efeitos crônicos e agudos em
indivíduos, populações e comunidades dependendo das espécies bió-
ticas presentes, do tempo de exposição, da concentração, de quais es-
pécies de As estão presentes e das alterações fisiológicas consideradas.
Estas alterações variam desde a mortalidade, passando pela inibição
do crescimento ou da fotossíntese ou da reprodução, até mudanças
comportamentais.
Ecossistemas contaminados por As, como ocorre de maneira ge-
ral em casos de contaminação ambiental, são caracterizados por uma
baixa diversidade de espécies e de indivíduos por espécie. Somente es-
pécies resistentes ao As poderão estar presentes, nos casos de sistemas
altamente poluídos.

4.4.5 Limites de Exposição

Nos EUA, a Agência de Proteção Ambiental (USEPA) adotou a


dose de referência 0,3 μg/kg por dia, para a exposição oral crônica
humana ao As, considerando-se como efeitos tóxicos críticos a hiper-
pigmentação, ceratose e possíveis complicações vasculares (blackfoot
disease). Esta dose foi estimada a partir da dose 0,8 μg/kg por dia, onde
não se observou efeito adverso (NOAEL) e utilizando um fator de in-
certeza igual a 3.
As estimativas atuais do risco de câncer em decorrência da expo-
sição a espécies de As foram obtidas de estudos com populações nos
EUA e na Suécia. Assumindo-se uma relação linear de dose–efeito, um
nível seguro para inalação não pôde ser estabelecido. A unidade de
risco para uma exposição crônica a 1 μg de As/m3 é de 1,5 x 10-3, isto
resulta em um excesso de risco durante a vida de 1:1 000 000 quando
exposto a concentrações de 0,66 ng As/m3 .
CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 71

4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentemente da maioria dos poluentes orgânicos, uma vez


lançados no ambiente, os metais não podem ser degradados ou de-
compostos em formas menos tóxicas. Os metais podem permanecer
no ambiente indefinidamente e alguns deles podem até mesmo ser
convertidos, por processos naturais (p. ex. metilação do mercúrio), em
formas ainda mais tóxicas do que as inicialmente emitidas. Assim, as
diferentes formas deste grupo de elementos (sais inorgânicos, comple-
xos orgânicos, íons dissolvidos, etc.) vêm causando um grande núme-
ro de óbitos ou incapacitando várias pessoas em acidentes ocorridos
em diversos países, e são uma prioridade nos estudos e programas de
controle da contaminação ambiental no mundo.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS
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bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2914_12_12_2011.
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72 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

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CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 73

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Acesso em: 05 dez. 2009, 2003.
CAPÍTULO 5

Agrotóxicos

Eduardo Cyrino Oliveira-Filho


CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 77

Conhecidos como pesticides nos países de língua inglesa ou plagui-


cidas nos países de língua espanhola, os agrotóxicos são definidos no
Brasil pela Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989 como “os produtos quí-
micos destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento
e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de
florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também
de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alte-
rar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação
danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias
e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimulado-
res e inibidores do crescimento”, além dos produtos afins, definidos
como “produtos e agentes de processos físicos e biológicos que tenham
a mesma finalidade dos agrotóxicos, bem como outros produtos quí-
micos, físicos e biológicos utilizados nas defesas fitossanitárias, domis-
sanitária e ambiental, não enquadrados na definição anterior”.
Nesse contexto, deve-se destacar que os agrotóxicos ocupam uma
posição peculiar entre as muitas substâncias químicas produzidas e
utilizadas pelo homem, pois eles têm como propósito repelir ou elimi-
nar alguma forma de vida indesejável, considerada “peste” ou “pra-
ga”. De acordo com o organismo-alvo da ação, os agrotóxicos podem
ser subdivididos em inseticidas, herbicidas, fungicidas, acaricidas,
rodenticidas, moluscicidas e assim por diante, sendo que nos dias de
hoje nem todos têm ação letal ou biocida. Por essa magnitude no es-
pectro de ação, este grupo de agentes químicos é um dos mais bem
estudados, tanto do ponto de vista toxicológico como do ambiental,
em todo o mundo.
O grande dilema dessa classe de produtos é que o ideal seria que
fossem altamente seletivos para as espécies-alvo, ou seja, apresentas-
sem toxicidade para o organismo-alvo em níveis de exposição muito
inferiores àqueles capazes de causar efeitos adversos para o homem
e para outras espécies não alvo. Infelizmente a almejada toxicidade
diferencial entre espécies “alvo” e “não alvo” é ainda insatisfatória
para a maioria dos ingredientes ativos disponíveis, e, por esse moti-
vo, os agrotóxicos estão entre as substâncias químicas mais estudadas
em todo o mundo, sendo objeto de diversos estudos toxicológicos e
ecotoxicológicos.
78 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Fazendo um pequeno histórico do uso de produtos químicos com


essa finalidade pode-se relatar a utilização do enxofre como fungicida
e dos inseticidas de base metálica, fundamentalmente arsênico, que
era o principal ingrediente ativo de várias formulações até o início do
século XX, quando esses produtos se tornaram motivo de preocupação
pública, na medida em que começava a serem detectados resíduos
nos alimentos tratados. Os anos 1930 se apresentaram como a era
da química sintética, trazendo nesse contexto o desenvolvimento de
grande variedade de produtos agrotóxicos, tais como os inseticidas
alquiltiocianatos, os fungicidas ditiocarbamatos e os fumigantes
dibrometo de etileno, brometo de metila, óxido de etileno e dissulfeto
de carbono. No início da Segunda Guerra Mundial, alguns produtos
foram lançados em processo de investigação experimental incluindo
o diclorodifeniltricloroetano (DDT), o dinitrocresol, o ácido 4-cloro-2-
metiloxiacético (MCPA) e o 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D).
Na era pós-guerra houve um rápido desenvolvimento no campo
agroquímico, com a introdução de uma grande variedade de novos
inseticidas, herbicidas e fungicidas. Não há como negar a eficiência
e a importância dessas formulações para o grande incremento da
agricultura no mundo, e também pelo controle de vetores de doenças
epidêmicas bem documentadas em vários países. Todavia esse uso em
grande escala e as intoxicações observadas evidenciaram a necessidade
de maior conscientização sobre os potenciais danos à saúde que tais
produtos poderiam acarretar. Com a criação da Agência de Proteção
Ambiental dos Estados Unidos da América (USEPA), em 1970, a visão
de segurança passa a ser mais ampliada, e nesse momento começa a ser
exigida a apresentação de vários estudos para a avaliação do potencial
impacto do uso de tais substâncias.
A seguir serão descritos alguns dos principais grupos de agrotóxicos.

5.1 INSETICIDAS QUÍMICOS

A utilização de produtos químicos como inseticidas na agricultu-


ra cresceu tremendamente desde a Segunda Guerra Mundial. Embora
a indústria voltada para a agricultura seja a principal produtora dos
CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 79

inseticidas, outras indústrias também produzem grande quantidade


para uso, principalmente como desinfetantes domissanitários. Em ge-
ral, os inseticidas são subdivididos de acordo com o grupamento quí-
mico ao qual pertencem.

5.1.1 Organoclorados

Embora o DDT tenha sido sintetizado por Zeidler em 1874, ficou


para Paul Müller, um químico suíço, sua redescoberta em 1939, en-
quanto procurava por um veneno de contato para traças em roupas
e ácaros em tapetes. A efetividade do DDT contra uma grande varie-
dade de insetos domésticos e agrícolas foi rapidamente demonstrada,
levando Müller a ganhar o Prêmio Nobel em 1948 por sua pesquisa.
Antes do final da Segunda Guerra Mundial, o DDT estava disponível
para os aliados e teve seu primeiro uso médico na supressão de uma
epidemia de tifo em Nápoles, na Itália, durante o inverno de 1943-
1944, quando foi aplicado diretamente nos soldados para o controle
de piolhos. A descoberta das propriedades inseticidas de outros com-
postos organoclorados, incluindo aldrin, dieldrin, endrin, clordano e
hexaclorobenzeno, antes de 1945, teve consequências imediatas e foi
então introduzida uma era chamada de “Era dos Inseticidas Químicos
Sintéticos”, trazendo junto com ela um notável impacto sobre a produ-
ção de alimentos e a saúde humana.
Do meio dos anos 1940 à metade dos anos 1960, estes agentes foram
extensivamente utilizados em todos os aspectos da agricultura, em flo-
restas e para controlar grande variedade de insetos causadores de doen-
ças. Deste contexto surge o termo dedetização, utilizado erroneamente
até hoje no Brasil, como um processo relativo à eliminação de organis-
mos indesejáveis, particularmente nos ambientes domésticos.
Todavia, as propriedades dos organoclorados, tais como baixa
volatilidade, estabilidade química, lipossolubilidade, além de baixas
taxas de biotransformação e biodegradação, fizeram desses compostos
excelentes inseticidas, mas também foram responsáveis por sua conde-
nação, visto que os fatores ambientais, tais como sua alta persistência
no ambiente, os altos fatores de bioacumulação e, por sua vez, seu alto
80 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

potencial de biomagnificação em diversas cadeias alimentares, torna-


ram a utilização desses produtos inviável em todo o mundo.
Investigações recentes têm demonstrado, em observações de cam-
po e em estudos com espécies de laboratório, o potencial estrogênico
dos inseticidas organoclorados, capazes inclusive de interferir direta ou
indiretamente com a fertilidade e a reprodução de organismos vivos.
A tabela 5.1 apresenta dados de toxicidade de alguns inseticidas
organoclorados para mamíferos.

TABELA 5.1
TOXICIDADE DE ALGUNS INSETICIDAS ORGANOCLORADOS PARA MAMÍFEROS

Ingrediente DL50 Oral NOEL* IDA**


Ativo (mg/kg) (mg/kg/dia) (mg/kg)
Aldrin 39 0,025 0,0001

Clordano 335 1,0 0,001

DDT 217 0,05 0,005

Dieldrin 46 0,025 0,0001

Endrin 18 0,05 0,0002

Heptaclor 100 0,25 0,0005

Lindano 88 1,25 0,0125

Metoxiclor 5 000-7 000 10 0,1

Mirex 740 – –

* No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um
teste crônico.
** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se
consumida durante toda a vida, não ocasionará um efeito adverso.
Fonte: Murphy (1986).

5.1.2 Organofosforados e Carbamatos

Esses compostos são geralmente agrupados porque tem um me-


canismo de ação comum, contudo são de duas diferentes classes quí-
micas, os derivados de ésteres do ácido fosfórico ou fosforotioicos e os
derivados de ésteres do ácido carbâmico.
CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 81

Segundo informações disponíveis na literatura científica, os inse-


ticidas organofosforados são derivados de gases químicos sintetiza-
dos e utilizados para fins bélicos entre eles: Soman, Sarin e Tabun (gás
mostarda), amplamente conhecidos como gases neurotóxicos.
Devido a sua baixa persistência no ambiente esses compostos ga-
nharam espaço, em função dos problemas observados com os organo-
clorados, e começaram gradativamente a assumir papel de destaque
no campo agropecuário, embora sua toxicidade para mamíferos e sua
baixa seletividade para organismos-alvo deixava no ar algumas dúvi-
das sobre o seu futuro.
Ainda nos anos 1950, a substituição do inseticida DDT pelo Para-
tion resultou em uma série de envenenamentos fatais e acidentes bi-
zarros, devido ao fato de os trabalhadores agrícolas desconhecerem
que essa nova classe de produto era tão diferente dos “relativamente”
inócuos inseticidas organoclorados.
Logo foi constatado que a extrema toxicidade desses compostos
era devido, principalmente, à inativação irreversível da acetilcolines-
terase (AChE), que resultava em uma inibição prolongada. As drogas
que inibem a acetilcolinesterase são conhecidas como agentes antico-
linesterásicos (antiChE). Cabe ressaltar que existem agentes antiChE
com atividade terapêutica para tratamento de vários problemas de
saúde humana, entre eles, glaucoma, miastenia, motilidade gastroin-
testinal e mais recentemente no tratamento do Mal de Alzheimer.
O monitoramento dos níveis de acetilcolinesterase em trabalhado-
res expostos a tais produtos é hoje uma condição imprescindível para a
manutenção das condições de saúde desses indivíduos.
A tabela 5.2 apresenta alguns dos principais inseticidas organo-
fosforados e dados de sua toxicidade para mamíferos.
82 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

TABELA 5.2
TOXICIDADE DE ALGUNS INSETICIDAS ORGANOFOSFORADOS PARA MAMÍFEROS

DL50 Oral
Ingrediente NOEL* IDA**
Ratos Referência
Ativo (mg/kg/dia) (mg/kg)
(mg/kg)
Acefato 1 000 0,12 0,0012

Diazinona 1 250 0,02 0,0002

Dimetoato 358 0,22 0,0022

Dissulfoton 1,9 0,013 0,00013

Fenamifós 2,4 0,01 0,0001

Fenitrotiona 330 0,125 0,0013

Forato 1,4 0,05 0,0005 USEPA, 2007

Malationa 5 400 7,1 0,07

Metamidofós 13 0,03 0,0001


Parationa-
4,5-24 0,02 0,0002
metílica
Profenofós 358 0,005 0,00005

Temefós 444 0,3 _

Terbufós 1,5 0,005 0,00005

Triclorfon 136-173 0,2 0,002

Cadusafós 39 0,03 0,0003 JMPR, 1991

Monocrotofós 14 0,005 0,00005 JMPR, 1991

* No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um
teste crônico.
** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se
consumida durante toda a vida não ocasionará um efeito adverso.
Fonte: JMPR (1991); USEPA (2007).

5.1.3 Piretroides

Os inseticidas piretroides pertencem a um grupo que foi introdu-


zido no mercado internacional na década de 1980.
O piretro é um extrato obtido de flores da espécie Chrysanthemum
cincerariaefolium. A piretrina é um extrato mais refinado, que contém
CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 83

seis piretrinas naturais. A piretrina I é a de maior atividade inseticida.


Os piretroides (derivados sintéticos da piretrina) e as piretrinas são
utilizados em muitos inseticidas, devido a sua ação rápida.
Diversos estudos foram realizados com o objetivo de modificar
a estrutura química das piretrinas naturais e obter novos produtos.
Nesse contexto, vários piretroides sintéticos foram produzidos, com
melhores propriedades físicas e químicas e maior potencial inseticida.
Vários dos piretroides possuem formas isométricas, com estruturas
moleculares diferenciadas que apresentam seletividade contra espé-
cies determinadas de insetos e, em certos casos, alguma toxicidade para
mamíferos. Os primeiros piretroides sintéticos foram comercializados
com sucesso, principalmente para o controle de insetos no ambiente
doméstico. Mais recentemente eles também foram introduzidos com
a finalidade agrícola, principalmente pela excelente atividade contra
uma ampla variedade de insetos e devido a sua baixa persistência no
ambiente. Atualmente, além do uso no ambiente doméstico e na agri-
cultura, os piretroides sintéticos são ingredientes ativos de inseticidas
utilizados para uso veterinário e em jardinagem.
Segundo dados do Sistema de Informações sobre Agrotóxicos
(SIA), os inseticidas piretroides comercialmente disponíveis incluem
acrinatrina, aletrina, alfacipermetrina, betaciflutrina, betacipermetri-
na, bifentrina, bioaletrina, biorresmetrina, cifenotrina, ciflutrina, ciper-
metrina, d-aletrina, d-tetrametrina, deltametrina, empentrina, esbiol,
esbiotrin, esfenvalerato, fenotrina, fenpropatrina, fenvalerato, fluvali-
nato, imiprotrim, lambdacialotrina, permetrina, piretrina, praletrina,
resmetrina, sumitrina, tetrametrina, transflutrina e zetacipermetrina.
Os piretroides sintéticos são neurotóxicos, com ação sobre os sis-
temas nervosos central e periférico, pela interação com canais de sódio
em mamíferos e/ou insetos. Uma simples dose produz sinais tóxicos
em mamíferos, tais como tremores, hiperexcitabilidade, salivação e
paralisia. Os sinais desaparecem rapidamente e os animais se recupe-
ram, geralmente, em uma semana. Em doses de exposição próximas
dos níveis letais, os piretroides sintéticos causam alterações no sistema
nervoso, tais como inchaço dos axônios e/ou degeneração da mielina
nos nervos ciáticos. Em geral, esses inseticidas não induzem neuroto-
xicidade em longo prazo, tal como os organofosforados.
84 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Embora esses compostos não sejam considerados como de grande


toxicidade para mamíferos, sua utilização em ambientes fechados ou
pouco ventilados tem resultado em observações de sinais e sintomas
de intoxicação de seres humanos. A exposição ao piretro natural é co-
nhecida por causar dermatite de contato e outros efeitos dérmicos va-
riando desde eritemas pontuais até severas erupções vesiculares.
A tabela 5.3 mostra alguns dos principais inseticidas piretroides e
dados de sua toxicidade para mamíferos.

TABELA 5.3
TOXICIDADE DE ALGUNS INSETICIDAS PIRETROIDES PARA MAMÍFEROS

DL50 Oral
Ingrediente NOEL* IDA**
Ratos Referência
Ativo (mg/kg/dia) (mg/kg)
(mg/kg)
Alfacipermetrina 64 1,5 0,02 JECFA, 1996

Bifentrina 56 1,5 0,02 JMPR, 1992

Cialotrina 51 1,5 0,002 JECFA, 2000

Ciflutrina 425 2 0,02 JECFA, 1997

Cipermetrina 247 6 0,06 USEPA, 2007

Deltametrina 31 1 0,01 JMPR, 2000

Esfenvalerato 90 1,75 0,02 JMPR, 2002

Fenpropatrina 49 3 0,03 JMPR, 1993

Fenvalerato 451 3,5 0,02 JMPR, 1984

Lambdacialotrina 56 0,5 _ WHO, 1990

Permetrina 2 280 25 0,25 USEPA, 2007

Zetacipermetrina 86 _ 0,04 AERU, 2010

* No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um
teste crônico.
** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se
consumida durante toda a vida não ocasionará um efeito adverso.
TGA – Therapeutics Good Administration – Australian Government (http://www.tga.gov.
au/docs/pdf/adi.pdf).
Fonte: AERU (2010); JECFA (1996, 1997, 2000); JMPR (1984, 1992, 1993, 2000, 2002 ); USEPA
(2007); WHO (1990).
CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 85

5.2 INSETICIDAS BIOLÓGICOS

O controle biológico de espécies indesejáveis tem-se constituído


em uma interessante alternativa à utilização das tradicionais substân-
cias químicas, conhecidas por seus efeitos adversos à saúde humana e
ao meio ambiente. Nesse contexto, os semioquímicos (feromônios), os
inimigos naturais (nematoides, predadores e parasitoides) e os agen-
tes microbiológicos (bactérias, fungos e vírus) vêm sendo estudados
com excelentes resultados e perspectivas para o controle de pragas.
Entretanto, de acordo com a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989 (Lei de
Agrotóxicos), para serem utilizados com essa finalidade, tais organis-
mos necessitam ser avaliados e registrados junto aos órgãos federais
competentes.
Entre esses inseticidas destacam-se produtos compostos por bac-
térias, fungos, vírus e protozoários. Para a avaliação da segurança des-
ses “agrotóxicos” especiais foram criadas normas específicas, inclusive
no Brasil, onde são levadas em conta não só a toxicidade de possíveis
toxinas, mas a possível patogenicidade para mamíferos e para outros
organismos terrestres e aquáticos.
Em vários países do mundo os inseticidas biológicos vêm sendo
utilizados com sucesso, sempre como componentes de um manejo
integrado de pragas. No Brasil já existem alguns inseticidas biológicos
que tem registro para uso em áreas agrícolas ou para o controle de vetores
de doenças. No presente contexto, se destacam alguns dos principais
inseticidas biológicos, ou seja, microrganismos que possuem efeitos
nocivos/deletérios sobre espécies consideradas alvo, entre eles, Bacillus
thuringiensis, Bacillus sphaericus, Baculovirus anticarsia, Beauveria bassiana,
Metharizum anisopliae. Esses microrganismos vêm sendo utilizados no
Brasil e em vários países, sem evidências de efeitos adversos ao meio
ambiente ou à saúde humana. A tabela 5.4 apresenta alguns resultados
de ensaios realizados com o B. thuringiensis, um dos microrganismos
que mais foi estudado em todo o mundo. Hoje, no Brasil existem vários
produtos registrados tendo a bactéria B. thuringiensis como ingrediente
ativo. Mais informações e dados sobre a segurança e a regulamentação
desses produtos no Brasil podem ser mais bem visualizados em
Oliveira-Filho (2005) e Oliveira-Filho e Monnerat (2006).
86 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

TABELA 5.4
RESUMO DE DADOS TOXICOLÓGICOS DO Bacillus thuringiensis SUBMETIDOS À
AGÊNCIA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DOS ESTADOS UNIDOS ATÉ 1989

B. thuringiensis
NOEL
Subespécies DL50/CL50
Mortes/Sinais de Toxicidade
Estudo/Animal

B. thuringiensis israelensis

Toxicidade oral aguda


Coelho > 2,0 x 109 esporos/animal Sem infectividade
Rato > 2,67 g/kg –
Rato 2,3 x 1010 esporos/kg Sem infectividade/patogenicidade

Toxicidade dérmica aguda


Rato > 4,6 x 1010 esporos/kg Sem infectividade/patogenicidade
Coelho > 6,28 g/kg Sem infectividade/toxicidade

Toxicidade inalatória
Rato – intratraqueal 8,0 x 107 esporos/animal Sem infectividade
Dieta 3 meses 4 g/kg/dia/3 meses

Rato Sem toxicidade

B. thuringiensis kurstaki

Toxicidade oral aguda


Rato > 4,7 x 1011 esporos/kg Sem infectividade/toxicidade
Toxicidade dérmica aguda
Rato > 3,4 x 1011 esporos/kg Sem infectividade/toxicidade
Irritação ocular
Coelho 0,1 mL (formulação) Sem opacidade da córnea
Toxicidade inalatória
Rato > 2,6 x 107 esporos/L Sem infectividade/toxicidade
Oral/gavagem 13 semanas 1,3 x 109 esporos/kg/dia
_
Rato Sem toxicidade/infectividade
Oral 90 dias
Rato _ 8,4 g/kg/dia

8,4 g/kg/dia
Longo prazo 2 anos Diminuição do ganho de peso em
_
Rato fêmeas da semana 10 a 104.
Sem infectividade/patogenicidade

1 g (1 x 1010 esporos viáveis)/


dia em três dias consecutivos.
Alimentação c/ humanos
Cultura de sangue negativa;
5 homens/5 mulheres _
5/10 mostraram B. t. viáveis 30
dias após a alimentação

Fonte: McClintock et alii (1995).


CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 87

5.3 HERBICIDAS

As primeiras substâncias químicas utilizadas para o controle de er-


vas daninhas na agricultura eram bastante complexas do ponto de vista
toxicológico. Alguns agentes, tais como ácido sulfúrico, arsenito de só-
dio, sulfatos de cobre e ferro, óleos de petróleo, trióxido de arsênio, entre
outros, eram de difícil manuseio e muito tóxicos.
No final dos anos 1930 iniciou-se uma pesquisa mundial para
encontrar substâncias que fossem mais seletivas para o controle de
algumas espécies de planta. Durante a Segunda Guerra Mundial os
Estados Unidos e o Reino Unido direcionaram grandes esforços para
desenvolver substâncias dessa natureza que pudessem ser utilizadas
com finalidades militares.
Nesse contexto, vários compostos clorofenoxiacéticos, tais como
ácidos, sais, aminas e ésteres foram desenvolvidos e entre eles dois
tiveram maior destaque. A mistura do 2, 4, 5-T e do 2,4-D caracterizou
o produto conhecido em todo o mundo como agente laranja, utilizado
pelo exército americano como desfolhante na guerra do Vietnã. Ambos
os ingredientes tiveram uso na agricultura, contudo atualmente ape-
nas o 2, 4-D ainda é comercializado, tendo em vista alguns problemas
envolvidos na síntese do 2, 4, 5-T, tais como a geração de subprodutos
à base de dioxina. As dioxinas são compostos organoclorados origina-
dos como subprodutos em vários processos industriais. É um dos po-
luentes orgânicos persistentes (POPs) mais debatidos mundialmente,
principalmente por ser considerado altamente tóxico, com proprieda-
des carcinogênicas e teratogênicas.
Uma outra classe de herbicidas importante no contexto his-
tórico são os compostos bipiridílicos. Entre esses, tem destaque o
paraquat, sintetizado em 1882, mas tendo suas propriedades como
herbicida somente comprovada em 1959. Esse composto também
ficou conhecido como um específico toxicante pulmonar e se tor-
nou objeto de estudo após vários casos de intoxicação com seres
humanos.
Atualmente, os compostos químicos para controle de ervas dani-
nhas nas culturas agrícolas são os agrotóxicos mais utilizados em todo
o mundo. Entre esses produtos encontram-se moléculas mais recente-
88 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

mente sintetizadas, tais como as triazinas (atrazina, simazina, etc.) e as


glicinas substituídas (sais de glifosato).
Os herbicidas se encontram entre as substâncias mais preocupan-
tes do ponto de vista ambiental, particularmente devido as suas ca-
racterísticas de mobilidade no solo, o que os leva frequentemente a
serem mais facilmente detectados em águas subterrâneas. Nos Estados
Unidos existe um programa nacional regular para monitoramento da
presença de atrazina em águas subterrâneas, e por conta disso esse in-
grediente ativo é classificado como de uso restrito nesse país.
A utilização de herbicidas para o controle de plantas aquáticas em
ambientes hídricos já é uma prática comum nos Estados Unidos, contu-
do no Brasil essa aplicação ainda não se configurou como regular sendo
tal assunto bem apresentado e discutido por Maximiano et alii (2004).
A tabela 5.5 apresenta dados de toxicidade de alguns dos princi-
pais herbicidas utilizados no Brasil.

TABELA 5.5
TOXICIDADE DE ALGUNS HERBICIDAS PARA MAMÍFEROS

DL50 Oral
Ingrediente NOEL* IDA**
Ratos Referência
Ativo (mg/kg/dia) (mg/kg)
(mg/kg)
2,4-D 639 5,0 0,005

Alaclor 930 0,5 0,01

Atrazina > 1 869 1,8 0,02

Diquat 600 0,5 0,005 USEPA, 2007

Diuron 4 721 1,0 0,003

Glifosato > 4 320 175,0 2,0

Simazina > 5 000 1,8 0,018

Trifluralina > 5 000 2,4 0,024

* No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um
teste crônico.
** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se
consumida durante toda a vida, não ocasionará um efeito adverso.
Fonte: USEPA (2007).
CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 89

5.4 FUNGICIDAS

Como o próprio nome diz, os fungicidas são utilizados para con-


trolar doenças fúngicas nas plantas, sementes e outros produtos agrí-
colas. As formas químicas desses compostos são extremamente variá-
veis e sua aplicação envolve as finalidades de proteção e de cura.
Com poucas exceções a maioria dos fungicidas não é a
comprometedora do ponto de vista da toxicidade aguda para mamíferos
(DL50 para ratos entre 800 mg/kg e 10 000 mg/kg), todavia, praticamente
todos são citotóxicos e muitos produzem resultados positivos nos
sistemas-teste de mutagenicidade in vitro com bactérias. Esses resultados
não surpreendem, já que os microrganismos (Salmonella, coliformes,
leveduras e fungos) utilizados nesses sistemas-teste são semelhantes às
células contra as quais os fungicidas foram desenvolvidos para atuar,
seja por intermédio de um efeito letal direto ou pela geração de mutações
geneticamente letais. A preocupação existente reside nos resultados
positivos para mutagenicidade de vários fungicidas e no potencial
preditivo de efeitos reprodutivos, teratogênicos e carcinogênicos.
Nesse contexto, vários produtos fungicidas têm sido reavaliados
mundialmente e alguns até retirados do mercado em razão do potencial
para efeitos crônicos dessa natureza. Entre os ingredientes ativos já ba-
nidos e excluídos do comércio estão hexaclorobenzeno (HCB), pentaclo-
rofenol, compostos organomercuriais e o benomil. Entre os ingredientes
reavaliados e com redução de culturas proposta encontram-se captan,
folpet, tiofanato metílico, carbendazim, vinclozolim, entre outros.
Quanto aos produtos que permanecem em utilização, além de
várias moléculas novas, encontra-se o grupo dos ditiocarbamatos,
contendo ingredientes ativos, tais como mancozeb, maneb, metiram;
o grupo triazol, com destaque para tetraconazole, difenoconazole, epo-
xiconazole e tebuconazole, entre outros; o grupo dos benzimidazoles,
com destaque para tiabendazol, carbendazim e tiofanato metílico, e
ainda os compostos à base de cobre com amplo espectro de uso e o
ingrediente ativo clorotalonil, pertencente ao grupo isoftalonitrila.
A tabela 5.6 apresenta dados de toxicidade de alguns dos fungici-
das utilizados no Brasil.
90 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

TABELA 5.6
TOXICIDADE PARA MAMÍFEROS DE ALGUNS FUNGICIDAS UTILIZADOS NO BRASIL

DL50 Oral
Ingrediente NOEL* IDA**
Ratos Referência
Ativo (mg/kg/dia) (mg/kg)
(mg/kg)
Clorotalonil >10 000 2,0 0,02

Carbendazim >10 000 2,5 0,025

Mancozeb >5 000 0,18 0,0002

Propiconazole 729 10,0 0,1 USEPA, 2007

Tiabendazole >2 000 10,0 0,1

Vinclozolin >10 000 1,2 0,012

Difenoconazole 1 453 0,96 0,01 USEPA, 2005b

Epoxiconazole 3 160 2,0 0,02 USEPA, 2006

Tebuconazole 3 933 3,0 0,03 USEPA, 2005a

Tetraconazole 1 031 0,73 0,0073 USEPA, 2005c

* No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um
teste crônico.
** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se
consumida durante toda a vida não ocasionará um efeito adverso.
Fonte: USEPA (2005a, 2005b e 2005c; 2006; 2007).

5.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, os produtos agrotóxicos de uso agrícola são registrados


no âmbito de três ministérios para os quais são apresentados os estu-
dos necessários ao processo de registro. O Ministério da Agricultura
é responsável pela avaliação da eficiência e da praticabilidade, o Mi-
nistério da Saúde através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) é responsável pela avaliação toxicológica e de segurança
para seres humanos e finalmente o Ministério do Meio Ambiente atra-
vés do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), que responde pela avaliação ecotoxicológica e
de segurança ambiental do produto.
É fato que no Brasil, ainda não se processa a avaliação de risco
dos agrotóxicos, como ocorre nos países desenvolvidos, mas o Decreto
CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 91

no 4.074, de 4 de janeiro de 2002, prevê a elaboração desse critério. Em


todo caso, os estudos realizados durante o processo de registro, for-
necem informações para se definir as melhores formas de utilização e
de manuseio que, em geral, são apresentadas nos rótulos e nas bulas
dos produtos e devem ser cumpridas, de modo a garantir a eficiência
e a segurança do usuário e do meio ambiente. Entre essas informa-
ções destacam-se os equipamentos de proteção a serem utilizados; o
intervalo de reentrada na plantação após a aplicação dos produtos; o
intervalo de segurança entre a última aplicação e a comercialização;
instruções sobre primeiros socorros em caso de intoxicação; telefones
de emergência e do centro de informações toxicológicas mais próximo;
além de cuidados de proteção ao meio ambiente, como instruções so-
bre o armazenamento do produto e descarte de embalagens vazias.
Atualmente, com a preocupação existente acerca da produção e
do uso de uma infinidade de substâncias químicas que vem contami-
nando cada vez mais o nosso planeta, tecnologias alternativas menos
poluentes, tais como utilização de produtos à base de microrganismos,
feromônios de insetos e a agricultura orgânica têm sido bastante esti-
muladas, com exigências bem mais simplificadas do que as existentes
para os agrotóxicos químicos convencionais.
De qualquer modo, é importante ressaltar que as crescentes exi-
gências internacionais quanto à diminuição dos impactos ambientais,
a redução nos níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos e a uti-
lização de mão de obra infantil na agricultura tendem a aumentar, e
poderão afetar a importação e o consumo de produtos brasileiros nos
países desenvolvidos, se nada for feito para modificar tendências como
essas.
Assim sendo, o agricultor e o público em geral precisam estar
conscientes de que os agrotóxicos, como o nome diz, são produtos tó-
xicos, que mesmo não causando um efeito agudo, poderão gerar um
dano crônico, após um longo período de exposição. Além disso, existe
a preocupação ambiental, como a contaminação das águas, por exem-
plo, que pode ocasionar eliminação de espécies ou mesmo acumulação
ao longo da cadeia alimentar, eventos esses que, mais cedo ou mais
tarde, podem voltar ao próprio homem através do consumo de água
ou de alimentos contaminados.
92 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

O conhecimento sobre o produto que está sendo aplicado pode


ser a melhor ferramenta que o usuário possui, pois desse modo, passa
a ter mais informações para buscar uma otimização de uso, sem exa-
geros, e para procurar as condições seguras de trabalho, minimizando
assim os riscos de efeitos adversos à saúde e ao meio ambiente.

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KLAASSEN, C. D. Nonmetallic Environmental Toxicants: Air Pollutants,
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MAXIMIANO, A. A.; FERNANDES, R. O.; NUNES, F. P.; ASSIS, M. P.;
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CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 93

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Tolerance for a Certain Pesticide Chemical in or on Food. Disponível
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Tetraconazole; Time-Limited Pesticide Tolerance. Disponível em:
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WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Cyhalothrin. Environmental
Health Criteria 99. IPCS – International Programme on Chemical Safety,
Geneva: WHO, 1990.
CAPÍTULO 6

Hidrocarbonetos Policíclicos
Aromáticos

Annibal Duarte Pereira Netto


CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 97

Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) são substâncias


tóxicas persistentes ubíquas no meio ambiente, cuja importância está
relacionada às propriedades carcinogênicas e/ou mutagênicas que
muitos deles e/ou seus derivados apresentam.

6.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS

HPAs compõem uma família de substâncias químicas que, por


definição, são formadas apenas por carbono e hidrogênio, com estru-
tura contendo pelo menos dois anéis aromáticos fundidos. De acordo
com esta definição, o menor HPA é o naftaleno cuja molécula apre-
senta dois anéis aromáticos. Diversos HPAs são carcinogênicos para
seres humanos. Na figura 6.1 estão representados HPAs de interesse
ambiental, incluindo os 16 considerados prioritários pela Agência de
Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA).
Embora a definição acima exclua substâncias heteroaromáticas, ou
seja, aquelas que contêm heteroátomos (O, N, S) nos anéis aromáticos,
muitas destas substâncias ocorrem associadas aos HPAs, em amostras
de origem ambiental. Ademais, nestas amostras e devido às reações
que os HPAs podem sofrer, também ocorrem outras substâncias po-
licíclicas aromáticas derivadas dos HPAs como é o caso de derivados
nitrados (NHPAs) ou de derivados oxigenados (OHPAs). Exemplos
destas substâncias e de seus efeitos são apresentados na tabela 6.1 e na
figura 6.2.
As propriedades químicas e físico-químicas dos HPAs são fun-
damentais para a compreensão e a avaliação do comportamento am-
biental e toxicológico destas substâncias. Estas propriedades são de-
terminadas pela estrutura química dos HPAs e pelos seus sistemas de
elétrons conjugados, que variam com o número de anéis e, portanto,
com seus pesos moleculares.
Todos os HPAs são sólidos, pois têm pontos de fusão maiores
que a temperatura ambiente. Seus pontos de ebulição também são
elevados. As temperaturas do ponto de fusão e do ponto de ebulição
aumentam com os pesos moleculares dos HPAs. Diversos HPAs, en-
tretanto, podem sofrer sublimação e o naftaleno é o exemplo mais co-
nhecido dentre todos.
98 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

FIGURA 6.1 Estruturas de HPAs.


CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 99

TABELA 6.1
FAMÍLIAS DE SUBSTÂNCIAS DERIVADAS DE HPAs OU RELACIONADAS AOS HPAs

Famílias de
Fontes Exemplos Observações
Substâncias
HPAs Combustão Pireno, benzo(a)pireno Carcinogênicos
1-Nitropireno Carcinogênicos
NHPAs Combustão; fotoquímica
2-Nitropireno e/ou mutagênicos
Cetonas Combustão Benzantrona Pouco efeito

Quinonas Combustão 7,12-benzantracenodiona Pouco efeito

Aldeídos Combustão 1-pirenocarboxaldeído Pouco efeito

Azarenos Combustão; outras fontes Benz(c)acridina Carcinogênicos


Informações
Nitrozarenos Combustão; fotoquímica Nitrobenzoazapireno
limitadas
Carcinogênicos
Cetonas nitradas Combustão; fotoquímica 3-nitrobenzantrona
e/ou mutagênicos

FIGURA 6.2 Derivados de HPAs (NHPAs e OHPAs).

A solubilidade em água diminui com o aumento do tamanho da


molécula e com exceção do naftaleno, que é relativamente solúvel
(32 mg/L), HPAs têm baixa solubilidade em água, mas são solúveis
em vários solventes orgânicos como diclorometano, hexano, etc.
HPAs são altamente lipofílicos e suas afinidades por fases orgâni-
cas, lipofílicas, expressas por meio do coeficiente de partição octanol-
água (Kow), são elevadas (log Kow entre 3,4 a 7,1 e Kow entre 2,5.103 e
1,3.107) e aumentam com seus pesos moleculares. Estes altos coeficien-
100 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

tes de partição indicam que tendem a se dissolver em fases apolares


em detrimento de fases aquosas. Uma consequência de interesse toxi-
cológico deste fato é a absorção de HPAs através da pele.
Os coeficientes de partição entre carbono orgânico e a água (Kcow)
dos HPAs também são elevados e, como resultado, em sistemas aquo-
sos, estas substâncias tendem a concentrar-se em sedimentos ou a per-
manecer associados à matéria orgânica em suspensão.
A pressão de vapor e a constante de Henry também diminuem
com o aumento do peso molecular. Como reflexo destes fatos, HPAs
com dois ou três anéis tendem a concentrar-se na fase gasosa do ar,
com quatro anéis distribuem-se entre as duas fases do ar enquanto os
formados por cinco ou mais anéis concentram-se principalmente no
material particulado atmosférico (MPA).
No meio ambiente, HPAs são substâncias relativamente inertes
e as reações mais comuns de que participam são as reações de substi-
tuição ou de adição eletrofílica. Como as reações de adição destroem a
aromaticidade do sistema conjugado reduzindo a estabilidade da mo-
lécula, elas são, muitas vezes, seguidas por reações de eliminação que
regeneram o sistema aromático e dão origem a um produto final de
substituição. Um exemplo típico desta situação é a formação de 2-ni-
tropireno na atmosfera (figura 6.3).

FIGURA 6.3 Formação de 2-nitropireno na atmosfera.


Fonte: Pitts Jr. (1987).
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 101

6.2 FONTES DE EMISSÃO

HPAs são emitidos para o ambiente por diversas fontes (antropo-


gênicas ou naturais) que incluem, entre outras:
a) Pirólise ou queima de matéria orgânica recente (lenha, vegeta-
ção) ou fóssil (petróleo e derivados, carvão), por causas naturais
(incêndios naturais de florestas) ou antropogênicas (uso de car-
vão ou lenha para cozinhar, uso de combustíveis, queimadas).
b) Derramamento de petróleo durante sua extração, transporte
ou processamento.
c) Industrial, no coqueamento de carvão e na aplicação e/ou sín-
tese de HPAs.
d) Na disposição de resíduos domésticos ou industriais.
e) Vulcões e áreas de alta atividade (hidro)geotérmica.
f) Produção de alumínio, ferro e aço e outras fundições.
g) Queima de resíduos sólidos.
h) Fumaça de cigarros.

A biossíntese de HPAs, embora tenha sido sugerida por alguns


autores, é relativamente controversa, mas pode também representar
uma fonte destas substâncias ou de seus derivados para o ambiente.
As fontes acima têm importância relativa diferente que dependem
das próprias características de cada fonte e de outros fatores (econômi-
cos, sociais e naturais) que variam quando diferentes locais são compa-
rados. Por exemplo, nem todos os HPAs são utilizados industrialmen-
te e, portanto, esta é uma fonte mais importante para HPAs de baixo
peso molecular, como naftaleno e fenantreno.
O uso de carvão ou lenha para cozinhar é importante em alguns
locais, embora na maior parte das grandes cidades do Ocidente tenha
importância relativa pequena. A emissão de HPAs por queima de bio-
massa é importante em áreas onde ocorre frequentemente, como é o
caso no Brasil em locais próximos a regiões onde há agricultura de
cana-de-açúcar ou em áreas de desmatamento por queimadas.
A emissão de HPAs por fontes antropogênicas tende a ser maior
que por fontes naturais. Suas principais causas foram revistas recen-
temente e incluem diversos processos, mas a combustão incompleta
102 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

por fontes estacionárias e móveis é, provavelmente, a mais importante


delas por sua ampla distribuição e pelas quantidades emitidas.
Em alguns destes processos também podem ser formados deriva-
dos de HPAs e compostos heteroaromáticos que ocorrem associados
aos HPAs em amostras ambientais.

6.2.1 Formação de HPAs

Processos pirolíticos ou de combustão incompleta formam HPAs


quando a matéria orgânica é aquecida. A formação de HPAs ocorre
por meio de radicais livres, envolvendo uma sequência de reações de
diversos tipos (condensação, fechamento de anéis, etc.) que levam à
estabilização das espécies altamente reativas formadas. Embora a pi-
rólise de moléculas pequenas, como o metano ou o acetileno, possam
levar à formação de HPAs, certas moléculas aromáticas maiores tam-
bém podem servir de ponto de partida para HPAs mais complexos.
A formação de benzo[a]pireno por pirólise do acetileno ou de
qualquer um dos intermediários da reação foi demonstrada no final da
década de 1950 e ilustra bem este fato (figura 6.4).

FIGURA 6.4 Formação de benzo[a]pireno por pirólise do acetileno.


Fonte: Badger et alii, 1958.

A presença de substâncias contendo heteroátomos (O, N e S)


na matéria orgânica original pode levar à formação de substâncias
heteroaromáticas.
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 103

As características dos HPAs formados dependem das tempera-


turas envolvidas, do tempo de reação e da matéria orgânica original.
Um aspecto particularmente dependente da temperatura é o número
e o comprimento das cadeias alifáticas ligadas aos anéis, pois em altas
temperaturas estas cadeias se tornam pouco estáveis e há diminuição
de seus comprimentos, privilegiando grupamentos pequenos como o
grupo metila e HPAs não alquilados.
Processos lentos e em baixas temperaturas, como a formação de
petróleo, favorecem a produção de alquil-derivados de HPAs. Proces-
sos em altas temperaturas, como o coqueamento de carvão, levam à
quebra das cadeias alifáticas e favorecem a formação de HPAs não al-
quilados. Em temperaturas intermediárias, como na queima de lenha,
há formação de HPAs alquilados com cadeias curtas e de HPAs não
alquilados.
Nos HPAs, os anéis aromáticos podem ter arranjos de três tipos:
linear (A), angular (Fe) ou agrupado (Pi) (como mostrado na figura
6.1). As estruturas lineares são as menos estáveis enquanto as angula-
res e as agrupadas são as mais estáveis e predominam se houver tem-
po suficiente para que o equilíbrio (termodinâmico) do sistema seja
alcançado.
Assim, pelo menos em princípio, em amostras de origem am-
biental, podem ser encontrados HPAs com os três tipos de arranjos
de anéis, mas as concentrações daqueles que têm estruturas lineares
são geralmente muito menores do que os não lineares, devido às me-
nores estabilidades das estruturas lineares. Em amostras ambientais,
as concentrações de naftaleno (dois anéis) tendem a ser maiores que
as de antraceno (três anéis), enquanto tetraceno (quatro anéis) não é
encontrado nestas amostras, pois tem estabilidade relativa menor que
seus isômeros trifenileno, benzo[a]antraceno e criseno.
No caso da queima de combustíveis fósseis, uma das principais
fontes de HPAs para o ambiente, embora as temperaturas alcançadas
sejam suficientemente elevadas para permitir a formação de HPAs,
não há tempo suficiente para que as estruturas mais estáveis se tornem
as predominantes. Neste caso e de um modo geral, embora as cadeias
alifáticas estejam ausentes ou sejam curtas (grupos metila), há forma-
ção de moléculas com arranjo angular ou grupado.
104 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

6.3 CINÉTICA E DINÂMICA DOS HPAs

Uma vez introduzidos no ambiente, HPAs podem contaminar


todos os compartimentos ambientais em proporções que dependem
de diversos fatores. Assim, por exemplo, estimativas da contaminação
por HPAs em mar aberto, onde há intensa exploração petrolífera, indi-
cam que o aporte por meio desta atividade é cerca de 1,5 vez maior que
por deposição atmosférica.
A acumulação direta de HPAs pela biota, solo e sedimentos é lo-
calizada e contrasta com o transporte que podem sofrer na água e no
ar. Na água, são transportados por sedimentos e pela matéria orgânica
em suspensão enquanto na atmosfera, são transportados por grandes
distâncias em fase gasosa e/ou associados a partículas atmosféricas.
Na atmosfera também podem ocorrer outros processos que serão dis-
cutidos adiante.
A tabela 6.2 apresenta uma estimativa da emissão de HPA para
a atmosfera por diversas fontes na Inglaterra, em 1993. Como se pode
ver, elas têm importância relativa diferente, mas a combustão domés-
tica de carvão e madeira e a emissão por veículos automotores são
bastante importantes. Caso estes dados sejam comparados com da-
dos do Brasil, possivelmente a queima de carvão terá importância
muito menor.
De um modo geral, no entanto, a importância relativa de cada
fonte de emissão depende das características industriais e econômi-
cas da região considerada, assim como as estimativas em termos de
contribuição líquida ou percentual de cada fonte no total de HPA emi-
tidos variam de autor para autor. Outros fatores responsáveis pelas
diferenças observadas podem estar relacionados às características das
próprias metodologias empregadas e também à qualidade e à quanti-
dade de dados disponíveis para as estimativas de emissão, pois estas
sofrem variações sazonais e de longo termo, além do que diferenças de
características de microrregiões (bairros ou áreas de uma cidade) que
também afetam estas estimativas.
Cerca de 1 % do total de HPAs emitidos permanecem na atmosfe-
ra, distribuídos entre a fase gasosa e o material particulado atmosférico
(MPA), dependendo de suas pressões de vapor e da temperatura.
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 105

TABELA 6.2
INVENTÁRIO DAS EMISSÕES DE HPAs NA INGLATERRA, EM 1993

Emissão Estimada de HPAs


Processo Toneladas % min# % máx$
Queima de carvão residencial 110–280 29,41 20,28
Produção de alumínio 100* 26,74 7,24
Emissão veicular 50–470 13,37 34,04
Plantas de produção de coque (coquerias) 47–90 12,57 6,52
Queima doméstica de madeira 26–320 6,95 23,18
Queima de pneus usados 23* 6,15 1,67
Fogos naturais 8* 2,14 0,58
Unidades de sinterização 4,6* 1,23 0,33
Queima de palha de plantação de cereais 4–10 1,07 0,72
Produção de energia (por queima de óleo) 0,8 0,21 0,06
Produção de energia (por queima de carvão) 0,2–9 0,05 0,65
Queima de madeira por indústrias 0,2–65 0,05 4,71
Produção de betume 0,13* 0,03 0,01
Gases emitidos em depósitos de resíduos sólidos 0,06–0,08 0,02 0,01
Incineração de resíduos sólidos domésticos 0,05–0,7 0,01 0,05
Fornos elétricos (produção de aço e ferro) 0,03–4 0,01 0,29
Queima de carvão industrial e comercial 0,01–0,7 0,00 0,05
Incineração de resíduos químicos 0,005–0,07 0,00 0,01
Incineração de resíduos hospitalares 0,004–0,06 0,00 0,00
Incineração de lama de tratamento de esgoto 0,001–0,02 0,00 0,00
Crematórios s.d. s.d. s.d.
Indústria química s.d. s.d. s.d.
Produção de cimento, cerâmicas e tijolos s.d. s.d. s.d.
Produção de metais não ferrosos
s.d. s.d. s.d.
(excluindo o alumínio)
Queima de resíduos de óleo s.d. s.d. s.d.
Regeneração de carvão ativo s.d. s.d. s.d.
Total 380–1 400 380 1 400

(*) Baseado em apenas uma estimativa.


(#) Percentagem calculada a partir dos valores mínimos.
($) Percentagem calculada a partir dos valores máximos.
s.d. Sem dados disponíveis.
Fonte: APARG (1995).
106 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Atualmente há dados sobre as concentrações de HPAs na atmos-


fera de vários locais do mundo para o MPA, para a fase gasosa ou para
ambas as fases (concentrações totais). Em zonas frias e temperadas,
variação sazonal das concentrações tem sido observada, com aumento
de concentrações totais durante o inverno. Fatores como o período de
amostragem (diurno e noturno), horário ao longo do dia, condições
meteorológicas e climáticas (chuvas, ventos, etc.), também afetam os
valores observados. No Brasil, em áreas onde há plantio de cana-de-
açúcar, a queima durante a colheita leva ao aumento significativo das
concentrações de HPAs na atmosfera neste período. Em outras áreas,
não há variação sazonal de concentrações bem definidas.
HPAs podem sofrer diversos processos na atmosfera, tais como
transporte, remoção e transformações químicas por reações secundá-
rias com espécies químicas presentes na atmosfera. Estes processos
têm importância ambiental, pois possibilitam a difusão dos HPAs, a
formação de outras substâncias químicas e o decaimento de suas con-
centrações na atmosfera.
Novas classes de substâncias policíclicas aromáticas (SPAs) são
formadas por meio de reações de HPAs com O3, SOx, NOx e radicais
OH presentes na atmosfera, onde também podem sofrer oxidação
(química) e alterações fotoquímicas. Estas reações podem ocorrer em
fase gasosa ou na fase condensada.
As reações atmosféricas dão origem a SPAs que geralmente têm
maior polaridade que os HPA originais como nitro-HPAs (NHPAs),
cetonas, quinonas, lactonas (OHPAs), etc., com propriedades carci-
nogênicas que são, muitas vezes, mais acentuadas que as dos HPAs
originais. Felizmente, as concentrações destas substâncias no meio am-
biente são geralmente uma a duas ordens de grandeza menores que as
dos HPAs originais. A síntese de novos compostos na atmosfera por
meio destas reações pode ser ilustrada pela formação de 2-nitropireno
(conforme mostrado anteriormente na figura 6.3).
Esta reação não é a única fonte de NHPAs para a atmosfera, pois
estes também podem ser formados durante a queima de óleo diesel
em função das altas temperaturas atingidas e pela formação de óxidos
de nitrogênio na queima deste combustível. É interessante observar
que os NHPAs produzidos na queima de combustíveis e por reações
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 107

fotoquímicas têm estruturas diferentes em função dos mecanismos en-


volvidos nos dois casos (adição eletrofílica e reação via radicais livres).
Diversos aspectos relativos à formação e determinação de NHPAs em
amostras ambientais têm sido estudados, pois estas substâncias são de
modo geral mais mutagênicas que diversos HPAs.
A formação de cetonas e quinonas foi observada na queima de
madeira e há formação de cetonas em motores de combustão. Por
exemplo, 6-H-benzo[c,d]piren-6-ona e 7-H-benz[d,e]antracen-7-ona
(benzantrona) foram encontradas em partículas de fuligem emitidas
por motores de aviões.
HPAs e seus derivados podem ser transportados por longas dis-
tâncias em fase gasosa e na fase particulada do ar (adsorvidos à su-
perfície de partículas atmosféricas), depositando-se finalmente sobre
superfícies nos demais compartimentos ambientais. Por meio do trans-
porte atmosférico, uma região pode ser contaminada pela emissão de
outra. Nos países nórdicos, por exemplo, o transporte de HPAs emi-
tidos no continente europeu e na Inglaterra é considerado o principal
responsável pela contaminação ambiental por estas substâncias.
HPAs atmosféricos depositam-se sobre as superfícies de vegetais,
corpos d’água e do solo. A remoção por deposição úmida dos HPAs
associados a partículas atmosféricas é mais eficiente que para os HPAs
da fase gasosa. Ademais, além da deposição atmosférica devem ser
também consideradas fontes locais e emissões diretas como, por exem-
plo, efluentes de uma determinada indústria para um dado corpo
d’água.
Em águas, devido a sua baixa solubilidade, HPAs encontram-se
principalmente associados a sedimentos em suspensão e suas concen-
trações dependem fortemente das características de ocupação e uso da
região em questão.
A presença de HPAs em águas também tem outro significado, pois
em lagos já foram observadas concentrações de derivados clorados de
HPAs da ordem de ng/L e pode haver formação destes derivados na
cloração (para tratamento) de águas poluídas. Este fato é relevante,
pois muitas substâncias cloradas têm propriedades mutagênicas.
O solo parece ser o principal depositário de HPAs, pois suas con-
centrações neste compartimento, mesmo em locais afastados das fon-
108 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

tes de emissão, são significativas. Solos de áreas expostas a emissões


industriais e em locais que sofrem queimadas de vegetação podem
apresentar altos níveis de HPAs. O mesmo ocorre em áreas industriais
abandonadas e também em locais que recebem o depósito de resíduos
de origem domiciliar e/ou industrial. Solos de áreas com atividades
relacionadas à exploração, processamento ou armazenamento de pe-
tróleo e outros materiais contendo HPAs também estão sujeitas à con-
taminação por estas substâncias.
Dados demonstram que grande parte dos HPAs emitidos para a
atmosfera (aproximadamente 95 %) é depositada no solo, onde perma-
necem associados à matéria orgânica. De um modo geral, dada a sua
baixa solubilidade em água, os HPAs sofrem pouca percolação para as
camadas mais profundas do solo. Diversos processos, entretanto, con-
tribuem para a redução dos seus níveis em solos, pois podem retornar
à atmosfera por ressuspensão de partículas depositadas ou por reeva-
poração, como ocorre com os de menores pesos moleculares.
Outro processo que leva à redução dos níveis de HPAs em solos é
sua decomposição por diferentes microrganismos, o que também de-
pende das moléculas envolvidas, pois é mais eficaz em HPAs de me-
nor peso molecular (mais hidrossolúveis), como naftaleno, fenantreno
e antraceno. Este fato não implica que, necessariamente, as substâncias
formadas sejam menos tóxicas que os HPAs originais. De qualquer
modo, os HPAs mais pesados que têm maior estabilidade, menor pres-
são de vapor e menor solubilidade, tendem a ter suas concentrações
aumentadas ao longo do tempo no solo.
Há deposição de HPAs em solos urbanos ou não. Por exemplo,
em amostras de solo coletadas em áreas urbanas foram observadas
concentrações de diferentes HPAs entre 10 μg/kg e 600 μg/kg. Em so-
los próximos a rodovias, há redução das concentrações de HPAs com
o aumento da distância a estas rodovias. Em florestas, próximo a uma
planta industrial, foi observada diminuição nos níveis de HPAs com o
aumento da distância à fonte, o que também ocorria com a fauna do
solo.
Em poeira de rua, que sofre influência de diversas fontes, foi ob-
servado que concentrações de HPAs dependiam das características da
região de amostragem e que no inverno eram maiores que no verão.
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 109

Ao comparar amostras de poeira de rua coletadas em área residencial


e em área de intenso tráfego urbano, foi observado que nesta havia
maiores níveis de HPAs e de compostos heterocíclicos sulfurados, ba-
sicamente oriundos da exaustão de veículos automotores.
HPAs depositados no solo podem ser transportados por dre-
nagem superficial de águas pluviais (run-off), contaminando corpos
d’água, sedimentos e biota aquática. Diferentes perfis de HPAs podem
ser observados, dependendo da importância dos diferentes tipos de
contribuições em cada local. Assim, em sedimentos costeiros no Mar
Mediterrâneo, foi observado que nas frações de maior mutagenicida-
de, origem pirolítica predominava, tendo sido atribuída a contamina-
ção dos sedimentos à drenagem superficial e à deposição atmosférica.
Resultados obtidos na análise de HPAs em sedimentos lacustres
demonstraram que os perfis de HPAs em sedimentos recentes eram
completamente diferentes dos observados em sedimentos mais pro-
fundo e mais antigos, que tinham composição semelhante às do solo
da região. Estes resultados indicaram predominância de deposição
atmosférica nos solos e sedimentos antigos, em contraposição aos se-
dimentos recentes onde a contribuição de resíduos industriais tinha
maior importância. Em certas áreas, a contribuição da exploração e
transporte de petróleo bruto também pode ser considerada como uma
das fontes de HPAs para águas e sedimentos.
A presença de HPAs em águas de drenagem superficial e sedi-
mentos indica que os sedimentos podem funcionar como sumidouro
de HPA, mas que também podem representar uma fonte de contami-
nação de águas, plantas e animais.
Além de HPAs, outros grupos de substâncias químicas, como as
bifenilas policloradas (PCBs), dibenzodioxinas e dibenzofuranos po-
liclorados (PCDD/Fs) já foram descritos em plantas. Este fato tem di-
versos significados, pois estas substâncias são removidas da atmosfe-
ra por plantas e podem ser ingeridas através de vegetais comestíveis.
Ademais, em alguns casos, plantas podem ser usadas como indicado-
ras de poluição atmosférica.
De um modo geral, a acumulação de substâncias químicas pela
vegetação pode ocorrer através de vários processos, como absorção
pela camada lipídica das folhas a partir da fase gasosa, diretamente
110 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

na superfície da vegetação; deposição do material particulado do ar


atmosférico na superfície de troncos e/ou de folhas; ou por absorção
a partir do solo contaminado, através das raízes e posterior transporte
pelo xilema. Este último mecanismo, que parece ser o predominante na
absorção de substâncias de maior polaridade a partir do solo, tem im-
portância relativa menor para HPAs que são pouco solúveis em água.
Assim, a presença de HPAs em plantas pode ser atribuída a dois
mecanismos básicos: a deposição de partículas atmosféricas na super-
fície de vegetais (troncos e folhas) e um processo misto de adsorção e
dissolução nos lipídios da superfície das folhas de vegetais.
Com base na análise de HPAs em plantas, foi estimado que elas
seriam responsáveis pela remoção de parcela significativa do total de
HPAs emitidos para a atmosfera. Foi sugerido também que a partir
das plantas, estas substâncias seriam incorporadas e imobilizadas no
solo e removidas da atmosfera. As concentrações de HPAs em plantas
dependem da temperatura e das suas concentrações na fase gasosa e
a distribuição entre as duas fases (planta e fase gasosa) obedece à Lei
de Henry.
Foi observada uma boa correlação das somas das concentrações
de HPAs carcinogênicos na atmosfera e em folhas de algumas plantas.
Foi verificada uma variação sazonal dos níveis de HPAs em folhas de
plantas provenientes de uma área com intenso tráfego, com correlações
significativas das concentrações de certos HPAs pesados em material
particulado e folhas.
Estes resultados demonstram que a deposição de HPAs em plan-
tas depende das concentrações atmosféricas e consequentemente dos
níveis de poluição atmosférica, possibilitando que as concentrações de
HPAs em plantas possam ser utilizadas como indicadoras dos níveis
de poluição atmosférica.
No caso de animais, a acumulação de HPAs ocorre por diferentes
vias e depende fortemente da capacidade do organismo (em questão)
de metabolizá-los ou não, o que varia amplamente entre os diferentes
organismos.
Organismos aquáticos acumulam HPAs a partir de sedimentos,
água e alimentos, embora a importância relativa destas fontes não es-
teja clara. As razões das concentrações dos diversos HPAs em orga-
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 111

nismos e sedimentos são variáveis. Em organismos terrestres também


foi observada bioacumulação de HPAs. Assim, em regiões onde o solo
tinha altas concentrações destas substâncias, elas se acumularam em
minhocas.
Biomagnificação também foi observada em sistemas fechados arti-
ficiais para BaP (benzo[a]pireno) e para outros HPAs com fatores eleva-
dos (30 a 140 000) dependendo do nível trófico e do HPA considerado.
A biotransformação de HPAs em organismos vivos é relativa-
mente conhecida e pode representar um meio de redução dos níveis
ambientais destas substâncias. Entretanto, a metabolização pode ter
dois papéis antagônicos nestes organismos:
a) Pode levar à formação de substâncias mais tóxicas.
b) Pode servir como mecanismo de detoxificação. A biotransfor-
mação também abre a possibilidade do uso de microrganismos
em processos de remediação.

Reações fotoquímicas representam outro processo de degradação


de HPAs no ambiente. Quando estas substâncias estão depositadas
sobre superfícies ambientais, a evaporação é a primeira etapa do pro-
cesso, pois estas reações ocorrem principalmente em fase gasosa. Este
parece ser o principal mecanismo de degradação de HPAs, embora
muitas vezes as substâncias formadas possam ser biologicamente mais
ativas (pró-carcinogênicas e/ou mutagênicas) que as originais, como
no caso de NHPAs.

6.4 EXPOSIÇÃO HUMANA

A exposição humana (e de outros animais) a HPAs ocorre por


diferentes vias. As mais importantes são: a inalação de ar poluído e
a ingestão de alimentos ou de água contaminada. No caso de seres
humanos, outros importantes modos de exposição aos HPAs são o
hábito de fumar, a inalação (passiva) de fumaça de cigarros e a expo-
sição ocupacional em atividades e processos envolvendo a produção
ou o manuseio de matérias-primas ou resíduos que contenham estas
substâncias.
112 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Foi estimado que cerca de 20 a 50 % do total de HPAs ingeridos


pelos seres humanos provêm da alimentação e que um ser humano de
60 kg tem uma carga total corpórea de cerca de 3 μg de benzo[a]pireno.
HPAs já foram detectados em alimentos brutos e processados. Sua
presença em alimentos brutos de origem vegetal pode ser creditada
à deposição atmosférica. Animais aquáticos, como mexilhões e ostras
que tendem a acumular HPAs podem, eventualmente, representar
outra forma de aporte destas substâncias a seres humanos e outros
animais. Em alimentos processados, a presença de HPAs está associa-
da ao alimento in natura ou ainda a alguma etapa de processamento,
como é o caso da defumação ou fritura dos alimentos.
Como já foi discutido, na atmosfera, HPAs estão distribuídos en-
tre a fase gasosa e o MPA em função das condições ambientais (princi-
palmente da temperatura) e das constantes físico-químicas de cada um.
Parte dos HPAs se concentra nas partículas de MPA de menor diâmetro
aerodinâmico, que, devido às características do sistema respiratório (hu-
mano), são capazes de atingir as vias respiratórias internas onde os pro-
cessos de eliminação de HPAs associados às partículas são mais lentos.
Como as substâncias que tendem a concentrar-se em partículas
são as de maior peso molecular (menos voláteis), para as quais se tem
maior interesse toxicológico por serem geralmente as mais carcinogê-
nicas (tabela 6.3), e como os processos de combustão (principalmen-
te em veículos) tendem a formar partículas muito finas, a inalação de
HPAs através da respiração é uma fonte importante de exposição.
Como consequência, substâncias marcadoras de exposição aos HPAs
(1-hidroxipireno, por exemplo) têm sido observadas em urina de pes-
soas que vivem ou trabalham em áreas poluídas e de alta contamina-
ção atmosférica por HPAs.
Além da exposição ambiental, também deve ser considerada a ex-
posição ocupacional por contato com fuligem, alcatrão e óleos, princi-
palmente os que estiveram sujeitos a processos térmicos, como óleos lu-
brificantes usados ou óleos de pirólise. Por exemplo, óleo de pirólise de
xisto é classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer
como carcinogênico. Atividades em fundições, coquerias, na produção
de alumínio, siderurgia e pavimentação de vias também podem levar à
exposição ocupacional a HPAs.
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 113

TABELA 6.3
PROPRIEDADES CARCINOGÊNICAS E MUTAGÊNICAS DE HPAs SELECIONADOS

HPA Carcinogenicidade% Genotoxicidade# Mutagenicidade&

Fluoreno I L -

Fenantreno I L +

Antraceno N N -

Fluoranteno N L +

Pireno N L +

Benzo[a]antraceno S S +

Criseno L L +

Trifenileno I I +

Benzo[b]fluoranteno S I +

Benzo[j]fluoranteno S I +

Benzo[k]fluoranteno S I +

Benzo[e]pireno I L +

Benzo[a]pireno S S +

Perileno I I +

Indeno[1,2,3-
S I +
c,d]pireno

Dibenzo[a,c]antraceno L S +

Dibenzo[a,h]antraceno S S +

Dibenzo[a,j]antraceno L I +

Benzo[g,h,i]perileno I I +

Coroneno I I +

(%) Evidências de carcinogenicidade por experimentação em animais: suficientes (S) ou limita-


das (L); ausência ou insuficiência de dados (I); não carcinogênico (N).
(#) Ensaios de genotoxicidade em curto prazo (deterioração de ADN, mutagenicidade, anomalias
cromossômicas). Classificação idêntica à de carcinogenicidade.
(&) Mutagenicidade no Teste de Ames. Resultados positivos (+), negativos (-).
Fonte: IPCS (1998).

Historicamente, inclusive, algumas das observações epidemioló-


gicas mais antigas foram obtidas para cânceres em limpadores de cha-
miné, sendo que nos resíduos de limpeza de chaminé, mais tarde, foi
isolado BaP pela primeira vez.
114 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Do ponto de vista toxicológico, a principal importância dos HPAs


são as evidências de sua associação a vários tipos de cânceres em seres
humanos: pulmão, bexiga, colo, reto, esôfago, etc. Esta associação é
suportada por estudos epidemiológicos em populações ocupacional-
mente expostas e por estudos realizados com animais de laboratório.
Independentemente do local do organismo onde ocorre a exposição,
HPAs podem ser transportados por todo o organismo e podem levar a
danos em outros locais (figura 6.5).
HPAs não são diretamente carcinogênicos. A primeira etapa do
mecanismo químico de carcinogênese destas substâncias é a ativação,
ou seja, a formação de derivados que são os verdadeiros agentes carci-
nogênicos e que têm grupos capazes de formar ligações com as bases
do DNA.
Dentre os diversos mecanismos de ativação de HPAs e de outras
substâncias poliaromáticas, o mecanismo de ativação mais estudado
é o que ocorre geralmente no citocromo P-450 quando substâncias
poli-hidroxiladas são formadas. No caso do benzo[a]pireno, esta rea-
ção é bem conhecida, passando pelas etapas ilustradas no esquema
simplificado da figura 6.6. A estereoquímica dos diol-epóxidos forma-
dos é fundamental na etapa seguinte que é a formação de aduto com
o DNA e a forma (+)anti-7,8-diol-9,10-epóxido (I) é a única que possui
atividade carcinogênica (figura 6.7). As estruturas II-IV do esquema
desta figura não têm atividade carcinogênica e são eliminadas poste-
riormente pelo organismo humano.
O mecanismo de carcinogênese dos HPAs contrasta com o dos
NHPAs que não precisam sofrer ativação no organismo. Neste caso a
redução do grupo NO2 leva à formação de aminoderivados capazes de
reagir com o DNA.
É interessante observar também que, não necessariamente, toda a
carga de HPAs ingerida é absorvida pelo organismo e, de modo geral,
pode-se dizer que boa parte destas moléculas são excretadas. Neste
caso devem ser levadas em conta várias características, tais como a
forma ou o material no qual estão presentes, a estrutura de cada HPAs
e a susceptibilidade individual a estas substâncias, pois há variabili-
dade entre indivíduos, raças, sexos, idade, etc., para a mesma dose de
exposição.
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 115

FIGURA 6.5 Vias de exposição e destino de HPAs no organismo humano.


Fonte: http: whqlibdoc.who.int/hq/200/WHO_PCS_008_pp105-205.pdf.
116 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Figura 6.6 Isômeros dos dihidroxidiois formados a partir do BaP. A estrutura I for-
ma adutos com DNA.
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 117

Figura 6.7 Representação do metabolismo de benzo[a]pireno.


118 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Do ponto de vista de contaminação humana e ambiental, os HPAs


representam um problema bastante complexo e importante pois estão
dispersos na atmosfera de todo o planeta e presentes nos demais com-
partimentos ambientais em níveis variados, mesmo em regiões remo-
tas. Muitas atividades humanas estão associadas à produção de HPAs.
Em regiões urbanas, onde o uso de combustíveis em veículos e
em outras atividades é acentuado e concentrado em áreas relativamen-
te menores que as rurais ou não urbanas, há maior concentração de
HPAs atmosféricos e de outros poluentes, como NOx e SO2 que podem
levar à formação de algumas das substâncias mencionadas.
Deste modo, o monitoramento e a determinação destas substân-
cias na atmosfera e em outros compartimentos ambientais são de inte-
resse para a avaliação das condições do meio ambiente de uma dada
região ou cidade e têm interesse nítido com problemas de saúde pú-
blica.

6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

HPAs são indiscutivelmente uma classe de substâncias tóxicas


persistentes de grande interesse ambiental que estão distribuídas em
todos os compartimentos ambientais como resultado de inúmeras
atividades naturais e antropogênicas. A massa de dados relativos ao
Brasil é ainda relativamente pequena (embora tenha crescido muito
nos últimos 10 anos). Entretanto, vários artigos sobre HPAs no Brasil
têm sido publicados na Química Nova, no Journal of Brazilian Chemical
Society e em várias publicações internacionais nos últimos anos.
HPAs são substâncias de interesse, pois podem ter efeitos impor-
tantes sobre a saúde humana, com consequências sobre gastos e pro-
blemas com saúde pública. Entretanto, há vários problemas relacio-
nados à avaliação de efeitos de HPAs na saúde pública. Dentre eles se
destacam o fato de que muitos dados epidemiológicos e de exposição
tratam de apenas uma substância, enquanto a exposição quase sempre
é relativa a um grupo destas substâncias químicas. Como efeito com-
plicador, há também a exposição a outras substâncias que podem ter
efeitos sinérgicos pouco conhecidos sobre os HPAs.
CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 119

De qualquer modo também é interessante que profissionais de di-


ferentes áreas do conhecimento e ligados ao estudo de meio ambiente
possam trabalhar de forma combinada e coerente na avaliação destas
substâncias e de seus efeitos.

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CAPÍTULO 7

Avaliação Ambiental

Cristina Lúcia Silveira Sisinno


João Paulo Machado Torres
CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 123

A avaliação ambiental consiste na determinação da concentra-


ção dos contaminantes nos vários compartimentos ambientais – solo
superficial, solo profundo, sedimento, água superficial, água subter-
rânea, ar, biota – além de poeiras, emissões atmosféricas, efluentes
líquidos (industriais ou domésticos) e resíduos sólidos, e sua com-
paração com valores de background (níveis naturais) e/ou valores de
referência (valores máximos permissíveis estipulados por instrumen-
tos reguladores).
A avaliação ambiental, quando realizada periodicamente, é co-
nhecida também como monitoramento ambiental. O monitoramen-
to ambiental pode ser definido como a coleta, a análise e a avaliação
sistemática de amostras ambientais, com o objetivo de determinar as
concentrações dos contaminantes em um meio. Dessa forma, os pa-
râmetros monitorados, a frequência e os pontos de coleta devem ser
registrados e mantidos para permitir um acompanhamento dos resul-
tados a eles relacionados ao longo do tempo de estudo.
O monitoramento ambiental pode ser aplicado tanto para am-
bientes internos (residências e ambientes de trabalho), como para am-
bientes externos. As amostras coletadas no monitoramento ambiental
externo são as citadas anteriormente e para o monitoramento ambien-
tal interno podem ser utilizadas amostras, como ar, poeira e água de
rede de abastecimento.
No monitoramento de ambientes internos deve-se levar em consi-
deração fatores como circulação do ar (fluxo e velocidade da corrente
de ar), temperatura e umidade no local estudado e tamanho da partí-
cula – no caso das amostras de ar e poeira – e possíveis interferências
no sistema da rede de abastecimento, para as amostras de água.
O monitoramento ambiental pode embasar a investigação da
avaliação de exposição, da cinética ambiental e dos efeitos tóxicos das
substâncias, bem como a prevenção e o controle dos níveis ambientais
encontrados que potencialmente poderão afetar a saúde humana. As-
sim, o monitoramento passa a ser um importante mecanismo de con-
trole para a identificação de um possível impacto que esteja ocorrendo
ao longo do tempo, bem como para a prevenção de possíveis danos
causados por esse impacto.
A escolha dos locais de coleta das amostras em um monitoramen-
to ambiental será função dos objetivos do monitoramento (avaliação
124 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

em curto prazo ou controle para prevenção de impactos em longo pra-


zo) e da situação apresentada. Para tanto, deve-se levantar o maior nú-
mero de informações sobre a área afetada, considerando-se uma série
de fatores, como:
• Localização e tipos de fontes de contaminação (pontuais ou
difusas).
• Fatores ambientais (climáticos, edáficos, etc.).
• Principais compartimentos afetados e possíveis rotas de expo-
sição humana.
• Comunidades animais/vegetais afetadas.
• Localização das populações humanas vizinhas.
• Características físico-químicas do contaminante, etc.

Em um monitoramento ambiental a escolha do número e a loca-


lização dos pontos de amostragem de amostragem envolverá vários
fatores. A amostra coletada deve ser representativa e todo cuidado
precisa ser tomado para evitar contaminação adicional pelo ambiente
e pelos instrumentos de coleta e análise, além da perda de material por
adsorção nos recipientes onde as amostras serão acondicionadas antes
de serem analisadas.
A frequência da amostragem também será estabelecida de acordo
com os objetivos propostos, com o meio amostrado, etc., e poderá ser:
• Sistemática: semanal, mensal, anual, etc.
• Intensiva: por hora ou diária.

Com relação à água, ao solo e ao sedimento, pode-se realizar uma


amostragem apenas de uma faixa superficial do meio ou uma coleta
em sentido vertical, para uma análise estratificada. No caso do solo
e do sedimento, a análise estratificada em diferentes profundidades
ajudará a compor um perfil da deposição do contaminante ao longo do
tempo e sua capacidade de percolação.
A amostragem de água pode ser simples (instantânea, onde o vo-
lume coletado de uma só vez representará a amostra) ou composta
(onde várias alíquotas coletadas por um determinado período – p. ex.
de uma em uma hora – irão formar a amostra).
Já os métodos utilizados para amostragem do ar são contínuos ou
intermitentes, sendo os contínuos normalmente os mais usados. Na
CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 125

amostragem do ar é importante que o amostrador esteja instalado ade-


quadamente, abrigado da chuva, folhas de árvores, etc.

7.1 MONITORAMENTO AMBIENTAL EM


COMPARTIMENTOS ABIÓTICOS

7.1.1 Monitoramento na Água

O monitoramento de um contaminante na água deve ser realizado


pelo menos durante um período da estação seca e um período da es-
tação chuvosa e os resultados podem não ser considerados muito con-
clusivos, pois a água é um meio em constante mudança e movimento.
Dessa forma, os resultados poderão indicar informações de uma situa-
ção instantânea. Neste caso, análises das concentrações encontradas no
sedimento ou na biota aquática do local podem fornecer informações
adicionais, de natureza mais integradora no tempo.
Alguns fatores que devem ser considerados em um monitoramen-
to ambiental na água são: o pH, a temperatura e a salinidade da água,
variações diárias e sazonais na vazão dos corpos d’água, partículas em
suspensão presentes na coluna d’água, etc.

7.1.2 Monitoramento no Sedimento

A análise do sedimento pode ser particularmente útil na detecção


de fontes de contaminação e na seleção de locais críticos para amos-
tragem de contaminantes que, uma vez descarregados nas águas su-
perficiais, não permanecem solúveis, mas são rapidamente adsorvidos
pelo material particulado e se depositam escapando, desta forma, da
detecção apenas pela análise da água.
As variáveis a serem consideradas com relação às concentrações
dos contaminantes encontrados no sedimento são praticamente as
mesmas citadas para o caso da água incluindo-se, porém, a granu-
lometria do sedimento, uma vez que, no caso dos metais, partículas
menores têm maior concentração destes elementos, devendo receber
maior atenção na análise.
126 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Por ser um meio integrador, onde há um acúmulo dos contaminan-


tes ao longo do tempo, o monitoramento do sedimento pode ser feito
semestral ou anualmente, não necessitando acompanhamento contínuo.

7.1.3 Monitoramento no Ar

Em um monitoramento no ar ambiente vários fatores irão influen-


ciar na escolha dos locais de amostragem, no conhecimento da dinâmi-
ca do contaminante no meio e na variabilidade dos resultados. Dentre
estes fatores pode-se destacar: as variações sazonais das condições me-
teorológicas locais, tais como intensidade e direção dos ventos, plu-
viometria, inversões térmicas, etc., que vão determinar a circulação,
remoção e diluição dos contaminantes da atmosfera, assim como as
variações na intensidade de emissão (vazão) do contaminante pelas
várias possíveis fontes.
Na escolha das estações de amostragem deve-se verificar o tipo de
fonte emissora (pontual ou difusa) e sua distância da área a ser estuda-
da. Com relação às fontes pontuais, deve-se observar também a altura
das chaminés, podendo-se optar por uma rede de amostragem dentro
de um raio de distância ao redor da fonte (p. ex. de 500 m em 500 m),
para verificação de gradientes de concentração.
Uma vez que muitos contaminantes lançados na atmosfera encon-
tram-se adsorvidos às partículas, este fato também deve ser observa-
do, levando-se em conta o diâmetro dos poros dos filtros que serão
usados nos amostradores de ar e as diferenças nas concentrações de
locais que recebem grande contribuição de material particulado; locais
estes normalmente mais poluídos.
Além destes fatores, deve-se considerar a influência do fator de
dispersão e, no caso de análise de sódio (Na), a proximidade com o
mar, uma vez que suas concentrações podem se apresentar elevadas
pela presença de NaCl, comum no aerossol de áreas costeiras.

7.1.4 Monitoramento no Solo

No monitoramento de contaminantes no solo deve-se observar a


distância da fonte contaminante com relação à área de estudo, poden-
CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 127

do-se estabelecer uma zona de influência. Várias são as características


encontradas no solo que influirão na retenção de contaminantes, den-
tre elas: o teor de matéria orgânica, a composição mineralógica do solo,
a umidade, o pH, etc.
O solo, por ser um compartimento que não apresenta mobilida-
de, pode indicar resultados mais precisos e cumulativos com relação a
uma deposição de contaminantes em função do tempo.

7.2 MONITORAMENTO AMBIENTAL EM


COMPARTIMENTOS BIÓTICOS

Também conhecido como biomonitoramento ou biomonitoriza-


ção, este tipo de estudo avalia diretamente o impacto dos contaminan-
tes por meio da observação, coleta e análise periódica da fauna e/ou
flora do local atingido. Este método baseia-se nas respostas dos orga-
nismos – tanto dos indivíduos como das comunidades – para avaliar a
exposição ambiental às substâncias químicas. Com base nesse pressu-
posto, admite-se que os organismos são monitores naturais do impacto
sofrido pelos ecossistemas e que eles reagem a esse impacto por meio
de medidas mensuráveis.
Os parâmetros usados no monitoramento ambiental em compar-
timentos bióticos podem ser diretos ou indiretos. Com relação aos pa-
râmetros diretos – apesar do uso de material biológico – o critério a
ser analisado é um fator não biológico, onde o exemplo mais comum
é a medida da concentração da substância química nos organismos. Já
o uso dos parâmetros indiretos inclui um critério biológico na avalia-
ção da qualidade ambiental como, por exemplo, mudanças morfológi-
cas, citológicas, fisiológicas ou bioquímicas nos indivíduos; ausência e
abundância de populações de indivíduos, etc.
Quando conduzido adequadamente, o biomonitoramento fornece
informações que geralmente não podem ser obtidas por técnicas de
monitoramento físico-químicas tradicionais permitindo, assim, o co-
nhecimento de medidas reais dos efeitos dos contaminantes e a deli-
mitação de zonas muito afetadas e de outras onde já esteja ocorrendo
recuperação ambiental.
128 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Os organismos utilizados para medida dos parâmetros indiretos


devem ser sensíveis aos graus de contaminação. Dessa forma, pode
ser estabelecido um fator capaz de alterar as comunidades dos orga-
nismos, indicando uma relação entre o grau de degradação da área e
a abundância relativa dos organismos ou sua alteração morfológica.
Os biomonitores são seres vivos que apresentam características
capazes de refletir o grau de contaminação de um local com certa pre-
cisão. Dentre suas características ideais, pode-se destacar:
• O organismo deve ser abundante no local de estudo.
• O organismo deve ser de fácil coleta.
• O organismo deve possuir vasta distribuição.
• O organismo deve exibir alta concentração da substância, etc.

Além destes requisitos, também se recomenda que o organismo


seja de fácil identificação e que seus dados fisiológicos e ecológicos
reportados na literatura sejam abundantes.
Vários grupos têm sido estudados e empregados no monitora-
mento ambiental, sendo que na seleção de tais monitores deve-se levar
em consideração a situação específica sob investigação. Por exemplo,
organismos aquáticos sésseis (fixos a um substrato) conseguem indicar
com mais precisão o grau de contaminação de uma determinada área,
enquanto no caso da avaliação do impacto de um efluente que é despe-
jado em um sistema muito raso ou perto do fundo, deve-se usar como
indicadores as espécies bentônicas (organismos que vivem no fundo
dos sistemas aquáticos) expostas.
Nos estudos de biomonitoramento, algumas variáveis devem ser
consideradas, como:
• A sensibilidade dos organismos indicadores à substância
estudada.
• O ciclo de vida/idade e o sexo dos organismos.
• A salinidade (organismos marinhos ou de água doce).
• A influência de variações sazonais, etc.

Moluscos bivalves são especialmente utilizados em biomonito-


rização, por serem organismos sésseis e filtradores. A deposição de
CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 129

contaminantes atmosféricos também pode ser monitorada de forma


rotineira utilizando organismos vivos. Como exemplo pode-se citar a
utilização de bromélias, como a Tillandsia usneoides, em estudos envol-
vendo metais pesados e outras substâncias tóxicas persistentes.
Dentro da ótica da saúde humana é importante ressaltar os efeitos
da contaminação em organismos que servem de alimento para o ho-
mem. Vários trabalhos no Brasil descrevem a contaminação em muitos
ambientes, incluindo a Amazônia. Nesses estudos são analisadas con-
centrações de mercúrio e também de DDT na biota aquática setentrio-
nal do Brasil.
Em algumas situações, a análise de tecidos animais pode ser uti-
lizada em biomonitorização de cadeias tróficas. Ovos de aves e aná-
lise de penas são considerados métodos claramente acessíveis e não
invasivos, cujo impacto sobre as populações pode ser desprezível.

7.3 BIOMONITORAMENTO EM TEMPO REAL

Existem situações onde é necessário o acompanhamento de pro-


cessos em tempo real, e muitas vezes isso implica no emprego de
biossensores, que serão descritos brevemente a seguir. Antes, porém,
pode-se destacar que em países desenvolvidos, como o Japão, o acom-
panhamento da qualidade da água em uma determinada bacia hidro-
gráfica é realizado por meio de redes sofisticadas de monitoramento
físico, químico e biológico, capazes de emitir alertas de contaminação
imediatos; o que reduz muito o tempo entre o aparecimento de um
problema e a mitigação de seus efeitos.

7.4 BIOSSENSORES

Em linhas gerais, um biossensor é um aparelho capaz de fazer a


transdução de uma reação enzimática em um sinal elétrico. Biossenso-
res são o resultado da interação sinergística; um passo além da simples
combinação da bioquímica com a microeletrônica.
130 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Em 1984, duas décadas após o aparecimento deste termo, ainda


se discutia muito a sua aplicabilidade em biotecnologia, que hoje já é
um fato em muitas áreas da produção de fármacos, alimentos e outros
processos fermentativos como a produção de cerveja.
Na química analítica, o uso dos biossensores evoluiu muito, ha-
vendo inúmeros exemplos de como pode-se analisar diretamente os
sistemas vivos, inclusive usando-se métodos que envolvem técnicas
avançadas de microscopia eletrônica.
Existem aplicações dos biossensores nos mais variados setores,
desde o diagnóstico clínico ao controle da poluição, passando-se pela
indústria de essências e edulcorantes (agentes de sabor em alimentos).
Na indústria, há mais de vinte anos os biossensores são utilizados
no monitoramento de gases tóxicos, explosivos ou inflamáveis, e tam-
bém na mineração.
Por outro lado, a determinação de metais pesados em solos com
o uso de biossensores que aliam bactérias luminescentes, a extração
química ainda está em fase inicial, com problemas na distinção dos
níveis de contaminação. Assim, há necessidade de desenvolvimento
da redução dos limites de detecção deste tipo de metodologia para que
ela possa provar sua utilidade a médio prazo.

7.5 O GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO


MONITORAMENTO AMBIENTAL

A área do conhecimento que utiliza técnicas matemáticas e com-


putacionais para a produção e o tratamento de informações geográfi-
cas é conhecida pelo termo geoprocessamento. O geoprocessamento
reúne uma série de metodologias e tecnologias de coleta, tratamento,
manipulação e apresentação de informações espaciais voltadas para
um objeto comum. É uma tecnologia transdisciplinar, pois integra vá-
rias disciplinas, equipamentos, programas, entidades e pessoas na lo-
calização e no processamento dos dados geográficos para a análise e
apresentação de mapas digitais georreferenciados.
O principal instrumento computacional do geoprocessamento é
o sistema de informações geográficas (SIG) que reúne os dados de di-
CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 131

versas fontes ao criar um banco de dados georreferenciado. Na área


ambiental e em recursos hídricos, o uso de SIG tem sido cada vez mais
intensificado e difundido, pois auxilia na identificação da variabili-
dade espacial das características de uma determinada área dentro de
uma bacia hidrográfica. Este fato é especialmente importante tendo em
vista que as técnicas de geoprocessamento permitem a simulação e a
montagem de cenários prospectivos para eventos de erosão, transpor-
te de sedimentos, escoamento e lixiviação de nutrientes. Além disso,
a modelagem de fontes de poluição não pontuais também é possível
com o uso de SIG.
Uma das aplicações mais interessantes do geoprocessamento em
nosso país é fruto da pesquisa espacial desenvolvida pelo INPE (Ins-
tituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em sua bem-sucedida coope-
ração com os chineses no lançamento dos satélites que monitoram as
queimadas e o desmatamento na Amazônia. Um maior conhecimento
científico da área e a divulgação das informações geradas podem ser-
vir para garantir não somente o seu futuro, mas o de outras regiões, a
partir dos exemplos positivos passíveis de generalização.

7.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O monitoramento ambiental muitas vezes não representará as di-


versas condições e situações de exposição se as amostragens não forem
frequentes e bem planejadas. Este também não deve ser usado para
avaliar a exposição total humana (melhor demonstrada no monitora-
mento biológico), uma vez que as análises são realizadas separada-
mente nos compartimentos bióticos e abióticos, com as peculiaridades
de cada meio e cada rota de exposição.
Além disso, deve-se levar em consideração uma série de variá-
veis características de cada situação de estudo, podendo-se destacar
também que as maiores dificuldades na interpretação dos dados pro-
vêm da inadequada coleta, acondicionamento ou procedimentos de
análise.
Apesar desses problemas, o monitoramento ambiental apresen-
ta-se como um importante instrumento na verificação dos níveis de
132 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

contaminação dos sistemas ambientais e pode ser considerado como


parte integrante em um programa de proteção à saúde, uma vez que a
contaminação que afeta prejudicialmente o ambiente, afeta também o
bem-estar, a saúde e a qualidade da vida humana.

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CAPÍTULO 8

Avaliação da Toxicidade

Eduardo Cyrino Oliveira-Filho


CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 137

Como descrito anteriormente, a toxicidade é uma propriedade


inerente de cada substância para produzir um efeito adverso sobre um
organismo vivo, tanto em nível de organismo como um todo, quanto
em níveis moleculares, celulares ou bioquímicos, ou sobre uma comu-
nidade, após exposição − durante um certo tempo − a determinadas
doses ou concentrações.
Desse modo, entende-se que para se mensurar a toxicidade de
uma substância ou mistura de substâncias é indispensável a utiliza-
ção de organismos vivos ou de sistemas biologicamente relacionados.
Um bioensaio ou ensaio de toxicidade é um processo que utiliza or-
ganismos vivos para estimar os efeitos das substâncias. Esses ensaios
podem ser divididos em duas categorias: aqueles que se preocupam
com a predição (antecipação de um possível efeito) e aqueles que se
preocupam com a avaliação da exposição (monitoramento do efeito
existente). Os ensaios de toxicidade não são realizados para demons-
trar que a substância é segura, mas para caracterizar os efeitos tóxicos
que essa substância pode produzir.
Os dados em seres humanos sobre a toxicidade das substâncias
são obviamente mais relevantes para uma avaliação segura do que
aqueles obtidos pela exposição de animais de experimentação. Toda-
via, exposições controladas do homem às substâncias perigosas ou po-
tencialmente perigosas são limitadas por considerações éticas e, assim
sendo, as informações obtidas por métodos clínicos ou epidemiológi-
cos devem ser registradas. Se estas informações não estiverem dispo-
níveis, como no caso de todas as novas substâncias sintéticas, os dados
devem ser obtidos a partir de ensaios com animais de experimentação.
Existem dois princípios básicos com relação aos ensaios de toxi-
cidade descritiva em animais. O primeiro é que os efeitos produzidos
por um composto em animais de laboratório, quando propriamente
qualificados, são aplicáveis ao ser humano. O segundo é que a exposi-
ção de animais de experimentação a agentes tóxicos em altas doses é
um método necessário e válido para detectar possíveis riscos aos seres
humanos. Entretanto, em laboratório existe somente um pequeno nú-
mero de espécies disponíveis para teste.
Os animais de experimentação utilizados para ensaios visando
proteger a saúde do homem incluem geralmente mamíferos, dentre
138 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

os quais se destacam macacos, cachorros, coelhos, cobaias, ratos e ca-


mundongos.
Os ensaios em espécies silvestres – vivendo em gaiolas sob condi-
ções de campo – podem ser utilizados, mas algumas vezes apresentam
grande variedade de problemas.
Os dados obtidos de ensaios de campo são de grande valor em
suplemento aos dados de laboratório para validar a projeção dos re-
sultados experimentais para o ecossistema, incluindo os efeitos sobre
os seres humanos.
Várias técnicas analíticas sensíveis tornam relativamente simples
a condução de estudos de campo utilizando o homem, por meio do
monitoramento dos níveis de uma substância ou de seus metabólitos no
sangue, urina, cabelo ou saliva. Este monitoramento biológico − junto
com o monitoramento ambiental − provém de uma importante fonte
de informação sobre a exposição do homem ou de outros organismos
expostos (p. ex. organismos de ecossistemas aquáticos).
Segundo Parrish (1995), ensaios de toxicidade aguda com orga-
nismos aquáticos têm sido amplamente utilizados para determinar os
efeitos de substâncias potencialmente tóxicas (p. ex. agrotóxicos, me-
tais) desde a Segunda Guerra Mundial.
Os ensaios toxicológicos preditivos cujo foco de interesse não é di-
retamente a saúde do homem, mas os agravos à “saúde” de ecossistemas
são também denominados de testes ecotoxicológicos ou de ecotoxicida-
de. O termo ecotoxicologia foi cunhado por René Truhaut, em 1969, para
designar o ramo da toxicologia voltado especificamente para o estudo
dos efeitos de substâncias químicas sobre ecossistemas, e objetivando o
estabelecimento de medidas para proteger seus vários componentes dos
efeitos adversos de poluentes ambientais.
Conforme citado anteriormente, embora o termo ecotoxicologia
seja relativamente recente, os efeitos adversos das substâncias quími-
cas sobre organismos aquáticos já vinham sendo estudados pela toxi-
cologia aquática e pela própria ecologia.
Posteriormente à definição de Truhaut, a ecotoxicologia ganhou
mais espaço e destaque, se tornando uma área de atuação extrema-
mente moderna e alinhada com a evolução dos tempos. Embora esteja
baseada fundamentalmente na toxicologia clássica ou de mamíferos,
CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 139

a ecotoxicologia se configurou como uma disciplina independente, já


que a toxicologia evoluiu ao longo da história sempre ao lado da far-
macologia. A tabela 8.1 apresenta as principais diferenças entre a toxi-
cologia clássica e a ecotoxicologia.

TABELA 8.1
PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A TOXICOLOGIA CLÁSSICA E A ECOTOXICOLOGIA

Toxicologia Ecotoxicologia
Objetivo: Proteger populações e
Objetivo: Proteger os seres humanos
comunidades de diferentes espécies
da ação de substâncias tóxicas
da ação de substâncias tóxicas
Pode utilizar as próprias espécies
Utiliza animais experimentais
em questão
Impossível conhecer e testar todas as
A espécie alvo é conhecida (homem),
espécies a serem protegidas, desse
o que permite maior precisão na
modo o grau de extrapolação
extrapolação dos resultados
não é tão preciso
A exposição se dá pela concentração
A dose da substância administrada da substância e a dose absorvida só é
pode ser medida com precisão determinada através de experimentos
de acumulação e metabolismo
Em muitos casos não se tem
Existe muito conhecimento sobre informações sobre a biologia dos
os animais experimentais e, grande organismos teste e, só recentemente
ênfase é dada aos mecanismos mais atenção tem sido dispensada aos
de ação tóxica mecanismos de ação tóxica
das substâncias

Fonte: Adaptado de Rand et alii (1995).

Com o desenvolvimento da ecotoxicologia, é hoje quase consen-


sual, entre os ecotoxicologistas, que ensaios para determinar efeitos
agudos, isoladamente, são insuficientes para antecipar danos aos ecos-
sistemas causados por substâncias ou misturas de substâncias (p. ex.
efluentes), mas mesmo assim, esses desempenham papel importante,
em virtude da simplicidade, do baixo custo e da possibilidade maior
de controle das condições experimentais, fatores importantes na ga-
rantia da reprodutibilidade e da confiabilidade dos resultados. Nesse
140 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

contexto, os ensaios de toxicidade subcrônica ou crônica se tornam es-


senciais para a elaboração do processo de avaliação de risco das subs-
tâncias estudadas. Desse modo, tornou-se fundamental a elaboração
e a realização de ensaios que detectassem efeitos mais sutis, princi-
palmente sobre funções biológicas dos organismos testados, tais como
crescimento, desenvolvimento, reprodução, metabolismo, etc.
Uma outra abordagem é a dos biomarcadores ou marcadores
biológicos, uma determinação de parâmetros bioquímicos ou celulares
que possam expressar a interação entre uma substância química
e um ser vivo. Tal avaliação pode ser capaz de detectar alterações
quimicamente induzidas em componentes, processos, estruturas e
funções celulares ou bioquímicas, de um indivíduo ou de uma amostra
biológica.

8.1 ENSAIOS TOXICOLÓGICOS

Todas as novas substâncias químicas requerem prioridade na sua


avaliação. Normalmente os ensaios são realizados seguindo uma esca-
la de ordenação, ou de acordo com os efeitos a serem observados. De
um modo geral, os primeiros ensaios a serem realizados são os de toxi-
cidade aguda. A DL50, a CL50 e outros efeitos agudos são determina-
dos após a administração por uma ou mais rotas (rotas de exposição)
em uma ou mais espécies. Os dados desses ensaios fornecem:
• Uma estimativa quantitativa de toxicidade aguda (DL50, CL50)
para fins de comparação entre substâncias.
• Uma identificação de órgãos-alvo e outras manifestações clíni-
cas de toxicidade aguda.
• O estabelecimento da reversibilidade da resposta tóxica.
• Uma relação dose–resposta para outros estudos posteriores.

Os ensaios de toxicidade subaguda são realizados para obter in-


formações sobre a toxicidade de uma substância após sua adminis-
tração repetida e para estabelecer doses para estudos subcrônicos. A
exposição subcrônica dura em média 90 dias e a principal meta deste
estudo é o estabelecimento do Nível de Efeito Adverso não Observado
CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 141

− NOAEL − e a identificação e a caracterização do órgão específico ou


órgãos afetados pelo composto testado após doses repetidas.
Os estudos de exposição crônica ou de longo prazo são realizados
de forma similar aos subcrônicos. Em roedores, exposições crônicas
são usualmente de 6 meses a 2 anos. Esses ensaios são realizados para
avaliar a toxicidade cumulativa de substâncias e incluem observações
sobre o desenvolvimento de tumores e a possibilidade de um efeito
carcinogênico.
Os efeitos de substâncias sobre o desenvolvimento e a reprodu-
ção também devem ser determinados. A toxicidade durante o desen-
volvimento é avaliada pela observação de efeitos adversos de agen-
tes químicos e físicos no período entre a concepção e o nascimento.
A toxicidade sobre a reprodução é avaliada por meio da observação
de efeitos adversos nos sistemas reprodutivos masculino ou feminino,
resultantes da exposição aos agentes químicos e físicos.
A avaliação do potencial mutagênico de substâncias pode ser reali-
zada por meio da aplicação de ensaios rápidos utilizando microrganis-
mos (Teste de Ames, com Salmonella typhimurium, entre outros) ou com
células de mamíferos (Ensaio do Linfoma de Camundongo, Teste do
Micronúcleo, Teste com Linfócitos de Sangue Periférico, Teste de Tro-
cas entre Cromátides-Irmãs, Teste com Células de Ovário de Hamster
Chinês, Teste do Dominante Letal, etc.).
Por esses poucos exemplos pôde se perceber a grande quantidade
de ensaios disponíveis para avaliar a toxicidade de substâncias quí-
micas. Os principais ensaios, que inclusive fazem parte da avaliação
toxicológica para registro de agrotóxicos no Brasil, serão descritos bre-
vemente a seguir:

8.1.1 Determinação da DL50 Oral

Visa verificar a toxicidade produzida por uma substância quando


administrada pela via oral, geralmente por meio de entubação gástrica
(gavage). De um modo geral, os ensaios se baseiam no registro do per-
centual de animais que são levados a óbito em determinadas faixas de
doses. Recomenda-se, também, observar a ocorrência de sinais e sin-
142 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

tomas indicativos de toxicidade não letal (ambulação, piloereção, etc.).


O animal de experimentação mais utilizado nesse ensaio é o rato. Ou-
tros dois ensaios também são comuns para observação do parâmetro
letalidade em 50 % dos animais testados, a DL50 dérmica, que tem os
mesmos princípios do teste oral só que a via de exposição é a dérmica,
nesse caso coelhos também são utilizados; e a CL50 inalatória, onde o
objetivo é a exposição via inalatória, nesse teste os ratos voltam a ser os
espécimes mais utilizados.

8.1.2 Teste de Irritação Dérmica Primária

Consiste na aplicação única do produto a ser testado no dorso de


coelhos. É aplicado um patch oclusivo por quatro horas e, após esse
período, o produto é retirado. Procede-se a graduação das lesões (eri-
tema e edema), 24, 48 e 72 horas após a aplicação, seguindo a escala de
Draize.

8.1.3 Teste de Irritação Ocular Primária

Consiste na aplicação única do produto no saco conjuntival de


coelhos, com observações da evolução das lesões em 24, 48, 72 horas e
sete dias após a instilação. São graduadas as alterações de conjuntiva
(secreção, hiperemia e quimose), íris (irite) e córnea (densidade e área
de opacidade). Por ser um método extremamente criticado em virtude
da crueldade com os animais, testes alternativos in vitro vêm sendo
estudados como uma forma de se manter a predição para possíveis
danos, principalmente aos olhos dos aplicadores de agrotóxicos.

8.1.4 Sensibilização Dérmica

São realizadas aplicações tópicas da menor dose não irritante por


um período de três semanas (fase de indução). Após um período de re-
pouso, procede-se à aplicação tópica da maior dose não irritante (fase
de desafio). As reações são graduadas segundo escala específica, com
CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 143

a finalidade de avaliar o potencial de sensibilização. Esse ensaio é rela-


cionado com o potencial alergênico da substância.
Os ensaios descritos do item 8.1.1 até o item 8.1.4 são considera-
dos de toxicidade aguda e utilizados para a classificação toxicológica
dos agrotóxicos utilizados no Brasil.
A tabela 8.2 mostra os critérios para o estabelecimento de classifi-
cação toxicológica dos agrotóxicos no Brasil, de acordo com a Portaria
no 03, de 16 de janeiro de 1992.

TABELA 8.2
CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO TOXICOLÓGICA DE AGROTÓXICOS E AFINS,
DE ACORDO COM A PORTARIA NO 03, DE 16 DE JANEIRO DE 1992

Classificação Toxicológica

Extremamente Altamente Medianamente Pouco


Ensaio Formulação Tóxico Tóxico Tóxico Tóxico
(Classe I) (Classe II) (Classe III) (Classe IV)

DL50 20–200 200–2 000


Líquida ≤ 20 mg/kg > 2 000 mg/kg
oral mg/kg mg/kg
Ratos Sólida ≤ 5 mg/kg 5–50 mg/kg 50–500 mg/kg > 500 mg/kg

40–400 400–4 000


DL50 Líquida ≤ 40 mg/kg > 4 000 mg/kg
mg/kg mg/kg
dérmica
Ratos 10–100 100–1 000
Sólida ≤ 10 mg/kg > 1 000 mg/kg
mg/kg mg/kg

CL50 0,2–2 mg/L > 20 mg/L


≤ 0,2 mg/L de 2–20 mg/L de ar
inalatória – de ar em de ar
ar em uma hora em uma hora
Ratos uma hora em uma hora

Irritação
Ulceração ou Irritação Irritação leve
Irritação severa ≥ 5
– corrosão na moderada 3–5 <3
dérmica escala
pele escala Draize escala Draize
Draize

Sem
Opacidade opacidade Sem opacidade Sem opacidade
Irritação da córnea com com irritação com irritação

ocular ou irritação irritação reversível em reversível em
persistente reversível 72 horas 24 horas
em sete dias

Fonte: SVS (1992).


144 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

8.1.5 Mutagenicidade em Microrganismos

Vários ensaios para detectar mutações em microrganismos estão


disponíveis, todavia o mais utilizado é o de mutação gênica reversa
com a bactéria Salmonella typhimurium, também conhecido como Teste
de Ames. É um ensaio sensível para a detecção de substâncias quími-
cas que induzem mutações do tipo deslocamento do quadro de leitura
ou substituição de pares de base no DNA.

8.1.6 Mutagenicidade em Células de Mamíferos

Os ensaios de mutagenicidade em células de mamíferos visam à


obtenção de um potencial de efeito sobre células mais aprimoradas e
desenvolvidas. Podem ser realizados in vitro ou in vivo. O objetivo é
observar o potencial para indução de danos aos cromossomos. O teste
do micronúcleo em medula óssea de roedores in vivo é amplamente
aceito e um dos mais utilizados para o estabelecimento da avaliação
para registro de novos produtos químicos e farmacêuticos.

8.1.7 Subcrônico Oral, Dérmico, Inalatório

Os ensaios subcrônicos foram elaborados para permitir a determi-


nação de efeitos tóxicos e do nível de dose sem efeito adverso (NOEL).
A exposição à substância ou ao microrganismo pode ser contínua ou
repetida durante os 90 dias de duração do ensaio. Em função da via
de administração tanto os efeitos observados como os resultados do
estudo variam significativamente. Os animais experimentais podem
ser camundongos, ratos, coelhos ou cães, dependendo da via testada.
Os dados gerados por esses ensaios podem eventualmente fornecer
indicativos importantes sobre a toxicidade a longo prazo.

8.1.8 Reprodução e Prole – Toxicologia Reprodutiva

A proposta desse ensaio em duas gerações é fornecer informa-


ções acerca dos efeitos adversos de uma substância sobre a integridade
e o desempenho dos sistemas reprodutivos masculino e feminino. A
CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 145

substância testada é administrada à geração parental (P) antes e após


o acasalamento, durante a gravidez até o desmame dos filhotes (ge-
ração F1). A substância passa então a ser administrada a indivíduos
da geração F1 durante o crescimento até a idade adulta, período de
acasalamento e produção da nova geração (F2). A exposição termina
com o desmame dos filhotes. O rato é o animal experimental mais
utilizado.

8.1.9 Teratogenicidade – Toxicologia do


Desenvolvimento

A proposta do ensaio é avaliar os efeitos da exposição da fêmea


gestante sobre o desenvolvimento embrionário, incluindo morte, ano-
malias estruturais e retardo de crescimento. A substância é administra-
da às fêmeas grávidas desde o período de implantação embrionária até
o final da gestação. Pouco antes da data do nascimento dos filhotes é
realizada uma cesariana. O conteúdo uterino é examinado e são realiza-
das avaliações nas vísceras e nas formações ósseas dos fetos. Em geral,
ratos e coelhos são os animais utilizados.

8.1.10 Carcinogenicidade

O objetivo deste estudo de dois anos de duração é avaliar se a


exposição à substância-teste ou ao microrganismo pode gerar o desen-
volvimento de lesões neoplásicas (carcinogenicidade). As vias de ad-
ministração podem ser oral, dérmica ou inalatória e o rato é o animal
experimental mais utilizado.
Os ensaios descritos do item 8.1.5 até o item 8.1.10 são considera-
dos de toxicidade crônica ou prolongada e utilizados para restrições de
uso, recomendação da utilização de equipamentos de proteção indivi-
dual (EPIs) e sobretudo para indeferir uma solicitação de registro, no
caso de positividade nos testes de mutagênese, teratogênese e carcino-
gênese, de acordo com a Lei no 7.802/89.
146 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

8.1.11 Toxicidade/Patogenicidade Oral Aguda

Tem como objetivo avaliar as características tóxicas e/ou patogê-


nicas de um agente microbiológico de controle (AMC). Normalmente
trata-se do passo inicial na avaliação de segurança de um AMC. O
AMC é administrado oralmente por gavage em uma dose máxima
única. Os animais experimentais permanecem em observação por 21
dias e são registrados efeitos clínicos, de comportamento e mortali-
dade. A infectividade também é avaliada periodicamente durante o
período de observação. O rato e o camundongo são os animais mais
utilizados.

8.1.12 Toxicidade/Patogenicidade Pulmonar Aguda

Também é um ensaio para avaliar a segurança de microrganis-


mos caracterizados como agrotóxicos e afins. Nesse caso, o objetivo é
avaliar as características tóxicas e/ou patogênicas de um agente mi-
crobiológico de controle (AMC) administrado pela via respiratória. O
AMC é administrado pelas vias intranasal ou intratraqueal em uma
dose máxima única. Os animais experimentais permanecem em obser-
vação por 21 dias e são registrados efeitos clínicos, de comportamento
e mortalidade. A infectividade também é avaliada periodicamente du-
rante o período de observação. O rato e o camundongo são os animais
mais utilizados.

8.1.13 Resposta de Imunidade Celular

Ensaio também solicitado para microrganismos caracterizados


como agrotóxicos e afins, que tenham apresentado algum grau de to-
xicidade em testes preliminares. Fornece informações sobre o tempo
de recuperação de efeitos imunotóxicos significativos. São utilizados
um grupo-satélite com animais tratados e um grupo-controle com os
não tratados. Os animais são observados com sete, 14 e 28 dias após a
administração da substância. Durante esse período são avaliados parâ-
metros imunológicos para quantificar a imunotoxicidade.
CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 147

Os ensaios descritos do item 8.1.11 até o item 8.1.13 são específi-


cos para avaliar a segurança de microrganismos caracterizados como
agrotóxicos e afins (p. ex. Bacillus thuringiensis). Esses microrganismos
correspondem a um tipo alternativo de produto utilizado no manejo
integrado de pragas e recentemente receberam a definição de critérios
para uma avaliação específica, principalmente por se tratarem de or-
ganismos vivos.

8.2 ENSAIOS ECOTOXICOLÓGICOS

Com relação à avaliação da toxicidade para ecossistemas (eco-


toxicologia), várias metodologias estão padronizadas. Os estudos de
ecotoxicidade com organismos aquáticos já se encontram amplamente
desenvolvidos, baseados principalmente nos ensaios com mamíferos.
Os ensaios consistem em expor as espécies-teste representativas do
ambiente a várias concentrações de uma ou mais substâncias, duran-
te um determinado período de tempo. Neste sentido, são observados
efeitos sobre as funções biológicas fundamentais, como crescimento,
reprodução e morte, que afetam diretamente as características das di-
versas comunidades aquáticas. Em geral, recomenda-se a realização de
ensaios com três organismos pertencentes a diferentes níveis tróficos
do ambiente aquático.
Os microrganismos são componentes de grande importância
nesse ecossistema, participando nos ciclos de nutrientes e elementos
químicos, servindo de alimento para outros organismos e, principal-
mente, decompondo materiais orgânicos e inorgânicos. Dentre os pro-
cedimentos recomendados com microrganimos destacam-se:
• O sistema MICROTOX®, que avalia a inibição da biolumines-
cência emitida pela bactéria marinha Vibrio fischeri.
• O ensaio com a bactéria Spirillum volutans, que observa o efeito
sobre a mobilidade.
• O ensaio com a bactéria Pseudomonas putida, que observa a ini-
bição da taxa respiratória da bactéria.

As microalgas constituem o elemento básico das cadeias ali-


mentares aquáticas, incorporam a energia obtida do sol à biomassa,
148 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

participam de ciclos de elementos e servem de alimento para vários


organismos. Dentre os procedimentos recomendados, destacam-se prin-
cipalmente os estudos de inibição do crescimento da biomassa algácea,
com 96 horas de duração. Entre as espécies mais utilizadas destacam-se:
• Dulcícolas – Selenastrum capricornutum, Chlorella vulgaris e
Scenedesmus subspicatus.
• Marinhas – Skeletonema costatum, Tetraselmis chuii, Phaeodactylum
tricornutum e Isochrysis galbana.

Recentemente, a alga da espécie S. capricornutum teve a sua


denominação alterada para Pseudokirchneriella subcaptata Korshikov.
A inibição do crescimento da biomassa algácea pode ser observa-
da por meio de três métodos distintos:
a) Contagem celular ao microscópio ótico.
b) Utilização da fluorimetria para determinação do conteúdo de
clorofila.
c) Espectrofotometria para determinação da absorbância luminosa.

Os microcrustáceos são os representantes dos consumidores pri-


mários utilizados em grande parte dos ensaios ecotoxicológicos. Des-
taca-se a observação do efeito sobre a mobilidade de Cladoceros (p. ex.
Daphnia similis), sobre a reprodução com Ceriodaphnia dubia, ou o efeito
letal sobre Artemia sp.
Alguns ensaios são específicos para avaliar os efeitos de sedimen-
tos contaminados. Nesses casos são utilizados invertebrados bentôni-
cos, principalmente larvas de libélula das espécies Chironomus riparius
e C. tentans, e o crustáceo anfípoda da espécie Hyalella azteca.
Os peixes são consumidores secundários e nas avaliações ecotoxi-
cológicas representam os vertebrados componentes dos ecossistemas
aquáticos. São muitos os tipos de ensaio utilizando peixes. Em geral,
os procedimentos recomendam a utilização de espécies pequenas e de
fácil manutenção em laboratório. Destacam-se as espécies Danio rerio,
Poecilia reticulata e Pimephales promelas, entre outras.
Em se tratando de efeitos sobre o ecossistema, utilizam-se ainda
ensaios para a avaliação da biodegradabilidade e da bioacumulação de
substâncias químicas.
CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 149

Atualmente existe um grande número de ensaios de laboratório


padronizados para predição dos efeitos, comparação de toxicidade
ou controle de emissão de substâncias, contudo recomenda-se sempre
que possível a realização de um ensaio em campo para validar os re-
sultados obtidos no laboratório.
Dentre os ensaios comentados alguns são frequentemente solici-
tados e executados pelas empresas interessadas na obtenção de ava-
liação da periculosidade ambiental de agrotóxicos e afins para fins de
registro (Lei no 7.802/89). Dentre estes, alguns serão brevemente des-
critos a seguir.

8.2.1 Toxicidade com Algas, Microcrustáceos e Peixes


de Água Doce

Os ensaios de toxicidade com organismos de água doce têm como


objetivo avaliar os possíveis impactos da substância ou do agente mi-
crobiológico sobre as comunidades presentes nesses ambientes. O en-
saio com algas, em geral, avalia a inibição do crescimento de microalgas
em 96 horas, e é considerado um ensaio rápido de reprodução e de-
senvolvimento. As espécies Pseudokirchneriella subcapitata (Selenastrum
capricornutum) e Scenedesmus subspicatus são as mais utilizadas. Entre
os microcrustáceos a pulga d’água do gênero Daphnia é a mais utiliza-
da. Esse ensaio considerado agudo avalia a inibição da mobilidade do
organismo e dura de 24 a 48 horas. Os ensaios agudos com peixes têm
na letalidade seu principal desfecho. O ensaio dura de 48 a 96 horas,
sendo Danio rerio (paulistinha) a espécie mais utilizada.

8.2.2 Toxicidade Crônica com Microcrustáceos e


Peixes de Água Doce

Esses ensaios são considerados crônicos porque avaliam efeitos


sobre funções biológicas fundamentais, principalmente a reprodução
e o desenvolvimento embrionário. Embora exista o título de crônico, os
ensaios duram apenas alguns dias, sendo mais adequado identificá-los
150 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

como ensaios rápidos de reprodução e desenvolvimento. Entre os mais


executados estão incluídos: 1 – Ensaio de sete dias com o microcrus-
táceo Ceriodaphnia dubia Richard, 1894, que avalia o efeito da substân-
cia sobre a geração de filhotes pelas fêmeas expostas. Trata-se de um
ensaio extremamente bem elaborado, visto que um organismo jovem
com quatro dias já se encontra em condições de se reproduzir normal-
mente, e nesse caso, quando exposto a partir do 1o dia de vida, passa a
ter sua reprodução inibida ou não, dependendo da substância avalia-
da. 2 – Ensaio de sete dias para avaliar a sobrevivência e o crescimento
de larvas, ou para avaliar a sobrevivência e a teratogenicidade na fase
embriolarval de peixes. As espécies mais utilizadas são Danio rerio e
Pimephales promelas. No ensaio com larvas o objetivo é avaliar a sensi-
bilidade no estágio larval, com o organismo em fase de crescimento,
enquanto no ensaio embriolarval, os embriões são expostos ainda em
ovo e é avaliada a sobrevivência dos embriões e a possível indução de
malformações embrionárias.

8.2.3 Toxicidade Aguda/Contato Oral com Abelhas

Esse ensaio foi desenvolvido visando à determinação da toxici-


dade aguda de substâncias ou microrganismos para abelhas, um in-
seto não alvo considerado útil. A exposição às diferentes dosagens ou
concentrações pode ser por via oral ou pela exposição num ambiente
fechado onde a substância tenha sido lançada na forma de aerossol. As
abelhas são monitoradas por quatro horas e a mortalidade é registrada
ao final do ensaio. Poucos laboratórios no Brasil realizam esse ensaio.

8.2.4 Toxicidade Subcrônica com Minhocas

As minhocas são organismos presentes no solo e, por isso, esse


ensaio foi delineado para fornecer informações acerca da toxicidade
aguda de substâncias químicas ou de agentes microbiológicos sobre
organismos do solo, durante o período de exposição. O ensaio dura de
14 a 28 dias e a espécie Eisenia fetida é a mais utilizada.
CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 151

8.2.5 Toxicidade Aguda Oral com Aves

Baseado no ensaio de toxicidade oral aguda com mamíferos, esse


ensaio objetiva a determinação de efeitos agudos em aves. O grupo de
aves mais utilizado é o das codornas. Os animais são dosados via oral
por gavage e observados por cerca de duas horas para a detecção de
sinais e sintomas da intoxicação, incluindo a letalidade.

8.2.6 Toxicidade/Patogenicidade Inalatória Aguda


com Aves

Um dos ensaios importantes na avaliação da periculosidade am-


biental de agentes microbiológicos caracterizados como agrotóxicos e
afins. Este ensaio é condicionalmente requerido para agentes micro-
biológicos e/ou suas toxinas, quando são observados sinais de patoge-
nicidade ou toxicidade para aves no ensaio de toxicidade oral aguda.
O objetivo é verificar o potencial patogênico, no caso de o microrga-
nismo ser administrado pela via inalatória dos animais. A ave mais
utilizada nesse ensaio é a codorna.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS
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Aplicação no Controle da Poluição. São Paulo: CETESB, 1990.
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BUIKEMA Jr., A. L.; NIEDERLEHNER, B. R.; CAIRNS Jr., J. Biological
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CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 153

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CAPÍTULO 9

Avaliação de Risco em
Toxicologia Ambiental

Adelaide Cássia Nardocci


CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 157

O ser humano durante toda a sua existência sempre lidou com o


conceito de risco e também é da natureza humana desafiar o perigo. As
sociedades sempre valorizaram quem ousa desafiar o destino: “quem
não arrisca não petisca”.
No campo científico, o conceito de risco emergiu originalmente no
século XVII no contexto de apostas, para o qual uma base de cálculo
matemático de chances foi desenvolvida; e nesse contexto, risco signi-
ficava a probabilidade de um evento ocorrer, combinada com a mag-
nitude de perdas e ganhos. Naquela época, a teoria da probabilidade
fornecia uma maneira moderna de pensar.
No século XVIII, a análise de risco tinha um importante papel na
segurança marítima, confrontando-se as chances de uma embarcação
retornar em segurança e fazer a fortuna do seu proprietário com as de
perdê-la em alto-mar e fazer, assim, a sua ruína. Desde então, o con-
ceito de risco passou a ser usado para auxiliar a tomada de decisão e,
neste contexto, já se considerava o balanço risco–benefício.
Até então, o conceito era neutro, levando em conta apenas a pro-
babilidade de ganhos e perdas. Mas o termo risco teve o seu significa-
do modificado e na sociedade ocidental ele perdeu a sua neutralidade,
não estando mais associado apenas aos cálculos de probabilidade, mas
também às consequências negativas.
No campo da saúde pública, o termo risco surgiu na epidemiolo-
gia americana, nos anos de 1920, em um artigo publicado no primei-
ro volume do American Journal of Hygiene, sendo introduzido apenas
como indicativo de uma ameaça, perigo. Consolidou-se definitiva-
mente como um conceito quantitativo após a Segunda Guerra Mun-
dial, com o crescimento do securitarismo, que consistiu na responsabi-
lidade privada pela conquista do bem-estar e da saúde. Na década de
1950, o conceito também ganhou força na área de segurança industrial
como ferramenta de prevenção de acidentes, especialmente nas indús-
trias nuclear e bélica.
Portanto, embora a avaliação e o gerenciamento de riscos sem-
pre tenham feito parte das atividades humanas, o estudo científico
formal destas atividades é relativamente recente. Esses procedimentos
foram elevados ao papel formal de avaliação de risco, na legislação
ambiental, em meados da década de 1970, com a criação da Agência
158 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

de Proteção Ambiental dos Estados Unidos da América – USEPA (U.


S. Environmental Protection Agency). Isto resultou na profissionalização
da chamada análise de risco e incentivou o surgimento de empresas de
consultoria. Com o aumento do uso pelas indústrias como ferramenta
de controle de perdas de processo e avaliação de segurança e no proces-
so de gestão ambiental por parte de órgãos governamentais, a análise de
risco também foi consolidada como área de conhecimento acadêmico.
É também a partir desta época que as preocupações da sociedade
com a qualidade do ambiente e com os possíveis riscos aos quais está
exposta começaram a aumentar. Os grandes acidentes na indústria,
os produtos químicos perigosos, a poluição ambiental, o aquecimento
do planeta, a degradação do ambiente em todas as suas formas torna-
ram-se objetos de discussão da sociedade e foram inseridos na pauta
política de países e de agências e organismos internacionais, como a
Organização das Nações Unidas. Atualmente, os chamados “riscos
ambientais” tornaram-se uma das mais importantes preocupações de
cientistas, de políticos, de órgãos reguladores e do público em geral e a
avaliação de riscos tem sido uma das mais importantes ferramentas de
tomada de decisões, as quais afetam toda a sociedade. Alguns acham
que todo risco é inaceitável, outros pensam que algum nível de risco
deve ser tolerado.
Independente da posição de cada um, uma abordagem técnica e
científica das questões, com base na melhor informação disponível, é
sempre necessária. Esta abordagem é o que chamamos de avaliação de
riscos e elas têm sido objeto de estudo nas mais diversas áreas do co-
nhecimento científico: saúde pública, engenharia, economia, ciências
atuariais, psicologia, entre outros.

9.1 O CONCEITO DE RISCO

No campo técnico-científico, ainda não há um único conceito de


risco, aplicável a todas as áreas. Existem várias definições e diferentes
maneiras de quantificar riscos, as quais têm sido úteis para auxiliar a
tomada de decisão e resolver problemas específicos. Segundo a Royal
Society, risco é a probabilidade de ocorrência de um efeito adverso,
CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 159

para a vida e a saúde humana, o ambiente e a propriedade, em um de-


terminado período de tempo, resultante de um evento particular.
A Sociedade Internacional de Análise de Risco define risco como o
potencial de realização de consequências adversas e indesejáveis para
a vida e a saúde humana, ou o ambiente; a estimativa do risco geral-
mente é baseada no produto do valor esperado da probabilidade de
o evento ocorrer e as consequências do evento, caso ele ocorra. Ainda
segundo Rodricks (1992), risco é a probabilidade de algum evento da-
noso (prejudicial) ocorrer.
Assim, de maneira geral, todas as definições têm em comum a
associação de riscos com dois elementos principais: a probabilidade
de ocorrência de um evento indesejável e as consequências negativas
deste evento, uma vez que ele ocorra.
Além disto, para a caracterização do risco é necessário a existência
simultânea de dois elementos: um perigo e um sujeito. Se houver um
perigo (um produto perigoso, uma instalação industrial, ou uma situa-
ção) e não houver ninguém exposto a ele, não haverá risco.

9.2 OS AGENTES AMBIENTAIS

São muitos os agentes e/ou fatores ambientais aos quais o ser


humano está exposto e que, direta ou indiretamente, podem afetar
negativamente sua saúde e qualidade de vida. Entretanto, alguns
têm merecido maior atenção, como os produtos químicos perigo-
sos, as radiações ionizantes e não ionizantes, os grandes acidentes
industriais ou tecnológicos e os desastres naturais. Deste universo,
as substâncias químicas, certamente, ocupam grande parte da nossa
preocupação.
O número e a quantidade de substâncias químicas que ocorrem
na natureza são imensuráveis e muitas delas são indispensáveis à nos-
sa vida. Os químicos orgânicos dão cor, cheiro e sabor aos produtos
naturais; os combustíveis fósseis e os químicos inorgânicos, a parte não
viva da terra. Com o avanço do conhecimento das teorias químicas,
além das substâncias naturais, milhares de outras substâncias foram
sendo sintetizadas e, principalmente, a partir da década de 1940, a taxa
160 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

de introdução de novas substâncias e a escala de produção industrial


aumentaram significativamente até os dias atuais.
Estima-se que existam em uso atualmente no mercado centenas
de milhares de substâncias químicas. Algumas dezenas delas são reco-
nhecidamente carcinogênicas, algumas outras têm suas propriedades
físico-químicas e toxicológicas bem conhecidas como, por exemplo, o
benzeno. Entretanto, para a maioria absoluta das substâncias não são
bem conhecidos os efeitos sobre a saúde humana e sobre o ambiente; o
que dificulta a tarefa de avaliação de riscos.
Entre as substâncias químicas, os agrotóxicos são um dos grupos
que têm merecido grande atenção seja em função das suas proprieda-
des físico-químicas e toxicológicas, seja pela forma de uso, os quais são
feitos para serem “jogados” no ambiente e aplicados diretamente em
alimentos.

9.3 AVALIAÇÃO DE RISCO

A avaliação de risco pode ser entendida como o conjunto de proce-


dimentos e técnicas específicas que sintetizam informações científicas e
julgamentos técnicos, com o objetivo de identificar, quantificar e avaliar
os riscos à saúde humana, meio ambiente e outros bens.
As principais ferramentas de avaliação de risco atualmente dispo-
níveis são as voltadas à análise de grandes acidentes industriais, à ava-
liação de riscos à saúde humana decorrente da exposição a substâncias
químicas perigosas e à avaliação de risco ecológico (tabela 9.1).
CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 161

TABELA 9.1
COMPARAÇÕES DOS TRÊS TIPOS PRINCIPAIS DE AVALIAÇÕES DE RISCO

Segurança Industrial Saúde Humana Ecológica

1. Identificação do perigo 1. Identificação do perigo 1. Formulação do problema

Tem por objetivo a Quantidade e as Identificação e a


identificação de possíveis concentrações dos caracterização da natureza
cenários acidentais. agentes (químicos, dos problemas ecológicos
As técnicas aplicáveis físicos e biológicos) observados ou que poderão
focalizam os materiais, nos compartimentos ocorrer. Elaboração do
os equipamentos, os ambientais em um plano de análise de dados e
procedimentos, a operação determinado local ou área caracterização do risco
e os inventários de produtos de estudo. Identificação dos
químicos perigosos contaminantes de interesse

2. Estimativa das frequências 2. Avaliação da exposição 2. Avaliação da exposição

Calcula a frequência de Identificação da população Analisar a exposição, real


ocorrência dos eventos exposta e avaliação da ou potencial, por meio
acidentais identificados, com dose recebida por todos do exame das fontes e
o auxílio de técnicas como os grupos ou subgrupos das características dos
Análise de Árvore de Falhas sensíveis, a partir do estudo estressores e dos receptores
– AAF e a consulta a banco do transporte ambiental estudados
de dados de falhas dos contaminantes e/ou
de análises ambientais e
bioensaios

3. Análise dos efeitos físicos/ 3. Avaliação dose-resposta 3. Avaliação dos efeitos


consequências

Por meio de modelos Estudo da relação entre Avaliar os efeitos dos


matemáticos, os cenários as doses recebidas pelos estressores nos receptores
acidentais são simulados grupos expostos e a estudados por meio da
para o cálculo da intensidade ocorrência de efeitos avaliação da toxicidade
dos efeitos físicos em função adversos à saúde aquática, terrestre e/ou
da distância. A partir de outros ensaios como, por
modelos de vulnerabilidade, exemplo, de CL50
a intensidade dos efeitos
físicos é associada à
probabilidade de mortes ou
danos graves à saúde

(continua)
162 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

TABELA 9.1
COMPARAÇÕES DOS TRÊS TIPOS PRINCIPAIS DE AVALIAÇÕES DE RISCO
(continuação)
Segurança Industrial Saúde Humana Ecológica

4. Quantificação do risco 4. Caracterização do risco 4. Caracterização do risco

O risco é calculado por meio Integração das etapas Integra as etapas anteriores
do produto da probabilidade anteriores para a expressão e fornece a estimativa dos
de ocorrência do evento e de riscos à saúde em riscos ecológicos em termos
a probabilidade de que o termos qualitativos ou da significância dos efeitos
evento resulte em morte. quantitativos. Análise de observados, relacionamento
Os riscos são calculados em incertezas causal e apreciação das
termos de risco individual e incertezas
risco social

Resultados

Mortes, danos graves à Risco de câncer na Impacto no habitat


saúde humana população, perigo de efeitos ou ecossistema, como
não carcinogênicos abundância da população,
Prejuízos econômicos
diversidade de espécies,
impactos globais

Aplicações típicas

Licenciamento ambiental de Avaliação e remediação de Ainda em fase de estudos


empreendimentos industriais áreas contaminadas Alguns casos de aplicações
em estudos de impacto
Planejamento territorial Controle de poluição do
ambiental, registro de
solo, água e ar
Cálculo de seguros agrotóxicos e avaliação de
industriais Gestão de substâncias áreas contaminadas
químicas em geral:
Análise de segurança de
alimentos, agrotóxicos,
instalações industriais
entre outros

Fonte: Adaptado de Kolluru et alii, 1996.


CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 163

9.4 AVALIAÇÃO DE RISCOS À SAÚDE HUMANA


DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO ÀS SUBSTÂNCIAS
QUÍMICAS PERIGOSAS

O objetivo da avaliação de riscos de substâncias químicas perigosas


é estimar os riscos para a população exposta, associados à exposição a
pequenas taxas de dose durante longos períodos de tempo.
As etapas de uma avaliação de risco são:

Identificação e seleção dos contaminantes de interesse: Nesta


etapa devem ser identificadas todas as substâncias presentes na área.
É relevante também o levantamento de informações atualizadas, em
fontes confiáveis de dados toxicológicos e na literatura científica es-
pecializada, das informações sobre as propriedades físico-químicas e
toxicológicas de todas as substâncias, bem como informações a respei-
to do seu comportamento no ambiente. Após análise cuidadosa três
decisões importantes podem ser tomadas:
a) As substâncias não são perigosas e, portanto, não é necessário
prosseguir com as etapas seguintes.
b) As substâncias são perigosas e, portanto, é necessário efetuar
as próximas etapas.
c) As informações levantadas não são suficientes para concluir a
respeito e mais estudos serão necessários.

Estas decisões poderão resultar em dois tipos de erros:


1) As substâncias foram consideradas seguras e não eram.
2) As substâncias foram consideradas perigosas e não eram.

Do ponto de vista de saúde pública o primeiro tipo de erro é mais


preocupante, mas do ponto de vista econômico e social, o segundo tipo
também pode ter sérias implicações.

Avaliação da exposição: O objetivo desta etapa é estimar as doses


recebidas pela população exposta. Isto pode ser feito, diretamente, por
meio de bioensaisos (análise de amostras de sangue, urina, cabelo ou
outro) desde que a população efetivamente já tenha sido exposta; ou
164 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

indiretamente, por meio de modelos matemáticos e da medida da con-


centração das substâncias em determinados meios ambientais, como
solo, água e alimentos, e considerando-se o comportamento ambien-
tal, as características da ocupação, hábitos populacionais, tempo de
exposição, entre outros. Ambas as formas envolvem limitações impor-
tantes, pois a medida direta da concentração da substância em fluidos
corpóreos não permite a estimativa direta da dose recebida. A medida
da dose a partir de modelos matemáticos também envolve incertezas
importantes.

Avaliação dose–resposta: Após a estimativa das doses recebi-


das é necessário conhecer os possíveis efeitos (resposta) que poderão
estar associados. Isto é usualmente feito por meio da chamada curva
dose–resposta, a qual é obtida em bancos de dados toxicológicos ou
na literatura científica especializada. A grande dificuldade usualmente
encontrada nesta etapa é a não existência de informações para a gran-
de maioria das substâncias químicas encontradas no ambiente; o que
dificulta, e muitas vezes inviabiliza, a quantificação dos riscos.

Quantificação do risco: Para as substâncias consideradas carcino-


gênicas, para as quais é assumido que a relação dose–resposta é linear,
ou seja, para toda dose há uma probabilidade de câncer associada, e
o risco é estimado a partir do produto da dose estimada pelo fator de
carcinogenicidade (dado pela inclinação da curva dose–reposta, tam-
bém chamado de fator potencial, fator de inclinação). O risco é dado
por um valor entre 0 e 1, por exemplo, 0,00001; o que significa um caso
de câncer em cada 10 000 pessoas expostas. Para as substâncias ou para
os efeitos não carcinogênicos, chamados efeitos sistêmicos, os quais
são funções da dose, ou seja, quanto maior a dose recebida maior a
sua gravidade. Neste caso, uma estimativa do risco é feita por meio da
comparação da dose calculada com os valores de referência.
Se a dose estimada é menor ou igual ao valor de referência, não
são esperados efeitos significativos à saúde das pessoas durante seu
tempo de vida. Se a dose é maior, efeitos poderão ocorrer e é recomen-
dável medidas de redução ou de proteção. Vale destacar que os valores
de referência ao longo do tempo têm sido sempre reduzidos, com a
CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 165

evolução das tecnologias analíticas e do conhecimento sobre os efeitos


das substâncias químicas à saúde humana.

9.5 ANÁLISE DE INCERTEZAS

Embora ainda pouco mencionada, a análise das incertezas deve


fazer parte de uma avaliação de risco, e muitas vezes, pode ser tão ou
mais complexa que a própria avaliação. As incertezas são geradas pela
combinação de três fatores principais: a variabilidade dos parâmetros,
os erros de medidas e a falta de conhecimento.
A variabilidade está associada à variação de um parâmetro. Por
exemplo, a quantidade de água que um indivíduo ingere diariamente
é relativamente simples de determinar-se, mas essa quantidade varia
tanto no dia a dia quanto de um indivíduo para outro. Os erros surgem
de definição inadequada da amostra, erros de amostragem, erros de
medidas e imprecisões.
A falta de conhecimento pode envolver parâmetros quantitativos
e qualitativos. As fontes destas incertezas incluem o desconhecimento
do próprio risco, bem como dos processos físicos, como os mecanismos
de dispersão e transporte ambiental de um produto químico, além do
desconhecimento de cenários futuros de uso do solo e dos mecanismos
de dose–resposta, por exemplo.
O estudo da incerteza associada às estimativas de risco possibilita
que a sua magnitude seja avaliada, garantindo que as incertezas se-
jam tratadas da mesma forma em diferentes avaliações e permitindo,
ainda, avaliar como a incerteza de cada parâmetro contribui para a
incerteza do resultado e, portanto, o quanto o avaliador foi consistente
nas suas considerações durante a avaliação. Mas estas análises não eli-
minam as incertezas.
Deve ser destacado que, ainda que o cálculo da probabilidade de
ocorrência de um evento seja preciso, exato, será apenas uma probabi-
lidade. Medir com precisão a probabilidade de ocorrência de um even-
to não trará a certeza da ocorrência ou não desse evento, tampouco
permitirá conhecer-se o momento em que ocorrerá.
166 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

9.6 GERENCIAMENTO DE RISCOS

O gerenciamento de riscos é o conjunto de todas as atividades téc-


nicas e legais, bem como o conjunto de todas as decisões e escolhas
sociais, políticas e culturais que se relacionam direta ou indiretamente
com as questões de risco. Nesta etapa, os resultados da avaliação de
risco deverão ser analisados à luz de outros fatores sociais, econômi-
cos, políticos e culturais, a fim de possibilitar que as decisões tomadas
sejam as mais adequadas.
Nesta etapa, a seleção e a implementação de estratégias de contro-
le dos riscos deverão ser baseadas não somente na estimativa do risco,
mas também na sua viabilidade política, social, econômica e técnica.
As ferramentas principais de auxílio à decisão atualmente muito
empregadas nesta fase são a análise risco–benefício ou custo x eficácia e
a análise comparativa de riscos. Na análise risco versus benefício, os be-
nefícios de determinada atividade são avaliados e confrontados com os
riscos a fim de decidir se estes compensam os riscos impostos. A análise
custo–eficácia é similar, pois os custos de ações e medidas mitigadoras
são confrontados com a sua eficácia em termos de redução de risco.
Vale destacar que toda decisão é um processo de julgamento de
valores e como tal é sempre influenciado por questões sociais, econô-
micas, políticas e culturais, ainda que seja orientado pela melhor infor-
mação técnica disponível.
O monitoramento ambiental também é uma importante ferra-
menta de gerenciamento, uma vez que ele permitirá, por meio da co-
leta sistemática de informações, não apenas a aferição das informa-
ções e resultados da avaliação de risco como também a adoção de
procedimentos e ações imediatamente após a identificação de possí-
veis problemas.

9.7 PERCEPÇÃO DE RISCO

Os estudos da percepção de risco tiveram início ainda em 1960,


quando alguns profissionais decidiram investigar o comportamento
da população residente em áreas sujeitas a desastres naturais, como
enchentes. Essa população parecia ter, segundo os especialistas, um
CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 167

comportamento irracional, uma vez que se recusava a desocupar a


área e ignorava o alerta para os riscos.
A partir de 1970, vários estudos também foram realizados para
avaliar a percepção do público sobre a probabilidade e como este con-
ceito era utilizado por eles na tomada de decisão. Muitos outros estu-
dos foram realizados na área nuclear para compreender o aumento da
rejeição popular a este tipo de atividade.
Embora não se tenha uma teoria formulada a respeito, os estudos
de percepção do risco apontam alguns parâmetros importantes que são
considerados na decisão sobre risco, tais como: o conhecimento – as pes-
soas tendem a perceber como maiores os riscos de atividades novas e
desconhecidas; o potencial catastrófico – as pessoas tendem a enfatizar
as consequências em detrimento da probabilidade, e em casos em que as
consequências podem ser severas o risco é percebido como maior, ainda
que a probabilidade de ocorrência seja muito pequena; a voluntarieda-
de – as pessoas tendem a aceitar riscos maiores se entendem que são
escolhas voluntárias e rejeitam riscos menores se estes lhe são impostos.
Estes estudos auxiliam na ajuda da análise de risco e tomada de
decisões por:
1) Fornecer uma base para a compreensão e antecipação das res-
postas da população ao perigo.
2) Melhorar a comunicação da informação do risco entre a popu-
lação leiga, especialistas técnicos e responsáveis pelas decisões
a serem tomadas.

As conclusões destes estudos enfatizam a necessidade de que os


responsáveis pela promoção e regulamentação dos aspectos relacio-
nados à saúde e à segurança compreendam o que as pessoas pensam
sobre situações de risco. Sem tal compreensão, as políticas de proteção
e prevenção podem tornar-se ineficazes junto à população.

9.8 COMUNICAÇÃO DE RISCO

O aumento da discussão, por parte da sociedade, sobre os pro-


blemas ambientais deu origem também a muitas divergências envol-
vendo vários atores sociais, como indústria, órgãos ambientais e po-
168 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

pulação. Estes debates, em geral, têm colocado, de um lado, técnicos


e cientistas que alegam que a população em geral tende a exagerar os
riscos por desconhecer o assunto e, de outro, os leigos e representantes
de organizações populares que acusam os cientistas de minimizarem
os riscos para favorecer os interesses empresariais.
A comunicação de risco surgiu inicialmente como uma ferramen-
ta para tentar minimizar estes conflitos e tinha por objetivo levar in-
formações do público especializado para a população em geral. Atual-
mente, ela teve sua função ampliada e deve ser entendida como uma
ferramenta de troca de informações entre as partes interessadas, a fim
de garantir o direito a uma participação informada de todo cidadão
nas decisões que afetam sua vida ou sua saúde.

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CAPÍTULO 10

Controle de Qualidade
dos Resultados em
Toxicologia Ambiental

Cristina Lúcia Silveira Sisinno


Regina Sawaia Sáfadi
CAPÍTULO 10 – CONTROLE DE QUALIDADE... ►◄ 173

Os ensaios de toxicidade devem ser preferencialmente realizados


com base em normas técnicas reconhecidas nacional ou internacional-
mente. No Brasil são utilizadas normas nacionais da ABNT (Associa-
ção Brasileira de Normas Técnicas) e internacionais – como as da ISO
(International Organization for Standardization), OECD (Organization for
Economic Cooperation and Development) e USEPA (United States Environ-
mental Protection Agency).
A utilização de metodologias normalizadas para avaliação de to-
xicidade de substâncias químicas, efluentes industriais, solos contami-
nados ou remediados e compostos diversos é uma tendência mundial
e está sendo intensivamente recomendada, porque permite a compa-
ração de resultados obtidos em diversas circunstâncias e por diferentes
laboratórios, com controle e garantia da qualidade dos dados gerados.
Eventualmente, o laboratório pode ter que adotar uma metodologia
não normalizada ou desenvolver uma metodologia própria, porém
nestes casos deve providenciar a devida validação do método.

10.1 METODOLOGIAS E NORMAS TÉCNICAS


NACIONAIS

A primeira publicação de normas padronizadas em escala nacio-


nal no Brasil data de 1988, quando o Manual de Testes para Avaliação
da Ecotoxicidade de Agentes Químicos foi publicado pela hoje extinta
Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). Este manual contém
várias metodologias para avaliação da toxicidade e da ecotoxicidade
de substâncias químicas, além de outras metodologias, porém, como a
maioria está desatualizada, deixou de ser utilizado.
No início da década de 1990, uma comissão de especialistas na área
da ecotoxicologia elaborou as primeiras normas para ensaios ecotoxico-
lógicos com organismos aquáticos no Brasil, publicadas pela ABNT. Es-
sas normas foram baseadas nos procedimentos redigidos pela CETESB
(Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e originaram normas
ABNT para os seguintes organismos: Daphnia spp. (1995); Ceriodaphnia
spp. (1995); Peixes (1993); e Algas (1992). Devido à necessidade de re-
visão das normas existentes e da elaboração de normas com outros
174 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

organismos-teste, a ABNT instituiu uma Comissão de Estudo Especial


de Análises Ecotoxicológicas, que tem se reunido periodicamente des-
de 2002. Recentemente, foram realizadas traduções de normas da ISO
de qualidade de solo e de água com o uso de diversas espécies utiliza-
das também no Brasil.
As normas ABNT são reconhecidas como as normas oficiais bra-
sileiras e as metodologias atualmente em vigor são aplicadas em sua
maior parte para avaliação de ecotoxicidade aguda ou crônica com
diversos organismos aquáticos (marinhos ou de águas continentais) e
terrestres, tais como:
• Crustáceos – Daphnia similis e D. magna; Ceriodaphnia dubia e
C. silvestre; Mysidopsis juniae e Mysidium gracile; Hyalella spp.;
Anfípodos marinhos e estuarinos.
• Peixes – Danio rerio e Pimephales promelas.
• Algas – Chlorella vulgaris, Scenedesmus subspicatus e
Pseudokirchneriella subcaptata.
• Ouriços-do-mar – Lytechinus variegatus e Echinometra lucunter.
• Bactérias – Vibrio fischeri.
• Minhocas – Eisenia fetida e E. andrei.
• Vegetais superiores (espécies citadas na NBR ISO 11269-2:2009).
Outra metodologia importante da ABNT que merece destaque é a
norma de preparo de amostras para realização de ensaios ecotoxicoló-
gicos (ABNT NBR 15469:2007).
É importante lembrar que uma análise de qualidade começa com
a coleta adequada da amostra. Para isso, deve-se destacar que a ABNT
também possui métodos de coleta e preservação de amostras líquidas
e sólidas.

10.2 CONTROLE DE QUALIDADE

O desenvolvimento de um ensaio ecotoxicológico com base em me-


todologias reconhecidas é o primeiro passo para a produção de resulta-
dos que possam expressar confiabilidade e garantir a qualidade do en-
saio. Entretanto, vários outros fatores são de extrema importância para
garantir a qualidade dos resultados dos ensaios como, por exemplo, ca-
CAPÍTULO 10 – CONTROLE DE QUALIDADE... ►◄ 175

pacitação dos técnicos, instalações e infraestruturas adequadas, uso de


equipamentos e vidrarias calibrados, utilização de reagentes e materiais
de boa qualidade e de organismos-teste em condições apropriadas.
A capacitação do pessoal técnico e o treinamento constante são im-
portantes para manter os procedimentos que garantirão a qualidade
dos resultados. Também merece destaque a importância da organização
dos dados e a comunicação entre os técnicos que estejam executando
procedimentos da mesma amostra para evitar erros de continuidade.
Na parte de infraestrutura do laboratório é fundamental, por
exemplo, que a climatização dos ambientes, tanto para manutenção
e cultivo dos organismos como para realização dos ensaios, seja bem
controlada, e que as informações sejam devidamente registradas e ras-
treáveis ao longo do tempo. Tanto a limpeza do ambiente como a la-
vagem correta dos materiais e vidrarias merecem atenção para evitar
contaminação cruzada.
Além disso, o uso de reagentes e materiais de boa qualidade per-
mite um melhor controle sobre as fontes de variabilidade, inerentes
às atividades de pesquisa com seres vivos e evitam o desperdício de
material pela necessidade de descarte de produtos inadequados que
possam comprometer o resultado do ensaio.
Equipamentos e vidrarias calibrados permitem, igualmente, reduzir
as interferências indesejáveis na condução de ensaios ecotoxicológicos.
É importante lembrar que a aquisição de organismos-teste deve
ser feita com fornecedores de qualidade, que garantam sua manuten-
ção adequada antes que os organismos sejam utilizados nos ensaios.
Alguns dos mecanismos adotados pelos laboratórios para garan-
tia da qualidade dos ensaios que realizam são:

10.3 PRECISÃO INTRALABORATORIAL E


CARTA-CONTROLE
O laboratório deve determinar a variabilidade de cada tipo de
ensaio que executa (expressa pelo coeficiente de variação), realizando
uma série de ensaios com diferentes lotes de organismos e uma mesma
substância de referência, sob as mesmas condições de ensaio e mesmo
método de análise dos resultados.
176 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

O conjunto de dados gerados permite estabelecer a carta-controle,


definida por uma faixa de respostas aceitáveis para cada organismo/
condições de ensaio. Cada novo resultado produzido com a substância
de referência é criticamente avaliado em relação ao histórico estabele-
cido no laboratório.
Com isso, é possível identificar a ocorrência de tendências, como
aumento ou redução progressiva da sensibilidade dos organismos,
permitindo ao laboratório estabelecer ações corretivas antes que a va-
riabilidade alcance um nível inaceitável.
As cartas-controle são específicas para cada laboratório e refletem
as condições únicas das instalações, incluindo a qualidade da água ou
do substrato utilizados nos ensaios, as condições de manutenção/cul-
tivo dos organismos e outras variáveis.
A avaliação da precisão intralaboratorial e da carta-controle per-
mitem analisar a repetitividade dos dados gerados pelo laboratório em
um dado período de tempo.

10.4 ENSAIOS DE PROFICIÊNCIA (PROGRAMAS


INTERLABORATORIAIS)

A participação do laboratório nesses ensaios permite a avaliação


geral dos procedimentos internos em comparação com outros labora-
tórios. Normalmente, a organização responsável pelo estudo utiliza
amostras certificadas e os resultados obtidos pelos vários laboratórios
participantes são comparados estatisticamente. A performance de cada
laboratório é avaliada com base na média e no desvio-padrão do con-
junto de dados gerados em cada ensaio.

10.5 SISTEMA DE QUALIDADE E ACREDITAÇÃO


DE LABORATÓRIOS

A implementação e a manutenção de um sistema de gestão da


qualidade no laboratório para realização de ensaios, inclusive ecotoxi-
cológicos, são os principais mecanismos para o controle da qualidade
das análises.
CAPÍTULO 10 – CONTROLE DE QUALIDADE... ►◄ 177

A norma que estabelece os procedimentos e critérios para la-


boratórios de ensaio e calibração é a ABNT ISO/IEC 17025 – requi-
sitos gerais para a competência de laboratório de ensaio e calibra-
ção, que abrange a gestão de todas as atividades do laboratório. A
acreditação de laboratórios no Brasil é de competência exclusiva
do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tec-
nologia).
Alguns laboratórios optam primeiramente pelos certificados da
série ISO 9000, que tratam dos requisitos para boas práticas de manejo
que pretendem assegurar que a organização possa oferecer produtos
ou serviços que atendam às exigências de qualidade dos clientes.
O atendimento aos requisitos gerais da norma ABNT ISO/IEC 17025
demonstra que o laboratório tem implementado um sistema de qua-
lidade, é tecnicamente competente e é capaz de produzir resultados
dentro dos padrões exigidos e reconhecidos internacionalmente.
Dependendo de exigências de órgãos regulamentadores nacionais
e internacionais, o laboratório pode também obter o reconhecimento de
conformidade aos princípios das Boas Práticas de Laboratório (BPL),
igualmente sob a responsabilidade do INMETRO segundo a Norma
no NIT/DICLA-035. Por definição, Boas Práticas de Laboratório é um
sistema de qualidade que abrange o processo organizacional e as con-
dições nas quais estudos não clínicos de saúde e de segurança ao meio
ambiente são planejados, desenvolvidos, monitorados, registrados, ar-
quivados e relatados.
Conforme estabelecido pelo INMETRO, os princípios das BPL são
aplicados às instalações de teste que realizam estudos exigidos por órgãos
regulamentadores para o registro de produtos agrotóxicos, farmacêuti-
cos, aditivos de alimentos e rações, cosméticos, veterinários, produtos
químicos industriais, Organismos Geneticamente Modificados – OGM,
visando avaliar o risco ambiental e à saúde humana dos mesmos.
Alguns órgãos regulamentadores definiram critérios próprios
para aceitação dos resultados gerados pelos laboratórios. Por exemplo,
o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-
turais Renováveis) exige que os estudos físico-químicos, toxicológicos
e ecotoxicológicos realizados para avaliação ambiental de produtos
químicos, bioquímicos e biotecnológicos sejam conduzidos por labo-
178 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

ratórios com reconhecimento de conformidade aos princípios das BPL


pelo INMETRO.
Por sua vez, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
possui um sistema de habilitação de laboratórios para realização de
análises na área da saúde humana, cujo objetivo é garantir a boa qua-
lidade dos serviços prestados. Os laboratórios habilitados compõem a
Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (REBLAS) e de-
vem atender à norma ABNT ISO/IEC 17025, embora o órgão também
aceite o reconhecimento em BPL.
Essas certificações têm sido cada vez mais exigidas por órgãos
ambientais e empresas de médio e grande portes, preocupados em em-
basar suas ações e decisões em resultados confiáveis.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS
ABNT (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS). Normas
Técnicas. Disponível em: <www.abnt.com.br>. Acesso em: 20 ago. 2010.
ABNT (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS). Requisitos
gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração. ABNT
NBR ISO/IEC 17025. ABNT: Rio de Janeiro, 2005.
ANVISA (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA). Rede
Brasileira de Laboratórios em Saúde – REBLAS. Disponível em <www.
anvisa.gov.br/reblas/reblas.htm>. Acesso em: 20 ago. 2010.
BRASIL. MINISTÉRIO DO INTERIOR. SEMA (SECRETARIA ESPECIAL DO
MEIO AMBIENTE). Manual de Testes para Avaliação da Ecotoxicidade
de Agentes Químicos. Brasília: IBAMA, 351 p., 1988.
INMETRO (INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E
TECNOLOGIA). Princípios das Boas Práticas de Laboratório – BPL. Norma
no NIT-DICLA-035. Jul/09. Disponível em: <www.inmetro.gov.br>. Acesso
em: 20 ago. 2010.
ISO (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION).
ISO Standards. Disponível em: <www.iso.org>. Acesso em: 20 ago. 2010.
OECD (ORGANIZATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND
DEVELOPMENT). OECD Principles on Good Laboratory Practice, no 1.
Disponível em: <www.oecd.org>. Acesso em: 20 ago. 2010.
USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY).
Test Methods and Guidelines. Disponível em:<www.epa.gov/ocspp/>.
Acesso em: 20 ago. 2010.
CAPÍTULO 11

Estatística Aplicada em
Ensaios Toxicológicos
e Ecotoxicológicos

Eduardo Bertoletti
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 181

Os ensaios toxicológicos são usados, há muito tempo, para a toma-


da de decisão em aspectos relacionados à proteção da saúde humana.
Do mesmo modo, os ensaios ecotoxicológicos são utilizados com o fim
de proteção de outros animais (ou vegetais) em ecossistemas naturais.
Nesse sentido, a caracterização dos efeitos tóxicos de um agente quími-
co deve, preferencialmente, ser expressa por meios objetivos e inequí-
vocos, que independam da subjetividade do julgamento humano.
Nesse contexto, as análises aqui genericamente denominadas to-
xicológicas necessitam de tais meios visto que os dados experimentais
primários, de modo geral, constituem-se em gradações de um determi-
nado efeito tóxico provocadas por correspondentes gradações de doses
ou concentrações de um agente químico. Considerando-se os aspectos
mencionados, a análise estatística torna-se um meio fundamental para
expressar os resultados dos ensaios toxicológicos, embora muitos pro-
fissionais tenham dificuldades em utilizá-la rotineiramente.
Portanto, os textos a seguir não visam esmiuçar os procedimen-
tos estatísticos normalmente usados nos ensaios toxicológicos, mas
sim apresentar os princípios básicos que suportam tais procedimentos.
Desse modo, o usuário dos ensaios toxicológicos, e também dos ecoto-
xicológicos, pode ter uma ideia da forma como se processa o cálculo do
resultado analítico de interesse.

11.1 MÉTODOS ESTATÍSTICOS UTILIZADOS


EM ENSAIOS DE TOXICIDADE AGUDA

Usualmente os dados provenientes de ensaios de toxicidade


aguda são originários de características quantais (dicotômicas, bino-
miais, binárias), por exemplo, número de indivíduos vivos e mortos
ou, ainda, número de organismos móveis e imóveis. Tais dados apre-
sentam, inicialmente, as propriedades demonstradas na figura 11.1A,
onde é possível observar que para cada concentração do agente tó-
xico corresponde um percentual de efeito (letalidade, imobilidade,
entre outros). No entanto, os pontos plotados apresentam-se pouco
alinhados, de forma que não permitem traçar uma reta integradora
entre os mesmos.
182 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Para o alinhamento dos pontos, pesquisadores verificaram que a


transformação logarítmica das concentrações de exposição pode pro-
piciar um melhor ajuste (figura 11.1B). Além dessa, outra transforma-
ção, como a percentagem de efeito observado em escala probabilística,
pode ajustar melhor os pontos de forma a dispô-los em um mesmo
eixo (figura 11.1C).
Após o ajuste dos dados, conforme demonstrado na figura 11.1C,
é possível calcular o resultado analítico, como a CL50 (concentração
letal mediana), usualmente utilizada em ensaios de toxicidade aguda.
Para tanto, deve-se traçar uma linha-base (também chamada reta con-
centração/dose–resposta) entre os pontos obtidos, de preferência en-
tre aqueles que se situam entre 16% e 84% do efeito observado (figura
11.1C). Em seguida, traça-se uma linha horizontal a partir do eixo das
ordenadas, no ponto 50% de efeito observado, até a interseção com a
linha-base. A partir desse ponto, na linha-base, é traçada uma linha
vertical até o eixo das abscissas (concentrações do agente químico). As-
sim, o ponto de interseção no eixo das abscissas corresponderá a CL50
para uma determinada substância, sendo que no exemplo apresentado
na figura 11.1C a CL50 corresponde a 80 mg/L.
Os resultados do cálculo, inclusive as transformações menciona-
das, são muito semelhantes em quaisquer dos métodos estatísticos dis-
poníveis para o cálculo da CL50, desde o mais simples (interpolação
gráfica em papel prob-log) como para os de complexidade intermediá-
ria (correlação linear, Litchfield-Wilcoxon) e até para os métodos mais
sofisticados (Probitos, Trimmed Spearman-Karber, dentre outros).
Obviamente o uso de métodos estatísticos mais sofisticados é pre-
ferível, visto que permitem identificar dados incongruentes e, também,
possibilitam cálculos mais precisos. Um desses cálculos é o intervalo
de confiança, o qual indica a faixa de valores onde a CL50 pode ser
encontrada com uma probabilidade de 95%, sendo que este intervalo
é menos extenso quanto menor a variação das condições do ensaio. A
indicação do método mais apropriado ao conjunto de dados de um
ensaio será apresentada mais adiante.
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 183

FIGURA 11.1 (A, B, C) Relação concentração/dose–resposta de um agente químico.


184 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Um aspecto que merece destaque é o motivo para o cálculo da


CL50, isto é, a concentração que causa um efeito tóxico a 50% dos orga-
nismos testados. Em outras palavras, por que não calcular a CL10 ou
a CL90? A resposta está na maior repetibilidade dos resultados analí-
ticos expressos no nível de 50% do efeito observado, sendo que tal ca-
racterística está relacionada à resposta mais uniforme dos organismos
de uma população nesse percentual. Assim, são esperados resultados
mais variáveis quando são utilizados 10% dos organismos de uma po-
pulação (que representam os mais sensíveis) ou mesmo 90% (que re-
presentam os mais resistentes).
Em algumas situações dois agentes químicos distintos podem
apresentar a mesma CL50; no entanto, isso não significa que o modo de
ação dos agentes seja o mesmo. Para exemplificar, a figura 11.2 apre-
senta duas retas concentração/dose–resposta, as quais possuem incli-
nações diferenciadas, apesar das CL50 serem idênticas (29%). Assim,
a reta correspondente ao agente químico A (com menor inclinação)
reflete um mecanismo de ação cujos efeitos tóxicos se manifestam al-
gum tempo após a exposição, ou uma absorção lenta ou, ainda, uma
rápida excreção ou detoxificação. Para o agente A observa-se também
que são necessárias concentrações maiores para produzir um efeito tó-
xico diferenciado. Já a reta do agente químico B (com maior inclinação)
demonstra ser uma substância de absorção rápida, com manifestação
imediata dos efeitos tóxicos, sendo que pequenos incrementos nas con-
centrações produzem efeitos tóxicos expressivos.
Em muitos dos estudos toxicológicos, direcionados à saúde hu-
mana, as comparações sobre a intensidade dos efeitos de duas subs-
tâncias (expressas pela DL50 ou CL50) exigem que as retas sejam pa-
ralelas. Nesses estudos é necessário que tal condição seja observada,
pois as comparações podem se estender a respostas terapêuticas que
requerem níveis de efeito (benéficos ou tóxicos), sobre 1% e 99% dos
organismos expostos, com a finalidade de estabelecer margens de se-
gurança de diferentes agentes químicos.
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 185

FIGURA 11.2 Concentração/dose–resposta para dois agentes químicos distintos.

Assim, é possível verificar que as retas apresentadas na figura 11.2


não são comparáveis, uma vez que não possuem um paralelismo entre
elas. No entanto, na figura 11.3 são demonstradas duas retas paralelas
que permitem a comparação da potência dos agentes químicos A e B,
além de permitir a comparação com outras respostas terapêuticas que
possuam inclinação de retas similares.
Torna-se importante mencionar que nos estudos ecotoxicológicos,
voltados para os aspectos ambientais, o paralelismo entre as retas não
é uma condição exigida, visto que, usualmente, as comparações dizem
respeito somente à intensidade do efeito tóxico (ou potência) de dife-
rentes substâncias, sobre uma porcentagem preestabelecida da popu-
lação, a uma ou várias espécies de animais ou vegetais.
186 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

FIGURA 11.3 Dose–resposta (paralelas) de dois agentes químicos distintos.

Nos ensaios ecotoxicológicos, a comparação e a significância dos


resultados obtidos, em diferentes experimentos, podem ser obtidas
mediante a aplicação da seguinte fórmula:

onde:
LS(1) = Limite superior do intervalo de confiança referente ao
ensaio 1
LS(2) = Limite superior do intervalo de confiança referente ao
ensaio 2
CL50(1) = Concentração letal mediana referente ao ensaio 1
CL50(2) = Concentração letal mediana referente ao ensaio 2

Então, calcula-se:
H = 10G
Z = CL50 superior ÷ CL50 inferior
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 187

Utilizando-se as fórmulas acima, o valor de Z representa a


intensidade do efeito tóxico de um ensaio (potência) sobre o outro.
Ainda, caso o valor de Z seja maior do que o valor de H, constata-se
que existe diferença significativa entre os valores da CL50.
Existem diversos métodos estatísticos (paramétricos e não
paramétricos) para estimar a CL50 e o intervalo de confiança associado.
Os métodos paramétricos são aqueles que seguem uma relação
concentração–resposta que pode ser descrita por alguma função, ou
modelo matemático, tal como a da logística ou das probabilidades.
Entre os métodos paramétricos destacam-se o de Probitos e o de
Litchfield-Wilcoxon.
Os métodos estatísticos não paramétricos são aqueles que não
adotam modelos matemáticos para a relação concentração–resposta,
assumindo a distribuição monotônica das porcentagens de efeito
observado. Entre os métodos não paramétricos mais utilizados pode-se
citar o da interpolação gráfica e o Trimmed Spearman-Karber. A opção
pelo uso de um dos tipos de método estatístico depende da distribuição
da tolerância estatística dos dados experimentais.
Em termos práticos, a figura 11.4 apresenta algumas condicionan-
tes que indicam o método estatístico apropriado ao conjunto de dados
de um ensaio ecotoxicológico.

11.2 MÉTODOS ESTATÍSTICOS UTILIZADOS EM


ENSAIOS DE TOXICIDADE CRÔNICA

Nos ensaios de toxicidade crônica o objetivo é definir, entre as


concentrações utilizadas, aquela em que não são detectados efeitos de
importância biológica sobre a variável contínua de interesse (repro-
dução, crescimento, entre outras). A análise estatística de resultados
dos ensaios de toxicidade crônica pode ser efetuada por meio de testes
de hipóteses ou de métodos de estimativa pontual (estes últimos in-
cluem também os procedimentos recomendados para análise de dados
de ensaios de toxicidade aguda, quando a variável de interesse for a
sobrevivência).
188 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

FIGURA 11.4 Fluxograma para a determinação da CL50 de ensaio ecotoxicológico


agudo.

Os testes de hipóteses são os métodos estatísticos mais utilizados


devido à simplicidade dos cálculos (utilizam ferramentas estatísti-
cas simples, disponíveis em programas computadorizados), além de
serem apropriados a qualquer variável biológica. Esses métodos se
baseiam na aplicação de sucessivos testes estatísticos para definir as
concentrações-teste em que as respostas dos organismos são significa-
tivamente diferentes daquelas observadas dos organismos do controle
experimental. Como resultado, comparando a variabilidade da respos-
ta dentro de cada concentração-teste com as diferenças entre todas as
demais, obtém-se a CENO (maior concentração em que não são obtidos
efeitos estatisticamente significativos em relação ao controle), a CEO
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 189

(menor concentração em que são observados efeitos), ou a evidência


de que há um efeito adverso significativo. Tanto a CENO como a CEO
são as expressões numéricas do ensaio de toxicidade crônica, do mes-
mo modo que a CL50 é a expressão do ensaio de toxicidade aguda. Na
figura 11.5 é demonstrada a relação concentração/dose–resposta para
um ensaio ecotoxicológico crônico, além da expressão dos resultados.
Tradicionalmente, esse teste estatístico avalia a hipótese nula clás-
sica (H0), de igualdade entre as médias obtidas no controle experimen-
tal (μc) e nos tratamentos (μt), qual seja: H0: μt ≥ μc.
Já a hipótese alternativa (existência de diferença estatística entre
os tratamentos e o controle experimental) traduz-se por: Ha: μt < μc.
Nos testes de hipóteses as seguintes etapas estão envolvidas:
• Avaliação de efeito tóxico na sobrevivência: normalmente efetua-
da por meio do teste de Fisher, o qual testa a hipótese de que a
proporção de sobrevivência dos organismos no controle é igual à
proporção de sobrevivência dos organismos em cada tratamento.
• Avaliação de efeitos subletais nas concentrações-teste não afeta-
das pela sobrevivência. Tal avaliação engloba os seguintes passos:
verificação da normalidade das respostas por meio de um dos tes-
tes apropriados (Chi-quadrado, Shapiro Wilks ou Kolmogorov);
verificação da homocedasticidade dos dados que também pos-
suem testes específicos (Barttlett, Hartley, Levene ou teste “F”).
• Comparação de médias: quando constatadas a distribuição
normal e a homogeneidade das variâncias, deve-se avaliar se
as diferenças observadas entre os grupos são estatisticamente
significativas. O procedimento-padrão consiste em conduzir
uma ANOVA (Analyses of Variance), onde se testa a hipótese
nula de que as médias de todos os grupos são iguais. Quando
a hipótese nula da ANOVA é rejeitada, ou seja, se há evidên-
cias de diferenças entre as médias obtidas no(s) tratamento(s)
e a média do controle experimental, deve-se identificar qual(is)
tratamento(s) responde(m) por essa diferença. Para tal identi-
ficação, deve-se utilizar os métodos paramétricos (Teste “t”; “t
por bioequivalência”; Dunnett; Bonferroni, Williams; Tukey)
ou os métodos não paramétricos (Steel Many One; Wilcoxon’s
Rank Sum; Kruskal-Wallis).
190 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

FIGURA 11.5 Concentração/dose–resposta de um ensaio ecotoxicológico crônico,


para um determinado agente químico, e resultados analíticos obtidos.

11.2.1 Comparação de um Único Tratamento


com o Grupo-Controle

11.2.1.1 Teste “t”

Se os dados apresentam distribuição normal e variâncias homo-


gêneas, utiliza-se o teste “t” para detectar se existem diferenças signi-
ficativas entre as médias de um único tratamento e do controle experi-
mental. Quando os dois grupos apresentam variâncias heterogêneas,
deve-se efetuar o teste “t” para variâncias heterogêneas, onde os graus
de liberdade e o teste estatístico são modificados. A sequência dos cál-
culos, bem como o uso apropriado de cada teste estatístico para en-
saios desse tipo estão descritos na figura 11.6.
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 191

FIGURA 11.6 Fluxograma para análise estatística de dados de ensaios ecotoxicoló-


gicos crônicos com uma única concentração e com o controle.
192 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

11.2.1.2 Teste “t por Bioequivalência”

Para reduzir a incidência de falsos-positivos (os efeitos são


significativos estatisticamente, mas não importantes sob o aspecto
biológico) e de falsos-negativos (ocorrem efeitos, mas estes não são
detectados) decorrentes da aplicação do teste “t”, foi proposto o “teste
de hipóteses por bioequivalência”, o qual pode ser aplicado a dados
normais e com variâncias homogêneas. Utilizando um nível de efeito
biologicamente relevante (denominado p), incorporado ao cálculo
por meio da constante de proporcionalidade, este método permite
detectar, para a variável considerada, se as médias obtidas no controle
e no grupo experimental diferem de modo significativo sob os pontos
de vista estatístico e, principalmente, biológico.
No teste de bioequivalência, a hipótese nula (H0) é a de que a di-
ferença entre a média de um tratamento e a do controle experimental é
maior ou igual a uma determinada porcentagem da média do controle
(maior que 80% da média do controle, por exemplo). Aceitar a hipótese
nula significa que há efeito significativo, ou seja, a amostra é tóxica.
Inversamente, rejeitar a hipótese nula significa que não há efeito signi-
ficativo, como segue:

H0 = μT ≤ μC p
Ha = μT > μC p

A seleção do nível de efeito relevante (p) constitui o ponto crucial


desta abordagem, sendo que alguns pesquisadores sugerem o uso da
Diferença Mínima Significativa (DMS). Os valores da DMS gerados,
após uma série de testes de hipóteses com um determinado método de
ensaio, podem ser utilizados para definir o nível crítico que deve ser
atingido pelo mesmo. Este nível crítico, por sua vez, pode ser utilizado
para calcular a proporção de efeito que deve ser obtida em uma amos-
tra para que essa proporção seja considerada biologicamente igual ao
controle, constituindo-se assim na constante de proporcionalidade ne-
cessária à aplicação do teste “t por bioequivalência”.
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 193

Pesquisadores da CETESB (Companhia Ambiental do Estado de


São Paulo) estabeleceram as constantes de proporcionalidade (b) para
os diferentes métodos de ensaio ecotoxicológicos com organismos
aquáticos, subtraindo de 100 o valor correspondente ao 75º percentil
da Diferença Mínima Significativa. Os valores obtidos (tabela 11.1)
mostraram-se apropriados e coerentes com os de outros estudos
similares.

TABELA 11.1
VALORES DO 75º PERCENTIL DA DIFERENÇA MÍNIMA SIGNIFICATIVA
E AS CONSTANTES DE PROPORCIONALIDADE OBTIDAS PARA
OS DIFERENTES MÉTODOS DE ENSAIO

75º Percentil Valor da Constante de


Número de
Organismo-Teste da DMS Proporcionalidade
Ensaios
(p, em %) (b, em %)

Daphnia similis (sobrevivência) 101 27 73

Mysidopsis juniae (sobrevivência) 118 21 79

Hyalella meinerti (sobrevivência) 87 15 85

Hyalella azteca (sobrevivência) 36 11 89

Danio rerio (sobrevivência larval) 43 16 84


Danio rerio (sobrevivência)
41 17 83
embriolarval)
Ceriodaphnia dubia (reprodução) 42 28 72
Lytechinus variegatus
75 14 86
(desenvolvimento embriolarval)

A aplicação do teste “t por bioequivalência” na análise de resultados


de ensaios ecotoxicológicos crônicos com Ceriodaphnia dubia, por exem-
plo, tem permitido reduzir a incidência de falsos-positivos detectados no
teste “t” em amostras de águas superficiais. Portanto, tem sido verificado
que em tais amostras a reprodução dos organismos, embora menor do
que no controle experimental, não é biologicamente significativa.
194 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

11.2.2 Comparação de Múltiplas Concentrações com


o Grupo-Controle

Caso a ANOVA indique diferença significativa entre as médias


das várias concentrações-teste, são utilizados os testes paramétricos,
ou também os não paramétricos, para identificar aquelas que são dife-
rentes do controle experimental. A sequência dos cálculos, bem como
o uso apropriado de cada teste estatístico estão descritos na figura 11.7.
Como resultado, o teste de hipóteses estabelece um valor de corte para
a diferença de resposta de uma concentração-teste em relação à do con-
trole (figura 11.5). A menor concentração em que essa diferença excede
o valor de corte é definida como CEO (Concentração de Efeito Obser-
vado), enquanto a concentração mais elevada em que a diferença de
resposta é inferior ao valor de corte constitui a CENO (Concentração
de Efeito não Observado).
A análise de ensaios com múltiplas concentrações também pode
ser efetuada por meio do teste “t por bioequivalência” e, neste caso, a
CEO corresponderá à menor concentração na qual a média registrada
não é bioequivalente à média do controle. A CENO, por sua vez, é
definida como a maior concentração em que a média obtida é bioequi-
valente àquela do controle. A equação utilizada no cálculo estatístico é
modificada pela utilização de uma variância global, estimada a partir
de todos os grupos experimentais.

11.2.3 Testes de Estimativa Pontual

Vários pesquisadores têm demonstrado algumas inconveniências


dos testes de hipóteses, especialmente quanto aos seguintes aspectos:
• Os resultados estão restritos aos níveis testados, ou seja, CEO
e CENO correspondem, obrigatoriamente, a uma das concen-
trações utilizadas no ensaio, já que os testes de hipóteses não
permitem interpolações entre as mesmas.
• Não permitem o cálculo de um intervalo de confiança para a
CENO.
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 195

• Possibilidade de comprometimento dos resultados caso a dis-


tribuição das respostas não seja monotônica.
• Sensibilidade ao número de replicatas; à variância entre as re-
plicatas do controle e dos grupos experimentais; ao número de
organismos-teste por replicata; e às probabilidades de ocorrên-
cia de falsos-positivos.

Para evitar essas inconveniências, pesquisadores sugerem o uso


de modelos matemáticos que assumem uma relação concentração/
efeito contínua, permitindo estimar a concentração que causa uma
porcentagem específica de redução da resposta em relação àquela re-
gistrada no grupo-controle. Os métodos recomendados para avaliar
efeitos subletais, por meio de uma estimativa pontual, se baseiam em
um modelo paramétrico (Probitos) ou em um não paramétrico tal
como o da interpolação linear.
Enquanto o método de Probitos segue os mesmos princípios de
cálculo dos efeitos tóxicos agudos apresentados anteriormente, o mé-
todo de interpolação linear, particularmente, foi desenvolvido para
análise de dados de ensaios de toxicidade crônica de curta duração,
sendo utilizado para calcular a concentração do agente químico que
causa uma determinada porcentagem de redução (25%, 50%, etc.) na
reprodução ou no crescimento dos organismos-teste (Concentração de
Inibição – CIp).
Tal método efetua uma análise de regressão, estabelecendo uma
equação para a relação concentração/efeito que constitui a base para
interpolação das concentrações não testadas. Consequentemente, efei-
tos deletérios correspondentes a concentrações não utilizadas podem
ser estimados. Além disso, esse método utiliza a variabilidade dentro
dos tratamentos para calcular os limites de confiança sobre as propor-
ções de efeito utilizadas.
Para o uso do método de interpolação linear as respostas dos or-
ganismos devem estar, de preferência, em ordem monotonicamen-
te decrescente, sendo que, quando essa condição não é atendida, os
dados são ajustados por medianização das médias adjacentes. Além
disso, esse método exige o estabelecimento do nível de efeito tóxico
196 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

biologicamente relevante (p), para que seja possível estimar a concen-


tração do agente químico associada ao mesmo. Em estudos efetuados
na CETESB foram estabelecidos os valores de (p) para alguns métodos
de ensaio, os quais correspondem exatamente ou são aproximações do
75º percentil da DMS, conforme descritos na tabela 11.1.
As principais vantagens da aplicação de testes de estimativas
pontuais são:
• Utilizam todo o conjunto de dados da relação concentração/res-
posta, de modo a acomodá-los em algum modelo de regressão.
• Os níveis de efeito não se restringem a uma das concentrações-
teste, ou seja, o valor do efeito pode ser interpolado em qual-
quer ponto da curva concentração–resposta.
• Permitem estimar a precisão do método analítico.
• Podem ser aplicados a quaisquer tipos de dados, ou seja, letais
ou subletais.

Com relação aos aspectos críticos desta abordagem, destacam-se:


• No caso da utilização da interpolação linear, a construção do
intervalo de confiança é muito trabalhosa, exigindo programas
computadorizados.
• Requer maior conhecimento das ferramentas estatísticas
devido à maior complexidade dos modelos de regressão.

Na figura 11.7 encontra-se o fluxograma dos principais procedi-


mentos recomendados para a análise estatística de dados obtidos em
ensaios crônicos com múltiplas concentrações.
CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 197

FIGURA 11.7 Fluxograma para análise estatística de dados relativos a efeitos su-
bletais (reprodução, crescimento, etc.), obtidos em ensaios ecotoxicológicos crônicos
com múltiplas concentrações.
198 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL

REFERÊNCIAS CONSULTADAS
CHAPMAN, G. A.; ANDERSON, B. S.; BAILER, A. J.; BAIRD, R. B.; BERGER,
R.; BURTON, D. T.; DENTON, D. L.; GOODFELLOW, Jr.; HEBER, M. A.;
McDONALD, L. L.; NORBERG-KING, T. J.; RUFFIER, P. J. Discussion
synopsis, methods and appropriate endpoints. Chapter 3. In: GROTHE,
D. R.; DICKSON, K. L.; REED-JUDKINS, D. K. (eds.). Whole Effluent
Toxicity Testing: An evaluation of methods and prediction of receiving
system impacts. Pensacola: SETAC Press, p. 51-82, 1996.
ERICKSON, W. P.; McDONALD, L. L. Tests for bioequivalence of control
media and test media in studies of toxicity. Environmental Toxicology
and Chemistry, v. 14, n. 7, p. 1.247-1.256, 1995.
KLAASSEN, C. D. Casarett and Doull’s Toxicology: The basic science of
poisons. New York: McMillan Publishing Company, 1.236 p., 2001.
LITCHFIELD Jr, J. T.; WILCOXON, F. A simplified method of evaluating
dose–effect experiments. Journal of Pharmacology and Experimental
Therapeutics, v. 96, p. 99-113, 1949.
NORBERG-KING, T. J. A linear interpolation method for sublethal toxicity:
the inhibition concentration (ICp) approach. Version 2.0. (software).
USEPA-Duluth (MN), 1993.
WEST INC.; GULLEY, D. TOXSTAT 3.5 (software). University of Wyoming.
Wyoming: USA, 1995.
ZAGATTO, P. A.; BERTOLETTI, E. Ecotoxicologia Aquática: Princípios e
Aplicações. São Carlos: Rima Editora, 472 p., 2008.
A Toxicologia Ambiental
estuda os efeitos adversos das substâncias
químicas presentes no ambiente sobre os seres
vivos. Essa disciplina vem ganhando cada vez
mais importância, sobretudo em função dos
crescentes episódios de contaminação
ambiental. Em geral, a Toxicologia
Ambiental é pouco estudada nos cursos de
Graduação, sendo uma disciplina mais
difundida nos cursos lato sensu e stricto sensu.
Todavia, entendemos que a demanda por essa
área de conhecimento também tem aumentado
muito; o que traz a necessidade da transmissão
dessas informações à diversas áreas de
formação, sobretudo àquelas relacionadas
às ciências da saúde.
Assim sendo, “Princípios de Toxicologia
Ambiental” é uma apresentação deste tema
de maneira simplificada e resumida, podendo
servir como material didático para todas as
categorias de estudantes, principalmente, para
aqueles que querem começar a entender
melhor o princípio que afirma:
todas as substâncias são tóxicas.

ISBN 978-85-7193-263-0

9 788 571 93 263 0

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