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EcoSaúde

A EcoSaúde é um ramo de estudos recente, a iniciar-se apenas nesta nossa


era, que se dedica à investigação de como as alterações nos ecossistemas do
nosso planeta afectam a saúde humana. A EcoSaúde examina as alterações
nos ambientes biológicos, físicos, sociais e económicos e relaciona essas
mudanças com os respectivos impactes na nossa saúde. Exemplos dessas
alterações e dos seus impactes são abundantes. Alguns dos exemplos mais
comuns serão o aumento de casos de asma devido à poluição do ar, ou a
fragmentação de habitats tendo como consequência o aumento da incidência
da doença de Lyme (entre outras). Doenças infecciosas, causadas por vírus
tais como o Síndrome Respiratório Agudo, Ébola, gripe das aves e Hantavírus
foram recentemente relacionadas com alterações dos ecossistemas causadas
pelo Homem. Estas doenças apresentam uma elevada mortalidade e
continuam a existir muito poucas terapias que surtam efeito.

A EcoSaúde está finalmente a conseguir que médicos, veterinários,


ecologistas, estudiosos das ciências sociais e outros, trabalhem em conjunto
para se conseguir um estudo mais completo do ser humano e compreender
como é que as alterações dos ecossistemas naturais podem afectar
negativamente a nossa saúde. A EcoSaúde tenta fornecer soluções novas e
práticas para reduzir ou reverter os impactes negativos na saúde humana
devido às alterações dos ecossistemas.

Um pouco de história

A avaliação dos impactes negativos na saúde humana causados pelas


alterações ambientais (tanto do ambiente natural como do ambiente
construído) tem estado, tradicionalmente, ligadas aos ramos da medicina e da
saúde ambiental.
O ramo biomédico tem-se debruçado sobre o indivíduo, tratando agentes
patogénicos e toxinas em indivíduos expostos a eles.
A saúde ambiental tem tido por missão a análise, quantificação e procura de
soluções para as populações humanas expostas a toxinas, tanto naturais como
por nós manipuladas ou mesmo por nós fabricadas.

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Cristina Carapeto
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Como é que a EcoSaúde se mostra diferente?

Os estudos da EcoSaúde diferem dos tradicionais estudos focalizados numa


única disciplina. Um estudo epidemiológico tradicional pode mostrar as taxas
de malária a subir numa dada região mas não reflecte sobre o “como” ou o
“porquê” desse aumento.

Um estudo de saúde ambiental pode recomendar que se faça a aspersão de


pesticidas em determinadas quantidades ou em determinadas áreas para
controlar o aumento e disseminação da doença.

Uma análise económica pode calcular o custo e a eficácia por cada euro gasto
na aplicação de tais medidas.

Um estudo de EcoSaúde utiliza uma abordagem diferente. Começa por reunir


especialistas de diversas áreas do saber bem como os membros das
comunidades afectadas, antes de dar início ao verdadeiro estudo do problema.
Através de reuniões pré-estudo, o grupo assim reunido partilha conhecimentos
e adopta uma linguagem comum. Estes encontros pré-estudo geralmente
levam ao aparecimento de estratégias inovadoras e podem dar origem a
soluções mais robustas do ponto de vista social. Este é o tipo de estudo que se
pode considerar transdisciplinari e que é realmente diferente dos estudos
multidisciplinaresii. Os estudos de EcoSaúde também valorizam a participação
de todos os grupos envolvidos, incluindo os responsáveis pelas decisões a
implementar (políticas) e acreditam que assuntos como a igualdade (igualdade
de género, igualdade de classes socioeconómicas, igualdade de grupos etários
e mesmo igualdade de espécies) são importantes para se compreender em
profundidade o problema em estudo. Jean Leber enunciou como sendo os três
pilares da EcoSaúde a transdisciplinaridade, a participação e a igualdade.

Um pequeno exemplo de um estudo transdisciplinar no ramo da EcoSaúde é o


que se descreve em seguida, retirado de “HEALTH: Na Ecosystem Approach”
de Jean Lebel (IRDC 2003, ISBN 1-55250-012-8):

«No México, nas décadas de 1940 e 1950, cerca de 24.000 pessoas dos 2,4
milhões de habitantes que contraiam malária todos os anos acabavam por
falecer. A utilização massiva do poderoso insecticida DDT era a única e
derradeira solução governamental para eliminar a doença. Ao longo do tempo
conseguiu-se algum progresso no tratamento da malária, mas a guerra estava
longe de se poder considerar ganha. O uso do DDT também colocava algumas
ameaças à saúde do ecossistema. Além disso, tal como exigido pelo Acordo do
Comércio Livre Norte Americano, o México deveria eliminar completamente o
uso do DDT até 2002. Para enfrentar este desafio iniciou-se um projecto de

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Cristina Carapeto
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investigação de EcoSaúde a fim de reunir o conhecimento de uma equipa de


especialistas em epidemiologia e ciências sociais, tanto pertencentes ao
governo como à academia universitária. A equipa acumulou muita informação
sobre a prevalência da malária em 2.000 vilas. Dados obtidos pelo sistema de
informação geográfico ajudaram a equipa a concluir que os mosquitos não
viajavam muito. “Se há um local para depositar os ovos e alimentá-los, porquê
ir mais longe?” explica Mario Henry Rodriguez, Director do Instituto Nacional de
Saúde para a Investigação de Doenças Infecciosas (NIPH). Além disso, tal
como confirmado por Juan Eugenio Hernandez, o Director de Informática do
NIPH, acredita-se que os seres humanos são, eles mesmos, os vectores da
malária “o que explica por que razão mais casos de malária são encontrados
nas vilas situadas ao longo das estradas”. Com a ajuda da comunidade, a
equipa estudou as condições de vida das populações, incluindo as diferenças
de comportamento entre homens e mulheres. Descobriu-se que enquanto as
mulheres tinham uma maior probabilidade de serem picadas pelos mosquitos
de manhã cedo quando iam buscar água, os homens tinham, uma maior
probabilidade de serem picados à noite nas plantações de café. Diversas
medidas preventivas foram então tomadas. Os cientistas propuseram a
utilização de um novo insecticida que, ao contrário do DDT, não era persistente
no ambiente. Também idealizaram uma nova bomba de aspersão mais eficaz,
que podia aspergir 40 casas por dia em vez de 8 e utilizava menos insecticida.
Um kit novo de teste para a malária consegue agora detectar a presença ou a
ausência de parasitas no sangue dos doentes em apenas alguns minutos,
contrariamente aos testes de laboratório que costumam demorar 3 ou 4
semanas para confirmar o diagnóstico. Anteriormente, a necessidade de
esperar pelos resultados laboratoriais tinha forçado o governo a tratar todas as
pessoas que apresentassem sintomas, mesmo que vagos, da doença, tais
como febre elevada ou dores de cabeça. Actualmente, os voluntários podem
aplicar os novos testes às pessoas em cerca de 60 vilas. “Nós demos às
comunidades os meios para tomarem conta de si próprias”, diz Mario
Rodriguez. A luta contra a malária no México já não é apenas da
responsabilidade dos funcionários do sector público. As mulheres também têm
um papel importante ao removerem, de duas em duas semanas, as algas que
dão abrigo às larvas dos mosquitos nos diversos corpos de água. Como
resultado, o número de casos de malária no estado de Oaxaca diminuiu de
15.000 em 1998 para apenas 400 na actualidade ______ e isto sem se utilizar o
DDT. “A nossa experiência ensinou-nos que precisamos de incentivar a
investigação relacionada com as ciências sociais se quisermos levar este
programa a outras partes do país, ao mesmo tempo que o mantemos aqui em
Oaxaca. O desafio é desenhar o modelo que levará à aplicação do programa
numa escala muito mais ampla”; diz o Dr. Rodriguez».

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Cristina Carapeto
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Este estudo revela tanto a natureza das complexas interacções do problema


como a extensão em que uma solução de sucesso deve cruzar diferentes
disciplinas de investigação. A solução englobou as ideias criativas de vários
indivíduos e produziu uma solução em que todos ficaram a ganhar:
investigadores, homens de negócios e, mais importante, a comunidade como
um todo.

Embora muitos dos efeitos dramáticos das alterações dos ecossistemas e


muita investigação esteja centrada nos países desenvolvidos, os ecossistemas
do ambiente construído em zonas urbanas do mundo desenvolvido também é
uma determinante de grande importância na saúde dos seres humanos. A
obesidade, a diabetes, a asma e as doenças coronárias estão todas
directamente relacionadas com a forma como o ser humano interage com o
ecossistema urbano no qual vive. A arquitectura e o planeamento das zonas
urbanas determinam a utilização de veículos automóveis, a disponibilidade de
escolhas alimentares, os níveis de poluição atmosférica e a segurança das
zonas vizinhas daquelas onde vivem as pessoas.

i
que diz respeito, simultaneamente, a duas ou mais disciplinas ou áreas do conhecimento

ii
que abrange várias disciplinas

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Cristina Carapeto

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