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ALMEIDA, Maria Regina Celestino de.

A atuação dos indígenas na História do Brasil:


revisões historiográficas.

HISTORIOGRAFIA REVISIONISTA:

INTRODUÇÃO
A historiografia brasileira, que emergiu a partir dos anos 80, buscou afastar-se da
abordagem tradicional, rejeitando a simplificação maniqueísta, em grande medida
influenciada pelo marxismo tradicional. Esta última corrente foi criticada por estabelecer uma
dicotomia simplista entre dominadores e dominados, concebendo o mundo de maneira
excessivamente dualista. Nesse contexto, a perspectiva mais relativista foi adotada para
interpretar a história do Brasil, conferindo significado político às minorias.

A historiografia presente na obra de Almeida segue a mesma trilha teórica de Gladys Ribeiro
e Marcos Carvalho, explorando a história indígena sem relegar esses grupos a meras
vítimas passivas da violência. Ao invés disso, busca-se reconhecer os sujeitos históricos
com seus próprios objetivos, ambições, projetos de vida e as lutas inerentes a tais
desígnios. Embora esses autores reconheçam a significativa violência infligida aos africanos
e americanos escravizados, não ignoram o impacto desses últimos na tessitura da
experiência histórica. O objetivo dessa corrente é desmantelar essa bipolaridade, evitando
uma análise que relegue a questão a uma dualidade simplista, onde de um lado figura o
colonizador e, do outro, o indígena, preconizando, assim, uma visão mais intrincada.

A inovação central desse pensamento, portanto, reside na concepção desses grupos como
constituídos por indivíduos que detêm suas próprias vivências e propósitos, independentes
da influência dos colonizadores. Restringir sua existência apenas à resistência contra a
colonização seria submetê-los a uma visão demasiadamente simplista, perpetuando a lógica
do opressor. A solução proposta é a apreensão dos diversos referenciais desses grupos,
evitando reduzi-los exclusivamente à narrativa da resistência contra o colonizador.

Assim, esses autores supracitados trabalham para contrapor uma leitura específica da
história do Brasil, previamente ancorada na perspectiva europeia, atrelada ao
desenvolvimento do sistema capitalista e em uma abordagem estruturalista centrada em
aspectos como importação, exportação, liberdade de comércio, entre outros elementos do
capitalismo. Esta abordagem revisionista transcende a polarização entre Europa e Brasil,
direcionando seu foco à sociedade brasileira, com um olhar voltado para os grupos
humanos, e buscando compreender os sujeitos em seus cotidianos e experiências
imediatas, em detrimento das preocupações com as grandes unidades produtoras e a
produção destinada à exportação. Este redirecionamento ocorre em virtude do entendimento
de que, embora a elite tenha exercido um papel proeminente na escrita da história, não deve
ser considerada como a única protagonista nessa narrativa.

STOLCKE, VERNA; HALL, Michael. A introdução do braço livre nas lavouras de café de
São Paulo. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol.3 , no. 6, set. 1983.

TRABALHO ESCRAVO PARA LIVRE - ABOLIÇÃO


ESCOLA PAULISTA: A escola paulista, de modo geral, e em particular a Emília Viotti da
Costa, destaca recorrentemente a expressão "transição do trabalho escravo para o trabalho
livre". A relevância atribuída a essa temática encontra raízes na influência marcante da
historiografia britânica, a qual, ao discutir a transição do feudalismo para o capitalismo na
Inglaterra pós-guerra, exerceu impacto significativo sobre a abordagem adotada pela escola
paulista. Essa perspectiva, forjada em meio às crises do liberalismo pós-guerras mundiais e
à crise de 29, buscou compreender a transição do capitalismo para o socialismo.

A vertente historiográfica paulista, orientou-se para analisar o Brasil à luz dessa concepção,
explorando minuciosamente os modos de produção vigentes em diferentes períodos. Caio
Prado, embora não identificasse o feudalismo no contexto brasileiro, também confrontava
desafios ao tentar reconhecer o capitalismo nesse cenário histórico. As reflexões de
Fernando Novais, ao retomar o trabalho de Caio Prado, introduziram a ideia de um período
de transição. Sob a ótica desses estudiosos, a presença da mão de obra escrava africana
dificultava a caracterização do sistema como capitalista, visto que a utilização de mão de
obra livre era central para tal definição.

Desse modo, a abolição da escravatura na segunda metade do século XIX é percebida


como um marco crucial para o desenvolvimento do sistema capitalista no Brasil, eliminando
um entrave que lançou as bases para seu efetivo progresso. Assim, os estudiosos exploram
intensivamente esse momento, investigando o processo de abolição da escravatura e a
introdução do trabalho livre imigrante. Esse período pavimenta o terreno para os eventos
subsequente na República Velha, como o estabelecimento de fábricas, o surgimento do
movimento operário e a formação da classe trabalhadora industrial. Dessa forma, as bases
do capitalismo são lançadas, consolidando-se efetivamente ao longo do século XX.

VERTENTE REVISIONISTA: Os historiadores da vertente historiográfica que desponta nos


anos 80 afastam-se da concepção em questão, lançando questionamentos e
problematizações acerca do emprego da expressão "transição do trabalho escravo para o
trabalho livre". A problemática central reside na potencial transmissão de uma ideia
equivocada, qual seja, a de que houve um período em que toda atividade laboral era
escrava, seguida por uma transição abrupta para um cenário totalmente caracterizado pelo
trabalho livre. Em verdade, no entendimento dessa linha teórica, desde o período colonial,
coexistiam formas distintas de trabalho, abrangendo tanto a modalidade escrava,
proveniente tanto de populações africanas quanto indígenas, quanto o trabalho livre.

Nessa perspectiva, o título do artigo em análise revela-se inadequado, uma vez que não
aborda exclusivamente a introdução do trabalho livre, mas, mais precisamente, a
implementação do trabalho livre imigrante.
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OESTE PAULISTA

ESCOLA PAULISTA: A região oeste do estado de São Paulo vem experimentando um


notável influxo de mão de obra imigrante, um fenômeno que se destaca em comparação
com outras localidades. Há diversas linhas de compreensão desse fenômeno. A Emília Viotti
Da Costa sustenta que as fazendas no vale do Paraíba fluminense e paulista foram
estabelecidas em um período em que a disponibilidade de mão de obra escrava africana era
profusa. À medida que se vislumbrava o término do tráfico negreiro, as empresas que
importavam escravos da África para o Brasil intensificavam suas atividades, saturando o
mercado exatamente quando as plantações de café do vale do Paraíba estavam em
ascensão. Ao contrário das propriedades na região oeste paulista, essas fazendas não
enfrentavam a mesma demanda por mão de obra.

Além da questão da demanda, a autora argumenta que os fazendeiros na região oeste


paulista diferem substancialmente de seus pares no vale do Paraíba. Estes últimos,
frequentemente, viveram durante a independência do Brasil, nutrindo uma forte identificação
com o regime monárquico. Adotavam um estilo de vida específico, residindo nas fazendas,
cercados por escravos, os quais consideravam símbolos de status. Contrapondo-se a essa
realidade, os fazendeiros na região oeste paulista estabeleceram suas propriedades em um
período em que a mão de obra escrava não era tão abundantemente disponível. Sua busca
primordial era por mão de obra livre, preferencialmente composta por imigrantes. Ao
contrário dos fazendeiros no vale do Paraíba, esses proprietários não percebiam o
investimento em escravos como uma representação de status. Optavam por residir nas
cidades, mantendo-se conectados às inovações e demonstrando uma propensão maior ao
emprego de maquinaria em suas atividades agrícolas. Muitos desses fazendeiros, alinhados
com o pensamento republicano, adotaram uma "mentalidade capitalista", contratando
trabalhadores livres na Europa e integrando-os em suas plantações de café.

Esses fazendeiros de café mais progressistas, percebendo as condições propícias,


introduziram o trabalho livre do imigrante, desempenhando um papel crucial no declínio da
escravidão. O fator determinante para essa transição residia na mentalidade progressista
desses fazendeiros, os quais estavam mais alinhados com as demandas do mercado
capitalista internacional. Esse movimento, por sua vez, derivou do contexto global do
capitalismo, que passou a exigir maior competitividade. A redução de custos tornou-se
imperativa para a continuidade da competição, levando esses fazendeiros a avaliar
criteriosamente qual forma de trabalho proporcionaria maiores lucros: o escravo ou o
trabalhador livre. A conclusão foi de que, por meio do emprego de trabalhadores livres,
conseguiriam reduzir os custos de produção do café e manter sua presença no mercado
internacional. As forças estruturais, aliadas a essa fração da classe dominante,
desempenharam um papel determinante na configuração desse cenário.

REVISIONISTA:

O artigo questiona a suposição de uma potencial disparidade na mentalidade entre grupos


mais e menos inclinados ao capitalismo.

A análise conduzida revela a presença de conflitos de classe, evidenciando um ambiente


internacional competitivo, onde cafeicultores enfrentam desafios para sobreviver. Diante
dessa realidade, tais fazendeiros buscam alternativas à escravidão não como expressão de
uma mentalidade intrinsecamente capitalista, mas como uma resposta pragmática à falta de
opções. A única perspectiva vislumbrada é a utilização de mão de obra livre imigrante,
embora tentativas anteriores de implementar sistemas de parceria tenham falhado devido à
recusa e revolta dos trabalhadores imigrantes, que se sentiam explorados.

Desse modo, os pensadores dessa linha notam que os determinantes do sucesso da


imigração europeia no oeste paulista, não pode ser atribuído à suposta mentalidade
progressista dos fazendeiros. Pelo contrário, esses fazendeiros, desprovidos de escravos
devido à falta de disponibilidade, exploram trabalhadores livres de maneira pragmática. O
sucesso do colonato, que emerge como uma alternativa, é, portanto, resultante da luta de
classes, onde fazendeiros buscam impor suas vontades e trabalhadores resistem, forçando
concessões por parte dos empregadores. A compreensão dialética de Thompson sobre a
luta de classes serve como alicerçamento teórico para essa concepção, destacando que é
na contenda que a classe trabalhadora, seja ela escravizada ou livre, adquire consciência,
culminando no desenvolvimento de ações a fim de determinar suas reivindicações.

A assertiva de que o Brasil é capitalista desde 1500, com a chegada dos portugueses e a
subsequente exploração, reforça a concepção de uma economia intrinsecamente ligada ao
sistema capitalista. A argumentação ressalta que a mão de obra escrava não é incongruente
com o capitalismo, e a historiografia recente atenua as discussões sobre a transição, uma
vez que a colônia já se originou em um contexto capitalista, caracterizado por estratificações
de classe e lutas.

Portanto, no que tange à política de imigração na segunda metade do século XIX,


argumenta-se que esta não foi simplesmente um reflexo da vontade dos fazendeiros
"capitalistas", mas resultou de ajustes de expectativas entre esses fazendeiros e os
imigrantes. Essa discrepância gerou crises que foram progressivamente resolvidas mediante
disputas entre diversos grupos, transcendentemente além dos empregadores.

ALONSO, Angela. O Abolicionismo como movimento social

VERTENTE ESTRUTURALISTA: Existe uma intrínseca relação entre o imigracionismo e o


abolicionismo, cuja interpretação clássica, advinda da perspectiva de Emília Viotti da Costa,
sugere que ambos são desdobramentos das transformações econômicas e sociais ocorridas
no Brasil a partir de 1850. Este período foi marcado pela extinção do tráfico negreiro em
virtude das pressões britânicas, resultando na interrupção da principal fonte de mão de obra.
Simultaneamente, as condições internacionais induziram uma nova fase no desenvolvimento
capitalista, caracterizada pelo aumento da competição global.

Nesse contexto, determinados grupos identificaram a necessidade de reavaliar estratégias


para a redução de custos e aprimoramento da competitividade no cenário internacional.
Optaram, portanto, pela utilização de mão de obra livre imigrante, percebendo-a como uma
alternativa economicamente viável. Com o término do tráfico negreiro, os capitais
previamente alocados nessa prática foram redirecionados para outros setores econômicos,
ocasionando uma diversificação e a emergência de novos grupos economicamente
independentes da escravidão.

Nesse panorama, a transição para o imigracionismo não apenas reflete uma estratégia
econômica, mas também uma resposta à propaganda antiabolicionista. Os grupos
emergentes, desvinculados da dependência da mão de obra escrava, atuaram como
agentes de pressão para a abolição da escravidão. Portanto, o abolicionismo e o
imigracionismo emergem como consequências intrínsecas de um processo mais amplo: as
profundas transformações econômicas e sociais associadas a uma nova fase do capitalismo
global.

REVISIONISTA: A reação à abordagem estruturalista deu origem a outra corrente de


pensamento que ganhou notoriedade nos anos 1980. Esta perspectiva, inspirada pelo
trabalho de E. P. Thompson, afastou-se da análise centrada nos grandes líderes,
direcionando seu enfoque para os indivíduos anônimos e marginalizados na história da
abolição. Subsequentes estudos procuraram reconstruir a resistência cotidiana dos
escravos, deslocando a atenção para a agência dos subalternos, com especial ênfase nos
próprios escravos. Paralelamente, investigaram temas relacionados à história cultural,
demonstrando uma relativa negligência em relação às formas políticas institucionais dos
conflitos.

VISÃO DA AUTORA: A autora apresenta uma perspectiva distinta que não se alinha nem
com a Escola Paulista, nem tanto com a revisionista. Sua análise é predominantemente
direcionada ao viés político-institucional, focalizando a questão no âmbito político e nos
grupos que se articulam em torno do poder. Em contrapartida, ela evita abordar a história a
partir da ótica da luta de classes ou dos vencidos. A historiografia que emerge a partir da
década de 1980, especificamente ao examinar os conflitos entre senhores e escravos, não
desperta um interesse expressivo em sua análise.

O foco da autora reside na investigação dos grupos políticos institucionais, explorando sua
constituição, articulação e funcionamento, compreendendo elementos como o governo,
partidos de oposição, debates parlamentares e facções políticas. A luta parlamentar é
central em sua abordagem, sendo considerada chave para a compreensão do processo
abolicionista. Nesse sentido, ela destaca a atuação dos políticos, especialmente daqueles
favoráveis à abolição, atribuindo particular proeminência à figura de Nabuco.

A contribuição significativa da autora consiste em argumentar que a historiografia dedicada


ao movimento abolicionista tende a restringir excessivamente a análise a esse contexto
específico. Dessa forma, ela propõe a necessidade de contextualizar o movimento
abolicionista em uma esfera político-institucional mais ampla, tanto no âmbito nacional
quanto internacional.

AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Quem Precisa de São Nabuco?

Num sentido contrário ao artigo de Alonso, Azevedo questiona o movimento abolicionista


como parte integrante de um fenômeno social mais amplo.
A principal controvérsia abordada por Azevedo gira em torno da indagação sobre os
objetivos reais do abolicionismo. A princípio, pode-se interpretar que o movimento busca o
bem-estar dos escravos, almejando conceder alforrias, reconhecer as injustiças a que
estavam submetidos e, por fim, abolir a instituição escravocrata. No entanto, a autora
argumenta que essa aparência benevolente mascara um temor subjacente por parte da elite
dominante, receosa das possíveis implicações na perda de controle social. Nessa
perspectiva, Nabuco, frequentemente enaltecido como figura essencial para o êxito do
movimento abolicionista, é desmitificado por Azevedo, sendo interpretado como alguém
comprometido com os interesses da elite em detrimento dos escravos.

A preocupação central de Nabuco, segundo Azevedo, não reside no delineamento de um


futuro para uma nação miscigenada ou na correção das desigualdades sociais e melhoria
pós-abolição. Pelo contrário, o foco está no destino da nação e das elites, refletindo-se na
defesa da importação de trabalhadores europeus como substitutos para os escravos, sem a
proposição de alternativas para estes após a abolição, evidenciando a visão idealizada de
um Brasil europeizado.

Após o 13 de maio, o movimento abolicionista, conforme percebido por Azevedo, perde sua
coesão, não buscando uma continuidade na promoção de condições adequadas para os
ex-escravos. O abandono desses indivíduos contribui para a perpetuação das
desigualdades sociais originadas durante a escravidão.

A abordagem de Célia e da corrente revisionista, portanto, contrasta significativamente com


a perspectiva anterior, evitando a concepção da abolição como resultado de uma luta
parlamentar liderada por políticos com percepções alinhadas à estrutura econômica mundial.
Essa vertente busca analisar a luta dos escravos sob o conceito de "resgate dos sujeitos",
reconhecendo esses grupos como agentes históricos capazes de modificar seu entorno. Ao
contrário das correntes anteriores, que os colocavam como incapazes de alterar seus
destinos, agora é essencial perceber nas ações dos escravos uma luta transformadora que
amplia a compreensão das formas pelas quais enfrentaram sua condição.

REFERÊNCIAS

THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria. Rio: Zahar, 1981.

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