Você está na página 1de 2

Universidade de Brasília

Instituto de Humanidade

Departamento de História

Exercício de resenha de “A escravidão entre dois liberalismos”, Alfredo Bosi

Disciplina: História do Brasil 2.

Semestre: I/2020.

Professor: Kelerson Semerene

Aluno: Vinícius Torres Araújo Dourado - 190118237

Bosi, nesse excelente texto, trata da questão de como o liberalismo importado teve que se ajustar
para poder coexistir em uma economia e sociedade escravagista como a brasileira do século XIX. A
fuga a esse paradoxo, pelo menos na primeira metade do século, veio de um abandono da própria
ideia liberal burguesa vinda da Europa, já que o aspecto do trabalho livre não poderia ser aplicado
sem expor todas as contradições e colocar em xeque a sociedade escravista.

O contexto brasileiro da escravidão precisa ser entendido a partir de uma oposição entre os interesses
da elite econômica nacional e os do governo inglês, que pressionava o Brasil a abandonar tanto o
tráfico negreiro como a própria escravidão – após a proibição em 1826 pela Inglaterra, em 1831 a lei
regencial proíbe o tráfico, apesar de fazer visto grossa para a sua permanência pelas décadas que se
seguem. Na Câmara brasileira existiu um debate de cunho patriótico de enfrentamento à pressão
inglesa e que pedia a revogação de tal acordo, visto que deveria se prezar pela soberania nacional e
não deixar que estrangeiro decidisse por questões internas alheias a eles; e sobretudo porque a
Câmara representava os interesses de uma elite que fazia grande uso da mão de obra escrava e estava
ligada com o tráfico negreiro. O teor dessas reivindicações são ao mesmo tempo nacionalista e fieis
aos princípios de livre comércio.

O que se percebe na apresentação do texto é que não se pode ter um entendimento homogêneo do
que viria a ser Liberal naquele momento, podendo tanto possuir uma vertente de liberdade fundiária,
de comércio, de eleger e ser eleito. Esse mesmo teor liberal existente naquele momento inicial do
Império foi substituído pelo Regresso no momento em que se percebe a vulnerabilidade da integração
nacional, ameaçada então por um conjunto de revoltas que surgiram durante a regência. Esse retorno
do liberalismo ao conservadorismo foi adiante com uma lei que afastava os ideais libertários franceses,
e que punia de morte qualquer ato de rebeldia dos escravos para com seus senhores.

Ao abordar o laissez-faire e associa-lo com a escravidão, Bosi demonstra como a teoria liberal
ortodoxa foi moldada para justificar a continuidade e o direito do cidadão-proprietário sobre a sua
posse, ou seja, sobre seu escravo. Um lógica que atendia aos interesses de uma classe econômica
dominante que estava também fortemente representada nos núcleos de poder e decisão. O
liberalismo era, portanto, parcial e seletivo, moldava o liberalismo econômico aos interesses da classe
oligárquica e agiam com repulsa a toda e qualquer exigência liberal que não atendessem às
particularidades brasileira. Quando o tráfico foi finalmente suspenso, ele ocorreu na sua formalidade,
mas ainda despertava sentimentos de defesa dentro da Câmara, inclusive pelo seu propositor, Eusébio
de Queiroz. O comércio de escravos passa a contar também, nesse momento, com um fluxo vindo da
mão de obra escrava liberada das canas de açúcar para o sul/sudeste do país.

Bosi apresenta o ano de 1868 como um marco fundamental que representaria a ponta do iceberg que
culminaria com a abolição em 1888 e com a própria proclamação da república. Nesse ano, D Pedro II
demite o gabinete Zacarias de Gois(que tinha apoio da Câmara) e isso gera um sentimento de
insatisfação que acabará provocando a catalização de forças liberais dispersas. A partir daí surge um
novo liberalismo que em muitos aspectos se iguala ao anterior, mas que tem um elemento muito
importante que os fazem diferentes: a defesa do fim da escravidão. Segundo Bosi, é a passagem de
uma regresso agromercantil escravista para uma proposta reformista de defesa do trabalho livre
assalariado. Obviamente, ao longo dos anos, principalmente após a diminuição do fluxo do tráfico
internacional, necessidade de substituir mão de obra e fluxo migratório, o cenário progressivamente
vai ficando mais favorável e impulsionador de uma reforma que encontrasse outras forças de trabalho
para tocar a lavoura de café no sudeste do país.

Essa centralidade dos cafeicultores na demanda por mão de obra escrava, inclusive, atua como algo
que retardada a adesão dos paulistas à pauta abolicionista, dado que eles buscavam uma progressão
gradual na substituição da mão de obra e também que eles buscavam uma indenização para a suas
perdas decorrentes da abolição.

O texto do Bosi é muito esclarecedor e mostra como as ideologias podem e acabam sendo adaptadas
para atender aos interesses das classes dominantes. É notório que a própria abolição, ao contrário do
que poderia ser dito na época, não vem de uma decisão dos próprios senhores, mas sim de fatores
externos que empurraram o país tardiamente para o processo de abolição acontecido em 1888.

Você também pode gostar