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Direito Constitucional

Conceito
Na principal divisão do sistema jurídico – summa divisio -, entre os subsistemas (vulgarmente
designados como “ramos”) de direito público e privado, é comum colocar o Direito
Constitucional (adiante DC) como o primeiro de entre os subsistemas do direito público

É um posicionamento correto – contudo, como se verá, algumas caraterísticas do DC situam-


no num parâmetro à parte, destacado de entre os demais subsistemas de direito público,
como o Direito Administrativo, Direito Penal, Direto Internacional Público, Direito Fiscal,
Direito do Ambiente, etc.

O DC estuda e regula os fundamentos da ordem jurídica aos quais se submetem os princípios e


lógicas formais e materiais de todo o Direito.

Podemos definir o DC como o sistema de princípios e normas jurídicas que regulam a


organização, funcionamento e limites do poder público do Estado e estabelecem os direitos
das pessoas que pertencem à respetiva comunidade política (cidadãos)

Qualquer definição de DC tem de sintetizar o equilíbrio entre o “poder público do Estado” e os


“direitos das pessoas que formam comunidade política”

Há uma ambivalência no poder público do Estado: Por um lado, esse poder serve para
legitimar e garantir os direitos dos cidadãos Por outro, esse poder público pode reprimir os
mesmos cidadãos.

Elementos do Conceito de DC
Elemento subjetivo – o destinatário direto do DC é o Estado quer enquanto Estado-Poder quer
como Estado-Comunidade Política

Elemento material – o DC versa a opções fundamentais do Estado quanto aos diretos


fundamentais, quanto à sua própria organização, à economia, à atividade da Administração
Pública, etc.

Elemento formal – a Constituição da República Portuguesa, adiante CRP, é a lei suprema da


ordem jurídica em face da qual todos os demais ditames jurídicos internos se devem submeter
(ATENÇÃO: adiante, ver questão do Primado do Direito Europeu)

Plano Sistemático da CRP


DC Social – direitos fundamentais dos cidadãos (não tem relação com a parte de direitos
sociais da CRP)

DC Económico – organização económica, financeira e fiscal, a regulação da intervenção do


Estado na Economia

DC Organizatório – estruturação do poder público, regras de organização do poder político e


regulação das entidades públicas e administrativas

DC Garantístico – é a salvaguarda da própria CRP, as regras que definem a proteção do seu


âmbito e da sua evolução
Características do DC
Supremacia – o DC é o vértice da pirâmide (Kelsen) de princípios e normas que formam a
ordem jurídica, não podendo ser contrariado por outra disposição jurídica positiva, quer do
ponto de vista substantivo, lógico-material, quer numa perspetiva adjetiva: adoção de
mecanismos coercivos de fiscalização da constitucionalidade de qualquer outra determinação
do direito

A questão do Primado do direito europeu – os Estados-Membros da União Europeia aceitaram


um compromisso de “integração europeia”, que, na sua versão intrinsecamente jurídica,
significa adotar soluções e fórmulas jurídicas internas que viabilizem a construção de uma
ordem jurídica europeia, i.e. de um direito europeu (antigamente denominado como direito
comunitário).

O esforço de construir um direito europeu significa a adoção de soluções homogéneas e


coerentes entre si em todas as ordens jurídicas dos Estados Membros, um corpo de princípios
e de normas com uma unidade sistemática a regerem as matérias mais diversas nos 27 ordens
jurídicas que compõem a UE

O que tem consequências, desde logo:

1. a aceitação do Primado do direito europeu por todas as 27 ordens jurídicas


quando este se reveste como direito originário (texto dos Tratados europeus
fundadores) – inclusivamente se existir colisão com a CRP

2. a aceitação do Primado do direito europeu face aos atos legislativos


ordinários (Leis, Decretos-Lei, DLR) quando aquele ostenta a face de direito
derivado (atos jurídicos das instituições da UE: Regulamentos, Diretivas,
Decisões, Pareceres e Recomendações) e é de natureza vinculativa

Deste modo, as normas de direito interno dos Estados que sejam incompatíveis com o direito
europeu podem ser afastadas, i.e. desaplicadas (ulteriormente deverão os Estados revogá-las)
de acordo com as regras descritas anteriormente

Vão neste sentido os Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia Costa/Enel (1963) e
Factortarme (1990), Atlanta (1995), Unibet (2007), entre outros.

Se esta regra não existisse qualquer esforço de construir um direito europeu não subsistiria –
os Estados-Membros adotariam soluções jurídicas próprias e distintas entre si, e os cidadãos
europeus não teriam expetativas semelhantes de justiça perante os mesmos problemas.

Transversalidade – o DC traça as opções gerais da comunidade. Assim, todas as vertentes do


sistema jurídico são marcadas pelas regras e pela sua lógica

Politicidade – o DC define o estatuto do poder político

Estadualidade – é a expressão jurídica da soberania do Estado que modela e que se impõe a


todo o sistema jurídico

Legalismo – Por razões histórias e dogmáticas, o DC é produto do legalismo (debate Savigny vs.
Thibaut)
Fragmentarismo – o DC não tem intenção de regular total e completamente as matérias que
versa. Traça-lhes, apenas, os fundamentos e limites

Juventude – O DC moderno tem meros 200 anos face a 2500 do Direito

Abertura – o DC não é um sistema fechado. À semelhança do próprio sistema jurídico é


semiaberto o que possibilita a sua evolução e absorção do sentir-ser da sociedade

Princípios
São os princípios que estabelecem a lógica daquilo que o DC é. São o sentido geral da CRP.
Podem dividir-se em:

PC jurídicos – princípios fundamentais historicamente objetivados o progressivamente


introduzidos na consciência jurídica geral e que encontram uma receção expressa ou implícita
no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante
fundamento para a interpretação, o conhecimento e a aplicação do direito positivo.

PC políticos – princípios constitucionais que explicitam as valorações políticas fundamentais do


legislador constituinte. Aí se condensam as opções políticas fundamentais e se reflete a
ideologia inspiradora da constituição.

PC organizativos – são atinentes a opções de distribuição de competências dentro do sistema


político.

PC materiais – dizem respeito a opções de fundo em relação aos sistema social e económico.

PC positivos e supra-positivos (questão do direito natural) – decorrem de bitolas de Direito


Natural.

PC lógicos (racionalidade, confiança, o que permite o mais permite o menos) – integram uma
ideia de racionalidade, com o princípio de confiança.

PC valorativos (vida, dignidade, direitos fundamentais) – incarnam a defesa de valores


fundamentais dos cidadãos, como a dignidade da pessoa humana.

Direito como Sistema


O Direito é um sistema de princípios e de normas.

É um sistema (não um conjunto) porque constitui uma harmonia de elementos múltiplos, em


que cada um reside no seu lugar específico - e é precisamente isso que transmite lógica e
significado a cada elemento e ao sistema globalmente considerado

É um sistema porque não constitui uma arrumação de elementos desfasados entre si – o


Direito vive de interpenetrações lógicas e axiológicas entre os elementos que o compõem e os
propósitos inerentes à realização humana e social

Aos princípios e normas, elementos do sistema, subjazem valores que lhe dão sentido

Não é por acaso que a maioria dos autores considera o Direito uma unidade de sentido – com
sentido e com fins
Princípios
O sistema jurídico, independentemente das suas regras sistemáticas específicas (de hierarquia,
de organização, estruturação e interligação dos elementos, de maior ou menor abertura ao
espaço exterior envolvente) vive de uma axiologia e teleologia próprias, i.e. de valores
fundamentais que formam, eles mesmos, uma ordenação diferenciada dentro do sistema mas
que dá conexão a todos os elementos.

Logo, faz funcionar o sistema jurídico e dá-lhe harmonia.

Essa axiologia e teleologia são feitas de princípios.

Vantagens dos Princípios


Um sistema jurídico que parta da sociedade e por causa dela, assente em princípios gerais gera
arevalorização da jurisprudência – mas pode por em causa o papel da Lei como reguladora
“detodas as coisas visíveis e invisíveis”

A especial adaptação dos princípios à evolução – ver Constituição norte-americana

«A parte vital e permanente do Direito (Law) está contida nos princípios – pontos de
partida para raciocinar – e não nas normas. Os princípios permanecem relativamente
inalteráveis ou desenvolvem-se através de parâmetros coerentes e constantes. As normas têm
uma vida relativamente breve. Não se desenvolvem. Caducam ou são revogadas e substituídas
por outras normas». Roscoe Pound

«Reiterar que as decisões dos Tribunais estão de acordo com regras preexistentes não
é insistir que todas essas regras têm de ser absolutamente explícitas; que devam ter sido
escritas de antemão utilizando esta ou aquela palavra. Fazer nisso finca-pé seria lutar por um
ideal inalcançável. Há “regras” que nunca podem ter uma forma explícita. Muitas dessas regras
só se descobrem porque dão origem a decisões coerentes e prognosticáveis, servindo, para
aqueles que as praticam, como manifestações do “sentido de justiça”». Friedrich A. Hayek

Os princípios são a base lógica do direito: dão-lhe valores, sentido e finalidades. Do mesmo
modo, também o tornam operativo, funcional e eficiente

Na esteira de Gomes Canotilho, os princípios podem ser:

I. Fundamentais – adquiridos históricos do constitucionalismo, sedimentados na


consciência jurídica geral e que perfazem a lógica própria do Estado de Direito e servem como
prisma interpretativa de todo o direito.

II. Constitucionalmente conformadores – são as opções políticas fundamentais que se


quiseram imprimir à Constituição, quer do ponto de vista ideológico quer na estruturação
política do Estado.

III. Constitucionais impositivos – princípios prospetivos, os que impõem tarefas ao


Estado e ao Legislador (cfr. art. 9.º)

IV. Princípios-Garantia – aqueles que proporcionam um penhor e salvaguarda do


Estado face a direitos dos cidadãos positivados (ex. arts. 18.º; 19.º; 20.º; 27.º; 268.º, etc.)

Para Jorge Miranda, a divisão principal nos princípios constitucionais é a seguinte:

I. Substantivos - contém os valores essenciais da constituição material;


 Axiológicos fundamentais (valores básicos de direito natural e direitos
fundamentais de 1.º geração)
 Político-constitucionais (limites ao poder constituinte, limites de revisão
constitucional, princípios do Estado de Direito – separação de poderes,
proporcionalidade, legalidade, democrático, representativo, republicano, da
maioria proporcional);
 Constitucionais instrumentais (aqueles que estruturam e dão operatividade ao
sistema jurídico. Normalmente não têm valor axiológico mas decorrem da
lógica do Estado de Direito: publicidade das normas jurídicas, tipicidade,
princípio da competência dos órgãos constitucionais, do pedido de fiscalização
da constitucionalidade)
II. Adjetivos – princípios de alcance mais técnico e decorrentes dos substantivos
que os enquadram e tornam operativos.

Classificação geral das Normas Jurídicas


Gerais: normas-regra para uma dada situação juridicamente relevante

Especiais: situações específicas mas cujo sentido interpretativo vai na mesma direção da regra,
particularizando-o

Excecionais: regula situações (normalmente) avulsas que exigem solução contrária ao sentido
da regra (regras próprias quanto à interpretação e integração, cfr. art. 11.º CC)

Permissivas/ facultativas: admitem um comportamento (normas de “pode”)

Prescritivas/imperativas / precetivas: obrigam a um dado comportamento (normas de “deve”)

Substantivas: regulam relações e/ou situações jurídicas socialmente relevantes

Adjetivas: as normas que estabelecem regras de efetividade e de garantia para o cumprimento


das soluções substantivas (normas de processo/procedimento)

De direito comum: possíveis de serem aplicadas a qualquer cidadão

De direito particular: aplicam-se a uma classe especial de pessoas (arguidos, reclusos, jovens,
idosos, arts. 67.º e ss. CRP)

Classificação de Normas Constitucionais


Normas Const. materiais: normas que dizem respeito ao fundo material da Constituição, por
exemplo as relativas aos direitos fundamentais

Normas Const. orgânicas: as que regulam a estruturação e a atividade dos órgãos de soberania

Normas Const. procedimentais: as que respeitam aos modos de exercício do poder

Normas Const. precetivas: aquelas cuja vinculatividade e eficácia não dependem de fatores
externos a si mesma. São comandos-regra

Normas Const. programáticas: as que desenham um fim ao Legislador que exige uma
transformação para a sua concretização (direito à habitação).

Normas Const. Exequíveis (de 1.º grau): aplicam-se por si mesmas (não necessitam de lei
ordinária que lhes confira essa aplicabilidade)
Normas Const. Não exequíveis (de 2.º grau): necessitam de lei ordinária para serem aplicáveis

Normas Const. a se: contêm uma regulamentação constitucional específica sobre situações

Normas Const. sobre normas: aquelas que versam sobre o modo de aplicação, interpretação
ou cessação de outras normas

Aplicabilidade Direta
Não se deve confundir com a exequibilidade das normas

A regra é que as normas constitucionais, por natureza, possuem aplicabilidade direta –


nomeadamente os direitos fundamentais (art. 18.º/1)

O mesmo se defende quanto aos princípios (cfr. art. 13.º)

Inclusivamente as normas não-exequíveis:

Porque fixam critérios para o Legislador

Por causa da interpretação sistemática da CRP

Quando proíbem normas em sentido contrário ou comportamentos que as inviabilizem

Porque impõem obstáculos à revogação das normas ordinárias que as concretizem

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