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Direito Constitucional II 1

Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Sebenta de Direito
Constitucional II
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Regência: Prof.ª Doutor Jorge Reis Novais

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Daniel Vieira Lourenço – Turma B

DIREITO CONSTITUCIONAL II

INTRODUÇÃO ÀS FUNÇÕES DO ESTADO E À FUNÇÃO LEGISLATIVA EM ESPECIAL

1. As funções do Estado. O sentido jurídico da distinção de funções em Estado de


Direito.

2. Função política (função de governo e função legislativa), função administrativa e


função jurisdicional. A distinção material e a caracterização geral de cada função.

3. A função legislativa. Os sentidos de lei. A lei em sentido material. A generalidade e


abstracção enquanto elementos da caracterização material da lei. O artigo 18º, 3, da
Constituição e o alcance da exigência de generalidade e abstracção nas leis restritivas.

II

A FUNÇÃO LEGISLATIVA NA CONSTITUIÇÃO DE 1976

1. Os actos legislativos na Constituição portuguesa. O princípio da tipicidade dos actos


legislativos. Os órgãos com competência legislativa. A competência legislativa genérica de
Assembleia da República e governo. A competência limitada das assembleias legislativas
regionais.

2. A relação entre leis e decretos-leis.

Artigos da Constituição:

—112º, 1 e 5

—161º, c)

—198º, 1, a)

—112º, 4; 227º, 1, a); 232º, 1

—112º, 2

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3. O sentido e alcance da competência legislativa genérica, própria e reservada de


Assembleia da República e Governo.

4. A evolução histórica das competências legislativas dos executivos na passagem do


estado de Direito liberal para o Estado de Direito social.

5. O sentido e justificação de uma reserva de competência legislativa alargada da


Assembleia da República. Os diferentes tipos de reserva de competência legislativa da
Assembleia da República e o sentido de uma reserva limitada de competência legislativa do
Governo.

Artigos da Constituição:

—161º, c; 198º, 1, a)

—161º, 164º, 165º; 198º, 2

—161º, d); 166º, 3; 112º, 2, segunda parte

6. A competência legislativa das Regiões Autónomas. O sentido da evolução


constitucional sobre competência legislativa regional desde 1976 até à revisão constitucional
de 2004.

7. Os actuais limites da competência legislativa regional e as dúvidas suscitadas pelo


Tribunal Constitucional a propósito do "âmbito regional" da legislação regional.

8. A repartição de competências normativas entre o Governo e a Assembleia legislativa


regional. As competências exclusivas da Assembleia Legislativa Regional no domínio da função
legislativa e da competência regulamentar.

9. As relações entre os actos legislativos emanados dos órgãos de soberania e os


decretos legislativos regionais.

Artigos da Constituição:

—Art. 112º, 4; art. 227º; art. 232º, 1.

—Art. 228º, 1 e 2

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10. A competência legislativa da Assembleia da República.

11. A distinção entre leis constitucionais e leis ordinárias e o vício de


inconstitucionalidade.

12. A distinção entre leis de valor reforçado e leis comuns e a figura da ilegalidade dos
actos legislativos ou inconstitucionalidade indirecta.

13. Vários tipos de leis ordinárias reforçadas: as leis reforçadas pelo procedimento (leis
orgânicas e leis aprovadas por maioria qualificada) e as leis pressuposto normativo necessário
de outras leis (leis de autorização legislativa e leis de bases).

14. Os estatutos político-administrativos da regiões autónomas enquanto leis


reforçadas de alcance e vinculação gerais.

15. As características especiais das leis orgânicas.

Artigos da Constituição:

—Art. 280º, 2; art. 112º, 3; art. 166º.

—Art. 116º, 2; art. 168º, 5 e 6.

—Art. 112º, 2, segunda parte.

—Art. 226º.

16. As leis de bases e os decretos-leis de desenvolvimento. As leis de autorização


legislativa e os decretos-leis feitos no uso de autorização legislativa.

Artigos da Constituição:

—art. 112º, 2 e 3; art. 198º, nº 1, b) e c), e nº 3

—art. 161º, d) e e); art. 165º, nºs 2, 3, 4 e 5

17. As leis de enquadramento ou leis-quadro (exemplo da lei de enquadramento do


Orçamento em relação com a lei do Orçamento)

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Artigos da Constituição:

—Art. 112º, nº 3; art. 106º, nº 1; art. 161º, g)

18. O processo legislativo parlamentar. A competência de iniciativa.

19. A iniciativa legislativa: os limites da iniciativa legislativa dos deputados, Governo e


assembleias regionais. A cláusula-travão.

20. A discussão e votação.

21. A promulgação e a assinatura do Representante da República nas Regiões


Autónomas. O regime do veto.

22. A referenda e a publicação.

Artigos da Constituição:

—art. 167º

—art. 168º, art. 116º

—art. 134º, b), art. 136º, art. 233º

—art. 137º

—art. 140º, art. 119º

23. A competência legislativa do Governo e a apreciação dos decretos-leis por parte da


Assembleia da República.

24. A primazia legislativa da Assembleia da República relativamente ao Governo.

25. A competência legislativa das assembleias regionais e a apreciação de decretos


legislativos regionais por parte da Assembleia da República.

Artigos da Constituição:

—art. 198º, art. 162º, c), art. 169º

—art. 227º

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III

A GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO: AS ALTERAÇÕES DA CONSTITUIÇÃO

1. A garantia da Constituição: Constituição rígida e alteração da Constituição.

2. Os diferentes tipos de alteração da Constituição. Ruptura e reforma da Constituição.

3. As rupturas: a revolução e a ruptura não revolucionária.

4. As reformas: a revisão e a transição constitucional.

5. Introdução ao estudo da revisão constitucional: categorização dogmática e histórico,


seu regime na Constituição portuguesa e seus limites procedimentais.

6. Os limites de revisão constitucional. Conceito e tipos.

7. Os limites materiais de revisão.

Artigos da Constituição:

Arts. 284º, 285º, 286º, 288º, 289º

8. As revisões constitucionais ocorridas durante a vigência da Constituição de 1976.

IV

A GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO: A FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE

1. Introdução ao estudo da fiscalização da constitucionalidade: conceito, matrizes e


tipos e inserção na Constituição portuguesa como garantia da Constituição.

2. Fiscalização da constitucionalidade: órgãos competentes para fiscalizar a


constitucionalidade na Constituição portuguesa.

3. Fiscalização preventiva: função constitucional e pressupostos processuais. Regime


das decisões de provimento e não provimento.

4. Fiscalização sucessiva abstracta: função constitucional, pressupostos e tramitação


processuais.

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5. Fiscalização sucessiva abstracta: decisões de provimento e de não provimento,


incluindo limitação de efeitos ao abrigo do artigo 282.º/4 da Constituição e breve referência à
problemática das decisões interpretativas, redutivas, aditivas e substitutivas.

6. A fiscalização concreta de constitucionalidade e de ilegalidade. O art. 204º e o


acesso directo dos juízes comuns à Constituição, reflectindo-se em decisões judiciais de
aplicação ou de recusa de aplicação de normas em vigor. O art. 280º da Constituição e a Lei
Orgânica do Tribunal Constitucional e o regime de recursos para o Tribunal Constitucional.

7. O art. 281º, nº 3, da Constituição e o sentido da ligação entre a fiscalização sucessiva


abstracta e concreta.

8. A fiscalização da inconstitucionalidade por omissão e os seus limites (art. 283º da


Constituição).

Artigos da Constituição:

Art. 204º, 278º279º, 280º, 281º, 282º, 283º

AVALIAÇÃO DO SISTEMA PORTUGUÊS DE FISCALIZAÇÃO EM CONFRONTO COM OS


MODELOS VIGENTES EM DIREITO COMPARADO

1. Avaliação global do sistema português de fiscalização da constitucionalidade


enquanto fiscalização dirigida exclusivamente à apreciação da constitucionalidade de normas.

2. Os défices de protecção evidenciados pelo sistema português de fiscalização sempre


que a lesão de direitos fundamentais é praticada através de actos individuais e concretos
(administrativos ou judiciais) e não através de normas.

3. A tentativa de o Tribunal Constitucional superar esses défices de protecção através


do alargamento do conceito de norma sujeita a fiscalização.

4. A fiscalização concreta e a ampliação que o Tribunal Constitucional faz do conceito


de norma para efeitos de fiscalização: benefícios e desvantagens.

5. A comparação com o modelo europeu com recurso de amparo.

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6. Ausência de protecção nas situações de violação dos direitos fundamentais por


omissão.

7. Ausência de protecção dos direitos fundamentais nas relações entre privados.

8. Os riscos de insegurança e desigualdade na admissão de recursos por parte do


Tribunal Constitucional.

9. A irracionalidade da possibilidade de arguição temporalmente irrestrita de


inconstitucionalidades orgânicas e formais.

10. A possibilidade de utilização indiscriminada do sistema de fiscalização para fins


inapropriados.

11. A comparação com o modelo americano e com o modelo europeu que acolhe o
recurso de amparo e o reenvio prejudicial.

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A Atividade Constitucional do Estado

Elementos do Estado

O Estado pode ser entendido como uma coletividade territorial na qual está fixado um povo e
se encontra instituído um poder político soberano, cujo processo de decisão, tomado no âmbito
de um ordenamento jurídico, visa a satisfação de interesses gerais. Elementos:

▪ Povo (conjunto de pessoas ligadas a uma determinada coletividade territorial pelo


vinculo jurídico da nacionalidade);
▪ Território (Espaço físico de uma coletividade territorial, demarcado por fronteiras
terrestres, marítimas e aéreas);
▪ Poder Político Soberano /sistema de órgãos que desempenham funções de autoridade);
▪ Ordenamento Jurídico (Sistema regido pelo Direito).

Estado Ordenamento e Estado Pessoa

O Estado Ordenamento integra na sua esfera, não uma mas diversas pessoas coletivas públicas.
O Estado-Pessoa é a entidade a quem são constitucionalmente confiadas as atividades soberanas
do Estado-Ordenamento. Também no Estado Ordenamento, como entidades secundárias,
dotados de diferentes graus variáveis de autonomia, destacam-se outras pessoas coletivas
territoriais (estados federados, regiões autónomas, autarquias,…), bem como pessoas coletivas
púbicas não territoriais (institutos públicos e universidades).

Funções do Estado

Existem dois sentidos possíveis de função do Estado:

• Fim, tarefa ou incumbência correspondente a certa necessidade coletiva ou a certa zona


da vida social – neste primeiro sentido, a função traduz um determinado enlace entre a
sociedade e o Estado, assim como um principio de legitimação do exercício do poder, a
crescente complexidade das funções exercidas pelo estado (de garantia da segurança
perante o exterior, da justiça e da paz civil à promoção do bem estar, da cultura e da
defesa do ambiente) decorre do alargamento das necessidade humanas, das pretensões
de intervenção dos governantes e dos meios de que se podem dotar, e é ainda uma
maneira de o Estado e os governantes, em concreto, justificarem a sua existência ou a
sua permanência no poder. A função, representada neste sentido, não tem apenas
que ver com o Estado enquanto poder, tem também que ver com o Estado
enquanto comunidade. Estes fins principais do Estado encontram-se, em parte, no
artigo 9 da CRP.
• Num segundo sentido diz respeito à atividade com características próprias, passagem
a ação, modelo de comportamento e, neste momento, o termo função, entronca nos atos
e atividades que o Estado constantemente, repetida e repetivelmente vai desenvolvendo,
de harmonia com as regras e os princípios que o conformam. Neste sentido, a função
não é outra coisa se não a manifestação especifica do poder politico e carece de ser
apreendida numa tríplice perspetiva (material, formal e orgânica).

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A tarefa mais não é que um fim do Estado concretizado em certa época histórica, em certo
regime ou constituição material. Por seu turno, a função enquanto atividade não vem a ser senão
um meio para atingir esse fim, qualificado sob certo aspeto.

O artigo 9 CRP ocupa-se das tarefas fundamentais do Estado.

Sobre as funções-atividades versam, naturalmente, as normas de organização do poder politico,


sobretudo as que estabelecem as competências dos órgãos de soberania, das regiões autónomas
e do poder local e as relativas aos seus processos e procedimentos de agir (arts. 161º, 164º,
199º, 227º, 237º, 239º CRP ).

A Função no Sentido de Atividade

A função no sentido de atividade pode definir-se como um complexo ordenado de atos,


destinados à prossecução de um fim ou de vários fins conexos, por forma própria. Consiste
na atividade que o Estado desenvolve mediante os seus órgãos e agentes, com vista à realização
das tarefas e incumbências que, constitucional ou legalmente lhe cabem.

Cada função ou atividade oferece, assim, três características:

a) É especifica ou diferenciada pelos seus elementos materiais (as respetivas causas e os


resultados que produz), formais (formalidades que exige) e orgânicos (os órgãos ou
agentes por onde corre);

b) É duradoura – prolonga-se indefinidamente, ainda que se desdobre em atos localizados


no tempo que envolvem pessoas e situações diversas;

c) É, consequentemente, globalizada – tem de ser encarada como um conjunto, e não


como uma serie de atos avulsos.

Se as funções do Estado dependem das normas (e, antes de mais, das normas constitucionais)
que as regem, então todas as funções do Estado e todos os atos em que se desdobram não podem
deixar de ser funções jurídicas e todos os atos jurídico-públicos. Não há atividade do Estado à
margem do Direito.

Enunciam-se correntemente como funções do Estado a legislativa, a governativa, a


jurisdicional, a administrativa e ainda a técnica.

O Estado tem ou tende a ter o monopólio dos três primeiros e só com o seu consentimento ou
por delegação outras coletividades ou entidades dão corpo a atos cuja natureza se reconduza a
uma ou outra dessas funções. Ao invés, no que concerne à função administrativa e à chamada
função técnica, o Estado não é senão um (embora o de maior “peso e volume”) dos sujeitos que
as podem promover. Ao lado do Estado outras pessoas coletivas públicas, ou mesmo privadas,
desempenham também a função administrativa, havendo então que harmonizar os diferentes
interesses por elas prosseguidos.

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Classificação das Funções do Estado

A Doutrina tem propostas diferentes para as classificações das funções do Estado, porém,
normalmente identifica-se uma divisão tricotómica: Função Politica, Função Administrativa
e Função Jurisdicional.

Funções Critérios Materiais Critérios Formais Critérios Orgânicos


Função Política ▪ Definição primária ▪ Liberdade ou ▪ Órgãos (políticos
(Legislativa e e global do interesse discricionariedade ou governativos) e
Governativa/Politica do Estado; máxima (contudo, colégios em
Stricto Sensu) ▪ Inovação/Criação submetida à CRP); conexão direta com
no Ordenamento ▪ Ausência de sanções a forma e o sistema
Jurídico; especificas; de governo.
▪ Interpretação dos
fins do Estado;
▪ Direção do Estado
Função ▪ Satisfação constante ▪ Iniciativa (indo ao ▪ Dependência
Administrativa e quotidiana das encontro das funcional, com
necessidades necessidades); sujeição, no
coletivas; ▪ Parcialidade (na interior de cada
▪ Prestação de bens e prossecução do sistema a ordens e
serviços. interesse publico, o instruções e
que não impede a recurso
imparcialidade no hierárquico;
tratamento dos ▪ Coordenação e
particulares; subordinação;
Função Jurisdicional ▪ Declaração do ▪ Passividade (outra ▪ Independência de
Direito; entidade tem de cada órgão, sem
▪ Decisão de questões pedir); prejuízo de recurso
jurídicas, seja em ▪ Imparcialidade; para órgãos
concreto perante superiores;
situações de vida, ▪ Atribuição a órgãos
seja em abstrato; específicos, os
tribunais, formados
pelos juízes.

Função Política

A função politica divide-se em duas grandes atividades: a atividade legislativa e a atividade


governativa.

A CRP alude ao exercício da atividade politica, nomeadamente, quando se reporta no nº1 do art.
197º da CRP ao “exercício de funções politicas do Governo” quando dispõe as competências
“politica e legislativa” da Assembleia (art. 161º).

Uma interpretação textual da constituição distinguiria as funções legislativas e politica.


Contudo, verifica-se no plano doutrinário e jurisprudencial que a função legislativa é, por
excelência a mais importante atividade politica dos poderes constituídos, já que a lei se define
como um critério politico de decisão. A lei não é mais do que uma manifestação da função
politica.

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▪ Função Governativa – Definir objetivos políticos, fixar metas e tentar atingi-las.


Os vários órgãos do poder politico desempenham a função legislativa.
▪ Função Legislativa – Poder de criação e modificação da ordem jurídica, mediante
a aprovação de normas com conteúdo politico e eficácia externa e que, legitimado
aos princípios da constitucionalidade e do sufrágio popular direto e secreto, reveste
uma natureza primacial e subordinante às demais funções constituídas do Estado-
Ordenamento. Os objetivos políticos não se prosseguem só através da atividade de
Governo

A Lei é um ato normativo que cria na ordem jurídica, toda a ordem jurídica assenta na feitura da
lei (sempre subordinada à constituição).

De uma forma geral, toda a função politica está subordinada à constituição. A vinculatividade
constitucional garante-se na relação entre lei e constituição.

As leis que estão a ser elaboradas têm de respeitar os princípios da Constituição e garantir o
cumprimento das formalidades, modo de feitura e a relação com os demais atos legislativos.

Normas constitucionais conduzem o desenvolvimento da função legislativa.

Em suma, pode, assim, definir-se a função legislativa como a atividade politico-normativa


traduzida num poder de criação e modificação da ordem jurídica operado pelos órgãos
competentes para o efeito, cujos atos assumem a forma de lei e vinculam o exercício das
demais funções estaduais.

A actividade legislativa pode ser entendida como um poder de criação e modificação da ordem
jurídica, mediante a aprovação de normas com conteúdo político e eficácia externa que,
fundadas e submetidas ao principio da constitucionalidade, regulam a vida colectiva e
prevalecem sobre a generalidade dos atos emanados das demais funções constituídas do Estado.

Neste sentido, os atos da referida função, não só não podem ser revogados ou integrados, com
eficácia externa, por atos emitidos ao abrigo de outras funções (art. 112º/5 CRP), comotambem
constituirão parâmetro de validade destes atos emitidos ao abrigo de actividades subordinadas.

Pode falar-se em várias características, entre as quais se destacam: a normatividade politica,


inovação e supremacia hierárquica sobre funções não politicas.

De um ponto de vista formal os atos desta função, recorrendo ao artigo 112º/1 CRP, devem
revestir uma das 3 formas previstas no artigo: lei, decreto-lei, decreto legislativo regional.

De um ponto de vista orgânico, a função legislativa, nos termos da alínea c) dos artigos 161º,
198º e 227º da CRP, consiste numa actividade jurídico-publica que se encontra,
respectivamente, reservada à competência da Assembleia da República, do Governo e das
Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.

Isto significa a necessidade de esses centros de poder, quando legislam, se moverem no âmbito
das suas competências constitucionais, mas igualmente a falta absoluta de competência de
outros órgãos constitucionais em poderem exercer a actividade legislativa.

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A função politica stricto sensu assenta na produção de atos e na externalização de condutas


que corporizam, predominantemente:

• O sistema de freios e contrapesos do sistema político (principio da interdependência dos


poderes, através de faculdades de direcção e de fixação de controlos inter e intra-
orgânicos);
• O exercício da politica externa;
• O uso de poderes excepcionais de defesa da republica;
• As formas de exercício da democracia direta ou semi-direta.

É possível referir, como elemento distintivo de ordem formal que enquanto o exercício da
aividade legislativa se traduz na emissão de normas jurídicas, o exercício da actividade politica
envolve, tanto a emissão de atos singulares, como de atos normativos.

Ainda no plano formal, enquanto os atos emitidos ao abriga da função legislativa têm de ter a
forma de lei, os atos normativos e não normativos da actividade politica assumem formas muito
variadas, todas elas de carácter não legislativo, por exemplo, os decretos do Presidente da
República, moções e resoluções da AR e das Resoluções do Conselho de Ministros.

Os atos políticos fluem, por excelência no universo de interdependência de poderes (art. 111/1
CRP), a constituição distribui competências relativas ao exercício de funções entre diversos
órgãos, mas estes são constrangidos a cooperar entre si na formação da vontade do Estado. Essa
cooperação envolve, no exercício do poder, a observância de limites, controlos recíprocos e o
exercício de competências partilhadas entre órgãos.

A constituição como estatuto do poder politico, limita e ordena em termos funcionais, sendo
impensável que um dos órgãos exercesse as suas competências sem controlo dos restantes.

Podem dividir-se os atos em dois grandes grupos: atos de direcção politica e atos de controlo.

Os atos de direcção politica, consistem em decisões que envolvem uma escolha potencialmente
livre de opções primárias relativas ao funcionamento das instituições do Estado e determinam
objectivos de acção politica, fixando, se for caso disso, meios ou vias para a sua prossecução.

Ao contrário do que acontece na função administrativa, a direçã politica não implica a


possibilidade de um órgão de soberania poder arrogar-se a uma posição de hierarquia em
relação a outro órgão, nem a faculdade de lhe dar ordens, instruções ou injunções. Supõe, invés,
poderes positivos de escolha e orientação e poderes constitutivos exercidos no contexto das
relações pontuais de primazia de um órgão sobre o outro e no estrito âmbito de relações
especiais de responsabilidade politica fixadas na constituição.

O Presidente da Republica é, por excelência, o órgão que dispõe de uma maior panóplia de
atos desta natureza.

• Nomeação de titulares de órgãos constitucionais (alguns são formalmente


independentes – nomeação do Representante da República-, outros envolvem uma
competência partilhada o Governo – por exemplo, nomeação e exoneração dos
membros do Governo);

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• Atos de direcção que se projectam sobre a subsistência de órgãos de soberania em


funções (renuncia do Presidente, dissolução do Parlamento);
• Exercício de poderes directivos sobre o funcionamento dos órgãos colegiais
(convocação extraordinária da AR e o exercício extraordinário da presidência do
Conselho de Ministros);
• A Prática de atos de projecção institucional relevante para a protecção da
República e da vontade popular directamente expressa, no contexto de
competências partilhadas – declaração do estado de sitio e de emergência sujeita a
autorização parlamentar; declaração de guerra e feitura de paz sob proposta do Governo
e convocação dos referendos sob proposta do Governo ou do Parlamento.

Também a AR exerce importantes poderes de direcção que se projectam sobre a subsistência


dos outros órgãos em funções, como é o caso do executivo, com o voto de moções de censura e
confiança e quando submete o seu programa a votação.

Outras manifestações do poder de direcção implicam a designação de titulares dos órgãos


constitucionais como é o caso da eleição parlamentar do Provedor de Justiça e de juízes do TC,
pode falar-se a inda na proposta de convocação de referendo.

O governo e os respetivos titulares exercem poderes de direcção quando, por exemplo, o PM


propõe ao PR a nomeação de titulares de órgãos constitucionais no âmbito de competências
partilhadas, quando apresenta a sua demissão e quando decide apresentar um pedido de
confiança ou, ainda, quando propõe ao Presidente a declaração de Guerra, a convocação de
referendos e aa nomeação de titulares de órgãos constitucionais ou de embaixadores.

Podem destacar-se vários tipos de atos e decisões no cumprimento da função politica em stricto
sensu:

▪ Decisões de responsabilização politica e jurídica inter-orgânicas (convocação dos


membros do Governo pelo Parlamento,…);
▪ Poderes de livre apreciação do mérito de atos de outros órgãos (veto e promulgação,
por exemplo);
▪ Autorização, atestações e confirmações (referenda ministerial dos atos do PR,
autorização parlmaentar da confirmação do estado de sitio e estados de emergência
decretados pelo PR);
▪ Atos de garantia Jurídica da ordem Constitucional (controlo preventivo e sucessivo
da constitucionalidade);

Os atos portadores de eficácia jurídica são aprovados pelos órgãos constitucionais


competentes para o exercício da função politica, assumem conteúdo individual concreto e o
sentido obrigatório e imperativo que deles dimana projecta-se, exclusivamente, na esfera
jurídica dos órgãos do poder politico.

Está-se perante atos não normativos, embora dotados de conteúdo jurídico imperatrivo, sem
prejuízo dessa imperatividade não assumir eficácia intersubjectiva (ou seja, não obriga
directamente os cidadãos), mas antes exibir uma eficácia circunscrita aos órgãos e aos atos
que são destinatários do mesmo comando.

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Quanto às normas gerais e abstractas emitidas ao abrigo da função politica, haverá a


assinalar: o decreto normativo do PR que declara os estados de sitio e de emergência; as
resoluções normativas e a decisão referendária vinculativa de caráter nacional, regional ou
local, na medida em que obrigue o conteúdo de normas jurídicas.

No plano externo, o Estado, pode aprovar atos da função politica com conteúdo normativo
ou não normativo.

Entre os atos não normativos podem destacar-se: notificação, confirmação, denuncia,


expulsão de diplomatas ou suspensão de relações diplomáticas.

No quadro dos atos normativos podem distinguir-se certos atos unilaterais (protesto,
renuncia, promessa) e a aprovação de convenções internacionais (tratados e acordos
internacionais).

Função Administrativa

Duplamente Subordinada

▪ Constituição;
▪ Lei (Princípio da Legalidade da Administração);

Toda a função tem de ser desenvolvida segundo a lei, não pode ir contra lei. Não é o domínio de
uma função criativa, trata-se de executar e aplicar a lei. Reserva de lei – Administração não
pode atuar sem existência de uma lei prévia, tem de existir lei ordinária anterior a habilitar a lei
a fazê-lo (Precedência de Lei) e o Principio da preferência da lei – valor da lei é sempre
superior, tem sempre preferência face a um ato administrativo.

Lei – Fixa objetivos políticos

Função Administrativa- Trata de aplicar a lei ▪ Regulamentos Administrativos;


▪ Portarias;
▪ Tratos Regulamentares;

Normas de Aplicação da lei;

Normas Administrativas subordinadas;


;
A função administrativa consiste numa atividade traduzida na concretização e execução
das leis e na satisfação permanente das necessidades coletivas legalmente definidas,
mediante actos, contratos e atuações materiais, dimanados de órgãos e agentes dotados de
iniciativa e parcialidade na prossecução do interesse público.

Os elementos substanciais da definição reportam-se, nomeadamente, à natureza dependente ou


secundária da função administrativa; aos objetivos que prossegue.

A natureza subordinada dessa atividade resulta do facto de a função administrativa se vincular


não apenas à Constituição, mas também à lei (art. 266º CRP), dependendo a validade dos actos

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e contratos que dela promanam, não só da habilitação legal, mas também da respetiva
conformidade com a lei. Na verdade, as opções primárias fundamentais relativas à satisfação
das necessidades publicas encontram-se determinadas na lei, pelo que, à função administrativa
caberá fundamentalmente, a atividade secundária de providenciar, no concreto, essas
necessidades.

Os centros de decisão administrativa devem exibir iniciativa (ou seja, capacidade própria
para realizar criativamente os comandos legais e ir ao encontro das necessidades
colectivas) e parcialidade na prossecução do interesse público (seguindo os objectivos
politicos traçados por lei e atuando como parte interessada na realização das referidas
necessidades, realizando o Estado os objectivos de forma algo similar aos particulares).

O carácter parcial não prejudica o imperativo de a Administração ter de obedecer ao


principio constitucionalmente consagrado da imparcialidade no tratamento dos
particulares.

O artigo 226 aborda a imparcialidade, está vinculada ao cumprimento da lei, só podem ser
ponderados fatores relevantes, particulares têm que ser tratados da mesma forma. Não pode
favorecer ou prejudicar os particulares com base em critérios subjectivos ou arbitrários.

O principio da imparcialidade tem duas vertentes, uma negativa, a proibição de privilegiar


alguém e uma positiva, tem de ser recolhida e analisada toda a informação relevante e não pode
ser considerada a informação irrelevante.

Há uma exigência não só de seriedade real mas como um aspeto de seriedade (exemplo, o
afastamento do júri de alguém cujos os familiares são concorrentes de um concurso).

Constitucionalidade, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé


são alguns dos princípios constitucionais gerais que, nos termos do nº 2 do artigo 266º CRP,
devem ser observados no exercício da atividade administrativa.

Em suma, através da função administrativa realiza-se a prossecução dos interesses públicos


correspondentes às necessidades coletivas prescritas pela lei, sejam esses interesses da
comunidade politica como um todo ou com eles se articulem relevantes interesses sociais
diferenciados.

A Administração está organizada hierarquicamente, mesmo dentro de cada pessoa coletiva,


existe uma cadeia hierárquica.

O órgão superior é o governo, debaixo do governo há uma multiplicidade de pessoas, a


hierarquia serve para assegurar a unidade da ação administrativa (inviabilizar atos contrário) e
para assegura a cadeia responsabilidade democrática da administração, que é imputada ao
Governo.

Só com esta cadeia hierárquica é possível responsabilizar a Administração.

Como esclarece o artigo 182º CRP, o Governo é o “órgão superior da Administração pública”
exercendo poderes de hierarquia ou direcção sobre a administração direta, poderes de
superintendência ou orientação sob a administração autónoma.

16
Direito Constitucional II 17
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

No tocante aos atos da administração importa distinguir:

▪ Os atos normativos, os quais assumem a natureza de regulamentos administrativos e


que se definem como normas gerais e abstractas, subordinadas à Constituição e à lei que
são aprovadas por órgãos da Administração pública;
▪ Os atos administrativos que, são decisões de órgãos da Administração que, ao abrigo de
normas de direito público, visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual
concreta.

Quanto aos contratos administrativos, estes caracterizam-se como acordos plurilaterais de


vontade celebrados entre entidades públicas ou entre essas e particulares e que se destinam à
constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica administrativa.

Legalidade Administrativa e Discricionariedade

A relação entre a Administração Pública e o direito representa, porventura, a razão de ser do


direito administrativo e um dos maiores pontos de contacto entre o direito público e a realidade
social e económica em que ele opera, dado que essa relação varia em função dessa realidade. A
análise do princípio da legalidade da administração e da discricionariedade administrativa
permite‐ nos constatar os reflexos das situações de crise económica no direito administrativo e
o seu papel nessas situações, daí o relevo desta questão.

O princípio da legalidade da administração consiste na subordinação da Administração e da sua


actividade à lei. O poder administrativo é limitado pela lei, está vinculado a ela, ou seja,
assegura‐ se o controlo do poder legislativo sobre o poder executivo. Todavia esta vinculação
pode ser tão estreita que à Administração pouco mais resta do que declarar o conteúdo da
prescrição legal, ou pode ser mais flexível, cabendo à Administração um papel mais intenso na
aplicação do direito na prossecução do interesse público, sendo que nesses casos se atenua o
controlo judicial da actividade administrativa, por respeito à prossecução do interesse público
que incumbe à Administração. Estes dois tipos de situações são designados pela doutrina,
respectivamente, de poderes vinculados e de poderes discricionários da Administração, um
campo intimamente ligado ao princípio da legalidade, sendo certo que a actividade
administrativa é simultaneamente vinculada e discricionária, não havendo actos puramente
vinculados e actos puramente discricionários.

O princípio da legalidade exprime-se em dois subprincípios:

▪ O princípio do primado da lei, que implicava, num sentido negativo, a proibição de


violação da lei por parte da Administração, e a sua consequente subordinação ao poder
legislativo do Parlamento;
▪ O princípio da reserva da lei, que estabelecia as áreas que só podiam ser reguladas por
lei parlamentar, estando vedada à Administração qualquer intervenção nessas matérias
sem autorização legal, sendo que as áreas reservadas à lei seriam as dos direitos dos
particulares por excelência: a liberdade e a propriedade, cerne da livre iniciativa
privada, sendo esta reserva entendida, num triplo sentido, como reserva de Parlamento,
enquanto área de competência exclusiva do órgão representativo; como reserva de
função legislativa, no sentido de se entender a lei como norma geral e abstracta criada
pelo Parlamento respeitante aos direitos dos particulares; e como reserva de direito,

17
Direito Constitucional II 18
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

sendo jurídico apenas o que respeita aos direitos dos particulares, não sendo direito tudo
o que não caiba neste campo.

Função Jurisdicional

A função jurisdicional pode ser definida como uma actividade que resolve questões de direito
que emergem de interesses ou posições conflituantes, através da aplicação da constituição e das
lei, mediante decisões que em regra assumem carácter individual e concreto e são tomadas pelos
tribunais, órgãos que se caracterizam pela sua independência, imparcialidade e passividade.

Materialmente, a função jurisdicional pode ser traduzida na operação intelectual de resolução de


questões que envolvem a aplicação do direito, em termos concretos, julgam-se situações
singulares de vida e questões presas à validade das normas, mediante a resolução de uma
questão jurídica, tendo em vista a garantia da justiça material e da paz jurídica.

Tem uma natureza secundária ou subordinada como actividade jurídico-pública destinada a dar
aplicação à Constituição e à lei, normas em relação às quais se encontram subordinadas (art. 203
e 204 CRP).

Esta subordinação e o artigo 112/5 não impedem a interpretação e a integração de lacunas na lei,
o artigo apenas impede que sejam dotadas de eficácia externa e força obrigatória para os sujeitos
situados fora do processo onde um determinado feito se encontra em julgamento.

Esta relação de subordinação, também, não impede os Tribunais de declararem, por exemplo, a
inconstitucionalidade de uma lei.

Função de declaração do Direito que vigora. Os tribunais resolvem conflitos jurídicos, seja
entre particulares, seja entre os particulares e o Estado.

Resolução de litígios entre partes, quer sejam dois particulares, duas entidades publicas,
pessoas singulares e coletivas.

A Constituição no artigo 202º diz que compete aos tribunais aplicar a justiça em nome do
povo. A função da justiça é aplicação do Direito correto, a obtenção da paz jurídica.

Segundo o professor Jorge Miranda na função jurisdicional define-se o Direito (júris dictio)
em concreto, perante situações da vida (litígios entre particulares, entre entidades publicas e
entre particulares e entidades publicas, e aplicação de sanções), e em abstrato, na apreciação da
constitucionalidade e da legalidade de normas jurídicas.

Independência é uma das características mais importantes, são órgãos que se


autoadministram, a autoadministração evita setores de pressão. Inamovibilidade – juiz
não pode ser movido de onde está a não ser quer cumpra uma falha grave. O artigo 217
salienta que a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos
tribunais judiciais e o exercício da ação disciplinar competem ao Conselho Superior da
Magistratura, nos termos da lei.

Outra caraterística é a irresponsabilidade, não são suscetíveis de responderem em tribunal


pelos danos causados pelas suas decisões. Não há responsabilidade da função jurisdicional.

18
Direito Constitucional II 19
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Os processos que podem abrir são quanto ao Estado, o juiz representa o Estado, a não ser
em casos muitos excecionais em que houve dolo.

Os tribunais são órgãos do Estado, são independentes dos órgãos do poder politico mas
fazem parte do Estado.

O elemento orgânico reporta-se aos tribunais como centros institucionais de poder formados por
juízes que, com independência, desenvolvem especificamente a função jurisdicional. A
independência dos tribunais (extensível aos juízes que são investidos no artigo 216/1 num
estatuto de independência e irresponsabilidade), manifesta-se, seja em face dos demais
órgãos do poder, seja entre si, sem prejuízo do regime de recurso para instâncias
superiores.

O elemento formal treconduz-se às decisões jurisdicionais. Estas decisões, quando vertem


sobre o fundo da controvérsia, são qualificáveis como “sentenças”.

O conteúdo das sentenças é, em regra, individual e concreto, ressalvada a exceção das


declarações de inconstitucionalidade proferidas pelo TC com força obrigatória Geral.

Separação e Interdependência

O principio da separação de poderes consagrado na constituição não assume o mesmo


significado ao principio da divisão dos poderes do liberalismo. É necessário perceber o contexto
e toda a evolução histórica, o liberalismo foi muito marcado pela ambição da burguesia e num
conjunto de garantias que queria ver asseguradas, entre elas, a propriedade. A maneira mais
fácil de garantir essas ambições e evitar a centralização do poder seria através de uma visão
rígida dos poderes e funções do Estado.

Atualmente, existe uma visão dualista, ou seja, ainda existe separação uma vez que cada um dos
órgãos tem um conjunto de características que lhe são constitucionalmente atribuídas mas existe
a possibilidade de interferirem na actividade dos restantes órgãos de soberania.

Como corolários do principio da separação dos poderes, na esfera dos órgãos de soberania,
importa sublinhar:

▪ A repartição da actividade politica stricto sensu entre o PR, a AR e o Governo;


▪ A repartição da actividade legislativa entre a AR e o Governo, sem prejuízo do primado
da Assembleia e da centralidade do Governo no exercício dessa função;
▪ A exclusão da atribuição da função administrativa, com eficácia externa, à AR;
▪ A reserva de jurisdição confiada aos Tribunais.

A ideia de interdependência de poderes, também configurada no artigo 111º CRP traduz a ideia
que a repartição de funções e competências pelos órgãos do poder, no quadro constitucional
adotado, não reveste uma natureza estanquicista, dado que não prejudica relações de
colaboração e a aplicação de institutos de controlo entre os mesmos órgãos.

Trata-se, fundamentalmente, do universo dos “checks and balances” estabelecidos entre os


órgãos do poder.

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Direito Constitucional II 20
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

No plano de colaboração formal pode destacar-se: as iniciativas legislativas do Governo, as


autorizações dadas ao Governo, nomeação do representante da República pelo PR, ouvido o
Governo…

No plano do puro controlo politico interorgânico, cumpre referir, os institutos de promulgação e


veto presidencial, demissão do Governo e dissolução do Parlamento,…

Distinção

As funções do Estado podem ser distinguidas através de 3 critérios.

▪ Critério Material – Conteúdo (por vezes há uma zona cinzenta, de incerteza e duvida);
▪ Critério Formal;
▪ Critério Orgânico;

Sentido de Lei

➢ Artigo 13/1 CRP

“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”

➢ Artigo 29 CRP

A propósito da lei criminal, “ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em


virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de
segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”.

➢ Artigo 136/1 CRP

“No prazo de vinte dias contados da receção de qualquer decreto da Assembleia da


Republica para ser promulgada como lei, ou da publicação da decisão do Tribunal
Constitucional que não se pronuncie pela inconstitucionalidade de norma dele
constante, deve o Presidente d Republica promulga-lo ou exercer o direito de veto,
solicitando nova apreciação do diploma em mensagem fundamentada.”

Em qualquer um deste artigos se fala em lei, porém, têm todos um sentido muito diferente.

Lei lato sensu é toda a regra geral emanada do poder político, seja ele um poder central, regional
ou local.

Num Estado de Direito, certos vícios mais graves na criação e, segundo uma parte da doutrina,
no conteúdo de uma lei podem levar a considerá-la como inexistente.

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Direito Constitucional II 21
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Este modo de criação jurídica caracteriza-se pelos seguintes elementos:

▪ Um ato normativo de um órgão do poder político, uma declaração de vontade tendo por
objeto a criação de regras gerais e que obedece a uma das formas legalmente
estabelecidas; o mais importante é o ato legislativo praticado no exercício da função
legislativa;
▪ A competência do órgão que pratica o ato;
▪ A formalização do ato num texto escrito.

Pode-se utilizar o termo “lei” em inúmeras situações, com sentidos muito diversos.

▪ Uma primeira classificação é a de lei em sentido material, esta classificação refere-


se à regra jurídica/Norma Jurídica, o objetivo não é procurar identificar certo ato
(lei, decreto-lei).
▪ Lei em sentido Formal – Forma especifica, ato aprovado pela Assembleia da
Republica, promulgado como lei.
▪ Lei em sentido Orgânico.

O conceito de lei em sentido material divide a doutrina. Alguns autores adotam uma aceção
ampla que corresponde ou se aproxima do conceito de lei já exposto: todo o ato normativo do
poder político. Este ato normativo pode ser legislativo, praticado no exercício da função
legislativa, ou regulamentar, praticado no exercício da função administrativa. Para outros a lei
Professor Lima Pinheiro

em sentido material é apenas a criada no exercício da função legislativa. Nesta aceção só são
leis em sentido material as que além de serem formalmente leis são dotadas de generalidade.

Não há uniformidade no emprego da expressão lei em sentido formal. Lei formal em sentido
amplo é a que adota a forma de um ato legislativo. São as leis constitucionais, as leis da AR, os
DL do Governo e os decretos legislativos regionais emanados das Assembleias das regiões
autónomas. Não são lei, neste sentido, os diplomas que se revestem de forma regulamentar,
designadamente os decretos regulamentares, certas resoluções do Conselho de Ministros, as
portarias e os despachos normativos. Num sentido formal mais restrito, “lei” é só o diploma
normativo emanado da AR (art. 166.º CRP).

Lei em Sentido Material ≠ Lei em Sentido Formal

Em Estado de Direito vigora o império da lei (rule of law)

Em Estado Absoluto a lei era discriminatória, pode-se falar ainda na barreia do nascimento, nas
ordens sociais (ausência de mobilidade social). Lei era aplicada de forma diferente para todos,
consoante o titulo e a própria condição social.

Ao contrário do que acontecia no Estado Absoluto, em Estado de Direito Liberal a lei é


aprovada para valer em todas as situações, perante todos os cidadãos de igual forma. É uma
Assembleia Nacional Representativa dos cidadãos que aprova a norma. Só desta forma, como
defendia Rousseau, se garante a justiça e igualdade. Igualdade porque são os cidadãos que

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Direito Constitucional II 22
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

escolhem os seus representantes e justiça porque, sendo representantes da Nação, ninguém faz
lei injusta para si próprio.

Fala-se, portanto, neste momento, na necessidade da lei ser Geral (aplicável a uma
pluralidade indeterminada ou indeterminável de pessoas), abstrata (aplicável em
quaisquer circunstâncias). Este caráter geral e abstrato garantia a justiça que não era
conseguida no Absolutismo (lei passou a ser aplicada a todos de igual forma e em todas as
circunstâncias).

Cabe à Administração aplicar a lei, garantia-se desta forma a justiça intrínseca ao próprio
Estado de Direito.

Hoje em dia já não se tem a mesma confiança na generalidade e abstração.

➢ O Facto de um Parlamento aplicar uma lei não garante que ela seja justa (experiencia
totalitarista);
➢ Estado não se pode limitar a fazer uma lei, é necessário perceber o próprio conceito de
igualdade;

Pessoas são diferentes entre si. O Legislador não pode ser cego a essas diferentes
circunstâncias e aprovar uma lei geral e abstrata que se aplique a todos. Lei não é
necessariamente justa se não atender a circunstâncias diversas. Não há nada mais injusto que
comparar o incomparável (Aristóteles).

Deve tratar-se de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, O próprio
principio da igualdade, constante no artigo 13 CRP, o exige.

Relativamente ao conteúdo da igualdade, num estado democrático, abrange principalmente 3


vertentes:

✓ Proibição do Arbítrio – a imposição da igualdade de tratamento para as situações


iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais
(tratar igual o que é igual e diferentemente o que é diferente);
✓ Proibição de descriminação – a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento
baseada em critérios subjetivos (sexo, raça, língua, território de origem, religião,
convicções politicas e ideológicas);
✓ Obrigação de Diferenciação – Forma de compensar as desigualdades.

Lei deixa de ser abstrata e passa a atender a situações concretas. Características de generalidade
e abstração devem ser interpretadas de forma diferente porque, em certas circunstâncias, se
atendermos a estas características de uma forma rígida podemos colocar em causa o próprio
principio da igualdade. Pode-se atender que hajam leis que não sejam iguais para todos.

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Direito Constitucional II 23
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Lei no Estado de Direito Social e Democrático assume um significado diferente: o essencial é


que não haja intenção discriminatória (diferenciação ilegítima no tratamento baseada em
critérios subjetivos). Porém a lei pode ser discriminatória se visar com isso o principio da
igualdade

“Lei Fotografia” – Lei direcionada para um certo grupo.

➢ Por exemplo: “Quem tiver, nas aulas de Direito Constitucional II, uma garrafa de água
em cima da mesa pode ser penalizado com menos dois valores na nota final.”
▪ Norma é Geral;
▪ No entanto, quem fez a norma conseguiu perceber quem tinha garrafas de
água na mesa.

Lei aparentemente Geral mas que, verdadeiramente, é direcionada a um certo grupo de pessoas.
É dirigida mas redigida de uma forma genérica.

▪ Lei Restritiva; Não é inconstitucional. É muito fácil ao legislador atingir


▪ Lei Geral e Abstrata duas ou três pessoas com uma norma geral e abstrata.

Foge à proibição ao artigo 18/3 .

São os princípios materiais que permitem detetar injustiças e não propriamente as características
formais. Normas materiais e abstratas podem ser formalmente justas e materialmente injustas.

Lei Fotografia – AR pode fazer uma lei aparentemente geral e abstrata mas que se destina a ser
aplicada a um certo grupo.

▪ “Quem for Presidente de Câmara não pode ser candidato a deputado Europeu.”

Lei aparentemente geral e abstrata mas o publico alvo era concreto e determinado, no momento
da feitura da norma apenas um português se encontrava nesta situação (Presidente da Câmara do
Porto).

No ato normativo os destinatários são indefinidos, indeterminados ou indetermináveis, e


recortam-se em abstrato.

A norma envolve a distinção entre o momento da sua emanação e o momento do seu


cumprimento; é um padrão de comportamento e de solução, um quadro de referência que,
estabelecido agora, se projeta no tempo (em geral, no tempo futuro), mais ou menos distante ou
imediato; e, precisamente por isso, uma norma jurídica pode dirigir-se a um destinatário de cada
vez.

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Direito Constitucional II 24
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

➢ Artigo 18/3º CRP

“As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e
abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do
conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”

▪ Nenhuma restrição pode ser definida ou concretizada a não ser por lei (não há regulamentos
restritivos de direitos, liberdades e garantias);
▪ As leis restritivas têm de revestir caráter geral e abstrato, ficando vedadas leis individuais e
leis gerais e concretas;

▪ As leis restritivas não podem ter efeito retroativo porque leis retroativas envolveriam
pessoas e atos determináveis e, por conseguinte, não revestiam caráter geral e abstrato e
ofenderiam a confiança dos cidadãos.

Evita-se, deste modo, o perigo de descriminação negativa, de forma arbitrária, lei restritiva tem
de ser necessariamente geral e abstrata

Hoje em dia, não se deve atender exclusivamente ao sentido formal de lei. O que vai servir
verdadeiramente para perceber se uma lei é justa ou não são os princípios constitucionais
estruturantes (principio da dignidade da pessoa humana; principio da igualdade; principio da
proibição do excesso; principio da segurança jurídica e principio da proteção da confiança).

Qualquer lei ou ato do poder politico tem de respeitar estes princípios constitucionais
estruturantes sob pena de inconstitucionalidade.

Portanto, pode se dizer que a lei é geral, abstrata e tem um caráter inovatório, criador e
modificador da ordem jurídica (sentido de criação).

Professor Gomes Canotilho – A Lei Material Como Regra Geral e Abstrata

▪ Uma deliberação tomada, não em concreto, em vista de um caso particular e atual,


mas em abstrato por regular todos os casos da mesma natureza que no presente ou
no futuro possam ser abrangidos pela disposição legal;
▪ Uma disposição que não é tomada em face de um ou vários indivíduos
determinados, mas que se destina a ser aplicada a todos os indivíduos nas condições
previstas pelo texto.

Lei em Sentido Formal

➢ Artigo 112/1

“São atos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais”

São Atos Legislativos:

▪ Lei;

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Direito Constitucional II 25
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Decreto-Lei;
▪ Decretos Legislativos Regionais;

Lei em sentido formal:

▪ “Lei” – Assembleia da República – sentido orgânico-formal – Órgão com competência


é a Assembleia da república (art.161/c)
▪ “Decretos-leis” – Órgão com competência é o Governo;

Lei Formal Lei em Sentido Orgânico-Formal

▪ Lei; ▪ Leis – Assembleia da Republica – Ato


▪ Decreto-Lei; legislativo aprovado pela
▪ Decretos Legislativos Regionais; Assembleia.(lei em sentido/restrito)
Havendo uma lei (2000) e um decreto-lei (2017) que regulam a mesma matéria (art. 112/2) a lei
posterior vai revogar a lei anterior.

Artigo 112/5 -Atos legislativos são estes e só estes – Principio da tipicidade dos atos
legislativos

Professor Blanco Morais

➢ Do ponto de vista formal (artigo 112/1 CRP) os atos políticos devem revestir uma das 3
formas especificas de lei mencionadas no referido preceito: lei, decreto legislativo regional,
decreto-lei;
➢ Sob um ponto de visto orgânico, a função legislativa nos termos do artigo 161/c, 198 e 227
CRP consiste numa atividade jurídico-publica que se encontra, respetivamente reservado à
competência da AR, do Governo e das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas
(lei em sentido mais amplo).

Lei orgânica, uma da categorias de lei (166/2). Lei mais difícil de aprovar, mais exigências. Lei
orgânica

Teoria da Lei (Blanco Morais)

Lei no Constitucionalismo Liberal

A história do constitucionalismo liberal português compreendeu dois sistemas monistas


(Constituição de 1822 e 1911 – relação direta entre o sistema representativo parlamentar e
a lei, Parlamento era titular exclusivo de aprovar leis, tidas como máxima expressão
normativa da vontade geral) e dois sistemas dualistas (Carta Constitucional de 1826 e
Constituição de 1838 – conjugação de duas legitimidades – a monárquica e a
representativa parlamentar – o dualismo refletia-se no plano do Parlamento aprovar leis
mas o rei ter o direito de veto absoluto).

Associado ao liberalismo está um conceito de lei geral e abstrata para tentar contrariar a
tendência de uma sociedade marcada pelos privilégios e pela desigualdade.

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Direito Constitucional II 26
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A Lei na Ordem Constitucional de 1976

A Problemática do Conteúdo de Lei

A constituição avança com critérios positivos e negativos para a caracterização do conceito de


lei. É importante verificar se a Constituição autoriza a lei a assumir qualquer conteúdo ou lhe
impõe, antes, um conteúdo necessariamente geral e abstrato.

Importa saber se os legisladores parlamentar e governamental podem, em qualquer


circunstancia, emprestar às leis por si editadas o conteúdo que considerarem mais conveniente,
mesmo que consista na adoção de meros atos individuais e concretos de aplicação de outras leis
e, como tal, enquadráveis substancialmente no universo das decisões próprias de uma atividade
materialmente administrativa, solução que implicaria uma apropriação pelo legislador de uma
atividade materialmente administrativa.

Dispondo a Assembleia da Republica ao abrigo da alínea c) do art.161 da CRP, de uma


competência genérica para fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas ao Governo e
podendo este ultimo legislar em todos os domínios não reservados ao parlamento (alínea a) do
nº1 do art. 198), verifica-se que, na esfera do Estado-Pessoa não existem matérias que se
encontrem horizontalmente subtraídas à lei.

Existe, assim, existe uma reserva total de lei, em sentido horizontal, ou seja, a lei pode dispor
sobre todas as matérias sem exceção.

No Plano Vertical a situação revela ser bem mais complexa, importa aqui saber se a densidade
reguladora da lei poderá ser de tal modo intensa que implique a expropriação por via legal do
domínio confiado constitucionalmente à autonomia privada, administrativa e jurisdicional.

Reserva Vertical de Lei e os Seus Limites Implícitos Respeitantes à Esfera da Autonomia


Privada e a Domínios Reservados à Administração

O AC. Nº 374/2004, a propósito da negociação e contratação coletiva do trabalho, é referido que


a lei, mesmo nas zonas da reserva, não pode ser tao densa ao ponto de esvaziar o conteúdo
de um direito reconhecido aos privados.

Em suma, existem limites impostos hierarquicamente pela Constituição que ditam restrições à
liberdade do legislador quando este dispõe sobre domínios como o dos direitos, liberdades e
garantias e limitam a densidade reguladora das leis sempre que estas devam respeitar domínios
reservados da autonomia privada.

No que em particular respeita à tensão entre as funções legislativas e administração está em


causa aferir o grau de legitimação dos atos do poder legislativo, como atividade jurídico-publica
dominante ou primária, em pré-ocupar o domínio material da Administração, substituindo-se a
um poder administrativo dimanado de uma função secundária ou subordinada.

Trata-se da ideia segundo a qual o principio da separação de poderes veda à lei a faculdade de
absorver integralmente, no plano vertical, mediante uma disciplina caracterizada pelo seu
carácter singular, o universo material útil correspondente exercício da função administrativa,
deixando-a sem campo próprio de atuação.

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Direito Constitucional II 27
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O Tribunal Constitucional admite em abstrato a existência de um “núcleo” da atividade


administrativa, imune a apropriações intoleráveis ou abusivas por parte do poder legislativo.

A haver no plano jurídico-constitucional âmbitos matérias reservados à função administrativa,


tal implicará que uma lei formal que ofenda ou se aproprie do núcleo dessa função seja tida por
inconstitucional, por ofensa ao principio da separação de poderes, pilar fundamental do Estado
Direito democrático e que supõe que o exercício de cada poder ou função seja necessariamente
limitado e controlado.

A quase generalidade dos autores não se opõe à validade do que designam por atos
administrativos praticado sob forma de lei, contanto que simultaneamente sejam sindicáveis juto
da jurisdição administrativa. Isto, pese o facto de alguns autores continuarem a defender a falta
de competência do TC para apreciar atos administrativos praticados sob a forma legal.

Nota Doutrinal Sobre o Conteúdo da Lei e os Respetivos Limites

Luis Pereira Coutinho adotou uma perspetiva radicalmente substancialista, esta perspetiva
argumenta, perante a indefinição do conceito de lei presente na constituição, seria de rejeitar a
tese segundo a qual, fora dos domínios onde a Constituição imporia um conteúdo geral e
abstrato (nº3 do artigo 18), os atos legislativos poderiam assumir qualquer conteúdo.

Isto porque a construção geraria uma solução que se chocaria com o “sentimento de um sistema
politico-constitucional que expressamente se projeta como sistema de um Estado de Direito
Democrático e porque não seria possível, a partir dos mesmo preceitos inferir um principio geral
não excecionado. O principio de Estado de Direito, consagrado no artigo nº2 da CRP, imporia
limites ao conteúdo da lei, já que o mesmo se identificaria com imperativos de limitação do
poder politico, e, por conseguinte, de limitação aos diversos poderes do Estado, os quais
deveriam ser exercidos à margem da arbitrariedade, da imponderabilidade, da imprevisibilidade
ou da incontrolabilidade.

Para lá de dificuldades derivadas do sistema de hierarquia das fontes, verificar-se-ia que os


órgãos legislativos (Assembleia) e políticos (PR) deveriam agir como órgãos administrativos ao
exercer um poder de controlo sobre este ato administrativo sob a forma de lei, realidade esta que
não iria encontrar qualquer apoio na Constituição. Não faria sentido que o PR promulgasse e
vetasse atos “administrativos” e a AR procedesse à sua apreciação para efeito da sua cessação e
da sua alteração.

Em suma, uma lei ou um decreto-lei apenas deveriam ser tidos como constitucionalmente
válidos se assumissem um conteúdo geral e abstrato. E apenas excecionalmente seria admissível
a existência de leis inovadoras que prescindissem de uma ato administrativo de aplicação.

Tomando uma perspetiva substancialista pragmática, Jorge Miranda, embora admita a validade
das leis individuais e concretas que, por detrás dos respetivos comandos, tenham uma prescrição
ou um principio geral, considera que se a Assembleia da Republica vier aprovar uma lei cujo
conteúdo se resuma a um ato administrativo, o mesmo será organicamente inconstitucional, pois
este órgão não é titular da função administrativa.

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Direito Constitucional II 28
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Paulo Otero, embora considere que a generalidade é uma característica própria ou natural da
lei, admite a validade de atos administrativos praticados sob forma legal, ou de leis com um
conteúdo idêntico a um ato administrativo, desde que essas leis se apliquem as exigências
constitucionais impostas aos atos administrativos, entre as quais a obrigatoriedade ou
justificação.

Numa dimensão mais politica e formalista, autores como Gomes Canotilho ou Marcelo
Rebelo de Sousa deram o seu respaldo à validade dos conteúdos individuais e concretos
assumidos pelos atos legislativos desse que conformes com as regras e os princípios
constitucionais (igualdade, proporcionalidade,…) e sem prejuízo do disposto no artigo nº4 do
artigo 268º da CRP.

Posição Adotada: uma Aceção Estrutural de Lei Limitada Pelos Domínios


Constitucionalmente Reservados à Administração

Apreciação Crítica Às Teses Substancialistas

As teorias substancialistas assentam na teoria da separação dos poderes. Existem, contudo,


algumas objeções de fundo ligadas à positividade do sistema constitucional português que
dificultam a aceitação dessa construção.

▪ Em primeiro lugar, a aceção constitucional de lei tem de partir daquilo que é a lei no
Direito Constitucional positivo e não de uma mitologia da lei radicada em soluções de
jure condendo. Os próprios princípios de separação dos poderes e do Estado de direito
democrático devem ser interpretados à luz do sistema politico de governo vigente. Em
Portugal, o principio da separação dos poderes foi concebido, desde 1976, à luz de uma
lógica de intervencionionismo legislativo governamental, o qual se estriba na outorga ao
Governo do maior acervo da competência legislativa existente na EU. A ideia de um ato
legislativo passível de abarcar qualquer conteúdo, mesmo o de um ato administrativo,
fundou-se na logica originária da Constituição de 1976 que concebeu o ato legislativo
como um instrumento utilitário de transformação e mudança que reduziria radicalmente
o espaço de autonomia da função administrativa.
Desde a origem da constituição e, especialmente depois da primeira revisão
constitucional, a lei passou a ser definida estruturalmente na base de elementos
permanentes, como o conteúdo politico, a forma e a força.
E, salvo nos casos em que a CRP impõe à lei, explicita ou implicitamente, conteúdos
gerais (leis de bases) ou gerais e abstratos (leis restritivas de direitos, liberdades e
garantias – art. 18/3), ela exibe sensível indiferença sobre o conteúdo dos comandos
legislativos, habilitando implicitamente o decisor legislativo a desenhar ou recortar esse
mesmo conteúdo. Logo, salvo nas áreas em que a CRP não impõe generalidade ou
abstração à lei, o conteúdo singular desta não é proibido, emerge como um
principio geral favorável à liberdade relativa de escolha do conteúdo legal fora do
campo da reserva de lei material. Considerar, como faz a doutrina substancialista em
apreço, que a imposição constitucional de generalidade como condição de validade
normativa se aplicaria não só a essas situações determinadas, mas a todas as demais,
seria converter a imposição do artigo 18º, numa não imposição e, como tal, numa
previsão inútil, questionando-se a coerência de pensamento do legislador.

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Direito Constitucional II 29
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

“Para quê, na verdade, consagrar exigências de materialidade só para certas leis, se


todas as leis deveriam à suposta luz do sistema de separação dos poderes, revestir
conteúdo material?”
▪ Em segundo lugar, a adoção desta construção implicaria a inconstitucionalidade de
todos os atos legislativos singulares editados desde 1982;
▪ Em terceiro lugar, é indubitável que o principio de Estado de Direito Democrático
pressupõe que nenhuma função do Estado se substitua a outra e ocupe o seu núcleo
fundamental. Só que, o poder expansivo das funções primárias ou dominantes é
incomparavelmente maior do que o das funções secundárias. Se uma lei constitucional
vier a ocupar o espaço que atualmente caberia a um ato administrativo, dificilmente se
poderia falar na sua inconstitucionalidade, a não ser que violasse um limite material da
revisão constitucional. De um mesmo modo, a lei ordinária, sendo produzida por uma
função dominante, pode corporizar um elevado grau de concretização que é muitas
vezes sobreponível com o âmbito material da função administrativa, valendo-se da sua
força para impor a respetiva preferência, seja contendo um comando politico auto-
aplicativo seja pré-ocupando, dentro de certos limites, o lugar que seria preenchido por
um ato administrativo.

Em conclusão, não é, pois, possível erigir a imposição genérica do paradigma de lei geral e
abstrata, sem mais, a parâmetro de constitucionalidade dos atos legislativos,
independentemente de tal ser, eventualmente, desejável no quadro de uma futura
recomposição das funções do Estado em que as leis parlamentares ganhem claramente em
ater-se ao domínio da materialidade normativa, em nome da subtração do exercício da
função administrativa à Assembleia da Republica.

Exclusão de uma Aceção Puramente Formal de Lei

A Pré-Ocupação Legal de Domínios da Atividade Administrativa

A supremacia da função legislativa pressupõe a faculdade de a mesma poder, em certa medida,


reger domínios da função administrativa, seja no campo regulamentar, seja mesmo na esfera
material da edição de atos e critérios relativos à celebração de contratos administrativos.

A questão principal não consiste em saber se a lei se pode apoderar de esferas próprias do
exercício da função administrativa, mas sim em que medida e com que limites o poderá
fazer.

Tal como defende grande parte da doutrina e da jurisprudência constitucional, não existe na
constituição de 1976 uma reserva geral de Administração, mas sim uma pluralidade circunscrita
de espaços reservados à Administração central e autónoma.

No plano governamental existem domínios que decorrem de imposição implícita da


Constituição, ditada pelo princípio da separação dos poderes entre órgãos de soberania (art. 111
CRP). Este princípio assegura uma esfera ou margem útil do governo, em face do Parlamento,
para poder concretizar a lei no universo administrativo, com subordinação a esta, mas com a
garantia de que a lei não irá assumir o conteúdo de um puro ato concretizador. A separação de
poderes não compromete a validade das leis do Parlamento que assumam um carácter auto-
aplicativo (dispensando atos de execução).

29
Direito Constitucional II 30
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Inibirá, sim, a intromissão, por via legal no poder de direção do Governo relativamente à
administração direta, mormente através de normas que reduzam o sentido útil desse poder de
direção ou de atos materialmente administrativos editados tacitamente pelo Parlamento sob a
forma de lei, suscetíveis de constituir uma inversão do critério nuclear de separação dos
poderes.

O Governo, como órgão soberano, goza de uma reserva nuclear de execução, a qual pode ser
subsidiarizada por normas auto-aplicativas, mas que não pode ser defraudada por atos
administrativos editados sob a forma de lei parlamentar.

Lei e Regulamento

Fora de domínios específicos onde seja suposta uma reserva necessária de regulamento
(autarquias locais, regiões autónomas e certas autoridades administrativas
independentes), a lei pode dispensar a sua concretização por parte de normas
administrativas.

Pode se extrair da opinião jurisprudencial a ideia de que, não existindo, uma reserva geral de
regulamento, a lei parlamentar pode, em razão da sua hierarquia superior, revogar normas
regulamentares e pré-ocupar domínios antes regidos por regulamentos, sem prejuízo de a
mesma lei dever observar um conjunto de limites ao seu poder revogatório e conformador,
derivados de um necessário respeito pelo núcleo da função administrativa reservada ao
Governo.

Nesta linha de entendimento, a jurisprudência constitucional fez as seguintes precisões:

▪ O Parlamento, quando legisla, “tem de respeitar a separação entre os órgãos de


soberania não podendo usurpar as funções próprias do Governo, designadamente as
de direção da administração direta do Estado”.
▪ No universo regulamentar, um ato legislativo parlamentar não pode revogar um
regulamento sem ter previamente revogado a norma legal que o habilitou;
▪ “As relações do Governo com a AR são relações de prestação de contas (…) não são
relações de subordinação hierárquica ou de superintendência, pelo que não pode o
Governo ser vinculado a exercer o seu poder regulamentar (ou legislativo) por
instruções ou injunções da AR nem esta pode transmutar a forma legislativa num
meio enviesado de exercício de competência de fiscalização, com esvaziamento (…)
do núcleo essencial da posição constitucional do Governo.”

Existindo um domínio material mínimo reservado à Administração impõe-se delimitar, dentro


do possível, as respetivas fronteiras, já que as mesmas supõem a existência de limites verticais
ao poder concretizador da lei.

Para o Tribunal, se uma lei parlamentar, mantiver intocadas as normas legais que regem uma
atividade administrativa a ser prosseguida e se limita a revogar um regulamento aprovado ao
abrigo dessa legislação, que o Governo deve executar, “priva este órgão de soberania dos
instrumentos que a Constituição lhe reserva para prosseguir as tarefas que neste domínio lhe
estão constitucionalmente cometidas (…) violando o principio da separação de poderes.”

30
Direito Constitucional II 31
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Para esta orientação não estaria em causa a faculdade da lei, atenta a sua hierarquia, em
poder revogar um regulamento. Contudo o que lhe seria vedado seria proceder a essa
revogação sem antes ter revogado ou alterado o parâmetro legal onde o referido
regulamento se fundaria.

Sem prejuízo de este critério limitativo da discricionariedade legislativa dever ser tomado em
devida nota pela comunidade jurídica, não deixa o memso de ser questionável.

Nada obsta, na realidade, por força da hierarquia que a lei goza em face do regulamento, que a
mesma possa proceder à sua revogação, mesmo sem ter previamente modificado a norma legal
que constituía o fundamento do poder regulamentar, na medida em que não existe reserva
regulamentar genérica do Executivo. Se a norma legal que era parâmetro do regulamento
permitia ao Governo fazer de novo uso do seu poder regulamentar depois de consumada a
revogação do mesmo regulamento, não havia sequer razão plausível para que a lei julgada
inconstitucional tivesse o ónus de proceder à revogação prévia dessa norma-parâmetro.

A liberdade de escolha dos meios de criação legal e respectiva execução é vasta, num órgão
como o Governo que exerce simultaneamente a função legislativa e a função administrativa.
Existe, como tal, um espaço natural de validade para o decreto-lei singular, embora fora dos
universos específicos onde a Constituição imponha generalidade e longe de espaços onde a
mesma constituição crie domínios reservados à Administração.

Outra questão polémica consiste em saber se, nos termos do artigo 199/d, existe uma reserva
administrativa, em face ao Parlamento, no respeitante ao exercício das competências de
direcção, de superintendência e de tutela que a Constituição lhe reconhece.

▪ Administração Direta – compreende os serviços não personalizados do estado


(direcções gerais e direcções de serviços) e os poderes hierárquicos ou de direcção do
Governo sobre este sector traduzem-se na emissão de ordens ou injunções;
▪ Administração Indireta – Institutos públicos, principalmente, sobre ela o Governo
exerce um poder de superintendência, traduzido na emissão de directrizes e orientações
gerais;
▪ Administração Autónoma – Composta por entes públicos com autonomia
administrativa e financeira que prosseguem interesses próprios. O Governo exerce
podere de controlo ou de tutela da legalidade.

Na opinião do professor Blanco Morais, uma lei que fixasse orientações conjunturais de gestão
para uma empresa ou um instituto publico, invadiria o domínio reservado pela Constituição ao
Governo quanto ao exercício dos seus poder de superintendência, já que tal implicaria o
esvaziamento de uma competência que a Constituição confere ao Executivo, sem partilha ou
concorrência com poder legislativo do Parlamento.

Mais evidente parece ser a existência de uma reserva de “ato administrativo” na esfera dos
poderes hierárquicos do Governo, decorrentes da sua responsabilidade de direcção dos serviços
do governo.

Consideram-se, nesse contexto, feridas de inconstitucionalidade orgânica , leis singulares do


Parlamento, que procedam, por exemplo, à nomeação, classificação ou responsabilização

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Direito Constitucional II 32
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

disciplinar dos funcionários civis e militares, ou que interfiram na gestão decorrente da


Administração.

Este entendimento começa a tomar corpo na doutrina.

A jurisprudência constitucional exibe alguma relutância em relação à limitação do conteúdo


concretizador das leis parlamentares em nome da exigência da controlabilidade ou da
responsabilização democráticas do Executivo pela AR.

A responsabilização democrática deve exercer-se num quadro de fiscalização e não de


substituição do órgão controlado pelo controlador.

Os poderes de direcção sobre a Administração Pública revestem natureza administrativa e


são atribuídos exclusivamente ao Governo, pelo que o Parlamento excederá os seus meros
poderes de fiscalização (162º/a CRP) se emitir atos legislativos que ocupem o lugar e a
função de atos administrativos atribuídos ao poder exclusivo do órgão controlado.

Segundo grande parte da doutrina e, mais concretamente, o professor Blanco Morais, o TC fica
investido no ónus de alargar materialmente os seus próprios crutérios jurisprudenciais de
censura, a:

▪ Intromissões da lei parlamentar que ditem operações materiais aos serviços da


Administração sem intervenção do Governo;
▪ Todas as formas de intromissão intolerável da AR na esfera puramente administrativa
do Governo, em domínios que são próprios da sua esfera puramente executiva, sendo
evidente que o poder de hierarquia faz indissociavelmente de um núcleo essencial da
administração ou do executivo.

Fora destes domínios reservados constitucionalmente à Administração torna-se difícil


estabelecer um limite objetivo ao poder concretizador das leis.

A lei parlamentar continua a poder dispensar em certos casos a prática de atos administrativos e
assumir uma natureza auto-aplicativa, contanto que não resuma o seu conteúdo a um ato dessa
natureza.

Síntese Sobre a Problemática do Conceito e do Conteúdo da Lei

A Constituição identifica taxativamente a base de uma tipificação formal (art 112/1 CRP) e
hierárquica e a penas impe exigências de generalidade e abstracção ao seu conteúdo a um
numero circunscrito de leis, como é o caso das normas legais materialmente paramétricas de
outras leis, bem como das disposições legais que regulam certas matérias, como as do nº3 do
artigo 118º CRP.

No que respeita à forma, observa-se que o principio da “tipicidade das formas de lei” (art. 112/1
CRP) determina a inexistência de atos legislativos fora de três tipos específicos neles previstos
(lei, decreto-lei e decreto legislativo regional).

A “Força Geral de Lei” trata-se de uma noção que resulta de um nexo causal entre a
superioridade hierárquica da lei sobre as demais normas de natureza não politica dos poderes
constituídos e a potência jurídico-administrativa que dela resulta em termos operativos. Trata-se

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Direito Constitucional II 33
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

de uma potência de valor. A ideia de uma força unitária da lei determinada pelo valor
hierárquico do ato estriba-se, quer no principio da legalidade, o qual supra-ordena os atos
da função legislativa em face dos atos das restantes funções constituídas (art 203/2, art
266), quer nos efeitos relacionais do principio da tipicidade da lei (art. 112/5 CRP), que
proíbe a suspensão, alteração, integração ou revogação desta por atos normativos de
distinta natureza.

Define-se ato legislativo como todo o critério político de decisão produzido e revelado sob a
forma de lei pelos órgãos titulares da função legislativa e que exprime uma supremacia sobre
os demais atos normativos não políticos, de direito interno infra-constitucional.

Quanto aos limites constitucionais ao conteúdo legal, considera-se que o legislador é livre
de conferir o conteúdo que julgar oportuno ao ato legislativo que edita, salvo se:

▪ A Constituição impuser pelas leis que incidam sobre certos domínios, exigências de
generalidade ou de generalidade e abstracção;
▪ A Constituição consagrar domínios reservados em favor da Administração
Pública, que vedem a intromissão vertical dos atos legislativos no núcleo da
actividade regulamentar ou em domínios reservados da competência
administrativa do Governo.

O Acórdão Nº 1/97 do Tribunal Constitucional

Este acórdão aprecia a constitucionalidade do Decreto nº 58/VII da AR que pretendia obrigar o


Governo a criar, através da Portaria, vagas adicionais nas instituições de Ensino Superior no ano
lectivo de 1996/1997, de forma a garantir o acesso a todos os estudantes que nos exames
realizados em Setembro tinham obtido nota superior ao ultimo aluno colocado na 1ª fase
daqueles exames.

Esta injunção da AR entraria em vigor como lei se tivesse sido publicada pelo Presidente da
Republica e obrigaria o Governo a criar mais 1700 vagas.

Contexto e enquadramento legal:

▪ Nos termos do regime legal em vigor, é ao Governo que compete aprovar, por portaria,
o numero máximo de matriculas anuais no ensino superior (DL nº28-B/96, art 5º e 6º);
▪ É ao Governo que legalmente compete regulamentar, por portaria, o concurso nacional
de acesso ao Ensino Superior (DL 28-B/96, 23º e 25º);

Neste quadro, o Governo fixou o numero de vagas para aquele ano lectivo e regulamentou o
respectivo concurso nacional de candidatura ao Ensino Superior.

Depois de algumas perturbações na realização dos exames, a AR considerou e recomendou que


os Exames de Setembro deveriam permitir o acesso a todos os alunos que obtivessem nota
superior à classificação do ultimo aluno admitido em julho e o Governo considerava que o
processo de candidatura se deveria concluir de acordo com o regime legal e regulamentar em
vigor e publicamente anunciado, pelo que os exames de Setembro apenas se destinariam a
preencher as vagas em falta.

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Direito Constitucional II 34
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Concluído o processo de candidatura, a entrada em vigor da lei pretendida pela AR significava o


seguinte:

▪ O regime legal de acesso ao Ensino Superior não era alterado;


▪ A AR substituiria a anterior decisão do Governo acerca da natureza e dos efeitos dos
exames já realizados em Setembro pela sua própria decisão:
▪ A AR impunha ao Governo a criação de um numero de vagas adicionais substituindo a
anterior decisão governamental que fixava o numero de vagas pela sua própria decisão.

O TC foi chamado a pronunciar-se previamente sobre a constitucionalidade do decreto da AR.


O TC não se pronunciou pela inconstitucionalidade do diploma por causa de problemas
relacionados com a separação de poderes ou com os limites orgânico-funcionais das
competências legislativas da AR mas devido à violação da principio da igualdade e do principio
da segurança jurídica.

O TC seguiu 3 linhas de argumentação:

▪ Não haveria inconstitucionalidade por violação por parte da Assembleia de uma área
reservada constitucionalmente ao Governo e à Administração porque a existência dessa
pretensa reserva da Administração seria incompatível com a dimensão garantista do
principio da separação dos poderes e com a consequente exigência de controlo
democrático-parlamentar do Executivo;
▪ Não haveria também inconstitucionalidade por violação de pretensas competências
especificamente reservadas pela constituição ao Governo, e não haveria
inconstitucionalidade porque no entender do TC, a AR dispõe de competências para
legislar sobre quaisquer matérias, pelo que em quaisquer domínios pode pré-determinar
legislativamente a actividade do Governo e da Administração;
▪ Não haveria, por ultimo, inconstitucionalidade por violação da posição do Governo
porquanto aquilo que a AR teria feito não seria uma substituição funcional do Governo,
mas apenas a criação de “critérios inovatórios, excepcionais, retroactivos e de eficácia
temporal restrita para um caso concreto”.

Críticas (Professor Reis Novais)

▪ Principio da Divisão de Poderes e Controlo Democrático do Executivo

Para o TC o principio da separação de poderes adquiriu a natureza de um instrumento


garantistico de controlo democrático da esfera do poder, excluído o Governo da direta decisão
politica.

O Parlamento e o Governo têm hoje a mesma legitimação para o exercício de poderes fundada
na constituição, estão sujeitos aos mesmo limites constitucionais e são em igual medida
potencialmente passiveis de violação desses limites, pelo que não há hoje nenhum fundamento
para identificar a garantia das liberdades individuas (dimensão garantista do principio da
separação dos poderes) com controlo parlamentar do executivo.

A eventual existência de uma reserva ou reservas de administração, no sentido de um núcleo


essencial do poder executivo imune à invasão parlamentar, não só não é contraditória com

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Direito Constitucional II 35
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

sentido actual o principio da separação dos poderes, como é antes, uma exigência da sua função
como principio organizatório fundamental da nossa ordem jurídica.

▪ Competência Legislativa Genérica da AR e Limites da Função Legislativa


Parlamentar

O TC considera que a existência de uma reserva material de administração seria incompatível


com a competência legislativa genérica da AR. Ou seja, se a CRP dá à CRP a competência para
legislar sobre todas as matérias então isso significa que o Parlamento pode pré-determinar a
actividade do Governo.

Há uma clara não consideração da distinção entre competência formal para a prática de
um acto e limites funcionais que o conteúdo do acto tem necessariamente de observar em
Estado de Direito com separação e organização racional dos poderes.

Por exemplo, se aos tribunais é dada a competência para administrar a justiça e dirimir os
conflitos de interesses públicos e privados, significará isso que um juiz pode anular um aumento
do preço dos combustíveis com o fundamento de que seria politicamente preferível aumentar o
preço do tabaco?

A AR tem, todavia, de observar os limites orgânico-funcionais que resultam da grantia de


um núcleo essencial das funções atribuídas aos outros órgãos, bem como das competências
especificas que a Constituição expressamente lhes atribuiu.

Nem deve ser invocado que os planos são diferentes por força do principio da legalidade da
administração que imporia uma subordinação da Administração à lei. É que, no plano da
necessidade de observância e aplicação da lei tao subordinada é a Administração quanto os
tribunais.

A AR ao abrigo do artigo 161/d pode legislar sobre o acesso ao Ensino Superior, sobre critérios
de fixação de vagas, natureza dos exames de acesso e pode fazê-lo especifica e detalhadamente
para o ano de 1996/97. Ou seja, a AR pode pré-determinar legislativamente a posterior atuação
do Governo.

Mas o Governo ao abrigo da legislação em vigor fixou o numero de vagas para o ano lectivo
1996/1997 em 100 e, realizado o concurso de acordo com os critérios vigentes, a Administração
disse que foram admitidos os alunos A, B, C,…, não pode depois a AR, contra opinião expressa
do Governo, encerrado o concurso e iniciado o respectivo ano lectivo, vir determinar por lei que
o numero de vagas não era de 100 mas de 110 e que entram mais os alunos R, S, T,…

Legislar com tal conteúdo constituiria uma violação do principio constitucional da divisão de
poderes e das competências governamentais genérica e especifica resultantes dos artigos 111º,
182 e 199.

Não se trata de saber se o Parlamento pode criar os critérios jurídicos que pautem a futura
actividade administrativa do Governo ou da Administração, tomada regularmente no quadro e
ao abrigo das normas constitucionais e legais em vigor, por uma sua própria decisão, ainda que
sob a forma de lei.

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Direito Constitucional II 36
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A divisão dos poderes dos nossos dias é marcada pela separação, mas também pela
interdependência, pela especialização orgânico-funcional, mas também pelas possibilidades de
interferência reciproca. O que está em causa é a possibilidade de esses efeitos se produzirem
à posteriori e, fundamentalmente, sobre um acto que se integra na função essencialmente
atribuída ao órgão que o praticou originariamente, sem que haja fundamento
constitucional bastante para a prática do ato revogatório.

▪ A Teoria da Lei Criadora de Critérios Inovatórios, Excecionais, Retroativos e de


Eficácia Temporal Restrita a uma Situaçao Concreta

Por ultimo o TC pretende não se tratar de uma verdadeira substituição funcional do Governo e
da Administração por parte do Parlamento, porque a AR, ao aprovar a lei, não pretendia
substituir-se à decisão administrativa, mas estaria simplesmente a criar critérios inovatórios,
excecionais ou retroativos e dotados de uma eficácia temporal restrita a uma situação concreta.

Na verdade, esta formula do TC não é mais do que admitir que a AR se substituiu à decisão
administrativa do Governo, recorrendo para isso à forma de lei.

Este tipo de decisão parlamentar não coloca apenas em causa o principio da divisão de poderes
no sentido assinalado, ela é também incompatível com o estatuto constitucional do Governo,
que nos termos do artigo 182º CRP, vem definido como “o órgão de condução da politica geral
do país e o órgão superior da administração pública.”

Com efeito, se uma lei consagrasse a possibilidade de um particular recorrer de uma decisão
administrativa do Governo para a Assembleia da republica, essa lei seria claramente
incompatível com o estatuto do Governo enquanto órgão de soberania e, concretamente, com a
sua configuração constitucional como “o órgão superior da Administração Pública.”

Reserva de Lei

Reserva de Lei em Sentido Amplo

A noção de reserva de lei em sentido amplo corresponde a um domínio material necessário da


legalidade, o qual implica:

▪ Uma prioridade exclusiva de regulação primária de determinadas matérias pela lei


ordinária da qual decorre a fixação de um regime inovatório susceptível de ser
deslegalizado ou substituído em caso de lacuna ou omissão, por regulamentos
independentes;
▪ A supremacia da lei sobre outros atos normativos internos que lhe confiram
concretização e execução, a qual resulta da superioridade hierárquica dos atos
legislativos sobre os atos das funções secundárias e implica a obrigação de
quaisquer atos de valor infra-legal se fundarem na lei e se mostrarem conformes
com a lei quando incidirem sobre as referidas matérias, sob pena de ilegalidade.

A reserva de lei funda-se no principio da separação de poderes já que este veda a atos de
funções subordinadas do Estado uma incidência inovatória em matérias qualificadas, cuja
regulação seja exclusivamente cometida à lei, como norma típica da função politica
caracterizada pelo seu carácter primário e dominante.

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Direito Constitucional II 37
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Reservas Específicas de Lei

➢ Quanto ao Conteúdo
▪ Reserva de lei geral e abstrata (art. 18/3 CRP);
▪ Reserva de lei de conteúdo geral (a qual, por natureza, respeita às leis de bases,
previstas, no nº2 do artigo 112 da CRP, as quais se restringem à fixação de
princípios e diretrizes gerais destinadas a serem desenvolvidas por outras leis);
▪ Reserva de lei de conteúdo necessariamente não retroativo: art 18/ ; art. 29/2;
art 103/3;
➢ Quanto ao Órgão
▪ Reserva Absoluta de Competência Legislativa da Assembleia da República
(alíneas b), f) e h) do artigo 161 e artigo 164 da CRP) a qual respeita a matérias
totalmente subtraídas à regulação de outros órgãos que não o Parlamento;
▪ Reserva Relativa da Assembleia da República (artigo 165 da CRP) composta
por matérias relativamente às quais a Assembleia da República é o órgão
normalmente competente para legislar, sem prejuízo de poder livremente
autorizar o Governo e as Assembleias Legislativas Regionais a legislar sobre as
mesmas;
▪ Reserva Exclusiva de Competência Legislativa do Governo (reserva de decreto-
lei referente à matéria do nº2 do artigo 198 da CRP);
▪ Reservas Exclusivas da Competência Legislativa das Regiões Autónomas, a
nível de competências mínimas (alínea l), n) e p) do nº1 do art. 227);
Há que distinguir reservas de densificação total: que abrangem toda a extensão
da matéria listada a qual é consumida, vertical e horizontalmente por um ato
legislativo aprovado pelo órgão titular da reserva; e domínios reservados,
relativamente aos quais apenas uma parcela de uma matéria é disciplinada por
lei do órgão titular de reserva (caso das leis de bases as quais coexistem, em
regra com um domínio de desenvolvimento cometido a outros atos legislativos
subordinados, os quais podem ser editados por outros órgãos).
➢ Quanto à Natureza do Ato Legislativo
▪ Reserva de lei comum (a qual se reporta a leis aprovadas por maioria simples
que esgotam as matérias englobadas na reserva absoluta ou relativa do
Parlamento);
▪ Reserva de lei reforçada pela sua parametricidade material (caso das bases
integradas na reserva absoluta ou relativa do Parlamento, as quais são regidas
por conteúdo subordinante ao de outras, mas aprovadas por maioria simples);
▪ Reserva de Lei Reforçada pelo Procedimento (por exemplo, o caso das leis
orgânicas, aprovadas mediante um procedimento legislativo mais exigente que
o comum, o qual aumenta a sua rigidez, ou seja, a sua resistência à revogação
por outras leis de procedimento diverso);

Tipicidade da Lei

A CRP alude em vários dos seus preceitos para a fórmula de “lei”. Trata-se de um ato jurídico-
publico definido essencialmente, para além do seu conteúdo politico, pela sua força (art. 112/5
CRP) e pela sua forma (art. 112/1 CRP).

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Direito Constitucional II 38
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A forma geral de lei ordinária, desdobra-se em 3 formas especificas, a tipicidade implica que a
lei seja reconhecida, com base num conjunto de características estruturais entre os demais atos
jurídico-publicos.

No seu sentido amplo, a forma e a força de lei são valoradas no artigo nº5 do artigo 112º da
CRP pelo princípio da tipicidade da lei. Deste preceito decorre que:

▪ É na constituição que reside a verdadeira fonte de lei;


▪ A lei não pode ser objecto de interpretação, integração, modificação, suspensão e
revogação com eficácia externa, por atos não legislativos, nem que ela própria o
autorize, daqui resultando a expressão de uma força geral de lei, ou seja, de uma
potência de valor emergente de um nexo de conexão entre a posição hierárquica da lei
no ordenamento e a sua posição para revogar e para resistir à revogação intentada por
outros atos não legislativos;
▪ Nenhuma lei (lei, decreto-lei e decreto legislativo regional) pode criar outras formas e
categorias de atos legislativos, na medida em que só a Constituição é titulo habilitante
para o efeito, sendo pois de excluir, por exemplo, a possibilidade de uma lei reforçada
criar outra lei também reforçada;
▪ Certos tipos de deslegalização devem ter-se como proibidos.

A deslegalização consiste numa operação determinada pela lei, através da qual esta confere
natureza regulamentar a normas que, precedentemente, revestiam forma e valor legal.

Existem formas de deslegalização claramente inconstitucionais.

▪ Em primeiro lugar, o caso de leis que desgraduam alguns dos seus preceitos ou
preceitos de outras leis, conferindo-lhes natureza regulamentar, pese o facto de as
mesmas normas incidirem sobre domínios materiais que a Constituição comete à
reserva de lei, como o caso da regulação dos direitos, liberdades e garantias.
▪ O caso em que a lei rebaixa alguns dos seus preceitos, ao permitir, sem mais a sua
revogação ou modificação por normas regulamentares (viola o 112/5);
▪ O cenário de uma lei que deslegalize uma dada matéria mas se limite a conferir a sua
regulação a um regulamento de execução, como uma portaria quando, na verdade, a
simples definição da competência objectiva e subjectiva para a sua emissão reclamaria a
forma de decreto regulamentar (art 112/5, 6 e 7);
▪ No plano regional, no caso de um decreto legislativo regional revogar um regime
inovador contido noutro decreto legislativo regional e respeitante a uma matéria de
reserva de ato legislativo regional enunciada no estatuto e remeter a disciplina de uma
parte dessas opções gerais e primárias para norma regulamentar, ele operará uma
deslegalização ilegítima, pois violará a reserva de lei regional determinada pela lei
estatutária sobre essa matéria.

Considera-se admissível, contudo, que fora da reserva de lei, um ato legislativo desgradue
algumas das suas normas para um nível regulamentar, ou remeta para regulamento
administrativo a regulação de determinadas matérias, desde que o faça expressamente e
fixe com clareza critérios habilitantes da produção regulamentar.

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Direito Constitucional II 39
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O Carácter Taxativo da Tricotomia das Formas Específicas de Lei

O número 1 do artigo 112 da CRP enuncias as 3 formas especificas de lei ordinária previstas na
ordem jurídica constitucional: a lei, o decreto-lei e o decreto legislativo regional.

É importante destacar que quando a Constituição alude a uma classe de ato legislativo,
como as leis com valor reforçado, leis pressuposto de outras leis, leis de bases ou leis de
autorização, ela não qualifica novas formas especificas de lei, reportando-se antes a
categorias legais que, dotadas de um regime jurídico próprio, se reconduzem às três
formas especificas previstas no nº1 do artigo 112º CRP.

Mesmo as leis orgânicas não constituem um tipo ou uma quarta forma de ato legislativo,
antes se definindo como uma categoria formal da lei parlamentar.

A Relação Entre o Órgão, a Competência, o Procedimento e o Título

Os títulos específicos de lei, decreto-lei e decreto legislativo regional assinam atos legislativos
cuja formação resulta de um procedimento próprio ou especifico para a sua produção, o qual é,
por seu turno, pressuposto pela competência atribuída a um determinado órgão constitucional.

Órgãos Legislativos

Existindo o princípios da Tipicidade dos Atos Legislativos, só os são aqueles que a


Constituição reconhece como tal, nomeadamente no artigo 112.

Esses atos só podem ser praticados pelo órgão com competência para tal, nomeadamente:

▪ Assembleia da República (Art. 161/c);


▪ Governo (Art.198);
▪ Assembleias Legislativas Regionais (Art.232);

Apesar destes 3 órgãos terem todos competência legislativa, não têm todos a mesma.

O órgão legislativo por excelência é a Assembleia da Republica. No entanto, quer a Assembleia


da República quer o Governo têm competência legislativa genérica.

Artigo 161/c)

“Compete à Assembleia da República: Fazer leis sobre todas as matérias, salvo as


reservadas pela Constituição ao Governo.”

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Direito Constitucional II 40
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Artigo 198/1, a)

“Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas: Fazer decretos-leis em


matérias não reservadas à Assembleia da República.”

Podem legislar sobre todas as matérias tirando as que estão reservadas ao outro órgão.

Artigo 227 Competências Legislativas das Regiões Autónomas, podem legislar no


âmbito regional em matérias enunciadas no estatuto político-
administrativo.

Estatuto ≠ Constituição

Artigo 161/b – O Estatuto á aprovado pela Assembleia da Republica e, segundo o artigo 166/3,
reveste forma de lei. As regiões autónomas, ao contrário dos Estados Federados, não têm
autonomia jurídico-constitucional. A sua constituição é a mesma do restante país. A autonomia
político-administrativa regional não afeta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no
quadro da constituição.

As Assembleias Legislativas Regionais têm Competência Legislativa Limitada, ou seja, só


pode legislar sobre as matérias reguladas no estatuto.

Esta aparente limitação acaba por ser ultrapassada pela enorme extensão do Estatutos neste
âmbito.

Artigo 228/2 CRP

“Na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência
dos órgãos de soberania, aplicam-se nas regiões autónomas as normas legais em
vigor.”

A partir desta norma conclui-se que tem preferência regional a legislação regional. Só se não
houver matéria legislada pela Assembleia Legislativa Regional é que se vai aplicar a lei
nacional. A lei regional tem primazia, dentro dos limites do estatuto e da Constituição.

Artigo 198/2 CRP

“É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua


própria organização e funcionamento.”

Matéria Reservada exclusivamente ao Governo (saber quando reúne, como reúne,…). A


organização interna é de competência exclusiva do próprio órgão.

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Direito Constitucional II 41
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Pode-se dizer, por isso, que a Assembleia da República é o principal órgão legislativo. Todas as
matérias, excluindo a organização interna do Governo, cabem à Assembleia.

Governo não pode legislar:

▪ Artigo 161 CRP;


▪ Artigo 164 CRP; Matérias mais importantes são de Competência Reservada da
▪ Artigo 165 CRP; Assembleia da República.

Porquê?

➢ Órgão com legitimidade democrática direta (importante em democracia). Se a Assembleia


da Republica comparativamente com o Governo tem uma mais evidente legitimidade
democrática, é natural que as matérias mais importantes sejam da competência do Parlamento;
➢ Pluralidade. Apesar do Governo ser formado consoante os resultados eleitorais (Artigo 187/1º
CRP), a sua composição vai ter como base um partido ou coligação que está em melhores
condições para governar, representando uma única ideologia e um único núcleo de valores
(especialmente, no caso de um Governo apoiado por uma maioria no Parlamento). A
Assembleia da República tem todas as forças politicas representadas, estão representados
todos os cidadãos através de diferentes propostas de programa, diferentes ideias, diferentes
valores. Maior Legalidade. Participação Plural;
➢ Questão da Publicidade. Há um ambiente de maior transparência, as reuniões são publicas,
são alvo da comunicação social, cidadãos podem acompanhar todo o processo de tomada de
decisão. O mesmo não acontece a respeito do Governo, o Governo, se quiser, pode fazer
aprovar um diploma sem ninguém saber durante o processo de tomada de decisão

Uma das Matérias mais relevantes tem que ver com os Direitos Fundamentais (art.165/b),
fala-se neste artigo de reserva relativa.

Reserva

Reserva Relativa Reserva Absoluta

Embora a matéria seja constitucionalmente Só a Assembleia pode legislar em


reservada à Assembleia da República determinadas matérias:
(Art.165 CRP), se este órgão quiser, pode
autorizar o Governo a legislar sobre o ponto ▪ Artigo 161º CRP (CRP não o diz
em questão. expressamente);
▪ Artigo 164 CRP.

Órgãos Com Competência Legislativa:

• Assembleia da República – Principal Órgão Legislativo;


• Governo – O Governo tem competência legislativa em todos os sistemas;
• Assembleias Legislativas Regionais

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Direito Constitucional II 42
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Como já mencionado, várias razoes fazem da Assembleia da República o principal Órgão


Legislativo:

▪ Procedimento Legislativo Diferente (Publicidade), toda a atividade da AR é marcada


pela transparência. No caso do Governo, só se sabe o que é aprovado quando é
publicado em jornal da República.;
▪ Pluralismo – Todos os partidos têm uma participação ativa;
▪ Legitimidade Democrática Direta;

Principal Órgão Legislativo

▪ Artigo 161 (Competência Política e Legislativa);


▪ Artigo 164 (Reserva Absoluta de Competência Legislativa);
▪ Artigo 165 (Reserva Relativa de Competência Legislativa);

À Assembleia da Republica estão reservadas as matérias mais importantes as matérias mais


importantes – Superioridade Legislativa – A assembleia da Republica só não pode legislar a
matéria exclusivamente reservada ao Governo, que diz respeito, essencialmente, à organização
do próprio órgão.

Outra questão Importante onde fica claramente evidente a superioridade legislativa está
relacionado com o veto.

O artigo 136 é claro quando destaca que tanto as leis como os decretos-leis podem ser vetados
pelo Presidente da República. Porém, a superioridade da Assembleia da Republica fica clara
porque só o veto feito a leis aprovadas pela AR pode ser ultrapassado (seja ou por maioria
absoluta ou por maioria relativa). O mesmo não acontece com o Governo, em relação a este
órgão, o veto é absoluto.

Veto a Diploma da Assembleia da República ≠ Veto a Diploma do Governo

Veto é ultrapassável, reunida uma maioria Veto tem um carácter absoluto, diploma não pode
absoluta ou de 2/3 a AR pode ultrapassar o veto. entrar em vigor como decreto-lei. A única hipótese
Mesmo tendo o Presidente da Republica ocorre se o Governo quiser enviar o diploma para a
legitimidade democrática esta situação pode Assembleia (Governo é constituído tendo em conta
ocorrer. a distribuição de lugares da assembleia, por isso, e ,
nos casos em que há uma maioria absoluta, é quase
certo que o diploma será aprovado). Se a AR
Superioridade da Assembleia da Republica em aprovar, mesmo que o PR vete, o diploma vai ser
relação ao Governo promulgado com a forma de lei e não de decreto-
lei.

A superioridade ainda se manifesta noutro instituto:

➢ Fiscalização
▪ Artigo 162/c CRP

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Direito Constitucional II 43
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

“Compete à Assembleia da Republica, no exercício de funções de fiscalização:


Apreciar, para efeito de cessação de vigência ou de alteração, os decretos-leis, salvo os
feitos no exercício da competência legislativa exclusiva do Governo, e os decretos
legislativos regionais previstos na alínea b) do nº1 do art. 227º;

▪ Artigo 169 CRP

Quando o Governo legisla, caso não sejam vetados, os decretos-leis entram em vigor, porém,
podem também ser apreciados. A apreciação é o instituto através do qual a AR fiscaliza a
atividade legislativa do Governo. Apesar desta superioridade, o Governo, no nosso sistema, é
um órgão legislativo de grande efetividade, é o órgão que mais legisla.

Regiões Autónomas

A Competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais, inicialmente, era muito


limitada:

▪ Só podia legislar em matéria de interesse especifico regional;


▪ Não podia legislar em matéria de Competência de outros órgãos;
▪ Toda a legislação tinha de respeitar as leis gerais da republica;

O primeiro e último requisitos deixavam lugar para grandes dúvidas, tornava-se difícil
determinar, muitas vezes a ALR considerava que podia legislar quando a opinião dominante era
a contrária.

Mesmo que o Representante da Republica não pedisse fiscalização preventiva era o Tribunal
que decidia.

A decisão do Tribunal Constitucional, havendo duvida ou não, mostrou-se sempre pela


negativa, era sempre recusada a legislação, só por haver lugares para dúvidas o TC já
considerava que não era da Competência dos órgãos regionais legislar sobre a matéria em
questão.

Isto fez com que, ao longo dos anos, as Regiões Autónomas tivessem de arranjar outra via.
Nomeadamente, através da Revisão Constitucional. Através da revisão constitucional as
competências legislativas das Assembleias Legislativas Regionais, com o decorrer do tempo,
foram sendo alteradas, abrindo e criando uma maior margem para uma efetiva legislação.

Como conseguiram?

Os grandes partidos nacionais têm muita força nas regiões autónomas e quiseram conservar essa
força. Os partidos políticos reagiram a favor destas alterações. Foi assim que sistematicamente
este interesse especifico foi retirado da Constituição e as próprias Leis gerais foram consagradas
constitucionalmente, para tentar esbater as duvidas existentes.

▪ Interesse especifico desaparece;


▪ Em vez de se falar em leis gerais fala-se na não contrariação aos princípios gerais
consagrados em leis gerais da República.

A Constituição atual resultou da revisão de 2004. A história do constitucionalismo português,


nesta matéria, evidencia uma longa evolução e aumento da competência legislativa das regiões

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Direito Constitucional II 44
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

autónomas. Hoje em dia, as regiões autónomas podem legislar sobre todas as matérias, desde
que estejam enumeradas no estatuto. Não podem legislar sobre aquelas reservadas aos órgãos
de soberania.

“…Podem legislar no âmbito regional”

Tribunal constitucional questiona este conceito, acha que o âmbito regional, para além de uma
delimitação territorial, acarreta, também uma questão material. Desta forma o Tribunal
Constitucional, tenta recuperar algum do “interesse” regional.

Se é claro que não podem legislar em matéria reservada aos órgãos de soberania, o Tribunal
Constitucional acha, que existem outros artigos e outras matérias que, pela sua natureza, só
podem ser tratados pelos órgãos de soberania. A relação entre as Regiões Autónomas e o
Tribunal Constitucional não tem sido fácil.

Artigo 228/2

“Na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência
dos órgãos de soberania, aplicam-se nas regiões as normas legais em vigor.”

Da leitura do artigo se percebe que as leis da republica são aplicadas subsidiariamente. Pode
acontecer que não haja legislação regional a legislar determinada matéria. Nesta altura, aplica-se
a título subsidiário a legislação nacional. Se houver, contudo, legislação regional é esta que vai
ser aplicada. O Decreto Legislativo prevalece.

▪ Artigo 232/1/d CRP; A competência de regulamentar leis nacionais nas regiões


▪ Artigo 227/d CRP; autónomas é exclusiva das Assembleias Legislativas
Regionais.
A Assembleia da República é o órgão legislativo por excelência. Em relação aos tipos de leis
que aprova, pode se falar:

▪ Artigo 166 – Lei Constitucional – Lei de revisão constitucional, leis que fazem
alteração à constituição, só estas revestem a forma de lei constitucional.

A constituição em sentido formal tem que ver com a força das normas constitucionais (força
normativa). Em geral, quando há uma constituição material há também uma constituição em
sentido formal, mas nem sempre é assim.

De uma forma geral, apontam-se 3 características à Constituição em sentido formal:

▪ Trata-se de um documento elaborado com a intenção de ser constituição (por exemplo,


uma carta constitucional ou um uma constituição aprovada por uma assembleia
constituinte;
▪ Sistematização própria/ distinta de outros documentos da ordem jurídica, não se
encontra dispersa por inúmeras leis e decretos-leis;
▪ Documento com força jurídica suprema, superior a qualquer outro documento.

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Direito Constitucional II 45
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A existência de uma constituição em sentido formal acarreta a distinção entre:

Poder Constituinte Poder Constituído

Poder que faz a Constituição Vários órgãos que foram criados


(assembleia constituinte, por pela Constituição (assembleia,
exemplo) tribunais, governo, presidente,…)
cujas competências também foram,
por ela, delineadas.

Duas Dimensões

Poder Constituinte Derivado


Poder Constituinte Originário
Poder de revisão constitucional, já não é
Assembleia Constituinte de 1975. originário, é derivado.
Assembleia responsável pela feitura
da Constituição original.

Lei

Normas Constitucionais – Aprovadas pelo Normas Ordinárias – Aprovadas pelo poder


poder constituinte, normas hierarquicamente constituído (leis, decretos-leis), têm de respeitar as
superiores normas constitucionais uma vez que se encontram
numa posição hierárquica inferior. Quando não
respeitam normas de escalão superior surge o vício da
inconstitucionalidade (desconformidade entre a
norma ordinária e a norma constitucional) ou de
ilegalidade (desconformidade entre uma norma
ordinária de escalão superior e a lei ordinária a ser
tratada).
Em todos os países com constituição em sentido formal surge esta diferenciação hierárquica. É
desta relação hierárquica que advém o vicio da inconstitucionalidade e da ilegalidade

Artigo 3º/3 CRP

“A validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder
local e de quaisquer outras entidades publicas depende da sua conformidade com a
Constituição.”

As leis constitucionais subordinam todas as leis ordinárias. As leis ordinárias, por sua vez, vão
subordinar os regulamentos (legalidade da administração) que estão, também,
consequentemente, subordinados à constituição.

Artigo 112/2

“As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às


correspondentes leis dos decretos-leis publicados ao uso da autorização legislativa e
dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.”

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Direito Constitucional II 46
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

As leis e os decretos-leis estão no mesmo plano hierárquico, têm o mesmo valor. Aplica-se a
regra: “lei posterior derroga lei anterior”. No entanto nem sempre assim acontece, esta relação é
a normal mas não a necessária e absoluta.

Há situações em que, sendo contrariada, a lei não é derrogada. Por vezes há leis que não podem
ser contrariadas por outras. Surge, aqui, o vicio da Ilegalidade, significa que uma lei pode ser
inconstitucional ou ilegal.

Algumas leis na ordem jurídica têm valor reforçado, são mais fortes que uma lei ordinária
comum, são leis ordinárias com valor reforçado, não deixam de ser ordinárias, não deixam de
estar subordinadas e vinculadas à constituição.

Quando uma lei posterior contrarie outra lei anterior de valor reforçado surge o vicio da
ilegalidade ou da inconstitucionalidade indireta (contraria a constituição por contrariar uma
lei com valor reforçado).

▪ Artigo 280/1/a); Pode recorrer-se ao tribunal quer no que diz respeito à


inconstitucionalidade, quer com fundamento na ilegalidade por
▪ Artigo 280 2/a);
violação de normas com valor reforçado.

Qualidades Operativas dos Atos Legislativos

Operatividade legislativa

A Operatividade legislativa de um ato pode ser entendida como o conjunto de efeitos


manifestados pela norma legal, nas suas relações de tensão com outros atos normativos, seja da
mesma natureza, seja de natureza distinta.

A Operatividade pressupõe duas dimensões:

• Uma Dimensão Vertical – constitui um reflexo da estrutura hierárquica do


ordenamento e integra os atributos que concorrem com a própria definição de lei
(vinculação à constituição e supremacia sobre os restantes atos ordinários);
• Uma dimensão Horizontal – respeitante às relações travadas entre leis ordinárias.

A força geral de lei assume-se como atributo permanente da própria Operatividade legislativa, a
parametricidade material, que resulta de leis dotadas de uma hierarquia material sobre outras,
constitui um atributo de caracter eventual e exclusivo desses atos legislativos hierarquicamente
superiores.

Forma de Lei: Forma Especifica e Forma Geral de Lei

A Forma especifica de lei é dada pela determinação constitucional das 3 classes de ato
legislativo envolvidas no procedimento de produção e revelação previstos na CRP: lei, decreto-
lei e decreto legislativo regional.

O processo de identificação formal, ao identificar o ato com um titulo próprio, assume uma
condição ulterior de valoração da lei, esta, por seu turno, vai qualificar os termos em que se vai
desenvolver a respetiva força.

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Direito Constitucional II 47
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Valor Normativo de Lei

Alem das formas reconduzíveis ao órgão que aprova a lei, são feitas outras classificações, como:
“estatutos”, “leis orgânicas”, “leis de bases”, todas estas classes constituem algumas das
categorias em que a forma de lei se decompõe.

Na base da categorização das leis emerge a noção de “Valor de Lei”.

É através do reconhecimento do regime jurídico de uma lei determinada, selado com


determinada forma e por um valor especifico que se torna possível chegar à noção de categoria
legal (conjunto de atos legislativos que se caracterizam por um regime jurídico especifico
próprio).

Por conseguinte, a forma de lei da Assembleia da Republica pode assumir uma


multiplicidade de categorias, tais como a categoria formal de lei orgânica, o estatuto de
autonomia regional, a lei comum, a lei de bases, a lei de autorização legislativa e uma
sensível variedade de leis de valor reforçado pelo procedimento.

Os decretos-leis do Governo também se diferenciam em diversas categorias: decretos-leis


emitidos no âmbito da competência concorrencial alternada, complementar, delegada e na esfera
de competência exclusiva..

Quanto aos decretos legislativos regionais pode se falar nas pautadas por competência comum,
complementar, delegada e mínimo.

Força de Lei

A força de lei consiste numa manifestação relacional de prevalência do ato legislativo, que se
traduz na possibilidade de uma lei poder revogar, alterar ou suspender outro ato legislativo
(força ativa), bem como, resistir à afetação da sua eficácia por parte de determinadas
normas legais supervenientes (força passiva).

A força de lei consiste, acima de tudo, numa manifestação de prevalência, que tem
consequências jurídicas inegáveis no universo da eficácia.

A prevalência manifesta-se através de institutos próprios, como : a revogação, a suspensão ou


a privação da eficácia de uma lei originária, por força de uma lei superveniente.

A força especifica de lei ostenta duas vertentes:

▪ Força Ativa – habilita uma lei a afetar a eficácia de outros atos legislativos
anteriores;
▪ Força Passiva – Permite-lhe resistir à revogação ou suspensão por parte dos
atos legislativos supervenientes.

As leis reforçadas pelo procedimento supõem uma maior força passiva, como é o caso das leis
orgânicas, legislação aprovada por maioria de dois terços e atos legislativos que, como os
estatutos politico-administrativos e a lei do orçamento de estado pressupõem a existência de
uma reserva heterónoma de iniciativa no seu processo produtivo.

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Direito Constitucional II 48
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Parametricidade Material

A parametricidade material constitui um atributo eventual dos atos legislativos, tendo em conta
que só manifesta a sua presença em leis materialmente interpostas, ou seja, leis de hierarquia
material superior a outras.

Este fenómeno de parametricidade material resulta da capacidade outorgada


constitucionalmente a uma categoria legal para poder condicionar, em termos de validade
o conteúdo de outra categoria de lei.

Pode dar-se como exemplo, as leis de bases ou as leis de autorização legislativa.

Distinção Entre Força de Lei e Parametricidade Material

Enquanto a força de lei constitui um atributo permanente da Operatividade dessa norma que
comporta uma dimensão ativa e passiva (aptidão para revogar ou suspender atos legislativos e
capacidade eventual para resistir à revogação e suspensão por outras leis), a parametricidade
material firma-se como um atributo eventual, apenas presente em certas leis de hierarquia
superior e que reduz os respetivos efeitos a uma dimensão ativa, no sentido do condicionamento
do conteúdo de outras leis.

Enquanto a força pode implicar a substituição de uma lei por outra regulação de uma situação de
facto (a lei nova revoga a lei antiga), a parametricidade destaca-se como um fenómeno de
prevalência material, pautado pela coexistência simultânea das normas que são sujeito e objeto
da mesma relação (por exemplo, a lei de bases e o decreto-lei de desenvolvimento).

Enquanto a força de lei se exibe quanto à eficácia (revogação e suspensão da eficácia) e apenas
muito circunscritamente na na validade (resistência à ilegalidade), a parametricidade material
liberta as suas consequências no domínio da validade (ilegalidade ou inconstitucionalidade das
leis que violam estatutos politico-administrativos, leis de bases ou o sentido de leis de
autorização.

A parametricidade material não está diretamente ligada com a revogação ou suspensão de outras
leis mas antes com uma relação de vinculação entre o conteúdo de leis de diferente hierarquia
substancial.

▪ Se a lei de bases se insere na reserva absoluta ou relativa da competência da AR, o


critério da competência impede revogação por um ato legislativo do Governo, o que
caso acontecesse implicaria inconstitucionalidade orgânica.
▪ O facto de um decreto-lei poder revogar uma lei de bases na esfera concorrencial de
matéria da competência do Governo e da AR reforça a ideia de que as leis de bases ano
dispõem qualquer força especifica passiva;
▪ Se se tratar de uma autorização legislativa, é apenas um efeito de conjugação do
principio da hierarquia material associado ao principio da competência que veda a
recogaçao da lei de autorização legislativa pelo ato legislativo autorizado, à luz do
artigo 112/2 o ato subordinado não pode revogar o ato subordinante e, porque, devido
ao principio da competência, quem pode atribuir a autorização é a AR.

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Direito Constitucional II 49
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Categorias de Atos Legislativos

Atos Legislativos Comuns e Atos Legislativos com Valor Reforçado

Os atos legislativos comuns são todos aqueles:

▪ Cujo procedimento formativo corresponda ao itinerário geral de produção ordinária


fixado na CRP;
▪ Cujas normas se encontrem investidas numa hierarquia comum, no respeitante aos
demais atos legislativos.

Já as leis com valor reforçado são todas as normas legais que, nos termos da constituição, se
devam fazer respeitar, passiva ou ativamente, por outros atos legislativos, sob pena de
ilegalidade destes últimos.

A relação de respeito passivo é dada por procedimentos agravados de produção, como o das leis
orgânicas, das leis aprovadas por dois terços. A relação de respeito ativo é dada pela aptidão de
certas leis, em condicionarem, nos termos constitucionais, o conteúdo de outras, constituindo-se
como seu parâmetro necessário, como sucede com as leis de bases, leis de enquadramento e leis
de autorização.

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Direito Constitucional II 50
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Lei Reforçada no Texto Constitucional


LEIS
A constituição concebeu uma noção de lei reforçada como intenção
pragmática de criar um bloco composto por leis de regime
REFORÇADAS
heterogéneo que pudessem funcionar como padrao de controlo de ➢ Noção de Lei Reforçada
legalidade de outras leis.

Critérios Procedimentais ➢ Categorias de Leis


Reforçadas:
O artigo 112, mediante a inserção de dois critérios formais, passou a ▪ Leis Orgânicas;
identificar como reforçadas as leis orgânicas (primeiro critério) e as ▪ Leis Aprovadas por
leis aprovadas por maioria de dois terços (segundo critério) Maioria de Dois
Critério Material da Parametricidade Pressuposta Terços;
▪ Leis de Bases;
Através de um terceiro critério foram classificadas como leis ▪ Leis de
reforçadas, as leis que sejam pressuposto normativo necessário de Enquadramento;
outras, como as leis de bases, as leis de autorização legislativa e as ▪ Leis de Autorização
leis de enquadramento. Legislativa;
Critério Residual da Imposição Ativa e Passiva de Respeito ▪ Estatutos;
▪ Leis das Grandes
Através de um quarto critério, foi atribuído valor reforçado às leis Opções do Plano;
que, nos termos da Constituição, por outras devam ser respeitadas. ▪ Leis de Orçamento de
Estado;
Em suma, foram utilizados dois grandes critérios:
▪ Lei-Quadro das
▪ A atribuição de valor reforçado a leis que, em razão do seu Reprivatizações;
procedimento especial e agravado, soldado a uma reserva
parlamentar, ostentem uma maior rigidez ou força passiva do
que a legislação comum;
▪ A atribuição de valor reforçado às leis que, nos termos
constitucionais, sejam parâmetro material de outras, seja por
constituírem seu pressuposto necessário, seja porque devam
ser respeitadas pelas segundas.

O conjunto de leis reforçadas assume a característica particular de


“bloco de legalidade qualificada”, pelo facto de o mesmo complexo
de leis reforçadas constituir um padrão da fiscalização da legalidade
de leis, que se define como um controlo de validade normativo
paralelo ao controlo da constitucionalidade.

Torna-se possível distinguir:

▪ Leis reforçadas em sentido próprio que correspondem às


leis rigidificadas pelo procedimento (maioria das leis
orgânicas e as leis aprovadas por maioria de dois terços);
▪ Leis reforçadas em sentido improprio, que são os atos
legislativos materialmente paramétricos na medida em
que estabelecem por imposição constitucional relações de

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Direito Constitucional II 51
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

hierarquia substancial sobre outros atos legislativos (maioria das leis de bases e leis de
enquadramento e, ainda leis de autorização legislativa);
▪ Leis Duplamente reforçadas, as quais cumulam os predicados das duas categorias
anteriores, ou seja, são portadoras de uma maior rigidez, pelo seu procedimento
agravado e, simultaneamente, vinculam materialmente o conteúdo de outras leis;

Finalidade Constitucional dos Procedimentos Agravados na Fase de Aprovação

As leis agravadas na sua fase constitutiva têm por fim valorizar o “status” das minorias politicas
intraparlamentares, em geral, e o das oposições, em especial.

O critério maioritário de decisão legislativa define-se como uma unidade de conta seltevia que
permite a legitimação de uma decisão adotada pela maioria simples dos votos obtidos num
colégio determinado.

De um ponto de vista utilitário é uma das maneiras de mais adequadamente garantir a


governabilidade, contudo não permite a “descoberta de uma verdade politica” ou de uma
unidade de racionalidade de decisão.

Em termos de organização politica do estado, o principio democrático pressupõe que seja


através do consentimento popular, transmitido originariamente através de sufrágio eleitoral, que
o poder politico venha a receber a sua legitimação para poder decidir em nome de uma dada
coletividade, devendo a expressão desse consentimento respeitar um conjunto de decisões
substanciais de caracter necessário.

A maioria necessária para a provar a maioria das leis orgânicas é a maioria simples, ou seja,
basta que haja mais votos a favor do que contra, não contando as abstenções. Porém noutros
casos de procedimento agravado devido à importância das matérias em questão, a CRP exige
uma maioria qualificada, absoluta ou de dois terços.

Leis Reforçadas

Leis Orgânicas

O valor reforçado das leis orgânicas ficou expressamente referido no artigo 112/2 quando o
legislador refere “Têm valor reforçado, além das leis orgânicas…”.

Objeto da Reserva

As leis orgânicas abarcam os seguintes domínios:

 Matérias politico-institucionais de âmbito nacional;


 Disciplina de direitos fundamentais de natureza politica;
 Matérias relativas à autonomia territorial, em domínios de natureza eleitoral, financeira
e organizativa.

As leis orgânicas integram matéria de reserva absoluta da AR.

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Direito Constitucional II 52
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Requisitos Formais

Aprovação

O trâmite agravado que determina a maior força jurídica passiva ou rigidez da lei orgânica
radica da fase constitutiva e, por força do artigo 168º5CRP a aprovação de uma lei orgânica,
em votação final global, carece da maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções.

Outros requisitos de agravamento, embora digam respeito só a certas sub-categorias, projectam-


se na fase de aprovação da lei na especialidade. Em regra, a votação na especialidade processa-
se mediante a aprovação das normas por maioria simples (art.116º/3CRP). Contudo existem
exceções, previstas na alínea 6 do artigo 168º (aprovação por maioria de dois terços dos
deputados presentes desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções) e na alínea 5 do mesmo artigo (aprovação, na especialidade, em Plenário, por maioria
absoluta dos Deputados em efetividade de funções).

Ainda em relação ao processo agravado, salienta-se o caso singular das leis orgânicas relativas à
eleição dos deputados às assembleias legislativas regionais sujeitas a uma reserva de iniciativa
atribuída a parlamentos regionais (art.226º/4CRP).

Controlo de Mérito: Veto Qualificado

Caso o presidente vete um decreto, por força do artigo 136º/3, para que este seja ultrapassado, é
necessário o voto favorável da maioria de dois terços dos deputados, desde que superior à
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.

Apenas matérias que assumam um larguíssimo consenso parlamentar permitem a superação do


veto presidencial, pelo que este assume neste domínio uma natureza quase absoluta.

Fiscalização Preventiva

As leis orgânicas apresentam algumas especialidades no processo.

Em primeiro lugar, é alargado o espectro de titulares que podem requerer a fiscalização (PM e
1/5 deputados, art. 278/4).

Em segundo lugar, fala-se, também, na promulgação vedada, ou seja, por força do artigo
278º/7CRP, o PR fica impedido de promulgar o decreto:

 Durante oito dias após a sua receção para promulgação, para que o PM e os deputados
possam ter um prazo suficiente para reflexão para suscitar a fiscalização preventiva;
 Fica, também, impedido de o promulgar, caso tenha sido desencadeado um processo de
fiscalização preventiva, enquanto o TC não se pronunciar sobre a questão (art.278º/7);

Leis e Disposições de Leis Aprovadas por uma Maioria de Dois Terços

Embora o artigo 112/3 qualifique as “leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços”,
as normas previstas no nº6 do artigo 168º CRP dificilmente podem ser designadas na sua
totalidade como leis. É necessário distinguir:

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Direito Constitucional II 53
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

 Duas “leis” qua na sua disciplina jurídica necessária carecem de ser aprovadas por
maioria de dois terços (alíneas a) e c) do atigo 168ºCRP);
 As normas ou disposições de leis que têm de ser, aprovadas na especialidade pela
referida maioria.

Assim, a normação legal envolvida no nº6 do artigo 168º CRP abrange matérias e instrumentos
normativos de natureza distinta.

Leis Aprovadas pela Maioria de Dois Terços

Estas leis estão previstas nas alíneas a) e c) do artigo 168º/6 CRP.

A constituição não esclarece se a fase de aprovação que requer a maioria qualificada se resume
À votação final global ou engloba também, a votação na especialidade e a votação na
generalidade.

Esta questão tem vindo a ser bastante discutida, várias são as possibilidades e as posições. O
professor Blanco de Morais considera que esta maioria deverá ser aplicada na votação operada
na generalidade, na especialidade e na votação final global.

Parte da doutrina entende que a referida maioria é só para a votação na generalidade e em


votação final global. Ainda é possível defender, fazendo analogia com as restantes normas do
artigo, que a maioria exigida é só para a votação na especialidade, tendo, por isso, evolvida,
uma reserva implícita de plenário, visto que esta maioria só pode ser obtida em plenário
(maioria de dois terços dos deputados presentes desde que superior à maioria absoluta dos
deputados em efetividade de funções).

Outra questão relevante é quanto a saber se alei considerada no artigo 121/2 se enquadra nas leis
orgânicas (por força do 164/a) ou nas leis reforçadas pela maioria de aprovação. Para o
professor Blanco Morais, mesmo podendo fazer parte da competência prevista no artigo 164/a, a
lei em causa deve ser enquadrada nas leis reforçadas pelo procedimento, visto que a própria
constituição faz essa diferença no artigo 112/3 e que o artigo 168/6/c) atribui a esta lei uma
maioria de aprovação mais exigente do que a prevista para as leis orgânicas.

Disposições de Leis Aprovadas na Especialidade pela Maioria de Dois Terços

A maioria apresentada trata-se de uma maioria “móvel” mas que tem sempre um teto mínimo de
117 deputados (“…desde que superior à maioria absoluta dos deputados e em efetividade de
funções…”, artigo 168/6CRP).

A CRP não explicita as fases em que tem lugar a aprovação com esta maioria agrvada. No
entender da maioria da doutrina, ocorre apenas na votação na especialidade, processando as
restantes votações por maioria simples. Isto, em primeiro lugar, porque a Constituição alude a
“normas” ou a “disposições de leis”, ou seja, a preceitos constantes de leis e não já às próprias
leis, só fazendo sentido conceber a sua deliberação por maioria qualificada na votação na
especialidade, pois:

▪ É nessa fase que um diploma deve ser votado norma a norma e, como tal, é nesse
estádio que justificará que a disposição normativa reforçada possa ser objecto de
aprovação com uma maioria distinta das restantes normas que integram um mesmo

53
Direito Constitucional II 54
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

diploma, não fazendo sentido a aprovação pela mesma maioria nas restantes fases dada
que a constituição não sujeita a aprovação por essa maioria mais exigente;
▪ Parte destas disposições ou normas poderiam integrar leis orgânicas e, neste sentido, a
AR confrontar-se-ia com duas maiorias diferentes, para efeitos de votação final global
(art. 168º/5 e 6 CRP).

A Problemática do Veto Qualificado

Um problema surge quando, no artigo 136º CRP, o legislador nada diz quanto à maioria
necessária para ultrapassar o veto presidencial, a respeito das leis reforçadas pelo procedimento.

Surge, então, uma lacuna constitucional que carece de ser preenchida. Pode haver lugar para
mais do que uma posição mas, a meu ver, é importante recorrer à teleologia do próprio artigo.

A uma primeira leitura, pensar-se-ia que, nada dizendo, para ultrapassar o veto do PR bastaria a
maioria absoluta prevista no artigo 136º/2CRP.

Encarar-se-ia, assim, o artigo 136/2 como a norma geral e o 136/3 seria a norma especial. Não
caindo na previsão do 136/2 todas as outras leis necessitariam, apenas, de uma maioria absoluta
para ser confirmadas.

Porém, se esta é a ideia que uma primeira leitura deixa transparecer, quando recorremos à
teleologia do artigo percebemos que o que está patente é a existência de um processo agravado e
que tem como base uma maioria mais onerosa. Ao aplicar o 136/2 CRP estar-se-ia a ir contra a
própria ratio do artigo, porque tendo em conta que a lei tinha sido aprovada com uma maioria de
dois terços ir-se-ia reduzir a maioria que é necessária para a confirmar.

Já no tocante às leis ordinárias em que se encontrem presentes disposições ou normas votadas


na especialidade por uma maioria de dois terços dos deputados presentes desde que superior à
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções a situação é diferente. O que se deve
ter em conta é a maioria de aprovação na votação final global porque essa é que encara e depara
a lei como um todo e não olha para ela norma a norma, artigo a artigo. Caso se agravasse esta
maioria estar-se-ia a agravar o procedimento de confirmação atinente às matérias do diploma
cuja a aprovação na especialidade se faz por maioria simples.

Leis Reforçadas Pela Sua Parametricidade Material

Leis de Bases

(Artigo 112/2, 198/c) e 227/1/c) CRP)

A Constituição não refere expressamente no que consistem as leis de bases, porém, podem ser
definidas como uma categoria legal que contém princípios e directrizes genéricas, designados de
“bases gerais”, que traçam as opções politicas primárias e fundamentais de um determinado
regime jurídico, cuja disciplina carece de ser desenvolvida e concretizada por legislação
subordinada de carácter comum.

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Direito Constitucional II 55
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Nestes termos, as bases legais:

 São normas primárias de carácter incompleto (não revestem carácter auto-aplicativo,


carecendo de mediação e desenvolvimento por parte de legislação subordinada);
 São normas dotadas de uma supremacia hierárquica material, ou seja, vinculam os
decretos-leis de desenvolvimento de leis de bases;

Competência para a Respetiva Aprovação

Tanto o Governo, como a AR como as Assembleias Legislativas Regionais têm competência


para aprovação de leis de bases, porém, como manifestação do primado legislativo da AR é esta
que tem uma maior área de regulação destas matérias.

A AR dispõe da faculdade de emitir leis de bases:

 No âmbito de duas matérias de reserva absoluta (alíneas d) e i) do 164º);


 No âmbito da reserva relativa de competência (alíneas f), g), n), t), u) e z) do nº1 do
artigo 165ºCRP);
 No âmbito da competência de concorrencial com o Governo e com as Assembleias
Legislativas Regionais (art.161/1CRP);

O Governo pode fazer leis de bases:

 Mediante autorização legislativa, na esfera de reserva relativa de competência


legislativa da AR (art.198/1/b) e 165º);
 No âmbito da concorrência alternada com a AR e com as ALR (art.198/1/a));

Quanto às ALR, podem aprovar mediante autorização legislativa, decretos legislativos regionais
de bases nas matérias respeitantes a bases gerais previstas na reserva relativa de competência da
AR, com exclusão de um conjunto determinado de matérias mencionadas na alínea b) do nº 1 do
artigo 227º CRP.

Competência para o Desenvolvimento das Leis de Bases e Seus Pressupostos

Dos artigos 227 e 198 fica explicito e há consenso sobre a competência do Governo e das ALR
para o desenvolvimento de leis de bases.

Questão mais controversa na doutrina incide sobre a possibilidade de a AR também o fazer. A


doutrina divide-se entre os que sustentam que a AR possui competência ao abrigo da alínea c)
do artigo 161º CRP para proceder ao desenvolvimento das bases gerais, em concorrência com o
Governo e aqueles que negam, no todo ou em parte, essa faculdade do Parlamento, defendendo
a existência de domínios reservados ao Governo quanto a essa faculdade de concretização
normativa.

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Direito Constitucional II 56
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Desenvolvimento de Leis de Bases

Tribunal
Paulo Otero Blanco Morais Jorge Miranda
Constitucional
Defende tratar-se de A reserva do Governo Entende que a reserva Não existe qualquer
uma reserva total de incide sobre matérias do Governo incide reserva, tanto o
desenvolvimento, ou do âmbito do artigo 164 sobre matérias Governo como a
seja, o Governo teria e 165 CRP. concorrenciais, em Assembleia da
competência reservada nome de uma ideia de Republica podem
para o desenvolvimento divisão de tarefas entre desenvolver leis de
de bases gerais relativas o Parlamento e o bases.
a matérias situadas no Governo.
universo concorrencial
do Parlamento, a qual
não prejudicaria a
apreciação parlamentar
dos decretos-leis que
procedessem a esse
desenvolvimento, só o
G poderia desenvolver
leis de bases.

O professor Blanco de Morais defende que o artigo 161º CRP inibe a AR de legislar sobre as
matérias reservadas pela CRP ao Governo. O professor, vê no artigo 198/1/c) matéria de reserva
exclusiva do Governo.

O desenvolvimento de leis de bases poderia ser retirado tanto da alínea a) como da alínea c) do
artigo 198ºCRP. Não faria sentido existir uma repetição, por isso o professor considera que se
deve dar um sentido útil às alíneas: a alínea a) reportar-se-ia à edição de atos legislativos no
universo das matérias não expressamente reservadas aos órgãos de soberania, ai ficando
compreendidas as bases de esfera concorrencial); a alínea c) diria respeito à aprovação de bases
de reserva da AR (art.164 e 165), cujo seu desenvolvimento seria de reserva exclusiva do G.

Pode ainda ser invocado um argumento teleológico, a AR não é um órgão vocacionado para
regular as questões de pormenor que envolvam grande detalhe técnico, sendo dificilmente capaz
de o fazer com qualidade em relação a muitas matérias que impliquem conhecimentos
especializados, sem prévia iniciativa legislativa governamental.

Só é necessário invocar a lei de bases no caso das alíneas b) e c), ou seja, no caso da alínea a)
não é necessário, logo esta matéria não é de reserva exclusiva do Governo, podendo até mesmo
promulgar um decreto de bases que revogue uma lei de bases, desta maneira, esbate-se a
posição de Paulo Otero ao referir que o desenvolvimento das leis de bases tem de ser feito em
todas as situações mediante a actividade do Governo ou das ALR e nunca da AR.

Posição do Tribunal Constitucional

O Tribunal Constitucional adota uma posição diferente da doutrina e extrai do artigo 161/c)
CRP a competência genérica do Parlamento para legislar sobre todas as matérias. Perante a
inexistência de limites materiais à competência legislativa da AR, é reconhecido, ao Parlamento,
a faculdade de desenvolver as suas próprias bases.

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Direito Constitucional II 57
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Categorias de Leis de Bases

É possível distinguir duas categorias de leis de bases:

• As bases gerais editadas ao abrigo das competências concorrenciais entre o Governo e a


AR;
• As bases que integram a reserva de competência da AR;

Bases Gerais Reservadas à AR

Estas podem ser provadas exclusivamente pela AR ou podem aprovadas pelo G e, em certas
circunstâncias pelas ALR, ao abrigo de uma autorização legislativa.

As bases gerais serão diferentes uma vez que têm como norma parâmetro, no topo da cadeia,
não uma base geral mas uma autorização legislativa. Pode, também o poder de editar as bases
ficar dependente das vicissitudes inerentes à autorização e à revogação ou alteração da lei de
bases, a todo o tempo, pela AR como órgão normalmente competente.

A densificação de uma lei de bases só poderá ser feito através de um ato legislativo. Será, deste
modo, inconstitucional o desenvolvimento de princípios e de bases gerais dos regimes jurídicos
mediante regulamento administrativo.

Vigorando uma lei de bases respeitante à reserva parlamentar, o Governo e as ALR devem
necessariamente respeitá-la, na medida em que a sua previsão constitucional nos artigos 164º e
165º CRP transforma essas bases no seu pressuposto, nos termos do artigo 112º/3CRP.

Esta relação de respeito traduz-se:

▪ Na impossibilidade de o Governo ou das ALR pré-ocuparem inovatoriamente o


domínio de normação de princípios ou directrizes gerais;
▪ Na necessidade da normação de desenvolvimento não contrariar ou excepcionar os
princípios e directrizes gerais fixados na lei de bases (sob pena de ilegalidade);
▪ Na exigência imposta ao G e às ALR de invocarem obrigatoriamente as bases a cujo
desenvolvimento procedem, sob pena de inconstitucionalidade formal (art.198/2 e
227/4);
▪ Na impossibilidade do G e das ALR, em caso de omissão total de normas legais de
bases, poderem emitir legislação de detalhe sobre as matérias correspondentes, sob pena
de inconstitucionalidade orgânica, já que a existência de bases gerais é um pressuposto
para o exercício da competência legislativa complementar.

Surge a questão de saber se caso a AR queira fazer uma lei sobre uma matéria especifica e
delimitada (reconhecendo que o pode fazer) sem invocar a lei de bases e indo mesmo contra o
que está estabelecido na referida lei o pode fazer.

Não havendo nenhuma imposição constitucional aplica-se o artigo 112/2 e a lei posterior
derroga lei anterior.

O mesmo acontece com o Governo (em matéria concorrencial), abaixo referida. Noa pode
ocorrer quanto à matéria de reserva relativa e absoluta porque essa é da competência da AR, se

57
Direito Constitucional II 58
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

o G o fizesse o vicio não seria ilegalidade por violação de uma norma de valor reforçado mas
antes inconstitucionalidade orgânica.

O que é importante destacar, neste âmbito, é que a superioridade hierárquica não é em relação à
lei ordinária, mas antes, em relação aos decretos-leis de desenvolvimento. Neste sentido, uma
lei concreta e densificada, que seria, eventualmente o resultado do desenvolvimento de uma lei
de bases, quando não for feita invocando uma lei de bases, pode até mesmo revogar tacita ou
expressamente, a totalidade ou em parte de uma destas.

Recordar, que o Governo só tem de invocar a lei de bases a respeito das alíneas b) e c) do artigo
198º, ficando as demais (concorrencial) ao abrigo da alínea a), não precisando invocar a lei de
bases, não tem de estar vinculado a nenhuma, pode ter uma papel inovador e criador no
ordenamento jurídico.

As Bases da Esfera Concorrencial

Os atos legislativos de bases da esfera concorrencial entre AR e G podem ser, indistintamente,


editados por estes dois órgãos de soberania, ao abrigo dos artigo 161/c) e 198º/1/a), o que supõe
a possibilidade de leis e decretos-leis com esta natureza se poderem revogar, derrogar ou
suspender reciprocamente.

Importa destacar dois pontos centrais:

▪ Como as bases numa determinada matéria de âmbito concorrencial não sa objecto de


previsão expressa na CRP, o G e a AR podem legislar no plano do detalhe, mesmo sem
que tenham sido aprovadas, previamente, essas bases gerais, as quais não constituem
um ato-necessário mas sim um ato puramente eventual na regulação das mesmas
matérias;
▪ Existindo um ato legislativo de bases adotado pelo G ou pelo Parlamento, a regular um
domínio material determinado, os dois órgãos podem escolher livremente, entre: editar
um diploma de desenvolvimento dessa lei; proceder à sua revogação seja através de um
novo ato legislativo de bases; ou aprovar um ato legislativo de conteúdo parcialmente
contrário a lei de bases que não proceda ao seu desenvolvimento e que, tacitamente a
derrogue.

Por força do artigo 198/3, em matéria concorrencial não é necessário que seja invocado a lei de
bases.

Se um decreto-lei facultativamente invocar uma lei de bases como seu parâmetro normativo de
referência deve subordinar-se aos seus princípios e directrizes, já que a subordinação é imposta
no artigo 112º/2CRP ocorrendo um fenómeno de autovinculação normativa, do qual decorre
ilegalidade do decreto-lei que não respeite essa relação subordinante a uma lei de valor
reforçado (112/3 e 3, 281/1, b)). Em suma, se um DL se auto-qualificar como ato legislativo de
desenvolvimento de uma lei de bases deve, por conseguinte, respeitar a hierarquia material do
conteúdo dessa lei, nos termos da Constituição.

Contudo, nada impede do Governo não invocar a lei de bases como seu parâmetro, de a revogar
ou alterar expressamente, editando as bases gerais substitutivas. Nada impede, também que um
decreto-lei que não a invoque a revogue ou derrogue tacitamente, editando um regime em

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Direito Constitucional II 59
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

pormenor que a contrarie, já que, ao optar por não desenvolver as bases gerais constantes dessa
lei, o G não está vinculado à estatuição do artigo 112/2.

Não existe qualquer ilegalidade por violação de lei com valor reforçado porque as leis de bases
só são reforçadas em relação aos decretos-leis de desenvolvimento e não à totalidade das leis
ordinárias.

A sua capacidade de vinculação depende de uma autolimitação do diploma de desenvolvimento,


o qual decide invoca-la como parâmetro material.

Aceção Material do Conceito Constitucional de Bases Gerais

A falta de uma previsão mais detalhada no plano constitucional pode suscitar algumas duvidas
quanto à própria aceção material de lei de bases.

A lei de bases tem que ser uma norma que consagre os princípios gerais de um regime e não que
seja autoconcretizada, ou seja, não pode regular de forma detalhada o seu conteúdo mas apenas
dar as orientações e os grandes princípios e valores que devem ser seguidos na sua
concretização.

A lei de bases é definida na constituição no sentido material e não num sentido formal, ou seja,
não é por uma lei dizer que uma lei é lei de bases que ela o vai ser, uma lei de bases nem precisa
de se autodesignar desta forma, basta que consagre os princípios gerais e que seja o parâmetro
de outras normas. Uma lei que não se autodesigne por lei de bases pode conter as bases gerais
dos regimes jurídicos. As bases constituem normas e princípios normativos não exequíveis por
si próprios e que não podem ser concretizados directamente por via regulamentar ou por ato
administrativo.

As orientações constantes das bases consistem em opções fundamentais da politica legislativa


radicadas em:

▪ Princípios Normativos contidos em disposições de reduzida densidade;


▪ Diretrizes de “facere” ou não “facere” e critérios gerais dotados de algum grau de
indeterminação;

Não são bases gerais as disposições normativas cuja densidade não consinta uma efectiva
liberdade conformadora do legislador complementar para criar regimes jurídicos
portadores de opções politicas fixadas em normação legal sub-primária, já que normas
com uma especificação quase total não podem ser tidas como bases.

Importa, ainda, referir que nos artigos 164 e 165, matérias de reserva, figuram preceitos que
fazem apelo às leis de bases, referindo-se, por exemplo, às “bases gerais do sistema educativo”,
enunciado que constitui uma credencial habilitante para a edição de uma lei dessa natureza na
referida matéria. Contudo, em matérias de reserva parlamentar onde não exista qualquer
referência a bases, não pode o legislador criar nessa sede, ao seu alvedrio, uma lei de
bases, já que se lhe encontra vedada pelo próprio principio da competência, a
decomposição da mesma matéria num domínio básico e noutro de desenvolvimento, ou
seja, isso significa que o Parlamento terá de consumir, através de uma ou várias leis
comuns de idêntica densidade, toda essa matéria, dado que não pode compartilhá-la com o
Governo. Trata-se, na verdade, de uma reserva de densificação total.

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Direito Constitucional II 60
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Daí que se o legislador parlamentar emitir uma lei de bases numa área da sua reserva em
que as bases não sejam consentidas, o decreto-lei que as desenvolva incorre em
inconstitucionalidade orgânica pois invade a esfera das competências exclusivas da AR.
Por seu turno, essa suposta lei de bases incorre em inconstitucionalidade material fundada
em desvio de poder, pois habilita outros órgãos a legislarem numa matéria relativamente à
qual a Constituição impõe densificação total por lei parlamentar.

Apontamentos das Aulas Práticas:

 Leis de Bases
✓ Problemas de Competência
▪ CRP prevê, nalguns casos, uma previsão explicita (198/1/c));
▪ Mas também é possível em matéria concorrencial (198/1/a))

Dada a existência da alínea a) (“Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia


da Republica”) qual o sentido útil, qual a necessidade de existência da alínea c)? Esta questão
levou a doutrina a escrever muito sobre o assunto:

1. Por um lado, há quem defenda que a alínea c) consagra uma reserva do Governo;
2. Por outro lado, há quem defenda que a ideia de reserva é um absurdo porque nada nos
indica que a exista efectivamente, se olharmos para os outros artigos de reserva a
linguagem é explicita. Mas aqui surge a questão, se excluirmos a reserva para quê que
serve o artigo? Qual o seu sentido útil? A alínea c) do artigo 198/1 serviria para criar
uma reserva intraorgânica de ato legislativo, ou seja, a AR só pode desenvolver uma
lei de bases através de um decreto-lei, não o pode fazer através de um regulamento
✓ Problemas quanto ao conteúdo/Conformidade

Esta questão, especialmente a que se relaciona com a competência, é muito importante


porque afeta tudo o que se relaciona com ela. Quanto à revogação, se houver reserva do G,
a AR não pode revogar. De uma forma geral, são nos dadas 3 soluçoes:

 Vigora sempre o principio da paridade (art.112/2CRP);


 Vigora sempre o principio da hierarquia;
 Se o G invocar a lei de bases que está a desenvolver e, só nesses casos, será
invocada o principio da hierarquia (questão só se pode colocar em matéria
concorrencial);

Vicissitudes Inerentes à Relação de Dependência Entre as Bases Gerais e a Respetiva


Legislação Complementar

Revogação de Legislação por uma Lei de Bases

Se uma lei de bases nova revogar substituitivamente ou alterar uma lei de bases precedente, na
esfera concorrencial entre a AR e o Governo, a lei de bases oriunda, de um ou de outro órgão,
pode revogar quer a legislação que substitia antes mesmo de existirem bases gerais sobre a
matéria, quer leis complementares da lei de bases revogada. Vigoram, neste universo, os
princípios da cronologia e especialidade e as suas decorrência ordinárias.

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Direito Constitucional II 61
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Para quem defende a existência de uma reserva de desenvolvimento do Governo e das


assembleias regionais, a revogação da legislação complementar anterior pela lei de bases seria
organicamente inconstitucional.

Para quem defenda uma construção próxima da doutrina maioritária e da jurisprudência


constitucional, a possibilidade de uma norma legal de bases parlamentar conter uma disposição
revogatória de legislação complementar de lei de bases também revogada ou modificada pela
primeira seria juridicamente admissível ao abrigo da competência genérica da AR.

Questão importante será perceber se esta norma revogatória seria ela também uma lei de bases.

A hierarquia material das bases gerais está delimitada pela natureza substancial do seu poder de
vinculação e pelo seu objecto não sendo acompanhada por uma hierarquia formal.

O que seria defensável seria considerar que a norma revogatória, constituiria um “cavaleiro de
lei de bases”, uma norma legal emitida ao abrigo de competências concorrenciais com o
Governo e inserida extravagantemente numa lei paramétrica.

Revogação Supressiva de Lei de Bases Não Determina Caducidade Automática da


Respetiva Legislação Complementar

Aquando da revogação de uma lei de bases a caducidade da legislação complementar não tem
lugar.

O ato legislativo de desenvolvimento não faz depender a sua vigência da subsistência da mesma
lei-parâmetro, na medida em que se trata de um ato legislativo dependente da respectiva lei-
pressuposto quanto ao seu conteúdo e quanto à creditação da sua emissão originária mas
autónomo desta em termos de permanência ou subsistência em vigor. Do artigo 112/2 decorre
uma relação de subordinação material entre lei-sujeito e lei-objeto mas não emerge uma relação
de dependência formal que determine necessariamente a caducidade da lei objecto se a lei
sujeito for revogada, com ou sem substituição e a nova lei de bases não contiver uma clausula
revogatória da legislação complementar. Até mesmo em termos de segurança jurídica, a solução
da caducidade seria excessiva e desnecessária já que poderia deixar sem regulação um conjunto
de situações que dela necessariamente careceriam.

Em suma, verificando-se a substituição de uma lei de bases por outra sem revogação da
legislação complementar, entende-se que o legislador ou os legisladores responsáveis pela
aprovação da legislação subordinada devem conformar esta com a nova lei-parâmetro, na
medida em que existam desconformidades entre ambas, sob pena de ilegalidade superveniente
do ato legislativo subordinado (112/2 e 3; 281/1, b); 282/2). Gera-se assim uma nova relação de
complementaridade entre a nova lei de bases e a legislação complementar pré-existente que, não
tendo naturalmente de invocar a primeira para subsistir em vigor, deve ser constrangida a daptar
o seu conteúdo a esse ato legislativo-parâmetro no caso de se registarem desconformidades
substanciais.

Efeitos de Alteração de uma Lei de Bases na Respetiva Legislação Complementar

No quadro do anteriormente exposto, as referidas alteração não determinam a caducidade das


normas legais de desenvolvimento, mas obrigam à alteração destas ultimas de forma a assegurar
a conformidade com os parâmetros, sob pena de ilegalidade superveniente.

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Direito Constitucional II 62
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Emissão de Legislação de Detalhe sem Prévia Aprovação de uma Lei de Bases num
Domínio da Reserva Parlamentar

Quanto à questão da não emissão de leis de bases e de legislação complementar de bases gerais,
só haverá inconstitucionalidade por omissão (art.283CRP) quando se afira no caso em apreço,
em relação a todas as regras legais da cadeia normativa indispensável para dar exequibilidade À
previsão constitucional, abrangendo, como tal, quer a falta de legislação de bases, quer a falta de
legislação complementar.

Já nos casos em que a legislação de bases não se destine a ar exequibilidade À previsão


constitucional, abrangendo, como tal, quer a falta de legislação de bases, quer a falta de
legislação complementar.

Já, nos casos em que a legislação complementar não se destine a dar exequibilidade a normas
constitucionais não exequíveis por si próprias a questão de inconstitucionalidade por omissão
não se coloca.

Se o legislador se abstiver de emitir atos legislativos complementares na medida em que o


ordenamento constitucional não prevê, nem sanciona, a ilegalidade por omissão, não haverá
qualquer problema.

Por exemplo, o artigo 63º/2 CRP incumbe o Estado de organizar, coordenar e subsidiar o
sistema de organização social, neste caso, a omissão contraria uma norma constitucional.

Leis de Enquadramento

Os atos legislativos de enquadramento ou leis-quadro não se encontram definidos na


Constituição português.

As leis-quadro são atos legislativos paramétricos de outras leis que estabelecem vínculos
normativos de densidade variável às normas legais que as desenvolvem ou concretizam e fixam
regras procedimentais que dispõem sobre aspectos de produção das segundas.

As leis de enquadramento são leis materialmente paramétricas de outras, de natureza análoga à


das leis de bases mas que, em tese, podem assumir um conteúdo mais pormenorizado do que
estas, quando definem a moldura de um regime jurídico que deverá ser, a titulo sub-primário,
desenvolvido, integrado e concretizado por atos legislativos habilitados e subordinados às
primeiras.

Aprovação de Leis-Quadro

Parte da doutrina considera que as leis-quadro integram a área exclusiva de reserva


parla,menmtar (art.293, 227, 164 e 255).

O facto é que, a circunstância de na constituição figurarem menções avulsas a leis-quadro


relativas a matérias da reserva exclusiva do Parlamento, não significa que não possam ser
editadas leis de enquadramento na esfera concorrencial das competências entre o Governo e a
Assembleia da Republica, competindo aos dois órgãos emitir, nesse contexto, a referida
legislação (art.161/c) e 198/1).

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Direito Constitucional II 63
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O ordenamento admite a existência de leis-quadro, seja no âmbito de matérias reservadas à AR,


seja na esfera concorrencial entre este órgão e o Governo, sendo os seus regimes idênticos aos
das leis de bases da esfera concorrencial e de reserva parlamentar.

No que concerne à área concorrencial, os dois órgãos podem em tese proceder À edição de
bases e proceder, reciprocamente, ao respectivo desenvolvimento, densificação e revogação.

No que concerne a leis-quadro que integram a reserva exclusiva da AR, a atribuição do poder de
as densificar dependerá do regime que às respectivas leis se encontra especificamente
assinalado.

O regime de desenvolvimento será em tudo idêntico ao das leis de bases.

A revogação não substitutiva de uma lei-quadro não tem como efeito a caducidade da legislação
dela dependente, em regra, impõem modificações nos diplomas legais delas dependentes, sob
pena de ilegalidade superveniente dos segundos, dado que a atribuição de valor reforçado destas
leis corre, por identidade de razão, nos mesmo termos das leis de bases.

Contudo, existem situações que não pressupõem a alteração, por exemplo na Lei de Orçamento
de Estado.

Conteúdo Normativo das Leis-Quadro

Segundo a maioria da doutrina, uma lei-quadro pode conter tanto princípios e bases como
normas paramétricas portadoras de um maior detalhe. Apesar de poderem apresentar normas
detalhadas não se limitam a isto e apresentam os parâmetros e os procedimentos a observar por
outros atos legislativos.

O Duvidoso Valor dos “Regimes Gerais”

Os regimes gerais são normas legais da reserva da AR aplicáveis a uma pluralidade


indeterminada e indeterminável de destinatários.

O referido regime coexiste com a legislação especial mas não consente a emissão de normas
legais excecionais, ou equivalentes que derroguem ou contrariem os seus princípios essenciais
ou subvertam os seus fins principais.

O professor Blanco Morais, com algumas reservas, que em face do 112/3 será duvidoso
entender os regimes gerais como normas reforçadas.

Por um lado, os regimes gerais não são instituídos pela CRP como normas-pressuposto dos
regimes especiais, nem a Constituição impõe que os segundos as respeitem, não se encontrando
reunidos os critérios exigidos para a atribuição do referido valor.

Leis de Autorização Legislativa

Nos termos do artigo 165 e da aliena b), do nº2 do artigo 227º CRP, a AR pode, relativamente a
todas as matérias da sua reserva relativa de competência, conferir autorizações legislativas ao
Governo e, pode também, sobre algumas dessas matérias, conferir autorizações legislativas Às
assembleias legislativas regionais.

63
Direito Constitucional II 64
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Estas normas assumem a natureza jurídica de uma delegação de poderes:

• São uma norma habilitante que permite a um órgão normalmente competenmte


autorizar um órgão eventualmente competente a exercer poderes públicos sobre as
matérias atribuídas à competência do primeiro;
• O órgão normalmente competente pode condicionar o exercício de poderes cometidos
ao órgão eventualmente competente;
• O órgão normalmente competente tem a susceptibilidade de avocar a todo o tempo, os
poderes condicionalmente atribuídos ao órgão eventualmente competente.

A AR, como órgão titular de uma competência primária e originária dispõe da liberdade plena
para, querendo, podendo delegar faculdades legislativas sobre uma matéria que lhe está
reservada, no Governo e nos Parlamentos Regionais.

Os atos legislativos autorizados não podem ser emitidos antes da entrada em vigor da lei
delegante que é seu pressuposto necessário e devem subordinar-se aos limites que o
Parlamento da República nela fixar (165/ 2 e 5 CRP), encontrando-se a lei habilitante
investida numa hierarquia material em relação aos primeiros diplomas, que serão
inconstitucionais e ilegais no caso de a violarem (art.112/2 e 3; 281/1, b)).

Embora se considere que, em regra, deva ser o órgão beneficiário da autorização a requerer esta
ultima, nada parece impedir que seja a AR a tomar a iniciativa de delegar poderes legislativos.

Conteúdo Necessário da Lei de Autorização

A lei de autorização legislativa é uma lei-parâmetro de outros atos legislativos que projecta
nestes, o seu conteúdo normativo subordinante, dado que, de acordo com o nº2 do art. 165º
CRP, deve definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização.

O conteúdo da lei de autorização é necessariamente incompleto.

A tensão entre a lei de autorização e decreto-lei ou decreto legislativo e lei de autorização é


regulada pelos princípios:

• Da Competência – a lei de autorização delimita o âmbito das matérias onde o órgão


delegado pode fazer incidir a sua legislação subordinada;
• Da Hierarquia Material – a primeira lei pode fixar directrizes mais ou menos densas
ao conteúdo do diploma autorizado, as quais devem acatar sob pena de invalidade.

Se o decreto-lei autorizado não respeitar o “sentido” da autorização está a vincular vínculos


materiais de subordinação e como tal o principio da hierarquia substancial nerente Às leis de
autorização (112/2CRP).

A lei reforçada opera como ato-condição dos diplomas delegados atento o disposto no artigo
112º/3CRP.

Se o diploma violar o sentido da autorização deve ser tido como ilegal, nos termos do artigo
281º/1, b).

64
Direito Constitucional II 65
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Se, ao invés, o ato legislativo ultrapassar o “objecto” e a “extensão” da mesma autorização,


lesará o principio da competência, pois perpetrará uma incursão indevida num domínio de uma
matéria reservada a outro órgão, pelo facto de a matéria regulada não se encontrar coberta pela
lei de autorização que circunscreveu o âmbito material onde o órgão delegado poderia legislar.

No caso de inobservância dos limites temporais estabelecidos falar-se-á, também, em


inconstitucionalidade orgânica pois o órgão delegado legislará sem cobertura habilitante, sobre
uma matéria de reserva alheia que se lhe encontrava vedada depois de transcorrido um
determinado prazo.

Os diplomas autorizados apenas podem utilizar a autorização volvida a data da sua entrada em
vigor.

Conteúdo Mínimo Juridicamente Admissível

O ordenamento não admite autorizações legislativas em branco. Tal implicaria a renuncia do


Parlamento, na qualidade de legislador originário, ao poder-dever de edição de leis
condicionantes de normas legais emitidas por órgãos eventualmente competentes sobre matérias
da sua reserva competência e que, por isso mesmo, assumem uma necessidade politica digna de
relevo.

Tao pouco admite autorizações implícitas, já que a vontade de autorizar terá de se encontrar
seriamente presente num enunciado normativo que se reporte de forma perceptível, mesmo em
termos genéricos, à matéria onde podem recair os poderes delegados, sendo inadmissível extrair
pretensas habilitações de fórmulas vagas onde caiba qualquer tipo de previsão material.

Existe, por isso, um conteúdo mínimo admissível:

 Quanto ao Objeto da Autorização – este consistirá na enumeração da matéria sobre a


qual a mesma delegação irá incidir e que se reporta a uma área expressamente prevista
no artigo 165/1.
 No que respeita à Extensão – a extensão especifica os aspectos da disciplina jurídica
da matéria onde irá incidir a autorização, podendo incidir sobre a totalidade da matéria
ou apenas sobre uma parcela;
 No que Concerne ao Sentido – A lei de autorização deve referir os fins estruturantes
que devem ser prosseguidos pela lei delegada com um mínimo de objectividade;
 Quanto à Duração da Autorização – Deve figurar expressamente na lei delegante. A
constituição é omissa quanto aos limites máximos.

Uma praxis constitucional tem conduzido a que o pedido de autorização legislativa formulado
pelo Governo seja acompanhado por um anteprojecto de decreto-lei a autorizar, sendo certo que
no respeitante às autorizações legislativas às regiões autónomas a apresentação do anteprojecto
é uma verdadeira obrigação constitucional (art.227º/2 CRP).

Esta transmissão permite o legislador que aprova a lei delegante ter uma noção do sentido, do
objecto pretendido pelo Governo.

O anteprojecto não é vinculativo, não terá de ser necessariamente a regulação, o que terá de
ocorrer, como a constituição impõe, é que haja uma relação de subordinação entre lei de
autorização legislativa e decreto-lei autorizado.

65
Direito Constitucional II 66
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Importa finalmente reter que se a lei de autorização incumprir com os requisitos mínimos
de densificação dos limites que deve, nos termos constitucionais, impor ao diploma
autorizado, com fundamento em desvio de poder: os fins constantes da lei habilitante
desviam-se por defeito, daqueles que lhe são assinados pelo artigo 165º/2 CRP.

Cessação da Autorização Legislativa e Outras Vicissitudes

A autorização legislativa cessa em virtude de utilização, caducidade e revogação.

Utilização

De acordo com o principio da irrepetibilidade (art 227º/2 e 3 e 165º/3). Isto significa que se a
autorização for esgotada por um decreto-lei autorizado, esse decreto-lei não poderá ser alterado
ou revogado inovatoriamente por outro decreto-lei aprovado dentro ou fora dos limites
temporais da sua utilização. A utilização plena da autorização acarreta a cessação da vigência
desta ultima, pelo que, se o órgão que dela foi beneficiário, pretender modificar ou revogar o ato
legislativo delegado através de outro, deve obter uma nova autorização para o efeito.

O exposto não prejudica que a autorização seja feita de modo parcelado. Tal significa que o
âmbito material da autorização pode ser dividido em várias parcelas. A regulação dessas áreas
pode ser operada por distintos atos legislativos autorizados ou emitidos em tempos diferentes.

Caducidade

A autorização legislativa cessa por virtude do termo do prazo fixado para a sua utilização ou em
razão de vicissitudes que afetem os órgãos normal e eventualmente competentes.

Se os decretos-leis que não forem aprovados, promulgados e referendados dentro do prazo-


limite para a sua utilização, como a lei caduca não pode ser mais autorizado, caso venham a ser
publicados a consequência será a inconstitucionalidade orgânica.

As autorizações legislativas implicam uma relação de confiança entre o órgão normalmente


competente e o órgão eventualmente competente. Dai, que vicissitudes ocorridas entre esses
órgãos se repercutam, necessariamente na subsistência das referidas autorizações. As
autorizações legislativas caducam com a demissão do Governo, com o termo da
legislatura, com a dissolução da Assembleia ou com a dissolução das assembleias
legislativas regionais.

No caso das autorizações legislativas orçamentais que se encontram contidas na lei de


Orçamento de Estado, sempre que incidam em matéria fiscal, as mesmas só caducam no termo
da legislatura (165º/5 CRP). Faz-se prevalecer a estabilidade do ano económico inerente ao
ciclo orçamental. Como tal, no âmbito especifico da matéria tributária, podem ser utilizadas
mais de uma vez.

Revogações

A AR pode fazer cessar a autorização legislativa revogando a lei delegante antes da sua
utilização, ou seja, antes de ter emitido um ato legislativo autorizado que a esgote, não podendo,
em consequência, o diploma autorizado vir a ser emitido. Já a revogação da lei de autorização,
em período posterior À sua utilização, não produz qualquer efeito na vigência do diploma

66
Direito Constitucional II 67
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

autorizado, dado que a componente autorizada da primeira lei já tinha cessado com a referida
utilização.

O poder revogatório funda-se no facto de a AR ser o órgão normalmente competente. A


revogação da autorização antes da sua utilização corresponde a uma avocação de poderes, ou
seja, um ato através do qual o Parlamento chama a si a plenitude das suas competências
legislativas sobre o domínio considerado.

Se a AR aprovar uma lei sobre o objecto da autorização, antes dessa ter sido utilizada, entende-
se que revogou tacitamente a lei delegante.

A AR pode revogar o diploma autorizado ou submete-lo a apreciação parlamentar.

A AR pode alterar os decretos-leis na qualidade de órgão normalmente competente. É duvidoso,


contudo, que o possa fazer em relação aos decretos legislativos autorizados, os quais se
reportam à regulação de domínios materiais de âmbito regional. A regulação de matérias de
âmbito regional compete apenas às ALR (art.112/4). Nesse sentido também não se considera
admissível a introdução de emendas em diplomas regionais autorizados através de um processo
de apreciação parlamentar.

Porem, apesar disto, o diploma regional autorizado pode ser revogado. Entender que o ato
legislativo regional autorizado seria irrevogável por lei estadual equivaleria a convolar uma
delegação de competências numa transferência de poderes, figura não credenciada pela CRP nas
relações legislativas entre o Estado e regiões.

Se a AR modificar uma lei de autorização antes da sua utilização, as alterações vinculam os atos
futuros que venham a ser emitidos. No caso das alterações serem introduzidas após a utilização
da autorização legislativa, os diplomas autorizados não terão de se ater a novos limites uma vez
que a autorização cessou. Situação diferente ocorre se a autorização for utilizada de modo
parcelado. Neste momento, vincula atos futuros.

Se a lei de autorização for inconstitucional, esta inconstitucionalidade propaga-se, a título


consequente, aos diplomas por ela habilitados.

As Leis Duplamente Reforçadas

Estatutos Político-Administrativos

O estatuto é uma lei estruturante da organização e funcionamento das instituições das


colectividades regionais insulares.

Objeto

O objecto consiste nas atribuições das Regiões autónomas, a sua definição em relação a outras
pessoas colectivas territoriais, formação, composição e competência dos órgãos e respectivos
titulares.

A CRP determina que sejam definidas em estatuto (conteúdo necessário do estatuto):

• A natureza da entidade e os princípios estruturantes que formam o regime autonómico


de uma região;

67
Direito Constitucional II 68
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

• Delimitação do âmbito geográfico das regiões, pois o conceito “âmbito regional”


comporta uma componente espacial que limita o exercício dos poderes regionais.
• Os direitos e as obrigações das regiões (art.227);
• Os órgãos de governo próprio, respectivas competências e regras fundamentais relativas
ao respectivo funcionamento, bem como o modo de designação dos titulares desses
órgãos;
• Aspetos procedimentais inerentes à aprovação de atos-jurídicos autonómicos;
• Regras estruturantes de organização e funcionamento interno da administração regional.

A ausência de uma destas matéria envolve inconstitucionalidade por omissão.

O Problema dos “Cavaleiros Estatutários”

O fenómeno de inclusão no estatuto de matérias estranhas ao seu objecto é gerador de


insegurança jurídica. Embora parte da doutrina defenda a inconstitucionalidade destas normas
parasitárias dos estatutos, com fundamento em excesso ou desvio de forma, alguma doutrina e o
TC não as considera inconstitucionais. Adverte, contudo, para o facto dessas normas não
possuírem valor normativo próprio dos estatutos pelo que serão inaptas para determinar a
ilegalidade ou inconstitucionalidade formal de normas não estatutárias que as contrariem ou
derroguem. Daqui resultaria para o legislador não estatutário competente em razão da matéria, a
possibilidade de vir a contrariar essas disposições normativas ou proceder à sua revogação.

Diferente situação ocorre quando normas do estatuto vertem sobre matérias integradas na
reserva de outra leis reforçadas pelo procedimento, como é o caso de lei orgânica, surgem, então
“cavaleiros estatutários de lei reforçada”.

Neste caso o estatuto propõe-se a reger uma matéria que deve ser, nos termos constitucionais,
disciplinada por lei cujo processo constitucional é distinto do procedimento produtivo do
estatuto.

Neste caso, não podendo o estatuto, como lei parlamentar de lei reforçada de hierarquia superior
ser ilegal por violação de lei orgânica ele enfermará, de inconstitucionalidade formal, por
regular matéria reservada à lei orgânica, através de normas cujo processo de formação é distinto.

A mesma regra vale para a inclusão de outra regras de valor reforçado.

Hierarquia e Rigidez

A hierarquia formal e material, deriva da parametricidade “erga omnes” do estatuto (Art. 281/1
c) e d)), a qual lhe permite vincular materialmente qualquer outra lei ordinária do ordenamento
português, mesmo reforçada.

É esta ordenação que permite extrair das normas estatutárias uma superioridade material e
formal que lhe permite revogar normas legais que se insiram no âmbito do seu objecto
necessário.

Quanto à rigidez esta destina-se, nomeadamente, a garantir o valor hierárquico, impedindo a sua
subversão através de uma hipotética revogação das leis estatutárias por parte de outra leis
parlamentares sucessivas, de caráter comum.

68
Direito Constitucional II 69
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Esta rigidez traduz num agravamento do procedimento legislativo.

Em primeiro lugar concretiza-se numa reserva de iniciativa das assembleias legislativas


regionais, carente de qualquer condicionamento temporal, realidade que deposita integralmente
a escolha do momento da alteração estatutária.

Posteriormente, ainda terá lugar um parecer obrigatório não vinculativo, produzido pelas
assembleias legislativas regionais, o qual ocorrerá na eventualidade de a AR, como órgão
competente para a aprovação da lei estatutária, rejeitar o projecto deliberado por aqueles órgãos
autonómicos, ou introduzir-lhe alterações.

Pode perguntar-se se será legitimo, à margem da CRP, o estatuto conter regras procedimentais
sobre a sua própria revisão que vinculem os parlamentos regionais.

Por exemplo, a terceira revisão do estatuto dos Açores consagrou que os projectos de estatuto
são aprovados por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções.

O TC considera constitucional. O professor BM não concorda, pois, desta forma, o estatuto, ato
previsto e com uma força jurídica também prevista na CRP passa a ver acrescida a sua força
passiva, não por via de uma alteração constitucional mas sim por vontade própria, ou seja,
através de uma norma estatutária, auto-investindo-se assim o estatuto de uma maior resistência à
sua mudança. Em suma, o aumento da sua força, que constitui um dos fundamentos do seu valor
reforçado, não ocorre por força da Constituição mas de lei ordinária (112/3 é violado).

A fase de iniciativa é um momento ou estádio fundamental do procedimento de feitura da lei e a


CRP regula (226/1) com pormenor a referida fase, bem como a própria fase instrutória. Se não
prescreveu uma maioria qualificada foi porque entendeu por bem não adotar de forma a não
aumentar desmesuradamente a rigidez de uma lei já de si híper-rigida. A maioria deverá ser, por
isso a do 116/3.

Nos termos do artigo 226/2 a 4 CRP o poder parlamentar de discussão e aprovação dos
estatutos e projectos de revisão estatutária não se resumem a um poder de concordância
ou discordância com esses atos de iniciativa regional. Eles seriam mais amplos e não
caberia a uma norma de direito ordinário, como o estatuto, delimitar ou definir os poderes
do Parlamento expressos na Constituição relativos ao processo estatutário ou estatuir o
nível de rigidez em que a norma se encontra revestida, quando esse nível decorre da
própria constituição (o artigo 110º/2 determina que a competência dos órgãos de soberania
é definida na Lei Fundamental e não na lei ordinária).

Ou seja, os deputados da AR podem alterar normas de um estatuto que não resultem das
propostas contidas no projecto de revisão estatutário deliberado pelas assembleias legislativas
regionais. A iniciativa tem de ser feita pelas Assembleias mas a partir desse momento perdem o
controlo.

A doutrina diverge, parte entende que a AR tem de se limitar à matéria incidente na iniciativa, a
maioria considera que isso poria em causa o principio da competência.

A inercia dos poderes regionais é geradora de uma expressiva rigidez e durabilidade destas leis.

69
Direito Constitucional II 70
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por força do artigo 168/6/f as normas estatutárias das regiões autónomas que integrem o
respectivo poder legislativo carecem de ser aprovadas por maioria de dois terços desde que
superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções. Um procedimento
especial agravado.

Porém, por força do artigo 116/3, na votação final global, basta maioria simples dos deputados
que constituam o numero legal dos seus membros.

O Estatuto é uma lei duplamente reforçada (plano procedimental e plano da parametricidade


material).

As Leis das Grandes Opções dos Planos (GOP)

Objeto

O núcleo do respectivo objecto mostra ser de tal modo vasto (art.90) que se torna difícil
proceder à sua limitação fronteiriça.

Parametricidade

A fraquíssima densidade das suas directrizes, a ausência de poder de aderência a outras leis que
não as de OE constituem factores de desprotecção radical das normas legais da GOP.

No tocante ao Orçamento de Estado existe:

• Uma precedência indicativa das leis da GOP em relação à lei OE, deduzindo-se a
necessidade da Lei de Orçamento se dever harmonizar com a lei das GOP (105/2CRP) –
prioridade cronológica da segunda em relação à primeira.
• Uma certa forma de compatibilização da elaboração da Lei de OE à lei da GOP
(art.105/2CRP).

As leis das GOP anuais libertam um poder vinculante de intensidade mínima.

Rigidez

Quanto ao procedimento, há uma reserva de iniciativa governamental, são cumuláveis, ainda, a


submissão da proposta de lei à participação instrutória e consulta não vinculativa do Conselho
Económico e Social e o acompanhamento da mesma proposta por um relatório relativo às
grandes opções globais (art. 91/2 e 92/1 CRP).

A Lei de Orçamento de Estado

Objeto

A reserva material da lei de Orçamento de Estado é caracterizada por um núcleo muito mais
compacto do que o das leis das GOP (art.105CRP).

Fala-se em duas dimensões do conteúdo da reserva orçamental:

 Em primeiro lugar, o núcleo orçamental que é composto pelas receitas necessárias para
cobrir as despesas do Estado e da Segurança Social;

70
Direito Constitucional II 71
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

 Em segundo lugar, a reserva potestativa de orçamento, trata-se de matérias


financeiramente importantes, como é o caso da fixação de taxas e benefícios fiscais nos
diversos impostos.

Parametricidade Material

A lei do Orçamento de Estado contem directrizes materiais avulsas que vinculam materialmente
os atos legislativos que lhes devem respeito.

O nº5 do artigo 165º CRP determina que as autorizações legislativas em matéria fiscal só
caducam no termo do ano económico a que se respeitam, regra que permite garantir, mediante
uma regra de estabilidade, o principio da anualidade orçamental relativamente a vicissitudes
como a demissão do Governo ou a dissolução da AR.

Rigidez

Quanto, à iniciativa, apesar de ser aprovada pela AR, a iniciativa tem de ser apresentada pelo
Governo (art.161º/g)).

Artigo 167º CRP

2. “ Os Deputados, os grupos parlamentares, as Assembleias Legislativas das regiões


autónomas e os grupos de cidadãos eleitores não podem apresentar projectos de lei,
propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico em
curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no
Orçamento.
3. Os Deputados, os grupos parlamentares e os grupos de cidadãos eleitores não podem
apresentar projectos de referendo que envolvam, no ano económico em curso,
aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no
Orçamento.”
Ainda se pode falar noutros mecanismos complementares que concorrem para a rigidificaçao
indirecta do ato, como é o caso da norma travão (art.167º 2 e 3 CRP).

A rigidez da lei de Orçamento de Estado destina-se a blindar esta norma estruturante das
Finanças Publicas estaduais contra um poder parlamentar que a procurasse alterar durante a sua
execução. A sua força manifesta-se nas seguintes circunstâncias:

 Insuscetibilidade de ser alterada no decurso da sua execução, por uma lei resultante da
iniciativa originária dos deputados ou grupos parlamentares;
 Impossibilidade de, no caso do G apresentar uma proposta de alteração a AR proceder a
alterações que não constam do pedido, visto que colocaria em causa o finalismo de
reserva de iniciativa do Governo;
 Proibição de iniciativas legislativas, originárias ou derivadas, dos deputados ou grupos
parlamentares que se traduzam numa afectação, de sentido negativo, do equilíbrio
orçamental (art. 167º/2 e 3);

A teleologia inerente à rigidez da LOE funda-se na relação fiduciária entre poderes soberanos,
reflectindo os equilíbrios próprios do sistema de Governo.

Assim, na fase de aprovação originária, prepondera a vontade representativa da AR, a


qual pode livremente alterar e até recusar a proposta orçamental do Executivo. Na fase de

71
Direito Constitucional II 72
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

execução, domina o poder do Governo, sendo nela que se manifesta com maior acuidade o
valor reforçado do ato, como processo de defesa da norma contra iniciativas de alteração
com origem parlamentar que se mostrem susceptíveis de perturbar o ciclo orçamental, a
unidade de acção e os recursos da Administração Pública, as expectativas tributárias dos
particulares e as previsões das empresas quanto ao ano económico em curso.

Uma Lei de Conteúdo Vinculado

Por força do artigo 106º/1 CRP, a LOE encontra-se vinculada à Lei de Enquadramento,
assumindo-se, esta, como lei reforçada pela circunstancia de ser seu pressuposto-necessário
(Art.112/3 CRP).

Lei-Quadro das Reprivatizações (artigo 293 CRP)

Páginas 423-430, Curso de Direito Constitucional, Tomo I, 2ª Edição, Professor Blanco de


Morais.

Leis Com Valor Reforçado (Apontamentos das Aulas Teóricas)

Artigo 112/3

“Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por
maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam
pressuposto normativo necessário de outras leis ou eu por outras devam ser
respeitadas.”

O artigo 112/3 destaca as leis que têm valor reforçado:

▪ Leis Orgânicas (art, 166/2) – O procedimento da sua aprovação é diverso, têm


características especiais quanto ao procedimento. O artigo 168/5 esclarece que estas leis
para serem aprovadas carecem da maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções. O artigo 116/3 tem a regra geral que determina que as deliberações são
tomadas à pluralidade dos votos (maioria relativa, basta que exista uma maioria, as
abstenções não contam). Quanto às leis orgânicas isto não acontece, recorrendo ao
artigo 168/5 é aberta a exceção, carecem de maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções; Outra área em que estas leis se distinguem das restantes é no
que diz respeito ao veto presidencial, do artigo 136 conclui-se que a regra geral para
uma lei ser confirmada e superar o veto é a maioria absoluta, porém, quanto às leis
orgânicas é exigida uma maioria de 2/3. O que distingue estas leis das restantes são as
exigências especiais de procedimento. Outra particularidade está ainda relacionada com
a fiscalização preventiva da constitucionalidade, no caso das leis orgânicas há uma
especialidade, o Primeiro Ministro ou 1/5 dos deputados da Assembleia podem pedir a
fiscalização da constitucionalidade.
▪ Leis que Carecem de Aprovação por Maioria de Dois Terços (art.168/6) – Tanto as
leis orgânicas como estas normas leis reforçadas pelo procedimento;

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Direito Constitucional II 73
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Leis que são um pressuposto normativo de outro ato – Leis de autorização


Legislativa - Em certas matérias a Assembleia da republica tem reserva relativa, ou
seja, caso queira pode autorizar o Governo a legislar através de uma lei de autorização
legislativa (art. 161/d) – AR autoriza o Governo sob a forma de lei (art. 166/3);

A autorização normativa é o pressuposto normativo do futuro decreto-lei em matéria de


reserva relativa da Assembleia da República. Os documentos feitos no uso de
autorização estão subordinados às orientações da própria lei autorizadora, se for
desrespeitada surge o vicio da ilegalidade ou da inconstitucionalidade indireta.

Por exemplo, imaginando que existia dada matéria de reserva relativa regulada numa lei de
2004, em 2015 a AR faz uma lei de autorização legislativa para o Governo, será que neste caso
se aplica a regra geral de lei posterior derroga lei anterior ou se considera que a lei de 2004 tem
valor reforçado e portanto o decreto-lei é ilegal ou indiretamente inconstitucional?

Havendo reserva legislativa, à partida, só a Assembleia da república pode legislar. Porém,


havendo uma autorização legislativa o Governo pode legislar. Para haver Decreto lei terá de
haver uma lei de Autorização legislativa, o Decreto lei encontra-se subordinado em relação à lei
de autorização e não à lei posterior, portanto, a lei posterior derroga a lei anterior. Em principio
não haverá qualquer vicio e o decreto-lei entrará em vigência.

Segundo o artigo 165/2 CRP “as leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o
sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.”

A Lei de autorização legislativa não pode ser demasiado vaga, o Governo está condicionado às
direções dadas pela Assembleia através da Lei de Autorização Legislativa. As outras duas leis,
tratadas distinguem-se pelo processo, quanto a esta ultima é distinta quanto ao seu próprio
conteúdo que é condicionado de forma determinante pela AR.

Lei Reforçada

Ilegalidade ≠

Lei Ordinária

Lei Constitucional

≠ Inconstitucionalidade

Lei Ordinária

Lei de Bases
Ilegalidade ≠

Decreto-Lei Desenvolvimento

73
Direito Constitucional II 74
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Imposta pelo principio da separação dos órgãos do poder (art. 111) e conexa com a fixação
das formas de lei aparece a fixação constitucional das competências legislativas, a qual
implica:

• Que só são órgãos legislativos aqueles que a CRP estabelece – AR (art. 161º, 164 e
165º), o Governo (art. 198º) e as ALR (art. 227 e 232)
• Que as faculdades legislativas que cada órgão pode exercer são apenas as que constam
de normas constitucionais, as faculdades não atribuídas a certo órgão não podem ser
arrogadas em caso algum;
• Que, quando um órgão recebe a competência para fazer leis sobre certa matéria, só ele
pode interpretar, modificar, suspender ou revogar, bem como alargar ou restringir o seu
âmbito de aplicação;
• Que, quando a constituição reserva a um órgão as bases ou as bases gerais de certa
matéria ou o regime geral, ou um enquadramento ou um regime estatutário, esse órgão
fica adstrito a imprimir um conteúdo útil, uma densificação suficiente, uma direcção
especifica à lei a emitir, e, se se cingir a preceitos vagos, imprecisos, muito gerais, em
branco, frustrará o próprio sentido da reserva e cometerá desvio do poder legislativo, a
que se seguirá a inconstitucionalidade orgânica dos atos que os outros órgãos (ALR ou
Governo) vierem a fazer;
• Que, ocorrendo modificações das normas constitucionais de competência, os atos
praticados à sombra das antigas normas são inteiramente válidas e eficazes mas,
doravante, a sua interpretação, modificação, suspensão ou revogação têm de ser feitas
de acordo com as novas normas;
• Que apenas pode haver autorizações ou deligações legislativas no âmbito das relações
interorgânicas e nos termos expressamente previstos na Constituição (art. 111/2), ou
sejam, apenas podem haver autorizações legislativas da AR ao Governo e da AR às
ALR, não de e para qualquer órgão;
• Que, em caso algum se admitem sub-autorizações, quer dizer, um órgão que faça um
ato legislativo autorizado não pode cometer a terceiro órgão a faculdade de regular,
direta ou indirectamente, a matéria reservada objecto de autorização legislativa;
• Que a substituição de um órgão normalmente competente para a prática de certos atos
legislativos ou de certos atos integrados no procedimento legislativo só pode dar-se se
consentida pela Constituição (art. 168/3 e 179/3, f);
• Que nenhum órgão pode intervir no procedimento legislativo de outro órgão, a não ser
nos casos previstos na Constituição;
• Que, salvo nos casos previstos na constituição, nenhum órgão, nem sequer legislativo,
pode determinar o se e o quando da actividade legislativa do outro órgão;
• Que nenhum órgão pode obrigar outro a conferir a forma de lei a qualquer ato da
competência, por direta imposição do principio da separação de órgãos constitucionais;
e não pode, especificamente, quando a competência seja administrativa, porque a forma
de lei não é para o exercício de competências não legislativas.

Artigo 112

“As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às


correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e
dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.”

74
Direito Constitucional II 75
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O nº2 do artigo 112 declara a paridade do valor e, portanto, da força jurídica das leis e dos
decretos-leis como atos legislativos dos órgãos de soberania, estabelecendo, porém, um duplo
limite quanto aos decretos-leis publicados no uso de autorizações legislativas e de
desenvolvimento de leis de bases.

Por outro lado, ele tem de se conjugar com os preceitos que instituem reservas absoluta e
relativa de competência da AR (art.161º, 164 e 165º) e reserva absoluta da competência do
Governo.

A mútua revogabilidade inerente à igual força jurídica não se verifica em áreas de reserva
absoluta. Só existe em áreas não reservadas, de competência concorrente e, na vigência de
autorização legislativa, em matérias de reserva relativa.

É tendo em conta o nº 2 e a amplidão das áreas reservadas à AR, assim como o Instituto de
apreciação parlamentar dos decretos-leis (art. 169º), que pode falar-se num primado de
competência legislativa a ela constitucionalmente atribuída.

Os atos legislativos, em qualquer das suas variantes, carregam-se de uma capacidade,


virtualidade ou força peculiar de agir e de reagir. E essa força jurídica assenta, antes do
mais, no lugar que lhes é fixado no sistema estatal, em posição hierárquica só inferior à da
Constituição.

Mas, a par desta força geral, recorta-se uma força especifica (ou uma pluralidade de
forças especificas de lei), que se traduz na consistência própria atribuída a certas leis em
face de outras leis, na medida em que não podem ser afectadas ou contrariadas por elas à
margem do postulado lex posterior. É esse o alcance útil da segunda parte do nº2 e é o que
implica a segunda parte do nº3 ao definir como leis de valor reforçado “aquelas que, por
força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por
outras devam ser respeitadas.”

Artigo 112/2 CRP Leis de bases – Têm valor reforçado face aos decretos-leis de
. desenvolvimento

Se o decreto-lei de desenvolvimento violar a lei de bases falamos numa ilegalidade direta, visto
que, em primeira análise, o que está a ser violado é o conteúdo da própria lei de bases e os
limites por ela impostos, pode falar-se também numa inconstitucionalidade indirecta, não é
direta porque para violar a constituição, nomeadamente o artigo 112/2 CRP, houve primeiro a
violação de uma lei de bases, ou seja, a inconstitucionalidade resultou da ilegalidade, da
violação de uma lei ordinária com valor reforçado.

Na grande maioria dos casos a violação de uma lei ordinária com valor reforçado, por exemplo,
de uma lei de autorização legislativa, resulta na ilegalidade, porém, nem sempre é assim. Por
vezes a violação de uma lei reforçada pode resultar directamente na inconstitucionalidade,
nomeadamente, se uma lei necessitar, por imposição constitucional, de uma maioria de 2/3 para
ser aprovada, se não for aprovada com essa maioria a consequência não vai ser a ilegalidade
mas sim a inconstitucionalidade direta.

Leis Ordinárias Reforçadas

• Leis Orgânicas;

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Direito Constitucional II 76
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

• Leis que carecem de maioria especial;


• Aquelas que, por força da constituição, devam ser respeitadas por outras;
• Leis que sejam pressuposto normativo de outras leis

Leis de Autorização Legislativa

As leis de autorização legislativa são um pressuposto dos decretos-leis feitos no que toca a
matéria de competência relativa da Assembleia.

Os decretos-leis feitos com o recurso à autorização legislativa têm de respeitar, sob pena de
inconstitucionalidade orgânica, os limites impostos e as directrizes das leis de autorização. Estas
leis têm um valor reforçado em relação aos decretos a que vão dar origem e não em relação
a todas as outras leis ordinárias.

Algumas matérias são da competência exclusiva da AR, só ela pode legislar, existem ainda
outras matérias de reserva relativa, ou seja, se a AR pretender pode autorizar o Governo a
legislar no âmbito dessas matérias. Esta autorização é feita através de uma lei proposta pelo
Governo, mas não é um cheque em branco, o Governo não pode atuar sem parâmetros.

Não há transferência ou alienação de poderes. A Assembleia da república, votando a


autorização, não cede faculdades atribuídas pela Constituição, nem renuncia ao seu exercício.
Apenas chama o Governo a também exercê-las. A titularidade e o exercício continuam na
Câmara; mas o Governo vai participar duma e doutro por virtude da autorização.

Tão pouco a autorização legislativa se traduz numa imposição ao Governo para legislar. Por sua
iniciativa, o Governo recebe um poder, não um dever. Órgão de soberania distinto do
Parlamento, exercerá quando entender (no âmbito temporal da autorização ou não exercerá esse
poder, com a liberdade inerente à função legislativa, tal como, querendo aproveitá-la, não é
obrigado a usá-la em toda a sua extensão.

Ao legislar precedendo autorização, o Governo, sem duvida, exerce uma competência sua, não
exerce uma competência alheia. No entanto, não se trata de um poder que o Governo já
possuísse, um poder como qualquer outro, um poder equivalente ao de fazer decretos-leis.

Norma de reserva relativa significa isto: No planeamento constitucional dos órgãos, há


um, a AR, considerado mais idóneo para regular certa matéria; mas que se admite que
esse órgão, por sua vez, quando e como entender possa abrir à colaboração de outro
órgão, o Governo, na regulamentação da mesmo matéria. A autorização legislativa não
equivale, simplesmente, a alargar o seu âmbito subjetivo, dentro da elasticidade criada
pela Constituição.

A autorização legislativa incide sobre objecto individualizado, com sentido prefixado, por
certo tempo, de utilização única a cada matéria.

Qualquer autorização legislativa está sujeita a quatro ordens de limites:

 Limites Substanciais
▪ Só pode haver autorizações legislativas sob matérias do artigo 165º, não sobre
quaisquer outras matérias de competência legislativa (161º e 164º) ou não
legislativas da AR (161/i, 162 e 163);

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Direito Constitucional II 77
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ A lei de autorização tem de definir tanto o objecto como a extensão da


autorização; autorizações em branco ou globais subscreveriam a distribuição
constitucional de competências;
▪ A cada matéria ou segmento de matéria objecto de autorização não pode
corresponder mais do que um ato legislativo do Governo ou da AL (art. 165/3)
e, por conseguinte, durante o período de autorização, não pode haver dois
decretos-leis ou decretos legislativos regionais sobre a mesma matéria (nem que
se seja uma revogação do primeiro).

Caso haja veto politico por inconstitucionalidade, poderá o Governo formular novo
decreto-lei sobre a mesma matéria? Na opinião do professor Jorge Miranda, parece evidente
que sim, pois a autorização legislativa só deve considerar-se utilizada quando, em virtude dela,
se tenha verificado um ato legislativo que altere a ordem jurídica e tenha efeitos externos.

A lei de autorização legislativa tem de definir o sentido da autorização, quer dizer, o objetivo e
o critério da disciplina legislativa a estabelecer, a condensação dos princípios ou a orientação
fundamental a seguir pelo decreto-lei ou pelo decreto-legislativo a emitir de seguida. O sentido
é limite interno da autorização legislativa, limite quer para o Parlamento quer para o destinatário
e elemento prospectivo para os cidadãos em geral.

 Limites Formais
▪ A autorização legislativa tem de ser explicita e autónoma;
▪ O ato autorizado tem de revestir a forma de decreto lei ou de decreto legislativo
regional;
▪ O ato autorizado tem de se reportar a determinada lei de autorização,
expressamente invocada;
 Limites Subjetivos
▪ Só pode haver autorização legislativa da AR ao Governo ou à AL, não a
qualquer outro órgão;
▪ A autorização legislativa só pode ser concedida por uma Assembleia na
plenitude de funções, não por uma assembleia dissolvida (art. 172);
▪ Não pode ser exercida e pedida por um Governo demitido nem por uma
Assembleia Legislativa dissolvida;
▪ A autorização implica uma relação entre Assembleia e Governo, é de certa
Assembleia e de certo Governo. Por isso, não apenas cessa com o termo da
legislatura, a dissolução e a demissão como não se transmite ou renova
automaticamente com a nomeação de novo Governo ou a eleição de nova
Assembleia Legislativa;
▪ Não há sub-delegação, ou seja, o Governo e a Assembleia não podem
autorizar outro órgão a servir-se da autorização legislativa;
 Limites Temporais
▪ A autorização legislativa não pode ser para todo o tempo ou por tempo
indeterminado, sob pena de destruir a regra da reserva de competência, tem de
ser a termo certo final e não para esta ou aquela circunstância ou sob condição;

77
Direito Constitucional II 78
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ A autorização tem de ser, pelo mesmo motivo, por tempo relativamente curto,
pelo tempo adequado e necessário, e, se esse tempo não for o suficiente, poderá
ser prorrogada, por meio de nova lei;
▪ Não há autorizações legislativas retroactivas, a autorização é para o futuro e só
assim é possível ao Parlamento definir o seu sentido e a sua duração;

Se a lei de autorização não observar os limites a que se encontra adstrita, será inconstitucional.

Se o acto exceder a autorização, quanto ao objecto ou quanto ao tempo será organicamente


inconstitucional. Se desrespeitar os seus limites formais, será formalmente inconstitucional. Se,
porém, contradisser a lei de autorização legislativa será ilegal (ilegalidade material) e não
inconstitucional.

Nenhum decreto-lei ou decreto legislativo regional autorizado pode ser emitido antes de ser
publicada e de entrar em vigor a lei de autorização.

“Problemas delicados surgem quando a autorização legislativa ao Governo a respeito do


termo final, a respeito de saber até quando pode ser validamente aproveitada uma
autorização legislativa.”

O dia da publicação não pode ser tido em conta, porque a publicação não integra o
procedimento legislativo. Em rigor, deveria ser o da aprovação da Conselho de ministros, mas a
sua prática muito irregular e o défice de publicidade envolveriam o risco de manipulação de
datas. E, muito menos poderia ser, por então tudo depender do PR, o dia da promulgação.

Na opinião do professor Jorge Miranda, parece preferível o dia da receção do decreto-lei na


Presidência da república, por se verificar aí o enlace da intervenção dos dois órgãos e por razoes
pragmáticas de objectividade, essa data através dos serviços da Presidência da republica pode
ser determinada com rigor. Se, nesse dia, ainda não tiver decorrido o tempo da autorização, o
decreto-lei será válido; se não padecerá de inconstitucionalidade.

Em caso de veto politico ou por inconstitucionalidade, o Governo apenas poderá substituir o


diploma por outro se ainda puder enviar a tempo ao PR para promulgação.

Esgotada ou cessada a autorização volta à Assembleia, e só ela, a poder dispor livremente sobre
a matéria de decretos-leis e decretos legislativos autorizados.

A Assembleia pode interpretar, modificar, suspender ou revogar, no todo ou em parte, a lei de


autorização, quando ainda esteja em vigor.

Todavia, se o sentido vier a ser alterado e se o decreto se tornar desconforme, ficará nessa
medida inquinado de ilegalidade superveniente, poi o decreto autorizado tem de se subordinar
constantemente ao sentido da autorização.

O parlamento não está inibido de legislar, na vigência da autorização, sobre matérias de seu
objecto, sem necessidade de qualquer avocação de competência.

Artigo 165/2

“As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a


duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.”

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Direito Constitucional II 79
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O artigo 165/2 esclarece que apesar de esta autorização ser constitucionalmente permitida, a Lei
de Autorização Legislativa tem de conter alguns elementos, o artigo especifica com pormenor
quais são esses elementos:

▪ O objecto da Autorização (matéria sobre a qual incide a autorização que permita ao


Governo legislar em matéria de reserva relativa);
▪ O Sentido (Até onde o Governo pode legislar, quais os limites e com que orientação);
▪ Estabelecer o Prazo dentro do qual a Autorização é Eficaz, ou seja, o prazo dentro
do qual o Governo tem autorização para legislar.

Caso o Governo legisle depois do período ter decorrido, surge o vicio de inconstitucionalidade
orgânica, porque está a legislar em matéria de competência de outro órgão.

Artigo 165/3

“As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo
da sua execução parcelada.”

Artigo 165/4

“As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido


concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da
República.”

As autorizações pressupõem uma relação, pressupõem a existência de confiança entre os dois


órgãos, se algum deles sofre uma alteração pressupõe-se a caducidade da autorização legislativa.

Artigo 165/5

“As autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento observam o disposto no


presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano
económico a que respeitam.”

A autorização legislativa em matéria orçamental não caduca com a dissolução do Parlamento ou


com a demissão do Governo, porque se inscreve no âmbito duma politica financeira
estabelecida para o ano económico “independentemente” dos Governos que estiverem em
funções.

A autorização legislativa orçamental tem duração equivalente à vigência do orçamento.

Caso Prático Nº 1

A Assembleia da Republica aprova uma lei de autorização legislativa que entra em vigor no dia
1 de Abril, fixando o prazo de 180 dias, prazo este que permite ao Governo legislar numa
matéria de reserva relativa da AR. Tendo sido fixado o prazo de 180 dias (6 meses) a
autorização caducava no dia 1 de outubro.

No dia 10 de Setembro o Governo aprova o decreto-lei que enviou para ser promulgado no dia
20 de Setembro.

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Direito Constitucional II 80
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O PR promulgou o diploma no dia 30 de outubro e vem a ser publicado no diário da república


no dia 15 de novembro.

Quid Iuris?

Tendo a lei de autorização legislativa fixado um prazo para o Governo poder legislar em matéria
de reserva relativa, o que está em causa para a resolução do referido caso prático é a data que se
tem de ter em conta quanto à própria actividade legislativa e se ela se encontra ou não dentro
dos limites fixados pela AR. Uma das indicações constantes da autorização foi a fixação do
prazo, se o Governo legislou num momento posterior surge o vicio de inconstitucionalidade
orgânica porque se apropriou de uma competência que é de reserva relativa da AR, para que o
fizesse dentro dos limites permitidos pela Constituição teria de fazê-lo dentro do prazo ou pedir
uma nova autorização.

Governo:

➢ Aprova o decreto dentro do prazo;


➢ Envia o decreto dentro do prazo;
➢ PR promulgou o Decreto-Lei fora do prazo;
➢ Publicado fora do prazo;

Hipóteses de Resolução:

❖ O Governo tinha de cumprir as indicações e cumpriu, efectivamente, fez tudo o que lhe
era permitido fazer (aprovação e envio) dentro do prazo fixado pela AR, não infringiu
nenhuma indicação. Atendendo a esta perspectiva, é preciso ter em conta aquilo que é
Razoável Exigir do Governo. Ter-se-ia como data marcante o momento de aprovação
em Conselho de Ministros ou, ainda, o envio para promulgação. O inconveniente surge
porque não se sabe o que acontece nas reuniões e, por isso, há quem defenda que se
deva utilizar uma data que seja de conhecimento publico
❖ Numa outra perspectiva, tem-se em conta o momento em que a lei passa a ser eficaz,
nomeadamente, o momento da sua publicação (art. 119). Esta posição não é muito
sustentada.
❖ O que é necessário ter em conta é o momento em que a autorização foi utilizada, o
momento em que passou a existir um decreto-lei feito na utilização da autorização.
O Governo e a Assembleia no exercício da função legislativa aprovam decretos que são
enviados para o PR que os pode vetar ou promulgar como lei ou decreto-lei, quando é
publicado ganha eficácia mas quando é promulgado o decreto-lei passa a existir. O
Artigo 137 esclarece que “a falta de promulgação ou de assinatura do PR (…) implica
a sua inexistência jurídica”. Daqui se pode inferir que o primeiro ato que confere
existência jurídica ao ato é o da promulgação. O PR recusa a promulgação como lei ou
decreto-lei (art. 136). Neste sentido, a data verdadeiramente relevante seria a de 30 de
outubro porque é nesta data que o decreto ganha existência jurídica e,
consequentemente, foi promulgado fora do prazo, logo, é inconstitucional. Esta
perspectiva tem um grande um grande inconveniente, a promulgação e a existência
jurídica ficam dependentes do PR, tendo 40 dias para promulgar o PR pode alargar o
prazo de maneira a que o faça num momento em que a autorização já tenha caducado.

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Direito Constitucional II 81
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A hipótese com fundamentos mais sustentados e sólidos é a de ter em conta a data da


promulgação. Porquê?

Facilmente se explica a razão a partir da seguinte hipótese prática:

A AR autorizou o Governo a legislar em matéria de reserva relativa durante todo o ano de 2017.
No dia 14 de março o Governo utilizou a autorização e enviou um decreto para ser promulgado
para o PR, o PR vetou o diploma no dia 15 do mesmo mês. No dia 25 de abril o Governo fez as
alterações no decreto e enviou novamente para ser promulgado, no dia 27 o PR promulga.

Se considerarmos que o que se deve ter em conta é a data de envio para promulgação então a lei
promulgada seria inconstitucional, porque o artigo 165/3 esclarece que as autorizações não
podem ser utilizadas mais de uma vez, logo, na hipótese prática o Governo teria utilizado a
mesma autorização em dois momentos. Já considerássemos apenas o momento da promulgação,
a autorização só teria sido utilizada uma vez e não haveria qualquer problema quanto à
constitucionalidade do diploma.

Caso Prático Nº 2

A Assembleia da Republica aprova uma lei de autorização legislativa que entra em vigor no dia
1 de Abril, fixando o prazo de 180 dias. Tendo sido fixado o prazo de 180 dias (6 meses) a
autorização caducava no dia 1 de outubro.

A Lei de Autorização Legislativa esclarecia que o objecto ou a matéria a regular incidia sobre os
maus tratos a animais domésticos.

No dia 10 de Setembro foi promulgado um diploma que criminalizava os maus tratos a animais
domésticos.

Depois, ainda no mês de Setembro, lançou um novo diploma que criminalizou os espectáculos
de tourada e aproveitou o segundo diploma para alterar o primeiro e esclarecer, que em relação
ao conceito de animal doméstico os crocodilos antes considerados deixariam de o ser.

Quid Iuris?

O artigo 165/3 esclarece que as autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma
vez, sem prejuízo da sua execução parcelada.

O objecto da autorização pode ser muito amplo ou mais restrito, divisível ou não divisível,
parcelável ou não parcelável e, consoante os casos, será ou não possível regular com a mesma
autorização em momentos distintos.

Proposta:

▪ Podia ter feito os dois primeiros diplomas porque incidem sobre a matéria
reservada à Assembleia que pode ser, através de uma autorização, regulada pelo
Governo através de um decreto-lei e porque o artigo 165/3 permite uma
execução parcelada:
• Maus Tratos a Animais Domésticos;
• Proibição das touradas

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Direito Constitucional II 82
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Não podia ter alterado o conceito de animais domésticos, porque implica


uma revogação do primeiro diploma que já foi publicado e, nesse sentido estar-
se-ia a violar o artigo 165/3 que esclarece que “as autorizações legislativas não
podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução
parcelada.”

Leis de Bases

Artigo 112º/2 CRP

“As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às


correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso da autorização legislativa e
dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.”

As leis podem regular todo um regime jurídico ou limitar-se a definir os traços e os grandes
princípios orientadores, as bases gerais de determinado regime jurídico e, neste caso, o regime
jurídico não ficará completo enquanto os grandes princípios não forem desenvolvidos, precisam
de outro diploma. Um Decreto-Lei de desenvolvimento.

O preceito do nº2 abrange quer leis sobre matérias de reserva absoluta ou relativa de
competência parlamentar quer leis sobre matérias de competência concorrencial do Governo.

Os Decretos-leis de desenvolvimento aprovados pelo Governo não podem contrariar as bases


gerais daquele regime, têm de se manter nos limites materiais impostos pela AR na lei de bases.

A feitura de leis de bases pela AR em domínios não compreendidos nos artigos 161º, 164º e
165º envolve uma limitação da ação legislativa do Governo. O Governo não fica impedido de
legislar sobre o domínio das leis de bases. O que não pode é, estando elas em vigor, deixar de se
conter nos seus parâmetros. Seria absurdo que, simultaneamente, vigorassem uma lei de bases e
um decreto-lei autoqualificado como de desenvolvimento e que dela fosse discrepante.

De maneira nenhuma se fala no aparecimento de uma nova reserva da Assembleia:

▪ Em primeiro lugar, porque se trata de uma repartição de tarefas entre dois órgãos,
com as vantagens de uma interdependência suscetível de conjugar uma presumível
maior estabilidade das leis.
▪ Em segundo lugar, porque nada impede o Governo, por força do artigo 198/1, a não
querer manter essa repartição, a assumir a totalidade da regulamentação da matéria de
uma lei de bases ou, no limite, a fazer ele próprio um decreto-lei de bases.

Mais uma vez, fica evidente a superioridade da Assembleia em relação ao Governo, se é


aprovada uma lei de bases, o Governo tem de respeitar, sob pena de ilegalidade

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Direito Constitucional II 83
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Leis de Autorização Legislativa Lei de Bases

A lei de bases é de aplicação imediata, ainda que a


A lei de autorização legislativa não é lei de sua exequibilidade, pelo menos em parte, dependa
aplicação imediata; é sobretudo ato-condição. ou possa depender de decreto-lei ou de decreto
legislativo de desenvolvimento.

A lei de autorização não incide sobre situações


de vida (só se projeta através de ato legislativo A lei de bases pode incidir sobre situações de vida.
subsequente).

A lei de autorização não revoga diplomas sobre A lei de bases revoga lei anterior contrária (seja ou
matérias de autorização. não outra lei de bases).

A violação de lei de bases em matéria não reservada


A violação de lei de autorização determina a
só acarreta ilegalidade, e em matéria reservada
inconstitucionalidade orgânica e ilegalidade;
também inconstitucionalidade orgânica.
Se a lei de bases for modificada e o decreto-lei ou o
Se o sentido da lei de autorização legislativa for
decreto legislativo regional não for, verificar-se-á a
modificado, só produzirá efeitos para o futuro.
ilegalidade superveniente.

A lei de autorização está sujeita a caducidade e,


O decreto-lei de desenvolvimento não está sujeito a
portanto, o decreto-lei autorizado está sujeito a
prazos.
prazos.

A autorização legislativa só pode versar uma vez Pode haver sucessivos desenvolvimentos, com
sobre a mesma matéria. revogação possível, da lei de bases.

A revogação da lei de autorização legislativa


A revogação da lei de bases não impede o decreto-
antes da emissão do decreto lei ou de decreto
lei ou decreto legislativo de desenvolvimento se
legislativo regional autorizado impede a emissão
acaso for repristinada a lei de bases anterior.
deste.
A inconstitucionalidade da lei de bases determina a
A inconstitucionalidade da lei de autorização inconstitucionalidade do decreto-lei ou do decreto-
legislativa implica a inconstitucionalidade do legislativo regional de desenvolvimento quando
decreto-lei autorizado. verse sobre matéria reservada à AR, não quando se
trate de matéria concorrencial.

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Direito Constitucional II 84
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Plano Normativo

Lei
Constitucional

Leis Ordinárias
(Plano Legislativo)

▪ Lei Ordinária Comum;


▪ Lei Ordinária com valor reforçado;

Regulamentos

(Plano Administrativo)

Lei de Autorização Legislativa tem valor reforçado só em relação ao decreto-lei que autorizou,
em relação às outras leis encontra-se no mesmo plano e aplica a célebre proposição: “lei
posterior derroga lei anterior”.

Leis Que, Por Força da Constituição, Devem Ser Respeitadas Por Outras

Artigo 112/3

“Têm valor reforçado, alem das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por
maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam
pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser
respeitadas.”

Podem referir-se várias leis que têm valor reforçado, não deixando de ser leis ordinárias, por
imposição constitucional:

➢ Estatuto Político-administrativo das Regiões Autónomas

As RA não possuem poder constituinte porque não são estados federados. Intervêm, todavia, de
modo qualificado no procedimento estatutário, através da reserva de iniciativa originária
sobre os estatutos e sobre alterações aos estatutos.

Cada projecto de estatuto (ou de alteração ao estatuto existente) é elaborado pela Assembleia
Legislativa Regional e enviado para discussão e aprovação à AR. Se a AR rejeitar o projecto ou
lhe introduzir alterações (AR não tem apenas o poder de aprovar ou rejeitar, tem também
competência para introduzir alterações), remetê-lo-á à ALR para apreciação e emissão de
parecer. Elaborado o parecer a AR procederá à discussão e à deliberação final (art. 226 CRP),
No demais o processo é idêntico ao das restantes leis havendo nomeadamente, possibilidade de
sujeição e veto politico pelo PR (art. 136 CRP) e a apreciação preventiva da constitucionalidade
pelo Tribunal Constitucional, se o Presidente solicitar (arts, 278 e 279 CRP).

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Direito Constitucional II 85
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Os estatutos devem considerar-se leis ordinárias reforçadas. Enquanto vigorarem não podem ser
contrariados por outras leis: a AR poderá, decerto, modifica-los a todo o tempo, mas com essa
intenção especifica (e precedendo iniciativa regional) não por disposição avulsa.

Tão importante se revela este princípio (ideia de salvaguarda e ressalva da autonomia das
regiões) que a constituição coloca a ilegalidade decorrente da violação das normas
estatutárias (pelos órgãos regionais ou de soberania do Estado), a par da
inconstitucionalidade, no tocante ao regime de fiscalização (art.280 e ss).

O regime de fiscalização da constitucionalidade estende-se à ilegalidade por infracção de


normas dos estatutos regionais. Os tribunais em geral e o Tribunal Constitucional em particular
são os órgãos competentes (art. 204 e 280 e ss).

A definição de cada estatuto consiste em definir as atribuições regionais (art 227 CRP) e o
sistema de órgãos de Governo próprio da região, incluindo o estatuto dos respectivos titulares
(art. 231). Não consiste em estabelecer os princípios de toda a vida politica, económica, social e
cultural que aí se desenrola, porque isso cabe à Constituição (que é a Constituição da República
e não só do continente).

O estatuto não é uma constituição com amplitude potencialmente ilimitada. Cabe-lhe definir o
interesse específico, cerne de autonomia, mas não regular matérias de interesse específico, cabe-
lhe assegurar um sistema politico regional, mas não substituir-se-lhe ou substituir-se aos órgãos
de soberania.

Competindo a iniciativa originária de estatuto ou das suas alterações à ALR (art.226), se o


estatuto pudesse abarcar qualquer matéria, ficaria, por esse modo, reduzido o poder de iniciativa
dos deputados, dos grupos parlamentares, de grupos de cidadãos ou do Governo da República
relativamente a essa matéria (art. 167). A AR pode, certamente, apresentar propostas de lei “no
respeitante” à região sobre qualquer objecto o que não se justifica é transformar essa matéria em
matéria estatutária.

Se um dos estatutos contiver normas sobre outras matérias que não atinentes às atribuições, aos
órgãos e aos titulares dos órgãos regionais, essas normas não adquirirão a força jurídica
específica das normas estatutárias. Por conseguinte, poderão ser modificadas ou revogadas,
observadas as pertinentes regras gerais da Constituição, ou poderão, desde logo, ser
consideradas inconstitucionais por invadirem domínios próprios de outras leis.

Os estatutos são leis ordinárias com valor reforçado, são aprovados pela AR, sob proposta
das ALR.

Artigo 280/2, b)e c)

“Cabe igualmente recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos


Tribunais:

b)Que recusem a aplicação da norma constante do diploma regional com


fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma;

85
Direito Constitucional II 86
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

c) Que recusem a aplicação da norma constante de diploma emanado de um


órgão de soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do
estatuto de uma região autónoma;”

Se um diploma regional violar o estatuto fala-se em ilegalidade porque o estatuto é uma lei
reforçada em relação aos diplomas regionais. Mas, também, se fala em ilegalidade por uma lei
ordinário violar o estatuto da região autónoma, o valor reforçado não é só em relação aos
diplomas regionais.

Apesar de ser uma lei ordinária e de ser aprovada pela AR, tem um valor reforçado por força da
Constituição. Trata-se de uma lei reforçada com caracter Geral face a todos os outros
diplomas.

Artigo 281, c) e d)

“O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:

c) A ilegalidade de quaisquer normas constantes do diploma regional, com


fundamento em violação do estatuto da região autónoma;
d) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos
órgãos de soberania com fundamento em violação dos direito de uma
região consagrados no seu estatuto.”

Os Estatutos têm uma natureza especial quanto ao procedimento, são leis aprovadas pela
AR mas a iniciativa cabe às Regiões Autónomas (art.226 CRP).

Fala-se, por isso, leis de valor reforçado com alcance geral, estatutos têm valor reforçado face a
quaisquer outros diplomas.

Depois da Assembleia da Republica alterar ou rejeitar as alterações do Estatuto tem de pedir


parecer à ALR, não pode introduzir alterações definitivamente sem ouvir a ALR.

➢ Leis Quadro ou de Enquadramento

Leis que dispõem acerca da aprovação e do conteúdo de outras leis. Vão ter um valor reforçado
em relação às leis cujo conteúdo ou aprovação determinem

▪ Lei do Regime do Estado de Sitio e do Estado de Emergência (art. 164, e;


art. 275, 7 CRP) - lei reforçada porque a declaração de estado de sítio, a sua
autorização e a sua ratificação, atos materialmente legislativos, ou com força
de lei, merecem obediência.
▪ Lei do Regime dos Planos de Desenvolvimento económico e social (art. 92 e
165, 1, n) estes planos são elaborados de acordo com as suas regras;
▪ Lei Relativa às condições de recurso ao crédito público (art. 105, nº4);
▪ Lei de Enquadramento Orçamental - Quem aprova o orçamento de Estado é
a AR mas sob proposta do Governo. Como? Qual o processo? Tudo isso vem
regulado na lei de Enquadramento do Estado (art. 106/1 CRP), há uma lei
quadro, aprovada pela AR. A AR tem competência para aprovar a lei de
enquadramento e a própria lei de enquadramento, tem um valor reforçado
relativamente à lei de orçamento. Para além de ter de respeitar a lei de

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Direito Constitucional II 87
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

enquadramento, tem também de respeitar as grandes opções de planeamento


(art.105/2).
▪ Leis ou Lei de Regime de referendo (art. 115, 164, b), 223, 232 e 256/3),
porque a realização de referendo e os seus efeitos quanto aos órgãos
legislativos competentes, constituem objecto dessas leis.
▪ Lei quadro de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades
regionais (art 277/1, i) porque o poder das regiões autónomas de proceder a
essa adaptação pressupõe tal lei.
▪ Lei Quadro das Reprivatizações (art. 293) porque qualquer ato de
reprivatização deve respeitar as suas regras materiais e procedimentais.
▪ Lei de Criação de regiões Administrativas (art 255º e 256º) – porque a
criação em concreto de cada região depende desta lei. As Regiões
Administrativas são criadas em simultâneo por lei, mas quando forem
instituídas só podem ser nos termos da lei e por meio de um referendo. Há uma
diferença entre a lei que cria (faz divisão do território em regiões) e a lei que
institui (tem que respeitar a primeira); A grande diferença em relação aos
estatutos é que estes têm valor reforçado em relação a todas as demais leis
ordinárias, enquanto que as leis-quadro ou de enquadramento só têm de ser
respeitadas pelas leis que delas estão dependentes.
▪ O artigo 164/n esclarece que é da competência da AR aprovar leis sobre a
criação, modificação e extinção das autarquias locais. A AR aprova o regime
de criação e modificação e a AR, também por lei, cria as várias autarquias, esta
ultima lei vai ter de respeitar a primeira.

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Direito Constitucional II 88
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A Atividade Legislativa dos Órgãos Constitucionais da


República ATIVIDADE
A Assembleia da republica é o órgão que tem o primado no LEGISLATIVA
exercício da função legislativa. Por força do principio da separação
dos poderes e do seu estatuto como representante dos cidadãos tem ➢ Atividade Legislativa da
um primado e um conjunto de competências e matérias em que só Assembleia da República;
ela pode legislar. ▪ O Primado da AR no
Exercício da Atividade
A noção de primado envolve o reconhecimento da supremacia Legislativa;
legislativa em comparação com os demais órgãos que também ▪ Competência
podem exercer esta função, que supõe a existência de um núcleo
Legislativa;
fundamental, a capacidade de legislar sobre as matérias mais
➢ Procedimento Legislativo;
importantes e, ainda, a aptidão para condicionar e controlar o
▪ Iniciativa Legislativa;
exercício dessa actividade pelos restantes órgãos.
▪ Limites ao ato de
O Primado Legislativo não é sinonimo de Centralidade Iniciativa;
Legislativa, noção que embarca a faculdade de produzir e ▪ Instrução;
conceber o maior numero de leis por parte de um órgão titular da ▪ A Fase Constitutiva;
função legislativa. ▪ Discussão e Votação;
▪ Redação Final;
Em Portugal quem detém esta centralidade é o Governo.
▪ Fase de Controlo do
Podem falar-se em várias manifestações do primado legislativo da Mérito;
AR: ▪ Promulgação e Veto;
▪ Referenda Ministerial;
▪ A competência legislativa genérica que é cometida à AR
(art c) 161º), que lhe permite legislar sobre todas matérias
não reservadas a outros órgãos;
▪ A extensa reserva absoluta e relativa de competência
legislativa (161, 164 e 165) de qual decorrem as matérias
politicamente mais importantes;
▪ A faculdade de se inserirem na reserva absoluta do
parlamento, as leis reforçadas pelo procedimento as quais
se configuram como um bloco de legalidade complementar
da Constituição;
▪ A capacidade de elaborar leis portadoras de uma
hierarquia material sobre outras, que se constituem como
parâmetro material necessário de outras leis a elas
subordinadas;
▪ Os poderes de autorizar o governo (165) e os parlamentos
regionais (227) a legislar através de uma lei de autorização
legislativa delegadas no âmbito da reserva relativa
(fixando o objecto, a extensão, o sentido e a duração da
autorização);
▪ A faculdade de controlar o exercício da função legislativa
alheia, mediante o instituto de apreciação parlamentar que

88
Direito Constitucional II 89
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

incide sobre todos os decretos-leis do Governo e dos decretos legislativos regionais


autorizados.
▪ De acordo com o artigo 136º CRP, o caracter suspensivo do voto presidencial, bem
como os 20 dias para promulgação, em contraposição com os 40 do Governo.

Tipologias das Competência Legislativas

A AR pode exercer dois tipos de competência:

➢ Competência Genérica

A competência legislativa genérica, assegurada no artigo 161 c) permite à AR legislar sobre


todas as matérias, exceto as reservadas pela Constituição ao Governo. Assim sendo, a
competência genérica fundamente essencialmente o poder da Assembleia em legislar sobre as
matérias não discriminadas na Constituição e que compõem o domínio concorrencial alternado
com o Governo.

A mesma competência significa que o Parlamento pode legislar para todo o território, sendo que
nas regiões autónomas tem prevalência aplicativa, à luz do principio da especialidade, a
legislação regional. Os dois órgãos fazem incidir a sua competência sobre a mesma matéria mas
com âmbitos espácias de aplicação diferentes, num caso o continente, noutro caso a região
autónoma.

➢ Competência Legislativa Reservada


▪ Reserva Absoluta de Competência Legislativa

Supõe a faculdade exclusiva da AR legislar sobre um conjunto de matérias, com a exclusão total
dos demais órgãos legislativos, compreende as questões mais relevantes e de maior
essencialidade politico, compreende e abarca o artigo 164 e parte do artigo 161.

▪ Reserva Relativa de Competência Legislativa

A reserva relativa de competência da AR integra matérias relativamente às quais o Parlamento


pode legislar a todo o tempo mas, nos termos o artigo 165/2, também, pode conceder uma
autorização legislativa. Porem, sendo o órgão competente pode avocar, a todo o tempo, o
exercício da competência que delegou, mediante revogação do diploma de autorização.

Enquanto o Governo pode ser autorizado a legislar em todas as matérias do artigo 165, as
Assembleias legislativas Regionais, nos termos do artigo 227/1 só pode legislar nos assuntos de
interesse regional.

Densidade Reguladora

A AR pode aprovar leis que sejam mais ou menos densas, que tenham uma densidade
reguladora maior ou menor.

Leis que fixam uma disciplina primaria com normas de grande generalidade e abstracção têm
um baixo grau de densidade reguladora, enquanto que aquelas que editam regimes
pormenorizados e disciplinas especiais de obejto detalhe ostentam um elevado grau, em termos
de densidade reguladora.

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Direito Constitucional II 90
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Nalgumas matérias de reserva, designadas esferas de reserva parlamentar integral existe


igualmente uma reserva de densificação total, ou seja, a lei parlamentar terá de consumir a
integridade do respectivo âmbito, não podendo reparti-lo com decretos-leis e decretos
legislativos regionais.

Já noutras normas, o Parlamento poderá reduzir-se a uma disciplina de reduzida densidade, na


medida em que as leis parâmetro devam apenas ocupar o domínio reservado de carácter
primário relativo a uma dada matéria, podendo a restante ligação ser feita por órgãos que
estejam subordinados às directrizes da primeira ler (por exemplo, lei de bases).

▪ Nível Integral de uma reserva de densificação operada por leis da AR

(a, b. c, h, j do artigo 164)

Implica que toda a dimensão inovadora de uma disciplina normativa que recai sobre uma
matéria tenha de ser consumida por lei da AR. Trata-se de um campo exclusivo de densificação
normativa integral imposta pela CRP à lei parlamentar, e que envolve algumas matérias de alta
essencialidade politica de reserva absoluta.

Não é, portanto, permitida a emissão de leis de bases e de leis de autorização legislativa pelo
que são organicamente inconstitucionais atos legislativos de outros órgãos que regulem essa
matéria que não assumam conteúdo intrinsecamente administrativo. O próprio conteúdo do
regulamentos de execução dessas leis deve ser rigorosamente regulado de forma a impedir
qualquer hipótese de inovação operada por via administrativa.

▪ Nível Relativo de uma reserva parlamentar de densificação total

(a, b, o do nº1 do artigo 165)

Trata-se de uma situação em que a lei parlamentar ou o ato legislativo governamental ou


regional autorizados pelo Parlamento devem consumir e esgotar toda a dimensão primária ou
inovadora de matéria ou domínio material inscrito na reserva relativa de competência da AR.

Neste âmbito as matérias sujeitas a uma densificação total inscrevem-se na reserva relativa e já
não na absoluta, pelo que a consunção dessas matérias, pode não caber, apenas, à lei
parlamentar, mas também a decretos-leis ou decretos legislativos regionais autorizados pela AR.

▪ Nivel de Generalidade na regulação de matéria da reserva parlamentar

(r do artigo 164 e alíneas d, e, h do nº1 do artigo 165 CRP)

A reserva parlamentar da regulação primária de uma matéria inscrita na sua reserva absoluta ou
relativa restringe-se, neste nível de regulação, a normas de conteúdo geral, podendo o propiro
parlamento ou outros órgãos legislativos, como o Governo, adotar disciplinas igualmente
inovadoras, mas de natureza especial, contidas em normas mais densas e pormenorizadas.

▪ Nivel Básico ou de Enquadramento de Reserva Parlamentar

(d, i,n do 164 e f, g, u, z do artigo 165)

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Direito Constitucional II 91
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Compreende a disciplina menos densa da legislação parlamentar, carcater incompleto e


vinculante do conteúdo de outras leis complementares muito mais densas, sejam ou não da AR.

Procedimento Legislativo Parlamentar

Noção

Procedimento legislativo é a sucessão encadeada de atos ou fases tidos como juridicamente


necessários para a produção e revelação de uma norma legal, por parte de um órgão
competente para o efeito. Cada forma legal pressupõe um procedimento próprio.

Faseologia

A Iniciativa Legislativa

A iniciativa é o momento de iniciação ou instauração do procedimento legislativo parlamentar.


Consiste no momento em que os titulares da assembleia ou outras entidades investidas
constitucionalmente desse poder de iniciação legislativa, colocam em marcha o procedimento
mediante a apresentação naquele órgão parlamentar de um projecto ou proposta de lei, tendo em
vista a sua discussão e eventual aprovação como ato legislativo.

De acordo com o regimento da Assembleia Legislativa, a apresentação de um ato de iniciativa


não supõe nenhuma garantia efectiva da sua ulterior discussão e, muito menos, a sua aprovação.
Isto porque o Presidente da Assembleia pode rejeitar ou indeferir projectos ou proposta de lei
que sejam inconstitucionalmente evidentes

Competência Legislativa e Iniciativa Legislativa

A competência legislativa é um pressuposto do ato legislativo, constituindo no poder funcional


atribuído a um órgão para aprovar uma norma legal, em razão da matéria, do território e do
tempo (por exemplo, quanto às autorizações legislativas).

A iniciativa consiste num estádio integrativo da componente formal do ato legislativo,


respeitante ao procedimento produtivo da lei, destacando-se como o seu primeiro estádio ou
fase.

Um procedimento legislativo é iniciado na Assembleia porque esta tem competência para


legislar, pretendendo-se que essa competência seja constitutivamente exercida, através da
aprovação de uma lei.

No procedimento legislativo parlamentar, os sujeitos a quem é atribuído o poder de


iniciativa não são, necessariamente, os mesmos que intervêm no exercício da competência
legislativa para aprovação das leis da AR.

▪ Iniciativa Legislativa Interna – Ocorre quando são os deputados e os grupos


parlamentares a exercerem a iniciativa legislativa sob a forma de projecto-lei,
procedendo ulteriormente à sua eventual aprovação.
▪ Iniciativa Legislativa Heterónoma ou Externa – Ocorre quando são os órgãos
constitucionais diversos da AR ou sujeitos inorgânicos a exercer o poder de iniciação do
procedimento legislativo da mesma assembleia, exercício que assume a forma de
proposta de lei.

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Direito Constitucional II 92
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

No caso da iniciativa heterónoma existe um conjunto de órgãos que podem apresentar uma
iniciativa legislativa heterónoma (Governo, ALRA em relação às matérias que lhes respeitem e,
ainda, Grupos de cidadãos eleitores – 20000).

A iniciativa legislativa heterónoma pode assumir carácter reservado em relação a certos


atos legislativos, tal é o caso:

▪ Das leis das grandes opções dos planos e da Lei do Orçamento de Estado, as quais
são reservadas ao Governo (art. 161º, g);
▪ Dos Estatutos politico-administrativos das regiões autónomas e respectivas
alterações, cuja elaboração é reservada às assembleias legislativas das regiões
autónomas (art. 226/1 e 4);
▪ Das leis orgânicas relativas à eleição de deputados às assembleias legislativas das
regiões autónomas, cuja elaboração é reservada às mesmas assembleias (226/4);

Os deputados e os grupos parlamentares no dispõem de iniciativa originaria sobre as matérias


referidas (ou seja, não podem iniciar um procedimento legislativo no âmbito material dessas
leis).

A reserva heterónoma de iniciativa supõe um maior assentimento inter-organico na feitura de


certas leis dos quais resulta uma maior rigidez das normas produzidas através desse trâmite
agravado, constituindo um pressuposto para a atribuição de valor reforçado às mesmas.

Limites ao Ato de Iniciativa

No que toca aos limites constitucionais haverá que considerar os seguintes:

▪ “Norma-Travão” – consiste na proibição determinada pelo nº2 do artigo 167º aos


deputados, assembleias legislativas das regiões autónomas e grupo de cidadãos eleitores
de apresentarem projectos ou propostas de lei que envolvam, no ano económico em
curso, um aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no
Orçamento. So o Governo pode reduzir as receitas ou aumentar as despesas. Se, ainda
que aprovado pela AR, o programa é proposto pelo Governo só ele o pode alterar no
sentido acima descrito. Este órgão está a contar com um determinado orçamento se a
AR diminuísse os impostos a receita fiscal iria diminuir, colocando em causa o
orçamento. Se a AR quiser aplicar medidas como estas terá de o fazer para o próximo
ano económico.
▪ As Assembleias legislativas regionais só podem apresentar (art 167/1) propostas de
lei que incidam sobre matérias de competência da AR que digam respeito às
mesmas regiões.
▪ As, já analisadas, restrições originárias vedadas aos deputados à AR.
▪ A iniciativa reconhecida aos cidadãos te, também, um conjunto de limites fixados
na lei;

Vicissitudes da Iniciativa Legislativa

Os projectos de lei definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão
legislativa salvo a renovação da AR (167/4).

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Direito Constitucional II 93
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Se os atos de iniciativa legislativa não tiverem sido votados na sessão legislativa em que tiverem
sido apresentados, os mesmos não caducam nos termo do artigo 167/5, não carecendo de
renovação na sessão legislativa seguinte, salvo em termo da legislatura (onde a alteração do
corpus da legitimidade politica da Assembleia imporia, sempre, essa renovação).

A referida caducidade ocorre, contudo, com a demissão ou a dissolução do órgão proponente


(art. 167/6 e 7), salvo as iniciativas legislativas que já tenham sido votadas na especialidade, no
caso do termo da legislatura da AR (art. 167/7).

A Instrução

A fase instrutória visa recolher dados, pareceres e outros elementos cognitivos que permitam
aos decisões apreciar a oportunidade e o conteúdo da iniciativa legislativa.

Pode implicar um exame puramente interno, realizado em comissão parlamentar e,


adicionalmente, a realização de audições externas a entidades publicas e privadas.

O Exame Interno em Comissão

A apreciação em comissão constitui uma forma de instrução interna e implica a elaboração de


um parecer sobre as iniciativas legislativas pela comissão especializada em razão da matéria. A
comissão pode proceder a estudos, requerer informações, pareceres e audição de peritos e
especialistas, requisitar documentos e efectuar missões de informação ou estudo.

Consultas e Audições Externas

A AR procede em consultas obrigatórias ou facultativas de entidades externas.

➢ Consultas Obrigatórias em Sede do Procedimento Legislativo


▪ Artigo 54º/5 (direito das comissões de trabalhadores em participar na elaboração
da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o
respectivo sector);
▪ Artigo 56º/2 (direito das associações sindicais em participar na elaboração da
legislação do trabalho);
▪ Artigo 60º3 (direito das associações de consumidores e das cooperativas de
consumo);
▪ Artigo 63º/2 ;
▪ Artigo 65º/5;
▪ Artigo 67º/2;
▪ Artigo 77º/2 (participação das pais, alunos e professores na definição da politica
de ensino);
▪ Artigo 98º (trabalhadores rurais e agricultores);
▪ Artigo 249º (consulta prévia dos órgãos das autarquias abrangidas por atos de
criação ou de extinção de municípios);
▪ Artigo 229º/2 (audiçaos dos órgãos de governo regional pelos órgãos de
soberania relativamente às questões da competência dos segundos);
▪ Artigo 226º/2 (em caso de rejeição ou alteração de projecto de alteração do
EPARA).

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Direito Constitucional II 94
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Legislação Sobre o Poder Local e Legislação Liberal

A atividade instrutória pode realizar-se em concomitância, com o estádios que integram a fase
constitutiva, nomeadamente os momentos de discussão na generalidade e na especialidade.

Sempre que se trate de projetos ou propostas de lei respeitantes a autarquias locais ou outras
iniciativas o justifiquem, a comissão parlamentar competente deve promover a consulta da
Associação Nacional de Municípios e da Associação Nacional de Freguesias.

Em matéria de legislação de trabalho, a Constituição determina, nis termos da alínea a) do nº 2


do artigo 56º e da alínea d) do nº 5 do artigo 54º da CRP, a participação dos sindicatos e
comissões de trabalhadores.

O Tribunal Constitucional tem adotado uma jurisprudência rigorosa quanto ao cumprimento da


obrigação constitucional da audição e consulta e do modo como esta se processa, tendo
sancionado com inconstitucionalidade formal, não só a não audição de sindicatos de menor
representatividade, mas o incumprimento da regra da regra alternativa da discussão ou consulta
publica e dos seus critérios de transparência e adequação.

O pedido de autorização deve ser expresso e individualizado e, no caso de se optar pela


discussão publica, não bastará dar publicidade ao projeto de diploma.

Em suma, em termos procedimentais, o Parlamento promove uma discussão publica ou solicita


individualmente uma audição ou solicita individualmente uma audição, para os efeitos da alínea
d) do nº 5 do artigo 54º e do nº 2 do artigo 56º da CRP. Os projetos e as propostas de leis são
publicados previamente em separata eletrónica do DAR, sendo a data da separata, a data da sua
publicação, coincidente com a do seu anuncio, entendendo-se como tal o dia em que fica
disponível no portal do Parlamento.

Especificidades na Audição das Regiões Autónomas

Se a matéria disser respeito à regiões autónomas não será a comissão especializada que
promoverá a audição mas sim o Presidente da Assembleia da República (art. 229/2).

O direito geral de audição das regiões autónomas decorre do artigo 269/2:

“Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua


competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional.”

Em suma, os atos que incidam de forma especial numa ou em ambas as regiões versando sobre
questões, problemas ou interesses atinentes à organização humana, socio-economica ou cultural
das regiões ao ponto dessas particularidades assumirem uma particularidade suficientemente
relevante justificam uma audição regional. Neste sentido, matérias que detenham
objectivamente uma relevância imediata para todos os cidadãos, independentemente do
território em que se encontrem não carecem de audição.

A fase instrução das leis parlamentares que respeitem às regiões autónomas, projecta-se na fase
constitutiva ou de aprovação, ocorrendo entre os momentos de votação que precedem a votação
final global.

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Direito Constitucional II 95
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A jurisprudência constitucional considera como critérios reitores de realização do referido dever


de audição, que a região disponha do tempo necessário para se pronunciar cabalmente e que o
parecer que eventualmente haja sido emitido, ainda possa ser considerado na aprovação final.

O Tribunal constitucional perspectiva duas soluções alternativas:

• Se o direito de audição abranger a totalidade do projecto ou da proposta de lei, o pedido


de audição deve ser formulado “com antecedência suficiente sobre a data do inicio da
discussão na generalidade”, já que só assim se permitiria à região influenciar uma
decisão sobre os princípios ou o sistema do diploma em termos de economia geral.
• Se o direito de audição respeitar, apenas, as normas especificas de proposta ou projecto,
a audição pode ser desencadeada após a aprovação na generalidade e antes da sua
discussão na especialidade, atenta, uma vez mais, a necessidade de permitir que o
sentido do parecer possa influenciar a formação de determinadas normas que respeitem
à região.

A Fase Constitutiva

A aprovação da lei exprime a sua fase constitutiva, a qual se prende à manifestação de um ato
de vontade normativa pelo parlamento, do qual resulta a expressão do seu consentimento na
formação de um ato legislativo materialmente perfeito ou completo e, como tal, apto a produzir
alterações jurídicas no ordenamento, volvida a sua promulgação e publicação.

Os atos ou atos de iniciativa são objecto de debate, através de uma discussão realizada pelos
deputados sobre a sua forma e conteúdo, a qual pode ser realizada em plenário ou em comissão
(art. 168/1 CRP).

Há a considerar 3 fases aprovatórias:

▪ Discussão e Votação na Generalidade;


▪ Discussão e Votação na Especialidade;
▪ Votação Final Global.

Discussão e Votação na Generalidade

A discussão na generalidade, em sessão Plenária pressupõe um debate que incida sobre os


princípios e o sistema do ato de iniciativa, ou seja, sobre o espirito e estrutura interna do ato pré-
legislativo (art. 147 RAR). Este debate compreende a apresentação da iniciativa pelo seu autor
ou autores, pedidos de intervenções de cada grupo parlamentar, de deputados não inscritos e de
deputados únicos representantes de um partido (art. 145 RAR).

Os projectos e propostas de lei devem ser distribuídos aos grupos parlamentares antes de serem
discutidos em Plenário e devem ser previamente publicados no Diário da Assembleia da
Republica com uma antecedência mínima de cinco dias, salvo caso de urgência (art. 144 RAR).
Em caso de urgência pode a conferencia de lideres, por maioria de dois terços, reduzir a
antecedência mínima de cinco dias, para quarenta e oito horas, no mínimo (art. 144 RAR).

A discussão e a votação devem ter lugar, em regra, no prazo de dezoito reuniões plenárias a
contar da data de aprovação do parecer na comissão especializada (art. 149 RAR).

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Direito Constitucional II 96
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Após a discussão, cada projecto ou proposta de lei é votado em plenário (art. 168/3 CRP e 148
RAR) sendo certo que uma votação favorável apenas garante que o ato de iniciativa será objecto
de votação na especialidade, não indicando a sua aprovação nem nessa fase subsequente, nem
no estádio de vocação final.

A deliberação parlamentar correspondente a esta fase de votação processa-se por maioria


simples (art. 116/3 CRP) salvo no caso das leis a que se reportam as alíneas a) e b) do artigo 169
CRP e disposições de leis referidas no mesmo número que consumam todo um diploma
legislativo.

Discussão e votação na Especialidade

A discussão e votação na especialidade versa sobre cada artigo, numero ou alínea de um


projecto ou proposta de lei.

De acordo com o nº1 do artigo 154º do RAR a ordem de votação é a seguinte:

▪ Propostas de Eliminação;
▪ Propostas de Substituição;
▪ Propostas de Emenda;
▪ Texto discutido, com alterações eventualmente já aprovadas;
▪ Propostas de aditamento ao texto votado;

Havendo duas ou mais propostas da mesma natureza, elas serão sujeitas a votação pela ordem
da sua apresentação (art. 154º/2).

Artigo 168/3

“Se a Assembleia assim o deliberar, os textos aprovados na generalidade serão


votados na especialidade pelas comissões, sem prejuízo do poder de avocação pela
Assembleia e do voto final desta aprovação global.”

Decorre do artigo 168/3 da CRP que o órgão da Assembleia da Republica onde se realiza a
discussão votação na especialidade é o Plenário.

Isto porque, se o mesmo Plenário não deliberar expressamente que essa discussão e votação
se processa em comissão especializada (comissão competente em razão da matéria), decorre
do referido preceito constitucional que será o Plenário a realizar essa tarefa.

Se tal decorre do texto constitucional, sucede porem que o artigo 150 RAR, ao estabelecer uma
regra geral em sentido contrário (regra que determina que, salvo num conjunto de exceções, a
discussão e votação se processam em comissão) não parece harmonizar-se com o referido do
artigo 169/3 CRP. Mas o facto é que a prática parlamentar, que alguns autores designam de
costume contra legem, caminha no sentido do disposto no regimento, ou seja, a de que a
grande maioria dos diplomas são discutidos e votados na especialidade nas comissões, sem
prejuízo de o Plenário poder, a todo o tempo, avocar a si a votação na especialidade a
requerimento de, pelo menos, dez Deputados (art. 169/3 CRP e 151 RAR).

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Direito Constitucional II 97
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O artigo refere que, caso a Assembleia não delibere, a discussão será feita no Plenário. O facto
de no regimento estar que na maioria das vezes será na comissão não é ilegal, muito menos
inconstitucional, a constituição possibilita e permite que isso ocorra.

Existe um conjunto de atos legislativos que integram a reserva de Plenários, ou seja, são
objecto de necessária votação na especialidade em sessão plenária. Trata-se:

▪ Das leis que regulam as matérias previstas no nº4 do atigo 168º da CRP (e que
correspondem à grande maioria das leis orgânicas, embora haja algumas destas ultimas
que se situam fora da reserva de plenário);
▪ Da lei referente ao artigo 168º/5 CRP (criação de regiões administrativas) que carece
de ser votada na especialidade por maioria absoluta;
▪ Das leis respeitantes às alíneas a) e c) do nº6 do artigo 168º, que devem ser aprovadas
por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria
absoluta dos efectivos;
▪ Das normas legais que respeitem às matérias previstas nas alíneas b), d) e f) do nº6 do
artigo 168º da CRP, que devem, igualmente ser aprovadas por maioria de dois terços.

Enquanto as primeiras e a segunda integram a reserva explicita de plenário, as segundas e


terceiras integram a reserva implícita.

A reserva de Plenário constitui uma exigência de transparência na discussão e votação, norma a


norma, de diplomas que vertam sobre matérias dotadas de especial sensibilidade politica ou que
revistam alguma complementariedade em relação à própria Constituição.

Votação Final Global

Finda a discussão e votação na especialidade, a AR em sessão plenária procede à votação final


global (art. 164/1 CRP).

Trata-se do momento culminante da fase constitutiva que inere à aprovação da lei, já que é por
meio da votação final que o processo aprovatório originário se encontra concluído e que a AR
exprime uma manifestação definitiva da sua vontade normativa, com a forma de decreto, sendo
o mesmo enviado para promulgação do PR, de modo a ganhar existência jurídica como lei, na
medida em que seja promulgado e referendado ministerialmente.

Nesse sentido, a falta de votação final global afeta irremediavelemente a imputação da lei ao
Parlamento e supõe a ausência de vontade declarada, pelo que, uma lei que seja apenas
aprovada na generalidade e especialidade deverá ser tida como juridicamente inexistente.

Quando aprovado em comissão, o texto é enviado para Plenário para votação final, na segunda
reunião posterior à sua publicação no DAR ou a sua distribuição avulsa aos grupos
parlamentares (art. 155/2 RAR).

Diferentemente dos estádios prévios de votação que são antecedidos por uma discussão, a
votação final global não é precedida de discussão, podendo, no entanto, cada grupo parlamentar
fazer uma declaração de voto oral (art. 155/3 RAR).

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Direito Constitucional II 98
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Redação Final

Finda a votação final global, a comissão competente em razão da matéria (ou a que o PAR
indicar) procede à redacção final dos atos aprovados, não podendo alterar o pensamento
legislativo, mas apensa a perfeiçoar o estilo e a sistematização do texto, sem que se possam
registar votos contra (art. 156 RAR). Assim, se um preceito alterar objectivamente o sentido da
norma aprovada em votação final global, deve considerar-se que o mesmo enferma de
inexistência jurídica, por falta de imputação ao órgão competente para exprimir uma vontade
constitutiva e que é o Plenário. Não, são, portanto admissíveis, a pretexto de correcções de
estilo, alterações que modifiquem minimamente o pensamento legislativo.

A redacção final tem lugar no prazo que a AR ou o PAR estabeleçam, ou, na sua falta, no prazo
de 5 dias. Depois de concluída a elaboração do texto, este é publicado no Diário da Assembleia
da Republica, podendo qualquer deputado reclamar de inexactidões, até ao terceiro dia útil após
a data de publicação no DAR do texto da redacção final, competindo ao Presidente decidir, no
prazo de vinte e quatro horas, sobre reclamações.

Fase de Controlo de Mérito

A Promulgação e o Veto no Quadro dos Poderes de Controlo do Presidente da República

Esta etapa reporta-se ao momento em que o ato legislativo é aprovado pela Assembleia da
Republica e é remetido sob a forma de decreto ao PR para promulgação.

O Chefe de Estado exerce o controlo politico sobre um ato produzido pelo órgão parlamentar.

O PR aprecia, livremente, o conteúdo do diploma e formula um juízo de oportunidade positivo


ou negativo, o qual se designa por controlo de mérito.

Controlo Politico e Controlo Preventivo da Constitucionalidade

O PR dispõe de vinte dias, contados desde a data de receção de qualquer diploma da AR, para
usar da sua faculdade de promulgar ou vetar (136/1 CRP). Se tiver duvidas sobre a
conformidade do ato com a Constituição pode, no prazo de oito dias sobre a data de receção do
decreto, suscitar a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade junto do Tribunal
Constitucional (art. 278/1 e 3 CRP).

Se a decisão do TC consistir pela inconstitucionalidade, o PR deve vetar o decreto, assumindo


este veto por inconstitucionalidade a natureza de veto vinculado ou translativo, tendo o mesmo
uma natureza distinta da do veto politico. O diploma é, subsequentemente, devolvido ao
Parlamento, seguindo-se o processo previsto no artigo 279º CRP.

Se a pronuncia do TC for pela não inconstitucionalidade, o PR terá um prazo de vinte dias,


contados da data de publicação dessa decisão jurisdicional, para usar a sua faculdade de
promulgar ou vetar politicamente (136º/1 CRP).

Em suma, o PR deve exercer o controlo de constitucionalidade de um ato legislativo em


formação, antes do controlo politico. Na medida em que opte por exercer um controlo de
mérito, promulgando ou vetando o ato, já não fará sentido o seu controlo preventivo: se
promulga, a norma legal passa a ser juridicamente existente e enviada para publicação, restando

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Direito Constitucional II 99
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

ao presidente exercer a fiscalização sucessiva da constitucionalidade da lei (art. 281/2); se veta


politicamente, o diploma será precludido da sua existência jurídica e devolvido ao Parlamento
que, se o confirmar, forçará o Presidente a promulga-lo, neste caso, um controlo preventivo
seria inadmissível, dado que assumiria a natureza de um obstáculo politico do Presidente, do
qual poderia resultar um longo processo de pronuncias, reenvios e confirmações.

Caso o diploma seja reformulado pela AR tal ato modificativo equivalerá à edição de um novo
diploma e o PR poderá vetá-lo, mesmo que o mesmo exiba um conteúdo sensivelmente igual ao
ato anterior.

A fiscalização preventiva é a mais politica das fiscalizações da constitucionalidade.

Em caso de pronuncia pela não inconstitucionalidade, a posição politica do PR pode, em certas


circunstâncias, vir a ficar enfraquecida se pretender posteriormente vetar o decreto.

De qualquer forma, se o juízo de mérito for positivo o PR promulga o diploma e este passa a ser
juridicamente existente, nos termos do artigo 137º CRP. Se for negativo, o PR veta o decreto e
solicita à AR, em mensagem fundamentada, que reaprecie o diploma (art. 136/1).

Promulgação

O ato de promulgação não significa uma codecisão ou uma corresponsabilização do Presidente


pelo ato legislativo do Parlamento. Significa apenas que na ponderação entre as hipotéticas
valorações positivas e negativas do ato feita pelo Chefe de estado, as primeiras superaram as
segundas.

Em termos de conteúdo, pode distinguir-se:

• A Promulgação Simples;
• Promulgação com Reservas – o chefe de Estado faz acompanhar o ato promulgatório
de uma mensagem onde exprime preocupações, objeções sobre o ato e aspetos mais
delicados em relação à sua concretização legal e aplicação. No plano estritamente
politico a promulgação com reservas procura tornar claro o distanciamento presidencial
em relação à lei que promulga, intentando para o efeito:
▪ Dar conta de que o ato é insatisfatório e o PR nele não se revê, mas promulgou-
o por respeito a uma vontade parlamentar amplamente maioritária;
▪ Tornar presente que os aspetos positivos do ato superam um pouco os atos
negativos e que são suscetíveis de criar situações disfuncionais que preocupam
o PR e o levam a fazer advertências cautelares;
▪ Evidenciar distancia em relação à situação encontrada, tornando claro aos
adversários da lei que o Chefe de estado não foi insensível aa alguns dos seus
reparos.

Sobretudo em cenários de coabitação, o PR não pode vetar todos os diplomas com os quais
discorde, sob pena de criar uma situação insustentável nas relações politico-institucionais, a
mensagem permite ao Chefe de estado alertar para disfunções de ordem jurídica e politica e para
impactos negativos futuros desconsiderados pelo legislador.

Atendendo aos seus limites, a promulgação pode ser classificada como:

99
Direito Constitucional II 100
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Livre -decorre da regra geral prevista no artigo 136º/1 CRP;


▪ Obrigatória – No caso das leis de revisão constitucional, dos decretos já vetados e
confirmados pelo Parlamento mediante maioria qualificada constitucionalmente
exigível (artigo 286/3 e 136/2 CRP);
▪ Vedada – em caso de fiscalização preventiva de decreto sujeito a promulgação como lei
orgânica, o PR não pode promulgar nos primeiros oito dias contados desde a receção do
diploma ou, se for suscitada a vontade do TC, antes deste se ter pronunciado (artigo
278/7 CRP);

O Veto

Em caso de veto, o qual assume uma natureza suspensiva, o ato é reapreciado pelo Parlamento,
instituição que pode assumir 3 condutas:

1) Desistência do Diploma – seja porque a bancária maioritária não possui a maioria


suficiente para a confirmação, seja porque prefere não afrontar o PR com essa
confirmação e não encontra sentido útil numa reformulação, ou até mesmo, porque
acaba por dar razão às objeções presidenciais;
2) Confirmação do Diploma com superação do veto:
▪ Por meio da regra geral que envolve o voto favorável da maioria absoluta dos
deputados em efetividade de funções (art. 136/2) – legislação comum e algumas
categorias de leis reforçadas não orgânicas;
▪ Por força da regra especial que impõe maioria de dois terços de deputados
presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados efetivos, se se
tratar de diplomas que devam ser promulgados como leis orgânicas ou se
incidirem sobre as matérias previstas no artigo 136/3 CRP:
• Relações externas;
• Limites entre setores económicos;
• Regulamentação de atos eleitorais que não revestem a forma de lei
orgânica;
3) Reformulação do Diploma Vetado com a introdução de alterações, tendo em vista a
reapreciação do ato do PR.

Nos termos do artigo 169º RAR, o diploma vetado é reapreciado a partir do décimo quinto dia
contado a partir da receção no parlamento da mensagem fundamentada, por iniciativa do PAR
ou de um décimo dos deputados, para efeito de eventual confirmação ou reformulação.

No que concerne à desistência, se a AR não confirmar o diploma, a iniciativa legislativa não


pode ser renovada na mesma sessão legislativa, salvo nova legislatura.

Quanto à confirmação, o veto pode designar-se:

• Veto Simples – sempre que incide sobre uma lei que suponha a reversão do mesmo
veto pelo voto da maioria absoluta dos deputados efetivos;
• Veto Qualificado – Quando incida sobre um ato legislativo que reclame uma maioria
mais onerosa, de dois terços.

O PR exibe um importante poder de impedimento, será muito pouco provável que se reúna uma
maioria absoluta ou uma maioria que qualificada que confirme o diploma, principalmente em

100
Direito Constitucional II 101
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

países onde existe uma grande fragmentação partidária, como é o caso de Portugal. Em caso de
confirmação realiza-se, apenas, uma votação.

No de a lei se inscrever nos atos legislativos sujeitos a votação final global por maioria de dois
terços., pese a existência de uma lacuna constitucional sobre a maioria adequada de superação,
entende-se, que, por identidade de razão com as leis orgânicas (art 136/3), esses decretos
carecerão de ser confirmados por idêntica maioria parlamentar a qual é igual à da sua aprovação
originária.

No caso de o decreto vetado conter disposições em relação a matéria de relações externas,


limites entre setores económicos e regulamentações de atos eleitorais excluídos de reserva de lei
orgânica, coloca-se o problema de saber se, caso o fundamento do veto não recair sobre essas
normas, mas sobre outras disposições do ato, a maioria de superação de dois terços prevista nas
alíneas b) e c) do artigo 136 CRP se aplica nessa situação.

São possíveis dois entendimentos:

• Um primeiro, de ordem substancial, ligaria necessariamente o fundamento do veto à


norma reguladora da matéria, não incidindo sobre matéria que exija uma maioria
qualificada, seria suficiente uma maioria absoluta para ultrapassar o veto.
• Um segundo entendimento, de ordem eclética, parte do pressuposto que a maioria de
superação operada por dois terços se funda em critérios objetivos:
▪ O da onerosidade da maioria de aprovação (devendo a maioria de superação ser
superior ou pelo menos igual à primeira);
▪ Ou da presença de matérias qualificadas no conteúdo da lei, sendo irrelevante
saber se todo o diploma ou pelo menos parte dele dispõe essas matérias;

A fundamentação do PR seria relevante, para o efeito, já que a mensagem fundamentada do


veto, consistindo uma exigência constitucional, não revela juridicamente quanto ao seu
conteúdo, que é politico e exprime uma relevância essencialmente político-institucional, não
podendo a justiça constitucional avaliar ou escrutinar as razoes que acompanham os atos não
normativos de caracter politico.

O professor Blanco de Morais acompanha a segunda posição.

Se a AR confirmar o decreto o PR deverá promulga-lo no prazo de oito dias a contar da data de


receção (136/2). É proibido, implicitamente, o veto de bolso, mas se o presidente incumprir com
a obrigação constitucional criar-se-á um impasse jurídico e politico, pois não se prevê nenhum
órgão que possa substituir o PR na atividade promulgatória, sendo inexistente o ato sem
promulgação.

No que concerne à alteração, o art. 160 RAR determina que se forem apresentadas propostas de
alteração, a votação incide sobre os artigos objetos de propostas.

O diploma alterado em segunda deliberação é enviado ao PR para promulgação , sendo regido


pelo ordenamento como se de um novo diploma se tratasse, pelo que repetirá o processo de
controlo previsto no artigo 136 CRP.

101
Direito Constitucional II 102
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O poder inerente ao veto pressupõe um efeito jurídico de preclusão da existência do decreto e a


devolução deste ao Parlamento. Da mensagem fundamentada pode-se extrair varias categorias
de veto:

▪ Veto-sanção -supõe a discordância absoluta o PR em relação ao mérito global do


diploma, devendo essa oposição resultar do teor de uma mensagem que se limita a
explicar genericamente as razoes da discordância;
▪ Veto-Construtivo- implica uma discordância parcial ou condicionada em relação à
oportunidade do diploma, especificando a fundamentação do veto as matérias onde
recaem essas objeções e podendo, ainda, a mesma, aponta explicita, ou implicitamente,
algumas pistas para a ultrapassagem do impedimento presidencial em sede de
reformulação parlamentar.

O veto por inconstitucionalidade e o veto politico distinguem-se em razão:

▪ Do Objeto - o veto por inconstitucionalidade sanciona atos pré-normativos


inconstitucionais e o veto politico bloqueia a existência jurídica de atos pré-normativos
relativamente aos quais o PR se limita a discordar da sua oportunidade;
▪ Da Natureza - o veto por inconstitucionalidade é um veto vinculado a uma pronuncia
do TC pela inconstitucionalidade de um ato e o veto politico é, invés, um controlo
negativo, livremente exercido pelo Chefe de Estado.

Será admissível que o PR vete politicamente por razoes de inconstitucionalidade?

Se o PR tiver duvidas de constitucionalidade deve promover a fiscalização preventiva e não


exercer o veto politico, o qual exprime um juízo de discordância relativamente ao mérito, mas
não há legitimidade constitucional do diploma. Dai que se invocar explicitamente razoes de
constitucionalidade para vetar politicamente, o Chefe de Estado poderá incorrer em
inconstitucionalidade material por desvio do poder.

Essa inconstitucionalidade não comporta, contudo, consequências jurídicas, na medida em que


respeita ao veto como ato politico o qual, dada a sua natureza não normativa, não pode ser
objeto de fiscalização da sua constitucionalidade pela Justiça Constitucional, pelo que, pese a
sua potencial desconformidade com a CRP, ele dispõe da faculdade de produzir os seus efeitos
de obstaculização da existência da norma vetada.

A Referenda Ministerial

Trata-se de um controlo politico do Governo sobre os atos do PR e que é oriundo da CRP de


1933. Traduz-se na assinatura do Primiero-Ministro e dos ministros competentes em razão da
matéria, dos ato políticos do Presidente da Republica enunciados no nº1 do artigo 140 CRP,
implicando a falta de referenda, a inexistência jurídica do mesmo ato (nº2).

A promulgação das leis encontra-se, nos termos do artigo 140/1, sujeita a referenda ministerial.

A pratica constitucional da referenda na constituição vigente demonstra que o instituto constitui


um ato notarial ou certificatório não havendo historia da sua recusa.

102
Direito Constitucional II 103
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A ocorrência da recusa da referenda em sede de promulgação de lei só faria sentido em


situações extremas, como seria o caso da promulgação de leis inconstitucionais de excecional
gravidade (reinstaurarão da pena de morte, por exemplo) ou da adoção de outros atos
presidenciais inválidos ou ilegítimos que pusessem em perigo a ordem constitucional
democrática, fazendo aí sentido que o Governo obstasse à sua entrada em vigor, mediante a
referida recusa.

Já a recusa da referenda como controlo ordinário de um Governo minoritário sobre a


promulgação presidencial de leis parlamentares de que o Executivo discorde não é compatível
com o nosso sistema de governo, implicaria um conflito politico de alta intensidade entre o
mesmo Governo, de um lado, e o Presidente e o Parlamento por outro lado, sendo claro que,
nesse conflito, o Governo seria o elo mais fraco, na medida em que poderia estar em causa o
“regular funcionamento das instituições democráticas” (art. 195/2 CRP).

Publicação

A regra jurídica destina-se, em princípio, a estabelecer um critério de conduta. Só pode ser


norma de conduta se for do conhecimento dos seus destinatários. Por esta razão se compreende
que a publicação condicione a entrada em vigor da lei.

A falta da publicação tem como consequência a ineficácia jurídica do ato. Pese o facto de o
mesmo ato poder ter sido juridicamente perfeito, ele não produzirá quaisquer efeitos jurídicos se
não for publicado.

Do n.º 2 do art. 119.º CRP decorre que os atos normativos referidos no n.º 1 têm de ser
publicados no jornal oficial sob pena de ineficácia. Por conseguinte, a observância de qualquer
outro modo de publicação, por exemplo através da imprensa ou dos meios de radiodifusão, é
irrelevante para a eficácia da lei. O jornal oficial é o Diário da República.

Nos termos do n.º 3 do art. 119.º CRP a lei determina as formas de publicidade dos atos que a
Constituição não sujeita a publicação no jornal oficial e as consequências da falta de
publicidade.

Da conjugação do art. 119.º CRP com a Lei n.º 74/98 decorre que estão sujeitos a publicação no
Diário da República os atos legislativos, os atos regulamentares da AR e das Assembleias
Regionais, os atos regulamentares do Governo e dos seus membros e os decretos
regulamentares regionais dos Governos das Regiões Autónomas

Embora a fórmula do n.º 2 do art. 119.º CRP possa não abranger todas as leis em sentido
material amplo, deve entender-se que a publicação é um requisito de eficácia de todas as leis. Se
a lei não estabelece a forma de publicação terá de lhe ser dada a publicidade que permita o
conhecimento pelos seus destinatários: seja a notificação dos interessados, seja a afixação na
sede, seja qualquer outra forma.

A eficácia na ordem interna das normas de Convenções internacionais que vinculam


internacionalmente o Estado português depende de publicação no Diário da República (arts.
8.º/2 e 119.º/1/b CRP).

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Direito Constitucional II 104
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Já não estão sujeitas a publicação no Diário da República as normas emanadas de organizações


internacionais de que Portugal seja parte ao abrigo dos respetivos tratados institutivos (art. 8.º/3
CRP).

Os atos normativos dos órgãos da União Europeia são publicados no Jornal Oficial da União
Europeia (ver também art. 8.º/4 CRP).

Entrada em Vigor

A entrada em vigor da lei é o culminar de um processo que passa pela verificação de certos
pressupostos de existência da lei (a sua criação), e ainda pela satisfação de certos requisitos de
validade e eficácia, dos quais referi, em último lugar, a publicação.

A respeito da entrada em vigor da lei é usual tratar-se do problema da determinação do


momento a partir do qual o ato normativo produz os seus efeitos.

O problema da “localização” temporal não se limita à determinação do começo e da cessação da


vigência da lei, engloba também outros problemas, designadamente o da delimitação do
domínio recíproco de aplicação da lei nova e da lei antiga, que estudaremos ulteriormente no
capítulo dedicado à aplicação da lei no tempo.

A respeito do começo da vigência da lei dispõe o n.º 2 do art. 5.º CC:

“Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de
fixação, o que for determinado em legislação especial.” O intervalo que decorre entre a
publicação e a entrada em vigor de uma lei designa-se vacatio legis.Por conseguinte, podemos
desde já formular esta regra: a lei publicada começa a vigorar na data que ela própria fixar.

A data fixada por uma lei sobre a sua entrada em vigor não pode ser anterior à data da
publicação, uma vez que a eficácia da lei depende da sua publicação (art. 119.º/2 CRP; ver
também art. 5.º/1 CC).

Poderá a lei fixar a sua entrada em vigor na data da publicação?

Esta possibilidade era geralmente admitida antes da entrada em vigor da L n.º 74/98. O n.º 1 do
art. 2.º desta Lei veio estabelecer que a lei não pode entrar em vigor no dia da publicação. Mas
esta determinação só tem de ser observada pelas leis de valor hierarquicamente inferior. Ora, a
menos que se entenda que a L n.º 74/98 é uma lei com valor reforçado, o que oferece muitas
dúvidas, ou que tem caráter materialmente constitucional, tal lei tem o mesmo valor que as
outras leis da Assembleia da República, que os Decretos-Leis do Governo ou que os Decretos
Legislativos Regionais.

A lei também pode subordinar a sua entrada em vigor à verificação de um evento futuro, por
exemplo, a publicação de um diploma regulamentar

Na falta de disposição da lei sobre o momento da sua entrada em vigor, esta verifica-se no
quinto dia após a sua publicação (art. 2.º/2 da L n.º 74/98, alterada pela L n.º 26/2006, de 30/6).

Este prazo conta-se a partir do dia imediato ao da sua disponibilização no sítio da internet gerido
pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda (n.º 4 do art. 2.º). Por exemplo, a lei X disponibilizada

104
Direito Constitucional II 105
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

no dia 10 entra em vigor no dia 15, na falta de disposição em sentido diferente contida na
própria lei.

Por força do art. 296.º CC, na contagem de prazos de vacatio fixados em dias, semanas, meses
ou anos deve atender-se ao disposto no art. 279.º CC.

Assim, os prazos fixados em dias contam-se a partir do dia seguinte à publicação diploma (art.
279.º/b).

Os prazos fixados em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, terminam às 24 horas do
dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano a essa data (art. 279.º/c/1.ª parte).

Por exemplo, a Nova Lei da Arbitragem Voluntária (L n.º 63/2011), entrou em vigor três meses
após a data da sua publicação. Uma vez que o diploma foi publicado em 14 de Dezembro de
2011, deve entender-se que entrou em vigor em 15 de Março de 2012.

Caso o prazo tenha sido fixado em meses a contar de certa data e não exista no último mês dia
correspondente, o prazo finda no último dia desse mês (art. 279.º/c/2.ª parte CC). Por exemplo,
se a lei foi publicada em 31/3 e fixou a sua entrada em vigor um mês depois da publicação, o
prazo finda às 24 horas do dia 30/4 e a lei entra em vigor no dia 1/5.

Ao editar as leis, o legislador deve ponderar, perante o seu conteúdo e face ao


circunstancialismo social existente, se os prazos normais de vacatio legis são adequados, se é
necessário que a lei entre em vigor logo que seja publicada, ou se, pelo contrário, é conveniente
estabelecer um intervalo mais longo.

Assim, por exemplo, quando se trate de leis extensas e complexas, como é normalmente o caso
dos códigos, justifica-se um período dilatado de vacatio. Quando estejam presentes
considerações de urgência pode justificar-se uma redução ou supressão da vacatio.

105
Direito Constitucional II 106
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Em Suma…

Processo Legislativo Parlamentar

Várias Fases:

1. Iniciativa Parlamentar

Competência Legislativa
Iniciativa Legislativa
Competência para aprovar o diploma,
Competência para apresentar a proposta, competência
neste caso o decreto, que depois de
para iniciar o processo que vai dar origem à lei.
promulgado vai assumir a forma de lei

Artigo 167/1

“A iniciativa de lei e do referendo compete aos


Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo,
e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei,
a grupos de cidadãos eleitores, competindo a Torna-se difícil a existência de 20000 cidadãos
iniciativa de lei, no respeitante às regiões autónomas, eleitores a realizar uma proposta de lei e a
às respetivas Assembleias Legislativas.” iniciar o processo. Se existem 20000 cidadãos
eleitores a defender a existência de determinada
Têm iniciativa legislativa parlamentar (podem lei, com grande, probabilidade também existem
desencadear/iniciar o processo): deputados que o defendam. Basta um deputado
para que se inicie o processo.
▪ Deputados;
▪ Grupos Parlamentares;
▪ Assembleia Legislativa das Regiões
Autónomas;
▪ Grupos de Cidadãos Eleitores – 20000
Cidadãos (art. 6º/1 LILC).
O Governo pode abrir o processo legislativo e apresentar uma proposta de lei em todas as
matérias, sem de competência concorrencial, de reserva relativa ou de reserva absoluta.
Apresentar proposta pode sempre e não é inconstitucional, porque, em ultima instância quem
vai legislar é a AR, quem vai acompanhar todo o processo e aprovar o decreto é a AR, e quando
se for promulgado, sê-lo-á como uma lei e não como um decreto-lei.

106
Direito Constitucional II 107
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por exemplo, quanto ao Orçamento do Estado é de competência absoluta da AR:

Artigo 161/g

“Compete à Assembleia da República:

g) Aprovar as leis das grandes opções dos planos nacionais e o Orçamento do Estado,
sob proposta do Governo.”

Apesar de ser o Governo a propor é a Assembleia da República que vai legislar. É competência
da Assembleia, mas o Governo tem de apresentar proposta. Só a AR pode aprovar.

Quanto a matéria de reserva relativa, o Governo, também, pode apresentar proposta mas é
mais provável que peça uma autorização legislativa porque, desta forma, pode ser ele próprio a
controlar o processo.

Em relação à matéria não reservada ou matéria concorrencial, o Governo, também pode


apresentar proposta mas, uma vez que pode legislar, o mais certo que vá acontecer é que seja o
próprio Governo a legislar porque desta forma controla todo o processo, não há necessidade de
apresentar proposta.

A esmagadora maioria dos casos em que é apresentada uma proposta é em matéria de reserva
absoluta, porque é a respeito desta matéria que o Governo não pode legislar, se se tratar de
matéria de reserva relativa, como já referido, pode pedir uma Lei de Autorização Legislativa, se
for matéria concorrencial, o próprio Governo pode legislar, não necessitando de qualquer
autorização para tal.

Iniciativa Interna Iniciativa Externa


(Projeto de Lei) (Proposta de Lei)

▪ Deputados; ▪ Cidadãos;
▪ Grupos Parlamentares; ▪ Governo;
▪ Assembleias Legislativas
das Regiões Autónomas

A Iniciativa, sem prejuízo, do que foi acima referido, tem alguns Limites:

▪ Lei de Orçamento de Estado (LOE) – art. 161/g), competência da AR, sob proposta do
Governo;
▪ Lei das Grandes Opções dos Planos Nacionais (LGOP) – art. 161/g), competência da
AR, sob proposta do Governo;
▪ Estatutos (EPARA)- art.161/b) e art. 226/1 CRP;
▪ Leis Eleitorais das Regiões Autónomas - art.161/b) e art. 226/1 CRP;
▪ Leis de Revisão Constitucional, segundo o artigo 285º a iniciativa de revisão
constitucional compete aos deputados;

107
Direito Constitucional II 108
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Alteração do Orçamento – art. 167/2;

Cláusula Travão

▪ Aplicável a todos os órgãos que não o Governo;


▪ Relativo ao ano económico em curso, se for para entrar em vigor no ano
económico seguinte, não haverá qualquer problema;
▪ Só se aumentar as despesas ou diminuir as receitas, tudo o resto não há
qualquer problema.

Tem que ser o Governo a propor a alteração, excetuando o Governo nenhuma das entidades com
competência de iniciativa legislativa o pode fazer. Houve a aprovação de um orçamento, o
Governo está a contar com esse orçamento, com essas despesas e com esse lucro, não pode uma
entidade externa colocar em causa a atividade e a politica do Executivo. Daí a chamada cláusula
travão, após a aprovação do orçamento é levantada uma barreira que impede que outras
entidades o alterem.

O Governo pode fazê-lo se considerar necessário.

Isso significa que, por não estar autorizada a reduzir as despesas, a AR nunca poderá, por
exemplo, baixar os impostos?

O orçamento é aprovado para um ano económico, o Governo conta com aquelas despesas e com
aquelas receitas mas, para os anos seguintes, não fica impedido de o fazer. Pode aprovar uma lei
que reduz os impostos para valer para o ano seguinte, o que não pode acontecer é que essa lei
tenha vigência no próprio ano económico.

O Governo pode apresentar uma proposta para as Regiões Autónomas?

Artigo 167/1:

“A iniciativa de lei e do referendo compete aos Deputados, aos grupos


parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na
lei, a grupos de cidadãos eleitores, competindo a iniciativa de lei, no
respeitante às regiões autónomas, às respetivas Assembleias Legislativas.”

Se as matérias em causa forem respeitantes às Regiões autónomas, quem tem competência para
tal são as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. Competência legislativa exclusiva
das ALR. Mas não é muito claro e podem ser levantadas dúvidas.

Limites para o Governo:

▪ Estatutos;
▪ Leis eleitorais;
▪ Leis de Revisão Constitucional;

Limites para os Deputados/Grupos Parlamentares:

▪ Estatutos;
▪ Leis Eleitorais;
▪ Propostas de Lei de Autorização Legislativa;

108
Direito Constitucional II 109
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

2. Discussão e Votação
▪ Discussão na Generalidade;
▪ Votação na Generalidade;
▪ Discussão na Especialidade;
▪ Votação na Especialidade;
▪ Votação Final Global;

Discussão e Votação na Generalidade Discussão e Votação na Especialidade

Termos gerais, muito genérico. Por exemplo, Discussão em pormenor, discussão e votação
proposta de lei de descriminação da eutanásia: artigo a artigo, norma a norma, fase a fase. Por
exemplo, proposta de lei de descriminação da
▪ Se está de acordo com a CRP; eutanásia:
▪ Se é algo a rejeitar;
▪ Se a sociedade está ou não preparada; ▪ Quem pode pedir;
▪ Em que circunstâncias o pode fazer;
▪ Como funciona a assistência médica e o
Se na votação na Generalidade for rejeitada, o acompanhamento psicológico a estes
processo termina por aqui. pacientes;

Votação Final Global


Depois de discutido e votado, se passar, o texto
Aprovação final para poder ser enviada, sob a é afixado mas está, ainda, sujeito a votação final
forma de decreto, para promulgação. global.
Sendo aprovada pela maioria exigida o processo
fica concluído.

3. Envio do decreto para Promulgação

PR pode:

▪ Promulgar como lei (art.134/b);


▪ Vetar (art.136/1);
▪ Enviar para o TC (art.278/1)

O PR tem um prazo para vetar ou promulgar (20 dias no caso dos decretos da AR e 40 dias no
caso dos decretos do Governo), se deixar passa o prazo já não pode vetar, deve promulgar o
decreto como lei ou decreto-lei (consoante a sua origem seja o Governo ou a AR)

4. Referenda Ministerial – Ato através do qual o Governo concede a referenda (art. 140º
CRP)
▪ Art. 134/b (competência para promulgação) + Art. 140º/1 (referenda) – O ato
de promulgação carece de referenda ministerial. Sem referenda a consequência será
a inexistência jurídica do ato de promulgação do PR (art.140/2) e,
consequentemente, sendo a promulgação inexistentes, a consequência será, também
a inexistência jurídica da lei ou decreto-lei (art137º).

109
Direito Constitucional II 110
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Admitir que o governo pode recusar a promulgação é admitir que o Governo


pode recusar a promulgação e colocar em causa todo o processo de legislação.
5. Publicação (art. 119º CRP)

Caso Prático Nº3

A AR aprovou uma lei que descriminalizava a prática da eutanásia (dizia respeito ao


direito à vida). Esta lei regulava que a prática da eutanásia iria deixar de ser crime.
Estavam na votação 230 deputados. Na votação final global reuniram 60 votos a favor e 50
votos contra.

Quid Iuris?

Segundo o artigo 165/1/c) CRP, a matéria da definição dos crimes, penas e medidas de
segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal é da competência relativa da
AR, logo, tem competência para legislar a respeito desta matéria.

O artigo 116/2, em relação ao quórum (número requerido de assistentes a uma sessão legislativa
para que seja possível tomar uma decisão válida), exige a presença da maioria legal dos seus
membros, atendendo aos 230 lugares, o quórum será de 116 deputado. Segundo o enunciado
estiveram presentes os 230, portanto, não existiria qualquer problema no tocante a esta questão.

O decreto aprovado reveste a forma de lei, a CRP, para esta lei em concreto, não exige nenhuma
maioria qualificada, recorre-se portanto, à maioria exigida no artigo 116/3 CRP, maioria
simples, basta, apenas, que existam mais votos a favor do que votos contra. Neste sentido, a lei
foi aprovada na votação final global visto que houve mais 10 votos a favor do que votos contra.

110
Direito Constitucional II 111
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Atividade Legislativa do Governo


ATIVIDADE
Introdução à Competência Legislativa do Governo
LEGISLATIVA
As necessidades funcionais inerentes ao intervencionismo do
Estado social de Direito conduziram à extensão da função ➢ Atividade Legislativa do
legislativa aos Governos, terminando o dogma da “centralidade” Governo;
legislativa dos parlamentos, ▪ Introdução à Competência
Legislativa do Governo;
Tipologias de Competência Legislativa do Governo
▪ Tipologia das
Artigo 198º CRP Competências Legislativas
do Governo;
1. “Compete ao Governo, no exercício das funções ➢ Procedimento Legislativo
legislativas:
Governamental;
a) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas
▪ Iniciativa;
à Assembleia da República;
▪ Fase Instrutória;
b) Fazer decretos-leis em matérias de reserva
▪ Fase de Aprovação;
relativa da Assembleia da república, mediante
autorização desta; ▪ Controlo de Mérito;
c) Fazer decretos-leis do desenvolvimento dos
princípios ou das bases gerais dos regimes
jurídicos contidos em leis que a eles
circunscrevam
2. É de exclusiva competência legislativa do Governo a
matéria respeitante À sal própria organização e
funcionamento.
3. Os decretos-leis previstos nas alíneas b) e c) do nº1
devem invocar expressamente a lei de autorização
legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual são
aprovados.”

De acordo com o artigo 198/1 e 2 CRP, o Governo é titular de 4


competências legislativas:

 Competências Concorrenciais Alternadas

Da conjugação da alínea a) do artigo 198º CRP com a alínea c)


do artigo 161º CRP a faculdade de legislar sobre todas as
matérias, menos as reservadas pela CRP ao Parlamento.

Há que destacar a existência de um vasto campo de confluência


de matérias não enumeradas constitucionalmente, onde os dois
órgãos podem simultaneamente legislar e que se denomina de
área de competência concorrencial.

O tipo de concorrência em presença assume natureza alternada:


os dois órgãos podem, a todo o tempo, legislar e aplica-se Às
relações entre os atos legislativos que, nos termo do artigo
112º/1 detêm igual hierarquia formal, o critério cronológico, nos

111
Direito Constitucional II 112
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

termos do qual, o ato legislativo posterior revoga ou suspende o anterior.

Com as assembleias legislativas regionais a situação já é distinta, o Governo desenvolve uma


concorrência paralela, ou seja, pode emitir diplomas para vigorarem em todo ou em parte do
território, porém, se colidirem com os decretos-legislativos regionais, estes vão ter uma
aplicação preferencial, na qualidade de leis de conteúdo especial, assumindo os atos do Governo
uma natureza supletiva (art.228/2ºCRP).

 Competência Exclusiva

Nos termos do artigo 198º/2 CRP é da exclusiva competência do Governo legislar sobre a
matéria respeitante à sua organização e funcionamento (as impropriamente chamadas “leis
orgânicas”).

O modo de estruturação do Governo, do Conselho de Ministros e de cada Ministério reflecte


uma opção politica intrinsecamente governativa, própria de um programa de Governo,
implicando como tal a sua integração na reserva exclusiva do Governo.

Os decretos-leis reportados a este domínio não podem ser submetidos a apreciação parlamentar
e, se vetados pelo PR, o Governo não os pode transformar em propostas de lei, na medida em
que ao Parlamento está vedada a faculdade de legislar sobre a organização e funcionamento do
Governo.

 Competência Complementar

A competência complementar expressamente prevista na alínea c) do artigo 198ºCRP e


implicitamente presente na alínea a) do mesmo artigo, esclarecem que compete ao Governo
aprovar decretos-leis em matérias de reserva relativa de competência da AR, mediante
autorização desta, formalizada em lei.

Competência Legislativa dos Governos em Gestão

Artigo 186º/5 CRP

“Antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua


demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para
assegurar a gestão dos negócios públicos.”

Os governos em gestão não se encontram limitados em razão do conteúdo dos atos ou do


exercício das funções que a CRP lhe comete, sendo o critério decisivo para aferir a validade
jurídica desses atos a observância pelos mesmos do parâmetro da “estrita necessidade” na sua
prática.

O critério da estrita necessidade comporta uma margem muito grande de incerteza e supõe o
preenchimento de dois sub-critérios ao abrigo dos quais o Executivo deve fundamentar os
mesmo atos:

▪ Inadiabilidade (dimensão temporal de urgência);


▪ Proporcionalidade (dimensão material – a resposta deve estar numa relação direta
de causalidade com a situação relevante a resolver).

112
Direito Constitucional II 113
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O Governo não está inibido de praticar atos com conteúdo inovatório, como atos políticos e
legislativos conquanto os fundamente nos dois princípios já referidos.

O Procedimento Legislativo Governamental

A Iniciativa

O estádio de impulsão consiste no conjunto de operações jurídicas metodológicas e técnicas que


concorrem para a colocação em marcha da iniciação do procedimento legislativo.

Como decisão de legislar o impulso deve, em tese, ser condicionado por um conjunto de
pressupostos fácticos e requisitos de ordem técnica e metodológica, alguns dos quais
necessariamente o precedem:

▪ Perceção e definição do problema impulsionante (factores impulsionantes do ato


legislativo);

O impulso legislativo é previamente determinado por um pressuposto autónomo, que consiste


no reconhecimento da existência de um problema potencialmente condicionante da necessidade
de uma decisão legislativa. Este fator pode ser definido como “problema impulsionante”.

O problema impulsionante, em regra, resulta de uma realidade insatisfatória que requer solução.

▪ Formação da estratégia da decisão;

Definido o problema, importará, muito brevemente, conceber um plano integrado que implique
a determinação de objectivos, a identificação dos recursos necessários para os atingir, a escolha
da solução não normativa ou normativa pertinente e nesta, da opção mais adequada para
enfrentar o referido fator problemático de impulsão legislativa. Trata-se da estratégia de decião.

▪ Conceção do diploma;

A “decisão de legislar” ou o impulso em sentido estrito implica a expressão de um ato publico


de vontade por força do qual o decisor coloca em marcha os trabalhos preparatórios de
elaboração de um ato legislativo.

O impulso traduz-se na decisão que desencadeia um procedimento normativo, a partir da prévia


escolha, pelo decisor, da alternativa legal que julgou mais adequada para preencher os
objectivos operacionais destinados a dar solução a um determinado problema.

Do impulso em sentido estrito inicia-se a tarefa de conceção do diploma, ou seja, na feitura do


texto normativo do diploma e respectiva nota justificativa.

Pode englobar a mesma fase as seguintes operações:

• Redacção preliminar do anteprojecto de diploma;


• Elaboração de anteprojecto da nota justificativa que acompanha o diploma com
propósitos instrutórios;
• Consulta formal a entidades interessadas;
• Atividades de controlo endoprocedimental;
• Redação final do diploma e respectiva nota justificativa;

113
Direito Constitucional II 114
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A nota justificativa é um documento interno de natureza técnica política desprovido de carácter


normativo, que enquadra a natureza, o regime e os efeitos do diploma bem como fundamenta as
razoes que presidiram a sua elaboração.

▪ Formalização da Iniciativa;

A formalização da iniciativa legislativa interna traduz-se na remissão ao Secretário de Estado da


Presidência do Conselho de Ministros de um projecto de Decreto-Lei ou um projecto de
proposta de lei assinado pelo membro do Governo proponente e acompanhado pelos elementos
instrutórios, tais como o formulário electrónico, pareceres, documentos comprovativos de
audições e consultas e fichas de avaliação prévia de impacto.

Fase Instrutória

A fase de instrução desdobra-se nos seguintes estádios procedimentais:

 Saneamento e Acompanhamento

O secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros realiza uma apreciação


preliminar do ato e pode submeter os projectos de diploma a um controlo de validade e
qualidade normativa formal e material. Essa faculdade compreende o poder de determinar a sua
devolução se os vícios de que o diploma padecer não puderem ser desde logo reparados. Poderá
ainda articular com o proponente, novas alterações do projecto, na sequência da reunião de
Secretários de Estado.

 Circulação pelos Gabinetes Ministeriais

Trata-se de uma actividade destinada, preferencialmente, a promover o acesso aos diplomas e a


suas eventuais avaliações de impacto por todos os Ministros, permitindo que se firmem
consensos, que se evitem conflitos de competência e que se auxilie a preparação da Reunião de
Secretários de Estado.

 Reunião de Secretários de Estado

Os projectos de diploma podem ser objecto de aprovação para agendamento com ou sem
alterações ou adiados.

Compete ao Secretário de Estado da Presidência, em articulação com o membro do Governo


proponente, promover a introdução de alterações na redacção dos diplomas aprovados e
correcções de ordem legistica, quando tal seja determinado na reunião de Secretários de Estado.

 Audição das Regiões Autónomas

De acordo com o RCM, a Presidência do Conselho promove a audição das regiões autónomas
sobre diplomas de competência do governo que lhes respeitem.

114
Direito Constitucional II 115
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Fase de Aprovação

 Método de Aprovação

O Conselho de Ministros é o órgão que, nos termos constitucionais (art.200º/c) e d) CRP),


aprova os decretos-leis do Executivo, bem como as propostas de lei que o Governo apresenta
junto à AR.

O Conselho de Ministros é um órgão colegial, aplicando-se, por isso, o disposto no art. 116º/ 2 e
3 CRP sobre deliberação de órgãos dessa natureza.

O poder de liderança governamental do Chefe de Governo, que este retira genericamente do


artigo 201º/1, a) e b), aliado a uma praxis consolidada, faz com que o Primeiro Ministro
imponha, até certos limites, a sua vontade quanto à aprovação de diplomas normativos em
Conselho.

Se em Governos de coligação essa vontade é mitigada, podendo, no limite, proceder a votações,


já nos Governos de composição homogénea não se procede por regra, a qualquer votação,
cumprindo ao Primeiro Ministro liderar a formação de compromissos ou, no limite, impor
politicamente a sua vontade, mesmo contra a Maioria dos Ministros, fazendo aprovar ou
reprovar um determinado diploma.

Daí que a doutrina fale na Colegialidade Imperfeita do Conselho de Ministros (a colegialidade


resulta da Constituição e do Regimento, mas não é assumida pela prática politica, exceto
quando se impuser pela natureza das coisas, por exemplo uma coligação).

 Modalidades de Aprovação

A aprovação de diplomas respeita, em regra, as prioridades que constarem da agenda do


Conselho de Ministros.

Sempre que na reunião de Secretários de Estado inexistam objeções ao diploma agendado para
aprovação em Conselho de Ministros, o diploma é aprovado por Consenso.

Noutras circunstâncias pode haver debate, mas a regra é a de que o PM induz a obtenção de
consenso.

Volvida a aprovação, o decreto do Governo colhe as assinaturas do PM e dos Ministros em


razão da matéira (art.201/3 CRP).

Controlo de Mérito

Promulgação e Veto

De acordo com o nº1 do art.136º CRP o decreto aprovado pelo Conselho de Ministros e pelos
ministros competentes em razão da matéria é remetido ao PR para promulgação.

O chefe de Estado deve, no prazo de 40 dias contados da receção desse decreto ou da publicação
da decisão de não inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional promulga-lo ou exercer o
direito de veto político. O Presidente deve comunicar por escrito o sentido do veto, o que

115
Direito Constitucional II 116
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

constitui uma forma de fundamentação, não sendo a publicidade deste ato uma formalidade
obrigatória.

O veto politico é insuperável, tendo, portanto, caráter absoluto, devendo o PR comunicar por
escrito ao Governo o seu sentido.

Sem prejuízo de ser admissível que o Governo, atenta a motivação do veto, aprove um novo
decreto-lei com disposições idênticas às do diploma vetado, mas onde constem alterações nas
normas antes objectadas pelo Chefe de Estado (Reformulação).

Questão discutida pela doutrina surge quanto à aprovação de um novo decreto, de conteúdo
idêntico, ao que foi vetado em momento anterior pelo PR.

A maioria da doutrina entende que pode pôr em causa o veto absoluto. Na minha opinião, o veto
não está a ser ultrapassado porque o diploma está sujeito a promulgação pelo PR de qualquer
das formas, e o próprio veto politico se justifica, em grande parte, com a inoportunidade politica
do momento para a promulgação de determinado decreto. Passado um tempo, o PR pode
considerar que o momento já é oportuno e já se justifica a sua vigência.

Referenda Ministerial

O ato de promulgação carece de referenda ministerial, nos termos do artigo 140º CRP.

Fase Integrativa da Eficácia

Situação idêntica a referido quanto à AR.

Em Suma…

Competência Legislativa Governamental:

 Competência Legislativa Genérica (art.198/1, a)) – Todas as Matérias;

 Competência Legislativa Autorizada (art.198/1, b));


Subordinadas a um ato
legislativo inicial
 Desenvolvimento de Leis de Bases (art.198/1, c));

 Competência Exclusiva (art.198/2) – Organização e Funcionamento;

116
Direito Constitucional II 117
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Apesar de no Sistema de Governo Português o Governo poder,


efectivamente, legislar, a AR continua a ser o órgão legislativo por
APRECIAÇÃO
excelência, podem apontar-se várias razões: PARLAMENTAR
▪ Possibilidade de apreciação parlamentar dos atos do ➢ Apreciação Parlamentar de
Governo; Atos Legislativos de Outros
▪ Veto ultrapassável, com o Governo o veto é absoluto. A Órgãos Constitucionais;
AR, caso queira, pode passar por cima do PR; ▪ Natureza e Característica
▪ AR tem uma reserva de competência muito alargada; do Instituto
▪ AR tem competência para aprovar as Bases Gerais e ▪ Atos Sujeitos a
Autorizações Legislativas;
Apreciação;
Natureza e Carateristicas Gerais do Instituto ▪ Pressupostos, Iniciativa e
Admissão;
O Instituto de Apreciação Parlamentar tem a sua origem na Carta ▪ Votação;
Constitucional portuguesa, encontra-se previsto no artigo 169º CRP. ▪ Caducidade;
A apreciação parlamentar constitui uma manifestação da supremacia ➢ Formas de Apreciação
da AR sobre os restantes órgãos constitucionais, no que respeita ao Parlamentar;
exercício da função legislativa. Essa manifestação traduz-se na
faculdade da AR, no respeito de certos limites temporais e ▪ Apreciação Parlamentar
circunstanciais, poder apreciar o mérito da grande maioria dos para Efeitos de
decretos-leis bem como dos decretos legislativos regionais Alteração;
autorizados, tendo em vista a sua eventual cessação de vigência e • Forma de Alteração;
modificação, a qual pode ser procedida por uma suspensão da sua • Procedimento;
eficácia. • Suspensão de
De acordo com o nº 6 do art. 169 CRP, a apreciação Parlamentar dos Vigência;
decretos-leis deve gozar de prioridade, nos termos do Regimento
parlamentar. ▪ Apreciação Parlamentar
para Efeitos de Cessação
Artigo 169ºCRP de Vigência;
• Forma de Ato de
1. “Os decretos-leis, salvo os aprovados no exercício da
competência legislativa exclusiva do Governo, podem ser Cessação de Vigência;
submetidos a apreciação da Assembleia da República, para • Repristinação;
efeitos de cessação de vigência ou de alteração, a
requerimento de dez Deputados, nos trinta dias subsequentes
à publicação, descontados os períodos de suspensão do
funcionamento da Assembleia da República.
2. Requerida a apreciação de um decreto-lei elaborado no uso
de autorização legislativa, e no caso de serem apresentadas
propostas de alteração, a Assembleia poderá suspender, no
todo ou em parte, a vigência do decreto-lei até à publicação
da lei que o vier a alterar ou até à rejeição de todas aquelas
propostas.
3. A suspensão caduca decorridas dez reuniões plenárias sem
que a Assembleia se tenha pronunciado a final.
4. Se for aprovada a cessação da sua vigência, o diploma
deixará de vigorar desde o dia em que a resolução for

117
Direito Constitucional II 118
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

publicada no Diário da República e não poderá voltar a ser publicado no decurso da


mesma sessão legislativa.
5. Se, requerida a apreciação, a Assembleia não se tiver sobre ela pronunciado ou,
havendo deliberado introduzir emendas, não tiver votado a respectiva lei até ao termo
da sessão legislativa em curso, desde que decorridas quinze reuniões plenárias,
considerar-se-á caduco o processo.
6. Os processos de apreciação parlamentar de decretos-leis gozam de prioridade, nos
termos do Regimento.”
Artigo 227º/4
“Os decretos legislativos regionais previstos nas alíneas b) e c) do nº1 devem invocar
expressamente as respectivas leis de autorização ou leis de bases, sendo aplicável aos
primeiros o disposto no artigo 169º, com necessárias adaptações.”
Atos Sujeitos a Apreciação

Encontram-se sujeitos ao regime de apreciação parlamentar:

▪ Todos os decretos-leis, salvo os aprovados no exercício da competência legislativa


exclusiva do Governo, de acordo com o nº1 do artigo 169 CRP;
▪ Os decretos legislativos regionais que tenham sido objecto de uma autorização
legislativa da AR (art.227/4 CRP);

Pressupostos, Iniciativa e Admissão

A apreciação parlamentar pode ser requerida por um mínimo de 10 deputados, para efeitos de
cessação de vigência ou de alteração, nos 30 dias subsequentes à publicação do ato legislativo
eu dela é objecto, descontados os períodos de suspensão do funcionamento da AR
(art.169/1CRP).

Votação

A votação na generalidade incide sobre a cessação da vigência (art.205/1 RAR), já a votação na


especialidade incidirá sobre as propostas de alteração, as quais podem ser objecto de votação
final global (art. 208/2 e 5 RAR).

Caducidade

Se não se registar pronuncia parlamentar sobre o pedido de cessação de vigência ou, no caso de
se ter deliberado introduzir emendas e a respectiva lei não ter sido votada até ao termo da sessão
legislativa em curso, desde que decorridas 15 reuniões plenárias, deve o processo de apreciação
parlamentar considerar-se encerrado (art.169/5CRP).

Se o Governo ou as ALR revogarem o decreto-lei ou o decreto legislativo regional em


apreciação, o processo de apreciação parlamentar fica encerrado.

Formas de Apreciação Parlamentar

Forma da Alteração

Todo o tipo de modificações ou emendas introduzidos em diplomas legais no contexto da


apreciação parlamentar devem revestir a forma de lei, nos termos dos nº 2 e 5 do art. 112ºCRP.

118
Direito Constitucional II 119
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Procedimento

O procedimento encontra-se previsto no artigo 196º RAR.

Suspensão da Vigência

Se for submetido a apreciação de um decreto-lei autorizado e se forem apresentadas as


propostas de alteração a AR pode aprovar uma resolução que suspenda, no todo ou em parte,
como medida cautelar, a vigência do decreto-lei até à publicação da lei que o venha a alterar ou
até à rejeição de todas as propostas de alteração. Evita-se que o diploma produza efeitos
jurídicos precários, potencialmente prejudiciais e geradores de situações de desigualdade
desnecessária em relação ao regime legal que seja definitivamente aprovado depois de operadas
as eventuais alterações. A suspensão caduca decorridas 10 reuniões plenárias sem que a AR se
tenha pronunciado a titulo final (art.169/2 e 3 CRP).

Apreciação Parlamentar para Efeito de Cessação de Vigência

Forma do Ato de Cessação da Vigência

O ato reveste nos termos do artigo 169/4 a forma de resolução da AR.

No caso de ser aprovada a cessação de vigência do decreto-lei, este deixará de vigorar, como se
tivesse sido revogado, desde o dia em que a resolução for publicada no Diário da República e
não poderá voltar a ser publicado no decurso da mesma sessão legislativa (art.169º/4 CRP). Não
se tem por admissível que a resolução que determina a cessação da eficácia produza efeitos
retroativos.

Repristinação

A resolução deve especificar se a cessação de vigência implica a repristinação das normas


revogadas pelo diploma em causa, de modo a evitar a ocorrência de lacunas.

Em Suma…

Apreciação Parlamentar (Competência – Art.162º/c), previsto no 169ºCRP) – AR pode


fiscalizar os atos legislativos de outros órgãos, excetuando os que são realizados ao abrigo da
competência exclusiva (tanto das Assembleias Regionais como do Governo):

• Requerimento 10 deputados;
• Nos 30 dias subsequentes à publicação do decreto-lei/decreto-legislativo regional;

Com que Objetivo?

Alterar o Diploma Fazer Cessar a Vigência do


Diploma
Suspender a Vigência dos
Decretos-leis Feitos no Uso de
Autorização Legislativa

119
Direito Constitucional II 120
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Caso Prático Nº4

A AR, caso queira pode aprovar uma lei que altere, ou uma lei que revogue um decreto-lei do
Governo, ao abrigo do artigo 112/2, visto que lei e decreto-lei têm igual valor, lex posterior
derroga lei anterior. Qual o sentido útil da Fiscalização/Apreciação Parlamentar dos Atos
Legislativos?

O problema ainda pode ir mais longe, um projecto-lei não tem limite de deputados, ou seja,
basta um deputado para que seja possível apresentar um projecto de lei e pode ser feito a
qualquer altura, não tem limite temporal. Não seria mais fácil aprovar uma lei que alterasse ou
revogasse o diploma do Governo ou das Regiões Autónomas?

Resposta:

 Quanto aos que são feitos na utilização de autorização legislativa, se a AR assim o


entender, pode suspendê-los, no todo ou em parte, a vigência do decreto-lei (art.169º/2
CRP);
 A apreciação parlamentar tem prioridade na agenda do Parlamento (art.169º/6CRP);
 Este processo seria justificado atendendo à especialidade, é uma manifestação de
superioridade legislativa da AR reconhecida pela CRP que atribui, ao Parlamento,
poderes de fiscalização relativa à actividade do Governo e da Assembleia Legislativa
Regional. Enquanto o que está em causa na actividade legislativa é legislar, inovar, criar
e não fiscalizar a actividade do Governo, neste instituto é isso que é pretendido, apreciar
a actividade de outros órgãos com competência legislativa. Os deputados chamam o
decreto-lei ao Parlamento com intenção fiscalizadora. Há uma razão para a existência
do Instituto, o Governo não deixa de ter competência legislativa mas, esta, está sujeita à
apreciação parlamentar.

Todas estas respostas são um contributo mas não respondem verdadeiramente à questão. Se a
AR, em vez de optar pela aprovação de uma lei, optar pela fiscalização quais são as vantagens??

L DL L DL

Revoga Revoga Revoga

Ao abrigo do artigo 112/2, lex posterior derroga lei anterior, desta maneira, poder-se-ia abrir um
ciclo sem fim, ciclo este em que a AR e o Governo disputavam a regulação da mesma matéria,
revogando sucessivamente diplomas promulgados.

O instituto da apreciação parlamentar apresenta a solução para este problema ao referir na alínea
4, do artigo 169 que “se for aprovada a cessação da sua vigência, o diploma deixará de vigorar
desde o dia em que a resolução foi publicada no Diário da República e não poderá voltar a ser
publicado no decurso da mesma sessão legislativa.”

Se a AR em vez de recorrer ao instituto elaborar uma nova lei e revogar o decreto-lei do


Governo, o Governo pode fazer um decreto-lei que revogue a lei revogatória. O instituto
permite que a AR, de uma forma eficaz, acabe com esta cadeia revogatória, que se tornaria
interminável. Desta forma, a AR faz cessar a vigência e o G fica impedido, durante a mesma

120
Direito Constitucional II 121
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

sessão legislativa, de retomar o DL, enquanto, num processo normal, teria a possibilidade de
revogar a lei revogatória na apreciação não o pode fazer.

➢ Se a AR quiser cessar a vigência do DL, através da apreciação, fá-lo através de uma


resolução (art.166/6) – As resoluções são publicadas independentemente da publicação,
ou seja, não dependem da existência jurídica do ato. Se a AR pretender resolver logo o
problema aprova uma resolução, imediatamente publicada no Diário da República e,
deste modo, cessa a vigência, ou em termos mais corretos, impede a vigência visto que
o diploma pode ainda não estar em vigência.
➢ A revogação através de lei necessita de promulgação do decreto-lei ou decreto-
legislativo regional feito no uso de autorização legislativa. Só pode ser revogado algo
que está em vigência e, a lei revogatória, pode ser vetada pelo PR, necessitando,
posteriormente, de uma maioria qualificada para que seja afasta o veto.

Portanto, entre as muitas vantagens, poder-se-á falar:

 Na vantagem da AR fazer cessar a vigência e o G não poder retornar o diploma na


mesma sessão legislativa;
 No facto da resolução não necessitar de promulgação, sem possibilidade do PR
interferir, é mais eficaz.

Quando se trata de cessar a vigência não é preciso a aprovação de uma nova lei, basta
aprovação de uma resolução. Porém, se a AR quiser alterar o diploma terá de o fazer
através da promulgação de uma lei de alteração do DL e, esta, decorrerá com todas as
vicissitudes típicas e etapas do procedimento legislativo. Aquela solução mais eficaz tem
que ver exclusivamente com a resolução.

121
Direito Constitucional II 122
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Atividade Legislativa Regional

Autonomia Legislativa Regional ATIVIDADE


O Estado Português é definido, no artigo 6º/1 CRP, como um
LEGISLATIVA DAS
Estado unitário que respeita, na sua organização e funcionamento, REGIÕES
o regime autonómico insular. Este mesmo, é caracterizado no nº2 AUTÓNOMAS
do mesmo artigo, como um regime jurídico que só compreende
dois arquipélagos, o dos Açores e o da Madeira, regiões dotadas ➢ Atividade Legislativa das
de autonomia político-administrativa, com órgãos de governo Regiões Autónomas;
próprios e regidas por estatutos autónomos. ▪ Introdução à Autonomia
O Estado português é unitário, na medida que, sob um ponto de Legislativa Regional;
vista constitucional pressupõe uma só fonte de poder constituinte
e uma só Constituição, tendo as regiões autónomas autonomia ➢ Procedimento Legislativo
politico-administrativa disciplinadas no plano organizativo e Governamental;
funcional por leis estatutárias. Trata-se de uma categoria de lei ▪
ordinária com valor reforçado. Os estatutos são uma lei reforçada ▪
da competência da AR sob proposta das Regiões Autónomas.

Os princípios da unidade e solidariedade nacional (art.225/2 CRP)


garantem na ordem jurídica portuguesa um mínimo denominador
comum no processo de decisão politico-legislativo dotado de
relevo imediato para todos os cidadãos, o qual pode ser
assegurado por um conjunto de atos legislativos qualificados pelo
Estado (por exemplo, as leis de bases e lei de autorização
legislativa) e pela exigência que os órgãos locais não ultrapassem
a sua competência.

O Estado Português é um Estado Regional e um Estado Unitário


de Regionalização Parcial e Periférica dado que as únicas parcelas
territoriais regionalizadas politica e administrativamente, se
referem aos arquipélagos atlânticos.

Os Estados Regionais são sempre unitários, na medida em que


supõe a unicidade do poder constituinte. Porem, trocar, através de
uma revisão constitucional a expressão “Estado unitário” por
Estado Regional não faz muito sentido, tanto mais que não
retractaria com exactidão a realidade portuguesa: o Estado
Português não se encontra regionalizado no seu território
continental, mas apenas no espaço de duas regiões periféricas, não
fazendo sentido adotar denominações reducionistas, em que o
todo seja definido em razão das partes, sobretudo quando estas
representam uma pequena parcela do território e da população.
Por outro lado importa evitar injectar na Constituição conceitos
doutrinais pouco amadurecidos ou pautados por fraco consenso
político e jurídico.

122
Direito Constitucional II 123
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Distribuição Horizontal de Competências

Em termos do modelo de repartição de competências entre o Estado e as Regiões conservou-se


com a revisão de 2004 a manutenção de duas “listas” constitucionais de poderes,
respectivamente estaduais e regionais. Passou-se, com esta revisão, a atribuir expressamente aos
Estatutos, um papel central na discriminação de matérias de competência regional nas quais
incidirão os poderes legislativos autonómicos de tipo comum.

Foi, deste modo, conservada na Constituição:

▪ Uma listagem por via remissiva de matérias de competências legislativas regionais com
caráter
 Delegado (art. 227/1/b) – através de uma lei de autorização legislativa;
 Complementar (art. 227/1/c) – desenvolvimento de bases;
▪ E, ainda, uma remissão importante das restantes matérias de virtual competência
autonómica para uma terceira lista regional de natureza infraconstitucional inscrita nos
estatutos (art.227/1/a) e 228/1) a qual coexiste num universo concorrencial paralelo
com competências dos órgãos de soberania integradas numa reserva móvel. É neste
domínio de concorrência paralela que conflui em binários diferentes dentro de uma
mesma matéria, o exercício das competências regionais comuns e o exercício de
poderes soberanos. Há, contudo, que nela separar, uma esfera de poder regional e outra
esfera atribuída aos poderes do Estado.

Taxatividade da Enumeração das Matérias Respeitantes à Competência Legislativa


Regional Comum ou Primária

A taxatividade imposta da enumeração constitucional e estatutária dos poderes legislativos das


regiões decorre:

▪ Do proémio do artigo 227º CRP (“Poderes das Regiões Autónomas”), confirmado pelo
nº1 do art.228 (“A autonomia legislativa das Regiões Autónomas incide sobre as
matérias enunciadas no respectivo estatuto politico-administrativo que não
estejam reservadas aos órgãos de soberania”), ora, semelhante fórmula não deixa
grande margem para o exercício de poderes legislativos de tipo comum fora do limite
positivo e negativo do estatuto.
▪ Supressão da antiga alínea o) do artigo 228º que permitia expressamente legislar fora
das listagens constitucional e estatutária.

Um ato legislativo que não se encontre previsto nas alíneas b) e c) ou que se encontre fora da
previamente definida como de âmbito regional de estatuto será organicamente
inconstitucional.

Com a revisão constitucional de 2004 a alínea a) do 227/1 conjugada com o nº1 do artigo 228º
passou a remeter para os estatutos o elenco de matérias de âmbito regional submetidas ao
exercício da competência regional comum ou primária eliminando-se a regra que conferia
carater exemplificativo à enumeração estatutária e ficando pressuposta a sua taxatividade.

123
Direito Constitucional II 124
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O professor Blanco de Morais considera inconstitucional a inclusão, no estatuto, de uma


cláusula aberta, ou seja, de uma norma que habilitasse a região a legislar sobre outras matérias
indeterminadas não previstas no elenco estatutário. Seria inconstitucional porque as regras
estruturantes de repartição de competências legislativas entre o Estado e as regiões repousam na
Constituição e não nos estatutos (artigo 110/2CRP – “A formação, a composição, a
competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição”).

Os estatutos, de acordo com o artigo 227/1, definem o objecto, a extensão material dos poderes
legislativos regionais previstos na própria constituição (configurando e densificando o âmbito e
até aspectos da extensão especifica do exercício desses poderes) mas não estão
constitucionalmente autorizados a aditar novas normas retoras da distribuição de competências
que não derivem da Lei Fundamental.

Na medida em que o artigo nº1 do artigo 228º CRP determina que a autonomia legislativa
regional incide sobre as matérias enunciadas no estatuto, não podem as leis estatutárias
ultrapassar a sua função normativa de fixação e de definição de âmbito dessas matérias, para
passarem a arrogar-se à função de norma habilitante do exercício de poderes legislativos
regionais sobre matérias indeterminadas, à semelhança do que fazia a antiga alínea o) do artigo
228º CRP, suprimida na ultima revisão constitucional.

Uma norma deste tipo seria inconstitucional por padecer do vicio de desvio do poder. Por
outras palavras, ao assumir-se como uma norma habilitante do exercício da competência
regional comum sobre matérias indeterminadas do universo constitucional e não como
norma dotada da função de especificação dessas mesmas matérias (tal como é imposto
pelos atigo 227/1 e 228) essa disposição violaria o fim constitucional preciso que estas
normas constitucionais assinam aos estatutos quanto ao exercício desse tipo de
competência regional, prosseguindo sem credenciação apropriada, fins públicos de ordem
diversa. E, ainda seria de questionar a própria teleologia do artigo, tendo em conta que
essas normas seria meramente exemplificativas qual seria a necessidade de aprovação por
maioria de dois terços (art.168/6/f)) das normas que as consagram?

Em relação a uma questão semelhante que se colocou com o ESPARAA, o TC determinou


que “…pelo seu teor irrestrito e indeterminado, com total omissão de qualificações materiais
delimitadoras, ela não atinge o grau de densificação constitucionalmente exigível. Temo-la
ferida por inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 112º/4, 227/1/a) e 228/1
CRP”.

O estatuto completa, assim, o quadro constitucional de distribuição de competências tendo, na


enumeração de matérias da competência regional que não sejam atribuídas na CRP caráter
taxativo.

Em sentido oposto está a posição adotada pelos professores Jorge Miranda e Rui Medeiros, que
julgam a dita “clausula residual” constitucional.

De acordo com o artigo 227/1 CRP, as competências complementares, delegadas e mínimas


devem ser definidas nos estatutos. Considera-se, contudo que a sua caracterização
constitucional é suficientemente precisa para serem imediatamente exequíveis,
independentemente de figurarem ou não em normas estatutárias. Por conseguinte, estima-se que
a regra do artigo 228/1, devendo ser conjugada com as primeiras alinhas do nº1 do 227 CRP,

124
Direito Constitucional II 125
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

valerá exclusivamente para as competências comuns, as quais não se encontram enumeradas


na Constituição. E que, se as competências complementares e delegadas previstas em
“listagem constitucional” não forem reproduzidas nos estatutos, tal não obstará a que
sejam exercidas a partir das normas constitucionais que as consagram (112/4 CRP).

Eliminação Oportuna das Leis da República

O regime instituído pela revisão constitucional de 2004, permite concluir que as matérias do
hemisfério concorrencial paralelo que incidiam sobre domínios enumerados nos estatutos como
sendo de âmbito regional continuam a ser disciplinadas por decretos legislativos regionais ao
abrigo de competências legislativas comuns. Só que, no plano qualitativo, o exercício dessas
competências comuns, alterou-se no sentido do reforço da liberdade conformadora do legislador
regional, ampliando-se a densidade reguladora, a capacidade inovatória das leis autonómicas e o
“quantum das matérias disponíveis”.

Cláusulas Gerais: “Âmbito Regional” e Reserva Móvel de Competência dos Órgãos de


Soberania

Para o efeito dessa separação ou delimitação, torna-se relevante o uso de limites À competência
regional sediados em cláusulas gerais (“âmbito regional”, “reserva de competência dos órgãos
de soberania” na sua variante móvel ou expressa).

Através de um critério material, e no respeitante às competências comuns ou “primárias”, existe


no ordenamento português uma listagem explicita de matérias reservadas aos órgãos soberanos
do Estado (e vedada ao exercício de competências regionais, salvo algumas respeitantes a
matérias delegáveis) e um domínio de matérias remanescentes integradas numa esfera
concorrencial paralela, na qual as regiões podem legislar em determinados “âmbitos materiais”
previstos na constituição ou elencados nos estatutos.

Será neste âmbito material paralelo que se insere uma cláusula geral valorativa, que nada mais é
do que uma cláusula de competência móvel para a repartição de poderes legislativos entre o
Estado e as Regiões em relação a cada matéria: de um lado sedia-se um domínio material
respeitante ao âmbito regional; de outro, um âmbito material integrado numa reserva implícita
dos órgãos de soberania.

Negar a existência de uma repartição horizontal, será negar no ordenamento português a


existência de uma arquitectura constitucional de repartição de poderes legislativos entre o
Estado e as regiões, o que seria inverosímil.

A Substituição do “Limite Especifico” por “Interesse Regional”

A revisão de 2004 extinguiu este conceito, cessando um conceito indeterminado que permitia à
Justiça Constitucional invalidar diplomas regionais que não dispusessem sobre matérias que
apenas ocorressem na região ou que aí tivessem uma especial configuração. A grande maioria
das declarações de inconstitucionalidade fundaram-se no vicio da inconstitucionalidade
orgânica por violação do interesse especifico.

Doravante, as regiões passam a legislar de acordo com o interesse regional como novo critério
de delimitação competencial.

125
Direito Constitucional II 126
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Entre lei geral do Estado e uma lei especial da região que, no universo das matérias
concorrenciais, vier disciplinar a mesma matéria, a administração autonómica deve dar
preferência aplicativa, em nome do principio da especialidade, à lei regional.

O conceito “Interesse Regional” comporta um elemento espacial e um elemento


substancial, dado aludir fundamentalmente à projecção de uma matéria no âmbito
geográfico ou espacial de uma região.

Por exemplo, legislação relacionada com o turismo, deve decompor-se, sob um ponto de vista
legislativo, numa esfera geral de incidência estadual e numa esfera especial de caráter regional,
sendo as mesmas reguladas por leis distintas. Apenas se a lei regional for revogada sem
substituição ou se ostentar lacunas é que a lei geral aprovada pelo Estado poderá aplicar na
região, já que é aí que vigora supletivamente (art.228/2).

Esta solução visa tutelar bens jurídicos dos cidadãos locais, pelo seu caráter de especialidade.
Pode ser necessário invocar o principio da unidade e solidariedade nacionais (art.225/2CRP)
quando esta protecção do interesse regional se projecta indiretamente no plano nacional em
prejuízo dos princípios da unidade e solidariedade nacionais, comprometendo nomeadamente, o
gozo ou fruição desses mesmo bens pelos cidadãos residentes noutras partes do território.

Para tentar densificar cláusula geral de “interesse regional” o TC esclareceu:

▪ Que se relaciona com as matérias que digam respeito às regiões autónomas;


▪ Que é definido em função de especial configuração que as matérias assumem na
respectiva região;
▪ Que o critério geográfico deveria ser completado por um critério material, ou seja, as
leis regionais não podem afetar a ordem jurídica nacional “atenta as pessoas envolvidas
e os interesses e valores em jogo”.

Por outras palavras, mesmo que o ato legislativo regional se aplique apenas na região, de acordo
com o critério geográfico, violará o limite configurado pelo âmbito regional caso se projecte
sobre interesses e fins qualificados de ordem geral e unitária prosseguidos pelos órgãos de
soberania, sendo para o efeito irrelevante que a matéria não figure expressamente na reserva de
competência dos mesmos órgãos.

O Limite da Reserva de Competência Implícita dos Órgãos de Soberania

A alínea a) do artigo 227º/1CRP veda às regiões o poder de legislarem sobre matérias


reservadas aos órgãos de soberania.

Ficam fora da competência regional matérias que abarquem o interesse unitário/nacional. Desta
forma, mesmo atos legislativos regionais que incidam em matérias de interesse regional mas
que indirectamente se projectem no interesse nacional, serão inconstitucionalmente orgânicos.

Relativamente a cada matéria da esfera de uma concorrência paralela ou complementar,


entre Estado e Regiões, existem dois âmbitos, um Estadual e outro Regional, cuja
delimitação é operada através do recurso à convocação e harmonização de medidas de
valor como o conceito de âmbito regional e os princípios da unidade e solidariedade
nacionais que sustentam o recorte da reserva soberana. E, na verdade se uma dada
disciplina exceder os limites espaciais ou materiais do âmbito regional enfermará de

126
Direito Constitucional II 127
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

inconstitucionalidade orgânica por invasão de uma reserva (móvel) de competência dos


órgãos de soberania cujas fronteiras são recortadas por Cláusulas Gerais fixadas na
Constituição.

Por outras palavras, não há só uma reserva expressa ca competência dos órgãos de soberania,
existe, também, uma reserva implícita, onde se apela a um critério material e ao principio da
solidariedade e unidade.

Síntese sobre o Modelo de Repartição Horizontal de Competências Vigente

O modelo apresentado é de tal modo complexo e indeterminado que se torna muito difícil
delimitar os poderes legislativos entre os órgãos de soberania e as regiões.

São de destacar alguns pontos:

1. Listagem – Verifica-se a existência de 3 listas de enumeração de matérias sobre as


quais recaem competências legislativas:
▪ Lista Constitucional de competências expressas da AR (art. 161, 164 e 165
CRP);
▪ Lista Constitucional de matérias de competência regional necessariamente
enumeradas nos estatutos politico-administrativos previstas em várias
disposições do art. 227 CRP.
▪ Uma terceira lista de matérias de competência regional necessariamente
enumeradas nos estatutos politico administrativos (art.227/1/a) e 228/1).
2. Concorrência Paralela – Concorrência paralela entre os órgãos de soberania e as
regiões autónomas, em que cada poder regula um âmbito da mesma matéria, valendo,
em regra as leis autonómicas para o espaço regional. Essa concorrência paralela opera
igualmente no desenvolvimento de leis de bases de órgãos de soberania por parte das
regiões.
3. Cláusulas Gerais – Existe uma insuficiência de listagem. É, por isso, necessário
recorrer a cláusulas gerais de competência, onde se destaca o âmbito regional e a
supletividade do direito estadual.
▪ “Âmbito Regional” (cláusula competencial móvel) – A competência
Legislativa não se tem por adquirida se um diploma autonómico incidir sobre as
matérias atinentes à alínea c) do nº1 do art.227 ou às matérias enumeradas nos
estatutos. Se a lei regional exceder o limite geográfico ou incidir sobre
interesses gerais de relevo para todos os cidadãos ou interesses ou bens
jurídicos atribuídos a outros entes não regionais ela será organicamente
inconstitucional.
▪ Supletividade da Lei Estadual – As leis da esfera concorrencial paralela dos
órgãos soberanos da República podem aplicar-se a todo o território regional,
pese o facto de nas regiões essa aplicação ser supletiva (art.228/2CRP), o que
significa que nesse espaço autonómico os diplomas regionais, desde que
existam, têm aplicação preferencial sobre as leis estaduais que rejam a mesma
matéria.

127
Direito Constitucional II 128
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Definição Vertical de Competências Legislativas Regionais

A distribuição vertical de poderes reporta-se às modalidades de competências legislativas que as


regiões podem exercer numa relação de observância com os limites de natureza unitária que as
vinculam.

Verifica-se, por um lado, os parâmetros da legislação autonómica que se retiram do processo de


distribuição horizontal dos poderes e que se combinam com outros limites próprios da
distribuição vertical e eu resultam da projeção da hierarquia material de certas leis estaduais.

Assim, cada competência legislativa regional encontra-se pautada por limites gerais (por
exemplo, o âmbito regional) e por limites específicos (por exemplo, o respeito por leis
parâmetro).

A Competência Legislativa Comum

A competência do poder legislativo das RA encontra-se previsto nos artigos 227/1, 228/1 e
112/4.

Os decretos legislativos regionais aprovados ao abrigo deste tipo de competência devem incidir
sobre matérias enumeradas nos estatutos politico-administrativos, devem conter-se no
âmbito regional e devem, ainda, respeitar a reserva explicita ou implícita de competência dos
órgãos de soberania.

A competência legislativa comum ou primária exerce-se respeitando os seguintes critérios:

 As regiões podem legislar apenas no “âmbito regional” (art.112/4) decantado nas


matérias enumeradas no correspondente estatuto politico-administrativo;
 Essas matérias disponíveis à regulação regional não podem invadir a reserva de
competência dos órgãos de soberania;
 Existindo fenómenos de confluência legislativa em domino territoriais e substanciais da
mesma matéria, verifica-se que os decretos legislativos regionais disciplinam um
domínio parcelar da mesma, que corresponde ao âmbito regional;
 A situação descrita tanto pode implicar uma sobreponibilidade material, em que a
mesma questão é regulada na região por lei regional e no Continente por lei estadual
como pode supor uma situação em que só possa ser regida por lei Estadual, pelo facto
da situação regulada deter relevância imediata para todos os cidadãos ou repercutir-se
sobre entes ou interesses não regionais;
 Se é certo que a forma concreta como o âmbito de uma dada matéria atribuída ao poder
legislativo regional por se encontrar definida no estatuto pode assegurar uma maior da
garantia do exercício dos poderes regionais contra legislação estadual excessivamente
densa ou intrusiva, certo é, também, que essa densificação estatutária deverá, ela
própria, ser compatível com a noção constitucional de “âmbito regional”, não
consistindo a enumeração estatutária uma salvaguarda absoluta em relação à contenção
de cada diploma no limite positivo representado pelo referido âmbito;
 As leis do Estado podem dispor em geral para todo o território, não sendo por esse facto
organicamente inconstitucionais com fundamento em invasão de domínios reservados à
competência regional, devendo, antes, aplicar-se nas regiões, como direito supletivo ou
subsidiário (art.228/2CRP).

128
Direito Constitucional II 129
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

 A aplicação subsidiária do direito dos órgãos de soberania terá lugar:


▪ Sempre que as assembleias legislativas regionais não fizerem uso do seu poder
legislativo;
▪ Caso se verifique a revogação não substitutiva ou a caducidade de diplomas
regionais em domínio que requeiram regulação;
▪ Sempre que numa dada disciplina legislativa regional se registarem vários
vazios regulatório e lacunas em leis regionais.

Se é um facto que um decreto legislativo regional comum que incida numa matéria de âmbito
regional enumerada num estatuto passa assumir em caráter tendencialmente primário ou
inovatório (deixando de respeitar as normas interpostas conformadas pelos póstumos princípios
fundamentais de leis gerais da República e limitando-se a observas a Constituição) o facto é que
essa primariedade, em tese, pode vir a ser posta em causa por uma lei de bases editada
supervenientemente pelo Governo ou pela AR.

Constitui competência da ALR (art 227/1/c)) desenvolver par ao âmbito regional os princípios e
as bases gerais.

Na opinião do professor Blanco de Morais, caso a AR aprove uma lei de bases para todo o
território, em matéria concorrencial entre o Estado e as coletividades insulares, os atos
legislativos regionais deverão observar essas bases gerais sob pena de ilegalidade (112/2 e 3 e
281/1/b)).

A haver um decreto legislativo regional que colida com bases gerais em legislação estadual
superveniente, o legislador autonómico deve alterá-lo de forma a harmonizar o seu conteúdo
com as normas paramétricas dessa lei subordinante, desaparecendo nessa coexistência material
de disciplinas normativas estadual e regional, o caráter primário ou exclusivo da lei autonómica.

A doutrina diverge quanto a esta questão. Num sentido diverso do exposto, há quem defenda
que, no caso das bases da esfera concorrencial, as assembleias legislativas das regiões poderiam
optar entre invocá-las e desenvolvê-las numa relação subordinada ou, ao invés, prescindir delas
e assumir no âmbito regional, a totalidade da regulação da correspondente matéria (solução
semelhante à que ocorre com o G).

O professor Blanco Morais coloca algumas reservas, na medida em que:

 A concorrência legislativa entre o Parlamento e o Governo é de tipo alternado (ato


legislativo posterior derroga lei anterior) enquanto que a concorrência entre os órgãos
legislativos do Estado e das regiões é paralela (as respetivas leis fluem na mesma
matéria em âmbitos distintos e móveis que se lhes encontram implicitamente
reservados, não se podendo revogar ou derrogar reciprocamente) pelo que a analogia
não parece ser admissível.
 A faculdade do Governo emitir decretos-leis de bases ou revogar leis de bases funda-se
na alínea a) do artigo 198/1. A competência regional de desenvolvimento de bases não
se centra em disposição igual à desse artigo, antes se reconduzindo ao 227/1/c) que não
distingue as reservas de base parlamentar em relação às bases da área concorrencial.
 O Governo quando legisla numa matéria onde pontifiquem bases gerais da AR num
domínio de concorrência alternada, pode validamente revoga-las no todo ou em parte e
ignorá-las editando um regime de conteúdo diverso; já ás regiões, está vedada a

129
Direito Constitucional II 130
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

revogação de lei do Estado, tao pouco a possibilidade de as inobservar na medida que


tal parece contrariar o artigo 227/1/c) e o 112/2, o qual impõe aos diplomas regionais
uma vinculação aos princípios e bases gerais dos regimes jurídicos sem exceção (o
preceito não distingue as bases de reserva parlamentar das da esfera concorrencial);

O EPARAA esclareceu no seu artigo 38 que a “Assembleia Legislativa pode optar por
desenvolver, para o território regional, os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos
neles contidos, nos termos do presente artigo ou, em alternativa, exercer a competência
legislativa própria”

Isto significa que a legislação regional poderá optar por invocar uma lei de bases estadual da
área concorrencial para a desenvolver ou, em alternativa, não a invocar e dispor de forma
contrária ao âmbito regional.

Na opinião do professor Blanco de Morais, o estatuto excedeu o seu escopo de norma de


definição do objeto e âmbito das matérias de competência regional comum, violando a reserva
de estatuto.

As Competências Delegadas

Objeto das Autorizações Legislativas das Regiões

Os pressupostos constitucionais das autorizações legislativas permitem Às regiões aceder a


algumas matérias da reserva relativa de competência da AR prevista nos artigos 165º CRP,
mediante a delegação legislativa parlamentar, o que, na generalidade, representou um acréscimo
de poderes, sobre matérias de indiscutível relevo politico.

Estas autorizações legislativas permitem a disponibilização às regiões de algumas áreas de


competência expressa dos órgãos de soberania.

Contudo, muitas das matérias integradas na reserva relativa da AR não se encontram


disponibilizadas às regiões. De acordo com a alínea b) do artigo 227/1, por força de remissão
para o artigo 165, excluem-se um conjunto de alíneas deste mesmo artigo que não podem ser
objecto de autorização legislativa.

Inclusão de Bases Gerais Reservadas à Assembleia da República no Objeto da


Autorização Legislativa

O legislador acabou por optar pela inclusão de certas matérias de função unitária e servidas por
leis de escopo soberanista no campo dos domínios que são passiveis de delegação legislativa
nas regiões. Por exemplo, das bases sobre a protecção da natureza (alínea g) ou bases da politica
agrícola (alínea n).

Se as assembleias legislativas das regiões, ao abrigo da alínea c) do 227/1, dispõem da


competência para o desenvolvimento dessas bases e regimes gerais, contidos em leis dos órgãos
de soberania, qual o sentido de poderem, elas próprias, aprovar bases gerais sobre essas
matérias, mediante “decretos legislativos regionais dos princípios” autorizados e circunscritos
ao âmbito regional? Qual o sentido de os parlamentos regionais aprovarem leis regionais de
bases que elas próprias irão desenvolver?

130
Direito Constitucional II 131
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Na opinião do professor Blanco de Morais esta situação parece ser chocante porque as bases
constituem um denominador comum unitário de uma politica publica.

À luz do principio da especialidade, uma norma contida na lei de bases estadual aplicável a todo
o território, apenas poderá revogar um decreto legislativo regional de bases autorizado e não um
decreto-legislativo, feito no uso de autorização legislativa, de bases.

A haver leis de bases aprovadas pelas Assembleias Legislativas Regionais tem de ser em
matéria reservada (Estatutos nada dizem sobre a questão).

Situações de insegurança jurídica crítica podem ocorrer no caso dos decretos legislativos
regionais de bases regularem, de acordo com o objecto da lei de autorização, apenas algumas
das matérias regidas primitivamente por uma lei estadual que aprove as bases gerais dos regimes
jurídicos. Ter-se-á, assim, o mesmo decreto legislativo regional de desenvolvimento a
concretizar leis de bases estaduais e leis de bases regionais vigentes sobre a mesma matéria.

Parece muito pouco inteligível que o Estado se despoje de um instrumento importante de


realização positiva do principio da unidade e solidariedade nacional, “amigo das autonomias”.

Dir-se-á que o Estado logra conservar a sua proeminência através das leis de autorização
legislativa cujos limites podem ser, em tese, ainda mais detalhados e precisos do que as
directrizes das leis de bases. Se isto acontecer vai haver uma cadeia imensa, as leis de
autorização legislativa passam a atuar como verdadeiras leis de bases que vinculam outras leis
de bases (regionais) e estas os diplomas regionais de concretização. A existência de dois níveis
de parametricidade complica em vez de agilizar e aumenta a hipótese da existência de vícios no
plano da invalidade normativa.

É, ainda, de questionar a razão de ser da existência de decretos legislativos regionais de bases


em territórios de reduzida dimensão como os arquipélagos insulares, em que o próprio órgão
que aprova as base (ALR) é o mesmo que procede, necessariamente, ao seu desenvolvimento.

Trâmites e Vicissitudes da Autorização Legislativa

Nos termos do artigo 227/2, integra o critério da clausula da junção, ou seja, as propostas e lei
de autorização devem ser acompanhadas de um anteprojecto do decreto legislativo regional a
autorizar, o que representa um forte condicionamento do processo de delegação. As leis
delegantes devem conter os mesmos requisitos típicos das leis de autorização legislativa (art.
165/2 e 3). Deste modo, considera-se que o legislador não se encontra vinculado a editar uma
normação legal idêntica à do anteprojecto, contanto que o diploma legal por si aprovado se
contenha nos limites da autorização. O anteprojecto constitui apenas uma formalidade
instrutória de natureza obrigatória que permite ao legislador estadual balizar os parâmetros da
delegação legislativa requerida pela região.

As autorizações caducam com o termo da legislatura ou a dissolução da AR ou da assembleia


legislativa da região a que tenham sido concedidas (art.127/3). Os decretos legislativos
regionais autorizados devem invocar a correspondente lei de autorização e podem, ainda, ser
sujeitos a apreciação da AR (art.169ºCRP), para efeitos de cessação da vigência. Considera-se
que não seria admissível que a apreciação parlamentar envolva alterações, já que tal implica
uma intromissão constitutiva do Estado no exercício de uma competência reservada às regiões,

131
Direito Constitucional II 132
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

devendo entender-se que a aplicação do artigo 169º CRP às leis regionais delegadas, ao
operar com “necessárias adaptações” envolve a exclusão da possibilidade da apreciação
parlamentar com emendas.

Sendo a AR o órgão normalmente competente e titular primário das competências delegadas nas
regiões e sendo o presente instituto uma autorização legislativa e não uma transferência de
poderes, entende-se que o Parlamento pode alterar a lei de autorização antes de a mesma ter
sido esgotada e revogar o diploma autorizado, no quadro de uma avocação de poderes,
idênticas ao que sucede com as autorizações legislativas do Governo.

Considera-se, no entanto, que não poderá alterar o diploma regional. Na verdade, uma coisa será
avocar os poderes delegados e proceder ao seu exercício pleno e outra, modificar o diploma
regional, descaracterizando-o e procedendo a uma estatização parcial de uma disciplina jurídica
regional. O modelo de distribuição e repartição de competências entre o Estado e regiões revela
ser incompatível com leis mistas, editadas pelas regiões no âmbito regional e alteradas pelo
Estado no uso de uma espécie de tutela correctiva.

Se a AR revogar os decretos legislativos regionais por ela autorizados, deve fazê-lo


expressamente, a simples emissão de legislação geral pela mesma Assembleia que seja
superveniente não supõe a revogação deste, nos termos do principio da especialidade que
determina que lei geral não revoga lei especial. Pode é assumir natureza de normação legal
supletiva.

A Competência Complementar

A alínea c) do artigo 227/1 refere a competência para o desenvolvimento de leis de bases e leis
de enquadramento.

É possível, em abstracto, o desenvolvimento para o âmbito regional de qualquer base geral, sem
aceção de matéria, abrangendo em tese, quer as áreas concorrenciais quer os domínios da
reserva absoluta ou relativa da AR, quer ainda matérias cobertas por decretos legislativos
regionais de bases.

Haverá a considerar as seguintes leis parâmetro:

• Leis de bases da reserva dos órgãos de soberania de alcance geral e aplicáveis a


todo o território nacional;
• Leis de bases respeitantes a matérias não reservadas aos órgãos de soberania, com
âmbito geral;
• Decretos Legislativos regionais de bases, nomeadamente os habilitados por uma lei
de autorização legislativa.

O artigo mencionado permite o desenvolvimento de bases em todas as matérias relativamente às


quais estas sejam passiveis de edição, nomeadamente, as matérias de reserva absoluta.

O professor Blanco de Morais refere que se deve ter alguma atenção quando o desenvolvimento
de uma lei de bases coloca em causa o “âmbito regional” (por exemplo, no caso das “bases
gerais da organização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças
Armadas”.

132
Direito Constitucional II 133
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

As Competências Residuais ou Mínimas

Trata-se das faculdades legislativas directamente exercitáveis a partir de diversas alíneas do


227/1CRP.

A Competência Relativa à Transposição de Diretivas Comunitárias

O artigo 112/8 permite às regiões transpor mediante decreto legislativo regional, directivas
situadas em matérias fora da reserva de competência dos órgãos de soberania que sejam
reconhecidas, através das listagens constitucional e estatutária, como fazendo parte do âmbito
regional, não garante a transposição regional de todas as directivas sujeitas a transposição na
ordem jurídica portuguesa.

As directivas podem ser transpostas no âmbito da:

• Competência Legislativa Regional Comum (matérias estatutárias);


• Competência Mínima (matérias avulsas enumeradas na Constituição);
• Competência Delegada (dependem de LAL);
• Competência Complementar (não é frequente);

Síntese Sobre as Relações Entre Atos Legislativos

Os tribunais devem, de acordo com o critério da especialidade articulado com o critério da


competência, dar aplicação preferencial, nas regiões autónomas, à lei que contenha uma
disciplina particular e cuja esfera de aplicação se circunscreva necessariamente ao âmbito das
regiões, sendo essa lei, o decreto legislativo regional. Em consequência, a lei do Estado terá a
sua eficácia bloqueada ou suspensa nas regiões sempre que tiver preferência um decreto
legislativo regional sobre a mesma matéria. Contudo, nos termos do nº2 do artigo 228º CRP, a
lei estadual vigorará supletivamente nas regiões e poderá ser aplicável na falta de legislação
regional (caso de não emissão de legislação autonómica, caducidade, revogação puramente
supressiva ou declaração de invalidade sem repristinação de diplomas regionais antecedentes).

133
Direito Constitucional II 134
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

As Alterações à Constituição: Classificação Proposta

Qualquer Constituição quando é aprovada tem uma ambição de


perdurar no tempo e, por isso, tem de se adaptar às novas
AS ALTERAÇÕES À
necessidades, necessidades estas que não existiam no momento de CONSTITUIÇÃO
aprovação. Tem de sofrer alterações (vicissitudes constitucionais).
Existem várias tipologias: ➢ Vicissitudes Constitucionais;

 Ter em conta o respeito da Constituição; ➢ Modificação e Processo;


 Ter em Conta o alcance material da alteração;

De entre os vários critérios de classificação das alterações à


Constituição, a regência optou por um que tem em conta, de um lado,
o carácter supremo do poder constituinte originário e, de outro, a
relevância da Constituição material na ordem jurídica de uma
comunidade e na sua vida política.

Assim, tendo em conta o carácter supremo do poder constituinte


originário, considera-se primariamente o modo como a alteração
constitucional se processa e, mais precisamente, distingue-se entre
vicissitudes constitucionais consoante respeitam ou não as regras
instituídas pelo poder constituinte originário para a alteração da
Constituição.

Por outro lado, tendo em conta a relevância da Constituição na vida


política de uma comunidade, relevar-se-á o alcance material das
alterações à Constituição na ordem jurídica, isto é, as
consequências substanciais que as alterações provocam na ordem
constitucional.

De acordo com estes dois critérios, distingue-se em primeiro lugar,


quanto ao modo como a alteração é feita, entre alteração expressa
e alteração tácita e, em segundo lugar, entre reforma da
Constituição e ruptura da Constituição.

A alteração expressa, por exemplo uma revisão constitucional, tem


na sua génese uma intenção de modificação da norma constitucional
e traduz-se, em geral, na alteração do próprio texto. Já a alteração
tácita, resultando praticamente em modificação do sentido
normativo da Constituição, não teve na sua génese uma intenção
abertamente proclamada de alteração. Será o caso de
modificações ou de mutações que resultam do costume
constitucional ou da interpretação jurídica das anteriores
normas constitucionais.

Por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos sofreu profundas


alterações desde a sua aprovação. Estas alterações foram feitas com o
mesmo texto. Houve escravatura, durante muito tempo, com a
vigência da actual constituição e, hoje, com a mesma constituição

134
Direito Constitucional II 135
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

isso é inadmissível/inconstitucional. Outro exemplo, durante muito tempo a homossexualidade


foi criminalizada, hoje em dia, é uma exigência do principio da dignidade da pessoa humana.
Foram sendo feitas várias alterações tácitas que resultaram, sobretudo do costume constitucional
e da interpretação das normas constitucionais. Estas alterações tácitas tiveram inerente uma
interpretação dos princípios constitucionais subjacentes

Por sua vez, nas vicissitudes expressas (existe uma intenção expressa de alteração
constitucional) podemos distinguir:

 A Reforma Constitucional, que é uma alteração da Constituição que se processa de


acordo com as regras previstas pela própria Constituição para a sua modificação;
 A Rutura Constitucional, que é uma alteração da Constituição que não observa,
que desrespeita, as disposições constitucionais respeitantes à alteração da
Constituição (feita à margem do processo previsto na constituição).

Por exemplo, com a revolução do 25 de Abril houve uma Rutura Constitucional, havia uma
constituição, a Constituição de 1933 que dispunha da forma como podia ser alterada e foi feita
uma alteração de acordo não com o que nela estava previsto (ou seja, a CRP deixou de vigorar
por uma rutura e não pelo processo previsto).

Considerando o factor substancial (alcance material da alteração), podemos subdividir a


reforma constitucional em duas grandes vicissitudes (ambos feitos de acordo com o
processo):

 A revisão constitucional – é uma alteração parcial da Constituição que tem em vista


manter em vigor, conservar, a mesma Constituição, sendo que, para isso, se faz a sua
adaptação às novas condições ou aos novos objectivos, alterando alguns aspectos, mas
mantendo em vigor o cerne da Constituição material. A Constituição é a mesma nos
seus elementos essenciais, pode até verificar-se a alteração de muitos artigos mas
quanto aos traços essenciais é a mesma (sistema de governo/forma de governo/…).
Discute-se se a nossa constituição actual é a mesma de 1976. A resposta só pode ser
positiva, o sistema eleitoral, a forma de Estado, o Tipo Histórico de Estado e o Sistema
de Partidos são os mesmos, mantêm-se iguais. Apesar das 7 revisões a Constituição
continua a ser a mesma, foram alterados aspectos parcelares mas os aspectos essenciais
permanecem.
 A transição constitucional - é uma reforma da Constituição que, na medida em que
produz alterações profundas e globais na ordem jurídico-constitucional, acaba por
ter como consequência o surgimento de uma nova Constituição material.

Ambas são alterações que se processam de acordo com as regras estabelecidas na Constituição,
mas as consequências que produzem na ordem jurídica são substancialmente diversas: a revisão
constitucional conserva a Constituição vigente, a transição constitucional dá origem ao
surgimento de uma nova Constituição mas em ambos os casos é feito de acordo com o
modo previsto na Constituição.

Por exemplo, o caso Espanhol e Português, ambos viviam sob um regime ditatorial, o processo
como se chegou ao Estado de Direito foi distinto, Portugal foi pela via revolucionária, Espanha
foi através de uma transição constitucional (reforma da Constituição é feita com uma alteração

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Direito Constitucional II 136
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

tao profunda que altera os seus elementos essenciais, é feito de acordo com as normas
previstas).

Imagine-se que em 1980 não tinha sido aberto o processo de revisão constitucional, não
havendo revisão os militares iriam ser mantidos no poder (deixaria de ser transitório para passar
a ser permanente).

Existiria, neste caso, uma transição democrática mesmo sem ter havido uma revisão do texto
constitucional.

Considerando agora, sob a mesma perspectiva substancial, a ruptura constitucional (altera-se


sem respeitar as regras constitucionais), podemos também distinguir três tipos de ruptura, em
função das maiores ou menores consequências substanciais que provocam na ordem jurídico-
constitucional:

 A Revolução, considerada aqui como fenómeno jurídico, é uma ruptura global da


ordem constitucional, com substituição integral, tendencialmente violenta, da
Constituição formal e material por uma nova Constituição.
 A Rutura Revolucionária - é uma ruptura parcial da ordem constitucional, afectando,
pelo menos, alguns aspectos relevantes da Constituição material até então em vigor,
podendo dar ou não origem a uma nova Constituição.
 A Rutura Não Revolucionária – É um rutura parcial na ordem constitucional, mas que
não produz alterações sensíveis na Constituição material vigente, e, como tal, não dando
origem a uma nova Constituição, pelo menos uma nova Constituição em sentido
material.

Constituição Rígida – Para serem alteradas prevêem alguns processos/requisitos (limites de


revisão) – requisitos que se exigem não são os mesmos para aprovar uma lei ordinária.

Constituição Flexível – Revisões são feitas através do processo normal de aprovação de uma
lei no Parlamento, não há distinção entre lei constitucional e ordinária.

Modificações Constitucionais em Geral (Jorge Miranda)

Se as constituições são elaboradas com uma intenção de perdurar no tempo, nenhuma


constituição que vigore por um período mais ou menos longo deixa de sofrer alterações, para se
adaptar às circunstâncias dos novos tempos ou para acorrer a exigências de solução de
problemas que podem nascer até à sua aplicação.

Nenhuma constituição se esgota no momento da sua criação.

Uma maior plasticidade interna da Constituição pode ser condição de maior perdurabilidade e
de sujeição a modificações menos extensas e menos graves, mas o fator decisivo não é esse: é a
estabilidade ou a instabilidade politica e social dominante no país, é o grau de
institucionalização da vida colectiva que nele se verifica, é a cultura politico-constitucional, é a
capacidade de evolução do regime jurídico.

136
Direito Constitucional II 137
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Rigidez e Flexibilidade Constitucionais

Diz-se rígida a Constituição que para ser revista exige a observância de uma forma particular
distinta da forma seguida para a elaboração de leis ordinárias. Diz-se flexível a Constituição em
que são idênticos o processo legislativo e o processo de revisão constitucional, aquela em que a
forma é a mesma para a lei ordinária e para a lei de revisão constitucional.

A faculdade formal de constituição destina-se a impedir que a Constituição seja flanqueada ou


alterada fora das regras que prescreve. A rigidez nunca deverá ser, pois, tal que impossibilite a
adaptação a novas exigências politicas e sociais: a sua exata medida pode vir a ser, a par da
flexibilidade, também ela uma garantia da Constituição.

A constituição flexível não se define senão pelo objecto: a regulamentação do poder político. A
constituição rígida distingue-se das leis ordinárias pela forma, mais ou menos solene, e pelo ato
ou conjunto de atos em que se traduz a necessidade de sua garantia: a revisão constitucional.
Consegue-se, assim, estabelecer uma fronteira precisa entre matéria e forma constitucionais. Se
se optar por um sentido material de Constituição, é norma constitucional aquela que respeita
certo objecto, com dispensa de qualquer forma adequada. Se se opta por um sentido formal,
entra na Constituição qualquer matéria, desde que beneficie da forma constitucional de revisão.

De qualquer maneira não se deve confundir, são duas classificações distintas.

Pode haver inconstitucionalidade em Constituição flexível.

A Revisão Constitucional e o Seu Processo

Nenhuma Constituição deixa de regular a sua revisão seja expressa seja tacitamente.

Em geral, é regulado de maneira expressa, ora em moldes de rigidez ora em moldes de


flexibilidade.

O processo de revisão pode ou não ser idêntico ao primitivo processo de criação da


Constituição. Se é uma assembleia legislativa ordinária a deter faculdades de revisão, exerce-as,
na maior parte das vezes, com recurso a uma maioria qualificada ou com outras especialidades.

Há que destacar que apesar do processo ser em moldes mais gravosos e exigentes que o
processo normal de aprovação de uma norma ou lei ordinária, o poder de revisão é menor diante
o poder constituinte ordinário, um poder derivado, subordinado.

Sendo a democracia moderna essencialmente representativa, a revisão é quase sempre obra de


um órgão representativo, de uma assembleia politica representativa.

Outro requisito normalmente constante para que se procedam a revisões tem que ver com o
tempo: a revisão pode realizar-se a todo o tempo, a todo o tempo verificados certos requisitos ou
apenas em certo tempo.

Problema conexo vem a ser o dos limites circunstanciais da revisão: o da impossibilidade dos
atos de revisão em situações de estado de necessidade, correspondentes ou não a declaração de
estado de sitio ou de emergência, ou outras circunstâncias excecionais.

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Direito Constitucional II 138
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A iniciativa, por regra, cabe ao órgão competente para fazer a lei de revisão ou a quaisquer dos
seus membros. Mas não se confunde a iniciativa do processo de revisão e a iniciativa de
modificações constitucionais.

Em suma, pode sistematizar-se as diferentes formas de revisão constitucional no âmbito da


legitimidade democrática da seguinte forma:

Revisão Constitucional nas Constituições Portuguesas

Sintetizando pode dizer-se que as Constituições Portuguesas, todas elas rígidas, encerram
normas especificas sobre revisão constitucional, as quais definem os respectivos processos ou
procedimentos em termos diversos do formalismo das leis ordinárias.

De uma maneira geral, resistam-se duas características:

• É sempre o Parlamento que decreta a revisão, salvo o referendo facultativo criado em


1935 (nunca aplicado;
• O Rei ou o PR intervém no processo para promulgar ou para sancionar a lei ou o ato de
revisão, tenha ou não o poder de não sancionar ou poder de veto.

 Nas Constituições de 1820, 1826 e 1838 a revisão constitucional era feita através de uma
assembleia renovada por eleições gerais;
 Nas constituições de 1911 e 1933 a revisão podia ser efectuada de 10 em 10 anos, sendo
competente o Congresso ou a AR. Podia ser antecipada por 5 anos caso existisse uma
maioria de dois terços.
 Na Constituição de 1976 a revisão é feita por maioria de dois terços de deputados presentes,
desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (primeira
revisão) e, mais tarde. Veio a ser modificado para maioria de dois terços dos deputados em
efetividade de funções (subsequentes revisões, atualmente consta do artigo 286/1). E é
agravado por um requisito temporal (cinco anos, atualmente constante do artigo 284/1),
antecipável por um requisito de uma maioria de quatro quintos dos Deputados em
efetividade de funções.

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Direito Constitucional II 139
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Antes da primeira revisão constitucional houve quem sustentasse que ela poderia realizar-se por
meio de referendo nacional. Foi invocado o principio da participação direta e ativa dos cidadãos
na vida publica (art. 48º, 112 e 227/2) e foi dito que não havendo nenhum artigo que o permita
ou que o proíba, poderia ser feito, foi mesmo referido que seria incorrecto que o povo somente
exercia o poder politico nos termos previstos na constituição, porquanto o povo estaria acima da
Constituição, o referendo pertencia ao Direito Natural, sendo anterior à Constituição.

O professor Jorge Miranda esclarece a questão dizendo que não basta proclamar um principio,
há que estabelecer o modo de o concretizar.

Como modo de exercício do poder, o referendo teria de estar previsto na constituição, não
poderia ser deduzido em abstracto. Se, numa situação destas, existisse um referendo para
alterar uma norma constitucional ou mesmo um aspeto tocante ao próprio processo não
seria uma revisão constitucional, estar-se-ia perante uma rutura ou revolução. O processo
de revisão não é feito atendendo às regras impostas pela constituição.

A situação mais tarde veio a ser esclarecida. nao só não existe referendo constitucional como
nenhum referendo pode realizar-se sem prévia verificação da sua constitucionalidade e
legalidade pelo Tribunal Constitucional (art, 115/8 e 223/2/f CRP).

As Regras e Procedimentos de Revisão Constitucional

Esta matéria está regulada a partir do artigo 284, nos preceito do titulo II da parte IV da CRP.

Quanto às regras do procedimento ou processo de revisão, são de destacar:

 A abertura do processo requer, em revisão ordinária, um ato de iniciativa, a


apresentação de um projecto de revisão (ou seja, não basta que passem os 5 anos, se
os deputados nada fizerem o processo não se inicia);
 Uma coisa é a iniciativa da assunção de poderes de revisão outra coisa é a abertura do
processo. A abertura do processo requer a apresentação de uma ou mais propostas de
alteração. São coisas distintas, uma coisa é a aprovação de uma resolução (art. 166/5 e
6) que atribui poderes extraordinários de revisão à AR outra completamente diferente á
o inicio do processo de revisão constitucional.
 A iniciativa pertence exclusivamente aos deputados, individual ou colectivamente
(art.285/1 e 156/a) – não aos grupos parlamentares, nem ao Governo, nem às ALR, nem
a determinado numero de cidadãos (reserva absoluta da AR no domínio de revisão
constitucional), também por isso parece que o PR não possa convocar a AR para efeitos
de revisão constitucional;
 Não são admitidos projectos que não definam concretamente o sentido das
modificações a introduzir na Constituição (art. 120/1/b RAR);
 Apresentado um projecto de revisão constitucional, quaisquer outros terão de ser
apresentados num prazo de 30 dias (art.285/2), descontados os períodos de
suspensão por analogia com o 169/1;
 Como dia da apresentação conta-se o dia de admissão do projecto;
 Até ao termo da discussão podem ser apresentados por quaisquer deputados propostas
de alteração aos projectos de revisão ou aos textos de substituição;
 Ao contrário do que acontece com a lei ordinária, não há a necessidade de ouvir
entidades cuja matéria lhes diga respeito;

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Direito Constitucional II 140
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

 A AR não está sujeita a um dever de audição dos órgãos de governo próprio regional
acerca do estatuto. (art.229/2);
 A discussão dos projectos e a sua votação fazem sempre e necessariamente na
especialidade;
 Tal votação e discussão ocorre necessariamente em plenário (só aí se consegue a
maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções);
 No caso da revisão extraordinária quando não seja aprovada nenhuma norma preclude-
se a competência de revisão da AR porque a assunção de poderes de revisão aparece
funcionalizada a um resultado positivo e, se este não se obtém, tal assunção fica
desprovada de sentido;
 Pelo contrário, no caso da revisão ordinária, a não aprovação não determina a preclusão,
porque a AR pode rever a Constituição decorridos cinco anos após a data de publicação
de qualquer lei de revisão ordinária (art. 284/1) e podem voltar a ser formulados projets
de revisão, embora, se forem com as mesmas alterações propostas, apenas na sessão
legislativa seguinte, salvo nova eleição da AR (art. 167/4);
 As alterações da Constituição que forem aprovadas serão reunidas num único decreto
de revisão (art.286/2) e serão inseridas no lugar próprio da Constituição, mediante as
substituições, as supressões e os aditamentos necessários (art. 287/1);
 A lei de revisão é publicada pelo PR (art.286/3) como lei constitucional (art.119/1 e
166/1);
 O PR não pode recusar a promulgação da lei de revisão (art. 286/3) – atribuição
exclusiva ao Parlamento do poder de revisão e, depois, do regime de alterações;
 A revisão constitucional não está sujeita a fiscalização preventiva da
constitucionalidade (art. 278/1). Salvo em caso de preterição dos requisitos de
qualificação;
 A constituição não fixa um prazo de promulgação, a lacuna deve ser suprida com
recurso ao 136/2, segunda parte (promulgação obrigatória): o prazo deve ser de oito
dias;
 A promulgação não carece de referenda ministerial;
 A constituição, no seu novo texto, é publicada conjuntamente com a lei de revisãoo (art.
287/2);
 Não pode ser praticado nenhum ato de revisão constitucional durante a vigência do
Estado de Sitio ou do Estado de Emergência (art.289);
 O PR não está impedido de dissolver o Parlamento, não se prevê nenhuma restrição
(art.133/e e 172). Mas isso não pode servir para ele – que não tem poder de veto dos
decretos de revisão – bloquear uma revisão constitucional;

Requisitos de Qualificação da Revisão Constitucional

Para que um ato jurídico-publico em concreto produza os efeitos inerentes ao nome ou à forma
com que se apresenta, tem de preencher os requisitos definidores do tipo ou da categoria de atos
em abstracto que a norma prevê.

Assim, um ato só pode ser considerado revisão constitucional, na medida em que contenha os
elementos específicos da revisão. Estes elementos são verdadeiros requisitos de qualificação
sem os quais o ato será juridicamente inexistente como lei de revisão e apenas poderia
subsistir como lei ordinária, a qual, sendo oposta à Constituição, se tornaria
materialmente inconstitucional.

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Direito Constitucional II 141
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Requisitos

O primeiro dos requisitos de qualificação de revisão constitucional é a intenção ou causa


da revisão.

A revisão constitucional é um ato intencional. Para que haja revisão tem de se manifestar a
intenção ou a finalidade de subsitituir, suprimir ou aditar normas formalmente constitucionais
(art. 287/1).

No Direito Português deve entender-se, por conseguinte, que, além da intenção de revisão, são
requisitos de qualificação da lei de revisão, os seguintes:

1. Órgão Competente – Só a AR pode fazer leis de revisão, e não qualquer outro órgão
(art.161/a e art. 284);
2. O Tempo de Revisão ou a Competência em Razão do Tempo – a AR só pode fazer a
revisão decorrido o prazo de cinco anos sobre a publicação anterior lei de revisão
ordinária (284/1) ou, antes de decorrido, quando tenha assumido poderes de revisão por
maioria de quatro quintos dos deputados em efetividade de funções (art.286/2CRP);
3. Anormalidade Constitucional – não pode ser praticado nenhum ato de revisão
constitucional na vigência do estado de sitio ou de estado de emergência, ou seja, com
desrespeito de limites circunstanciais de revisão (art.289) e, por conseguinte, fora do
pleno exercício de direitos, liberdades e garantias (art. 19º/8CTP);
4. A Maioria de Revisão – As alterações da Constituição têm de ser aprovadas por
maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de funções (art. 286/1);

A verificação dos requisitos de qualificação compete ao Presidente da Republica através da


promulgação.

Se o PR considerar que falta um dos requisitos, deverá não promulgar, quando o ato provier d
Parlamento à margem das regras de competência. E deverá não promulgar e devolver o decreto
à Assembleia, nas demais hipóteses (não se trata de atribuir o poder de veto mas a possibilidade
de solicitar uma nova deliberação nos termos constitucionais).

Na opinião do professor Jorge Miranda, apesar do PR usufruir deste poder, nem por isso fica
precludida a fiscalização, concreta e abstracta da constitucionalidade nos termos gerais, mesmo
relativamente aos requisitos de qualificação.

Uma orientação diferente entende que o PR quando entendesse não estarem preenchidos os
requisitos de qualificação do decreto lei de revisão, qualificá-lo-ia como lei ordinária (e daí
poderia ser possoivel a fiscalização preventiva e o veto politico).

Porem, o professor Jorge Miranda refuta que o poder de qualificação inerente à promulgação
envolve a recusa da qualificação pretendida pela AR não a de, positivamente, atribuir uma
qualificação não querida pela Assembleia.

A Polémica Doutrinal Sobre os Limites Materiais

Esta questão tem sido, sem sombra de duvidas, uma das mais polémicas do constitucionalismo
português. Existem 3 grandes orientações:

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Direito Constitucional II 142
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

 Limites são Imprescindíveis

Estes argumentos são extraídos do conceito de poder de revisão e do principio da identidade da


Constituição Material. O poder de revisão, enquanto criado e regulado por ela quanto ao modo
de se exercer tem de se compreender dentro das bases dos seus parâmetros, não lhe compete
dispor contra as opções fundamentais do pode constituinte originário. A revisão deve garantir a
identidade e a continuidade da Constituição considerada como um todo, a revisão não é a
faculdade de fazer uma nova constituição. Por outro lado, a constituição formal está ao serviço
da constituição material. Revê-la implica respeitar esta Constituição material e, desde logo,
respeitar os preceitos que, explicitados numa proibição, denotam a consciência da ideia de
Direito, do projecto ou do regime que corporiza.

Toda a Constituição tem uma lógica e uma ordenação e uma lógica sistemática que não pode ser
prejudicada, e isso não apenas num plano formal mas, muito mais, no aspeto da intima conexão
material que lhe dá sentido e que não pode ser ultrapassada nas reformas do texto. Segundo esta
perspectiva, a geração que adotou a Constituição tem o direito de vincular minimamente todas
as gerações posteriores por forma a impedir que cada uma delas vincule maximamente a que
imediatamente se segue.

 Impugnação da Eficácia ou da Legitimidade da Eficácia Jurídica das Normas e


Limites Materiais

Quem defende esta tese justificam-na na inexistência de uma diferença de raiz entre o poder
constituinte originário e o poder de revisão – ambos expressão da soberania do Estado e ambos
exercidos por representantes eleitos; e inexistência de uma diferença entre normas
constitucionais originárias e supervenientes – inseridas no mesmo sistema normativo – e a
inexistência de uma diferença entre normas constitucionais, todas elas constantes da mesma
Constituição formal.

O poder constituinte de certo momento não é superior ao poder constituinte de um momento


posterior. Pelo contrário, deve aplicar-se a regra geral da revogabilidade de normas anteriores
por normas subsequentes.

 Elementos são Relativos, Susceptíveis de Remoção Através de Dupla Revisão e de


Duplo Processo de Revisão

Afirma-se a validade dos limites materiais explícitos, mas, ao mesmo tempo, entende-se que as
normas que os prevêem, como normas de Direito Positivo que são, podem ser modificadas ou
revogadas pelo legislador da revisão constitucional, ficando, assim, aberto o caminho para, num
momento ulterior, serem removidos os próprios princípios correspondentes aos limites. Nisto
consiste a tese da dupla revisão e do duplo processo de revisão.

As cláusulas dos limites materiais são possíveis, é legitimo ao poder constituinte decretá-las e é
forçoso que sejam cumpridas enquanto estiverem em vigor. Todavia, são normas constitucionais
como quaisquer outras e podem elas próprias ser objecto de revisão, com as consequências
inerentes.

Podem ser modificadas ou removidas mediante processo de revisão.

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Direito Constitucional II 143
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Porque a função constituinte e a função de revisão se encontram no mesmo plano, os eventuais


limites textuais devem ser tomados como auto-obrigações que o legislador constitucional se
impõe a si próprio e que, por isso, valem até serem removidos por uma ulterior manifestação
igual e contrária.

Posição Adotada Pelo Professor Jorge Miranda

Mantendo-se em vigor a mesma Constituição, o poder de revisão é um poder constituído, como


tal sujeito às normas constitucionais, quando o poder de revisão se libertasse da constituição não
mais haveria constituição nem poder de revisão, mas sim Constituição nova e poder constituinte
originário novo.

A subordinação material do poder de revisão constitucional ao poder constituinte é um


postulado lógico:

• Por um lado, se o poder de revisão constitucional deriva do poder constituinte, a revisão


material que realize não pode ir contra a constituição como totalidade instituída;
• Por outro lado, se a revisão constitucional é a revisão de normas ela fica encerrada nos
limites da Constituição.

Os limites materiais tornam-se por isso juridicamente necessários, mesmo em constituição


flexível. As cláusulas de limites não podem impedir futuras revisões que atinjam tais limites,
porque o poder constituinte é, por natureza, soberano. O que obrigam é a dois processos, em
tempos sucessivos, um para eliminar o limite de revisão e outro para substituir a norma
constitucional de fundo garantida através dele.

Logicamente necessários, os limites materiais não podem ser violados ou removidos, sob
pena de se deixar de fazer revisão para se passar a fazer Constituição nova. Mas uma coisa
é remover os princípios que definem a Constituição em sentido material e que se traduzem
em limites de revisão, outra coisa é alterar ou remover disposições especificas do
articulado constitucional que explicitam, num contexto histórico determinado, alguns
desses limites.

Nada permite equipar a supra-rigidez a insusceptibilidade de modificação. Não há limites


absolutos. Absoluto deve ser, sim, o respeito de todos os limites de todas as regras
enquanto se conservarem em vigor.

De uma maneira geral, o professor Jorge Miranda defende:

• Que a natureza do preceito é declarativa e não constitutiva (ele declara, não cria limites
materiais de revisão, estes decorrem da coerência dos princípios constitucionais);
• Que a sua função é de garantia;
• Que respeita a princípios e não a preceitos;
• Que é uma norma constitucional como outra qualquer, obrigatória enquanto vigorar mas
revisível;
• Que não é a revisão do artigo 288º que afeta os limites materiais de revisão, o que os
afeta é atingirem-se os princípios nucleares da Constituição;

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Direito Constitucional II 144
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A Necessidade de Limites Materiais de Revisão

O problema dos limites materiais de revisão reconduz-se, no fundo, ao traçar de fronteiras entre
o que vem a ser a função própria de uma revisão e o que seria já conversão em Constituição
diferente.

Estes limites são tao mais importante em constituição flexível do que numa constituição rígida.
Aí, a revisão pode dar-se quase inominadamente, mais necessário se torna aí tomar consciência,
e m cada instante, de quais os princípios vitais insuperáveis e elimináveis da ordem jurídico-
politica.

Em inteiro rigor, os limites não deveriam qualificar-se de explícitos e implícitos. Todos os


limites materiais deveriam ter-se ao mesmo tempo como explícitos e implícitos.

• Por explícitos enquanto só podem agir efectivamente quando explicitados em cada


revisão constitucional em concreto;
• Por implícitos, na medida em que o critério básico para os reconhecer é o perscrutar do
sistema constitucional como um todo.

Não traduz isto uma desvalorização das cláusulas de limites materiais, das cláusulas que se
destinam, à partida, a explicitar limites implícitos na Constituição.

Estas cláusulas possuem uma dupla utilidade:

▪ A de externar os princípios constitucionais, evitando ou pondo termo a incertezas que


possam formular-se acerca da constituição material;
▪ A de reforçar a sua garantia, pois a revisão constitucional é um instrumento de garantia
da constituição.

As normas constitucionais, como quaisquer outras estão sujeitas estão sujeitas a uma
interpretação evolutiva. É o entendimento que venha a ser prestado aos princípios que há-de
determinar o entendimento de tais normas, não o inverso; é na adesão da consciência jurídica
aos princípios da Constituição que reside a força dos limites, não nas normas de limites em si,
isoladamente.

Os limites materiais porque dirigidos a leis de revisão, são violáveis por açao, por contradição
dessas leis com os princípios a que correspondem.

Podem, também, ser violados por omissão. No Direito Português, inconstitucionalidade por
omissão da revisão constitucional teria sido a não extinção do Conselho da Revolução na
primeira revisão constitucional. O conselho da Revolução não poderia ter existido mais do que
em curto período sem brigar com a estrutura democrático-representativa do poder politico
instituído pela Constituição de 1976, e, se viesse a ficar para além dessa revisão, tudo seria
como se tal estrutura e, portanto, a Constituição material se transformasse noutra.

As normas de limites expressos não são logica e necessárias, necessários são os limites.

Estas normas são revisíveis do mesmo modo que quaisquer outras normas, são passiveis de
emenda, aditamento ou eliminação e até podem vir a ser suprimidas através de revisão. Não são
elas próprias limites materiais de revisão.

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Direito Constitucional II 145
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

 Se forem eliminadas cláusulas concernentes a limites ao poder constituinte


originário ou limites de revisão próprios do primeiro grau, ou seja, limites que se
impõem pelo próprio espirito do sistema e que são reconhecido numa cláusula,
nem por isso estes limites deixarão de se impor ao futuro legislador de revisão.
Porventura, ficarão eles menos ostensivos e, portanto, menos guarnecidos, por
faltar, doravante, a interposição de preceitos expressos a declará-los. Mas somente
haverá revisão constitucional se continuarem a ser observados;
 Se, ao invés, forem eliminadas cláusulas de limites impróprios ou de segundo grau,
como são elas que os constituem como limites, este ato acarretará, porém,
automaticamente, que os correspondentes princípios, já, em próxima revisão, não
terão de ser observados. É, a este respeito que se fala em dupla revisão.

Preterição de Limites Materiais e Limites Materiais de Revisão

A questão da fiscalização da constitucionalidade da revisão constitucional, particularmente da


material, é polémica.

Há quem comece por negar a própria possibilidade de inconstitucionalidade material de revisão,


pois, ficando as normas por ela criadas no mesmo plano hierárquico das normas constitucionais,
seria contraditório indagar da conformidade com a Constituição de atos destinados a modifica-
la.

Na opinião do professor Jorge Miranda, se a revisão constitucional implica o preservar dos


princípios vitais da Lei Fundamental, é obvio que tem de ser sempre ajuizada em face desses
princípios, e não em face desta ou daquela norma que os intente modificar ou substituir.

A inconstitucionalidade material da revisão é fenómeno homólogo ao da ilegalidade da lei (por


exemplo, ilegalidade por violação de lei com valor reforçado). Não é por as normas serem da
mesma categoria formal que não intercedem relações de constitucionalidade ou de legalidade.

No Direito Constitucional Português nunca existiu nem existe fiscalização preventiva da


constitucionalidade da revisão constitucional – material, orgânica ou formal (art.286/3 e 278/1).

A despeito disso, há quem estenda à inconstitucionalidade material o regime dos vícios formais
e orgânicos que impedem a qualificação de certa lei como revisão, ficando habilitado então o
Presidente da Republica a não promulgar uma lei de dita revisão que contendesse com limites
materiais. E a recusa de promulgação tornar-se-ia possível porque a promulgação de uma lei de
revisão contrária aos princípios do artigo 288º seria uma quebra do juramento presidencial e um
atentado contra a Constituição.

O professor Jorge Miranda rejeita este entendimento, só os requisitos de qualificação do ato,


não do conteúdo do ato, têm a ver com o instituto de promulgação.

Compreende-se, dada a objectividade dos elementos formais e orgânicos, que o PR possa


recusar qualificar uma lei como lei de revisão, assim como seria ele a decidir, no momento
politicamente relevante, o que seria ou não violação da constitucionalidade.

Em contrapartida, o professor, pronuncia-se a favor da fiscalização sucessiva, a qual se dirige


a todas as normas criadas por poderes constituídos (art. 204 e 280).

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Direito Constitucional II 146
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Assim, se for caso disso, devem os tribunais, no uso de competência genérica, atribuída no
artigo 204º, apreciar a inconstitucionalidade das leis de revisão e não aplicar as normas dela
provenientes que infrinjam princípios materiais garantidos no artigo 288º, e incumbe ao TC
declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral e com os efeitos previstos no art.
282CRP.

Pode alegar-se que um controlo a posteriori não tem grande sentido, visto que, estando as novas
normas constitucionais já então vigentes, isso significaria que, quando correspondentes a
princípios fundamentais diversos do artigo 288º, afinal haveria uma nova constituição perante a
qual o juiz não poderia raciocinar como se ainda existisse anterior. Mas o problema é
exactamente esse: a fiscalização da constitucionalidade material da revisão serve para atalhar à
pretensão de efetividade da nova Constituição material escondida sob a forma de revisão, e, se
funcionar de facto, esta não virá a firmar-se ou a subsistir.

Apontamentos das Aulas Teóricas

Artigo 284.º

1. “A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a


data da publicação da última lei de revisão ordinária.
2. A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento poderes
de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em
efectividade de funções.”

 Revisão Ordinária – Só pode ser feita 5 anos após a ultima revisão ordinária;
 Revisão Extraordinária – A qualquer momento a AR pode assumir poderes
extraordinários de revisão, através de uma deliberação de 4/5 dos deputados em
efetividade de funções;

Através da conjugação dos artigos 161/a) e 166/a) percebe-se que é da competência da AR


aprovar alterações à constituição e que o ato reveste a forma de lei constitucional.

A revisão extraordinária, tirando os limites circunstanciais, pode ser feita a todo o tempo. Para
assumir estes poderes de revisão extraordinária tem de ser aprovada uma resolução por maioria
de 4/5 dos deputados em efetividade de funções.

A assunção de poderes de revisão extraordinários não se deve confundir com a proposta de


revisão constitucional.

Depois da AR deliberar e aprovar a resolução o processo desencadeia-se normalmente


respeitando e seguindo as vicissitudes normas. A maioria exigida para a provação da lei de
revisão vai ser a constante do artigo 286/1 (maioria de 2/3 dos deputados em efetividade de
funções).

Ou seja:

 Aprovação de Lei de Revisão em Processo Ordinário – Maioria de 2/3


 Aprovação de Lei de Revisão em Processo Extraordinário – Maioria de 2/3
 Assunção de Poderes de Revisão Extraordinários – Maioria de 4/5

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Direito Constitucional II 147
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Limites de Revisão – Imposição de um processo especial e agravado em comparação com o


que é utilizado na aprovação ordinária.

 Limites Formais
▪ Artigo 285/1 – Para abrir o processo legislativo ordinário só os deputados
podem apresentar propostas – especialidade em relação à lei ordinária (art.
167/1)
▪ Art. 285/1 + 286/3 – A intenção é de concentrar na AR tudo o que respeita à
revisão constitucional, é a AR que faz e só ela, concentra a totalidade dos
poderes de revisão constitucional:
• Iniciativa (deputados);
• Aprovação (Presidente é obrigado a promulgar), não pode recusar nem
pedir a fiscalização preventiva, não faria sentido enviar para o TC
porque caso este considerasse inconstitucional o PR seria obrigado a
vetar (art. 279) e, à luz do artigo 286/3, não o pode fazer. Na opinião
do professor reis Novais também não faz sentido fazê-lo em sede
sucessiva, porque o TC iria fiscalizar a constitucionalidade de uma
norma que consta da própria constituição, não existiria qualquer
desconformidade, se está em vigor é essa que se tem de aplicar e vai
ser essa o parâmetro de fiscalização.

 Limites Circunstanciais de Revisão – (art. 289) Existem certas circunstâncias em que


não se podem realizar revisões constitucionais (exceção de anormalidade
constitucional):
▪ Vigência do Estado de Sitio;
▪ Vigência do Estado de Emergência;
 Limites Materiais de Revisão – (art. 288) Mesmo quando se faz a revisão nos termos
previstos, existem matérias que não podem ser alteradas, o artigo 288 apresenta uma
lista extensa de matérias que a revisão tem de respeitar, não pode ser desrespeitado, por
outras palavras, NÃO PODE SER AFETADO NEGATIVAMENTE, POSITIVAMENTE PODE.
A constituição foi aprovada em 1976, toda a realidade que temos atualmente era
completamente desconhecida, precisa de ser adaptada, ao dizermos que a matéria dos
direitos liberdades e garantias não pode ser afetada (art. 288/d) encontramo-nos perante
um grande limite, os limites matérias são muito discutidos, são encarados como uma
imposição da geração de 76 às gerações futuras. Como já referido existem 3 grandes
entendimentos:
▪ Se a constituição vale sobre os poderes constituídos e eles estão sujeitos, seria
violação dessa lógica que os poderes constituídos se rebelassem contra os
limites materiais. Seria uma fraude à constituição, estes limites têm uma
Relevância Absoluta (Professor Canotilho);
▪ Seria imposição de uma geração, seria uma impossibilidade prática, os limites
materiais seriam uma sinalização mas não deveriam ser juridicamente
relevantes;
▪ Tese da Relevância Relativa (Professor Jorge Miranda) – Se a CRP contém
limites, estes devem ser respeitados, mas, como qualquer norma, devem ser
respeitados enquanto estiverem em vigor, o artigo 288 é para valer mas nada
obriga que ele não possa ser alterado, não se pode mexer no que está protegido,

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Direito Constitucional II 148
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

mas podemos alterar primeiro o artigo 288 (protecção desaparece) e


posteriormente alterar a matéria referida aos anteriores limites. Duplo
Processo:
1) Elimina-se Proteção (art. 288º);
2) Altera-se os Artigos, já não existe aquele especifico limite material, já
não há violação de um limite
Duplo Processo de revisão – Mesmo objetivo, dois processos/ duas revisões
para atingir o objetivo;
Dupla revisão – Altera-se simultaneamente o limite e a matéria, numa única
revisão constitucional é realizado o objetivo;

Esta questão, ainda que muito rica e complexa do ponto de vista teórica, quando é transposta
para a prática perde alguma importância. Quando existe uma maioria de 2/3 que quer alterar
uma norma ela vai acabar por se alterada, a justificação teórica pode ser sempre construída. Por
exemplo, o artigo 34/4 esclarece que “é proibida toda a ingerência das autoridades publicas na
correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo nos casos
previstos na lei em matéria de processo criminal”. Só se for aberto um processo criminal é
possível que se tenham acesso a estes dados. Atualmente, atendendo às novas circunstancias e
necessidades, discute-se se não será excessivo, existe até quem defenda o conhecimento dos
metadados, mas o artigo 34/4 é claro quando diz que é “proibida toda a ingerência”. Em 1976
esta situação fazia sentido, as circunstâncias eram diferentes. Uma revisão constitucional que
alterasse este artigo iria estar a afetar negativamente direitos fundamentais, logo seria
materliamente inconstitucional, contudo, mesmo nesta situação, é possível construir uma
justificação teórica, porque isto apesar de prima facie, afetar direitos de fundamentais, em
ultima instancia, tem, também, o objetivo de assegurar estes mesmos direitos fundamentais (por
exemplo, a segurança).

Uma lei de revisão constitucional pode ser sujeita a fiscalização da constitucionalidade?

Não pode existir fiscalização preventiva, uma lei de revisão constitucional é obrigatoriamente
promulgada pelo PR, se fosse enviada ao TC e a decisão passasse pela inconstitucionalidade o
PR teria de vetar, quando não o pode fazer.

Na opinião do professor Reis Novais também não pode existir fiscalização sucessiva, depois da
promulgação a lei de revisão entra em vigor, a constituição foi alterada, o TC iria verificar se
era inconstitucional, não haveria parâmetro porque seria a própria constituição a ser avaliada.

Porem, para que a lei de revisão seja qualificada como tal ela tem de cumprir certos requisitos.
Se o PR verifica que falta um destes requisitos pode dizer que não é uma verdadeira lei de
revisão e, neste momento, não fica obrigado a promulgar. O que o artigo 286/3 diz é que o PR
não pode recusar a promulgação da lei de revisão.

Mas têm de estar em causa limites objectivos, o PR não pode recusar a promulgação por achar
que viola um direito fundamental, a matéria e a regulação não são limites de qualificação da
lei, são opinião jurídica. Não pode incidir sobre o conteúdo, quando está em causa apenas o
conteúdo e todos os demais requisitos são respeitados o PR está limitado.

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Direito Constitucional II 149
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Sistema Português de Fiscalização da Constitucionalidade


FISCALIZAÇÃO DA
As Diferentes Modalidade e Tipos de Fiscalização CONSTITUCONALIDADE
Sistema Português:
➢ O Sistema Português de Fiscalização;
 Fiscalização Preventiva ▪ As Diferentes Modalidades
 Fiscalização Sucessiva: de Fiscalização
▪ Inconstitucionalidade Por Ação: ▪ Fiscalização Concreta da
• Fiscalização Abstrata; Constitucionalidade;
• Fiscalização Concreta: ▪ Características
✓ Fiscalização Difusa; Identificadoras do Regime;
✓ Fiscalização Concentrada; ▪ Singularidade do Sistema
▪ Inconstitucionalidade Por Omissão; Português;

Dentro destas várias modalidades e tipos de fiscalização o TC


tem diferentes tipos de intervenção, pode ser chamado a:

1) Pronunciar-se (Fiscalização Preventiva);


2) Declarar (Fiscalização Sucessiva Abstrata);
3) Julgar (Fiscalização Sucessiva Concreta);
4) Verificar a Inconstitucionalidade por Omissão;

Fiscalização Preventiva

Artigo 278.º

1. O Presidente da República pode requerer ao Tribunal


Constitucional a apreciação preventiva da
constitucionalidade de qualquer norma constante de
tratado internacional que lhe tenha sido submetido para
ratificação, de decreto que lhe tenha sido enviado para
promulgação como lei ou como decreto-lei ou de acordo
internacional cujo decreto de aprovação lhe tenha sido
remetido para assinatura.
2. Os Representantes da República podem igualmente
requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação
preventiva da constitucionalidade de qualquer norma
constante de decreto legislativo regional que lhes tenha
sido enviado para assinatura.
3. A apreciação preventiva da constitucionalidade deve ser
requerida no prazo de oito dias a contar da data da
recepção do diploma.
4. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação
preventiva da constitucionalidade de qualquer norma
constante de decreto que tenha sido enviado ao Presidente
da República para promulgação como lei orgânica, além
deste, o Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à
Assembleia da República em efectividade de funções.

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Direito Constitucional II 150
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

5. O Presidente da Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da


República decreto que deva ser promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento
ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da Assembleia da República.
6. A apreciação preventiva da constitucionalidade prevista no n.º 4 deve ser requerida no
prazo de oito dias a contar da data prevista no número anterior.
7. Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o Presidente da República não pode promulgar os
decretos a que se refere o n.º 4 sem que decorram oito dias após a respectiva recepção ou
antes de o Tribunal Constitucional sobre eles se ter pronunciado, quando a intervenção
deste tiver sido requerida.
8. O Tribunal Constitucional deve pronunciar-se no prazo de vinte e cinco dias, o qual, no
caso do n.º 1, pode ser encurtado pelo Presidente da República, por motivo de urgência.

Artigo 279.º

1. Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de norma


constante de qualquer decreto ou acordo internacional, deverá o diploma ser vetado pelo
Presidente da República ou pelo Representante da República, conforme os casos, e
devolvido ao órgão que o tiver aprovado.
2. No caso previsto no n.º 1, o decreto não poderá ser promulgado ou assinado sem que o
órgão que o tiver aprovado expurgue a norma julgada inconstitucional ou, quando for
caso disso, o confirme por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que
superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
3. Se o diploma vier a ser reformulado, poderá o Presidente da República ou o
Representante da República, conforme os casos, requerer a apreciação preventiva da
constitucionalidade de qualquer das suas normas.
4. Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de norma
constante de tratado, este só poderá ser ratificado se a Assembleia da República o vier a
aprovar por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à
maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

Trata-se de uma fiscalização que incide sobre a eventual inconstitucionalidade de normas, mas
que atua numa fase prévia à respectiva entrada em vigor, uma fiscalização que intervém numa
fase antes das normas serem promulgadas.

No fundo, procura-se evitar que normas violadoras da constituição possam entrar em vigor e
produzir efeitos, gerando, até situações de facto, apesar da inconstitucionalidade. Procura-se,
desta maneira esclareceras dúvidas que existam quanto à constitucionalidade.

A fiscalização da constitucionalidade é requerida pelo PR e em certos casos (leis orgânicas)


para além deste podem requerer a fiscalização:

✓ O Primeiro Ministro;
✓ Um Quinto dos Deputados;

Nestes casos o TC é chamado a pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade do diploma (só


sobre a constitucionalidade do diploma, não existe fiscalização preventiva da legalidade
por parte do TC).

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Direito Constitucional II 151
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Uma vez que ocorre antes da promulgação e da publicação, incide sobre normas que ainda não
entraram em vigor.

Se o TC considerar que há inconstitucionalidade, o diploma é necessariamente vetado pelo PR,


devolvido ao órgão que o aprovou e não poderá entrar em vigor antes de ter sido expurgado da
inconstitucionalidade assinalada.

Perante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC, a constituição admite ainda
uma outra possibilidade: a insistência na confirmação da aprovação do diploma por uma
maioria de 2/3. Nesta situação, a solução do conflito (AR quer a entrada em vigor e o TC
julga inconstitucionalidade) é remetida para o PR, a quem cabe a arbitragem, ou seja, a
decisão final sobre se promulga ou não o diploma em causa.

Se em vez de expurgarem, pura e simplesmente as normas inconstitucionais, a AR ou o G


introduzirem alterações, o diploma deve ser tratado como um outro e novo decreto, pelo que se
abre todo o leque de possibilidades constitucionalmente previstas:

▪ Promulgação;
▪ Veto;
▪ Fiscalização Preventiva da Constitucionalidade;

Fiscalização Sucessiva Abstrata por Ação

Artigo 281.º

1. O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:


a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com
fundamento em violação de lei com valor reforçado;
c) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com
fundamento em violação do estatuto da região autónoma;
d) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos
de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região
consagrados no seu estatuto.
2. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade, com força obrigatória geral:
a) O Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia da República;
c) O Primeiro-Ministro;
d) O Provedor de Justiça;
e) O Procurador-Geral da República;
f) Um décimo dos Deputados à Assembleia da República;
g) Os Representantes da República, as Assembleias Legislativas das regiões
autónomas, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas,
os presidentes dos Governos Regionais ou um décimo dos deputados à respectiva
Assembleia Legislativa, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade
se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de
declaração de ilegalidade se fundar em violação do respectivo estatuto.

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Direito Constitucional II 152
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

3. O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a


inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele
julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.

Artigo 282.º

1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral


produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e
determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.
2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma
constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor
desta última.
3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal
Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de
mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.
4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional
relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar
os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o
previsto nos n.os 1 e 2.

A pedido de várias entidades (mencionadas no artigo 281/2) o TC pode ser chamado a apreciar e
declarar a inconstitucionalidade de normas em vigor. Não se trata de se pronunciar sobre
eventuais duvidas de constitucionalidade, antes de as normas constitucionais serem
promulgadas, mas de chamar o TC a erradicar da ordem jurídica com fundamento em
inconstitucionalidade, normas que, em principio, estão em vigor e que a entidade que toma a
iniciativa considera serem inconstitucionais. Não há qualquer limitação de tempo ou
qualquer exigência que vem alegada, a norma pode estar em vigor à anos , pode ter sido
aplicada inúmeras vezes, em qualquer o TC pode ser chamado a apreciar a sua eventual
inconstitucionalidade e a declará-la inconstitucional.

Se o TC declarar a inconstitucionalidade de norma ou normas em vigor, a sua decisão tem


efeitos obrigatórios e gerais, ou seja, nos termos e com o alcance da decisão tomada, a norma
declarada inconstitucional é erradiada da ordem jurídica e, em principio, todos os efeitos por ela
produzidos são também anulados (art. 282/1).

Não são todavia atingidos, por razões de segurança jurídica próprias do Estado de Direito,
os casos que já tiverem sido julgados (art.282/3), ou seja, casos julgados com base em
normas que posteriormente venham a ser consideradas inconstitucionais não serão
afectados pela decisão de inconstitucionalidade, mas só desde que se trate de matéria penal
ou sancionatória e só desde que essa afectação acabe por ser mais favorável a quem sofreu
a sanção (art. 282/3).

O TC pode, ainda, ao abrigo do artigo 282º/4 determinar consequências menos contundentes


para os efeitos da sua declaração de inconstitucionalidade.

Assim, não obstante os efeitos gerais e obrigatórios o TC pode ressalvar alguns efeitos já
produzidos, ou, pode determinar que, apesar da inconstitucionalidade, a norma continue a
produzir (alguns efeitos), por razões de segurança jurídica.

152
Direito Constitucional II 153
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por ultimo, o TC pode também apreciar e declarar com força obrigatória geral a
inconstitucionalidade de qualquer norma, mas agora por iniciativa de algum dos seus juízes ou
do Ministério Publico, desde que a norma em causa tenha já sido julgada inconstitucional pelo
TC em pelo menos 3 casos de fiscalização concreta de constitucionalidade (não há necessidade
de uma iniciativa externa).

Ou seja, neste caso, trata-se de verdadeira fiscalização da constitucionalidade (art. 281/3), mas
com a especificidade de ter sido desencadeada por facto de ter havido anteriores decisões de
inconstitucionalidade (pelo menos, 3) tomadas pelo TC em sede de fiscalização concreta.

Fiscalização Sucessiva Abstrata por Omissão

Artigo 283.º

1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento


em violação de direitos das regiões autónomas, dos presidentes das Assembleias
Legislativas das regiões autónomas, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não
cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para
tornar exequíveis as normas constitucionais.
2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por
omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente.
A pedido do PR ou do Provedor de Justiça, o TC pode ser chamado a verificar a existência de
inconstitucionalidade por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as
normas constitucionais.

Ou seja, há normas que carecem de um complemento legislativo para produzirem a plenitude


dos seus efeitos, portanto, não são exequíveis por si próprias. Nestas situações, se o TC
considerar que há omissão inconstitucional por falta de normas legislativas ordinárias que
deveriam conferir exequibilidade às normas constitucionais , dá conhecimento do facto ao órgão
legislativo que é competente para suprir a omissão. Porém, não pode ir mais longe no
suprimento da omissão em causa, a aprovação das normas legislativas em falta dependerá
sempre do órgão legislativo competente.

Este regime significa que o TC não pode ser chamado a verificar toda e qualquer
inconstitucionalidade por omissão, ou, tao pouco, qualquer omissão de norma, apenas a que seja
necessária para conferir exequibilidade a normas constitucionais.

Fiscalização Concreta

Nos litígios em julgamento nos tribunais, as partes ou o juiz podem suscitar a


inconstitucionalidade de norma aplicável ao caso. Nessa altura, cabe ao juiz da causa decidir a
questão da eventual inconstitucionalidade.

Dessas decisões respeitantes a inconstitucionalidade tomadas pelos tribunais, cabe, recurso para
o TC, mas o posterior julgamento que o TC venha a fazer incide exclusivamente sobre a questão
de constitucionalidade, vale somente para o respectivo caso concreto.

153
Direito Constitucional II 154
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Mesmo que o TC considere que uma dada norma é inconstitucional e o julgue


expressamente, essa decisão só vale e produz efeitos no caso concreto em julgamento, pelo
que a norma em causa continuará em vigor.

Balanço Geral

A fiscalização da constitucionalidade e a justiça Constitucional, com o trabalho do TC afirmou-


se como um pilar imprescindível de sustentação, defesa e promoção do Estado de Direito e que
a ordem jurídico-constitucional portuguesa beneficiou enormemente da sua instituição.

Apesar de um balanço positivo, apresentam-se insuficiências significativas e distorções


funcionais que apontariam para uma estrita necessidade de reformulação.

Os aspectos que, na opinião do professor Reis Novais carecem de uma reforma, são entre outros
e sobretudo o domínio do acesso dos particulares ao TC e da fiscalização concreta da
constitucionalidade.

A fiscalização preventiva tem um grande interesse prático, por um lado previne a entrada em
vigor das inconstitucionalidades mais grosseiras dos diplomas mais importante, mas, por outro
lado e sobretudo o de funcionar eficazmente como força preventiva dissuasora das tentações
conjunturais de menorização da força normativa da Constituição que sempre seduzem as
maiorias no poder. E ainda, relacionado com essa função, a fiscalização preventiva funciona
também como instrumento, em grande medida politico, de intervenção do PR no processo
legislativo.

De facto, quando apoiada por um Presidente firme e por um Tribunal Constitucional defensor da
constituição, a existência da possibilidade de recurso à fiscalização preventiva inibe com
efetividade a maioria politica de prosseguir os seus objectivos politico-eleitorais imediatos com
desrespeito das garantias constitucionais.

Porém, o desempenho desta função por parte da fiscalização preventiva depende muito da
atuação do PR, uma vez que nela assenta, praticamente quase em exclusivo, a iniciativa de
desencadear o processo. Se o PR se desvia dos fins que presidiram à consagração do instituto e
o transforma em mero meio de luta politica, seja a favor ou contra maioria parlamentar, seja,
ainda, para simples fins de afirmação de uma agenda politica pessoal, é a própria racionalidade
da fiscalização preventiva de constitucionalidade que é posta em causa. (páginas 29, 30,
exemplo de uma atuação negativa do PR, nomeadamente do Professor Cavaco Silva).

Não obstante a utilização distorcida do instituto, a fiscalização preventiva tem-se revelado, ao


longo das décadas da sua existência, um instrumento significativamente positivo.

As maiores deficiências e distorções encontram-se no âmbito da fiscalização concreta da


constitucionalidade.

Fiscalização Concreta da Constitucionalidade: As Normas Relevantes

Artigo 204.º (Apreciação da inconstitucionalidade)

Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que
infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

154
Direito Constitucional II 155
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Desta norma decorre que todos os juízes e todos os tribunais têm um acesso direto à
Constituição nos “feitos submetidos a julgamento”. Com efeito, na medida em que nesse
julgamento não podem aplicar normas inconstitucionais, será próprio a existência de uma
função judicial configurada para verificar se a norma utilizada num determinado caso é ou não
inconstitucional. Logo, o juiz competente para decidir a causa é também competente, qualquer
que seja o tribunal que integre, para decidir previamente, por iniciativa própria ou a pedido das
partes, se a norma potencialmente aplicável é ou não inconstitucional.

Este decisão é de tipo incidental, no sentido de que o objetivo da causa não é a decisão da
questão de constitucionalidade, não foi esse o problema principal que se colocou ao tribunal
decidir (a questão principal, o feito a ser julgado, pode ser de qualquer natureza, civil, penal,
laboral, fiscal, ou qualquer outra). O problema de inconstitucionalidade surge apenas
simplesmente como questão prévia, incidental. Só surge porque se levantaram duvidas sobre a
constitucionalidade da norma potencialmente aplicável ao caso, porque o próprio juiz ou alguma
das partes levantaram o problema.

Não podendo, nos termos do 204, aplicar normas inconstitucionais, ele fica obrigado a decidir,
expressa ou implicitamente, a referida questão de constitucionalidade, isto é, tem de decidir se a
norma em causa é ou não inconstitucional:

▪ Se considera que a norma é inconstitucional não a aplica, deve recusar a respectiva


aplicação;
▪ Se aplicou a norma na resolução de um feito é porque não a considerou
inconstitucional, independentemente das dúvidas;

Por outro lado, podendo surgir em qualquer processo, a questão de inconstitucionalidade pode,
também, ser suscitada em qualquer momento do processo e em qualquer instância, havendo
eventualmente lugar a recurso para os tribunais superiores.

Neste sentido, em Portugal, todos os juízes, dos tribunais de primeira instância ou dos tribunais
superiores, também, são de algum modo juízes constitucionais, não apenas porque conhecem
das questões de constitucionalidade, mas também porque as decidem.

Porém, só aparentemente é assim, uma vez que há praticamente sempre possibilidade de


recorrer dessas decisões para o TC e por vezes esse recurso é mesmo obrigatório. Logo, todos
os juízes decidem questões de constitucionalidade, mas, na prática, quem acaba por
verdadeiramente decidir, se estiver em causa a eventual inconstitucionalidade de normas,
é sempre o TC.

Artigo 280 CRP – Regime dos Recursos

Artigo 280.º (Fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade)

1. “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:


a. Que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade;
b. Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante
o processo.
2. Cabe igualmente recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:

155
Direito Constitucional II 156
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

a. Que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com


fundamento na sua ilegalidade por violação da lei com valor reforçado;
b. Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional com
fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma;
c. Que recusem a aplicação de norma constante de diploma emanado de um
órgão de soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do
estatuto de uma região autónoma;
d. Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo
com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas a), b) e c).
3. Quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de convenção internacional,
de acto legislativo ou de decreto regulamentar, os recursos previstos na alínea a) do n.º 1
e na alínea a) do n.º 2 são obrigatórios para o Ministério Público.
4. Os recursos previstos na alínea b) do n.º 1 e na alínea d) do n.º 2 só podem ser
interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade, devendo a lei regular o regime de admissão desses recursos.
5. Cabe ainda recurso para o Tribunal Constitucional, obrigatório para o Ministério
Público, das decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada
inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.
6. Os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade, conforme os casos.”

Da conjugação do artigo 280º CRP com o artigo 70ºLOTC podem retirar-se algumas conclusões
que ajudam a esclarecer o regime de fiscalização concreta da constitucionalidade (ou de
legalidade) quanto ao regime de recursos.

✓ Para que haja recurso terá de haver previamente decisão, então uma primeira condição é
que essa questão tenha sido anteriormente expressamente colocada ao juiz comum para
este decidir. Por outras palavras, não se pode ir para o TC sem que a questão de
constitucionalidade tenha sido suscitada, discutida e decidida durante o processo.
Assim, desde que objectivamente, o particular não tivesse tido oportunidade processual
de invocar a inconstitucionalidade ou não tivesse tido a possibilidade de antecipar
razoavelmente que uma dada norma seria aplicável ao processo, aí, e só nesses casos, o
TC aceita excecionalmente um recurso mesmo depois de o juiz da causa ter esgotado a
possibilidade de conhecer e decidir, ele próprio, essa mesma questão.
✓ Para efeitos de possibilidades de recurso da decisão do tribunal comum para o TC.
Pode-se, então, distinguir dois grandes tipos de decisão do tribunal comum, sendo de
notar que aquilo que conta é sempre a ultima decisão (ou seja, tendo havido recursos
para tribunais superiores o que conta é a decisão do tribunal superior). Podem dividir-se
em dois grupos se situações relevantes:
▪ Grupo I – a decisão do tribunal comum é uma decisão de recusa de aplicação
da norma (recusa fundamentada de inconstitucionalidade);
▪ Grupo II – a decisão do Tribunal é uma decisão de aplicação da norma (porque
explicita ou implicitamente a considerou inconstitucional).
O que conta é a ultima decisão e essa ultima decisão terá necessariamente uma
decisão de recusa ou uma decisão de aplicação da norma.
✓ Se o juiz recusou a aplicação da norma (Grupo I) importa considerar 2 hipóteses:

156
Direito Constitucional II 157
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Subtipo 1 – Ou a norma em causa consta de convenção internacional, de ato


legislativo ou de decreto regulamentar (diplomas mais importantes da ordem
jurídica: convenções internacionais, leis, decretos-leis, decretos
regulamentares). Verificando-se este primeiro caso regime do recurso é o
seguinte: da decisão do juiz comum há recurso para o TC (quem se sentir
prejudicado pode recorrer) e o Ministério publico é mesmo forçado a recorrer
(art. 280/1/a) e 3).
▪ Subtipo 2 – Ou consta de qualquer outro diploma (diplomas de menor relevo:
portarias, despachos, posturas municipais e outras normas administrativas).
Verificando-se este segundo caso, o regime é o seguinte: da decisão do juiz
comum há recurso para o TC, mas esse recurso já não é obrigatório para o
Ministério Publico, a parte afetada ou ministério publico recorrem se quiserem
pelo que, se nenhum deles recorrer, a questão nem sequer chega ao TC.

A razão de ser desta distinção de regime é facilmente perceptível, estamos sempre


perante uma situação anómala, uma vez que há uma norma em vigor na ordem
jurídica e há um juiz que se recusa a aplicar por inconstitucionalidade, gera-se
insegurança que requer que se chame o TC. Mas há uma diferença, que consiste na
relevância jurídica e no peso dado aos diplomas, no caos dos diplomas mais
importantes o Ministério Publico é obrigado a recorrer. Significa isso que vai ser o
TC quem vai decidir a questão, mesmo que nenhuma das partes recorra. Em termos
práticos, o juiz comum recusou a aplicação de uma norma em vigor, mas quem
decide finalmente essa mesma questão, quem decide se a norma é ou não
inconstitucional, é o TC. Já no segundo caso, sendo em principio a norma menos
importante, apesar da insegurança gerada, ela não é tao problemática como no
primeiro caso, pelo que o recurso para o TC fica na disponibilidade das partes e do
Ministério Publico (que, aqui, já não é obrigado a levar a questão ao TC);

✓ Se a situação se enquadrar no Grupo II, ou seja uma situação que se diria normal, a
aplicabilidade de uma norma em vigor (porque considerou não haver
inconstitucionalidade), nesta situação há duas situações:
▪ Subtipo 3 - Ou a norma aplicável já foi anteriormente julgada inconstitucional
pelo TC; verificando-se esta situação há recurso para o TC (quem se sentir
prejudicado pode requerer e o Ministério Publico fica obrigado a recorrer (art.
280/1/5/b);
▪ Subtipo 4 – Ou isso ainda não aconteceu, a norma ainda não foi julgada
inconstitucional; verificando-se o segundo caso, só pode recorrer para o TC a
parte que tenha suscitado a inconstitucionalidade durante o processo (art.
280/1/b e 4) e só pode fazer depois de estarem esgotados os recursos ordinários
que couberem na situação segundo a lei do processo aplicável;
A diferença do regime explica-se facilmente. O que se espera é que o Tribunal aplique
uma norma em vigor, pelo que a filtragem para o TC deverá ser maior, de outro modo, o
TC acabaria por resolver todos os processos. Assim para se poder recorrer para o TC
têm de estar esgotados os recursos ordinários e, segundo, só pode recorrer a parte que
tiver suscitado a inconstitucionalidade durante o processo.
Já se a norma em causa foi anteriormente julgada inconstitucional (subtipo 3), surge
uma situação de insegurança motivada pelo facto de um juiz comum não seguir,

157
Direito Constitucional II 158
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

aparentemente a anterior orientação do TC, o TC tinha anteriormente considerado uma


norma inconstitucional e, ainda assim, um juiz comum voltou a aplica-la no processo.
Enato, a insegurança assim gerada aconselha que a questão chegue novamente à
apreciação do TC, dado que, não obstante a sua anterior decisão de
inconstitucionalidade, um juiz comum decide continuar a aplicar a norma.

Artigo 80 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional

Artigo 80º (Efeitos da decisão)

1. A decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da


inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada.
2. Se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente,
os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o
caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento
sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.
3. No caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a
decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em
determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal
interpretação, no processo em causa.
4. Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento,
transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários,
ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário.
5. O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, à
decisão do recurso previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 70º.

A decisão que o TC proferir em fiscalização da concreta faz caso julgado no processo e aí se


esgotam os efeitos da decisão. Assim, mesmo que o TC julgue a norma inconstitucional, e
qualquer que seja o fundamento da inconstitucionalidade, a decisão só vale para o caso concreto
em julgamento, pelo que a norma em causa permanece plenamente em vigor.

Em fiscalização concreta, o TC é chamado a julgar a inconstitucionalidade da norma na sua


aplicação a um caso concreto e, consoante o sentido desse julgamento, se ele for contrário à
decisão que sobre a mesma questão tenha sido proferida pelo tribunal comum, este fica obrigado
a reformar a decisão anterior ou a obrigar reformar em conformidade com o que tinha sido
anteriormente decidido. Porém, a decisão do TC, qualquer que ela seja, só faz caso julgado no
respectivo processo, isto é, não afeta a subsistência e a validade geral da norma na ordem
jurídica.

Se o TC julgar uma norma inconstitucional, embora ela permaneça em vigor, qualquer decisão
judicial que a aplique será obrigatoriamente recorrida pelo Ministério Publico para o TC. Em
todo o caso, como não foi declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, e até
que o seja, permanecerá em vigor e a poder ser legitimamente aplicada por outros juízes em
outros processos e a ser observada pela Administração e pelos particulares.

E, por ultimo, é importante reforçar que apesar do TC ter julgado uma norma inconstitucional
em fiscalização concreta, num processo, não significa nem nada garante, que a decisão do TC
sobre a inconstitucionalidade da norma se mantenha quando o TC apreciar de novo a questão,
em sede concreta ou abstracta.

158
Direito Constitucional II 159
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

As Características Identificadoras do Regime Português de Fiscalização Concreta

É a partir desta modalidade de fiscalização que os particulares podem ter algum acesso à justiça
constitucional para protecção dos seus direitos e interesses.

Enquanto que para todas as outras modalidades de fiscalização a iniciativa é sempre de


entidades publicas (PR, PM, Deputados, Procurador-Geral da República, Provedor de Justiça),
e, portanto, só indirectamente, dirigindo-se ou peticionando junto dessas entidades, os
particulares podem suscitar questões de constitucionalidade, na fiscalização concreta, os
particulares assumem-se como atores principais, já que podem, embora com condicionamentos,
dirigir directamente ao TC através do recurso interposto das decisões dos Tribunais comuns.

A única via que os particulares dispõem para assegurar a sua tutela junto do TC é
exclusivamente através do recurso das decisões dos tribunais comuns, através, da fiscalização
concreta.

A importância relativa da fiscalização concreta (quando comparada com as restantes


modalidades de fiscalização) é decisivamente avassaladora.

Por exemplo, em 2015, ao lado de 14 processos de fiscalização sucessiva existiram 1445


decisões de fiscalização concreta.

Características Relevantes do Sistema de Fiscalização da Constitucionalidade

1. O Tribunal Constitucional Só Aprecia Normas (Não Actos)

A fiscalização consiste exclusivamente em controlo de normas.

O recurso de inconstitucionalidade para o TC não tem a ver com a decisão judicial, não respeita
a uma eventual violação de direitos constitucionais dos particulares ou da Constituição por parte
da sentença, mas incide exclusivamente sobre a eventual inconstitucionalidade de normas em
vigor: ou da norma ordinária cuja aplicação foi recusada com fundamento em
inconstitucionalidade ou da que foi aplicada apesar de se ter suscitado a respectiva
inconstitucionalidade durante o processo.

Ou seja, em fiscalização concreta, tal como acontecia já noutras modalidades de fiscalização


aquilo que o TC cura é exclusivamente da eventual inconstitucionalidade das normas, nunca de
outro tipo de atos. Aquilo que está sempre em causa num recurso para o TC é saber se uma dada
norma em vigor na ordem jurídica portuguesa é ou não inconstitucional.

Os particulares só podem proteger os seus interesses e direitos juntos do TC relativamente a


normas. Se a sua lesão de direitos decorrer, não da aplicação de normas, mas de atos, de
decisões ou de sentenças aí já não pode haver recurso para o TC independentemente dos
prejuízos sofridos e de uma eventual inconstitucionalidade.

O que chega ao TC e vai ser objeto de juízo de constitucionalidade não é o problema da


eventual lesão de um interesse ou de um direito, por mais fundamentais que estes sejam mas
apenas e exclusivamente a questão da eventual inconstitucionalidade das normas.

Por outro lado, em fiscalização concreta também não pode ser invocada a inconstitucionalidade
pela omissão de normas. A omissão legislativa pode eventualmente ser invocada no plano da

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Direito Constitucional II 160
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

fiscalização abstracta mas não no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade. Esta


incide sobre normas, nunca sobre ausência ou falta delas.

Este é um aspeto que distingue o modelo de fiscalização dos tribunais portugueses dos restantes
tribunais europeus.

2. Os Tribunais Comuns Decidem Questões de Constitucionalidade de Normas, Mas


Com Recurso Para o TC

A segunda característica distintiva tem que ver com a relação que se estabelece entre o TC e os
tribunais comuns nas decisões de constitucionalidade.

Apesar do TC ter sido criado com o objetivo de administrar a justiça em matérias de naturea
jurídico-constitucional, os tribunais comuns conservaram a competência , não apenas de
conhecerem de questões de constitucionalidade mas também de as decidirem.

 No modelo Americano, todos os tribunais e só eles fazem a fiscalização da


constitucionalidade;
 No modelo Europeu, só o TC, e só ele, faz fiscalização da constitucionalidade;

Daí decorrem três singularidades:

1) Em Portugal todos os tribunais decidem questões de constitucionalidade, porém,


quando está em causa a inconstitucionalidades dessas decisões há a possibilidade de
recorrer para o TC sempre que a decisão do juiz comum se tenha traduzido em
aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade. Em algumas situações
o recurso é, até mesmo, obrigatório (o Ministério Publico pode ser obrigado a recorrer,
mesmo que as partes não o façam), mas, em todas as outras, se a parte interessada
quiser recorrer pode sempre fazê-lo desde que acautele devidamente essa possibilidade
durante o processo, poderá sempre haver recurso desde que a parte interessada suscite
atempadamente uma questão de constitucionalidade e esgote antecipadamente os
recursos para os tribunais superiores se a eles houver lugar. .
Portanto, ao mesmo tempo o sistema português dá aos juízes comuns a possibilidade e
obrigatoriedade de decidirem questões de constitucionalidade de normas e garantir
simultaneamente a existência de recurso dessas decisões para o TC. Não obstante
permitir que todos os tribunais decidam, o nosso sistema assegura ao TC a decisão
definitiva.
2) Tratando-se da eventual inconstitucionalidade de atos ou de decisões ou, ainda,
derivada da omissão de normas, o TC em caso algum poderá decidir essas questões, o
que significa que quaisquer decisões dos tribunais comuns sobre essas matérias de
constitucionalidade são definitivas, no sentido de ficarem excluídas de posterior
controlo por parte do TC. O TC fica completamente arredado da administração da
justiça constitucional nesses domínios; a competência é exclusiva dos tribunais
comuns.;
3) Mesmo que o TC decida que a norma é inconstitucional, ela não pode, é certo, aplicar-
se no caso em julgamento, mas permanece em vigor na ordem jurídica, ou seja, pode
aplicar-se em todos os outros casos, no mesmo ou outros tribunais. No mesmo sentido,
se o TC considera que não há qualquer problema de constitucionalidade com a norma,

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Direito Constitucional II 161
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

mesmo assim, noutros processos, o mesmo juiz ou outros juízes podem continuar a
recusar-se a aplicar a norma com fundamento na sua pretensa inconstitucionalidade.

3. Qualquer Tipo de Inconstitucionalidade de Normas Pode a Qualquer Momento


Ser Sujeita à Fiscalização do TC

Uma terceira nota distintiva é a da facilidade relativa com que os particulares podem chamar o
TC a intervir e a decidir.

Através do recurso, os particulares têm a possibilidade de fazer chegar e de verem decididas


pelo TC quaisquer questões referentes à constitucionalidade e a todo o tempo, desde que se trate
de questões referentes à constitucionalidade de normas e sejam suscitadas durante um processo
judicial em curso, em primeira instância ou em recurso.

A possibilidade de recorrer e de ver a questão decidida pelo TC é independente da existência de


quaisquer prejuízos ou lesão relevantes da parte dos interessados, é independente do tipo de
inconstitucionalidade alegada, é independente do momento em que a eventual
inconstitucionalidade tiver sido cometida e é independente da relevância ou da importância
constitucional da questão.

Assim, uma norma pode estar em vigor e ser aplicada há dezenas de anos e um particular pode
invocar relativamente a ela, como fundamento legitimo de recurso ao TC, uma qualquer
inconstitucionalidade, não apenas material, mas também inconstitucionalidade formal ou
orgânica. O único requisito é que se trate de norma aplicável ao caso e que o juízo de
inconstitucionalidade que sobre ela recaia releve para a decisão material do feito em julgamento
da eventual inconstitucionalidade da norma, pressupondo, que “nos feitos submetidos a
julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou
os princípios nela consignados.” (art. 204)

4. A Decisão do TC Não Erradica a Norma Julgada Inconstitucional Nem Exclui a


Sua Aplicabilidade Noutros Casos

Quando o TC, em fiscalização concreta, julga uma norma inconstitucional, isto é, considera que
é desconforme à Constituição, a sua decisão só produz efeitos no caso concreto.

Ou seja, a norma não pode ser aplicada naquele caso, mas, logo a seguir, no mesmo ou noutros
tribunais, pode continuar a ser aplicada, tudo depende do juízo, expresso ou implícito, de
constitucionalidade que sobre essa norma faça o juiz da causa. A anterior do TC não o vincula.

O facto de a decisão de constitucionalidade se fazer a propósito de um caso concreto e valer


para esse caso não introduz, neste plano, qualquer perturbação ou insegurança quanto à
aplicabilidade da norma: a norma julgada inconstitucional poe continuar a ser “law on the
books” mas é simplesmente “dead law”, deixa de ser aplicada.

Nem a sua vigência nem a aplicabilidade geral é afetada. É certo que não se aplica no caso
concreto que determinou o recurso para o TC, mas continua em vigor e, sobretudo, pode
continuar a ser aplicada noutras situações, inclusivamente no mesmo tribunal, desde que noutros
processos assim o decidam os respectivos juízes.

161
Direito Constitucional II 162
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Em tese, uma norma pode ser sucessivamente julgada inconstitucional pelo TC em casos
concretos, mas, se ninguém tomar a iniciativa de a levar ao TC em sede sucessiva abstracta, ela
permanecerá pacificamente em vigor e a ser aplicada.

Da mesma forma, se pode verificar a situação inversa, ou seja, uma norma não é considerada
inconstitucional pelo TC e, todavia, não obstante essa posição eventualmente reiterada do órgão
encarregado de administrar a justiça constitucional, todo e qualquer juiz se pode recusar a
aplica-la com fundamento em inconstitucionalidade.

Qualquer uma destas eventualidades tem consequências nefastas em temos de segurança


jurídica, de unidade do sistema jurídico e de igualdade entre os cidadãos;

Uma norma aplica-se a um cidadão e, no mesmo dia, numa situação exactamente igual, vê a sua
aplicação recusada, independentemente de qual seja a posição que sobre ela tenha tomado o TC.

Isto é, o TC toma uma posição sobre a constitucionalidade de uma norma, mas o cidadão não
tem qualquer garantia que essa posição seja efectivamente seguida pelo juiz de outro processo.

Poderia, ainda assim, considerar-se que é apenas uma questão de tempo, já que, de outra forma,
a questão chegará de novo ap TC e este órgão reportará a normalidade e unidade do sistema
jurídico. Nem sempre, porém. Nada obriga o TC a manter a posição anterior.

Nem se pense, por ultimo, que se trata de uma hipótese de mera especulação ou exercício
puramente académico sobre hipóteses de viabilidade prática nula ou existente ou, tao pouco, de
ocorrências que se podem ter verificado no passado, mas que hoje, após as alterações
verificadas na Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, estariam já definitivamente
ultrapassadas.

Singularidade do Sistema Português da Fiscalização da Constitucionalidade

Os Dois Grandes Modelos de Fiscalização da Constitucionalidade

Após a revolução e quando Portugal chegou à democracia, havia já dois modelos de fiscalização
da constitucionalidade bastantes estabilizados.

O modelo americano foi historicamente o primeiro e era, na altura, o mais solidamente


estabilizado. Assentava numa racionalidade jurídica inatacável mas, numa medida substancial
estava estreitamente ligado às características e natureza especifica de um sistema de common
law assente na força do precedente judicial.

Por sua vez, o mais recente criado modelo europeu, assentava na instituição de um órgão
exclusivamente responsável pela administração da justiça constitucional, a quem se atribuía a
garantia derradeira dos direitos fundamentais.

Enquanto que o modelo americano se desenvolve desde o século XIX pelos diferentes estados
da América latina e alguns poucos países europeus (entre os quais Portugal, sobre a vigência da
Constituição de 1911), o chamado modelo europeu desenvolve, sobretudo a partir do seculo
passado, uma enorme força junto dos novos Estados constitucionais que integram as sucessivas
vagas de democratização na Europa, África, Ásia e na América Latina.

162
Direito Constitucional II 163
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Modelo Americano

Neste modelo, todos os juízes, de todos os tribunais, são considerados juízes constitucionais, no
sentido de que conhecem e decidem questões de constitucionalidade.

Na sua logica, quando tem uma questão jurídica para resolver e se confrontam com a
aplicabilidade ao caso de normas jurídicas opostas, eles têm uma decisão preliminar a tomar
sobre qual a norma que deve ser aplicada. E aí, todos os Estados de Direito têm normas ou
critérios jurídicos para a resolução do problema (por exemplo, norma posterior derroga norma
anterior ou norma especial prefere sobre norma geral).

Mas, entre esses critérios há também aquele segundo o qual norma superior ou hierarquicamente
superior prevalece sobre norma inferior.

Aquilo que acontece na relação entre norma jurídica constitucional e norma jurídica
infraconstitucional é essa relação de preferência, enquanto norma suprema de qualquer Estado
de Direito com Constituição em sentido formal, deve prevalecer sobre as normas
infraconstitucionais que eventualmente disponham contra ela ou tenham sido aprovadas em
infracção constitucional.

Assim, qualquer juiz, dentro dos parâmetros da função judicial, deve desaplicar a norma
ordinária inconstitucional mas, previamente, necessita de verificar se há desconformidade da
norma ordinária relativamente aos parâmetros constitucionais, ou seja, deve proceder a uma
fiscalização e decidir uma questão de constitucionalidade.

Não o faz a título principal mas incidental, a questão de constitucionalidade surge como
incidente no curso de um processo tendente à resolução de uma lide e a fiscalização a que
procede é uma fiscalização concreta, nascida e orientada funcionalmente para a resolução de um
caso concreto. É também uma fiscalização difusa porque integra as funções e competências de
todos os juízes mas está sujeita a recurso para os tribunais, superiores e, em ultima análise para
o Supremo Tribunal.

E apesar dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal estarem só a decidir o recurso de uma
decisão de caso concreto, a posição que assumirem adquire força de precedente na respectiva
jurisdição, apesar de ser uma decisão tomada no caso concreto, dispõe de força obrigatória geral
e passa a ser seguida por todos os tribunais (na ausência de uma cultura jurídica de
reconhecimento do precedente por alguns países que adotaram este modelo, foram instituídos
outros mecanismos constitucionais que procuram alcançar efeitos análogos, por exemplo, a
súmula vinculante no Brasil).

Nestes termos, tornar-se-ia bastante recorrente uma questão de constitucionalidade chegar ao


Supremo Tribunal pelo que poderia resultar na disfuncionalidade de todo o sistema.

Assim, a generalidade dos sistemas adotou mecanismos de selecção e filtragem de questões de


constitucionalidade que chegam à instância jurisdicional suprema.

Modelo Europeu

Na Europa a situação desenvolveu-se de maneira bastante diferente.

163
Direito Constitucional II 164
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A Constituição só passou a ser encarada como uma verdadeira norma jurídica na Europa após a
Segunda Guerra Mundial. Até aí, a constituição era documento de referencia politica, podia
eventualmente ser considerada norma organizatória dos poderes públicos, mas sobretudo no que
se referia a toda a parte dos direitos fundamentais, nunca norma jurídica aplicada pelos juízes.

Para além da Constituição não ser verdadeiramente assumida como uma norma jurídica, a
ausência da regra do precedente judicial nas ordens jurídicas europeias contribui para afastar a
ideia de importação para a Europa do modelo de justiça constitucional americano, visto como
governo de juízes incompatível com os quadros de uma democracia representativa assente no
voto popular e na legitimidade das assembleias representativas.

Só muito tardiamente, entre as duas guerras, se desenvolveram, na Europa, sob a influencia de


Kelsen, alguma tímidas experiência de fiscalização da constitucionalidade em torno da criação
de um tribunal especializado situado à margem da ordem judicial comum a quem cabia a
administração da justiça constitucional.

Assim, o modelo de justiça constitucional europeu é algo radicalmente novo que, assente na
atribuição exclusiva de competências nesse domínio ao TC, assume como atribuição principal a
garantia dos direitos fundamentais e dos princípios materiais estruturantes das ordens de Estado
de Direito.

Diferentemente do que ocorre no modelo americano, os juízes comuns, embora possam


conhecer das questões de constitucionalidade das normas ordinárias, não as decidem. Isto é, se
na resolução de um caso surge um problema relacionado com a duvidosa constitucionalidade de
uma norma ordinária, e o juiz da causa confirma a existência de duvidas razoáveis sobre a sua
conformidade constitucional, esse juiz suspende a instância e remete a decisão da questão de
constitucionalidade para o TC através do chamado instituto do reenvio prejudicial.

Nessa altura, ao TC não cabe a apreciação ou decisão do caso concreto mas apenas a decisão
sobre a constitucionalidade da norma em causa que, sendo eventualmente considerada
inconstitucional, não só é consequentemente desaplicada do caso concreto como é erradicada da
ordem jurídica.

Por outro lado, a protecção dos direitos fundamentais contra quaisquer normas ou atos
violadores das garantias constitucionais dos cidadãos faz-se através dos institutos da queixa
constitucional ou do recurso de amparo, através dos quais os cidadãos, em geral após
esgotarem a via judicial comum, acendem directamente ao TC para garantia dos direitos que
consideram violados ou desconsiderados, por acção ou por omissão pelo legislador, pela
administração, pelos tribunais ou pelos outros particulares.

Porém, à semelhança do que acontece no modelo americano, também no modelo europeu se


procura assegurar a viabilidade de funcionamento eficaz do sistema e se procuram prevenir
eventuais bloqueios de funcionamento através do estabelecimento de alguns filtros de acesso
direto ao TC (reserva da possibilidade de acesso só para defesa de alguns direitos
fundamentais, instituição de limites temporais para a reacção contra eventuais violações, o
esgotamento dos recursos ordinários).

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Direito Constitucional II 165
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A Origem Acidental de um Sistema Pretensamente Construído Sobre a História do


Constitucionalismo Português

Na opinião do professor Reis Novais, as singularidades do sistema não acrescentam quaisquer


melhorias sensíveis relativamente ao que é proporcionado por qualquer daqueles outros modelos
e há desvantagens sérias e significativas que podem ser imputadas às opções próprias e
exclusivas do sistema português.

Parte da doutrina entende que o sistema português apresenta características bastante positivas
por ser por ser o resultado de uma confluência natural de duas ordens distintas, mas
convergentes: a da manutenção do legado histórico do constitucionalismo português
(manutenção da conservação da fiscalização judicial difusa oriunda do modelo americano)
combinada com a modernização introduzida pela inserção europeia da Constituição
portuguesa (de onde resultaria a criação do TC responsável pela fiscalização concentrada).
Dessa junção teria resultado a constitucionalidade que combinaria, de forma criativa, tradição e
modernidade.

Na opinião do professor Reis Novais, a construção do sistema português tem uma visão menos
idílica, a dita singularidade do sistema português é explicada pelos acidentes próprios do tempo
conturbado em que a Constituição de 1976 foi preparada e aprovada.

Os traços essenciais do sistema de fiscalização têm as suas origens claramente marcadas pelo
conteúdo da segunda Plataforma de Acordo Constitucional (Fevereiro de 1976), celebrada entre
MFA e partidos.

Inicialmente, tudo apontava para a adoção do modelo europeu. Esse era o modelo apontado pela
maioria dos partidos nos diferentes projectos de constituição e o modelo defendido pela maioria
da doutrina, como foi igualmente esse o sentido da proposta que o Conselho da Revolução
apresentou aos partidos políticos.

Com efeito, aí se previa, em domínio de fiscalização concreta, a competência do Conselho de


Revolução para julgar as questões de constitucionalidade que, suscitadas nos tribunais por via
incidental ou principal, lhe chegariam através do reenvio prejudicial depois de serem
juridicamente preparadas pela Comissão Constitucional, a quem caberia a elaboração dos
projectos de acórdão. No fundo, extintos o Conselho de Revolução e a Comissão Constitucional
e substituídos nestas funções por um Tribunal Constitucional teríamos aqui a instituição típica
do chamado reenvio prejudicial comum no modelo europeu.

por outro lado, o TC não ficava limitado exclusivamente a fiscalização de normas, uma vez que
o recurso respeitava a quaisquer atos, pelo que, de algum modo, se configurava
embrionariamente o que poderia ser um posterior desenvolvimento de um recurso de amparo.

Não foi, no entanto, o que viria a ocorrer. De forma surpreendente (dada a convergência de
opiniões teóricas), houve, da parte do PPD, uma oposição a esta configuração, não por razoes de
opção estratégica, não por uma diferente visão do que deveria ser a justiça constitucional, mas
sustentada simplesmente no receio conjuntural de uma intervenção excessiva do Conselho da
Revolução neste domínio.

165
Direito Constitucional II 166
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Com base nesse receio, a proposta do PPD orientou-se para a entrega das questões de
constitucionalidade aos próprios juízes dos tribunais comuns, ainda que com recurso para um
tribunal especial, mas só nos casos em que os juízes recusassem a aplicação de normas em vigor
com fundamento em inconstitucionalidade.

Acabou por ser este modelo adotado e que subsiste até hoje, substituindo-se apenas o referido
tribunal especial por uma Comissão Constitucional a que se seguiria, naturalmente o TC (1982).

A base de adoção deste sistema foi simplesmente o receio imediatista e conjuntural de uma
intervenção excessiva dos militares por parte de um partido politico que deu origem ao sistema
actual.

O conselho de revolução desapareceu, os militares retiraram-se mas ficou um sistema de


fiscalização essencialmente inspirado e inventado pelo temor que a presença dos militares
provocara na época.

E foi dessa forma que se chegou no nosso sistema de fiscalização concreta a três características
principais:

 Os tribunais comuns, e só eles, decidem a título definitivo todas as questões de eventual


inconstitucionalidade de atos, incluindo todas as eventuais lesões aos direitos
fundamentais que resultem de acções, de decisões ou de omissões.
 Os tribunais comuns decidem aparentemente também as questões de
constitucionalidade respeitante a normas, mas só aparentemente porque a esse decisão
se segue praticamente sempre o recurso para o TC, por vezes mesmo obrigatoriamente.
 O TC decide da inconstitucionalidade de normas, mas só de normas, ficando
absolutamente afastado da decisão de eventuais inconstitucionalidade/violações aos
direitos fundamentais não resultantes de normas.

A Raiz dos Males e a Questão da Última Palavra

 O TC apenas escrutina a inconstitucionalidade de actos normativos, isso seria normal na


fiscalização preventiva e abstracta, mas passou a ser também assim na fiscalização
concreta.
Sempre e em quaisquer circunstancias, o TC só aprecia inconstitucionalidade de normas
(existentes ou em falta) mas sempre e só normas: estando em causa uma norma ou, em
certos casos, a sua falta, o TC, pode intervir; para qualquer inconstitucionalidade de
outro tipo de actos, por mais graves que sejam nas suas consequências e na ofensa à
Constituição, o TC está impedido de intervir.
 O tipo de inconstitucionalidade, a sua gravidade, a danosidade dos efeitos ou das
consequências produzidas são totalmente irrelevantes para determinar a oportunidade
ou a obrigatoriedade de intervenção do TC. Pode ocorrer uma inconstitucionalidade
gravíssima, com as mais sérias consequências, mas se não se tratar de uma norma o TC
não pode intervir. Por outro lado, uma inconstitucionalidade pode ser insignificante mas
desde que se invoque a respectiva inconstitucionalidade da norma o TC pode intervir;

Por exemplo, imagine-se que um tribunal condena alguém à morte. Foi violada uma das
normas constitucionais centrais do sistema jurídico. Porem, não se tratando de uma norma o
TC não pode intervir.

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Direito Constitucional II 167
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A pedra de toque que permite avaliar a adequação de um sistema de fiscalização de


constitucionalidade é verificar de que forma ele assegura ou não uma protecção adequada dos
direitos fundamentais.

No domínio da garantia da constituição e, especialmente, dos direitos fundamentais, é essencial


a questão de saber a quem cabe a ultima palavra.

Em Portugal priva-se o órgão supremo de jurisdição constitucional e o único que possui a


legitimidade para administrar especificamente a justiça em matéria jurídico-constitucional, da
decisão final em muitas e significativas áreas de garantia a força normativa constitucional dos
direitos fundamentais.

Será necessário distinguir 3 hipóteses:

 Se estiver em causa a violação de direitos fundamentais por parte de atos normativos a


ultima palavra é do TC, através de diferentes tipos de fiscalização da
constitucionalidade;
 Se estiver em causa a violação de direitos fundamentais no âmbito de relações entre
privados, de acordo com as respectivas leis de processo, a ultima palavra cabe ao
Supremo Tribunal de Justiça;
 Se a alegada violação de direito fundamental tiver sido atuada autonomamente por ato
da Administração ou derivar de ato ou de omissão dos tribunais administrativos a quem
cabe o julgamento do litigio, aí, também, de acordo com as leis do processo, a ultima
palavra já caberá as Supremo Tribunal Administrativo;

Nenhum destes órgãos pode interferir na ultima palavra do outro.

Mas, como de qualquer destas ultimas palavras é possível recorrer para o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem (TEDH).

O legislador constituinte criou o TC com a intenção expressa de lhe atribuir especificamente a


administração da justiça em matéria jurídico-constitucional, mas algumas das matérias
constitucionais mais relevantes, como muitas das principais e mais graves violações dos direitos
fundamentais, ficam obrigatoriamente fora da respectiva jurisdição.

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Direito Constitucional II 168
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Regime Atual de Fiscalização no Direito Português


FISCALIZAÇÃO DA
O artigo 277º reporta-se a normas jurídicas. Não significa isso CONSTITUCONALIDADE
que a inconstitucionalidade se circunscreva ao domínio de atos
normativos, significa tão-só que o regime de fiscalização (JORGE MIRANDA)
adotado na Constituição versa sobre esses actos.
➢ O Sistema Português de Fiscalização;
Este regime tem por órgãos os tribunais em geral (artigo 204º)
e o Tribunal Constitucional em especial (artigo 221º e
seguintes e 278º e seguintes);

À Assembleia da Republica é conferido o poder de “vigiar


pelo cumprimento da constituição e das leis” (artigo 162º/a)).

A assembleia pode discutir e apreciar a constitucionalidade de


quaisquer atos de quaisquer órgãos do Estado, não pode
praticar nenhum ato jurídico que os atinja ou os seus efeitos.
Não pode declara a inconstitucionalidade com força obrigatória
geral (artigo 281º), ou declarar como inexistente, nulo ou
ineficaz qualquer ato por inconstitucionalidade. Mesmo o
instituto da apreciação dos atos legislativos (artigo 169º)
serva apenas de controlo de mérito e não de validade.

Por outro lado no processo inserem-se outros órgãos, mas


trata-se de órgãos de iniciativa e não de decisão.

Normas e Disposições

Se em boa técnica legislativa a cada preceito deve


corresponder uma norma e a cada norma um preceito, nem
sempre isso ocorre e as consequências são distintas em
fiscalização preventiva e sucessiva.

Na fiscalização preventiva, a pronuncia pela


inconstitucionalidade de uma só norma ou de um só segmento
de norma implica a paralisia de todo o diploma até à decisão
final.

Já na segunda, pode perfeitamente subsistir a disposição desde


que seja autonomizável a norma ou o segmento
inconstitucional.

Um preceito pode permitir mais de uma interpretação. O TC


entende, em jurisprudência constante, que a questão de
inconstitucionalidade tanto pode respeitar à norma como à
interpretação ou ao sentido com que ela foi aplicada no caos
concreto.

Na fiscalização concreta quando a inconstitucionalidade é


imputada a interpretação normativa é discernível na decisão

168
Direito Constitucional II 169
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume ao caso concreto em
apreço) com carater de generalidade e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações,
enquanto, na inconstitucionalidade em relação à norma em si está em causa a aplicação de
critérios normativos.

A norma impugnada não tem de ser uma norma explicita, pode ser uma norma implícita.

Normas e Factos

O juízo de inconstitucionalidade previsto nos artigos 277 e seguintes é um juízo sobre normas.
A questão de inconstitucionalidade é uma questão de direito, e não de facto.

Todavia, os Tribunais não podem deixar de atender aos factos que são pressuposto de aplicação
das normas às situações de vida por eles regulada e às consequências que podem advir da
decisão de inconstitucionalidade. É o que se passa:

 No que tange à inconstitucionalidade orgânica, quanto a saber se a norma proveio de


um órgão legalmente competente;
 No que se refere à inconstitucionalidade formal ou procedimental, quanto a saber se se
verificou o quórum, ou se foi obtida a maioria de aprovação exigida, ou se foram
ouvidas as organizações de trabalhadores, ou os órgãos das regiões autónomas;
 No atinente à inconstitucionalidade material, na verificação das condições económicas,
financeiras e logísticas de que depende a efectivação de direitos económicos, sociais e
culturais e, portanto, eventual inconstitucionalidade por omissão.

Normas e Atos Não Normativos

Apesar de não ser a opinião do professor Jorge Miranda, o TC adotou uma noção funcional de
lei, de acordo com o qual todo o preceito inserido em ato legislativo, mesmo se individual e
concreto, é passível de controlo pelos órgãos específicos de fiscalização.

Excluídos do controlo do TC encontram-se quase todos os atos políticos ou do Governo e os


demais atos não normativos típicos que são os atos administrativos e as decisões judiciais.

Decerto, os atos políticos ou de governo devem ser confrontados com a Constituição para serem
válidos (art. 3º/3) e podem ser apreciados pelo Parlamento (162º/a)).

Quanto aos atos e contratos administrativos eles podem ser inconstitucionais por violação de
normas da Constituição (art. 266/2). Isto não leva, porém, à integração do conteúdo
administrativo e do contencioso constitucional. Atos administrativos inconstitucionais são
sindicados perante os tribunais administrativos e não em sede de fiscalização da
constitucionalidade, circunscrita a normas jurídicas (artigo 277/1).

Também os atos administrativos gerais ficam excluídos de fiscalização da constitucionalidade.

Quanto às decisões judiciais, o meio próprio de impugnação consiste no recurso para Tribunal
Superior. O próprio recurso para Tribunal Constitucional na fiscalização concreta (artigo 280)
não se fundamenta em inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma decisão, mas sim em
inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma aplicada ou não aplicada.

169
Direito Constitucional II 170
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Normas e Atos Públicos

A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade versa sobre normas jurídicas e atos


normativos públicos e, portanto, abrange:

a) Normas constitucionais introduzidas por revisão constitucional ou normas transitórias


ou outras constantes de leis de revisão;
b) Atos legislativos (leis, decretos-leis, decretos legislativos regionais);
c) Atos normativos da Assembleia da Republica sem forma de lei ou conexos com atos de
fiscalização política (autorização da declaração de estado de sitio; resolução da cessação
de Estado de Sitio,…);
d) Decretos normativos do PR (declaração de estado de sitio; decreto de declaração de
guerra e o de feitura de paz; decreto de nomeação dos secretários de Estado,…);
e) Regimento das Assembleias e dos demais órgãos colegiais do Estado, das regiões
autónomas e do poder local;
f) Atos normativos da Administração Pública, quando violem directamente a constituição;
g) Normas de Direito estrangeiro aplicáveis em particular, por virtude de regras de
conflito;

Estão também sujeitos a fiscalização:

a) As normas emitidas por entidades privadas, quando no exercício de poder públicos ou


por delegação de poderes públicos;
b) Os estatutos e as normas reguladoras dos partidos políticos, mormente as normas i
internas dos grupos parlamentares;
c) As convenções colectivas de trabalho;
d) Os compromissos arbitrais;
e) Os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em recurso de revista
ampliada e em recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência;
f) Os estatutos e regulamentos das federações desportivas;

Insusceptíveis de Fiscalização são as normas e os atos normativos de Direito privado:

 Contratos normativos;
 Estatutos de associações e fundações;
 Pactos sociais;
 Regulamentos internos de pessoas colectivas privadas;
 Normas deontológicas e normas técnicas;

Âmbito da Fiscalização

O regime de fiscalização de normas jurídicas no Direito Português abrange:

 A inconstitucionalidade (art. 204 e 277 e seguintes);


 A ilegalidade por violação de leis de valor reforçado por outras leis (artigo 204º, 280º e
281º);
 A ilegalidade por infracção por norma de Direito interno de norma de Direito
internacional convencional (artigo 70/1, alínea i) da Lei 28/82);

170
Direito Constitucional II 171
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

 A ilegalidade decorrente da contradição entre lei e o resultado de referendo vinculativo


(artigo 115);

Uma norma pode ser simultaneamente inconstitucional por violação direta de uma norma da
Constituição, e ilegal, por violação de uma lei de valor reforçado.

O TC tem entendido que, nestas hipóteses, a inconstitucionalidade precede e consome a


ilegalidade, embora, naturalmente, se concluir pela inconstitucionalidade, deva verificar se
ocorre ou não ilegalidade.

Mas o âmbito de fiscalização não é idêntico relativamente às normas jurídicas seu objeto:

 A fiscalização preventiva dirige-se só a normas constantes de convenções internacionais


e a atos legislativos;
 A fiscalização sucessiva, concreta e abstracta, da inconstitucionalidade por acção
abrange quaisquer normas (art, 205, 280 e 281);
 A fiscalização da inconstitucionalidade por omissão refere-se apenas a normas
legislativas (artigo 283º).

Por outro lado:

 A fiscalização preventiva é apenas de inconstitucionalidade (art. 278/1 e 2);


 A fiscalização concreta é de constitucionalidade e de ilegalidade (artigo 207 e 280º);
 A fiscalização sucessiva abstracta é de inconstitucionalidade e de ilegalidade, mas não
abrange a desconformidade de normas legislativas com normas de Direito Internacional
Convencional;

O regime de fiscalização não abrange:

 A ilegalidade por infracção por norma de Direito interno de normas de Direito da União
Europeia;
 A ilegalidade por infracção de normas dimanadas de órgão da UE ou de qualquer
organização internacional de normas dos respectivos tratados institutivos;
 A ilegalidade de normas regulamentares fora da hipótese contemplada na Constituição
(infracção direta de estatuto político-administrativo regional por regulamento emanado
de órgão de soberania ou de órgão regional).

Os Prazos de Iniciativa e de Fiscalização

Salvo na fiscalização preventiva não há prazos para provocas a abertura de qualquer processo de
fiscalização, independentemente da data de emanação da norma. Seja na concreta, seja na
abstracta sucessiva, por acção ou por omissão, a questão de inconstitucionalidade pode ser
suscitada a todo o tempo, inclusive, depois do TC, em momento anterior, se ter pronunciado
pela não inconstitucionalidade ou a não ter declarado.

Matéria diferente é a dos prazos para recorrer da decisão em que tenha sido suscitada a
inconstitucionalidade na fiscalização concreta, bem como a dos demais prazos previstos na lei
processual.

171
Direito Constitucional II 172
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Os Processos e as Decisões Positivas do TC

Modalidades de Fiscalização:

 Processos de Fiscalização Concreta (280 CRP e 69 LOTC);


 Fiscalização Abstrata da Inconstitucionalidade por ação:
 Fiscalização Preventiva (278 e 279 CRP e 57º LOTC);
 Fiscalização Sucessiva (281 CRP e 62º LOTC);
 Processo de Fiscalização da Inconstitucionalidade por omissão (283 CRP e 67 e 68
LOTC).

Os processos de fiscalização concreta decorrem em secção, salvo, quando o PR, com a


concordância do Tribunal, determine que o julgamento se faça com intervenção do plenário (art.
79-A) ou em caso de recurso para o plenário, quando o TC tenha julgado a questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adotado, quanto à
mesma norma por qualquer das suas secções (art. 79-D).

Os processos de fiscalização abstracta decorem em plenário.

Às diferentes modalidades correspondem diferentes tipos de decisões positivas:

 Julgamento de uma norma como inconstitucional na fiscalização concreta;


 Pronuncia pela inconstitucionalidade, na fiscalização preventiva;
 Declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
 Verificação da existência de inconstitucionalidade por omissão;

As decisões positivas proferidas em fiscalização abstracta são publicadas na 1ª série do Diário


da República; as demais decisões, salvo as de natureza são publicadas na 2ª série (art. 3º da Lei
28/82).

O TC é o órgão especifico, o ultimo órgão, o órgão supremo da fiscalização da


constitucionalidade. Das suas decisões não cabe recurso para mais nenhum órgão.

Fiscalização Concreta

O Sistema Português de Fiscalização Concreta

O cunho muito peculiar do actual sistema português não obsta à relevância da decisão do TC
para além do caso concreto:

 Porque cabe recurso de decisão de qualquer tribunal que aplique norma anteriormente
julgada ilegal ou inconstitucional pelo TC (art.280/5 e 2);
 Porque quando o TC julga 3 vezes inconstitucional ou ilegal a mesmo norma, pode, de
seguida, ser desencadeado um processo (de fiscalização abstracta) com vista à
declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral
(artigo 281/3);

172
Direito Constitucional II 173
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Apreciação da Inconstitucionalidade pelos Tribunais em Geral

O artigo 204º é o ponto de partida necessário da fiscalização concreta da


constitucionalidade e significa, antes de mais, que:

 Todos os tribunais, seja qual for a sua categoria (artigo 209º) exercem fiscalização, a
qual implica apreciação e não simplesmente a não aplicação;
 Todos os juízes são necessariamente juízes constitucionais e não apenas os juízes do
TC;
 A fiscalização dá-se nos feitos submetidos a julgamento, nos processos em curso em
tribunal, incidentalmente, não a título principal;
 Ninguém pode dirigir-se a tribunal a pedir a declaração de inconstitucionalidade de uma
norma;
 A questão de inconstitucionalidade só poe e só deve ser conhecida e decidia na medida
em que haja um nexo incindível entre ela e a questão principal objeto do processo, entre
ela e o feito submetido a julgamento;
 Não se desenvolve por outro tribunal, a questão vai ser cumulada com a questão objeto
do processo e cujo julgamento cabe ao mesmo tribunal, não se desenvolve para outro
processo ou para outro tribunal;
 O juiz conhece da questão em qualquer fase do processo e, por conseguinte, a sua
decisão pode não ser uma decisão final;
 A questão tanto pode ser suscitada na primeira instância como em recurso;

A fiscalização concreta da constitucionalidade revela-se indissociável da função jurisdicional


(art 204).

Sentido da Apreciação Oficiosa pelo Juiz

A apreciação oficiosa implica o seguinte:

 O juiz, dado que não está sujeito à invocação da inconstitucionalidade por uma das
partes, não tem de aplicar normas que repute inconstitucionais;
 A inconstitucionalidade não fica à mercê das partes, porquanto ambas as partes se
podem amparar numa lei inconstitucional, dando-lhe ou não interpretações diferentes;
 O juiz não tem de não aplicar sempre a mesma lei por a julgar inconstitucional;
 Mesmo que nenhuma das partes tenha invocado a inconstitucionalidade, a não aplicação
de uma norma, com esse fundamento, pelo tribunal da causa abre a possibilidade (artigo
280/1/a)) ou a obrigatoriedade (artigo 280/3) de recurso para o TC;
 A não aplicação da norma julgada inconstitucional implica a aplicação da norma
anterior que aquela haja revogado; e na sua falta, ou por ela se mostrar também
inconstitucional ou por se tratar de inconstitucionalidade superveniente, a necessidade
de integrar a lacuna de acordo com os critérios gerais (artigo 8/1 e 10 CC).

Decisões Recorríveis para o TC

Somente há recurso para o TC das decisões dos tribunais (art.280º CRP).

São 3 os tipos de decisões de que cabe recurso:

173
Direito Constitucional II 174
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

 Decisões que recusem a aplicação, de certa norma com fundamento em


inconstitucionalidade ou em ilegalidade (artigo 280/1/a) e 2/a), b) e c) CRP) ou em
contradição com uma convenção internacional (artigo 70/1, alínea i) da Lei 28/82);
 Decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sio
suscitada durante o processo (art. 280/1/b) e 2 a), b) e c) CRP) e em que a norma
aplicada seja um dos fundamentos normativos da decisão;
 Decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo TC
(art. 280/5) ou pela Comissão Constitucional (art. 70/1/b Lei nº 28/82) ou que apliquem
norma legislativa em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal (art
70º/1, alínea i) Lei 28/82);

A recusa da aplicação não tem que ser expressa, pode ser uma recusa implícita, quando a
decisão do tribunal extrai consequências correspondentes ao julgamento da norma como
inconstitucional ou ilegal.

No caso do terceiro tipo de recurso mencionado tem de se verificar uma dupla relação de
identidade:

▪ Em primeiro lugar, exige-se que a norma que o recorrente quer ver apreciada tenha sido
efectivamente aplicada pela decisão recorrida, como a sua ratio decidendi;
▪ Em segundo lugar, tem de haver identidade entre a norma efectivamente aplicada na
decisão recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo TC, não
bastando que possa ser sustentado que as mesmas razões que levaram a julgar
inconstitucional determinada norma justificariam que juízo de igual sentido fosse
formulado a propósito da norma aplicada na decisão recorrida.

Em todas estas hipóteses, afirma-se a supremacia do TC, ou seja, se a primeira palavra pode
pertencer a qualquer tribunal, a ultima palavra vai ser sempre do TC.

O TC apensas pode considerar a norma ou a interpretação normativa que tenha sido utilizada
pelo tribunal recorrido como ratio decidendi, sendo inteiramente inútil a pronuncia que recaia
sobre uma norma ou dimensão normativa que não tenha sido efectivamente aplicada ou sobre
questões que não tenham sido decididas na decisão recorrida. Nem lhe cabe censurar os
termos em que foi aplicado o Direito infraconstitucional pelo tribunal recorrido, nem
aferir a validade do juízo formulado pela decisão recorrida quanto à subsunção dos factos
ao Direito.

A Suscitação da Questão de Inconstitucionalidade Durante o Processo

O requisito do 280/1/b) relativo à invocação da inconstitucionalidade “durante o processo” deve


ser entendido num sentido puramente formal mas num sentido funcional.

Os recursos ali previstos só podem ser interpretados pela parte que haja suscitado a questão de
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que tenha proferido
a decisão recorrida, em termos de este ser obrigado a dela conhecer (artigo 72/3 LOTC); e só
pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria em causa.

174
Direito Constitucional II 175
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

As partes devem ter em conta os vários conteúdos plausíveis e aplicáveis ao caso e prever que o
tribunal poderá aplicar o menos favorável para a sua posição para virem a suscitar a
inconstitucionalidade desse conteúdo antes de o juiz proferir a decisão final.

Pode, com efeito, suceder que o interessado não tenha disposto de oportunidade processual de
arguir a inconstitucionalidade, por não poder ou não lhe ser exigível prever a aplicação da
norma. E, em tais casos excecionais o TC tem admitido, diversas vezes, o recurso, dispensando
o recorrente do ónus da suscitação prévia.

São 3 hipóteses as que a doutrina tem referido:

▪ O interessado não teve a possibilidade de suscitar a questão em virtude de lhe não ter
sido dada oportunidade para intervir no processo antes da decisão;
▪ Tendo intervindo, a questão de inconstitucionalidade só pode colocar-se perante um
circunstancialismo ocorrido já após a sua ultima intervenção processual e antes da
decisão;
▪ Ao interessado não foi exigido pelo TC que antevisse a possibilidade de aplicação da
norma ao caso concreto, de modo a impor-lhe a obrigação de suscitar a questão antes
da decisão.

Os requisitos previstos no nº1, alínea b), e nº 4 do artigo 280º vale, paralelamente, para os
recursos admitidos no nº5, quando o recorrente seja a parte vencida. Salvo as exceções
mencionadas ele deve ter suscitado a questão de inconstitucionalidade da norma julgada
inconstitucional pelo TC durante o processo.

Problema diferente vem a ser o de, em caso de recurso, haver ou não o ónus de recolocar a
questão de inconstitucionalidade.

O TC tem vindo a oscilar quanto a esta situação, por vezes defende que é necessário que a
inconstitucionalidade seja suscitada também perante o tribunal de recurso e, noutras
circunstâncias defende que nos casos em que a parte já havia colocado a questão de
inconstitucionalidade e a passou a ser recorrida numa instância superior não é exigível que
suscite de novo a questão de inconstitucionalidade.

Na opinião do professor Jorge Miranda, afigura-se preferível, tendo em conta, de novo, a ideia
de protecção dos particulares e ainda razoes de lógica interna do sistema o segundo
entendimento.

Sentido de Aplicação de Normas Anteriormente Julgadas Inconstitucionais ou Ilegais

O que acontece se um tribunal qualquer aplica uma norma que o Tribunal Constitucional
tenha declarado inconstitucional ou ilegal com força obrigatória Geral?

De um prisma de garantia da constituição e da reforçada defesa da autoridade do Tribunal, o


caminho mais seguro e mais adequado consiste em admitir algo parecido com um recurso (um
recurso atípico), para o TC, não para que este vá reapreciar a questão, mas para que verifique
que a sua declaração com força obrigatória geral não foi respeitada e mande, portanto, que o
seja, revogando-se ou reformando-se a decisão do tribunal a quo.

175
Direito Constitucional II 176
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Objeto do Recurso

O objeto do recurso é sempre a constitucionalidade ou a legalidade de uma norma e não a


constitucionalidade ou a legalidade de uma decisão judicial. Não abrange, obviamente, a
questão principal discutida no tribunal a quo.

O recurso é restrito à questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, conforme os


casos (art. 280/6). E reporta-se apenas à norma aplicada ou não-aplicada no processo, não
a qualquer outra questão.

Ao definir no requerimento de interposição do recurso, a norma ou a interpretação normativa


cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e
definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida nenhuma modificação ulterior, exceto
uma redução do pedido.

O Tribunal só pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida,


conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação (art. 79 – C LOTC).

Pode, todavia, decidir com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou


legais diferentes daqueles cuja violação foi invocada (artigo 79º-C). Ou pode mesmo dar à
norma infraconstitucional um sentido diferente do que lhe foi dado pelo tribunal recorrido e
chegar mesmo a uma interpretação conforme à Constituição que depois se impõe àquele (artigo
80/3).

Legitimidade Para Recorrer

Podem recorrer para o TC o Ministério Público e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora
do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso /art.
72/1 LOTC), entendendo-se como tais, as partes que tenham ficado vencidas (art. 680/1 CPC).

Se ambas as partes tiverem ficado vencidas, cada uma delas poderá recorrer na parte em que lhe
for desfavorável.

A atribuição ao Ministério Publico de legitimidade confere ao recurso para o TC um caráter


misto. O recurso não tem somente uma finalidade subjectiva de defesa de direitos e interesses
das pessoas (art. 20 CRP), tem também uma finalidade objectiva de defesa da integridade da
ordem jurídica; e tal fica ainda reforçado quando se torna obrigatório (artigo 280/3).

Pelo contrário, o pendor subjectivista fica reforçado quando se trate de recursos de decisões que
apliquem normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o
processo. Aqui só pode recorrer a parte que a haja suscitado (artigo 280/4 CRP e 72/2 LOTC).

Após ter julgado inconstitucional ou ilegal uma norma, o TC pode decidir em sentido diverso,
ou pode haver divergência entre as duas secções. Nem por isso fica afastado o pressuposto do
artigo 280/5.

Em contrapartida, como já decidiu o TC, a obrigatoriedade de recurso para o Ministério


Publico perde a sua razão de ser ou torna-se admissível a desistência de recurso já
interposto, quando julgando inicialmente certa norma inconstitucional, o Tribunal

176
Direito Constitucional II 177
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Constitucional vem depois a alterar essa orientação e passa a julga-la uniformemente


como não contrária à Constituição.

Os Casos de Recurso Obrigatório para o Ministério Público

O recurso é obrigatório para o Ministério Publico:

 Quando a norma cuja aplicação tenha sido recusada, por inconstitucionalidade ou por
ilegalidade, conste de convenção internacional, de ato legislativo ou de decreto
regulamentar (Art. 280/3 CRP e 72/3 LOTC); apesar de não estarem incluídas as leis de
revisão, o professor Jorge Miranda defende que elas são abrangidas pela ratio do
preceito;
 Quando seja aplicada norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo TC
(art. 280/5), norma anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional
(art.72/3) ou norma anteriormente julgada contrária à convenção internacional pelo TC
(art. 72/3);
 Por maioria de razão, quando seja aplicada norma declarada inconstitucional com força
obrigatória geral pelo TC (recurso atípico);

Alcance da Decisão do TC

A decisão da inconstitucionalidade do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão de


inconstitucionalidade ou de ilegalidade (artigo 80º/1 LOTC). Por conseguinte, vincula tanto o
tribunal recorrido como o próprio TC.

Se for dado provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixarão ao tribunal de
onde provieram a fim de que este, consoante o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em
conformidade com o julgamento da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (art.
80/2).

O TC não substitui a decisão recorrida por aquela que deveria ser emitida.

É um sistema intermédio. O TC ordena ao tribunal recorrido que profira nova decisão com o
conteúdo por ele prefixado.

O que acontece se o tribunal a quo não respeita o decidido em acórdão de provimento do TC?

A verificar-se tal hipótese, ela corresponde a violação de caso julgado e deve admitir-se a
possibilidade de uma reacção da parte afetada por esse incumprimento para o TC, uma forma de
recurso atípico, paralela ao recurso em caso de aplicação de norma declarada inconstitucional
com força obrigatória geral.

A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade por Ação

Sentido do Pedido de Fiscalização Abstrata

A fiscalização abstracta vincula-se a um poder funcional de iniciativa –ao poder de requerer ao


TC a apreciação da constitucionalidade ou da legalidade de normas jurídicas.

177
Direito Constitucional II 178
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Pedido de fiscalização:

 Na fiscalização preventiva, a iniciativa cabe ao Primeiro Ministro e a um quinto dos


deputados quanto aos decretos para serem promulgados como leis orgânicas (art.
278/4);
 Na fiscalização sucessiva, aos Representante da Republica, aos órgãos das Regiões
Autónomas e a um décimo dos Deputados às Assembleias representativas regionais
com fundamento em inconstitucionalidade por violação de direitos das regiões e em
ilegalidade por violação dos estatutos (281/2/g);

A atribuição do poder de iniciativa a fracções de titulares de órgãos (1/5 ou 1/10 dos


Deputados)está ligada com a defesa dos interesses das minorias.

Nos órgãos de iniciativa há, ainda, que distinguir entre órgãos políticos, por um lado, e Provedor
de Justiça e Procurador-Geral da Republica, por outro lado.

Os primeiros não podem deixar de gozar de larga discricionariedade. Mesmo o PR é no


contexto global do seu mandato e ponderando diferentes interesses constitucionais e políticos
que tem de decidir, com vista à garantia do regular funcionamento das instituições
democráticas.

Já o Provedor de Justiça (art. 23/1), frente a queixas dos cidadãos, e o Procurador-Geral da


República, que defende a legalidade democrática (art.219/1) encontram-se adstritos a requerer a
fiscalização sucessiva quando se lhes ofereça evidente a inconstitucionalidade.

Na fiscalização preventiva, o órgão com legitimidade para a requerer não tem, necessariamente
de sustentar a inconstitucionalidade da norma. Basta fundamentar o pedido em duvidas
razoáveis que podem ser só dele ou da comunidade jurídica.

Na fiscalização sucessiva o requerimento envolve uma verdadeira e própria impugnação.

Os particulares não têm acesso direto à fiscalização abstracta. O que eles podem é exercer o seu
direito de petição perante qualquer órgão de iniciativa, seja para a defesa dos seus direitos, seja
para a defesa da Constituição (art.52/1). Os órgãos de iniciativa tanto podem agir livre e
espontaneamente ou oficiosamente quanto em consequência de petições de cidadãos ou de
grupos de cidadãos.

Em qualquer das hipóteses, o órgão que requer a apreciação tem de assumir o pedido como tal,
tem de expressar claramente a vontade de requerer a pronuncia ou a declaração de
inconstitucionalidade, tem de marcar uma posição, não se reduzindo a mera instancia de trânsito
e de processamento de petições dos cidadãos.

O Principio do Pedido

 O Processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido e não sob
o impulso do próprio juiz/ Necessidade de iniciativa de pedido para que o processo seja
aberto;
 As partes é que circunscrevem o tema a decidir/Fixação do objeto do processo – a
constitucionalidade ou legalidade das normas a apreciar – pelo pedido;

178
Direito Constitucional II 179
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O principio do pedido implica para o requerente o duplo ónus ou a especificação das normas
cuja apreciação se pretende e de especificação das normas constitucionais (ou legais) violadas
(51º/1 LOTC).

Só com a determinação das normas infraconstitucionais e a das normas constitucionais que lhe
servem de parâmetro, fica estabelecido o objeto do processo de inconstitucionalidade.

Da mesma forma que ocorre na fiscalização concreta, aqui, o juiz pode fundamentar o seu juízo
e a sua decisão em normas constitucionais diversas das invocadas no pedido (51/5 LOTC).

Se tem de haver sempre uma fundamentação do pedido, não tem esta que ser acolhida pelo
Tribunal para que pronuncie ou declare a inconstitucionalidade ou a ilegalidade. Pode
pronunciá.la ou declará-la com base em normas constitucionais ou legais diferentes das
aduzidas no pedido. O que não pode é pronunciar-se ou declarar a inconstitucionalidade ou a
ilegalidade de normas cuja apreciação lhe não seja requerida.

Nada impede que seja pedida a apreciação da constitucionalidade de uma pluralidade de


normas, incluindo todas as normas de um diploma.

Chamado a apreciar a inconstitucionalidade ou a legalidade de uma norma que se funda noutra


norma legal, ele pode apreciar a segunda norma desde que haja uma relação necessária entre
uma e outra.

E porque a fiscalização é de normas e não de diplomas, se uma norma estiver contida em dois
diplomas, a eventual declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade abrange tal norma
em todos os diplomas em que esteja contida.

O professor Jorge Miranda entende que se o TC for chamado a apreciar a legalidade de uma
norma por contrariar lei de valor reforçado pode considera-la inconstitucional quando for caso
disso (artigo 204ºCRP).

Regime Processual da Fiscalização Abstrata

Na fiscalização preventiva, pela natureza das coisas, a norma impugnada não pode ser aplicada,
porque ainda não em vigor.

Na fiscalização sucessiva a impugnação não determina qualquer suspensão de aplicação. O


contrário seria o bloqueio da decisão pública.

Ao contrário do que acontece na fiscalização sucessiva, na preventiva permite-se a desistência


so pedido (53º LOTC).

Admitindo o pedido, o presidente do Tribunal notifica o órgão que tiver emanada a norma
impugnada para, querendo, se pronunciar sobre ele no prazo de 30 dias ou, tratando-se de
fiscalização preventiva, de 3 dias (art.54).

Na fiscalização preventiva o TC tem 25 dias para se pronunciar, prazo esse que pode ser
encurtado pelo PR por motivo de urgência (art.278/8).

179
Direito Constitucional II 180
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Na fiscalização sucessiva, não há prazo, embora, havendo solicitação fundamentada do


requerente e acordo do órgão autor da norma, o Presidente do Tribunal, ouvido este, decida
sobre a atribuição de propriedade à apreciação da decisão (art. 65º/4 LOTC).

A Fiscalização Preventiva e as Suas Funções

São três as funções da fiscalização preventiva:

 Atalhar a constitucionalidade grosseira de que estejam feridos os atos jurídico-publicos


mais importantes, evitando factos consumados que só mais tarde podem ser apagados e
cujos efeitos, não raro, por razoes de segurança jurídica, equidade ou interesse publico
de excepcional relevo, o TC tem de preservar (art. 282/4)
 Quanto às convenções internacionais, prevenir problemas graves nas relações
internacionais do Estado, visto que o principio da jus cogens da boa fé mal se
compadece com a desvinculação ou acordo com fundamento em inconstitucionalidade
 Resolver duvidas sobre a constitucionalidade de certas normas, de maneira a evitar que
o problema se ponha com maior delicadeza no futuro.

Uma norma não considerada inconstitucional em fiscalização preventiva poderá vir a sê-lo em
fiscalização sucessiva; assim como uma norma considerada inconstitucional, mas, apesar disso,
posta em vigor por força do artigo 279º/2, poderá depois não ser julgada ou não ser declarada
inconstitucional.

Diplomas Sujeitos a Fiscalização

Segundo o artigo 278º constituem objeto de fiscalização preventiva normas constantes de:

 Tratado e Acordos Internacionais;


 Leis, Decretos-leis e decretos-legislativos regionais;

Entre as leis contam-se as de autorização legislativa e entre os acordos internacionais incluem-


se necessariamente os aprovados pela AR.

As leis de revisão constitucional serão, porventura, susceptíveis também de fiscalização


preventiva?

O artigo 278 não as contempla e, pelo contrário, o artigo 286º/3 declara expressamente que o PR
não pode recusar a promulgação.

Quanto aos limites formais o professor Jorge Miranda tem vindo a defender que quanto à
apreciação dos requisitos de qualificação em caso de duvida o PR pode pronunciar-se.

Já quanto aos limites materiais, temo-la recusado por a sua dilucidação pelo PR envolver o risco
de transferir para ele o fulcro do poder de revisão.

Na opinião do professor Jorge Miranda, nos artigos 278 e 279, “lei” abrange quer leis ordinárias
quer leis constitucionais. O artigo 286 tem de ser interpretado sistematicamente conjugado com
o artigo 288.

180
Direito Constitucional II 181
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Impressiona, por logica contrária, que os direitos que nem sequer podem ser suprimidos em
estado de sitio possam ser afectados no seu conteúdo essencial ou até suprimidos por uma lei de
revisão constitucional: os direitos à vida, à integridade física, à identidade pessoal,…

Seria possível que o PR tivesse de promulgar uma lei que consagrasse a pena de morte ou a
instituição de um partido único?

Não se trata de conferir ao PR agora um poder semelhante ao que tem a respeito dos
requisitos de qualificação. Trata-se de ele ter a faculdade de requerer a fiscalização
preventiva por garantia da Constituição material.

Se é para impedir inconstitucionalidades grosseiras que se justifica a fiscalização preventiva,


não seriam hipóteses acabadas de apresentar as mais graves que se poderia imaginar? E aí,
portanto, o TC, não o PR, teria de prevalecer absolutamente sobre o Parlamento (e sem a
possibilidade de ser confirmado).

Em caso de inexistência jurídica (desrespeito das regras básicas de competência ou de forma),


não é necessária a fiscalização preventiva.

Um decreto da assembleia da república é, por exemplo, um decreto não aprovado ou não


aprovado por maioria absoluta nos casos em que a constituição prevê. Numa hipótese
destas o PR não pode promulgar o diploma, ainda que o queira fazer e, por conseguinte,
não tem ao seu alcance o veto político, nem, correlativamente, o veto translativo por
inconstitucionalidade.

O PR não veta nem deixa de vetar. Verifica sim, uma tarefa prévia, a de verificar se estão
presentes ou não os requisitos para o ato vir a ser subsumido no tipo constitucional de lei e
verificando que tais requisitos não estão reunidos, não promulga e devolve o texto ao
órgão donde tenha provindo para que este, se assim entender, retome o procedimento.

Se, apesar de tudo PR requerer a fiscalização preventiva o TC não poderá recusar-se a


conhecer do pedido; e como a questão da existência jurídica é questão prévia a suscitar e a
resolver, na prática o resultado não será muito diferente do que ocorreria se não fosse
chamado a intervir.

Como a fiscalização preventiva é só de constitucionalidade, ao TC incumbe fazer uma


qualificação prévia, tendo de rejeitar o pedido, quando concluir que o problema não lhe
reconduz.

Iniciativa e Tempo de Fiscalização

Não há uma sujeição automática dos diplomas a apreciação. Tem de haver uma iniciativa, livre
em si mesma, mas que tem de se manifestar em certo tempo, exíguo.

A iniciativa exerce-se:

✓ Quanto aos tratados, antes da ratificação;


✓ Quanto aos acordos, antes da assinatura dos respetivos decretos ou resoluções de
aprovação;
✓ Quanto às leis ou decretos-leis, antes da promulgação;

181
Direito Constitucional II 182
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

✓ Quanto aos decretos-legislativos regionais antes da assinatura.

O poder de iniciativa foi alargado, quanto às leis orgânicas, também ao Primeiro Ministro e a
um quinto dos Deputados à AR.

Pretende-se dar um suplemento às leis orgânicas em termos da não pronuncia pela


inconstitucionalidade.

A iniciativa não preclude o veto politico: no caso de o TC não se pronunciar pela


inconstitucionalidade tanto o PR como o Representante da República podem exercê-lo,
solicitando nova solicitação ou comunicando-o ao G, conforme os casos (136/1 e 4 e 233/1 e 4).

Pelo contrário, o exercício do veto politico preclude a iniciativa de fiscalização preventiva.

A haver depois veto politico não parece que possa estribar-se em razoes jurídicas já
consideradas e rejeitadas no acórdão que o TC tenha emitido na fiscalização preventiva acabada
de realizar.

No entanto, se em segunda deliberação, a AR ou a ALR modificar o texto do decreto, nada


impede, por se tratar de novo decreto, que venha a ser aberto um novo processo de fiscalização
preventiva.

A fiscalização preventiva deve ser requerida num prazo de oito dias:

 A contar da data de receção do diploma pelo PR ou pelo RR (art. 278/3);


 E, quanto ao Primeiro Ministro ou a um quinto dos deputados em efetividade de
funções, tratando-se de diploma a promulgar como lei orgânica, a contar da data em que
tomam conhecimento, através do Presidente da Assembleia da República, do envio do
diploma ao PR (278/5 e 6).

O PR não pode promulgar qualquer decreto correspondente a lei orgânica sem que decorra o
prazo conferido ao Primeiro Ministro ou a um quinto dos deputados à AR para requerer a
fiscalização preventiva ou sem que o TC se pronuncie, quando a intervenção deste tenha sido
requerida (art. 278/7).

E que acontece se, apesar disso, o PR promulga?

Tal parece ser uma situação limite, em que não se vê possibilidade de voltar atrás e em que
somente através da fiscalização sucessiva pode vir a ser apreciada a lei orgânica promulgada
nestas circunstâncias. (pode colocar-se a questão da legitimidade da referenda numa situação
como esta)

Se o PR exercer veto politico antes de passados aqueles oito dias e a AR vier a confirmar o
diploma, talvez seja de admtir a fiscalização preventiva, não por iniciativa do PR, mas do
Primeiro Ministro ou de Deputados (por entenderem ainda valer a pena submeter a
questão de constitucionalidade ao TC, são diferentes órgãos envolvidos numa e noutra).

E se o TC exceder o prazo de que dispõe sem se pronunciar?

182
Direito Constitucional II 183
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Obviamente será uma omissão constitucional, sem que se comine sanção ou sem que se extraia
qualquer ilação acerca da validade das normas sub judice, quanto muito poderá o PR considerar-
se autorizado a promulgar ou a exercer o veto politico.

Pronuncia no Sentido da Não Inconstitucionalidade

No caso de quaisquer normas, exceto normas de tratados, se o TC se não pronunciar pela


inconstitucionalidade, o PR ou o RR deverão promulgar ou assinar o diploma, a não ser que
exerçam de seguida, no prazo constitucional, veto político.

Já no caso da decisão pela não inconstitucionalidade de norma inserida em tratado, o PR não


fica obrigado a ratificar o tratado, porquanto a ratificação é livre.

Pronuncia no Sentido da Inconstitucionalidade

A pronuncia de inconstitucionalidade tem efeitos e consequências imediatas e efeitos e


consequências subsequentes, de acordo com os vários diplomas (artigo 279).

Efeitos imediatos comuns são a impossibilidade de promulgação, de assinatura ou de ratificação


e devolução do diploma ao órgão donde tenha dimanado.

Os efeitos subsequentes são os que afetam os diplomas depois de devolvidos. E há que proceder
a uma dupla contraposição: entre decretos e convenções, por um lado, e entre decretos das
Assembleias e decretos do Governo, por outro.

Entre os diplomas de cujas normas pode ser pedida a apreciação preventiva incluem-se os
estatutos das regiões autónomas, aprovados por lei da Assembleia da Republica. No caso de se
pronunciar pela inconstitucionalidade, a CRP não impõe que o diploma seja devolvido às
regiões, são situações diversas: a do estatuto já aprovado pela Assembleia da República ou de
projeto (proposta de lei de assembleia legislativa regional). Porém, também não o impede.

Os decretos podem ser reformulados (279º/2).

A reformulação há-de consistir no expurgo da norma objeto do juízo de inconstitucionalidade.


Mas pode abranger a introdução de alterações impostas pelo próprio expurgo ou decorrente da
livre deliberação do órgão cujo poder não se esgota na aprovação inicial. Compete ao órgão
legislativo e, só a ele, a tarefa de reformular o diploma, com a contrapartida de, nesta hipótese,
poderem, ainda, os órgãos de iniciativa requerer outra vez apreciação preventiva, seja de novas
normas, seja de normas preexistentes, seja até do expurgo.

Os artigos 136/1 e 233/2 só contemplam o veto politico a seguir à pronuncia pela não
inconstitucionalidade, mas não é de excluir veto politico também no caso de expurgo da norma
inconstitucional ou no caso de reformulação (em face da ratio desses preceitos).

Pode ainda haver a confirmação do diploma, a sua aprovação (mas não pelo Governo),
mantendo-se intocada a norma considerada inconstitucional.

183
Direito Constitucional II 184
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Se a AR ou a ALR confirmar o diploma por maioria de dois terços desde que superior à maioria
absoluta dos deputados em efetividade de funções, o PR ou o RR poderão promulga-la ou
assiná-la, consoante o caso (artigo 279/2).

Para os tratados - 279/4

Com efeito, a faculdade de promulgação ou de assinatura afigura-se uma via de equilíbrio entre
o órgão legislativo representativo e o órgão de fiscalização da constitucionalidade, com
arbitragem pelo PR, também ele órgão representativo, ou pelo RR.

E é uma solução harmónica com o Estado de Direito democrático (art. 2º). Pois se fosse
puramente democrático nem havia fiscalização da constitucionalidade e, se fosse puramente de
Direito, tudo acabaria com a primeira pronuncia do TC.

Enquanto que no veto politico, em caso de confirmação há um dever de promulgação ou


de assinatura, porque o órgão legislativo deve prevalecer sobre o órgão de veto, na
fiscalização preventiva há apenas uma faculdade, porque nem o órgão legislativo deve
prevalecer sobre o juízo de inconstitucionalidade, nem o TC sobre a assembleia politica
representativa.

Paulo Otero segue esta posição mas exclui a possibilidade de promulgação quando estejam em
causa direitos, liberdades e garantias. Jorge Miranda, exclui a promulgação só no caso do 19/6,
porque tendo em conta o enorme catálogo, acabar-se-ia por reduzir a margem de decisão.

Fiscalização Preventiva dos Referendos

223/2/f + 115/8 = Fiscalização preventiva obrigatória:

 Abrange tanto constitucionalidade como legalidade;


 É obrigatória, sem depender da opção do órgão de iniciativa;
 Dispensa fundamentação do pedido;
 Não inclui contraditório, por não se estabelecer a audição do órgão autor da proposta de
referendo;

Com o referendo politico vinculativo nacional o Parlamento ou o Governo fica constituído no


dever de aprovar. Logo, apreciar a constitucionalidade ou a legalidade do referendo, significa,
apreciar a validade do ato que virá, eventualmente, a ser emitido como sua decorrência
obrigatória.

Fiscalização Sucessiva Abstrata Por Ação

O artigo 281/1 contempla a apreciação:

a) Da inconstitucionalidade de quaisquer normas;


b) Da ilegalidade de normas constantes de ato legislativo com fundamento em violação de
lei com valor reforçado;
c) Da ilegalidade de normas constantes de diploma regional com fundamento em violação
do estatuto da região autónoma;
d) Da ilegalidade de normas constantes de diploma dimanado de órgãos de soberania com
fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no estatuto.

184
Direito Constitucional II 185
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O poder de iniciativa distribui-se diferentemente nestas 4 hipóteses.

Podem pedir a apreciação e a declaração da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de quaisquer


normas, com qualquer fundamento (art.281):

✓ O PR;
✓ O Presidente da Assembleia da Republica;
✓ O Primeiro-Ministro;
✓ O Provedor de Justiça;
✓ O Procurador-Geral da República;
✓ Um décimo dos deputados à AR;

Só poem requere a fiscalização da inconstitucionalidade e da ilegalidade de certas normas e com


certo fundamento (art. 281):

✓ Os RR;
✓ Os Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais;
✓ Os Presidentes dos Governos Regionais;
✓ Um décimo dos Deputados à respetiva Assembleia Legislativa Regional.

Estas entidades só podem pedir a fiscalização da inconstitucionalidade com fundamento em


violação dos “direitos das regiões autónomas” ou pedir a declaração da ilegalidade com
fundamento em violação do estatuto da respetiva região.

Os pedidos de apreciação da inconstitucionalidade ou da ilegalidade podem ser apresentados a


todo o tempo.

O requerimento de apreciação da constitucionalidade ou da legalidade não suspende a aplicação,


a vigência ou a eficácia das normas impugnadas, nem o TC pode adotar providências cautelares.

Se essas normas vierem a ser declaradas inconstitucionais ou ilegais, cabe ao TC enfrentar os


efeitos que elas tenham produzido.

Quando o ato normativo é juridicamente inexistente não é necessário o pedido de apreciação da


inconstitucionalidade (nada o impede, por motivos de certeza e segurança do Direito objetivo).

A Passagem da Fiscalização Concreta à Fiscalização Abstrata

Segundo o artigo 281/3, o TC aprecia e declara, com força obrigatória geral, a


inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada
inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos.

A apreciação fica dependente de uma iniciativa e, depois, fica sujeita ao regime geral da
fiscalização abstrata sucessiva, com possibilidade, designadamente, de ser ouvido o órgão autor
da norma e de serem obtidos mais elementos e informações. O pedido leva consigo um juízo
sobre a suficiência da ultima decisão concreta para que se passe à declaração com força
obrigatória geral, mas é um novo processo de fiscalização que vem então a abrir-se e uma nova
decisão do TC que tem de se formar.

Os três casos concretos tanto podem ter sido decididos em instancia de recurso como em
incidente no próprio Tribunal, ao abrigo do artigo 204º CRP.

185
Direito Constitucional II 186
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Os 3 casos julgados inconstitucionais podem ter fundamento diverso: a identidade tem de ser a
norma julgada inconstitucional, não a norma parâmetro.

Nada impede que o Tribunal não declare a inconstitucionalidade ou que declara a


inconstitucionalidade com amplitude menor do que a do julgamento de casos concretos, ou que
declare, apenas, a inconstitucionalidade de um segmento de norma, e não de toda a norma.

A iniciativa da passagem, da abertura do processo de fiscalização abstrata subsequente à terceira


decisão concreta coincidente, pertence a qualquer dos juízes ou ao Ministério Público (art. 82º
LOTC).

Esta questão não se aplica aos tratados. Não cabe no espirito do 281/3.

Ressalva dos Casos Julgados

Regras Comuns à declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade:

1) A retroatividade da decisão e, portanto, o seu carácter declarativo de nulidade da norma


inconstitucional ou ilegal;
2) Como limite à retroatividade, a ressalva, em principio, dos casos julgados;
3) Como limite, por seu turno, à ressalva dos casos julgados, a decisão em contrário do TC
quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação
social e for de conteúdo menos favorável ao arguido;
4) A possibilidade, em certas circunstâncias, de fixação dos efeitos da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade pelo TC com alcance mais restritivo do que o
alcance previsto em geral pela Constituição.

São regras especificas da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade originária:

1) A produção de efeitos da declaração desde a entrada em vigor da nova norma


constitucional ou legal;
2) A ausência de repristinação;

Retroatividade da Declaração e Repristinação

A declaração de inconstitucionalidade produz efeitos retroativamente e não apenas a contar da


data da própria declaração.

Isto ocorre por razões de igualdade no tratamento das pessoas e por a constituição ser o
fundamento de validade de todas as normas.

Apenas se aplica a repristinação no caso de inconstitucionalidade ou ilegalidade originária, no


caso da superveniente não se aplica.

Se existe, antes, a norma constitucional e, a seguir, surge uma norma que lhe é desconforme,
esta não pode ter a virtualidade de realizar a função a que se pretende destinada; invalida desde
a origem, vem a ser declarada inválida (inconstitucional) também desde a origem; e, porque
nenhuma capacidade de modificação da ordem jurídica possui, tão-pouco poderia ter
validamente revogado uma norma precedente sobre a mesma matéria, pelo que a declaração da
sua inconstitucionalidade importa ainda o renascimento ou restauração dessa norma.

186
Direito Constitucional II 187
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por isso mesmo, a repristinação não pode ser, aqui, entendida nos mesmo moldes aos da
repristinação da lei revogada (art.7/4 CC). Ela opera automaticamente por força da Constituição.

Se, ao invés, existe primeiro norma de direito ordinário conforme com a Constituição e, de
seguida, emerge uma nova norma constitucional que dispõe em sentido discrepante, há que
distinguir duas fases:

 Até à entrada em vigor desta nova norma – fase em que, por hipótese, a norma de
direito ordinário era válida e eficaz;
 Fase em que a norma se torna inconstitucional.

Por conseguinte, a declaração de inconstitucionalidade vem reportar-se a este momento e,


porque não atinge o momento de criação da norma, não pode afetar o efeito revogatório
que tenha determinado; donde, não haver repristinação.

Tudo passa por perceber se uma norma que revoga outra é ou não inválida. Se é inválida, não
pode ter efeito revogatório válido e, portanto, é lógico que readquira vigência a norma anterior.
Se a norma revogatória, pelo contrário, não é inválida, validamente revogou a norma anterior e
esta não pode renascer.

Nem sempre, contudo, se produzirá a repristinação. Além da hipótese de ausência de norma ou


lei anterior, outra há que convém registar:

 Leis de vigência predefinida como as leis das grandes opções dos planos nacionais, as
leis orçamentais e as que estabelecem limites máximos dos avales a conceder em cada
ano do Governo (161/g) e h));
 Leis de Circunstância como as de amnistia e de perdoes genéricos (161, f)) e, em geral,
as leis-medidas;
 Leis de Autorização Legislativa (161/d) e e);

Alem disso, poderá haver repristinação parcial com fundamento em qualquer das causa
enunciadas no artigo 282/4 CRP.

A declaração de inconstitucionalidade originária de uma norma determina a reposição em vigor


da norma que ela, eventualmente, haja revogado (artigo 282º/1).

A Ressalva dos Casos Julgados

A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de qualquer norma não afeta
os casos julgados. Ou seja, não modifica, nem revoga a decisão de qualquer tribunal transitada
em julgado que a tenha aplicado, nem constitui fundamento da sua nulidade ou de recurso
extraordinário de revisão.

Garante-se, assim, a autoridade dos tribunais (202º), garante-se o seu poder de apreciação da
constitucionalidade e da legalidade (294) e, ainda, o direito dos cidadãos a uma decisão
jurisdicional em prazo razoável (20º/4).

Tudo isto decorre da exigência de segurança jurídica.

O que, em definitivo, está vedado, é uma lei inconstitucional atingir caso julgado ou qualquer
lei afetá-lo sem mediação de nova decisão judicial.

187
Direito Constitucional II 188
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por isso, também se compreende, que o TC possa tomar uma decisão em contrário em matéria
penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social (artigo 282º/3).

A ressalva dos casos julgados não obsta à proteção a dar ao particular atingido pela norma
declarada inconstitucional, que poderá propor uma ação de responsabilidade com base no artigo
22º CRP ou, se for caso disso, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença transitada.

A Ressalva dos Casos Julgados e o Tratamento Mais Favorável em Direito Penal

A par do principio da legalidade, o Direito Penal acolhe o principio do tratamento legislativo


temporalmente mais favorável (segurança e justiça) e de salvaguarda dos direitos, liberdades e
garantias individuais frente ao poder punitivo do Estado.

O Estado não terá nunca um direito de punir mais amplo do que o que for considerado pela lei
vigente no momento da sua aplicação (retroatividade da lei penal mais favorável).

Se for declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de certa lei penal e, por
causa disso, for repristinada ou vier a tornar-se aplicável uma lei de conteúdo mais favorável,
será esta a que deverá efetivamente ser aplicada.

Por conseguinte, não será ressalvado o caso julgado quando a norma declarada
inconstitucional ou ilegal respeitar a matéria penal – ou a matéria de mera ordenação
social - e for de conteúdo menos favorável ao arguido (art. 282/3), ou seja, quando da sua
declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade resultar uma pena ou da sanção ou
uma exclusão, isenção ou limitação da responsabilidade.

E no caso da declaração de inconstitucionalidade envolver a repristinação de uma lei menos


favorável?

Nestas circunstancias o TC tem de avaliar as circunstancias e conformar a situação.

A Restrição dos Efeitos de Inconstitucionalidade

Fixar os efeitos com alcance mais restrito do que o previsto no artigo 282º/1 e 2 significa:

 Reduzir ou eliminar o âmbito retroativo da declaração (o que vale tanto para a


inconstitucionalidade originária como para a inconstitucionalidade superveniente), e
podendo entender-se que o TC recorra a limitações temporais apenas quanto a certos
efeitos produzidos pela norma e que deixe que outros se produzam desde o inicio;
 Não proceder ou obstar à repristinação da norma anterior (só valerá para a
inconstitucionalidade originária);

Mas este poder pressupõe uma avalização dos efeitos da decisão em face dos concretos factos e
situações de vida.

A sentença do TC será constitutiva e conformadora dos efeitos limitados da lei inconstitucional.

De todo o modo, a decisão ao abrigo do artigo 282/4 está condicionada por um principio de
proporcionalidade na sua triple vertente: necessidade, adequação e racionalidade.

188
Direito Constitucional II 189
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A limitação de efeitos surge como um meio de atenuar os riscos da incerteza e insegurança,


consequentes, em principio, à declaração de inconstitucionalidade.

Dado o seu carácter necessariamente excecional, qualquer limitação de efeitos de uma


declaração de inconstitucionalidade deve ser ela mesma reduzida ao estritamente
necessário para a salvaguarda dos valores mencionados no artigo 282º.

Há limites absolutos à limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de


ilegalidade com força obrigatória geral por força de princípios fundamentais:

 Não pode o TC restringir os efeitos de declaração de inconstitucionalidade ou de


ilegalidade de norma violadora de direitos suscetíveis de suspensão em estado de sitio
(19º/6 CRP);
 Não pode o TC fazer aceção de pessoas ou de situações objetivamente não fundadas,
porque tal infringiria o principio da igualdade (13º);
 Não pode o TC restringir os efeitos de declaração de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade de norma constante de lei do Estado ou de convenção internacional em
razão do território, porque tal agrediria a estrutura unitária do Estado (6º CRP) e, de
novo, o principio da igualdade;
 Não pode a restrição de efeitos atingir decisões de inconstitucionalidade transitada em
julgado;
 Não pode o TC diferir para o futuro;
 Não pode haver limitação de efeitos de inconstitucionalidade quanto a atos normativos
juridicamente inexistentes.

Vale a ratio do artigo 282/4 analogamente no campo dos artigos 204º e 280º? Tendo
consciência da volatilidade e até das situações e vida, ainda mais patente na fiscalização
concreta do que na abstrata, admitimos que sim, pelo menos quando estejam em foco a
segurança jurídica e a equidade.

Se for um tribunal qualquer a fazer a restrição de efeitos de inconstitucionalidade no caso


concreto, a sentença será necessariamente recorrível para o TC, mas pressupondo sempre o
juízo de inconstitucionalidade e, portanto, a aplicação da alínea b) do 280/1.

A fixação dos efeitos pelo TC obriga, nos termos gerais das decisões, todos os tribunais ou, se
for em fiscalização concreta, o tribunal em causa.

Se um tribunal não a acatar e se ela constar de declaração de inconstitucionalidade ou de


ilegalidade com força obrigatória geral, poderá haver recurso para o próprio TC, para que este,
fazendo prevalecer a sua autoridade, revogue a decisão recorrida.

189
Direito Constitucional II 190
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Caso Prático Nº1

O Partido Democrático Socialista apresentou uma proposta de


CASOS PRÁTICOS
lei de criação do município da Cidade Universitária, área que ➢ Atividade Legislativa da
deixaria, assim, de integrar o município de Lisboa. Assembleia da República;
A Proposta foi objeto de votação na generalidade, tendo sido
aprovada por 100 votos a favor e 80 contra, tendo os restantes ➢ Procedimento Legislativo;
deputados optado pela abstenção.

A proposta foi submetida a discussão e votação na


especialidade em comissão, tendo sido aprovada pela maioria
dos Deputados.

Após a votação final global, o PR concluiu que o diploma não


tinha sido aprovado, por não ter reunido a matéria necessária
de dois terços dos Deputados presentes.

Quid Iuris?

Segundo o artigo 164º/n, é da competência por reserva absoluta da


Assembleia a criação, extinção e modificação de autarquias locais
e respetivo regime, sem prejuízo dos poderes das regiões
autónomas.

O primeiro elemento que pode levantar dúvidas é em relação à


apresentação da proposta de lei. O enunciado refere que foi o
Partido Socialista a apresentar, não diz se o partido tem ou não
representação parlamentar.

O artigo 167/1 esclarece que só os deputados, os grupos


parlamentares, os grupos de cidadãos e as Assembleias
Legislativas das Regiões Autónomas têm competência para
apresentar proposta ou projeto (depende se a entidade que
apresenta é interior ou exterior à AR).

Se o PS tiver assento parlamentar o processo continua e tem


competência para o fazer, caso não tenha representação
parlamentar há, desde logo, inconstitucionalidade formal, porque
foi apresentado um projeto por um Partido, e os partidos não o
podem fazer.

Outro problema que se pode levantar está relacionado com a


instrução. Segundo o artigo 249 “a criação ou a extinção de
municípios, bem como a alteração da respetiva área, é efetuada por
lei, precedendo consulta dos órgão das autarquias abrangidas”. O
enunciado nada diz sobre esta questão. Se não foram ouvidos os
órgãos das respetivas autarquias ocorre, mais uma vez,
inconstitucionalidade formal.

190
Direito Constitucional II 191
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O enunciado nada diz em relação ao quórum (art. 116/2). Mas consegue-se deduzir que estavam
presentes mais de 116 deputados, logo, não existe qualquer problema a este respeito.

Em relação à matéria a regular, a Constituição não exige, no artigo 168º uma maioria
qualificada, aplica-se, portanto, o artigo 116/3 e a maioria para as 3 fases de votação será a
maioria simples (mais votos a favor do que votos contra).

Em relação à votação na generalidade, 100 deputados votaram a favor, 80 contra e os restantes


(50) optaram pela abstenção. Sendo exigida a maioria simples a proposta passou para a
discussão e votação na especialidade, foi aprovada na votação em generalidade.

Quanto à votação na especialidade, mais uma vez, a CRP não exige uma maioria qualificada,
aplicar-se-á, portanto, o artigo 116/3 e a maioria simples.

Contudo o artigo 168/4 faz uma exigência. A matéria a regular tem de ser obrigatoriamente vota
na especialidade em Plenário.

O enunciado diz que a proposta foi votada na especialidade em comissão, logo, ocorre
inconstitucionalidade formal, mesmo tendo existido uma maioria de votos a favor, a CRP exigia
a votação na especialidade em Plenário, o que não sucedeu.

Em relação à votação final global não é dito o número de votos, apenas diz que o PAR concluiu
que a proposta não foi aprovada porque era necessária maioria de dois terços dos deputados
presentes.

Mais uma vez, a CRP nada diz em relação à maioria exigida, logo aplicar-se-ia o artigo 116/3,
apenas seria exigida maioria simples.

Caso Prático Nº 2

Em 5 de Março do corrente ano, a AR aprovou em votação final global uma nova lei
eleitoral para a eleição do Parlamento que, entre outras alterações, criava um sistema
misto, através da introdução de círculos eleitorais uninominais, a par de um círculo
nacional eleito de acordo com o princípio da representação proporcional.

O projecto de lei aprovado, da iniciativa de um grupo de cidadãos eleitores, tinha sido


aprovado na generalidade e na especialidade por 116 votos a favor e os restantes 114
contra, tendo estado presentes no mesmo todos os Deputados em efetividade de funções.

Estando o PR no estrangeiro, o decreto foi promulgado pelo Presidente da Assembleia da


República.

O Governo recusou, contudo, a referenda ministerial.

Quid Iuris?

Segundo o artigo 164/a é de reserva absoluta da AR legislar sobre as eleições dos titulares dos
órgãos de soberania, logo, só a AR tem competência para legislar sobre a matéria especifica
referida no enunciado.

191
Direito Constitucional II 192
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A iniciativa foi apresentada por um grupo de cidadãos, não especificando o número, a Lei de
Iniciativa dos Cidadãos, no artigo 6º exige que a iniciativa tenha de ser proposta por um mínimo
de 20000 cidadãos eleitores, caso não existam existe ilegalidade por violação da Lei de
Iniciativa dos Cidadãos e inconstitucionalidade indirecta por violação do artigo 167/1 quando
manda atender aos “termos e condições estabelecidos na lei”.

Sendo de iniciativa dos cidadãos, ao contrário do que está presente num enunciado, não se fala
em projecto de lei mas sim em proposta de lei, porque a iniciativa legislativa é externa à AR.

Relativamente ao quórum, a CRP exige que estejam presentes 116 deputados (atendendo aos
230 lugares) para que as decisões tomadas possam ser válidas. Estavam presentes os 230
deputados, logo, não existe qualquer problema neste âmbito.

Por força do artigo 166/2 está-se perante uma proposta de lei de lei orgânica.

Na votação na Generalidade não há qualquer imposição constitucional, logo, recorrer-se-á ao


artigo 116/3 e, para aprovação da proposta, será necessária uma maioria simples. O enunciado
explicita que 116 deputados votaram a favor e 114 deputados contra, a lei foi aprovada (basta
que hajam mais votos a favor do que votos contra). Por exemplo se fossem 115 votos a favor e
115 votos contra a lei não seria aprovada na generalidade e as etapas do procedimento
legislativo terminariam por aqui.

Por força do artigo 168/4 esta proposta tem de ser obrigatoriamente votada na especialidade
pelo Plenário, o enunciado não diz se foi no Plenário ou em Comissão, mas, uma vez que 230
deputados votaram, obviamente, que a votação ocorreu em Plenário, não existe nenhuma
vicissitude quanto a este ponto.

Questão diferente é em relação à maioria exigida para aprovação.

Por força do artigo 168/6/d as disposições das leis que regulam a matéria respeitante às eleições
dos titulares dos atos (art. 164/a) carecem de ser aprovadas por maioria de dois terços dos
deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de
funções.

Ou seja, atendendo aos 230 lugares, a maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções
equivale a 117 deputados (230/2 = 115; 115+1=116; 116+1=117, por outras palavras metade
dos 230 deputados equivale a 115 deputados, logo, a maioria absoluta será de 116, mas o artigo
diz que tem de ser “superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções”, por
isso, serão 117 deputados). A maioria de dois terços será calculada caso a caso, consoante os
deputados presentes na Assembleia, os votos a favor (maioria de dois terços), terão que ser
sempre superiores a 117.

Em principio os 117 deputados não vão variar, só acontece se algum morrer ou se por alguma
razão cessar o mandato, nesse caso diminui o numero de deputados em efetividade de funções,
e, como consequência, vai reduzir, também, o número da maioria dos deputados em efetividade
de funções, porém esta redução é temporária porque o seu lugar vai ser substituído (art.153/2
CRP).

Neste caso concreto, visto que estavam presentes os 230 deputados a maioria exigida para
aprovação de algumas das normas na especialidade será de 154 deputados.

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Direito Constitucional II 193
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Necessário destacar que a imposição que é feita não é para todas as normas da lei mas apenas
para aquelas que dizem respeito ao artigo 164/a, as restantes, visto que não há exigência de uma
maioria qualificada, serão aprovadas com maioria simples (art.116/3).

Logo, na votação em especialidade serão compreendidas duas maiorias, uma maioria de dois
terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções (no caso, 154 deputados) e uma maioria simples ou relativa (art. 116/3).

Consequentemente, o enunciado refere que, na votação em especialidade, reuniram-se 116 votos


a favor e 114 contra, nesse sentido, as disposições relativas ao artigo 168/6/d não foram
aprovadas, as restantes (todo o regime a que não se aplique a maioria qualificada) foram
aprovadas.

Quanto à votação final global, por força do artigo 168/5, as leis orgânicas carecem de aprovação
por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções. O enunciado não expressa o
numero exato, mas começa por dizer que a proposta foi aprovada em votação final global.

Sem recurso a mais dados, resta dizer que para ser aprovada em votação final global seriam
necessários 116 votos (230/2+1=116, ou seja, a maioria absoluta dos deputados em efetividade
de funções). Tendo em conta que que na especialidade e na generalidade foi aprovada por 116
deputados, não tendo necessariamente de ocorrer, supor-se-á que o mesmo aconteceu na votação
final global e, consequentemente, a lei foi aprovada.

Para a designação de um presidente da republica interino (art.132ºCRP) tem de haver um


impedimento efectivo (por exemplo, a morte). O Presidente da Assembleia da República não
havia sido designado presidente interino, logo, incorre inconstitucionalidade orgânica, visto que
não tem competência para praticar o ato da promulgação.

Imaginando que o PAR havia sido designado presidente interino haveria a considerar que a
competência para promulgar decorre do artigo 164/b) que não se encontra prevista no artigo
139ºCRP, logo, poderia promulgar.

O artigo 139/1 enumera os atos que o PR interino não pode praticar, o 139/2 enumera os que
pode praticar após a audição do Conselho de Estado. Todos os demais pode fazer sem
necessidade de audição. Não estando o artigo 134/b (promulgação) em nenhum destes artigos,
pode ser feito pelo presidente interino.

Por força dos artigos 134/b)e 140/1 CRP, o ato de promulgação está sujeito a referenda
ministerial.

Este instituto já vem da monarquia constitucional e destinava-se a controlar o monarca, hoje em


dia não faz sentido. A recusa não ocorre.

Se o Governo pudesse recusar a referenda isso teria repercussões ao nível do sistema de


Governo. No entanto, a CRP não proíbe. A solução consiste em admitir um costume
constitucional e reconhecer que a praxis constitucional impede a recusa da referenda.

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Direito Constitucional II 194
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Caso Prático Nº 3

Em 9 de Março do corrente ano, a Assembleia da República aprovou alterações à lei que


regula a actividade da Entidade Reguladora da Comunicação Social, no sentido de lhe
disponibilizar meios mais eficazes de repressão de violações do princípio da igualdade no
tratamento jornalístico das candidaturas dos partidos políticos nos próximos actos
eleitorais. O projecto de lei foi aprovado na generalidade e na especialidade por 116 votos
a favor e em votação final global por 176 votos a favor.

O Presidente da república recebeu o decreto para promulgação a 15 de Maio, tendo-o


devolvido à Assembleia da República no dia 20 do mesmo mês, com uma mensagem
fundamentada, na qual invoca a inoportunidade política do decreto em véspera de eleições
para o Parlamento Europeu.

A 31 de Maio, a Assembleia da República voltou a apreciar o diploma devolvido pelo


Presidente da República e deliberou no sentido da sua confirmação, por 117 votos a favor
e os restantes contra.

Quid iuris?

A matéria em relação à regulação da comunicação social consta do artigo 39º CRP. O artigo
39/2 CRP refere que é a lei que tem competência para regular tal matéria e, pela extensão e
áreas abrangidas pelo artigo 39º/1 CRP, pode e deve considerar-se que o que está em causa são
direitos liberdades e garantias, logo, o artigo da competência a utilizar será o artigo 165/1/b e
esta matéria é de reserva relativa de competência legislativa da AR.

Em relação à iniciativa, o enunciado diz que se trata de um projecto de lei (167/1 CRP), por
isso, teve de ser apresentado por um deputado ou por um grupo parlamentar, é um projecto
interno à AR.

As reservas de iniciativa em relação aos deputados incidem sobre os estatutos político-


administrativos das regiões autónomas, sobre as leis eleitorais das regiões autónomas, sobre a
lei do orçamento, a lei das Grandes Opções do Plano e sobre a norma travão (167/2 CRP). Neste
caso não há qualquer reserva, por isso, o/s deputado/s ou o grupo parlamentar tinha competência
para apresentar a iniciativa.

Quanto à instrução, não há qualquer parecer obrigatório nesta matéria.

Por força do artigo 116/2 o quórum exigido tem de ser a maioria do número legal dos seus
membros, atendendo aos 230 lugares, têm de estar presentes no mínimo 116 deputados (50%+1
deputado).

O enunciado nada nos diz quanto ao número de deputados que estavam presentes mas pode-se
concluir que tendo existido 116 votos a favor, o requisito do quórum estava assegurado.

Votação Maioria Exigida


Generalidade 2/3 (art. 168/6/a)
2/3 (art. 168/6/a) – Reserva Implícita de
Especialidade
Plenário
Votação Final Global 2/3 (art. 168/6/a)

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Direito Constitucional II 195
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por força do artigo 168/6/a), o referido projecto de lei, carece de uma maioria de dois terços dos
deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções nas 3 votações (Generalidade, especialidade e votação final global). Mesmo que o
artigo não diga expressamente, esta conclusão é inferida tanto para o caso da alínea a) como
para o caso da alínea c). Estas duas alíneas referem-se à lei como um todo, ou seja, todos os
artigos do regime, na especialidade, terão de ser aprovadas por uma maioria agravada de dois
terços, logo, sendo abrangente do regime no seu todo, na generalidade e na votação final global
como também está em causa a totalidade do regime é essa maioria que se vai aplicar.

Contudo, situação distinta ocorre para as alíneas b), d), e) e f). Neste caso, o preceito
constitucional só se refere a “disposições” e, não já, à totalidade dos artigos constituintes do
projecto, por essa ordem de ideias, a maioria qualificada de dois terços só será aplicada na
votação dessas disposições especificas, nas restantes, serão utilizadas ou a regra geral (maioria
simples, art.116) ou outra maioria exigida pela constituição.

No caso em apreço, tendo em conta que é necessário que existam, pelo menos 117 votos a favor
(“desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções) e
considerando que na generalidade e na especialidade só existiram 116 votos a favor, o projecto
de lei não foi aprovado e as etapas do procedimento legislativo cessariam por aqui.

Pressupondo que estariam presentes os 230 deputados, 2/3 corresponderia a 154 deputados. Ou
seja, para o projecto ser aprovado teriam de ter votado a favor 154 deputados. Apesar de existir
inconstitucionalidade formal (relativa a uma etapa do procedimento), na votação final global o
projecto de lei teria sido aprovado porque reuniram-se 176 votos a favor, maioria esta que é
superior aos 117 deputados e aos 2/3 dos deputados (154). Uma vez aprovado, o projecto passa
a ser um decreto e enviado para promulgação ao PR.

Quanto à promulgação é necessário ter em conta:

• O respeito pelo prazo;


• Envio de mensagem fundamentada;
• Fundamento em razões políticas (caso o faça com fundamento na constitucionalidade,
alguns autores consideram que foram usurpadas competências do TC, contudo, a
questão é controversa);

No caso em apreço, o prazo foi respeitado, a mensagem fundamentada foi enviada juntamente
com o veto e os fundamentos foram de natureza politica (“invoca a inoportunidade politica do
decreto em véspera de eleições para o Parlamento Europeu”), estão cumpridos todos os
requisitos, não há qualquer inconstitucionalidade, seja orgânica, seja formal.

O PR vetou e enviou o diploma para a AR, que o veio a confirmar por 117 votos, neste caso,
aplicar-se-ia a regra geral do artigo 136/2, ou seja, bastaria a confirmação do diploma por
maioria absoluta, visto que o diploma noa incide na matéria prevista 136/3, porém, a doutrina
diverge e a questão é discutível. Esta lacuna constitucional, esta falta de regulação, através da
interpretação pode apresentar duas soluções. Este problema, em qualquer caso prático do género
tem de ser, sempre, reconhecido antes de se proceder à tomada de uma das duas posições
possíveis.

195
Direito Constitucional II 196
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por um lado, como já referido se considerarmos que o artigo 136/2 é um regra geral que abarca
todas as matérias que não estão previstas no artigo 136/3 seria a maioria absoluta a ser aplicada,
independentemente da maioria exigida para aprovar a proposta ou o projeto durante o
procedimento legislativo (votação na generalidade, votação na especialidade e votação final
global)

Por outro lado, é necessário ter em conta que a lógica da confirmação é garantir, por um
processo agravado, que é a vontade da AR que o diploma seja promulgado, através deste
processo agravado é possível superar a vontade do PR. Se fosse aplicada uma maioria absoluta
num caso do género estar-se-ia, não a reforçar, mas a facilitar, porque passar-se-ia de uma
maioria de dois terços para uma maioria absoluta, logo, menos exigente. Num caso como este a
maioria da doutrina considera que, não dizendo a CRP nada, quando a maioria de aprovação nas
demais etapas procedimentais é superior à maioria absoluta (art.136/2), é essa maioria de
aprovação que vai ser utilizada, e, por consequência, no caso prático em apreço, seria necessário
uma maioria de 2/3 para o diploma ser confirmado.

Atendendo aos 230 lugares, dois terços equivalem a 154 deputados, como apenas existiram 117
votos a favor, o diploma não foi confirmado, e, não vai ser promulgado.

Se se considera-se a primeira hipótese, recorrer-se-ia à maioria absoluta, ou seja, mais uma vez
atendendo aos 230 lugares na Assembleia, seriam necessários 116 votos a favor e, no caso em
análise, o diploma em análise seria confirmado e o PR “deverá promulgar o diploma no prazo
de oito dias a contar da sua receção”.

Na minha opinião, ainda que com muitas reservas, parece de preferir a primeira posição.

Caso Prático Nº4

O Governo apresentou à Assembleia da República, em Maio de 2013 uma proposta de lei


de autorização legislativa com o seguinte conteúdo:

“Artigo 1º- Fica o Governo autorizado a definir o regime sancionatório adequado para punir
os crimes contra o património, agravando fortemente as molduras penais, tendo como
objetivo reduzir a criminalidade deste tipo.

Artigo 2º - A autorização legislativa constante do presente diploma vigora até ao fim de


2018.”

Um mês após a publicação de lei de autorização legislativa, o Governo aprovou em


Conselho de Ministros, um decreto utilizando a autorização legislativa parlamentar sobre
o regime sancionatório dos crimes contra o património mobiliário e um mês depois legisla
em relação aos crimes contra a pátria.

No entanto, a AR havia revogado a lei de autorização legislativa em Dezembro de 2013.

A matéria em questão incide sobre a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e
respectivos pressupostos bem como processo criminal, abrange por isso a alínea c) do artigo
165, é matéria de reserva relativa de competência da AR. Ou seja, recorrendo à terminologia
utilizada perlo professor Blanco de Morais, é a AR que tem a competência normal para legislar
sobre aquela matéria especifica, porem pode delegar a competência, sem prejuízo de a avocar a

196
Direito Constitucional II 197
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

qualquer momento, ao Governo ficando este com a possibilidade de elaborar decretos-leis na


utilização dessa autorização legislativa.

A proposta foi apresentada pelo Governo (art.167/1 e 197/1/d e 200/1/c)), fala-se por isso, numa
proposta de lei. Não há qualquer problema quanto à constitucionalidade do ato. O Governo tem
competência para o fazer e não existem quaisquer limites à iniciativa quanto ao específico ato
em análise. Quanto à apresentação da proposta, apesar de ela poder ser feita, também, por outros
órgãos e entidades não faz sentido que o seja. Uma vez que é o Governo que vai legislar ao
abrigo da lei de autorização legislativa, é ele que a deve apresentar.

A competência para aprovar uma lei de autorização legislativa pertence à AR (art.161/d), não
existe nenhuma maioria especial exigida, aplicar-se-á a regra geral do artigo 113/6 (maioria
simples). Não existindo nenhuma referência às demais etapas do procedimento legislativo
vamos partir do pressuposto que tudo decorreu dentro dos moldes exigidos.

O artigo 165/2 esclarece que a lei de autorização legislativa deve definir:

• O Objeto (equivale à alínea que se utiliza) – Matéria Criminal;


• O Sentido (≠objetivo; o objetivo é o que se pretende atingir, o sentido é a forma pela
qual se pretende atingir o objetivo) – “Agravar Fortemente as molduras penais”;
• A Extensão – Crimes contra o património (dentro da totalidade de crimes, só estão
abarcados estes);
• A Duração – “Até ao fim de 2018”.

Não existe qualquer problema em relação ao objecto, ao sentido e à extensão.

Em relação à duração, a doutrina diverge. Tendo em conta que a legislatura tem a duração de 4
sessões legislativas, parte da doutrina considera que é inconstitucional o prolongamento da
autorização para além deste prazo (uma vez que caduca com o termino da sessão legislativa –
art. 165/4).

Por outro lado, e tomo desde já, posição neste sentido, pode defender-se que não existe qualquer
problema de constitucionalidade, é irrelevante a extensão do prazo para além da duração da
sessão legislativa, uma vez que ele vai caducar com o termino da legislatura. A AR não
contrariou qualquer preceito constitucional. Não há inconstitucionalidade.

Recorrendo ao artigo 198/1/b) o Governo pode aprovar decretos-leis ao abrigo da autorização


legislativa.

Dado ser um pressuposto normativo para a existência do ato, recorrendo ao artigo 112/3, o
decreto-lei autorizado tem de respeitar a lei de autorização legislativa na sua plenitude.

O património pode ser mobiliário e imobiliário, o Governo decidiu, um mês depois legislar
sobre o património mobiliário. Não existe qualquer problema em parcelar/dividir o objecto e
legislar em alturas diferentes (art.165/3).

Relativamente aos crimes contra a pátria, encontram-se ainda dentro do objecto (matéria
criminal) mas vão além da extensão (matéria patrimonial), o Governo excedeu o âmbito da
autorização, falar-se-á, portanto em inconstitucionalidade orgânica (visto que legislou em

197
Direito Constitucional II 198
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

matéria que não é da sua competência, é da competência relativa da AR) e ilegalidade


(art.281/2 e 112/3).

Sempre que for excedido o âmbito da autorização (qualquer um dos requisitos) fala-se em
inconstitucionalidade orgânica (o Governo não tem competência para legislar em matéria
de reserva relativa de competência sem autorização), porém, está-se perante uma
cumulação de vícios, fala-se, também, em ilegalidade (violação de lei com valor reforçado
por força dos artigo 112/3 e 281/1, b)).

Recorrendo ao principio do aproveitamento máximo do ato jurídico, deve aproveitar-se o


máximo que se poder do diploma, o decreto-lei só é inconstitucional na parte em que viola a lei
de autorização legislativa.

A AR pode revogar livremente a lei de autorização legislativa (avocar a competência a si


novamente), pode legislar também sobre a matéria. O valor reforçado é o da lei de autorização.

Caso Prático Nº5

a) Em 2008, a Assembleia da República aprovou a Lei de bases da saúde, cujo artigo


14.º, n.º 1, alínea a), determina que “Os utentes têm direito a escolher, no âmbito do
sistema de saúde e na medida dos recursos existentes e de acordo com as regras de
organização, o serviço e agentes prestadores”.

Passados alguns meses, a mesma Assembleia da República decidiu desenvolver estas bases,
aprovando uma Lei de desenvolvimento sobre o regime das taxas moderadoras.

No ano seguinte, o Governo aprovou uma Portaria sobre os direitos e deveres dos utentes
do Serviço Nacional de Saúde, que também desenvolve a Lei de bases em questão. Nesse
diploma, previa-se que os utentes eram obrigados a ficar com o médico que lhes fosse
atribuído e tinham necessariamente de ser seguidos no centro de saúde e hospital da sua
zona de referência.

Em 2013, na sequência de eleições legislativas, o recém-eleito Governo aprovou, depois de


lhe ter sido concedida a competente autorização legislativa, um Decreto-lei de bases da
saúde integralmente novo.

b) Em 2012, a Assembleia da República aprovou a Lei de bases da pesca da sardinha,


que estabelecia, entre outras normas, que não poderia ser apanhada sardinha com
comprimento inferior a 110mm e que, em pesca de arrasto, só seria permitida a
sua apanha como captura acessória até 10% do total a bordo.

Na sequência deste acto, o Governo – invocando aquela lei como seu parâmetro – aprovou
um decreto-lei de desenvolvimento deste regime que reduziu o tamanho mínimo da
sardinha para 100mm e aumentou a percentagem de captura acessória permitida na pesca
de arrasto para 20%.

A Assembleia da República optou por revogar o decreto-lei de desenvolvimento.

198
Direito Constitucional II 199
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

a)

Segundo o artigo 165/1/f) é da competência de reserva relativa da AR aprovar as bases do


sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde.

As leis de bases contêm os grande princípios, os princípios gerais de um regime (contêm um


conteúdo genérico).

▪ Liberdade de escolher;
▪ Limitado pelos recursos;
▪ De acordo com as regras

Sempre que na regra de competência apareça “regime geral” só se aplica se for para todos os
casos, por exemplo, a alínea i) esclarece que é da competência de reserva relativa da AR a
“criação… do regime geral das taxas e demais contribuições…”, por isso não se podia aplicar
esta alínea no presente caso prático, atendendo que só estão em causa as taxas moderadoras.

Um problema que pode surgir frequentemente é perceber quem tem competência para o
desenvolvimento de leis de bases.

Os artigos de referência, nesta questão, vão ser o artigo 161/c) e o 198/1/a) e c).

 Há quem entenda que só o G pode desenvolver leis de bases;


 Há quem entenda que esta reserva do Governo incide sobre matérias concorrenciais, em
nome de uma ideia de divisão de tarefas entre o Parlamento e o Governo.
 Há quem entenda que a reserva é tanto de matéria concorrencial como de matéria
reservada;
 Há quem entenda que tanto a AR como o G podem desenvolver;

Deve sempre explicar-se o problema e tomar uma posição.

Temos de saber qual o órgão com competência para desenvolver as leis de bases.

Um dos argumentos que pode ser utilizado é que o artigo 198/1/a) permite que o G aprove
matéria de área concorrencial, é área concorrencial, pode fazê-lo.

Por outro lado, o artigo 198/1/c) criaria uma reserva e só o G poderia desenvolver leis de bases.

Porém, parte da doutrina e o TC vem dizer que não é criada qualquer reserva, a única reserva
que existe está no artigo 198/2.

Quanto ao caso, em relação ao desenvolvimento das leis de bases sobre as taxas moderadoras, a
doutrina diverge:

 Para o TC pode;
 Para o professor Jorge Miranda pode;
 Para o professor Blanco Morais não pode (inconstitucionalidade orgânica);
 Para o professor Paulo Otero não pode (inconstitucionalidade orgânica).

199
Direito Constitucional II 200
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Em relação ao desenvolvimento de uma lei de bases por uma portaria está inerente o vicio de
inconstitucionalidade formal. O sentido útil do artigo 198/1/c) é de esclarecer e de impor que o
desenvolvimento de bases seja feito por decreto-lei.

Mesmo que não existisse este problema, a portaria vem contrariar o previsto na lei de bases,
tendo em conta que por força dos artigo 112/2 e 112/3 a lei de bases tem valor reforçado face
aos decretos-legislativos de desenvolvimento de lei de bases, surge, aqui, o vicio da ilegalidade
por violação de valor reforçado ou inconstitucionalidade indirecta (artigo180/2/a)).

Continuando o caso prático, é nos dito que o Governo aprovou um Decreto-Lei de bases. A
questão que surge é: O Governo pode fazer isto?

 Em matéria concorrencial pode (artigo 198/1/a));


 Em matéria de reserva relativa pode, desde que tenha autorização legislativa para tal
(artigo 198/1/b; artigo 165/1/b);

No presente caso, a matéria em questão é de reserva relativa da AR (165/1/f), logo, se for


aprovada uma lei de autorização legislativa (foi) o G pode aprovar um decreto-lei de
desenvolvimento (mesmo que por força dos artigos 112/2 e 112/3 tenha de respeitar a LAL).

Na resolução do caso, teriam de ser verificados todos os requisitos e o processo de aprovação


não só da lei de bases, como também, da LAL.

Foi aprovada um decreto-lei de bases o que significa que em termos de eficácia na relação que é
estabelecida com os outros atos legislativos:

 Os decretos-leis de desenvolvimento da antiga lei de bases que forem compatíveis


mantém-se em vigência;
 Se houver contrariedade, surge a ilegalidade (por violação de valor reforçado, artigo
112/2 e 3 e artigo 280/2/a)), e a vigência cessa.

Quando se aprova uma nova lei de bases não se coloca em causa a vigência de todos os
decretos-leis de desenvolvimento aprovados ao abrigo do anterior regime, é necessário que haja
racionalidade e algum pragmatismo. As leis de bases contém os grandes princípios e orientações
e, por norma, representam sectores importantes da sociedade, no caso, o serviço nacional de
saúde. Se cada vez que é aprovada uma nova lei de bases cessasse a vigência de todos os
decretos-leis de desenvolvimento de leis de bases, estar-se-ia a colocar em causa a própria
segurança jurídica (artigo 2º CRP – Estado de Direito Democrático).

Porém, se forem incompatíveis são tacitamente revogadas ou derrogadas por incompatibilidade


superveniente com a lei nova (incompatibilidade do objeto – é a norma parâmetro, não pode ser
desrespeitada).

b)

A competência consta do artigo 161/c (não é o 165/1/g), é matéria concorrencial.

O Governo pode desenvolver, todos os autores convergem com esta posição (artigo 198/1/c)),
os professores Jorge Miranda e Paulo Otero entendem que a AR não podia desenvolver, mas, de
qualquer maneira, não é essa a questão que se coloca.

200
Direito Constitucional II 201
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O Governo ao abrigo das alíneas 198/1/c) e 198/3 autolimitou-se e decidiu legislar subordinado
à lei de bases. Esta posição é a adota pelo professor Blanco de Morais.

Ou seja, sendo matéria concorrencial existem duas hipóteses:

 Se não invocar a lei de bases o G pode legislar como quiser, não existe qualquer
vinculação ou subordinação, é competência do G, é matéria concorrencial, o G quando
aprova uma nova regulação revoga a lei de bases (a lei de bases está no mesmo plano,
só tem hierarquia superior face aos decretos-leis de desenvolvimento) –todas as leis
podem revogar todas as leis. Lei e decreto-lei podem revogar-se mutuamente (artigo
112 – lei e decreto-lei têm igual valor); lex posterior derroga lei anterior.
 Porém, se porventura o Governo invocar a lei de bases (artigo 198/3), escolhe
autolimitar-se e tem de a respeitar, como lei de valor reforçado que passa a ser. Se
invoca tem de respeitar. O artigo 198/3 acarreta um dever genérico de respeito. O
artigo 112/2 não distingue matéria de reserva e matéria concorrencial, logo, o
desenvolvimento de uma lei de bases tem de estar sempre subordinado.

Pode Revogar?

 Depende da posição que se adotar:


▪ AR não pode revogar (Paulo Otero e Jorge Miranda);
▪ AR pode revogar (TC, BM)

Se considerarmos que é matéria de reserva do G não o pode fazer. Se considerarmos que é


matéria concorrencial, pode.

Caso Prático Nº6

Em Janeiro de 2014, o Governo Regional da Região Autónoma dos Açores apresentou à


Assembleia da República uma proposta de alteração do Estatuto Político-Administrativo
da Região Autónoma dos Açores que incluía normas sobre as seguintes três matérias:

a) O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio da Região;


b) O regime das finanças regionais, no sentido de aprofundar a autonomia
financeira;
c) A criação do crime de fraude académica aplicável a todas as universidades
portuguesas, tanto públicas quanto privadas, portuguesas.

A Assembleia da República introduziu as seguintes alterações à proposta que lhe foi


submetida:

1. Alterou substancialmente a matéria da alínea b) no sentido de reduzir


drasticamente o nível de autonomia financeira regional, atento o nível de
endividamento da parte da Região Autónoma da Madeira;
2. Modificou a lista de matérias que integram o poder legislativo da Região
Autónoma dos Açores, reduzindo-a.

O decreto foi enviado para o Presidente da República, que o promulgou.

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Direito Constitucional II 202
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Em Outubro de 2014, o Governo apresentou à Assembleia da República a sua proposta de Lei


de Orçamento de Estado (LOE). A proposta de LOE alterava:

1) O artigo 14.º da Lei de Enquadramento do Orçamento de Estado; e


2) O disposto no artigo 16.º dos Estatutos Político-Administrativos da Região Autónoma da
Madeira.

Uma vez aprovada na Assembleia da República por maioria simples e enviada para o Presidente
da República para promulgação, este vetou-a, por a considerar inconstitucional por não ter sido
precedida pela Lei das Grandes Opções do Plano.

Foi apresentada à AR uma proposta de alteração do EPARAA que abrangia 3 grandes questões:

 Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania;


 Regime das finanças regionais;
 Fraude académica;

A competência para aprovar alterações aos estatutos regionais pertence à AR (art.161/b)).


Recorrendo aos artigos 167/1 e 161/b) e 226 percebe-se que apesar da competência para
aprovação pertencer à AR, a competência para apresentação da iniciativa compete às
Assembleias Legislativas das regiões autónomas (“os projectos dos estatutos politico-
administrativos e de leis relativas à eleição dos deputados às Assembleias Legislativas das
regiões autónomas são elaborados por estas e enviados para discussão e aprovação à
Assembleia da república”, artigo 226/2 CRP).

Como a iniciativa foi do Governo regional, surge o vicio de inconstitucionalidade formal (o


vicio foi no processo e não tem a ver com a competência – aprovação -, não pode ser
inconstitucionalidade orgânica).

É uma proposta de lei (externa à AR), tem de ser da iniciativa da Assembleia Legislativa
Regional. A inércia por parte das regiões autónomas, muitas vezes, impede a revisão dos
estatutos, é necessário que haja iniciativa por parte das Assembleias Legislativas Regionais.

O Estatuto concretiza a autonomia politico-administrativa das regiões, tem um valor reforçado,


qualquer norma o tem de respeitar, é a mais reforçada de todas as leis reforçadas.

 1ªProposta – 231/7 – a própria constituição diz que a matéria tem de estar no estatuto,
faz sentido que seja objeto do estatuto.

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Direito Constitucional II 203
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Exercício Escrito Nº1

Em Abril de 2014, o Governo apresentou à Assembleia da República três propostas de lei


sobre as seguintes matérias:

a. Visando diminuir a natalidade, a criação de um imposto a aplicar a todas as famílias


que, a partir de Dezembro de 2014, tivessem mais de 3 filhos;
b. Revogação do Decreto Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de Junho, que viera
regulamentar o sistema de avaliação do desempenho de docentes e determinação
que, de ora em diante, a lei de bases do sistema de ensino passaria a ser desenvolvida
por portaria.
c. Uma alteração à Lei da Nacionalidade, criando requisitos especiais para a
naturalização dos refugiados sírios em Portugal.

Todas as medidas vieram a ser aprovadas, em votação final global, por 120 votos a favor.

Tendo recebido o decreto sobre a matéria referida em iii) para promulgação e por ter
reservas quanto à sua constitucionalidade, o Presidente resolveu vetá-lo de imediato,
devolvendo-o ao órgão que o aprovou.

Responda às seguintes perguntas:

1. Analise a conformidade orgânica e formal dos decretos identificados nas alíneas i),
ii) e iii) com a Constituição.

2. Analise a conformidade material do decreto identificado na alínea ii) com a


Constituição.

3. Pronuncie-se sobre a conformidade constitucional da conduta do Presidente da


República identificada no último parágrafo da hipótese.

Correção

1.

Distinção entre iniciativa e competência para aprovar; o Governo teria poder de iniciativa em
todos os casos (167.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1, alínea d), porquanto em nenhum existe uma reserva
de iniciativa que exclua a iniciativa do Governo. Será desvalorizada a resposta que entenda que
o Governo não poderia apresentar propostas de lei sobre as matérias i) e iii), por não ser o
órgão competente para legislar sobre as matérias em causa.

No caso de i), eventual invocação do artigo 167.º, n.º 2, concluindo que, em todo o caso, o
Governo tinha poder de iniciativa, porquanto não se lhe aplica a norma-travão e estaria em
causa o aumento de receitas.

Identificação do órgão competente para legislar sobre cada uma das matérias – a Assembleia
da República seria competente em qualquer caso:

i) 165.º, 1, alínea i), porquanto se trata da criação de um imposto;


ii) 161.º, alínea c), porquanto a matéria não se encontra abrangida nem nas restantes
alíneas do artigo 161.º, nem no 164.º e 165.º. Note-se que, ainda que se

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Direito Constitucional II 204
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

mencione na parte final o desenvolvimento da lei de bases do sistema de ensino


por portaria, a matéria em causa não corresponde em sim às próprias bases do
sistema de ensino, não se aplicando portanto o artigo 164.º, alínea i).
iii) 164.º, alínea f), porquanto se trata de uma alteração à lei da nacionalidade.

Em qualquer caso, tratando-se de uma proposta de lei, tal implica que não seria o Governo a
legislar sobre nenhuma das matérias, não fazendo sentido desenvolver a necessidade de o
Governo ser autorizado a legislar sobre i) para poder legislar sobre essa matéria que, ao
contrário de iii), se enquadra na reserva relativa de competência da AR.

De notar ainda que o facto de o Governo ter também competência para legislar sobre ii) -
(198.º, n.º 1, alínea a) - mas apresentar ao invés uma proposta de lei à Assembleia da
República não configura qualquer inconstitucionalidade.

Fase constitutiva: identificação das maiorias de aprovação de cada alínea:

Estando presentes 120 Deputados pelo menos (120 corresponde ao número de deputados que
votaram a favor, não havendo mais dados no caso, o que não parece excluir, obviamente, que
outros deputados estivessem presentes), o quórum estava reunido (116.º, n.º 2).

i. Regra geral da maioria simples (116.º, n.º 3) nas 3 votações;

ii. Idem;

iii. Aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em
efectividade de funções (168.º, n.º 5), porquanto a matéria da alínea f) do artigo
164.º se trata de uma lei orgânica (166.º, n.º 2). Maioria simples nas outras duas
votações (116.º, n.º 3).

Assim, perante os dados do caso prático (120 votos a favor na votação final global), não
haveria qualquer inconstitucionalidade formal. Poderia ser referido que no caso da alínea iii),
por via do artigo 168.º, n.º 4, haveria lugar a uma reserva de plenário na votação na
especialidade, embora os dados da hipótese não permitam concluir sobre o cumprimento ou
não da norma.

2.
A proposta referida em ii) é inspirada no caso que deu origem ao acórdão n.º 214/2011 do
Tribunal Constitucional. Pretende-se discutir a existência ou não de uma reserva de
Administração enquanto limite à intervenção legislativa numa determinada matéria.

A Assembleia da República veio proceder à revogação do Decreto, sem simultaneamente


revogar a norma habilitante. Discute-se se terá invadido “a margem própria” da competência
administrativa cometida ao Governo pela alínea c) do artigo 199.º da Constituição para fazer
“os regulamentos necessários à boa execução das leis”, na medida em que a revogação do
regulamento pelo acto legislativo sem que haja também sido retirada da ordem jurídica a
norma habilitante poderá constituir uma apropriação indevida da esfera de actuação do poder
administrativo. Será valorizado o conhecimento da jurisprudência anterior do TC, na medida
em que foi abordado nas aulas teóricas e é desenvolvido no Curso de Direito Constitucional do
regente ( cfr. BLANCO DE MORAIS, Curso, pp. 56 e ss e pp. 235 e ss)

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Direito Constitucional II 205
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Assim, no Acórdão n.º 24/98, o Tribunal Constitucional afirmou que “também para quem
entenda que, podendo haver, em determinadas situações, «reservas específicas de
regulamentação» detidas pelo Governo, mas que, porém, ainda nelas não é totalmente vedada
uma actuação legislativa por parte da Assembleia da República, contanto que o Parlamento, ao
efectuá-la, revogue, derrogue ou abrogue, directa ou implicitamente, a competência de
regulamentação que, nessas situações, se encontrava deferida ao Governo”, o que não se
verifica no caso.

Os alunos deverão discutir se a actuação indicada em ii) implica uma intromissão inadmissível
do legislador na função administrativa, logo, uma inconstitucionalidade material por violação
do princípio da separação de poderes (111.º da CRP).

Quanto à parte final da alínea, tratava-se de um caso de deslegalização proibido pelo artigo
112.º, n.º 5, visto que estamos perante uma lei a determinar que um regulamento (uma portaria)
poderia vir a desenvolver os seus preceitos. Note-se que nesta altura os alunos ainda não
tinham estudado a matéria das leis de bases e do seu desenvolvimento, mas após o estudo da
referida matéria, dúvidas não há que, independentemente da discussão sobre o órgão
competente para o desenvolvimento, o mesmo terá sempre de ser mediante acto legislativo.

3.

Identificação da promulgação do PR como um acto tendencialmente livre (136.º, n.º 1), tendo
este 20 dias para promulgar ou vetar um diploma proveniente da AR. Poderia ainda requerer,
no prazo de 8 dias após recepção do diploma, a fiscalização preventiva da constitucionalidade
ao TC (136º, n.º 5 e 278.º, n.º 3).

Refere-se no caso que o Presidente vetou, por ter “dúvidas de constitucionalidade”. Seria aqui
valorizada a identificação da questão do PR utilizar o veto político por motivo de
inconstitucionalidade. ( cfr. BLANCO DE MORAIS, Curso, pp. 467 e e ss), incorrendo
eventualmente em inconstitucionalidade material por desvio de poder, ainda que não haja
consequências jurídicas associadas a este acto, porquanto se trata de um acto da função
política, não sindicável pelo TC.

Tendo dúvidas de constitucionalidade, deveria antes ter requerido a intervenção do TC, em


sede de fiscalização preventiva do diploma.

Seria relevante discutir ainda se a promulgação temporalmente vedada associada às leis


orgânicas (recorde-se que o decreto mencionado em iii) assumia forma de lei orgânica, como
exposto supra) e prevista no artigo 278.º, n.º 7, implica também uma proibição de veto
político no mesmo prazo de 8 dias.

Em qualquer caso, sendo o diploma aprovado pela AR, o veto seria meramente suspensivo,
logo passível de confirmação nos termos do artigo 136.º, n.º 3.

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Direito Constitucional II 206
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Exercício Escrito Nº 2

O Governo apresentou na Assembleia da República três projectos de lei com os seguintes


conteúdos:

i) A limitação a dois mandatos sucessivos para a nomeação para o cargo de


Primeiro-Ministro;
ii) Uma alteração à Lei do Referendo a nível nacional cujo artigo 8.º dispunha: “O
Governo pode, por meio de portaria, reduzir o número mínimo de cidadãos
eleitores subscritores de propostas de referendo a nível nacional”;
iii) Uma alteração ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, cujo
artigo 9.º determinava que o plano do curso de 1.º ciclo da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa passasse a incluir, obrigatoriamente, a disciplina de
Direito Natural.

Por considerar que se tratava de matéria urgente, a Presidente da Assembleia da


República dispensou o debate e a votação na generalidade. Os resultados das votações na
especialidade e das votações finais globais foram os seguintes: 120 votos a favor e 60 votos
contra, não se tendo registado qualquer abstenção.

Os decretos foram recebidos pelo Presidente da República, que devolveu o referido na


alínea (i) ao Parlamento, por o considerar inoportuno num momento de crise financeira e
orçamental.

Responda às seguintes perguntas:

1. Pronuncie-se sobre a conformidade orgânica e formal dos decretos identificados


nas alíneas (i), (ii) e (iii).
2. Analise a constitucionalidade dos artigos 8.º e 9.º dos decretos identificado na
alíneas (ii) e (iii), respectivamente.
3. Quais as alternativas que a Assembleia da República tem na sequência da conduta
do Presidente da República identificada no último parágrafo da hipótese?

Critérios de correcção

1. O Governo tem iniciativa legislativa (artigo 167.º, n.º 1), embora sob a forma de proposta de
lei – cfr. artigos 197.º, n.º 1, alínea d) e 200.º, n.º 1, alínea c) –, o que consubstancia
umainconstitucionalidade formal.

O Governo tem iniciativa legislativa nesta matéria (o que pressupõe a distinção entre iniciativa
legislativa e competência legislativa), visto que não se trata de nenhuma matéria abrangida por
reserva de iniciativa (no caso, como é o Governo quem tem a iniciativa, seria apenas necessário
referir o artigo 226.º, n.os 1 e 4).

Não se tratando de nenhuma matéria que reduza receitas ou aumente despesa, não se aplica a
norma travão (artigo 167.º, n.º 2).

Estando presentes 180 Deputados, o quórum (230/2=115+1=116) estava reunido (116.º, n.º 2).

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Direito Constitucional II 207
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Ainda que a Constituição preveja a possibilidade de ser decretada urgência num procedimento
legislativo (artigo 170.º), não só a mesma não pode ser decretada unilateralmente pela
Presidente da Assembleia da República, como não pode dispensar as fases de debate e votação
na generalidade, que são de existência obrigatória (artigo 168.º, n.os 1 e 2), tal como o debate e
votação na especialidade e a votação na generalidade (idem).

(i) Trata-se de matéria prevista no artigo 164.º, alínea m) e no artigo 118.º, n.º 2. Não sendo lei
orgânica, tem, contudo, a especificidade procedimental prevista no artigo 168.º, n.º 6, alínea b):
necessidade de aprovação por maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior à
maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções. Ora, estando presentes 180
Deputados, 120 votos a favor correspondem, efectivamente, a 2/3 dos Deputados presentes; e
sendo 120 superior a 116 (que é a maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções
porque 230/2=115+1=116, o decreto foi aprovado.

Poder-se-ia levantar o problema de saber se, in casu, se tratava de “normas” incrustadas numa
lei mais abrangente (caso em que a maioria de 2/3 só se aplicava à votação na especialidade) ou
se se tratava de uma lei com este objecto único (caso em que teria de se discutir se se aplicava a
maioria de 2/3 a todas as votações ou apenas a algumas). Como o caso não era claro sobre esta
matéria, trata-se de um ponto que apenas valoriza a resposta, não sendo de referência
obrigatória;

(ii) Trata-se de matéria prevista no artigo 164.º, alínea b). Sendo uma lei orgânica (artigo166.º,
n.º 2), aplica-se-lhe a exigência de maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções
na votação final global (artigo 168.º, n.º 5), o que se verificou, visto que 120 é superior a 116
(de novo, 230/2=115+1=116). É-lhe aplicável também, por outro lado, a exigência de votação
na especialidade em Plenário (artigo 168.º, n.º 4), sob pena de inconstitucionalidade formal;

(iii) Não havendo nenhuma alínea do artigo 164.º ou do artigo 165.º sobre esta matéria; note-se
que, ainda que seja matéria relativamente ao ensino superior, ela não corresponde ao conceito de
bases (que são os princípios jurídicos gerais de um regime jurídico), razão pela qual não pode
caber no artigo 164.º, alínea i). Assim sendo, aplica-se a regra da maioria simples (artigo 116.º,
n.º 3), que se verificou uma vez que houve mais votos a favor do que contra.

2. O Governo tem iniciativa legislativa (artigo 167.º, n.º 1), embora sob a forma de proposta de
lei – cfr. artigos 197.º, n.º 1, alínea d) e 200.º, n.º 1, alínea c) –, o que consubstancia uma

inconstitucionalidade formal;

(ii) Tratava-se de um caso de deslegalização proibido pelo artigo 112.º, n.º 5, visto que estamos
perante uma lei a determinar que um regulamento (uma portaria) poderia revogar ou modificar
os seus preceitos, para mais numa matéria sujeita a reserva de lei, nos termos do artigo 164.º,
alínea b) – cfr. C. BLANCO DE MORAIS, Curso, I2, pp. 248-249. Ao violar o princípio da
separação de poderes (artigo 111.º), gera uma inconstitucionalidadematerial.

(iii) Trata-se de uma intromissão na autonomia universitária pública (artigo 76.º, n.º 2), que
integra a administração autónoma, e sobre a qual o Governo tem apenas poderes detutela por
força do artigo 199.º, alínea d) – cfr. C. BLANCO DE MORAIS, Curso, I2, pp. 232-233.

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Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Ao violar o princípio da separação de poderes (artigo 111.º), gera uma inconstitucionalidade


material. Note-se, contudo, que a Assembleia da República pode, ao abrigo do artigo 164.º,
alínea i) e do artigo 161.º, alínea c) – tal como, de resto, o Governo, ao abrigo do artigo 198.º,
n.º 1, alínea a) – fixar o quadro geral aplicável às instituições de ensino superior.

3. Alternativas: (a) desistir, (b) reformular o diploma vetado com alterações ou (c) confirmá-lo.

Discussão da maioria de confirmação, visto que se trata de diploma que, consoante o


entendimento perfilhado na resposta à pergunta 1(i), estava sujeito a uma maioria de dois terços
dos Deputados presentes em votação final global ou, pelo menos, na especialidade (cfr. C.

BLANCO DE MORAIS, Curso, I2, pp. 463-467).

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