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UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO)

Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2015/2016)

Direito Constitucional – 1.º ano


1.ª Frequência /Exame B (2016.06.16.)
Duração da prova: 2 horas (15h-17h)

I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (5 valores):

1. Poder constituinte.

É o poder de fazer a constituição, que emite a constituição e que assim “constitui”


(ou reconstitui) juridicamente o Estado e os poderes públicos. É um poder
originário, pré-constitucional e em princípio ilimitado. O poder constituinte
democrático é exercido diretamente pelo povo (referendo) ou pelos seus
representantes (assembleia constituinte); o poder constituinte autocrático é exercido
diretamente pelos titulares do poder político (monarcas, juntas revolucionárias,
etc.).
É essencial a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, visto que
aquele é um poder originário, enquanto os segundos são poderes derivados, criados
pela constituição e subordinados à constituição. O próprio poder de revisão
constitucional é um poder derivado, e não uma renovação do poder constituinte,
sendo previsto e regulado no próprio texto constitucional.

2. “Constitucionalismo em vários níveis”.

Consiste na existência de vários níveis sobrepostos de constitucionalismo. Há duas


formas típicas:
a) Constitucionalismo federal - Ao sobrepor a constituição federal às
constituições estaduais, a Constituição dos Estados Unidos criou um
fenómeno de pluralismo constitucional vertical, ou seja, de dois níveis de
constitucionalidade: o nível federal e o nível estadual, cada um deles com a
sua própria constituição. Por outro lado, o constitucionalismo federal coloca
também o problema de supraordenação (e infraordenação) de constituições,
visto que as constituições das unidades federadas devem respeitar
necessariamente a constituição federal.
b) Constitucionalismo supranacional - um fenómeno novo de
“constitucionalismo em vários níveis” (pluri-level constitutionalism) com
semelhanças com o constitucionalismo federal tem a ver com a leitura da
integração europeia em termos federais e constitucionais, que coabita com a
subsistência da identidade constitucional e da soberania (ainda que
comprimida) dos Estados-membros, visto que aí as constituições nacionais se
manterão como expressão da respetiva soberania nacional, se bem que
naturalmente subordinadas à “constituição” da UE, apesar de esta não
absorver inteiramente a soberania dos Estados-membros. Não falta quem
entenda que, apesar de não ter uma constituição propriamente dita, a União
Europeia não pode deixar de ser interpretada em termos constitucionais,
sobretudo depois do Tratado de Maastricht (1992), que ampliou
substancialmente as atribuições da União e criou a cidadania europeia, da
aprovação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Nice
2000), que antecipa a dotação da União de um bill of rights, de recorte
genuinamente constitucional, e por último do Tratado de Lisboa, que
ampliou as tarefas da União e tornou regra geral o procedimento legislativo
de tipo federal. Ao contrário do federalismo propriamente dito (ver o caso
dos EUA), o “federalismo supranacional” não supõe a supressão da
soberania dos Estados integrados. Mas tampouco pode coabitar com a sua
plena soberania.

3. Reserva de lei.

Designa as situações em que, segundo a Constituição, certas matérias só podem ser


reguladas por via de lei e não por regulamento – reserva de ato legislativo. Tal é caso
dos crimes e penas (CRP, arts. 27º, 28º e 29º), dos impostos (CRP, art. 103º) e das
restrições aos direitos, liberdades e garantias (CRP, art. 18º-2). Nessas matérias não
pode haver regulamentos, nem a lei pode remeter para regulamentos. Tem de ser o
legislador a definir todas as normas sobre essas matérias.
Em geral, a reserva de lei supõe também a reserva parlamentar de lei (reserva de
competência legislativa da AR), mas não exclui a autorização legislativa ao Governo
[cfr. CRP, art. 165º-1, als. b) e i)].
Quando não há reserva de lei, as leis podem ser complementadas por regulamentos.

4. Lei de bases.

As leis de bases são leis que se limitam a definir as opções político-legislativas


fundamentais, cujo desenvolvimento legislativo será deixado ao Governo e às
assembleias legislativas regionais. Consagram os princípios vetores de um regime
jurídico: o parlamento traça a moldura, dentro da qual o Governo vai exercer os
seus poderes legislativos, mediante decretos-leis de desenvolvimento (e as assembleias
legislativas regionais, mediante decretos legislativos regionais de desenvolvimento).
Em vários casos a reserva de competência legislativa da AR limita-se às bases gerais
– por exemplo, art. 164, al. i), e 165º, als. f) e g).
As leis de bases gozam de poder legislativo reforçado, nos termos do art. 112º-3 da
CRP, sendo ilegais os decretos-leis ou decretos legislativos regionais que as
infrinjam.

5. Independência dos juízes.

A independência dos tribunais constitui um dos elementos clássicos da teoria da


separação de poderes e da ideia do Estado de direito, que a CRP garante em termos
exigentes (arts. 202º. e segs., em particular, o art. 203.º), sendo um dos pressupostos
da própria ideia de justiça e de garantia dos direitos dos cidadãos ante os poderes
públicos.
A independência dos juízes compreende nomeadamente um método objetivo de
recrutamento, o mandato de duração predefinida (nomeadamente mandato
vitalício), a inamovibilidade, a irresponsabilidade e a exclusividade de funções
(CRP, arts. 215º e 216º).

6. Mutação constitucional.
As “mutações constitucionais” resultam em modificações da Constituição sem revisão
do texto constitucional, por efeito de evolução interpretativa ou da formação de
costumes ou “convenções” constitucionais (o costume não pode derrogar normas
constitucionais, mas pode mudar a sua interpretação ou criar novas normas
constitucionais). O texto da Constituição mantém-se inalterado, mas o seu sentido
muda.

II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores):

1. Princípio da laicidade na CRP.

Os principais corolários lógico-materiais da laicidade do Estado (noção que deve ser


distinguida do laicismo ideológico) surgem plasmados inequivocamente na
Constituição, não somente no princípio nuclear da separação entre o Estado e as
igrejas (art. 41.º-4), mas também na não confessionalidade do ensino público (art.
43.º-3) ou na proibição de beneficiar ou prejudicar alguém por causa das suas
convicções ou das suas crenças ou práticas religiosas, ou falta delas (arts. 13º-2 e
41.º-2). Dimensões concretas: (i) não identificação do Estado com nenhuma religião;
(ii) liberdade e igualdade religiosa; (iii) separação e neutralidade do Estado perante
as Igrejas; (iv) não confessionalidade do ensino público. A laicidade constitui um dos
limites matérias de revisão constitucional [CRP, art. 288º, al. c)].
A secularização do poder político e das instituições do Estado é uma das
componentes mais eminentes da herança cultural do princípio republicano entre
nós. Todavia, embora associado tradicionalmente ao princípio republicano, o
princípio da laicidade reveste um interesse constitucional a se, e não somente como
dimensão constitutiva do princípio republicano.

2. Poder legislativo das regiões autónomas: âmbito e limites.

O poder legislativo é um dos traços essenciais da autonomia político-administrativa


das regiões autónomas, permitindo a criação de uma ordem jurídica regional, a par
da ordem jurídica nacional.
O atual quadro da autonomia legislativa regional provém da revisão constitucional
de 2004, que a ampliou sobremaneira, eliminando a submissão da legislação regional
aos “princípios gerais das leis gerais da República” e a invocação de um “interesse
específico regional”, como anteriormente. Os poderes legislativos são, portanto, os
seguintes: (i) legislar sobre as matérias de competência legislativa regional
especificamente enunciadas no art. 227º da CRP [als. i), l), n), p) e q)]; (ii) legislar
sobre todas as matérias enunciadas nos estatutos regionais, salvo se estiverem
reservadas à competência legislativa da República [al. a) do art. 227.º-1]; (iii)
legislar, mediante autorização da Assembleia da República, sobre as matérias de
reserva de competência legislativa relativamente reservada da AR, com algumas
ressalvas [al. b) do art. 227.º-1]; (iv) desenvolver legislativamente as leis de bases da
AR [al. c) do art. 227.º-1]; (v) transpor as diretivas da UE em matérias da sua
competência legislativa própria (CRP, art. 112º-8).
O poder legislativo regional cabe às ALRs, sem possibilidade de autorização
legislativa aos governos regionais. No entanto, os governos regionais têm
competência legislativa exclusiva no que respeita à sua própria organização e
funcionamento (art. 231º-6), o que replica igual poder do Governo da República.
As regiões autónomas possuem também o poder de iniciativa legislativa junto da
Assembleia da República [art. 227º-1, al. f)], o que lhes dá a possibilidade de
influenciar a legislação da República em matérias de competência exclusiva da
Assembleia da República, em que as regiões não têm autonomia legislativa. O poder
de iniciativa legislativa cabe também às ALRs, não aos governos regionais.
O poder legislativo regional está submetido à Constituição e ao estatuto
político-administrativo da respetiva região, nos termos vistos acima, bem como às
leis de autorização legislativa, leis de bases e leis-quadro da República, quando for
caso disso. A fiscalização da respetiva conformidade (constitucionalidade ou
legalidade) cabe sempre ao Tribunal Constitucional (arts. 280.º-2 e 281.º-1).
A legislação regional afasta a legislação da República nos respetivos territórios. Se
e enquanto as regiões autónomas não exercerem a sua competência legislativa
própria, aplicam-se as leis da República (CRP, art. 228º-2).

III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às


respetivas questões (10 valores):
Suponha que, para fazer face à crise orçamental, o Primeiro-ministro e o Ministro das
Finanças aprovam um diploma que cria um imposto sobre sucessões e doações feitas em
favor de estrangeiros, que é enviado ao Presidente da República para promulgação.

A – Suponha que o Presidente da República decide submeter o diploma à


consideração do Tribunal Constitucional:
1. Caracterize o tipo de controlo de constitucionalidade que, neste momento,
pode ser movido.

Fiscalização preventiva – feita a priori, antes de o diploma entrar no ordenamento


jurídico –, abstrata – fiscaliza-se a constitucionalidade da norma em si,
independentemente da sua aplicação a um qualquer caso concreto –, concentrada –
a competência de decisão cabe em exclusivo ao TC, excluindo quaisquer outras
instâncias jurisdicionais –, a título principal – o objeto do processo é a fiscalização
da constitucionalidade da norma (alguns autores entendem que pode ser a título
incidental, na medida em que surge como incidente do procedimento legislativo em
curso).

2. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa.

Tratando-se de matéria de criação de impostos [art. 165º, al. i) CRP] o Governo só


poderia legislar e aprovar o diploma - em Conselho de Ministros [CRP, art. 200º- 1
als. c) e d) ] -, se tivesse a devida autorização legislativa da AR. Como nada indica
que a tenha obtido, estamos perante uma dupla inconstitucionalidade orgânica,
carecendo o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças de competência para
aprovar decretos-leis e carecendo o Governo de competência para aprovar um
diploma que cria um imposto sobre sucessões e doações.
Além disso, ao limitar a aplicação de tal imposto às sucessões e doações feitas em
favor de estrangeiros, tudo leva a crer que poderia estar a violar-se um princípio
fundamental da CRP, o princípio da igualdade (arts. 13º e 15º CRP), e
consequentemente o diploma estaria ferido de uma inconstitucionalidade material.
3. O que sucede se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade do
diploma?

Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua


devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por
inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP),
remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC.
Sendo o Governo o órgão promanante, não pode haver confirmação do diploma, que
está reservada à AR (art. 279º-2). Havendo uma inconstitucionalidade orgânica, o
Governo também não pode corrigir a inconstitucionalidade ou reformular o
diploma. Resta ao Governo enviar o diploma como proposta de lei (aprovada em
Conselho de Ministros) para a AR (art. 167º, n.º 1), iniciando-se um novo
procedimento legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma autorização legislativa
(CRP, art. 165º). Sanada a inconstitucionalidade orgânica, se o novo decreto a ser
enviado ao PR para ser promulgado como lei ou decreto-lei autorizado não sanar a
referida inconstitucionalidade material, poderá haver nova apreciação preventiva
da constitucionalidade, suscitada pelo PR.

B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o


submeter a fiscalização da constitucionalidade:
4. Pode o mesmo Presidente da República suscitar depois a fiscalização da
sua constitucionalidade?

Pode. O pedido de fiscalização preventiva por parte do PR é facultativo e nada obsta


a que, não exercendo esse poder a priori, o venha fazer a posteriori, em qualquer
momento, a título de fiscalização sucessiva abstrata (por força do art. 281º, n.º 2, al.
a) CRP).

5. Se e em que condições pode uma pessoa prejudicada pelo imposto suscitar


a fiscalização da sua constitucionalidade?
O nosso ordenamento constitucional não confere aos particulares o acesso direto à
justiça constitucional para impugnara uma norma ou um ato inconstitucional, não
prevendo nada de semelhante ao recurso de amparo (Espanha) ou de recurso de
constitucionalidade (Alemanha). Portanto, uma pessoa prejudicada por uma norma
inconstitucional não pode impugná-la diretamente num tribunal. Uma pessoa
prejudicada pelo imposto só pode suscitar a fiscalização da constitucionalidade no
âmbito de um controlo judicial concreto, numa causa sujeita a julgamento (art. 280º
CRP). Mas para isso tem de esperar que a lei lhe seja aplicada pelo Estado mediante
cobrança do imposto, podendo então impugnar judicialmente o ato de liquidação do
imposto no tribunal competente e invocar a sua inconstitucionalidade como motivo
da invalidade do ato.
De forma indireta, poderia ainda uma pessoa em particular, prejudicada por tal
imposto, fazer chegar a questão de inconstitucionalidade ao TC através de uma
petição ao Provedor de Justiça ou a qualquer outra das autoridades com poder de
suscitar a fiscalização sucessiva abstrata. Uma vez que os cidadãos podem
apresentar queixas contra ações ou omissões dos poderes públicos em especial junto
do Provedor de Justiça (art. 23º), sendo este uma das entidades com legitimidade
para desencadear um processo de fiscalização abstrata da constitucionalidade (art.
281º, n.º 2, al. d) CRP), esta poderia ser uma forma mais célere, económica e eficaz
de uma pessoa prejudicada pelo dito imposto suscitar de forma indireta a
fiscalização abstrata da constitucionalidade, com efeitos gerais e retroativos, o que
satisfaria os seus interesses. De forma indireta, sublinhe-se, porque a legitimidade é
exclusivamente adjudicada pela CRP ao Provedor de Justiça (e outras autoridades)
e não aos próprios cidadãos.

NOTA: Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas).


UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO)
Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2016/2017)

Direito Constitucional – 1.º ano de Direito.


1.ª Frequência /Exame B (2017.06.21)
Duração da prova: 2 horas (15h-17h)

I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (5 valores):


1. Constituição não escrita.

Constituição não escrita é o conjunto não codificado de normas sobre o poder


político, umas escritas outras consuetudinárias, existentes antes da implementação
do constitucionalismo moderno, pela Revolução americana (1776), pela Revolução
Francesa (1789) e, em Portugal, pela Revolução Liberal de 24 de agosto de 1820.
Trata-se de constituições materiais que regulam o poder (por exemplo, a sucessão
dinástica, a convocação das cortes), bem como as relações entre o poder e os
membros da comunidade, impondo direitos e deveres para ambas as partes. Não
raro, o Reino Unido é apontado como paradigma da Constituição não escrita, por
não ter aderido ao movimento codificador dos séculos XVIII-XIX, dispensando a
solenização dos seus dispositivos sobre o poder político e seus limites num único
documento constitucional formal, a ser aprovado em assembleia constituinte. O seu
substrato constitucional radica em costumes ancestrais e diversos textos escritos de
essência constitucional, desde a Magna Charta Libertatum até várias leis de conteúdo
constitucional aprovadas ao longo dos séculos.

2. Judicial review.

Judicial review quer dizer verificação judicial da constitucionalidade e designa o


poder de controlo dos tribunais sobre a validade constitucional da legislação
aplicável aos casos sujeitos ao seu julgamento, permitindo-lhes ou impondo-lhes a
desaplicação das disposições legais que contradigam as normas e os princípios
constitucionais (fiscalização da constitucionalidade pelos órgãos judiciais). Este
instituto do controlo judicial da constitucionalidade, que viria mais tarde a ser
consagrado também por outros sistemas constitucionais, teve a sua origem nos
Estados Unidos da América, na célebre decisão Marbury versus Madison (1803). Foi
introduzido em Portugal (e na Europa) pela Constituição republicana de 1911.

3. Poder constituinte.

É o poder de fazer a constituição, que emite a constituição e que assim “constitui”


(ou reconstitui) juridicamente o Estado e os poderes públicos. É um poder
originário, pré-constitucional e em princípio ilimitado. O poder constituinte
democrático é exercido diretamente pelo povo (referendo) ou pelos seus
representantes (assembleia constituinte); o poder constituinte autocrático é exercido
diretamente pelos titulares do poder político (monarcas, juntas revolucionárias,
etc.). O poder constituinte é normalmente em situações de rutura da ordem
constitucional (revoluções, golpes de Estado), que põem fim à ordem constitucional
preexistente.
É essencial a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, visto que
aquele é um poder originário, enquanto os segundos são poderes derivados, criados
pela constituição e subordinados à constituição. O próprio poder de revisão
constitucional é um poder derivado, e não uma renovação do poder constituinte,
sendo previsto e regulado no próprio texto constitucional.

4. Lei orgânica

A categoria das leis orgânicas foi introduzida na Constituição com a revisão de 1989.
São leis ordinárias de regime especial (logo, não são leis constitucionais). Só existem
em matérias de competência exclusiva da Assembleia da República e estão
vinculadas ao princípio da tipicidade, isto é, só o são aquelas que a Constituição
considera como tais (166.º, n.º 2). A Constituição delimita o seu universo por
intermédio de dois critérios: matéria e procedimento. As matérias sujeitas a lei
orgânica são em geral de importância político-institucional especialmente relevante
(166.º, n.º 2).
O procedimento legislativo parlamentar de elaboração e aprovação das leis
orgânicas apresenta algumas especificidades importantes relativamente ao
procedimento normal: (i) a votação na especialidade da maior parte das leis
orgânicas é feita no plenário e não em comissão (168.º-4); (ii) as leis orgânicas têm
de ser aprovadas por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções
(168.º- 5), e em alguns casos, mesmo por maioria de 2/3 (art. 168.º-6); (iii) a sua
confirmação após eventual veto presidencial carece da maioria de 2/3 dos deputados
presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções (136.º-3); (iv) a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis
orgânicas pode ser pedida não só pelo Presidente da República mas também pelo
Primeiro-Ministro ou um quinto dos deputados em efetividade de funções (278.º- 4).
Sendo leis reforçadas (art. 112º-3), as leis orgânicas têm de ser respeitadas por outras
leis, sob pena de “ilegalidade reforçada”, cujo regime de fiscalização judicial se
aproxima do regime da fiscalização da constitucionalidade (CRP. arts. 280º-282)

5. Independência dos juízes.

A independência dos tribunais constitui um dos elementos clássicos da teoria da


separação de poderes e da ideia do Estado de direito, que a CRP garante em termos
exigentes (arts. 202º. e segs., em particular, o art. 203.º), sendo um dos pressupostos
da própria ideia de justiça e de garantia dos direitos dos cidadãos ante os poderes
públicos.
A independência dos juízes compreende nomeadamente um método objetivo de
recrutamento, o mandato de duração predefinida (nomeadamente mandato
vitalício), a inamovibilidade, a irresponsabilidade e a exclusividade de funções
(CRP, arts. 215º e 216º).

6. Limites temporais à revisão constitucional.

A CRP só pode ser revista a título ordinário decorridos cinco anos sobre a última
revisão ordinária (art. 284º, n.º 1), sem prejuízo da ocorrência de revisões
extraordinárias desencadeadas por decisão de uma maioria superqualificada de 4/5
dos deputados em efetividade de funções (art. 284º, n.º 2). As revisões
extraordinárias não interrompem a contagem do quinquénio necessário para a
retoma do poder de revisão ordinária.
Em qualquer caso, passados cinco anos sobre a última revisão ordinário ou uma vez
deliberada a assunção de podres de revisão extraordinária, o procedimento de
revisão constitucional é aberto pela apresentação de qualquer projeto de revisão,
devendo os demais ser apresentados no prazo de 30 dias. Não existe prazo para a
conclusão do procedimento, mas o procedimento caduca com o termo da legislatura
(cfr. art. 167º, nº 5).

II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores):


1. Constitucionalismo monárquico português.

A resposta deve contemplar os seguintes tópicos:


a) Tentativa de implantar o constitucionalismo em Portugal: o "grupo francês"
e a “Súplica da Constituição” de 1808.
b) Identificar os limites temporais do constitucionalismo monárquico
português: 1820 - Revolução Liberal; 1910 - Implantação da República.
c) A influências das revoluções americana (1776) e francesa (1789) e da
experiência constitucional espanhola na origem do constitucionalismo
monárquico português. Outros fatores, v. g., sinédrio, invasões francesas,
afrancesados, retirada da família real para o Brasil, conspiração republicana
de 1817...
d) Identificar os três textos constitucionais deste período, que vai desde 1820 a
1910(C. 1822, CC 1826 e C. 1838);
e) Período de vigência de cada um dos textos: C. 1822 (1822-1823 e 1836-1838);
CC 1826 (1826-1828, 1834-1836 e 1842-1910); C. 1838 (1838-1842). A CC
1826 foi o texto constitucional que, até hoje, mais tempo se manteve em vigor
(c. 72 anos).
f) Caracterizar de forma sumária cada um desses textos, nomeadamente:
condicionantes que lhe deram origem, organização do poder político
(separação de poderes), direitos fundamentais, revisão constitucional.
g) As duas grandes linhagens políticas do constitucionalismo monárquico: (i)
linha “vintista-setembrista” e “linha cartista”: diferenças.

2. Afinidades e diferenças entre a lei de bases e a lei de autorização


legislativa.
Afinidades: (i) Nenhuma delas esgota a regulamentação legislativa da matéria,
carecendo da legislação complementária; (ii) Ambas delimitam e condicionam a área
de intervenção legislativa do Governo e das Assembleias Legislativas; (iii) Ambas
são o “pressuposto normativo necessário de outras leis” (art. 112º, n.º3).
Diferenças: (i) a LAL não é de aplicação imediata / a LB é de aplicação imediata,
ainda que a sua exequibilidade dependa de decreto de desenvolvimento; (ii) a LAL
não incide sobre situações da vida, intervindo atenuadamente na Ordem Jurídica /
a LB pode incidir sobre situações de vida – alterando a Ordem Jurídica; (iii) a LAL
não revoga diplomas sobre matéria de autorização / a LB revoga lei anterior
contrária (seja ou não outra lei de bases); (iv) se o sentido da LAL for modificado,
só produzirá efeitos para o futuro / se a LB for modificada e o decreto de
desenvolvimento não, verificar-se-á ilegalidade superveniente; (v) os decretos
autorizados estão sujeitos a prazos (caducidade da lei de autorização) / o decreto de
desenvolvimento não está sujeito a prazos; (vi) a autorização legislativa habilita o
Governo a legislar uma só vez (princípio da irrepetibilidade) / Pode haver sucessivos
desenvolvimentos da lei de bases; (vii) a inconstitucionalidade da lei de autorização
implica a inconstitucionalidade (consequente) do decreto-lei autorizado / a
inconstitucionalidade da lei de bases apenas determina a inconstitucionalidade do
decreto de desenvolvimento quando verse matéria reservada à AR, não quando se
trate de matéria concorrencial; (viii) só existem LAL em matérias de reserva relativa
(165º) / a LB surge em qualquer domínio legislativo.

III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às


respetivas questões (10 valores):
O Governo enviou ao Presidente da República um diploma para ser promulgado como
decreto-lei onde se definem os crimes relacionados com atentados terroristas, penas,
medidas de segurança e respetivos pressupostos. No preceito «X» do dito decreto
permite-se que, em caso de suspeita fundada, o Ministério Público possa ordenar o acesso
imediato às «telecomunicações e demais meios de comunicação» de quaisquer suspeitos.

A - Suponha que o Presidente da República requer ao Tribunal Constitucional a


fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma:
1. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa.
Tratando-se de matéria de "definição de crimes, penas, medidas de segurança e
respetivos pressupostos" (art. 165º, n.º 1/c) o Governo só poderia legislar se,
previamente, tivesse obtido a devida autorização legislativa da AR. Como nada
indica que a tenha obtido, estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica
(incompetência).
Além disso, o preceito «X» está em desconformidade com o preceituado no artigo
34º, n.º 4 da CRP, que proíbe, expressamente, "a ingerência das autoridades públicas
(...) nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos
previstos na lei em matéria de processo criminal", a qual só poder ser determinada
por um juiz, como determina o art. 32º, nº 4), e não pelo Ministério Público. Pelo
que, ao violar uma norma de fundo da CRP, o diploma enferma também de uma
inconstitucionalidade material (quanto ao conteúdo).

2. Quais os efeitos de uma eventual pronúncia de inconstitucionalidade?

Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua


devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por
inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP),
remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC.
Sendo o Governo o órgão promanante, não pode haver confirmação do diploma por
maioria qualificada, que está reservada à AR (art. 279º, n.º 2). Havendo uma
inconstitucionalidade orgânica, o Governo também não pode reformular o diploma
para corrigir a inconstitucionalidade material. Resta ao Governo enviar o diploma
como proposta de lei para a AR (art. 167º, n.º 1), iniciando-se um novo procedimento
legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma autorização legislativa (art. 165º).
Sanada a inconstitucionalidade orgânica, se o novo decreto a ser enviado ao PR para
ser promulgado como lei ou decreto-lei autorizado não corrigir a referida
inconstitucionalidade material, poderá haver nova apreciação preventiva da
constitucionalidade, suscitada pelo PR.

3. Poderia o Tribunal Constitucional pronunciar-se pela


inconstitucionalidade do preceito «X», mesmo que tal não lhe tivesse sido
requerido pelo P.R.?
Não, o TC não se poderia pronunciar pela inconstitucionalidade específica desse
preceito, se tal lhe não tivesse sido expressamente requerido. O pedido deve indicar
as normas cuja inconstitucionalidade se deseja fiscalizar, bem como as normas ou
princípios constitucionais alegadamente violados por elas (51º LTC). O TC pode
conhecer de outros vícios de inconstitucionalidade de que padeçam as normas cuja
apreciação lhe é requerida, diferentes dos invocados no pedido, mas não pode
apreciar a constitucionalidade de outras normas por sua própria iniciativa. O TC só
pode apreciar as normas cuja apreciação lhe tiver sido requerida (principio do
pedido), não tendo poder de conhecimento oficioso. “O Tribunal Constitucional só
pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de normas cuja apreciação
tenha sido requerida, mas pode fazê-lo com fundamentação na violação de normas ou
princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada” (art. 51º, n.º 5
da LTC).

B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o


submeter a fiscalização preventiva da constitucionalidade e que vinte e três (23)
deputados resolveram suscitar a sua inconstitucionalidade perante o TC:
4. Caracterize o tipo de controlo de constitucionalidade em causa.

Trata-se de fiscalização de constitucionalidade prevista no art. 281º da CRP. É uma


fiscalização sucessiva – feita a posteriori, depois de o diploma ter entrado no
ordenamento jurídico –, abstrata – fiscaliza-se a constitucionalidade da norma em
si, independentemente da sua aplicação a um qualquer caso concreto –, concentrada
– a competência de decisão cabe em exclusivo ao TC, excluindo quaisquer outras
instâncias jurisdicionais –, a título principal – o objeto do processo é a fiscalização
da constitucionalidade da norma. Só pode ser desencadeada pelas entidades
enunciadas no art. 281-2 da CRP.
Distingue-se da outra modalidade de fiscalização sucessiva, que é a fiscalização
concreta (CRP, arts. 204º e 281º), que incumbe a todos os tribunais (fiscalização
desconcentrada ou difusa) e só pode ter lugar a propósito de uma causa sujeita a
julgamento (a título incidental). Pode ser desencadeada oficiosamente pelo juiz ou
por iniciativa das partes no processo. O TC só intervém a título de recurso (CRP,
art. 280º).

5. Quais os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade por


parte do TC? E se alguém já tiver sido definitivamente condenado ao
abrigo desse diploma?

Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, previstos no art. 282º, nº 1, da


CRP, são (i) gerais (“força obrigatória geral”) - eliminação das normas
inconstitucionais, que são expurgadas da ordem jurídica; (ii) retroativos - apaga os
efeitos produzidos pelas normas declaradas inconstitucionais e pretende refazer a
situação como se essas normas não tivessem existido; e (iii) repristinatórios -
recoloca em vigor as disposições jurídicas que a norma inconstitucional haja
afastado (art. 282º, n.º 1).
No entanto, ao abrigo do nº 4 do referido preceito, o TC pode restringir estes efeitos,
nomeadamente quanto ao efeito retroativo e quanto ao efeito repristinatório,
ressalvando os efeitos produzidos pela norma em causa até à declaração de
inconstitucionalidade. O TC já chegou a manter em vigor normas declaradas
inconstitucionais para além da data da sua decisão, retirando qualquer efeito prático
à declaração de inconstitucionalidade.
Em princípio, os casos julgados ficam ressalvados do efeito retroativo da declaração
de inconstitucionalidade (282º, n.º 3), por força do princípio da segurança jurídica.
No entanto, esta ressalva não se aplicaria ao caso sub judice (nos termos da segunda
parte desse preceito), porque a norma em causa diz respeito a matéria penal e tudo
indica ser de conteúdo menos favorável ao arguido. Por isso, o TC pode/deve
mandar rever os casos julgados para efeito de afastamento das referidas normas.

NOTA: Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas).


UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO)
Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2016/2017)

Direito Constitucional – 1.º ano de Direito.


Exame 2.ª Época (2017.07.17)
Duração da prova: 2 horas (15h-17h)

NOTA: Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas). Mencione sempre os


preceitos constitucionais respeitantes a cada questão.

I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (5 valores):


1. Poder constituinte autocrático.

Ao invés do procedimento constituinte democrático (em que a constituição é feita por


uma assembleia constituinte eleita), no procedimento constituinte autocrático ou
autoritário, as constituições são decretadas diretamente pelo poder político
estabelecido (caso da Carta Constitucional de 1826, que foi outorgada por D. Pedro
IV), ou são aprovadas em plebiscitos autoritários, sem verdadeiro debate
democrático (caso da Constituição de 1933).

2. Princípio da laicidade.

Os principais corolários lógico-materiais da laicidade do Estado (noção que deve ser


distinguida do laicismo ideológico) surgem plasmados inequivocamente na
Constituição, não somente no princípio nuclear da separação entre o Estado e as
igrejas (art. 41.º-4), mas também na não confessionalidade do ensino público (art.
43.º-3) ou na proibição de beneficiar ou prejudicar alguém por causa das suas
convicções ou das suas crenças ou práticas religiosas, ou falta delas (art. 41.º-2).
A laicidade do Estado não tem a ver somente com a autonomia e neutralidade do
Estado face às religiões, mas sim em relação a qualquer sistema de mundividências
de natureza filosófica ou ideológica. Parafraseando a proclamação lapidar do art.
43º, a propósito da liberdade de educação, o Estado laico é aquele que «não pode
programar a educação e cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas». A laicidade do Estado é tanto uma garantia
básica da liberdade religiosa como da própria liberdade de consciência, na medida
em que impede a existência de posições oficiais em matéria de religião ou de
convicções filosóficas, ideológicas ou doutrinárias.
Dimensões do princípio da laicidade: (i) A não identificação do Estado com nenhuma
religião; (ii) Liberdade e igualdade religiosa; (iii) Separação e neutralidade do
Estado perante as Igrejas; (iv) Não confessionalidade do ensino público.

3. Atribuições e competências.

Não se deve confundir atribuições com competências (embora por vezes se utilize o
termo “competências” em sentido genérico para designar também as atribuições:
assim se fala por exemplo nas “competências da União Europeia”). Aquelas
pertencem às entidades, estas aos respetivos órgãos. Em certos casos, a Constituição
enuncia em bloco as competências ou poderes conferidos à entidade para
desempenhar as suas atribuições, procedendo só depois à sua repartição pelos vários
órgãos da mesma entidade. É o caso das regiões autónomas (arts. 227.º e 232.º).
As competências servem as atribuições. Os órgãos só podem usar as suas
competências para desempenho das atribuições da respetiva entidade. Chama-se a
isso princípio da especialidade. Usar poderes de um órgão fora das atribuições do
respetivo ente traduz-se num “desvio de poder” (ultra vires), que não é uma figura
exclusiva do direito administrativo.
A repartição e articulação de competências entre os vários órgãos da mesma
entidade constituem o cerne da separação dos poderes: cada órgão com poderes
específicos. A prática de atos fora dos poderes do respetivo órgão gera a
incompetência, levando a invalidade do ato em causa.

4. Leis de autorização legislativa.

As leis de autorização legislativa são leis através das quais a Assembleia da


República delega competências legislativas da sua reserva relativa (art. 165º) a outro
órgão, passando este a ter competência legislativa para emanar atos normativos com
força de lei. No nosso ordenamento constitucional, há dois tipos de leis de
autorização: (i) as leis de autorização ao Governo (autorização legislativa horizontal);
(ii) as leis de autorização às assembleias legislativas regionais (autorização legislativa
vertical). Ao conceder a autorização para legislar sobre certas matérias, a AR não
perde o poder de legislar sobre as mesmas, podendo a todo o tempo revogar, tácita
ou expressamente, a autorização legislativa concedida. A concessão da autorização
legislativa limita-se às matérias de reserva relativa da competência legislativa da AR
(art. 165º), nunca podendo ser concedida no âmbito de reserva absoluta da
competência legislativa da AR (art. 164º) - sob pena de uma inconstitucionalidade
orgânica - e sendo totalmente desnecessária em matérias concorrentes, em que o
Governo possuí competência legislativa originária (art. 198º, n.º1, al. a)).

5. Sistema austríaco de controlo da constitucionalidade.

O sistema austríaco ou europeu de controlo da constitucionalidade pressupõe a


criação de um tribunal especial, um tribunal constitucional, para se ocupar em
exclusivo das questões de constitucionalidade, quer a pedido de determinadas
autoridades públicas, quer por reenvio por parte dos demais tribunais, quanto às
questões de constitucionalidade neles suscitadas em casos submetidos ao seu
julgamento. O primeiro TC foi criado na Áustria, sob impulso de Hans Kelsen, na
década de 20 do século passado. Por isso, este modelo ficou conhecido como modelo
austríaco, por contraposição ao modelo norte-americano ou judicial review. As
características essenciais do sistema austríaco são as seguintes: (i) Competência
exclusiva do tribunal constitucional, não tendo os demais tribunais competência
para decidirem questões de constitucionalidade por si mesmos; (ii) Fiscalização de
tipo abstrato, destacada de qualquer questão concreta de constitucionalidade, visto
que, mesmo no caso de reenvio por parte de outros tribunais, o TC vai apreciar a
questão em abstrato; (iii) Força obrigatória geral da declaração de
inconstitucionalidade, ou seja, a norma é declarada nula, não podendo ser aplicada
no futuro por nenhum tribunal ou autoridade. O sistema austríaco generalizou-se
após a II guerra mundial, com a Constituição italiana de 1947 e a Constituição alemã
de 1949, visto que ambas criaram um Tribunal Constitucional. No sistema
constitucional português (sistema misto) encontra repercussão no âmbito da
fiscalização sucessiva em abstrato da constitucionalidade (arts. 281º-282º):
fiscalização sucessiva, concentrada, em abstrato, a título principal e com força
obrigatória geral.

6. Limites materiais à revisão constitucional.


Trata-se de um núcleo de 14 matérias elencadas no artigo 288º da CRP, que formam
o núcleo identitário da Constituição, não podendo, em princípio, ser alteradas pelo
poder de revisão constitucional. Existem, no entanto, três teses fundamentais quanto
à possível alteração desses limites materiais: tese da revisibilidade, da
irrevisibilidade e da dupla revisibilidade. Pode haver limites expressos que,
manifestamente, não revelam a consistência de limites inerentes, por não se
mostrarem identificadores da Constituição, isto é, por carecerem de “identidade
reflexiva” (“excesso” de limites materiais expressos). A possibilidade de revisão dos
limites materiais de revisão que não sejam de considerar essenciais é tanto mais de
admitir, quanto mais numerosos eles forem e quanto mais se valorizar a ideia de que
a “geração constituinte” não pode vincular excessivamente ad eternum as gerações
vindouras. Ao abrigo deste entendimento foi possível que, pela revisão constitucional
de 1989, um dos limites materiais de revisão originário fosse eliminado e dois outros
fossem modificados.

II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores):


1. Organização do poder político na Carta Constitucional de 1826 e na
Constituição de 1976.

Carta Constitucional de 1826:


No intuito de recuperar o poder perdido nos textos constitucionais modernos,
o poder constituinte monárquico de 1826 vai incluir no seu articulado um
novo poder: o quarto poder ou poder moderador. A separação de poderes
passa a ser quatripartida: poder legislativo, poder moderador, poder
executivo e poder judicial. O poder moderador é da exclusiva titularidade do
rei, que para o exercer é obrigado a auscultar o Conselho de Estado, salvo
quanto à nomeação e demissão dos ministros de Estado. O poder legislativo
foi atribuído às Cortes com a sanção do rei. As Cortes compõe-se de duas
câmaras: a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Pares. A iniciativa das
leis cabe a qualquer das câmaras por meio de projetos de lei, bem como ao
poder executivo por meio de propostas de lei. A proposta de lei do executivo
só pode ser convertida em projeto de lei depois de examinada por uma
comissão da Câmara dos Deputados, aonde deve ter princípio. O projeto de
lei, depois de discutido e aprovada em uma das câmaras, é enviado à outra
câmara. Se a câmara recetora adotar inteiramente o projeto de lei que lhe foi
remetido pela câmara emissora o reduzirá a decreto e, depois de lido em
sessão, o dirigirá ao rei para que este o sancione ou vete com efeitos absolutos.
O poder executivo foi cometido ao monarca. Como inovação da Carta
Constitucional deve referir-se o aparecimento de Ministros de Estado, que
exercem o poder executivo em nome do rei. Os atos do rei como titular do
poder executivo carecem de referenda dos Ministros. O poder judicial é
independente e pertence aos juízes e jurados.

Constituição da República Portuguesa de 1976:


A organização do poder político prevista na Constituição estrutura-se em três
níveis correspondentes a outros tantos âmbitos territoriais: o âmbito
nacional, o âmbito regional (regiões autónomas) e o âmbito local. Ao nível do
Estado, o princípio da separação impõe a distinção entre a assembleia
representativa, o órgão executivo (o governo) e os tribunais. No caso da CRP,
além desses três órgãos, autonomizou-se a figura do Presidente da República
como “quarto poder”, que não é chefe do executivo. O poder político é
repartido pelos quatro órgãos de soberania.
No caso das regiões autónomas e das autarquias locais, a separação
estabelece-se entre as assembleias representativas e os órgãos executivos, que
são também órgãos colegiais.
Apesar de mediar um século e meio de distância entre os dois textos constitucionais
(1826-1976), ambos seguem uma distribuição do poder por quatro órgãos distintos,
que, mutatis mutandis, se pode resumir:
Poder legislativo: 1826 - Cortes / 1976 - Assembleia da República.
Poder executivo: 1826 - Rei / 1976 - Governo.
Poder Judicial: 1826 - Tribunais / 1976 - Tribunais.
Poder moderador: 1826 - Rei / 1976 - Presidente da República.

2. Poderes legislativos do Governo.


Os poderes legislativos do Governo estão previstos no artigo 198º da CRP, ao abrigo
do qual pode emitir: Decretos-leis exclusivos (198º/2) – “É da exclusiva competência
legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e
funcionamento”; Decretos-leis concorrentes, originários ou primários (198º/1a)) –
compete ao Governo , no exercício de funções legislativas, “Fazer decretos-leis em
matérias não reservadas à Assembleia da República”; Decretos-leis autorizados
(198º/1b)) - compete ao Governo , no exercício de funções legislativas, “Fazer
decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante
autorização desta”; Decretos-leis de desenvolvimento (198º/1c)) - compete ao
Governo , no exercício de funções legislativas, “Fazer decretos-leis de
desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em
leis que a eles se circunscrevam”.
(devem ser explicados cada um desses poderes legislativos).

III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às


respetivas questões (10 valores):
A. A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou uma postura sobre a utilização de
aeronaves civis pilotadas remotamente - «drones». No preceito «X» da dita
postura considera-se crime todos os voos acima dos 120 metros de altitude, com
uma pena aplicável aos infratores de «exposição pública, durante 24 horas,
amarrados ao pelourinho de Lisboa».
1. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades da norma
em causa.

A norma jurídica restringe o direito à liberdade (art. 27º) e ofende o direito à


integridade pessoal (art. 25º). A restrição de direitos, liberdades e garantias deve
obedecer aos pressupostos enunciados no art. 18º da CRP, nomeadamente, só pode
ser feita por lei da AR ou decreto-lei autorizado (art. 165º, n.º 1, b)). Além do mais,
a CRP proíbe, expressamente, a submissão a «tratos ou penas cruéis, degradantes ou
desumanos» (art. 25º, n.º 2). Deixando de lado os pressupostos de lei restritiva (a
lecionar), por força deste último dispositivo a postura está ferida de uma
inconstitucionalidade material, porque viola uma norma de fundo da Constituição,
que versa sobre direitos, liberdades e garantias.
Tratando-se de matéria de «direitos, liberdades e garantias» (art. 165º, n.º 1/b) e de
«definição de crimes, penas (...) e respetivos pressupostos» (art. 165º, n.º 1/c) a
competência legislativa é da AR ou do Governo, se para tal obtiver a devida
autorização legislativa. Assim sendo, estamos perante uma inconstitucionalidade
orgânica, por incompetência da Assembleia Municipal de Lisboa para legislar sobre
esta matéria.

B - Suponha que o drone do cidadão «Y» foi identificado a voar a 200 metros de
altitude, incorrendo, portanto, nessa pena:
2. Quais os mecanismos a que o cidadão «Y» pode recorrer para afastar
a aplicação da referida norma por inconstitucionalidade?

O nosso ordenamento constitucional não confere aos particulares o acesso direto à


justiça constitucional para impugnara uma norma ou um ato inconstitucional, não
prevendo nada de semelhante ao recurso de amparo (Espanha) ou de recurso de
constitucionalidade (Alemanha). Portanto, uma pessoa prejudicada por uma norma
inconstitucional não pode impugná-la diretamente num tribunal. Uma pessoa
prejudicada por uma norma jurídica inconstitucional só pode suscitar a fiscalização
da constitucionalidade no âmbito de um controlo judicial concreto, numa causa
sujeita a julgamento (art. 280º CRP).
De forma indireta, poderia ainda uma pessoa em particular, prejudicada por tal
postura, fazer chegar a questão de inconstitucionalidade ao TC através de uma
petição ao Provedor de Justiça ou a qualquer outra das autoridades com poder de
suscitar a fiscalização sucessiva abstrata. Uma vez que os cidadãos podem
apresentar queixas contra ações ou omissões dos poderes públicos em especial junto
do Provedor de Justiça (art. 23º), sendo este uma das entidades com legitimidade
para desencadear um processo de fiscalização abstrata da constitucionalidade (art.
281º, n.º 2, al. d) CRP), esta poderia ser uma forma mais célere, económica e eficaz
de uma pessoa prejudicada pela dita postura camarária suscitar de forma indireta
a fiscalização abstrata da constitucionalidade, com efeitos gerais e retroativos, o que
satisfaria os seus interesses. De forma indireta, sublinhe-se, porque a legitimidade é
exclusivamente adjudicada pela CRP ao Provedor de Justiça (e outras autoridades)
e não aos próprios cidadãos.
3. Em que condições pode haver recurso de constitucionalidade para o
TC da decisão do tribunal que julgar o crime do cidadão “Y”?

Levantada a questão da inconstitucionalidade da norma, o tribunal a quo, caso se


dissidisse pela sua inconstitucionalidade (o que seria espetável), estava impedido de
aplicar a norma (art. 204º CRP). Mediante uma decisão positiva de
inconstitucionalidade do tribunal a quo, caberia recurso para o TC (art. 280, n.º 1,
al. a)) pela parte a que a decisão seja desfavorável (neste caso, seria a CM de Lisboa).
Uma vez que a norma jurídica cuja aplicação foi recusada não consta de convenção
internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar, não há qualquer
obrigatoriedade de recurso por parte do Ministério Público (art. 280º, n.º 3 CRP).

C – Suponha agora que, passados dois anos, o TC já decidiu pela


inconstitucionalidade da referida norma em seis recursos de constitucionalidade.
4. Como é que o TC pode impedir a repetição de constantes recursos
idênticos?

O TC poderia parar esta avalanche de recursos suscitando uma fiscalização


sucessiva em abstrato, nos termos do art. 281º, n.º 3 da CRP e art. 82º da LTC. Trata-
se de um caso especial de legitimidade processual pública na fiscalização abstrata ou
passagem da fiscalização concreta à fiscalização abstrata. O pressuposto processual
indispensável é que o TC tenha julgado a norma inconstitucional ou ilegal em, pelo
menos, três casos concretos (281º/3): “O Tribunal Constitucional aprecia e declara
ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de
qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em
três casos concretos”. A legitimidade para tal consta no art. 82º da LTC: «Sempre
que a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos,
pode o Tribunal Constitucional, por iniciativa de qualquer dos seus juízes ou do
Ministério Público [junto do TC], promover a organização de um processo com as
cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao Presidente, seguindo-se os
termos do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ou da
ilegalidade previstos na presente lei». O pedido pode ser apresentado a todo o tempo.
Quanto ao efeito, o julgamento de inconstitucionalidade em 3 casos concretos não
conduz oficiosamente ou necessariamente à declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral, uma vez que se trata de um processo autónomo.

5. Compare os efeitos da decisão do TC em relação à situação supra (B3)


com os efeitos de uma eventual decisão tomada nesta situação (C4).

Os efeitos em C4 são os efeitos de uma declaração do TC em sede de fiscalização


sucessiva em abstrato previstos no art. 282º, nº 1, da CRP, são (i) gerais (“força
obrigatória geral”) - eliminação das normas inconstitucionais, que são expurgadas
da ordem jurídica; (ii) retroativos - apaga os efeitos produzidos pelas normas
declaradas inconstitucionais e pretende refazer a situação como se essas normas não
tivessem existido; e (iii) repristinatórios - recoloca em vigor as disposições jurídicas
que a norma inconstitucional haja afastado (art. 282º, n.º 1).
Já os efeitos em B3 correspondem aos efeitos de uma decisão em sede de fiscalização
sucessiva em concreto, com força de caso julgado aplicável apenas inter partes, ou
seja, a norma jurídica não se aplica ao caso sub judice (art. 204º CRP), mas mantêm-
se plenamente em vigor, podendo vir a ser aplicada em outros casos submetidos a
julgamento.
Direito Constitucional
Faculdade de Direito
Licenciatura em Direito - 1º ano
Prova de Frequência/Exame
12/06/2018
Duração: 2 horas

I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (5 valores):


1. Constituição.

Constituição é o conjunto de princípios e normas jurídicas que “constituem” uma


determinada coletividade política, estabelecem os seus princípios básicos, enunciam
os seus fins e atribuições, definem os direitos fundamentais das pessoas face ao poder
público, regulam a organização política do Estado, incluindo o elenco dos seus
órgãos, o modo da sua eleição ou designação, as suas competências e o seu
funcionamento.
Traços essenciais das constituições modernas são os seguintes: soberania popular,
direitos fundamentais, governo representativo, separação dos poderes, poder
político limitado, responsabilidade política do governo, imparcialidade e
independência dos tribunais. A constituição figura como norma suprema da ordem
jurídica, o que implica a fiscalização da constitucionalidade das leis.

2. Democracia parlamentar.

Num sentido amplo, a democracia parlamentar ou representativa é caraterizada pelo


facto de o poder político não ser exercido diretamente pelo povo (como na democracia
direta), mas sim por órgãos representativos eleitos, nomeadamente, por uma
assembleia representativa.
Numa democracia parlamentar, a principal forma de expressão e intervenção
política são as eleições para os órgãos representativos, os parlamentos. A democracia
parlamentar ou representativa é antes de mais uma democracia eleitoral,
concretizada através de eleições livres e periódicas por sufrágio universal, secreto,
igual e direto.
Num outro sentido mais estrito, democracia parlamentar é a democracia
representativa dotada de um sistema de governo parlamentar, em que o “poder
executivo” incumbe a um governo que resulta das eleições parlamentares e é
responsável politicamente perante o Parlamento,

3. Poder constituinte autocrático.

Ao invés do procedimento constituinte democrático (em que a constituição é feita por


uma assembleia constituinte eleita), no procedimento constituinte autocrático ou
autoritário, as constituições são decretadas diretamente pelo poder político
estabelecido (caso da Carta Constitucional de 1826, que foi outorgada por D. Pedro
IV), ou são aprovadas em plebiscitos autoritários, sem verdadeiro debate
democrático (caso da Constituição de 1933).

4. Separação de poderes

No seu sentido clássico (Montesquieu), a separação de poderes consiste na repartição


das três funções basilares do Estado (legislar, governar/administrar e julgar) por
três órgãos de poder separados e autónomos (parlamento, governo, tribunais). A
noção de separação de poderes foi uma alavanca fundamental contra o absolutismo,
em que o monarca concentrava nas suas mãos todos os poderes. Ao mesmo tempo
que confiava a função legislativa a um parlamento eleito, a teoria da separação de
poderes submetia o poder executivo às leis do parlamento.
Componente da democracia representativa clássica, a separação de poderes é
também o primeiro componente do princípio do Estado de direito (expressamente
mencionado no art. 2.º CRP), enquanto fator de limitação do poder, de subordinação
do poder executivo à lei e de independência dos tribunais, impedindo a concentração
de todas as funções do Estado (legislar, governar e julgar) num único órgão ou em
órgãos submetidos a um único comando. Mais do que princípio de especialização de
funções, a separação de poderes é um elemento de repartição e de limitação e controlo
do poder. A CRP estabelece expressamente a separação e interdependência dos
órgãos de soberania (art. 111.º CRP).

5. Leis orgânicas.
A categoria das leis orgânicas foi introduzida na Constituição com a revisão de 1989.
São leis ordinárias de regime especial (logo, não são leis constitucionais). Só existem
em matérias de competência exclusiva da Assembleia da República e estão
vinculadas ao princípio da tipicidade, isto é, só o são aquelas que a Constituição
considera como tais (166.º, n.º 2). A Constituição delimita o seu universo por
intermédio de dois critérios: matéria e procedimento. As matérias sujeitas a lei
orgânica são em geral de importância político-institucional especialmente relevante
(166.º, n.º 2).
O procedimento legislativo parlamentar de elaboração e aprovação das leis
orgânicas apresenta algumas especificidades importantes relativamente ao
procedimento normal: (i) a votação na especialidade da maior parte das leis
orgânicas é feita no plenário e não em comissão (168.º-4); (ii) as leis orgânicas têm
de ser aprovadas por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções
(168.º- 5), e em alguns casos, mesmo por maioria de 2/3 (art. 168.º-6); (iii) a sua
confirmação após eventual veto presidencial carece da maioria de 2/3 dos deputados
presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções (136.º-3); (iv) a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis
orgânicas pode ser pedida não só pelo Presidente da República mas também pelo
Primeiro-Ministro ou um quinto dos deputados em efetividade de funções (278.º- 4).
Sendo leis reforçadas (art. 112º-3), as leis orgânicas têm de ser respeitadas por outras
leis, sob pena de “ilegalidade reforçada”, cujo regime de fiscalização judicial cabe
ao Tribunal Constitucional e se aproxima do regime da fiscalização da
constitucionalidade (CRP. arts. 280º-282)

6. Sistema norte-americano de controlo da constitucionalidade.

O sistema norte-americano de controlo da constitucionalidade ou judicial review


surgiu nos Estados Unidos da América, com a célebre decisão Marbury v. Madison
(1803), em que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos recusou aplicar a um caso
concreto uma norma legal que considerou não estar em conformidade com a
Constituição.
Trata-se de uma fiscalização desconcentrada, incidental e concreta, que cabe a todos
os tribunais em relação às normas aplicáveis aos casos sub judice e em que os efeitos
da inconstitucionalidade se esgotam no caso judicial concreto, com a não aplicação
da norma considerada inconstitucional, mantendo-se esta, porém, formalmente em
vigor.
Aspetos essenciais:
a) O poder de fiscalização é concedido a todos os órgãos judiciais.
b) Desaplicação, no caso concreto, da norma considerada inconstitucional.
c) Possibilidade de recurso para o mais alto tribunal, com jurisdição no caso.
Este sistema de fiscalização da constitucionalidade foi introduzida na Europa
através da Constituição portuguesa de 1911 (63º) e mantém-se no nosso
ordenamento constitucional sob a forma de fiscalização sucessiva concreta (art. 204º
e 280º CRP), mas agora com recurso para o Tribunal Constitucional.

II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores):


1. As origens do constitucionalismo em Portugal.

A resposta deve contemplar os seguintes tópicos:


a) Tentativa de implantar o constitucionalismo em Portugal no contexto das
invasões francesas: o "grupo francês" e a “Súplica da Constituição” de
1808.
b) A influências das revoluções americana (1776) e francesa (1789) e da
experiência constitucional espanhola (Constituição de Cádis, 1812) na
origem do constitucionalismo monárquico português. Outros fatores, v.
g., invasões francesas, “afrancesados”, retirada da família real para o
Brasil, domínio inglês na regência do País, conspiração republicana de
1817...
c) A Revolução Liberal de 1820 (Porto, 24 de agosto de 1820) e a convocação
de umas Cortes extraordinárias e constituintes (1821-1822);
d) Identificar os três primeiros textos constitucionais portugueses (C. 1822,
e CC 1826 e C. 1838);
e) Período de vigência de cada um dos textos: C. 1822 (1822-1823 e 1836-
1838); CC 1826 (1826-1828, 1834-1836 e 1842-1910); C. 1838 (1838-1842).
A CC 1826 foi o texto constitucional que, até hoje, mais tempo se manteve
em vigor (c. 72 anos).
f) Caracterizar de forma sumária cada um desses textos, nomeadamente:
condicionantes que lhe deram origem, organização do poder político
(separação de poderes), composição do Parlamento, poderes do Rei,
direitos fundamentais, revisão constitucional.
g) As duas grandes linhagens políticas do constitucionalismo monárquico:
(i) linha “vintista-setembrista” e (ii) “linha cartista”: principais
diferenças.

2. Princípio do Estado de direito.

O Estado de direito não é somente aquele que atua segundo o direito (rule of law) e
não segundo arbítrio do poder. O Estado de direito tem uma dimensão formal ou
institucional (separação de poderes, princípio da legalidade, independência dos
tribunais, direito de acesso aos tribunais, etc.) e uma dimensão material ou
substantiva, que consiste nos mecanismos fundamentais da segurança das pessoas
contra o poder (direitos fundamentais, due process, reparação dos prejuízos
causados pela ação pública ilegítima, etc.).
O princípio do Estado de direito (democrático) ocupa um lugar de grande relevo
entre os princípios fundamentais da CRP. Mencionado logo no preâmbulo da
Constituição, é especificamente acolhido e definido no art. 2.º. O «respeito pelo
princípio do Estado de direito democrático» é uma das tarefas fundamentais do
Estado (art. 9.º/b). A CRP preenche os requisitos tanto do Estado de direito formal
como do Estado de direito material.
Os elementos jurídico-constitucionais inerentes a este princípio podem sintetizar-se
em três elementos: constitucionalidade, legalidade e direitos fundamentais.
O Estado não está acima do Direito, como no “antigo regime” (legibus absoluto). A
submissão ao Direito significa que a Constituição, ao decidir-se por um Estado de
direito, procura constituir e conformar as estruturas do poder político segundo a
medida do direito, isto é, através de um meio de ordenação racional,
vinculativamente prescritivo, de regras, formas e procedimentos que excluem o
arbítrio e a prepotência.
O Estado de direito é um Estado constitucionalmente conformado (Estado de direito
constitucional). Pressupõe a existência de uma Constituição e a afirmação
inequívoca do princípio da constitucionalidade. A Constituição é a lei fundamental
do Estado. A Constituição é uma ordenação normativa fundamental dotada de
supremacia — supremacia da Constituição —, e é nesta supremacia da lei
constitucional que o “primado do direito” do Estado de direito encontra uma
primeira e decisiva expressão (art. 3.º-2 e 3).
Mas o “império do direito” sobre o Estado não se limita à Constituição, incluindo
também a submissão do poder executivo às leis, de acordo comos cânones da
separação dos poderes. O Governo e a administração só podem atuar se habilitados
pela lei e nos termos da lei (princípio da legalidade).
O Estado de direito é, por último, um Estado de direitos fundamentais. A
Constituição garante a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do homem,
na sua complexa qualidade de pessoa, cidadão e trabalhador. Neste sentido, o Estado
de direito é um “Estado de distância”, porque os direitos fundamentais asseguram
às pessoas autonomia perante os poderes públicos. Por outro lado, o Estado de
direito é um Estado “antropologicamente amigo”, ao respeitar a «dignidade da
pessoa humana» e ao empenhar-se na defesa e garantia da liberdade, da justiça e da
solidariedade (art. 1.º).

São subprincípios concretizadores do Estado de direito: (1) princípio da separação


de poderes; (2) princípio do Estado constitucional; (3) princípio da legalidade da
Administração; (4) independência dos tribunais; (5) proibição dos crimes e sanções
sem base legal; (6) proibição de expropriações arbitrárias ou sem indemnização; (7)
princípio da proporcionalidade; (8) princípio da proteção da confiança; (9) princípio
da segurança jurídica; (10) procedimentalização das decisões públicas; (11) acesso
à justiça e garantias processuais; (12) responsabilidade do Estado pelos danos
causados aos particulares.

III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às


respetivas questões (10 valores):
Depois de os projetos de lei sobre eutanásia terem sido “chumbados” (por escassos
votos) na Assembleia da República, o Governo resolveu aprovar e enviar ao Presidente
da República um diploma para ser promulgado como decreto-lei que legaliza a “morte
medicamente assistida”.
No preceito «X» do dito decreto estipula-se que «não é punível a antecipação da
morte a pedido da própria pessoa, se realizada em estabelecimento de saúde, sempre que
ela assim o entender e desejar, independentemente de qualquer verificação médica de
doença terminal».

A - Suponha que o Presidente da República, em vez de promulgar o diploma,


requer ao Tribunal Constitucional a fiscalização da sua constitucionalidade:
1. Caraterize o tipo de controlo de constitucionalidade em causa.

Trata-se de fiscalização preventiva – feita a priori, antes de o diploma entrar no


ordenamento jurídico –, abstrata – fiscaliza-se a constitucionalidade da norma em
si, independentemente da sua aplicação a um qualquer caso concreto –, concentrada
– a competência de decisão cabe em exclusivo ao TC, excluindo quaisquer outras
instâncias jurisdicionais –, a título principal – o objeto do processo é a fiscalização
da constitucionalidade da norma.
A CRP prevê a possibilidade de fiscalização preventiva de atos legislativo e
equiparados (convenções internacionais).

2. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa.

A temática da eutanásia ou morte medicamente assistida está indissociavelmente


ligada aos direitos liberdades e garantias, consignados na CRP, por se traduzir num
poder de dispor da vida própria com ajuda alheia (art. 24º). Trata-se, por isso, de
matéria de reserva relativa da competência legislativa da AR (art. 165º, n.º 1/b)
CRP), sobre a qual o Governo só poderia legislar se, previamente, tivesse obtido a
devida autorização legislativa da AR. Como nada indica que a tenha obtido, estamos
perante uma inconstitucionalidade orgânica (incompetência).
Além disso, o preceito «X» está em manifesta desconformidade com o preceituado
no artigo 24º, n.º 1 da CRP, que garante que “a vida humana é inviolável”. Não
porque a direito à vida humana não possa ser restringido em casos-limite, mas
sobretudo porque a restrição desse direito, nos moldes previstos pelo preceito «X»,
a simples pedido da pessoa interessada, é desproporcional e não respeita os
pressupostos exigidos pelo art. 18º, n.º 2 e n.º 3 da CRP (os pressupostos
constitucionais das leis restritivas não são aqui exigíveis, porque se trata de matéria
a lecionar na unidade curricular de Direitos Fundamentais). Pelo que, ao violar uma
norma de fundo da CRP, o diploma enferma também de uma inconstitucionalidade
material (quanto ao conteúdo).

3. Quais os efeitos de uma eventual pronúncia de inconstitucionalidade?

Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua


devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por
inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP),
remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC. Este é o efeito direto da
inconstitucionalidade.
Face ao veto por inconstitucionalidade, há três possibilidades em abstrato: (i) fim do
procedimento legislativo; (ii) supressão ou reformulação da norma pelo órgão
legislativo competente, com reenvio para promulgação; (iii) eventual confirmação
da norma por maioria de 2/3, permitindo (mas não impondo) que seja promulgada,
apesar de ter sido considerada inconstitucional.
Sendo o Governo o órgão promanante neste caso, não pode haver confirmação do
diploma por maioria qualificada, que está reservada à AR (art. 279º, n.º 2). Havendo
uma inconstitucionalidade orgânica, o Governo também não pode, por si só, sanar
esse vício. modificando o diploma, por ser incompetente para legislar nessa matéria.
Resta, por isso, ao Governo, se quiser insistir em regular essa matéria, enviar o
diploma como proposta de lei para a AR (art. 167º, n.º 1), iniciando-se um novo
procedimento legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma autorização legislativa à
Assembleia da República (art. 165º). Sanada desse modo a inconstitucionalidade
orgânica, se o novo decreto a ser enviado ao PR para ser promulgado como lei ou
decreto-lei autorizado não corrigir a referida inconstitucionalidade material, poderá
haver nova apreciação preventiva da constitucionalidade, suscitada pelo PR.

B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o


submeter a fiscalização preventiva da constitucionalidade e este foi publicado no
Diário da República.
4. O Presidente da República tem, de novo, legitimidade para suscitar o
controlo de constitucionalidade? A partir de que momento? Justifique.

Sim, o PR tem legitimidade processual ativa não apenas para suscitar a fiscalização
preventiva da constitucionalidade de “decreto que lhe tenha sido enviado para
promulgação como lei ou como decreto-lei” (art. 278º, n.º 1 CRP), mas também para
suscitar a fiscalização sucessiva abstrata de “quaisquer normas” (art. 281º, n.º 2/a)),
incluindo as que ele próprio tenha promulgado. O facto de não exercer o poder de
fiscalização a título preventivo em relação a certa norma não obsta a que o possa
fazer a título sucessivo abstrato imediatamente a seguir ou posteriormente. De facto,
o controlo sucessivo abstrato pode ser requerido ao TC a partir do momento em que
o diploma entra no ordenamento jurídico, com a respetiva publicação, e não caduca
com a passagem do tempo (nem as inconstitucionalidades nem o poder de pedir a
sua fiscalização prescrevem). Já o controlo sucessivo concreto (que pressupõe a
aplicação da norma jurídica a um caso concreto) só poderá ser suscitado perante os
tribunais competentes depois de a norma entrar em vigor, decorrido o eventual
período de vacatio legis.

5. Quais os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade?

Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, previstos no art. 282º, nº 1, da


CRP, equivalem a uma declaração de nulidade da norma em causa e são (i) gerais
(“força obrigatória geral”) - eliminação das normas inconstitucionais, que são
expurgadas da ordem jurídica; (ii) retroativos - apaga os efeitos que tenham sido
produzidos pelas normas declaradas inconstitucionais e pretende refazer a situação
como se essas normas não tivessem existido; e (iii) repristinatórios - recoloca em
vigor as disposições jurídicas antecedentes que a norma inconstitucional haja
afastado (art. 282º, n.º 1). Todavia, a CRP salvaguarda em geral os casos julgados,
salvo condenações penais (nº 3), e permite que o TC, em casos justificados, limite os
efeitos da inconstitucionalidade, no todo ou em parte, podendo afastar o efeito
retroativo ou o efeito repristinatório (nº 4). Nesse caso, a inconstitucionalidade
declarada só tem efeito para o futuro, ficando salvaguardados os efeitos produzidos
pela norma em causa, até ao momento estabelecido pelo TC.

NOTA: Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas).


Direito Constitucional
Faculdade de Direito
1.º Ciclo de Estudos
Direito - 1.º Ano
Prova de Frequência/Exame
12/07/2018
Duração:2h

[Notas:
a) Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas).
b) Pode alterar a ordem das perguntas, mas deixe sempre uma linha de intervalo entre cada
resposta.]

I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (7,5 valores):

1. Constituição não escrita.

Constituição não escrita é o conjunto não codificado de normas sobre o poder


político, umas escritas outras consuetudinárias, existentes antes da implementação
do constitucionalismo moderno, pela Revolução americana (1776), pela Revolução
Francesa (1789) e, em Portugal, pela Revolução Liberal de 24 de agosto de 1820.
Trata-se de constituições materiais que regulam o poder (por exemplo, a sucessão
dinástica, a convocação das cortes), bem como as relações entre o poder e os
membros da comunidade, impondo direitos e deveres para ambas as partes. Não
raro, o Reino Unido é apontado como paradigma da Constituição não escrita, por
não ter aderido ao movimento codificador dos séculos XVIII-XIX, dispensando a
solenização dos seus dispositivos sobre o poder político e seus limites num único
documento constitucional formal, a ser aprovado em assembleia constituinte. O seu
substrato constitucional radica em costumes ancestrais e diversos textos escritos de
essência constitucional, desde a Magna Charta Libertatum até várias leis de conteúdo
constitucional aprovadas ao longo dos séculos.

2. Sistema de governo na Constituição de 1911.

A Constituição de 1911 reconhece a forma de Estado republicana (art. 1º), pelo que
o chefe do Estado é um Presidente da República eletivo, sendo eleito pelas duas
câmaras do Parlamento. Quanto à forma de governo, trata-se de uma modalidade
de parlamentarismo, pois a formação do governo depende das eleições
parlamentares e da composição das câmaras e o governo é responsável perante o
parlamento, sendo demitido em caso de perda de confiança parlamentar. Existe uma
conjugação entre o “parlamentarismo monista” e o “parlamentarismo de
assembleia”. Do primeiro foi retirado o apagamento quase completo do Presidente
da República. Do segundo foi retirada a impossibilidade de o Congresso ser
dissolvido antes do fim da legislatura (de três anos).
A permanente agitação social, a instabilidade do sistema partidário e a prática de os
governos se demitirem sempre que derrotados no Parlamento conduziram a uma
enorme instabilidade governativa e política da I República.
Na sequência de um golpe de Estado, Sidónio Pais (1917-1918) efetuou uma “revisão
constitucional” à margem do processo de revisão previsto no próprio texto
constitucional – a chamada rutura constitucional – mudando, por decreto
presidencial, o sistema de governo parlamentar para um sistema de governo
presidencialista, fazendo-se eleger Presidente da República por sufrágio direto e
assumindo a chefia do poder executivo, sem responsabilidade política perante o
parlamento. O seu assassinato pôs fim a essa experiência presidencialista, voltando-
se à vigência da versão originária da Constituição. Na revisão constitucional de 1919
foi conferido ao Presidente da República a poder de dissolução do Parlamento.

3. Princípio da laicidade.

Laicidade quer dizer que Estado laico, ou seja, o Estado onde não existe religião
oficial, o Estado é neutro em matéria religiosa e existe separação entre o Estado e as
igrejas.
Os principais corolários lógico-materiais da laicidade do Estado (noção que deve ser
distinguida do laicismo ideológico) surgem plasmados inequivocamente na
Constituição, não somente no princípio nuclear da separação entre o Estado e as
igrejas (art. 41.º-4), mas também na não confessionalidade do ensino público (art.
43.º-3) ou na proibição de beneficiar ou prejudicar alguém por causa das suas
convicções ou das suas crenças ou práticas religiosas, ou falta delas (art. 41.º-2).
A laicidade do Estado não tem a ver somente com a autonomia e neutralidade do
Estado face às religiões, mas sim em relação a qualquer sistema de mundividências
de natureza filosófica ou ideológica. Parafraseando a proclamação lapidar do art.
43º, a propósito da liberdade de educação, o Estado laico é aquele que «não pode
programar a educação e cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas». A laicidade do Estado é tanto uma garantia
básica da liberdade religiosa como da própria liberdade de consciência, na medida
em que impede a existência de posições oficiais em matéria de religião ou de
convicções filosóficas, ideológicas ou doutrinárias.
Dimensões do princípio da laicidade: (i) A não identificação do Estado com nenhuma
religião; (ii) Liberdade e igualdade religiosa; (iii) Separação e neutralidade do
Estado perante as Igrejas; (iv) Não confessionalidade do ensino público.

4. Lei de autorização legislativa.

As leis de autorização legislativa são leis através das quais a Assembleia da


República delega competências legislativas da sua reserva relativa (art. 165º) a outro
órgão, passando este a ter competência legislativa para emanar atos normativos com
força de lei nessas matérias. No nosso ordenamento constitucional, há dois tipos de
leis de autorização: (i) as leis de autorização ao Governo (autorização legislativa
horizontal); (ii) as leis de autorização às assembleias legislativas regionais
(autorização legislativa vertical). Ao conceder a autorização para legislar sobre certas
matérias, a AR não perde o poder de legislar sobre as mesmas, podendo a todo o
tempo revogar, tácita ou expressamente, a autorização legislativa concedida. A
concessão da autorização legislativa limita-se às matérias de reserva relativa da
competência legislativa da AR (art. 165º), nunca podendo ser concedida no âmbito
de reserva absoluta da competência legislativa da AR (art. 164º) - sob pena de uma
inconstitucionalidade orgânica - e sendo totalmente desnecessária em matérias
concorrentes, em que o Governo possui competência legislativa originária (art. 198º,
n.º1, al. a)). Nos termos do art. 165º, nº 2, as leis de autorização legislativa têm de
definir o objeto, o sentido e a duração da autorização, pelo que não pode haver
autorizações genéricas nem por tempo indeterminado. As leis de autorização
legislativa são de exclusiva iniciativa governamental, não podendo a Assembleia da
República conferir autorizações não pedidas; o mesmo vale em relação às
autorizações legislativas em favor das assembleias legislativas regionais.

5. Autonomia legislativa regional.


O poder legislativo próprio é um dos traços essenciais da autonomia político-
administrativa das regiões autónomas, permitindo a criação de uma ordem jurídica
regional, a par da ordem jurídica nacional.
O atual quadro da autonomia legislativa regional provém da revisão constitucional
de 2004, que a ampliou sobremaneira, eliminando a submissão da legislação regional
aos “princípios gerais das leis gerais da República” e a invocação de um “interesse
específico regional”, como anteriormente. Os poderes legislativos são, portanto, os
seguintes: (i) legislar sobre as matérias de competência legislativa regional
especificamente enunciadas no art. 227º da CRP [als. i), l), n), p) e q)]; (ii) legislar
sobre todas as matérias enunciadas nos estatutos regionais, salvo as que estiverem
reservadas à competência legislativa da República [al. a) do art. 227.º-1]; (iii)
legislar, mediante autorização da Assembleia da República, sobre as matérias de
reserva de competência legislativa relativamente reservada da AR, com algumas
ressalvas [al. b) do art. 227.º-1]; (iv) desenvolver legislativamente as leis de bases da
AR [al. c) do art. 227.º-1]; (v) transpor as diretivas da UE em matérias da sua
competência legislativa própria (CRP, art. 112º-8).
O poder legislativo regional cabe às ALRs, sem possibilidade de autorização
legislativa aos governos regionais. No entanto, os governos regionais têm
competência legislativa exclusiva no que respeita à sua própria organização e
funcionamento (art. 231º-6), o que replica igual poder do Governo da República.
As regiões autónomas possuem também o poder de iniciativa legislativa junto da
Assembleia da República [art. 227º-1, al. f)], o que lhes dá a possibilidade de
influenciar a legislação da República em matérias de competência exclusiva da
Assembleia da República, em que as regiões não têm autonomia legislativa. O poder
de iniciativa legislativa cabe também às ALRs, não aos governos regionais.
O poder legislativo regional está submetido à Constituição e ao estatuto
político-administrativo da respetiva região, nos termos vistos acima, bem como às
leis de autorização legislativa, leis de bases e leis-quadro da República, quando for
caso disso. A fiscalização da respetiva conformidade (constitucionalidade ou
legalidade) cabe sempre ao Tribunal Constitucional (arts. 280.º-2 e 281.º-1).
A legislação regional afasta a legislação da República nos respetivos territórios. Se
e enquanto as regiões autónomas não exercerem a sua competência legislativa
própria, aplicam-se as leis da República (CRP, art. 228º-2).
6. Independência dos juízes.

A independência dos tribunais constitui um dos elementos clássicos da teoria da


separação de poderes e da ideia do Estado de direito, que a CRP garante em termos
exigentes (arts. 202º. e segs., em particular, o art. 203.º), sendo um dos pressupostos
da própria ideia de justiça e de garantia dos direitos dos cidadãos ante os poderes
públicos. Os juízes não dependem do poder político, nem estão sujeitos a orientações
externas, estando sujeitos somente à Constituição e à lei.
A independência dos juízes compreende nomeadamente um método objetivo de
recrutamento, o mandato de duração predefinida (nomeadamente mandato
vitalício), a inamovibilidade, a irresponsabilidade e a exclusividade de funções
(CRP, arts. 215º e 216º). A CRP estabelece também um sistema de governo próprio
dos juízes, através do Conselho Superior da Magistratura, que inclui quase metade
de membros eleitos pelos próprios juízes (CRP, art. 218º), ao qual cabe a nomeação
dos juízes e o exercício da ação disciplinar (art. 217º).

II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores):

1. Constitucionalismo monárquico português: constâncias e diferenças entre


as diversas constituições.

Durante o período de constitucionalismo monárquico português estiveram em vigor


três textos constitucionais: a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 e
a Constituição de 1838. A elaboração de um novo texto constitucional não pressupõe
uma absoluta rutura com o texto constitucional anterior, antes pelo contrário,
verificam-se várias constâncias e diferenças constitucionais. Comparando os três
textos constitucionais monárquicos portugueses, seguem algumas dessas afinidades
e diferenças:

a) Procedimento constituinte.
A Carta Constitucional de 1826 distingue-se das outras duas constituições (1822 e
1838) por ter sido outorgada por D. Pedro IV, seguindo um procedimento
constituinte autocrático ou autoritário, que pressupõe que o texto constitucional seja
decretado pelo próprio poder político estabelecido (neste caso, o rei), sem qualquer
intervenção de uma assembleia representativa eleita ad hoc; a titularidade do poder
constituinte está no rei. A Constituição de 1822 e a Constituição de 1838 derivam da
manifestação de um procedimento constituinte democrático, em que a constituição
é feita por uma assembleia constituinte eleita (eleições constituintes de 1820 e de
1836, respetivamente); a titularidade do poder constituinte reside no povo.

b) Separação de poderes.
O princípio clássico da separação de poderes, idealizado por Montesquieu, é
constante nas três constituições monárquicas portuguesas. A Constituição de 1822 e
a Constituição de 1838 adotaram uma separação tripartida: poder legislativo
(Cortes), poder executivo (rei) e poder judicial (tribunais). No entanto, com o intuito
de recuperar o poder perdido pelo rei com o texto da Constituição de 1822, a Carta
Constitucional de 1826 vai incluir no seu articulado um novo poder: o quarto poder
ou poder moderador. A separação de poderes passa a ser quatripartida: poder
legislativo (Cortes), poder moderador (rei), poder executivo (rei) e poder judicial
(tribunais).

c) As Cortes.
Na Constituição de 1822 as Cortes reúnem-se numa única câmara (sistema
unicamaralista), a Câmara dos Deputados. A Carta Constitucional de 1826 criou
uma câmara de índole aristocrática, não eletiva, dividindo as Cortes em duas
câmaras (sistema bicamaralista): a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Pares
(representativa do clero e da nobreza). A Constituição de 1838 manteve o sistema
bicamaralista, mas alterou a designação da câmara alta para Câmara dos
Senadores, que passou a ser eleita, deixando de ser uma câmara representativa da
nobreza e do clero.

d) Os direitos fundamentais.
Desde a primeira constituição (1822) que, invariavelmente, se inclui um catálogo de
direitos fundamentais no articulado constitucional. Em princípio, o elenco de
direitos fundamentais transita de constituição em constituição, verificando-se um
sucessivo acrescento na transição da constituição mais antiga para a mais recente.
Tendo em conta a importância desta temática, os direitos fundamentais são inseridos
no início do texto constitucional: no caso da Constituição de 1822, os “direitos e
deveres individuais dos portugueses” abrem o articulado (art. 1º-19º); na
Constituição de 1838, o capítulo único “dos cidadãos portugueses” surge como título
II (art. 6º-8º), imediatamente a seguir ao título I “da Nação Portuguesa, seu
Território, Religião, Governo e Dinastia” (arts. 1º-5º).
No entanto, a Carta Constitucional de 1826 deslocou os “direitos civis e políticos dos
cidadãos portugueses” para o seu último artigo (art. 145º). Ao serem relegados para
um único e último artigo do texto constitucional (art. 145º), esta Constituição
evidencia uma certa desvalorização sistemática ou formal dos direitos fundamentais
dos cidadãos. No entanto, em relação à Constituição de 1822, foram consagrados os
direitos tipicamente liberais nela enunciados e ainda foram acrescentados outros de
novo, v. g., garantia de não retroatividade das leis (§ 2), abertura a uma limitada
liberdade religiosa (§ 4), liberdade de deslocação e emigração (§ 5), necessidade de
decretação da prisão por uma autoridade legítima (§ 9), independência do poder
judicial e o princípio do caso julgado (§ 11), liberdade de trabalho e de empresa (§
23), defesa da propriedade intelectual (§ 24), socorros públicos (§ 29)e instrução
primária gratuita (§ 30). Na qualidade de texto constitucional conservador preserva
os direitos e garantias de natureza estamentária, mais especificamente de direitos e
garantias da nobreza e da burguesia (§ 31).

e) Sistema de governo
As três constituições consagram todas elas a separação entre o poder legislativo e o
poder executivo, sem preverem a responsabilidade política deste perante aquele. O
poder executivo cabia nominalmente ao rei, que, porém, o exercia através de
ministros por si livremente nomeados.
No caso das constituições de 1822 e de 1838, elas estiveram em vigor tempo
insuficiente para verificar como este sistema de governo poderia funcionar. No caso
da Carta, que esteve em vigor, na sua terceira e longa vigência entre 1842 e 1910, a
prática veio instituir uma espécie de sistema de governo parlamentar, à medida que
o rei se distanciava da atividade governativa e que os governos se iam tornando
dependentes da confiança parlamentar para poderem governar. Mas, no sistema de
governo da Carta o rei tinha o chamado “poder moderador”, que incluiu um poder
de veto legislativo e um poder próprio de dissolução parlamentar.

2. Comparação entre o sistema norte-americano e o sistema austríaco de


fiscalização da constitucionalidade.

Nenhuma norma da Constituição norte-americana consagra a judicial review¸ ou


seja, o controlo judicial da conformidade constitucional das normas
infraconstitucionais. O sistema de controlo da constitucionalidade surgiu nos
Estados Unidos da América, com a célebre decisão Marbury v. Madison (1803), em
que o Supremo Tribunal recusou aplicar, num caso concreto sujeito a apreciação
judicial, uma norma legal que considerou não estar em conformidade com a
Constituição. Afirmou-se aí pela primeira vez que, sendo a Constituição a “lei
superior da nação” (artigo VI da Constituição) e competindo aos tribunais aplicar a
lei, quando as leis dos Estados federados ou do Congresso estiverem em desacordo
com a Constituição federal devem ser desaplicadas pelos tribunais.
Trata-se de uma fiscalização desconcentrada, incidental e concreta, que cabe a todos
os tribunais em relação às normas aplicáveis aos casos sub judice e em que os efeitos
da inconstitucionalidade se esgotam no caso judicial concreto, com a não aplicação
da norma considerada inconstitucional, mantendo-se esta, porém, formalmente em
vigor. No sistema norte-americano, todos os tribunais são titulares da justiça
constitucional.
Todavia, por força da “regra do precedente”, típica do sistema de common law, uma
decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal equivale a uma declaração
com força obrigatória geral, visto que os demais tribunais são obrigados a seguir a
jurisprudência dele nos casos idênticos que se lhe vierem a deparar. Por isso, no
modelo norte-americano de fiscalização da constitucionalidade, o principal órgão de
justiça constitucional é o supremo tribunal comum. Não há tribunal constitucional
em sentido próprio; melhor dizendo, o tribunal constitucional é o Supremo
Tribunal.
Aspetos essenciais:
d) O poder de fiscalização é concedido a todos os órgãos judiciais.
e) Desaplicação, no caso concreto, da norma considerada inconstitucional.
f) Possibilidade de recurso para o mais alto tribunal, com jurisdição no caso.
Este sistema de fiscalização da constitucionalidade foi introduzido na Europa
através da Constituição portuguesa de 1911 (63º) e mantém-se no nosso
ordenamento constitucional sob a forma de fiscalização sucessiva concreta (art. 204º
e 280º CRP), mas agora com recurso para o Tribunal Constitucional e sem efeitos
gerais, visto que não vigora entre nós a regra do precedente judicial.

O sistema austríaco ou europeu de controlo da constitucionalidade pressupõe a


criação de um tribunal especial, um tribunal constitucional, para se ocupar em
exclusivo das questões de constitucionalidade, quer a pedido de determinadas
autoridades públicas, quer por reenvio por parte dos demais tribunais, quanto às
questões de constitucionalidade neles suscitadas em casos submetidos ao seu
julgamento. O primeiro TC foi criado na Áustria, sob impulso de Hans Kelsen, na
década de 20 do século passado. Por isso, este modelo ficou conhecido como modelo
austríaco, por contraposição ao modelo norte-americano ou judicial review. As
características essenciais do sistema austríaco são as seguintes: (i) Competência
exclusiva do tribunal constitucional, não tendo os demais tribunais competência
para decidirem questões de constitucionalidade por si mesmos; (ii) Fiscalização de
tipo abstrato, destacada de qualquer questão concreta de constitucionalidade, visto
que, mesmo no caso de reenvio por parte de outros tribunais, o TC vai apreciar a
questão em abstrato; (iii) Força obrigatória geral da declaração de
inconstitucionalidade, ou seja, a norma é declarada nula, não podendo ser aplicada
no futuro por nenhum tribunal ou autoridade, a começar pelo tribunal a quo, no
caso de reenvio. O sistema austríaco generalizou-se após a II guerra mundial, com a
Constituição italiana de 1947 e a Constituição alemã de 1949, visto que ambas
criaram um Tribunal Constitucional. No sistema constitucional português (sistema
misto) encontra repercussão no âmbito da fiscalização sucessiva em abstrato da
constitucionalidade (arts. 281º-282º): fiscalização sucessiva, concentrada, em
abstrato, a título principal e com força obrigatória geral.

III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às


respetivas questões (7,5 valores):

Suponha que o Governo aprova um diploma para ser promulgado como decreto-lei, no
qual, entre outras disposições, a norma “X” proíbe os professores do ensino superior de
se ausentarem do País durante os meses de junho e julho, nos quais os estudantes realizam
as provas escritas e orais.

A – Suponha que o Presidente da República, em vez de o promulgar, decide


submeter o diploma à consideração do Tribunal Constitucional:
1. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa.

O preceito «X» está em manifesta desconformidade com o preceituado no artigo 44º,


n.º 2 da CRP, que garante que “a todos é garantido o direito de (…) sair do território
nacional e o direito de regressar”. Pelo que, ao violar uma norma de fundo da CRP,
estabelecendo uma solução constitucionalmente inadmissível, o diploma enferma de
uma inconstitucionalidade material (quanto ao conteúdo).

Para além de uma inconstitucionalidade material (por desconformidade com o art.


44º/2), existe uma inconstitucionalidade orgânica, porque o Governo só poderá
legislar em matérias de "direitos, liberdades e garantias" mediante prévia
autorização legislativa da AR (art. 165º/1 b) da CRP). Ou seja, em matéria de
reserva relativa da competência legislativa da AR (art. 165º, n.º 1/b) CRP), o
Governo só poderia legislar se, previamente, tivesse obtido a devida autorização
legislativa da AR. Como nada indica que a tenha obtido, estamos perante uma
inconstitucionalidade orgânica (incompetência do órgão legislativo).

2. O que sucede se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade do


diploma?

Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua


devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por
inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP),
remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC.
Sendo o Governo o órgão legiferante, não pode haver confirmação do diploma, que
está reservada à AR (art. 279º-2). Havendo uma inconstitucionalidade orgânica, o
Governo também não pode corrigir a inconstitucionalidade (retirando essa norma
em causa) ou reformular o diploma. Resta ao Governo enviar o diploma como
proposta de lei (aprovada em Conselho de Ministros) para a AR (art. 167º, n.º 1),
iniciando-se um novo procedimento legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma
autorização legislativa (CRP, art. 165º). Sanada a inconstitucionalidade orgânica, se
o novo decreto a ser enviado ao PR para ser promulgado como lei ou decreto-lei
autorizado não sanar a referida inconstitucionalidade material, poderá haver nova
apreciação preventiva da constitucionalidade, suscitada pelo PR.

3. Poderia o TC pronunciar-se sobre a eventual constitucionalidade da norma


“Y”, mesmo que tal não lhe tenha sido requerido pelo PR?

Não, o TC não se poderia pronunciar pela inconstitucionalidade específica desse


preceito, se tal lhe não tivesse sido expressamente requerido pelo PR. O pedido deve
indicar as normas cuja inconstitucionalidade se deseja fiscalizar, bem como as
normas ou princípios constitucionais alegadamente violados por elas (51º LTC). O
TC pode conhecer de outros vícios de inconstitucionalidade de que padeçam as
normas cuja apreciação lhe é requerida, diferentes dos invocados no pedido, mas
não pode apreciar a constitucionalidade de outras normas por sua própria iniciativa.
O TC só pode apreciar as normas cuja apreciação lhe tiver sido requerida (princípio
do pedido), não tendo poder de conhecimento oficioso. “O Tribunal Constitucional só
pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de normas cuja apreciação
tenha sido requerida, mas pode fazê-lo com fundamentação na violação de normas ou
princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada” (art. 51º, n.º 5
da LTC).

B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o


submeter a fiscalização da constitucionalidade e que Aristides (A), professor de
Direito Constitucional, foi impedido de viajar para o Brasil, onde se iria realizar o
congresso para o qual tinha sido convidado:
4. Quais os mecanismos de defesa a que o Aristides pode recorrer?

O nosso ordenamento constitucional não confere aos particulares o acesso direto à


justiça constitucional para impugnar uma norma ou um ato inconstitucional, não
prevendo nada de semelhante ao recurso de amparo (Espanha) ou de recurso de
constitucionalidade (Alemanha). Portanto, uma pessoa prejudicada por uma norma
jurídica inconstitucional não pode impugná-la diretamente no TC nem em qualquer
outro tribunal. Uma pessoa prejudicada por uma norma jurídica inconstitucional
só pode suscitar a fiscalização da constitucionalidade no âmbito de um controlo
judicial concreto, numa causa sujeita a julgamento (art. 280º CRP). Por isso, os
interessados só podem suscitar a inconstitucionalidade da referida norma na
impugnação judicial da decisão administrativa que os impediu de viajar, arguindo-
a de invalidade, por se basear numa norma inconstitucional. Suscitada a questão, o
tribunal da causa tem de apreciar a referida inconstitucionalidade a fim de decidir
o recurso.
De forma indireta, poderia ainda uma pessoa em particular, prejudicada por tal
norma, fazer chegar a questão de inconstitucionalidade ao TC através de uma
petição ao Provedor de Justiça ou a qualquer outra das autoridades com poder de
suscitar a fiscalização sucessiva abstrata. Uma vez que os cidadãos podem
apresentar queixas contra ações ou omissões dos poderes públicos em especial junto
do Provedor de Justiça (art. 23º), sendo este uma das entidades com legitimidade
para desencadear um processo de fiscalização abstrata da constitucionalidade (art.
281º, n.º 2, al. d) CRP), esta poderia ser uma forma de “A” suscitar de forma indireta
a fiscalização abstrata da constitucionalidade, com efeitos gerais e retroativos, o que
satisfaria os seus interesses. De forma indireta, sublinhe-se, porque a legitimidade é
exclusivamente adjudicada pela CRP ao Provedor de Justiça (e outras autoridades)
e não aos próprios cidadãos.

5. Haverá algum mecanismo constitucional que leve à eliminação desta


norma do ordenamento jurídico?
Sim. Partindo do princípio de que A interpôs uma ação judicial em tribunal comum
e de que o tribunal a quo não aplicou a norma por a ter considerado inconstitucional
(art. 204º), seria obrigatório o recurso do Ministério Público para o TC (art. 280º/3),
que a julgaria inconstitucional e, consequentemente, esta norma não se aplicaria ao
A (desaplicação, no caso concreto, da norma considerada inconstitucional), mas
manter-se-ia no ordenamento jurídico. No entanto, se o TC mantiver a sua decisão
a norma não voltará a ser aplicada: (1) porque ao ser aplicada a um outro caso
análogo é obrigatório o recurso por parte do MP para o TC (art. 280º/5 da CRP) e
(2) porque o TC pode iniciar um processo de fiscalização sucessiva em abstrato
desde que a norma tenha sido julgada inconstitucional em três casos concretos (art.
281º/3 da CRP). Em fiscalização abstrata, os efeitos de uma decisão de
inconstitucionalidade por parte do TC são gerais ou erga omnes, com o expurgo da
norma declarada inconstitucional do ordenamento jurídico.

Trata-se de um caso especial de legitimidade processual pública na fiscalização


abstrata ou passagem da fiscalização concreta à fiscalização abstrata. O pressuposto
processual indispensável é que o TC tenha julgado a norma inconstitucional ou ilegal
em, pelo menos, três casos concretos (281º/3): “O Tribunal Constitucional aprecia e
declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de
qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em
três casos concretos”. A legitimidade para tal consta no art. 82º da LTC: «Sempre
que a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos,
pode o Tribunal Constitucional, por iniciativa de qualquer dos seus juízes ou do
Ministério Público [junto do TC], promover a organização de um processo com as
cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao Presidente, seguindo-se os
termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade ou da
ilegalidade previstos na presente lei». O pedido pode ser apresentado a todo o tempo.
Quanto ao efeito, o julgamento de inconstitucionalidade em 3 casos concretos não
conduz oficiosamente ou necessariamente à declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral, uma vez que se trata de um processo autónomo. Mas,
salvo situações especiais, o TC adota em fiscalização a mesma solução que tomou
nos casos de fiscalização concreta.
Direito Constitucional
Faculdade de Direito
1.º Ciclo de Estudos
Direito - 1.º Ano
Prova de Frequência / Exame
07/06/2019
Duração:120 minutos

IV. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (7,5 valores):


7. Constituição material.

A constituição material pode definir-se em contraposição à constituição formal, na


medida em que em sentido formal, fazem parte da constituição todas e somente as
normas que integram a constituição escrita, ou seja, a lei ou leis formalmente
constitucionais; e em sentido material, fazem parte da constituição somente as
normas que pela sua importância merecem ser consideradas fundamentais,
independentemente de estarem ou não inseridas na constituição formal ou nas leis
formalmente constitucionais.
Neste entendimento, pode não haver coincidência entre constituição formal e
constituição material. Constituição formal só existe nos Estados possuidores de
uma constituição escrita, vertida numa lei ou conjunto de leis dotadas de especial
força jurídica. Já a constituição material existe em qualquer Estado, mesmo que
não possua constituição formal. É o caso do Reino Unido, que não tem
constituição formal. E era o caso de outros países, como Portugal, antes da
“revolução constitucionalista” dos sécs. XVIII e XIX. Só assim se podem entender
afirmações de autores como as que se seguem:
Almeida GARRETT (1830): “antes da revolução de 1820, Portugal tinha com
efeito sua constituição, nem há Estado que a não tenha”;
Ferdinand LASSALLE (1862): “cada país tem, e teve sempre, em todos os
momentos da sua história, uma Constituição real e verdadeira. O que é
característico dos tempos modernos – há que reter bem este aspeto, e não
esquecê-lo, pois tem muita importância – não são as Constituições reais e
efetivas, mas as Constituições escritas, as folhas de papel”;
Rogério SOARES (1986): “qualquer comunidade política supõe uma
ordenação fundamental que a constitui e lhe dá sentido –possui uma
constituição”;
Paulo OTERO (2010): “a história constitucional portuguesa é anterior à
Revolução Liberal de 1820, pois desde que Portugal é um Estado que existe
uma normatividade reguladora do poder político e das relações entre
governantes e governados, verificando-se que essa normatividade assume
uma natureza materialmente constitucional, comprovando que não há
Estado sem Constituição: Portugal, desde que é Portugal, sempre teve uma
Constituição em sentido material, podendo falar-se em Constituição
histórica ou institucional”.

Por outro lado, pode ser que a constituição formal contenha algumas normas que
não satisfazem os requisitos da materialidade constitucional, por não possuírem
suficiente relevância (por exemplo, na Suíça a constituição chegou a ter uma norma
a proibir o absinto!). Inversamente, pode haver normas ou leis inteiras que devam
ser consideradas como materialmente constitucionais, dada a sua importância e
relevância para a ordem fundamental da coletividade, apesar de não estarem
inseridas na constituição formal. Tal é o caso, por exemplo, da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em França.
Caso sintomático é o da nossa Carta Constitucional de 1826, que estipulava ela
mesma que só tinham valor constitucional as normas respeitantes à organização
dos poderes e aos direitos individuais, podendo as restantes ser livremente
modificadas por lei ordinária, sendo, portanto, “desconstitucionalizadas” pela
própria Carta (“autodesconstitucionalização”). No fundo, o que esse preceito
queria dizer é que as demais normas não eram materialmente constitucionais, mas
que também não eram juridicamente constitucionais, apesar de fazerem parte da
constituição formal, sendo tratadas como normas infraconstitucionais,
nomeadamente quanto à sua revisão.

8. Poder constituinte.

É o poder de fazer a constituição, que emite a constituição e que assim “constitui”


(ou reconstitui) juridicamente o Estado e os poderes públicos. É um poder
originário, pré-constitucional e em princípio ilimitado. O poder constituinte
democrático é exercido diretamente pelo povo (através de referendo) ou pelos seus
representantes (assembleia constituinte); o poder constituinte autocrático é
exercido diretamente pelos titulares do poder político (monarcas, juntas
revolucionárias, etc.). O poder constituinte é normalmente assumido em situações
de rutura da ordem constitucional (revoluções, golpes de Estado), que põem fim à
ordem constitucional preexistente.
É essencial a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, visto que
aquele é um poder originário, enquanto os segundos são poderes derivados, criados
pela constituição e subordinados à constituição. O próprio poder de revisão
constitucional é um poder derivado, e não uma renovação do poder constituinte,
sendo previsto e regulado no próprio texto constitucional.

9. Duração e limitação dos mandatos públicos.

A duração e limitação dos mandatos públicos é um corolário do princípio


republicano (art. 1º da CRP). O princípio republicano impõe a proibição de cargos
vitalícios e a renovação temporal do mandato de todos os cargos políticos (art.º 118
CRP). Além da temporariedade dos cargos públicos, o princípio republicano inclui
também a ideia da limitação do número de mandatos sucessivos, a começar pelo
Presidente da República, cujo mandato só pode ser renovado uma vez (art.º 123
CRP), sem excluir outros titulares de órgãos executivos (art.º 118, n.º 2 CRP). No
entanto, a CRP não prevê explicitamente a limitação de outros mandatos públicos,
incluindo mandatos legislativos (deputados). Resta saber se o princípio republicano
em si mesmo não constitui base suficiente para o seu estabelecimento por via de
lei.

10. Lei orgânica.

A categoria das leis orgânicas foi introduzida na Constituição com a revisão de 1989.
São leis ordinárias de regime especial (logo, não são leis constitucionais). Só existem
em matérias de competência exclusiva da Assembleia da República e estão
vinculadas ao princípio da tipicidade, isto é, só o são aquelas que a Constituição
considera como tais (166.º, n.º 2). A Constituição delimita o seu universo por
intermédio de dois critérios: matéria e procedimento. As matérias sujeitas a lei
orgânica são em geral de importância político-institucional especialmente relevante
(166.º, n.º 2).
O procedimento legislativo parlamentar de elaboração e aprovação das leis orgânicas
apresenta algumas especificidades importantes relativamente ao procedimento
normal: (i) a votação na especialidade da maior parte das leis orgânicas é feita no
plenário e não em comissão, como é regra (168.º-4); (ii) as leis orgânicas têm de ser
aprovadas por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (168.º- 5),
e em alguns casos, mesmo por maioria de 2/3 (art. 168.º-6), e não por maioria relativa,
como s demais leis; (iii) a sua confirmação após eventual veto presidencial carece da
maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos
deputados em efetividade de funções (136.º-3); (iv) a fiscalização preventiva da
constitucionalidade das leis orgânicas pode ser pedida não só pelo Presidente da
República mas também pelo Primeiro-Ministro ou um quinto dos deputados em
efetividade de funções (278.º- 4).
Além disso. sendo leis reforçadas (art. 112º-3), as leis orgânicas têm de ser respeitadas
por outras leis, sob pena de “ilegalidade reforçada”, cujo regime de fiscalização
judicial se aproxima do regime da fiscalização da constitucionalidade, sendo
também competência do Tribunal Constitucional (CRP. arts. 280º-282).

11. Constituição de Cádis (1812).

Sem contar com o Estatuto de Baiona de 1808, proclamada sob o domínio


napoleónico, Constituição de Cádis é a primeira constituição de Espanha,
elaborada e proclamada em 1812, pelas Cortes Constituintes convocadas para o
efeito; declarada nula em 1814 pelo poder monárquico restaurado, foi restabelecida,
novamente, em 1820. Pôs fim ao absolutismo monárquico e abriu caminho aos
princípios do Estado liberal: (i) soberania da nação; (ii) direitos fundamentais. (iii)
sistema representativo; (iv) princípio da separação de poderes; (v) princípio da
legalidade, segundo o qual o governo só poderia atuar com base no respeito pela
lei.
No seu segundo período de vigência, coincide com o primeiro constitucionalismo
liberal português (1820-1823). Na realidade, a Constituição de Cádis foi a principal
fonte de inspiração da Constituição portuguesa de 1822; no entanto, as Cortes
Constituintes de Lisboa (1821-1822) não se limitaram a “copiar” o texto
constitucional de Cádis, sendo certo que, em determinadas matérias, impuseram a
sua originalidade. Como diferenças substanciais entre os dois textos
constitucionais destacamos: (i) o catálogo dos direitos fundamentais – enquanto na
Constituição de 1822 se reservou um capítulo próprio para os direitos fundamentais,
colocado à cabeça do texto constitucional, na Constituição de Cádis os direitos
fundamentais surgem dispersos pelo texto constitucional; (ii) o sistema eleitoral
previsto para as cortes ordinárias subsequentes – a Constituição portuguesa optou
por eleições diretas, enquanto que na Constituição espanhola estava previsto um
sistema de eleições indiretas, em quatro graus: compromissários, eleitores de
paróquia, eleitores de comarca, deputados (sistema que tinha sido adotado em
Portugal na eleição das Cortes de 1820); (iii) a Constituição portuguesa estabeleceu
um recenseamento eleitoral oficioso, que falta na Constituição espanhola. De uma
forma mais pontual, notam-se diferenças textuais ao nível (iv) do conceito de
soberania; (v) da consagração da independência dos três poderes do Estado; (vi) da
atribuição da cotitularidade do poder executivo ao rei e aos secretários de Estado e
ministros; (vii) do tratamento mais restritivo da pessoa do rei e das prerrogativas
constitucionais que lhe são atribuídas; (viii) do poder de veto legislativo do Rei.

12. Moção de censura.

A moção de censura é um instrumento de controlo político do Parlamento em


relação ao Governo, característico dos sistemas de governo parlamentaristas, em
que o segundo é responsável perante o primeiro. A moção de censura ao Governo
consiste numa proposta levada a votação pela oposição ao Parlamento, que visa
reprovar a execução do programa do Governo ou a gestão de assuntos de relevante
interesse nacional (art.º 194 CRP). A iniciativa está reservada a um quarto dos
deputados em efetividade de funções ou a qualquer grupo parlamentar (art.º 194
CRP). Para se aprovar uma moção de censura basta uma maioria simples, ou seja,
mais votos a favor do que contra; mas a aprovação por maioria absoluta (número de
votos superior a metade dos deputados em efetividade de funções, 116 ou mais) é
condição para demissão automática do Governo (art.º 195, n.º 1 al. f) CRP),
obrigando a uma nova solução governativa no quadro parlamentar existente ou a
eleições antecipadas. Todavia, a aprovação da censura por maioria simples não é
politicamente despicienda, desde logo, servindo de barómetro ao apoio parlamentar
do Governo em causa.
Na vigência da atual Constituição da República Portuguesa, desde 1976 até há
atualidade, foram apresentadas 31 moções de censura. A única situação que causou
a demissão do Governo, pela aprovação de uma moção de censura por maioria
absoluta dos deputados em efetividade de funções, foi em 4 de abril de 1987,
quando, por iniciativa do PRD (um partido entretanto desaparecido), se aprovou
por maioria absoluta uma moção de censura ao X Governo Constitucional
(minoritário), dirigido pelo primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva (PSD).
O nosso sistema constitucional não prevê a chamada “moção de censura
construtiva”, que existe em alguns sistemas de governo parlamentaristas, como o
da Alemanha ou da Espanha, que exige a apresentação e a aprovação de uma
solução de governo alternativa junto com a moção de censura, de modo a evitar o
derrube de governos por “coligações negativas”, incapazes de formarem uma
coligação de governo depois de derrubarem o governo em funções.

V. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores):


3. A Revolução liberal e a primeira “Constituição política” em Portugal.

A Revolução liberal portuguesa iniciou-se com um pronunciamento militar na


cidade do Porto (quartel general de Santo Ovídio), no dia 24 de agosto de 1820.
Nesse mesmo dia, em reunião extraordinária da Câmara do Porto, foi nomeada a
Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que assumiu o encargo de
proceder à imediata convocação das Cortes constituintes, para prepararem o novo
texto constitucional do País: – “Viva o nosso bom rei! Vivam as Cortes e, por elas, a
Constituição!” – foi sob este lema dos três vês (VVV), correspondentes aos três
vivas, que nasceu e se fez a Revolução liberal em Portugal.

A capital (Lisboa) só aderiu a este movimento no dia 15 de setembro de 1820. Nesse


dia foi deposta a Regência que governava o País em nome do rei D. João VI
(ausente no Brasil desde 1807/08) e foi nomeado um Governo interino, alinhado
com as intenções liberais da Junta governativa anteriormente nomeada no Porto. A
fusão dos dois governos (do Porto e de Lisboa) foi feita em Alcobaça, por portaria
de 27 de setembro de 1820. Com os membros dos dois governos, formaram-se duas
novas juntas: a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e a Junta
Provisional Preparatória das Cortes, esta por sua vez subdividida em duas secções
(uma para tratar da convocação das Cortes e outra para tratar dos assuntos que nela
se deviam discutir). A primeira Junta ficou encarregada da do governo e da
administração pública e a segunda de preparar e dispor, com a maior brevidade
possível, tudo o que fosse necessário para a convocação e regular funcionamento
das Cortes.

O dia 1 de outubro de 1820 foi o dia definitivo da unificação nacional, com a entrada
triunfante da Junta Provisional do Porto na capital, em Lisboa, e a reunião com o
Governo Interino de Lisboa. A partir desse dia passa a existir um único poder
político central, sediado em Lisboa, e a causa constitucional da Nação espalhou-se
e cobriu todo o território de Portugal.

A referida Junta Provisional Preparatória das Cortes iniciou o processo de


convocatória e preparação das Cortes Constituintes. Depois de ter sido afastada a
convocação das Cortes tradicionais (dos três estados do reino: clero, nobreza e
povo), foram promulgadas as primeiras Instruções eleitorais a 31 de outubro de
1820. Tendo sido movida uma forte contestação a estas Instruções, no rescalda da
Martinhada (11 de novembro de 1820, dia de S. Martinho), acabaram por ser
substituídas pelas Instruções eleitorais de 22 de novembro de 1820, que adaptaram
o capítulo eleitoral da Constituição de Cádis (Espanha, 1812) ao Reino de Portugal.
As eleições constituintes realizaram-se, em Portugal, de 10 a 30 de dezembro de
1820.

A abertura e instalação oficial das Cortes ocorreu no dia 26 de janeiro de 1821 (com
uma sessão preparatória anterior, realizada no dia 24 de janeiro), na sala da livraria
do Convento das Necessidades, em Lisboa, apenas com a presença dos deputados
da metrópole, uma vez que os deputados das ilhas adjacentes e dos domínios
ultramarinos, incluindo o Brasil, só posteriormente viriam a ser eleitos e integrados
no Magno Congresso. As Cortes aprovaram o texto da Constituição no dia 23 de
setembro e foram dissolvidas no dia 4 de novembro de 1820, após o juramento da
Constituição no País (3 de novembro).

O procedimento constituinte foi desenvolvido em três fases distintas: numa


primeira fase, as Cortes aprovaram um texto constitucional interino, as chamadas
Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, que foram juradas por D.
João VI no dia 4 de julho de 1820, dia seguinte ao da chegada a Lisboa, no regresso
de uma estadia prolongada no Brasil (quase 13 anos); numa segunda fase,
estabeleceram o projeto oficial da Constituição; e só depois, numa terceira fase,
passaram ao debate e votação do texto constitucional definitivo.

De referir que o Rei foi excluído do procedimento constituinte e que o texto


constitucional originário de 1822 derivou de um procedimento constituinte
democrático-representativo, exclusivamente levado a cabo por uma assembleia
constituinte soberana, eleita ad hoc, com plenos poderes para elaborar e aprovar a
Constituição, “sem dependência da sanção do rei” (art.º 27 da Constituição de
1822). De resto, as próprias Cortes constituintes tinham sido convocadas pelos
revolucionários de 1820 à margem do Rei (ausente no Rio de Janeiro) e da Regência
de Lisboa, que tinha tentado, sem êxito, reunir à pressa as Cortes tradicionais,
convocando os “três estados do Reino”.

4. Comparação entre o sistema norte-americano e o sistema austríaco de


fiscalização da constitucionalidade.

Nenhuma norma da Constituição norte-americana consagra a judicial review¸ ou


seja, o controlo judicial da conformidade constitucional das normas
infraconstitucionais. O sistema de controlo da constitucionalidade surgiu nos
Estados Unidos da América, com a célebre decisão Marbury v. Madison (1803), em
que o Supremo Tribunal recusou aplicar, num caso concreto sujeito a apreciação
judicial, uma norma legal que considerou não estar em conformidade com a
Constituição. Afirmou-se aí pela primeira vez que, sendo a Constituição a “lei
superior da nação” (artigo VI da Constituição) e competindo aos tribunais aplicar a
lei, quando as leis dos Estados federados ou do Congresso estiverem em desacordo
com a Constituição federal devem ser desaplicadas pelos tribunais.
Trata-se de uma fiscalização desconcentrada, incidental e concreta, que cabe a
todos os tribunais em relação às normas aplicáveis aos casos sub judice e em que os
efeitos da inconstitucionalidade se esgotam no caso judicial concreto, com a não
aplicação da norma considerada inconstitucional, mantendo-se esta, porém,
formalmente em vigor. No sistema norte-americano, todos os tribunais são titulares
da justiça constitucional.
Todavia, por força da “regra do precedente”, típica do sistema de common law,
uma decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal equivale a uma
declaração com força obrigatória geral, visto que os demais tribunais são obrigados
a seguir a jurisprudência dele nos casos idênticos que se lhe vierem a deparar. Por
isso, no modelo norte-americano de fiscalização da constitucionalidade, o principal
órgão de justiça constitucional é o supremo tribunal comum. Não há tribunal
constitucional em sentido próprio; melhor dizendo, o tribunal constitucional é o
Supremo Tribunal.
Aspetos essenciais:
g) O poder de fiscalização é concedido a todos os órgãos judiciais.
h) Desaplicação, no caso concreto, da norma considerada inconstitucional.
i) Possibilidade de recurso para o mais alto tribunal, com jurisdição no caso.
Este sistema de fiscalização da constitucionalidade foi introduzido na Europa
através da Constituição portuguesa de 1911 (63º) e mantém-se no nosso
ordenamento constitucional sob a forma de fiscalização sucessiva concreta (art.
204º e 280º CRP), mas agora com recurso para o Tribunal Constitucional e sem
efeitos gerais, visto que não vigora entre nós a regra do precedente judicial.

O sistema austríaco ou europeu de controlo da constitucionalidade, instituído pela


Constituição austríaca de 1920, pressupõe a criação de um tribunal especial, um
tribunal constitucional, para se ocupar em exclusivo das questões de
constitucionalidade, quer a pedido de determinadas autoridades públicas, quer por
reenvio por parte dos demais tribunais, quanto às questões de constitucionalidade
neles suscitadas em casos submetidos ao seu julgamento. O primeiro TC foi criado
na Áustria, sob impulso de Hans Kelsen, na década de 20 do século passado. Por
isso, este modelo ficou conhecido como modelo austríaco, por contraposição ao
modelo norte-americano ou judicial review. As características essenciais do sistema
austríaco são as seguintes: (i) Competência exclusiva do tribunal constitucional,
não tendo os demais tribunais competência para decidirem questões de
constitucionalidade por si mesmos; (ii) Fiscalização de tipo abstrato, destacada de
qualquer questão concreta de constitucionalidade, visto que, mesmo no caso de
reenvio por parte de outros tribunais, o TC vai apreciar a questão em abstrato; (iii)
Força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade, ou seja, a norma é
declarada nula, não podendo ser aplicada no futuro por nenhum tribunal ou
autoridade, a começar pelo tribunal a quo, no caso de reenvio. O sistema austríaco
generalizou-se após a II guerra mundial, com a Constituição italiana de 1947 e a
Constituição alemã de 1949, visto que ambas criaram um Tribunal Constitucional.
No sistema constitucional português (sistema misto) encontra repercussão no
âmbito da fiscalização sucessiva em abstrato da constitucionalidade (arts. 281º-
282º): fiscalização sucessiva, concentrada, em abstrato, a título principal e com
força obrigatória geral.

VI. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às respetivas questões
(7,5 valores):

Suponha que o Governo aprova um diploma para ser promulgado como decreto-lei, no
qual, entre outras disposições, a norma “X” determina a criação de um “comité de verdade”
para escrutinar a imprensa e evitar que se publiquem fake news (notícias falsas) sobre
dirigentes partidários.

A – Suponha que o Presidente da República, em vez de o promulgar, decide


submeter o diploma à consideração do Tribunal Constitucional:
6. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa.

Por um lado, o preceito «X» está em manifesta desconformidade com o preceituado


no artigo 38º da CRP, que garante “a liberdade de imprensa” e proíbe a censura
política ou administrativa. Por outro lado, ao limitar-se a proteger de eventuais fake
news (notícias falsas) os “dirigentes partidários”, o preceito «X» estaria também em
desconformidade com o princípio da igualdade (art. 13º da CRP). Pelo que, ao
violar uma norma de fundo e um princípio constitucional da CRP, estabelecendo
uma solução constitucionalmente inadmissível, o diploma enferma de uma
inconstitucionalidade material (quanto ao conteúdo).

Para além de uma inconstitucionalidade material (por desconformidade com os


arts. 13º e 38º da CRP), existe uma inconstitucionalidade orgânica, porque o
Governo só poderá legislar em matérias de “direitos, liberdades e garantias”
mediante prévia autorização legislativa da AR (art. 165º/1 b) da CRP). Ou seja, em
matéria de reserva relativa da competência legislativa da AR (art. 165º, n.º 1/b)
CRP), o Governo só poderia legislar se, previamente, tivesse obtido a devida
autorização legislativa da AR. Como nada indica que a tenha obtido, estamos
perante uma inconstitucionalidade orgânica (incompetência do órgão legislativo).

7. O que sucede se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade do diploma?

Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua


devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por
inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP),
remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC.
Sendo o Governo o órgão legiferante, não pode haver confirmação do diploma, que
está reservada à AR (art. 279º-2). Havendo uma inconstitucionalidade orgânica, o
Governo também não pode corrigir a inconstitucionalidade (retirando essa norma
em causa) nem reformular o diploma. Resta ao Governo enviar o diploma como
proposta de lei (aprovada em Conselho de Ministros) para a AR (art. 167º, n.º 1),
iniciando-se um novo procedimento legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma
autorização legislativa (CRP, art. 165º). Sanada a inconstitucionalidade orgânica, se
o novo decreto a ser enviado ao PR para ser promulgado como lei ou decreto-lei
autorizado não sanar a referida inconstitucionalidade material, poderá haver nova
apreciação preventiva da constitucionalidade, suscitada pelo PR. Ou seja, o
Governo deveria sanar também a inconstitucionalidade material, quer optasse pelo
envio à AR como proposta de lei, quer resolvesse ele próprio legislar, depois de
munido da respetiva autorização legislativa.

8. Poderia o TC pronunciar-se sobre a eventual constitucionalidade da norma


“Y”, mesmo que tal não lhe tenha sido requerido pelo PR? E quanto à
fundamentação adotada pelo TC, está obrigado a seguir a que lhe seja
invocada no pedido de apreciação feito pelo PR? Justifique.

Não, o TC não se poderia pronunciar pela inconstitucionalidade específica desse


outro preceito, se tal lhe não tivesse sido expressamente requerido pelo PR. O
pedido deve indicar as normas cuja inconstitucionalidade se deseja fiscalizar, bem
como as normas ou princípios constitucionais alegadamente violados por elas (51º
LTC). O TC pode conhecer de outros vícios de inconstitucionalidade de que
padeçam as normas cuja apreciação lhe é requerida, diferentes dos invocados no
pedido, mas não pode apreciar a constitucionalidade de outras normas por sua
própria iniciativa. O TC só pode apreciar as normas cuja apreciação lhe tiver sido
requerida (princípio do pedido), não tendo poder de conhecimento oficioso. “O
Tribunal Constitucional só pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade
de normas cuja apreciação tenha sido requerida, mas pode fazê-lo com
fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos
daqueles cuja violação foi invocada” (art. 51º, n.º 5 da LTC). Por força da segunda
parte deste preceito, o TC não está obrigado a seguir a fundamentação que lhe
tenha sido invocada no pedido de apreciação feito pelo PR. Ou seja, para
fundamento da sua decisão, o TC pode invocar normas e princípios constitucionais
diferentes dos invocados pela parte que lhe tenha solicitado a apreciação de
constitucionalidade (no caso sub judice, o PR).

B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o


submeter a fiscalização preventiva da constitucionalidade:
9. Quais os mecanismos de defesa a que poderia recorrer o proprietário de um
periódico, que se sentisse lesado pelo referido decreto-lei?

O nosso ordenamento constitucional não confere aos particulares o acesso direto à


justiça constitucional para impugnar uma norma ou um ato inconstitucional, não
prevendo nada de semelhante ao “recurso de amparo” (Espanha) ou de “recurso de
constitucionalidade” (Alemanha). Portanto, uma pessoa virtualmente prejudicada
por uma norma jurídica inconstitucional não pode impugná-la diretamente no TC
nem em qualquer outro tribunal. Uma pessoa prejudicada por uma norma jurídica
inconstitucional só pode suscitar a fiscalização da constitucionalidade no âmbito de
um controlo judicial concreto, numa causa sujeita a julgamento, alegando a
inconstitucionalidade da norma aplicável ao caso concreto (art. 280º CRP). Por isso,
os média interessados só podem suscitar a inconstitucionalidade da referida norma
na impugnação judicial da decisão do tal “comité de verdade” que os tenha
censurado, arguindo-a de invalidade, por se basear numa norma inconstitucional.
Suscitada a questão, o tribunal da causa tem de apreciar a referida
inconstitucionalidade, a fim de decidir o recurso.
De forma indireta, poderia ainda uma pessoa em particular, prejudicada por tal
norma, tentar fazer chegar a questão de inconstitucionalidade ao TC através de
uma petição ao Provedor de Justiça ou a qualquer outra das autoridades com poder
de suscitar a fiscalização sucessiva abstrata. Uma vez que os cidadãos podem
apresentar queixas contra ações ou omissões dos poderes públicos em especial
junto do Provedor de Justiça (art. 23º), sendo este uma das entidades com
legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstrata da
constitucionalidade (art. 281º, n.º 2, al. d) CRP), esta poderia ser uma forma de “A”
suscitar de forma indireta a fiscalização abstrata da constitucionalidade, com
efeitos gerais e retroativos, o que satisfaria os seus interesses. De forma indireta,
sublinhe-se, porque a legitimidade é exclusivamente adjudicada pela CRP ao
Provedor de Justiça (e outras autoridades) e não aos próprios cidadãos.

10. Quais os mecanismos constitucionais que podem levar à eliminação desta


norma do ordenamento jurídico?

Dois mecanismos constitucionais podem levar ao expurgo de uma norma jurídica


do ordenamento jurídico:

(i) Mecanismo normal da fiscalização sucessiva abstrata – este mecanismo


só pode ser acionado pelas entidades legitimadas pela CRP (art. 281º, n.º
2). Em fiscalização abstrata, as decisões de inconstitucionalidade por
parte do TC têm “força obrigatória geral” (art. 282º CRP), i. e., os seus
efeitos são gerais ou erga omnes, com o expurgo da norma declarada
inconstitucional do ordenamento jurídico.
(ii) Mecanismo especial de fiscalização abstrata derivado da fiscalização
concreta – o TC pode iniciar um processo de fiscalização sucessiva em
abstrato, desde que a norma tenha sido julgada inconstitucional em três
casos concretos (art. 281º/3 da CRP). Segundo o art. 281º/3: “O Tribunal
Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que
tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos
concretos”. A legitimidade para tal consta no art. 82º da LTC: «Sempre
que a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em 3
casos concretos, pode o Tribunal Constitucional, por iniciativa de
qualquer dos seus juízes ou do Ministério Público [junto do TC] (...)
seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da
constitucionalidade ou da ilegalidade previstos na presente lei». O pedido
pode ser apresentado a todo o tempo. Quanto ao efeito, o julgamento de
inconstitucionalidade em 3 casos concretos não conduz oficiosamente ou
necessariamente à declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral, uma vez que se trata de um processo autónomo. Mas,
salvo situações especiais, o TC adota em fiscalização abstrata a mesma
solução que tomou nos casos de fiscalização concreta.

[Notas: (i) Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas); (ii)Pode alterar a ordem das
perguntas, mas deixe sempre uma linha de intervalo entre cada resposta]
Direito Constitucional
Faculdade de Direito
1.º Ciclo de Estudos
Direito - 1.º Ano
Exame de 2.ª Época
10/07/2019
Duração:120 minutos

VII. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (7,5 valores):


1. Poder constituinte autocrático.

Ao invés do procedimento constituinte democrático (em que a constituição é feita


por uma assembleia constituinte eleita), no procedimento constituinte autocrático ou
autoritário, as constituições são decretadas diretamente pelo poder político
estabelecido (caso da Carta Constitucional de 1826, que foi outorgada por D.
Pedro IV), ou são aprovadas em plebiscitos autoritários, sem verdadeiro debate
democrático (caso da Constituição de 1933).

2. Constituição de Cádis (1812).

Sem contar com o Estatuto de Baiona de 1808, proclamada sob o domínio


napoleónico, Constituição de Cádis é a primeira constituição de Espanha,
elaborada e proclamada em 1812, pelas Cortes Constituintes convocadas para o
efeito; declarada nula em 1814 pelo poder monárquico restaurado, foi
restabelecida, novamente, em 1820. Pôs fim ao absolutismo monárquico e abriu
caminho aos princípios do Estado liberal: (i) soberania da nação; (ii) direitos
fundamentais. (iii) sistema representativo; (iv) princípio da separação de poderes;
(v) princípio da legalidade, segundo o qual o governo só poderia atuar com base no
respeito pela lei.
No seu segundo período de vigência, coincide com o primeiro constitucionalismo
liberal português (1820-1823). Na realidade, a Constituição de Cádis foi a principal
fonte de inspiração da Constituição portuguesa de 1822; no entanto, as Cortes
Constituintes de Lisboa (1821-1822) não se limitaram a “copiar” o texto
constitucional de Cádis, sendo certo que, em determinadas matérias, impuseram a
sua originalidade. Como diferenças substanciais entre os dois textos constitucionais
destacamos: (i) o catálogo dos direitos fundamentais – enquanto na Constituição de
1822 se reservou um capítulo próprio para os direitos fundamentais, colocado à
cabeça do texto constitucional, na Constituição de Cádis os direitos fundamentais
surgem dispersos pelo texto constitucional; (ii) o sistema eleitoral previsto para as
cortes ordinárias subsequentes – a Constituição portuguesa optou por eleições
diretas, enquanto que na Constituição espanhola estava previsto um sistema de
eleições indiretas, em quatro graus: compromissários, eleitores de paróquia,
eleitores de comarca, deputados (sistema que tinha sido adotado em Portugal na
eleição das Cortes de 1820); (iii) a Constituição portuguesa estabeleceu um
recenseamento eleitoral oficioso, que falta na Constituição espanhola. De uma
forma mais pontual, notam-se diferenças textuais ao nível (iv) do conceito de
soberania; (v) da consagração da independência dos três poderes do Estado; (vi) da
atribuição da cotitularidade do poder executivo ao rei e aos secretários de Estado e
ministros; (vii) do tratamento mais restritivo da pessoa do rei e das prerrogativas
constitucionais que lhe são atribuídas; (viii) do poder de veto legislativo do Rei.

3. “Constitucionalismo em vários níveis”.

Consiste na existência de vários níveis sobrepostos de constitucionalismo. Há duas


formas típicas:
c) Constitucionalismo federal - Ao sobrepor a constituição federal às
constituições estaduais, a Constituição dos Estados Unidos criou um
fenómeno de pluralismo constitucional vertical, ou seja, de dois níveis de
constitucionalidade: o nível federal e o nível estadual, cada um deles com a
sua própria constituição. Por outro lado, o constitucionalismo federal coloca
também o problema de supraordenação (e infraordenação) de constituições,
visto que as constituições das unidades federadas devem respeitar
necessariamente a constituição federal.
d) Constitucionalismo supranacional - um fenómeno novo de
“constitucionalismo em vários níveis” (pluri-level constitutionalism) com
semelhanças com o constitucionalismo federal tem a ver com a leitura da
integração europeia em termos federais e constitucionais, que coabita com a
subsistência da identidade constitucional e da soberania (ainda que
comprimida) dos Estados-membros, visto que aí as constituições nacionais se
manterão como expressão da respetiva soberania nacional, se bem que
naturalmente subordinadas à “constituição” da UE, apesar de esta não
absorver inteiramente a soberania dos Estados-membros. Não falta quem
entenda que, apesar de não ter uma constituição propriamente dita, a União
Europeia não pode deixar de ser interpretada em termos constitucionais,
sobretudo depois do Tratado de Maastricht (1992), que ampliou
substancialmente as atribuições da União e criou a cidadania europeia, da
aprovação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Nice
2000), que antecipa a dotação da União de um bill of rights, de recorte
genuinamente constitucional, e por último do Tratado de Lisboa, que
ampliou as tarefas da União e tornou regra geral o procedimento legislativo
de tipo federal. Ao contrário do federalismo propriamente dito (ver o caso
dos EUA), o “federalismo supranacional” não supõe a supressão da
soberania dos Estados integrados. Mas tampouco pode coabitar com a sua
plena soberania.

4. Lei de bases.

As leis de bases são leis que se limitam a definir as opções político-legislativas


fundamentais, cujo desenvolvimento legislativo será deixado ao Governo e às
assembleias legislativas regionais. Consagram os princípios vetores de um regime
jurídico: o parlamento traça a moldura, dentro da qual o Governo vai exercer os
seus poderes legislativos, mediante decretos-leis de desenvolvimento (e as
assembleias legislativas regionais, mediante decretos legislativos regionais de
desenvolvimento).
Em vários casos a reserva de competência legislativa da AR limita-se às bases
gerais – por exemplo, art. 164, al. i), e 165º, als. f) e g).
As leis de bases gozam de poder legislativo reforçado, nos termos do art. 112º-3 da
CRP, sendo ilegais os decretos-leis ou decretos legislativos regionais que as
infrinjam.

5. Regiões autónomas.

O atual quadro da autonomia legislativa regional provém da revisão constitucional


de 2004, que a ampliou sobremaneira, eliminando a submissão da legislação
regional aos “princípios gerais das leis gerais da República” e a invocação de um
“interesse específico regional”, como anteriormente. Os poderes legislativos são,
portanto, os seguintes: (i) legislar sobre as matérias de competência legislativa
regional especificamente enunciadas no art. 227º da CRP [als. i), l), n), p) e q)]; (ii)
legislar sobre todas as matérias enunciadas nos estatutos regionais, salvo se
estiverem reservadas à competência legislativa da República [al. a) do art. 227.º-1];
(iii) legislar, mediante autorização da Assembleia da República, sobre as matérias
de reserva de competência legislativa relativamente reservada da AR, com
algumas ressalvas [al. b) do art. 227.º-1]; (iv) desenvolver legislativamente as leis de
bases da AR [al. c) do art. 227.º-1]; (v) transpor as diretivas da UE em matérias da
sua competência legislativa própria (CRP, art. 112º-8).
O poder legislativo regional cabe às ALRs, sem possibilidade de autorização
legislativa aos governos regionais. No entanto, os governos regionais têm
competência legislativa exclusiva no que respeita à sua própria organização e
funcionamento (art. 231º-6), o que replica igual poder do Governo da República.
As regiões autónomas possuem também o poder de iniciativa legislativa junto da
Assembleia da República [art. 227º-1, al. f)], o que lhes dá a possibilidade de
influenciar a legislação da República em matérias de competência exclusiva da
Assembleia da República, em que as regiões não têm autonomia legislativa. O
poder de iniciativa legislativa cabe também às ALRs, não aos governos regionais.
O poder legislativo regional está submetido à Constituição e ao estatuto
político-administrativo da respetiva região, nos termos vistos acima, bem como às
leis de autorização legislativa, leis de bases e leis-quadro da República, quando for
caso disso. A fiscalização da respetiva conformidade (constitucionalidade ou
legalidade) cabe sempre ao Tribunal Constitucional (arts. 280.º-2 e 281.º-1).
A legislação regional afasta a legislação da República nos respetivos territórios. Se
e enquanto as regiões autónomas não exercerem a sua competência legislativa
própria, aplicam-se as leis da República (CRP, art. 228º-2).

6. Moção de censura.

A moção de censura é um instrumento de controlo político do Parlamento em


relação ao Governo, característico dos sistemas de governo parlamentaristas, em
que o segundo é responsável perante o primeiro. A moção de censura ao Governo
consiste numa proposta levada a votação pela oposição ao Parlamento, que visa
reprovar a execução do programa do Governo ou a gestão de assuntos de relevante
interesse nacional (art.º 194 CRP). A iniciativa está reservada a um quarto dos
deputados em efetividade de funções ou a qualquer grupo parlamentar (art.º 194
CRP). Para se aprovar uma moção de censura basta uma maioria simples, ou seja,
mais votos a favor do que contra; mas a aprovação por maioria absoluta (número
de votos superior a metade dos deputados em efetividade de funções, 116 ou mais)
é condição para demissão automática do Governo (art.º 195, n.º 1 al. f) CRP),
obrigando a uma nova solução governativa no quadro parlamentar existente ou a
eleições antecipadas. Todavia, a aprovação da censura por maioria simples não é
politicamente despicienda, desde logo, servindo de barómetro ao apoio
parlamentar do Governo em causa.
Na vigência da atual Constituição da República Portuguesa, desde 1976 até há
atualidade, foram apresentadas 31 moções de censura. A única situação que
causou a demissão do Governo, pela aprovação de uma moção de censura por
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, foi em 4 de abril de
1987, quando, por iniciativa do PRD (um partido entretanto desaparecido), se
aprovou por maioria absoluta uma moção de censura ao X Governo Constitucional
(minoritário), dirigido pelo primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva (PSD).
O nosso sistema constitucional não prevê a chamada “moção de censura
construtiva”, que existe em alguns sistemas de governo parlamentaristas, como o
da Alemanha ou da Espanha, que exige a apresentação e a aprovação de uma
solução de governo alternativa junto com a moção de censura, de modo a evitar o
derrube de governos por “coligações negativas”, incapazes de formarem uma
coligação de governo depois de derrubarem o governo em funções.

VIII. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores):


1. Constitucionalismo monárquico português: constâncias e diferenças entre
as diversas constituições.

Durante o período de constitucionalismo monárquico português estiveram em


vigor três textos constitucionais: a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de
1826 e a Constituição de 1838. A elaboração de um novo texto constitucional não
pressupõe uma absoluta rutura com o texto constitucional anterior, antes pelo
contrário, verificam-se várias constâncias e diferenças constitucionais.
Comparando os três textos constitucionais monárquicos portugueses, seguem
algumas dessas afinidades e diferenças:

f) Procedimento constituinte.
A Carta Constitucional de 1826 distingue-se das outras duas constituições (1822 e
1838) por ter sido outorgada por D. Pedro IV, seguindo um procedimento
constituinte autocrático ou autoritário, que pressupõe que o texto constitucional
seja decretado pelo próprio poder político estabelecido (neste caso, o rei), sem
qualquer intervenção de uma assembleia representativa eleita ad hoc; a
titularidade do poder constituinte está no rei. A Constituição de 1822 e a
Constituição de 1838 derivam da manifestação de um procedimento constituinte
democrático, em que a constituição é feita por uma assembleia constituinte eleita
(eleições constituintes de 1820 e de 1836, respetivamente); a titularidade do poder
constituinte reside no povo.

g) Separação de poderes.
O princípio clássico da separação de poderes, idealizado por Montesquieu, é
constante nas três constituições monárquicas portuguesas. A Constituição de 1822
e a Constituição de 1838 adotaram uma separação tripartida: poder legislativo
(Cortes), poder executivo (rei) e poder judicial (tribunais). No entanto, com o
intuito de recuperar o poder perdido pelo rei com o texto da Constituição de 1822,
a Carta Constitucional de 1826 vai incluir no seu articulado um novo poder: o
quarto poder ou poder moderador. A separação de poderes passa a ser
quatripartida: poder legislativo (Cortes), poder moderador (rei), poder executivo
(rei) e poder judicial (tribunais).

h) As Cortes.
Na Constituição de 1822 as Cortes reúnem-se numa única câmara (sistema
unicamaralista), a Câmara dos Deputados. A Carta Constitucional de 1826 criou
uma câmara de índole aristocrática, não eletiva, dividindo as Cortes em duas
câmaras (sistema bicamaralista): a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Pares
(representativa do clero e da nobreza). A Constituição de 1838 manteve o sistema
bicamaralista, mas alterou a designação da câmara alta para Câmara dos
Senadores, que passou a ser eleita, deixando de ser uma câmara representativa da
nobreza e do clero.

i) Os direitos fundamentais.
Desde a primeira constituição (1822) que, invariavelmente, se inclui um catálogo
de direitos fundamentais no articulado constitucional. Em princípio, o elenco de
direitos fundamentais transita de constituição em constituição, verificando-se um
sucessivo acrescento na transição da constituição mais antiga para a mais recente.
Tendo em conta a importância desta temática, os direitos fundamentais são
inseridos no início do texto constitucional: no caso da Constituição de 1822, os
“direitos e deveres individuais dos portugueses” abrem o articulado (art. 1º-19º); na
Constituição de 1838, o capítulo único “dos cidadãos portugueses” surge como
título II (art. 6º-8º), imediatamente a seguir ao título I “da Nação Portuguesa, seu
Território, Religião, Governo e Dinastia” (arts. 1º-5º).
No entanto, a Carta Constitucional de 1826 deslocou os “direitos civis e políticos dos
cidadãos portugueses” para o seu último artigo (art. 145º). Ao serem relegados para
um único e último artigo do texto constitucional (art. 145º), esta Constituição
evidencia uma certa desvalorização sistemática ou formal dos direitos
fundamentais dos cidadãos. No entanto, em relação à Constituição de 1822, foram
consagrados os direitos tipicamente liberais nela enunciados e ainda foram
acrescentados outros de novo, v. g., garantia de não retroatividade das leis (§ 2),
abertura a uma limitada liberdade religiosa (§ 4), liberdade de deslocação e
emigração (§ 5), necessidade de decretação da prisão por uma autoridade legítima
(§ 9), independência do poder judicial e o princípio do caso julgado (§ 11),
liberdade de trabalho e de empresa (§ 23), defesa da propriedade intelectual (§ 24),
socorros públicos (§ 29)e instrução primária gratuita (§ 30). Na qualidade de texto
constitucional conservador preserva os direitos e garantias de natureza
estamentária, mais especificamente de direitos e garantias da nobreza e da
burguesia (§ 31).

j) Sistema de governo
As três constituições consagram todas elas a separação entre o poder legislativo e o
poder executivo, sem preverem a responsabilidade política deste perante aquele. O
poder executivo cabia nominalmente ao rei, que, porém, o exercia através de
ministros por si livremente nomeados.
No caso das constituições de 1822 e de 1838, elas estiveram em vigor tempo
insuficiente para verificar como este sistema de governo poderia funcionar. No
caso da Carta, que esteve em vigor, na sua terceira e longa vigência entre 1842 e
1910, a prática veio instituir uma espécie de sistema de governo parlamentar, à
medida que o rei se distanciava da atividade governativa e que os governos se iam
tornando dependentes da confiança parlamentar para poderem governar. Mas, no
sistema de governo da Carta o rei tinha o chamado “poder moderador”, que
incluiu um poder de veto legislativo e um poder próprio de dissolução
parlamentar.

2. Comparação entre o sistema norte-americano e o sistema austríaco de


fiscalização da constitucionalidade.

Nenhuma norma da Constituição norte-americana consagra a judicial review¸ ou


seja, o controlo judicial da conformidade constitucional das normas
infraconstitucionais. O sistema de controlo da constitucionalidade surgiu nos
Estados Unidos da América, com a célebre decisão Marbury v. Madison (1803), em
que o Supremo Tribunal recusou aplicar, num caso concreto sujeito a apreciação
judicial, uma norma legal que considerou não estar em conformidade com a
Constituição. Afirmou-se aí pela primeira vez que, sendo a Constituição a “lei
superior da nação” (artigo VI da Constituição) e competindo aos tribunais aplicar
a lei, quando as leis dos Estados federados ou do Congresso estiverem em
desacordo com a Constituição federal devem ser desaplicadas pelos tribunais.
Trata-se de uma fiscalização desconcentrada, incidental e concreta, que cabe a
todos os tribunais em relação às normas aplicáveis aos casos sub judice e em que os
efeitos da inconstitucionalidade se esgotam no caso judicial concreto, com a não
aplicação da norma considerada inconstitucional, mantendo-se esta, porém,
formalmente em vigor. No sistema norte-americano, todos os tribunais são
titulares da justiça constitucional.
Todavia, por força da “regra do precedente”, típica do sistema de common law,
uma decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal equivale a uma
declaração com força obrigatória geral, visto que os demais tribunais são
obrigados a seguir a jurisprudência dele nos casos idênticos que se lhe vierem a
deparar. Por isso, no modelo norte-americano de fiscalização da
constitucionalidade, o principal órgão de justiça constitucional é o supremo
tribunal comum. Não há tribunal constitucional em sentido próprio; melhor
dizendo, o tribunal constitucional é o Supremo Tribunal.
Aspetos essenciais:
j) O poder de fiscalização é concedido a todos os órgãos judiciais.
k) Desaplicação, no caso concreto, da norma considerada inconstitucional.
l) Possibilidade de recurso para o mais alto tribunal, com jurisdição no caso.
Este sistema de fiscalização da constitucionalidade foi introduzido na Europa
através da Constituição portuguesa de 1911 (63º) e mantém-se no nosso
ordenamento constitucional sob a forma de fiscalização sucessiva concreta (art.
204º e 280º CRP), mas agora com recurso para o Tribunal Constitucional e sem
efeitos gerais, visto que não vigora entre nós a regra do precedente judicial.

O sistema austríaco ou europeu de controlo da constitucionalidade, instituído pela


Constituição austríaca de 1920, pressupõe a criação de um tribunal especial, um
tribunal constitucional, para se ocupar em exclusivo das questões de
constitucionalidade, quer a pedido de determinadas autoridades públicas, quer por
reenvio por parte dos demais tribunais, quanto às questões de constitucionalidade
neles suscitadas em casos submetidos ao seu julgamento. O primeiro TC foi criado
na Áustria, sob impulso de Hans Kelsen, na década de 20 do século passado. Por
isso, este modelo ficou conhecido como modelo austríaco, por contraposição ao
modelo norte-americano ou judicial review. As características essenciais do sistema
austríaco são as seguintes: (i) Competência exclusiva do tribunal constitucional,
não tendo os demais tribunais competência para decidirem questões de
constitucionalidade por si mesmos; (ii) Fiscalização de tipo abstrato, destacada de
qualquer questão concreta de constitucionalidade, visto que, mesmo no caso de
reenvio por parte de outros tribunais, o TC vai apreciar a questão em abstrato;
(iii) Força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade, ou seja, a
norma é declarada nula, não podendo ser aplicada no futuro por nenhum tribunal
ou autoridade, a começar pelo tribunal a quo, no caso de reenvio. O sistema
austríaco generalizou-se após a II guerra mundial, com a Constituição italiana de
1947 e a Constituição alemã de 1949, visto que ambas criaram um Tribunal
Constitucional. No sistema constitucional português (sistema misto) encontra
repercussão no âmbito da fiscalização sucessiva em abstrato da constitucionalidade
(arts. 281º-282º): fiscalização sucessiva, concentrada, em abstrato, a título
principal e com força obrigatória geral.

IX. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às


respetivas questões (7,5 valores):
Tendo em conta o aumento do número de vítimas resultante da “criminalidade
doméstica”, o Governo aprova um diploma para ser promulgado como decreto-lei, no
qual, entre outras disposições, a norma “X” determina que “mediante o surgimento de
novas provas, os crimes de violência doméstica são suscetíveis de ser julgados uma
segunda vez”.
A – Suponha que o Presidente da República, em vez de o promulgar, decide
submeter o diploma à consideração do Tribunal Constitucional:
11. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa.

No caso sub judice estão em causa uma inconstitucionalidade material e uma


inconstitucionalidade orgânica. Em relação à primeira, o preceito “X” está em
desconformidade com o previsto no art. 29º, n.º 1 da CRP, que proíbe a
retroatividade da lei penal – “ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão
em virtude de lei anterior” – e do art. 29º, n.º 5 da CRP, que determina que
“ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” –
princípio do ne bis in idem –. Pelo que, ao violar normas de fundo e um princípio
constitucional da CRP, estabelecendo uma solução constitucionalmente
inadmissível, o diploma enferma de uma inconstitucionalidade material (quanto ao
conteúdo).

Para além de uma inconstitucionalidade material, existe uma inconstitucionalidade


orgânica, porque o Governo só poderá legislar em matérias de “direitos, liberdades
e garantias” (art.º 165º/1 b) da CRP) e em matéria de “processo criminal” (art.º
165º/1 c) da CRP) mediante prévia autorização legislativa da AR. Ou seja, em
matéria de reserva relativa da competência legislativa da AR (art. 165º, n.º 1/b) e
1/c) da CRP), o Governo só poderia legislar se, previamente, tivesse obtido a
devida autorização legislativa da AR. Como nada indica que a tenha obtido,
estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica (incompetência do órgão
legislativo).

12. Poderia o TC pronunciar-se sobre a eventual constitucionalidade da norma


“Y”, mesmo que tal não lhe tenha sido requerido pelo PR? E quanto à
fundamentação adotada pelo TC, está obrigado a seguir a que lhe seja
invocada no pedido de apreciação feito pelo PR? Justifique.

Não, o TC não se poderia pronunciar pela inconstitucionalidade específica desse


outro preceito, se tal lhe não tivesse sido expressamente requerido pelo PR. O
pedido deve indicar as normas cuja inconstitucionalidade se deseja fiscalizar, bem
como as normas ou princípios constitucionais alegadamente violados por elas (51º
LTC). O TC pode conhecer de outros vícios de inconstitucionalidade de que
padeçam as normas cuja apreciação lhe é requerida, diferentes dos invocados no
pedido, mas não pode apreciar a constitucionalidade de outras normas por sua
própria iniciativa. O TC só pode apreciar as normas cuja apreciação lhe tiver sido
requerida (princípio do pedido), não tendo poder de conhecimento oficioso. “O
Tribunal Constitucional só pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de
normas cuja apreciação tenha sido requerida, mas pode fazê-lo com fundamentação
na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação
foi invocada” (art. 51º, n.º 5 da LTC). Por força da segunda parte deste preceito, o
TC não está obrigado a seguir a fundamentação que lhe tenha sido invocada no
pedido de apreciação feito pelo PR. Ou seja, para fundamento da sua decisão, o TC
pode invocar normas e princípios constitucionais diferentes dos invocados pela
parte que lhe tenha solicitado a apreciação de constitucionalidade (no caso sub
judice, o PR).

B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o


submeter a fiscalização preventiva da constitucionalidade e que o cidadão A foi
notificado de um despacho do juiz de 1.ª instância que manda reabrir o processo
em que ele tinha sido acusado de uma alegada agressão à sua esposa, da qual
tinha sido ilibado em 2015.
13. Identifique e caracterize o mecanismo de controlo de constitucionalidade
que o visado pode desencadear.

Fiscalização concreta de constitucionalidade prevista no art. 280º da CRP. É uma


fiscalização sucessiva – feita a posteriori, depois de o diploma ter entrado no
ordenamento jurídico –, concreta – a fiscalização da constitucionalidade
pressupões a aplicação da norma em questão a um qualquer caso concreto –,
desconcentrada ou difusa – o controlo pode ser efetuado por quaisquer instâncias
jurisdicionais (art.º 204º da CRP) –, a título incidental – o objeto do processo não é
a fiscalização da constitucionalidade da norma.

14. O Ministério Público seria obrigado a recorrer para o TC no caso de a


referida norma ser desaplicada pelo tribunal, por inconstitucionalidade?

Sim, mesmo admitindo a inconstitucionalidade da lei, o MP é obrigado a recorrer


sempre que, por inconstitucionalidade, seja recusada a aplicação de uma norma
constante em ato legislativo (art. 280º, n.º 3 da CRP). Tratando-se de um decreto-
lei que foi desaplicado em tribunal por inconstitucionalidade, o MP seria obrigado
a recorrer.

15. Em caso de recurso, quais os efeitos de uma eventual decisão de


inconstitucionalidade por parte do TC?

Uma decisão em sede de fiscalização sucessiva em concreto tem força de caso


julgado aplicável apenas inter partes, ou seja, a norma jurídica não se aplica ao
caso sub judice (art.º 204º da CRP), mas mantêm-se plenamente em vigor, podendo
vir a ser aplicada em outros casos submetidos a julgamento.

[Notas: (i) Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas); (ii)Pode alterar
a ordem das perguntas, mas deixe sempre uma linha de intervalo entre cada
resposta]

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