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NOTAS SOBRE O FEDERALISMO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

1
Alexandre Mariotti, Mestre e
Doutor em Direito pela Faculdade
de Direito da UFRGS, Professor de
Direito Constitucional da PUCRS.

1. MEMBROS DA FEDERAÇÃO.
O federalismo, entre nós, é princípio fundamental (art.
1º) e cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I). É no art. 18, entretanto, que
encontramos o texto normativo que melhor o explicita:
Art. 18. A organização político-administrativa da
República Federativa do Brasil compreende a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição.

Essa redação deixa claro o que não está no art. 1º, ou


seja, que a União não se confunde com o todo, com a República
Federativa do Brasil. Torna a referir que os Municípios integram a
Federação – decisão constituinte que tem defensores e críticos2 – e que
também a integra o Distrito Federal, que é colocado no seu devido lugar,
entre os Estados e os Municípios. Diz-se isso porque o Distrito Federal é um
híbrido de Estado e Município, disciplinado em separado pela Constituição
da República (art. 32). Esse tratamento diferenciado se explica pelo fato de
o Distrito Federal sediar a Capital Federal, que é Brasília (art. 18, § 1º).
O mesmo art. 18 esclarece que os Territórios Federais
integram a União, não a Federação – diferentemente do que estabelecia a
Constituição anterior, cujo art. 1º dizia que os Territórios faziam parte da
Federação. Assim, os Territórios Federais são simples descentralizações

1 O presente texto foi elaborado a partir de anotações de aula. Sua publicação não pretende,
pois, “fazer doutrina”, mas disponibilizá-lo, como material didático de apoio, aos
acadêmicos da Faculdade de Direito da PUCRS. Todos os artigos citados são da
Constituição da República Federativa do Brasil, editada em 05.10.1988, com exceção
daqueles expressamente referidos a outros texto normativos. As referências bibliográficas
constam das notas de rodapé.
2 Exemplo dos primeiros é Celso Ribeiro Bastos (BASTOS, Celso Ribeiro. “Curso de
Direito Constitucional”. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 258). Entre os últimos, José
administrativo-territoriais da União – isso se forem criados novos territórios,
já que, no momento, não existe nenhum: dos que existiam até 1988,
Roraima e Amapá foram transformados em Estados (art. 14 do ADCT) e
Fernando de Noronha foi extinto, sendo seu território incorporado pelo
Estado de Pernambuco.3
Resta claro que a ordem constitucional vigente admite a
criação de Territórios, valendo lembrar que essa figura surgiu à margem da
Constituição – quando o Brasil adquiriu o Acre da Bolívia, através do
Tratado de Petrópolis, de 1903 – e que o art. 12 do ADCT, segundo
ALEXANDRE DE MORAES,4 indica a possibilidade concreta de criação
de novos Territórios Federais.
Aos membros da Federação – União, Estados, Distrito
Federal e Municípios – se aplicam as vedações de natureza federativa do
art. 19, que têm o objetivo de manter o equilíbrio das relações estabelecidas
entre eles:5
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público; (o Brasil é um estado
laico, o mesmo devendo valer para os membros da
Federação. Ver art. 150, VI, b).
II - recusar fé aos documentos públicos; (os
documentos públicos de um membro da Federação
devem ser reconhecidos pelos outros)
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências
entre si. (independentemente da residência ou do local
de nascimento, a nacionalidade é uma só, devendo ser
aplicado o princípio da igualdade do art. 5º; da mesma

Afonso da Silva (SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev.
e atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 105 e 476-477).
3 Chega a ser curioso, pois, que a Constituição gaste tempo dispondo sobre entidades que
não existem, como faz no § 2º do art. 18 e no art. 33.
4 MORAES, Alexandre. “Direito Constitucional”. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 272.
5
Devendo ficar claro que, do ponto de vista formal, não há hierarquia entre os membros da
Federação – sem prejuízo de se reconhecer que, na prática, a União tende a se impor em
relação aos demais membros, como já destacamos em obra didática anterior (MARIOTTI,
Alexandre. “Teoria do Estado”. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 88-89).
forma, é vedado aos membros da Federação
distinguirem entre si. Ver art. 150, VI, a).

1.1. UNIÃO.
Na boa definição de JOSÉ AFONSO DA SILVA, é a
entidade federal formada pela reunião das partes componentes,
constituindo pessoa jurídica de direito público interno, autônoma em
relação às unidades federadas, e a quem compete exercer as prerrogativas
da soberania do Estado brasileiro.6
Convém relembrar que esse exercício das prerrogativas
da soberania decorre das competências que a Constituição da República
atribui à União (art. 21, I a IV, especialmente) e não faz com que a União se
confunda com o todo – a República Federativa do Brasil, que é quem tem
personalidade jurídica de Direito Internacional. Não é realmente a União
que aparece nos atos de Direito Internacional, mas o Brasil – do qual, mal
comparando, a União atua como representante.
Aliás, esclarece o mesmo autor, embora a ordem
jurídica estabelecida pela União se aplique a todo o território nacional, ela é
menor que a ordem jurídica estatal, que engloba todas as ordens jurídicas
vigentes no território – a Federal, as Estaduais, as Municipais e a do Distrito
Federal.7
No plano do Direito Interno, a União é uma pessoa
jurídica, titular de direitos e obrigações, como se vê, desde logo, no art. 20
da Constituição da República, que enumera os bens da União. Também é
responsável por seus atos e tem a sua sede na Capital Federal. Para fins
processuais, entretanto, a Constituição estabelece regras de foro especiais,
conforme a União seja autora ou ré.

1.2. ESTADOS.8

6 SILVA, op.cit., p. 431.


7 SILVA, op.cit., p. 495.
8 Também referidos na doutrina como Estados-membros ou Estados Federados, para
prevenir confusão com o Estado soberano do qual são partes integrantes. A própria
Constituição de 1988 também utiliza a segunda denominação no Capítulo II do Título III
(“Dos Estados Federados”).
Os Estados são pessoas jurídicas de direito público
interno, dotadas de autonomia política - a ser exercida em relação a uma
determinada parcela do território do Estado Federal - e de patrimônio
próprio: desde logo, os bens mencionados no art. 26. Sua autonomia,
prevista na Constituição da República, se desdobra em pelo menos três
aspectos: auto-organização, autogoverno e auto-administração.9
Destes três aspectos, o mais característico é a auto-
organização, que tem a sua raiz constitucional no art. 25, segundo o qual Os
Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem,
observados os princípios desta Constituição. Assim, cada Estado está
autorizado constitucionalmente a ter suas próprias leis – que serão leis
estaduais – e uma Constituição própria, cuja elaboração, de acordo com a
doutrina mais tradicional, decorre de uma modalidade de poder constituinte
denominada poder constituinte decorrente.
Com a devida vênia, trata-se de uma impropriedade
técnica: não há a constituição de uma ordem jurídica soberana, como no
exercício do único poder verdadeiramente constituinte, que é o chamado
poder constituinte originário, mas mero exercício de uma competência
estabelecida na Constituição, isto é, de um poder constituído. Tanto é assim
que o próprio art. 25 estabelece que devem ser observados os princípios
desta Constituição, que restringem significativamente essa autonomia.
Devem os Estados observar os princípios
constitucionais sensíveis – que são os elencados expressamente no art. 34,
VII – os princípios constitucionais extensíveis – que são normas comuns à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, como, por
exemplo, as normas dos arts. 1º e 3º - e os princípios constitucionais
estabelecidos – que são normas espalhadas pela Constituição a que os
Estados devem observância, como, por exemplo, as que constam nos arts.
95 e 96.10

9 MORAES, op. cit., p. 256.


10 José Afonso da Silva entende que os princípios constitucionais extensíveis foram
praticamente eliminados pela Constituição de 1988 e subdivide os princípios
Observados os princípios constitucionais e o disposto
na respectiva Constituição Estadual, cada Estado se autogoverna, ou seja, é
o povo que vive no seu território que escolhe seus governantes locais, sem
interferência por parte da União. A própria Constituição da República prevê
a existência dos Poderes Legislativo (art. 27), Executivo (art. 28) e
Judiciário (art. 125) estaduais – e, em larga medida, determina sua
configuração.
Enfim, os Estados se auto-administram: seus órgãos e
entidades administrativas – englobados sob a denominação de
Administração Pública Estadual - exercem as competências estabelecidas
nas Constituições da República e Estadual. Como veremos oportunamente,
o grosso das competências dos Estados decorre do § 1º do art. 25: São
reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por
esta Constituição.
Existe a possibilidade constitucional (art. 18, § 3º) da
alteração dos Estados existentes, por incorporação (dois Estados se unem
para formar um novo – fusão), subdivisão (um Estado se divide em dois
novos Estados), desmembramento para anexação a outro Estado (não há
criação de um novo Estado) ou para formação de um novo Estado (como se
deu na criação do Estado de Tocantins pelo art. 13 do ADCT).

1.3. MUNICÍPIOS.
Os Municípios também são pessoas jurídicas de direito
público interno, com a particularidade de que sua autonomia é exercida em
relação a uma determinada parcela do território do Estado federado onde
esteja localizado.
A Constituição é expressa em considerar que os
Municípios compõe a Federação, e sua autonomia (art. 29), como a dos
Estados, desdobra-se em auto-organização, através da elaboração de Lei
Orgânica Municipal, espécie de “Constituição municipal”, cujo conteúdo

constitucionais estabelecidos em limitações expressas, limitações implícitas e limitações


decorrentes do sistema (op.cit., p. 520-525).
básico já está determinado pela própria Constituição da República (incisos
do art. 29); autogoverno, vez que o povo do Município escolhe o Prefeito, o
Vice-Prefeito e os Vereadores, sem interferência do Estado ou da União –
não existe Poder Judiciário Municipal; e auto-administração, decorrente do
exercício das competências que lhe são atribuídas pela Constituição, cujos
órgãos e entidades formam a Administração Pública Municipal.11
Assim como em relação aos Estados, há possibilidade
da criação de novos Municípios, na forma do § 4º do art. 18 – cuja redação
foi alterada pela Emenda Constitucional nº 15, de 12.09.1996, depois de
ensejar um verdadeiro surto de novos municípios.12 A redação original fazia
referência requisitos estabelecidos em lei complementar estadual e a
consulta prévia às populações diretamente interessadas – que, segundo
entendia o Tribunal Superior Eleitoral,13 era somente a população da área
que desejava emancipar-se. A nova redação, em boa hora, superou essa
discutível interpretação jurisprudencial.

1.4. DISTRITO FEDERAL.


O Distrito Federal também é uma pessoa jurídica de
direito público interno dotada de autonomia, que se desdobra em auto-
organização, através da elaboração de Lei Orgânica; autogoverno, pela
eleição de Governador, Vice-Governador e Deputados Distritais, sem
interferência do Estado ou da União; e auto-administração, decorrente do
exercício das competências que lhe são atribuídas pela Constituição da
República – nos termos do § 1º do art. 32, lhe são reservadas as
competências dos Estados e dos Municípios.

11 A Emenda Constitucional nº 25, de 14.02.2000, veio estabelecer limitações às despesas


com o Poder Legislativo municipal (nova redação do inciso VI do art. 29 e introdução do
art. 29-A).
12 Novos municípios “que surgiram como cogumelos após a chuva – e como choveu no
Brasil”, como espirituosamente definiu FERNANDO BOLZONI na palestra “As
Emancipações e a Emenda Constitucional nº 15, proferida no I Congresso Estadual de
Advocacia Pública, Porto Alegre, 2000.
13
Por exemplo, veja-se TSE, Pleno, MS nº 1.511/DF, Relator Min. José Cândido, DJU de
05.06.1992. Esse também era o entendimento do Supremo Tribunal Federal, manifestado,
exemplificativamente, na ADI 733-MG: Diretamente interessada no objeto da consulta
popular e apenas a população da área desmembrada, única portanto, a participar dela
(STF, Pleno, ADI 733-MG, Relator Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 30.06.1995.
Outras características peculiares do Distrito Federal,
que decorrem – conforme já visto – de ter a função de sediar a Capital
Federal são não poder dividir-se em Municípios - divide-se
administrativamente em cidades-satélite – e ter a sua autonomia
excepcionada em favor da União, nos termos dos incisos XIII e XIV do art.
21 e do inciso XVII do art. 22.

2. DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS.
Composto por pessoas jurídicas dotadas de autonomia,
o Estado Federal tem no sistema de distribuição de competências o seu
ponto central. Salienta FERNANDA ALMEIDA que a decisão tomada a
respeito da repartição de competências é que condiciona a feição do Estado
federal, determinando maior ou menor grau de descentralização.14

2. 1. COMPETÊNCIAS.
Estabeleça-se desde logo: Competência é a faculdade
juridicamente atribuída a uma entidade, ou a um órgão ou agente do Poder
Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de
poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas
funções.15 Dito de outra forma, competência é poder, atribuído pela
Constituição para que os órgãos do Estado possam desempenhar os papéis
que a mesma Constituição lhes assinala.
Por essa perspectiva distinguem-se competências
materiais16 e competências legislativas.
Competências legislativas, conforme o nome já indica,
são “poderes de legislar”, referindo-se à partilha do poder de legislar entre
os membros da Federação, constituindo-se, nas palavras de FERNANDA
ALMEIDA, no problema nuclear da repartição de competências na

14 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. “Competências na Constituição de 1988”. 3. ed.


São Paulo: Atlas, 2005, p. 33.
15 SILVA, op.cit., p. 481.
16 Também denominadas competências administrativas, competências não-legislativas e
competências gerais ou de execução. Ver ALMEIDA, op. cit., p. 83.
Federação.17 Já as competências materiais se referem a “poderes de fazer”,
isto é, não se referem a uma única forma de ação, mas a toda uma gama de
possibilidades de ação não-legislativa que digam respeito a uma
determinada matéria (como, por exemplo, proteção do meio ambiente). Tais
competências não excluem ação normativa precedente, mas dizem respeito à
atuação material do titular da competência.

2.2. SISTEMAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS.


Existem dois sistemas básicos: o modelo clássico,
adotado pelos EUA, é o Federalismo Dual, que emprega técnicas de
repartição horizontal das competências, consistentes em separar,
radicalmente, a competência dos entes federativos, por meio da atribuição
a cada um deles de uma “área” própria (...) a ele privativa, a ele
reservada, com exclusão absoluta da participação, no seu exercício, por
parte de outro ente.18 Trabalha, portanto, com competências privativas ou
exclusivas,19 que são atribuídas com exclusividade a cada um dos membros
da Federação, que delas dispõe sem interferência dos demais.
O outro sistema, mais recente e de origem européia, é o
do Federalismo Cooperativo, que introduz técnicas de repartição vertical
das competências, tendentes a um campo de ação comum a mais de uma
entidade federativa, sem que a competência de uma exclua a competência da
outra, para que atuem de concerto na perseguição das finalidade fixadas na
Constituição. Este sistema enfatiza, portanto, as competências comuns e

17 ALMEIDA, op.cit., p. 97.


18 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “Comentários à Constituição brasileira de
1988”, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 155. Para esse autor, o federalismo dual ou
dualista é caracterizado por uma “repartição horizontal” de competências, enquanto o
federalismo cooperativo, a seguir referido, estabelece uma “repartição vertical” de
competências..
19 Alguns autores consideram sinônimas estas expressões, como é o caso de Fernanda
Almeida, que entende que tanto privativa como exclusiva exprimem a idéia do que é
deferido a um titular com exclusão de outros (op. cit., p. 78-80); parece predominar,
entretanto, a posição de José Afonso da Silva: A diferença que se faz entre competência
exclusiva e competência privativa é que aquela é indelegável e esta é delegável (op. cit., p.
482, nota 5).
concorrentes,20 que são competências materiais ou legislativas atribuídas
concomitantemente a mais de uma entidade federativa, podendo-se
determinar ou não a cada qual uma faixa de atuação.

2. 3. COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO.
A Constituição adotou um sistema complexo em que
convive a repartição clássica, com atribuição de competências privativas ou
exclusiva para cada um dos membros da Federação, e a repartição
cooperativa, com a previsão de competências comuns e concorrentes a
serem partilhadas por mais de uma entidade federada. Assim:

A. Competências Privativas ou Exclusivas:


a. União – poderes enumerados: art. 21 (competências
materiais) e art. 22 (competências legislativas), que admite delegação para
os Estados no seu parágrafo único21 – utilizada, por exemplo, para a
instituição de pisos salariais regionais (LC nº 103/2000). Há também uma
variada gama de competências espalhadas pela Constituição, como, por
exemplo, nos arts. 142, 144, § 1º, 164, 176, 177, 194, 214.
b. Estados – poderes reservados, isto é, os que não
forem atribuídos à União ou aos Municípios, nem vedados a todos, na forma
do art. 19: art. 25, § 1º. A estas competências reservadas se somam a
competência de auto-organização prevista no “caput”, mais as modestas
competências enumeradas nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo, sem mencionar
as competências tributárias, regradas à parte.
c. Municípios – poderes enumerados (em parte,
indicativamente, pela referência a assuntos de interesse local, que são
aqueles interesses que dizem respeito mais diretamente às necessidades

20 Para José Afonso da Silva, nas competências comuns os entes federados agem em pé de
igualdade, enquanto que nas competências concorrentes existe primazia da União no que
respeita à fixação de normas gerais (op. cit., p. 483). Fernanda Almeida, todavia, entende
que a coordenação e cooperação entre as entidades federadas se dará sob a égide da
legislação federal, conforme resulta do parágrafo único do art. 23 da CF e da sistemática
adotada no art. 24 (op. cit., p. 133-134).
21 Tais delegações devem ser feitas para todos os Estados, sob pena de se ferir o art. 19 da
CRFB, criando preferências entre entes federados. É a posição de Anna Cândida da Cunha
imediatas do Município, que devem ser definidos caso a caso – na
Constituição anterior, era peculiar interesse): arts. 29 e 30;
d. Distrito Federal – além da competência de auto-
organização referida no “caput” do art. 32, acumula poderes dos Estados e
poderes dos Municípios em matéria legislativa, conforme o § 1º do mesmo
artigo. A Constituição, porém, estabelece algumas exceções em favor da
União, como se vê no art. 21, XIII e XIV, e no art. 22,XVII.

B. Competências Comuns – Competências materiais


exercidas por todos os membros da Federação, sob a égide da legislação
federal (art. 23).22

C. Competências Concorrentes – Competências


legislativas atribuída conjuntamente à União, aos Estados e ao Distrito
Federal, para que atuem de forma concorrente em determinadas áreas.
Existem várias modalidades de competências
concorrentes: o art. 24 adotou a modalidade não-cumulativa ou limitada, na
qual se estabelecem faixas de atuação limitadas a cada um dos titulares da
competência concorrente. Assim, no âmbito da legislação concorrente, à
União compete estabelecer as normas gerais (art. 24, § 1º), e aos Estados e
ao Distrito Federal complementar a normatização da matéria.
Observe-se que não é tão simples, na prática, identificar
o que se deva entender por “normas gerais”, como bem exprime MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO:
Não é fácil conceituar “normas gerais” pelo ângulo
positivo. Pode-se afirmar, e corretamente, que
“normas gerais” são princípios, bases, diretrizes que
hão de presidir todo um subsistema jurídico. Sempre
haverá, no entanto, em face dos casos concretos,
dúvida até onde a norma será efetivamente geral, a
partir de onde ela estará efetivamente
23
particularizando.

Ferraz, endossada por Fernanda Almeida (op. cit., p. 110) e por Alexandre de Moraes (ob.
cit., p. 287).
22 Ver nota 20.
23 FERREIRA FILHO, op. cit., p. 195. Na sua linha de raciocínio, mais fácil é o ângulo
negativo, isto é, indicar os caracteres de uma norma que não é “geral” (p. 195-196).
O primado da legislação da União sobre normas gerais
não impede que Estados e Distrito Federal legislem sobre a matéria, naquilo
em que não contrariar a legislação federal (art. 24, § 2º). Enfim, na ausência
de legislação federal, os Estados e o Distrito Federal exercerão competência
legislativa plena, legislando de forma a atender suas peculiaridades (art. 24,
§ 3º): nesse caso, a superveniência de lei federal sobre normas gerais
suspenderá a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º).
Parece assistir razão a JOSÉ AFONSO DA SILVA
quando diz que competência suplementar abrange a atuação dos Estados e
do Distrito Federal nas hipóteses dos §§ 2º e 3º.24
Registre-se que, embora os Municípios não tenham sido
mencionados pelo art. 24, o art. 30, II, lhes assegura competência para
suplementar a legislação federal e estadual no que couber – essa última
expressão é importante, se formos aceitar a tese de FERNANDA
ALMEIDA, segundo quem trata-se de competência legislativa: para essa
autora, os Municípios exercem competência suplementar em relação à
legislação federal e à estadual nos mesmos moldes previstos no art. 24.25
Parece-nos demasiado generoso esse entendimento, todavia: a competência
suplementar do Município deve passar pelo filtro do interesse local (art. 30,
I), não se equiparando à competência suplementar dos Estados e do Distrito
Federal.

2. 4. COMPETÊNCIAS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA.


A existência de competências em matéria tributária
distribuídas entre os membros da Federação é uma decorrência da
distribuição geral de funções – e de competências – efetuada pela
Constituição. Dizendo de outra forma, se a Constituição distribui tarefas
para serem cumpridas por União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
deve distribuir poderes para que estas entidades as cumpram – o que faz

24 SILVA, op. cit., p. 506. FERNANDA ALMEIDA (op. cit., p. 152), por sua vez, diz que
o primeiro caso é de competência complementar e o segundo de competências supletiva – o
que, data venia, parece um detalhamento desnecessário.
através da atribuição de competências legislativas e materiais – e ainda deve
assegurar-lhes meios que possibilitem desempenhar essa funções.
Assim, as competências tributárias se destinam a gerar
rendas que possam sustentar o Estado como um todo, e cada entidade
federada em particular. A rigor, é de tributos que o Estado vive,
independentemente da forma (unitária ou federal) que adota. Característico
do Estado Federal é descentralização tributária, atribuindo-se competências
tributárias próprias a cada membros da Federação. Daí se falar em tributos
federais, tributos estaduais e tributos municipais.
As competências tributárias estão estabelecidas em
separado das competências políticas e obedecem a uma sistemática diversa:
se atribuem competências privativas a cada um dos membros da Federação
(arts. 153 a 156), cabendo à União, além disso, a competência residual (arts.
148, 149 e 154).26 A Constituição ainda estabelece regras para a repartição
das receitas tributárias (arts. 157 a 162), indicando que o produto da
arrecadação tributária não pertence exclusivamente ao titular da
competência para instituir e arrecadar o tributo.

25 ALMEIDA, op. cit., p. 156-159. Em sentido semelhante, embora sem maior


desenvolvimento, José Afonso da Silva (op. cit., p. 506).
26 Intensamente utilizada na prática, diga-se de passagem.

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