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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

CASO N.º 1: A FAMÍLIA ARNEIRO E SUAS SOCIEDADES


António e Bento são irmãos e únicos herdeiros dos negócios da família. Após a morte do
Conde de Arneiro, seu pai, os irmãos resolveram constituir três sociedades com o património
familiar das quais eram os únicos sócios e administradores:
(i) a sociedade Solar do Arneiro, Lda., que tinha por objecto a exploração de turismo
rural, à qual alocaram o solar da família em Ponte de Lima;
(ii) a sociedade VitArneiro – Exploração vinícola, SA., que se dedicava à produção e
comercialização de vinho alvarinho; e
(iii) a sociedade Arneiro e Arneiro, SNC., que se dedicava à prestação de serviços e à
consultadoria.
Não obstante a constituição das três sociedades, na prática, a vida manteve-se tal qual
era em vida do Conde Arneiro: António e Bento viviam no solar e sempre entenderam o
património das sociedades como património familiar. Tal entendimento manifestava-se,
sobretudo, na total ausência de disciplina no que diz respeito à distinção entre a conta bancária
pessoal dos sócios (muito avultada) e a conta bancária das sociedades. Despesas sociais eram
pagas pelos sócios e vice-versa. Na prática, utilizava-se o saldo que melhor se apresentasse para o
efeito, independentemente da natureza da despesa, operação, etc. Tal confusão não existia
apenas entre sócios e sociedade mas também entre as próprias sociedades. Por exemplo: as
despesas da Solar do Arneiro, Lda. eram muitas vezes suportadas pelo exercício da VitArneiro,
SA.
As sociedades comerciais são aquelas que, de acordo com o art. 1.º/ 2 do CSC, tenham por
objeto a prática de atos de comércio: podendo ser sociedades em nome coletivo (SNC), sociedades por
quotas (Lda.), sociedades anónimas (S.A.) ou sociedades em comandita (simples ou por ações).
Por isso, e nos termos do artigo 1.º/ 3 do CSC, as sociedades comerciais obedecem ao
princípio da tipicidade, que restringe a liberdade contratual, no sentido em que é possível contratar,
escolher a co-parte, mas não é possível escolher um tipo de sociedade que não esteja no catálogo.
As sociedades gozam de personalidade jurídica, segundo o art. 5.º do CSC, desde a data do
registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (o contrato de onde nascem as sociedades
comerciais é o contrato de sociedade - arts. 7.º e ss. do CSC), devendo este ser divulgado, ao abrigo do
art. 168.º do CSC.

1. Qual a responsabilidade de A e B pelas obrigações sociais de cada uma das sociedades?


i) A sociedade Solar do Arneiro, Lda. é uma sociedade por quotas. Segundo o art. 197.º/ 1 do
CSC [o art. 200.º/ 1 do CSC tem a abreviatura Lda., daí derivar que é uma sociedade por quotas; o art.
9.º/ 1, c) contém a necessidade de existência da firma da sociedade e da firma resulta a expressão
Lda.], na sociedade por quotas o capital está dividido em quotas e os sócios subscrevem quotas do
capital. Todos eles devem realizar a quota que subscreveram. Existe, por isso, responsabilidade
solidária dos sócios pela realização das entradas convencionadas no contrato, o que quer dizer que os
sócios respondem pela sua obrigação de entrada e solidariamente pelas entradas dos demais sócios.
Porém, só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade (art.
197.º/ 3). Portanto, os sócios respondem perante a sociedade, mas não respondem perante os credores
da sociedade, havendo responsabilidade limitada.
Só existe uma cláusula de exceção, constante do art. 198.º/ 1, que permite que, por estipulação
contratual, um ou mais sócios respondam perante os credores sociais até certo valor (respondem
perante a sociedade e perante os credores da sociedade), mas, como a assunção de responsabilidade
pelas dívidas da sociedade por quotas tem de se cingir a certo montante, ela nunca será ilimitada.

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Ou seja, a responsabilidade de A e B pelas obrigações sociais da Sociedade Solar do Arneiro,


Lda. é uma responsabilidade solidária e limitada.

ii) A sociedade VitArneiro - Exploração vinícola, S.A. é uma sociedade anónima, o que
significa que tem o seu capital social dividido por ações e os seus sócios são os acionistas que
subscrevem essas ações (art. 271.º). Dizer que é uma sociedade anónima deriva do art. 275.º/ 1 do
CSC, que refere a abreviatura utilizada.
Como tal, a responsabilidade é limitada ao valor da entrada de cada sócio: cada sócio responde
apenas pelo valor da sua entrada. Por conseguinte, os sócios não respondem pelas dívidas da
sociedade.
Conclui-se que a responsabilidade de A e B é, nesta sociedade, duplamente limitada: tanto a
nível externo, pois os sócios não respondem perante os credores da sociedade pelas suas dívidas, como
internamente, porque, além da sua entrada, o sócio não responde por nenhuma dívida perante a
sociedade.

iii) A sociedade Arneiro e Arneiro, SNC. constitui uma sociedade em nome coletivo, tipo este
que se caracteriza por duas ou mais pessoas subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade.
Isto é, os sócios, além de responderem perante a sociedade pela sua obrigação de entrada, ainda
respondem perante os credores da sociedade pelas obrigações desta. O art. 177.º indica a firma, daí se
saber que esta é uma sociedade em nome coletivo (apesar de, do preceito, não resultar ‘’SNC’’).
Diz-se, então, que existe responsabilidade pessoal e ilimitada, nos termos do art. 175.º/ 1: os
sócios respondem subsidiária, solidária e ilimitadamente pelas dívidas. A responsabilidade é
subsidiária em relação à sociedade, o que significa que, pelas dívidas, responde o património social, e,
na sua insuficiência, respondem os sócios perante os credores da sociedade depois de esgotado o
património da sociedade. É solidária entre sócios (solidariedade passiva), traduzindo-se na
possibilidade de os credores da sociedade exigirem de qualquer dos sócios a totalidade da dívida. E é
ilimitada, porque os sócios respondem por todas as dívidas da sociedade.

2. A sociedade Arneiro e Arneiro, SNC presta habitualmente serviços de consultadoria


agronómica, de acordo com o seu objecto social. Os seus sócios, porém, deliberam
adquirir um lote de construção no Algarve onde pensam edificar um aldeamento
turístico para revenda. Quid juris?
Quando se refere que a sociedade Arneiro e Arneiro, SNC. presta serviços de consultadoria
agronómica, está a indicar-se o objeto social da sociedade. Este é, como refere o art. 9.º/ 1, d) do CSC
um dos elementos que deve constar do contrato de sociedade, seja qual for o seu tipo. Releva, também,
o art. 11.º/ 2 do CSC, que aborda a necessidade de estarem indicadas as atividades que os sócios
sugerem que a sociedade venha a realizar, sendo esse o seu objeto (objeto mediato - atividades a
desenvolver pelo ente coletivo). MENEZES CORDEIRO refere, ainda, que o objeto se trata do fator
teleológico do ente societário, podendo falar-se em ‘’escopo’’ ou ‘’fim’’ social; o autor fala, ainda, na
obtenção de lucros como um objeto mediato (final) de qualquer sociedade (o objeto imediato é a
concreta atividade económica a que se irá dedicar). O objeto das sociedades comerciais deve
traduzir-se na prática de atos de comércio (art. 1.º/ 2 do CSC) e pode abranger: uma ou mais atividades
principais (objeto essencial da sociedade considerada), atividades secundárias (consignada nos
estatutos sociais, só faz sentido perante a primeira) ou atividades acessórias (não especificadas nos
estatutos, incluem-se no objeto social, como exigência das boas regras da interpretação).
Como o objeto da sociedade está relacionado com o funcionamento da própria sociedade e
com a responsabilidade dos titulares dos seus órgãos, e o objeto concreto desta sociedade é a prestação

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de serviços de consultadoria agronómica, a compra de um lote de construção no Algarve afasta-se


dessa determinação.
No que toca à deliberação feita pelos sócios, esta pode definir-se como um meio que leva a
uma certa decisão, assentando em pressupostos de legitimidade (MENEZES CORDEIRO define-a
como uma proposição imputada à decisão de um conjunto de pessoas singulares ou seres humanos,
assumindo a própria deliberação uma dimensão legitimadora), pois surge associada a uma
manifestação de vontade coletiva. Assim, as deliberações não limitam a capacidade das sociedades,
antes obrigam os órgãos a não exceder o objeto fixado ou a não praticar os atos vedados.
Nas Sociedades em Nome Coletivo (SNC), cabe à Assembleia de sócios deliberar sobre todos
os assuntos constantes da lei ou do contrato (art. 189.º), e as deliberações são tomadas por maioria
simples dos votos expressos (art. 189.º/ 2).
As deliberações cominam nas decisões dos órgãos a que a sociedade pertença, por isso podem
ser imputados aos órgãos os resultados dessas deliberações. O art. 53.º/ 1 infere que os sócios não
podem deliberar fora das imposições orgânicas previstas para cada tipo de sociedade. Os vícios que
atingem as deliberações são a invalidade, nomeadamente a nulidade (art. 56.º do CSC) e a
anulabilidade (art. 58.º do CSC), e a ineficácia (art. 55.º do CSC).
Já se compreendeu que a deliberação em apreço se desviou do objeto do contrato, por isso
pode dizer-se que esta é anulável, nos termos do art. 58.º/ 1. Consequentemente, segundo o art. 60.º/ 1
do CSC, pode ser proposta uma ação de anulação contra a sociedade.

OUTRA CONCEÇÃO: é reconhecida às sociedades ampla suscetibilidade de serem titulares


de direitos e obrigações (art. 6.º/ 1). As sociedades são capazes para a prática de atos, exceto:
- situações insuscetíveis de separação de singular (direitos de personalidade, a
sociedade não casa, não faz testamentos, não tem direito à imagem);
- proibições legais (exceção: SGPS; Decreto-Lei 495/88),
Objeto: art. 9.º/ 1, d) CSC. O objeto da sociedade corresponde ao conjunto de atividades que
os sócios se propõem realizar . O art. 11.º/ 3 refere que, dentro do objeto de sociedade, é possível aos
sócios aumentarem ou reduzirem o tipo de atividades que são realizadas. O objeto da sociedade serve
para efeitos de responsabilização dos administradores da sociedade (art. 6º/ 4 - responsabilização do
gerente).
O contrato de sociedade é o ato constitutivo da sociedade e é onde se define o objeto. Mas não
é imutável - há suscetibilidade de ser alterado (art. 285.º e ss.). Isto é, os ócios podem alterar os
elementos essenciais, nomeadamente os previstos no art. 9.º CSC, desde que verificadas as maiorias
exigíveis para alterações; há quem defenda que podem haver deliberações tácitas que também podem
alterar (pode ser o caso aqui).
No art. 9.º Diretiva da UE 2017, há preocupação da tutela dos credores da sociedade e dos
terceiros que lidem com a sociedade. Deve ser feita uma leitura compatível com o art. 6.º (a sociedade
fica vinculada pelos atos praticados pelos seus órgãos).
Concluindo, o objeto não limita a capacidade da sociedade. A compra de imóvel poderia ser
considerada como um ato de cariz lucrativo.

3. O negócio do vinho alvarinho está a correr bastante bem aos irmãos Arneiro, que
sonham agora em lançar-se na exportação. Para o efeito, a VitArneiro, SA. necessita de
contrair um financiamento bancário o que exige a constituição de uma hipoteca. Todo o
património imobiliário (incluindo os hectares de vinha) é propriedade da Solar Arneiro,
Lda.. Para além disso, António necessita de um financiamento pessoal que exige
igualmente a constituição de uma garantia real.

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Em Assembleia Geral, a sociedade Solar Arneiro, Lda. deliberou, nos termos do art.
246.º/2 c), constituir as hipotecas voluntárias necessárias à garantia do cumprimento das
obrigações a assumir pela VitArneiro, SA. e por António. O notário, porém, recusa-se a lavrar a
escritura porque entende que se violou o disposto no art. 6.º do CSC. Quid juris?
Compete mencionar que, nas sociedades por quotas (Lda.), o órgão de deliberação da
coletividade dos sócios é a Assembleia Geral, que faz deliberações por escrito (art. 54.º), decidindo
mediante deliberação tomada ou por voto escrito, como consta do art. 247.º/ 1. Este órgão tem um
conjunto mínimo de competências, que não podem ser dadas a outro órgão, nos termos do art. 246.º/ 1,
ainda que o contrato possa fornecer outras competências à Assembleia.
O art. 246.º/ 2, c) do CSC refere que os sócios têm competência para deliberar sobre a
alienação ou oneração de bens imóveis e, ainda, a alienação, oneração e locação de estabelecimento.
O que está em causa é a constituição de uma hipoteca para que as obrigações da S.A. possam ser
cumpridas. A hipoteca incide sobre bem imóvel e funciona como um ‘’refinanciamento imobiliário’’.
No que respeita à recusa por parte do notário, este invocou o art. 6.º do CSC, que se reporta à
capacidade da sociedade (o número 1 deste preceito compreende, como capacidade da sociedade, os
direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim), excluindo-se os
direitos e os deveres inseparáveis da personalidade singular. Já o art. 6.º/ 3 do CSC parece ser central
nesta resolução, pois afere que às sociedades estão vedados atos contrários à sua finalidade quando a
sociedade não tenha interesse neles (ou seja, é a sociedade que define o seu interesse em estabelecer
os atos que melhor servem a sua vontade).
Nesta hipótese, ambas as sociedades têm atividades comercial; mas, por outro lado, ambas são
detidas pelos mesmos sócios - pelas mesmas pessoas singulares. Cabe a cada uma das sociedades qual
o seu interesse e como o prosseguir (o interesse é medido em cada um dos momentos, em cada
deliberação).
Aludindo o art. 6.º/ 1 a garantias, aqui entende-se que a garantia era uma hipoteca. Por
conseguinte, o art. 6.º/ 2 e 3 do CSC estabelece um regime especial para atos gratuitos e para as
garantias, com o intuito de proibir atos contrários ao fim da sociedade. JANUÁRIO GOMES defende
uma interpretação do art. 6.º em articulação com o objeto imediato (prática de atos comerciais) e o
objeto mediato. Por isso, compreende-se a decisão do notário e não lavrar escritura.

CORREÇÃO: O art. 6.º/ 3 divide-se numa afirmação e em duas exceções: a prestação de


garantias é proibida, exceto se for prestada no contexto de grupo ou se existir justificado interesse
próprio da sociedade (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA).
Grupos de sociedades pressupõem relações do tipo dos arts. 488.º e ss. CSC (art. 488.º: caso
de sociedade unipessoal anónima, permite que uma sociedade seja sócia única dessa sociedade desde
qeu tenha 100% do capital da outra sociedade). Só existem relações de grupo quando existem duas
pessoas coletivas em relação e só existem do ponto de vista vertical. Ou seja, não há relação de grupo
entre a sociedade e os sócios pessoas da sociedade. Por isso, neste caso, não se estava perante um
grupo em sentido jurídico (estão excluídos os grupos de facto, só são admitidos grupos em sentido
técnico-jurídico).
Existem três tipos de garantias: i) garantias downstream (garantias prestadas em sentido
descendente, ou seja da sociedade mãe para a sociedade filho); OSÓRIO DE CASTRO considera que
apenas estas são válidas, porque não é expectável que seja a filha a prestar garantias à mãe; A → B ii)
garantias upstream (a sociedade filha presta dívidas a favor da sociedade mãe); B → A iii) garantias
sidestream (garantias prestadas entre irmãs, primas ou tios e sobrinhos) A - B e C; B → C; B → D.
Há grupo de facto quando se tenha estrutura acionista comum em diversas sociedades. Ou
seja, os mesmos sócios são os mesmos nas diversas sociedades (é comum nas sociedades familiares,

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como é o caso em questão). Podem existir grupos de facto quando há cooperação comercial entre as
sociedades, que se verifica ao longo do tempo ou de cadeias produtivas (no caso em questão, há
aglomerado económico, por isso a propriedade é percecionada como uma única realidade).
Portanto, nesta hipótese, está-se perante um grupo de facto.
O interesse é um conceito polissémico, que pressupõe uma relação entre meios e fins
(utilização de meios para atingir certo propósito). Isto não se pode reconduzir apenas ao lucro [por
exemplo, se uma sociedade deixar de fazer lucro, não deixa de ser uma sociedade comercial; se se
olhar para o art. 64.º/ 1, b) CSC, comprova-se uma amálgama de situações].
Questão do ónus da prova: 1) MENEZES CORDEIRO pensa que cabe aos outros interessados
(terceiros, por exemplo, credores da sociedade; não os beneficiários) que queiram atacar a garantia
demonstrar a sua invalidade, mostrando que não existe uma justificação na manutenção da garantia
em causa; 2) COUTINHO DE ABREU e OSÓRIO DE CASTRO dizem que cabe aos interessados
beneficiários da garantia a demonstração da justificação do interesse próprio; 3) MIGUEL TEIXEIRA
DE SOUSA lê no art. 6.º/ 3 uma presunção de invalidade da garantia, ou seja, as garantias são
inválidas exceto quando se demonstre interesse próprio ou grupo de facto.
Concluindo, tinha a sociedade o ónus da prova de comprovar a invalidade da garantia

4. Uma conhecida publicação da área do turismo e lazer fez uma reportagem sobre o Solar
do Arneiro. A reportagem em causa era bastante desfavorável ao empreendimento e
divulgava dados incorretos, alguns deles completamente falsos. A sociedade Solar
Arneiro, Lda. moveu uma ação contra a referida publicação pedindo a condenação da
mesma no pagamento de indemnização por violação do direito ao bom nome e à imagem,
a fixar nos termos do art. 496.º/3 do CC. A e B, moveram igualmente uma ação contra a
publicação, pedindo uma indemnização por violação dos seus direitos de personalidade.
Quid juris?
As sociedades comerciais gozam, ao abrigo do disposto no art. 5.º do CSC, de personalidade
jurídica desde a data do registo definitivo do seu contrato. Ora, a constituição das sociedades
comerciais e civis sob forma comercial está sujeita a registo obrigatório, nos termos dos arts. 3.º/ 1, a)
e 15.º/ 1 do CRCom.
Da análise do art. 6.º do CSC conclui-se que não ficam excluídos das sociedades os direitos
não patrimoniais compatíveis com as pessoas coletivas (que são direitos de personalidade, como o
direito ao bom nome e à honra). Assim, se a sociedade é titular de direitos de personalidade, também
tem capacidade para intentar uma ação que garanta que os mesmos são respeitados.
Embora as pessoas coletivas não tenham substrato humano que lhe permite o sofrimento da
construção da dimensão interna, tem-se uma proteção externa (a dimensão da honra da sociedade tem
impacto na sua rentabilidade e na sua possibilidade de desenvolver a atividade comercial; tem impacto
no bom nome e na reputação da sociedade).
Não deixa de ser controvertida a questão de saber se, e em que medida, podem as sociedades
sofrer danos (mesmo que sejam alheias a dores físicas, visto que são uma abstração, também sofrem
danos não patrimoniais, merecendo a tutela do direito - art. 496.º do CC).
Cumpre, primeiro, saber se a ofensa ao bom nome e reputação das sociedades comerciais
resulta sempre de um dano não patrimonial: para a jurisprudência, a ofensa ao bom nome a reputação
das sociedades apenas é relevante como dano patrimonial indireto - ou seja, não suscetível de
indemnização por danos não patrimoniais (Acórdão do STJ de 6/07/2011) -, ainda que interessem na
medida da vantagem económica que deles se pode retirar; outras opiniões (Acórdão do TRG de
16/02/2017) admitem que as pessoas coletivas possam ter direitos de personalidades, mas que estes
jamais causem danos não patrimoniais - quando muito, danos patrimoniais indiretos. São danos

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patrimoniais indiretos os danos que, embora atinjam valores ou interesses não patrimoniais (bom
nome, honra, reputação), refletem-se, todavia, no património do lesado (por exemplo, diminuindo a
sua clientela). Conclui-se que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação de direitos ou
interesses patrimoniais.
Considero que é possível reconhecer às sociedades comerciais o direito à indemnização por
danos não patrimoniais. Como sujeitos autónomos de direito, as sociedades têm direito em defender o
seu bom nome comercial, prestígio e credibilidade. ANTÓNIO PINTO MONTEIRO sustenta que
danos não patrimoniais não são transponíveis para as pessoas coletivas, pois que elas não têm
características humanas. Mas tal não faz sentido, visto que o próprio conceito de dano não patrimonial
é recortado pela negativa (ou seja, o dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada
tenha natureza espiritual, e é insuscetível de avaliação pecuniária).
A indemnização do dano não patrimonial não coloca o lesado na situação em que estaria se o
facto danoso não tivesse tido lugar, em diante a concessão de bens com valor equivalente ao dos
ofendidos em consequência do facto.
Pressupõe-se a existência de um direito subjetivo correspondente e confere-se o direito a
indemnização pelos danos sofridos com a ofensa perpetrada ao crédito e bom nome da pessoa coletiva.

CORREÇÃO: A generalidade da doutrina entende que as pessoas coletivas são titulares de


direitos de personalidade ou, no limite, de categorias análogas a direitos de personalidade. Onde reside
a questão é na indemnizabilidade dos danos causados: para a maioria da doutrina, os danos
indemnizáveis são de tipo comercial - danos patrimoniais decorrentes da lesão do bom nome da
sociedade (art. 484.º do CC); há outra corrente doutrinária e jurisprudencial relativa ao entendimento
de que as sociedades comerciais não têm apenas direito a ser compensadas pelos direitos patrimoniais
causados pela lesão da sua honra, mas também a uma dimensão de danos não patrimoniais. No
Acórdão de 9/07/2014 deixa-se a ideia de que as pessoas coletivas podem ter tutela.
Os entes coletivos também têm um substrato pessoal apesar de não chorarem, etc.. Isto é, uma
ofensa à sociedade acaba por ser uma ofensa indireta às pessoas. A exceptio veritatis aplica-se.

Em matéria relativa à compensabilidade dos danos sofridos pelos sócios, em abstrato, dir-se-ia
que qualquer violação dos direitos de personalidade ficaria restrita à sociedade, não podendo lesar
direitos dos sócios. Contudo, poderão existir sociedades em que haja proximidade e identificação tão
grande entre a pessoa coletiva e os sócios que isso possa ter o efeito de lesar a honra e o bom nome
dos sócios (por exemplo, nos meios socioeconómicos mais pequenos em que os sócios se acabam por
confundir com a sociedade). A sociedade não atua sozinha, atua através dos seus órgãos.
O direito à imagem não se coloca nas sociedades, porque está ligado à temática da imagem
humana (retrato exposto ou lançado no comércio).

5. Os credores da Solar Arneiro, Lda. estão com enormes dificuldades em obter a satisfação
dos seus créditos. António e Bento refugiam-se na autonomia patrimonial da sociedade
para não pagar. Poderão os credores da sociedade ter esperança em que o vasto
património dos sócios seja chamado a satisfazer as dívidas sociais?
Esta é uma questão que se coloca ao nível da personalidade coletiva (das sociedades). Após
um longo debate, COUTINHO DE ABREU concluiu que a personalidade coletiva não é ficção, antes
uma realidade jurídica, que se justifica por duas razões: essa personalidade pressupõe a existência de
interesses comuns ou coletivos, satisfeitos exatamente através da própria pessoa coletiva; e as pessoas
coletivas têm determinados ‘’atributos’’ que importam certas consequências. Também MENEZES

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CORDEIRO puna por uma solução que assenta na atribuição da personalidade coletiva a todas as
sociedades comerciais.
Ainda se enquadra neste caso, mais concretamente, na matéria do levantamento da
personalidade, instituto baseado no princípio da boa fé. Apesar de pouca jurisprudência operar este
levantamento - porque a prova é difícil - MENEZES CORDEIRO identifica um conjunto de casos em
que há abuso desta personificação: a subcapitalização material, a confusão de esfera, o atentado a
terceiros e o abuso da personalidade coletiva.
Nesta hipótese, estaria em causa a confusão de esferas, que consiste em misturar o património
pessoal do sócio com o património da sociedade; contudo, tem de existir uma autonomia entre a
pessoa coletiva e a pessoa do sócio, sendo necessário proteger os credores da sociedade. Neste âmbito,
distinguem-se as teses subjetivista, objetivista e monista (conduzir a uma base comum).

CASO N.º 2: O CASO DO AIRES


Alberto, Bernarda, Carlos, Diana e Edmundo decidiram juntar esforços e património,
para desenvolverem uma ideia de negócio gerada à mesa do café Aires, em muitas tardes
solarengas que só o Mondego sabe proporcionar. A ideia estava, de facto, próxima da
genialidade: Alberto era um cozinheiro de mão cheia, e propunha-se a confeccionar os seus
famosos carapaus à espanhola em doses industriais; Bernarda entrava com uma patente de que
era titular, relativa a um novo processo de produção e conservação de escabeche em tomate e
cebola, de valor “claramente superior a €20.000,00”; Carlos entrava com um pavilhão
industrial, avaliado em € 30.000; Diana e Edmundo eram os amigos capitalistas: cada um
entraria com € 20.000 em dinheiro. Estavam lançados os dados para a constituição de uma
sociedade anónima!
Depois de uns problemas com o notário, decidiram que Alberto, afinal, entrava com um
equipamento industrial de cozinha e embalagem, que comparara para o seu restaurante, por €
25.000, e que estava por estrear, mas para manterem o equilíbrio, decidiram que cada um dos
sócios ficaria com uma quota de € 20.000. O notário parece não gostar de Alberto e levantou
novamente algumas questões jurídicas. Alberto lá aceitou entrar com € 10.000 em dinheiro.
Convencionaram os sócios que Alberto apenas entregaria € 1.000 no momento da
celebração do contrato, já que tinha que vender o equipamento de cozinha e embalagem para
obter liquidez. Os restantes € 9.000 entregá-los-ia quando pudesse. Carlos também pretendia
contribuir com o pavilhão industrial apenas no próximo ano, para se ir habituando à ideia.
No mês seguinte ao da constituição, a sociedade adquiriu a Diana e Edmundo um camião
frigorífico em segunda mão por € 40.000. Segundo os boatos, no entanto, teria sido possível
comprar um camião comparável apenas por € 15.000.

1. Quais terão sido os problemas suscitados pelo notário em relação à primeira ideia destes
cinco empreendedores?
Entrada com bens suscetíveis de penhora: ?
O que está em apreço prende-se com a temática das obrigações de entrada dos sócios da
sociedade. A obrigação de entrada é um dever essencial dos sócios, sem a qual a sociedade não
consegue desempenhar a sua atividade. Além disso, sem as entradas, os sócios não terão título de
legitimidade para recolher lucros e para pretender intervir na vida da sociedade.
O tipo de entrada é definido no contrato de sociedade, segundo o art. 9.º, g) e h) do CSC e tem
dupla apresentação, podendo distinguir-se o valor nominal (participação social a que a entrada
corresponda, sendo ações no caso das sociedades anónimas - o art. 25.º/ 1 do CSC estabelece que o

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valor nominal da participação não pode exceder o valor da entrada) do valor real (corresponde à cifra,
em dinheiro, em que o valor da entrada se traduza, quando pecuniária, ou ao valor dos bens que
implique, quando em espécie).
As entradas podem constituir diversas realidades patrimoniais, podendo ser entradas em
dinheiro, entradas em espécie ou entradas em indústria. As entradas em dinheiro correspondem à
assunção de uma obrigação pecuniária. As entradas em espécie correspondem a entregas de bens
diferentes de dinheiro (art. 28.º/ 1), desde que sejam bens suscetíveis de penhora [art. 20.º, a)]. As
entradas em indústria traduzem-se em serviços humanos não subordinados (trabalho).
Problema suscitado pelo notário: No caso em concreto, a entrada de Alberto corresponde a
uma entrada em indústria (ou, como define PAULO DE TARSO DOMINGOS, entrada de serviços).
Estas entradas não são contabilizadas no capital social, como resulta do art. 178.º/ 1 do CSC, pelo que
são consideradas entradas de mero património (aumentam o património da sociedade, mas não se
contabilizam no capital social1). A entrada de Alberto é assim classificada porque consiste numa
entrada com um serviço por parte do sócio (de confecionar os carapaus à espanhola). Ora, as entradas
em indústria apenas podem ser realizadas pelos sócios em determinados tipos de sociedades, como se
retira o art. 20.º, a) do CSC: nas SNC [art. 176.º/ 1, a)]; e nas Sociedades em Comandita, mas apenas
pelos sócios comanditados (art. 468.º a contrario). Por isso, conclui-se que não seria admissível a
entrada em indústria neste cenário, já que o art. 277.º/ 1 do CSC proíbe as entradas em indústria nas
S.A. (tal como proíbe nas Sociedades por quotas - art. 202.º/ 1 - e nas Sociedades em Comandita
relativamente aos sócios comanditários - art. 468.º CSC).
O art. 25.º/ 4 sugere, assim, que o sócio deve realizar em dinheiro a sua participação, sem
prejuízo da eventual dissolução da sociedade por deliberação dos sócios.


➢ Porque é que existe uma proibição de entradas de indústria nas S.A.?


argumentos
contra-argumentos

1. ✅Na realidade, é difícil de avaliar economicamente o serviço que está a ser


prestado (o sócio não é trabalhador da sociedade, só presta serviços a favor


dela).
Este não é definitivo, visto que nas entradas em espécie há bens difíceis de
avaliação: o art. 28.º CSC não dispensa avaliação por um revisor oficial de
contas, por mais difícil que seja. Por isso, as prestações de serviço são
mensuráveis quanto ao seu valor, pois que há referências no mercado (por
exemplo, um advogado tem noção de quanto vale o seu trabalho por hora,


fazendo um paralelo relativamente ao seu tempo de experiência, etc.).


2. É uma prestação de facto, por isso é difícil forçar as pessoas a trabalhar.
Mas o processo executivo em Portugal tem um procedimento coercivo para
as prestações de facto, substituindo-as por prestações pecuniárias (se alguém
se vincula a fazer a prestação infungível, não se pode substituir a pessoa;
pede-se uma compensação pelo valor da prestação não cumprida).

1
A exclusão destas entradas em indústria têm a ver com o facto de elas serem difíceis de avaliar, devido à sua
natureza e devido ao facto de a duração das entradas ser incerta. Também não é possível garantir e assegurar o
cumprimento das mesmas, em virtude do seu carácter futuro e sucessivo, o que determina que elas não sejam
adequadas ao pretendido desempenho da função de garantia que se assinala ao capital social.

Ana Maria Varela 8


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O sócio que cumpre a sua obrigação de entrada em indústria, fica sujeito a


realizar a entrada com que se comprometeu em dinheiro (tem sempre de


pagar).
3. De acordo com o art. 178.º CSC, as entradas em indústria não são tidas em


conta para a formação do capital social.
Mas não é assim, porque se a sociedade precisa do serviço, tem de pagar
da mesma forma, e haverá um dispêndio no património da sociedade. Basta


considerar a prestação realizada a favor da sociedade pelo valor do que é feito.
4. Hiato temporal com que as prestações podem ser realizadas: as entradas
em espécie, por regra, devem ser realizadas no momento da celebração do
contrato de sociedade (constituição). Por isso, as entradas em indústria não se
podem consolidar no momento de contrato de sociedade: há um período lato


no tempo em que a prestação pode ser exigida.
Contudo, há um horizonte temporal que permite que as entradas não sejam
realizadas no momento exato do contrato de sociedade (5 anos como limite
temporal).

2. Quais terão sido os problemas suscitados pelo notário quanto à reinvestida dos cinco
amigos?
A nova entrada de Alberto constitui-se como uma entrada em espécie, seguindo-se todo o
regime do art. 28.º do CSC.
A entrada de Bernarda, tal como a entrada de Carlos, referem-se a uma entrada em espécie
(art. 28.º), sendo uma entrada em bens diferentes de dinheiro (um equipamento de cozinha - A; uma
patente relativa à conservação de tomate e cebola - B; pavilhão industrial - C).
É de se acrescentar que o art. 277.º/ 1 a contrario permite concluir pela admissibilidade das
entradas em espécie nas S.A..
O art. 28.º/ 1 refere que existe a necessidade de cumprir um ritual de elaboração de um
relatório, como meio de avaliação por parte de um revisor de contas sem interesse na sociedade (que
deve ter o conteúdo relatado no n.º 3). O que se procura com isto é assegurar que o valor que é
atribuído à participação social seja compatível com o valor do bem que constitui a entrada, ou seja,
que o valor da entrada realizada pelo sócio tem efetivamente o valor de mercado (o art. 28.º/ 4 ainda
refere que o objetivo é o de que a avaliação do bem seja o mais aproximada possível da data do
contrato, para que se tenha um valor mais atualizado possível do bem, reportando-se a uma data de 90
dias). Ou seja, o que se pretende é que o valor do bem que é transmitido a favor da sociedade ou do
crédito corresponda, pelo menos, ao valor do capital social subscrito.
O relatório acompanha o contrato de sociedade e fica disponível para consulta dos credores da
sociedade (arts. 28.º/ 5 e 6)
Problema: O problema prende-se com o facto de, primeiro, parecer não existir o relatório que
é exigido (o valor da entrada de Alberto começa por ser 25 000€, mas rapidamente desce para 10 000€
porque o notário não gosta dele).
Há uma proibição de entradas abaixo do par. O contrato seria recusado, pois o sócio se
compromete a realizar uma entrada inferior ao valor da participação que vai subscrever. O art. 25.º/ 1
exige que o valor nominal das ações não exceda o valor da entrada, vindo o art. 25.º/ 3 acrescentar que
caso exista um erro de avaliação no relatório, o sócio tem de preencher o remanescente em dinheiro,
não sendo admissível uma segunda entrada em espécie. O valor da entrada de Alberto era, aqui, de 10
000€ (equipamento de cozinha) e o valor da quota que recebe é de 20 000€. Na segunda tentativa da

Ana Maria Varela 9


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entrada de A, o valor da avaliação do bem é inferior ao valor do capital social que ele está a
prescrever, o que é proibido legalmente pelo art. 25.º/ 1: o sócio que entre com bens em espécie para a
sociedade tem de realizar a sua entrada pelo menos pelo valor nominal de participação que está a
subscrever (20 000€). Assim, Alberto tem a obrigação de realizar o remanescente da sua entrada em
dinheiro.

5 000€ são imputados no ágio, que integram a reserva legal e que só pode ser utilizada no
contexto do art. 296.º Do art. 277.º remete-se para o art. 285.º do CSC,
A regra relativamente à equivalência entre o valor nominal e o valor da entrada prevê-se no
art. 25.º. Ou seja, o valor dos bens com que o sócio entra deve ser igual, no mínimo, ao valor da sua
participação. Mas é permitido entrar com um valor superior: aplica-se 20 000€ à entrada (dos 25 000),
que servem para o capital social [art. 295.º/ 2, a)] e os restantes 5 000€ são a reserva legal.
De acordo com o art. 277.º/ 2, parte final (que remete para o art. 26.º, no que concerne ao
tempo das entradas) há a entrada em sentido amplo (abrange o valor dos bens com os quais o sócio
contribui para sociedade em troca das ações que subscreve ou da quota que está a adquirir, a que
acresce o ágio ou o prémio de emissão) e há uma entrada em sentido estrito (valor dos bens em
dinheiro com que o sócio entra em troca da participação).
O ágio ou prémio de emissão é obrigatoriamente celebrado no momento de celebração do
contrato de sociedade, nos termos do art. 26.º.
A reserva legal é uma ‘’almofada financeira’’, pois serve para amortecer um conjunto de
situações previstas no art. 296.º (se houver dificuldade financeira da sociedade, primeiro vai-se à
reserva legal e só depois ao capital social da sociedade).
Soma-se o valor das entradas que os sócios realizam e vê-se se esse valor corresponde ao
capital social (se não houver indicações sobre o capital social ou das participações com que os sócios
vão ficar, assume-se que todas as entradas são imputadas no capital social).

➢ Quer-se entrar numa sociedade com ações do SLB, que estão cotadas no mercado.
Por isso, sabe-se o valor das ações. Nos termos do art. 28.º do CSC, é dispensável o
relatório, na medida em que o valor é dado pelo mercado?
➢ Existindo um crédito no valor de 10 000€ sobre um determinado devedor, quer-se
entrar para o capital da sociedade, transmitido este direito de crédito. É necessário
passar pelo art. 28.º do CSC, sendo que está fixado o valor da dívida do credor?
Em qualquer dos casos, é necessário passar pelo art. 28.º do CSC.
Independentemente de haver valor nominal estabelecido para o crédito, tem sempre de se
passar pelo relatório do revisor oficial de contas (pode haver uma tendência decrescente ou haver uma
crise, por isso as ações podem não estar avaliadas no seu valor real). O valor final de avaliação das
ações pode corresponder a um valor de participação social diferente.
O art. 28.º nunca pode ser afastado, já que se constitui como uma norma imperativa
relativamente às entradas em espécie.

➢ Entra-se para a sociedade com ações do SLB, que valem 15 000€. Há uma
hecatombe no mercado depois da entrada, e as ações passam a valer 7 500 €. Pode
aplicar-se o art. 25.º/ 3 do CSC e pedir ao sócio que pague a diferença?
Não. A partir do momento em que se realizam as entradas, aplica-se o regime normal da
transferência do risco (o risco de desaparecimento, perecimento, valorização ou desvalorização passa a
correr pela sociedade e o sócio não pode ser responsabilizado).

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➢ Numa S.A. ou numa LDA que se dedica à produção agrícola, pode entrar com um
jazigo de família do séc. XVII?
O critério do art. 20.º, a) é o da suscetibilidade de penhora e os túmulos são impenhoráveis
[art. 736, e) do CPC. não se pode coercivamente penhorar o bem e vendê-lo. O requisito da
penhorabilidade é um requisito para proceder à venda executiva dos bens.
A Diretiva da UE visa uniformizar as regras relativas ao capital social e outros aspetos da vida
das sociedades comerciais. Só se podem realizar entradas em espécie, se houver relatório do art. 28.º.
Se o bem não for suscetível de avaliação, não se pode entrar com ele para a sociedade.
Pode entrar-se com uns óculos da Versace de modelo vintage para a sociedade
agrícola (raro e avaliado em 15000€)?
Necessidade de articulação entre objeto das entradas em espécie e o objeto da sociedade, no
sentido em que só se poderia contribuir com bens que fossem úteis para a prossecução do fim da
sociedade. Mas este entendimento foi abandonado. Porque o capital social corresponde à cifra
numérica ideal representada pelo somatório das entradas, o que não significa que tenha de ser
preenchido na totalidade com os bens com que se entram para a sociedade. Não há nenhum requisito
de adequação que seja exigido no que toca à ligação entre a utilidade do objeto entradas em espécie e o
objeto da sociedade.

3. Que questões jurídicas devem ser analisadas a propósito das entradas estipuladas pelos
cinco sócios? E em relação ao negócio celebrado entre a sociedade e Diana e Edmundo?
As entradas de Diana e de Edmundo são entradas em dinheiro. Estas devem ser realizadas
apenas na moeda EURO (art. 14.º do CSC), porque são diretamente contabilizadas no capital social,
sem necessidade de qualquer avaliação quanto ao seu valor.
Entradas estipuladas pelos sócios: Sócio A - A questão que se coloca tem a ver com o
regime do diferimento das entradas em dinheiro: ou seja, os sócios pagam uma parte da entrada na
celebração do contrato (caso de A, que pretende pagar 1 000€ apenas) e o restante depois (9 000€). De
acordo com o art. 26.º/ 1 do CSC, as entradas deverão, em princípio, ser realizadas no momento da
celebração do contrato de sociedade. No entanto, o n.º 2 acrescenta que, nos casos em que a lei
permite, as entradas podem ser realizadas até ao termo do primeiro exercício económico; e o n.º 3
adianta que os sócios podem estipular contratualmente o diferimento das entradas em dinheiro. O
diferimento das entradas em dinheiro é admissível nas Sociedades por quotas (art. 202.º/ 4) - em que o
pagamento das entradas só pode ser diferido para datas certas ou ficar dependente de factos certos,
permitindo-se exigir o seu pagamento decorridos 5 anos sobre a celebração do contrato (art. 203.º/ 1) -
e nas S.A. (art. 277.º/ 2) - em que o diferimento é admitido na realização de 70% do valor nominal ou
do valor de emissão das ações e apenas é permitido o diferimento da realização das entradas em
dinheiro por prazo não superior a 5 anos (art. 285.º/ 1). O problema é que A apenas entraria no
momento da celebração do contrato com um valor correspondente a 10% (1 000€) do valor total (10
000€), diferindo os outros 90% para um momento indeterminado.

O art. 199.º, b) do CSC preceitua que, no momento da constituição da sociedade, os sócios devem entrar
para a Sociedade por Quotas com, pelo menos, 1€ (remete-se para o art. 219.º/ 3). Segundo o art. 275.º/ 2, tem de
se realizar 30% da entrada. O ágio ou prémio de emissão não entra para os 70% do diferimento.

Aqui, a consequência é a nulidade, por contrariedade da cláusula à lei (sócio não pode cumprir
quando quiser). A inadmissibilidade verifica-se a olhar para a regra prima, que está no art. 203.º para
as Sociedades por Quotas, quando se refere que podem existir cláusulas no contrato de sociedade que

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permitam o diferimento para uma data certa; é aplicável ao regime das S.A.. Há proibição para este
tipo de cláusula.
A nulidade da cláusula sugere duas situações:
- COUTINHO DE ABREU pensa que, se há uma cláusula nula, a consequência é a
transformação numa obrigação pura (obrigação que a sociedade pode, a qualquer momento,
interpelar o devedor para a sua realização); o contrato de sociedade mantém-se, mas é
expurgada apenas esta cláusula; sendo uma obrigação pura, a interpelação tem de ser feita nos
termos do art. 285.º, mesmo que possa ser feita a todo o tempo;
- MENEZES CORDEIRO sustenta que, se o art. 285.º/1 permite deferimento no prazo de 5
anos, significa que esta cláusula deve ser convertida/ reduzida numa cláusula deste gênero até
este período - o sócio defere a sua entrada até ao prazo máximo de 5 anos; a interpelação só
pode ocorrer quando se verificar o prazo dos 5 anos, não pode ocorrer a todo o tempo.

No que toca à perda da qualidade de sócio, por incumprimento da obrigação de entrada,


recorre-se ao art. 285.º/ 4 (depois da segunda notificação, há lugar a perda de ações, permitindo que as
ações sejam colocadas no mercado). O art. 30.º refere-se ao incumprimento do dever de interpelação
ou desleixo por parte da sociedade quanto às obrigações de entrada.
Coloca-se em questão a suscetibilidade de diferimento das entradas em espécie: parece, no
caso, que o sócio realizará a sua obrigação de entrada quando lhe apetecesse. Há admissibilidade de
diferimento das entradas em espécie? É necessária uma conjugação do art. 26.º/ 1 com os seus
números 2 e 3. O art. 26.º/ 3 é específico para as entradas em dinheiro e não para entradas em espécie.
Existe um problema de interpretação literal: o art. 26.º/ 2 é um percalço da Reforma de 2011. Quando o
regime das Sociedades por Quotas foi alterado, em 2011, houve que alterar outros preceitos legais. A proposta
que é feita é que o art. 26.º/ 2 se aplique unicamente às entradas em dinheiro.
PAULO OLAVO CUNHA: se os bens já existem no momento em que o contrato de sociedade é
realizado, não há fundamento para que se adie a realização esta obrigação de entrada.
Surge, ainda, um argumento pedagógico: o sócio sente que está a fazer parte deste projeto está
vinculado ao contrato de sociedade e está a dar execução ao mesmo.
Além disto, o art. 28.º, que estatui a imperatividade da existência de um relatório de avaliação,
contém no seu número 3 a exigência de que o mesmo seja produzido com 90 dias de antecedência.
Portanto, há preocupação do legislador com o tempo: se se admitisse o diferimento das entradas em
espécie, o bem poderia sofrer valorizações ou desvalorizações.

Sócio C: O art. 203.º limita o momento até ao qual se pode realizar a entrada, não sendo
admissíveis cláusulas de condição relativamente ao regime das entradas (quando se diz que o sócio vai
entrar na sociedade quando tiver dinheiro para isso, ou que entra na sociedade quando a mesma
precisar de dinheiro). Tal não faz sentido, e tem de ser declarada uma data certa para a entrada, sob
pena de nulidade da cláusula. Então, o diferimento da entrada em espécie do sócio C não pode ser
válida, porque o art. 277.º/ 2 apenas se refere ao deferimento de entradas em dinheiro, tratando-se de
uma coisa, não poderá existir esta situação.
Negócio D e E: No que toca ao negócio celebrado entre a sociedade e Diana e Edmundo
(compra e venda de um camião frigorífico em segunda mão), pode estar em causa uma estrada em
espécie dissimulada, visto que o bem adquirido aos próprios sócios não foi sujeito à avaliação de um
relatório. O art. 29.º entra aqui, visando evitar fraudes nas entradas dos sócios, por isso, a aquisição
dos bens por uma S.A. deve ser aprovada por deliberações dos sócios, precedida da verificação do
valor dos bens (art. 28.º), sob pena de ineficácia.
A lógica subjacente ao art. 29.º é a de que, quando se realiza a entrada em dinheiro
dissimulada - para o bem não ser avaliado -, é obrigatório passar pelo art. 28.º, para não se furtar ao

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controlo dos credores neste tipo de entradas. É uma norma de proteção dos credores da sociedade. Este
preceito tem três requisitos: um requisito de âmbito subjetivo que tem a ver com o facto de, num
negócio a apreciar, tem de ter intervenção um sócio ou por uma pessoa interposta [alínea a) do n.º 1];
depois, uma questão relacionada com um requisito de tipo objetivo ou quantificativo - valor do bem -,
havendo a necessidade de ver se os mínimos estão verificados [alínea b) do n.º 1]; há um requisito
temporal [alínea c) do n.º 1].
O n.º 2 é uma norma excecional pois retira do âmbito do art. 29.º um conjunto de situações:
aquisições feitas em Bolsa (não se compra fora do mercado, mas no contexto da Bolsa) ou aquisições
feitas através de processo executivo (há um juiz e um agente de execução que controlam o valor dos
bens, não sendo as partes a fixá-lo livremente).
A questão do objeto da sociedade não se aplica aqui.
Estas aquisições têm de ser deliberadas em contexto da Assembleia Geral. Há um
impedimento do direito de voto dos sócios que tenham interesse: pode participar, mas não pode votar.
Ineficácia quanto à realização das transações se não for seguido o art. 29.º: há inoponibilidade
deste contrato à sociedade. A sociedade não pode exigir o pagamento ou a entrega dos bens.

4. As respostas seriam diferentes se estivéssemos perante uma sociedade por quotas?


Capital social mínimo: de acordo com o art. 219.º/ 3 e o art. 199.º, b), nas Sociedades por
Quotas são 2€ (1€ por cada sócio). O capital social mínimo não é estanque e depende do número de
sócios.
Número mínimo de sócios. 2, nos termos do art. 7.º/ 2 (exceção. art. 270.-A, quanto à matéria
das sociedades unipessoais, em que só há um sócio).
Proibição das entradas em indústria: aplicam-se os mesmos argumentos utilizados para as
S.A. (art. 285.º/ 1).
Entradas em espécie: são admitidas pelo art. 204.º a contrario (não havendo proibição,
podem ser validamente realizáveis e estão sujeitas ao art. 228.º).
Diferimento das entradas em dinheiro: art. 26.º e art. 26.º/ 2, as entradas em dinheiro devem
ser consideradas no momento da constituição da sociedade.
Entradas abaixo do par/ acima do par: art. 25.º para abaixo do par, proibição; acima do par
(ágio ou prémio de emissão): art. 218.º.
Diferimento das obrigações de entrada: art. 203.º - diferimento apenas para datas certas ou
momentos certos (prazo máximo de 5 anos). Necessidade de interpelação, em caso de incumprimento.
204.º a 207.º.
O art. 199.º, b) (art. 219.º/ 3) e o art. 203.º prevêem o diferimento do valor das entradas.

O art. 29.º/ 1 estabelece que só se aplica às S.A. e às Sociedade em Comandita por ações.
Pergunta-se se se pode extrapolar para as Sociedades por Quotas:
- FERNANDO SÁ defende a aplicação analógica do art. 29.º às SQ ou que, no limite,
se poderia aplicar o instituto da fraude à lei; se o art. 29.º visa proibir as entradas
dissimuladas, vale para as S.A. e para as SQ (cumprir a intangibilidade do capital
social, garantindo que em ambas as situações os credores da sociedade ficam
garantidos através do capital social);
- OSÓRIO DE CASTRO tem outra posição, dizendo que o art. 29.º só se aplica às S.A.
e às Sociedades em Comandita por ações, apesar de defender que se pode socorrer do
instituto do levantamento da personalidade para responsabilizar o sócio pela diferença
quando ela exista entre o valor efetivo da sua entrada e o valor da entrada que se
comprometeu a realizar.

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CASO N.º 3: O FINANCIAMENTO DA CLAVE DE SOL


Emanuel e Marante, sócios da sociedade anónima Clave de Sol, S.A. (CS) – mais
conhecida como a Blue Note de Arganil -, decidiram expandir o negócio de agenciamento e
edição musical, e lançar-se no mercado de música ligeira e ligeiro-independente do sul do país.
Para o efeito, em 2016, decidiram aumentar o capital da CS, dando assim sinais de solvência e
musculatura financeira ao mercado. Cada um detém 30% do capital social.
i) Emanuel, que no passado cedera os direitos de exploração comercial da música
“Confessa o teu amor” à CS por € 15.000, mas nunca chegara a cobrar o preço, pretende agora
ficar quite com a sociedade, já que se comprometeu no aumento do capital a contribuir com €
15.000.
Partindo do art. 275.º do CSC, a Clave de Sol, S.A. é uma sociedade anónima, o que significa
que, nos termos do art. 271.º do CSC, o seu capital é dividido em ações que cada sócio subscreve. Por
isso, a responsabilidade é limitada neste tipo, visto que fica limitada ao valor da entrada de cada sócio.
Aumento de capital: O aumento de capital é uma operação importante realizada no contexto
da alteração do contrato de sociedade. É relevante para a aplicação dos arts. 85.º e ss. do CSC, porque,
se nos termos do art. 9.º se tem a fixação dos elementos que obrigatoriamente têm de estar no contrato
de sociedade, qualquer alteração ao contrato de sociedade carece de seguir os procedimentos previstos
nos arts. 85.º e ss.. Isto traduz-se na necessidade de existência de uma deliberação social da sociedade,
de acordo com o art. 85.º/ 1 e 2. Ao aumento de capital, aplicam-se genericamente as mesmas regras
que se aplicam às entradas no capital social da sociedade (arts. 85.º a 93.º), razão pela qual não se
deixa de aplicar a regra geral do art. 27.º.
O capital social da sociedade pode ser alterado a qualquer momento, pois não é estanque: pode
ser aumentado por participações dos sócios que já existem na sociedade ou por novos sócios. Quem já
está na sociedade tem um direito de preferência quanto ao aumento de capital.

Proibição da compensação: Ao abrigo do que consta do art. 27.º/ 5, a obrigação de entrada


não pode extinguir-se por compensação.
Há quem entenda que esta norma serve para proteção dos credores, na medida em que os
sócios vêem os seus créditos satisfeitos em momento anterior ao pagamento dos restantes créditos aos
demais credores da sociedade (RAÚL VENTURA); contudo, enquanto a situação financeira da
sociedade permitir o pagamento e o curso normal da sua atividade, tal significa que a sociedade tem de
privilegiar o pagamento aos credores da sociedade e não aos próprios sócios. Esta posição é criticável:
fora do contexto da insolvência, não há nenhuma regra de prioridade do pagamento.
Ora, os sócios, fora do cenário da insolvência, não devem ser tratados de forma pior dos
demais credores da sociedade. Os arts. 48.º e 49.º do CIRE consagram regras específicas para o regime
da compensação, nomeadamente proibindo a compensação dos créditos com algumas das exceções
que ali vêm mencionadas.
Para FERNANDO OLIVEIRA E SÁ e para PAULO PIRES seria necessário que estes créditos
(sobre os quais a compensação irá ser realizada com obrigação de entrada) deveriam ficar sujeitos ao
regime do art. 28.º do CSC, para haver um controlo deste efeito das entradas em espécie. O art. 28.º
consagra diversas regras que visam dar publicidade à existência destes créditos, porque um relatório de
um revisor oficial de contas tem de verificar os requisitos do art. 28.º/ 3, fazer as apreciações contantes
nos números 5 e 6, e tem um regime específico de publicidade perante os sócios da sociedade: evita-se
a compensação de créditos que não existem (tutela mais eficazmente a existência do crédito).

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O esquema do art. 28.º permite fugir à proibição da compensação de créditos mencionada no


art. 27.º/ 5 do CSC, porque, a partir do momento que se sujeita o seu direito de crédito sobre a
sociedade ao regime do art. 28.º, tem-se um relatório de avaliação; e a invocação desse relatório por
todos os sócios da sociedade; a partir desse momento, oficializa-se, no fundo, que a entrada do sócio
corresponde ao contra-crédito que a sociedade tem sobre ele. Desde que se realiza aquela entrada,
entregando ao aumento de capital o crédito sobre a sociedade, está-se a provocar uma compensação
entre dois montantes, ainda que não na esfera do sócio que está a transmitir o seu direito de crédito à
sociedade (a partir do momento da transmissão desse crédito, ele extingue-se - não por compensação,
mas por confusão -, porque a sociedade a quem é cedido o crédito fica simultaneamente na posição de
credora e devedora).
Esta proibição não tinha lógica, também porque com a compensação do crédito, a sociedade
não está a libertar meios financeiros: não está a pagar nos meios financeiros que tem e a entregá-los ao
sócio em causa. Essa realidade levaria a que fosse defensável que esta proibição de compensação não
faz sentido. Se não pode haver compensação por via do art. 27.º/ 5, sujeita-se este regime das entradas
ao regime das entradas em espécie: isto é, coloca-se a tónica do art. 28.º e extingue-se estas obrigações
de entrada através do regime da confusão e não da compensação.

➢ Como contornar o regime? A confusão consiste na entrada do sócio com o seu


crédito. Realizar a entrada com entrada em espécie, que corresponde ao crédito que se
tem. O ROC verifica o valor do crédito (art. 28.º/ 3) e o sócio entra com o próprio
crédito no contexto do aumento de capital. Se tem de se seguir o método do art. 28.º,
tem de haver uma Assembleia Geral. O art. 28.º/ 5 também se refere ao controlo pelos
credores da sociedade quanto à veracidade. Converte-se a questão da compensação na
confusão, na medida em que o crédito se extingue na esfera da sociedade.
➢ Regime extraordinário da conversão de créditos em capital:

ii) Marante foi mais esperto: entregou à sociedade os € 15.000 a que se comprometera
por ocasião do aumento, e promoveu o pagamento pela CS de uma dívida antiga, de € 15.000,
resultante da venda de uma mesa de misturas em 2010.
Estando em causa uma Sociedade Anónima, e tendo sido contraída uma dívida, importa referir
que só a sociedade pode ser responsabilizada por essas dívidas, segundo o art. 271.º do CSC. Isto,
porque as Sociedades Anónimas são tipos sociais de responsabilidade limitada.
Marante entrou com bens financeiros para a sociedade, para o aumento de capital social, mas,
de seguida, a sociedade devolve-lhe o valor relativamente à mesa de mistura.
Compensação: Ao contrário do primeiro cenário (Emanuel), aqui, tem-se a entrega pelo sócio
Marante de determinada quantia à sociedade, para que a sociedade depois devolvesse o dinheiro. Esta
é uma espécie de compensação diferida no tempo, proibida pelo art. 27.º/ 5 do CSC. Ora, se existe
uma proibição genérica de compensação, não faria sentido admitir que se pudesse ter um esquema nos
termos do qual se podia entrar com dinheiro na sociedade, liberando a sociedade dinheiro a seu favor
(pagando uma dívida anterior). Isto deve-se ao facto de isto corresponder a uma entrada em espécie
dissimulada ou mesmo a um esquema de compensação dissimulada de crédito.
Não há necessariamente uma aplicação direta do art. 29.º ao caso, mas pode haver uma
aplicação analógica.
Esta questão foi colocada na jurisprudência alemã, que formou dois grandes critérios
essenciais para a eventual colocação em causa deste tipo de operações em particular:
1) Proximidade objetiva (proximidade entre o valor relativo de aumento de capital e o
valor de entrada): pode haver uma aproximação ao regime das entradas em espécie e

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simultaneamente pode estar em causa, por exemplo, a realização de uma entrada pelo
valor de 10 000€ para promover o pagamento de uma dívida que a sociedade tenha
também nesse valor; há, assim, uma proximidade objetiva que tem a ver com a
aproximação desta realidade às entradas em espécie e perante o próprio objeto das
entradas.
2) Proximidade temporal: entre o regime da entrada em dinheiro e o reembolso da
dívida, há uma proximidade tal que mostra que a intenção foi a da realização de uma
entrada dissimulada, ou a realização de uma compensação não permitida legalmente.
Constatadas estas realidades, ainda é de questionar se tem ou não de existir intenção
fraudulenta ou se esta análise pode ser feita apenas do ponto de vista objetivo (verificando os dois
critérios). Podem seguir-se dois caminhos:
1) Aplicação analógica do art. 29.º. A lei não proíbe. Atenta a proibição da compensação
nos termos do art. 27.º/ 5, faria sentido aplicar a regra do art. 29.º? Olhando para
esta situação, poder-se-ia entender que, nos termos do art. 29.º, tal se tratava de um
negócio que verifica o requisito temporal previsto no art. 29.º/ 1, c) do CSC: entender
o pagamento pela sociedade como um negócio realizado neste período temporal,
estado sob o regime do art. 29.º.
Pelos arts. 27.º, 28.º e 29.º não há nenhuma limitação expressa que proíba que o sócio
realize a sua entrada em dinheiro e que, logo a seguir, promova a que a sociedade lhe
pague uma dívida que tem para com ele, o que redundaria na possibilidade de se
admitirem as entradas em dinheiro e a seguir o pagamento da dívida.
A extensão analógica do art. 29.º pode ser aplicada a estas situações [art. 29.º, b)
quanto ao requisito quantitativo]. Sujeita-se, nos termos do art. 29.º/ 3 isto ao regime
do art. 28.º do CSC → proximidade temporal.
2) Aplicação analógica do art. 29.º, sem dobrar os dois requisitos [considerando que a
dívida nasceu em 2010, significa que o requisito da alínea c) o art. 929.º/ 1 não estava
verificado]. Como a dívida foi constituída mais de dois anos antes, não haveria razão.
Olhando para esta verificação, com o requisito objetivo e temporal, existem entradas
ocultas e até compensações dissimuladas que, no caso das entradas em espécie, têm o
regime específico do art. 28.º; para a compensação, há um regime específico no art.
27.º/ 5, que proíbe a sua realização, sendo apenas possível nos termos do art. 27.º/ 4
relativamente à questão dos lucros da sociedade com a obrigação de entrega não
cumprida.
O art. 29.º pretende regular a proibição de entradas ocultas que pretendam fugir ao
relatório do art. 28.º Estabelece-se um paralelo axiológico ao regime do art. 29.º/ 1, c).
óbice: oa rt. 29.º diz respeito a contratos que sejam realizados num momento posterior,
pelo que podem estar a aplicar-se formalismos de forma desnecessária.
3) Quando existem cobranças de dívidas do sócio para com a sociedade em momento
próximo ao do aumento de capital, este pagamento depende sempre do art. 28.º e
relatório. Há margem de aplicação, visto que o art. 28.º se aplica às entradas em
espécie. A última solução seria aplicar analogicamente o art. 27.º/ 5: há compensação,
porque o sócio vai buscar à sociedade aquilo de que dotou a sociedade do aumento de
capital.
4) Não estão verificados quaisquer pressupostos relativamente a este preceito, pelo que a
operação de pagamento por parte da sociedade seria válida. Portanto, não há óbice
legal a que exista a situação de o sócio cobrar uma dívida.

Ana Maria Varela 16


Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

iii) Em 2017, perante novas necessidades de financiamento, Emanuel e Marante


decidiram ligar a Marco e Paulo, os outros dois sócios da CS, invocando uma cláusula do
contrato segundo a qual os sócios poderiam deliberar que lhes fossem exigidas contribuições
suplementares, até € 50.000, em dinheiro, que não venceriam juros. Marco e Paulo não se
recordavam desta cláusula e duvidam da sua legalidade.
As prestações suplementares e as prestações acessórias são ambas obrigações dos sócios para
lá da sua obrigação principal de entrada, e têm em comum, por isso, serem prestações adicionais às
prestações principais. Contudo, apresentam algumas diferenças.
1. As prestações acessórias são contribuições dos sócios para a sociedade, que não são
entradas. São prestações eventuais, não necessárias nem obrigatórias e nunca são
computadas nas entradas. Estão previstas para as Sociedades por Quotas (art. 219.º do
CSC) e para as Sociedades Anónimas (art. 287.º do CSC), não existindo diferenças no
regime para cada tipo de sociedade. A sua fonte é o contrato de sociedade, como
dispõem os arts. 209.º e 287.º/ 1 do CSC, pelo que tem sempre de existir uma cláusula
no contrato. Quanto ao seu objeto, à partida, qualquer um é admitido, desde que seja
admissível pelo Código Civil, podendo ser prestações de dare, de facere, etc. e podem
ser prestações pecuniárias ou não pecuniárias (RAÚL VENTURA considera que não
são possíveis prestações acessórias em dinheiro, mas esta posição não tem
acolhimento na lei, que não restringe). No que concerne à sua remuneração, as
prestações acessórias podem ser, de acordo com os arts. 209.º e 287.º/ 3, onerosas
(dando lugar a uma contraprestação e sendo remuneradas independentemente do
lucro) ou gratuitas. No que se refere à restituição, a sua existência depende do que
tiver sido convencionado no contrato, não havendo regime previsto na lei: aplica-se,
assim, o regime convencionado pelas partes. Finalmente, se houver incumprimento da
prestação acessória, aplicam-se as regras gerais do Código Civil: segundo o art. 209.º/
4 do CSC, pode haver uma cláusula contratual a dizer outra coisa e o sócio não ser
excluído; contudo, em última análise, se o contrato o determinar o sócio pode ser
excluído da sociedade.
2. As prestações suplementares são prestações além da entrada e, tal como as prestações
acessórias, são eventuais ou necessárias. Apenas estão previstas a propósito das
Sociedades por Quotas (arts. 210.º e ss. e arts. 243.º e ss. do CSC), gerando-se
discussão relativamente à sua admissibilidade ou não de aplicação às Sociedades
Anónimas: MENEZES CORDEIRO é contra a aplicabilidade às S.A., referindo que as
prestações suplementares, por dependerem sempre de deliberação social (ao contrário
das prestações acessórias que estão previstas nos estatutos em termos certos), ainda
que estejam previstas nos estatutos, contraria-se o art. 271.º do CSC; ANA
PERESTRELO é a favor da aplicabilidade às sociedades anónimas, oferecendo
argumentos relacionados com a autonomia privada que existe no Direito das
Sociedades, com a vontade do sócio que se vincula à prestação e com as vantagens
que traz para as S.A.. Quanto à fonte das prestações suplementares, ela é dupla,
porquanto elas têm de estar previstas no contrato, não bastando isso, contudo, sendo
necessária uma deliberação dos sócios que fixa o montante exigível e o prazo da
prestação (arts. 210.º e 211.º). No que toca ao seu objeto, as prestações suplementares
são sempre em dinheiro, nos termos do art. 210.º do CSC. Há ausência de
remuneração, ou seja, as prestações suplementares são sempre gratuitas (sendo
dinheiro, a remuneração são juros, à luz do art. 210.º/ 5 do CSC). Pode haver
restituição, mas ela está condicionada a regras que visam a proteção do capital social

Ana Maria Varela 17


Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

(art. 213.º do CSC): o regime da restituição das prestações suplementares aproxima-se


do regime das entradas. Por fim, quando há incumprimento, segue-se o regime
tutelado pelo art. 212.º/ 1, existindo possibilidade de exclusão dos sócios (remete para
os arts. 204.º e 205.º), mesmo sem previsão disso no contrato.

Primeiro, considera-se que os direitos de exploração comercial da música ‘’Confessa o teu


amor’’, nos termos dos arts. 28.º e 89.º/1, que se aplicam às entradas nos aumentos de capital, quanto a
entradas da mesma natureza na constituição da sociedade. Está-se perante obrigações acessórias, que
podem revestir diversos tipos: podem traduzir-se na disponibilidade de um sócio vir a prestar uma
determinada atividade em benefício da sociedade; ou podem resultar do comprometimento dos sócios
em contribuirem com bens fungíveis (nomeadamente, dinheiro). O regime das prestações acessórias
nas Sociedades Anónimas consta do art. 287.º do CSC: o art. 287.º/ 1 refere que a obrigação de
prestações acessórias deve ser estabelecida no contrato de sociedade, podendo recair sobre todos ou
sobre alguns sócios; o art. 287.º/ 3 acrescenta que estas situações jurídicas, que se afiguram como
passivas, acabam por se traduzir numa vantagem absolutamente injustificada para alguns sócios. Por
conseguinte, Marco e Paulo duvidavam que a obrigação de prestações acessórias constasse do
contrato, o que se afigura como uma obrigação, como dispõe o art. 287.º/ 1 do CSC (os estatutos
devem fixar os elementos da obrigação de prestações acessórias e determinar a respetiva onerosidade
ou gratuitidade).
Deve referir-se que o contrato não tem obrigatoriamente de fixar o regime das prestações
acessórias ou os sócios podem pontualmente pronunciar-se, sem ter de modificar o contrato
previamente. Deve é fixar-se um regime-regra contratual, designadamente se as prestações são ou não
onerosas, mas nada impede que se atribua ao coletivo dos sócios a faculdade de deliberar
diversamente. O contrato de sociedade pode prever que o incumprimento põe em causa a participação
social, mas se não o fizer a situação do sócio não pode ser afetada, como resulta do art. 287.º/ 4. Ou
seja, tem de existir uma cláusula no contrato que determine a obrigação de prestações acessórias; e, se
no contrato nada for dito em contrário, a falta de cumprimento da obrigação acessória não afeta a
situação do sócio enquanto tal, pelo que, mesmo que não pagassem o preço, Marco e Paulo não
podiam ser expulsos da sociedade, a menos que tal viesse expressamente convencionado no contrato.

O art. 86.º/ 2 do CSC, que contempla a regra geral, refere-se à alteração do contrato,
enunciado que se esta envolver o aumento das prestações impostas pelo contrato aos sócios, o aumento
é ineficaz para os sócios que não tenham nele consentido.
No que toca as prestações suplementares, estas não estão convencionadas para as Sociedades
Anónimas, mas apenas a possibilidade de obrigação de prestações acessórias, como resulta do art.
287.º do CC. No entanto, tem-se entendido aplicar analogicamente o regime das Sociedades Por
Quotas quanto às prestações suplementares, nomeadamente o art. 210.º: deve ser contratualmente
acordada, sendo compatível com o princípio da autonomia privada e excepcionando as regras com
carácter excecional, designadamente o caso da sanção de exclusão por incumprimento. A favor desta
tese, e contra MENEZES CORDEIRO, pronunciou-se ANA PERESTRELO, deixando-nos com os
seguintes argumentos a favor da aplicabilidade das prestações suplementares às S.A.:
- Em termos económicos, é uma figura que faz sentido existir numa S.A., tal como
numa SPQ. Os sócios têm o seu interesse ao prever uma prestação acessória.
- O âmbito do Direito Societário, que é Direito Privado, rege-se pelo princípio da
autonomia privada: se não se encontrar razões para limitar a forma de
financiamento, tem de se considerar admissível. Haver outros meios de
financiamento ao alcance dos sócios é irrelevante. Se não há razões para proibir,

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

têm de se considerar admissível prestações suplementares.


- Não há impedimento geral nas S.A. de haver prestações além das entradas
(seguramente não se pode pedir mais nada ao sócio do que a sua entrada, mas o sócio,
por vontade sua, pode concordar em realizar prestações para lá da sua entrada).A
prestação acessória, resultando da lei, é algo com o que o sócio já conta; com a
prestação suplementar não conta. Todavia, se o sócio pode vincular-se a prestações
acessórias - que são certas e que são exigíveis - porque não se pode vincular a
prestações suplementares com o argumento de que tem de haver deliberação?
- O sócio quer isto por sua vontade, tal como os credores (porque são prestações com
regime próximo das entradas), pois são capitais que ficam na sociedade. Proibi-lo é
uma posição paternalista, já que as prestações suplementares são benéficas para a
sociedade.
Em suma, a resposta dependeria da posição defendida. Assim sendo, caso os sócios
recusassem pagar as prestações suplementares, e caso estas fossem válidas, não poderiam ser expulsos
da sociedade. Tratando-se de uma prestação suplementar, ela deve estar prevista no contrato de
sociedade que fixa o montante das prestações e os sócios ficam obrigados; o critério da repartição das
prestações suplementares entre os sócios é que consta das alíneas do art. 210.º/ 3 do CSC.

De acordo com o art. 210.º/ 5 do CSC, as prestações suplementares não vencem juros (são
gratuitas) e o prazo da sua exigibilidade depende da deliberação dos sócios, não podendo, porém, ser
inferior a 30 dias a contar da comunicação aos sócios (art. 211.º/ 1 do CSC).
A sociedade não pode exonerar os sócios da obrigação de efetuar prestações suplementares,
como estatui o art. 212.º/ 3 Está em apreço uma questão relativa ao art. 210.º/ 3, a), porque não foi
estabelecido o montante global sobre as prestações suplementares (não implica que seja fixado este
valor das prestações, permitindo-se que existam cláusulas quanto a ela). A fixação dos valores pode
ser feita com limites máximos, com o objetivo de flexibilizar este mecanismo.

➢ E se a prestação suplementar não estivesse prevista no contrato de sociedade, e na


sequência de aumento de capital, tivesse sido deliberada a realização desta
prestação suplementar pelos sócios, tendo o Marco e o Paulo votado contra? Podia
ser exigível a prestação suplementar?
Primeiramente, tal implicaria uma alteração do contrato de sociedade, segundo os arts. 85.º e
ss. do CSC, exigindo-se, para tal, forma escrita, nos termos do art. 85.º/ 3.
Depois, a fonte das prestações suplementares é, além da deliberação dos sócios (sem a qual
não há exigibilidade, segundo os arts. 210.º e 211.º), o contrato de sociedade: isto é, a obrigação de
efetuar prestações suplementares não resulta diretamente do contrato de sociedade, mas para que tal
dever exista é preciso que o contrato o preveja, sendo que a obrigação de as efetuar depende sempre de
deliberação posterior dos sócios. Se a prestação suplementar está prevista no contrato de sociedade, o
sócio vincula-se ao contrato e não interessa se vota a favor ou contra, pois já consentiu com a cláusula
e está obrigado na mesma. A deliberação só tem lugar depois do cumprimento da obrigação de entrada
de todos os sócios.
Tem lugar a aplicação do art. 86.º/ 2: a prestação suplementar não poderia ser exigida ao sócio.
Este artigo só se aplica para alterações ao contrato de sociedade.
➢ E se os sócios votam contra a alteração do contrato, mas votam favoravelmente
quanto à exigibilidade das prestações suplementares?

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Estariam de má fé e haveria abuso de direito. É um comportamento contraditório, que já não é


resolvido pelo art. 86.º/ 2. Todas as prestações que aumentem os encargos que os sócios tenham de
cumprir são regidos pelas tutelas da minoria: art. 86.º/ 2 do CSC.

iv) No final de 2018, já com a CS em declínio, Emanuel decidiu emprestar € 125.000 à


sociedade. Num esforço paralelo para a salvar, também em 2017, Marante decidiu vender os
direitos de exploração do seu recente sucesso musical “Som de Cristal”. O diretor financeiro da
CS prometeu pagar-lhe imediatamente, mas agora trata Marante com evasivas. Este, no entanto,
telefona e escreve quase semanalmente para a CS, exigindo a cobrança do seu crédito.
Aqui, foi realizado, ao abrigo do art. 243.º/ 1 do CSC um contrato de suprimento, em que o
sócio emprestou à sociedade 125 000€, ficando a sociedade obrigada a restituir-lhe essa quantia. De
acordo com o art. 243.º/ 2, o prazo de reembolso é superior a um ano; e resulta do art. 243.º/ 4 que é
pressuposto do contrato de suprimento a qualidade do sócio, o que permite distinguir dos contratos de
empréstimos realizados entre a sociedade e terceiros.
O suprimento é o contrato entre o sócio e a sociedade, pelo qual:
- ou o primeiro empresta à segunda dinheiro ou outra coisa fungível, ficando esta
obrigada à restituição de outro tanto do mesmo tipo;
- ou o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do pagamento de créditos
seuss obre ela (art. 243.º/ 1).
A lei distingue ‘’índices’’ de permanência, isto é, fixa presunções ilidíveis nesse sentido:
- um prazo, inicial ou subsequente, de reembolso superior a um ano;
- ou um diferimento superior a um ano, contando-se, para o efeito, o tempo decorrido
entre a constituição do crédito e o negócio de diferimento (art. 243.º/ 2);
- a não exigência de reembolso durante um ano após a constituição do crédito, seja sem
prazo, seja com prazo inferior;
- o não levantamento de lucros distribuídos, decorrido um ano sobre a deliberação da
distribuição (art. 243.º/ 3).
Não é exigida nenhuma forma especial, nos termos do art. 243.º/ 6: manifesta-se a regra da
prova livre do empréstimo mercantil entre comerciantes (art. 396.º do Código Comercial).
O suprimento é um contrato relativo a dinheiro ou outra coisa fungível e distingue-se das
prestações acessórias e das prestações suplementares.

Os suprimentos só estão regulados quanto às Sociedades Por Quotas. Quanto às Sociedades


Anónimas, a experiência alemã distingue entre o acionista empresário e o acionista investidor: o
primeiro, detentor de pelo menos 25% do capital, tem uma ligação à vida societária pela qual os seus
contributos em dinheiro têm uma justificação interessada (ser-lhe-ia aplicável o regime dos
suprimentos).
RAÚL VENTURA propõe que o acionista empresário detenha, pelo menos, 10% do capital
(arts. 392.º e 418.º/ 1, por analogia). Todavia, na falta de lei, não vê como optar por uma cifra firme
que, em concreto, poderá não traduzir a substância.
MENEZES CORDEIRO defende que os suprimentos não são excecionais nem assentam em
razões privativas das SPQ. Ou seja, eles verificar-se-ão nas S.A.:
- quando o pacto social preveja ou regule;
- quando as partes estipulem;
- quando, no terreno, surja um crédito que exerça, materialmente, a função do
suprimento (isto ocorre quando haja uma entrega de dinheiro - ou coisa fungível

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

diversa - em circunstâncias nas quais um acionista ordenado faria uma contribuição de


capital).
PAULO OLAVO CUNHA considera que se aplicam às S.A., quando as ações são
nominativas.
Constatada esta analogia, é possivel aplicar os arts. 243.º/ 2 e 3.

Nesta hipótese, o sócio E exigiu a constituição de uma hipoteca sobre um imóvel, de forma a
garantir o reembolso pela sociedade. Porém, de acordo com o art. 245.º/ 6, são nulas as garantias reais
prestadas pela sociedade relativas a obrigações de reembolso de suprimentos, uma vez declarada a
insolvência da sociedade (os créditos por suprimentos cedem no confronto com créditos de terceiros
ou de sócios enquanto terceiros): a garantia só é nula se estiver no âmbito de um contrato de
suprimento.
Neste caso, coloca-se a questão da extensão ou não dos suprimentos às S.A.: a doutrina
maioritária é favorável, vindo RAÚL VENTURA sustentar esta tese, onde apenas o acionista
empresário é que pode realizar os suprimentos (ou seja, o acionista que dispusesse pelo menos 10% do
capital social, ao abrigo do disposto no art. 392.º e no art. 418.º/ 1 (onde se estabelece um limite
quantitativo ao exercício dos direitos por parte dos sócios). COUTINHO DE ABREU critica esta
solução, porque, se não há uma norma que fixe este quantitativo para ser sócio empresário, então deve
adotar-se um critério mais flexível. MENEZES CORDEIRO, por sua vez, considera que, pelo art.
243.º/ 1, 2 e 3, pode estar-se perante contratos de suprimento se tiver carácter de permanência e se se
estiver perante um acionista ordenado (acionista colocado na situação particular em que o sócio se
encontra, teria realizado uma prestação de capital a favor da sociedade numa situação em que exista
uma crise financeira ou necessidade de financiamento por parte da sociedade: critério do acionista
ordenado).
No caso de Emanuel, nunca se exigiu o pagamento do montante, tendo passado mais de 1 ano
(arts. 243.º/ 1, 2 e 3 do CSC). Contudo, existe um problema que se prende com a exigência de uma
garantia real prestada pela sociedade a favor do sócio por este crédito de suprimentos. O art. 245.º/ 6
do CSC veda a exigibilidade de uma garantia pela sociedade a favor do sócio.
Relativamente ao sócio M, este também efetuou um contrato de suprimento com a sociedade,
à luz do disposto no art. 243.º do CSC: efetuou uma entrada em espécie. No caso de Marante, não se
tem um índice de carácter de permanência, porque sempre demandou a sociedade para que pagasse o
que devia. Este índice, nos termos do art. 243º/1, 2 e 3, revela uma intenção volitiva de o sócio não
exigir à sociedade o pagamento. Nesta hipótese, tal não se verifica, pois ele interpelou a sociedade
várias vezes. Não era a sua intenção que este crédito durasse por prazo superior a 1 ano ou que, se os
índices de permanência que vêm mencionados no artigo.
Há aplicação do art. 243.º/ 4: não obstante a aparência externa ser de que a dívida está vendida
há mais de 1 ano e não foi paga, é admissível que nestas situações possa ser ilidida esta presunção,
através de apresentação/demonstração de todos os atos que foram dirigidos à sociedade tendo em vista
a satisfação do direito de crédito em causa.

CORREÇÃO: Qualificava-se este suprimento de base contratual (art. 243.º/ 1 e art. 244.º/ 1 do
CSC).
Não existe, no âmbito das S.A., os suprimentos, por isso, ou vai-se buscar às SPQ ou diz-se
que não existem e não são aplicáveis. Parece difícil defender a ideia de que não podem existir
suprimentos nas S.A.: aplica-se o regime das prestações acessórias, se o suprimento estiver previsto no
contrato; se as prestações acessórias se aplicam às S.A,, não se justifica que o suprimento não possa
estar também, e ainda por razões históricas.

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

A generalidade da doutrina defende a extensão desta matéria e RAUL VENTURA tem uma
posição mais limitada - não pode haver aplicação analógica na medida em que só podem haver
suprimentos quando se esteja presente um acionista empresário (que se limita a emprestar dinheiro à
sociedade, mas tem objetivo a longo prazo que detém pelo menos 10% do capital - art. 392.º e art.
418.º/ 1) e não um acionista investidor.
MENEZES CORDEIRO e COUTINHO DE ABREU referem que o critério é útil, mas a
fixação dos 10% é puramente aleatória, havendo outros elementos no Código - direito à informação e
direito à convocação de Assembleia Geral -, por isso é arbitrário. Substitui-se por um critério de
acionista ordenado - diligente, que naquela posição em concreto realizaria a favor da sociedade uma
contribuição de capital.
PAULO OLAVO CUNHA admite suprimentos, pois só existem na prática, com a
particularidade de ter de haver ações nominativas
O sócio E emprestou dinheiro à sociedade em situação de declínio. pode especular-se se o
sócio está à espera ou não que a sociedade vá reembolsar no prazo de um ano. À partida não, porque
situação de declínio; por isso, verificar o índice de permanência necessário para este efeito.
Quanto a M, ele faz a cessão, não se combina prazo, mas no momento imediatamente a seguir
à cessão, o sócio interpela o diretor financeiro para realizar os pagamentos. significa que o sócio não
estava interessado no carácter de permanência (não estava para esperar que a sociedade lhe pagasse
quando quisesse. Há lugar à ilisão da presunção de carácter de permanência prevista no art. 243.º/ 4
(pode ilidir, demonstrando que fez esforços sérios, porque não era intenção do sócio manter esta
obrigação no prazo de 1 ano)

v) No início de 2019 Emanuel alienou o seu crédito de € 125.000 a Romana, que não é
sócia da CS. No final de 2019, Romana requereu a declaração de insolvência da CS.
Quid iuris?
No que toca à cedência do crédito a Romana, não existe nenhum obstáculo legal, nem
contratual. A cedência do crédito não altera a sua natureza.
A particularidade, aqui, tem a ver com o art. 245.º/ 2 e com o art. 245.º/ 3, b). O titular dos
créditos não pode requerer compensação de créditos com a sociedade. No contexto de insolvência,
estes créditos vêm previstos como créditos subordinados [art. 48.º, g) do CIRE]. Um crédito que nasce
como crédito de suprimento morre como crédito de suprimento (se nasce na esfera do sócio, mesmo
que ele seja transferido para terceiro, ele preserva qualidade de crédito de suprimento).
Romana estava impedida de requerer a declaração de insolvência.

CASO N.º 4: OS LUCROS E A INFORMAÇÃO SOBRE O METRO DO VOUGA


A sociedade por quotas Princesa do Vouga, Lda. (PV), foi constituída em 2015, com uma
duração de 10 anos e capital social de € 100.000. O objecto social foi indicado pelos sócios, na
celebração do contrato, da seguinte forma: «A concepção e construção do metro de superfície do
rio Vouga, entre Pessegueiro do Vouga e Couto de Esteves, passando pela casa da avó do Aires».
Na cláusula 10.º do contrato foi estabelecido que «todos os resultados obtidos pela
sociedade serão levados a reservas, durante a duração da sociedade».
Em relação ao exercício de 2020 foram apurados € 50.000 de resultados positivos. No
entanto, transitaram do exercício anterior resultados negativos de € 30.000.
Em fevereiro de 2021, o sócio Ribeiro, titular de uma quota correspondente a 3% do
capital social da PV, requereu informações sobre as contas dos últimos 5 exercícios, com vista ao
melhor conhecimento da situação financeira da sociedade.

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

Durante a assembleia geral anual de março de 2021, Ribeiro voltou à carga e solicitou ao
Presidente da AG que fossem prestadas informações a todos os sócios sobre os «ordenados
escandalosos dos gerentes». Esta informação não lhe foi prestada.
Ribeiro, furioso, pediu de novo a palavra e exigiu que lhe fossem explicados, como se de
um bebé se tratasse, os detalhes técnicos do novo vagão de transporte, que segundo a
administração «iria revolucionar o tráfego no Vouga». O sócio Constantino esfregou as mãos
com aquele alarido: também é acionista e administrador da Duquesa do Lordelo, S.A., que
explora o sofisticado Trem de Grande Rapidez e Velocidade do Lordelo, e dá-lhe jeito conhecer
os avanços técnicos da PV.

1. Pronuncie-se sobre a legalidade da cláusula 10.º do contrato da PV. Poderia uma


cláusula deste tipo ser introduzida nos estatutos através de alteração ao contrato?
Direito aos lucros: A lei estabelece, no art. 21.º/ 1, a) do CSC, que todo o sócio tem direito a
cumular nos lucros: ou seja, cada sócio participa nos lucros na proporção da sua participação social.
Podem existir, contudo, direitos especiais aos lucros (art.. 24.º), podendo ficar convencionado no
contrato de sociedade que o sócio recebe um quinhão superior. A regra da distribuição do lucro é a da
proporcionalidade à participação da sua participação no capital social, exceto quando exista uma
cláusula a conferir, no contrato de sociedade, um direito especial aos lucros (recebe mais do que o
proporcional - art. 24.º do CSC). Os direitos especiais só podem ser suprimidos com o consentimento
do respetivo beneficiário (art. 24.º/ 5), sob pena de a deliberação ser ineficaz (art. 55.º do CSC). A
constituição de direitos especiais não pode esvaziar a condição dos demais sócios, subtraindo-se-lhes o
seu direito de participar nos lucros da sociedade.
O facto de o sócio ter direito ao lucro não significa que vá obter lucro, pois é preciso haver
lucro distribuível e é preciso que a sociedade decida distribuir através de uma deliberação de
distribuição. O desenho normal das sociedades é a geração de lucros com um propósito de repartição
entre os sócios - art. 980.º do Código Civil (sendo o primeiro dos direitos reconhecidos aos sócios).
Esta é, portanto, uma questão relativa à posição jurídica ativa dos sócios, que veem os seus
direitos elencados no art. 21.º. Esta regra de repartição dos lucros vem aprofundada no art. 22.º. O
direito aos lucros é eventual, o que quer dizer que os sócios não o têm de forma irrestrita, porque a lei
estabelece condições específicas relativamente à suscetibilidade de distribuição dos lucros que venham
a ser gerados pela sociedade, tendo que se acautelar diversas questões relativas à intangibilidade do
capital social. No art. 22.º/ 3 do CSC ainda se proíbe a existência de pactos em que se atribui todos os
lucros do exercício a um sócio acionista em concreto ou a suportação das perdas todas (pactos
leoninos). Mas o que estava a acontecer era uma retardação da repartição do lucro; exclui-se a
possibilidade de estar em causa um pacto leonino.
À partida, as sociedades são constituídas por tempo ilimitado, pelo que não se pode delimitar
qual o momento em que a sociedade irá extinguir a sua atividade (art. 15.º). O que está em causa é que
se podem ter sociedades por tempo determinado ou por tempo indeterminado (o segundo caso é mais
frequente).
Reservas estatutárias: Tendo sido feita uma interpretação relativa ao art. 217.º - que consagra
odireito mínimo ao lucro (direito de metade dos lucros distribuíveis a ser distribuído aos sócios da
sociedade). Pergunta-se se, nas sociedades de duração limitada, pode haver cláusula a limitar o direito
- a generalidade da doutrina concorda que sim;
- mas tem de se tomar em consideração a duração da sociedade.
ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA defende que este tipo de cláusulas no contrato de
sociedade são violadoras da competência da AG quanto à distribuição de lucros da sociedade [por
contradição ao art. 246.º/ 1, e) e ao art. 376.º/ 1, d)].

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

Este argumento é reversível: a AG é a reunião magna dos sócios e a sua legitimidade no


contrato de sociedade e a legitimidade em momento de AG é a mesma, não havendo nenhuma
contradição.
Deliberação quanto à distribuição dos lucros dividendos: Estas carecem sempre de
deliberação dos sócios, ou seja, não é automática. Tem de haver uma aprovação da sociedade das
contas do exercício, nos termos dos arts. 31.º/ 1, 246.º/ 1, e) e 376.º/ 1, d). Sendo sempre necessária
deliberação dos sócios neste contexto, devia apurar-se a existência ou não de lucros distribuíveis e se
estes podiam ser distribuídos.

➢ O que é a participação nas perdas?


Desde logo, perdas sociais são decréscimos ou quebras no património da sociedade, havendo
que distinguir: perdas de balanço (diferença negativa, registada em balanço, entre o valor do
património social e o valor do capital social e reservas indisponíveis), perdas de exercício (diferença
para menos do valor do património social líquido no final do exercício relativamente ao que se
verificava no início desse mesmo período) e perdas de liquidação (traduz-se na diferença negativa
entre património social líquido no termo da liquidação da sociedade e o capital social).
Participar nas perdas da sociedade não é o mesmo que responder perante credores da
sociedade. Ora, a obrigação de participar nas perdas significa que todo o sócio corre o risco de perder -
total ou parcialmente - investimento feito como contrapartida da aquisição de participação social. Por
conseguinte, não é assegurado a nenhum sócio que, quando sair da sociedade, seja necessário fixar o
valor da sua participação social; quando a sociedade seja extinta, obterá o reembolso - integral ou
parcial - da entrada ou investimento efetuados.
Este é um dever dos sócios, nos termos do art. 20.º, b) do CSC - regime imperativo -, sendo
nula qualquer cláusula em contrário (art. 22.º/ 3). Esta obrigação tem um significado distinto nas
sociedades de responsabilidade limitada e nas sociedades de responsabilidade ilimitada:
- nas de responsabilidade ilimitada (por exemplo, numa SNC) é sem dificuldade que se
compreende a participação nas perdas por parte dos sócios, porque, neste tipo social,
eles respondem solidariamente entre si, ainda que subsidiariamente relativamente ao
património social, pelas dívidas da sociedade (art. 175.º/ 1 do CSC);
- nas de responsabilidade limitada (SQ e S.A.), bem como para os sócios comanditários
de uma Sociedade em Comandita, é diferente porque estes não respondem pelas
dívidas sociais (arts. 197.º/ 3, 271.º e 465.º/ 1 do CSC); esta obrigatoriedade de
participar nas perdas, nestas sociedades. respeita às perdas no momento da liquidação
da sociedade (perdas finais ou de liquidação), nas quais os sócios forçosamente
participam, na medida em que não venham a reaver o valor das suas entradas.
Ou seja, a obrigatoriedade da sujeição a perdas, nas sociedades de capitais, significa
apenas que nenhum sócio se pode subtrair à eventualidade de não reaver, integral ou
parcialmente, o valor da sua entrada, sendo nula qualquer cláusula contratual em
contrário (art. 22.º/ 3).
Na maior parte das situações, isto tem a ver com as perdas da sociedade no cenário da
liquidação (primeiro paga-se aos credores da sociedade e só depois é que se reembolsam os sócios, na
medida em que ainda existam bens a repartir). Quanto à redução de capital é preciso fazer uma
precisão: quando esteja em causa redução de capital para cobertura de prejuízos, o sócio não seria
abrangido na redução da sua participação na medida em que o sócio ficaria isento e manteria a sua
participação original - estas operações são relativamente comuns.

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Formação do conceito de lucro: não podem ser distribuídos lucros quando ainda haja
prejuízos por cobrir - prejuízos transitados. Isto levaria a uma alteração do conceito de lucro (se
houvesse sócio isento de participação nas perdas, para ele poderia ser distribuível, na medida em que
poderiam transitar os prejuízos); mais do que o art. 22.º/ 3 estaria colocado o art. 33.º do CSC.
Dever de participar nas perdas: a responsabilidade dos sócios, além das suas entradas, existe
de forma mais ou menos restritiva, quer no âmbito das SPQ, quer no âmbito das S.A.. Ao repartir as
perdas, existindo prejuízos para a sociedade, não pode haver uma repartição dos prejuízos
estabelecendo que alguns dos sócios ficarão prejudicados em relação a isso, não recebendo lucros da
sociedade ou que os sócios devem compensar a sociedade pelos prejuízos que sofreram. Esta regra é
muito limitada na sua aplicação (nomeadamente nas sociedades de responsabilidade limitada - SPQ e
S.A.). É mais relevante para as sociedades em comandita - relativamente aos sócios comanditários.

➢ Que outros fundamentos existem para constituição de reservas convencionais por


deliberação dos sócios?
A constituição de reservas por deliberações dos sócios equivale a uma alteração do contrato de
sociedade, em termos de maiorias. Os sócios, ao deliberar, em sede de AG, a aceitação pela maioria do
art. 217.º, fazem uma alteração tácita ao contrato de sociedade. Considera-se admissível a constituição
de reservas convencionais, desde que cumpridos os requisitos do art. 217.º.
As Sociedades Por Quotas, as Sociedades Anónimas e as Sociedades em comandita por ações
devem constituir ‘’reserva legal’’, nos termos dos arts. 218.º, 295./ 1 e 478.º do CSC, respetivamente.
Para a constituição da reserva, pelo menos 5% dos lucros de exercício ser-lhe-ão afetados, até que ela
corresponda a 20% do capital social; uma e outra percentagem podem ter valor mais elevado se assim
determinar o estatuto social (art. 295.º/ 1); no entanto, nas SPQ, o valor mínimo da reserva é de 2
500€, segundo o art. 218.º/ 2 do CSC.
Além das reservas legais, existem as reservas estatutárias/ convencionais, que são as
estabelecidas no estatuto social - originário ou alterado - pelos sócios. Eles determinam que certa (ou
até certa) percentagem dos lucros de exercício será afetada a uma reserva (com ou sem valor máximo).
Em regra, as deliberações dos sócios que desrespeitem as regras estatutárias sobre constituição e
aplicação da reserva são anuláveis, de acordo com o art. 58.º/ 1, a) do CSC; mas são nulas as
deliberações de distribuição de bens sociais que desrespeitem a intangibilidade da reserva estatutária, a
sua constituição ou reconstituição, ao abrigo do disposto nos arts. 32.º/ 1, 33.º/ 1 e 56.º/ 1, d) do CSC..
Ou seja, estão previstas no contrato de sociedade, podendo ainda constituir-se outras reservas por
iniciativa do sócio ou por proposta do gerente ou dos administradores.
Constituição de reservas livres: art. 217.º e art. 294.º; se é admissível a não distribuição de
pelo menos 50% dos lucros do exercício, significa que o legislador consagrou que o mínimo que tem
de ser obrigatoriamente distribuído são 50%, podendo ser derrogados se houver maioria qualificada
dos arts. 217.º e 294.º. São precisos ¾ do capital social (nas S.A. é diferente) - logo, a maioria para
alteração do contrato de sociedade e a maioria para distribuição é a mesma.
Reserva legal mínima a constituir: art. 218.º para as Sociedades por Quotas. Há quem
questione a aplicação do art. 218.º do CSC: ENGRÁCIA ANTUNES é o único a defender que, na
sequência da revisão de 2011, este art. não se aplica às SPQ.

➢ Poderia uma cláusula deste tipo ser introduzida nos estatutos através de alteração
ao contrato?
Nas SPQ esta matéria não oferece dúvidas - o art. 217.º admite. A maioria necessária é de ¾
do capital (mesma maioria para alteração do contrato).

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Mas para as S.A. as maiorias são diferentes: para constituição de reservas, a maioria aplicável
para alteração do contrato é a do art. 294.º (e não do art. 383.º conjugado com o art. 386.º do CSC).
Contudo, estas conclusões parecem valer apenas para efeitos das sociedades de duração limitada; nas
de duração ilimitada (não se sabe quando vai entrar em liquidação, se alguma vez vier a entrar); o
princípio capitalista - sócios investem com esperança de recuperar os lucros e estando o direito ao
lucro consagrado como um dos principais, o que obstaria a proibição de distribuição de lucros durante
toda a vida da sociedade, não se sabendo em concreto a duração da sociedade.

2. Caso todos os sócios concordassem em alterar a cláusula 10.ª, haveria lucros a


distribuir, em 2021, depois de apurados os resultados do exercício de 2020?
Diferenciação entre:
- lucro de exercício (corresponde à variação patrimonial positiva verificada no decurso
de um determinado ano económico - início do ano e final do ano; normalmente,
apura-se através dos resultados operacionais - resultados gerados pela atividade que a
sociedade está a desenvolver; mas podem haver alterações em ativos ou passivos da
sociedade ao longo do exercício) não é necessariamente derivado as vendas feitas ao
longo do tempo, porque do ponto de vista contabilístico podem existir situações de
realização de bens que estejam no ativo da sociedade;
- e lucro distribuível [art. 33.º - não é possível distribuir aos sócios os lucros de
exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados - podem existir
prejuízos de anos anteriores que não tenham sido compensados ou abatidos à reserva
legal; art. 296.º - a reserva legal serve para cobrir prejuízos transitados, e se ainda
assim eles existem, significa que a reserva legal foi insuficiente - ou para formar ou
reconstituir reservas impostas no contrato de sociedade - a reserva legal está nos arts.
295.º (art. 218.º para as Sociedades por Quotas) e 296.º]


Cálculo:
VALOR DO LUCRO DE EXERCÍCIO VALORES NECESSÁRIOS PARA FORMAÇÃO DA RESERVA LEGAL
E COBERTURA DE PREJUÍZOS TRANSITADOS (quando existam, por imposição do art. 33.º)
Depois, ver se há acionistas com direitos especiais ao lucro (art. 24.º) ou acionistas preferenciais sem direito de voto: recebem
dividendo prioritário (recebem antes dos demais socios ); fora disto, art. 22.º

A competência para distribuição de lucros da sociedade cabe aos sócios - art. 31.º/ 1 e art.
246.º/ 1, e) + art. 376.º/ 1, b).
Resulta do art. 33.º a definição de lucro distribuível: nem todo o lucro gerado no primeiro
exercicio é passível de distribuição. Assim, relativamente à matéria do lucro do exercício, ele deriva

No que respeita ao apuramento do lucro de exercício, menciona-se o lucro distribuível: a lei


dispõe que somente pode ser distribuído, a título de dividendos, o que for considerado tecnicamente
como lucro (resultado produtivo da atividade societária). O art. 32.º disciplina que a medida do lucro é
o resultado líquido excedente do capital e das reservas, o que obriga a abater o passivo. Por
conseguinte, os bens que sejam necessários para solver as dívidas não podem ser distribuídos aos
sócios (proteção dos credores sociais). A referência a resultados líquidos obriga, ainda, a deduzir ao
lucro distribuível os impostos que sobre os mesmos sejam devidos. Como lucro distribuível,
entende-se não apenas o que resulta do ano corrente, mas também os lucros de exercício transitados de
anos anteriores.

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A resposta seria a mesma se, durante o ano de 2021, a gerência verificasse que a
locomotora adquirida pela PV, avaliada em € 500.000, se perdera definitivamente num acidente,
e que este dano não estava coberto por qualquer seguro?
Lucros distribuíveis: são 17 500 €.
Havendo um prejuízo de 500 000€, não há lucro distribuível: havendo prejuízo após o
encerramento de exercício, resulta que os lucros não pagos pela sociedade aos sócios do art. 32.º e art.
31.º/ 2, a). Neste caso, apurou-se um lucro de 500 000€, que corresponde ao lucro do exercício. Para
chegar ao lucro distribuível, fazem-se as operações impostas pelos arts. 32.º e 33.º, nomeadamente à
cobertura dos prejuízos transitados e, por outro lado, à constituição da reserva legal. O valor da reserva
legal mínima calcula-se sobre o lucro do exercício. Ficava-se com menos 30 000€, pois é o valor que
se retira para a cobertura dos prejuízos transitados. Para efeitos da reserva legal, calcula-se 5%, o que
resulta em 2 500€ (que se retiram para a reserva). Com este valor, está-se com 17 500€, como lucro
passível de distribuição (art. 22.º - lucro passível de se distribuir pelos sócios).
Contudo, há outra questão relacionada com a perda da locomotiva, que ocorreu em fase
posterior. Após a deliberação por parte da AG, cabe à gerência ou à administração proceder ao
pagamento destes lucros aos sócios, e o exercício do direito ocorre 30 dias após a distribuição. Neste
caso, há dever da gerência de não dar execução, visto que ocorreu após o termo do exercício. Nos
termos do art. 31.º/ 2, a), passa existir a obrigação dos membros do Conselho de Administração de
proceder à distribuição dos lucros sempre que ocorram factos que afetem a situação líquida da
sociedade.

O capital social era de 100 000€, a locomotiva que se perdeu era no valor de 50 000€ (valia 10
vezes mais do que o lucro do exercício apurado, e 5 vezes mais do que o capital social).
Por isso, seria de presumir que a situação líquida da sociedade estaria posta em causa, na
medida em que o passivo superaria o ativo da sociedade, e a diferença era insuficiente para a
cobertura do capital e das reservas. Logo, o CA estaria impedido de realizar esta distribuição.
Por outro lado, poderia estar em causa uma situação do art. 35.º do CSC, relativamente à
matéria de perda de mais de metade do capital social - ou havia outros bens do ativo da sociedade que
permitam a cobertura deste tipo de prejuízos - situação da sociedade sendo deficitária; ou, sendo
deficitária, há lugar à aplicação do art. 35.º

Operação Harmónio: duas operações numa só


1. redução do capital social a 0 (pega-se nos 100 000€ e destina-se ao pagamento de dívidas da
sociedade, anulando uma parte do passivo);
2. aumento do capital, que tem de conduzir ao cumprimento do mínimo legal (nas SPQ não há
mínimo legal, mas este aumento terá de significar que a situação líquida da sociedade seja
superior a pelo menos metade do valor.

Se a Administração, estando proibida de distribuir lucros, o fizer, pode abrir lugar à


responsabilidade direta, nos termos do art. 78.º (ação direta dos credores para com os administradores
ou dos gerentes da sociedade).
Segundo o art. 171.º/ 2 do CSC, quando há perda de mais de metade do capital social, há que
informar os credores da sociedade de que a garantia dos seus créditos pode não estar satisfeita.
Distribuição ilícita de bens da sociedade: art. 514.º; art. 523.º para a violação do preceituado
no art. 35.º.

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O art. 33.º procede à delimitação negativa do lucro distribuível, iniciada no art. 32.º, ao dispor
que não se contam como lucros distribuíveis os montantes necessários para cobrir prejuízos transitados
ou para constituir ou reforçar reservas impostas pela lei ou pelos estatutos (art. 33.º/ 1).
Há, então, três possibilidades:
1. Se se interpretar como cláusula mínima de distribuição de 50%;
2. Se todos os sócios estiverem de acordo com a distribuição integral dos lucros de 2019,
havendo unanimidade (não existia problema relativamente ao art. 217.º nem ao art.
294.º, porque há unanimidade no sentido de distribuição integral do montante);
3. Se não se tiver nada no contrato que estabeleça uma maioria de aprovação da não
distribuição de pelo menos 50% dos lucros do contrato de sociedade, qualquer
deliberação de não distribuição de pelo menos 50% dos lucros carece de aprovação
por ¾ do capital social da sociedade.

Estas são normas que visam salvaguardar a distribuição de, pelo menos, 50% dos lucros,
exceto se os sócios votarem no sentido da não distribuição. Quando se vota pela não distribuição, é
necessário haver aprovação por maioria de ¾ para que a deliberação seja válida. Neste caso, nada
indica qual foi a maioria de aprovação, parecendo que há unanimidade na distribuição.
- 50% ou mais: maioria simples;
- menos de 50%: maioria qualificada de ¾ .
Não podendo esquecer que a reserva legal corresponde a 20% do capital social e, nesta
hipótese, não há nenhum caso sobre isso, não se sabe se está cumprida ou o que falta para estar
cumprida. A reserva dos 5% do lucro distribuível do exercício apenas pode funcionar nas
circunstâncias em que ainda não haja sido completado o valor da reserva legal (ou seja, se se atinge os
20% do capital social, já não é preciso estar a retirar os 5%).

3. Analise as questões que se colocam quanto ao direito à informação. As suas respostas


seriam diferentes se estivéssemos perante uma sociedade anónima?
Direito à informação: serve o art. 988.º/ 1 do Código Civil, no âmbito do contrato de
sociedade - há regras basilares sobre as sociedades civis, mas são matéria relativa aos direitos de
informação; esta ideia é concretizada no art. 21.º/ 1, c) do CSC (tem sido colhida a interpretação de
que a lei já tem o mínimo dos mínimos, pelo que nenhuma norma do contrato de sociedade pode
limitar o direito, colocando entraves no acesso à informação dos sócios).
- dever de relatar a gestão/ dever de prestação de contas: art. 35.º/ 1 e arts. 65.º e 66.º;
- operações de transformação da sociedade (cisões, aumentos de capital, fusões), há deveres de
informação específicos por parte da Administração da sociedade - arts. 91.º, 94.º, 98.º, 101.º ,
119.º, 120.º e 132.º;
- liquidação da sociedade. deveres de informação e deveres de prestação de contas: arts. 146.º
156.º 155.º e 157.º;
- consagrações relativas a informação para cada tipo de sociedade: art. 181.º para SNC; arts.
214.º a 216.º para SPQ; e arts. 288.º a 293.º para S.A.;
- dentro das S.A., há três níveis de informação: 1) direito à informação permanente - ela é
prestada a pedido do sócio a qualquer momento - art. 288.º + art. 291.º quanto ao modo
coletivo; 2) informação prévia às AG - aviso convocatório, no art. 289.º; 3) informação
prestada no contexto da própria AG, no art. 290.º (há obrigação dos gerentes e dos
administradores de estarem presentes, tal como os órgãos de fiscalização, porque se os sócios
tiverem dúvidas, colocam essas dúvidas à gerência ou aos órgãos presentes naquela
assembleia).

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MENEZES CORDEIRO divide a informação em quatro esferas:


1. informação pública: disponibilizada ao mundo em geral, que não depende da
qualidade de sócio, podendo qualquer interessado aceder a ela;
2. informação reservada: destina-se apenas aos sócios da sociedade, resultando do art.
21.º/ 1, c) do CSC; a lei optou por criação de limites no âmbito das S.A. (1% para
acesso a informação - art. 288.º);
3. informação qualificada: não é dada a todo e qualquer sócio, mas carece, para ser
fornecida, que o sócio tenha uma participação qualificada no capital da sociedade (art.
291.º);
4. informação secreta: não pode ser divulgada, nem aos sócios, pela existência de
deveres de sigilo profissional ou quando a divulgação da informação possa colocar em
causa a própria sociedade, causando prejuízo.
Garantias do direito à informação: arts. 518.º e 519.º do CSC. A prestação de informações
falsas gera responsabilidade penal; por outro lado, pode haver anulabilidade das deliberações sociais
tomadas com recusa de informação prévia ou no decurso da própria Assembleia [art. 58.º/ 1, c) e art.
290.º/ 3 do CSC].

Nos termos do art. 21.º/ 1, c) do CSC, os sócios têm direito à informação, isto é, de obter
informação sobre a vida da sociedade e, portanto, de conhecer a sua sociedade independentemente do
seu tipo social. Nas Sociedades Por Quotas, este direito vem desenvolvido nos arts. 214.º e ss., e para
as Sociedades Anónimas, vem disciplinado nos arts. 288.º e ss. do CSC. A violação deste direito é
crime, com sanção penal, ao abrigo dos arts. 518.º e 519.º do CSC.
O direito à informação tem uma relevância autónoma, pois não é apenas um direito
funcionalizado a outros direitos, valendo por si, com a motivação principal de mitigar o
distanciamento do sócio em relação à sociedade. Além disso, prende-se com uma posição de igualdade
de todos os sócios. Porém, também tem um papel acessório ou instrumental de outros direitos, já que
serve para possibilitar a participação em AG e funciona numa ótica de controlo da Administração.
O direito à informação desdobra-se em várias modalidades: em sentido estrito significa o
direito a fazer perguntas, se se quer obter uma informação; o direito de consulta dos livros sociais dos
documento contabilísticos e de todos os documentos que refletem pactos sociais; e o direito de
inspeção dos bens sociais, que compõem o património da sociedade (se a lei permitir).
Não sendo iguais nos dois tipos sociais,
- para as Sociedades Por Quotas: a amplitude do direito à informação é muito marcada, não
havendo restrições subjetivas, e porque os sócios são menos (art. 214.º); todos os sócios têm
direito à informação nas três modalidades e, segundo o art. 214.º/ 1, a informação é dada por
escrito se o sócio pedir; no que toca ao direito a fazer perguntas, elas podem incidir sobre atos
já praticados, mas também sobre atos cuja prática seja esperada (art. 214.º/ 3) - as perguntas
abrangem todas as matérias que sejam da competência do órgão de gestão (art. 214.º/ 1); o
direito de consulta está previsto no art. 214.º/ 5 do CSC; no que toca à informação em sede de
Assembleia Geral, o art. 214.º/ 7 remete para o regime das Sociedades Anónimas (art. 290.º);
por fim, existindo utilização indevida e ilícita de informação, o art. 214.º/ 6 estabelece a
consequência da responsabilidade do sócio e possibilidade de exclusão do mesmo.
- para as Sociedades Anónimas: o direito à informação não é tão amplo por razões práticas (pelo
risco de bloqueio da atuação da Administração; e pelo risco de divulgação alargada); neste
tipo social são feitas restrições no art. 288.º (que reconhece direito mínimo à informação dos
sócios com 1% do capital social) e no art. 291.º (que restringe a suscetibilidade de fazer

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

perguntas aos sócios com 10% do capital social); quanto ao direito mínimo à informação,
qualquer acionista com pelo menos 1% do capital social - isoladamente ou em conjunto - tem
este direito, que é um direito de consulta, apesar de o sócio ter de alegar ‘’motivo justificado’’
(art. 288.º), expressão que não é bem vista pela doutrina; o direito de acesso de informações
preparatórias da AG é um direito de consulta, que se aplica até a quem não tem direito de voto
(art. 289.º); o direito de informação no contexto da própria AG refere-se a todos os acionistas,
que podem dirigir perguntas à Administração (art. 290.º); por fim, o direito de fazer perguntas
à Administração só pode ser feito por quem tenha - isoladamente ou em conjunto - pelo menos
10% do capital social (art. 291.º e art. 379.º/ 5); no que concerne à utilização indevida e ilícita
da informação, aplica-se o art. 291.º/ 6 do CSC.

Durante a assembleia geral anual de março de 2021, Ribeiro voltou à carga e solicitou ao Presidente da AG que
fossem prestadas informações a todos os sócios sobre os «ordenados escandalosos dos gerentes». Esta informação não lhe
foi prestada.
No caso concreto, quando Ribeiro solicita ao Presidente da Assembleia Geral a prestação de
informações sobre os ordenados dos gerentes, estando em causa uma Sociedade Por Quotas, há direito
à informação, nos termos do art. 214.º do CSC. Contudo, como a informação se refere ao ordenado de
um dos órgãos da sociedade, tal já pode suscitar alguma questão. Nas Sociedades Por Quotas, o direito
à informação é amplo, não havendo restrições; mas há situações em que é possível recusar informação,
como consta do art. 215.º, ainda que a recusa tenha de ser devidamente fundamentada. Ora, se se
considerasse que poderia trazer risco e prejuízo para a sociedade a utilização desta informação pelo
sócio, ou que ele o faria para fins estranhos à sociedade, haveria caso de impedimento de direito à
informação. Caso contrário, entrariam em ação as consequências de recusa ilícita da informação: art.
216.º (inquérito judicial); anulabilidade no caso de deliberações sociais [art. 214.º/ 7 e arts. 58.º/ 1, c)
e 290.º/ 3 do CSC); ou responsabilidade dos administradores com justa causa (art. 257.º).
A Assembleia Geral aqui em causa é a Assembleia Geral anual, cujo objetivo principal é a
prestação de contas. Dentro disso, inclui-se a temática dos ordenados dos gerentes, por isso a
informação poderia ser prestada. Está em causa pedir informações sobre as próprias contas da
sociedade.
Mas há uma linha que separa este direito de pedir informações face à correspondente
obrigação de a gerência prestar estas informações: art. 288.º/ 1, c) do CSC. O direito a pedir
informações não abrange informações sobre os rendimentos agregados de cada um:
- pode ser matérias da intimidade da vida privada, pelo que à partida não são divulgados
e não há conhecimento efetivo, porque as declarações de IRS não são públicas;
- nas SPQ é obrigatória a descrição dos vencimentos de cada membro e dos
administradores da sociedade, pelo que haverá pouca margem para a recusa desta
informação;
- contudo, MENEZES CORDEIRO pensa que o direito de pedir informação no
contexto de Assembleia Geral tem um dever acrescido de o sócio fazer os trabalhos de
casa: se pode pedir informação em momento anterior, e opta por só pedir informação
no decurso da AG, tal pode causar prejuízo para os trabalhos da AG e pode ser
entendido como um pedido abusivo.
O dever de informação que existe é uma informação global e não individualmente a cada um
dos administradores: art. 288.º, a) do CSC. Pode suscitar-se uma questão da confidencialidade, nos
termos do art. 290.º (recusa de prestação de informação - art. 290.º/ 2 e art. 290.º/ 4).

Ribeiro, furioso, pediu de novo a palavra e exigiu que lhe fossem explicados, como se de um bebé se tratasse, os
detalhes técnicos do novo vagão de transporte, que segundo a administração «iria revolucionar o tráfego no Vouga». O

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

sócio Constantino esfregou as mãos com aquele alarido: também é acionista e administrador da Duquesa do Lordelo,
S.A., que explora o sofisticado Trem de Grande Rapidez e Velocidade do Lordelo, e dá-lhe jeito conhecer os avanços
técnicos da PV.
Estando em causa uma Sociedade Por Quotas, o art. 214.º/ 7 do CSC refere que a prestação de
informações em sede de Assembleia Geral seguem o disposto para as Sociedades Anónimas,
remetendo para o art. 290.º do CSC.
De acordo com o art. 290.º/ 1, o acionista requer que lhe sejam prestadas informações
verdadeiras, completas e elucidativas; e, segundo o art. 290.º/ 2 essas informações só podem ser
recusadas se a sua prestação puder causar grave prejuízo à sociedade.
Existe um dever da mesa da Assembleia de saber quem são os seus acionistas, devendo ter
conhecimento de que um deles é administrador de outra sociedade (art. 290.º/ 1 do CSC). Não sendo
indicado se o assunto em causa estava sujeito a deliberação, a recusa poderia ser validada porque havia
outro acionista que poderia usar a informação em benefício de outra sociedade, não devendo a
informação ser prestada em sede de Assembleia, mas unicamente a Ribeiro. Se a informação fosse
prestada a Constantino, este não a poderia utilizar, porque sendo administrador de uma empresa
concorrente, isso causaria prejuízo à Sociedade do Vouga (LDA).
Quanto a Constantino, pode ser-lhe aplicável o art. 214.º/ 6 (para SPQ) ou o art. 291.º/ 6 (para
S.A.) quanto à utilização indevida e/ ou ilícita da informação - pode vir a ser responsabilizado. Existe
um direito de recusa da informação, que, para as SPQ está no art. 215.º/ 1 do CSC e, para as S.A. está
consagrado no art. 291.º/ 4, a) - quando isso traga risco para a sociedade, na medida em que o sócio
utilize para fins estranhos à sociedade.

A razão pela qual o direito à informação não pode ser tão amplo nas Sociedades Anónimas é,
além de outras, um avultado risco de divulgação alargada: há maior risco de atitudes abusivas, por
exemplo, e como parece ser o caso, entrar na sociedade para colher informação (o sócio Constantino,
sendo sócio desta S.A. e ainda acionista e administrador de outra sociedade). Por isso, só é
reconhecido o direito mínimo à informação dos sócios com pelo menos 1% do capital social, como
resulta do art. 288.º do CSC. E só pode fazer perguntas quem tem pelo menos 10% do capital social,
ao abrigo do art. 291.º do CSC.
Este direito à informação de Ribeiro insere-se no âmbito da própria Assembleia Geral e
insere-se no art. 290.º/ 1 do CSC: todos os acionistas têm direito de fazer perguntas na própria AG,
podendo dirigi-las à Administração; e é raro existir fundamentos para recusar a informação (as
informações devem ser completas e elucidativas); contudo, o art. 290.º/ 2 faz menção aos casos em
que a prestação de informação pode ser recusada - ou seja, quando isso puder causar prejuízo à
sociedade. Relativamente aos assuntos sobre os quais o sócio pode fazer perguntas, eles podem ser
tudo o que seja da gestão societária - ou seja, tudo da vida da sociedade -, desde que tenha 10% do
capital social; estas informações devem ser detalhadas e não genéricas.

CASO N.º 5: AS DELIBERAÇÕES NA PARAÍSO DA CAPARICA, S.A.


1. Ermelinda está escandalizada. Como acontece em todas as sextas-feiras, na semana
passada reuniu com Alberto, Benedita, Cícero e Daniela, que são seus sócios na Paraíso da
Caparica, S.A. Esta sociedade dedica-se à comercialização de chapéus de sol, toalhas e outros
utensílios para a praia.
Ermelinda e os demais são administradores daquela sociedade e encontram-se
semanalmente para tratar de temas de gestão societária.

Ana Maria Varela 31


Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

No final da reunião, Daniela chamou Benedita e Ermelinda à parte, e começou a


discursar sobre as vantagens de este ano a Só Pequenas, Lda. — outra sociedade em que as três
detêm a totalidade do capital social — alienar o seu bar na Praia de São João. Benedita
concordava com a argumentação de Daniela, mas Ermelinda respondeu com evasivas, porque
gostava de olhar melhor para as contas da sociedade, para confirmar alguns dados enunciados
por Daniela.
Qual não foi o seu espanto quando verificou que Daniela e Benedita assinaram durante o
fim-de-semana um contrato através do qual o tal bar foi vendido, invocando uma deliberação
aprovada na passada sexta-feira!
Ermelinda recorreu aos tribunais para fazer valer os seus direitos, mas as suas sócias
riram-se desdenhosamente quando leram a petição inicial da ação: não admitem ser tratadas
como rés, acham que Ermelinda demorou demasiado tempo a reagir judicialmente e além disso
estão convencidas de que «podem repetir tudo quando quiserem, segundo as regras, se é isso que
a picuinhas da Ermelinda quer».
A deliberação social é a forma de expressão da vontade de um órgão com uma pluralidade de
membros: é um negócio jurídico, porque há liberdade de celebração e de estipulação; é unilateral,
porque não há contraparte; e é plural, porque o órgão tem uma pluralidade de membros.
É na Assembleia Geral que o órgão que reúne a universalidade dos sócios: reúne uma vez por
ano (Assembleia Geral ordinária), mas também pode se reunir em Assembleias extraordinárias.
Nas Sociedades Anónimas, como é o caso em apreço, há um presidente de mesa da AG - que é
quem preside -, nos termos do art. 374.º/ 1 do CSC, havendo, também um secretário. Quanto às
competências legais da Assembleia Geral (atribuídas pela lei), estas encontram-se no art. 373.º/ 2 do
CSC, podendo os acionistas deliberar sobre as matérias que estejam no contrato ou na lei, e ainda há
competência determinada por exclusão de partes (ou seja, o que não compete a outros órgãos, será da
AG). No art. 405.º do CSC, está consagrado um princípio de independência da Administração, que
explana que os administradores não estão sujeitos às instruções dos sócios, tendo liberdade de decidir
nas áreas de gestão. É no art. 406.º do CSC que se faz o elenco das matérias de gestão que pertencem à
Administração (não à Assembleia Geral). Os sócios não podem pronunciar-se sobre estas matérias, a
não ser no caso do art. 373.º/ 3 (para a AG ter competência de gestão, é necessário iniciativa da
Administração). No que respeita às matérias sobre as quais a AG é chamada a deliberar, estas
respeitam a todas as decisões mais importantes sobre a vida da sociedade: art. 376.º/ 1, a), c), d) do
CSC (que relevam o controle e validação da atuação da Administração), arts. 31.º e 376.º/ 1, b) do
CSC (saída de bens a favor dos sócios da sociedade), arts. 85.º e ss. (modificação das bases da
sociedade e alterações do contrato), arts. 97.º e ss. (fusão), art. 118.º (cisão), art. 130.º (transformação)
e art. 141.º, b) do CSC (dissolução da sociedade).
Nesta hipótese, estava-se no âmbito da Assembleia Universal, na medida em que se convocam
todos os sócios presentes, ao abrigo do art. 54.º do CSC. Para existir uma deliberação tomada em sede
de deliberação universal, têm de estar preeenchidos cumulativamente certos requisitos: i) todos os
sócios têm de estar presentes ou representados (e a representação exige que, ao representante, sejam
conferidos poderes especiais para deliberar em Assembleia, nos termos do art. 54.º/ 3); ii) que os
sócios se pretendam efetivamente constituir em Assembleia Geral, à luz do art. 54.º/ 1 (isto é, tem de
haver uma intenção ou consciência por parte dos sócios de que querem adotar uma deliberação em
nome da sociedade para a vincular a um determinado caminho ou deliberação); iii) que os sócios
estejam de acordo quanto aos pontos que vão ser abrangidos pela deliberação (por outras palavras, tem
de haver concordância quanto à ordem de trabalhos da Assembleia); iv) Assembleia não convocada.
Sucede que não estão observados todos os pressupostos, pois falta, de acordo com o art. 54.º/ 2
do CSC, entendimento entre os sócios quanto aos assuntos a tratar em Assembleia. Ora, havendo

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recusa do sócio neste contexto, a consequência natural é a de que não se possa adotar uma deliberação
válida. Todavia, não se configura como uma situação de nulidade, ao abrigo do disposto no art. 56.º/ 1,
a) do CSC. Há, antes, uma exceção no que se refere a Assembleias Gerais não convocadas: o regime é
o de que tem de se fazer uma convocatória prévia; não havendo regime, aplica-se o art. 56.º/ 1, a);
mas, estando presentes todos os sócios, há uma exceção (‘’salvo se todos os sócios tiverem estado
presentes ou representados’’). A sanção seria, então, a da mera anulabilidade da deliberação.
As Assembleias Universais têm um interesse em geral, no sentido em que os sócios vão
avançar com uma deliberação tomada por eles; mas também permite que haja uma Assembleia Geral
convocada com um determinado conjunto de assuntos sujeitos a deliberação dos sócios. Perante esta
deliberação, a invalidade de que ela padece é o vício de procedimento anulável [art. 58.º/ 1, a) do
CSC], porquanto todos os sócios estavam presentes, mas como está feita a ressalva do art. 56.º/ 1, a)
não é a deliberação nula.

ATENÇÃO: Não há nenhum requisito que imponha a unanimidade dos sócios na deliberação a
adotar. Os sócios não têm todos de votar favoravelmente, nem contra (a votação é a que for).

2. Como as relações entre as três ficaram degradadas depois deste incidente, Ermelinda
não ficou surpreendida quando recebeu uma carta de Benedita, sugerindo que outro
estabelecimento da sociedade fosse dado em garantia, para obtenção de um financiamento de
apoio à tesouraria. Ermelinda achou que não tinha nada que responder, mas começou a ficar
enervada quando recebeu outra carta, através da qual lhe era pedido que decidisse sobre aquele
tema. Ermelinda acha que se nada responder, nada a pode afetar. Terá razão?
Parece estar em causa um problema de convocação da Assembleia Geral. Nas Sociedades
Anónimas, as Assembleias devem ser convocadas quando a lei o determine (art. 375.º/ 1 do CSC).
Quem tem competência para convocar é o presidente da mesa e, em certos casos excecionais previstos
pela lei, o órgão de fiscalização ou o tribunal (arts. 377.º/ 1 e 377.º/ 7).
A forma para efetuar a convocação é a publicação, por norma, como consta do art. 377.º/ 2 do
CSC. Mas pode enviar-se cartas registadas. Deve respeitar-se o prazo de 1 mês enunciado no art. 377.º/
4 do CSC e, da convocatória devem constar os elementos referidos no art. 377.º/ 5 (lugar, dia e hora da
reunião, ordem do dia, etc.). Se não for enviada uma convocatória, entende-se que foi violado o direito
à informação, segundo o art. 58.º/ 1, c) do CSC.

Deliberações por escrito não se confundem com votos por correspondência (exercício do
direito de voto é por escrito - art. 384.º/ 9 do CSC). Fora dessa situação, não existem nas S.A. (art.
247.º/ 2 a 7), só existindo nas SPQ.
A existência de duas notificações, no âmbito do exercício do voto por escrito:
- art. 247.º/ 3 remete para a primeira convocatória (pergunta-se aos sócios se pretendem
ou não aquele meio de comunicação, notificação que deve ser clara, pressupondo que
todo o processo se faça por comunicação escrita), sendo importante destacar que o
silêncio tem valor negocial; não tem de se ter um fundamento razoável para recusar o
método deliberativo;
- se não houver oposição dos sócios quanto a este meio deliberativo, passa-se para o art.
247.º/ 4, em que é enviada a proposta de deliberação, indicando-se obrigatoriamente
um prazo para o exercício do direito de foto, art. 247.º/ 7 - deliberações só são
tomadas quando são recebidos todos os votos ou quando termina o prazo de votação
(tem o objetivo; resulta deste preceito que o voto não é obrigatório por este meio
deliberativo por escrito; art 247.º/ 5 - não se pode fazer votos condicionais, não

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havendo lugar a nenhuma outra manifestação a não ser voto a favor, voto contra ou
abstenção; art. 247.º/ 8 - impedimento ao direito de voto (se o sócio está impedido de
votar, este método não pode ser seguido).

Há duas abordagens possíveis:


1. Não há suficiente indicação quanto ao teor das notificações enviadas. Mas parecem
haver alguns elementos em falta: na primeira convocatória, a advertência de que o
silêncio tem valor negocial é essencial, e caso não exista há vício do procedimento
[art. 58.º/ 1, a) do CSC].
2. Quanto à segunda notificação enviada, pode haver uma situação relacionada com a
matéria da fixação de prazo para a votação: caso não tenha sido fixado, há duas
situações: ou ilegalidade direta da comunicação (não cumpre os requisitos legais), ou
a sociedade fica à espera por tempo indefinido que o sócio venha votar - art. 247.º/ 7 -,
pois só aí é que se tem uma verdadeira deliberação.

art. 56.º/ 1, b) - vício específico de invalidade do voto escrito, só se aplicando a situações do


art. 247.º do CSC. ATENÇÃO à exceção lá prevista: a deliberação é nula se um dos sócios não for
convocado para votar, mas é sanada a invalidade se o sócio ainda assim decidir votar.
- Se não se notificar na primeira, e notificar na segunda, e o sócio vier a votar, esse voto é
contabilizado.
- Se não se notificar na primeira nem na segunda, e o sócio emitir o seu voto, mesmo sem estar
notificado para o efeito, o voto dele é contado.
- O art. 62.º/ 2 permite renovação da , desde que se exclua o vício que estava na base
(notificando todos os sócios).
- O art. 56.º/ 3 coloca a questão de sanação da nulidade se o sócio, apesar de não ter sido
convocado, vier a dar o seu assentimento (havendo uma discussão sobre o que é o
assentimento - se é concordar com a deliberação ou se é simplesmente ter conhecimento da
deliberação).

Há duas soluções:
- nem a primeira nem a segunda notificações estão perfeitas (não existindo menção da
cominação do art. 247.º/ 3, parte final - para o valor declarativo do silêncio tem de se advertir),
pelo que se dá uma falha no processo deliberativo, porque não se cumprem requisitos
procedimentais para este tipo de votação em concreto; caso em que não é de se aplicar o art.
56.º/ 1, b) porque todos foram convocados, mas foram mal convocados - no limite, a
consequência é a anulabilidade;
- se não se cumprir o art. 247.º/ 4, estabelecendo prazo para os sócios exercerem o direito de
voto, equivale (art. 247.º/ 7), a que só há deliberação quando o último sócio votar, situação em
que não existe deliberação, porque o sócio não votou.

➢ O art. 56.º/ 2 revela que se, para ter deliberação e voto escrito, carece-se de ter
convocatória ou todo o processo desencadeado pelo gerente (art. 247.º/ 3). ‘Quid
iuris’ se for um dos sócios a propor esta deliberação, votando todos a favor?
Segundo o art. 54.º do CSC, pode transformar-se isto materialmente numa deliberação
unânime por escrito, porque todos votaram favoravelmente.

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3. A gota de água foi o último negócio celebrado entre a Só Pequenas, Lda. e Daniela.
Tratava-se da compra de um pavilhão industrial, pela sociedade a Daniela, por um preço
manifestamente superior ao seu valor de mercado. O tema foi levado a deliberação dos sócios:
Daniela e Benedita votaram a favor, mas Ermelinda votou contra, achando escandaloso não só os
termos do negócio, como também o facto de Daniela votar nesta deliberação. Ermelinda acha
que
(i) a deliberação não pode ser válida;
(ii) o negócio não pode ser válido; e que
(iii) pelo menos Daniela deve indemnizar a sociedade pelos danos a esta causados com
esta trapalhada.
Terá razão?
A primeira perspetiva abordar prende-se com o impedimento do direito de voto, o que está
previsto no art. 251.º para as Sociedades Por Quotas (e no art. 384.º/ 6 para as Sociedades Anónimas).
Ambos os preceitos são entendidos como normas taxativas (ainda que ANA PERESTRELO considere
que estes elencos devem ser entendidos como meramente exemplificativos), ou seja, as situações em
que existe impedimento do direito de voto são as previstas nos preceitos legais.
O art. 248.º/ 5 é a norma que regula a matéria de que o sócio impedido de participar numa
determinada votação não está impedido de estar na AG. Não há equivalência do direito de voto ao
direito de participação na AG. Tal é aplicável às S.A., não havendo nenhum impedimento para esta
matéria só ser regulada para as SPQ.

Neste caso, haveria três grandes problemas a tratar:


1. Tratar esta matéria como matéria de voto abusivo: enquadrar a matéria na anulabilidade da
deliberação social e no art. 58.º/ 1, b) do CSC. É de se defender a ideia de que há voto
abusivo, no sentido em que o valor da aquisição seria superior à do valor de mercado,
provocando dano à sociedade.
- Já foi considerado pela jurisprudência estar presente o voto abusivo, sendo possível
anular a deliberação.
- Há um segmento de doutrina que salienta o carácter intencional do voto, como
condição: só há voto abusivo se existe intenção de causar prejuízo à sociedade.
Não há elemento adicional, neste caso, que o indique, pelo que não se sabe se houve
participação efetiva do sócio nesta matéria ou não. Por isso, pode não se aplicar diretamente a matéria
do voto abusivo. Logo poderia ser esta uma situação do art. 58.º/ 1, a) do CSC, existindo anulabilidade
que deriva de vício procedimento. O sócio que estava impedido de votar (aquisição de bem pela
sociedade), ainda assim, votou.
Ora, se o sócio não deveria ter votado, e ainda assim participou na deliberação, coloca-se a
questão de saber se o teste de resistência que está previsto para a alínea b) (art. 58.º/ 1) é aplicável em
situações da alínea a). Este teste de resistência consiste em verificar se, se se retirar o voto abusivo,a
deliberação seria na mesma tomada. Isto é, deve fazer-se o raciocínio de acordo com o qual se olha
para a deliberação adotada, retirando o voto do sócio que estava impedido, e olhado para os votos dos
demais sócios ainda, verificando se, ainda assim, esta deliberação seria ou não aprovada.
Presumindo que as participações dos sócios são equivalentes (são três sócios, a que
corresponderia, em princípio 33,33% do capital social a cada um), retira-se o voto da sócia impedida e
aumenta-se as outras votações em proporção dos votos. Estava representado 100% do capital social,
porque estavam as três sócias presentes, pelo que se fica com o voto dos outros dois sócios, que terão
50% dos votos. Significa que esta deliberação teria sido adotada de qualquer forma (porque uma das
sócias vota a favor e a outra vota contra; porque é preciso maioria dos votos para aprovação e aqui há

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empate). Em suma, esta deliberação nunca teria sido aprovada se o voto do outro não tivesse sido
impedido. A conclusão era a de que a deliberação não seria aprovada (a deliberação não resistia ao
teste).
A lógica é a do favor societatis, na medida em que se preserva o conteúdo material da decisão
em que se perde tempo (o art. 62.º/ 2 prevê que, mesmo em situações de vício da deliberação, ainda
assim é possível renovar esta deliberação). O que teria de acontecer era uma nova deliberação, mas
sem que o sócio impedido pudesse votar. Ou seja, a deliberação seria aprovada mesmo sem o voto
daquele sócio concreto. Então, não há fundamento para anular a deliberação.

2. Ponderação da distribuição de tarefas entre a AG e a gerência: estaria em causa analisar a


quem é que competia a aprovação deste tipo de matérias, nos termos do art. 246.º do CSC.
A clivagem entre a competência da Assembleia Geral e a competência da gerência/ da
administração da sociedade reflete-se em dois níveis:
1. art. 246.º/ 1: consagra reserva absoluta de competência da AG para estas matérias, não
se podendo retirar do contexto da Assembleia;
2. art. 246,º/ 2: se o contrato de sociedade nada disser, estas são competência da AG; se o
contrato de sociedade colocar estas matérias na gerência da sociedade; há divergência
sobre a interpretação desta situação, porque à partida a competência passa a ser
concorrente, não exclusiva da gerência.
- Um dos argumentos utilizados para a defesa desta posição é o art. 259.º,
porque não há elenco das matérias sobre as quais a gerência poderá deliberar
ou não, embora diga que é obrigada a seguir as indicações da AG, pelo que é
esta última a comandar a atividade da gerência (pode haver condicionamento
da atividade da gerência por via de deliberação dos sócios).
No caso concreto, estar-se-ia perante a aquisição de um imóvel: art. 246.º/ 2, c); mas só se fala
na venda ou oneração. Portanto, não se aplicaria.
Fora deste quadro, há uma competência concorrente entre a AG e a gerência - art. 259.º -,
porque a gerência fica vinculada às deliberações que a sociedade venha a adotar.
Mesmo que o contrato de sociedade atribua as competências à gerência previstas no art 246.º/
2, atendendo à forma ampla do art. 259.º, a competência mantém-se concorrente - os sócios podem
deliberar sobre as matérias contidas no art. 246.º/ 2.
Neste caso, a questão relativa à competência ou não competência para aprovação não era
relevante, o que seria diferente se se estivesse no âmbito de uma S.A.. No contexto das S.A., o
contexto é diferente: as AG não têm competência para decidir matérias de administração. Só assim não
acontece ao abrigo do art. 373.º/ 3, em que se pode pedir à AG para deliberar sobre determinada
matéria em concreto - matéria de administração -, tendo a AG poder para deliberar sobre matérias de
administração. Podiam seguir-se duas vias:
- aplicação do art. 56.º/ 1, c), e consequente questão da incompetência ou
impossibilidade; a generalidade da doutrina associa as mesmas questões colocadas
quanto à capacidade (se o s sócios vão deliberar sobre algo que está vedado à
sociedade há impossibilidade legal); se a sociedade deliberar perfilhar alguém ou
deliberar casar com alguém, a mesma situação se mantém (atenta a natureza das
coisas, há impossibilidade); há quem inclua na alínea c) as situações em que a AG
estaria impedida de deliberar, em virtude de um impedimento legal, porque a
competência estaria no âmbito do art 373.º/ 3 (só se a administração pedisse à AG);
- art. 58.º/ 1, a): situação de mera anulabilidade;

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Neste cenário, não estava em causa uma situação do art. 56.º/ 1, c) ou d) do CSC, porque não
era um vício de conteúdo, mas um vício de procedimento (se sócio está impedido de votar e ainda
assim participa na deliberação).
Porém, tudo isto não esgota a problemática associada ao caso prático:
- se a deliberação fosse anulável, poderia ser intentada uma ação de anulabilidade;
- se a deliberação ainda pudesse ser válida, há um extra para colocar: há prejuízo
causado à sociedade, na medida em que o valor do negócio celebrado é superior ao
valor do mercado (convocação do art. 280.º/ 2 do CC - cláusula geral dos bons
costumes, concretizado na deontologia societária); como a sociedade tem finalidade
lucrativa, para proteção dos credores da sociedade, a lógica não pode ser a de que a
sociedade pague um preço elevado por um conjunto de bens, sobretudo quando está
em apreço aquisição aos sócios da sociedade.
Então:
Se fosse aplicado o art. 280.º/ 2 do CC, o negócio era nulo, com a consequente obrigação de o
sócio restituir à sociedade tudo o que foi adquirido por este negócio com a sociedade.
Se não se aplicasse o art. 280.º/ 2 do CC, questionavam-se os deveres de lealdade dos sócios,
quer para com a sociedade, quer entre si: poderia haver uma violação destes deveres.
De acordo com o art. 58.º/ 3 do CSC, nas situações em que haja voto abusivo, há lugar à
responsabilidade dos sócios (e solidariamente de todos os sócios que tenham intervindo na deliberação
e que tenham votado).
- Se se tivesse aplicado anulabilidade para o voto abusivo, a conclusão era a de que havia dever
do sócio de compensar a sociedade pelo prejuízo (por causa da diferença entre o valor que a
sociedade pagou e valor do bem no mercado).
- Se não se aplica o art. 58.º/ 3, ainda assim, pode ir-se à sua base: se há deliberação apta a
causar prejuízo à sociedade e benefício atribuído a um sócio, há uma obrigação geral de
indemnizar; o que remete para a teoria dos deveres de lealdade do sócio para com a sociedade.
- Ainda se podia ponderar eventual exclusão do sócio da sociedade, por violação dos seus
deveres de lealdade.

3. Reserva legal: tem-se o art. 295.º aplicável às S.A. e o art. 218.º aplicável às SPQ.
Podem, aqui, seguir-se duas orientações:
- uma teoria de que a reserva legal é importa nas Sociedades Por Quotas;
- a teoria de ENGRÁCIA ANTUNES, que defende que este artigo não se aplica às
Sociedades Por Quotas, em virtude da revisão de 2011; ou seja, a reserva legal é
insuscetível de existir nas SPQ, o que não traria, neste caso, problema quanto à
invalidade (estaria presente uma reserva livre, que pode ser distribuível, desde que
sejam respeitados os requisitos do teste de solvência.
Considerando que há reservas legais nas SPQ, segue-se o art. 218.º e, consequentemente, o art.
295.º (quanto à constituição da reserva legal) e o art. 296.º (quanto à utilização da reserva legal).
Conclui-se pela nulidade da deliberação, à luz do art. 56.º/ 1, d) do CSC.

CASO N.º 6: A SAÍDA DA SÓ PEQUENAS, LDA.


Na sequência dos litígios sucessivos – analisados no caso anterior – Ermelinda está
decidida a sair da Só Pequenas Lda. Para o efeito, pretende transmitir a sua quota a Francisco,
que se diz capaz de pôr ordem na casa.

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

O que se observa é a uma transmissão de participação social, implicando isto a substituição de


sócios na sociedade (isto é, a saída de um e a consequente entrada de outro). Ora, aqui há interesse do
sócio, que pretende transmitir a sua participação (que reclama a máxima liberdade para essa
transmissão, para assim poder mobilizar como e quando quiser o seu património e exercer a sua
liberdade de se desvincular do grémio social) e interesse dos restantes sócios e da própria sociedade, a
quem convirá ter o direito de impedir a transmissão sempre que se afigura indesejável a entrada de
certa pessoa para a sociedade ou em que se mostre necessária a continuidade do sócio para a
subsistência da empresa social.
A transmissão da participação social, depois de constituído um direito, não implica
necessariamente a transmissão do mesmo direito.
A medida e a intensidade destes interesses não se revela a mesma para todos os tipos sociais:

1. Imagine que o contrato de sociedade apenas permite a cessão de quotas quando os


restantes sócios exerçam efetivamente o direito de preferência sobre a totalidade das quotas a
alienar.
Em concreto, nas Sociedades Por Quotas (porque a Só Pequenas, Lda. é uma SPQ), o art.
228.º/ 2 do CSC dispõe que a cessão de quotas não produz efeitos para com sociedade enquanto esta
não consentir. Porém, o art. 242.º-A contém que os factos relativos a quotas são ineficazes perante a
sociedade enquanto não se solicitar a promoção do respetivo registo.
Neste sentido, o regime estabelecido no art. 228.º/ 2 do CSC pode ser amplamente derrogado
no contrato de sociedade:
- o contrato pode proibir a cessão de quotas (art. 229.º/ 1), o que implicará que nem
sequer se a sociedade consentir viabilizará a cessão;
- o contrato, ao invés de proibir a cessão, pode reduzir os casos em que a mesma é livre
(art. 229.º/ 3);
- o contrato de sociedade poderá dispensar o consentimento da sociedade para as
situações em que seria necessário (art. 229.º/ 2).
Sendo exigível o consentimento para efeitos da transmissão da participação, o contrato de
sociedade pode bloquear a cessão de quotas: havendo impedimento global de o sócio não poder
transmitir a sua quota a quem quer que seja. O sócio pode sair da sociedade decorridos 10 anos desde
o ingresso da sociedade.
O art. 229.º/ 4 - se não houver nenhuma proibição quanto à transmissão de quotas, esta matéria
for introduzida posteriormente, todos os sócios que possam ser afetados por esta limitação necessitam
de expressar o seu consentimento. A alteração do contrato de sociedade, com objetivo de prever
limitação da transmissão da participação social, exige uma maioria ultra reforçada - unanimidade.
A par da recusa do consentimento, o art. 231.º/ 1 impõe que a sociedade apresente ao sócio -
que o seja há mais de 3 anos - uma proposta de amortização ou de aquisição da sua quota, sob pena de
a cessão se tornar livre, nos termos do art. 231.º/ 2, a) do CSC.
O regime supletivo para a cessão de quotas difere consoante a pessoa do cessionário:
- a cessão é livre: é livre para a cessão do cônjuge, ascendente ou descendente, bem
como para outro sócio;
- a cessão não é livre: no entanto, dependem do consentimento da sociedade todas as
outras cessões.

Nesta hipótese, a subordinação do consentimento a requisitos específicos é possível, mas não


pode ficar dependente da vontade dos sócios, como parece ser o que está aqui em apreço. Pode haver
limitação do consentimento e situações em que o consentimento pode ser recusado, mas o art. 229.º/ 5

Ana Maria Varela 38


Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

revela situações em que é proibida a adição de requisitos adicionais ao consentimento da sociedade:


nomeadamente fazer depender do consentimento dos sócios da sociedade. O consentimento é pedido
na AG, onde a matéria é deliberada, e a maioria formada no contexto dessa Assembleia é a maioria
necessária para permitir/ promover essa alienação. Não colocar um direito de veto quanto a esta
transmissão (os sócios não têm possibilidade de bloquear estas transmissões).
É possível o direito de preferência (n.º1), devido à existência de um direito de preferência dos
demais sócios. Pode ter origem em contratos celebrados entre os sócios: comum em cláusulas de tag
along e drag along, que permitem nos acordos parassociais que, se um sócio quiser vender as suas
participações sociais possa, por via deste acordo, arrastar os demais sócios da sociedade a sair da
sociedade com os outros sócios. Quem quer vender participações compromete-se a que o comprador
compre as participações dos demais sócios da sociedade. Há outra modalidade, que diz respeito ao
direito do sócio de sair acompanhado de outro sócio da sociedade, havendo direito de os demais sócios
forçarem a que este sócio arranje comprador para as suas participações sociais.
Há preferências convencionais, que podem estar previstas no contrato de sociedade,
estabelecendo que o sócio que queira vender a sua quota na sociedade deve dar primeiro preferência
aos demais sócios (implicando que se saiba qual o valor pelo qual a relação seja realizada).
O art. 229.º/ 5 estabelece que a sociedade da ou não dá consentimento para deliberação, não
podendo sujeitar a requisitos adicionais, então o facto de estar dependente do direito de preferência é
colocar um requisito adicional ao requisito de consentimento, o que suscita a invalidade desta cláusula.
Só poderia haver consentimento simples da sociedade, e o contrato de sociedade apenas podia
fazer depender de deliberação de sócios esta transmissão, não podendo haver cláusula além dessa.
Seria uma cláusula duplamente condicionada.
Já seria admissível uma cláusula de teor diferente: por exemplo, ser apenas transmissível a
quem já é sócio da sociedade. Não estaria dependente do consentimento, que estaria dado no próprio
contrato da sociedade.

2. Imagine agora que:


(a) O contrato de sociedade nada dispõe sobre a transmissão de quotas, tendo Benedita e
Daniela deliberado recusar o consentimento à cessão;
A recusa de consentimento não pode ser pura, tem de ter uma concomitante alternativa: o
sócio querer ir embora da sociedade. A recusa do consentimento por parte da sociedade implica
necessariamente a proposta de aquisição pela sociedade ou a admiração da própria quota (art. 331.º/ 1
do CSC). A recusa da prestação do consentimento implica um de dois cenários:
- ou a sociedade amortiza a quota;
- ou, não amortizando, tem de encontrar interessado para a participação que o sócio está
a pretender alienar.
Quanto ao art. 231.º/ 3 do CSC: na realidade, esta obrigação de apresentar contraproposta / da
sessão livre da quota só acontece quando sócio o seja há mais de 3 anos.
Neste caso, o contrato de sociedade não dispõe nada sobre transmissão das quotas. O
consentimento foi recusado de forma pura, por isso à partida, não sendo apresentada nenhuma
contraproposta, a alienação é possível (pressuposto que o sócio é titular da quota há mais de 3 anos -
art. 231.º/ 3 do CSC).

(b) Benedita, que também é gerente, decide adquirir a quota de Ermelinda, para
viabilizar a recusa do consentimento da sociedade e evitar que a quota seja adquirida por
estranhos.

Ana Maria Varela 39


Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

Nos termos do art. 231.º/ 4, coloca-se a questão da deliberação de aquisição da quota, neste
caso, quanto à questão do direito de preferência. Há diversas situações previstas.
Há lugar a uma preferência, que é proporcional ao valor das quotas de cada sócio na
sociedade, em caso de concurso de vários sócios que pretendam adquirir a mesma quota. A recusa de
consentimento tem de ser acompanhada de contraproposta. Não faz sentido a sociedade limitar que o
sócio transmita a quota a terceiro por livre vontade e depois ir ela à procura de um terceiro para vender
a quota.
É lícito a Ermelinda proceder a esta aquisição, chamado à atenção para o facto de que a recusa
de consentimento para transmissão da participação tem de estar ligada a duas situações.

3. Por fim, imagine que o contrato de sociedade proíbe, em absoluto, a cessão de quotas.
Se o contrato pode proibir a cessão de quotas (art. 229.º/ 1), não se pode verificar a cessão. É
uma derrogação do regime do art. 228.º/ 2 do CSC. Esta cláusula é a favor do sócio, permitindo que
ele saia da sociedade dentro de um horizonte temporal razoável. Se se reduz este limite, agravando-o,
não há proteção do interesse do sócio (seria ‘’amarrar’’ o sócio à sociedade).
Há que referir a limitação existente do prazo de 10 anos: há lugar a proibição genérica da
quota, desde que o sócio possa exonerar-se - sair da sociedade -, desde que estejam passados 10 anos
desde aquisição da quota do sócio na sociedade.

CASO N.º 7: A SAÍDA DA PARAÍSO DA CAPARICA, S.A.


1. Farta de aventuras, Ermelinda pretende igualmente sair da Paraíso da Caparica, S.A.,
cujo capital social está dividido em 50.000 ações tituladas, ao portador, de € 1 cada, cuja
transmissão está condicionada ao consentimento da sociedade.
Há uma regra da livre transmissibilidade nas S.A., que dispõe que, à partida, não pode haver
limitação na transmissão das participações sociais (arts. 328.º e 329.º).
O art. 328.º contempla que não se pode bloquear a alienação das ações. E o art. 328.º/ 2 elenca
um conjunto de situações em que é admissível subordinar esta alienação.
Não existem ações ao portador desde 2017. Neste caso, coloca-se a temática do art. 328.º/ 2,
na medida em que só pode haver limitação do consentimento no caso das ações nominativas. Sendo a
ação ao portador, esta cláusula seria nula por violação do art. 328.º/ 2, a) do CSC.
O art. 328.º/ 3 tem a lógica de que sempre que se faça alteração do contrato de sociedade, os
sócios afetados têm de votar favoravelmente esta deliberação. Nas S.A., podem haver categorias
diferentes de ações, pelo que é preciso ver quem é que está afetado: nas golden shares podem
colocar-se limitações no contrato de sociedade. Para categorias específicas de ações, com direitos
especiais associados ou não, pode criar-se limitação, e apenas os sócios abrangidos por essa categoria
têm de votar favoravelmente por esta alteração.

2. Imagine agora que o contrato de sociedade continha uma norma nos termos da qual a
sociedade pode recusar por três vezes, em relação a cada acionista, a transmissão de ações: à
quarta vez a sociedade tem que demonstrar esforços sérios para encontrar um comprador.
Nos termos do art. 329.º, há uma fixação do prazo, sendo que o art. 329.º/ 2 impõe a
exigibilidade de que os fundamentos da recusa têm de ser válidos, relacionados com o interesse da
sociedade, para recusar a transmissão. Por exemplo, se o sócio ainda não tiver realizado a sua
obrigação de entrada - porque houve deferimento - e quer transmitir a participação social antes de
executar essa obrigação. Dessa forma, a sociedade pode não ter forma de recusar.

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Casos práticos resolvidos DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

Na maioria dos casos, não há interesse da sociedade digno de limitação da transmissão das
participações.
Concluindo, a cláusula seria nula, pois não há fundamento para a recusa. A sociedade poderia
recusar.

Poderia ser nula, ainda por outro argumento: o do art. 329.º/ 3 do CSC, que refere que a recusa
do consentimento é acompanhada da obrigação da sociedade fazer promover aquisição das quotas por
um terceiro, não podendo haver recusa pura do consentimento, tem de ter sempre como consequência
a aquisição por terceiro destas participações.

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