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Aulas teóricas - Contratos I - prof. pedro de albuquerque

Contratos II (Universidade de Lisboa)

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Direito dos Contratos I


Aulas Teóricas – Professor Pedro de Albuquerque

PARTE I
I. CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Caso prático modelo para as seguintes aulas:
Imaginando que um fã da cantora dua lipa, António, pretende comprar a Bento uma
coleção de discos e composições da autoria da cantora de que Bento é proprietário e, com isso,
celebram um contrato de compra e venda. Todavia, o preço não é pago se não 15 dias depois.
- A questão é, quem é o proprietário destes discos e destas composições?

Este caso apresentado permite-nos, primeiro, refletir sobre o que é de facto a


compra e venda. Será que terá a mesma configuração e efeitos jurídicos em vários países,
como por exemplo Espanha, Alemanha ou França? E será que terá atualmente a mesma
configuração que teve no direito romano?
Quando celebramos uma compra e venda em Espanha não estamos a fazer nada
cujos efeitos que são produzidos sejam diferentes quando celebramos um contrato de
idêntica natureza em Portugal. Porém, através da história do direito e do direito comparado,
mostra-se que alguns ordenamentos jurídicos consagraram a transferência da propriedade
através daquilo a que se dá o nome de “sistema do titulo e do modo”, enquanto que noutros
essa transferência da propriedade se dá através do chamado “sistema do título”, e noutros,
ainda, através do “sistema do modo”. Temos, portanto, 3 sistemas referentes à
transmissão da propriedade.
O sistema do título e do modo corresponde a um sistema de transmissão dita causal,
isto é, de uma transmissão em que o negócio base e o ato de transferência são distintos e
separados, mas em que se requer uma articulação entre ambos. Neste sistema, a
transmissão da propriedade depende de dois atos, que são dois atos distintos,
separados entre si em que cada um deles tem uma existência jurídica própria ora estes atos
têm autonomia um em relação ao outro mas eles têm que se articular entre si, de tal modo
que as vicissitudes de um destes atos afetam o outro ato. Este sistema do título e do modo
distingue-se quer do sistema do título, quer do sistema do modo. Distingue-se do sistema
do título porque neste, para a transmissão da propriedade é requerido apenas um
negócio, um único negócio que é um negócio causal. E por outro lado, no sistema do
modo nós temos uma situação em que a transmissão da propriedade é um ato diverso e
independente do negócio causal.
O sistema do modo é o sistema atualmente seguido pelo direito alemão, o sistema
do título é o sistema adotado em frança, e por fim, o sistema do título e do modo é o sistema
adotado em Espanha. Portanto, é passível de se reconhecer uma divergência entre os vários
países. Ora, quer no sistema do titulo e do modo, quer no sistema do modo, para que nós
tenhamos a transmissão da propriedade ou de qualquer outro direito real nos temos que
ter um negócio jurídico primeiro, que produz efeitos jurídicos de natureza
obrigacional mas que não produz a transmissão da propriedade, o que esse primeiro
negocio faz é gerar a obrigatoriedade de realização do segundo negócio.
Vejamos agora que uma compra e venda no sistema do título e do modo e no sistema
do título divide-se em dois atos ou dois negócios: o primeiro negócio de teor meramente
obrigacional por força da qual as partes de obrigam a celebrar o segundo negócio; e, depois,
o segundo negócio que é, esse sim, um negócio com eficácia translativa. Já no sistema de

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título nós só temos um negócio, a compra e venda produz os efeitos obrigacionais e os reais,
os efeitos translativos do direito. A diferença entre o sistema do título e do modo e o
sistema do modo está em que: no sistema do título e do modo o segundo ato depende do
primeiro e vice versa, e portanto os dois negócios sendo independentes influenciam-se
reciprocamente, pelo que se por ventura alguém realizar um segundo negócio (que é o
negocio translativo da propriedade), na sequência de um negócio inicial (que gera a
obrigação de celebrar o segundo negocio) inválido, o segundo ato cai mesmo que não sofra
nenhuma vicissitude. No sistema do modo há uma situação diversa da anterior, neste
os dois negócios não dependem um do ouro e, portanto, o segundo ato é abstrato, pelo que
se houver uma vicissitude que afete o primeiro, o segundo ato não é atingido.
No sistema do modo e no sistema do título e do modo, aquilo que sucede é que as
partes primeiro celebram um contrato de compra e venda que tem eficácia meramente
obrigacional, ora não opera a transmissão do direito real, do direito de propriedade, então,
para que essa transmissão tenha lugar é necessário que o objeto seja entregue ao
comprador, enquanto não for entregue não se dá a transferência da propriedade. Para além
do titulo que é o negócio por força do qual as partes se comprometem a realizar a compra e
venda (o negócio base), é necessário um ato adicional normalmente a entrega da coisa (que
opera a transmissão) – enquanto não se der a entrega da coisa o objeto continua na
propriedade do alienante. Portanto, no sistema do modo e no sistema do título e do modo
quando se realiza a compra e venda os efeitos são meramente obrigacionais, não são reais,
não há o efeito translativo real. A compra e venda no sistema do modo e no sistema do título
e do modo enquanto não se assistir à realização do tal dito modo do ato de entrega da coisa
não tem efeito translativo. No sistema do modo e no sistema do título e do modo é o modo
que produz o efeito translativo, modo enquanto ato/comportamento de entregar a coisa ou
de realizar a exigência necessária para a transmissão. Normalmente, no sistema do título e
do modo o ato que opera o efeito translativo é a entrega da coisa e sem esta naos e dá a
passagem do bem do comprador para o vendedor, não obstante da realização da compra e
venda, o vendedor continua a ser proprietário. Antes da entrega da coisa não se dá a
transferência da propriedade.
Todavia o modo pode consistir em algo que não a entrega da coisa apesar de
esta (entrega da coisa) ser a situação mais comum, isto é, em alguns sistemas, a compra e
venda de ações realiza se segundo o sistema do titulo e do modo ou segundo o sistema do
modo e portanto exige um comportamento qualquer para além da simples celebração da
compra e venda para que se dê a transmissão das ações.
No sistema do título basta o simples consenso, o acordo de vontade, o negócio
causal para que a transferência de propriedade se dê – isto é o sistema do título.
Supondo que alguém vende um carro segundo o sistema do titulo e diz: “A queres comprar
o meu carro pelo preço de 100?” e o A diz que sim e fecham negócio pelo que a partir deste
momento o negocio esta mesmo fechado e a transferência da propriedade deu-se mesmo
que não tenha havido ainda a entrega do carro nem a tradição, nem pagamento do preço.
Tal não acontece no sistema do título e do modo, onde é necessário um ato mais
para além do consenso e do acordo de vontades, neste caso o acordo de vontades gera
somente a obrigatoriedade do comportamento translativo (que normalmente é a entrega
da coisa) mas é este último que faz operar a transmissão. Não basta o acordo para a
celebração do contrato de compra e venda, é necessário um consenso, mas também a
posterior realização da entrega.

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No caso de ações, tratando-se de ações dominativas ou sujeitas a registo, será o
registo da ação ou o averbamento no verso da ação o nome do adquirente, ora o nome do
novo proprietário. Em Portugal, justamente a propósito das ações, discute-se se vigora o
sistema do título e do modo ou não. Há quem diga que sim, vigora este sistema nos referidos
moldes: para a compra e venda de ações dominativas seria necessária a sua entrega; para
as outras seria necessário para além do consenso, do negócio de compra e venda seria ainda
necessário o seu registo ou o averbamento do nome do novo adquirente no verso da ação.
Em Portugal vigora o sistema do título e de facto é essa a opinião maioritária, e é
a opinião adotada pelo Regente. Vigora o sistema do título no âmbito do direito civil, mas
também no âmbito no direito comercial e também no âmbito de uma forma articular de
transmissão da propriedade que existe no âmbito do direito comercial e que é a transmissão
da propriedade de valores movidos. O sistema do titulo vigora em todos os campos do nosso
direito privado, no que diz respeito à transmissão da propriedade e da titularidade de
direitos reais, em todos os campos do nosso ordenamento jurídico – ora, pressupõe para
além do consenso entre as partes de querer realizar um contrato de compra e venda a
utilização de um modo, de um gesto, da tradição ou de qualquer outro ato do qual dependa
a transmissão da propriedade. Entre nós, basta o consenso, o acordo para que a propriedade
se transfira.

Aula do dia 21/09/2020


No sistema do título, que é aquele que vigora em Portugal, o contrato de compra e
venda tem eficácia real, isto é, o consenso formado pelos intervenientes das partes provoca
imediatamente a transferência da titularidade do direito real, independentemente de
qualquer outro ato adicional, que acresça ou não, à compra e venda e ao consenso. O que
significa que se duas pessoas acordarem na compra e venda de um computador, e portanto
acordarem nas clausulas d contrato e fecharem esse contrato, a propriedade/titularidade
do computador transfere-se instantaneamente com o acordo independentemente ate do ato
de pagamento do prelo e de entrega da coisa ou de qualquer outro ato, basta que as partes
digam que querem comprar e vender e fechem o negócio.
Todavia, não é isso que se passa no sistema do título e do modo nem no sistema do
modo, aí a compra e venda, ao contrário do que sucede no sistema do título, não tem eficácia
real do ponto de vista dos efeitos, e portanto, não opera a transmissão imediata por força
do consenso da titularidade do direito que se pretende comprar e vender, é necessário um
ato adicional a acrescer, que normalmente é o ato de tradição/entrega da coisa, a esse
consenso, porque esse consenso só produz efeitos obrigacionais, não tem eficácia real. A
transferência da propriedade ocorre quando se dá o consenso e alem disso a coisa é
entregue ao comprador, ora, quando há a tradição.
No entanto, em alguns casos, com sucede na compra e venda de ações, o modo/ato
que acresce ao consenso, e que opera a transmissão da titularidade do direito pode ser um
averbamento e um registo e não necessariamente a entrega da coisa, no entanto,
normalmente aquilo que no sistema do título e no sistema do modo opera a transmissão do
direito é a tradição da coisa.
A diferença entre o sistema do título e do modo e o sistema do modo tem que ver
com a circunstancia de que, no sistema do título e do modo, o negócio obrigacional e o ato
que produz a transmissão da coisa, se articularem de forma causal enquanto que no sistema
do modo isso não sucede, o segundo ato é abstrato relativamente ao primeiro.

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Passando à matéria desta aula temos que, primeiramente, característica da compra
e venda romana é a obrigatoriedade do contrato. A compra e venda romana era um
contrato em que quer a transferência da coisa que do pagamento do preço são definidos
para momento e ato ou facto posterior, não se produzem instantaneamente por efeito
imediato da compra e venda. No que diz respeito às origens da compra e venda romana
(que não tem eficácia translativa real, e portanto não obedece ao sistema do titulo mas sim
ao sistema do titulo e do modo porque os seus efeitos são efeitos obrigacionais e é
necessário um ato posterior ou a verificação de um evento posterior para que a
transferência da titularidade do bem se dê) são nublosas.
Usucapião – é uma figura constitutiva de direitos reais, é uma forma originária de
aquisição de direitos reais ligada à posse continuada durante um período de tempo, definido
no nosso Código civil e que varia em função do objeto ser móvel ou imóvel e também em
função do tipo da posse. Permite que alguém que é possuidor de uma coisa que,
eventualmente pertence a outra pessoa, durante um determinado período de tempo, possa
invocar essa figura do usucapião e na sequencia disso, o possuidor torna-se proprietário do
direito relativamente ao qual invoca o usucapião.
A compra e venda formava-se por acordo, por consenso sobre a venda e o preço, o
que significa serem três os elementos constitutivos desta compra e venda: 1. O consenso ou
a convenção; 2. A coisa; 3. O preço.
Compra e venda no âmbito do direito intermédio:
A compra e venda no direito dos povos germânicos, lombardos e francos parece
assumir a estrutura de um contrato real em que de inicio se assiste a uma troca imediata
entre o bem e o preço em dinheiro, todavia, ainda estamos da figura da compra e venda
segundo o sistema do título que vigora entre nós.

Aula do dia 28/09/2020


Na aula passada introduzimos uma hipótese em que:
A e B, advogados do C e do D, pretendiam redigir um contrato de compra e venda
de um quadro de arte moderna exibido numa feira de Miami cujo preço valia 25.000.000 de
euros. O advogado do alienante não queria a eficácia real automática instantânea, este
queria que o quadro só deixasse de ser dele com a tradição e o advogado e o comprador
queriam que o quadro fosse do comprador imediatamente após a celebração deste contrato.
Contrato esse que, não obstante de ter tido por pretexto por um quadro que estava exibido
numa feira de arte moderna em Miami, está sujeito ao direito português. Perante esta
divergência recorrem a um jurisconsulto para que lhes dissesse se era ou não era admissível
um contrato com eficácia meramente obrigacional.
Os preceitos que são fundamentais para a resolução desta questão são os artigos 874.º,
879.º, 408.º e 409.º. Já vimos que o artigo 879.º inclui entre os efeitos essenciais da compra
e venda, a transmissão da propriedade de uma coisa ou de um direito; o artigo 874.º
considera a eficácia real translativa ou quod effectum da compra e venda como um elemento
essencial desse contrato, e portanto, parecia, à primeira vista e face a estes dois preceitos,
que um contrato do qual não decorra a transmissão da propriedade de uma coisa ou de
outro direito, não pode ser qualificado como compra e venda. Sucede que o artigo 408.º, n,º1
e o 409.º vêm estabelecer aqui alguma perturbação uma vez que o artigo 408.º, n.º1 diz-nos
que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por

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mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei”, ora e ao mencionar aqui
exceções parece admitir contemplar a possibilidade de existirem situações que não têm
eficácia real e que portanto não obedecem ao sistema do título. Depois, o artigo 409.º, n.º1
vem dizer-nos que “nos contratos de alienação é licito ao alienante reservar para si a
propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou
até à verificação de qualquer outro evento”, o que se diz é que, num contrato de alienação,
a compra e venda é um exemplo que pode sujeitar-se a transferência de propriedade da
coisa ao pagamento do preço, ao pagamento das obrigações da outra parte ou à verificação
de qualquer outro evento1.
Ao mencionar a existência de exceções à regra de eficácia geral dos contratos translativos
ou constitutivos de direitos reais o artigo 408.º do CC nos obriga a colocar a questão da
eventual admissibilidade de situações de compra e venda com simples eficácia obrigacional,
só que quando vamos verificar as situações de padrão de compra e venda e aquelas que
apresentam alguns aspetos pontuais que lhe dão uma nota qualquer de singularidade,
vamos constatar que não existe nenhuma situação de compra e venda correspondente à
compra e venda obrigatória, e vamos constatar também nessa altura que estas exceções
afinal não são desvios à regra da eficácia real do contrato de compra e venda, mas apenas
situações em que o momento da celebração do contrato e o momento da produção do efeito,
não coincidem – há um ato temporal, mas esse ato não faz com que a compra e venda tenha
eficácia meramente obrigacional faz apenas com que os dois momentos não coincidam, mas
o segundo momento, a produção da eficácia real é ainda imputável na totalidade ao contrato
de compra e venda, mas há apenas uma dilação temporal da contra e venda e portanto
obedece ao sistema do título. Na realidade as situações paradigmáticas são aquelas em que
a compra e venda produz o efeito real imediatamente, e as excecionais são aquelas em que
o efeito real não se produz imediatamente mas resulta ainda do contrato, do consenso, do
acordo de vontades, resulta ainda do título e não do modo (que não existe como iremos ver
de seguida).
Vejamos agora várias hipóteses, de modo a saber se resultam ou não de uma compra
e venda obrigacional:
1.ª hipótese – compra e venda de coisa ou bem futuro: neste caso sucede que a
propriedade ou titularidade decorre apenas quando a coisa for adquirida pelo alienante,
e o alienante fica obrigado a desenvolver as diligencias necessárias (ou não pois pode
acontecer sem este não fazer nada uma vez que como efeito automático do contrato uma
vez que o bem se torna presente, sem que ele tenha feito nada para tal, e entra na sua
esfera jurídica, saí instantaneamente para a esfera jurídica do comprador) para que os
bens se tornem presentes e, por força disso, o comprador adquira os bens (880.º, n.º1).
Aqui não temos nenhuma exceção à regra da eficácia real, nem uma situação de título ou
de modo, uma vez que, o vendedor não necessita de realizar nenhum ato translativo da
propriedade, dado que uma vez tornados presentes os bens, uma vez adquiridos os
respetivos bens a respetiva transferência ocorre automaticamente sem que o vendedor
tenha que fazer o que quer que seja, assim que os bens entrem na sua esfera jurídica eles
imediatamente por força do contrato, entram na esfera jurídica do alienante e saem para
a esfera jurídica do comprador sem que o alienante possa ou tenha de realizar algum ato

1Esta última parte do artigo tem sido entendida por vários autores como: tornando lícito
que num contrato de compra e venda se subordine a transferência da propriedade da coisa
à tradição ou a um modo.

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de tradição ou qualquer modo que envolva a transferência da propriedade e sem o qual
essa transferência de propriedade não ocorra.
2.ª hipótese – compra e venda de coisa indeterminada, coisa genérica ou em
alternativa: neste caso, a transferência da propriedade depende da concentração,
depende da determinação, mas essa transferência da propriedade por força da
concentração tanto pode depender de um ato do vendedor (art. 539.º), como verificar-
se por outros meios (art. 541.º e 542.º). Ora, basta a possibilidade de a concentração não
surgir como consequência de um ato do vendedor para logo se puder concluir ou
observar, não tendo a venda de coisa indeterminada, genérica ou alternativa, carácter
obrigatório/obrigacional.
3.ª hipótese – compra e venda de coisa sujeita à condição suspensiva ou sujeita a
termo inicial: nestes casos é também o próprio contrato cujos seus efeitos essenciais
ficam paralisados, e não apenas a transferência da propriedade, e portanto nós não
estamos, mais uma vez, na presença de uma compra e venda obrigatória ou obrigacional.
4.ª hipótese – compra e venda frutos naturais ou partes componentes ou integrantes:
nestes casos também não há nenhuma compra e venda obrigacional, são mais alguns
daqueles casos que têm singularidade relativamente às hipóteses normais de compra e
venda em que se dá o efeito real automaticamente sem nenhum ato entre o contrato e a
produção dos efeitos. Nestas há então uma singularidade na medida em que a
transferência se verifica no momento da colheita, da separação, e não há nenhuma
obrigação de dare da qual fique dependente a transferência de propriedade no sentido
em que esta colheita ou separação pode ser feita pelo vendedor, comprador ou terceiro
ou pode resultar até da simples circunstância de, por exemplo, os frutos naturais
pendentes de um pomar caiam da arvore e se separem, eles passam a ser imediatamente
propriedade do comprador – não há nenhum modo.
2.ª hipótese – compra e venda de coisa de bens alheios: nestes casos, o que sucede é
que o efeito, ora a compra e venda sofre de uma nulidade mas é uma nulidade atípica no
sentido em que o contrato de compra e venda pode ser convalidado e portanto quando
alguém vende um bem alheio o que sucede é que o contrato é invalido mas pode, na
eventualidade de o vendedor vir mais tarde a adquirir o bem que na altura seria alheio,
a compra e venda convalida-se automaticamente e dá-se automaticamente a transmissão
da propriedade do bem vendido para o comprador (art.895.º) – há aqui uma obrigação
de sanação da nulidade, através da aquisição da propriedade da coisa por força do artigo
897.º, porém, o vendedor não tem nenhuma obrigação de transmitir porque no momento
em que ele adquire o bem ele transfere-se automaticamente. Podemos dizer que também
aqui o comprador adquire por simples efeito do contrato.
5.ª hipótese – reserva de propriedade: este é o caso mais disputado, isto porque o art.
409.º diz-nos que “nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a
propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte
ou até à verificação de qualquer outro evento” – aqui verificamos que a transferência da
propriedade da coisa pode estar dependente da verificação de qualquer outro evento que
é utilizado por vários autores, para virem dizer que afinal no nosso ordenamento jurídico
é admissível a compra e venda meramente obrigacional e em que a transferência da
propriedade da coisa, o efeito real está dependente do modo, porque se se pode
subordinar a transferência da propriedade da coisa a qualquer outro evento, poder-se-
ia celebrar um contrato de compra e venda em que a transferência da propriedade da
coisa dependesse designadamente da tradição ou de qualquer outro modo. O problema

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está em que este art. 409.º não pode ser interpretado conjuntamente com os artigos
874.º e 879.º, e naquilo em que a compra e venda diz respeito nós temos uma situação
de concurso em que, no âmbito do contrato de compra e venda, de um lado o art 409.º e
do outro o 874.º+879.º e em que, por força das regras de concurso de normas, no
domínio do contrato de compra e venda prevalecem os preceitos constantes dos arts.
874.º e 879.º relativamente ao art. 409.º dado que este é uma norma de âmbito geral
para todos os contratos transmissivos ou constitutivos de direitos reais, enquanto que o
874.º e 879.º são normas especificas referentes à compra e venda, e assim sendo elas
prevalecem sobre o art. 409.º, e são norma me que é dito claramente que o efeito real, o
efeito transmissivo é um elemento essencial da compra e venda – este é um daqueles
âmbitos em que a autonomia privada vale mas desde que não estejam em jogo normas
imperativas, e justamente o art. 874.º e o 879.º ao virem categoricamente afirmar a
essencialidade do efeito translativo no âmbito da compra e venda são normas
imperativas e portanto eles são absolutamente claros no sentido em que se a
transferência da titularidade do direito ou da coisa se não der nós não estamos já perante
o titulo de compra e venda de direito civil, e portanto a única particularidade que o art.
409.º e todos os outros casos que são considerados de exceção têm que ver com a
circunstância de não haver a tal coincidência temporal entre o momento de celebração
do contrato de compra e venda e o momento da transferência da propriedade da coisa,
mas esta transferência da propriedade da coisa decorre ainda do contrato, muito embora
dependa também da verificação de um outro facto posterior à compra e venda, e é a
necessidade de verificação desse facto que dá a certas modalidades de compra e venda a
natureza ou o caracter de excecionalidade, mas elas não deixam por isso de corresponder
a contratos de eficácia real pois o caracter real da compra e venda, significa que esta é a
causa da transferência da propriedade da coisa seja imediata ou seja futura, e portanto,
entre nós vender é sempre alienar, sempre transmitir mesmo nestes casos em que se
assiste à verificação de um ato entre o momento de celebração do contrato e a produção
do efeito real translativo – ora mesmo naqueles casos em que não há coincidência
temporal entre estes pontos, ora os tais casos excecionais que alude o art. 408.º, do CC.
Não temos nenhuma situação no nosso direito civil que corresponda ao figurino do título
e do modo.
Nota: a compra e venda de valores mobiliários tem efeito obrigacional e que é o modo
a operar a respetiva transferência da propriedade da coisa e não a compra e venda – vera
iró, maioritariamente o resto da doutrina.
Como é que se procede à transmissão destes títulos e dos valores mobiliários: a figura
paradigmática do valor imobiliário é a ação e portanto, vamos admitir que nós estamos
perante a compra e venda de ações de uma determinada sociedade – como é que estas
ações se transmitem? Há vários tipos de valores mobiliários, vários tipos de ações. Ora,
nós temos os valores mobiliários escriturais e ainda os valores mobiliários titulados
nominativos, tínhamos valores mobiliários ao portador, todavia estes foram entretanto
extintos. Como é que se dá a transmissão?
1. Relativamente aos valores mobiliários ao portador (EXTINTO) – diz nos o código
dos valores mobiliários no seu art. 101.º, que as ações ao portador se transmitiam por
entrega do titulo ao adquirente ou ao depositário por ele indicado;
2. Relativamente aos valores mobiliários escriturais – aquilo que nos diz o código de
valores mobiliários é que os valores mobiliários escriturais, ora as ações escriturais se
transmitem pelo registo na conta do aquirente, isto por força do art. 80.º, n.º1 do CC;

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3. Relativamente aos valores mobiliários titulados nominativos – aquilo que nos diz
o código de valores mobiliários é que os valores mobiliários titilados nominativos, ora as
ações nominativas, no seu art. 102.º vem nos dizer que a sua transmissão se faz por
declaração de transmissão escrita no título a favor do transmissário seguida do registo
junto do emitente ou junto do intermediário financeiro que o representa. Esta
transmissão depende da declaração escrita no próprio titulo de transmissão, seguida
depois do registo.
Perante isto, cabe de facto a pergunta que consiste em saber se não estamos aqui
perante o modelo do titulo e do modo na compra e venda de valores mobiliários, ou ações
como paradigma da compra e venda de valores mobiliários: ora, a este respeito dir-se-ia
que importa em primeiro lugar chamar-se à atenção para o art. 80.º n.º2, do Código de
valores mobiliários, isto porque por força deste preceito, a compra e venda em mercado
regulamentar de valores mobiliários escriturais confere ao comprador,
independentemente do registo e a partir da realização da operação (isto é, do negócio de
compra e venda), legitimidade para a sua venda nesse mercado, o que significa que no
mercado regulamentado a transferência da titularidade da ação ou do valor mobiliário
se opera com o simples consenso e não com o tal dito modo. Aquilo que sucede por força
do art. 210.º é que os direitos patrimoniais no âmbito do mercado regulamentado e
negociação multilateral, os direitos patrimoniais inerentes a valores mobiliários
pertencem ao comprador desde a data da operação o que significa que o valor mobiliário,
a ação se transmitiu imediatamente com o consenso e não está dependente de nenhum
modo.
Vamos agora analisar como é que está regulada neste aspeto a compra e venda
comercial, para saber se a compra e venda comercial é uma compra e venda obrigacional
ou se segue também o sistema do título.

Aula do dia 12/10/2020


Na última aula terminamos com a indicação de que na perspetiva do prof. Regente a
posse transmite-se com o consenso por força do funcionamento constituto (??) possessório.
Vamos agora abordar o terceiro efeito essencial do contrato de compra e venda que
é a obrigação de pagar o preço. A este respeito vamos imaginar que:
“ A vende a B o bem X, e entrega-lhe de imediato esse bem. B, de acordo com o que
ficou estipulado, deveria pagar o preço 4 dias após a venda e não o faz, e nesse sentido A
interpela-o, fixando nos termos do art. 808.º, do CC um novo prazo razoável de mais quatro
dias para cumprir. Mas B volta a não cumprir na data indicada.”
Pode A resolver o contrato com fundamento em incumprimento definitivo? Depois
pergunta-se também se: a resposta seria diferente se existisse convenção a permitir a
resolução? E ainda: se não tivesse havido entrega da coisa essa resolução seria possível? E se
tendo havido entrega da coisa mas estipulada a reserva de propriedade2, seria possível?

2 Estudaremos melhor quando falarmos das modalidades típicas de compra e venda.

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Neste momento a única coisa que nos vai preocupar é saber se na compra e venda
pode haver ou não resolução por falta de pagamento do preço, e se sim em que casos.
Primeiramente, nós temos que considera o regime dos artigos 798.º e ss., concretamente do
art. 801.º, n.º2 que consagra a dita condição resolutiva tácita – o que significa que, me regra,
a parte fiel pode, nos contratos bilaterais, resolver o contrato.
Mas a questão que temos aqui que abordar é a de saber se estes preceitos têm
aplicação quanto à compra e venda na eventualidade do comprador não pagar o preço
quando o tinha que fazer. A este respeito, o artigo 886.º, do CC vem justamente regular e
estabelecer o regime para a falta de pagamento do preço, sendo que de acordo com este
preceito: transmitida a propriedade da coisa, na compra e venda, ou o direito sobre ela, e
feita a respetiva entrega ao comprador, o vendedor não pode, salvo estipulação em
contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço – e portanto, trata-se de uma
solução esta que está no art. 886.º, que representa uma exceção à regra do artigo 801.º, do
CC.
Mas o artigo 886.º prevê alguns casos em que é possível esta resolução, ora a regra
é a de que a resolução não é possível por falta de pagamento do preço, todavia há alguns
casos em que é possível. Aquilo que vamos agora procurar saber é saber quando é que se
pode então proceder à resolução do contrato de compra e venda com fundamento na falta
de pagamento do preço. De acordo com o art 886.º a resolução pode ter lugar nas seguintes
situações: 1. Na eventualidade de isso ter sido convencionado – se houver estipulação nesse
sentido pode haver resolução por falta de pagamento do preço; 2. Na eventualidade de não
se ter ainda assistido à entrega da coisa – o que dissemos foi que transmitida a propriedade
da coisa ou o direito sobre ela e feita a respetiva entrega, não pode o vendedor salvo
estipulação em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço, mas não
tendo havido entrega pode haver resolução por falta de pagamento do preço. 3. Dissemos
também que pressuposto desta ausência é que tenha havido transmissão da propriedade da
coisa ou o direito sobre ela, e portanto a terceira hipótese em que pode haver resolução do
contrato é no caso de apesar da celebração do contrato de compra e venda, o vendedor
reservar para si a propriedade da coisa nos termos do art. 409.º, do CC, até ao pagamento
do preço. Ora, sintetizando o que foi dito, o que sucede é que, em regra, havendo um contrato
de compra e venda não pode haver resolução por falta de pagamento do preço, isto é uma
exceção à regra da admissibilidade da condição resolutiva tácita – esta regra diz que a
condição resolutiva tácita é inadmissível mas há as 3 exceções que mencionamos.
Vamos agora abordar um outro aspeto que tem que ver com a obrigação de pagar o
preço, mais concretamente com a questão da determinação do preço. Saber como é que se
resolve o problema de as partes quererem um preço mas ainda não o terem fixado, e para
isso vamos imaginar:
“A e B celebraram um contrato de compra e venda das ações da sociedade X, mas não
fixaram logo o preço, incumbido a um terceiro C de fazer essa fixação de acordo com
determinados critérios em momento posterior da celebração do contrato. Só que C ao fixar o
preço não respeitou os critérios que lhe são fixados prejudicando seriamente uma das partes,
A que é o vendedor. 1. O que pode A fazer? 2. E o que pode A fazer se as partes apenas tivessem
indicado que o preço seria determinado segundo critérios de equidade e o resultado for
manifestamente injusto? 3. E imaginando que deixaram a determinação do preço por livre
arbítrio de C?” –> No primeiro caso temos uma fórmula mais ou menos rígida, no segundo
temos uma remissão para critérios de equidade e no terceiro caso remete-se para o arbítrio.
Para além das três questões anteriores coloca-se ainda a questão: E alguma coisa mudaria
se houvesse dolo, má-fé de terceiro ao arbítrio do qual foi deixada a determinação do preço?

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➢ RESOLUÇÃO:
A primeira nota é recordar que o preço é essencial mas de facto pode não estar
determinado, e nessa eventualidade coloca-se o problema de saber como é que se
determina o preço se ele ainda não estiver fixado. Nesse caso aplicam-se as regras do art.
883.º, que nos diz que: “Se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não
determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço
contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na
falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador
deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo
juízos de equidade”. Ou seja, o que nós temos neste artigo é que, em primeiro lugar
relevará o preço fixado por entidade pública – na ausência de preço fixado pelas partes.
Mas na falta desse preço fixado pelas partes e de preço fixado por entidade pública,
recorrer-se-á, de acordo com o art. 883.º, sucessivamente, ao preço normalmente
praticado pelo vendedor à data de conclusão do contrato, e se isso não for suficiente
por não haver um preço normalmente praticado pelo vendedor então recorre-se ao preço
do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar do em que o comprador deva
cumprir, e finalmente, na falta ou insuficiência de todos estes critérios, o tribunal decidir
de acordo com critérios de equidade.
Se as partes remeterem a fixação do preço a um terceiro isso funciona como se
tivessem, para efeitos do art. 883.º, elas próprias fixado o preço e portanto o que se aplica
é o art. 400.º, do CC: as partes podem preferir que a determinação do preço seja confiada
nos termos do art. 400.º a um terceiro ou até a uma das duas partes no contrato. Nesse caso,
se tiverem sido estipulados quais os critérios de determinação da prestação, esse
preço, essa prestação será apurado pela parte, um terceiro chamado a intervir e de acordo
com os critérios que tenham sido fixados.
Mas podem não haver critérios pactuados e então nessa eventualidade a
prestação deve ser determinada de acordo com critérios de equidade conforme determina
o art. 400.º, n.º1, 2ª parte. Mas mesmo nos casos em que a parte ou terceiro decide de acordo
com critérios de equidade, normalmente não disporão de nenhum critério, de nenhum
poder de criação jurídica ou constitutivo mas apenas um poder de declaração/fixação, terão
apenas um poder conformador e não um poder criador, e portanto, eles terão que respeitar
os critérios que são fixados. Mas iremos ver o que acontece se não respeitarem esses
critérios sucede que o art. 400.º, n.º2 vem-nos dizer que se a determinação não puder ser
feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem prejuízo do disposto
acerca das obrigações genéricas e alternativas. À luz de uma compreensão tradicional do
problema metodológico do fenómeno da interpretação, compreensão e aplicação do direito
dir-se-ia que este preceito que nós estamos agora a analisar, art. 400.º, n.º2, compreende ou
contempla apenas duas hipóteses: a determinação do preço não ser feita ou não puder
ser feita.
Neste caso que nos ocupa o que sucede é que a determinação foi feita mas foi mal
feita, e então como é que se resolve este problema: uma solução possível, à luz do tal
entendimento tradicional mencionado anteriormente, passaria por se considerar que nós
teríamos aqui uma lacuna e portanto recorrer-se-ia à aplicação analógica. Numa linha
diferente, o prof. Raul ventura considerava que se a determinação chegou a ser feita, como
acontece neste caso, mas tendo sido estipulados critérios para o fazer e esses não tenham
sido absolutamente obedecidos enato o recurso ao tribunal não seria imediatamente
imposto pelo art. 400.º, n.º2, uma parte não poderia ser forçada pela outra a aceitar essa
determinação judicial. Mas o prof. Raul ventura acrescenta ainda que se o ato realizado pela

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parte ou pelo terceiro na fixação do preço, foi em violação do critério estipulado ou do
critério legal essa determinação não poderia valer – e para não se cair em nulidade do
contrato por inexistência do preço a parte interessada deveria fazer declarar a nulidade do
ato de determinação do preço e requer a fixação judicial por aplicação do art. 402.º, n.º2 –
de acordo com o prof. Raúl ventura a parte interessada na fixação do preço teria que
declarar a nulidade e depois pedir a intervenção do tribunal. Para quem entenda o problema
metodológico do fenómeno da interpretação, compreensão e aplicação do direito como um
problema normativo e não como um problema hermenêutico, em que se busca qual é a
intencionalidade problemática do caso que está em analise e da norma que é aplicada, o
regente diria que o problema é simples: se olharmos para o art. 400.º, n.º2 procurando fixar
não o seu sentido hermenêutico, mas procurando descobrir qual é a intensidade
problemática desse preceito, nós não temos que reconhecer a existência de nenhuma lacuna
para as hipóteses em que se tenham convencionado determinados critérios para a fixação
do preço e eles não tenham sido observados. Aqui o que interessa é apurar o sentido
normativo, jurídico do art. 400.º, n.º2, da menção não puder ser feita a determinação ou não
ter sido feita no tempo devido.
O que interessa é saber se este preceito permite atingir qualquer perturbação no
processo de determinação do preço para o qual as partes não tenham elas próprias previsto:
o regente considera que sim, porque uma determinação a fazer por uma das partes ou por
um terceiro de acordo com critérios que são fixados pelo outorgante mas que não foram
cumpridos, é uma determinação que é insuscetível de valer, de utilização do ponto de vista
jurídico, e por isso é inaproveitável, o que significa que do ponto jurídico estamos perante
uma situação equivalente a uma determinação do preço que não pode ser feita ou não foi
feita em tempo devido. Ora, numa situação desse tipo nós podemos aplicar o artigo
400.º, n.º2 e se houver aplicação indevida dos critérios que são fixados, seja por uma
das partes ou um terceiro, a parte que esteja interessada na fixação de um prelo de
forma correta pode recorrer ao tribunal e ele aplicará esses critérios.
Agora relativamente à hipótese de o preço ser remetido, deixado ao arbítrio
de terceiro: a este respeito o art. 466.º do código comercial estabelece para o caso da
compra e venda comercial, e justamente a propósito da questão da determinação do preço,
poder esse preço tornar-se certo por qualquer meio que desde logo fica estabelecido no
contrato ou poder ainda poder o preço estar dependente de arbítrio de terceiro. O artigo
466.º admite claramente duas possibilidades: ou o preço é certo por qualquer meio que fica
estabelecido ou depende de arbítrio de terceiro. Por sua vez, o parágrafo único deste artigo
466.º vem dizer que se o preço tiver de ser fixado por terceiro e este não quiser ou não
puder fazê-lo ficará o contrato sem efeito se outra coisa não tiver sido estipulada – esta
norma diferencia com clareza duas situações:
1. Na qual o preço deve ser fixado de acordo determinados critérios, mesmo se a
concretização cabe a uma das partes ou a terceiro caso em que pode naturalmente
intervir o tribunal para se indicar a atividade de fixação do preço;
2. Na qual tudo é deixado a arbítrio de terceiro, pelo que nesta ultima hipótese se o
terceiro não fixar o preço ou não puder fazê-lo, fica o contrato sem efeito se outra
coisa não tiver sido convencionada – e percebe-se esta solução na medida em que se
remete para o arbítrio de terceiro parece ser a remissão para esse mesmo terceiro,
ter natureza pessoal.
Embora consagrada apenas para a compra e venda comercial deve entender se que
a indicicabilidade do mero arbítrio vale também para os casos de compra e venda

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civil – o regente considera que as razoes são as mesmas, correspondendo à solução
expressamente consagrada pelo BGB no paragrafo 318, n.º2. Mas se houver má fé ou dolo
na fixação do preço deve entender-se que mesmo na hipótese na qual se remete para o
arbítrio do terceiro pode haver sindicância pelo tribunal de forma a fixar a invalidade da
determinação do preço e isto pelo facto de não haver em direito nenhuma solução que não
passe pelo crivo da boa-fé e do abuso de direito, mas isto é uma solução que obviamente só
vale perante uma situação de abuso de direito – e assim sendo, se uma das partes não
considerar o preço adequado quando se remete para o arbítrio de terceiro mas não
se mostrar a existência de abuso de direito não haverá a possibilidade de recurso a
tribunal.

Com isto terminamos a matéria referente aos efeitos essências da compra e venda.
Vamos agora iniciar uma matéria que tem que ver com as modalidades típicas da compra e
venda que iremos agora somente anunciar para termos uma noção de quais são os temas
que iremos abordar adiante mais pormenorizadamente. As modalidades típicas da
compra e venda são, então:

1. Compra e venda com reserva de propriedade:


Ora, e relativamente à compra e venda com reserva de propriedade iremos começar
por introduzir uma hipótese que nos fará compreender um pouco melhor esta figura. Vamos
imaginar:
“A é antiquário e vende a B uma cómoda de D. Maria pelo preço de mil euros. O contrato
contem todavia uma cláusula por força da qual há reserva para si a propriedade do bem até
B lhe pague a totalidade do preço, entretanto B, mesmo sem pagar o preço devido, vende a
cómoda a um terceiro, C, e C apresenta-se junto de A e exige a entrega imediata da compra.
Perante isto A, e porque o preço não lhe foi pago, nem por B nem por C, invoca a cláusula de
reserva de propriedade só que C responde que por se tratar de uma clausula de um contrato
entre A e B essa cláusula é relativamente a ele não lhe é oponível.”
Questões: C tem razão? (C invoca a relatividade do contrato) E alguma coisa mudaria se em
vez da cómoda estivesse em jogo uma casa?
De acordo com o entendimento praticamente unanime da doutrina, no contrato de
compra e venda com reserva de propriedade de coisas não sujeitas a registo a reserva
é oponível a terceiros de boa-fé, na medida em que o efeito real não se deu ainda. MAS,
este entendimento é todavia impugnado pelo prof. Pedro Romano Martinez que retoma uma
posição que era defendida pelo prof. Vaz serra, ora, o prof. Pedro romano Martinez entende
que a cláusula da reserva de propriedade de coisas móveis não é oponível a terceiros de
boa-fé e invoca para o efeito quatro argumentos:
1. O primeiro prende-se com uma necessidade de tutela da aparência, paralelo com
o penhor, com o regime dos arts. 669.º e ss. do CC, assim como com a compra e venda
comerciante que está prevista no art. 1301.º, do CC, que tem um regime específico.
2. O segundo argumento prende-se com o princípio da relatividade dos contratos
previsto no art. 406.º, do CC – na medida em que a reserva da propriedade resulta
de uma clausula contratual, não havendo registo, por força deste princípio ela não
poderia ser oposta a terceiros.

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3. O terceiro argumento prende-se com a circunstancia de não ser compreensível
que a reserva de propriedade no caso de bens imoveis dependesse de registo para
ser oponível a terceiros, e tratando-se de coisas móveis fosse oponível erga omnes.
4. O quarto argumento prende-se com a circunstancia de em caso de incumprimento,
designadamente pela falta de pagamento do preço, caber ao vendedor resolver o
contrato nos termos do art. 886.º, do CC, todavia de acordo com o disposto no art.
835.º, do CC, a resolução do contrato não prejudica os terceiros de boa-fé e por esta
via também se chegaria à conclusão da oponibilidade da cláusula sobre a qual se
estipula uma reserva de propriedade num contrato de compra e venda de bem
móvel.
O regente não concorda com estes argumentos: em primeiro lugar, a invocação
da aparência e o paralelo com o penhor e com a compra e venda realizada a comerciante ou
por este não é de se seguir porque a solução está consagrada para o penhor e para a compra
e venda realizada por comerciante, mas não está na compra e venda com reserva de
propriedade; além disso, não existe no nosso direito um principio geral de tutela da
aparência que por sua vez depende sempre de verificação dos respetivos pressupostos e
nessa medida a invocação genérica da tutela da aparência não lhe parece de colher. De
seguida, quanto à invocação da relatividade dos contratos como forma de fundamentar a
inoponibilidade da cláusula de reserva de propriedade: o regente considera que valendo o
principio da relatividade ou a ineficácia externa do contrato nem mesmo a transferência da
titularidade da coisa ou do direito podia ser invocada perante terceiro.
Nota: A cláusula de reserva de propriedade sendo reportada a bens imóveis tem
que ser sujeita a registo. Não sendo reportada a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a
registo é oponível independentemente de qualquer mecanismo de publicidade da
transmissão – tem que ver com a própria forma diferenciada de transmissão de bens
imóveis e bens móveis sujeitos a registo, e bens móveis não sujeitos a registo.
Se nós tivermos uma cláusula de reserva de propriedade em que subordina a
transmissão da titularidade do direito ou da coisa ao pagamento do preço que diga respeito
a bens móveis não sujeitos a registo, ela é oponível a terceiros independentemente de eles
se encontram de boa ou de má fé – tem que ver com o próprio mecanismo típico de oposição
dos direitos reais. Já tratando-se de uma cláusula de reserva de propriedade referente a bem
móvel sujeito a registo ou de bem imóvel aí sim é que a oponibilidade da cláusula de reserva
de propriedade depende desse mesmo registo, depende da circunstancia de ter sido
registado.

Agora iremos analisar um outro aspeto que se prende com a admissibilidade ou


não da cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro. Vamos admitir por
hipótese:
“O stand A vende a B um automóvel X, financiado pela instituição de créditos C, e é
estabelecido logo no contrato de compra e venda uma cláusula de reserva de propriedade a
favor de C.”
Questão: saber se é possível a estipulação de uma tal cláusula?
Resposta: do ponto de vista prático, há uns anos o estabelecimento de cláusulas de reserva
de propriedade em contratos de compra e venda de bens de consumo a favor da entidade
mutuante. Neste caso, um contrato deste tipo é ou não é admissível? A admissibilidade deste

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tipo de cláusulas de reserva de propriedade é altamente debatida quer na jurisprudência
quer na doutrina. Para resolver este problema tem se invocado aspetos ligados à letra do
art. 409.º. Há também que invoque argumentos que teriam que ver com a necessidade de se
proceder a uma interpretação atualista do preceito e fala-se na necessidade de se preverem
novas tutelas de crédito uma vez que a situação atual da compra e venda designadamente
de bens de consumo é muito diferente daquela que se previa aquando a entrada em vigor
do CC, pelo que atualmente está desatualizada.

Aula do dia 19/10/2020


Hoje iremos abordar a questão que consiste em saber se a reserva de propriedade
é ou não é transmissível. Vamos admitir como hipótese:
“A, vendedor, celebra com B, comprador, um contrato de compra e venda com reserva
de propriedade de um automóvel, e após a venda, o A que reservou para si a +propriedade do
carro até ao integral pagamento do preço, vende o direito que conserva sobre o automóvel
vendido a um terceiro C.” A questão que se coloca consiste em saber se o pode fazer.
Resposta: a possibilidade de transmissão do direito do titular de reserva de propriedade
pareceria de forma mais ou menos linear, imediatamente admissível, e portanto sem
qualquer embaraço ou dificuldade. Mas em todo o caso, aparecem posições que são criticas
relativamente a esta admissibilidade. O professor Rui pinto Duarte contesta essa
possibilidade, bem como o professor gravato morais, e alguma jurisprudência acolhe as
duvidas, hesitações ou afirmações de impossibilidade que são expressas em alguns escritos
(designadamente dos professores mencionados). Para além destas duas posições expressas
em obra publicada, nas conversas que o regente tem mantido com a regente Lurdes pereira,
ela tem também manifestado algumas reticencias quanto à transmissibilidade da reserva de
propriedade.
Quais são os argumentos contra a admissibilidade da transmissão da reserva
de propriedade?
1. Professora Lurdes pereira: o que a professora invoca é a circunstância de a
reserva de propriedade ter uma ligação ao sinalagma que se estabelece na compra e venda
e nessa medida diz o direito que o vendedor, o alienante, conserva por força da cláusula de
reserva da propriedade, não seria transmissível.
O regente não vê em que medida é que o facto de esta questão se ligar ao problema
do sinalagma da compra e venda impede a transmissibilidade da posição do
alienante com reserva de propriedade, e portanto o impede de transmitir o direito
que conserva sobre o bem por força da convenção de reserva da propriedade. Basta
pensar na circunstancia de o próprio direito à entrega do preço, ao pagamento do
preço num contrato de compra e venda, esse direito de natureza creditícia, está
também ele ligado ao sinalagma, a situação aqui não difere da referente à reserva de
propriedade e ao direito que o alienante tem por força dessa cláusula de reserva da
propriedade. Não há duvida que o credor de uma prestação, como aquele que
emerge do direito ao pagamento do preço, tem a faculdade de a transmitir, o que
vale para isso vale também para o direito resultante da cláusula de reserva da
propriedade, o regente não vê que haja nenhuma diferença e não crê que este
argumento invocado pela professora seja pertinente.

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2. Professores Rui Pinto Duarte e Gravato de Morais: estes argumentos destes
professores têm tido algum acolhimento em certa jurisprudência. Em primeiro lugar,
invoca-se a circunstancia de o ar. 409.º, do CC não prever ele próprio a possibilidade de
transmissão do direito do vendedor de uma coisa que reservou para si a propriedade, não
está prevista a transmissão do direito do alienante com reserva de propriedade. Depois diz-
se também que a reserva de propriedade diz que se está aqui perante uma cláusula de um
cotrato, e assim sendo nós estaríamos perante uma situação alegadamente intransmissível.
O regente afirma que olhando para esta situação jurídica concreta o que nós
constatamos é que antes da compra e venda com reserva de propriedade, o
vendedor, o alienante é um proprietário pleno do bem que posteriormente vai
alienar, ele tem a propriedade plena antes da compra e venda com reserva de
propriedade – portanto, o vendedor tem a propriedade plena do bem que vai ser
transmitido. Depois da venda com reserva de propriedade, ele continua a ser
proprietário justamente pelo facto de a reserva de propriedade obstar à transmissão
da propriedade da coisa, só que esta propriedade que o vendedor de um bem com
reserva de propriedade, tem é uma propriedade limitada no sentido de que é uma
propriedade circunscrita nos fins de garantia. Mas sendo uma propriedade que tem
o proposto funcional de garantia, não obstante o alienante ter uma propriedade
funcionalmente dirigida a um propósito de garantia, nem por isso esse propriedade
deixa de corresponder a uma posição jurídica concreta merecedora de tutela
jurídica, e correspondente a um direito subjetivo desse alienante com reserva de
propriedade, e esse direito subjetivo é naturalmente transmissível, ora dizer que o
art. 409.º não prevê a possibilidade de transferência é errado porque a regra é a de
que os direitos subjetivos de natureza não pessoal são livremente transmissíveis –
e portanto, na falta de uma qualquer norma a proibir a alienação ou a
transmissibilidade do direito do vendedor com reserva de propriedade a conclusão
deve ser a oposta daquela que é tirada pelos opositores à admissibilidade da
transmissibilidade, o que significa que na ausência de uma norma proibitiva da
alienação da transmissibilidade com reserva de propriedade, o direito subjetivo do
alienante que beneficia de uma reserva de propriedade terá que ser transmissivo, e
portanto, a ideia segundo a qual a posição do credor com reserva de propriedade
não poderia ser transmissível porque não haveria uma norma a prever essa
possibilidade não encontra qualquer base de defensão. O que sucede é que como
consequência da reserva de propriedade, surge para o alienante uma determinada
posição jurídica – ele tem, por força da estipulação da clausula de reserva de
propriedade uma posição jurídica própria, antes da compra e venda com reserva de
propriedade o vendedor é proprietário pleno, depois da venda passa a ter uma
propriedade circunscrita a fins de garantia mas esta situação jurídica corresponde a
uma posição concreta, jurídica subjetiva concreta, e juridicamente tutelada, ela
corresponde a um direito subjetivo e é naturalmente como qualquer outro direito
subjetivo de natureza meramente patrimonial, transmissível. É também errado
sustentar que esta reserva de propriedade não seria transmissível por corresponder
a uma clausula contratual e estas não serem transmissíveis, porque na verdade
aquilo que se está a transmitir não é a cláusula contratual mas sim a posição jurídica,
o direito subjetivo concreto que emerge dessa cláusula contratual.
Em síntese, segundo o regente, parece perfeitamente admissível a
possibilidade de alguém que reserva para si a propriedade um bem que
vendeu, ora a transmissibilidade da posição jurídica de alguém que vendeu
um bem com a reserva de propriedade. Se eventualmente assim o quiser, o

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alienante com reserva de propriedade pode transmitir o direito que conserva sobre
o bem para uma terceira entidade que eventualmente tenha financiado a aquisição
desse mesmo bem.
Iremos agora abordar um tema que se prende com a estipulação de reserva de
propriedade a favor do alienante mas sujeita ao pagamento do financiamento que tenha
sido dado por esse terceiro.
“A vende a B, com reserva de propriedade, um automóvel. No contrato de compra e
venda é estipulado que a instituição de crédito C pagará imediatamente a A, o preço do
automóvel e que B reembolsará C pagando lhe ainda os juros associados às prestações que
forem convencionadas. É dito também no contrato que se B não pagar essas prestações e
juros a C, funcionará a reserva de propriedade ele não adquirirá o bem que compra com
sujeição à reserva de propriedade e que havendo um incumprimento do mutuo o alienante
pode fazer sua a coisa vendida com reserva de propriedade.”
A questão que se coloca consiste em saber se esta estipulação é possível.
Resposta: o art. 409.º do CC, prevê a possibilidade de nos contratos de alienação o alienante
reservar para si a propriedade da coisa até ao pagamento total ou parcial das obrigações da
outra parte, ou até à verificação de qualquer outro evento. À luz desta disposição alguma
doutrina e jurisprudência têm admitido esta possibilidade. O regente concorda contudo
pronunciou-se o Prof. Gravato Morais que isto não é possível pelo que iremos ver de seguida
quais são os argumentos que servem de fundamento:
1. Em primeiro lugar, o Prof. Gravato morais vem dizer que numa situação deste tipo
o financiador C em caso de incumprimento da obrigação de pagar o mútuo pode resolver
esse contrato de mútuo, mas não poderia exigir a restituição da coisa, porque o preço foi
pago e aquilo que está em falta é apenas o reembolso do mútuo ou do contrato de
financiamento e não a falta de pagamento do preço, portanto diz ele que não haveria
fundamento para resolver o contrato de compra e venda e nessa medida o financiador não
poderia exigir a quem comprou uma coisa com reserva de propriedade e que já a tem em
seu poder, a sua devolução, a sua restituição por falta de pagamento do mútuo por alguma
das prestações.
2. Em segundo lugar, diz também que o próprio vendedor A não pode resolver o
contrato de compra e venda, pois não houve incumprimento por parte do adquirente quanto
a esse negócio, o vendedor já recebeu a totalidade do preço pago pelo terceiro daí não haver
incumprimento do contrato de compra e venda, e portanto nessa medida o vendedor não
poderia resolver o contrato de compra e venda e menos legitimidade ainda teria para
resolver o contrato de mútuo ou de financiamento.
3. O terceiro argumento prende-se com o facto de o financiador C também não poder
socorrer.se numa situação do tipo da descrita do procedimento cautelar de apreensão de
veículos pois não é titular do registo de reserva de propriedade, num caso deste tipo o
registo de reserva de propriedade estaria feito a favor do alienante e não a favor do
financiador, e nessa medida o financiador não pode socorrer-se do procedimento cautelar
de apreensão de veiculo automóvel.
4. O último argumento invocado pelo Professor prende-se com o facto de o vendedor
também não parece ter possibilidade de recorrer a esse procedimento cautelar de
apreensão de veiculo automóvel, uma vez que não tem motivo para propor a ação de

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resolução do contrato de compra e venda na medida em que já recebeu o pagamento do
preço.
O regente, considera que o Prof. Gravato morais não tem neste ponto a razão,
portanto que os seus argumentos não devem ser acolhidos. Este mecanismo que agora foi
descrito corresponde na verdade à maioria dos casos de compra de habitação própria com
duas diferenças importantes. Na nossa hipótese houve reserva de propriedade a favor do
alienante, e isso na compra e venda de habituação com recurso ao crédito não é comum. Na
compra e venda de habitação com recurso ao crédito é usual fazer-se uma hipoteca a favor
do banco – isto não sucede não nossa hipótese.
Agora iremos ver quais são os argumentos que podem ser invocado contra a posição
de Gravato Morais:
1. Parte dos seus argumentos reportam-se apenas à compra e venda de veículos
automóveis com reserva de propriedade;
2. Existindo uma união interna voluntária entre o contrato de compra e venda e o
contrato de mútuo, havendo uma união interna voluntária de contratos entre negócios, as
vicissitudes de qualquer um dos negócios unidos repercutem-se sobre as do outro, e
portanto, uma vez demonstrada a união entre os dois negócios, o incumprimento do
contrato de mutuo acaba por ter incidência direta na compra e venda com reserva de
propriedade;
Agora iremos abordar o tema que se prende com a reserva de propriedade e a
exigência de cumprimento do contrato de compra e venda.
“A vende a B um automóvel X, com reserva de propriedade a favor do primeiro, de A, sucede
que B acaba por não pagar o preço devido a A pela compra do carro. O que deverá A fazer?”
Questão: para poder reaver o carro em caso de incumprimento de pagar o preço, será que o
vendedor tem que resolver o contrato ficando impedido de exigir o pagamento do preço ou
pode primeiro exigir o pagamento do preço e se na eventualidade de este não ser pago é que
avançaria para a resolução? A insistência do pagamento do preço impede ou não a resolução
do contrato? Será que quem quer fica impedido de exigir o pagamento do preço ou pode
primeiro exigir o preço e só depois avançar para a resolução caso o devedor não pague?
Resposta: alguma doutrina e jurisprudência têm entendido que o beneficiário da reserva de
propriedade só pode exigir a restituição da coisa quando exerça o direito de resolução sem
previamente ter exigido o cumprimento pontual. Todavia, o regente considera que esta
posição não corresponde à melhor solução – dado que o vendedor pode ter interesse em
exigir o cumprimento do contrato e manter a reserva de propriedade e a possibilidade de
resolver o contrato que lhe é aberta justamente pela reserva de propriedade e assim,
recuperar a coisa, a hipótese inversa a esta é que é impensável. Nada exige que para a venda
com reserva de propriedade retire ao vendedor a faculdade de exigir o cumprimento até ao
limite. Não há nada que circunscreve essa possibilidade, aliás, a simples mora no
cumprimento de um contrato bilateral não desencadeia imediatamente o direito de resolver
o negócio, para que essa possibilidade de resolução exista é imprescindível que se converte
a mora em incumprimento definitivo (808.º, n.º1), portanto aquilo que o credor tem que
fazer para converter esta mora em incumprimento definitivo é proceder á fixação de um
prazo razoável para o devedor cumprir – também por aqui se vê que nesta perspetiva nada
impede, antes pelo contrário, a existência de um jus variandi, uma possibilidade de o

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vendedor primeiro insistir no cumprimento do contrato e só perante a continuação do
incumprimento é que avança para a resolução.
Um outro aspeto que iremos abordar a propósito da compra e venda com reserva de
propriedade prende-se com a transferência do risco típica de compra e venda e o
enquadramento dogmático e natureza da compra e venda com reserva de
propriedade3.
Quanto à questão da transferência do risco na compra e venda com reserva de
propriedade vamos supor que:
“A vende a B um automóvel X, com reserva de propriedade a favor de A, até ao
integral pagamento do preço. Entretanto, numa manifestação contra a austeridade no
decorrer da qual ocorre um tumulto público o carro é destruído. O seguro contratado para
garantir os riscos do carro vendido com reserva de propriedade contem uma cláusula pelo
o qual é afastada a responsabilidade da seguradora pelos danos decorrentes de tumultos.”
Questão: quem é que suporta o risco da destruição do carro uma vez que o seguro não cobre
este risco?
Resposta: a transferência do risco da compra e venda com reserva de propriedade mostra-
se discutida porque alguns autores partindo da consideração de que na compra e venda com
reserva de propriedade se não deu ainda a transferência do direito real, sustentam correr o
risco da perda furtuita por conta do alienante, e se nos olharmos para o art. 796.º, do CC à
primeira vista parece que este preceito dá cobertura a este entendimento no sentido de que
o risco correria por conta do alienante, na medida em que é o alienante quem é o
proprietário da coisa, justamente a cláusula da reserva de propriedade impede a
transmissão do direito e portanto o alienante continua proprietário, e nessa medida seria
ele a ter que suportar o risco da perda furtuita da coisa. Sucede porém que esta solução tem
algo de estranho na medida em que a reserva de propriedade visa garantir, reforçar a
posição do vendedor contra o risco de não pagamento do preço, ou da não verificação do
evento que é associado pelas partes a essa transferência e portanto, segundo a opinião do
regente não faz sentido terminar um mecanismo destinado a reforçar a posição do vendedor
afinal acabar por desguarnecer (despromover) esse mesmo vendedor sendo certo que a
transferência do domínio material e de gozo sobre a coisa não deixou de passar para o
comprador – ma verdade aquilo que sucede na generalidade das hipóteses de compra e
venda com reserva de propriedade é que o alienante conserva a propriedade da coisa mas
ele cede logo o domínio e controlo material da coisa e o respetivo gozo ao comprador que
adquire com reserva de propriedade, e é certamente assim em quase todos os casos de
compra e venda de automóveis com reserva de propriedade (comprador não paga logo o
preço por isso não adquire imediatamente a propriedade do bem, mas passa a poder
circular, imediatamente após a celebração do contrato de compra e venda com reserva de
propriedade e portanto, muito antes de se tornar proprietário) e por isso não faria sentido
que um mecanismo destinado a reforçar a posição do alienante acabasse afinal por
desguarnecer esse mesmo alienante que já não tem o controlo material da coisa e o gozo
uma vez que já os cedeu ao comprador – o entendimento que tem sido sustentado vai no
sentido de que haveria aqui uma situação dificilmente compreensível e não faria sentido.
O que nos temos quando há uma compra e venda com reserva de propriedade é que
o alienante, o vendedor, deixa de ser proprietário pleno – deixa de ser um proprietário com
a plenitude dos poderes – para passar a ter uma propriedade limitada ao papel de garantia;

3 Página 223 do manual do regente.

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e por sua vez, o comprador passa a ter, como efeito de negócio sujeito à reserva uma
espectativa real de aquisição do bem, aquilo que nos temos é que num mecanismo de
situação de um contrato de compra e venda com reserva de propriedade há dois direitos: 1.
O direito do alienante – que é um direito de propriedade funcionalizado a um propósito de
garantia; 2. O direito do adquirente – que , enquanto não procede ao pagamento da
totalidade do preço, tem uma expectativa real de aquisição do bem que se transformará
definitivamente num direito subjetivo de propriedade com o pagamento do preço. Nos
cenários de destruição integral do bem (perda furtuita do bem) o alienante perde o seu
direito de propriedade funcionalizado a propósito de garantia e o comprador perde a sua
expectativa real de aquisição do bem – isto implica que havendo destruição do bem por
causa furtuita, o vendedor continua ater direito ao preço, e o comprador continua a estar
obrigado ao pagamento do preço, só que o vendedor já não tem para garantir esse seu direto
ao pagamento do preço nenhuma garantia porque o bem foi destruído e o comprador já não
tem a possibilidade de vir a adquirir o bem.
O que sucede é que cada uma das partes sustenta a perda do risco do seu direito: o
vendedor tem direito ao pagamento do preço mas perde a garantia real que tinha destinada
a assegurar o pagamento desses mesmo preço; o comprador continua obrigado a pagar o
preço mas já não pode adquirir o bem – é o que sucede nos casos de perda furtuita do bem.

Quanto à matéria relativa à moldura dogmática da compra e venda com reserva de


propriedade – manual, página 233 do Prof. Pedro de Albuquerque.

2. Venda de bens futuros, frutos pendentes, partes componentes ou


integrantes de uma coisa;
A compra e venda de bens futuros, de frutos pendentes e de partes
componentes ou integrantes de uma coisa está prevista no artigo 880.º do Código
Civil. Há, também, uma referência à venda de coisa incerta ou de esperanças no
467.º/1 do Código Comercial, embora na forma de mera remissão para o Código
Civil.
A venda de bens futuros, stricto sensu, produz-se se o vendedor alienar bens
inexistentes ao tempo da celebração do contrato de compra e venda, que não
estejam em seu poder ou a que não tem direito (artigo 211.° do Código Civil). Mas
pode igualmente ter-se por compra e venda de coisa futura os outros contratos de
compra e venda referidos no artigo 880.º do Código Civil (venda de frutos
pendentes, partes componentes ou integrantes). Isto dado eles se referirem a coisas
desprovidas, ainda, de existência autónoma. A diferenciação entre as duas situações
resulta, porém, do facto de a transferência da propriedade se dar em momentos
distintos dependendo de se tratar de compra e venda de coisa futura stricto sensu
(a transferência dá-se com a aquisição pelo alienante da coisa),ou das outras
hipóteses (a transmissão da propriedade dá-se com a respetiva colheita ou
separação).
A compra e venda de coisa futura distingue-se da compra e venda de coisa
alheia (artigo 892.º do Código Civil), pois na primeira hipótese ninguém ignora não

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pertencer o bem ao devedor mesmo se existe a expectativa de ela vir a ser do


alienante.
Tendo sido realizada uma compra e venda de bens futuros, frutos pendentes,
partes componentes ou integrantes de um bem, o vendedor é obrigado a exercer
as diligencias necessárias para o comprador adquirir os bens vendidos,
segundo o estipulado ou resultante das circunstâncias do contrato. Isto exprime
estar o vendedor obrigado a adquirir, para si, o bem alienado, dando-se a
transferência da propriedade de forma automática com essa aquisição nos termos
do artigo 408.° do Código Civil.

Se não o fizer, por facto imputável, responderá por inadimplemento.


Suscita-se, então, o problema de saber se responde pelo interesse contratual
negativo ou pelo interesse contratual positivo.
RAÚL VENTURA, entendendo a venda de bens futuros como um negócio
incompleto, antes de se operar a transferência da propriedade, entende
dever ficar a indemnização limitada ao interesse negativo.
MENEZES LEITÃO defende estar-se diante de um contrato validamente
celebrado, por isso, a indemnização não poderia ser limitada pelo interesse
contratual negativo.
REGENTE:
Tem razão RAÚL VENTURA ao afirmar estar-se diante de um negócio incompleto.
Mas tem-na também MENEZES LEITÃO ao sustentar tratar-se de um negócio validamente
celebrado, se com isso pretender expressar não haver aqui nenhuma forma de ilicitude. O
desvalor jurídico dos negócios incompletos afigura-se debatido. Não centraremos agora na
análise do tema. Diremos apenas não estar impedida a produção de alguns dos efeitos a que
tendem os negócios incompletos.
Afastada estará, isso sim, tão-só produção da totalidade dos respetivos efeitos. Parece-nos,
destarte, e atendendo ao facto de logo com a compra e venda de bens futuros, frutos
pendentes e partes componentes, surgir para o vendedor a obrigação de adquirir a coisa,
determinar o respetivo incumprimento culposo o dever de indemnizar pelo interesse
contratual positivo.
Tratando-se, porém, de uma impossibilidade, total ou parcial, não culposa ou
imputável ao vendedor, o efeito será o da extinção do contrato ou o cumprimento parcial,
hipóteses em que:
- ou o vendedor perde o direito à prestação (artigo 795.º/1);
- ou a redução na medida da impossibilidade (artigo 793.º/1).
Nos termos do artigo 882.º/2, do CC, as partes podem atribuir natureza aleatória
ao contrato de compra e venda de bens futuros. Nessa hipótese o objeto da compra e

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venda é inicialmente uma mera esperança e, destarte, o preço será dividido mesmo se a
efetiva transmissão da coisa ou bem futuro se não efetivar.

A venda de coisa futura distingue-se, pois, da compra e venda de uma simples


esperança pelo facto de na compra e venda de coisa futura o preço só ser devido se a coisa
vier realmente a existir. O que significa pertencer, na compra e venda de uma simples
esperança, o risco da não concretização da esperança ao comprador.
Alguma Doutrina entende dever essa cláusula ser expressamente pactuada por estar
em jogo uma alteração das regras gerais da distribuição do risco.
Não vimos, porém, razões para alterar a regra geral em matéria de relevância da
vontade das partes. Saber se a compra e venda é de coisa futura ou de mera esperança é
simples problema de interpretação da vontade das partes. Interpretação sujeita
naturalmente ao disposto nos artigos 236.° a 238.º do Código Civil. Aceita-se ser, por vezes,
difícil distinguir a compra e venda de coisa futura (emptio rei speratae) da compra e venda
com caráter aleatório (emptio speí). Na dúvida, deve presumir-se estar-se diante de uma
compra e venda de coisa futura, mas não mais.
O facto de, na compra e venda de uma esperança, o preço ser devido, mesmo se o
bem futuro não se efetivar, não obsta à sua qualificação como compra e venda.
Independentemente de o bem futuro vir, ou não, a ter, existência há sempre algo
efetivamente vendido: a própria esperança ou expectativa de aquisição.
MENEZES CORDEIRO refere os tipos sociais admitidos para se distinguir este
contrato do jogo e aposta.
A obrigação de entrega, a cargo do vendedor, segue os termos gerais.
Independentemente de se tratar de emptio rei speratae ou de emptio speí, deve ser
entregue pelo vendedor a coisa estipulada. Se, na segunda modalidade, o comprador
preferir receber bem diferente, em vez de nada, pagando mesmo assim o preço, há uma
alteração voluntária do objeto do contrato.
Mostra-se, todavia, debatido saber se na compra e venda de bens futuros há lugar
ou não a garantia pelos vícios ou falta de qualidades da coisa ou se, o facto de a coisa ser
futura, a afasta implicitamente.
- Na emptio speí o problema reside em saber se a natureza aleatória do
negócio abrange os defeitos da coisa. A resposta parece dever ser no sentido do
afastamento, pois o comprador admite o pagamento do preço mesmo se a coisa não
chegar a existir.
- Na emptio rei speratae admite-se a subsistência, em regra, da garantia, sem
prejuízo de poder ser retirada por estipulação expressa ou implícita das
partes, pela natureza da coisa, ou pelas circunstâncias previstas para a respetiva
produção. O artigo 918.º do Código Civil ao estabelecer valerem, se a venda respeitar
a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género, as regras gerais do
incumprimento mostra existir, em princípio, a garantia.

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Quanto à natureza e moldura dogmática da venda de bens futuros, frutos pendentes
e de partes componentes ou integrantes de uma coisa: Tem-se debatido a qualificação
jurídico-dogmática do contrato de compra e venda de coisas futuras. E possível identificar
quatro orientações principais:
1) a teoria da condição;
2) a teoria do negócio incompleto;
3) a teoria do negócio obrigacional ou da prestação de serviços;
4) a teoria do negócio aleatório.

Em oposição à teoria da condição pode alegar-se o facto de na compra e venda de


bens futuros o vendedor estar, como se viu já, em regra, obrigado a diligenciar para que o
comprador adquira os bens vendidos – essa obrigação é inerente ao próprio contrato.
Como nota a propósito RAÚL VENTURA, se alguém estipula: «vendo uma coisa se ela
vier a existir», não está a realizar um negócio sujeito a condição, está sim a fazer uma venda
com espera de existência da coisa, uma venda desprovida, ainda, de um elemento essencial.
Não se trata, pois, de uma condição em sentido técnico: não estamos diante de um evento
futuro e incerto na verdadeira aceção.
MENEZES LEITÃO defende não se poder falar em negócio incompleto. Isto por a
qualificação não abranger simultaneamente a venda de esperanças, enquanto tais, e a venda
de bens futuros. Além disso, estando o consenso integralmente formado, também se não
poderia falar em negócio incompleto.
Restaria, assim, apenas a terceira orientação: por, da venda, resultar uma
obrigação para o vendedor - da qual depende a aquisição da propriedade da coisa estar-se-
ia perante uma compra e venda obrigacional-embora não no sentido com que a expressão
é utilizada no sistema do título e do modo, dado a celebração do contrato já integrar o
esquema negocial translativo, sem dependência da tradição pelo vendedor, mas ainda assim
de uma venda obrigacional. MENEZES CORDEIRO vai na mesma direção. Isto, pois, na
prática o resultado do negócio incompleto seria o vendedor só responder pelo interesse
negativo, na eventualidade de não realizar as diligências necessárias à transmissão. Ora,
neste cenário a indemnização deve ser pelo interesse contratual positivo. Se as partes
pretenderem negociar a dois tempos realizarão um contrato-promessa. Este autor advoga,
assim, nas hipóteses do artigo 880.º/1, a natureza aleatória do negócio, temperada pelo
dever de diligenciar. No cenário do artigo 880.º/2 (e também, do artigo 881.º, n.º2) estar-
se-ia na presença de um negócio aleatório, muito embora, à semelhança do sucedido com a
venda do artigo 881.º/1,haver igualmente um dever acessório de diligenciar. Com a devida
vénia, a posição não nos parece, salvo melhor entendimento, de aceitar a posição destes dois
autores.
Tivesse a venda de bens futuros e a venda de esperanças de se sujeitarem à mesma
moldura, ou qualificação dogmática, a possibilidade de se apelar para a ideia de compra e
venda obrigacional ficava, na nossa perspetiva, desde logo afetada. A venda de esperanças
não pode ser jamais um negócio meramente obrigacional, pois, ele transfere
imediatamente a esperança.

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Dito de outra maneira: a compra e venda de bens futuros com caráter aleatório é um
negócio com eficácia transmissiva imediata de uma esperança, podendo vir a operar
também a transmissão de outros direitos. Ou seja, é um negócio com uma dupla
virtualidade, mas não um negócio só obrigacional.
A verdade, porém, reside no facto de nos parecer não se vislumbrar nenhuma razāo
para submeter à mesma moldura dogmática a venda de bens futuros e a venda de
esperanças. Poder-se-á, então, entender como obrigacional ou como uma prestação de
serviço a venda de coisas futuras sem caráter aleatório? Não nos parece. Desde logo pelo
facto, já atrás sublinhado, de a obrigação do vendedor, no sentido de fazer o comprador
adquirir a propriedade, não ser inelutável. Ela não existe no caso de a especificação
pertencer a terceiro ou ao próprio. comprador. Além disso, toda a venda produz, como
regra, sempre um ou mais efeitos obrigacionais na esfera jurídica do vendedor. Mas, nem
por isso se poderá julgar o tipo compra e venda como um contrato obrigacional.
O facto de o consenso se mostrar integralmente formado em nada obsta à
qualificação do negócio como incompleto pois ele não produz, ainda, nem pode produzir,
todos os efeitos a que se destina. E se não produz nem pode produzir todos os seus efeitos
essenciais, estando, todavia, já prestado o assentimento, isso deve-se ao facto de lhe faltar,
ainda, um dos seus elementos essenciais: o objeto do negócio. E por não se achar presente
esse elemento estando, justamente, já prestado o consenso a dever falar-se em negócio
incompleto.
Também não parece possível dizer-se ser a prestação de serviço ou de diligenciar
um dever acessório. Trata-se, na hipótese do artigo 880.º/1 de uma das obrigações
expressas do vendedor. E não é meramente acessória. Não obsta, além disso, à teoria do
negócio incompleto o dever de indemnizar pelo interesse contratual positivo. O negócio
incompleto, não produz a totalidade dos seus efeitos, mas não é inconciliável com a
existência de efeitos parcelares. Na hipótese do artigo 880.º/1 o negócio não produz, ainda,
a transferência da propriedade, mas já produz a obrigação de diligenciar. Se ela não for
observada, existindo, haverá inadimplemento de uma obrigação. E o resultado da violação
da violação desse dever é o de indemnizar o interesse assegurado pelo respetivo dever de
cumprimento: ou seja, o interesse contratual positivo no adimplemento da obrigação em
falta. Parece, pois, depararmos na verdade, como defendia RAÚL VENTURA, uma realidade
incompleta. A aceitação de uma margem de álea temperada pelo dever de diligenciar não
obsta a essa moldura. Só não parecerá apropriada a utilização do termo negócio incompleto
se se entender não poder este produzir nenhum tipo de efeitos, pois na compra e venda de
bens futuros se produz um efeito obrigacional. Mas embora se entenda normalmente
sofrerem os negócios incompletos, dependendo das orientações, de algum tipo de nulidade
ou inexistência, nada envolve não poderem ter eles, conforme referimos, certo tipo de
relevância parcelar. Ao invés, é precisamente neste género de situações parecer ajustar-se
melhor a ideia de incompletude: assiste-se já à produção de alguns efeitos do negócio, mas
não à respetiva plenitude. Parece, por isso, possível entender a compra e venda de coisa
futura como um negócio jurídico de formação complexa. A situação jurídica do vendedor e
comprador varia em função da concretização, ou não, da existência da coisa. Mas o
comprador é, desde logo, e como simples efeito do contrato investido, numa expectativa e o
vendedor obrigado a fazer o necessário para o comprador adquirir os bens vendidos.
Relativamente à emptio speí, atendendo à respetiva natureza aleatória, ela traduz
um negócio completo e não em via de formação. A existência da coisa deixa de ser necessária
e o preço é um efeito definitivo do contrato

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Aula do dia 26/10/2020


Hoje iremos continuar a analisar as modalidades típicas de compra e venda, pelo
que iremos começar pela compra e venda de bens de existência ou titularidade incerta.

3. Compra e venda de bens de existência ou de titularidade incerta:


HIPOTESE 1: “A celebra com B através de documento escrito, um contrato de compra e venda
de um quadro que tem em sua casa. Mas A já não se lembra se doou esse mesmo quadro ao seu
filho mais velho, C, no entanto A esclarece B de que podia eventualmente ter doado o quadro
a C, fazendo menção dessa possibilidade no documento escrito que serve de suporte desta
compra e venda. Mais tarde, vem se a apurar que A doou na verdade o quadro a C, sendo que
B não se conforma com isso e pretende responsabilizar A, o vendedor por este lhe ter vendido
aquilo que considera ser um bem alheio, pelo que B considera que teria lugar a aplicação do
regime da compra e venda de bens alheios.” Terá razão?
HIPOTESE 2: Esta compra e venda não teria sido realizada por escrito, teria sido uma
compra e venda verbal.
Para resolver esta hipótese nós devemos considerar aquilo que dispõe o artigo
881.º, do CC. Este preceito vem condicionar a admissibilidade da venda de bens de
existência ou titularidade incerta à circunstancia de no contrato se fazer menção dessa
incerteza, sendo que, nós podemos discutir, face a este preceito, se essa menção tem que ser
expressa ou se pode ser meramente tácita.
O regente considera que a razão de ser da exigência, no sentido de suprimir
as duvidas quanto à prova de um estado subjetivo de difícil demonstração, aponta
para a necessidade de uma declaração expressa –considera que a solução pode
eventualmente apresentar duvidas, não é obvio que essa menção tenha que ser
expressa, todavia parece que a razão de ser da exigência imposta pelo artigo 881.º,
no sentido de se fazer menção no próprio contrato á situação de incerteza vai na
direção de essa exigência ter de ser expressa como forma de dissipação de dividas
que podem existir relativamente a um estado subjetivo pelo qual a vontade das
partes que pode não ser de fácil demonstração. Esta rácio parece levar à
inadmissibilidade de um contrato deste tipo realizado de forma meramente verbal.
Parece também que, independentemente de qual seja efetivamente a solução
que decorre do artigo 881.º, no sentido de ser ou não ser admissível um contrato
deste tipo de natureza verbal, a cautela impõe a um pratico do direito que seja
confrontado com uma situação deste tipo, ou pelo menos com uma clausula relativa
á situação de incerteza, que a reduza a escrito – ora, confrontados com uma situação
deste tipo a cautela impõe que por uma razão de segurança e certeza jurídica se faça
menção no contrato a essa situação de incerteza e que procure reduzir todo o
contrato, senão pelo menos a cláusula em que se faz menção à situação de duvida
quanto à titularidade do bem num documento escrito (razões de cautela do ponto
de vista prático – redução do contrato ou da cláusula a escrito).

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Mas admitindo que esta solução da HIPÓTESE 1 é valida, designadamente porque
foi feita menção à situação de incerteza e foi também reduzida a escrito a cláusula com essa
menção presume-se terem as partes atribuído ao contrato natureza aleatória
devendo o preço ser pago mesmo que os bens não existam ou não pertençam ao
vendedor. E isto só não será assim se as partes recusarem ao contrato natureza
aleatória, e nessa eventualidade o preço só terá de ser pago se a coisa existir e
pertencer ao devedor. Tendo natureza aleatória obviamente o preço terá que ser pago
mesmo que as coisas não existam ou não pertençam ao devedor.
Esta modalidade típica de compra e venda diferencia-se com clareza da venda de
bens alheios, uma vez que o alienante neste caso não realiza o contrato como se fosse
proprietário da coisa, e além disso, a venda de bens de existência ou titularidade incerta
distingue-se também da compra e venda de bens futuros, na medida em que ela não assenta
na expectativa da futura aquisição do bem ou da sua concretização ou autonomização
posterior na esfera do alienante, mas sim no próprio estado de incerteza que foi
assumido pelas partes no negócio, de onde o vendedor não ser obrigado a exercer
nenhum tipo de diligencias para que o comprador adquira o bem, que é o contrário daquilo
que sucede com a compra e venda de bens futuros onde, como vimos, o vendedor tem que
realizar as diligencias necessárias para que o comprador adquira o bem. Além disso, na
modalidade de compra e venda que estamos agora a analisar, o vendedor também não tem
que sanar o contrato, ao contrário daquilo que decorre dos artigos 880.º, n.º1 e 897.º, do CC,
para a compra e venda de bens alheios que é uma das situações ou perturbações típicas da
compra e venda que nós vamos analisar neste nosso curso de direito dos contratos mais à
frente.
Note-se que nesta situação que estamos agora a analisar, o vendedor não tem sequer
o dever de desenvolver qualquer tipo de atividade para dissipar o estado de incerteza
relativamente a titularidade do bem.

4. Compra e venda de coisas sujeitas a pesagem, contagem e medição:


HIPOTESE 1: “A celebra um contrato de compra e venda com B de toda a cortiça proveniente
da apanha, que já teve lugar, realizada na herdade do vendedor, A. E no contrato é dito que o
peso da cortiça é de duas toneladas e que o respetivo preço será de x vezes o quilo de cortiça,
e durante a operação de pesagem dessa mesma cortiça vem todavia apurar-se que o peso dessa
cortiça apanhada é inferir em 100 quilos áquilo que é estipulado no contrato”.
HIPOTESE 2: Vamos ainda imaginar que, em vez de se ter estipulado um preço de x por
cada quilo de cortiça, se tivesse estipulado um preço global para as duas toneladas de cortiça
supostamente apanhadas na herdade de A, e faltassem 100 quilos.
HIPOTESE 3: nesta hipótese em vez de se tratar da compra e venda da cortiça já apanhada
na herdade de A se tivesse dito apenas que eram vendidas duas toneladas de cortiça?
HIPOTESE 4: Vamos imaginar que celebrado o contrato nos termos mencionados na
primeira hipótese, a cortiça ardia.
➢ Como é que se resolvem todos estes casos?
Aquilo que nós temos que considerar em primeiro lugar é o facto de na primeira
situação, na segunda e na quarta, nós estarmos perante uma compra e venda de coisa

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específica, mesmo se sujeita a uma operação ou atividade de pesagem, enquanto que na
terceira hipótese nós estamos perante uma compra e venda de coisa genérica.
Quanto às situações (1, 2 e 4) que correspondem à venda de uma coisa específica:
aplicam-se os artigos 887.º e ss., do CC. Atenda-se que as hipóteses tratadas nos artigos
887.º, e ss. não corresponderem à situação de o vendedor ter entregue uma coisa
quantitativamente diferente daquela que representa o objeto do contrato – porque
numa situação dessas nós teríamos um caso de cumprimento defeituoso, e é isso que
sucede na hipótese 3.
Nos outros três casos (Hipóteses 1, 2 e 4), aquilo com que nós somos confrontados
é com uma situação em que o objeto do contrato que foi determinado, e posteriormente
entregue não se adequa à indicação, juízo ou cálculo que as partes fizeram ou pelo
menos uma delas, e portanto, estando nós perante uma compra e venda de coisa
determinada e não de uma coisa genérica, a compra e venda fica imediatamente
concluída nos termos do artigo 408.º, do CC com a celebração do contrato – ora, a
transferência da propriedade dos bens, neste caso a cortiça que já foi apanhada e que
está colocada num determinado local para ser objeto da operação de pesagem,
contagem e medição, já se transmitiu para o comprador independentemente da
operação de pesagem, contagem e medição, e independentemente do cumprimento da
obrigação de entrega. Nos termos do artigo 408.º, tratando-se de uma compra e venda
de coisa específica, o proprietário da cortiça é, a partir da celebração do contrato de
compra e venda, o comprador e não já o vendedor uma vez que esse transmitiu o seu
direito independentemente do cumprimento da obrigação de entrega e da operação de
pesagem, contagem e medição.
Por força da aplicação do artigo 408.º, n.º1, do CC e por força da imediata
transferência da propriedade dos bens alienados independentemente da operação de
pesagem, contagem e medição, o risco corre pelo comprador e portanto, se houver
destruição dessa cortiça, é o comprador que suporta a perda da destruição do
bem.
Isto que foi dito relativamente ao funcionamento e à aplicação do artigo 408.º, n.º1
significa também que a haver uma divergência entre as quantidades ou medidas
indicadas no contrato e o resultado da medição, pesagem ou contagem efetuadas
posteriormente à celebração do contrato, significa que as consequências apenas se
fazem sentir ao nível do preço e não a qualquer outro nível, sendo que, essas
consequências terão que ser apuradas de acordo com o disposto nos artigos 887.º e ss.,
do CC – havendo uma divergência entre aquilo que se declara ser no contrato o
peso, a medida ou a contagem do bem, e aquilo que é depois o resultado das
operações de pesagem, contagem e medição, a única consequência dá-se ao nível
do preço. Mas essa variação, essa repercussão ou consequências ao nível do preço são
diversas conforme o preço:
1. Tenha sido estipulado em razão de tanto por unidade comprada: neste caso, nós
estamos perante aquilo que se chama de uma compra e venda por medida. A HIPÓTESE
1 corresponde a uma situação de compra e venda por medida – em função do facto de
o preço ter sido estipulado em razão de tanto por unidade.
No que diz respeito à compra e venda por medida, trata-se de uma hipótese que vem
prevista no artigo 887.º, do CC que determina nesse preceito, ser o devido preço

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proporcional ao número, peso ou medida real da coisa vendida sem embargo de no
contrato se declarar quantidade diferente .
Isto significa que por força do artigo 887.º, do CC na HIPÓTESE 1 o preço que é
devido é o preço proporcional ao número, peso ou medida da coisa vendida, ou seja,
o preço devido é o preço correspondente às 1900 toneladas de cortiça, multiplicado
pelo preço da unidade, isto não obstante de no contrato se dizer que a cortiça pesa
duas toneladas.
2. Tenha sido determinado para a totalidade ou conjunto de coisas vendidas: neste
caso, estamos perante aquilo que se chama de uma compra e venda a corpo. A
HIPÓTESE 2 corresponde à compra e venda a corpo – dada a circunstancia de o preço
ter sido determinado para a totalidade ou conjunto de coisas vendidas.
Nesta situação aplica-se o artigo 888.º, do CC, de onde, por força desse preceito, se
na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por
unidade, o comprador deve o preço declarado mesmo se no contrato se indicar número,
peso ou medida das coisas vendidas, e a indicação não corresponder à realidade das
coisas efetivamente transacionadas.
Na HIPÓTESE 2 aquilo que nós temos é a indicação de que a cortiça pesa duas
toneladas quando na realidade pesa apenas 1900 quilos, há apenas menção ao peso
global, então o preço devido é o preço global indicado não constante nós termos uma
situação em que falta uma parte na medida em que a cortiça pesa menos 100 quilos
do que aquilo que está indicado. TODAVIA HÁ UMA PARTICULARIDADE: se, não
obstante àquilo que é fixado no artigo 888.º, n.º1, do CC, se a quantidade efetiva
diferir da declarada em mais de um vigésimo o preço sofrerá redução ou aumento
proporcional, nos termos do art. 882.º, sendo que essa redução ou aumento
proporcional é imposta supletivamente às partes.
Se nós estivermos confrontados com uma situação de compra e venda a corpo
em que é feita a menção da quantidade medida ou peso global do bem e for também
feita menção ao preço global sem no contrato se indicar o preço por unidade, a
importância devida corresponderá a esse preço global mesmo se após a operação de
pesagem, contagem e medição se vier a constatar que a indicação feita no contrato
não corresponde à realidade – se a quantidade real divergir da declarada em mais
de um vigésimo desta o preço sofrerá redução ou aumento proporcional, sendo estes
impostos supletivamente às partes pelo artigo 888.º, n.º2, do CC.
A este respeito, para além do já mencionado importa ter presente também o
artigo 891.º, n.º1 e n.º2 na medida em que este preceito atribui ao comprador o
direito de resolver o contrato se o preço devido por aplicação do artigo 887.º
ou do artigo 888.º, n.º2, exceder o proporcional à quantidade declarada em
mais de um vigésimo deste e o vendedor exigir esse preço, exceto se tiver
procedido com dolo – isto percebe-se que seja assim porque o comprador pode não
dispor de meios para fazer face a este aumento de preço que é imposto pelo regime
dos artigos 887.º, e ss., e portanto se essa variação exceder o proporcional à
quantidade declarada em mais de um vigésimo desta e houver exigência desse preço
por parte do vendedor, não é o comprador obrigado a satisfazer essa exigência e
pode resolver o contrato.
Nas hipóteses que nós analisamos o que nós temos é uma variação igual a um
vigésimo, pelo que não se trata de uma variação superior a um vigésimo e portanto

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a resolução por parte do comprador está excluída, mas a resolução está também
excluída mesmo se por ventura a variação fosse superior a que está fora do âmbito
da previsão normativa, a faculdade de resolução pelo vendedor em virtude de uma
redução do preço, portanto a variação que faculta a possibilidade de resolução é uma
variação para mais no preço e a faculdade de resolução é concedida ao comprador e
não ao vendedor.

5. Compra e venda a contento e compra e venda sujeita à prova:

5.1 Compra e venda a contento


HIPÓTESE 1: “A, um escultor, pretende celebrar um contrato de compra e venda de uma das
esculturas que fez, com B, mas B não se sente nada inclinado a comprar essa escultura. O A diz
a B, para o convencer, que podem celebrar um contrato sujeito à reserva de as esculturas
agradarem a B, ora que B poderá levar as esculturas e coloca-las onde entender e reservar
para si a faculdade de posteriormente vir a dizer se as esculturas lhe agradaram ou não. Como
B já não podia ouvir A e não tendo qualquer intenção de alguma vez dar a respetiva
concordância acaba por dizer que sim para calar A, ora que se dispõe a comprar as coisas sob
reserva de proceder à respetiva apreciação durante um determinado período e de manifestar
se elas lhe agradam ou não. Mais tarde, e sem sequer ver as esculturas que A lhe envia, o que
B faz é comunicar ao escultor que não quer as esculturas e que pretende proceder à sua
devolução. A sente-se enganado e pretende responsabilizar B.”
A questão é pode fazê-lo?
Esta situação que está subjacente a esta hipótese corresponde à compra e venda a
contento. Esta modalidade de compra e venda tem bastante utilização nomeadamente por
parte de compradores que são colecionadores de obras de arte ou antiguidades, etc., mas há
duas modalidades de compra e venda a contento:
1. Compra e venda a gosto – aquilo que é estipulado é que a coisa terá de agradar ao
comprador, não se produzindo os efeitos típicos da compra e venda enquanto isso
não suceder, ora enquanto a coisa não agradar ao comprador. Esta modalidade
corresponde e está prevista à situação que o artigo 923.º, do CC contempla.
2. Outra modalidade de compra e venda a gosto – mas em que em vez de se dizer
que a compra e venda não produz efeitos enquanto não agradar ao comprador, o
que se diz é que o comprador terá o direto de resolver o contrato se a coisa não lhe
agradar, nos termos do artigo 924.º, do CC.
No caso da nossa hipótese estamos perante a primeira modalidade de compra e
venda a contento, uma vez que aquilo que é dito é que o contrato não produzirá efeitos se a
cultura não agradar a B – o contrato ficou sujeito à reserva de as esculturas agradarem a B.
O que sucede nesta primeira modalidade de compra e venda a contento é que o nosso direito
atribui valor jurídico ao silêncio, desviando-se daquela que é a regra geral.
O artigo 923.º, n.º2 vem dizer que a coisa se considera aceite se o comprador não se
manifestar dentro do prazo de aceitação, nos termos do artigo 228.º, n.º1, do CC. O que se
passa na primeira modalidade da compra e venda a contento é que o efeito típico do
contrato de compra e venda é paralisado e fica sujeito à reserva da coisa vir a agradar ou
não ao comprador mas considera-se que a coisa agrada ao comprador se ele não se
manifestar dentro do prazo de aceitação, nos termos do artigo 228.º, n.º1, isto por força do

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artigo 923.º, n.º2, do CC. Note-se, todavia, que dada a circunstancia de o artigo 923.º, n.º3
estabelecer a obrigatoriedade da coisa ser facultada ao comprador para exame, o prazo para
aceitação não se pode iniciar antes da coisa ser entregue, além disso, a entrega da coisa para
ser apreciada constitui uma obrigação autónoma do vendedor cujo cumprimento pode ser
judicialmente exigido pelo comprador. Todavia, se dentro do termo estabelecido para o
efeito o comprador se manifestar no sentido da rejeição a venda considera-se como não
celebrada, pelo que a nota que importa aqui reter é a de que a manifestação de rejeição não
depende de nenhuma manifestação – ao comprador reservou-se a faculdade de dizer a
ultima palavra e portanto vincular-se-á conforme lhe aprouver ou não, de forma livre, não
sendo a sua decisão sindicável judicialmente e não lhe é sequer exigível que examine a coisa
para formular a respetiva decisão, podendo portanto, se assim o entender, dispensar
qualquer observação do bem vendido, e do mesmo modo a aceitação sem nenhum tipo de
exame ou observação é perfeitamente eficaz.

HIPÓTESE 2: “ A e B celebram um contrato de compra e venda a gosto, e quando B estava a


apreciar os bens que foram enviados pelo vendedor, A, um relâmpago destrói os bens”.
A questão que se suscita passa por sabe por conta de quem é que deverá correr o risco?
Anteriormente dissemos que na compra e venda a gosto nós estávamos perante um
contrato de compra e venda que não produzia ainda aos seus efeitos típicos e enquanto se
não desse a aceitação, a manifestação por parte do comprador de que a coisa lhe agarrada,
ou que pelo menos não tivesse decorrido o prazo para ele manifestar essa sua manifestação,
porque como é sabido nós estamos perante uma situação em que o silêncio tem valor
declarativo, mas até que isso suceda o contrato não produz os seus efeitos típicos, e
portanto, a atribuição do risco ao comprador só se verificará com o decurso do prazo
estabelecido no artigo 923.º, n.º2, do CC, ou com a aceitação expressa ou tácita do
negócio, ora com a declaração no sentido de que a coisa agrada ao comprador – nestas
duas hipóteses o risco transfere-se.
HIPÓTESE 3: “A e B celebraram um contrato de compra e venda no qual estipularam que o
comprador tinha o direito de desfazer o negócio se o bem não lhe agradasse, mas ainda antes
da entrega da coisa para ser sujeita a apreciação, um relâmpago destrói a coisa vendida.”
Somos confrontados mais uma vez com a questão da distribuição do risco, ora por conta de
quem é que ele correrá?
Nesta segunda modalidade de compra e venda a contento, nós estamos perante uma
situação em que o comprador adquire o objeto e contrai a obrigação de pagar
imediatamente, pelo que não há uma paralisação dos efeitos típicos de uma compra e venda
no que diz respeito à transmissão da propriedade ou titularidade do bem, o comprador
adquire o objeto e contrai a obrigação de pagar mas fica com o direito de desfazer o negócio
dando os efeitos por não produzidos se o objeto não o satisfizer. Portanto, neste cenário
aquilo que nós temos é uma hipótese em que são aplicáveis as regras constantes dos artigos
432.º e ss., do CC -isto por força do disposto no artigo 924.º, e ss. – nesta segunda modalidade
de compra e venda a contento produzem-se ab inicio todos os efeitos do contrato
nomeadamente a transferência do risco, de perda ou de deterioração da coisa na pendencia
do prazo para o exercício de resolução, pelo que na verdade se esta se danificar os destruir
em termos de o comprador já não poder proceder à respetiva devolução, o comprador já
não poderá exercer o seu direito de resolução.

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A questão que se coloca é a de saber se a transferência do risco depende da entrega
da coisa nos moldes definidos no artigo 796.º, n.º3, do CC, sendo que a aplicação deste
preceito pressupõe que na segunda modalidade de venda a contento que estamos aqui a
analisar, se esteja perante uma condição resolutiva, coisa que não parece suceder, uma vez
que não estamos perante um cenário de condição resolutiva, e assim sendo não tem lugar a
aplicação do artigo 796.º, n.º3, do CC. (iremos explicar o porquê mais adiante).

5.2 Compra e venda sujeita a prova:


HIPÓTESE 1: “A, que é um costureiro, celebra com B um contrato de compra e venda de um
conjunto de vestidos da autoria do primeiro, e no contrato é porém dito que a produção dos
seus efeitos, a sua eficácia definitiva depende de os vestidos servirem a B, ao comprador.
Entretanto quando B vai realizar a prova para verificar se esses vestidos lhe servem ou não
constata que não lhe servem, mas observa também que eles poderiam passar a servir com um
muito pequeno ajuste do costura, mas como o B já se tinha arrependido da compra dos vestidos
pretende rejeitar o contrato só que não comunica essa rejeição ao vendedor, A, que por siso
pretende obter o pagamento do preço.”
A questão é se A terá ou não direito de exigir esse pagamento?
Aqui o que nós temos é uma compra e venda sujeita a prova, e na compra e venda
sujeita a prova a plena produção dos efeitos do contrato depende de circunstancias
positivas suscetíveis de apreciação judicial – aqui temos um aspeto que difere da compra e
venda a contento.
No que diz respeito à prova, essa prova deve ser feita dentro do prazo e segundo a
modalidade estabelecida pelo contrato e pelos usos – se ambos forem omissos observar-se-
á o prazo que for fixado pelo vendedor. Relativamente à modalidade da prova, se o contrato
ou os usos nada disserem, a escolha relativa à modalidade de prova será feita pelo
comprador de acordo com critérios de razoabilidade (artigo 935.º, n.º2, do CC). Além disso,
de acordo com o artigo 925, n.º3 cabe ao comprador o encargo de comunicar ao vendedor
o resultado da prova antes de expirar o prazo sob pena de o negócio produzir
definitivamente todos os seus efeitos.
Na HIPÓTESE 1 que estamos a analisar o que sucede é que o comprador não
comunicou o resultado da prova, e assim sendo a compra e venda produz definitivamente
todos os seus efeitos. Naquilo que diz respeito à necessidade de afinamento, se
eventualmente o problema se suscitasse por não ter ainda decorrido o prazo para a
comunicação da prova, aquilo que nós teríamos que considerar teria no fundo que ver com
a modalidade de prova que for aplicada – sendo possível proceder a um pequeno
afinamento a prova se deve ter em principio, por soprada, todavia isso não acontece n nossa
hipótese.

Outro aspeto que importa abordar a propósito da compra e venda a contento e da


compra e venda sujeita a prova prende-se com a sua natureza e o enquadramento
dogmático destas figuras. Vamos imaginar que: em todas estas modalidades de contratos
anteriormente referidas a compra e venda é destruída por facto furtuito antes da decisão do
comprador sobre se a coisa lhe agrada ou não. Num cenário desse tipo pergunta-se sobre
quem é que corre o risco.
Na primeira modalidade de compra e venda a contento os efeitos típicos da
compra e venda não se produzem enquanto o comprador não disser que a coisa lhe agarrada

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ou não tiver decorrido o prazo para proceder à declaração de aceitação ou de rejeição – com
isto percebe-se que o contrato de compra e venda a contento na primeira modalidade que
esta figura pode revestir, representa um contrato preliminar constitutivo de um direito
típico de opção, e na verdade aquilo que nós temos é que neste cenário, do negocio resulta
a vinculação definitiva de uma das partes, do vendedor, acompanhada da obrigação de
fornecer o exame da coisa sempre a cargo do vendedor, enquanto a outra se reserva a
faculdade de aceitar ou rejeitar o negócio. Na primeira modalidade não é possível nós
considerarmos estar-se perante uma condição resolutiva ao contrário daquilo que tem sido
sustentado por vários autores, uma vez que o negócio não produz a totalidade dos efeitos
enquanto se não der a aceitação, ora não há aqui a possibilidade de se estar perante uma
condição resolutiva uma que que esta pressuporia que o negócio produziria os seus efeitos
e que poderia depois ser destruído, e também não se crê que se possa falar de uma condição
suspensiva nesta primeira modalidade da compra e venda a contento dado a compra e
venda, o negócio já produzir a obrigação de fornecer a coisa para exame – não estamos
perante um negocio com os seus efeitos suspensos.
Relativamente à segunda modalidade de compra e venda a contento aquilo que nós
temos é uma compra e venda em que o comprador tem um direito de resolução mas não se
trata de uma condição resolutiva. É um direito de resolução do contato que o comprador
exercerá de forma discricionária e sem possibilidade de sindicância judicial. Aquilo que nós
temos é pura e simplesmente uma compra e venda em que há atribuição de um direito de
resolução sem sentido próprio a um dos sujeitos do contrato de compra e venda a contento
é esse o seu enquadramento dogmático de um negócio que envolve a atribuição de um
direito de resolução ao comprador.
Relativamente à compra e venda sujeita a prova, nós estamos perante um negócio
incompleto de formação sucessiva que só ficará completo ou prefeito com a observação ou
constatação do funcionamento do condicionalismo a que as partes subordinaram o negócio
e com superação desse condicionalismo, ou seja, a compra e venda sujeita a prova
corresponde a um negocio incompleto de formação sucessiva que só se tornará completo
com a realização da prova e com a superação da mesma.

6. Compra e venda a retro:

HIPÓTESE 1: “A e B celebram um contrato de compra e venda de uma casa X, e que


estipularam logo no contrato que se assim fosse entendido, o vendedor A podia reaver o objeto
comprado mas apenas o podia fazer decorridos seis meses sobre a data do contrato. Vamos
ainda imaginar que quando A exerce o direito de resolução do contrato que lhe é
contratualmente conferido, B se nega a devolver o bem imóvel que foi objeto deste contrato de
compra e venda. A argumentação de B é a seguinte: sendo um contrato de compra e venda
dotado de eficácia real o bem pertence-me, e o máximo que A poderia fazer seria exigir-lhe
uma indeminização por incumprimento contratual ou quando muito solicitar a imposição do
pagamento de uma sanção pecuniária compulsória ou execução específica, mas o bem não
reverteria mais para A.”
HIPÓTESE 2: Vamos também imaginar que B não aceita entregar o bem ao vendedor, e como
não faz essa entrega A não lhe oferece o pagamento do preço, ora não procede à devolução do
preço que tinha recebido no momento de celebração do contrato.
HIPÓTESE 3:Vamos ainda imaginar que esta casa comprada através deste negócio entre A e
B sujeito á tal possibilidade de resolução, é completamente destruída por um tremor de terra.

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A questão aqui seria a de saber por quem é que corre o risco, quem é que suportará o risco,
A ou B?
HIPÓTESE 4: E pergunta-se também se a resposta seria diferente se me vez de um tremor de
terra nós tivéssemos uma situação e que B lhe tivesse culposa ou dolosamente deitado fogo.

Estas hipóteses convocam a aplicação do regime previsto no artigo 927.º, do CC no


que diz respeito à chamada compra e venda a retro. A compra e venda a retro trata-se de
uma modalidade típica de compra e venda na qual o vendedor reserva para si o direito de
reaver a propriedade da coisa, ou direito vendido, mediante a restituição do preço pago pelo
comprador e recebido pelo vendedor – na compra e venda a retro, o vendedor tem a
possibilidade de resolver o contrato de compra e venda e o exercício deste direito tem como
consequência a aplicação do disposto nos artigos 432.º e ss., em tudo quando não for
afastado pelo regime especifico da compra e venda a retro.
Devemos todavia distinguir a compra e venda a retro da retro venda – considerando
que na primeira situação da compra e venda a retro uma única convenção ou venda em que
se inclui como disposição acessória a faculdade para o vendedor chamar de novo assim o
objeto vendido devolvendo o preço; não é isso que sucede na retro venda é um caso em que
por hipótese: A vende a B um determinado objeto e depois B no mesmo instante ou
ulteriormente volta a vender a A, ficando a venda anterior como uma simples proposta
sujeita à aceitação de A ou como uma venda completa subordinada à condição de
concordância posterior. A vendedor vende a B comprador – estipula-se no contrato a possibilidade
de A reaver o bem; na retrovenda aquilo que nós temos é um cenário em que num primeiro
momento temos: A vendedor vende a B comprador; e num momento posterior temos B vendedor
vende a A comprador.
A ideia é que na venda a retro A vende a B e logo no contrato se estipula a
possibilidade de reversão, e depois temos um outro negocio em que B vende a A mas que a
venda fica como proposta sujeita á simples aceitação de A ou como venda completa
subordinada à condição de concordância posterior por parte de A. esta distinção que é feita
entre a venda a retro e a retrovenda é importante porque não se aplica na retrovenda ao
negócio de B para A (o segundo negócio), o regime dos artigos 432.º, e ss. ao contrário
daquilo que sucede para a venda a retro, o que vale é o regime da compra e venda cabendo
a A todos os normais direitos de um normal comprador e nomeadamente a disciplina das
respetivas perturbações típicas da compra e venda que iremos ver mais à frente.
Se a compra e venda respeitar a coisas imóveis, como sucede na HIPÓTESE 1, a
resolução deve ainda ser reduzida a escritura pública ou documento particular autenticado
nos 15 dias imediatos à sua verificação e isto com ou sem intervenção do comprador, isto
os termos do artigo 930.º, do CC. No silencio do contrato a resolução fica sem efeito e dentro
do prazo de 15 dias, o vendedor não fizer também oferta ao comprador, oferta real , das
importâncias liquidada que tenha que pagar a titulo de reembolso do preço e despesas ou
outras obrigações acessórias (art. 931.º, do CC).
No nosso caso foi isso que aconteceu, só que perante a recusa antecipada do credor
entregar a coisa, o vendedor pode invocar a exceção de não cumprimento do contrato – a
consequência imposta pelo art. 931.º no sentido de dizer que a resolução fica sem efeito se
dentro do prazo de 15 dias o vendedor não fizer ao comprador oferta real das importâncias
que tem que lhe pagar, não tem aqui aplicação, ora não vale porque justamente há aqui a

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invocação da exceção de não cumprimento do contrato, mas, cumpridos os requisitos da
resolução o comprador tem a obrigação de entregar a coisa ao vendedor.

Aula do dia 02/11/2020


Estávamos a abordar a compra e venda a retro, tendo analisado um conjunto de
aspetos relativos à compra e venda a reto e estávamos a abordar a questão da distribuição
do risco. Relativamente a esta questão do risco ou de deterioração da coisa, o prof. Pedro
romano Martinez entende que, dando-se uma situação de perda ou deterioração da coisa o
risco corre por conta do comprador nos termos do art. 796.º, n.º3, do CC.
Sucede porém, que este preceito pressupõe o mecanismo da compra e venda a retro
corresponde a uma situação de condição, porém o regente julga que na compra e venda a
retro nós não estamos perante uma situação desse tipo, uma vez que a resolução do contrato
é colocada na dependência da vontade de uma das partes o que significa que nós não
estamos diante de uma autentica condição resolutiva, quando muito situações deste tipo
podem ser enquadradas no âmbito das situações potestativas mas estas ultimas não são
verdadeiras condições e não se lhe aplica a elas o regime jurídico da condição – e portanto
nós não estamos no âmbito da compra e venda a retro diante de uma condição, logo não se
lhe pode aplicar o art. 796.º, n.º3, do CC.
Olhando para esta situação da compra e venda a retro aquilo que nós verificamos é
que enquanto a resolução não tem lugar, o comprador é um possuidor de boa-fé e isto tem
impacto na medida em que significa que o comprador responda apenas pela perda ou
deterioração da coisa se tiver procedido com culpa – art. 1269.º determina que o
possuidor de boa-fé apenas responda pela perda ou deterioração da coisa se tiver
procedido com culpa. Havendo negligência ou dolo do comprador na compra e venda a
retro, se o vendedor pretender exercer o direito de resolução que lhe assiste por força desse
contrato, ele pode demandar o comprador pelos prejuízos causados com a perda ou
deterioração culposa da coisa.
Mas tratando-se de perda furtuita o que sucede é que o vendedor já não quererá
exercer o seu direito de resolução porque se o fizesse receberia uma coisa danificada ou
destruída tendo que devolver a totalidade do preço, e tratando-se de perda furtuita aquilo
que normalmente ocorre é que o vendedor não exercerá o direito de resolução que lhe
assiste for força do contrato de compra e venda a retro por não ter nisso nenhum interesse
– a propriedade acaba por se consolidar na esfera jurídica do comprador que desta forma
acaba por ter de suportar o risco de perda ou destruição furtuita da coisa mas por motivo
diverso da do art. 796.º, n.º3, acaba por ser uma consequência prática da circunstancia de o
vendedor não tem interesse em resolver o contrato, e não uma consequência da aplicação
do 796.º, n.º3 – consequência é a mesma mas as razoes são diferentes.
O alienante em certos cenários pode ignorar o perecimento da coisa e ainda assim
notificar o comprador da resolução, não sabe que a coisa sofreu um dano ou foi destruída e
exerce o seu direito de resolução nessa ignorância e notifica o comprador dessa resolução –
num cenário deste tipo a boa-fé impõe ao adquirente, comprador, que comunique ao
vendedor a ruina ou eliminação ou destruição do bem vendido. Por outro lado, e se isso não
for feito, se o comprador que viu a coisa ser objeto de perda ou destruição furtuita, não
notifica o vendedor de que isso sucedeu, ao abrigo do principio da boa-fé na medida em que
a própria declaração de resolução é uma declaração negocial recetícia, ela poderia sempre,

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na falta de outro remedio, ser atacada pelo vendedor que comunicou o seu direito de
recuperar o bem ao comprador, com base em erro.
Mas vamos agora imaginar uma situação diferente:
HIPOTESE 1: “No momento da resolução do contrato de compra e venda a retro, por parte de
A que é vendedor, o B que era o comprador, tinha vendido o bem adquirido (bem imóvel) a C.
O que é que acontece numa situação desse tipo?” Qual é o regime jurídico aplicável.
HIPÓTESE 2: A solução seria a mesma se em vez de um bem imóvel estivesse a venda de
um bem móvel?
Importa considerar que, em regra, a resolução dos contratos ou negócios jurídicos
não prejudica os direitos adquiridos por terceiros (imposição da regra que consta do art.
435.º, n.º1, do CC), mas a este principio consagrado no 435.º/1, faz exceção o art. 932.º que
é respeitante ao regime da compra e venda a retro, ao vir dizer que se a venda a retro tiver
por objeto coisas imóveis ou coisas móveis sujeitas a registo e a cláusula a retro tiver sido
devidamente registada a revolução já é oponível a terceiros – ora, havendo registo da
cláusula a retro não vale o regime do art. 435.º/1, mas sim o do 932.º, do CC, no sentido de
que a resolução passa a ser oponível a terceiro. Portanto, parece assim que a cláusula de
venda a retro só terá eficácia real tratando-se de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.
Nos restantes casos, por força do art. 435.º ela terá mera eficácia inter partes, e não
prejudica os direitos adquiridos por terceiros.
No que diz respeito à natureza da compra e venda a retro, não existem razões para
nos distanciarmos da qualificação do art. 927.º, do CC, quando este preceito vem dizer que
se está perante uma hipótese de resolução, pelo que o regente defende que a compra e venda
a retro corresponde a um contrato atributivo de um direito de resolução a exercer pelo
vendedor e dotado de eficácia retroativa de acordo com o disposto nos art. 432.º e ss., do
CC.

7. Compra e venda a prestações

HIPÓTESE 1: “ A e B celebram um contrato de compra e venda em que A é vendedor


e B o comprador, de uma coleção de selos pelo preço de 800 mil euros. Como B não tinha
dinheiro para pagar imediatamente esse valor, ficou convencionado que o preço seria pago
ao longo de 8 meses em prestações iguais de 100 mil euros cada uma. Ficou também
convencionado que os selos seriam imediatamente entregues ao comprador B. porém, B
ainda paga a primeira prestação mas falha no pagamento da prestação. A, homem de contas
rigorosas pretende saber:
1. Se pode exigir a resolução do contrato de compra e venda dos selos?
2. Se atendedor ao facto de o comprador não ter pago a segunda prestação, se pode
exigir o imediato pagamento das prestações ainda devidas?
3. A resposta seria diferente se A tivesse reservado para si a propriedade dos selos?
4. A resposta seria diferente no caso de não ter havido entrega dos selos?”
A compra e venda a prestações vem regulada nos arts. 934.º, e ss., do CC trata-se de
uma modalidade típica da compra e venda, porém a expressão “venda a prestações” não
retrata com rigor esta modalidade, isto porque aquilo que está em jogo é apenas uma
prestação, só de uma dívida. Aquilo que sucede é que a prestação única pode ser fracionada,
pode ter o seu pagamento dividido no tempo mas estamos a falar sempre de uma só divida

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e de uma só prestação – temos apenas uma prestação dividida em parcelas dessa mesma
prestação, cujo pagamento pode ser liquidado em várias parcelas, assim, a não realização
de uma delas importa o vencimento de todas, segundo o regime geral, TODAVIA existem
regras especiais que fogem a este regime geral em matéria de compra e venda (arts. 886.º,
934.º e 935.º, do CC).
▪ Quanto ao artigo 886.º, do CC: já se sabe que ele se aplica de uma forma geral a
todos os casos de não pagamento do preço pelo comprador derrogado o regime do
art. 801.º do CC (que consagra a condição resolutiva tácita) ao estabelecer que
transmitida a propriedade da coisa e feita a sua entrega o vendedor não pode
resolver o contrato por falta de pagamento;

▪ Quanto ao artigo 934.º, do CC: este preceito também se afasta do regime regra
consagrado no art. 781.º, ao vir dizer que especificamente para os casos de falta de
pagamento de uma das prestações que a falta de uma das parcelas da prestação que
é liquidada em várias parcelas nem sempre importa o vencimento antecipado
das demais. Olhando para o 934.º, do CC vermos que ele parece consagrar as
seguintes situações:
1. Vendida uma coisa a prestações com reserva de propriedade, e feita a sua
entrega ao comprador a omissão de uma prestação cujo valor exceda a
oitava parte do preço ou de duas ou mais independentemente do seu
valor, confere ao vendedor o direito de resolver o contrato de compra e
venda;
2. Assim, o mesmo é dizer que em qualquer dos casos, com ou sem reserva
de propriedade a falta de pagamento de uma prestação de montante
inferior a um oitavo do preço não implica a perda do beneficio do
prazo;
Estas soluções necessitam, contudo de alguns esclarecimentos
complementares:
a.) na expressão “preço” estão normativamente compreendidas
todas as quantias a pagar pelo comprador ao vendedor como
consequência da alienação que foi realizada, mesmo se se tratar
apenas de despesas, juros, ou outras importâncias;
b.) apesar de o 934.º se parecer à primeira vista mostrar
absolutamente categórico, no sentido de a limitação, seja da
resolução pelo vendedor, seja da perda de o beneficio do prazo
concedida ao adquirente, depender sempre da entrega da coisa, não
obstante essa aparente solução que parece resultar da letra do art.
934.º, a solução não pode ser aceite na medida em que o
desapossamento do comprador poderia trazer-lhe
consequências particularmente penosas, nos casos em que o
vendedor não pretende destruir imediatamente o contrato mas
pretende impor ao vendedor o vencimento antecipado de todas as
prestações.
c.) tem-se ainda discutido se verificados os pressupostos do art.
781.º e perante a aplicação desse preceito, se se está perante um
verdadeiro caso de vencimento antecipado ou só perante uma

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situação de simples exigibilidade antecipada. A posição que parece
preferível é no sentido do segundo termo da alternativa, isto porque
d outro modo poder-se-ia chegar a resultados desfavoráveis para o
credor. Tem se entendido que não estamos perante um caso de
vencimento antecipado mas antes perante uma simples situação em
que o credor, se assim o entender, pode exigir antecipadamente o
pagamento de todas as prestações, mas em vez de um caso de
vencimento antecipado de todas as parcelas de uma prestação, o que
se tem entendido é que o art. 781.º consagra uma simples situação
de exibilidade antecipada. O mesmo se deve entender face ao art.
934.º, do CC, o que significa que faltando o comprador ao pagamento
de uma prestação superior ao oitavo do prelo ou a duas seja qual for
o seu valor, o vendedor pode, se assim o entender, interpela-lo
exigindo o pagamento das prestações, mas também pode não o fazer.
d.) O art. 934.º refere-se apenas à falta de pagamento, mas por “falta
de pagamento deve entender-se a simples mora, por um lado,
tratando-se da exigência do cumprimento da totalidade das
prestações deve entender-se que a simples mora preenche o
conceito de falta de pagamento, mas estando em causa o exercício do
direto de resolução, apenas após o incumprimento definitivo
(provocado nos termos do 808.º).

▪ Quanto ao artigo 935.º, do CC: Estávamos a reportar-nos ao argumento do prof.


Nuno pinto de oliveira no sentido de dizer que resolver a questão passa por saber
se o art 935.º se aplica também à cláusula penal indemnizatória ou estritamente
penal eventualmente estipulada para o caso de mora e para responder a essa
pergunta disse que o prof. Nuno pinto de oliveira invoca, por um lado, o artigo 806.º,
do CC dizendo que ele tem natureza imperativa à semelhança daquilo que fazem o
prof. Pedro romano Martinez e o prof. Vasco da gama lobo xavier, e por outro lado
vem dizer que se neste caso tivesse aplicação o art. 935.º nós teríamos situações
absolutamente absurdas de atrasos mais curtos sendo punidos e atrasos mais
longos sem sanção adequada, sem ressarcimento adequado – relativamente ao
argumento atinente ao artigo 806.º já vimos que ele não se justifica porque não tem
razão de ser, este art. É manifestamente supletivo.
Vamos agora ver se tem razão de ser ou não considera que a aplicação do art. 935.º
a estas situações que estamos agora a ver conduziria ou não a resultados absurdos de
sancionamento dos atrasos mais breves e ausência de sanção para os atrasos mais longos –
o regente considera que este argumento não o convence porque o prof. Nuno pinto de
oliveira não faz distinções que importa fazer neste âmbito. O prof. Nuno pinto de oliveira
parte do principio segundo o qual à cláusula moratória a ser estipulada teria que ser para
todo o período da mora e não é assim, as partes podem definir uma clausula penal aplicável
apenas a partir de um determinado período de mora, ou só até certo momento – numa
situação do tipo daquela que é descrita pelo prof. Nuno pinto de oliveira, se as partes
definirem o montante de cada pena de forma a ela cobrir apenas os 5 meses de mora, então
parece dever concluir-se no sentido segundo o qual as situações ou danos acautelados pela
cláusula penal são apenas os resultantes de atrasos que se situem dentro dos 5 meses,
portanto ultrapassado esse prazo estamos já fora do respetivo âmbito de aplicação e
passaria por conseguinte a funcionar novamente o regime do art. 806.º, e se por qualquer

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circunstancia se chegasse por via interpretativa do contrato à conclusão segundo a qual as
partes quiseram excecionalmente não uma cláusula penal para cobrir apenas os primeiros
meses de mora, mas toda ela, nesse caso se o comprador não quiser sujeitar-se à
consequência apontada por nuno pinto de oliveira, deverá assegurar-se a possibilidade d
indeminização do dano excedente de acordo com o disposto no art. 811.º, do CC e se
concordar em fixar uma cláusula penal não só pelos atrasos cobertos pela pena mas para
toda a mora e não ressalvar a possibilidade de ressarcibilidade do dano excedente, resta-
lhe provocar o vencimento antecipado no dia em que a pena deixe de o proteger contra a
mora, e se não dizer nada disto então apenas terá de se queixar de si próprio, não havendo
qualquer razão para não aplicar no caso os limites do art. 935.º, do CC.
Diversa desta solução será a eventualidade do vendedor pretender resolver o
contrato e de isso lhe ser consentido pelo funcionamento conjugado dos arts. 886.º e 934.º,
do CC.

8. A locação-venda:

HIPÓTESE 1: “A celebra um contrato de locação com B , relativo ao bem X por


força do qual deveria pagar uma renda durante 15 anos, fundos os quais a coisa passa
para a titularidade de B – é celebrado um contrato de locação entre A e B, por força
desse contrato B pagará uma renda pela utilização da coisa durante 15 anos, e
terminado o pagamento da última renda coisa passa para a titularidade do locatário,
B. sucede que ao fim de 14 anos B deixa de pagar as rendas.” O que sucederá numa
situação esse tipo?
A figura da locação-renda encontra-se mencionada no art. 936.º, n.º2, do CC.
Trata- se de um contrato em que as partes afirmam estipular uma locação, mas
aceitam passar a propriedade da coisa locada para o locatário de forma automática,
terminado o pagamento de todas as rendas ou alugueres acordados.
Entende-se que apesar de apelidada pelas partes como um contrato de
locação, se esteja perante uma compra e venda – porque bem vistas as coisas, apura-
se, atenta esta transferência da propriedade, acabarem as prestações por não
traduzir, ou não corresponder, apenas, ao pagamento de gozo temporário, mas antes
ao pagamento da própria transmissão.
Resolução do contrato com fundamento em incumprimento do
locatário – por força do artigo 936.º, havendo incumprimento do locador, não se
aplicara o artigo 434.º, n.º2, CC em vigor para necessariamente a generalidade das
prestações periódicas. A resolução da locação-venda terá necessariamente efeito
resolutivo e o vendedor-locador deverá proceder ao reembolso ou devolução
das prestações recebidas, apenas podendo exigir uma indeminização nos termos
gerais ou fixar uma cláusula penal segundo o artigo 935.º, do CC, para onde o art.
936.º/2 remete. Note-se porém, não estar o locador-vendedor naturalmente
obrigado, numa situação de incumprimento, a resolver o contrato, podendo optar
pela manutenção.
Da locação-venda distingue-se a locação com opção de compra. Nesta existe
uma efetiva relação de locação estabelecendo-se, apenas, o direito potestativo de o
comprador, no final do negócio, dar vida a um contrato de compra e venda. A venda

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convertível realizada com consumidores finais está sujeita ao regime das vendas a
prestações celebradas com consumidores.
Não há unanimidade relativamente à natureza jurídica da locação-venda. São
três as orientações principais a este respeito:

REGENTE 1. Uma primeira orientação leva a qualificá-la como uma compra e


DISCORDA venda sujeita a reserva de propriedade.
Mas não parece ser efetivamente assim. Na venda com reserva de
propriedade se o comprador não pagar a totalidade do preço há naturalmente
incumprimento da compra e venda. Na locação-venda não sendo pago todo o
preço mantém-se o contrato como uma «locação» se o locador-vendedor assim
o entender.

REGENTE 2. Uma outra tese sustenta estar-se diante de uma união alternativa de
DISCORDA contratos.
Mas também esta orientação não parece poder ser aceite por a própria
locação já compreender aspetos ligados à venda como se constata pelo facto de o
valor das prestações estipuladas tomar em conta a futura transmissão da coisa e não
apenas o seu gozo.
3. Parece, pois, com MENEZES LEITÃO dever entender-se estar-se
REGENTE diante de uma modalidade específica e típica de compra e venda
CONCORDA onde, sendo diferida a transmissão da propriedade até ao pagamento
do preço, o vendedor se obriga a proporcionar ao comprador o gozo
da coisa, como locatário desta.

9. Compra e venda sobre documentos:

A compra e venda sobre documentos mostra-se prevista nos artigos 937.º e


seguintes do Código Civil, e tem por objeto bens representados por títulos.
Nesta modalidade especifica de compra e venda o vendedor não está obrigado a
proceder à entrega da coisa vendida mas apenas dos títulos representativos do bem
em causa (artigo 937. do Código Civil). Em qualquer caso, o objeto vendido não
corresponde aos documentos, mas às coisas aos quais eles se reportam.
As regras gerais em matéria de transferência do risco são aplicáveis à compra e
venda sobre documentos.
TODAVIA, existe, no entanto, uma regra especial quando a compra e
venda sobre documentos se reportar a uma coisa em viagem.
Se bem se atentar no artigo 938.º/1, alínea c.), do Código Civil,
observa-se estabelecer-se aí ser o risco do comprador desde a data da
compra, se em jogo estiver a compra e venda de coisa em viagem, e
mencionado este facto, figurar entre os documentos entregues a apólice de
seguro perante os riscos do transporte.

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Todavia, as alíneas a) e b) do mesmo preceito atribuem ao
comprador o risco de deterioração ou perecimento desde a data da
entrega da coisa ao transportador mesmo se em momento anterior ao
da data da compra. A ratio de uma tal solução está ligada ao facto de a
transmissão do seguro por o comprador ao abrigo das consequências
nefastas de danos, não sendo por isso considerado adequado fazer depender
a transferência do risco de prejuízos ocorridos durante o transporte da
realização do contrato.
! As regras constantes das duas primeiras alíneas (a e b) do artigo 938.8, não serão,
porém, aplicáveis se ao tempo do contrato o vendedor já sabia encontrar-se a coisa
perdida ou deteriorada e dolosamente o não revelou ao comprador de boa fé (artigo
938.º/2 do Código Civil).
Além disso, quando o seguro apenas abranger parte dos riscos, o disposto no artigo
938.º vale, tão-só, relativamente à parte segurada (artigo 938.º/3, do Código Civil).

Aula do dia 09/11/2020

Compra e venda de bens alheios


HIPÓTESE 1: “António vende a B em móvel pertencente a C, no momento em que A é
confrontado a exigência da entrega do móvel por parte de B, A invoca com propósito de se
eximir ao cumprimento de obrigação da entrega, a nulidade do contrato.” – vendeu uma coisa
alheia e o efeito translativo não se dá e portanto, quando A é pressionado por B para
entregar o bem vendido, o que ele faz é dizer que vendeu o bem mas o bem não era dele,
sendo o negócio nulo não tendo que o entregar.
De acordo com o artigo 892.º, do CC a compra e venda de bens alheios é
sancionada com a nulidade do negócio – o efeito deste negocio é uma invalidade na
forma. Todavia, esta nulidade é distinta da que resulta do regime geral de nulidade em
diversos aspetos:
1. Quanto à legitimidade para a arguição – por força do 286.º, qualquer
interessado tem legitimidade para arguir a nulidade, mas não é assim que se procede
no âmbito da compra e venda de bens alheios. O artigo 892.º limita fortemente a
legitimidade para invocar a nulidade;
2. Quanto à obrigação de restituição – por força do 289.º, havendo nulidade
ambas as partes devem restituir a prestação que receberam, e na eventualidade de
uma das partes não poder restituir aquilo que recebeu porque houve perecimento
ou destruição da coisa, terá que haver um acerto nas prestações das partes, mas não
é isso que sucede no caso de eventualmente o comprador não conseguir proceder à
devolução da coisa que comprou.
3. Há também um regime especifico na medida em que, por força do que é
estabelecido nos arts. artigo 892.º e ss., há a possibilidade do dever de convalidação,
algo que não se verifica na normalidade das situações de nulidade, que são
insuscetíveis de convalidade.
No que diz respeito à legitimidade na compra e venda de bens alheios temos
que: o artigo 892.º limita fortemente essa legitimidade estabelecendo que o vendedor não

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pode opor nunca a nulidade ao comprador de boa-fé, e limita também estabelecendo que o
comprador doloso também não pode opor a nulidade ao vendedor de boa-fé. O vendedor
só pode opor a nulidade ao comprador de má-fé.
Quanto ao sentido do termo dolo do artigo 892.º: este dolo que aqui se fala, por
razoes de ordem histórica, não corresponde nem ao dolo-culpa, nem ao dolo do 253.º do CC,
deve antes aproximar-se da boa-fé em sentido ético (Menezes cordeiro concorda) – quando
se lê dolo deve entender-se “má-fé”, portanto devemos entender que há boa-fé para efeitos
de nulidade quando se desconheces sem culpa a alienidade do bem e haverá culpa quando
essa circunstancia seja conhecida ou ignorada com culpa.
Vamos agora admitir que a nulidade era invocável por alguma das partes, que
tinham legitimidade para o fazer, qual seriam os efeitos dessa nulidade? Por um lado, há um
conjunto de efeitos que se prendem com a responsabilidade civil que existirá nessa caso, e
por outro lado os efeitos de nulidade no que diz respeito às obrigações de restituição a cargo
das partes, e mais concretamente a cargo do comprador. Portanto, havendo nulidade do
contrato o vendedor deve restituir o preço e o comprador deve restituir o bem vendido –
deve haver, em virtude da nulidade, restituição da coisa pelo comprador ao vendedor
independentemente deste estar de boa ou de má-fé, e na eventualidade de isso não ser
possível fica obrigado a entregar o valor correspondente.
SINTETIZANDO:
1. No que diz respeito ao regime regra (perante contratos de compra e venda
que não são de coisa alheia): havendo nulidade ambas as partes devem restituir
aquilo que receberam – vendedor restituir o preço e comprador a coisa recebida, e
não sendo possível porque esta foi objeto de destruição então o comprador será
obrigado a entregar o valor correspondente nos termos do 289.º, n.º1 e 290.º, do CC.
2. No que diz respeito a nulidade resultante de uma compra e venda de bens
alheios: a obrigação de restituição do preço obedece a um regime diferente do
regime imposto pelo 289.º do CC dado essa obrigação de restituição variar
consoante exita ou não ao-fé do obrigado. Aquilo que sucede é que o artigo 894.º
determina ter o comprador de boa-fé, diante da nulidade da venda de bens alheios,
o direito de exigir a restituição integral do preço mesmo que os bens já estejam
perdidos, ou deteriorados ou tenham diminuído de valor. Aquilo que o artigo 894.º
nos diz é que o comprador de boa-fé, confrontado com a nulidade da venda dos bens
alheios, tem o direito de exigir a restituição integral do preço mesmo se os bens
tiverem sido perdidos, deteriorados ou diminuído de valor.
O artigo 894.º. do CC é um preceito complexo e gerador de interpretações
divergentes, sendo elas as seguintes:
1. A maioria dos autores considera, recorrendo a uma interpretação à contrario
sensu do artigo 894.º de não poder, o comprador de má-fé, face a este preceito, pedir
a restituição integral do preço, ao invés daquilo que emergiria do regime geral da
invalidade.
TODAVIA, a este entendimento opôs-se Diogo Bártolo numa posição que o
Regente também adota porque não lhe parece que o artigo 894.º, do CC possa ser
objeto de uma interpretação à contrario sensu, uma vez que não estão aqui reunidos
os pressupostos que poderiam justificar a interpretação à contrario sensu. É que ao
contrario daquilo que é aparentemente subentendido, o artigo 894.º, do CC não visa

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conceder ao comprador de boa-fé o direito à restituição integral do preço, porque
esse direito já decorre do artigo 289.º, n.º1, do CC, onde de resto não se distingue
entre sujeitos de boa ou de má fé – essa faculdade resulta do artigo 289.º, n.º1 e não
do artigo 894.º, do CC. Aquilo que o artigo 894.º, do CC faz é, como bem assinalada o
Prof. Diogo Ventura e depois seguido pelo Prof. Diogo Bártolo, o interesse e o
alcance do artigo 894.º, n.º1, do CC é o de desligar o direito a esta restituição integral
do preço que resulta do artigo 289.º, das vicissitudes sofridas pela coisa enquanto
esta estiver em poder do comprador de boa-fé – ora, desligar o direito de restituição
integral do preço por parte do comprador de boa-fé da sua eventual impossibilidade
de restituir a coisa ou de devolver tal como a recebeu.

Os Professores Menezes Cordeiro, Carneiro da Frada e Paula Mota Pinto entendem


que o comprador de boa-fé de bem alheio, só beneficiará de regime estabelecido no artigo
894.º, n.º1 se a destruição ou afetação de valor do objeto do cotrato de compra e venda do
bem alheio não se dever a culpa sua – isto porque entendem que o artigo 894.º, do CC é
limitado de forma a que este só regularia se não estivesse reunido o pressuposto de que o
art. 1269.º, faz depender a responsabilidade do possuidor de boa fé, sendo esse pressuposto
a existência da culpa por parte do possuidor na destruição ou danificação da coisa.
Diversamente, o Professor Menezes Leitão tem um entendimento diverso – pega na
ideia expressa por Pires de Lima e Antunes Varela no sentido de o artigo 894.º dispensar ao
comprador de boa-fé de coisa alheia uma proteção superior à do possuidor de boa-fé – diz
que, neste caso, o art. 1269.º não se aplica, o que se aplica ou que se deveria entender seria
que no caso do 894.º estaríamos diante de uma hipótese de aplicação do limite do
enriquecimento estabelecido no art. 479.º, n.º2, que estabelece no âmbito do
enriquecimento sem causa uma hipótese de aplicação do limite do enriquecimento. Ora, no
âmbito de enriquecimento, contrariamente ao que sucede na posse por força do 1269.º, o
devedor de boa fé não responde pela perda ou deterioração culposa do objeto a restituir
mas apenas pelo seu enriquecimento conforme dispõe o 479.º, n.º2, só se lhe aplicando a
essa responsabilidade pela deterioração da coisa em situação de má-fé por força do 480.º,
do CC.
Opinião do Regente face a esta divergência: na eventualidade de perda ou
destruição de coisa alheia vendida, nas relações entre o vendedor e o comprador vale o
disposto no art. 894.º, mas não vale o disposto no art. 1269.º, porque de facto, o âmbito de
aplicação dos dois preceitos é distinta, as relações e os sujeitos a que se aplicam estes
preceitos são distintos:
- Aquilo que o artigo 894.º regula são as relações entre o comprador e o vendedor
naquilo que diz respeito à pretensão de restituição do preço. O artigo 894,º regula
um aspeto das relações entre o vendedor de coisa alheia e o comprador dessa
mesma coisa.
- Já o artigo 1269.º regula uma situação completamente diferente. Entre sujeitos
igualmente distintos. Na verdade, este artigo regula as relações entre o possuidor da
coisa e o titular do direito de fundo, estabelecendo quais são os direitos deste ultimo,
o titular do direito de fundo, em caso de perda da coisa objeto de posso por outrem.
Portanto, se na compra e venda de objeto alheio, cuja nulidade é invocada por
alguém com legitimidade para o fazer, e o bem vier a ser destruído, e não puder ser
devolvido ou não puder ser devolvido na integra devido a danificação, aquilo que o 894.º

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nos diz é qual é ou qual deixa de ser a responsabilidade do comprador perante o
vendedor. Este preceito determina que no âmbito das relações entre o vendedor e o
comprador, a existência de culpa do comprador de boa-fé na perda ou destruição do bem, é
irrelevante e não influencia o direito à restituição integral do preço, até porque não sendo o
bem do devedor ele não tem qualquer direito a receber do comprador nenhuma
contrapartida pela destruição ou danificação do bem – o bem não lhe pertence e portanto
não tem nenhum título para pedir indemnização. O âmbito das relações entre o vendedor e
o comprador, se o comprador estiver de boa-fé, a existência de culpa é irrelevante por
força do 834.º, e assim, mesmo que a cisa tenha sido lesada, danificada ou destruída,
o comprador tem direito à restituição integral do preço – este direito tem que ver com
o facto de o vendedor não ser proprietário, não ser titilar do direito.
Já no mesmo cenário em que a coisa tenha sido danificada ou destruída, o art.
1269,.º, do CC vem estabelecer uma responsabilidade do comprador perante o
proprietário se o primeiro for responsável com culpa pela perda da coisa – mas isto
nada tem que ver com a situação regulada pelo artigo 894.º (este regula as elações entre o
vendedor e o comprador), uma vez que o art. 1269.º regula as relações entre o comprador
e o proprietário.
Regente concorda com o Prof. Menezes Leitão, no sentido de dizer que o 1269.º
não limita o 894.º nem concorre com ele, e portanto o artigo 1269.º não impede o
comprador de boa-fé que provocou COM CULPA a destruição do bem de ter direito à
restituição integral do preço.

Vamos agora imaginar: “A vende em representação de B, mas sem os necessários


poderes, B pertencente a B.” – terá neste caso aplicação o regime da compra e venda de bens
alheios ou não?
Trata-se justamente de um aspeto de se saber: se se aplica ou não o regime da
compra e venda de bens alheios nas hipóteses em que o alienante declara atuar em
representação de outrem mas sem possuir legitimidade necessária. É discutido porque
apesar de os arts. 892.º e ss. se reportarem da compra e venda de coisa alheia como própria,
eles parecem, segundo alguns autores, abranger também no seu sentido normativo as
hipóteses em que o vendedor admite não ser titular do bem mas se arroga legitimidade
representativa para alienar esses bens quando na realidade não tinha.
O problema que se suscita neste caso tem que ver com a circunstancia de haver uma
norma, que é o art. 268.º, n.º4, do CC que abrange e reporta expressamente esta
situação estabelecendo a possibilidade de retificação por parte do representado do
negócio realizado pelo falso procurador, pelo falso representante:

Artigo 268.º, n.º4, do CC

Ora, havendo uma atuação levada a cabo por um falso procurador/representante o


negócio é ineficaz relativamente ao representado mas este pode, se assim o entender,
retificar o negócio ou eventualmente recusar se a fazê-lo, pelo que se se recusar a
retificar o negócio o mesmo não produz efeitos em relação a ele, e contrariamente se o fizer,
o negócio irá produzir efeitos relativamente a ele, não tendo lugar o regime da compra e
venda de bens alheios.

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No caso do artigo 268.º, n.º4 nós estamos perante um direito que é de exercício
transitório no sentido em que este artigo só tem aplicação até o negocio ser retificado, se
não for então aplica-se o regime normal da compra e venda de bens alheios.

Se alguém pretende vender como própria uma coisa alheia que não está fora do
comércio, e que é específica, que é vendida como presente, e não se tratar de um contrato
comercial, se nessa eventualidade o contrato-promessa de compra e venda de coisa alheia
se é atingido pelo regime da compra e venda de bens alheios. A questão que aqui se coloca
é a de saber se não sendo possível vender uma coisa alheia é possível prometer
vender uma coisa alheia?
A posição maioritária vai no sentido da admissibilidade do
contrato-promessa de coisa alheia, mesmo que se prometa vender uma
coisa alheia como própria se trata de uma coisa que não está fora do
comércio, que é específica e de uma coisa que não é vendida como coisa
REGENTE futura mas como coisa presente. Isto porque o contrato promessa de compra
CONCORDA e venda não tem efeito translativo imediato – semelhante com a compra e
venda de bem futuro, em que não se aplica o regime da compra e venda de
bens alheios por força do que dispõe o artigo 408.º e do diferimento desse
efeito translativo até que haja especificação da coisa, pois só a partir desse
momento é que tem aplicação o regime da compra e venda de bens alheios.
Ora, no caso do contrato-promessa de compra e venda de uma coisa alheio, o efeito
que este contrato tem é um efeito meramente obrigacional, não tem efeito translativo, pelo
que o que pode acontecer se o promitente vendedor ainda não tiver adquirido a coisa no
momento de celebração do contrato definitivo é ele não estar em condições de celebrar o
contrato por esse motivo, e nessa eventualidade ele incorre em incumprimento sendo a
consequência meramente obrigacional, faz sentido apenas no plano obrigacional e
creditício – daí que se entenda que é admissível a celebração de um contrato-promessa de
coisa alheia.
MAS COM UMA PARTICULARIDADE: Alguns autores entendem que
não será assim se o contrato-promessa estiver dotado de execução
específica, o efeito translativo poder-se-ia dar e então estaríamos perante
REGENTE uma situação em tudo equivalente à da compra e venda de bens alheios – a
CONCORDA pretensão do efeito translativo estaria lá mas não poderia acontecer.
Estando perante um contrato promessa de compra e venda de um bem alheio,
dotado esse contrato de execução específica então deve aplicar-se logo o regime da compra
e venda de bens alheios e esse contrato deve ser considerado nulo.

O art. 892.º refere ser nula a compra e venda de bens alheios quando
o vendedor, para além de vender como própria a coisa, careca de
legitimidade para o fazer, e neste caso, se A é representante de B ele tem
legitimidade para atura em nome de B, e por isso há quem diga que nós não
REGENTE estaríamos na presença de uma compra e venda de bens alheios se
DISCORDA porventura o vendedor tivesse poderes para particular o ato de disposição
como sucederia com o representante dotado de faculdades ou poderes
representativos ou com o credor penhoratício.

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Nessa circunstância há um equivoco, mais ou menos generalizado, ou não havendo,
há uma explicação que não é suficientemente clara e abrangente do fenómeno em jogo,
porque nestes casos não deixará de haver uma compra e venda de bens alheios se o sujeito
que está legitimado para atuar em determinados moldes e apenas nesses termos, os vender
como sendo próprios, e portanto se o sujeito está apenas legitimado a atuar se verificadas
determinadas condições, não respeitar as condições das quais depende a sua legitimidade –
sempre que alguém vende bens de terceiro como próprios e se isso não resultar de um erro
na declaração (pelo que nessa eventualidade o regime aplicável será o do erro), mas não
havendo erro, sempre que alguém vende bens de terceiro como próprios aplica-se o regime
da venda de bens alheios se os bens não forem próprios e o sujeito que atua não respeitar
os requisitos de que depende a sua legitimidade.
O Regente considera que se porventura alguém que está dotado de poderes
representativos atua vendendo bens que são do representado, mas nessa atuação os
identifica como sendo próprios, atua e vende em nome próprio esses bens e não em nome
do representado, nós temos um caso de compra e venda de bens alheios – ora, não basta
uma qualquer legitimidade cujos pressupostos não são respeitados para se dizer que não
tem lugar o regime da compra e venda de bens alheios, é necessário que o sujeito que atua
dotado dessa legitimidade, respeite os pressupostos dessa legitimidade e que atue no
exercício da mesma, porque não o fazendo nós teremos uma hipótese de compra e venda de
bens alheios.

Consequências ao nível indemnizatório no âmbito da compra e venda de bens


alheios, vamos imaginar:
1 . Alienante encontra-se de boa fé e o comprador de má-fé – neste cenário só o primeiro
é que pode suscitar a nulidade, aplica-se então apenas o regime do 898.º, do CC, ora, uma
simples indemnização pelo interesse contratual negativo a cargo do comprador. A única
situação de mera indeminização do mero interesse contratual negativo é esta – vendedor
de boa-fé e comprador de má-fé, e portanto o comprador de má-fé terá que ressarcir o dano
sofrido pelo vendedor de boa fé, mas apenas pelo interesse contratual negativo.
Mas porque é que nos outros casos a indemnização devida ao comprador será
sempre pelo interesse contratual positivo e neste caso de má fé do comprador o
vendedor só tem direito a uma indeminização pelo interesse contratual negativo?
- Tem que ver com o aspeto que resulta da circunstancia de no nosso direito
se considerar que o vendedor de algum modo tem uma responsabilidade no
conhecimento da situação efetiva do bem, tendo a obrigação, de alguma
forma, saber qual é a situação do bem, isto é, se lhe pertence pu não – há uma
desvalorização da posição do vendedor como resulta do facto de ele
responder pelo risco quando ambos estão de boa-fé, pelo nosso direito ter
feito surgir uma obrigação de convalidação, e restituição do preço
manifestamente vantajosa para o comprador (894.º). esta limitação à
indeminização pelo interesse contratual negativo inscreve-se neste quadro
geral de desvalorização da posição do vendedor.
Parte deste regime da compra e venda de bens alheios é supletivo. O disposto no
artigo 894.º, n,º, no 897.º, 899.º, 900 e 901.º, n.º1, cede perante convenção em contrário,
exceto se o contraente a quem a convenção (a estipulação que afasta a aplicação destes
preceitos), houver agido com dolo e o outro estipulante estiver de boa fé - neste caso estes

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preceitos tornar-se-ão imperativos, mas não estando perante uma situação deste tipo serão
supletivos.

Compra e venda de bens onerados


HIPÓTESE 1: “A vende a B um apartamento destinado à habitação. Vem porém apurar-se a
não ter o apartamento licença de habitação carecendo desta.”
Quais são as formas de que o comprador dispõe para reagir contra uma situação desse tipo?
HIPÓTESE 2: “ A vende a B um terreno e garante-lhe que lá podem ser contruídos dois prédios
de 10 andares, só que isso não sucede. Quando o B poe o projeto na camara, esta responde-lhe
que só pode lá ser construído um prédio de 5 andares.”
Quais são os direitos e os meios de reação que o comprador dispõe para uma situação desse
tipo?
A compra e venda de bens onerados encontra-se prevista no artigo 905.º, do CC, e
disse preceito que, se por ventura num contrato de compra e venda o direito que é
transmitido por força desse contrato, estiver sujeito a alguns danos ou limitações que
excedam os limites normais inerentes a direitos da mesma categoria, então, por força do
artigo 905.º, haverá anulabilidade desse contrato por erro ou dolo na hipótese de se
verificarem no caso os requisitos legais da anulabilidade.
Com a referência final da norma procura-se afastar do âmbito da respetiva tutela as
situações em que as “onerações” do direito transmitido acompanham, como por inerência,
quaisquer direitos do mesmo tipo ou categoria. Trata-se de limitações que atingem, de
forma geral e abstrata, os titulares de direitos sobre determinados bens. Isso mesmo
verifica-se, por exemplo, com as limitações gerais ao direito de propriedade em matéria de
relações de vizinhança.
A ratio da norma consiste em proteger o adquirente contra o risco de adquirir um
bem que, por não estar livre de uma intromissão limitadora, não corresponde à
representação que, de acordo com o contrato dele se teve. Destarte, nada legitima a
restrição dos ónus ou limitações a situações de determinado tipo ou natureza. Abrangidos
ficam tanto os direitos reais de gozo menores, como as garantias reais, como, ainda, os
direitos de crédito ou quaisquer outras posições jurídicas as quais, independentemente da
sua precisa qualificação, se revelem eficazes relativamente ao adquirente, ignorando-as este
ao tempo da compra. Noutros termos, importa em cada situação apurar se a limitação
existente se pode impor ao comprador, gerando uma diminuição do direito transmitido, e,
desse modo, uma falta de correspondência entre o valor do bem proposto no contrato e o
valor efetivamente transmitido.
Pode, pois, dizer-se, com FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ, existir um vício de
Direito se o vendedor põe à disposição do comprador o objeto da compra, mas não Ihe
proporciona simultaneamente a situação que, segundo o contrato, o adquirente podia
legitimamente esperar. Ou seja, o comprador recebe menos, em direito, de quanto o
vendedor estava obrigado a proporcionar-lhe. Nessa perspetiva pode acentuar-se a ideia de
o vício de direito não ser, em rigor, um vício do objeto da compra, mas antes um «vicio no
direito» proporcionado pelo vendedor. Quanto o comprador recebe é, afinal, uma posição
diminuída em relação ao resultante do negócio. O decisivo não é a natureza jurídica do ónus,
mas a sua eficácia perante o comprador. Note-se, embora isso não seja de fácil figuração

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prática, poder, como observa CALVÃO DA SILVA,O ónus ser até uma posição jurídica do
próprio comprador a gravar o bem adquirido. Por outro lado, estão abrangidos pelo âmbito
do artigo 905.º, do Código Civil toda a espécie de objetos de compra, e, embora se não possa
aprofundar o tema neste âmbito por exigir uma investigação própria que nos levaria
demasiado longe, designadamente as patentes, marcas, licenças, direitos de autor, a compra
de ações de uma sociedade, a empresa e títulos de valor mobiliário. Trata-se de uma solução,
apesar da disparidade de opiniões manifestadas no passado a este respeito, hoje plácida. A
matéria dos vícios da coisa esteve aferretada às coisas corpóreas, sobretudo o prédio.
Apesar disso, a riqueza tem-se movido para os móveis. Ao Direito civil interessa não a forma,
mas, sim a materialidade e o substancialismo.
Não são, porém, amiúde, de aplicar a situações como a compra e venda de
automóveis em que se assiste à viciação ou alteração dos respetivos documentos, por se
estar diante de uma situação de incumprimento da obrigação de entrega (artigo 882.º/2 do
Código Civil). De facto, o artigo 882.º/2 do Código Civil faz a obrigação de entrega da coisa
abranger os documentos a ela relativos. Por isso, se eles não forem devidamente entregues
há, em princípio, incumprimento dessa obrigação. Note-se, porém, que em inúmeros casos
de viciação dos documentos se está diante de compra e venda de bens alheios, cujo regime
é diverso do da compra e venda de bens onerados. Noutras hipóteses, se a viciação se
destinar a ocultar caraterísticas que o veiculo não possui dir-se-á haver mesmo uma
situação de compra e venda de bens onerados. Isto, pois o comprador recebe uma posição
diminuída em relação ao resultante do contrato. Em jogo não está, pois, o mero
incumprimento da obrigação de entrega nos termos do artigo 882.2/2 do Código Civil.
Já a compra e venda de bens onerados pode valer perante a existência de
irregularidades no bem vendido, geradoras de impedimento do gozo ou disposição deste
pelo comprador1260,como sucede com a compra e venda de imóveis construídos sem a
respetiva licença de habitação ou de construção.
O nosso Código Civil não prevê diretamente a hipótese de o vendedor assegurar ao
comprador a existência de especiais vantagens jurídicas em relação à coisa, que excedam o
normal nos direitos da mesma categoria(refere-se a titulo de exemplo uma servidão de
passagem por prédio vizinho ou, por hipótese, a edificabilidade com determinadas
características). PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA propõem a aplicação a esta situação do
regime da compra e venda de coisas defeituosas, por falta de qualidades da coisa. Mas isso
envolveria transformar o regime num instituto mais geral suscetível de contemplar, além
das materiais, a falta de qualidades provenientes de relações jurídicas pertinentes à coisa.
Uma via alternativa passaria por aplicar o regime do incumprimento com as especialidades
impostas pela proximidade com a compra e venda de bens onerados.
Finalmente uma outra solução residiria na aplicação analógica do regime da venda
de coisa onerada. Pela nossa parte, depois de quanto temos vindo a dizer a respeito do
processo de interpretação-compreensão-aplicação do Direito, apenas podemos voltar a
sublinhar a falta de especificidade do. tradicional processo de aplicação de uma norma ou
regime por analogia. Toda a aplicação jurídica é necessariamente analógica. Não
insistiremos neste ponto. A interrogação a pôr será então outra: a de saber se
normativamente as situações nas quais a coisa vendida se mostra privada de vantagens
adicionais específicas prometidas ainda se afiguram abrangidas pelo regime dos artigos
905.° e seguintes. A resposta é afirmativa. O problema não é, então, de compra e venda de
coisa defeituosa, pois, isso envolveria, como se referiu, um alargamento dos artigos 913.º e
seguintes para além das situações de vício da própria coisa por forma a abranger também

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as suas qualidades jurídicas. Não parece haver margem para a possibilidade de se falar
imediatamente, de forma pura e simples, em incumprimento1268. Há, todavia, aqui uma
perturbação do compromisso translativo assumido pelos contraentes, à semelhança de
sucedido com a compra e venda de bens onerados. Nenhuma dúvida pode, pois, permanecer
a respeito da aplicabilidade dos artigos 905,° e seguintes a estas situações.
A noção de ónus constante do artigo 905.º, deve ser entendida em sentido amplo.
Nessa medida são ónus a existência de irregularidades no bem vendido geradoras do
impedimento doloso ou exposição deste pelo comprador como sucede com a compra e
venda de imoveis construídos sem a respetiva licença de habitação ou de construção – nessa
medida, já temos resolvido a HIPÓTESE 1: nós devemos entender que, situações que
impedem o gozo da coisa, devem ser entendidas como ónus.
Além disso, nós devemos entender que o nosso código não contempla diretamente
a hipótese de o vendedor assegurar ao comprador a existência de especiais vantagens
jurídicas em relação à coisa, que excedam aquilo que é normal nos direitos da mesma
categoria:
Exemplo: alguém garantir a existência de uma certidão de passagem por um prédio
vizinho, ou a situação em que alguém assegura a edificabilidade com determinadas
características num determinado terreno, vários imoveis com uma determinada volumetria
– estas situações não estão previstas no nosso código mas o regente considera que lhe
parece que se pode aplicar o regime do artigo 905.º, regime da compra e venda de bens
onerados, dado o sentido amplo de ónus.

Efeitos da compra e venda da bens onerados:


Já se viu que no artigo 905.º, se estabelece que se o direito transmitido estiver sujeito
a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da
mesma categoria, é anulável por erro ou dolo, se no caso se verificarem os requisitos da
anulabilidade.
- Alguma doutrina tem reconduzido a tutela do comprador à doutrina geral do erro
e do dolo, o que significaria que o direito de anulação só se verificaria se estivessem
reunidos os pressupostos e requisitos da anulabilidade (essencialidade do erro e
cognoscibilidade da mesma pelo vendedor nos termos dos arts. 947.º, do CC).
- Há no entanto opiniões divergentes desta, nomeadamente a defendida pelo Prof.
Menezes cordeiro e pelo Prof. Romano Martinez, bem como o Regente, no sentido
de se advogar que a remissão do artigo 905.º, deve ser enquadrada não no âmbito
do erro, mas antes numa hipótese de resolução, isto porque verificamos que o
regime do erro (247.º e ss.) é insuscetível de ser chamado à colação, ou seja não se
aplica relativamente aos efeitos previstos nos artigos 905.º, e ss. que não tenham
que ver com a dita consequência da anulabilidade.
Há um conjunto de consequências que mostram como o regime de compra e venda
de bens onerados está na dependência do regime do incumprimento. Aquilo que sucede
quando se realiza um contrato de compra e venda de bem onerado é que o comprador
pretende adquirir o objeto X e manifesta de forma adequada e isenta de vícios a vontade de
adquirir o bem X, pois ao selecionar o bem o que o comprador faz é exprimir a sua vontade
de adquirir um bem ou um direito, só que identifica um bem que apenas possui as
características de Y, na convicção errónea de que ele segue o programa

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contratual/obrigacional de forma correta e isenta de vícios – neste caso, aquilo que
observamos é que o erro não afeta a fase da formação do negocio jurídico, nesta fase tudo
se passa de forma correta e isenta de vícios, o erro existe sim na fase de atuação, de execução
de negócio, à realidade obrigacional sobre o qual se vai delinear o programa pelas partes,
mas esse programa obrigacional foi delineado de forma correta e isenta de vícios ou erros.
EXEMPLO ILUSTRATIVO: há erro quando o comprador quer branco e compra preto,
mas haverá já incumprimento se o comprador pactuar comprar branco e o vendedor
entregar preto. É isso que sucede quando há uma compra e venda de bem onerado, o
comprador e vendedor pactuam vender e comprar branco, expressam a sua forma
corretamente e isenta de vícios, mas depois na fase de execução aquilo que se verifica é que
é identificado um bem que não corresponde à vontade formada – mas aqui o vício não é na
formação, existe sim um incumprimento dessa vontade (porque se entrega um objeto que
não corresponde à vontade formada corretamente e isenta de vícios),
O que nós temos quando se fala em compra e venda de bens onerados é uma
hipótese de cumprimento defeituoso e não de erro – esta anulação de que fala o art.
905.º, na realidade deve ser entendida como uma resolução.
A disciplina da compra e venda de bens onerados assenta na atribuição ao
adquirente de uma série de remédios:
- O primeiro de entre eles passa, aparentemente, pela anulação do contrato por
erro ou dolo. De facto, tal como se viu já, no artigo 905.º do Código Civil estabelece-se: se o
direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites
normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo,
se no caso se derem os requisitos da anulabilidade.
Face a este preceito, parte da nossa Doutrina entende ser, na hipótese de compra e
venda de bem onerado, o contrato anulável a pedido do comprador se ele tiver
agido com desconhecimento da limitação do direito. Ter-se-ia pretendido
remeter a tutela do comprador à doutrina geral do erro e do dolo.
Vão nesse sentido PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, MIGUEL TEIXEIRA
DE SOUSA, NUNO PINTO DE OLIVEIRA, SANTOS JUSTO E MENEZES LEITÃO.
O direito de anulação só surgiria se estivessem presentes os requisitos da
anulabilidade: a essencialidade do erro e a cognoscibilidade da mesma pelo vendedor
(artigo 247.º do Código Civil): Estes factos seriam constitutivos do direito, pertencendo a
respetiva prova, segundo as regras gerais, ao comprador. Ressalva-se naturalmente a
hipótese de dolo, pois, nesse cenário basta ser ele determinante da vontade do declarante
(artigo 254./1 do Código Civil) salvo se provier de terceiro, hipótese na qual se exige
também o conhecimento ou dever de conhecimento do destinatário (artigo 254.9/2 do
Código Civil).
Numa linha diversa, alguns autores defendem ser o regime da compra e venda de
bens onerados tributário do regime do incumprimento.
Vão nesse sentido: BAPTISTA MACHADO, CALVÃO DA SILVA, FERREIRA DE REGENTE
ALMEIDA, CARNEIRO DA FRADA, PEDRO ROMANO MARTINEZ, MIGUEL CONCORDA
BRITO BASTOS e MENEZES CORDEIRO.
E é essa a melhor solução. O erro a que se reporta o artigo 913.º não é o erro em
sentido técnico-jurídico. O erro a que este regime dos artigo 905.º e ss., se refere, assim

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como o da compra e venda de coisa defeituosa diz respeito, não à fase de formação do
negócio, mas, sim, à da execução d contrato. No erro, dado o vicio na vontade, o comprador
não conseguiu da expressão adequada ao seu interesse. O negócio não representa o
interesse pretendido obter pelo declarante. Na compra e venda de bens onerados o
problema não reside na falsa representação da realidade ou manifestação errónea da
vontade. Está sim na má execução: o vendedor diz transmitir a) e transmite b) (ver exemplo
ilustrativo referido anteriormente).
Não obstante a remissão do artigo 905. do Código Civil para o regime do erro e do
dolo e para a anulabilidade, a situação deve ser emoldurada numa hipótese de
resolução.

1. Em primeiro lugar o regime do erro e do dolo (artigos 247 e seguintes do Código


Civil), não vale para os restantes efeitos previstos nos artigos 905.° e seguintes.
Não tem lugar relativamente à expurgação de ónus ou limitações (artigo 907º), à
redução do preço (artigo 911.º do Código Civil) e ao pedido de indemnização (artigo
908.º e seguintes, máxime o artigo 910.º). Todos estes efeitos mostram-se na
dependência do regime do incumprimento dos contratos e não das regras relativas
aos vícios na formação dos negócios jurídicos, não se entendendo afigurarem-se as
várias consequências da compra e venda de bens onerados fundamentos distintos.
Na verdade, o regime do cumprimento defeituoso, estabelecido para a compra e
venda, tem por propósito estabelecer o equilíbrio entre prestações. Não se
revelando isso viável pode pôr-se termo ao contrato. Na eventualidade de erro,
parte-se justamente da situação oposta. O contrato é inválido, mas pode ser
confirmado. Ora, esta diversidade de pontos de vista não se harmoniza, como
observa PEDRO ROMANO MARTINEZ, com uma contemporização de regimes. Não
se pode, destarte, apelar em parte às regras do erro e às regras do
incumprimento.
2. Em segundo lugar, nas hipóteses de erro-vicio, como sucede nas situações de
erro e dolo, há uma falsa representação da realidade no momento da formação do
negócio jurídico. Mas essa solução não se sintoniza com a convalescença do contrato
em virtude de iniciativa do vendedor. Não por não ser possível a convalidação do
negócio anulável, mas por esse meio estar na dependência da vontade do errante (o
comprador), segundo o artigo 288.º do Código Civil, não daquele que, de algum
modo, esteve na origem do erro (ou seja, o vendedor no cenário da venda de bens
onerados).
Perante este cenário, a referência do artigo 905.º do Código Civil aos pressupostos
legais da anulabilidade tem de ser devidamente interpretada.
1. Por um lado, na direção de o comprador não poder pôr termo ao contrato
com base em defeito do qual tenha conhecimento efetivo, no momento da
celebração do contrato (e isto já nos situa perante uma outra diferença: se no
âmbito do erro a indesculpabilidade não afasta a anulação do negócio, a
desculpabilidade da ignorância do comprador parece ser requisito da
responsabilidade do vendedor na hipótese de compra e venda de bens onerados).
2. Por outro, julgando só se legitimar a cessação do vínculo contratual-em
virtude da oneração -se o dever obrigacional, por parte do vendedor, for de tal
forma grave que não permita a manutenção do negócio jurídico, segundo o
artigo 802.º/2 do Código Civil (assim surgindo visivelmente outra diferenciação

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entre o regime da compra e venda de bens onerados e o regime do erro: a
essencialidade é facto constitutivo do direito de anulação dos artigos 247.°, 251.° e
252º. A falta de gravidade do ónus é um facto impeditivo do direito de
resolução nos termos dos artigos 801.º e 802.º do Código Civil). O artigo 905.°
funcionará como uma regra – que materialmente desonera o comprador da prova
de que se pretendeu transmitir e adquirir um direito livre de ónus ou limitações
anormais.
Note-se que o facto de a disputa entre as teses do erro e as do incumprimento apenas
dizer respeito à compra e venda de coisa especifica.
Tratando-se de compra e venda de coisa genérica ou indeterminada ninguém
impugna haver, então, aplicação da figura do incumprimento. Na verdade, é essa a solução
imposta pelo artigo 918.° do Código Civil. Além disso, e antes da entrega da coisa, vale,
igualmente, de forma pacifica, o regime do incumprimento.
E isso significa poder, portanto, nos termos do artigo 918.º, , o comprador alegar a
exceção de não-cumprimento do contrato negar-se a aceitar a entrega da coisa, dar o
negócio por definitivamente não cumprido e pedir uma indemnização por
inadimplemento, nos termos gerais. Trata-se, na verdade, de um efeito do artigo 918.º do
Código Civil. A desavença entre as teorias do erro, de um lado, e as do incumprimento, do
outro, apenas diz respeito à venda de coisa determinada ou específica.

A convalescença do contrato mediante a expurgação dos ónus:


À semelhança do sucedido com a compra e venda de bens alheios, o Código Civil
previu expressamente, no artigo 906.º, a sanação da «anulabilidade» do contrato
desaparecidos por qualquer modo os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito. Não
será, todavia, assim, subsistindo a anulabilidade se a existência de ónus ou limitações
já houver gerado prejuízo ao comprador, ou se este já lhe tiver pedido em juízo a anulação
da compra e venda (artigo 906.º/2).
Para além da sanação automática, o artigo 907.° do Código Civil impõe ao alienante
a obrigação de expurgar o direito dos ónus ou limitações existentes, podendo ser-lhe fixado
um prazo para o efeito (artigo 9079/2, do Código Civil, em termos paralelos aos do artigo
897.9). Em jogo está a satisfação do interesse do adquirente no cumprimento ou se se
preferir a tutela do interesse contratual positivo do comprador.
Note-se dever o vendedor promover à, sua custa, o cancelamento de qualquer
ónus ou limitação constante de registo, mas na realidade inexistente (artigo 907.º/3,
do Código Civil).
O pedido de resolução do contrato não está dependente do incumprimento do dever
de eliminar o defeito. O adquirente pode desejar exercer os direitos de forma condicionada:
solicitando a eliminação dos defeitos e, como pedido condicionado, a resolução do
contrato.

Mas nada impede o comprador de optar por qualquer das pretensões sem
nenhuma dependência entre elas.

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Da mesma forma, se o comprador optar pela solicitação da eliminação do defeito e
este não for expurgado atempadamente pode o comprador pôr termo ao contrato, não já
pelo vício inicial, mas resolvê-lo por incumprimento definitivo da obrigação de
expurgar os ónus.
Uma observação, ainda, para o facto de à semelhança do sucedido perante o lugar
paralelo representado pelo artigo 897.2/2 o apelo ao tribunal, para fixação de prazo
para o cumprimento da obrigação de convalidação, poder ser uma via seguida pelo
comprador, mas, se não afigurar obrigatória. O comprador pode, pura e simplesmente, optar
pela via geral de constituição do devedor em mora. Ele tem assim a possibilidade de exigir,
assim que saiba do sucedido, a satisfação da obrigação de convalescença do negócio. Desta
forma o vendedor contra em mora. Não se dando o adimplemento dessa obrigação, pode o
comprador impor um prazo razoável, nos termos do artigo 808.º/1 do Código Civil,
terminado o qual o incumprimento se transforma em definitivo.
Problema que se pode debater é o de saber se o direito de exigir a convalescença
do contrato ou a expurgação dos ónus depende dos mesmos requisitos definidos pelo
artigo 905.9 para a resolução ou «anulação»:
Em sentido negativo: CARNEIRO DA FRADA, PEDRO ROMANO MARTINEZ1329,
REGENTE
MARCELO REBELO DE SOUSA, FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ e NUNO PINTO
CONCORDA
OLIVEIRA.
Em sentido positivo, e portanto, na defesa da ideia segundo a qual o direito de
exigir o expurgar dos ónus depende da “anulabilidade”: PIRES DE LIMA/ANTUNES
VARELA

A melhor solução é a de não fazer depender o direito à expurgação do


pressupostos do erro. O direito à expurgação do ónus está na dependência estreita do
regime do cumprimento defeituoso. A obrigação de fazer convalescer pressupõe estar o
vendedor obrigado, pelo acordo negocial, a transmitir o direito livre de quaisquer ónus. Na
verdade, se o vendedor é, segundo o artigo 907º, obrigado a fazer convalescer o
contrato e além disso, responde nos termos do artigo 910.° (pelo interesse contratual
positivo) pela falta de convalescença, então, isso indicia estar o alienante negocialmente
adstrito a transmitir um direito de conteúdo normal – por isso, mesmo perante o erro
meramente incidental, não impeditivo da celebração do negócio, poderá exigir-se a
expurgação. Trata-se de proteger o interesse do comprador na aquisição de um direito
isento de limitações ou se se preferir de tutelar o interesse no cumprimento.

Redução do preço:
O artigo 911.° admite ainda a possibilidade de redução do preço. Para isso é
necessário mostrarem as circunstâncias ter o comprador adquirido o bem mesmo sem erro
ou dolo, mas por um preço inferior em harmonia com a desvalorização dos ónus ou
limitações.

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O ónus da prova dos pressupostos da redução pertence ao alienante
interessado em paralisar a ação de anulação. Muito embora não seja dada a possibilidade
ao comprador de optar entre «a anulação» ou a redução do preço, se se provarem as
circunstâncias, nada o impede de solicitar subsidiariamente uma ou outra. Também nada
obsta a que o comprador, se não estiver interessado na «anulação», formule o pedido
imediato de redução.
O regime do artigo 911.° suscita a dúvida de saber se o preceito deve ser lido em REGENTE
associação com o artigo 292.º do Código Civil: Nesse sentido depõe, de facto, alguma DISCORDA
Doutrina.
A solução não se afigura, todavia, a melhor. A redução funciona pelo cumprimento
defeituoso da compra e venda. Havendo dúvidas relativamente ao valor da redução opera
o disposto no artigo 884.º/2 do Código Civil. Além disso, e atendendo ao facto de a redução
se filiar no inadimplemento e não no erro, o vendedor não poderá opor-se à redução
do preço com o argumento de que não venderia por aquele preço.

A indemnização:
O Código Civil estabelece um subsistema indemnizatório em matéria de compra e
venda de bens onerados nos artigos 908.º, 909.º, 910º, e 911.º/1 (na parte onde se refere a
indemnização cumulável com a redução do preço).
O artigo 908.º, tem uma redação um tanto estranha, dada a dupla negativa:
«Em caso de dolo, o vendedor deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não
sofreria se a compra não tivesse sido celebrada.»
Esta repetição sugere estar-se perante uma indemnização apenas pelo interesse
contratual negativo.
A expressão dolo deve ser aproximada, não do artigo 253.8 do Código Civil, mas, sim,
dos artigos 892.°, 898.° e 903.º, do CC – ela exprime, por isso, a má-fé e não a existência
de subterfúgios ou silêncios intencionais do vendedor para enganar o comprador –
portanto, haverá dolo (má fé) se o vendedor souber ou dever saber da existência do ónus.
A negligência está assim, igualmente, abrangida pelo artigo 908.º, do CC.
O Regente inclui a negligencia no dolo do artigo 908.º do Código Civil.
Além disso, se o bem vendido apresenta um ónus há incumprimento. Logo, a
presunção de culpa (e também de dolo, mesmo entendido este em sentido próprio no
âmbito da culpa). Tudo os termos do art. 799.º/1.
No artigo 909.º prevê-se uma situação de responsabilidade na ausência de culpa do
vendedor. Trata-se, pois, de uma situação de responsabilidade objetiva. A indemnização
será ,nessa eventualidade, mais limitada , apenas abrangerá os danos emergentes do
contrato (estamos perante uma responsabilidade contratual).
O estabelecimento da responsabilidade pelo risco afigura-se perfeitamente
apropriada dado o vendedor receber a devida contraprestação: o preço.
Além das indemnizações previstas nos artigos 908.º e 909.º, o artigo 910.°
estabelece uma indemnização pela falta de convalescença do contrato – trata-se de uma
situação paralela à resultante do artigo 900.9 para a compra e venda de bens alheios. Não

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está, porém, ao invés do sucedido neste último preceito, expressamente prevista a
indemnização na eventualidade de mora na obrigação de fazer convalescer o contrato.
TODAVIA, e ela suceder existirá o dever de indemnizar nos termos do artigo 804.º, do CC.
Na verdade, a obrigação de fazer convalescer o contrato pressupõe estar o vendedor
adstrito, pelo acordo negocial, a transmitir um direito livre de quaisquer ónus ou encargos
– vale, portanto, o disposto nos artigos 798.° e seguintes. Haverá, desta forma, de se ter em
vista todos os danos emergentes e lucros cessantes advindos até à sanaçāo1379 e,
designadamente, os resultantes da mora na convalescença.
Portanto, o direito potestativo de pôr termo ao contrato é cumulável com dois
direitos de indemnização, em termos semelhantes ao sucedido na compra e venda de bens
alheios. Estas indemnizações são elas próprias cumuláveis entre si, exceto na parte em que
o prejuízo for comum.

- Se houver má fé em sentido ético, ao direito de indemnização dos danos


resultantes da celebração de um contrato de compra e venda de coisa onerada
(artigo 908.º) acresce a indemnização, pelo interesse contratual positivo, pela não
convalescença ou atraso nela, exceto na parte em que os prejuízos forem comuns
(artigos 910.º/1, 907.°, 798.º e ss.);

- nas hipóteses de inexistência de culpa do vendedor, e portanto de boa fé sua, à


indemnização prevista no artigo 909.° soma-se a indemnização, pelo interesse no
cumprimento, prevista no artigo 910.°, em ligação com o artigo 907.º e 798.º e
seguintes, sempre ressalvados os prejuízos comuns.
Entende a cumulação das duas indemnizações pelo facto de ao vício originário
do negócio se juntar o inadimplemento do dever de proceder à respetiva reparação.
A ausência de cumprimento do dever de convalescença revela, assim, uma
contumácia do devedor inadimplente justificativa do rigor da solução. Na eventualidade de
cúmulo entre as indemnizações do artigo 908,8 e do artigo 910.° o comprador ter, todavia,
de optar entre a indemnização pelos lucros cessantes pela celebração do contrato nulo e os
lucros cessantes pelo facto de não ter sido sanado o vicio em devido tempo (artigo 910.º/2).

Imperatividade e restrições convencionais ao regime da compra e venda de bens


onerados:
À semelhança do sucedido com o artigo 903º/1 do Código Civil, para a compra e
venda de bens alheios, também o artigo 912.º vem estabelecer um regime de imperatividade
para as hipóteses previstas nos artigos 907.º/1 e 3, no artigo 909,º e no artigo 910.º/1 se o
vendedor houver procedido com dolo e as cláusulas contrárias a essas normas o
visem beneficiar. Visto numa outra perspetiva, o artigo 903.9/1 determina uma solução de
supletividade das normas nele referidas se não houver dolo do vendedor. Sublinhe-se,
porém, o facto já atrás referido de por dolo se dever entender a má fé. A isso soma-se, ainda,
o facto de valer a presunção de culpa do devedor. Mesmo assim, o artigo 909.º será sempre
supletivo por depender da inexistência de culpa do alienante, e, da mesma forma, o
artigo 908.º será imperativo sem possibilidade de afastamento, dado pressupor o
dolo.
As normas não mencionadas no artigo 912.º/1 possuem natureza imperativa. Dessa
forma se devem, portanto, entender, para além do artigo 908.º, os artigos 905.º,
906.°,910.º/2 e 911.º. Já a norma do artigo 907.º/2,nāo obstante não vir mencionada no

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artigo 912.º,como uma norma suscetível de ser afastada pelas partes não pode ser tida por
imperativa dada ela não poder ser tomada como uma norma de onde resulte o afastamento
do regime geral da conversão da mora em incumprimento definitivo. Seria um intolerável e
inaceitável prémio para o devedor inadimplente.

Aula do dia 16/11/2020


Hoje iremos tratar da matéria de compra e venda de coisas defeituosas, e da compra
e venda de bens de consumo. Depois trataremos da empreitada.

Compra e venda de coisa defeituosa:


HIPÓTESE 1: “A e B celebram um contrato de compra e venda de um carro desportivo, mas
depois da compra o carro começa a acender uma luz, e por isso A envia o carro para uma
oficina vindo de lá um orçamento de vários milhares de euros”.
O que pode A fazer? Que meios de reação é que o comprador tem contra o vendedor?
O código civil, diferencia o regime da compra e venda de coisas defeituosas, em
função da circunstancia que consiste em saber se o defeito já existia ao tempo da celebração
da compra e venda ou se é posterior, isto porque o artigo 918.º, do CC vem dizer que:
“Se a coisa depois de vendida antes de ser entregue, se deteriorar, adquirindo vícios
ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo
género, são aplicáveis as regras ao não cumprimento das obrigações.”
Portanto, no segundo caso mencionado, ao dizer que o CC diferencia consoante o
defeito já exista ou não ao tempo da celebração, aquilo que nós temos no caso de o efeito
não existir ao tempo da celebração é uma situação, um problema normal, de cumprimento
defeituoso. Por outro lado, o primeiro caso, e portanto se o defeito já existia ao tempo da
venda, nós temos uma situação de compra e venda de coisa defeituosa.
Ora, se a coisa vendida sofrer de um vício que a desvalorize ou que impeça a
realização do fim a que se destina, ou se não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor
ou necessárias à realização do fim a que a coisa se destina, observar-se-á com as necessárias
adaptações, o regime da compra e venda de coisa onerada, que nós já estudámos na aula
passada. Mas isto, em tudo que não seja modificado pelo regime especifico da compra e
venda de coisa defeituosa, aplica-se o regime de bens onerados em tudo o que não for
abrangido pelo regime da compra e venda de coisas defeituosas, e isto por força do artigo
913.º, nº1, do CC.
O código civil traçou o âmbito deste instituto por referência a quatro categorias de
defeitos, que são destacadas no art. 913.º, do CC:
1. Vício que desvalorize a coisa;
2. Vício que impeça a realização do fim a que se destina;
3. Falta de qualidades asseguradas pelo vendedor;
4. Falta de qualidades necessárias à realização daquele fim.
O artigo 913.º, n.º2 do CC vem esclarecer que na determinação do fim a que a coisa
se destina, e sempre que o contrato seja omisso, se deve atender à função normal das cisas
da mesma categoria. Mas, o nosso CC não se comprometeu com a querela que existe a este

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respeito entre objetivistas e subjetivistas, à cerca da natureza objetivista ou subjetivista do
defeito da coisa. Iremos agora ver o que defendem os objetivistas e subjetivistas,
respetivamente:
1. Para os objetivistas: o defeito e a aplicabilidade do regime legal da compra e venda
de coisas defeituosas, verifica-se logo que a coisa vendida não corresponde às
características objetivas do género em que se integra, o que quer dizer que: há coisa
defeituosa sempre que ela não tenha as características necessárias à utilização usual
ou comum das coisas da mesma categoria.
2. Para os subjetivistas: assentam o critério do defeito na aptidão da coisa em relação
ao usso contratualmente previsto, e portanto, o decisivo segundo estes autores
subjetivistas será o fim que emerge ou que se desprende do contrato.
Sendo que, se nós olharmos para este tipo de vícios, e que são também designados
por vícios redibitórios, o que nós verificamos é que eles colocam um problema de
incumprimento do contrato, só assim se compreendendo alguns traços do seu regime. Isto,
tem que ver com o enquadramento dogmático da compra e venda de coisas
defeituosas:
Comos é sabido, o regime da compra e venda de bens onerados, remete para
o regime do erro, e portanto, remete inicialmente para o regime do erro mas depois
prevê um conjunto de remédios que dificilmente se articulam com o regime do erro, REGENTE
e portanto há autores que considerando a remissão para o regime do erro DISCORDA
(MENEZES LEITÃO), vêm defender que o enquadramento dogmático do regime
da compra e venda de bens onerados se deve fazer e é tributária da ideia de
culpa.
Há quem diga que não, olhando para os remédios, as obrigações de
indemnizar, a obrigação de convalescença, de redução do preço e etc., venha dizer
que esta remissão para o regime do erro não é suficiente, remissão inicial do art.
REGENTE
905.º, para enquadrar o regime da compra e venda de bens onerados, no âmbito da
CONCORDA
figura geral e, portanto, propõe uma leitura que leva a considerar o regime da
compra e venda de bens onerados como tributário do regime do
incumprimento (MENEZES CORDEIRO, CARNEIRA DA FRAGA, ROMANO
MARTINES E PAULA MOTA PINTO).
REGENTE CONSIDERA QUE: o que se verifica para a compra e venda de bens
onerados, vale também para a compra e venda de coisa defeituosa, também
aqui há uma aparente situação de enquadramento deste instituto no âmbito
do regime do erro, por força da remissão do art. 913.º para o regime dos
artigos 905.º e ss., do CC (regime da compra e venda de bens onerados),
valendo assim a remissão que aí consta para o próprio regime do erro –
apesar de haver todo um conjunto de mecanismos incompatíveis com o
regime de erro e que só se compreendem à luz da figura do incumprimento
do contrato – concretamente no caso de compra e venda de coisa defeituosa,
a obrigação de reparação ou substituição da coisa, prevista no artigo
914.º só e explicável em função doe enquadramento deste instituto no
âmbito do regime geral do incumprimento e não no âmbito do regime
do erro.
Quando alguém celebra um contrato de compra e venda de um determinado bem, o
acordo de vontades engloba a determinação das qualidades da coisa, e portanto se o objeto

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entregue não as possui há uma situação de inexatidão da prestação, e nessa medida,
precisamente uma situação de incumprimento. É a vontade das partes que fornecem, em
ultima análise, o critério do defeito e por esse motivo o 913.º, n.º2 funciona como uma
diretriz material de interpretação de um contrato suscetível de resolver aqueles casos de
inconcludência quanto às qualidades que a coisa vendida deve regular ou patetear – há aqui
a adoção de um padrão de normalidade que desonera nessa medida, o comprador na prova
de inclusão no acordo das qualidades. Percebe-se que há aqui a adoção de um padrão de
normalidade que desonera o comprador de ter que provar a inclusão no contrato de
compra e venda celebrado destas qualidades correspondentes à função normal das
coisas da mesma categoria.
O juízo acerca da idoneidade a cerca do objeto vendido, se haverá que pautar pelas
características do género em que ele se integra atenta à sua função económica normal já que
a vontade das partes irá nesse sentido, e portanto, caberá ao vendedor ter que provar a não
inclusão dessas qualidades no acordo a fim de se eximir desta responsabilidade.
A esta luz, agora olhado para a HIPOTESE 1: temos um caso em que o defeito se
manifesta em momento posterior mas que por se ter revelado num prazo relativamente
curto, pode ainda ser considerado que estava lá já no momento da venda – assim não
aplicamos o 918.º mas sim os artigos 903.º e ss., do CC, e por força justamente do n.º2 do
art. 913.º, podemos considerar que estamos precisamente numa situação de compra e
venda de coisa defeituosa porque o automóvel tinha um defeito que no fundo não permite
determinar ou concluir no sentido de que ele tem as propriedades normais das coisas da
mesma categoria, e portanto, por força do 913.º/2, o comprador está desonerado de
demonstrar que era esse o propósito deste contrato de compra e venda.
Todavia, seria diferente se se tivesse dito que “o carro seria vendido no estado em
que está a risco do comprador” – a situação seria diferente. Não é o caso pelo que vale a
presunção do 913.º/2, isto é que as partes quiseram celebrar um contrato de compra e
venda de uma coisa que teria as qualidades correspondentes à função normal das coisas da
mesma categoria, mas se for , por exemplo:
HIPÓTESE 2: “o comprador pretendia que o carro competisse em corridas de automóveis, e
vem dizer que não tem travões, suspensão nem está preparado para tal efeito.” Como é que se
resolve este problema?
Ora, se for o comprador que quiser afastar-se do padrão de normalidade da coisa,
compete-lhe obter do vendedor a garantia de que as qualidades do bem ultrapassam as
características do género em que a coisa se entrega e compete-lhe fazer a respetiva
demonstração em juízo para beneficiar da tutela que lhe é conferida.
Convém ainda notar, a propósito do âmbito previsto no 913.º, aparecem aí
clarificados os casos em que o vendedor assegurou certas qualidades da coisa ao
comprador, e as hipóteses em que faltando embora qualquer declaração desse género, a
coisa apresentava vício ou falta de qualidade, mas a pratica negocial conhece hipóteses em
que o vendedor, por ter garantido ao adquirente certas qualidades da coisa, deve
responder objetivamente pela sua ausência – as partes podem convencionar que seja
assim, esta solução passa por conferir ao comprador um direito à reparação ou
substituição da coisa ou então a uma indeminização dos prejuízos,
independentemente de culpa - e nessa medida representa um desvio relativamente
àquilo que os 914.º e 915.º, do CC determinam.

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Estas soluções, a integração destas situações que estamos agora referir no âmbito
do regime da compra e venda de coisa defeituosa e embora se afaste do figurino do 914.º e
do 915.º, pode operar-se através do 921.º, n.º1, do CC porque muito embora esta disposição
abanga no seu teor literal apenas a garantia como funcionamento da coisa prestada pelo
vendedor, no seu espirito ela permite abarcar a garantia negocial das qualidades em geral.
O que o 921.º nos diz é que se o vendedor estiver obrigado por convenção das partes ou por
força dos usos a garantir um bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la ou
substitui-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível ,
independente de culpa sua ou de erro do comprador – apena está aqui mencionado a
garantia de bom funcionamento da coisa prestada, mas parece tranquilo que pelo espirito
deste preceito podemos abarcar aqui também a garantia das qualidades da coisa em geral.
NOTE-SE QUE: Indiscutivelmente, fora do âmbito da compra e venda de coisa
defeituosa, está a entrega de uma coisa diferente daquela que é devida e aí temos uma
situação de incumprimento e não uma situação de compra e venda de coisa defeituosa.
Relativamente aos remédios que estão especificamente previstos para a compra e
venda de coisa defeituosa (remissão para o 905.º, este por sua vez remete para o regime do
erro mas o regime da compra e venda de bens onerados prevalece nesta matéria apenas na
medida em que não fosse afastado pelas regras especificas de compra e venda de coisa
defeituosa), ora, nesta matéria há conjuntos de posições que interessa considerar, a
começar pelo 914.º, pelo que vem-se aí dizer que o comprador tem o direito de exigir do
vendedor a reparação da coisa, ou se for necessário e este tiver natureza fungível, a
substituição dela, mas se esta obrigação não existe e se o vendedor desconhecia sem culpa
o vício , ou a falta de qualidade que a coisa padece, também não é devida a indeminização
prevista no 909.º (a indeminização em caso de simples erro), isto por força do 915.º que
afasta a existência dessa indeminização na eventualidade de o vendedor se encontrar nas
condições a que se refere a parte final do 914.º: nessa circunstância haverá apenas
indemnização pela não convalidação, e portanto se o vendedor desconhecia sem culpa o
vício de que padecia apenas uma indemnização pela não convalidação.
Tal como sucede com a compra e venda de bens onerados há um conjunto de
disposições que devem ser ainda consideradas, concretamente duas normas, que são
importantes relativamente aos prazos para a denuncia e caducidade do direito de ação no
caso de compra e venda de coisa defeituosa que são os 916.º e 917.º.
O artigo 916.º é relativo à denuncia do defeito – o regime que aí se estabelece é
relativamente simples de entender: o comprador deve denunciar ao vendedor os vícios ou
falta de qualidade da coisa, exceto de este houver usado de dolo. A denúncia será feita até
30 dias depois de ser conhecido o defeito e até 6 meses após a entrega da coisa, sendo que
os prazos agora referidos (30 dias e 6 meses) são respetivamente de 1 e 5 anos se a coisa
vendida for um imóvel.
A ação de anulação por simples erro caduca findo qualquer dos prazos que é
fixado no 916.º, sem o comprador ter feito a denuncia ou decorridos sobre esta, 6 meses,
sem prejuízo daquilo que é disposto no 287.º/2, do CC.
Há agora que fazer menção a três regimes específicos:
1. Compra e venda sob amostra – há uma regulamentação especifica que consta
do art. 919.º e desse preceitos resulta que sendo venda feita sob amostra, se entende
que o vendedor assegura a existência das qualidades na coisa vendida, qualidades

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iguais às da amostra salvo se de convenção ou dos usos resultar que esta serve
apenas para indicar de modo aproximado as qualidades do objeto.
2. Compra e venda de animais defeituosos – o 920.º remete para legislação avulsa.
É uma matéria simples porque uma vez conhecidas as fontes não há problemas
dogmáticos nem de relevo cientifico, pelo que se trata de matéria puramente
descritiva em que basta o conhecimento dos regimes. O 920.º remete para leis
especiais, ou na falta delas, para os usos sobre a venda de animais defeituosos.
3. Compra e venda de coisas que devam ser transportadas – o art. 922.º vem
dizer-nos que devem ser transportadas de um lugar para o outro, os prazos a que se
referem os artigos 916.º e 921.º, contam-se a partir da entrega no dia em que o
credor recebe essas coisas. O 921.º tem que ver com a garantia de bom
funcionamento.

Compra e venda de bens de consumo4:


Iremos começar com a única questão onde há justamente divergências doutrinarias,
que tem que ver com a noção de consumidor.
REGENTE: o consumidor tanto pode ser uma pessoa física como uma pessoa
coletiva.
No caso da compra e venda de bens de consumo temos um regime que depende da
circunstância de estar envolvido um consumidor. A questão é: Quem é consumidor?
1. A generalidade da Doutrina tem entendido que para haver um
REGENTE consumidor tem que haver alguém que intervir como consumidor final,
DISCORDA como o ultimo elo da cadeia produtiva, e que intervém a titulo pessoal, não
profissional, e não pode ser uma pessoa coletiva.
Este entendimento não deve seguido porque pode haver situações em que nós devemos
considerar que alguém que intervém a titulo profissional numa determinada relação de
compra e venda pode ser considerado consumidor e, pela mesma razão, quando uma pessoa
coletiva compra um determinado objeto, não é apenas pela circunstancia de ser pessoa
coletiva que automaticamente deixa de ser consumidor – este argumento é meramente
formal, que atende à forma, ao tipo de personalidade mais do que à substancia da relação
em jogo, à materialidade da situação subjacente e aos interesses e valores em jogo, isto
porque se atentarmos no regime da compra e venda de bens de consumo aquilo que se
pretende acautelar, e portanto, prevenir tutelando uma das partes, é o desequilíbrio que
existe entre alguém que é produtor e designadamente o domínio da informação disponível,
a parte intervém como agente económico que comercializa determinado tipo de bens – há
uma assimetria a diversos níveis, designadamente uma assimetria informativa significativa
e económica etc. entre o produtor ou agente económico que está a vender profissionalmente
determinado tipo de bens e o comprador, e portanto o sentido do regime jurídico da compra
e venda de bens de consumo é o de acudir a essas assimetrias, e ao desequilíbrio que existe

4 ATENDA-SE QUE: o que for dito aquivale também para a empreitada de bens de consumo.
Em amos os casos, o problema que passa em saber o que é um consumidor é igual tanto na
empreitada de bens de consumo como na compra e venda de bens de consumo.

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numa situação desse tipo entre o consumidor e o produtor ou o agente económico que
intervém a titulo profissional e que se dedica aquela atividade.
A questão é: será que essa assimetria desaparece pelo simples facto de nós termos
dos dois lados uma pessoa coletiva ou um profissional? Não.
HIPÓTESE 1: “Vamos imaginar uma empresa que se dedica à compra e venda de
computadores, até pode não ser produtor. Do outro lado, temos um advogado que vai comprar
um computador. O advogado que compra o comprador, por ter comprado na sua qualidade de
advogado está numa situação de paridade relativamente à empresa que se dedica à compra e
venda de computadores, paridade no que diz respeito ao domínio e conhecimento da
informação relevante para comprar um computador?”
RESPOSTA: É obvio que não, não é pelo simples facto de alguém interferir profissionalmente
numa situação deste tipo, não é por isso que deixa de haver razão para considerar que
aquela pessoa está nas mesmas circunstancias que alguém que não intervém a titulo
profissional – a situação é a mesma.
Se nós tivermos uma situação de uma pequena sociedade que vem comprar
compradores, não é pelo simples facto de ser sociedade ou pessoa coletiva que se deve
afastar o regime da compra e venda de bens de consumo.
O Prof. MENEZES CORDEIRO usa o seguinte exemplo no seu ensino: uma
grande empresa compra pasteis de nata para servir numa reunião, não é pelo
simples facto de estar a comprar pasteis de nata para servir numa reunião, será que
pelo simples facto de estarmos a lidar com pessoas coletivas elas estão em paridade
com o vendedor dos pasteis de nata? É obvio que não.
Regime da compra e venda de bens de consumo: no âmbito das relações de
consumo existe aquilo a que se chamada de garantia contratual injuntiva de qualidade sobre
os bens de consumo (art. 4.º e 16.º, Lei n.º47/2014), por sua vez o art. 2.º do DL 63/2003,
vem estabelecer uma presunção d enão conformidade dos bens nos casos que são
mencionados nas diversas alíneas do n.º2 desse preceito. Há esta presunção de os bens
serem desconformes na eventualidade de não haver consonância entre eles e a descrição
que dele sé feita pelo vendedor, ou não possuir as qualidades do bem que o vendedor tenha
apresentado ao consumidor como mostra o modelo, há também a presunção de não
conformidade na eventualidade de os bens naos erem adequados ao uso especifico para o
qual o consumidor lhes destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o
contrato e que o mesmo tenha aceite, há também presunção d enão conformidade na
eventualidade de os bens naos erem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens
do mesmo tipo, como há também presunção de não conformidade de os bens não
apresentarem as qualidades e o desempenho habituais dos bens do mesmo tipo e que o
consumidor pode razoavelmente esperar atendendo à natureza do bem e eventualmente às
declarações públicas sobre as suas características completas feitas pelo vendedor, pelo
produtor ou pelo seu representante na publicidade ou na rotulagem.
O art. 4.º/2, do DL 67/2003 estabelece ainda uma garantia de conformidade nos
bens que são objeto de instalação, há todavia uma exclusão dessa garantia se no momento
em que for celebrado o contrato o consumidor tiver conhecimento dessa falta de
conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer de materiais
fornecidos pelo próprio consumidor (art. 2.º/3, do DL 67/2003).

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Relativamente aos direitos do consumidor perante a falta d o conformidade, eles são
aqueles que figuram no art. 4.º do DL:
1. Direito de substituição;
2. Direito de redução do preço;
3. Direito de resolução do contrato.
A tudo isto acresce uma indeminização que está prevista no 12.º/1, da Lei 47/2014.
O artigo 6.º do DL 67/2003, consagrou ainda uma responsabilidade direta do produtor e
ainda um direito de regresso do vendedor final se ele vier a ser demandado perante o
produtor ou pessoas responsáveis da cadeia contratual (art. 7.º, DL 67/2003). Perante o art.
1.º-B, al. g.) do DL 67/2003 refere-se ainda às garantais comerciais voluntárias
estabelecendo um regime próprio a este respeito no art. 9.º desse diploma.
O regime da compra e venda de vens de consumo é injuntivo de acordo e nos termos
do artigo 10.º do DL 67/2003.

Com isto terminámos a matéria da compra e venda e iremos dar agora inicio ao
estudo da matéria da empreitada.

PARTE II
1. CONTRATO DE EMPREITADA:
Vamos imaginar um caso que subjacente a ele estava a determinação do que
é que se deve entender por obra para efeitos de empreitada, porque o nosso
Ordenamento jurídico vem sujeitar o ao regime da empreitada os contratos que
tenham por objeto a realização de uma obra.
Assim, o problema que se coloca é saber o que é uma “obra” para efeitos
de contrato de empreitada. Ora, este problema colocou-se no caso que vamos
analisar em que se pôs concretamente a questão de saber que obra, para efeito de
contrato de empreitada pode ser uma obra intelectual ou se rem que ser de outro
tipo, uma obra que envolvia a alteração física de uma coisa. Nesse caso que foi objeto
de decisão pelas várias instâncias, todos eles se pronunciaram sobre isto e tinha que
ver com:
HIPÓTESE 1: “uma situação em que a RTP encomendou a um ator brasileiro, que
tinha um nome artístico de Badaró e que vivia em Portugal, a realização de um
conjunto de programas cómicos a realizar por este. A meio do processo de feitura e
exibição a RPT e a produtora desentenderam-se. Portanto a questão que se suscita

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é: se este contrato correspondia a um contrato de empreitada, e portanto um contrato


pelo qual alguém encomendava a representarão, a realização de uma serie de filmes
ou se corresponde a uma prestação de serviços atípica?
Para responder cabalmente às questões que são suscitadas por este caso
temos que recuar bastante no tempo e percorrer toda a evolução histórica do
contrato de empreitada, porque para saber se neste caso se estamos ou perante um
contrato de empreitada e se se aplica ou não o regime do mesmo ou através do
regime do contrato de prestação de serviços atípicos: temos que saber o que é obra
para os efeitos do contrato de empreitada. Isto porque, o contrato de empreitada
tem como pressuposto a realização de uma obra – o regime do contrato de
empreitada tem como pressuposto a existência de uma obra, e se a representação
teatral, ou o filme pode consistir uma obra para efeitos de contrato de empreitada
ou não. Isto porque:
1. Por um lado há quem diga que obra, para efeitos de contrato de
empreitada, pode ser uma obra intelectual;
→ Prof. Serra correia sustenta que era possível aplicar o
regime do contrato de empreitada.
2. Por outro lado há quem diga que não, ora que tem que se traduzir numa
obra que represente a criação, construção, modificação ou alteração de
uma coisa corpórea.
→ Prof. Antunes varela nega que se possa aplicar aqui o
regime do contrato de empreitada.
O Regente considera que não é possível resolver este referendo se não
tivermos em consideração como é que o contrato de empreitada se formou e chegou
aos nossos dias.

Artigo 1207.º, do CC: “o contrato de empreitada é o contrato pelo qual uma


das partes s obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Quando olhamos para este preceito, a noção de contrato de empreitada é uma
noção sintética e rigorosa porque nela aparecem quer a menção aos elementos
essenciais da empreitada, quer ao objeto das duas obrigações principais
sinalagmáticas – esses dois elementos essenciais e essas duas obrigações principais
sinalagmáticas criadas por este contrato são os mesmos – a obra e o preço (dever
de pagamento do preço).
É verdade que esta noção de empreitada constante do art. 1207.º, do CC
representa uma simplicidade enganadora pois o contrato de empreitada tem tido
uma enorme evolução como tipo social. A obra, é um elemento essencial do contrato
de empreitada, e portanto, é para nós fundamental operar um conceito de obra
para efeitos de empreitada pois é ele que determina a diferenciação deste tipo

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contratual face a outros tipos próximos – face ao contrato de prestação de serviços


atípico.

Conceito de obra para efeitos de contrato de empreitada:


Pode se subordinar à locação-condução às atividades intelectuais? O
pensamento filosófico e a mentalidade romana estão na base da rejeição, durante o
período romano, das artes liberais e intelectuais ao regime da locação-condução
(locatio-conductio), isto por não se pretender sujeitar estas atividades ao mesmo
contrato regulador de outras atividades manuais tidas por dispersivas.
No CC é apenas mencionado que o contrato de empreitada tem por objeto
uma obra sem especificar que tipo de obra é, e por outro lado temos códigos, como
o italiana e o alemão, que recusam aceitar que as atividades liberais e as criações
intelectuais possam estar sujeitas ao regime da locação-condução – estes códigos
aceitam essa sujeição das criações intelectuais e das atividades liberais ao regime da
empreitada e portanto aplicam esse regime em cuja génese se encontra a locatio-
conductio.

SOLUÇÃO DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS: não toma uma posição declarada


a este respeito, o que nos obriga a um esforço de determinação do que é que se deve
entender por obra para efeitos de contrato de empreitada.
Devemos caminhar numa primeira fase a par e paço com a doutrina e com a
jurisprudência, nesta matéria. Aquilo que se tem entendido entre nós é a um
desenvolvimento do conceito estático de obra, e é esta luz que podemos dizer que:
- É pacífico que uma obra, no sentido relevante face ao 1207.º, pode ser a
construção, criação, reparação, modificação, demolição ou destruição de
uma coisa móvel ou imóvel.
- Quanto a esta questão o STJ entendeu que nós estávamos aqui perante um
contrato de empreitada não obstante considerar que o contrato de
empreitada tinha que ter como objeto uma coisa corpórea, mas isso não
afastou a qualificação deste caso como um contrato de empreitada porque o REGENTE
DISCORDA
STJ entendeu que era suficiente para proceder a essa qualificação a
materialização dos filmes nas fitas (suporte físico – exemplo: cassetes de
vídeo) sendo esta fita suficiente para considerar que estamos perante uma
obra que se traduzia numa coisa corpórea.
- Esta decisão do STJ foi objeto de crítica por parte de alguma doutrina.
Nomeadamente, ao regente não lhe parece estarmos perante um

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contrato de empreitada: o objeto do negócio foi o filme enquanto tal


e não o seu suporte5.
DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS QUANTO A ESTA QUESTÃO:
1. Maioria da Doutrina: vai no sentido de que a noção de obra
abrange apenas e só um resultado material, sendo a obra intelectual
ou incorpórea, à partida objeto inidóneo de um contrato de
empreitada.
2. Oposição de outro setor da Doutrina: segundo a qual seria
possível a qualificação como empreitada, do contrato que tenha por
objeto a produção de obra intelectual.
3. REGENTE: essencial para a qualificação como empreitada é a
concretização da atividade do empreiteiro em suporte suscetível de
ser entregue ao dono da obra. Nada parece obstar que um contrato
pelo qual se encomenda a realização de um processo causal que é
predominante intelectual que seja qualificado como contrato de
empreitada – para esse contrato têm que concorrer todos os
elementos do tipo contratual da empreitada. Um requisito essencial é
a existência de um corpo mecânico – é imprescindível mas não é
suficiente. O resultado de uma atividade encomendada por outrem só
tem a natureza de obra para efeitos contrato de empreitada se revestir
cumulativamente os seguintes requisitos:
1. O resultado tem que se exteriorizar numa coisa concreta,
corpórea ou incorpórea, suscetível de entrega e aceitação;
2. É necessário que o resultado seja específico e concreto, ora
que possa ser separado do processo produtivo ou do modo de
realização e atividade e do conteúdo espiritual, é necessário
que o resultado assuma ele própria relevância de um
significado ou utilidade autónoma desligada da atividade que
esteve na sua origem – este segundo pressuposto significa que
o resultado da atividade que é objeto do contrato de
empreitada deve traduzir uma utilidade própria, um
significado próprio desligado do ato/processo de criação;
3. É necessário que o resultado tenha que ser concebido e
alcançado em conformidade com m projeto ou um plano – pese
embora este projeto ou plano possa consistir num simples
caderno de encargo, ou num mero plano ou encomenda mais
ou menos específica. Portanto, não deixa de ser empreitada a
reconstrução de uma casa de banho cujo dono da obra se limita

5TODAVIA, isto não significa que no entendimento do regente as obras intelectuais


não possam, em certas circunstâncias, objeto de um contrato de empreitada.

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a escolher os azulejos ou as loiças, ou o tipo de alinhamento das


paredes e azulejos sem um autentico projeto de arquitetura.
Não deixa sequer de ser um contrato de empreitada a
contratação de uma mudança de uma torneira a um
canalizador, escolhendo se apenas o tipo de torneira que se
quer, o local onde se quer a instalação, etc. – coisas tao simples
como estas podem ser consideradas como plano ou projeto
para efeito de qualificação de uma determinada atividade como
sendo objeto de contrato de empreitada.
São estes os três requisitos do contrato de empreitada.
Todavia ir-se-á procurar explicar melhor o segundo requisito
através de exemplos.
a.) corresponde ao segundo requisito a contratação de
um programa de computador, por exemplo. Foi
inicialmente visto como uma coisa corpórea mas depois
foi considerado uma coisa incorpórea. Podemos saber
como é o processo criativo que conduz à criação desse
programa de computador ou não, ou saber quem o criou
ou não – é indiferente para nós, isto porque o programa
de computador representa em si mesmo uma utilidade,
sendo essa própria, sua e autónoma relativamente ao
processo de criação. a partir do momento em que o
programa foi criado ele passa a desempenhar uma
função que é independente do seu processo de criação,
sendo assim autónomo e valendo por si mesmo.
Segundo o regente, nestes moldes, um programa de
computador pode ser objeto de um contrato de
empreitada.
b.) e se alguém encomendar um parecer jurídico? O
parecer jurídico não pode consistir numa empreitada
pois não reúne o segundo pressuposto do contrato de
empreitada, isto porque não é suscetível de se desligar
nunca do próprio discurso fundamental que presidiu à
sua elaboração – não vale enquanto utilidade própria
autónoma, desligada do ato de criação, vale sim
enquanto prolongamento do ato de criação pelo que a
utilidade do parecer/a força persuasiva do parecer está
ligada ao próprio ato de criação e ao próprio criador.
O problema coloca-se quanto às obras que são obras
intelectuais, como é que se chega à conclusão de que uma obra
intelectual, para que possa ser objeto de um contrato de empreitada,
tem que ter estas três características/requisitos. Primeiro, o art.
1207.º, do CC apenas refere a obra, não existe um preceito em que se
especificamente em se exige que a obra tenha que ser uma obra

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material, e portanto, à partida não parece que haja uma razão que leve
ao afastamento da aplicabilidade deste regime às obras intelectuais.
Então porque é que não se tem aplicado este regime se não há nada que
impeça?
→ Por causa de um preconceito filosófico e cultural que
subsiste do direito romano. Por um lado temos um regime do
contrato de empreitada onde não há uma única palavra ou letra
que impeça, nem no sistema, que afaste a aplicação do contrato
de empreitada às obras intelectuais, é por causa deste
preconceito que subsiste que se tem negado a aplicação do
regime do contrato de empreitada às obras intelectuais.
- Prof. Antunes Varela: não concordava com a
qualificação de um ator como empreiteiro (Badaró)
justamente pela presença (inconsciente) deste
preconceito de que não devemos aplicar o regime do
contrato de empreitada.
→ Estes preconceitos são inconscientes, na generalidade dos
casos.

Vamos agora dar por fechada a questão que tem que ver com o conceito de
obra, e vamos agora abordar a matéria dos efeitos do contrato de empreitada, e
para isso imaginemos que:
HIPÓTESE 1: “A, empreiteiro, celebra com B, um contrato de empreitada para
a escavação e construção de uma garagem no subsolo da casa de B. O projeto é da
responsabilidade de C, engenheiro civil, e de D, arquiteto. C e D eram antigos amigos e
quando se encontraram por ocasião neste projeto/contrato foram celebrar e à noite é
que resolveram ir trabalhar, todavia devido às celebrações encontravam-se ambos
com uma tacha de alcoolémia que era superior à que deveriam ter para realizar a sua
atividade de forma correta pelo que cometeram erros evidentes na concessão da
garagem. B sem conhecimentos para avaliar o projeto entrega-o ao empreiteiro, A, que
se apercebe imediatamente que existem falhas que levaram à ruina do edifico, porém
por entender que o assunto diz respeito a C e D, nada diz.”
HIPÓTESE 2: “supondo que A não se tinha apercebido do defeito de concessão
mas um empreiteiro de formação média tinha notado esse problema.” A resposta iria
ser diferente?
HIPÓTESE 3: “Vamos ainda admitir que o defeito devido não era do projeto
mas dos matérias fornecidos pelo dono da obra, haveria responsabilidade do
empreiteiro?”

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Nos termos do artigo 1208.º, do CC a obra deve ser realizada de acordo com
o convencionado e sem vícios que reduzam ou excluam o seu valor ou a sua aptidão
para o fim convencionado. O problema que temos nestas hipóteses está em que o
vício se deve a fatores externos ao empreiteiro, e nessa medida, podemos dizer que
ele cumpriu o objeto da obra sem vícios da sua responsabilidade – estando na
situação do art. 1201.º. Contudo, o direito à entrega de uma obra sem vícios, ou
faltas de qualidade implica não apenas o cumprimento do projeto
convencionado mas igualmente o cumprimento de todas as regras da arte
aplicáveis à atividade do empreitado, e não apenas um cumprimento
meramente formal e cego do que foi pedido – esse cumprimento esta integrado
no dever de cumprir pontualmente a obrigação, que é imposto pelo art 762.º, do CC.
Podemos então dizer que, sem prejuízo da eventualidade de uma responsabilidade
dos dois projetistas, a boa-fé obriga ao empreiteiro a dar conta ao dono de obra de
existência de problemas com o projeto desde que os detete, e portanto, o
comportamento exigível é um cumprimento correspondente ao interesse do
dono da obra (isto para observar o que o 1208.º + 762.º, do CC), numa obra isenta
de vícios e não cumprimento cego do projeto se esse estiver errado.
O empreiteiro mesmo diante de certas duvidas, quando há probabilidade de
existirem certos vícios ou relativamente à adequação ou viabilidade do projeto, se
não der conta ao dono de obra de problemas no projeto ou em geral de outras
situações que possa prejudicar a execução da obra responderá por cumprimento
defeituoso, eventualmente de forma conjunta com restantes responsáveis. Haverá
responsabilidade do empreiteiro nas três hipóteses que vimos.
Contudo, poderá haver aplicação (pelo artigo 570.º, do CC), relativamente ao
concurso de culpa que, nomeadamente no caso da HIPÓTESE 3, a especial
intensidade da culpa do dono da obra possa levar à atenuação ou afastamento da
responsabilidade do empreiteiro – contudo essa decisão terá que ser sempre objeto
de uma valoração/ponderação feita pelo juiz, porque a partida o empreiteiro tem
responsabilidade de ele próprio, controlar/verificar se a obra tem ou não condições
de viabilidade.

HIPÓTESE 4: “A detetou efetivamente os vícios tendo comunicado ao dono da


obra, B, que ainda assim insiste na realização da obra declarando assumir toda a
responsabilidade se algo correr mal”. Pode B exigir o cumprimento? Deve A realizar
uma construção que sabe que irá ruir?

REGENTE Relativamente a uma situação deste tipo, há quem sustente que a


DISCORDA obrigação nestas circunstâncias deve ser cumprida pelo
empreiteiro.
O Prof. Regente não concorda pois, em primeiro lugar, esta declaração do
dono da obra apenas pode funcionar a título de afastamento de responsabilidade
contratual, e portanto, entre o dono da obra e o empreiteiro, ou quanto muito como

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uma assunção das consequências patrimoniais de outro tipo de responsabilidade,


designadamente da responsabilidade virtual que resulte em virtude de eventuais
danos que sejam causados a terceiros por hipótese em caso de a obra vir a ruir.
Contudo, no tocante à responsabilidade do empreiteiro perante
entidades administrativas que tenham por função, controlar a atividade que é
contratada, relativamente a esta não pode o empreiteiro ficar exonerado, nem a
declaração de assunção de responsabilidade do dono da obra tem aqui qualquer
efeito – se houver responsabilidade administrativa essa mesma é do
empreiteiro e não do dono da obra, e nada que o dono da obra diga pode
afastar eventuais sanções de natureza administrativa, como por exemplo perda
do alvará, etc. -, da mesma forma, se houver a violação de um dever geral de cuidado
que qualquer pessoa deve necessariamente observar no trafego jurídico, e portanto
se tiver havido ofensa de regras que deviam ter sido respeitadas para executar uma
determinada obra em segurança, a declaração do dono de obra só poderá ter efeito
relativamente aos aspetos patrimoniais deste tipo de responsabilidade, mas
relativamente a outro tipo de consequências, nomeadamente penais, não será assim,
o que significa que será o empreiteiro que terá que cumpri pena, eventualmente,
sendo condenado, e é ele que pode até perder o seu alvará (pelas sanções
administrativas). A insistência na realização de uma obra pode ainda prejudicar a
reputação do empreiteiro, porque se a obra for feita e ruir ou apresentar
deficiências manifestas, isso pode ser percecionado por terceiros o que prejudica
obviamente a reputação do empreiteiro.
A solução adequada, segundo a perspetiva do Prof. Regente parece ser outra
e não aquela que passa por considerar que o empreiteiro fica obrigado se o
dono de obra insistir na realização de uma obra cujo projeto apresenta vícios,
MAS SIM a do reconhecimento ao empreiteiro da possibilidade de impor ou
sugerir alterações ao projeto do dono da obra, quando isso ainda seja na sua
perspetiva, razoável em função do que foi negociado – ele pode sugerir a realização
de alterações ou correções, e portanto, não se deve reconhecer a possibilidade do
empreiteiro ficar sujeito sem mais à imposição do dono de obra. Da mesma forma,
não parece dever conhecer-se a possibilidade de o empreiteiro por termo ao
! contrato porque isso corresponderia a eximir-se de realizar uma obra para a qual
foi contratado, quando a execução é ainda viável se as alterações forem feitas.
Caso o dono da obra não concorde com as alterações pretendidas pelo
empreiteiro: não poderá exigir o cumprimento nos termos iniciais, mas pode o
empreiteiro opor-se à realização nos termos impostos pelo dono de obra, pode opor-
se à execução do contrato, e por fim ao contrato de empreitada.
Porém, se o dono da obra não insistir no cumprimento do contrato sem
as alterações necessárias: temos ainda um outro caso em que o empreiteiro pode
por termo ao contrato:
1. Trata-se da situação em que as obras não podem ser realizadas pelo
empreiteiro designadamente porque a sua execução pressupõe a prática de
infrações de diversa natureza, inclusivamente, criminal; ou

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2. Na eventualidade de a obra, com as correções que o empreiteiro poderia


sugerir ultrapassa os limites do preço fixado no artigo 1215.º, do CC relativamente
às situações de correção do preço; ou
3. Que ultrapasse a capacidade técnica e empresarial do empreiteiro;
→ Se tudo isto suceder o empreiteiro poderá por termo à obra.

Iremos abordar agora a questão que se prende coma fiscalização da obra:


HIPÓTESE 1: “A, empreiteiro, realiza a construção da garagem nos termos constantes
do projeto, sem avisar o dono da obra dos defeitos do projeto, mas alega não poder ser
responsabilizado pela queda do edifício que está por cima da garagem construída,
dado essa responsabilidade caber ao dono da obra por este não ter fiscalizado a obra.”
Importa atender ao artigo 1209.º, n.º1, do CC: o dono da obra pode fiscalizar,
à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da
empreitada. E deve exercer esse direito de acordo com as regras da boa-fé e
portanto: não pode ser tida por ilícita a conduta do dono de obra que não fiscaliza.
Estamos perante uma faculdade, não um dever (do dono da obra fiscalizar a mesma),
e portanto a omissão de fiscalização não pode penalizar o dono da obra.

HIPÓTESE 2: “A invoca a circunstância de C e D serem os responsáveis pela fiscalização


da obra, e terem-lhe dito e insistido para que A realizasse cegamente o projeto sem
averiguar se existam falhas evidentes no mesmo, tendo C e D lhe assegurado que eram
os melhores nas suas áreas.”
O que foi dito a propósito da boa-fé no cumprimento da obrigação que recai
sobre o empreiteiro, já nos ajuda a responder a estas questões. Em todo o caso e
para além dessas considerações que já vimos: caso a entidade fiscalizadora exorbite
os poderes que lhe são conferidos pelo dono da obra, o empreiteiro não fica obrigado
a atuar de modo conforme com essas instruções, e se o fizer, quando se deveria ter
apercebido desse caracter exorbitante ou erróneo dessas instruções será
responsável contratualmente perante o dono de obra – à responsabilidade dos
projetistas e da entidade fiscalizadora acrescentar-se-á esta responsabilidade
do empreiteiro perante o dono da obra, sendo que o exercício de fiscalização por
parte do dono de obra ou por pessoas que ele tenha designado não implica qualquer
renuncia do dono de obra aos direitos resultantes da má execução, mesmo se o dono
de obra, ou os fiscais não se pronunciarem sobre essa execução podendo fazê-lo.
Só não será assim, de acordo com o n.º2, do 1209.º, do CC se o dono de obra
tiver dado o seu consentimento expresso à forma como a obra foi, nesse caso,
defeituosamente executada.

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HIPOTESE 3: “O empreiteiro não se apercebia dos defeitos do projeto, mas o dono de


obra tinha deles conhecimento e não os comunicou ao empreiteiro. Mais tarde, perante
a derrocada da casa o dono da obra pretende responsabilizar o empreiteiro.”
O Prof. Pedro Romano Martinez entende correr nestas situações a invocação
de direitos por parte do dono de obra à reparação ou supressão de vicio, um abuso
de direito na modalidade de venire contra factum próprio.
Este entendimento não é seguido pelo Prof. Menezes leitão, que entende que
perante o 1209.º, n.º2, este preceito seria claro no sentido de, só na hipótese aí
prevista, o dono ficar impedido de invocar quaisquer direitos:
“A fiscalização feita pelo dono da obra, ou por comissário, não impede aquele,
findo o contrato, de fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, embora
sejam aparentes os vícios da coisa ou notória a má execução do contrato, exceto
se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.”
- Artigo 1209.º, n.º2, do CC

→ O Prof. Menezes leitão diz que só havendo concordância expressa é


que o dono de obra poderia ficar impedido de invocar quaisquer
defeitos.
POSIÇÃO DO REGENTE: a fiscalização visa satisfazer um interesse do dono da obra
e não garantir ao empreitado, no interesse deste, uma instância de controlo externa
da qualidade da sua prestação, e portanto parece não afastar a circunstância do dono
de obra ser a de fiscalização neste tipo de situação o facto essencial sendo esse a
existência de um cumprimento defeituoso por parte do empreiteiro. Deve recordar-
se que não se encontra o contrato de empreitada, não obstante o n.º2 do 1209.º, fora
do âmbito de aplicação dos institutos gerais, nomeadamente do abuso de direito e
do dever de boa-fé entre as partes contraentes – significa que o 1209.º.º/2 não
significa, poder o dono de obra, escudar-se na ausência de uma confirmação
expressa da sua parte, de uma execução de obra em determinado sentido.

HIPÓTESE 4: “O dono da obra é arquiteto, e além disso é ele que realiza o projeto,
quem contrata o empreiteiro para executar esse projeto e quem fiscaliza a obra.
Durante a construção, o dono de obra verifica que o empreiteiro não está a executar a
obra de acordo com as regras da arte, por ex: por estar a usar cimento quando no caso
concreto, tendo em conta do peso da estrutura e do local, ser necessário uma estrutura
em betão em vez de tijolo e cimento simples”.
Tendo o dono da obra, conhecimento do desrespeito das regras da arte, como
é que podemos vir a aceitar que na hora da verificação da obra e da aceitação, ele
venha, posteriormente à fiscalização, direitos perante aquela má execução?
- Uma coisa é admitir que em situações excecionais e segundo regras gerais,
o funcionamento da regra geral do abuso de direito impedido o dono da obra de
exercer os direitos decorrentes do cumprimento defeituoso; e outra diferente é
aceitar que aconteça isso em regra se o dono fiscalizou a obra.
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EM REGRA, a fiscalização não afasta os direitos do dono da obra – por


força do 1209.º, n.º2, do CC. Contudo, em situações excecionais a solução
poderá ser outra, diferente da regra.
Face ao que foi dito, este caso da HIPÓTESE 4 parece um daqueles casos
pontuais em que nós não temos uma equiparação do dever de conhecimento ao
conhecimento efetivo. O artigo 1209.º, n.º2 afirma não ficarem os direitos do dono
da obra prejudicados mesmo na eventualidade do vicio ser aparente ou notório.
- Como é sabido, de acordo com o entendimento generalizado da Doutrina:
quando uma norma exige, para a verificação de um determinado efeito, a boa-fé
subjetiva ou a ignorância ou o conhecimento de uma determinada situação, tem
sido entendido que aquele que deve conhecer está na mesma situação daquele
que conhece – equipara-se o conhecimento ao dever de conhecimento. Da
mesma forma, quando para a verificação de um determinado efeito se exige a
boa-fé subjetiva, tem se entendido que essa deve ser uma boa-fé subjetiva ética
daquele que ignora uma determinada situação sem ter violado deveres de
informação ou de cuidado.
O artigo 1209.º, n.º2, do CC afasta-se justamente desta orientação ao vir
diferenciar o conhecimento do dever de conhecimento. Mesmo perante uma
situação de dever de conhecimento os seus direitos não são paralisados, só a
concordância expressa é que leva a uma paralisação dos seus direitos. Nos termos
deste preceito, em principio, os direitos do comitente não são afetados nas hipóteses
nas quais ele podia ter conhecido ou até nas quais ele eventualmente conheceu mas
não deu a sua concordância expressa.
Olhando para este artigo 1209.º, n.º2, do CC temos: referencia aos defeitos,
notórios ou aparentes (aqueles que o dono de obra pode ter conhecido) e temos
também referência aos defeitos relativamente aos quais o dono de obra deu
concordância expressa, mas a norma é silenciosa no sentido em que não ressalva
expressamente as situações de conhecimento efetivo.
➔ REGENTE: havendo conhecimento efetivo não se vê razão para
beneficiar o silêncio do dono da obra e prejudicar o empreiteiro –
trata-se de uma exigência elementar de correção e de boa-fé imposta pelo
sistema.

Vamos agora ver um outro aspeto que tem que ver com os deveres do dono
da obra.
1. Pagamento do Preço
O preço é o principal dever do dono de obra. A regra geral vigente nesta
matéria é a mesma que vigora para a generalidade dos contratos: uma vez
estabelecido o preço não pode ser alterado, e o empreiteiro não pode, em princípio,

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solicitar aumentos de preço mesmo que os seus custos tenham aumentado. Este
regime pode, no entanto, ser alterado por cláusula contratual (nomeadamente de
atualização do preço).
- Regente remete esta matéria para as lições.

Vamos abordar outra matéria que tem que ver com a verificação,
comunicação e aceitação da obra.
HIPOTESE 1: “Vamos imaginar que A, empreiteiro, celebra um negócio com B, dono de
obra, pelo qual o primeiro se obriga a construir no terreno do segundo, uma casa de
habitação. Uma vez terminada a obra, A informa B da respetiva conclusão e diz a B
para proceder à verificação da obra com vista à sua aceitação. Entretanto B, a quem
tinha saído o Euromilhões resolve ir passar férias para os Trópicos e fica durante um
mês. A, casando de esperar pretende responsabilizar B pelo atraso, sendo que B, tendo
gasto todo o dinheiro recusa-se a pagar qualquer quantia adicional ao preço a titulo
de indeminização pela mora na verificação, comunicação e aceitação da obra.”

O dono de obra deve verificar a obra após a conclusão desta e antes da


aceitação, tendo esta verificação como propósito, comprovar que a obra se encontra
de acordo com o plano convencionado e sem vícios – Artigo 1218.º, n.º1, do CC.
Já o n.º2, do artigo 1218.º estabelece que: “A verificação deve ser feita dentro
do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de
o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer.”
A condição da verificação é, em primeiro lugar, o cumprimento do dever do
empreiteiro de comunicar a conclusão da obra, bem como o dever de a colocar à
disposição do dono da obra (n.º2). A qualificação da posição jurídica do dono de obra
quanto à verificação, é matéria controversa e objeto de debate:
1. Segundo alguns autores: tratar-se-ia de um ónus material ou encargo, isto
porque o dono de obra pode escolher não realizar essa verificação, mas se o
fizer isso importa um conjunto de circunstâncias potencialmente negativas
para ele que não as mencionadas no n.º5 do 1218.º, do CC.
- Esta verificação corresponde a um direito do dono da obra, e como
tal, sendo um direito ele verifica se quiser, senão não tem que o fazer.
2. Uma outra posição: entente estarmos aqui perante um dever do dono da
obra.
3. Prof. Regente: para resolver esta questão temos que atentar no regime da
verificação da obra:

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- Determinação do prazo para a verificação: segundo o n.º2, do


1218.º, para determinar o prazo para a verificação, e apesar da
remissão imediata para os usos, o que estabelece como primeiro
critério será o da vontade das partes. Se estas acordarem um
determinado prazo para a verificação e ou comunicação, é esse o prazo
que se aplica.
- Na nossa HIPÓTESE desconhecemos qual é o prazo, não é dito se as partes
estipularam ou não um prazo nem se existe ou não um prazo que resulte dos usos,
portanto, na resolução da hipótese temos que admitir que o prazo pode ou não ter
decorrido:
a.) não tendo ainda decorrido o prazo o assusto estava resolvido, não havia
nenhuma responsabilidade;
b.) decorrido o prazo, teríamos que verificar quais as consequências do
atraso na verificação.
- O n.º1 do artigo 1218.º diz-nos expressamente que a verificação
corresponde a um dever do dono da obra. Só que, esta qualificação
constante de uma norma, não obriga e portanto, temos que analisar o
regime para verificar se é um dever ou não.
- o 1228.º n.º1 e 2 vai no mesmo sentido de um dever: esta inversão
do risco em caso de mora quanto à verificação poderia significar
que estaríamos aqui perante um dever.
Não obstante a estes preceitos parece que estamos aqui diante de um
verdadeiro encargo ou ónus material que obedece a um regime particular apesar de
se traduzir estruturalmente num dever – é um dever de comportamento, funciona
no interesse de outras pessoas, mas não pode por estas ser exigido no respetivo
cumprimento – de acordo com o 1218.º, n.º5 a falta de verificação ou
comunicação da obra tem como consequência a aceitação da obra, ou seja, a
falta da verificação quer da comunicação, quer do seu resultado importa a atribuição
de valor declarativo e portanto, significa a aceitação. Note-se que o artigo 1218.º,
n.º5 deve ser entendido como pressupondo um incumprimento definitivo. Temos
uma situação de encargo ou ónus material, com a observação de que a aplicação do
n.º5 pressupõe o incumprimento definitivo do ónus material de verificar, ou do
dever de verificar, em caso de mora aplica-se o 1228.º, n.º2, o 1218.º, n.º5 pressupõe
o incumprimento.

b.1)Vamos supor que houve incumprimento definitivo: se analisarmos da


falta de verificação aquilo que nós temos é que há consequências desfavoráveis para
o dono da obra, mas não surgem direitos ou posições correspondentes da outra
parte tratando-se claramente de um ónus, cuja consequência do seu não acatamento
é a transferência da obra, nada mais. Mas havendo aceitação há transferência da
obra e essa determina a obrigação de pagar o preço, e vencida essa obrigação de

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pagar o preço aplicam se as consequências gerais da mora e do incumprimento –


aqui, se houvesse incumprimento do dever de verificação a obra tinha-se
transferido, o pagamento do preço era devido e havia aplicação das consequências
gerais da mora e do incumprimento. O dono de obra tinha que responder pela mora
ou incumprimento na obrigação do pagamento do preço.

Aula do dia 05/12/2020

HIPÓTESE 1 “A empreiteiro, notificava B dono de obra para que o B verificasse a


obra, coisa que o B fazia comunicando o respetivo resultado sem qualquer reserva e
procedendo à respetiva aceitação. Entretanto, vem-se a verificar que a obra
apresentava vícios estruturais que não eram visíveis a olho nu e uma vez detetados
esses vícios ou defeitos, já depois da aceitação, B pretende que A proceda à respetiva
reparação, sendo que A recusa e perante esta recusa B não paga o preço.”
Como é que se resolve esta situação?

A aceitação da obra determina a transferência da propriedade nos casos


mencionados no artigo 1212.º n.º 1, isto é, nos casos de empreitada de coisa móvel
com materiais fornecidos pelo empreiteiro. E a aceitação da obra determina,
também, a transferência do respetivo risco nos termos do artigo 1228.º n.º 2 do CC.

Artigo 1212.º: “ No caso de empreitada de construção de coisa móvel com


materiais fornecidos, no todo ou na sua maior parte, pelo empreiteiro, a aceitação
da coisa importa a transferência da propriedade para o dono da obra; se os materiais
foram fornecidos por este, continuam a ser propriedade dele, assim como é
propriedade sua a coisa logo que seja concluída.”
N.º 2 reporta-se à empreitada de construção de imóveis: “No caso de empreitada de
construção de imóveis, sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, a coisa
é propriedade deste, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais; estes
consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados
no solo.”

Artigo 1228.º n.º 1 “Se, por causa não imputável a qualquer das partes, a coisa
perecer ou se deteriorar, o risco corre por conta do proprietário.”
n.º 2: "Se, porém, o dono da obra estiver em mora, quanto à verificação ou aceitação
da coisa, o risco corre por conta dele”

Do funcionamento conjugado do artigo 1212.º + 1228.º resulta que o risco


se transfere com a transferência da propriedade, portanto, como a transferência da
propriedade se dá com a aceitação no caso da empreitada de coisa móvel com
materiais fornecidos pelo empreiteiro temos que a aceitação opera também a
transferência do risco.

Além disso, a aceitação determina também a irresponsabilidade do


empreiteiro por vicios conhecidos pelo dono de obra e que não sejam ressalvados
na aceitação, assim como, pelos vícios aparentes que se presumem conhecidos.

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Portanto, se a aceitação não for feita com reserva, havendo aceitação sem
reserva essa aceitação determina a irresponsabilidade do empreiteiro pelos vícios
conhecidos pelo dono de obra e não ressalvados pelos vícios aparentes que se
presumem conhecidos, nos termos do artigo 1219.º n.º 1 e 2.

Artigo 1219.º n.º1 : “O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o


dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles.”
n.º 2: “ Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido
verificação da obra.”

É ainda a aceitação da obra com reserva, se a aceitação for feita com reserva,
é essa aceitação com reserva que inicia o prazo de garantia legal ou convencional
sob os efeitos ressalvados (o prazo de garantia legal ou convencional sob os defeitos
ressalvados inicia-se por força da aceitação da obra com reservas) de acordo com o
artigo 1224.º n.º 1

A aceitação da obra pode ainda o vencimento da obrigação de pagamento do


preço conforme resulta do artigo 1211.º n.º 2 do CC.

Mas, a aceitação da obra pode porém não importar sempre todos estes efeitos
porque a aceitação da obra pode ser feita com ou sem reserva.
Por exemplo: artigo 1219.º n.º 1 onde se refere a aceitação sem reserva e o artigo
1224.º onde se alude à aceitação com reserva. Portanto, temos esta possibilidade de
aceitação ser feita com ou sem reserva.

A aceitação com reserva é aquela que se verifica se a obra tiver defeitos e ainda
assim, o dono aceitar a obra mas declarando que não prescinde dos direitos que lhe
assiste. Portanto, o dono de obra na aceitação assina-la os vícios ou defeitos, aceita
a obra mas declara que pretende a reparação, substituição da coisa, pretende fazer
valer os direitos que lhe assistem por força dos defeitos.

Por força do artigo 1219.º n.º 2 se presumem conhecidos os defeitos


aparentes esta presunção é uma presunção que se discute qual é o seu alcance e à
quem entenda que se trata de uma presunção ilidível, uma presunção que poderia
ser afastada.
O regente refere que a consideração de que a boa fé por parte de quem invoca
desconhecimento (boa fé subjetiva) deve corresponder a uma boa fé ética e não
meramente psicológica; o desconhecimento de alguém que o invoca portanto, a boa
fé subjetiva deve corresponder a uma boa fé subjetiva- ética e não meramente
psicológica.
E, portanto, só estará de boa fé subjetiva e portanto, só poderá invocar
desconhecimento quem estiver nessa situação de desconhecimento sem violar
deveres de cuidado que no caso caibam e portanto, quem desconhece, mas
desconhece com violação desses deveres de cuidado (quem desconhece mas devia
conhecer se tivesse sido diligente, se tivesse sido cuidadoso) não está numa situação
de boa fé subjetiva ética, portanto, não pode dizer que está de boa fé; o seu
desconhecimento não é juridicamente revelaste, não é suscetível de invocação.

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A consideração de que a boa fé subjetiva deve corresponder a uma boa fé


ética e não meramente psicológica torna dificilmente aceitável que o dono de obra
possa demonstrar que não conhecia e nem devia conhecer os defeitos aparentes.

Só que, no caso da nossa hipótese nós estávamos perante um defeito oculto e


não perante um defeito aparente. E, portanto, o dono de obra pode, não obstante a
aceitação, recorrer a todos os meios associados ao cumprimento defeituoso e ao
incumprimento.

Os direitos do empreiteiro:
1. o primeiro dos direitos do empreiteiro tem a ver com a receção do preço:

Ex: A pequeno empreiteiro que vai proceder à substituição na casa de B de


uma torneira de cozinha e passados 3 anos A ainda não viu satisfeito o respetivo
crédito resultante da obra e portanto, acionar B só que este diz “já nada dever”

O preceito relevante é o artigo 317.º alínea b) do CC, porque este preceito


estabelece um prazo curto de dois anos de prescrição presuntiva referente “aos
créditos dos comerciantes pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou
não os destine ao seu comércio e bem assim, os créditos daqueles que exerçam
profissionalmente uma industria pelo fornecimento de mercadorias ou produtos,
execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que
hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do
devedor”

A questão é de saber se este preceito será aplicável à empreitada?


Nesta matéria exista uma variadissíma jurisprudência que tem entendido não ser o
artigo 317.º aplicável ao contrato de empreitada.

A questão que se coloca é de saber se esta orientação dessa jurisprudência


deve ou não ser seguida.
Importa ter em consideração os argumentos defendidos por esta jurisprudência:
- 1.º argumento para não aplicar o artigo 317.º Esta jurisprudência tem vindo a dizer
que a divida resultante da empreitada não é uma divida que costuma ser paga em
prazo curto e da qual não é costume exigir quitação.

Problema que consiste em saber se o artigo 317.º n.º 2 se aplica ou não à


empreitada, isto porque, à jurisprudência que no caso de situações como estas que
estamos a analisar (um empreiteiro vai a casa de um cliente substituir uma
torneira), a jurisprudência numa situação destas considera não se aplicável o artigo
317.º alínea b), porque:
- Essa linha jurisprudêncial entende não corresponder a divida resultante da
empreitada a uma obrigação que costuma ser paga em prazo curto e cujo
pagamento não costume exigir quitação. Esta jurisprudência entende que NÃO
corresponde a divida de empreitada ou resultante da empreitada a divida que
costuma ser paga em curto prazo e cujo o pagamento não é costume exigir
quitação; a jurisprudência diz não corresponder esta divida resultante da

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empreitada a divida que costuma ser paga em curto prazo e de cujo pagamento
não é costume exigir quitação.
Ora o artigo 317.º segundo esta jurisprudência diria respeito a dívida que
costuma ser paga em prazo curto e de cujo pagamento não é habitual exigir quitação,
precisamente, estas dividas seriam solvidas em tempo breve e sem quitação: base
de consagração dos prazos previstos quer no artigo 317.º, quer no artigo 316.º do
CC.

- Por outro lado, tem se entendido que estes créditos a que se reporta o artigo 316.º
e 317.º seriam créditos essenciais à subsistência do credor ou contraídos por
ocasião de necessidades urgentes do devedor.

O regente julga que a própria formula destes argumentos leva à conclusão


inversa, àquela para a qual eles (argumentos) no dizer da jurisprudência
apontariam. Na verdade, o regente diria que estes não apontam no sentido ou na
direção que lhes é assinalada pela jurisprudência, mas sim na direção inversa.
Porque, os créditos resultantes da empreitada costumam ser pagos curtos e
seguramente em prazos inferiores a 2 anos (sendo que obviamente podem existir
exceções que são insuscetíveis de infirmarem esta regra_). A regra é que de facto o
pagamento dos contratos de empreitada são feitos em prazos bastante curtos.

Acresce que não parece ao regente, que os créditos constantes dos artigos
316.º e 317.º correspondam necessariamente ou mesmo normalmente, a créditos
essenciais à subsistência do credor ou contraídos por força ou por ocasião de
necessidades urgentes do devedor. E isto, porque por um lado este requisito não
surge expressamente enunciado em parte alguma dos artigos 316.º e 317.º do CC (é
um requisito inexistente quando se olha para estes preceitos), nem da
teleologia/intencionalidade normativa destes artigos se consegue extrair essa
solução.
Mas admitindo, a beneficio de argumentação, considerando o sentido
normativo e o contexto: poder considerar-se em função de algumas das hipóteses
contempladas nestes preceitos estarem algumas das situações ai referidas, ao
tempo da entrada em vigor do CC ligadas a créditos essenciais à subsistência do
credor, ou contraídas por ocasião de necessidades urgentes do devedor.
Admitindo tal; o que vemos quando olhamos para o artigo 317.º:

- Se olharmos para a alínea c) do artigo 317.º verificamos uma prescrição


presuntuva: “ Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões
liberais ( créditos prestados por quem exerce profissões liberais como advogados,
arquitetos, engenheiros) e pelo reembolso das despesas correspondentes.”- aqui,
podemos admitir que se estará, pelo menos em alguns casos, perante situações de
créditos ligados a necessidades essenciais e substância do credor, ou, contraídos
por necessidades urgentes do devedor. Podemos admitir tal em alguns casos.
Todavia, hoje, em muitos casos estes créditos são devidos a grandes sociedades
de advogados, a grandes sociedades de engenheiros, a grandes sociedades de
arquitetos. E, por isso, sempre podemos dizer que à luz de uma interpretação
atualista do preceito e considerada a sua teleologia deveríamos considerar fora

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do âmbito de aplicação do artigo 317.º alínea c) de todos estes casos (prestação


de serviços de advogados, de arquitetos, de engenheiros) e em alguns casos por
força do conceito de obra que foi adotado, podemos chegar à conclusão que a
atividade de algumas destas profissões pode dar origem a contratos de
empreitada.
Portanto, se for o caso (se nós, aqui, designadamente perante a atividade dos
engenheiros, arquitetos, aplicarmos o regime de empreitada à luz de uma
interpretação atualista do preceito e considerando a sua teleologia de que tinha por
finalidade aplicar-se às situações de créditos que estão ligados às necessidades
essenciais e substância do credor ou contraídas por ocasião de necessidades
urgentes do devedor então tínhamos que considerar os créditos devidos a estas
grandes sociedades, fora da alínea c) do artigo 317.º porque, se ao tempo da feitura
do CC estes créditos eram sempre devidos a advogados, ou arquitetos ou a
engenheiros em prática individual, hoje, não é assim. Mas, pelas mesmas razões de
teleologia da norma, nessa eventualidade teria de se admitir prescreverem também
os créditos do pequeno empreiteiro que é executante e que necessita da satisfação
dos seus créditos para seu sustento e que normalmente realiza obras, reparação
urgentes na casa dos seus clientes; ter-se-ia que admitir que esses créditos ou essas
dividas prescreviam no prazo de 2 anos nos temos da alínea b) do artigo 317.º e
apenas, as dividas ou créditos devidos a grandes sociedades de construção é que
estariam fora desse prazo de dois anos de prescrição.

E portanto, para o regente, a solução assim alcançada seria uma solução


mínima. Em todo, o caso para o regente não parece possível reconduzir todas as
situações de prescrições previstas no artigo 317.º a hipóteses de créditos
resultantes de atos do credor realizados para seu sustento e para satisfação de
necessidades urgentes do respetivo devedor. E basta atentar-se na circunstancia de
na alínea b) do 317.º do CC estarem, entre outros créditos que ali são mencionados,
os que são emergentes do comércio e do exercício profissional de uma industria.

Portanto, verifica-se que estão aludidas atividades que são atividades


tipicamente de utilização de capital intensivo, como é o comercio de distribuição, e
a industria e, portanto, não parece que o artigo 317.º pelo seu teor e pela sua
intencionalidade apenas diga respeito a créditos que apenas resultam da atividade
de pessoas que realizam tarefas necessárias à sua subsistência e para satisfação de
necessidades urgentes do devedor. Mas mesmo que isso fosse verdade, então, pelo
menos, nesse caso os pequenos empreiteiros ficavam sujeitos ao artigo 317.º

A posição que parece ao regente não é a posição desta jurisprudência, mas a


oposta que no caso de alguém que contrata um empreiteiro para substituir uma
torneira o prazo de prescrição será a do artigo 317.º alínea b) do CC.

Direitos do empreiteiro:
- Direito à receção do preço (pode haver estipulação no contrato que estabeleça
quando o preço é devido; não sendo assim ele em principio será devido com a
aceitação). O prazo de prescrição do dever de pagamento do preço

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Quais são os deveres do empreiteiro:

- O principal dever do empreiteiro é o dever de proceder à realização da obra.

Ex: A empreiteiro obriga-se para com B a realizar uma obra de construção de


uma casa num pântano. E no contrato, não é fixado nenhum prazo para a construção
desta casa, passados 2 anos B (dono de obra) impacienta-se com o empreiteiro que
nunca mais acaba a obra e pretende demanda-lo por mora ou incumprimento do
contrato de empreitada.
“A” defende-se e defende-se dizendo que por um lado, nunca tinha realizado
a construção de uma casa num pântano e em segundo lugar, que não existe um prazo
estabelecido.

Como é que se resolver este caso?


O empreiteiro deve realizar todas as obras, cumpridas todas as regras de arte que
no caso sejam aplicáveis a este obra e também todas as outras que sejam necessárias
para se poder afirmar haver um cumprimento da sua prestação conforme o
interesse do dono de obra. Portanto, para além das regras da arte/ regras técnicas e
de voa execução da obra e para alem destas, o empreiteiro deve também cumprir,
por exemplo, os regulamentos urbanísticos e outras normas administrativas que ao
caso sejam aplicáveis, como por exemplo, em matéria de ruído, em matéria de
produção de detritos, de lixo, etc.
Portanto, estas regras da arte e as outras regras adicionais a que o
empreiteiro está adstrito representam um padrão para se aferir do cumprimento
diligente do contrato pelo empreiteiro.
E no silencio do contrato, esse padrão devido pelo empreiteiro é o das regras da arte
objetivamente consideradas. E, portanto, o empreiteiro deve conhece-las; estas
regras da arte objetivamente consideradas são aquelas regras de sete existentes e
aplicáveis na época e no local onde a prestação é executado; sendo irrelevante se o
empreiteiro não as conhece ou se o empreiteiro não consegue cumpri-las por não
dispor, por exemplo, de meios técnicos ou de pessoal qualificado (não dispor na sua
estrutura empresarial de pessoal que saiba implementar as regras de arte exigíveis
para aquela obra, naquele local, e naquele momento).
A obrigação do empreiteiro é uma obrigação de resultado e portanto, ele tem que
cumprir quer conheça quer não conhece as regras da arte; portanto, ele tem de
realizar a obra e tem de realizar a obra em condições.

Mas se o empreiteiro tem de cumprir com essas regras da arte, tem que as
conhecer (mesmo que não as conheça tem de as conhecer), se não tem maneira de
as implementar, tem que se assegurar que as conseguirá implementar se isto é
verdade, também é verdade que o empreiteiro não é em regra obrigado a dominar
técnicas de ponta, ele é obrigado a dominar as regras da arte exigíveis para a
realização de uma obra (as regras de arte normalmente praticadas, não é obrigado
a dominar as técnicas de ponta)- isso em regra, mas no entanto, a própria natureza
das condições do contrato pode suscitar padrões mais exigentes na qualidade de
construção, e será o caso por exemplo, da construção de imóvel em local onde se
verifica condições de solo e de clima de especial exigência (por exemplo, em
Portugal dadas as características sísmicas todas as construções para habitação e
para utilização pelos seres humanos têm que obedecer a características de

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resistência sísmica e portanto, não é licito ao empreiteiro numa circunstancia dessas


vir fazer uma casa que não obedece a estas características de resistência sísmica.)
Se por exemplo, for construída uma casa num terreno com condições de solo e clima
e de forte humidade, como era o caso desta hipótese em que estava prevista s
construção em terreno pantanoso, e tal era indicado no próprio contrato, não é licito
ao empreiteiro invocar/ reclamar um grau de diligencia mediano para se furtar ao
seu dever de realizar uma obra que corresponda aquilo que é exigido a uma
construção num terreno pantanoso ou para vir reclamar um prazo de cumprimento
que não seria o prazo de cumprimento de que necessitaria um empreiteiro que
tivesse o domínio das técnicas exigíveis para construção num terreno que se sabia
que era pantanoso.
Mas isto já não será verdade, quando se for celebrar um contrato de
empreitada, e não se soubesse que o terreno era pantanoso, que tinha particulares
características. Se tal só for descoberto depois, no momento da execução, neste caso
o dono de obra não pode exigir que o empreiteiro domine as técnicas exigíveis para
construir num terreno com essas características, se na altura em que se contratou
se assumiu que aquele terreno era normal.

Mas na nossa hipótese assumiu-se logo que o terreno era pantanoso,


portanto, temos aqui uma situação em que se pode concluir logo pela interpretação
do facto que o empreiteiro ter sido escolhido eventualmente até pelo facto de se
supor que domina as técnicas de arte mais avançadas para proceder à respetiva
aplicação a obra realizar, porque logo no contrato foi dito que o terreno tinha
aquelas características , que era pantanoso, que a casa era para ali ser feita. Se tal foi
mencionado, se foi pressuposto no contrato, então, era pressuposto também que o
empreiteiro dominaria essas técnicas e portanto, não é licito ao empreiteiro dizer
que era a primeira vez que estava a fazer uma obra com aquelas características, não
sabia como se fazia.

Circunstancia de não haver nenhum prazo certo estabelecido neste contrato:


(muitas vezes as obras tem prazos certos e porventura e termo inicial e termos final
fixado para a execução, mas por outras vezes não).

Vamos continuar a resolver a HIPOTESE que tinha que ver com a realização
de uma casa num terreno pantanoso, sem que tivesse sido fixado prazo para a
realização da obra, mas decorridos dois anos o dono da obra impacientava-se com o
empreiteiro que nunca mais concluía a obra dizendo que não tinha prazo fixado.
Em inúmeras situações em que o contrato de empreitada é celebrado é
estipulado um prazo e muitas vezes é também estipulado um termo inicial e final
para a execução do contrato de empreitada, contudo, noutros casos isso não sucede,
não sendo fixado um prazo.
Atendendo à natureza das coisas, pode dizer-se que no contrato de
empreitada o cumprimento não se encontra na total disponibilidade do dono da
obra, isto porque é necessário algum tempo pela própria natureza das coisas para a
execução do contrato e por isso, se as partes não fixaram um prazo de cumprimento,
não estamos diante uma obrigação pura. No caso do contrato de empreitada, pela

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natureza das coisas, é necessário algum prazo mínimo que corresponde à execução
natural do contrato de empreitada, mesmo que não haja mora ou incumprimento
por parte do empreiteiro, e por isso, não estamos perante uma obrigação pura com
a consequência de que o empreiteiro não entre em mora logo após a interpolação –
a obrigação de realizar uma obra é um exemplo clássico das chamadas
obrigações de prazo natural, que estão previstas no art. 777.º, n.º 2, do CC.
Nos termos do 777.º, n.º2 resulta que se for necessário fixar um prazo para o
cumprimento, e não havendo acordo das partes pode a fixação do prazo ser deferida
ao tribunal.
Regente: considera que se deve perguntar se o problema no caso do contrato
de empreitada deve ser sempre resolvido através do processo de fixação judicial do
prazo, isto porque:
1. Não ser o deferimento ao tribunal da fixação do prazo, justificado se o dono
de obra quando exige o cumprimento da empreitada, para a qual não foi
fixada um prazo inicial de execução, portanto, se quando o dono de obra faz
isso ele fixar um prazo tecnicamente razoável para a realização da obra.
- Na nossa HIPÓTESE: se o dono da obra fixar um prazo tecnicamente razoável
para a realização da obra, não parece ao regente necessário remeter-se para a
fixação judicial do prazo. O empreiteiro pode sempre discutir em juízo a
razoabilidade do prazo fixado, mas se o dono de obra vier a ganhar a disputa judicial
(o tribunal entende que o prazo fixado pelo dono de obra é ponderado e sensato), os
efeitos da mora reportar-se-ão ao momento do cumprimento do prazo inicialmente
fixado pelo dono da obra.
- Na perspetiva do Regente: não faz sentido considerar que se o dono da obra
fixar um prazo razoável e o tribunal considera-lo como tal, que ele não pode
ser considerado para efeitos de verificação de ora, e portanto o tribunal vir
declarar que a mora se deu no momento da verificação do prazo.
A solução postulada pela opinião comum está em frontal desagonia com a que
é defendida a propósito de uma obrigação em tudo idêntica: não lhe parece (ao
regente) haver diferença entre as hipóteses de falta do prazo para termo da obra e
a fixação de um outro limite temporal para a eliminação dos defeitos ou realização
de obra nova nas hipóteses previstas nos 1221.º e 1225.º:
- nas hipóteses previstas nos 1221.º e 1225.º, a opinião comum entende não
ser necessário o deferimento ao tribunal para a fixação do prazo de eliminação dos
defeitos o realização de obra nova.
→ Não se percebe portanto porque é que num caso esse deferimento
seria sempre necessário e no outro não.
A nossa HIPOTESE está assim resolvida: na aula passada já vimos se o
empreiteiro tinha ou não que dominar as técnicas necessárias à construção de uma
casa num terreno pantanoso e vimos agora como é que se resolve a questão do

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prazo: segundo o Regente, pode o dono fixar um prazo razoável para a


conclusão da obra, e se o empreiteiro não o cumprir entra em mora.

Agora vamos analisar uma questão que se prende com a entrega da coisa e
com a transferência da propriedade da obra e do risco de deterioração e
perecimento da obra.
HIPOTESE 1: “A, empreiteiro, construiu uma coisa móvel usando materiais totalmente
fornecidos pelo dono da obra B. B aceita a obra mas não exige de imediato a sua
entrega. No entanto, no lapso de tempo que medeia a aceitação da obra e a sua
entrega, a coisa vem a perecer por facto furtuito, e B considera então que A lhe deveria
ter entregue a coisa no momento da coisa e que portanto A está um mora, o que
significaria a inversão do risco relativamente ao deterioramento ou perecimento da
coisa – o risco correria por conta do empreiteiro A.” Terá B razão ou não?

De acordo com o artigo 1212.º, regula a propriedade da obra.


1. No caso de empreitada de construção de coisa móvel:
1.1 Com materiais fornecidos no todo ou em maior parte, pelo empreiteiro, a
aceitação da coisa importa a transferência da propriedade para o dono da
obra (n.º1, 1ª parte, do art. 1212.º, do CC); ou
1.2. Com materiais fornecidos pelo dono da obra (art. 1212.º, n.º1, 2ª parte,
do CC).
2. No caso de empreitada de construção de coisa imóvel (artigo 1212.º, n.º2, do CC):
2.1. No caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o solo ou a
superfície pertença do dono da obra, a coisa é propriedade deste, ainda que
seja o empreiteiro quem fornece os materiais (art. 1212.º, n.º2, 1ª parte, do
CC) - estes consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão
sendo incorporados no solo.
- Se o solo ou superfície for pertença do empreiteiro a transferência
da propriedade da obra só se dá com a aceitação.

Nesta HIPÓTESE os materiais eram fornecidos pelo dono da obra pelo que
não se aplica o artigo visto anteriormente, aplicar-se-ia, sim o artigo 1212.º, n.º1, 2ª
parte, do CC: se os materiais foram fornecidos por este (dono da obra), continuam a
ser propriedade dele, assim como é propriedade sua a coisa logo que seja concluída.
O artigo 1228.º, n.º1, do CC estabelece que o risco corre se por causa não
imputável a qualquer das partes a coisa parecer ou se deteriorar, o risco corre por
conta do proprietário.

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Sabemos, todavia que o n.º2 deste artigo inverte o risco se o dono de obra
estiver em mora quanto à verificação ou aceitação da coisa – nesse caso o risco corre
por conta dele.
O artigo 807.º, do CC inverte o risco no caso de mora do devedor, portanto
por força deste artigo, se houver mora do empreiteiro dá-se também inversão do
risco. O n.º2 do artigo 1228.º diz respeito à mora do dono de obra na verificação ou
aceitação, e o 807.º, norma geral, aplica-se à mora do empreiteiro.

A questão está: em saber se há mora ou não do empreiteiro neste caso?


O momento da entrega, não confundir designadamente com o momento da
verificação e da aceitação, é relevante a diversos tipos: por exemplo, para efeitos
do 1217.º referente às alterações posteriores à entrega da obra; para efeitos do
1224.º, n.º2 e 1225.º, n.º1 que tem que ver com o prazo de invocação de defeitos a
partir do momento de entrega; e além disso para efeitos de determinação da
existência ou não de mora e de incumprimento da obrigação de entrega.
Na eventualidade de não ter sido estipulado novo prazo para o
cumprimento, como sucede aqui, discute-se se o vencimento do dever de entrega
da obra: (3 hipóteses)
1. Se verifica logo a quando da aceitação; ou
Regente: Também não parece assistir-se ao vencimento da
obrigação da entrega no momento da aceitação.
2. Se considera que seria de aplicar o 777.º, n.º2 por se tratar de obrigação de
prazo natural; ou ainda
Regente: A entrega da obra, propriamente dita, não parece poder
ser considerada uma obrigação de prazo natural – falámos deste
prazo natural para a obrigação de realização da obra não para a
obrigação de entrega da mesma. Não podemos falar de obrigação
de prazo natural, daí não se optar pela hipótese 2.

3. Se considera que este prazo para a aceitação está dependente de REGENTE


interpolação pelo dono da obra nos termos do 777.º, n.º1. CONCORDA

Defende que a terceira hipótese é


a melhor solução.

A obrigação de entrega deve ser cumprida no lugar do domicílio ou sede


do devedor, se a obra tiver por objeto coisa móvel (nos termos da regra geral do
772.º, n.º1).

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O caso com o qual estamos confrontados trata-se da realização de uma obra


de coisa móvel, estando no âmbito do artigo 772.º, n.º1, que determina o lugar do
cumprimento. E portanto, a aceitação parece ser antes o pressuposto para a entrega,
mas depois disso, o dono dizer quando é que pretende que a obra lhe seja entregue
se não existir nenhum prazo: em alguns casos isso pode resultar implicitamente na
aceitação, mas é diferente dizer-se que a interpolação para a entrega decorre por
vezes implicitamente da aceitação, e dizer-se que a aceitação implica sempre o
vencimento da obrigação de entrega.
O Professor Menezes Leitão considera incompatível com o artigo 1228.º a REGENTE
defesa da ideia segundo a qual há coincidência entre o momento da aceitação e o DISCORDA
momento da obrigação da entrega.

O Regente discorda: O artigo 1228.º, do CC não afasta as regras gerais


da mora.

Em conclusão: no caso que estamos aqui a analisar terá de se interpretar a


aceitação para saber se ela operou ou não de forma tácita a interpolaçao para a
entrega da coisa:
1. Se a aceitação operou tacitamente a interpolação para a entrega da coisa: há
mora e há inversão do risco – se a aceitação operou de forma tácita a interpolação
para a entrega da coisa e essa coisa não foi entregue então temos mora e inversão
do risco, onde no nosso caso, quem suporta o risco da perda ou deterioração da coisa
é o empreiteiro; mas
2. Se a aceitação não operou tacitamente a interpolação para a entrega da
coisa: não há inversão e o risco corre por conta do dono da obra.
NOTE-SE PORÉM QUE: o regime do risco não deve fazer esquecer ter
o empreiteiro o dever de custódia sobre as coisas que são submetidas à sua
guarda, o que significa que se a coisa estiver sujeita à guarda do empreiteiro
e se se vier a perder ou deteriorar, cabe-lhe a ele (empreiteiro) ilidir a
presunção de culpa sobre si existente para se exonerar de responsabilidade.
Portanto, mesmo na eventualidade do risco não correr sobre ele, se a coisa
que lhe está confiada sujeita à sua guarda, se deteriorar ou perder, ele tem
que ilidir a presunção de culpa para fazer com que o risco recaia sobre o dono
de obra – só ilidida a presunção, ou seja, demonstrando-se ter o empreiteiro
colocado toda a diligencia exigida na guarda da coisa e mesmo assim ela ter
perecido ou sofrido uma deterioração, só nessa eventualidade é que entram
as regras do risco por pressuporem a não imputação a nenhuma das partes
do fator gerador da perda ou da deterioração.

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Vamos agora analisar a matéria das vicissitudes e patologia da empreitada:


HIPÓTESE 1: “A, empreiteiro, é contrato para a colocação de torneiras na casa de B.
no plano da obra é definido que seriam utilizadas torneiras da marca Montalvani,
mono-comando de parede com cartuxo cerâmico, mas A utiliza torneiras de modelo
branco de que são de misturador simples. B pretende saber quais os seus direitos
perante este comportamento de A.”

Certas ações, adotadas pelo dono de obra (por exemplo: solicitar ao


empreiteiro a reparação dos defeitos antes de propor a ação indemnizatória) só são
exigíveis no regime do cumprimento defeituoso, em matéria de defeitos de obra mas
já não o são para o exercício dos direitos decorrentes do incumprimento definitivo
da obrigação de realizar a obra.
Na verdade, os prazos para o exercício de certos direitos são muito breves no
regime da responsabilidade por defeito, mas tem se entendido estar o exercício dos
direitos advenientes do incumprimento contratual, nomeadamente o exercício do
direito à indeminização, sujeito ao prazo geral.
Para haver responsabilidade do empreiteiro nos termos do regime dos arts.
1219.º e ss., do CC é necessário ter a obra defeitos – e estes defeitos verificam se
perante todas as desconformidades em sentido amplo entre a prestação devida e a
prestação efetuada.
Podemos considerar que há defeitos sempre que haja uma desconformidade
em sentido amplo entre a prestação devida e a efetuada, incluindo a hipótese da obra
representar um aliud relativamente ao negociado ou uma redução ou extinção de
valor ou utilidade.
Os vícios são suscetíveis de serem identificados em sentido amplo como
divergências entre obra realizada e um padrão comum determinado segundo as
regras da arte aplicáveis. Já as desconformidades em sentido estrito são
representativas de uma divergência entre aquilo que é efetivamente executado e o
que é estipulado pelas partes traduzidas num desvio face ao plano acomodado, por
exemplo um projeto de construção previamente aprovado pela entidade
competente.
→ EM SUMA: temos um conjunto de realidades:
1. Podemos falar, em primeiro lugar, de desconformidades em sentido
amplo como qualquer situação de não coincidência entre a prestação devida
e a prestação efetuada, incluindo hipóteses de realização de uma coisa
diversa daquela que foi negociada.
2. Depois podemos falar em vícios e distingui-los das desconformidades em
sentido estrito:

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2.1. Os vícios são suscetíveis de serem identificados como as


divergências entre a obra realizada e um padrão comum de execução
determinado segundo as regras da arte aplicáveis;
2.2. Já as desconformidades em sentido estrito representam
divergências entre o estipulado pelas partes e o executado –
representam um desvio face ao plano acordado. A desconformidade,
diversamente do vício, não implica um juízo negativo objetivo de
censura sobre a obra realizada ou os materiais:
- o vício envolve um juízo negativo ou objetivo de censura,
mas a desconformidade não porque resulta apenas de um
desvio face ao plano acordado e a obra não ter nenhum aspeto
objetivamente negativo (exemplo: uma parede pintada de azul
em vez de branco tem uma desconformidade mas não tem um
juízo negativo objetivo, pois está pintada não está é pintada
com a cor que o dono da obra pretende).

Voltando ao caso: se o empreiteiro, na construção de uma moradia, utiliza


torneiras de modelos totalmente diferentes relativamente aos que estão previstos
no plano inicial, e o faz de forma injustificada isso não implica um juízo objetivo
negativo de censura, todas as torneiras satisfazem a sua unção. TODAVIA, assiste-se
a uma desconformidade porque do ponto de vista estético e mesmo porventura
limitadamente do ponto de vista funcional, existe uma divergência na prestação que
é executada face aquilo que foi acordado.
➔ NOTE-SE QUE: apesar desta distinção concetual entre autentico vicio e
desconformidade, ambas as hipóteses estão abrangidas pela noção ampla
de defeitos, sendo portanto o respetivo regime idêntico, isto é, em ambas
as situações aplica-se o regime do cumprimento defeituoso.
➔ Perante defeito, pertence ao dono da obra a prova da existência dos
defeitos como factos constitutivos dos seus direitos.
➔ Feita essa prova, o empreiteiro deverá provar não se dever a eles ao
cumprimento defetuoso da prestação – isto de acordo com as regras
gerais em matéria de ónus da prova.

NOTA: Hipóteses de incumprimento parcial vs. Hipóteses de cumprimento


defeituosos: Ou seja hipóteses de defeitos da obra, isto porque a distinção é
relevante pela circunstancia de apenas aos defeitos ser de aplicar o regime dos
artigos 1218.º e ss., do CC uma vez que o incumprimento parcial, esse segue o regime
dos artigos 798.º e ss., do CC. A distinção é muitas vezes difícil de estabelecer, ora:
1. O incumprimento parcial é um vício meramente quantitativo;
2. O cumprimento defeituoso corresponde a uma deficiência, a um vício
qualitativo.

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→ Para se saber se se está perante uma hipótese de incumprimento parcial ou de


um defeito: é necessário uma analise da situação concreta e uma interpretação da
factualidade subjacente:
a.) Se nós tivermos uma situação de defeito teremos que aplicar s artigos
1218.º e ss., do CC;
b.) Se tivermos uma situação de incumprimento parcial aplicamos os artigos
798.º e ss., do CC.

HIPÓTESE 2:” A, empreiteiro contrata com B a realização de uma determinada obra


para a colocação de novas janelas numa casa. É convencionado que seria A,
empreiteiro, a fornecer os materiais imprescindíveis para a construção, só que A decide
usar janelas que ele próprio tinha dado em garantia a C, por um crédito que este tinha
sobre ele (C sobre A).”
Neste cenário, nós estamos perante uma empreitada sujeita a vícios de
direito. Nestas hipóteses a duvida está em saber se serão aplicáveis as regras dos
artigos 905.º e ss. ou as dos artigos 1219.º e ss., do CC.
Os artigos 905.º e ss. são aqueles que regulam a compra e venda de bens
onerários, aqui, tal como sucede em matéria de compra e venda, parece poder-se
distinguir no nosso direito, no âmbito da empreitada entre duas categorias de
defeitos, e embora seja verdade não distinguirem os artigos 1218.º e ss. entre vícios
de direito e vícios do bem, é também necessário mostrar-se o regime dos artigos
1218.º e ss., mais direcionados para as hipóteses de vícios do bem.

- RECORDANDO:
1. O que nós vimos a propósito da compra e venda foi que os artigos 905.º e
ss., do CC se aplicavam à compra e venda de bens onerados – vícios de direito;
e a compra e venda de coisas defeituosas (930.º e ss.) – vícios do bem
propriamente dito.
2. No caso do contrato de empreitada nós temos uma regulamentação que
consta dos arts. 1218.º e ss. que não diferencia (como faz a compra e venda)
entre vícios de direito e vícios do bem.
→ Ainda assim, os arts. 1218.º e ss. que não distinguem consoante
o tipo de vícios, mas parecem estar notoriamente mais direcionados
! para as hipóteses de vícios do bem e portanto aquela que parece ser a
melhor solução passa por aplicar os artigos 905.º e ss., ao caso da
nossa hipótese, por estarmos perante vícios de direito.

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Quanto à nossa HIPÓTESE: uma vez que nós já analisamos o regime dos
artigos 905.º e ss. não vale a pena resolver esta hipótese das janelas porque basta
dizer que o regime aplicável é o regime da compra e venda dos arts. 905.º e ss., que
já falámos em aulas anteriores a propósito da compra e venda de bens onerados. O
que importa agora sublinhar é que é esse o regime aplicável (arts. 905.º e ss.) e não
o dos arts. 1218.º e ss., do CC, neste caso em que estamos perante vícios de direito,
em que alguém fornecem bens que tinham sido dados em garantia a terceiro.

HIPÓTESE 3: “A, empreiteiro, foi contratado para fazer um muro numa casa situada
no parque natural da ria formosa. Vamos admitir que o parque apenas autorizava a
realização de muros com dois metros dentro do parque. No plano de execução da obra
isso mesmo é estabelecido, porem o empreiteiro resolve fazer um muro com 2,50
metros.”
Esta hipótese não convoca uma solução diferente da anteriormente
analisada, também aqui nós temos um vício de direito.

Vamos agora analisar uma matéria diferente que se prende com a denúncia
dos defeitos da obra.
HIPÓTESE 1: “A, empreiteiro, realiza uma obra na casa de B, dono da obra, que é
diplomata, e dada a crise económica que se vive A começa a ter dificuldades para
cumprir com as regras técnicas necessárias à execução da obra e para a utilização de
matérias de qualidade exigível, portanto usa materiais de qualidade inferior e tudo
isto acaba por originar defeitos vários na obra. B aceita a obra sem reservas dado que
A ocultou propositadamente os defeitos. Passados 6 meses apos a conclusão da obra,
quando B regressa de África, onde estava colocado pelo Ministério dos Negócios
Estrangeiros, onde desempenhava funções diplomáticas, os defeitos vem se
manifestando, e B pretende saber quais são os direitos que dispõe sendo que A afirma
que já não tem quaisquer deveres ou obrigações por já terem passados todos os prazos
para o exercício dos direitos por parte do dono da obra, B.”

Nesta situação, o que importa dizer é que os direitos do dono da obra, na


eventualidade de cumprimento defeituoso, exigem uma denuncia no prazo de 30
dias a contar da sua descoberta – artigo 1220.º, n.º1 do CC.
Se o empreiteiro porém, por sua iniciativa, depois da aceitação reconhece
o defeito, o dono da obra fica desobrigado a fazer a denuncia pois o reconhecimento
é equivalente a essa denuncia – artigo 1220.º, n.º2, do CC.

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Contudo, há um prazo judicial para exercício dos direitos do dono da


obra que é fixado nos artigos 1224.º e 1225.º, n.º1, 2 e 3, do CC.
→ NOTA: a caducidade prevista no art. 1220.º é a que acabámos de verificar
– o dono de obra tem 30 dias para denunciar o defeito da obra a contar da
sua descoberta.
Neste caso, nós temos que verificar se o dono da obra descobrir um defeito
ocultado pelo empreiteiro depois de transcorridos os prazos de dois e cinco anos a
partir da entrega da obra (1224.º e 1225.º), se o empreiteiro ainda é responsável –
na nossa hipótese o que sucedia era que o empreiteiro tinha ocultado estes defeitos.

Aula do dia 07/12/2020


Questão de saber como se resolve a questão dos prazos para o exercício dos
direitos do dono da obra constantes do artigo 1224.º e 1225.º do CC, nas hipóteses
em que o empreiteiro usou de dolo para ocultar esses efeitos.

Apesar de não existir ressalva expressa nesse sentido, deve entender-se que
é extensível à empreitada o regime vigente em matéria de defeitos do bem vendido
que consta do artigo 916.º n.º 1, ao dispor que se o vendedor tiver usado de dolo
para esconder o defeito ou para manter em erro o comprador sobre os defeitos não
existe ónus de denuncia do defeito. Portanto, este preceito deve estender-se à
empreitada por força da identidade material se verifica entre a situação a situação
regulada pelo artigo 916.º e pelas situações em que o empreiteiro utiliza dolo para
esconder o vicio ou defeito.

Portanto, na nossa hipótese não se aplicaria nenhuma prazo de denúncia,


mas resta-nos saber se o empreiteiro ainda é responsável se o dono da obra
descobriu um defeito ocultado pelo empreiteiro da obra depois de transcorridos os
prazos de 2 e 5 anos, a contar da entrega constantes dos artigo 1224.º e 1225.º, a
este respeito deve entender-se poderem os direitos do dono da obra serem
invocados mesmo após o decurso desses prazos na medida em que o agente doloso
não pode ser beneficiado mesmo se o objeto do seu dolo levar algum tempo ser
descoberto.
Outro entendimento seria premiar a eficácia do dolo, seria premiar aqueles
empreiteiros que fossem mais desonestos, tão desonestos que conseguissem
esconder o defeito ou vicio durante um período de tempo alargado e portanto,
quanto mais desoneste e quanto mais eficaz na sua desonestidade seria o
empreiteiro ou for o empreiteiro, melhor seria para ele. E tal não pode acontecer,
não se pode premiar o dolo e a eficácia do dolo e portanto, a partir do conhecimento
do defeito e apenas a partir do conhecimento do defeito tem o dono de obra tem o
prazo de 1 ano para fazer valer os seus direitos nos termos do artigo 1124.º n.º 1,
mas nesta hipótese sem sujeição ao limite dos dois anos previstos no artigo 1224.º
n.º 2 e também, sem sujeição ao prazo previsto no n.º 1 e 3 do artigo 1225.º para os
imóveis de longa duranção, portanto, neste caso sem sujeição ao limite de cinco
anos.

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Portanto, o dono da obra tem 1 ano para exercer judicialmente os seus direitos, ano
esse contado a partir do conhecimento, do defeito e apenas disso.

Além disso, havendo dolo da parte do empreiteiro também não parece ao


regente dever equiparar-se o dever de conhecimento ao conhecimento efetivo e por
isso, este será um daqueles casos em que o conhecimento efetivo terá de ser
provado, não bastando provar o dever de conhecimento.

Em geral, quando se exige a boa fé subjectiva deve entender-se que essa boa
fé deve ser ética e portanto, nessa medida o conhecimento e o dever de
conhecimento em regra equiparam-se. Mas havendo dolo, isso não sucede porque
quem atua dolosamente causando danos numa esfera jurídica alheia não pode exigir
da outra parte uma atitude implicada na exigência de uma atuação de boa fé
subjetiva- ética.

Portanto, nesta hipótese deverá exigir-se o conhecimento efeitos e é


portanto, a partir desse conhecimento efetivo que se contará o prazo de 1 ano
judicial dos direitos do dono da obra

Outra questão: recusa da obra e eliminação dos defeitos:

Ex: B (dono da obra) tinha verificado a existência de defeitos no momento da


aceitação e portanto, recusa a obra exigindo a realização de uma obra nova. A
questão é se o pode ou não fazer.

O direito à recusa da obra, o primeiro dos direitos atribuídos ao dono da obra


e isto, apesar de apenas aparecer referido no artigo 1224.º n.º 1, o regente diz que
esta prioridade do direito de recusa de obra é uma solução decorrente das regras
gerais nesta matéria.

O dever de eliminar os defeitos por parte do empreiteiro, esse corresponde a uma


hipótese de indemnização sob a forma especifica ou sob a forma de restauração
natural. Além disso, vem previsto no artigo 1221.º podendo revestir, se necessários,
configuração de obra nova. Todavia, qualquer um destes direitos (seja a eliminação
dos defeitos, seja o dever do empreiteiro na relaxação de uma nova obra que
corresponde ao direito do dono da obra à realização de uma nova obra) cessa se as
despesas forem desproporcionadas, portanto, se as despesas a suportar pelo
empreiteiro forem desproporcionadas em relação ao proveito tirado pelo dono de
obra é o que nos diz o artigo 1221.º n.º 2.

Quanto ao prazo para a eliminação dos defeitos: o dono da obra pode fixar
um prazo razoável. O dono de obra pode fixar um prazo razoável (não existe um
prazo fixado na empreitada para a realização da obra) e quanto ao prazo para a
eliminação dos defeitos o dono de obra pode fixar um prazo razoável para essa
indemnização. Mas se o empreiteiro se recusar a eliminar os defeitos ou realizar
uma nova obra sem razão para isso e o dono da obra mantiver o interesse na
realização dessa prestação, na realização de uma obra nova ou na eliminação dos

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defeitos ele deve exigir em juízo o respetivo cumprimento nos termos do artigo
817.º do CC.

HIPÓTESE 2: “ Vamos imaginar que o dono da obra deteta os defeitos durante a


própria execução da obra.” Será que nesse caso, ele pode exigir a reparação dos
defeitos logo nesse momento ou será que ele tem que esperar pelo termo da obra?

A este respeito é relativamente vulgar negar-se ao dono da obra a


possibilidade de suscitar e pedir a reparação dos defeitos assim que os deteta na
execução da obra; argumentando-se que o facto de o dono da obra dispor de um
poder de fiscalização da obra não lhe é licito exigir a eliminação dos defeitos
enquanto o empreiteiro não der a obra por terminada. E isto, por se entender não
existir entre o dono da obra e o empreiteiro uma relação de subordinação, que
admita interferências na atividade do empreiteiro.
A ausência da subordinação do empreiteiro relativamente ao dono da obra,
portanto, a sua autonomia na condução dos trabalhos não serve, todavia, o
desrespeito do plano convencionado ou das regras da arte e, portanto, para o
regente não deverá impedir o dono da obra de exigir o cumprimento do plano da
obra e das regras da arte se observar um desvio dessas regras da arte ou desse plano
convencionado. E, por isso, o regente defende que o dono da obra pode logo em sede
de fiscalização, apontar defeitos, e exigir a sua reparação e depois o empreiteiro
reparará se for razoável suscitar a reparação desses defeitos e proceder à sua
reparação nesse momento e poderá, eventualmente, deixar para o final se se tratar
de defeitos que podem ser corrigidos sem atraso na execução da obra. Mas se for
necessário para o bom cumprimento do plano, designadamente em matéria de
prazo, a reparação imediata ela terá de ser feita imediatamente.

Questão: redução do preço no contrato de empreitada e resolução- outros


direitos do dono da obra

Ex: O empreiteiro procede a uma intervenção destinada a resolver os defeitos


detetados, ou que procede à realização de uma nova obra; mas mesmo assim, estes
defeitos subsistem ou aparecem novos defeitos. O que poderá fazer o dono da obra
numa circunstancia desta natureza, que não obstante as intervenções do
empreiteiro eles persistem, reparação após reparação.?

Para o regente se existe uma tentativa de reparação de defeitos ou realização


de uma obra nova sem defeitos e a tentativa não é bem sucedida continuando,
portanto, a subsistir os defeitos da prestação deve considerar-se haver razões para
o dono de obra poder exigir a aplicação de outros remédios, para além dos que
constam no artigo 1221.º. Para o regente parece descabido afirmar ou originar a
cada nova tentativa a necessidade de se repetir todo o percurso que está
mencionado nos artigos 1221.º e 1222.º e portanto, deve considerar-se, nesta
hipótese, que o dono de obra pode pedir a redução do preço ou a resolução do
contrato sem ter que repetir tudo e passar por todas as etapas até chegar a esta
situação (a cada nova tentativa falhada). Nesta última hipótese, só será possível ,
nomeadamente, só será possível resolver o contrato se os defeitos tornarem a obra

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inapropriado para o seu fim, relativamente à redução do preço o modo de


determinar o montante dessa redução resulta da remissão para as regras aplicáveis
à redução do preço no contrato compra e venda, ou seja, resulta da remissão para o
artigo 884.º do CC e isto por força de disposição expressa constante do artigo 1221.º
n.º 2

Relativamente à resolução e não havendo um regime especifico para a


resolução em sede de defeitos de empreitada ela obedece à partida ao regime geral,
da figura da resolução. Nesta hipótese de empreitada que incide sobre bens imóveis,
e portanto, onde tivesse ocorrido a transferência da propriedade da obra e dos
materiais nos termos 1212.º n.º 1 e dado a resolução operar retroativamente (com
algumas ressalvas) as transferências de direitos ficam destruídas por força da
resolução e portanto, a obra que tinha passado para a propriedade do dono de obra
retorna à propriedade do empreiteiro se este tiver fornecido os materiais na sua
maior parte.
Se, porém, existirem de forma minoritária materiais fornecidos pelo dono de
obra há direito à restituição do seu valor no caso de o dono de obra invocar a
resolução do contrato e o resolver.

Na primeira hipótese em que o dono de obra resolve o contrato, mas em que os


materiais tenham sido fornecidos por ele próprio, pelo dono da obra a propriedade
da obra nunca deixa de ser propriedade dele, isto, por força do artigo 1212.º n.º 1. E
portanto, numa situação destas não existe efeitos translativos a destruir podendo
apenas o dono de obra exigir do empreiteiro que se desfaça a obra e lhe devolva os
materiais fornecidos ou o seu valor se a separação não poder ser efetuada, se não
for possível.

Na hipótese de empreitada de construção de imóvel, tendo a obra sido construída


sob o solo do dono com materiais fornecidos pelo empreiteiro, esses materiais
passam a ser propriedade do dono de obra a partir do momento da incorporação de
acordo com o artigo 1212.º n.º 2, e portanto, a simples resolução não é suficiente
para inverter a transferência dos materiais que se verificou com a sua incorporação
porque os materiais a partir do momento em que são incorporados perdem a
autonomia enquanto objeto de direitos reais autónomos e perdem autonomia por
se te dado uma acessão industrial, e portanto, sem a separação efetiva dos materiais
não há reversão da propriedade e portanto, perante isto duas hipóteses têm sido
colocadas:

- O dono da obra além da resolução do contrato exigir a sua demolição, as pensas


do empreiteiro na medida em que isso corresponde à reposição da situação
prévia à celebração do contrato,
- Ou, então, o dono de obra pode escolher manter a obra na sua propriedade, no
entanto, esta segunda hipótese em rigor e a pesar de vulgarmente tratada pela
doutrina como efeito da resolução do contrato, não o é na realidade. Ela
apresenta-se antes como uma hipótese onde o dono de obra opta pela
manutenção do contrato tendo porém, o direito à redução do preço.

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Na hipótese dos materiais pertencerem ao dono de obra e se este optar pela


demolição fica com os materiais que resultem dessa demolição ou outros do mesmo
género e quantidade e na impossibilidade de restituição é credor do resto do valor
dos materiais perdidos.

Na eventualidade de a obra ter sido construída no solo do empreiteiro com


materiais do mesmo não há questões especificas a resolver na medida em que, com
a resolução a obra fica na propriedade do empreiteiro e ele pode fazer o que
entender com ela.

Na eventualidade de os materiais serem fornecidos pelo dono de obra o


empreiteiro deve restituir o seu valor, na medida em que com a incorporação desses
materiais no solo do empreiteiro eles passam para o empreiteiro, portanto, havendo
resolução deve haver uma restituição do valor desses materiais por parte do
empreiteiro.

Outro direito previsto em caso de vicio ou de defeito e que tem a ver e que
tem a ver com a indemnização:

Este direito à indemnização dos danos provocados em caso de vicio ou


defeito da obra consta do artigo 1223.º do CC, esta indemnização é um remédio
subsidiário face aos outros remédios analisados até aqui.

Esta indemnização é subsidiária face aos demais remédios que o dono de obra
dispõe.

Caracterização do direito à indemnização:

- Tem natureza subsidiária, servindo para ressarcir os prejuízos que não forem
integralmente eliminados, ou que não forem eliminados de todo pelo exercício
dos demais direitos de que o dono de obra dispõe, isto é: o direito à eliminação
dos defeitos, à construção de obra nova, e por fim, direito à redução do preço. Se
o exercício de todos estes direitos, ainda assim, não eliminar integralmente os
prejuízos do dono de obra nesse caso e apenas nesse caso funciona a
indemnização prevista no artigo 1223.º

• A indemnização do custo dos trabalhos de reparação ou construção de obra nova


pelo dono de obra ou por terceiro à custa deste:

Ex: A contrata um empreiteiro, que realiza a obra, a obra tinha defeitos e o


empreiteiro não removia/eliminava esses defeitos no todo ou em parte. E o dono da
obra é forçado a proceder, ele própria, às suas próprias custas, à remoção dos
defeitos ou então era obrigado a contratar um terceiro para proceder a essa
remoção.
A questão que se coloca é que se nesta eventualidade o dono de obra pode ser
indemnizado pelos custos que ele próprio incorrer ou que ele tiver de pagar a um
terceiro:

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A posição tradicional nesta matéria vem no sentido, de negar ao dono de obra


essa possibilidade, isto é, de exigir uma indemnização por estes custos que tem com
a remoção dos defeitos que o empreiteiro devia ter eliminado.
Mas há quem defenda essa possibilidade (parcialmente acolhida pelo
professor Menezes Leitão) para o regente parece ser a melhor solução, porque no
fundo apenas se trata de uma forma de indemnização dos danos provocados,
portanto, a resposta a esta hipótese vai no sentido de se considerar estes custos são
indemnizáveis, o dono de obra tem o direito de ser indemnizado por estes.

• Caducidade dos direitos do donos de obra: remete para o que foi falado na
denuncia, nos defeitos e nos prazos que o dono de obra deve observar para exercer
os seus direitos. Existem aspetos especiais para a empreitada de consumo,
constantes do DL n.º 67/2003 no que diz respeito à caducidade dos direitos do
dono de obra.

Nota: o prazo de dois anos constante do artigo 1224.º n.º 2 2.º parte é apenas um
prazo de manifestação de um defeito para empreiteiro ainda poder ser
responsabilizado por esse mesmo defeito, isto significa, que por exemplo existindo
uma empreitada e se verificando um defeito se o dono de obra fizer a denuncia no
segundo dia após o final do termo do prazo de dois anos a contar após a entrega, ele
fez a denuncia a tempo porque temos aqui que contar com o prazo de 30 dias
constante do artigo 1221.º, ele tem portanto, um ano a partir dessa data para colocar
a respetiva ação- ele tem 30 dias para proceder à denuncia do defeito (se o defeito
se manifesta no último dia do prazo de 2 anos, e o dono de cobra faz a denuncia no
segundo dia após o final do termo dos 2 anos- o prazo do artigo 1224.º n.º2 2.º parte
é de 2 anos, o defeito manifesta-se no último dia de 2 anos e o dono de obra faz a
denúncia dois dias após esse prazo de 2 anos. Fez a denuncia a tempo porque tem
30 dias para proceder à denuncia após a manifestação do defeito).
Portanto, se o defeito se manifestou dentro do prazo de dois anos ele tem 30
dias e após isso, após a denuncia ele tem 1 ano para colocar a ação nos termos do
artigo 1224.º n.º 2 1.º parte.

No que diz respeito ao regime especifico dos imóveis de longa duração, tem
se perguntado se os efeitos suscetíveis de darem lugar a aplicação deste artigo
carecem de especial gravidade.
- Professor Pedro Romano Martinez diz que não, referindo a hipótese, por exemplo,
de uma empreitada de construção de um imóvel de longa duração haver um
defeito numa fechadura. O professor Pedro Romano Martinez pergunta se nesta
eventualidade, se devemos aplicar o prazo do artigo 1225.º (o prazo de 5 ano) ou
não aplicar e ele diz que não, porque considera que o prazo do artigo 1225.º
apenas se aplica a defeitos com uma especial gravidade
- Não é esse o entendimento que o regente advoga, nem é o entendimento
advogado pelo Menezes Cordeiro. Para o regente a resposta é negativa, não existe
nada na intencionalidade normativa do artigo 1225.º que permita concluir no
sentido de que a aplicação do prazo de 5 anos depende da verificação de um
defeito de especial gravidade. Aquilo que o artigo 1225.º pressupõe e aquilo que
está subjacente à sua intencionalidade normativa é apenas que nos imóveis de

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longa duração os materiais utilizados devem corresponder à finalidade para que


são empregues, e, portanto se os imóveis são de longa duração os materiais devem
ser de longa duração- é isto que está subjacente ao artigo 1225.º, não o facto de o
facto depender ou não de uma especial gravidade; não existe razão nenhuma para
se entender que defeitos de menor gravidade não devem obedecer ao prazo do
artigo 1225.º

Podemos imaginar, por exemplo, o caso de uma parede que se deteta uma
infiltração que não é de especial gravidade, mas ainda assim, é uma infiltração que
prejudica o efeito estético da parede dando um ar degradado a essa parece. Será que,
por se tratar de uma pequena infiltração se deve considerar que não se aplica o
prazo do artigo 1225.º, mas sim, o prazo mais curto existente para outro tipo de
empreitadas que não sejam imóveis de longa duração.
A resposta é negativa, porque aquilo que esta subjacente no artigo 1225.º
(para o regente) é que nos imóveis de longa duração os materiais devem ter uma
resistência de longa duração.

O artigo 1225.º n.º 1 estende o prazo, o regime da responsabilidade aqui previsto, a


favor de terceiro adquirente de imóveis de longa duração.
O artigo 1225.º n.º 4 estarrece que o vendedor que tenha construído,
reparado ou modificado imóvel de longa duração é responsável nos termos do artigo
1225.º n.º 1, 2 e 3 nos mesmos moldes que o empreiteiro é responsável.

• Regime da empreitada de consumo

Existe um regime especifico para a compra e venda de bens de consumo e


existe também, um regime especifico para a empreitada de consumo. Esse regime
está hoje, principalmente consagrado no DL n.º 67/2003, mesmo que alguns
aspetos relevantes deste regime têm previsão noutro diploma: Lei n.º 24/96
referente à defesa do consumidor.

O pressuposto da outorga conferida pelo DL n.º 67/2003 é a existência de uma


relação de consumo e portanto, um problema que se coloca é saber o que é uma
relação de consumo e quem pode ser consumidor.

O entendimento segundo o qual pela simples circunstancia, nesta relação estar


presente uma pessoa coletiva possa necessariamente a aplicação deste regime- o
regente não concorda porque isso seria um raciocínio meramente formal, seria o
afastamento da aplicação do regime da relação do consumo em função da forma do
sujeito, da sua natureza jurídica, seria um raciocínio lógico-conceptual que está à
muito ultrapassado.

O que devemos apurar é se existem ou não identidade de situações


relativamente aos casos em que intervém pessoas coletivas (identidade material de
situações) com os outros casos em que intervêm pessoas singulares. Essa identidade
material verifica-se quando a pessoa coletiva não tem especiais conhecimentos da
matéria e portanto, está numa situação de disparidade e de assimetria informativa
relativamente ao vendedor. Aqueles casos, em que por exemplo, alguém (uma

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pessoa coletiva )realiza uma empreitada com um empreiteiro profissional, não


tendo a pessoa coletiva especiais conhecimentos naquela matéria, o regente não vê
razão nenhuma para se afastar a aplicação do regime das relações de consumo pela
simples circunstância de um lado estar uma pessoa coletiva a contratar com um
empreiteiro profissional.

O fundamento da responsabilidade do empreiteiro na empreitada de


consumo é a existência de uma obra, de uma falta de conformidade nessa obra e,
portanto, de uma falta de conformidade manifestada ou em estado de latência na
data da entrega dessa obra ao consumidor, portanto, a situação que é pressuposto
da aplicação desse regime (que é fundamento da responsabilidade do empreiteiro)
corresponde ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da obra e, portanto, no
momento da entrega de uma coisa que é devida de acordo com o negocio celebrado
e isto por força do artigo 2.º n.º 1 do DL.p 67/2003

Relativamente ao conteúdo dos direitos do dono de obra que é consumidor,


bem como, às respetivas condições de exercício (designadamente em matéria de
prazos) este regime não difere no essencial do conteúdo dos direitos do comprador
de uma coisa de consumo: remete para o que anteriormente já foi dito

Outro aspeto do regime de empreitada: extinção do contrato de empreitada-


são aplicáveis à extinção do contrato de empreitada as causas gerais de extinção dos
contratos, havendo no entanto hipóteses especificas.
São especificas em termos do regime do contrato de empreitada:
- Impossibilidade de cumprimento não imputável às partes de acordo com aquilo
que está previsto no artigo 1227.º n.º 1 do CC

“Se a execução da obra se tornar impossível por causa não imputável a qualquer
das partes, é aplicável o disposto no artigo 790.º; “- remissão para as regras
gerais “ porém, havido começo de execução, o dono da obra é obrigado a
indemnizar o empreiteiro do trabalho executado e das despesas realizadas”-
havendo impossibilidade de execução da obra o regime geral é o do artigo 790.º
aplicável por força da remissão constante do artigo 1227.º 1.º parte; mas se tiver
já existido começo de execução da obra o dono de obra tem que indemnizar o
empreiteiro
- Existe um regime especifico em matéria de desistência do dono de obra que
consta do artigo 1229.º: “O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o
tempo”- portanto, alguém que contrate uma empreitada pode desistir dela a todo
o tempo “ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize
o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.”-
na eventualidade da obra ter sido começada é necessário o dono de obra
indemnizar nos termos do artigo 1229.º o empreiteiro dos seus gastos e trabalho,
assim, como do proveito que ele poderia tirar da obra. Relativamente ao proveito,
nem sequer é necessário que a obra tenha sido iniciada/executada. Essa
indemnização, do proveito que o empreiteiro poderia retirar será sempre devida
a partir do momento em que foi celebrado o contrato, como é possível também
que o dono de obra tenha que indemnizar o empreiteiro dos seus gastos ainda

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que a obra não tenha sido iniciada se o empreiteiro tiver procedido à realização
de despesas em vista da empreitada contratada.
- Especificidades relativamente à morte, incapacidade ou extinção ou insolvência
do empreiteiro constam do artigo 1230.º do CC : “1. O contrato de empreitada não
se extingue por morte do dono da obra, nem por morte ou incapacidade do
empreiteiro, a não ser que, neste último caso, tenham sido tomadas em conta, no
ato da celebração, as qualidades pessoais deste.”
“2. Extinto o contrato por morte ou incapacidade do empreiteiro, considera-se a
execução da obra como impossível por causa não imputável a qualquer das
partes.”
- Regime especifico em matéria de insolvência do empreiteiro que consta do
artigo 102.º n.º 1 do CIRE e 111.º e seguintes do CIRE .
- Em matéria de regime de empreitada existe também um regime especifico para
extinção do dono de obra e morte, que costa 1230.º n.º 1 1.º parte (paralelo ao
que se verifica relativamente à morte do empreiteiro)
- Regime especifico para a insolvência do dono de obra que consta do artigo 111.º
do CIRE e um regime também para a desistência do dono de obra

O regime da sub-empreitada: nos termos do artigo 1213.º do CC o contrato


de sub-empreitada corresponde ao contrato pelo qual um terceiro se obriga para
com o empreiteiro a realizar a obra a que este empreiteiro se encontrava vinculado,
ou pelo menos, a uma parte dessa obra. Decorre, do funcionamento da figura do sub-
contrato e deste preceito ficar o empreiteiro que se celebra uma empreitada numa
posição de dono de obra face ao sub-empreiteiro.

Em função do artigo 800.º n.º 1 do CC o empreiteiro responde perante o dono


de obra pela totalidade das imperfeições ou falhas da prestação, que são originadas
pelo sub-empreiteiro. O empreiteiro possui, simplesmente, o direito de regresso
face ao sub-empreiteiro como consequência do artigo 1226.º do CC

O problema que se discute é saber quando é admissível a sub-contratação em sede


de empreitada, e o preceito de referencia é o artigo 1213.º n.º 2 que remete para o
artigo 264.º que regula as hipóteses em que o representante pode recorrer a um
subrepresentate (um procurador fazer-se substituir por um subprocurador).
Artigo 264.º: “O procurador só pode fazer-se substituir por outrem se o
representado o permitir ou se a faculdade de substituição resultar do conteúdo da
procuração ou da relação jurídica que a determina.”

Aplicado isto à empreitada, significa que o empreiteiro pode fazer-se substituir por
um subempreiteiro, se o dono de obra o permitir ou se a faculdade de substituição
resultar do conteúdo do contrato de empreitada ou da relação jurídica que a
determina - o empreiteiro só se pode substituir por outrem se existir autorização do
dono de obra ou se a faculdade de substituição resultar do conteúdo do contrato de
empreitada ou da relação que a determina

É diferente, no entanto, o regime da subempreitada daquele que é aplicável


aos casos em que o empreiteiro não recorre a um subempreiteiro, mas recorre a

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auxiliares. Aqueles casos em que o empreiteiro continua a executar a obra, não se


faz substituir (o que sucede na subempreitada é que relativamente à totalidade da
obra ou partes dela o subempreiteiro vem ocupar o lugar do empreiteiro, isto é, este
ultimo faz-se substituir pelo subempreiteiro), é diferente na hipótese em que o
empreiteiro continua a executar, não se faz substituir mas recorre a auxiliares, nesse
caso aplica-se o artigo 4.º do artigo 264.º “O procurador pode servir-se de auxiliares
na execução da procuração, se outra coisa não resultar do negócio ou da natureza
do acto que haja de praticar”

Aplicado isto à empreitada significa que o empreiteiro pode servir-se de


auxiliares na execução da empreitada se outra coisa não resultar do negocio ou da
natureza do ato que haja de praticar.
Relativamente à subempreitada vale o artigo 1.º n.º do artigo 264.º , relativamente
ao recurso a auxiliares vale o n.º 4 do artigo 264.º

Questão de saber se haverá relações entre o dono de obra e o subempreiteiro


ou se o dono de obra ou subempreiteiro são terceiros relativamente um ao outro e
se portanto, não têm qualquer tipo de vínculos jurídicos anteriores?

Para o regente, deve-se admitir a existência entre o dono de obra e o


subempreiteiro dos direitos decorrentes da possibilidade de ação subrogatória
verificados os respetivos pressupostos que constam dos artigos 606.º e seguintes.
Será, além disso, de admitir uma brecha no principio da relatividade dos contratos
num ponto em que o próprio CC admite também essa brecha, trata-se daquilo que
vimos a propósito da empreitada em imóveis de longa duração artigo 1225.º parte
final que atribui ao terceiro adquirente os direitos emergentes para o dono de obra
por força desse preceito. Admite-se também, a possibilidade de as partes
estabelecem contratualmente a regulação da relação entre o dono de obra e o
subempreiteiro, se tal for feito segue-se o regime contratualmente fixado “as partes
podem dizer que o dono de obra tem face ao subempreiteiro e vice-versa um
conjunto de direitos que elas próprias estipularam”.

Em contrapartida, discute-se o problema de saber se o dono de obra face ao


subempreiteiro, de ação direta (na eventualidade de tal não ser dito
contratualmente) designadamente, para exigir a reparação de defeitos da obra
quando nada seja dito: para o regente a subempreitada está inserida numa relação
complexa que é dotada de um fim comunitário e que ao dono de obra interesse um
resultado, pois bem, se esse resultado é devido pelo subempreiteiro ao empreiteiro
e, por este ao dono de obra porque razão negar a este último o exercício direto do
seu direito perante o próprio subempreiteiro - se aquilo que interessa ao dono de
obra é um resultado e se esse resultado é devido pelo subempreiteiro ao empreiteiro
e por sua vez, ao dono de obra porque negar a este ultimo o exercício direto do seu
direito face ao subempreiteiro.

E relativamente à possibilidade de o subempreiteiro poder exigir


diretamente o pagamento do preço que lhe é devido ao dono de obra:
Ex: Empreiteiro é pago pelo dono de obra, mas não paga ao subempreiteiro. Poderá
o subempreiteiro dirigir-se diretamente contra o dono de obra e exigir o pagamento:

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para o regente é possível admitir essa possibilidade por um lado, por motivos de
equilíbrio da relação uma vez que o regente admite a possibilidade de uma ligação
direta entre o dono de obra e o empreiteiro no sentido de o dono de obra poder
exigir o resultado que na verdade é exigido pelo subempreiteiro, porque o
subempreiteiro deve aquele resultado, mas deve esse resultado ao empreiteiro e
este por sua vez, deve esse mesmo resultado ao dono da obra. Mas o facto é que o
resultado é devido pelo subempreiteiro e se esse resultado é para satisfazer uma
necessidade do dono da obra, porque não admitir a possibilidade de o dono de obra
exigir o cumprimento daquilo a que o subempreiteiro está obrigado. Se o resultado
é devido pelo subempreiteiro e o beneficiário é o dono da obra então parece
materialmente adequado permitir-se ao dono de obra exigir aquilo que é devido
pelo subempreiteiro.
Mas se é assim, no que diz respeito à relação entre dono de obra e empreiteiro
por uma razão de equilíbrio na direção subempreiteiro- dono de obra parece dever-
se aceitar por motivo de equilíbrio e pelo facto de o dono de obra beneficiar do
trabalho realizado pelo empreiteiro a possibilidade de não tendo havido pagamento
por parte do comitente/empreiteiro ao subempreiteiro, pode-se admitir a
possibilidade de o subempreiteiro demandar diretamente o dono de obra.
Existe aqui, um facto de extrema importância é que o subempreiteiro tem
direito de retenção sobre a coisa objeto da suba subempreitada, portanto, pode
exercer esse direito de retenção contra qualquer pessoa e portanto, pode reter a
obra ( não liberta a obra) enquanto não for pago e se o dono da obra quiser
beneficiar dela, quiser fazer com que o subempreiteiro não exerce o seu direito de
retenção tem de pagar o trabalho e despesas do subempreiteiro.

Questão relacionada com as vicissitudes do objeto do contrato de


empreitada, concretamente as alterações ao plano convencionado:

Uma das características da empreitada é que haja um plano, o plano pode ser
meramente implícito, pode ser algo expresso, pode ser tácito; mas o plano tem de
estar quanto mais não seja determinado pelas regras da arte de execução da obra.
Pode haver alterações a esse plano convencionado.

Os artigos 1214.º a 1217.º: preveem e regulam as alterações ao plano


convencionado. Porém, não são alterações ao plano convencionado as instruções
integradoras do dono de obra e as opções livres do empreiteiro. - estas situações
não correspondem a alterações ao plano convencionado

Relativamente às alterações ao plano de obra que são realizadas por


iniciativa do empreiteiro sem alteração do dono de obra o que sucede é essas
alterações são vedadas pelo artigo 1214.º n.º 1 CC, existem alterações que são
necessárias que se impõe, não são alterações da livre iniciativa do empreiteiro; são
alterações que ele constata quando esta a realizar a obra que são imprescindíveis de
realizar, porque existem por exemplo, existem coisas que não foram contempladas,
não foram previstas (por exemplo numa obra de escavação não se previa encontrar
rocha granítica quando se fizesse a escavação e ela estava lá; ou quando se vai fazer
trabalhos de renovação de uma casa não se prevê que as suas fundações estejam
comprometidas e quando se começa a realizar a reparar consta-se que o nível de

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degradação é superior aquilo que estava previsto)- estas alterações são alterações
necessárias, são alterações que se verificam após a celebração do contrato e após a
definição do plano. E quando se constata exigirem as regras técnicas ou a
salvaguarda de direitos de terceiro, a introdução de modificações ao plano
convencionado. E quanto a estas o artigo 1215.º tem um regime próprio.

O n.º 1 do artigo 1215.º comporta no seu sentido normativo uma outra


situação, para além destas: a de existirem alterações ao projeto determinadas por
ato do poder público.. O artigo 1215.º aplica-se às alterações necessárias e ditadas
pelas regras técnicas ou salvaguardas de terceiros, para além disso, por força do seu
sentido normativo deve-se considerar que este preceito também é aplicável às
alterações determinadas por ato do poder público.
Em todas, estas circunstancias ambas as partes podem exigir a outra a
aceitação da correspondente alteração ao plano convencionado.

Nos termos do n.º 2 do artigo 1215.º se o preço em função das alterações


necessárias for elevado em mais de 20% face ao valor inicialmente considerado;
aquilo que se sucede é que o empreiteiro pode denunciar o contrato e exigir uma
indemnização equitativa. O dono de obra, diversamente daquilo que sucede com o
empreiteiro (por força do artigo 1214.º) pode ainda impor alterações unilaterais da
sua livre iniciativa ao programa contratual. Este poder tem no entanto, limites de
dois tipos: limites por um lado qualitativos e limites, por outro lado, quantitativos-
tal resulta do artigo 1216.º n.º 1 do CC:

“1.O dono da obra pode exigir que sejam feitas alterações ao plano
convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço estipulado
e não haja modificação da natureza da obra.”
Portanto dois tipos de limite:
- Não haja alteração da natureza da obra
- Não se ultrapasse a quinta parte do preço estipulado

“2. O empreiteiro tem direito a um aumento do preço estipulado,


correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, e a um prolongamento do prazo
para a execução da obra.”
Portanto, na eventualidade de o dono de obra impor alterações da sua livre
iniciativa. Pode fazê-lo, mas tem que observar os dois tipos de limites constantes no
artigo 1216.º n.º 1 e tem depois que, remunerar o empreiteiro nos termos do artigo
1216.º n.º 2

“3.º Se das alterações introduzidas resultar uma diminuição de custo ou de


trabalho, o empreiteiro tem direito ao preço estipulado, com dedução do que, em
consequência das alterações, poupar em despesas ou adquirir por outras aplicações
da sua atividade.”
Estas alterações unilaterais do dono de obra não se devem, no entanto, confundir
com as alterações posteriores à entrega da obra e com as obras novas mencionadas
pelo artigo 1216.º, porque relativamente a estas situações o artigo 1217.º n.º 1 diz
que “Não é aplicável o disposto nos artigos precedentes às alterações feitas depois

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da entrega da obra, nem às obras que tenham autonomia em relação às previstas no


contrato.” E o número 2 acrescenta “O dono da obra tem o direito de recusar as
alterações e as obras referidas no número anterior, se as não tiver autorizado; pode,
além disso, exigir a sua eliminação, se esta for possível, e, em qualquer caso, uma
indemnização pelo prejuízo, nos termos gerais.”

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