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Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, dar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Votou vencido o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino
(Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 06 de outubro de 2020 (data do julgamento).
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.867.694 - MT (2020/0067076-4)
RELATÓRIO
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Superior Tribunal de Justiça
relatoria, no âmbito da TP n. 2.107/MT.
Vistos etc.
1. ID. 22786629 - pedidos de liberação/restituição/venda e/ou
depósitos de valores referentes a soja arrestada.
1.1. Os recuperandos, sob o fundamento de que se tratam de
ativos essenciais ao soerguimento do grupo, pretendem que
os credores LDC, Fiagril e Bayer disponibilizem os certificados
de depósito dos armazéns onde se encontram os produtos
arrestados, sendo autorizada a venda pelos recuperandos ou,
alternativamente, que os credores depositem em Juízo o valor
correspondente ao que cada um arrestou.
[...]
3.2. Por outro lado, insta consignar que os recuperandos, sabedores
da situação em que se encontravam (crise financeira), ao ingressarem
com o pedido de recuperação judicial, tinham plena consciência, por
consectário lógico, que o pedido de recuperação judicial daria fôlego
ao grupo, porém dificultaria a obtenção de crédito e aumentaria a
margem de insolvência.
3.3. Neste sentido, no que toca aos pedidos de
liberação/restituição/venda e/ou depósitos de valores da soja
arrestada, não obstante o referido produto se trate de ativo
circulante dos recuperandos, a safra arrestada já se
encontrava há muito comprometida, conforme se verifica dos
contratos firmados com os credores (CPRs) e do título judicial
juntados aos autos (IDs. 17673913, 17883828, 20762840 [Pág.
130-137]).
3.4. Com efeito, a liberação/restituição/venda da soja arrestada,
somente se tornou essencial em virtude da omissão dos
recuperandos, que não se dispuseram a buscar outros meios
de se reestruturar financeiramente.
3.5. Ora, o procedimento recuperacional certamente impõe sacrifícios
aos credores, mas necessária e obrigatoriamente também deve impor
sacrifícios aos devedores. Deste modo, neste momento processual,
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não se mostra razoável e nem proporcional a restituição dos referidos
bens, constritos no período de suspensão da decisão que deferiu o
processamento da presente recuperação judicial
(15.02.2019-17.05.2019).
3.6. De fato, "[a] função social da empresa exige sua preservação,
mas não a todo custo. A sociedade empresária deve demonstrar ter
meios de cumprir eficazmente tal função, gerando empregos,
honrando seus compromissos e colaborando com o desenvolvimento
da economia, tudo nos termos do art. 47 da Lei n° 11.101/05". (AgRg
no CC 110250/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, ale 16/09/2010).
3.7. Acrescente-se, ainda, como já exposto na decisão de ID.
20957090, que os atos de constrição foram efetivados segundo
a decisão judicial vigente ao tempo em que se efetuou,
constituindo-se em atos jurídicos perfeitos e acabados (art. 14,
CPC). Neste sentido, em que pese a argumentação dos
recuperandos no tocante ao recebimento antecipado do
crédito, à época das constrições, a decisão que deferiu o
processamento da recuperação não estava produzindo
quaisquer efeitos.
[...]
3.8. Demais disso, não obstante a posição da Administradora
Judicial nas divergências administrativas apresentadas,
consigno expressamente que ainda há controvérsia acerca da
concursalidade ou não dos créditos ora discutidos, havendo
jurisprudências tanto no sentido da concursalidade quanto da
extraconcursalidade.
3.9. Outrossim, os mesmos fundamentos se aplicam com
relação ao pedido de depósito judicial dos valores
provenientes dos arrestos.
3.10. Ante o exposto, indefiro os pedidos formulados pelos
recuperandos no ID. 22786629, referentes a soja arrestada.
Para tanto, invocam, de início, julgados desta Corte de Justiça que esposam
o entendimento de que: i) não é possível o prosseguimento da execução após o
deferimento do processamento da recuperação judicial, ainda que exista penhora anterior,
deixando assente, inclusive, que, na hipótese de adjudicação posterior levada a efeito em
juízo diverso, o ato deve ser desfeito, em razão da competência do Juízo universal e da
observância ao princípio da preservação da empresa; ii) os bens de capital essenciais à
atividade da empresa em recuperação devem permanecer em sua posse, enquanto durar
o período de suspensão das ações e execuções contra a devedora, aplicando-se a
ressalva final do § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, na eventualidade de se reputar
aplicável o referido dispositivo ao caso dos autos, ad argumentandum.
Sobre a liberação dos grãos, com esteio no art. 1.443 do Código Civil,
rechaçam o indeferimento exarado na origem pelo entendimento de que a situação deveria
ser analisada pelo Juízo de origem, “especialmente diante da informação de que grande
quantidade de soja foi dada em penhor de primeiro grau nas CPR’s emitidas em favor das
empresas que financiaram a próxima safra (2019/2020)” - e-STJ, fl. 630).
No ponto, sustentam que essa compreensão não possui respaldo legal, pois
"a continuidade do ciclo impõe a renovação da garantia para as demais safras que
seguem, de sorte que o credor, no caso LDC e Bayer, especialmente, terão seus direitos
restituídos automaticamente para as safras futuras, que recairá sobre o excesso apurado
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na colheita anterior, exatamente como consignado no voto condutor" (e-STJ, fl. 630).
Às fls. 976-993 (e-STJ), este relator deferiu pedido de efeito ativo ao Resp
1.867.694/MT, para determinar que os recorridos procedessem à disponibilização dos
bens arrestados ou do correspondente valor no Juízo recuperacional, sob a supervisão e
sob os critérios a serem por ele (Juízo recuperacional) determinados, providência a
perdurar até o presente julgamento.
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.867.694 - MT (2020/0067076-4)
VOTO
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Afinal, caso se chegasse à conclusão de que os recorrentes não preenchem
a condição temporal de admissibilidade da recuperação judicial estabelecida no art. 48 da
Lei n. 11.101/2005 – em absoluta contrariedade aos termos do voto apresentado por
este relator –, os atos executivos realizados no bojo das execuções individuais haveriam
de ser considerados indiscutivelmente hígidos, sobretudo porque incidentes, nesse caso,
sobre bens que não integrariam a recuperação judicial.
Conforme registrado, a lei elegeu, como marco inicial para o stay period –
cujo efeito principal consiste justamente na suspensão de todas as execuções promovidas
contra a recuperanda, a atrair a competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os
bens daquela) –, a decisão que (primeiramente) defere o processamento da recuperação
judicial.
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execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento
da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a
revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento
judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento
de sua recuperação judicial.
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abrange, inclusive, atos constritivos realizados antes da decisão que defere o
processamento da recuperação judicial, conforme corroboram os seguintes precedentes
(sem grifos no original):
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Não bastasse tal conclusão, suficiente, em si, para a reforma do julgado
impugnado, reconhece-se, ainda, a insubsistência dos fundamentos remanescentes
adotados na origem.
Nos termos do art. 41, II, da LRF, os créditos com garantia real, como é o
caso do penhor, submetem-se, indiscutivelmente, ao processo recuperacional, conforme
já reconhecido, inclusive, por esta Corte de Justiça:
Não há, desse modo, nenhuma razão para se sopesar se os bens, objeto de
constrição judicial, consubstanciariam (ou não) bens de capital essenciais ao
desenvolvimento da atividade econômica, a ficarem retidos na posse do devedor em
recuperação judicial durante o stay period, nos termos do § 3º do art. art. 49 da Lei n.
11.101/2005 em sua parte final, já que tal providência se restringe aos créditos
(extraconcursais) ali referidos.
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recuperação judicial por expressa disposição legal, não consubstanciam bens de capital, a
obstar sua retenção pelo devedor em recuperação judicial e dispensar, por conseguinte,
qualquer juízo acerca de sua essencialidade pelo Juízo recuperacional, na dicção do § 3º,
in fine, do art. 49 da Lei n. 11.101/2005.
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títulos de crédito (em que se transfere a propriedade resolúvel do
direito creditício, representado, no último caso, pelo título - bem móvel
incorpóreo e fungível, por natureza), o devedor fiduciante, a partir da
contratação, cede "seus recebíveis" à instituição financeira (credor
fiduciário), como garantia ao mútuo bancário, que, inclusive, poderá
apoderar-se diretamente do crédito ou receber o correlato pagamento
diretamente do terceiro (devedor do devedor fiduciante). Nesse
contexto, como se constata, o crédito, cedido fiduciariamente, nem
sequer se encontra na posse da recuperanda, afigurando-se de todo
imprópria a intervenção judicial para esse propósito (liberação da
trava bancária).
5. A exigência legal de restituição do bem ao credor fiduciário, ao final
do stay period, encontrar-se-ia absolutamente frustrada, caso se
pudesse conceber o crédito, cedido fiduciariamente, como sendo "bem
de capital". Isso porque a utilização do crédito garantido
fiduciariamente, independentemente da finalidade (angariar fundos,
pagamento de despesas, pagamento de credores submetidos ou não
à recuperação judicial, etc), além de desvirtuar a própria finalidade
dos "bens de capital", fulmina por completo a própria garantia
fiduciária, chancelando, em última análise, a burla ao comando legal
que, de modo expresso, exclui o credor, titular da propriedade
fiduciária, dos efeitos da recuperação judicial.
6. Para efeito de aplicação do § 3º do art. 49, "bem de capital", ali
referido, há de ser compreendido como o bem, utilizado no processo
produtivo da empresa recuperanda, cujas características essenciais
são: bem corpóreo (móvel ou imóvel), que se encontra na posse direta
do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível nem consumível, de
modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária,
caso persista a inadimplência, ao final do stay period.
6.1 A partir de tal conceituação, pode-se concluir, in casu, não se
estar diante de bem de capital, circunstância que, por expressa
disposição legal, não autoriza o Juízo da recuperação judicial obstar
que o credor fiduciário satisfaça seu crédito diretamente com os
devedores da recuperanda, no caso, por meio da denominada trava
bancária.
7. Recurso especial provido.
(REsp 1758746/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2018, DJe 01/10/2018)
Bem de ver, assim, que a análise acerca da validade dos atos executivos
realizados no bojo de execuções individuais, durante o stay period, a atrair a competência
exclusiva do Juízo recuperacional para deliberar sobre o patrimônio dos recuperandos, não
perpassa por nenhum juízo de essencialidade dos bens arrestados, não pairando dúvida
alguma, aliás, quanto à concursalidade dos créditos exequendos, conforme bem assentou
o Procurador de Justiça em seu ponderado parecer acostado às fls. 549 (e-STJ):
Por fim, deve-se ressaltar, uma vez mais, que o objeto da presente
insurgência refere-se unicamente à (in)validade das constrições realizadas no bojo das
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execuções individuais, após o deferimento do processamento da recuperação judicial.
É o voto.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ALESSANDRA CAMPOS DE ABREU NICOLI
RECORRENTE : ALESSANDRO NICOLI
ADVOGADOS : ROBERTA MARIA RANGEL - DF010972
EUCLIDES RIBEIRO S JUNIOR - MT005222
EDUARDO HENRIQUE VIEIRA BARROS - MT007680
ADVOGADOS : JOANA D'ARC AMARAL BORTONE - DF032535
LUIS GUSTAVO SEVERO - DF034248
ALLISON GIULIANO FRANCO E SOUSA - MT015836
MAYARA DE SA PEDROSA - DF040281
SOC. de ADV. : RANGEL ADVOCACIA
RECORRIDO : BAYER S/A
ADVOGADOS : CELSO UMBERTO LUCHESI - SP076458
ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA FREITAS - SP166496
RECORRIDO : LOUIS DREYFUS COMPANY BRASIL S.A
ADVOGADOS : RENATO LUIZ FRANCO DE CAMPOS - SP209784
CARLOS MACEDO BARROS E OUTRO(S) - DF050253
JOAO GRANDINO RODAS E OUTRO(S) - SP023969
MARCO AURÉLIO TAVARES FRANCISCO E OUTRO(S) - SP215973
RECORRIDO : FIAGRIL LTDA
ADVOGADO : BRUNO ALEXANDRE DE OLIVEIRA GUTIERRES - SP237773
RECORRIDO : NICOLI AGRO LTDA
ADVOGADOS : EUCLIDES RIBEIRO S JUNIOR - MT005222
EDUARDO HENRIQUE VIEIRA BARROS - MT007680
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr. ALLISON GIULIANO FRANCO E SOUSA e Dr. EUCLIDES RIBEIRO S JUNIOR, pela
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parte RECORRENTE: ALESSANDRA CAMPOS DE ABREU NICOLI
Dr JOAO GRANDINO RODAS e Dr. RENATO LUIZ FRANCO DE CAMPOS, pela parte
RECORRIDA: LOUIS DREYFUS COMPANY BRASIL S.A
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze, dando provimento ao recurso
especial, pediu vista antecipada o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Aguardam os Srs.
Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente).
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.867.694 - MT (2020/0067076-4)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : ALESSANDRA CAMPOS DE ABREU NICOLI
RECORRENTE : ALESSANDRO NICOLI
ADVOGADOS : ROBERTA MARIA RANGEL - DF010972
EUCLIDES RIBEIRO S JUNIOR - MT005222
EDUARDO HENRIQUE VIEIRA BARROS - MT007680
ADVOGADOS : JOANA D'ARC AMARAL BORTONE - DF032535
LUIS GUSTAVO SEVERO - DF034248
ALLISON GIULIANO FRANCO E SOUSA - MT015836
MAYARA DE SA PEDROSA - DF040281
SOC. de ADV. : RANGEL ADVOCACIA
RECORRIDO : BAYER S/A
ADVOGADOS : CELSO UMBERTO LUCHESI - SP076458
ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA FREITAS - SP166496
RECORRIDO : LOUIS DREYFUS COMPANY BRASIL S.A
ADVOGADOS : RENATO LUIZ FRANCO DE CAMPOS - SP209784
CARLOS MACEDO BARROS E OUTRO(S) - DF050253
JOAO GRANDINO RODAS E OUTRO(S) - SP023969
MARCO AURÉLIO TAVARES FRANCISCO E OUTRO(S) - SP215973
RECORRIDO : FIAGRIL LTDA
ADVOGADO : BRUNO ALEXANDRE DE OLIVEIRA GUTIERRES - SP237773
RECORRIDO : NICOLI AGRO LTDA
ADVOGADOS : EUCLIDES RIBEIRO S JUNIOR - MT005222
EDUARDO HENRIQUE VIEIRA BARROS - MT007680
VOTO-VISTA
VENCIDO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: Pedi vista dos autos
para melhor compreensão da controvérsia.
O Juízo de primeiro grau, entendendo que a situação era diversa daquela em que
foi obstada a remoção de maquinários e capital de giro, indeferiu o pedido, consignando:
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“(...)
3.2. Por outro lado, insta consignar que os recuperandos,
sabedores da situação em que se encontravam (crise financeira), ao ingressarem
com o pedido de recuperação judicial, tinham plena consciência, por consectário
lógico, que o pedido de recuperação daria fôlego ao grupo, porém dificultaria a
obtenção de crédito e aumentaria a margem de insolvência.
3.3. Neste sentido, no que toca aos pedidos de
liberação/restituição/venda e/ou depósitos de valores da soja arrestada, não
obstante o referido produto se trata de ativo circulante dos recuperandos, a safra
arrestada já se encontrava há muito comprometida, conforme se verifica dos
contratos firmados com os credores (CPRs) e do título judicial juntados aos autos
(IDs. 17673913, 17883828, 20762840 [Pág. 130-137]).
3.4. Com efeito, a liberação/restituição/venda da soja arrestada,
somente se tornou essencial em virtude da omissão dos recuperandos, que não
se dispuseram a buscar outros meios de se reestruturar financeiramente.
3.5. Ora, o procedimento recuperacional certamente impõe
sacrifícios aos credores, mas necessária e obrigatoriamente também deve impor
sacrifícios aos devedores. Deste modo, neste momento processual, não se
mostra razoável e nem proporcional a restituição dos referidos bens, constritos no
período de suspensão da decisão que deferiu o processamento da recuperação
judicial (15.02.2019-17.05.2019)” (fls. 56/57, e-STJ).
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que guardam identidade com a atividade precípua dos recorrentes” (fl. 629, e-STJ), não
havendo óbice para a restituição do que foi levado, ou o depósito do valor correspondente no
Juízo da recuperação.
Diante disso pedem que seja concedida antecipação de tutela para determinar o
depósito do valor da soja do dia do pagamento ou, alternativamente, o depósito do valor de R$
3.752.000,00 (três milhões e setecentos e cinquenta e dois mil reais) para as contas mais
urgentes, ou dos valores que as recorridas entenderem devidos, sob pena de multa diária de
R$ 100.000,00 (cem mil reais) e a configuração de crime de desobediência.
Louis Dreyfus Company Brasil S.A. e Bayer S.A. interpuseram agravos internos
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(fls. 1.001/1.101 e 1.117/1.128, e-STJ respectivamente).
Às fls. 1.231/1.262 (e-STJ), Louis Dreyfus Company Brasil S.A. informa que os
recorrentes têm lançado interpretação diversa quanto ao teor da tutela de urgência concedida,
motivo pelo qual a provimento deveria ser cassado. Transcreve a seguinte manifestação dos
requerentes dirigida ao juízo de piso:
(...)
Conforme se vê acima Excelência, a atuação deste juízo deve ser
destinada exclusivamente a dar impulso às ordens exaradas pelo Superior
Tribunal de Justiça, não podendo no meio do jogo ser alterada a decisão
proferida pelo STJ, que, como dito estava destinada exclusivamente a
proporcionar a entrada desses recursos provenientes dos arrestos nas contas
dos recuperandos, para que estes, de acordo com a planilha já apresentada em
juízo fazerem frente às despesas operacionais, que não estão limitas
exclusivamente aos custeios da safra, mas também ao pagamento de sua folha, e,
de todos os outros compromissos financeiros durante o período de sua operação,
de sorte que, prevalecendo a decisão até aqui proferida estará invertendo toda a
urgência em prol de um único credor, que gera sim uma preocupação sobre a
imparcialidade deste juízo na condução do presente feito” (fl. 1.233, e-STJ).
É o relatório.
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ao REsp nº 1.821.773/MT, admitindo a recuperação judicial do produtor rural inscrito a menos
de 2 (dois) anos na Junta; (iii) o entendimento exarado pelas instâncias ordinárias ignorou os
efeitos legais da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, especificamente
quanto à suspensão das execuções individuais promovidas contra os recuperandos e à
competência do juízo da recuperação para deliberar sobre o destino de seu patrimônio; (iv)
ainda que a decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial seja objeto de
impugnação recursal, o provimento judicial que venha a reconhecer o acerto da decisão tem o
condão de manter incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes, desde a sua prolação;
(v) entendimento diverso acarretaria o esvaziamento da recuperação e permitiria o
levantamento do patrimônio dos recuperandos em favor de determinados credores no âmbito
das execuções individuais, em detrimento dos demais; (vi) o período de suspensão das ações
pelo prazo de 180 (cento e oitenta dias) é indispensável para a reestruturação da empresa em
recuperação; (vii) os atos executivos realizados nas execuções individuais promovidas por
credores contra os produtores rurais consistentes no arresto, no depósito e na remoção de
sacos de grãos de soja, deram-se em momento posterior ao deferimento da recuperação, o que
evidencia sua invalidade; (viii) a jurisprudência da Segunda Seção está consolidada no sentido
de que inclusive os atos de constrição realizados antes da decisão que defere o processamento
da recuperação estão submetidos à força atrativa do Juízo recuperacional; (ix) revela-se
descabido perquirir acerca da essencialidade dos bens pois os créditos são representados por
cédulas de produto rural garantidas por penhor, que não se encaixam nas exceções do art. 49,
§ 3º, da LRF, motivo pelo qual não se aplica à espécie o entendimento acolhido no REsp nº
1.758.746/GO, e (x) a consequência imediata do reconhecimento da nulidade dos atos
constritivos é o restabelecimento ao status quo ante, o que se dá a partir da disponibilização
dos bens arrestados aos recorrentes, sob a supervisão do Juízo da recuperação judicial, a
quem caberá decidir acerca da necessidade de sua alienação.
Com tais considerações, sua Excelência votou por dar provimento ao recurso
especial para “reconhecer a invalidade do arresto, depósito e remoção de 14.130.518 Kg
(quatorze milhões, cento e trinta mil e quinhentos e dezoito quilos), equivalentes à
aproximadamente 235.508 (duzentos e trinta e cinco mil e quinhentos e oito) sacas de grãos de
soja, realizados no bojo das execuções individuais, determinando-se às recorridas (Friagil Ltda.,
Louis Dreyfus Company Brasil S.A. e Bayer S.A.) a disponibilização dos aludidos bens aos
recorrentes, sob o critério e supervisão do Juízo da recuperação judicial, em ratificação à tutela
deferida”.
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1. Da incidência da Súmula nº 283/STF
A propósito:
O registro do produtor rural tem natureza constitutiva, de modo que, apenas com
o registro o produtor rural passa a ser considerado empresário, isto é, ficará equiparado, para
todos os efeitos, ao empresário registrado (efeito ex nunc).
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Dentre os atos abrangidos pelo registro está o arquivamento de documentos
relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas individuais (art. 32, II, “a”).
Essa determinação tem como objetivo dar conhecimento a terceiros de que: (i)
estão contratando com um empresário e (ii) qual é a situação de seu patrimônio no momento do
ajuste. A ausência do registro tem como consequência a inoponibilidade a terceiros dos atos
não registrados, sob pena de se prestigiar a má-fé nas relações jurídicas.
4. Do dispositivo
Ante o exposto, divirjo do Relator para não conhecer do recurso especial e, caso
superada a preliminar, para negar-lhe provimento.
É o voto.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ALESSANDRA CAMPOS DE ABREU NICOLI
RECORRENTE : ALESSANDRO NICOLI
ADVOGADOS : ROBERTA MARIA RANGEL - DF010972
EUCLIDES RIBEIRO S JUNIOR - MT005222
EDUARDO HENRIQUE VIEIRA BARROS - MT007680
ADVOGADOS : JOANA D'ARC AMARAL BORTONE - DF032535
LUIS GUSTAVO SEVERO - DF034248
ALLISON GIULIANO FRANCO E SOUSA - MT015836
MAYARA DE SA PEDROSA - DF040281
SOC. de ADV. : RANGEL ADVOCACIA
RECORRIDO : BAYER S/A
ADVOGADOS : CELSO UMBERTO LUCHESI - SP076458
ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA FREITAS - SP166496
RECORRIDO : LOUIS DREYFUS COMPANY BRASIL S.A
ADVOGADOS : RENATO LUIZ FRANCO DE CAMPOS - SP209784
CARLOS MACEDO BARROS E OUTRO(S) - DF050253
JOAO GRANDINO RODAS E OUTRO(S) - SP023969
MARCO AURÉLIO TAVARES FRANCISCO E OUTRO(S) - SP215973
RECORRIDO : FIAGRIL LTDA
ADVOGADO : BRUNO ALEXANDRE DE OLIVEIRA GUTIERRES - SP237773
RECORRIDO : NICOLI AGRO LTDA
ADVOGADOS : EUCLIDES RIBEIRO S JUNIOR - MT005222
EDUARDO HENRIQUE VIEIRA BARROS - MT007680
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
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Superior Tribunal de Justiça
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, divergindo do voto do Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma, por maioria,
deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votou vencido o
Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo
de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
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