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Apontamentos de Direito Comercial I

para uso exclusivo dos estudantes da


ESTG – Politécnico de Leiria
Tiago Azevedo Ramalho
2020/21

Agradece-se a advertência de gralhas ou da necessidade de esclarecimentos adicionais:

email para tiago.ramalho@ipleiria.pt

Os apontamentos têm por base principal a obra de COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito
Comercial, I12, Almedina, Coimbra, 2019, para a qual se remete em vista do desenvolvimento das
matérias aqui tratadas.

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Programa

Introdução

Secção 1 – Dos actos de comércio

Cap. 1. Atos de comércio


1.1. Noção e classificação de actos jurídicos
1.2. Atos civis e actos comerciais

Secção 2 – Dos comerciantes

Cap. 2. Capacidade comercial

Cap. 3. Exercício do comércio e responsabilidade dos comerciantes.


3.1. Quem pode exercer o comércio
3.2. Empresas singulares e coletivas
3.3. Quem não pode ser comerciante (análise das figuras do artesão, do
agricultor, dos profissionais liberais, entre outros)

Cap. 4. Obrigações especiais dos comerciantes


4.1. A firma
4.2. O registo comercial (breves notas)
4.3. A escrituração mercantil (breves notas)
4.4. O balanço e a prestação de contas (breves notas)

Secção 3 – Dos meios para o exercício do comércio

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Cap. 5. Sinais distintivos do comércio enquanto ferramentas facultativas do
comerciante: logótipo; marcas; denominação de origem e indicação geográfica

Cap. 6. Títulos de crédito


6.1. Letras
6.2. Livranças
6.3. Cheque

Cap. 7. Negócios jurídicos sobre empresas


7.1. Trespasse
7.2. Locação de estabelecimento

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Bibliografia sumária de Direito Comercial Geral

Manuais actualizados:

ABREU, J. M. COUTINHO DE Curso de Direito Comercial, I12, Almedina: Coimbra, 2019


(base de exposição)

CORDEIRO, A. MENEZES, Direito Comercial4, Almedina: Coimbra, 2019 (Reimp.)

VASCONCELOS, P. PAIS DE/ P. P. L. V., Direito Comercial2, Almedina: Coimbra,


2020

Uma bibliografia desenvolvida, datada de 2013, encontra-se em RUI PINTO


DUARTE, “Breve Introdução ao Direito Comercial Português” (documento
disponibilizado no Moodle).

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Introdução ao Direito Comercial

1. Primeira aproximação ao objecto do Direito Comercial


Entende-se por Direito Comercial o domínio do Direito que tem por objecto a
regulação dos actos privados de comércio e do estatuto de comerciantes (cf. COUTINHO
DE ABREU, CDC, I12, Introdução, 1.2.1), sendo comerciante, grosso modo, aquele que se
dedica profissionalmente à actividade comercial (13.º CCom), e usualmente servindo-se da
forma empresarial para o exercício da sua actividade.
O Direito Comercial está, portanto, estreitamente ligado à actividade comercial, e
supõe que se entenda o que é a realidade do comércio. Sem prejuízo de concretizações
ulteriores, podemos afirmar que no núcleo do Direito Comercial está tipicamente (mas não
exclusivamente) a compreensão do comércio como actividade de interposição nas trocas. Tomando
por exemplo o contrato mercantil de compra e venda, comerciante é aquele que compra
para revender; e que revende o que comprou para revender (463.º CCom).
Se o comerciante vive da mais valia resultante da diferença entre o preço a que
comprou e o preço e a que revende, então terá tanto mais interesse em ter um quadro
jurídico estável, pacífico, regular, que lhe permita repetir com a máxima intensidade
possível tal tipo de operações, multiplicando a sua margem de lucro. Por conseguinte, o
Direito Comercial fará suas preocupações como a celeridade no comércio (que pode conduzir,
por ex., a menores exigências formais para a celebração de dadas categorias de contratos),
a onerosidade de princípio das diferentes transacções ou a protecção do crédito/ segurança nas transacções
(que pode implicar a existência de sistemas de registos e de regras de escrituração
específicas, assim como mecanismos próprios de exclusão, como a insolvência),
justamente por se tratar de valores que, se estiverem firmemente instalados no tráfego
mercantil, permitem um melhor exercício da respectiva actividade.

2. Porquê o Direito Comercial?


O exemplo antes dado permite perceber intuitivamente a grande vantagem
associada ao surgimento do Direito Comercial: a existência de um quadro jurídico-
normativo específico que atente nas particularidades do comércio permite aos
intervenientes no trato mercantil desenvolverem a sua actividade de modo mais frutífero.
Contudo, podemos perguntar: o que levou a que o Direito Comercial se
constituísse como um ramo de Direito especial? O que levou a que a resposta a esta
aspiração dos comerciantes passasse, não por modificar as soluções jurídicas comuns, mas
por encontrar um denso quadro normativo específico? Que é possível outra solução, é
mostrado pelo antigo Direito Romano, que nunca autonomizou um Direito Comercial

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especial (sem prejuízo de compreender soluções próprias para o comércio); ou ainda por
aqueles que propugnam a comercialização do Direito Civil.
Podemos datar a emergência do Direito Comercial contemporâneo do Code de
Commerce de 1807 (COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, Introdução, 1.1.3); dito de outro
modo: o Direito Comercial consolidou-se com os actuais traços no período contemporâneo (sécs.
XVIII - …, correspondendo ao período desde 1800). Mas quando emerge com estas
características, tem já uma pré-história que determinou muitas das características que o
vieram a marcar até hoje:
a) Assim, entende a doutrina especializada que as origens do Direito Comercial
remontam à Baixa Idade Média (séc. XI a XV), correspondendo ao período que vai de
1000 a 1500. Se considerarmos algumas das características próprias dessa época, vemos
bem qual a função que as soluções vigentes de modo específico para o comércio foram
chamadas a desempenhar.
Trata-se de uma época em que, com efeito, no espaço europeu a sociedade se
organizava de modo fragmentário. Nesse período histórico, o poder político encontrava-
se repartido por diferentes entidades, tendo por consequência o aumento da insegurança
ao nível normativo, quer ao nível económico, quer mesmo ao nível pessoal. A importação
de um produto de uma longa distância podia tornar-se uma verdadeira odisseia. Como
sublinha um autor (Brennig), trata-se de um período em que a um comerciante (chamado
mercador) se exigiam as seguintes características: sede de lucro, desejo de aventura e
disposição para o risco – as mesmíssimas características de um salteador.
É neste contexto tão hostil à prática do comércio que começam a surgir algumas
soluções que permitem atenuar as dificuldades enfrentadas pelos mercadores, e que
continuam até ao presente: a formação de associações específicas de protecção; a
promoção de feiras periódicas, como lugares privilegiados para as trocas; o
desenvolvimento de tipos negociais específicos que favorecessem o comércio (títulos de
crédito, contrato de transporte, seguro), os registos escritos específicos (livros de
comércio, contabilidade), as jurisdições exclusivas, as regras específicas de exclusão
daqueles que não honrassem as exigências do comércio, mediante o regime da falência. Para
a formação do Direito Comercial destacou-se sobretudo a prática dos comerciantes das
cidades italianas.
Esta primeira fonte permite-nos concluir que nas origens do Direito Comercial
contemporâneo está a preocupação de encontrar regras jurídicas que respeitassem o ethos
– isto é, os valores, as perspectivas fundamentais, as representações – de uma comunidade
específica de pessoas: os comerciantes. É, nesta primeira acepção, o Direito próprio dos
mercadores (ius mercatorum). De resto, até ao momento presente o Direito Comercial
continua a ter soluções que brotam da específica prática mercantil.
Digamos que o Direito Comercial surge a partir de baixo.

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b) Mas o Direito Comercial contemporâneo é resultado também de um outro
influxo fundamental. Com a transição da sociedade medieval para a moderna (séc. XVI-
XVIII, correspondendo ao período de 1500 a 1800), nota-se um processo de centralização
do poder político e de tentativa de organização do conjunto da sociedade a partir de
esquemas centrais de transformação da sociedade e de disciplinamento dos cidadãos. Do
ponto de vista económico, os diferentes príncipes compreendem que a população constitui
um activo que pode ser devidamente trabalhado; que pode ser colocado ao serviço de
diferentes actividades económicas; que, através delas, pode aumentar os recursos ao dispor
da comunidade política; e que, ao aumentá-los, permite a respectiva afirmação no contexto
das diferentes nações (expressão também de um novo equilíbrio de relações entre
diferentes comunidades políticas em que os conflitos transitam do plano militar para o
plano económico).
A partir deste momento, o comércio passa a ser objecto da preocupação do poder
público, como verdadeiro assunto de Estado, merecedor da máxima relevância, uma vez
que dele depende o bem Estado de toda a nação.
Agora o Direito Comercial já surge a partir de cima, objecto da primeira
preocupação do poder político. Já não são apenas os comerciantes a pretenderem um
regime tal que facilite a respectiva actividade; é o poder público que pretende facilitar a
actividade de mercadores, por deles depender o aumento da receita pública, e, assim, das
possibilidades de actuação de quem exerça o poder. A tónica, porém, já mudou: mais do
que um Direito dos comerciantes, encontramos um Direito do comércio.
Esta característica continua também até ao momento presente: o Direito
Comercial – e, mais amplamente, a promoção do comércio – continua a ser uma
preocupação central dos poderes públicos, quer a nível nacional, quer a nível internacional
(União Europeia; Organização Mundial de Comércio; …).

Quando o Code de Commerce, uma das grandes codificações promovidas no período


de Napoleão Bonaparte, entra em vigor, conjugam-se entre estas duas influências: uma
codificação que incorpora muitas dessas soluções que haviam sido desenvolvidas a partir
de baixo, mas que, na verdade, tem lugar por razões de fomento económico geral, no
interesse da comunidade pública.

3. Características do Direito Comercial


O Direito Comercial é apresentado como Direito especial, fragmentário e tende para
a subdiferenciação. Vejamos o significado de cada uma dessas características:

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a) É especial – e não comum – uma vez que responde a um problema jurídico
específico, que, por gozar de diferenças significativas em relação ao regime comum,
justifica soluções jurídicas específicas. No caso do Direito Comercial, o problema
específico a que visa dar resposta é o da regulação das relações jurídicas dos comerciantes
entre si e dos actos de comércio. Tal faz do Direito Comercial uma modalidade de Direito
Privado especial, que se contrapõe ao Direito Privado comum, constituído pelo Direito Civil.
Um exemplo: o regime comum da compra e venda encontra-se previsto nos artigos
892.º e ss. do CCiv. Constitui o regime comum uma vez que, em princípio, caso dois
particulares celebrem uma compra e venda, serão essas as disposições aplicáveis. Mas o
Direito Comercial prevê disposições específicas para a compra e venda, quando esta seja
qualificada como acto comercial: arts. 463.º e ss. CCom. Configura, por conseguinte, um
regime especial em relação às disposições comuns, sendo aquele que se aplica à situação
especial que se enquadre dentro do seu círculo de aplicação.

b) É fragmentário, na medida em que versa apenas sobre os aspectos de regulação


em que se justifica haver soluções diferentes do que as resultantes do regime comum, mas
pressupondo este mesmo regime. Assim, o Direito Comercial não esgota toda a regulação
necessária para enquadrar as relações jurídicas mercantis: torna-se necessário recorrer de
modo permanente às disposições comuns que integrem a lacunosa regulação mercantil1.

c) Tende para a subdiferenciação uma vez que os diferentes núcleos temáticos do


Direito Comercial – “subramos” – vêem constituindo, ao longo das últimas décadas,
domínios específicos do Direito com grande coesão interna. Vejamos o exemplo de
algumas matérias que, inicialmente regulados na lei comercial geral, se foram
autonomizando ou cujo desenvolvimento se encontra em bem maior medida fora do
Código Comercial do que nas esparsas disposições dele constantes (conduzindo a que mais
de metade das d:
i) As firmas são reguladas no Registo Nacional de Pessoas Colectivas;
ii) O registo mercantil é hoje inteiramente regulada no Código de Registo
Comercial;
iii) O enquadramento da bolsa de valores é feito pelo Código de Valores
Mobiliários, dando lugar ao Direito dos Valores Mobiliários;

1 Não foi assim no Código Comercial de 1833, o Código Ferreira Borges: como este foi elaborado num
período em que não existia ainda uma codificação civil em Portugal – que só chegaria em 1867, com o
Código de Seabra –, o código teve de regular de modo exaustivo as diferentes matérias.

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iv) Os títulos de crédito (letras, livranças e cheques) são objecto das
chamadas Leis Uniformes, e sendo a matéria autonomizada por alguns como Direito
dos Títulos de Crédito;
v) As sociedades comerciais são reguladas no Código das Sociedades Comerciais,
dando lugar ao
vi) Os seguros são regulados em geral no Regime Jurídico do Contrato de
Seguro, dando lugar ao Direito dos Seguros;
vii) Embora as operações de banco tenham uma regulação muito sumária
no Código Comercial, a parte mais significativa do respectivo regime jurídico
encontra-se fora deste diploma, dando lugar ao Direito Bancário;
viii) A regulação do transporte, nomeadamente do transporte marítimo, é
hoje feita à margem do Código Comercial (com excepção de um artigo), dando
lugar ao Direito dos Transportes;
ix) O regime da falência encontra-se hoje no Código da Insolvência e
Recuperação de Empresas, que regula também a insolência civil.
Podemos ainda referir outros domínios que foram regulados desde o princípio fora
do Código Comercial. Tenha-se em vista a matéria dos sinais distintivos de empresas e de
produtos, que integram o chamado Direito Industrial ou da Propriedade Industrial e se
encontram regulados no Código da Propriedade Industrial.
Da mesma forma, portanto, que o Direito Comercial se especializou em relação ao
Direito Privado Comum – o Direito Civil –, também alguns subramos de Direito
Comercial se subespecializaram. Podemos assim distinguir entre um Direito Comercial
comum e vários Direitos Comerciais especiais. O Direito Comercial comum tem hoje, portanto,
um campo de aplicação significativamente mais reduzido do que aquele que lhe era próprio
ao tempo da entrada em vigor do Código Comercial, privado de algumas das matérias mais
relevantes que balizam e estruturam o domínio mercantil.

4. Fontes do Direito Comercial


Dispensa-se um elenco geral das fontes de Direito (Constituição, Leis,
Regulamentos,…), já estudado noutras disciplinas. Bastará por agora sublinhar os aspectos
centrais do Direito Comercial comum.
No centro da atenção do presente curso de Direito Comercial estará o estudo da
parte geral do Código Comercial de 1888, designado também Código Veiga Beirão. Tratou-
se da segunda codificação comercial portuguesa, já depois de um primeiro ensejo, através

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do Código Comercial de 1833, designado Código Ferreira Borges2. Tal fonte fundamental será
complementada por textos normativos complementares – alguns de fonte internacional,
outros de fonte interna – que serão referenciados ao longo do programa.

5. Interpretação da lei comercial


Fruto do respectivo carácter fragmentário, o Direito Comercial, para ser
devidamente aplicado, carece de ser articulado com o Direito Civil. À falta de disposição
especial na lei mercantil, dever-se-á, portanto, aplicar o regime comum previsto de Direito
Civil. Tal decorre do art. 3.º CCom:
“Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser
resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos
análogos nela prevenidos, serão decididas pelo direito civil.”

2 Sobre este, cf. RUI PINTO DUARTE, “O Código Comercial de 1833”, Direito das Sociedades em Revista n.º
21 (Março de 2019), pp. 13-35.

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Cap. 1 – Dos actos de comércio

1. Atos de Comércio

1.1. Noção e classificação de actos jurídicos

6. Sistemas objectivos e sistemas subjectivos


As grandes codificações comerciais novecentistas regulam o Direito Comercial
escolhendo um de dois paradigmas:
a) De acordo com o paradigma objectivo, a regulação do Direito Comercial deveria
arrancar a partir da noção de acto de comércio e não da de comerciante. Dever-se-ia
atentar na natureza objectiva do acto e não nas características subjectivas do seu autor. São
actos comerciais, então, aqueles que correspondam aos critérios de comercialidade
previstos na lei, independentemente da qualidade de quem os pratica;
b) De acordo com o paradigma subjectivo, a regulação do Direito Comercial
deveria arrancar da definição de quem é comerciante, interessando os actos praticados por
quem tivesse esta qualidade.
É certo que nenhum sistema é totalmente objectivo ou subjectivo: num modelo
objectivo também se dará atenção ao papel do comerciante e dos actos por si praticados;
e num modelo subjectivo poderá haver actos não praticados por comerciantes sujeitos à
lei mercantil. A qualificação do sistema como objectivo ou subjectivo respeita apenas à
opção básica adoptada pela lei mercantil.
Como exemplo paradigmático de um sistema objectivo encontramos o Code de
Commerce de 1807, que influenciou as principais codificações europeias do séc. XIX3.
Como exemplo paradigmático de um sistema subjectivo encontramos o (segundo)
Código Comercial alemão (HGB) de 1897.
Qual a opção adoptada nos Códigos Comerciais portugueses?
Quer o Código de 1833, quer – o que nos interessa mais – o Código de 1888
adoptam um sistema de base objectiva. Cf. o art. 1.º deste último Código:
“A lei comercial rege os actos de comércio sejam ou não comerciante as
pessoas que neles intervém.”
O que não significa, repete-se, que os factores subjectivos sejam irrelevantes – aliás,
veremos que a regulação do Código Comercial especificamente referente especificamente

3 Códigos espanhóis de 1829 e 2885, alemão de 1861, italianos de 1865 e de 1882.

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a comerciantes é bem mais rica do que a regulação objectiva dos actos de comércio –, mas
apenas que a opção de base é objectivista.
Por isso começaremos por ver o regime dos actos de comércio e só posteriormente
o estatuto específico de comerciantes.

7. Noção de acto de comércio


Acto provém do verbo agir (ago), e designa por isso uma actuação humana. Acto
jurídico designa uma actuação humana que produz efeitos jurídicos. Quando a finalidade
do acto é a produção de efeitos jurídicos, designa-se negócio jurídico unilateral ou contrato,
consoante o número de intervenientes na sua prática.
A categoria actos de comércio, para efeitos do Código Comercial, designa uma actuação
humana que produz efeitos jurídicos que a lei qualifica como de natureza comercial. Tais actos
serão usualmente contratos, embora nada obste a que tenham a natureza de actos
unilaterais, ou mesmo a natureza de simples actos jurídicos (cf., sobre o ponto, COUTINHO
DE ABREU, CDC, I12, Cap. I, 2).

A delimitação dos actos de comércio é feita pelo art. 2.º CCom:


“Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente
regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes,
que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não
resultar.”
Através de sucessivas distinções procuraremos aproximar-nos da noção de acto de
comércio (8), para vermos, de seguida, quais os efeitos associados a essa mesma
qualificação (9).

8. Classificações de actos de comércio


8.1. Actos de comércio objectivos e subjectivos
Esta distinção subjaz ao art. 2.º CCom.

8.1.1. Actos de comércio objectivos


Actos de comércio objectivos são “todos aqueles que se acharem especialmente
regulados neste Código” (art. 2.º, 1.ª parte CCom).
Podemos distinguir cinco grupos de casos:
a) Os actos especificamente nominados no Código Comercial, que são objecto de
uma regulação variada: por vezes mais desenvolvida, por vezes mais concisa. Pelo simples
facto de receberem algum tipo de enquadramento, mesmo que o respectivo regime não

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seja desenvolvido, já são considerados actos de comércio para efeitos da regulação
mercantil.
São eles os seguintes:
i) Fiança mercantil (101.º CCom): “Todo o fiador de obrigação mercantil,
ainda que não seja comerciante, será solidário com o respectivo afiançado.”
Consiste a fiança na garantia pessoal de cumprimento de uma dívida de outrem. O
seu regime comum encontra-se nos arts. 627.º e ss. CCiv;
ii) Mandato mercantil (231.º e ss. CCom): “Dá-se mandato comercial quando
alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais actos de comércio por mandato
de outrem.” O regime comum do mandato está regulado nos arts. 1157.º e ss. CCiv;
iii) Conta corrente (344.º e ss. CCom): “Dá-se contrato de conta corrente
todas as vezes que duas pessoas, tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam
a transformar os seus créditos em artigos de «deve» e «há-de haver», de sorte que
só o saldo final resultante da sua liquidação seja exigível.” Não se encontra regulado
no CCiv;
iv) Operações de banco (362.º e ss. CCom): “São comerciais todas as
operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos
ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos,
descontos, cobranças, aberturas de créditos, emissão e circulação de notas ou
títulos fiduciários pagáveis à vista a ao portador.” Operações de banco é uma
categoria genérica que pode englobar actos que singularmente adquirem natureza
diversa, mas que têm conexão com a prática bancária;
v) Contrato de transporte (366.º e ss. CCom): “O contrato de transporte
por terra, canais ou rios considerar-se-á mercantil quando os condutores tiverem
constituído empresa ou companhia regular e permanente.” O contrato de
transporte é objecto também de legislação especial, em parte derrogatória do
regime vigente no CCom;
vi) Empréstimo mercantil (394.º e 395.º CCom): “Para que o contrato de
empréstimo seja havido por comercial é mister que a coisa cedida seja destinada a
qualquer acto mercantil.” O regime comum do mútuo encontra-se regulado no art.
1142.º CCiv;
vii) Penhor mercantil (397.º e ss. CCom): “Para que o penhor seja
considerado mercantil é mister que a dívida que se cauciona proceda de acto
comercial.” O regime comum do penhor encontra-se regulado nos arts. 666.º e ss.
CCiv;
viii) Depósito mercantil (403.º e ss. CCom): “Para que o depósito seja
considerado mercantil é necessário que seja de géneros ou de mercadorias

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destinados a qualquer acto de comércio.” O regime comum do depósito encontra-
se regulado nos arts. 1185.º e ss. CCiv;
ix) Depósito de géneros e de mercadorias nos armazéns gerais (408.º e ss.
CCom);
x) A compra e venda mercantil (463.º e ss. CCom), correspondendo grosso
modo à compra para revenda ou revenda do que se comprou com esse intuito. O
regime comum do depósito encontra-se regulado nos arts. 874.º e ss. CCiv;
xi) Reporte (477.º e ss. CCom): “O reporte é constituído pela compra, a
dinheiro de contado, de títulos de crédito negociáveis e pela revenda simultânea de
títulos da mesma espécie, a termo, mas por preço determinado, sendo a compra e
a revenda feitas à mesma pessoa.” Não se encontra regulado no CCiv, tratando-se
de uma estrutura negocial complexa assente na transmissão de direitos, com vista
a diferentes possíveis finalidades4.
xii) Escambo ou troca (480.º CCom): “O escambo ou troca será mercantil
nos mesmos casos em que o é a compra e venda, e regular-se á pelas mesmas regras
estabelecidas para esta, em tudo quanto forem aplicáveis às circunstâncias ou
condições daquele contrato.” Este tipo contratual não se encontra referido
nominalmente referido no Código Civil, que, todavia, dispõe também que as
disposições da compra e venda se aplicam mutatis mutandis a outros contratos de
transmissão de direitos (939.º CCiv).
xiii) Aluguer (481.º e 482.º CCom): “O aluguer será mercantil quando a coisa
tiver sido comprada para se lhe alugar o uso.” O regime geral da locação está
regulado nos arts. 1022.º e ss. CCiv;
xiv) Transmissão e reforma de título de crédito mercantil (arts. 483.º e ss.).
Tal matéria é, além do disposto no Código Comercial, objecto de legislação
especial.
xv) Actos relativos ao comércio marítimo (livro III). Tal matéria é, além do
disposto no Código Comercial, objecto de legislação especial.
O estudo sistemático destes diferentes contratos é objecto da disciplina de Contratos
Comerciais.

b) Os actos que não se encontram regulados no Código Comercial, mas numa lei
que substitua as respectivas normas (cf. o art. 4.º da Carta de Lei que aprovou o Código
Comercial: “Toda a modificação que de futuro se fizer sobre matéria contida no Código
Comercial será considerada como fazendo parte dele e inserida no lugar próprio, quer seja

4 O reporte pode ter finalidade variadas, nomeadamente a concessão de crédito, a especulação ou a


garantia. Cf. ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina: Coimbra, 2014, pp. 381-385.

16
por meio de substituição de artigos alterados, quer pela supressão de artigos inúteis, ou
pelo adicionamento dos que forem necessários.”).
Aplicando este critério, podemos considerar comerciais5:
i) Os actos constituintes de sociedades comerciais, hoje previstos no Código
das Sociedades Comerciais, e que outrora se encontravam nos (agora revogados) arts.
104.º CCom;
ii) Os negócios jurídicos respeitantes a letras, livranças e cheques, hoje
fundamentalmente regulados no regime das Leis Uniformes (LULL e LUCh), e que
outrora se encontravam nos (agora revogados) arts. 278.º CCom;
iii) As operações de bolsas, hoje fundamentalmente regulados no Código dos
Valores Mobiliários, e que outrora se encontravam nos arts. 351.º e ss. CCom;
iv) Os contratos de transporte de mercadorias por mar, de fretamento e de
transporte de passageiros por mar (DL 352/86, de 21/10 e 349/86, de 21/10);
v) O contrato de seguro, hoje fundamentalmente regulado no Regime Jurídico
do Contrato de Seguro, e que outrora se encontrava nos arts. 425.º a 462.º CCom;
vi) O contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias (DL
239/2003, de 4/10), que revogou os arts. 366.º a 393.º CCom na parte que lhe
respeitava6.

c) Actos que o Código Comercial não qualificou como comerciais, mas aos quais
a legislação posterior deu esse tratamento:
i) O regime do arrendamento para fins não habitacionais (1108.º e ss. CCiv)
prevê regras específicas que atendem à locação ou trespasse de estabelecimento
comercial. Por essa razão, estes mesmo actos deverão qualificar-se como
comerciais;
ii) O acto de constituição de um Agrupamento Europeu de Interesse
Económico (AEIE), regulado no Regulamento (CEE) 2137/85, de 25 de Julho de
1985, conforme resulta do art. 3.º, 1 do DL 148/90, de 9/5.
iii) Os actos de mediação de seguros, atento que a lei indirectamente
postula a natureza comercial de tais actos, ao exigir que tal actividade só possa ser
exercida por quem tenha competência para a prática de actos de comércio (art.

5 Para o caso específico da associação em participação, cf. Não referido em COUTINHO DE ABREU,

CDC, I12, p. 77.


6 Não referido em COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, pp.76-77.

17
11.º, 1, b) do Regime Jurídico da Distribuição de Seguros e de Resseguros (L
7/2019, de 16/1).
iv) Actos constitutivos de sociedades qualificadas pela lei, em diplomas
avulsos, como comerciais (cf., supra, b), i)).

d) Actos que traduzem o âmbito específico da actividade de uma empresa, no


sentido que esta noção adquire para efeitos do art. 230.º CCom:
“Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou colectivas, que se
propuserem:
1.° Transformar, por meio de fábricas ou manufacturas, matérias-primas,
empregando para isso, ou só operários, ou operários e máquinas;
2.° Fornecer, em épocas diferentes, géneros, quer a particulares, quer ao Estado,
mediante preço convencionado;
3.° Agenciar negócios ou leilões por conta de outrem em escritório aberto ao
público, e mediante salário estipulado;
4.° Explorar quaisquer espectáculos públicos;
5.° Editar, publicar ou vender obras científicas, literárias ou artísticas;
6.° Edificar ou construir casas para outrem com materiais subministrados pelo
empresário;
7.° Transportar, regular e permanentemente, por água ou por terra, quaisquer
pessoas, animais, alfaias ou mercadorias de outrem.
§ 1.° Não se haverá como compreendido no nº 1 o proprietário ou o explorador
rural que apenas fabrica ou manufactura os produtos do terreno que agriculta
acessoriamente à sua exploração agrícola, nem o artista, industrial, mestre ou oficial de
ofício mecânico que exerce directamente a sua arte, indústria ou ofício, embora empregue
para isso, ou só operários, ou operários e máquinas.
§ 2.º Não se haverá como compreendido no nº 2 o proprietário ou explorador
rural que fizer fornecimentos de produtos da respectiva propriedade.
§ 3.º Não se haverá como compreendido no nº 5 o próprio autor que editar,
publicar ou vender as suas obras.”
Interpretando a disposição, serão desde logo actos comerciais os contratos que
sejam praticados no âmbito de uma empresa e que se traduzam em contratos de7:
i) Fornecimento de bens (2.º), salvo quando o fornecimento seja feito por
proprietário ou explorador rural a partir da sua propriedade (§ 2.º);

7 Não se refere nenhum contrato relativamente ao correspondente aos números 1 e 4, por terem a
natureza operações materiais e não de negócios jurídicos.

18
ii) Agência (3.º);
iii) Edição (5.º), salvo quando seja o próprio autor a editar, a publicar ou e
vender as suas obras;
iv) Empreitada (6.º);
v) De transporte (7.º).
Mas poderá ir mesmo mais longe, considerando-se que qualquer acto praticado no
âmbito de uma empresa reconduzível ao art. 230.º é considerado como objectivamente
comercial: por ex., a aquisição de bens, os contratos de trabalho, etc. Neste sentido se
pronuncia COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, pp. 83-84,

e) Qualificação de actos comerciais por analogia, isto é, por identidade de razão. É


uma questão controvertida (para o desenvolvimento, COUTINHO DE ABREU, CDC, I12,
Cap. I, 3.1.3), cujo adequado tratamento exige um desenvolvimento metodológico acerca
do papel da analogia no discurso jurídico (e no pensamento em geral) que não se justifica
aqui fazer. A resposta deverá ser afirmativa, desde que o para o caso em apreço militem as
mesmas razões que justifiquem a qualificação como comercial para o caso análogo. Alguns
exemplos (COUTINHO DE ABREU, cit.):
i) Se é comercial a empresa de construção de casas (230.º, 6), também o é
a de construção de edifícios de outra natureza (armazém, por ex.);
ii) Os actos constituintes de um Agrupamento Complementar de Empresas
será comercial quando o objecto do ACE o seja;
iii) Atento o regime da compra e venda mercantil e do aluguer mercantil, a
locação financeira (RJLF – DL 149/95, de 24/6), que conjuga elementos de uma
e de outro, deverá ser considerada acto comercial;
iv) Atento os critérios de atribuição da comercialidade a empresas, também
serão comerciais as empresas de prestação de serviços;
v) Os diferentes negócios sobre empresas, por analogia com o trespasse e
a locação, também serão considerados mercantis;
vi) As diferentes actividades jurídicas de interposição nas trocas
consideram-se comerciais: é o caso do contrato de agência (RJCA – DL 118/93,
de 13/4), exercido ou não no âmbito de empresa (caso em que a empresa já seria
comercial, por força do art. 230.º, 3), ou as actividades de intermediação de
emprego (DL 124/89, de 14/4), ou o contrato de concessão comercial.

8.1.2. Actos de comércio subjectivos

19
Actos de comércio subjectivos são, “além deles [dos actos objectivamente
comerciais] todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza
exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.” (art. 2.º, 2.ª parte CCom)8.
Incluem-se não só negócios jurídicos em sentido estrito, como também actos de fonte não
negocial mas com consequências jurídicas: assim, uma dívida decorrente de
responsabilidade civil extracontratual pode considerar-se comercial se o facto que
desencadeou a responsabilidade for imputável a comerciante.
A qualificação como acto de comércio subjectivo pressupõe três factores – um
positivo e dois negativos:
a) Tratar-se de acto praticado por comerciante: remete-se, portanto, para a noção
de comerciante, que será estudada posteriormente (Secção 2, Capítulos 2 e ss.). Refira-
se apenas o art. 13.º: “São comerciantes:/ 1.° As pessoas que, tendo capacidade para
praticar actos de comércio, fazem deste profissão;/ 2.° As sociedades comerciais.”
b) Não se tratar de acto exclusivamente civil, isto é, não podendo ser juridicamente
relacionados com o comércio: casamento (1577.º, 1587.º e ss. CCiv), perfilhação (1849.º e
ss. CCiv) ou o testamento (2179.º e ss.). Mas uma doação, por ex., já poderá ser compatível
com o comércio;
c) Não resultar o contrário do próprio acto: resultar do acto ou das suas
circunstâncias envolventes que não tem conexão com o comércio, como ocorrerá quando
o comerciante declarar, no momento da prática do acto, que ele respeita à sua actividade
particular.

8.2. Actos bilateralmente comerciais e unilateralmente comerciais


São actos:
a) Bilateralmente comerciais aqueles cuja comercialidade respeita a ambas as partes,
seja porque o acto é objectivamente comercial em relação a ambas as partes, seja porque, não
o sendo, ambas as partes são comerciantes, tendo o acto a natureza de subjectivamente
comercial em relação a ambas;
b) Unilateralmente comerciais aqueles cuja comercialidade respeita a apenas a uma das
partes, seja porque o acto é objectivamente comercial apenas em relação a uma, seja porque

8 A formulação “contratos e obrigações” parece-me explicar-se por razões históricas. Com efeito, o

termo “contratos e obrigações” era a fórmula própria do séc. XIX para designar actos negociais e suas
consequências jurídicas, sabendo-se que, na tradição romana e romanísticas, se arrancava da obrigação e não do
contrato. Cf., por ex., o título III do Livro III do Code civil de 1804: “Des contrats ou des obligations
conventionnelles en général” (arts. 1101.º e ss.). Disponível em: http://www.assemblee-
nationale.fr/evenements/code-civil-1804-1.asp .

20
apenas uma é comerciante, tendo o acto a natureza de subjectivamente comercial em relação
a apenas um dos intervenientes.
Em princípio, os actos comerciais, sejam bilateral ou unilateralmente comerciais,
ficam sempre sujeitos à lei comercial, salvo quando a lei disponho diferentemente (art. 99.º
CCom): “Embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes será regulado pelas
disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, salvas as que só forem
aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o acto é mercantil, ficando, porém, todos
sujeitos à jurisdição comercial.” (Embora a disposição não esteja expressamente revogada
na parte final, não existe hoje uma jurisdição comercial específica. Cf., if., 9.c)).

8.3. Actos de comércio autónomos e acessórios


São actos comerciais:
a) Acessórios, aqueles cuja comercialidade dependente de um outro acto comercial
para merecer a qualificação de acto comercial: é o caso da fiança, do mandato, do
empréstimo, do penhor e do depósito (ver supra);
b) Autónomos, aqueles cuja comercialidade está delimitada sem referêcia a um
qualquer outro acto (ex., compra e venda mercantil).
A distinção não tem interesse em termos de aplicação prática de regime, posto que
a qualificação como comercial é dada pela distinção anterior9.

8.4. Actos formalmente comerciais e substancialmente comerciais


São actos:
a) Formalmente comerciais aqueles que gozam dessa qualificação, estejam ou não ao
serviço de actividades reguladas pelo Direito Comercial. É o caso dos negócios cambiários,
relativos aos títulos de créditos, que se consideram comerciais apesar de poderem ser
utilizados em âmbito não mercantil;
b) Substancialmente comerciais aqueles que têm lugar em âmbito comercial.
Correspondem à regra.
A distinção não tem interesse em termos de aplicação prática de regime.

9A não ser para quem entenda que os actos que (i) são acessórios de um acto qualificado como comercial,
(ii) ainda que a lei os não preveja expressamente, devem ser qualificados como comerciais, aplicando-se o
princípio geral: acessorium sequitur principale. Mas tal entendimento minoritário não será de acolher (cf., para o
tema, COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, Cap. 1, 4).

21
9. Efeitos da qualificação de um acto comercial
Não são hoje muito significativo os efeitos associados à qualificação de um acto
como comercial.
Há ainda outros efeitos associados à qualificação de um acto como comercial, mas que já
foram estudados, ou sê-lo-ão, noutros pontos do programa: assim, a qualificação de certos actos
como comerciais pode implicar que alguns outros, acessórios, assim também seja qualificados (sp. n.º
8.3); por outro lado, a prática sistemática de actos comerciais, com os efeitos daí advenientes,
importa para a qualificação como comerciante (13.º CCom); e presumem-se contraídas no exercício
do comércio as dívidas dos comerciantes casados resultantes de actos comerciais (15.º CCom).
Estes pontos serão tratados na secção 2.

9.1. Solidariedade das dívidas


Caso a dívida comercial seja plural (isto é, caso haja mais do que um obrigado
passivo, do que um devedor), a dívida fica sujeita ao regime da solidariedade (art. 100.º
CCom); se, porém, o acto for unilateralmente comercial, este regime não se estende à parte
não comerciante (art. 100.º, § único CCom).
O regime da solidariedade passiva encontra-se previsto no Código Civil,
particularmente nos arts. 512.º e ss. (regime geral) e 518.º e ss. (solidariedade entre
devedores).
A solidariedade passiva é caracterizada pelas seguintes notas:
i) Conforme resulta do art. 512.º, 1, 1.ª parte CCiv (“A obrigação é solidária,
quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos
libera (…)”), caracteriza-se pela (i) possibilidade de o credor poder exigir a
totalidade do pagamento da dívida a cada um dos condevedores (dever de
prestação integral), (ii) liberando o cumprimento a todos os devedores (efeito
extintivo recíproco).
ii) O devedor que satisfizer a dívida além da parte que (internamente) lhe
caiba pode exigi-lo em regresso àquele a quem caiba suportá-la (524.º CCiv);
iii) Em termos económicos, permite que o risco de insolvência de um dos
condevedores recaia, não sobre o credor, mas sobre os restantes condevedores (cf.
aliás o art. 526.º CCiv). Adequa-se por isso particularmente bem à preocupação de
protecção do crédito/ segurança nas transacções que é própria do Direito
Comercial (n.º 1).

22
9.2. Juros10
É de atentar no art. 102.º CCom:
“Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que
for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente
Código.
§ 1º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.
§ 2º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º do
Código Civil.
§ 3º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou
quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais,
singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças
e da Justiça.
§4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor
da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal
de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja,
respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de sete pontos
percentuais, sem prejuízo do disposto no parágrafo seguinte.
§5.º No caso de transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10
de maio, a taxa de juro referida no parágrafo terceiro não poderá ser inferior ao valor da
taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal
de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja,
respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos
percentuais.”
A obrigação de juros está regulada em geral nos arts. 559.º e ss. CCiv. O seu
concreto valor resulta de três factores: uma quantia em dinheiro; um período de tempo;
uma taxa de juro aplicável por certo período de tempo.
Nos termos gerais, os juros podem qualificar-se:
i) Quanto à fonte, em legais (= de Direito, isto é, quando previstos na lei)
ou convencionais (quando acordados pelas partes, isto é, resultantes de uma sua
convenção).
No que particularmente respeita aos juros comerciais vencem-se, portanto,
quando especificamente previstos no CCom, na lei geral ou no acordo das partes.

10 Sobre esta matéria, cf. ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina: Coimbra, 2014,

pp. 232-244

23
No CCom notam-se as seguintes previsões específicas: 241.º (mandato),
346.º, 5.º e 348.º, § único (conta-corrente), 395.º (empréstimo), 415.º (depósito em
armazéns gerais) e 626.º, § 2.º (contrato de risco marítimo).
ii) Quanto à função, em remuneratórios (custo pecuniário a suportar pelo
retardamento esperado no pagamento da dívida) ou moratórios (custo pecuniário a
suportar pelo retardamento não conforme ao previsto no pagamento da dívida.
A determinação da concreta da taxa juro obriga, infelizmente, a um complexo conjunto
de operações em que se deve distinguir a fonte, a função e mesmo o titular do crédito em causa.
Por força da remissão do § 2.º do art. 102.º CCom, para apurarmos o valor aplicável à taxa
de juro comercial devemos considerar o disposto nos arts. 559.º-A e 1146.º do CCiv, assim como
o valor da taxa de juro legal ou estipulado sem determinação de quantitativo (pressuposto pelo art.
1146.º CCiv e pelos § 3 e 4 do art. 102.º CCom, sem prejuízo do regime específico aplicável a
transacções comerciais). O art. 1146.º CCiv fixa os limites gerais fixados à determinação da taxa de
juro no contrato de mútuo (“usura”), sendo estendidos em geral a qualquer negócio jurídico que
delimite o âmbito de juros pelo art. 559.º-A. A taxa de juro legal ou estipulado sem determinação
de quantitativo é fixada por portaria do Ministro da Justiça e das Finanças e do Plano (559.º CCiv;
art. 102.º, § 3 CCom).
A taxa de juro legal ou fixado sem indicação de quantitativo está fixada na Portaria
291/2003, de 8 de Abril, com o seguinte teor: “Manda o Governo, pelas Ministras de Estado e das
Finanças e da Justiça, ao abrigo do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil, na redacção dada pelo
Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24 de Junho, o seguinte:/ 1.º A taxa anual dos juros legais e dos
estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo é fixada em 4%./ 2.º É revogada a Portaria
n.º 263/99, de 12 de Abril./ 3.º A presente portaria produz efeitos a partir do dia 1 do mês seguinte
ao da sua publicação.”
No que respeita à taxa específica para o juro de dívidas de que sejam credoras empresas
comerciais, deve atentar-se presentemente na Portaria n.º 277/2013, de 26/8, que prevê (art. 1.º)
a taxa de juro para efeitos do art. 102.º, § 3 CCom e do regime de reacção ao atraso no cumprimento
de transacções comerciais (if. 9.2). A portaria em causa prevê as regras de cálculo da taxa de juro
(2.º), sendo divulgada por aviso da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, até 15 de Janeiro e 15
de Julho de cada ano. Tais avisos encontram-se disponíveis em http://www.dgtf.pt/avisos-e-
circulares/taxas-de-juros-moratorios. O último aviso tem o seguinte teor: “Em conformidade com
o disposto, respetivamente, nas alíneas a) e b) do artigo 1.º da Portaria n.º 277/2013, publicada no
Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26 de agosto de 2013, dá-se conhecimento que:/ i) A taxa
supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais,
singulares ou coletivas, nos termos do § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial, em vigor no
2.º semestre de 2020, é de 7%;/ ii) A taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos
de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo
102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, em vigor no 2.º semestre
de 2020, é de 8%.”
Daqui resulta que via de regra a taxa de juros comercial é de:
a) Juros remuneratórios:

24
i) Legais: 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 8 de Abril);
ii) Convencionais, desde que fixados por escrito (102.º, §1.º CCom): 4% ano,
podendo aumentar em 3 ou 5 pontos percentuais acima dos juros reais, conforme exista ou não
garantia real (559.º, 559.º-A e 1146.º, 1 CCiv, ex vi § 2.º do art. 102.º CCom ) – o que dá 7% ou 9%.
A ultrapassagem do máximo admissível implica a redução legal da taxa de juro ao máximo
admissível (1146.º, 3 CCiv).

b) Juros moratórios:
i) Legais: 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 8 de Abril);
ii) Convencionais, desde que fixados por escrito (102.º, §1.º CCom): 4% ano,
podendo aumentar em 7 ou 9 pontos percentuais acima dos juros reais, conforme exista
ou não garantia real (559.º, 559.º-A e 1146.º, 2 CCiv, ex vi § 2.º do art. 102.º CCom ) – o
que dá 11% ou 13%.
Contudo: o caso o crédito ser da titularidade de empresa comercial (102.º, §3.º CCom),
considerada para estes efeitos em sentido subjectivo, como qualquer entidade que exerça actividade
mercantil (ainda que sem empresa em sentido objectivo)11 – como em princípio ocorrerá – ou
resultante de transacção comercial para efeitos do DL 62/2013, de 10/5, a taxa de juro legal
supletiva ser de 7% e 8%, respectivamente, o que conduz aos seguintes resultados:
i) Legais: 7% ou 8% ao ano (Portaria 291/2003, de 8 de Abril);
ii) Convencionais, desde que fixados por escrito (102.º, §1.º CCom): 4% ano,
podendo aumentar em 7 ou 9 pontos percentuais acima dos juros reais, conforme exista
ou não garantia real (559.º, 559.º-A e 1146.º, 2 CCiv, ex vi § 2.º e §3.º do art. 102.º CCom )
– o que dá 14% ou 16%, ou 15% e 16%12.
A ultrapassagem do máximo admissível implica a redução legal da taxa de juro ao
máximo admissível (1146.º, 3 CCiv).
Note-se, finalmente, que para os juros bancários vigora regime especial.

9.3. Regime de reacção ao atraso no cumprimento de transacções


comerciais
Embora o respectivo regime não dependa da qualificação do acto como comercial
no sentido do Código Comercial, deve referir-se a existência do regime especial de
“reacção ao atraso no cumprimento de transacções comerciais” previsto no DL 62/2013,
de 10/5, e que transpõe a Directiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do

11 COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, p. 68.


12 ENGRÁCIA ANTUNES, cit., pp.237-240, aplica este regime a todas as modalidades de juros, incluindo
aos juros remuneratórios. As operações realizada em texto concretizam, porém, o entendimento de
COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, p. 69.

25
Conselho, de 16 de fevereiro de 2011. Para efeitos da referida Directiva, entende-se por
transacção comercial “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades
públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra
remuneração” (3.º, b)), e por empresa “uma entidade que, não sendo uma entidade pública,
desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas
singulares” (3.º, d)).
A taxa de juro devida por mora no cumprimento (4.º) já foi antes considerada (9.3).
Sublinhe-se adicionalmente que o referido regime, entre outros efeitos, prevê a
possibilidade de recurso ao procedimento especial de injunção, com vista à obtenção
facilitada de título executivo, independentemente do valor da dívida (10.º, 1).

9.4. Jurisdição comercial


Um outro aspecto tradicionalmente associado à qualificação de um acto como
comercial é a sua sujeição à jurisdição comercial. Vejamos de novo o art. 99.º CCom:
“Embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes será regulado
pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, salvas as que só forem
aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o acto é mercantil, ficando, porém, todos
sujeitos à jurisdição comercial.”
É este um dos domínios em que tradicionalmente a classe mercantil exigiu soluções
jurídicas especializadas, particularmente um sistema de resolução de litígios mais célere e
que atentasse na especificidade dos valores comerciais. Ao nível do comércio
internacional, a existência de sistemas jurisdicionais ou para-jurisdicionais específicos do
comércio (por ex., mediante centros institucionalizados de arbitragem) continua a ser uma
realidade bem presente.
Internamente, porém, a jurisdição comercial foi extinta pelo Decreto 21 694, de 29
de Setembro de 1932, e o Código de Processo Comercial (de 14 de Dezembro de 1905)
foi revogado pelo Decreto 29 637, de 28 de Maio de 1939. A parte final do art. 99.º CCom
deve considerar-se portanto sem efeito.
Sublinhe-se, porém, a existência de juízos de comércio dentro da jurisdição comum. A
sua competência, porém, não está delimitada em função da prática de actos de comércio,
mas de factores essencialmente associados à insolvência e ao estatuto de sociedades
comerciais (128.º LOSJ).

1.2. Atos civis e actos comerciais


Para a relação entre actos civis e comerciais – e, mais amplamente, entre Direito
Civil e Comercial –, cf. as reflexões que foram feitas sob os n.º 3, a) e b), 5 e 8.1.2.

26
27
Secção 2 - Dos Comerciantes

2. Capacidade comercial
10. Capacidade comercial
Começámos por ver qual o regime aplicável aos actos comerciais. Veremos agora
o estatuto daqueles que fazem do comércio profissão: quem tem capacidade para ser
comerciante; quais as diferentes modalidades de comerciante; qual o regime jurídico
específico a que estão sujeitos.
Como princípio, vale a regra de que têm capacidade para o comércio todas as
pessoas, singulares ou colectiva, que tenha capacidade de exercício (medida dos direito e
das obrigações que se pode exercer por si próprio), com as restrições que adiante se farão.
É o que dispõe o art. 7.º CCom:
“Toda a pessoa, nacional ou estrangeira, que for civilmente capaz de se obrigar,
poderá praticar actos de comércio, em qualquer parte destes reinos e seus domínios, nos
termos e salvas as excepções do presente Código.”
Concretizaremos adiante as regras de capacidade em função do concreto sujeito
em causa.

3. Exercício do comércio e responsabilidade dos comerciantes


3.1. Quem pode exercer o comércio
3.2. Empresas singulares e colectivas

11. Pessoas singulares


Depois de indicar, no art. 7.º, quem tem capacidade para ser comerciante, o CCom
distingue duas grandes modalidades de comerciante no art. 13.º:
“São comerciantes:
1.° As pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste
profissão;
2.° As sociedades comerciais.”
Começaremos por ver as pessoas singulares.
A qualificação de uma pessoa singular como comerciante pressupõe três
pressupostos:
a) A capacidade para praticar actos de comércio. – Como antes vimos, refere-se
esta capacidade (n.º 10) à capacidade de exercício. Por isso, um menor ou um maior acompanhado

28
– se assim o exigir o regime de acompanhamento determinado – não poderão exercer o
comércio por si próprios, nem adquirir dessa forma a qualidade de comerciantes.
Já o poderão ser, porém, nos casos em que o comércio seja exercido pelos seus
representantes nos casos em que a lei o admita (cf., para os pais, o art. 1889.º, 1, c) CCiv13;
para o tutor ou administrador de bens de menor, o art. 1938.º, 1, a) CCiv14; 1971.º, 1 e 2
CCiv15; para o acompanhante, o art. 145.º, 4 e 5 CCiv).
b) Que faça do comércio profissão: trata-se, portanto, de exercer uma “actividade
comercial ou praticar actos de comércio com profissionalidade, isto é, de modo habitual
ou sistemático” (COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, 114-115). A actividade, porém, não tem
de ser a principal do sujeito, nem tem de ser constante (pode ser sazonal).
c) Que a actividade seja exercida em nome próprio ou por conta daquele a quem
se imputa a prática do acto.
A qualidade de comerciante adquire-se a partir do momento em que se manifesta
concreta e exteriormente a intenção de reunir estes pressupostos. Assim, se alguém adquire
uma empresa comercial é comerciante mesmo antes de a começar a explorar; como
também o é ao preparar a organização da empresa (aquisição de espaço; aquisição de bens;
contratação de trabalhadores; etc.)

12. Pessoas singulares – limitações


Apesar da verificação dos pressupostos antes mencionados, o exercício do
comércio pode estar vedado por legislação especial para dadas matérias ou para certas
categorias de pessoas. O próprio art. 14.º CCom prevê:
“È proibida a profissão do comércio:
1º Às associações ou corporações que não tenham por objecto interesses materiais;
2º Aos que por lei ou disposições especiais não possam comerciar.”
Seguindo a sistematização de MENEZES CORDEIRO, DC4, n.º 83, podemos
distinguir entre proibições gerais, incompatibilidades, inibições e impedimentos:
a) Como exemplo de proibição geral encontramos o art. 14.º, 1, b) do Regime
Geral das Instituições de Crédito que prevê que o comércio bancário só pode ser exercido

13 “Como representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal (…) Adquirir estabelecimento

comercial ou industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação”
14 “O tutor, como representante do pupilo, necessita de autorização do tribunal:/ a) Para praticar qualquer dos actos
mencionados no n.º 1 do artigo 1889.º”
“1. No âmbito da sua administração, o administrador tem os direitos e deveres do tutor./ 2. O
15

administrador é o representante legal do menor nos actos relativos aos bens cuja administração lhe pertença.”

29
por sociedades anónimas (sendo o crime o exercício por pessoa não autorizada: art. 200.º
RGIC). Regime semelhante vale em matéria de direito dos seguros;
b) A título incompatibilidade, em razão das funções exercidas e apenas nessa medida,
pode elencar-se o art. 8.º-A do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o art. 107.º do Estatuto
dos Magistrados do Ministério Público e o art. 14.º do Estatuto dos Militares das Forças
Armadas.
c) O impedimento (ou incompatibilidade relativa) atinge pessoa determinada, mas pode
cessar com autorização do interessado: é o caso da proibição de não concorrência que
incide sobre gerentes e administradores de sociedades comerciais (253.º CCom; 180.º, 254.º,
398.º, 3 e 428.º CSC)16.
d) A inibição para o exercício do comércio, dirigida a pessoa certa e determinada,
resulta indirectamente do art. 81.º, 1 CIRE, ao privar o insolvente, por si ou pelos seus
administradores, dos poderes de disposição sobre os bens integrantes da massa insolvente.
Pode também ser decretada a inibição para a prática de comércio no âmbito do
chamado incidente de qualificação da insolvência, prevendo-se que, na eventualidade de a
insolvência se considerar dolosa, o juiz deverá, em relação aos seus responsáveis:
“c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um
período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão
de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica,
empresa pública ou cooperativa”

13. Pessoas colectivas


Refere o art. 13.º, 2.º, uma segunda categoria de comerciante – já não uma pessoa
singular, mas uma pessoa colectiva. Trata-se das sociedades comerciais, cuja noção é dada pelo
art. 1.º, 2 CSC:
“São sociedades comerciais aquelas que tenham por objecto a prática de actos de
comércio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de
sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita
por acções.”
Sendo a sua personalidade jurídica adquirida no momento em que se dá o registo
definitivo do contrato pelo qual se constituem, nos termos do art. 5.º CSC17, nesse

16Se ainda assim a pessoa praticar actos de comércio, adquirirá nestes casos de incompatibilidade e
impedimento a qualidade de comerciante, embora podendo sofrer sanções de outra ordem. Cf. COUTINHO
DE ABREU, CDC12, cap. 2, 4.2.1.
17 “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo
definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades
por fusão, cisão ou transformação de outras.”

30
momento se devem considerar constituídas como comerciantes, ainda que não praticado
concretamente um qualquer acto de comércio.

Outras pessoas colectivas que podem adquirir a qualidade de comerciantes são:


a) As EPE (Entidades Públicas Empresariais), reguladas nos arts. 56.º e ss. do Regime do
Sector Público Empresarial do Estado. Constituindo uma forma jurídica diferente da “sociedade
comercial”, não poderão adquirir a qualidade de comerciantes ao abrigo do art. 13.º, 2 CCom – mas
já o poderão ao abrigo do art. 13.º, 1 CCom quando o seu objecto assente na prática de actos
comerciais, entendendo-se que a norma não se limita a pessoas singulares, e que estas últimas
entidades fazem do comércio profissão (mutatis mutandis).
b) Os Agrupamentos Complementares de Empresas (ACE) (DL 4/73, de 25/8) e o Agrupamento
Europeu de Interesse Económico (AEIE) (DL 148/90, de 9/5), nos mesmos termos: serão comerciantes
ao abrigo do art. 13.º, 1, quando tenham objecto comercial (no caso dos AEIE, tal é explicitamente
afirmado no art. 3.º, 2 do diploma que o regulamenta).
c) As Cooperativas (reguladas no Código Cooperativo), nos mesmos termos: serão comerciantes
ao abrigo do art. 13.º, 1, quando tenham objecto comercial.
A qualidade de comerciante adquire-se, em qualquer um dos casos, com a aquisição da
personalidade jurídica (COUTINHO DE ABREU, CDC12, Cap. 2, 2.2.2).

14. Pessoas colectivas – limitações


Também ao nível das pessoas colectivas algumas encontram-se directamente
excluídas da qualificação como comerciantes. Dispõe o art. 17.º CCom
“O Estado, o distrito, o município e a paróquia não podem ser comerciantes, mas
podem, nos limites das suas atribuições, praticar actos de comércio, e quanto a estes ficam
sujeitos às disposições deste Código.
§ Único. A mesma disposição é aplicada às misericórdias, asilos e mais institutos
de beneficência e caridade.”
Por seu turno, o art. 14.º CCom prevê, no seu art. 1.º, que
“È proibida a profissão do comércio:
1º Às associações ou corporações que não tenham por objecto interesses
materiais;.”
Não se pretende negar que possam praticar actos comerciais, desde que com
finalidade auxiliar do seu objecto principal (manifestação do princípio da especialidade do

Nos termos do CSC, é admissível que uma sociedade adopte a forma comercial mesmo não tendo objecto
mercantil: é, então, uma sociedade civil sob forma comercial (1.º, 4 CSC). Nesse caso não adquirem a qualidade de
comerciantes. Cf. COUTINHO DE ABREU, CDC12, cap. 2, 2.2.1.

31
fim, que delimita a capacidade das pessoas colectivas: cf. o art. 160.º CCiv). É assim
legítimo, por ex., que uma associação explore um bar nas suas instalações.

3.3. Quem não pode ser comerciante (análise das figuras do artesão, do
agricultor, dos profissionais liberais, entre outros)

15. Actividades excluídas da comercialidade


Sendo comerciais as actividades assim qualificadas pela lei ou que lhe sejam
equiparadas, outras há, porém, que não gozam dessa características. Com consequências:
não adquirirá a qualidade de comerciante aquele que se dedique a tais actividades, ainda
que o faça de modo profissional, permanente, com intuito lucrativo, etc.
Vejamos os principais casos:
a) Actividade agrícola (em sentido amplo, englobando também a silvicultura, a
pecuária, etc.). Algumas disposições do Código Comercial depõem nitidamente neste
sentido:
Art. 230.º, §1, 1.ª parte: “Não se haverá como compreendido no nº 1 o
proprietário ou o explorador rural que apenas fabrica ou manufactura os produtos do
terreno que agriculta acessoriamente à sua exploração agrícola (…)”
Art. 230.º, §2: “Não se haverá como compreendido no nº 2 o proprietário ou
explorador rural que fizer fornecimentos de produtos da respectiva propriedade.”
Art. 464.º, 2: “Não são consideradas comerciais:/ 2º As vendas que o proprietário
ou explorador rural faça dos produtos de propriedade sua ou por ele explorada, e dos
géneros em que lhes houverem sido pagas quaisquer rendas.”
Art. 464.º, 4: “Não são consideradas comerciais:/ As compras e vendas de animais
feitas pelos criadores ou engordadores.”
b) Actividade artesanal, isto é, de produção de bens de modo directo, com o uso
do próprio trabalho manual ou de instrumentos básicos de trabalho (COUTINHO DE
ABREU: “oleiros, ferreiros, latoeiros, sapateiros, alfaiates, costureiras, cesteiros), ou no
domínio dos serviços (“electromecânicos, estucadores, cabeleireiros, esteticistas”).
Art. 230.º, §3: “Não se haverá como compreendido no nº 1 (…) nem o artista,
industrial, mestre ou oficial de ofício mecânico que exerce directamente a sua arte,
indústria ou ofício, embora empregue para isso, ou só operários, ou operários e
máquinas”
Art. 464.º, 3: “Não são consideradas comerciais:/ As compras que os artistas,
industriais, mestres e oficiais de ofícios mecânicos que exercerem directamente a sua arte,
indústria ou ofício fizeram de objectos para transformarem ou aperfeiçoarem nos seus

32
estabelecimentos, e as vendas de tais objectos que fizerem depois de assim transformados
ou aperfeiçoados.”
c) Profissionais liberais, i.é, pessoas que exercem uma actividade de natureza
predominamente intelectual, tradicionalmente com ampla autonomia de actuação, e sujeita a
mecanismos próprios de supervisão e regulação (ordens profissionais, câmaras,…;
juridicamente: associações públicas profissionais). Cf. o art. 27.º, 2 da Lei das Associações
Públicas Profissionais:
“As sociedades de profissionais constituídas em Portugal podem ser sociedades
civis ou assumir qualquer forma jurídica admissível por lei para o exercício de actividades
comerciais.”
d) Actividade artística (“escultores, pintores, escritores, cientistas, músicos”):
Art. 230.º, §5: “Não se haverá como compreendido no nº 5 o próprio autor que
editar, publicar ou vender as suas obras.”

16. Hipóteses de qualificação duvidosa


Não serão estudados de perto, pela sua bem menor relevância, os casos de
qualificação duvidosa elencados por COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, cap. 2, 5:
“Mandatários comerciais com representação; gerentes de comércio, auxiliares e caixeiro
de comerciantes; comissários comerciais; mediadores; correctores; agentes comerciais;
farmacêuticos; sócios de responsabilidade ilimitada; sociedades comerciais sem
personalidade jurídica; comunidades conjugais; comunidades de herdeiros.”

Efeitos associados à qualificação como comerciante


17. Efeitos
Da qualificação de um sujeito como comerciante decorrem alguns importantes
efeitos:
a) Os actos por si praticados são considerados subjectivamente comerciais nos
termos antes estudados (8.1.2);
b) As dívidas comerciais dos comerciantes casados presumem-se contraídas no
exercício dos respectivos comércios (15.º CCom), sendo por isso, em princípio, da
responsabilidade de ambos os cônjuges (1691.º, 1, d) CCiv);

33
c) O empréstimo mercantil entre comerciantes admite qualquer tipo de prova
(396.º CCom, diferentemente do art. 1143.º CCiv18): “O empréstimo mercantil entre
comerciantes admite, seja qual for o seu valor, todo o género de prova.”;
d) O penhor mercantil de valor superior a 200 mil réis, cerca de um euro, pode
provar-se por escrito para produzir efeitos em relação a terceiros (400.º CCom,
diferentemente do disposto nos arts. 669.º e 681.º CCiv19): “Para que o penhor mercantil
entre comerciantes por quantia excedente a duzentos mil réis produza efeitos com relação
a terceiros basta que se prove por escrito.”;
e) Prescrevem no prazo de dois anos os créditos de comerciantes referidos no art.
317.º, b) CCiv: “Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja
comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que
exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos,
execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam
efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor”;20
f) Sujeição às obrigações constantes do art. 18.º CCom, que serão estudadas de
seguida.

18 “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é

válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior
a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário”.
19 Cf., respectivamente, o art. 669.º, “1. O penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa

empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro./ 2. A


entrega pode consistir na simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição privar o autor do
penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa.” E o art. 681.º, 1: “A constituição do penhor de
direitos está sujeita à forma e publicidade exigidas para a transmissão dos direitos empenhados.”
20 Cf. tb. O art. 317.º, a) CCiv, prevendo idêntico prazo de prescrição para: “Os créditos dos
estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os
créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços
prestados.”

34
4. Obrigações especiais dos comerciantes

18. Elenco de obrigações próprias de comerciantes


Da qualificação como comerciante decorre também um conjunto de obrigações
específicas, conforme decorre do art. 18.º CCom:
“Os comerciantes são especialmente obrigados:
1.° A adoptar uma firma;
2.° A ter escrituração mercantil;
3.° A fazer inscrever no registo comercial os actos a ele sujeitos;
4.° A dar balanço, e a prestar contas.”
Veremos sucessivamente - com diferentes graus de pormenor – estas várias
obrigações.

4.1. A firma
19. Obrigação de adoptar firma. Composição da firma.
A primeira obrigação constante do art. 18.º CCom é a de adoptar firma. A firma do
comerciante (alguns não comerciantes, como as sociedades civis de tipo comercial) constitui
o seu nome comercial, isto é, o nome que oficialmente usa na prática do comércio. Uma parte
significativa do respectivo regime encontra-se fixado no regime do Regime Jurídico do
Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC), particularmente nos respectivos artigos
32.º e ss.
A firma é constituída:
a) No caso de comerciante pessoa singular, a firma deverá ser constituída pelo
nome do comerciante, completo ou abreviado, podendo ser antecedido de títulos do
comerciante e sucedido de alcunhas ou alusão à respectiva actividade. É o que dispõe o
art. 38.º:
“1. O comerciante individual deve adoptar uma só firma, composta pelo seu nome,
completo ou abreviado, conforme seja necessário para identificação da pessoa, podendo
aditar-lhe alcunha ou expressão alusiva à actividade exercida.
2. O comerciante individual pode ainda aditar à sua firma a indicação «Sucessor de»
ou «Herdeiro de» e a firma do estabelecimento que tenha adquirido.
3. O nome do comerciante individual não pode ser antecedido de quaisquer
expressões ou siglas, salvo as correspondentes a títulos académicos, profissionais ou
nobiliárquicos a que tenha direito, e a sua abreviação não pode reduzir-se a um só
vocábulo, a menos que a adição efectuada o torne completamente individualizador.

35
4. Os comerciantes individuais que não usem como firma apenas o seu nome
completo ou abreviado têm direito ao uso exclusivo da sua firma desde a data do registo
definitivo e no âmbito do concelho onde se encontra o seu estabelecimento principal.
(5. Revogado)”21
b) No caso de comerciante pessoa colectiva, a composição da firma, nos termos
previstos no Código das Sociedades Comerciais. O modo de composição da firma
depende de acordo com o tipo de sociedade comercial adoptado.
i) Tratando-se de sociedades em nome colectivo (estatisticamente irrelevantes), a
firma será composta nos termos do art. 177.º, 1 CSC:
“1. A firma da sociedade em nome colectivo deve, quando não individualizar
todos os sócios, conter, pelo menos, o nome ou firma de um deles, com o aditamento,
abreviado ou por extenso, 'e Companhia' ou qualquer outro que indique a existência de
outros sócios.
2. Se alguém que não for sócio da sociedade incluir o seu nome ou firma na firma
social, ficará sujeito à responsabilidade imposta aos sócios no artigo 175.º”
Um regime próximo vale para as sociedades em comandita (que subdividem em
simples e por acções). Cf. o 467.º, 1:
“A firma da sociedade é formada pelo nome ou firma de um, pelo menos, dos
sócios comanditados e o aditamento 'em Comandita' ou '& Comandita', 'em Comandita
por Acções' ou '& Comandita por Acções'.” 22

ii) Tratando-se de sociedades por quotas (a forma societária mais relevante) ou


sociedades anónimas, vigora o disposto nos arts. 200.º, 1, e 275.º CSC:
200.º, 1: “A firma destas sociedades deve ser formada, com ou sem sigla, pelo
nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios, ou por uma denominação particular,
ou pela reunião de ambos esses elementos, mas em qualquer caso concluirá pela palavra
«limitada» ou pela abreviatura «Lda.».”
275.º, 1: “A firma destas sociedades será formada, com ou sem sigla, pelo nome
ou firma de um ou alguns dos sócios ou por uma denominação particular, ou pela reunião
de ambos esses elementos, mas em qualquer caso concluirá pela expressão «sociedade
anónima» ou pela abreviatura «S. A.».”

21 Caso a actividade seja exercida com recurso a um Estabelecimento Individual de Responsabilidade


Limitada, deverá acrescer a terminação E.I.R.L. (40.º, 1 e 2 RNPC).
22 Quer nas sociedades em nome colectivo, quer nas sociedades em comandita, por analogia com o
disposto no art. 38.º, 1 RNPC poderá haver também menção à actividade na firma; e, agora com o disposto
no art. 42.º, 1 RNPC, referida às sociedades civis simples, poder-se-á usar formas de fantasia ou
composições. Cf. COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, Cap. 2., 6.1.2.2.

36
Por denominação particular (ou firma-denominação) entende-se tradicionalmente uma
referência ao objecto de actividade. Desde, todavia, a entrada em vigor do DL 111/2005,
de 8/7 (“Empresa na hora”), o objecto societário pode ser totalmente fantasioso23.
Para as firmas ou denominações de outras entidades, cf. COUTINHO DE ABREU,
CDC, I12, Cap. 2, 6.1.2.3-4.

20. Princípios de composição. Alteração.


A composição das firmas está sujeita a alguns princípios de específicos de
composição (que são os mesmo que valem para a respectiva alteração, nos termos do art.
56.º, 1, a) a f)24)
a) Princípio da verdade, nos termos do art. 32.º RNPC:
“1. Os elementos componentes das firmas e denominações devem ser verdadeiros
e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividade do seu titular.
2. Os elementos característicos das firmas e denominações, ainda quando
constituídos por designações de fantasia, siglas ou composições, não podem sugerir
actividade diferente da que constitui o objecto social.
3 - Para efeitos do disposto neste artigo não deve ser efectuado o controlo da
legalidade do objecto social, devendo somente ser assegurado o cumprimento do disposto
nos números anteriores.
4 - Das firmas e denominações não podem fazer parte:
a) Expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica da
pessoa colectiva, designadamente o uso, por entidades com fim lucrativo, de expressões
correntemente usadas na designação de organismos públicos ou de associações sem
finalidade lucrativa;
b) Expressões proibidas por lei ou ofensivas da moral ou dos bons costumes;
c) Expressões incompatíveis com o respeito pela liberdade de opção política,
religiosa ou ideológica;
d) Expressões que desrespeitem ou se apropriem ilegitimamente de símbolos
nacionais, personalidades, épocas ou instituições cujo nome ou significado seja de
salvaguardar por razões históricas, patrióticas, científicas, institucionais, culturais ou outras
atendíveis.

23 Com efeito, o regime da empresa na hora é compossibilitado pela pré-aprovação de um amplo


conjunto de denominações possíveis, que não fazem referência à actividade concreta da sociedade a criar.
Cf. http://bolsafirmasdenominacoes.justica.gov.pt/index.php?app=enh .
24 Para o elenco de casos em que se exige a alteração da firma, cf. COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, Cap.
2, 6.1.4.

37
5 - Quando, por qualquer causa, deixe de ser associado ou sócio pessoa singular
cujo nome figure na firma ou denominação de pessoa colectiva, deve tal firma ou
denominação ser alterada no prazo de um ano, a não ser que o associado ou sócio que se
retire ou os herdeiros do que falecer consintam por escrito na continuação da mesma firma
ou denominação.”

b) Princípio da novidade, nos termos do art. 33.º, 1 e 2 RNPC:


“1. As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão
ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo
quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com
designações de instituições notoriamente conhecidas.
2. Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem
ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das
suas actividades e o âmbito territorial destas.”
A norma deve ser completada, no que respeita a sociedades comerciais, com o
disposto no art. 10.º, 2 CSC:
“2. Quando a firma da sociedade for constituída exclusivamente por nomes ou
firmas de todos, algum ou alguns sócios deve ser completamente distinta das que já se
acharem registadas.
3. A firma da sociedade constituída por denominação particular ou por
denominação e nome ou firma de sócio não pode ser idêntica à firma registada de outra
sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro.”
A novidade não assenta em que todos os elementos constantes da firma sejam
novos; mas antes em, constituindo a firma um sinal de comunicação, para um seu destinatário
médio se afigure como uma novidade em face de uma outra já existente25.

c) Princípio da exclusividade, nos termos do art. 35.º. Com efeito, a novidade da


firma encontra-se estreitamente relacionada com a sua possibilidade de utilização
exclusiva. Se a firma não fosse exclusiva, poderia ser repetida – e não tinha de ser nova,
portanto.
“1. Após o registo definitivo é conferido o direito ao uso exclusivo de firma ou
denominação no âmbito territorial especialmente definido para a entidade em causa nos
artigos 36.º a 43.º”
No caso das sociedades comerciais, a firma é de utilização exclusiva em todo o
território nacional (37.º, 2 RNPC).

25 Cf. alguns exemplos retirados da jurisprudência em COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, p. 170, n. 392.

38
Para os comerciantes em nome individual, vigora em particular o art. 38.º, 4: “Os
comerciantes individuais que não usem como firma apenas o seu nome completo ou
abreviado têm direito ao uso exclusivo da sua firma desde a data do registo definitivo e no
âmbito do concelho onde se encontra o seu estabelecimento principal.” Não se encontra
protegida a hipótese de dois comerciantes com nome completo homónimo – nesse caso,
portanto, ambos poderão adoptar a mesma firma.
A exclusividade valerá mesmo para a actividades não concorrentes (COUTINHO DE
ABREU, CDC, I12, cap. 2, 6.1.3.2).

d) Princípio da capacidade distintiva, nos termos do art. 33.º, 3 RNPC:


“Não são admitidas denominações constituídas exclusivamente por vocábulos de
uso corrente que permitam identificar ou se relacionem com actividade, técnica ou
produto, bem como topónimos e qualquer indicação de proveniência geográfica.”
Cf. tb. o art. 10.º, 4 CSC:
“Não são admitidas denominações constituídas exclusivamente por vocábulos de
uso corrente, que permitam identificar ou se relacionem com actividade, técnica ou
produto, bem como topónimos e qualquer indicação de proveniência geográfica.”

e) Princípio da unidade, nos termos do art. 38.º, 1, 1.ª parte RNPC:


“O comerciante individual deve adoptar uma só firma (…).”
O mesmo regime vale para as sociedades nos termos do art. 9.º, 1, c) e 171.º, 1
26
CSC .

f) Princípio da licitude: princípio de âmbito residual, designando os demais


requisitos que deverão ser observados na definição da firma. Por ex., a observância do
constante no art. 32.º, 4 RNPC.
“Das firmas e denominações não podem fazer parte:
a) Expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica da
pessoa colectiva, designadamente o uso, por entidades com fim lucrativo, de expressões
correntemente usadas na designação de organismos públicos ou de associações sem
finalidade lucrativa;27
b) Expressões proibidas por lei ou ofensivas da moral ou dos bons costumes;

26 Vale uma excepção no caso do EIRL: cf. o art. 40.º, 1 RNPC.


27 COUTINHO DE ABREU situa o disposto nesta alínea no âmbito do “princípio da verdade”. Tem um
lugar paralelo no CSC.

39
c) Expressões incompatíveis com o respeito pela liberdade de opção política,
religiosa ou ideológica;
d) Expressões que desrespeitem ou se apropriem ilegitimamente de símbolos
nacionais, personalidades, épocas ou instituições cujo nome ou significado seja de
salvaguardar por razões históricas, patrióticas, científicas, institucionais, culturais ou outras
atendíveis.”
Como lugar paralelo no Direito societário, cf. o art. 10.º, 5 CSC:
“5 - Da denominação das sociedades não podem fazer parte:
a) Expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica da
sociedade, designadamente expressões correntemente usadas na designação de
organismos públicos ou de pessoas colectivas sem finalidade lucrativa;
b) Expressões proibidas por lei ou ofensivas da moral ou dos bons costumes.”

21. Transmissão da firma


A firma pode ser transmitida (embora de modo não perfeito):
a) Inter vivos – Podendo ter um elevado valor económico, a firma pode ser objecto
autónomo de negócio jurídico. Vale a regra, porém, de que deverá ser transmitida em
simultâneo com o estabelecimento comercial do transmitente da firma, nos termos do art. 44.º,
1 RNPC:
“O adquirente, por qualquer título entre vivos, de um estabelecimento comercial
pode aditar à sua própria firma a menção de haver sucedido na firma do anterior titular do
estabelecimento, se esse titular o autorizar, por escrito.”
Exige-se, porém, a autorização por escrito e a menção à sucessão (cf. tb. o art. 38.º,
2 RNPC).
b) Mortis causa - Assim nos termos do art. 44.º, 3 RNPC:
“No caso de aquisição, por herança ou legado, de um estabelecimento comercial,
o adquirente pode aditar à sua própria a firma do anterior titular do estabelecimento, com
a menção de nela haver sucedido.”

22. Tutela da firma


Entre outros elementos destinadas à protecção da firma, valem os seguintes
aspectos:
a) As firmas que violem o regime legalmente previsto relativo à respectiva
composição podem ser sujeitas a declaração de nulidade, anulação ou revogação, ou ser
perdido o direito ao respectivo uso. Cf. o disposto no art. 35.º, 4 RNPC:

40
“O disposto nos n.os 1 e 2 não prejudica a possibilidade de declaração de
nulidade, anulação ou revogação do direito à exclusividade por sentença judicial ou a
declaração da sua perda nos termos dos artigos 60.º e 61.”
b) O uso ilegal de firma ou denominação permite o recurso a acções inibitórias e
indemnizatórias, nos termos do art. 62.º RNPC:
“O uso ilegal de uma firma ou denominação confere aos interessados o direito de
exigir a sua proibição, bem como a indemnização pelos danos daí emergentes, sem
prejuízo da correspondente acção criminal, se a ela houver lugar.”
Para outros aspectos de tutela (firmas não registadas em absoluto ou não registadas em
Portugal, cf. COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, 6.1.6).

23. Extinção de firma


A firma extingue-se com a morte do comerciante (mesmo que se transmita o
estabelecimento comercial, caso em que se incorpora numa outra firma com a menção de
“herdeiro” ou “sucessor”), assim como quando seja “transmitida” juntamente com o
estabelecimento comercial do comerciante titular da firma.
Uma causa específica de extinção, oficiosamente ou a requerimento de interessado,
é o seu não uso há pelo menos dois anos consecutivos (61.º, 1, b) RNPC).

41
4.2. O registo comercial (breves
notas).
4.3. A escrituração mercantil (breves notas).
4.4. O balanço e a prestação de contas (breves notas).

24. Escrituração mercantil


Nos termos do art. 18.º CCom, já antes referido, os comerciantes estão também
obrigados:
(…)
2.° A ter escrituração mercantil;
3.° A fazer inscrever no registo comercial os actos a ele sujeitos;
4.° A dar balanço, e a prestar contas.
Veremos sucessivamente cada um dos aspectos.
Por escrituração mercantil entende-se o “registo ordenado e sistemático em livros
e documentos de factos … relativos à actividade mercantil dos comerciantes, tendo em
vista a informação deles e de outros sujeitos.” (COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, Cap. II,
6.2). O termo escrituração significa etimologicamente justamente acto de escrever, de registar.
A escrituração mercantil engloba assim, não apenas a contabilidade, como também o registo
de outros elementos: “(…) a documentação de correspondência expedida pelo
comerciante e as actas de reuniões de órgãos (plurais, em regra) da sociedade e outras
entidades colectivas.” (cit.).
O dever de organização da escrituração pode justificar-se por duas ordens de
razões diferentes: por razões de Direito Público, nomeadamente de Direito Tributário; por
razões de Direito Privado.
Este ponto tem um certo paralelo com o próprio desenvolvimento da contabilidade, um
dos elementos integrantes da escrituração mercantil. Identificam-se duas tradições: na Europa
Continental prevalece uma contabilidade muito influenciada pela fiscalidade, ou seja, sendo
realizada essencialmente para efeito de posterior aplicação do regime de Direito Tributário; já nos
países de Common Law a influência da fiscalidade sobre a contabilidade é reduzida, estando a
contabilidade mais dirigida a espelhar o valor efectivo das empresas (J OÃO RODRIGUES, SNC
explicado6 (2016), p. 10.

a) Obrigações emergentes de disposições de Direito Público


No Código Comercial não se regulam aquelas primeiras obrigações de Direito
Público (uma vez que respeitam à relação vertical entre o comerciante e o Estado, por um

42
lado, e não à relação horizontal das relações entre comerciantes; e porque, nos seus
pressupostos, também se aplicam uniformemente a diferentes categorias de comerciantes).
Como é sabido, o actual Direito Tributário serve-se da categoria da relação jurídica
tributária para enquadrar a relação entre o contribuinte e o Estado (Lei Geral Tributária).
À obrigação principal, que é a obrigação de pagar imposto (31.º, 1 LGT: “Constitui obrigação
principal do sujeito passivo efectuar o pagamento da dívida tributária.”), acresce um amplo
conjunto de obrigações acessórias. Encontram-se especialmente previstas nos diferentes
diplomas relativos a cada categoria de imposto. Vejamos dois exemplos, relativos aos
impostos que mais incidem sobre a vida empresarial: o CIRC e o CIVA.
Quanto ao CIRC, o elenco das obrigações acessórias encontra-se previsto nos
artigos 117.º e ss.; quanto ao CIVA, nos arts. 29.º e ss. Vejamos sucessivamente tais
normas:

CIRC CIVA
Artigo 117.º Obrigações Artigo 29.º Obrigações em geral.
declarativas
Artigo 30.º Representante fiscal.
Artigo 118.º Declaração de
Artigo 31.º Declaração de início de
inscrição, de alterações ou de cessação
actividade.
Artigo 119.º Declaração verbal de
Artigo 32.º Declaração de
inscrição, de alterações ou de cessação
alterações.
Artigo 120.º Declaração periódica
Artigo 33.º Declaração de
de rendimentos
cessação de actividade.
Artigo 121.º Declaração anual de
Artigo 34.º Conceito de cessação de
informação contabilística e fiscal
actividade.
Artigo 121.º-A Informação
Artigo 35.º Apresentação das
financeira e fiscal de grupos multinacionais
declarações.
Artigo 121.º-B Requisitos gerais de
Artigo 35.º-A Delimitação de
relato
competências em matéria de faturação.
Artigo 122.º Declaração de
Artigo 36.º Prazo de emissão e
substituição
formalidades das facturas.
Artigo 123.º Obrigações
Artigo 37.º Repercussão do imposto.
contabilísticas das empresas
Artigo 38.º Facturação de mercadorias
Artigo 124.º Regime simplificado
enviadas à consignação.
de escrituração
Artigo 39.º Facturas emitidas por
Artigo 125.º Faturação e arquivo
retalhistas e prestadores de serviços.
Artigo 40.º Faturas simplificadas.

43
Artigo 126.º Representação de Artigo 41.º Prazo de entrega das
entidades não residentes declarações periódicas.
Artigo 42.º Conceito de volume de
negócios.
Artigo 43.º (revogado pelo art.º 199.º da
Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
Artigo 44.º Requisitos da contabilidade.
Artigo 45.º Registo das operações em
caso de emissão de facturas.
Artigo 46.º Registo das operações em
caso de não emissão de facturas.
Artigo 47.º Registo das transmissões de
bens efectuadas por retalhistas.
Artigo 48.º Registo das operações
efectuadas ao sujeito passivo.
Artigo 49.º Apuramento da base
tributável nas facturas com imposto incluído.
Artigo 50.º Livros de registo.
Artigo 51.º-A Obrigação de
conservação de registos pelas interfaces
eletrónicas.
Artigo 51.º Registo dos bens de
investimento.
Artigo 52.º Prazo de arquivo e
conservação de livros, registos e documentos
de suporte.

Deste vasto elenco de obrigações acessórias, algumas têm natureza nitidamente


“escriturística”: é o caso, por ex., das obrigações previstas nos artigos 123.º a 125.º CIRC.
Vejamos a título de exemplo o art. 123.º CIRC:

“1. As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as


empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade
comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português,
bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direcção efectiva naquele

44
território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade
organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º,
permita o controlo do lucro tributável.
2. Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:
a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos,
datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;
b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras,
devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.
3 . Não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados
do último dia do mês a que as operações respeitam.”

A razão pela qual impende um tão significativo de obrigações sobre – desde logo
– comerciantes está em que, presentemente, são os principais responsáveis pelo sistema
de liquidação e de cobrança da generalidade dos impostos (pense-se, por ex., na retenção
na fonte de IRS). A administração tributária, por conseguinte, transfere para os sujeitos
privados a actividade – e o custo correspondente, de modo que se trata de um verdadeiro
outsourcing por via normativa (externalização do custo) – de liquidação de impostos, bem
como de conservação de todos os registos necessários a que a administração tributária,
num segundo nível, possa controlar os custos correspondentes. CASALTA NABAIS sustenta
mesmo ser este, na actualidade, o principal papel desempenhado pelas empresas ao nível
fiscal (DFE2, 29).
Este pequeno excurso serve, por isso, de importante advertência: algumas das
principais obrigações que impendem sobre comerciantes podem não resultar sequer do
Código Comercial, mas de outras fontes de regulação. Ou, visto sob um outro prisma,
poder-se-á chamar a atenção que ao lado de um Direito Comercial privado há também um
Direito Comercial público. Que estes pontos não fossem referidos no Código Comercial de
1888 é facilmente compreensível – basta ver que, ao tempo, um importantíssimo imposto
como o IVA, que impõe o registo de tendencialmente todas as transacções de bens e
serviços (uma vez que se aplica ao valor acrescentado resultante da diferença entre o valor
suportado e cobrado), pura e simplesmente não tinha sido inventado no séc. XIX.

b) Obrigações emergentes de disposições de Direito Privado (=


Código Comercial) – relações entre comerciantes
Mas quando o art. 18.º, 2.º CCom prescreve o dever de organizar a escrituração, fá-
lo tendo em vista sobretudo as relações entre comerciantes; e essa obrigação concretiza-
se nos art. 29.º e ss. CCom (art. 29.º: “Todo o comerciante é obrigado a ter escrituração
mercantil efectuada de acordo com a lei.”). Vimos já, no princípio do presente curso (n.º
1), que um dos valores centrais do comércio é a protecção do crédito e a segurança nas transacções.

45
Ora, o registo das operações comerciais realizadas constitui justamente um dos meios
historicamente encontrados pelos comerciantes para reduzir a incerteza e a dúvida a
respeito das respectivas transacções recíprocas – e um meio de facilitação do próprio
comércio. Se cada um está adstrito a registar as suas transacções, então as interacções
poderão decorrer de modo mais célere e expedito.
A obrigação de escrituração incide sobre os seguintes aspectos:
a) Como princípio geral, vale a liberdade no modo de organização da escrituração,
salvas as restrições constantes da lei (art. 30.º). A escrituração pode ser feita pelo próprio
comerciante ou por recurso a terceiro (art. 38.º).
Da versão inicial até ao DL 76-A/2006, de 29/3, a lei previa quatro livros mercantis:
inventário e balanços; diário; razão; copiador.
b) Obrigações contabilísticas: não se prevê, por força, do princípio regras
específicas de escrituração. Mas é de notar que se trata de um domínio sujeito a um amplo
conjunto de regras técnicas. A circunstância de, para efeitos tributários, se impor a
contabilidade “organizada nos termos da lei” (v., sp., 123.º CIRC), conduz a que as
referidas regras sejam também observadas para a escrituração mercantil (de resto, a
escrituração usada para efeitos tributários pode ser a mesma usada para a escrituração
mercantil). Acresce que as entidades constantes do art. 3.º, 1 do DL 158/2009, de 13/7 –
nem todas comerciantes -, estão obrigadas a adoptar o SNC (“Sistema de Normalização
Contabilística”).
c) Obrigação de arquivar a correspondência mercantil (art. 40.º CCom):
“1. Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e
recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar
tudo pelo período de 10 anos.
2. Os documentos referidos no número anterior podem ser arquivados com
recurso a meios electrónicos.”
No caso de extinção de sociedade comercial, cf. o art. 157.º, 4 CCom.
d) No caso das sociedades comerciais, a obrigação de possuir livros para actas (31.º,
1 CCom), compostos nos termos do art. 31.º, 2 CCom. Os livros para este efeito servem
para registar o teor das deliberações sociais e da discussão que as precedeu. Tal resulta do
art. 37.º CCom:
“Os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem
as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada
uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência
à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e
tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela
mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.”
Quanto ao modo de redacção de se lavrar a acta, cf. o art. 39.º CCom:

46
“1. Sem prejuízo da utilização de livros de actas em suporte electrónico, as actas
devem ser lavradas sem intervalos em branco, entrelinhas ou rasuras.
2. No caso de erro, omissão ou rasura deve tal facto ser ressalvado antes da
assinatura.”

c) Protecção da escrituração mercantil


Resulta do art. 41.º, nos seus termos nominais, o seguinte:
“A exibição judicial dos livros de escrituração mercantil, e dos documentos a ela
relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão
universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.”
Limitava-se, portanto, o acesso aos livros de escrituração mercantil, uma vez que
neles se contém, em princípio, o essencial da actividade do comerciante: e o segredo é a alma
do negócio. Contudo, é amplíssimo o elenco de excepções:
a) Nos termos do art. 41.º CCom, “as autoridades administrativas ou judiciárias, ao
analisarem se o comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil,
devem respeitar as suas opções, realizadas nos termos do artigo 30º.” Trata-se ainda,
porém, de um regime que respeita ainda apenas à regularidade da forma de organização da
escrituração, não ao seu teor concreto;

b) Pode exigir-se a exibição por inteiro nos termos do art. 42.º CCom: “A exibição
judicial dos livros de escrituração mercantil, e dos documentos a ela relativos, só pode ser
ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou
sociedade e no caso de insolvência.”
Daqui decorre:
i) Que só os interessados podem exigir a exibição;
ii) Que ela só é admitida nos casos de sucessão universal (morte);
comunhão (divórcio ou morte de um dos cônjuges, que implique a partilha
dos bens comuns), sociedade (dissolução de sociedade; saída de sócio) ou
insolvência.

c) Pode exigir-se a exibição limitada nos termos do art. 43.º CCom:


“1 - Fora dos casos previstos no artigo anterior, só pode proceder-se a exame da
escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte, ou oficiosamente,
quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em
que tal apresentação for exigida.

47
2 - O exame da escrituração e dos documentos do comerciante ocorre no
domicílio profissional ou na sede deste, em sua presença, e é limitado à averiguação e
extracção dos elementos que tenham relação com a questão.”

Mas fora do Código Comercial são múltiplas as previsões que permitem o acesso
à escrituração comercial da empresa. De entre várias (cf. COUTINHO DE ABREU, CDC, I12,
Cap. II, 6.3), destaca-se novamente, e em primeira linha, a possibilidade de lhe aceder no
âmbito do Direito Tributário. Além das disposições constantes dos diferentes Códigos
Tributários, sublinhe-se ainda o enorme potencial de descoberta da escrituração mercantil
por força do regime de Inspecção Tributária e Aduaneira (cf. Regime Complementar do Procedimento
de Inspeção Tributária e Aduaneira).

d) Força probatória
À devida organização da escrituração mercantil está associado um valor probatório
específico, nos termos do art. 44.º CCom:
“Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos em juízo a fazer prova
entre comerciantes, em factos do seu comércio, nos termos seguintes:
1.° Os assentos lançados nos livros de comércio, ainda quando não regularmente
arrumados, provam contra os comerciantes, cujos são; mas os litigantes, que tais assentos
quiserem ajudar-se, devem aceitar igualmente os que lhes forem prejudiciais;
2.° Os assentos lançados em livros de comércio, regularmente arrumados, fazem
prova em favor dos seus respectivos proprietários, não apresentando o outro litigante
assentos opostos em livros arrumados nos mesmos termos ou prova em contrário;
3.° Quando da combinação dos livros mercantis de um e de outro litigante,
regularmente arrumados, resultar prova contraditória, o tribunal decidirá a questão pelo
merecimento de quaisquer provas do processo;
4.° Se entre os assentos dos livros de um e de outro comerciante houver
discrepância, achando-se os de um regularmente arrumados e os do outro não, aqueles
farão fé contra estes, salva a demonstração do contrário por meio de outras provas em
direito admissíveis.
§ Único. Se um comerciante não tiver livros de escrituração, ou recusar apresentá-
los, farão fé contra ele os do outro litigante, devidamente arrumados, excepto sendo a
falta dos livros devida a caso de força maior, e ficando sempre salva a prova contra os
assentos exibidos pelos meios admissíveis em juízo.”

25. Registo comercial

Seguindo elenco do art. 18.º CCom, já antes referido, os comerciantes estão


também obrigados a

48
(…) 3.° A fazer inscrever no registo comercial os actos a ele sujeitos (…).
O registo comercial encontra-se previsto no Código de Registo Comercial. Nos
termos do respectivo art. 1.º, 1:
“O registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos
comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma
comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em
vista a segurança do comércio jurídico.”

a) Factos sujeitos a registo


O CRC identifica quais os factos sujeitos a registo. Contraporemos os factos
relativos a comerciante individual aos factos relativos a sociedades comerciais ou
sociedades civis sob forma comercial28.

Comerciante individual: art. 2.º Sociedade comercial ou Sociedade sob


forma comercial
Estão sujeitos a registo os seguintes factos 1 - Estão sujeitos a registo os seguintes factos
relativos a comerciantes individuais: relativos às sociedades comerciais e
a) O início, alteração e cessação da actividade sociedades civis sob forma comercial:
do comerciante individual; a) A constituição;
b) As modificações do seu estado civil e b) A deliberação da assembleia geral, nos
regime de bens; casos em que a lei a exige, para aquisição de
c) A mudança de estabelecimento principal. bens pela sociedade;
c) A unificação, divisão e transmissão de
quotas de sociedades por quotas, bem como
de partes sociais de sócios comanditários de
sociedades em comandita simples;
d) A promessa de alienação ou de oneração
de partes de capital de sociedades em nome
colectivo e de sociedades em comandita
simples e de quotas de sociedades por quotas,
bem como os pactos de preferência, se tiver
sido convencionado atribuir-lhes eficácia real,
e a obrigação de preferência a que, em
disposição de última vontade, o testador
tenha atribuído igual eficácia;
e) A transmissão de partes sociais de
sociedades em nome colectivo, de partes
sociais de sócios comanditados de sociedades
em comandita simples, a constituição de
direitos reais de gozo ou de garantia sobre
elas e a sua transmissão, modificação e

Também são levados a registo comercial factos relativos a cooperativas, empresas públicas, ACE,
28

AEIE, EIRL.

49
extinção, bem como a penhora dos direitos
aos lucros e à quota de liquidação;
f) A constituição e a transmissão de usufruto,
o penhor, o arresto, o arrolamento, a penhora
e a apreensão em processo penal de quotas
ou direitos sobre elas e ainda quaisquer
outros atos ou providências que afetem a sua
livre disposição;
g) A exoneração e exclusão de sócios de
sociedades em nome colectivo e de
sociedades em comandita, bem como a
extinção de parte social por falecimento do
sócio e a admissão de novos sócios de
responsabilidade ilimitada;
h) (Revogada.)
i) A amortização de quotas e a exclusão e
exoneração de sócios de sociedades por
quotas;
j) A deliberação de amortização, conversão e
remissão de acções;
l) A emissão de obrigações, quando realizada
através de oferta particular, excepto se tiver
ocorrido, dentro do prazo para requerer o
registo, a admissão das mesmas à negociação
em mercado regulamentado de valores
mobiliários;
m) A designação e cessação de funções, por
qualquer causa que não seja o decurso do
tempo, dos membros dos órgãos de
administração e de fiscalização das
sociedades, bem como do secretário da
sociedade;
n) A prestação de contas das sociedades
anónimas, por quotas e em comandita por
acções, bem como das sociedades em nome
colectivo e em comandita simples quando
houver lugar a depósito, e de contas
consolidadas de sociedades obrigadas a
prestá-las;
o) A mudança da sede da sociedade e a
transferência de sede para o estrangeiro;
p) O projecto de fusão interna ou
transfronteiriça e o projecto de cisão de
sociedades;
q) O projecto de constituição de uma
sociedade anónima europeia por meio de
fusão, o projecto de constituição de uma
sociedade anónima europeia por meio de
transformação de sociedade anónima de
direito interno e o projecto de constituição de
uma sociedade anónima europeia gestora de

50
participações sociais, bem como a verificação
das condições de que depende esta última
constituição;
r) A prorrogação, fusão interna ou
transfronteiriça, cisão, transformação e
dissolução das sociedades, bem como o
aumento, redução ou reintegração do capital
social e qualquer outra alteração ao contrato
de sociedade;
s) A designação e cessação de funções,
anterior ao encerramento da liquidação, dos
liquidatários das sociedades, bem como os
actos de modificação dos poderes legais ou
contratuais dos liquidatários;
t) O encerramento da liquidação ou o
regresso à actividade da sociedade;
u) A deliberação de manutenção do domínio
total de uma sociedade por outra, em relação
de grupo, bem como o termo dessa situação;
v) O contrato de subordinação, suas
modificações e seu termo;
x) (Revogada.)
z) A emissão de warrants sobre valores
mobiliários próprios, quando realizada através
de oferta particular por entidade que não
tenha valores mobiliários admitidos à
negociação em mercado regulamentado
nacional, excepto se tiver ocorrido, dentro do
prazo para requerer o registo, a admissão dos
mesmos à negociação em mercado
regulamentado de valores mobiliários.

É evidente a quase irrelevância do comerciante em nome individual no contraste


com as sociedades comerciais.

51
Além destes factos, devem ser levados a registo as acções e decisões constantes
do art. 9.º CRC29 e os factos, residuais, constantes do art. 10.º CRC30. Dos vários factos
sujeitos a registo, são obrigatórios os referidos no art. 15.º CRC: “

29 “Estão sujeitas a registo:


a) As acções de interdição do comerciante individual e de levantamento desta;
b) As acções que tenham como fim, principal ou acessório, declarar, fazer reconhecer, constituir,
modificar ou extinguir qualquer dos direitos referidos nos artigos 3.º a 8.º;
c) As acções de declaração de nulidade ou anulação dos contratos de sociedade, de agrupamento
complementar de empresas e de agrupamento europeu de interesse económico registados;
d) As acções de declaração de nulidade ou anulação dos actos de constituição de cooperativas e de
estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada;
e) As acções de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais, bem como os
procedimentos cautelares de suspensão destas;
f) As acções de reforma, declaração de nulidade ou anulação de um registo ou do seu cancelamento;
g) As providências cautelares não especificadas requeridas com referência às mencionadas nas alíneas
anteriores;
h) As decisões finais, com trânsito em julgado, proferidas nas acções e procedimentos cautelares
referidos nas alíneas anteriores;
i) As sentenças de declaração de insolvência de comerciantes individuais, de sociedades comerciais, de
sociedades civis sob forma comercial, de cooperativas, de agrupamentos complementares de empresas, de
agrupamentos europeus de interesse económico e de estabelecimentos individuais de responsabilidade
limitada, e as de indeferimento do respectivo pedido, nos casos de designação prévia de administrador
judicial provisório, bem como o trânsito em julgado das referidas sentenças;
j) As sentenças, com trânsito em julgado, de inabilitação e de inibição de comerciantes individuais para
o exercício do comércio e de determinados cargos, bem como as decisões de nomeação e de destituição do
curador do inabilitado;
l) Os despachos de nomeação e de destituição do administrador judicial e do administrador judicial
provisório da insolvência, de atribuição ao devedor da administração da massa insolvente, assim como de
proibição da prática de certos actos sem o consentimento do administrador da insolvência e os despachos
que ponham termo a essa administração;
m) Os despachos, com trânsito em julgado, de exoneração do passivo restante de comerciantes
individuais, assim como os despachos inicial e de cessação antecipada do respectivo procedimento e de
revogação dessa exoneração;
n) As decisões judiciais de encerramento do processo de insolvência;
o) As decisões judiciais de confirmação do fim do período de fiscalização incidente sobre a execução
de plano de insolvência.”
30 “Estão ainda sujeitos a registo:
a) O mandato comercial escrito, suas alterações e extinção;
b) (Revogada.)
c) A criação, a alteração e o encerramento de representações permanentes de sociedades, cooperativas,
agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de interesse económico com sede
em Portugal ou no estrangeiro, bem como a designação, poderes e cessação de funções dos respectivos
representantes;

52
“O registo dos factos referidos nas alíneas a) a c) e e) a z) do n.º 1 e no n.º 2 do
artigo 3.º, no artigo 4.º, nas alíneas a), e) e f) do artigo 5.º, nos artigos 6.º, 7.º e 8.º e nas
alíneas c) e d) do artigo 10.º é obrigatório.”

Os factos relativos a comerciantes individuais estão, portanto, sujeitos a registo


facultativo.

b) Carácter público
O registo tem carácter público, conforme decorre do art. 73.º CRC (cf. a respectiva
epígrafe: “Carácter público do registo.”
Por isso nos termos do respectivo n.º 1 se prescreve:
“Qualquer pessoa pode pedir certidões dos actos de registo e dos documentos
arquivados, bem como obter informações verbais ou escritas sobre o conteúdo de uns e
outros.”

c) Efeito do registo
O valor do registo é fixado pelos artigos 11.º a 14.º CRC:
a) Presunção do registo (art. 11.º):
“O registo por transcrição definitivo31 constitui presunção de que existe a
situação jurídica, nos precisos termos em que é definida.”

A presunção decorrente do registo é ilidível (350.º CCiv).

b) Prioridade do registo (art. 12.º):


“O facto registado em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem,
relativamente às mesmas quotas ou partes sociais, segundo a ordem do respectivo pedido.”

c) Eficácia entre as partes (art. 13.º)

d) A prestação de contas das sociedades com sede no estrangeiro e representação permanente em


Portugal;
e) O contrato de agência ou representação comercial, quando celebrado por escrito, suas alterações e
extinção;
f) (Revogada.)
g) Quaisquer outros factos que a lei declare sujeitos a registo comercial.”
31 Quanto às modalidades do registo, cf. o art. 53.º-A CRC.

53
“1 - Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados
entre as próprias partes ou seus herdeiros.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os actos constitutivos das
sociedades e respectivas alterações, a que se aplica o disposto no Código das Sociedades
Comerciais e na legislação aplicável às sociedades anónimas europeias.”

d) Oponibilidade a terceiros (art. 14.º):


“1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da
data do respectivo registo.
2 - Os factos sujeitos a registo e publicação obrigatória nos termos do n.º 2 do
artigo 70.º só produzem efeitos contra terceiros depois da data da publicação.
3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus
representantes legais, a quem incumbe a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros
destes.
4 - O disposto no presente artigo não prejudica o estabelecido no Código das
Sociedades Comerciais e na legislação aplicável às sociedades anónimas europeias.”

26. Obrigação de prestação de contas


Finalmente, é obrigação dos comerciantes, nos termos do art. 18.º CCom:
(…)
4.° A dar balanço, e a prestar contas.

Esta obrigação é concretizada no art. 62.º CCom: “Todo o comerciante é obrigado


a dar balanço anual ao seu activo e passivo nos três primeiros meses do ano imediato.” O
balanço é um documento contabilístico no qual se compara o activo com o passivo,
permitindo assim concluir qual o valor da situação líquida do comerciante.
Caso a entidade em causa esteja sujeita ao SNC, está ainda obrigada a apresentar
outros documentos, nos termos do art. 11.º, 1 DL 158/2009, de 13/7:
“As entidades sujeitas ao SNC são obrigadas a apresentar as seguintes
demonstrações financeiras:
a) Balanço;
b) Demonstração dos resultados por naturezas;
c) Demonstração das alterações no capital próprio;
d) Demonstração dos fluxos de caixa pelo método directo;
e) Anexo.”

54
Estão dispensados da apresentação destas demonstrações – cuja elaboração pode
representar uma fonte de custo adequado – as entidades previstas no art. 10.º do mesmo
diploma: “Ficam dispensadas do previsto no artigo 3.º [âmbito de aplicação do regime] as
pessoas que, exercendo a título individual qualquer actividade comercial, industrial ou
agrícola, não realizem na média dos últimos três anos um volume de negócios superior a
(euro) 150 000.” Também no Direito Tributário se prevêem regimes simplificados de
tributação para entidades de menor dimensão económica.

- Responsabilidade por dívidas comerciais contraídas por cônjuge comerciante –

27. Responsabilidade por dívidas comerciais contraídas por cônjuge


comerciante
a) Previsão da responsabilidade
Vimos já de passagem, no n.º 17, que um dos efeitos associados à qualificação
como comerciante é, nos termos do art. 15.º CCom, a presunção de que a dívida foi
contraída no exercício do comércio (“As dívidas comerciais do cônjuge comerciante
presumem-se contraídas no exercício do seu comércio.”).
O relevo da norma compreende-se mediante a articulação com o regime previsto
no Código Civil para a responsabilidade pelas dívidas dos cônjuges. O casamento, com
efeito, prevê, não só efeitos de ordem pessoal (cf., nomeadamente, o art. 1672.º CCiv: “Os
cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade,
coabitação, cooperação e assistência.”), como efeitos de ordem patrimonial: quer relativos
ao regime das dívidas dos cônjuges, quer relativos à repartição dos bens da família entre
si.
Se algumas normas são de natureza imperativa, outras podem ser modificadas por
vontade dos cônjuges. Assim, poderão afastar-se do regime geral de comunhão de adquiridos,
que opera como o regime supletivo (1717.º CCiv; regulado nos arts. 1721.º e ss.) e optar
pela comunhão geral de bens (1732.º e ss. CCiv) ou pela separação de bens (1735.º e ss. CCiv). Ou
poderão, ainda, escolher um outro regime, modelado por si, dentro dos limites da lei
(1698.º e 1699.º CCiv). No caso de comunhão de bens, uma parte dos bens do casal – mais
restrita na comunhão de adquiridos, mais ampla na comunhão geral de bens – pertence em
comunhão a ambos os cônjuges.
A disposição do Código Comercial articula-se com uma regra específica prevista para
as hipóteses em que se aplique o regime de comunhão de bens. Prevê com efeito o art.
1691.º, 1, d) CCiv:
“São da responsabilidade de ambos os cônjuges: (…) d) As dívidas contraídas por
qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram

55
contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de
separação de bens.”
Desta norma do CCiv – considerada isoladamente – decorre, pois, que se o credor
provar que a dívida do seu devedor foi no exercício do comércio (“salvo quando se prove
que não foram contraídas em proveito comum do casal” – o que será de grande
dificuldade, dado que os proventos do comércio aproveitam ao casal), por ela respondem:
não só o devedor, como também o cônjuge. Mas na dúvida acerca do exercício do
comércio, o tribunal deverá decidir contra o credor.
Mas se o cônjuge que contraiu a dívida for comerciante, presume-se, nos termos do
art. 15.º CCom, que a dívida foi contraída no exercício do comércio. Neste caso, basta ao
credor provar que a dívida foi contraída (i) por um comerciante, e que (ii) é comercial (o
que não será difícil, atenta a categoria dos actos subjectivamente comerciais), o que facilita
significativamente a sua actividade probatória do credor. Serão os cônjuges a ter de
demonstrar, se quiserem obstar à aplicação deste regime, que deverão convencer o tribunal
de que a dívida não foi contraída no exercício do comércio.
Em síntese: se um dos cônjuges for comerciante, em princípio pelas suas dívidas
responde o património de ambos os cônjuges.

b) Regime de responsabilidade
Sendo a dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, tal implica, nos termos
do art. 1695.º, 1:
“Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os
bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios
de qualquer dos cônjuges.”

56
Secção 3 – Dos meios para o exercício do comércio

5. Sinais distintivos do comércio enquanto ferramentas facultativas do


comerciante: logótipo; marcas; denominação de origem e indicação geográfica

28. Sinais distintivos do comércio


Depois de estudarmos os actos comerciais e o estatuto de comerciantes, passamos
a analisar alguns meios que a lei disponibiliza para o exercício do comércio. Iniciaremos
assim o tema dos sinais distintivos do comércio (embora possam também ser usados por não
comerciantes), isto é, certos sinais (símbolos) que podem ser utilizados pelo comerciante no
exercício da sua actividade e que são protegidos pelo Direito. Veremos o logótipo, a marca e
a denominação de origem e indicação geográfica32. Note-se que estes sinais podem constituir o bem
mais precioso do comerciante: pense-se, por exemplo, no valor de uma marca desportiva.
Este domínio temático integra o chamado Direito industrial ou da propriedade industrial,
estando regulado no Código da Propriedade Industrial (DL 110/2018, de 10/12, que entrou
em vigor a 1/7/2019).

30. Logótipo. Noção


A figura do logótipo encontra-se regulada nos art. 281.º e ss. do CPI. É um signo (um
conjunto de sinais) que se destina a distinguir uma certa entidade que preste serviços ao
mercado. O art. 281.º CPI tem a seguinte redacção:
“1. O logótipo pode ser constituído por um sinal ou conjunto de sinais
susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente por elementos nominativos,
figurativos ou por uma combinação de ambos, ou por um sinal ou conjunto de sinais que
possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o
objecto da protecção conferida ao seu titular.
2. O logótipo deve ser adequado a distinguir uma entidade que preste serviços ou
comercialize produtos, podendo ser utilizado, nomeadamente, em estabelecimentos,
anúncios, impressos ou correspondência.”
Destina-se, pois, a identificar sujeitos e estabelecimentos. Um mesmo sujeito pode
ter uma pluralidade de logótipos (283.º, 2 CPI).
Os logótipos podem ser:
a) Nominativos, quando compostos por nomes ou palavras;
Firma Logótipo

A firma (e denominação) são também sinais distintivos, protegidos pelo Direito, da actividade comercial.
32

Note, ao longo da exposição, como o regime vigente é análogo ao vigente para as firmas.

57
Grupo Jerónimo Martins SGPS, SA

Sonae SGPS, S.A.

b) Figurativas, quando compostos por figuras;


Metro do Porto, S.A.

c) Mistos, quando incluem ambos os elementos.


Galp Energia SGPS, S.A.

Corticeira Amorim SGPS, S.A.

Outros sinais (combinações de letras, de números, de cores, de sons, de


formas,…) podem também ser utilizados.

31. Cont. – Princípios


O regime de composição dos logótipos está sujeito aos seguintes princípios:
a) Princípio da capacidade distintiva (281.º, 2; 288.º, 1, b) e c) CPI). Excluem-se,
por conseguinte, elementos que sejam apenas do uso comum;
b) Princípio da verdade. Não tendo o logótipo de conter elementos relativos à
actividade do sujeito ou do estabelecimento de que serve como sinal distintivo. Se tiver,
tais elementos devem ser verdadeiros, não podendo induzir os destinatários do logótipo
em erro (288.º, 3, d); cf. tb. o art. 288.º, 5, a) e b) e 289.º, 1, g) CPI);

58
c) Princípio da novidade. O logótipo deve distinguir-se de qualquer outro sinal já
existente (art. 289.º, 1, a) e b) CPI). O critério de diferenciação é a de um destinatário comum
que confronte os dois logótipos em comparação. A novidade só é exigida caso as actividades
sejam concorrentes (a não ser havendo consentimento: 236.º, ex vi 290.º CPI),
No caso de logótipo de prestígio, ainda que a actividade do sujeito que elabora o
novo logótipo não seja concorrente, exige-se que o novo logótipo respeite o critério da
novidade.
d) Princípio da licitude (residual). O logótipo deve respeitar as demais regras de
composição previstas na lei: cf. o art. 288.º e 289.º.

32. Cont. – Conteúdo e extensão do direito; transmissão e extinção


a) Constituição. – O direito sobre o logótipo constitui-se mediante registo no INPI
(Instituto Nacional de Propriedade Industrial), durando o registo por dez anos, renováveis
por iguais períodos (291.º CPI). O seu titular poderá identifica-lo para fins de se identificar,
nomeadamente, conforme resulta do art. 281.º, 2 CPI, “em estabelecimentos, anúncios,
impressos ou correspondência”.

b) Tutela jurídica. – O titular do direito ao logótipo passa a gozar da possibilidade


de o utilizar em exclusivo. Nos termos do art. 293.º CPI:
“O registo do logótipo confere ao seu titular o direito de impedir terceiros de
usar, sem o seu consentimento, qualquer sinal idêntico ou confundível que seja destinado
a individualizar uma actividade idêntica ou afim e possa causar um risco de confusão, ou
associação, no espírito do consumidor.”
Tal traduz-se as seguintes possibilidades:
i) Meios registais: possibilidade de reclamação contra pedido de registo de logótipo
que não respeite as regras de composição (17.º CPI), bem como de pedido de anulação do
registo já efectuado (297.º CPI);
ii) Meios processuais (civis): possibilidade de exigir que os sinais indevidamente
utilizados o deixem de ser (293.º CPI), nomeadamente a possibilidade de decretamento de
medidas inibitórias (349.º CPI). Preventivamente, pode recorrer-se a providências
cautelares (345.º e 346.º CPI).
iii) Tutela indemnizatória: ressarcimento de todos os danos gerados com a
utilização indevida do logótipo (347.º CPI);
iv) Tutela penal (323.º CPI) e contra-ordenacional (336.º CPI).

59
c) Transmissão dos logótipos – Uma vez que os logótipos se destinam a identificar
os sujeitos ou os seus estabelecimentos, a sua transmissão depende da transmissão do
estabelecimento a que indirectamente se encontram ligados (295.º CPI):
“1 - Quando seja usado num estabelecimento, os direitos emergentes do pedido de
registo ou do registo de logótipo só podem transmitir-se, a título gratuito ou oneroso, com
o estabelecimento, ou parte do estabelecimento, a que estão ligados.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 30.º, a transmissão do
estabelecimento envolve o respetivo logótipo, que pode continuar tal como está registado,
salvo se o transmitente o reservar para outro estabelecimento, presente ou futuro.”

d) O logótipo extingue-se:
i) Por nulidade (rigorosamente: não se constituir), conforme dispõe o art. 296.º CPI:
1. Para além do que se dispõe no artigo 32.º, o registo do logótipo é nulo quando,
na sua concessão, tenha sido infringido o disposto nos n.os 1 e 3 a 6 do artigo 288.º
2. É aplicável aos pedidos de declaração de nulidade, com as necessárias
adaptações, o disposto nos artigos 262.º a 266.º e no n.º 2 do artigo 288.º
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (32.º, 2 CPI),
sendo interessados os sujeitos referidos no art. 262.º, 2, a), ex vi 296.º, 2 CPI. A declaração
compete ao INPI, podendo também ser feita judicialmente no âmbito de pedido
reconvencional (34.º, 2; 266.º, ex vi 296.º, 2 CPI).
ii) Por anulabilidade, conforme dispõe o art. 297.º, 1 CPI:
1. Para além do que se dispõe no artigo 33.º, o registo é anulável quando, na sua
concessão, tenha sido infringido o disposto no artigo 289.º, excepcionando o disposto na
alínea h) do n.º 1 daquele artigo.
2. É aplicável aos pedidos de anulação, com as necessárias adaptações e com
excepção do disposto no artigo 263.º , o disposto nos artigos 262.º a 266.º
O pedido de anulação pelos interessados pode ser formulado no prazo de cinco
anos a contar da data do despacho de concessão do registo de logótipo (34.º, 7 CPI). São
competentes as mesmas entidades antes referidas.
iii) Por caducidade, nos termos dos art. 36.º e 298.º, 1 CPI.
O art. 36.º, 1 CPI dispõe:
Os direitos de propriedade industrial caducam independentemente da sua
invocação:
a) Quando tiver expirado o seu prazo de duração;
b) Por falta de pagamento de taxas.
O art. 289.º, 1 CPI, dispõe:

60
Para além do que se dispõe no artigo 36.º, o registo caduca:
a) Por motivo de encerramento e liquidação do estabelecimento ou de extinção
da entidade;
b) Por falta de uso do logótipo durante cinco anos consecutivos, salvo justo
motivo.
iv) Por renúncia do seu titular, nos termos do art. 37.º CPI:
O titular pode renunciar aos seus direitos de propriedade industrial, desde que o
declare expressamente ao INPI, I. P.

61
33. Marcas. Noção33
Se os logótipos se destinam aos sujeitos ou ao seu estabelecimento, a marca destina-
se à identificação de produtos. É uma figura que tem origem nas corporações medievais.
Estão reguladas nos art. 208.º e ss. CPI.
As marcas podem ser objecto de várias classificações:
a) No que respeita à natureza da actividade a que se encontram ligadas, pode
distinguir-se entre vários grupos, nos termos do art. 211.º CPI:
O direito ao registo da marca cabe a quem nisso tenha legítimo interesse,
designadamente:
a) Aos industriais ou fabricantes, para assinalar os produtos do seu fabrico;
[marcas de indústria, resultantes do sector transformador e extractivo]
b) Aos comerciantes, para assinalar os produtos do seu comércio; [marcas
comerciais: grossistas e retalhistas]
c) Aos agricultores e produtores, para assinalar os produtos da sua actividade;
[marcas de agricultura]
d) Aos criadores ou artífices, para assinalar os produtos da sua arte, ofício ou
profissão;
e) Aos que prestam serviços, para assinalar a respectiva actividade. [marcas de
serviços]
b) Quanto à composição, dispõe o art. 280.º CPI:
A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de
representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos,
letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um
sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita
determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde
que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras
empresas.

Vejamos alguns exemplos de marcas nominativa, figurativa e mistas34:

Nominativa Figurativa Mista

33 O tema das marcas é largamente desenvolvido em COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial,8,

Almedina: Coimbra, 2019.


34 Nalguns destes casos pode tratar-se também de logótipo.

62
Nike

Mercedes-Benz

Mcdonald’s

Apple

É possível haver marcas gerais (McDonald’s) e especiais (Big Mac).


Qualquer pessoa que nisso tenha interesse – não necessariamente comerciante:
pense-se numa estrela de cinema, num influencer, … - pode registar uma marca (211.º CPI).
Importante, para efeito do regime aplicável, será a distinção entre:
a) Marcas registadas (210.º, 1 CPI);
b) Marcas não registadas, de facto ou livres;
c) Marcas notórias e marcas de prestígio (registadas ou não), com regime específico
ao abrigo dos artigos 234.º e 235.º CPI, em que é impedido o registo de uma marca que se
pretenda colocar à sombra da notoriedade ou prestígio de uma outra já existente.

34. Função das marcas


Se procurarmos identificar a função das marcas, podemos dizer que é a de distinguir
de modo unívoco certos produtos, nos termos pretendidos pelo titular do direito da marca,
factor de distinção que pode ter um valor económico associado, por estar associado a
ideias, valores, desejos que sejam apreciados de modo positivo pelo destinatários desses
sinais comunicativos.

63
35. Princípios de constituição
O regime de composição das marcas está sujeito aos seguintes princípios:
a) Princípio da capacidade distintiva (208.º, 209.º, 1, a) e c) CPI). Cf. o art. 209.º,
1, c):
“1 - Não satisfazem as condições do artigo anterior: (…) c) Os sinais constituídos,
exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a
qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de
produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos.”35
Palavras de línguas que não estejam em curso (por ex., latim e grego) poderão ser
utilizadas (Nike, Ceres,…).
Para formas marcas tridimensionais vale o limite do art. 209.º, 1, b) CPI:
“Os sinais constituídos, exclusivamente, pela forma ou por outra característica
imposta pela própria natureza do produto, pela forma ou por outra característica do
produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma ou por outra
característica que confira um valor substancial ao produto.”

b) Princípio da verdade. Embora a marca nada tenha de revelar acerca do produto,


não pode conter informação “deceptiva” ou “enganosa”. É o que resulta do art. 231.º, 3,
d) CPI:
“É ainda recusado o registo de uma marca que contenha em todos ou alguns dos
seus elementos: (…) Sinais que sejam susceptíveis de induzir o público em erro,
nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica [salvo
quando a designação não seja interpretada como relativa a uma designação de origem] do
produto ou serviço a que a marca se destina.”

c) Princípio da novidade e especialidade. As marcas deverão ser novas dentro do


âmbito de especialidade dos produtos a que estão associadas (232.º, 1, a) e b) CPI):
“ Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca:
a) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou
serviços idênticos;
b) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou
serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por
outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou
confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
(…)”

35 Alguns exemplos em COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, p. 384. A admissão do registo deste tipo de

marcas seria como que uma privatização de bens públicos: outros sujeitos ficariam como que impedidos do
uso dessas palavras da linguagem corrente.

64
O critério da lei é claro: perante o destinatário da marca deve ser claro que se trata
de produtos diferenciados: dentro de produtos iguais ou afins (seja pelo que são – dois
refrigerantes diferentes –, seja pela sua origem – marca de computadores e marca de
teclados) não pode haver marcas iguais ou afins. O que o destinatário pode associar a
marca deve distinguir. Para apurar da confundibilidade é de atender, entre outros aspectos,
à notoriedade da marca.
Alguns exemplos:
i) De confusão:
Coca-Cola é imitada por: Totocola, Quincola, Piper-cola, Prima-cola, Spa-cola, Line-Cola,
Zimbacola, Refrescola, Pom-Cola, Fruscola.
Cola-Cao-Vit e Vit-A-Cau;
Fluxema e Fluidema;
Tamoil e Tamol;
Contal e Compal;
Em França:
La vache qui rit e la vache sérieuse (“A vaca que ri” e “a vaca séria”)
Infernal e Diable.

ii) De não confusão:


Cola Cao e Colacau (farinhas)
Prosumo e Frisumo.

Contudo, no caso de marcas de prestígio (que, do ponto de vista fáctico, são


genericamente valoradas de um modo positivo pelos consumidores), a protecção vale
mesmo em relação a actividades não afins (235.º CPI).

e) Princípio da licitude (residual). A marca deve respeitar os demais factores


previstos no art. 231.º CPI.

36. Constituição e âmbito espacial de tutela


O nível de protecção da marca depende de haver ou não registo. Começaremos
por ver as marcas registadas.

65
a) Constituição. É através do registo, regulado nos arts. 222.º e ss. CPI, que se
adquire o direito de propriedade sobre a marca. É o que resulta do art. 210.º CPI:
“O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca
para os produtos e serviços a que esta se destina.”

b) Âmbito espacial de tutela. O referido direito vigora para o uso em todo o


território nacional, nos termos do art. 4.º, 1 CPI:
“Os direitos conferidos por patentes, modelos de utilidade e registos abrangem
todo o território nacional.”

c) Duração. A o registo da marca dura 10 anos, nos termos do art. 247.º CPI:
“A duração do registo é de 10 anos, contados a partir da data da apresentação do
pedido, podendo ser indefinidamente renovado, total ou parcialmente, por iguais períodos.”

37. Cont. Conteúdo do direito e formas de tutela


Conteúdo do direito (249.º CPI). O direito à marca confere ao seu titular a
possibilidade de sua utilização livre e protegida pelo direito dentro do exercício de actividade
económca. Além de a poder empregar no exercício da sua actividade, pode recorrer a diversos
mecanismos de protecção:
a) Meios registais: reclamação de registo feito por outrem de marca idêntica ou
semelhante (226.º, 229.º CPI) e pedido de declaração de nulidade ou anulação do registo
de marcas (262.º CPI)
b) Meios processuais: providências cautelares (345.º CPI) e acções inibitórias (349.º
CPI);
c) Tutela indemnizatória pelos danos sofridos (347.º CPI)
d) Meios penais (320.º - “contrafacção, imitação e uso ilegal de marca” -, 321.º,
326.º CPI) e contra-ordenacionais (334.º CPI)

38. Disposição sobre a marca


O direito à marca constitui um valor económico que se pode dissociar do seu
titular. Por isso, pode ser transmitido (30.º e 31.º CPI), assim como ser permitida, mediante
licença, a sua utilização por terceiro (256.º e 258.º CPI).
a) A transmissão da marca não está dependente da transmissão da empresa a que
se encontre associada; embora se entende que, se transmitida a empresa, a marca também

66
se englobe – nada se dispondo em diferente sentido – na transmissão. É o que decorre do
art. 256.º, 2 CPI:
“A transmissão da totalidade da empresa implica a transmissão da marca, salvo
estipulação em contrário ou se das circunstâncias decorrer claramente o contrário.”
Fora deste âmbito, a transmissão da marca está sujeita a requisito específico de
forma (forma escrita), nos termos do art. 30.º, 4 CPI, produzindo efeitos em relação a
terceiros somente depois do averbamento no INPI (29.º, 1, a) e 2 CPI).
b) As licenças não transmitem a titularidade da marca, mas conferem o direito a
utilizá-la dentro dos termos fixados (31.º CPI). Em princípio engloba todas a faculdades
transmitidas ao titular do direito à marca (31.º, 4 CPI).
Tal como se verifica com a transmissão da marca, a licença está sujeita a forma
escrita (31.º, 1 CPI), produzindo efeitos em relação a terceiros somente depois do
averbamento no INPI (29.º, 1, a) e 2 CPI).

39. Extinção
O direito à marca extingue-se:
i) Por nulidade (rigorosamente: não se constituir, sem prejuízo do disposto no art.
35.º CPI), conforme dispõe o art. 259.º, 1 CPI:
1 - Para além do que se dispõe no artigo 32.º [causas gerais de nulidade], o registo
de marca é nulo quando na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nos n.os 1 e 3
a 6 do artigo 231.º [proibições absolutas de registo]
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (32.º, 2 CPI), sendo
interessados os sujeitos referidos no art. 262.º, 2, a) CPI. A declaração compete ao INPI,
podendo também ser feita judicialmente no âmbito de pedido reconvencional (34.º, 2;
262.º, 1, 4, e 266.º).
ii) Por anulabilidade, conforme dispõe o art. 260.º, 1 CPI:
“Para além do que se dispõe no artigo 33.º, o registo da marca é anulável quando,
na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nos artigos 232.º a 235.º, excecionando
o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 232.º.”
O pedido de anulação pelos interessados pode ser formulado no prazo de cinco
anos a contar da data do despacho de concessão do registo de marca (34.º, 7 CPI). São
competentes as mesmas entidades antes referidas.
iii) Por caducidade, nos termos dos art. 36.º e 268 CPI.
O art. 36.º, 1 CPI dispõe:
Os direitos de propriedade industrial caducam independentemente da sua
invocação:

67
a) Quando tiver expirado o seu prazo de duração;
b) Por falta de pagamento de taxas.
O art. 268.º, 1 a 3 CPI, dispõe:
1. Para além do que se dispõe no artigo 36.º, a caducidade do registo deve ser
declarada se a marca não tiver sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos
para os produtos ou serviços para que foi registada, salvo justo motivo e sem prejuízo do
disposto no n.º 4 e no artigo anterior.
2 - Deve ainda ser declarada a caducidade do registo se, após a data em que o
mesmo foi efectuado:
a) A marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto ou
serviço para que foi registada, como consequência da actividade, ou inactividade, do
titular;
b) A marca se tornar susceptível de induzir o público em erro, nomeadamente
acerca da natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos ou serviços, no
seguimento do uso feito pelo titular da marca, ou por terceiro com o seu consentimento,
para os produtos ou serviços para que foi registada.
3 - A caducidade do registo da marca colectiva deve ser declarada:
a) Se deixar de existir a pessoa colectiva a favor da qual foi registada;
b) Se essa pessoa colectiva consentir que a marca seja usada de modo contrário
aos seus fins gerais ou às prescrições estatutárias.”
iv) Por renúncia do seu titular, nos termos do art. 37.º CPI:
O titular pode renunciar aos seus direitos de propriedade industrial, desde que o
declare expressamente ao INPI, I. P.

40. Marcas não registadas


Gozam, por um lado, de um regime de prioridade no registo, nos termos do art.
213.º CPI (além da protecção, também em sede de registo, dos art. 231.º, 6, 259.º, 1 e 232.º,
1, h) CPI.
Regime especial, já antes apontado, têm as marcas notórias ou de prestígio.

41. Denominações de origem e indicações geográficas


São de referir, por fim, as chamadas denominações de origem e indicações geográficas:
a) Denominação de origem (299.º, 1 CPI):

68
Entende-se por denominação de origem o nome de uma região, de um local
determinado ou, em casos excepcionais, de um país que serve para designar ou identificar
um produto:
a) Originário dessa região, desse local determinado ou desse país;
b) Cuja qualidade ou características se devem, essencial ou exclusivamente, ao
meio geográfico, incluindo os factores naturais e humanos, e cuja produção,
transformação e elaboração ocorrem na área geográfica delimitada.
Ex. Vinho do Porto; Queijo da Serra da Estrela.
b) Indicação geográfica:
“Entende-se por indicação geográfica o nome de uma região, de um local
determinado ou, em casos excepcionais, de um país que serve para designar ou identificar
um produto:
a) Originário dessa região, desse local determinado ou desse país;
b) Cuja reputação, determinada qualidade ou outra característica podem ser
atribuídas a essa origem geográfica e cuja produção, transformação ou elaboração ocorrem
na área geográfica delimitada.”
Exemplo: Maçã de Alcobaça.
A diferença está em que na indicação de origem o produto em causa pode
tecnicamente ser produzido noutro lugar.
O regime – de composição, registo, conteúdo, tutela, … - das denominações de
origem e das indicações geográficas é semelhante, com as necessárias adaptações, ao
previsto para logótipos e marcas. A particularidade é que se trata de uma protecção
conferida contra produtos que usem tais sinais distintivos e não provenham das regiões
em causa (306.º, 1, a), 2 e 3 CPI)).
Quer as denominações de origem, quer as indicações geográficas, têm a
particularidade de serem “propriedade comum” de todos aqueles que se insiram na região
em causa (299.º, 4 CPI).
“As denominações de origem e as indicações geográficas, quando registadas,
constituem propriedade comum dos residentes ou estabelecidos na localidade, região ou
território, de modo efetivo e sério e podem ser usadas indistintamente por aqueles que, na
respetiva área, exploram qualquer ramo de produção característica, quando autorizados
pelo titular do registo.”

69
6. Títulos de crédito36

42. Títulos de crédito


Apesar de, no contexto da elaboração do Código Civil, se ter preparado um
“articulado geral” para a matéria dos títulos de crédito, o Código Civil, na sua versão final,
acabou por não prever quaisquer regras gerais e abstractas sobre essa matéria. A noção de
título de crédito é, por isso, objecto apenas de elaboração doutrinal, construída a partir dos
regimes especialmente previstos.
De acordo com o jurista italiano VIVANTE (apud ALEXANDRE DE SOVERAL
MARTINS, p. 10), o título de crédito é “o documento necessário para exercitar o direito
literal e autónomo nele mencionado.”
No título de crédito, portanto, dá-se como que uma união entre um documento, isto
é, entre um certo suporte elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar
uma pessoa, coisa ou facto (art. 362.º do Código Civil) e uma certa pretensão obrigacional, isto
é, um direito de crédito à observância de um certo comportamento. Isto é, o documento
como que incorpora o direito.
De um modo metafórico, MAX WEBER referia tratar-se de um caso de “animismo
jurídico”…37

43. Diferentes formas de títulos de crédito e paradigma de exposição


São muitos os exemplos de títulos de crédito: letras, livranças, cheques, guias de
transporte, cautelas de penhora, extractos de factura,… (ALEXANDRE DE SOVERAL
MARTINS , p. 9).
Mas uma vez que o regime dos diferentes títulos de crédito em particular não é
inteiramente coincidente, importa adoptar alguns títulos de crédito em particular que
sirvam de paradigma à exposição: em tais termos, a exposição geral tem em vista
essencialmente esses títulos em concreto, aplicando-se apenas com as necessárias
adaptações a títulos de crédito de diferente natureza.
Adoptaremos como paradigma de exposição, conforme aliás é frequente nos
cursos de Direito Comercial, as letras, livranças e cheques.

36 Sobre esta matéria, remete-se para as seguintes obras: ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Títulos de
Crédito e Valores Mobiliários, I-I, Almedina: Coimbra, 2008, J. H. C. PINTO FURTADO, Títulos de Crédito2,
Almedina: Coimbra, 2015 e CAROLINA CUNHA, Manual de Letras e Livranças, Almedina: Coimbra, 2016.
37 MAX WEBER, Wirtschaft und Gesellschaft. Recht, Reed., Mohr Siebeck: Tübingen, 2014, p. 51 (WuG 426-
427).

71
44. Fontes de regulação
As fontes principais de regulação do regime jurídico das letras e livranças, por um
lado, e do cheque, por outro, são as chamadas Lei Uniforme sobre Letras e Livranças e Lei
Uniforme sobre o Cheque. Uma e outra são convenções internacionais a que o Estado português se
vinculou e que vigoram na ordem jurídica portuguesa ao abrigo do art. 8.º, n.º 2 da
Constituição da República Portuguesa.

45. Análise das características dos títulos de crédito


Da noção dada de título de crédito podem retirar-se várias características:
a) Princípio da incorporação. – Enquanto documento que necessário para o exercício
de um direito, o título de crédito tem uma função de legitimação, posto que o direito em causa
apenas pode ser exercido mediante a apresentação do próprio título. Por isso, afirma-se
que o direito está incorporado no título.
b) Princípio da literalidade. – É pelo teor do documento que se determinam o
conteúdo e limites do direito nele incorporado.
c) Princípio da autonomia. – O direito emergente do título é autónomo, isto é, formado
de acordo com as regras respeitantes à formação do título, e diferente, portanto, de outras
posições materiais que possam vincular as partes. A relação jurídica relativa ao título de
crédito designa-se relação cambiária; a relação jurídica que possa existir exteriormente
designa-se relação fundamental.
Imaginemos que A deve € 5000 a B, correspondentes ao preço de um contrato de
compra e venda (relação fundamental). Ao abrigo de um título de crédito, B adquire, com
base em certo documento, o direito a exigir a quantia de € 5000 a A (relação cambiária): nesse
caso, passa a ter dois direitos contra A, cada um sujeito às respectivas regras específicas de
constituição, produção de efeitos e extinção (ainda que o cumprimento do segundo crédito
possa implicar a extinção do primeiro).

46. Modo de transmissão dos títulos de crédito


Quanto ao modo de transmissão, os títulos de crédito podem ser:
a) Títulos ao portador, quando se transmitam mediante a simples entrega (ex.
acções ao portador);
b) Títulos à ordem, transmitindo-se por endosso (acto unilateral do direito constante
do título), que é referido no próprio título (ex. letras e livranças;
c) Títulos nominativos, exigindo, para a transmissão, que intervenha o emitente do
título (ex. acções tituladas nominatias)

72
47. Funções de títulos de crédito
Os títulos de crédito desempenham as seguintes funções:
a) Função (simplificada) de transmissão dos créditos. – Embora nos termos gerais do
Código Civil seja possível a transmissão de créditos (art. 577.º e ss. do Código Civil), os
títulos de crédito permitem decerto uma transmissão mais simples e mais segura, uma vez
que associada a um documento, incorporador do direito, que certifica o próprio direito em
causa.
b) Função de legitimação do portador do título. – O título de crédito legitima o respectivo
portador legítimo a exercer o direito dele emergente (cf. a regra de legitimidade própria da
acção executiva, constante do art. 53.º, 2 CPC: “Se o título for ao portador, será a execução
promovida pelo portador do título.”). Do ponto de vista do devedor, o cumprimento será
liberatório se realizado a quem figura como portador.
c) Função de reforço da cobrabilidade do crédito. – Nos termos do CPC português, os
títulos de crédito são títulos executivos (703.º, 1, c) CPC). Isto é, o titular do direito
constante do título de crédito goza da possibilidade de iniciar directamente uma acção
executiva para cobrança do seu direito sem que tenha de, previamente, propor uma acção
declarativa. Sem prejuízo, o devedor poderá defender-se, na acção executiva, com todos
os meios de defesa que pudesse invocar na acção declarativa (731.º CPC).

73
6.1. Letras

48. Noção de letra


O regime das Letras consta da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, abreviadamente
designada por LULL, uma Convenção Internacional celebrada em Genebra a 7 de Junho
de 1930.
A partir da noção dada por ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS (p. 35), e dos
respectivos esclarecimentos subsequentes, a noção de letra contém os seguintes elementos:
a) “A Letra é um documento em papel (…)”.
b) “Que contém uma ordem de pagamento de uma quantia determinada (…).” – Tal
permite distinguir a letra de uma figura da livrança, que contém uma promessa de pagamento
do próprio sacador e não uma ordem de pagamento dada ao sacado. Também permite
distinguir do cheque, em que a ordem de pagamento é dada sobre um banqueiro que tenha
fundos à disposição do sacador.
c) “Dada pelo sacador ao sacado (…).” – O facto de o sacado, que tiver aceitado o
pagamento, apenas ter de realizar o pagamento na data prevista da letra permite que esta
seja usada como modo de diferir no tempo o pagamento de obrigações.
d) “À ordem do tomador.” – Tomador é aquele a quem deve ser realizar o
pagamento. Caso pretenda antecipar o pagamento, pode celebrar um contrato de desconto.
Finalmente, podemos acrescentar dois outros elementos:
e) O direito constante da letra pode ser transmitido mediante endosso. Uma vez que
a letra pode ser endossada, serve como instrumento para a transmissão de crédito.
f) O cumprimento da letra pode ser garantido por avalistas.
g) Nos termos do Direito Processual Civil português, os títulos de crédito gozam
ainda de exequibilidade (703.º, 1, c) CPC).
Depois de estudarmos a forma que a letra deve adoptar, veremos sucessivamente
como produz os respectivos efeitos jurídicos a partir dos negócios jurídicos que no
respectivo âmbito podem ser praticados.

49. Forma da letra


No Direito português, tal documento segue a forma prescrita pela Portaria nº
28/2000 de 27 de Janeiro de 2000.
Os requisitos formais constam do art. 1.º LULL. A sua falta conduz, via de regra
e salvo quando se disponha solução diferente, a que a regra não possa valer nessa qualidade
(2.º, § 1 LULL).

74
A letra contém:
1 - A palavra "letra" inserta no próprio texto do título e expressa na língua
empregada para a redacção desse título;
Serve para advertir os intervenientes na subscrição da letra das
consequências que podem surgir do respectivo preenchimento.
2 - O mandato puro é simples de pagar uma quantia determinada;
Constitui a ordem de pagamento.
3 - O nome daquele que deve pagar (sacado); [Se nada se disser, o lugar colocado
ao lado do seu nome considera-se o do seu domicílio: art. 2.º, III LULL.]
4 - A época do pagamento; [Se nada disser, entende-se pagável à vista: art 2.º, II
LULL.]
5 - A indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento; [Se nada se disser,
considera-se que é o lugar ao lado do nome do sacado: art. 2.º, III]
6 - O nome da pessoa a quem ou a ordem de quem deve ser paga;
Não são admissíveis, portanto, letras ao portador.
7 - A indicação da data em que, e do lugar onde a letra é passada; [Se nada se
disser, entende-se que foi passada no lugar designado ao lado do nome do sacador: art.
2.º, IV LULL. Mas e esta última menção faltar, já letra não pode valer]
8 - A assinatura de quem passa a letra (sacador)

- A constituição das relações cambiárias -

50. Capacidade e representação dos intervenientes no domínio cambiário


a) Capacidade
Para que alguém seja obrigado cambiário, exige-se que tenha capacidade para o efeito.
Tal questão é regulada no art. 7.º LULL. A capacidade deve aferir-se pelo momento em
que o título é entregue, voluntariamente, pelo obrigado cambiário. A capacidade deve
aferir-se nos termos gerais.
No que respeita à incapacidade do portador da letra¸ em princípio será liberatório o
cumprimento, mesmo que lhe seja realizado, desde que não haja “fraude ou falta grave”
de quem realiza o cumprimento (40.º, III LULL).

b) Representação

75
A letra pode ser concluída sob representação. Contudo, prevê o art. 8.º LULL, que
mesmo que a pessoa não tenha poderes para o efeito, fica pessoalmente obrigada a pagar a letra.

51. O saque
O saque é o primeiro acto praticado no âmbito das letras de crédito. Trata-se da ordem
de pagamento, pura e simples, que o sacador dá ao sacado, com vista a que um certo pagamento
seja feito a um terceiro.
Contudo, o sacador, nos termos do art. 9.º, I:
a) Garante a aceitação por parte do sacado, embora a possa excluir (9.º, II LULL);
b) Garante o pagamento, ele próprio, o pagamento da letra, responsabilidade que não
pode ser excluída – se for feita tal menção, a cláusula considera-se não escrita (9.º, II
LULL).
A responsabilidade do sacador é solidária com a do aceitante, endossante ou avalista,
nos termos do art. 47.º LULL).

52. A ordem de pagamento


O saque constitui uma ordem de pagamento. Quais as suas características? Veremos o
montante, o lugar de pagamento e o tempo de pagamento. Finalmente, veremos algumas cláusulas
especiais. Quem determina estes vários elementos é o sacador, quando saca a letra.

a) Quantia
Nos termos do art. 1.º, 2, deverá referir-se a uma quantia determinada e não meramente
determinável. O pagamento deve ser puro e simples (não sujeito, por ex., a condição).
Pretende-se, com isto, que seja imediatamente apreensível qual o objecto da ordem
de cumprimento, isto é, que não se tenha de ir além do próprio documento que constitui
o título para apurar

b) Época de pagamento
Da letra deve constar a época de pagamento (art. 1.º, 4 LULL), embora, se nada disser,
se considere a letra pagável à vista (art 2.º, II LULL).
Nos termos do art. 33.º, a letra pode ser sacada:
i) À vista;

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ii) A termo de vista;
iii) Em dia fixado

c) Lugar de pagamento
Constitui, nos termos do art. 1.º, 5, o lugar onde a letra deve ser apresentada a
cumprimento. Se nada se disser, considera-se que é o lugar ao lado do nome do sacado:
art. 2.º, III LULL.
É em função do lugar do pagamento que se determina o cartório notarial
competente para efeitos do acto de protesto pelo não cumprimento (120.º, 1 do Código do
Notariado).

d) Convenção de juros
Quando a letra seja pagável à vista ou a um certo termo de vista – noutros casos,
considera-se a cláusula não escrita (5.º, I LULL). A taxa de juro deve constar da própria
letra (5.º, II LULL) e os juros contam-se desde a data da letra (5.º, III LULL).

53. O aceite
O sacado a quem foi dada a ordem pagamento obriga-se a pagar a letra na data do
vencimento (art. 28.º, I LULL). A apresentação ao aceite da letra deve ser realizada até à
data de vencimento da letra; e deve ter lugar no domicílio do sacado (21.º LULL). Esta
apresentação só é obrigatória caso assim esteja previsto (22.º, I LULL); como também a
apresentação a aceite pode ser proibida.
a) Se for realizado o aceite, deve ser escrito na própria letra (25.º, I LULL):
O aceite é escrito na própria letra. Exprime-se pela palavra "aceite" ou
qualquer outra equivalente; o aceite é assinado pelo sacado. Vale como aceite a
simples assinatura do sacado aposta na parte anterior da letra.
Se aceitar o cumprimento, torna-se obrigado principal.
b) O aceite pode ser recusado. Nesse caso, deve ser lavrado protesto por falta de
aceite (44.º, IV LULL; o regime do protesto será visto infra sob 57, c)). Tem ainda por
efeito que os direitos emergentes da letra podem ser exercidos antes do vencimento contra
endossantes, sacador e outros co-aobrigados (43.º LULL).

54. Tomador

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O tomador não tem, enquanto tal, de praticar um qualquer negócio jurídico: é o
beneficiário da ordem de pagamento, podendo exercer os seus direitos nos termos previstos
no regime da LULL.

55. Endosso. A exclusão da transmissão por endosso.


O tomador – ou aquele que tenha o direito à sua ordem – pode, porém, transmitir
os direitos que a letra lhe confere: essa transmissão designa-se endosso (título à ordem) e
transmite, sem necessidade de notificação ao aceitante, os direitos emergentes da letra.
Nos termos do art. 13.º, I LULL:
O endosso deve ser escrito na letra ou numa folha ligada a esta (anexo). Deve ser
assinado pelo endossante.
O endosso pode não designar o beneficiário, ou consistir simplesmente na
assinatura do endossante (endosso em branco38). Neste último caso, o endosso para
ser válido deve ser escrito no verso da letra ou na folha anexa.
Cada novo endosso – o primeiro pelo tomador, os restantes pelos sucessivos
endossantes – constitui uma nova ordem de pagamento, para que o direito seja, afinal,
cumprido pelo endossado. O direito é legítimo se for justificado por uma série
ininterruptas de endossos (art. 16.º LULL).
Cada endossante garante a aceitação e o pagamento da letra pelos portadores da
letra – sendo também, portanto, obrigado cambiário –; pode, porém, excluir esta garantia,
nos termos do art. 15.º LULL:
O endossante, salvo cláusula em contrário, e garante tanto da aceitação como do
pagamento da letra.
O endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante
o pagamento as pessoas a quem a letra for posteriormente endossada.
A possibilidade de a letra ser transmitida por endosso pode ser excluída mediante
uma cláusula não à ordem, que terá efeitos diferentes consoante aquele que a aponha: se o
sacador – caso em que se exclui pura e simplesmente a possibilidade de transmissão por
endosso –, se o sacado ou o endossante39.

56. Aval
Constitui uma garantia de pagamento da letra, no todo ou em parte, e resulta do
art. 30.º LULL:

38 Para o endosso em branco, endosso por procuração ou endosso em garantia, cf. ALEXANDRE SOVERAL
MARTINS, pp. 66-70.
39
Cf. ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, pp. 70-72.

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O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.
Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.
Deverá ser dado nos termos do art. 31.º LULL:
O aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa.
Exprime-se pelas palavras "bom para aval" ou por qualquer fórmula equivalente;
e assinado pelo dador do aval.
O aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador aposta na face
anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.
O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação, entender-se-
à ser pelo sacador.
O avalista responde nos mesmos termos da pessoa cujo cumprimento avaliza (art.
32.º, I LULL).

- Cumprimento e meios de defesa nas obrigações cambiárias –

57. Cumprimento da letra


a) Vencimento
O vencimento da letra depende do modo como tenha sido sacada. As
possibilidades são as seguintes, nos termos do art. 33.º LULL:
Uma letra pode ser sacada:
À vista;
Tal letra deve ser pagável quando apresentada. O prazo para apresentação é, em
princípio, de um ano a contar da respectiva data (34.º, I LULL).
A um certo termo de vista;
Vence-se em certo prazo a contar: da data do aceite ou da respectiva recusa (35.º,
I LULL).
A um certo termo de data;
Vence-se em certo prazo a contar da data em que a letra foi emitida.
Pagável no dia fixado.
Vence-se no preciso dia que foi directamente fixado.
As letras, quer com vencimentos diferentes, quer com vencimentos sucessivos,
são nulas.
A data de vencimento pode ser antecipada nos casos previstos no art. 43.º LULL.

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b) Legitimidade para exigir o cumprimento
Tem legitimidade para exigir o cumprimento o portador legítimo na letra: o tomador
ou aquele que justifique o seu direito por uma série ininterrupta de endossos (16.º, I
LULL).

c) A quem se deve apresentar a pagamento


A letra deve ser apresentada a pagamento ao sacado, no lugar de pagamento,
podendo exigir a entrega da letra e respectiva quitação (art. 39.º, I LULL):
O sacado que paga uma letra pode exigir que ela lhe seja entregue com a
respectiva quitação.
O portador não pode recusar qualquer pagamento parcial.
No caso de pagamento parcial, o sacado pode exigir que desse pagamento se faca
menção na letra e que dele lhe seja dada quitação.

d) Protesto
Não havendo pagamento (e o mesmo regime vale caso não haja aceite) poderá
lavrar-se protesto. No caso de falta de aceite, o prazo para o protesto é o de apresentação ao
aceite (44.º, II LULL; 121.º Código do Notariado).
Para o protesto por pagamento, o prazo para apresentar a pagamento é o constante
no art. 44.º, III LULL e 121.º, 1, c) e d) do Código do Notariado. Transcrevemos esta
última norma:
1 - A apresentação para protesto deve ser feita até uma hora antes do termo do
último período regulamentar de serviço, nos prazos seguintes:

c) Por falta de pagamento de letras nas condições da alínea a), num dos dois dias
úteis seguintes àquele ou ao último daqueles em que a letra é pagável;
d) Por falta de pagamento de letras pagáveis à vista, dentro do prazo em que
podem ser apresentadas a pagamento.
O respeito por tais prazos é de relevo uma vez que, se não ocorrer, poderá perder-
se a possibilidade de recorrer a acções cambiárias (53.º LULL).
Havendo falta de aceite e de pagamento, prevê-se também o aviso aos interessados
(45.º LULL e 124.º do Código do Notariado).

58. Meios de defesa

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Uma característica central dos regimes das letras é a chamada “abstracção”.
Pretende-se com isso dizer que as obrigações cambiárias não são atingidas pelas
vicissitudes que possam caracterizar outras relações jurídicas entre alguns dos seus
intervenientes. Assim, se for exigido o cumprimento de um direito cambiário:
a) Nas relações imediatas (por ex., sacador-tomador; endossante (1)-endossado (1)),
podem invocar meios de defesa provenientes de outras relações jurídicas que não as da
própria letra;
b) Mas nas relações mediatas (por ex., aceitante-endossado), não podem ser
invocados meios de defesa que não os da própria letra.
Tal regime resulta do art. 17.º LULL:
As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as
excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores
anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente
em detrimento do devedor.
Tal protecção cessa apenas quando o portador da fé não tenha agido de boa fé.

59. Acção directa e acção de regresso


Caso não haja cumprimento pelo aceitante, o obrigado principal, o portador da letra
pode exercer os seus direitos de acção:
O portador de uma letra pode exercer os seus direitos de acção contra
os endossantes, sacador e outros co-obrigados.
No vencimento:
Se o pagamento não foi efectuado.
Mesmo antes do vencimento:
1 - Se houver recusa total ou parcial de aceite;
2 - Nos casos de falência do sacado, quer ele tenha aceite, quer não, de
suspensão de pagamentos do mesmo, ainda que não constatada por sentença, ou de ter
sido promovida, sem resultado, execução dos seus bens;
3 - Nos casos de falência do sacador de uma letra não aceitável.
Esta acção pode ter por objecto, não só a quantia constante da letra, como
também aqueles elementos constantes do art. 48.º LULL:
O portador pode reclamar daquele contra quem exerce o seu direito de acção:
1 - O pagamento da letra não aceite ou não paga, com juros se assim foi
estipulado;
2 - Os juros à taxa de 6 por cento desde a data do vencimento;

81
3 - As despesas do protesto, as dos avisos dados e as outras despesas. Se a acção
for interposta antes do vencimento da letra, a sua importância será reduzida de um
desconto.
Esse desconto será calculado de acordo com a taxa oficial de desconto (taxa do
banco) em vigor no lugar do domicílio do portador a data da acção.
Os direitos são de dupla natureza:
a) Acção directa: o portador da letra pode agir contra o aceitante, com a chamada
acção directa;
b) Acção de regresso: contra endossantes, sacador e outros co-obrigados – todos
solidariamente obrigados perante o portador.
Os sacadores aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos
solidariamente responsáveis para com o portador.
O portador tem o direito de accionar todas essas pessoas,
individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas
se obrigaram.
O mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha
pago.
A acção intentada contra um dos co-obrigados não impede de accionar os
outros, mesmo os posteriores aquele que foi accionado em primeiro lugar.
Da mesma forma, quem pagou a letra pode exigir dos seus garantes aquilo que
prestou, nos termos do art. 49.º LULL.

60. Prescrição do direito


As acções mencionadas prescrevem no prazo previsto no art. 70.º LULL:
Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três
anos a contar do seu vencimento.
As acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem
num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do
vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula "sem despesas".
As acções dos endossantes uns contra os outros e contra o sacador
prescrevem em seis meses a contar do dia em que o endossante pagou a letra ou
em que ele próprio foi accionado.
A prescrição não extingue outros direitos de acção que tenham por base diferentes
posições jurídicas.

82
6.2. Livranças
61. Livranças
Às livranças aplicam-se, com as necessárias adaptações, (grande parte d)as
disposições relativas às letras (art. 77.º LULL). Tem a particularidade de se tratar de uma
promessa do subscritor ao tomador. O subscritor responde nos termos de um aceitante (78.º
LULL). Segue a forma constante da Portaria n.º 28/2000, de 27 de Janeiro.
Naturalmente, poderá também haver endossantes e avalistas.

62. Outras questões


O regime das letras, formado ao longo dos séculos, contém um amplo conjunto de
especificidades. Apresenta-se de seguida um elenco de algumas questões de pormenor que
não puderam ser desenvolvidas:
a) A possibilidade de várias vias da mesma letra;
b) O regime da letra em branco;
c) A possibilidade de a letra poder ser sacada sobre o sacador ou à ordem do sacador;
d) A autonomia do direito cambiário, com consequências em sede de
desapossamento da letra;
e) A noção de “letra de favor”;
f) O aceite e o pagamento por intervenção;
g) A cláusula de dispensa de protesto;
h) O contrato de desconto;
i) A reforma das letras destruídas, perdidas e desaparecidas.

83
6.3. Cheques

63. Noção de cheque


Depois de estudarmos a figura da livrança, consideraremos brevemente o cheque, um
título de crédito que, ainda há pouco tempo, era de uso muito comum. PINTO FURTADO (p.
213) define-o assim: “escrito datado e assinado que leva a denominação de ‘cheque’, através
do qual uma pessoa ordena incondicionalmente a um banco ou outra instituição de crédito
a tanto autorizada e onde tem provisão, que desembolse, à vista, a quantia nela inscrita”.
Encontra-se regulado na Lei Uniforme sobre o Cheque, uma Convenção Internacional,
concluída em Genebra em Convenção 19 de Março de 1931 e que foi ratificada por Portugal
mediante o Decreto nº 23.721, de 29 de Março de 1934.

64. Características do cheque em contraste com a letra de câmbio


a) No cheque, a ordem de pagamento é dada a uma banqueiro (hoje dir-se-á: uma
instituição de crédito: cf. 54.º LUCh), e apenas a um banqueiro (art. 3.º LUCh):
O cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e
em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito
de dispor desses fundos por meio de cheque. (…)
b) A ordem de pagamento é dada sobre fundos que se encontram à disposição do sacado
(por ex., valores constantes da respectiva conta bancária). Ou seja, quem está a realizar
materialmente o pagamento é o próprio sacador, não o sacado.
c) O cheque opera, nestes termos, não tanto como um meio para diferir o pagamento,
como pode ocorrer com a letra (figura que, em todo o caso, serve também para outros
propósitos), mas para realizar o pagamento. Uma interessante citação do mundo do comércio
explica-o nestes termos: “quem assina um cheque dispõe de dinheiro, ao passo que quem
saca uma letra necessita de dinheiro” (PINTO FURTADO, p. 214).
Este ponto, porém serve para compreender por que razão a figura do cheque perdeu
grande parte do seu relevo: com efeito, desenvolveram-se já outros meios de pagamento mais
simples, rápido e eficazes – pense-se, por ex., no pagamento por transferência bancária ou
por terminais de multibanco, que, tendo uma estrutura semelhante à do cheque (ordem de
pagamento dada ao banqueiro para realizar cumprimento), se servem, não do papel, mas de meios
digitais.

65. A relação entre o sacador e o banqueiro


A subscrição de um cheque pressupõe, pois, que haja uma relação entre o sacador e o
banqueiro nos termos da qual o cheque possa ser emitido. No âmbito desta relação, o sacador,
em princípio, deposita certos valores junto do banqueiro, seja sob a forma de depósito à ordem,
seja de depósito a prazo. Estes mesmos valores constituem a provisão dada pelo sacador às
ordens de pagamento que venha a fazer ao banqueiro (que poderão também ser feitos sobre
valores mutuados pelo banqueiro, se assim estiver acordado).

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Este contrato entre sacador e banqueiro, no âmbito da respectiva relação bancária geral,
designa-se Contrato de Cheque ou Convenção de Cheque (que pode ser parte integrante do contrato
de abertura de conta). Mediante este acordo o banco coloca à disposição do sacador, a seu
pedido, uma carteira de cheques normalizados.

66. Forma do cheque


Prevê o art. 1.º da LUCh que o cheque deva observar a seguinte forma:
O cheque contém:
1.º A palavra “cheque” inserta no próprio texto do título e expressa na língua
empregada para a redacção desse título;
2.º O mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada;
3.º O nome de quem deve pagar (sacado);
4.º A indicação do lugar em que o pagamento se deve efectuar [art. 2.º II e III: Na
falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se como
sendo o lugar de pagamento. Se forem indicados vários lugares ao lado do nome do sacado,
o cheque e pagável no lugar primeiro indicado.| Na ausência destas indicações ou de
qualquer outra indicação, o cheque e pagável no lugar em que o sacado tem o seu
estabelecimento principal.];
5.º A indicação da data em que e do lugar onde o cheque e passado [art. 2.º IV: \O
cheque sem indicação do lugar da sua emissão, considera-se passado no lugar designado ao
lado do nome do sacador.];
6.º A assinatura de quem passa o cheque (sacador). [Deverá corresponder à
assinatura que haja apresentado ao sacado, para que possa ser controlada.]
O modelo normalizado consta da Instrução do Banco de Portugal n.º 26/2003, de 15 de
Outubro de 2003.
Em princípio, a omissão daqueles requisitos, salvo quando diferentemente indicado,
tem por consequência que o cheque não poderá valer a esse título (2.º LUCh).

67. Tipos de cheque


Os cheques podem ser, nos termos do art. 5.º LUCh:
a) Nominativos, quando indicam a quem devem ser pagos. Podem ser pagos:
i) À ordem, podendo ser endossado a terceiros;
ii) Não à ordem, não podendo ser endossado a terceiros.
Se o cheque for nominativo, só pode ser pago a quem nele se indicar, que o deve
apresentar a pagamento e, ao fazê-lo, assiná-lo no verso para o endossar à sacada.
b) Ao portador, pagável, no caso, a quem quer que o apresente. Será considerado ao
portador mesmo que referia alguém, mas com a cláusula “ao portador”.

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Adicionalmente, o cheque pode ser cruzado, nos termos dos art. 37.º e 38.º LUCh
(duas linhas paralelas colocadas, normalmente, no canto superior esquerdo). Quando assim
aconteça, o pagamento só pode ser feito a uma instituição de crédito ou a um seu cliente.

68. Pagamento do cheque


O sacado não é aceitante, obrigando-se a pagar o cheque em virtude da convenção de
cheque concluída com o sacador (4.º LUCh).
O cheque deve ser – via de regra – apresentado a pagamento no prazo de 8 dias (29.º,
I LUCh). Decorrido esse prazo, pode o cheque ainda assim ser pago (33.º LUCh); mas goza
o sacador da possibilidade de revogar a ordem de pagamento, impedindo assim o pagamento
(32.º LUCh).
Se o cheque for “pré-datado”, é pago desde o dia da apresentação, mesmo que
anterior à data que dele conste (28.º LUCh).

69. Cheques sem provisão


Caso o cheque não tenha provisão, vale o regime constante do DL 451/91, de 28/12,
alterado, por último, pela L 66/2015, de 6/7. Todas as disposições citadas neste ponto, salvo
quando se faça referência expressa noutro sentido, constam do referido diploma.
a) A instituição de crédito notificada o sacador para regularizar a situação no prazo
de 30 dias consecutivos, sob pena de “rescisão” (isto é, resolução) da convenção de cheque
(1.º-A), devendo a falta de pagamento ser comunica ao Banco de Portugal (2.º), que elabora
uma listagem de utilizadores que oferecem risco (3.º);
b) Ainda que sem provisão, não se pode recusar o pagamento até € 150, 00 (art. 2.º,
d) e 8.º da L 48/2005, de 29/8).
c) A emissão de cheque sem provisão é crime nos termos do art. 11.º.
d) Sendo recusado o pagamento após apresentação em tempo útil (8 dias) – sendo
atestada a referida falta nos termos do art. 40.º LUCh – pode propor-se acção de
cumprimento contra sacador, endossantes e outros co-obrigados. Todos, com efeito, são
solidariamente responsáveis (art. 44.º LUCh). Pode exigir-se não só o montante do cheque,
como as despesas feitas e os juros vencidos desde o não cumprimento (45.º e 16.º LUCh).
Esta acção prescreve no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de
apresentação (52 I LUCh). Aquele que paga pode, por seu turno, exigir em regresso o que
despendeu (46.º LUCh), no prazo de seis meses a contar da data em que ele próprio pagou
ou foi accionado (52 II LUCh).

70. Garantia de provisão


Para garantir o cumprimento, é possível pedir-se um cheque visado, isto é, um cheque
emitido com a expressa indicação de que o saque tem provisão. A quantia respectiva é nesse
caso bloqueada na conta do sacador. Tal cobertura é garantida pelo prazo de 8 dias.
87
No Direito Português, tal matéria é regulada pelos DL 32 677 e 32 678, de
20/2/1943.

88
7. Negócios jurídicos sobre empresas

71. Noção de empresa


Antes de estudarmos dois negócios jurídicos sobre empresas – o negócio de
transmissão definitiva, chamado trespasse, e o negócio de concessão temporária de gozo,
chamado locação de estabelecimento –, teremos de estudar qual a noção de empresa para o Direito.
Com efeito, essa mesma realidade pode ser olhada a partir de diferentes ângulos: como facto
social, como realidade económica, etc. De entre essas diferentes perspectivas, é o olhar
específico do Direito que nos merece mais atenção.
Note-se também, a título complementar, que a noção de empresa adquiriu relevo no Direito
Comercial também por razões sistemáticas. Ao estudar-se o regime do Código Comercial, ficaram
patentes as dificuldades geradas pelo seu modo de regulação da matéria mercantil, ao partir de uma
noção de acto de comércio e de seguida regular o estatuto de comerciante, poucos efeitos associando
às referidas qualificações. Ora, uma das propostas de reconfiguração do Direito Comercial assentava
justamente na noção de empresa, fazendo deste o ramo do Direito relativo a tal realidade jurídica (cf.
COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, pp. 37-41).
Olhando, do ponto de vista linguístico, os dados do Direito português, pode
concluir-se que o termo empresa é usado em dois sentidos fundamentais:
a) Empresa em sentido subjectivo, como modo genérico de designar alguém (= uma
pessoa, singular ou colectiva) que exerça uma actividade económico.
Neste sentido, o termo empresa é usado, por ex., no domínio do Direito da
Concorrência, ou, por ex., no Decreto-Lei 62/2013, de 10/5 (“Medidas contra os atrasos no
pagamento de transacções comerciais”), conforme resulta do respectivo art. 3.º, al. d) (“Para
efeitos do presente diploma, entende-se por: (…) «Empresa», uma entidade que, não sendo
uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma,
incluindo pessoas singulares.”);
b) Empresa em sentido objectivo, ou estabelecimento comerciais, designando “a unidade
jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício
relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca” (COUTINHO
DE ABREU, CDC, I12, p. 291).

É esta segunda acepção que mais nos interessa, e que teremos de analisar nos seus
elementos fundamentais:
a) O estabelecimento comercial é um bem jurídico autónomo, reconhecível, duradouro, por
isso podendo ser objecto de relações jurídicas autónomas: compra e venda, doação, troca,…;
mas também, por ex., objecto de penhora;
b) Constituído por diferentes elementos – coisas corpóreas (instalações físicas,
mobiliário de escritório, ferramentas, máquinas industriais), incorpóreas (marcas, logótipos, …)
e bens de natureza não real (direitos de crédito) –, mas não se resumindo a eles;
c) Que se encontram organizados de certo modo, e não meramente justapostos: por
isso, “o estabelecimento é uma organização” (COUTINHO DE ABREU, COUTINHO DE ABREU,
CDC, I12, p. 233). Pense-se na diferença entre uma fábrica (= estabelecimento) e um armazém

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com máquinas sem utilizar (=aglomerado de coisas). Por isso, assim que esta organização
seja obtida – mesmo que antes do início da actividade para o público –, estando estruturada
nos seus termos fundamentais (ainda que não perfeitamente acabada), considera-se já existir
um estabelecimento.
d) O estabelecimento tem em vista o lucro ou, pelo menos, a reprodução, sem
prejuízo, da própria actividade.
O estabelecimento comercial, na qualidade de coisa incorpórea complexa, é assim objecto
de um direito de propriedade, distinto dos direitos que incidem sobre as suas concretas partes.
Note-se, finalmente, que poderá haver, a par de empresas mercantis, empresas não
mercantis, quando tenham por objecto diferente domínio de actividade40.

7.1. Trespasse
72. Trespasse. Traços caracterizadores
Por trespasse se designa a transmissão definitiva de um estabelecimento comercial. O
termo, corrente no discurso comum, é recebido também por algumas disposições
normativas. Contudo, o trespasse não é objecto de uma regulação jurídica exaustiva.
Notemos alguns dos seus aspectos fundamentais:
a) Objecto do trespasse é um estabelecimento (para o que nos interessa, comercial, embora
não o tenha de ser);
b) O seu efectivo é a transmissão definitiva do estabelecimento. Pode ter por causa
justificativa: uma compra e venda; uma doação; uma troca (permuta/ escambo); enfim, qualquer
negócio jurídico apto à transmissão de direitos;
c) É uma transmissão inter vivos;
d) Por interpretação do art. 1112.º, 3 CCiv, deve entender-se que o negócio está
sujeito à forma escrita:
“A transmissão deve ser celebrada por escrito e comunicada ao senhorio.”

73. Trespasse. Efeitos


a) Âmbitos de entrega
Vimos que o estabelecimento comercial constituía uma unidade jurídica, qualificável como
coisa incorpórea complexa. Mas que incluía muitos elementos, entre os quais coisas corpóreas e
incorpóreas, assim como créditos. De modo que se pergunta: caso haja um trespasse, qual o
âmbito de entrega do trespassante?
a) Âmbito mínimo. – Há um mínimo de bens que deverão ser entregues, sem os quais
não se pode dizer ter havido um trespasse. Bens que, portanto, servem para identificar
concretamente aquele estabelecimento comercial, e que, se não forem transmitidos, implicam

40 Sobre o tema, cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, I12, pp. 253-261.

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– para uma pessoa comum –, que o estabelecimento, qual soma maior do que as partes, não
foi transmitido. Só caso a caso se poderá identificar este mínimo (pode ser, por ex., um
logótipo; em certas máquinas; etc.).
b) Âmbito natural. – Abrange os bens que em princípio se transmitem; que, portanto,
se as partes nada dispuserem diferentemente, se consideram abrangidos pelo trespasse. Aqui
se enquadram:
i) Os logótipos e as marcas (art. 295.º, 2 CPI e 256.º, 2 CPI, com a ressalva do
art. 30.º, 3 CPI):
Art. 295.º CPI: “Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 30.º, a transmissão do
estabelecimento envolve o respetivo logótipo, que pode continuar tal como está registado,
salvo se o transmitente o reservar para outro estabelecimento, presente ou futuro.”
Art. 256.º, 2 CPI: “A transmissão da totalidade da empresa implica a transmissão da
marca, salvo estipulação em contrário ou se das circunstâncias decorrer claramente o
contrário.”
Art. 30.º, 3 CPI: “Se no logótipo ou na marca figurar o nome individual, a firma ou
a denominação social do titular ou requerente do respetivo registo, ou de quem ele
represente, é necessária cláusula para a sua transmissão.”
ii) Nos casos anteriores, contamos com disposições expressas da lei que
esclarecem que os referidos bens se transmitem. E quando a lei nada dispõe a respeito
do âmbito natural da obrigação de entrega? Deve entender-se que, em princípio, o
conjunto de bens integrantes da empresa se tem por transmitido.
iii) Particulares reflexões merecem os imóveis, a respeito dos quais se coloca a
dúvida de saber se são ou não transmissíveis. Deve entender-se que, se, por
interpretação do negócio, o estabelecimento foi transmitido no seu conjunto, também o
imóvel o deverá ser41.
iv) Quanto a posições obrigacionais, deverá entender-se:
a. A transmissão da qualidade de empregador nos contratos de
trabalho, por força do art. 285.º, 1 do Código do Trabalho:
“Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou
estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade
económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de
trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de
coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.”
b. A transmissão da qualidade de arrendatário (art. 1112.º, 1, a) CCiv)
sem necessidade de consentimento do senhorio42:

41 E quanto à forma do negócio? COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, p. 300, n. 754, sustenta bastar um simples
documento escrito. Penso, porém, que as exigências formais próprias da transmissão de imóveis exigirão que
se observe, pelo menos, a forma de documento particular autenticado.
42 Note-se que o n.º 4 cria um injustificado direito de preferência do senhorio na venda ou dação em

cumprimento do estabelecimento: “O senhorio tem direito de preferência no trespasse por venda ou dação
em cumprimento, salvo convenção em contrário.”

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“1 - É permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem
dependência da autorização do senhorio:/ a) No caso de trespasse de estabelecimento
comercial ou industrial.”
v) Elementos como o “know-how”, que não são objecto de relações jurídicas
autónomas, deverão ser comunicadas pelo trespassante (transmissão de informações,
sessões de formação, etc.).
c) Âmbito convencional. – É integrado por aqueles elementos que só se transmitem
mediante acordo específico das partes. Aqui se inclui:
i) A “transmissão” da firma de comerciante em nome individual, ou de marca
ou logótipo no qual figure o nome individual, firma ou denominação do titular do
estabelecimento:
Art. 44.º, 1 RNPC: “O adquirente, por qualquer título entre vivos, de um
estabelecimento comercial pode aditar à sua própria firma a menção de haver sucedido na
firma do anterior titular do estabelecimento, se esse titular o autorizar, por escrito.”
Art. 30.º, 3 CPI: “Se no logótipo ou na marca figurar o nome individual, a firma ou
a denominação social do titular ou requerente do respetivo registo, ou de quem ele
represente, é necessária cláusula para a sua transmissão.”
ii) Em princípio, os créditos do trespassante, as suas posições contratuais e as
respectivas dívidas também se transmitem apenas mediante acordo específico43:
Art. 577.º, 1 CCiv: “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do
crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja
interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria
natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.”
Art. 424.º CCiv: “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a
faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente,
antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”
Art. 595.º CCiv: “1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do
antigo devedor.”

b) Obrigação de não concorrência


À obrigação de entrega acresce a chamada obrigação de não concorrência, com
fundamento na boa fé. Com efeito, gozando o trespassante de amplo conhecimento a
respeito do estabelecimento comercial que transmitiu, o seu comportamento poderia ter um
efeito particularmente lesivo da sua legítima fruição por parte do adquirente.

43Só não é assim quando se trate de meios de estabelecimento, caso em que se podem considerar abrangidos
pelo âmbito natural. Para a noção de “meios de estabelecimento”, cf. COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, pp. 226-
234.

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Para que a obrigação de não concorrência não se torne uma barreira excessiva à
liberdade de iniciativa económica (61.º CRP), está sujeita aos seguintes limites:
a) Objectivos. – Vale para actividades concorrentes com a do estabelecimento transmitido;
b) Espaciais. – Vale dentro do raio da acção do primitivo estabelecimento;
c) Temporais. – Apenas durante o período de tempo necessário para que o adquirente
consolide o domínio, na sua pessoa, do estabelecimento comercial que adquiriu.
A violação da obrigação de não concorrência conduz à responsabilidade obrigacional
do trespassante (art. 798.º e ss. CCiv).

7.2. Locação de estabelecimento


74. Locação de estabelecimento
Se no trespasse se trata da transmissão definitiva do estabelecimento, na locação trata-se
da mera concessão temporária do respectivo gozo, contra o pagamento de uma retribuição.
É, portanto, uma de entre muitas modalidades de contrato de locação. Nos termos do art. 1022.º
CCiv:
“Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o
gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”
A coisa é, neste caso, o estabelecimento comercial.

a) Questões relativas ao arrendamento


A locação de estabelecimento, quando associada a uma locação do próprio imóvel
em que está instalado o estabelecimento comercial, encontra-se especificamente mencionada
no art. 1109.º, 1 CCiv:
“A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em
conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado,
rege-se pelas regras da presente subsecção [Disposições especiais do arrendamento para fins
não habitacionais], com as necessárias adaptações.”
Assim:
a) A duração é livremente fixável pelas partes, valendo, supletivamente, o termo de
cinco anos (1110.º, 2 CCiv), sendo o contrato renovável por períodos de igual duração ao
inicialmente fixado, mas nunca inferior a cinco anos (1110.º, 3 CCiv). A partir de cinco anos
de vigência do contrato torna-se possível a oposição à renovação (1110.º, 4 CCiv).
b) O contrato deve ser celebrado por forma escrita (1112.º, 3 CCiv).

b) Âmbito de entrega

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Vale, mutatis mutandis, o que antes se escreveu a respeito do trespasse: apenas com a
particularidade de a transmissão ser agora meramente temporária, e não definitiva.
Especificamente para as prestações laborais, cf., agora, o art. 285.º, 2 do Código do Trabalho.

c) Obrigação de não concorrência


Vale, mutatis mutandis, o que antes se escreveu para o trespasse. A respeito específico
da locação, pode fundar-se a obrigação de não concorrência do locador nalgumas disposições
expressas, como o art. 1031.º, b) e 1037.º, 1 CCiv:
1037.º, 1 CCiv: “Não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar
actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei
ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso, mas não tem obrigação
de assegurar esse gozo contra actos de terceiro.”
1031.º, b) CCiv: “São obrigações do locador:/ b) Assegurar-lhe o gozo desta para os
fins a que a coisa se destina.”
Também o locatário, porém, está obrigado a não concorrer na pendência do contrato
de locação.
Terminado o contrato de locação, parece que as partes podem voltar a concorrer
entre si.

d) Outras obrigações do locatário


Uma vez que a titularidade do bem se encontra junto do locador, e que o locatário tem
apenas o respectivo gozo (para proveito próprio, mas de um bem alheio), deve, não só pagar
a retribuição relativa ao gozo da coisa, como também o dever de gozar, de um modo criterioso
e ordenado, do estabelecimento que administra.

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