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Os apontamentos têm por base principal a obra de COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito
Comercial, I12, Almedina, Coimbra, 2019, para a qual se remete em vista do desenvolvimento das
matérias aqui tratadas.
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Programa
Introdução
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Cap. 5. Sinais distintivos do comércio enquanto ferramentas facultativas do
comerciante: logótipo; marcas; denominação de origem e indicação geográfica
4
Bibliografia sumária de Direito Comercial Geral
Manuais actualizados:
5
Introdução ao Direito Comercial
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especial (sem prejuízo de compreender soluções próprias para o comércio); ou ainda por
aqueles que propugnam a comercialização do Direito Civil.
Podemos datar a emergência do Direito Comercial contemporâneo do Code de
Commerce de 1807 (COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, Introdução, 1.1.3); dito de outro
modo: o Direito Comercial consolidou-se com os actuais traços no período contemporâneo (sécs.
XVIII - …, correspondendo ao período desde 1800). Mas quando emerge com estas
características, tem já uma pré-história que determinou muitas das características que o
vieram a marcar até hoje:
a) Assim, entende a doutrina especializada que as origens do Direito Comercial
remontam à Baixa Idade Média (séc. XI a XV), correspondendo ao período que vai de
1000 a 1500. Se considerarmos algumas das características próprias dessa época, vemos
bem qual a função que as soluções vigentes de modo específico para o comércio foram
chamadas a desempenhar.
Trata-se de uma época em que, com efeito, no espaço europeu a sociedade se
organizava de modo fragmentário. Nesse período histórico, o poder político encontrava-
se repartido por diferentes entidades, tendo por consequência o aumento da insegurança
ao nível normativo, quer ao nível económico, quer mesmo ao nível pessoal. A importação
de um produto de uma longa distância podia tornar-se uma verdadeira odisseia. Como
sublinha um autor (Brennig), trata-se de um período em que a um comerciante (chamado
mercador) se exigiam as seguintes características: sede de lucro, desejo de aventura e
disposição para o risco – as mesmíssimas características de um salteador.
É neste contexto tão hostil à prática do comércio que começam a surgir algumas
soluções que permitem atenuar as dificuldades enfrentadas pelos mercadores, e que
continuam até ao presente: a formação de associações específicas de protecção; a
promoção de feiras periódicas, como lugares privilegiados para as trocas; o
desenvolvimento de tipos negociais específicos que favorecessem o comércio (títulos de
crédito, contrato de transporte, seguro), os registos escritos específicos (livros de
comércio, contabilidade), as jurisdições exclusivas, as regras específicas de exclusão
daqueles que não honrassem as exigências do comércio, mediante o regime da falência. Para
a formação do Direito Comercial destacou-se sobretudo a prática dos comerciantes das
cidades italianas.
Esta primeira fonte permite-nos concluir que nas origens do Direito Comercial
contemporâneo está a preocupação de encontrar regras jurídicas que respeitassem o ethos
– isto é, os valores, as perspectivas fundamentais, as representações – de uma comunidade
específica de pessoas: os comerciantes. É, nesta primeira acepção, o Direito próprio dos
mercadores (ius mercatorum). De resto, até ao momento presente o Direito Comercial
continua a ter soluções que brotam da específica prática mercantil.
Digamos que o Direito Comercial surge a partir de baixo.
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b) Mas o Direito Comercial contemporâneo é resultado também de um outro
influxo fundamental. Com a transição da sociedade medieval para a moderna (séc. XVI-
XVIII, correspondendo ao período de 1500 a 1800), nota-se um processo de centralização
do poder político e de tentativa de organização do conjunto da sociedade a partir de
esquemas centrais de transformação da sociedade e de disciplinamento dos cidadãos. Do
ponto de vista económico, os diferentes príncipes compreendem que a população constitui
um activo que pode ser devidamente trabalhado; que pode ser colocado ao serviço de
diferentes actividades económicas; que, através delas, pode aumentar os recursos ao dispor
da comunidade política; e que, ao aumentá-los, permite a respectiva afirmação no contexto
das diferentes nações (expressão também de um novo equilíbrio de relações entre
diferentes comunidades políticas em que os conflitos transitam do plano militar para o
plano económico).
A partir deste momento, o comércio passa a ser objecto da preocupação do poder
público, como verdadeiro assunto de Estado, merecedor da máxima relevância, uma vez
que dele depende o bem Estado de toda a nação.
Agora o Direito Comercial já surge a partir de cima, objecto da primeira
preocupação do poder político. Já não são apenas os comerciantes a pretenderem um
regime tal que facilite a respectiva actividade; é o poder público que pretende facilitar a
actividade de mercadores, por deles depender o aumento da receita pública, e, assim, das
possibilidades de actuação de quem exerça o poder. A tónica, porém, já mudou: mais do
que um Direito dos comerciantes, encontramos um Direito do comércio.
Esta característica continua também até ao momento presente: o Direito
Comercial – e, mais amplamente, a promoção do comércio – continua a ser uma
preocupação central dos poderes públicos, quer a nível nacional, quer a nível internacional
(União Europeia; Organização Mundial de Comércio; …).
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a) É especial – e não comum – uma vez que responde a um problema jurídico
específico, que, por gozar de diferenças significativas em relação ao regime comum,
justifica soluções jurídicas específicas. No caso do Direito Comercial, o problema
específico a que visa dar resposta é o da regulação das relações jurídicas dos comerciantes
entre si e dos actos de comércio. Tal faz do Direito Comercial uma modalidade de Direito
Privado especial, que se contrapõe ao Direito Privado comum, constituído pelo Direito Civil.
Um exemplo: o regime comum da compra e venda encontra-se previsto nos artigos
892.º e ss. do CCiv. Constitui o regime comum uma vez que, em princípio, caso dois
particulares celebrem uma compra e venda, serão essas as disposições aplicáveis. Mas o
Direito Comercial prevê disposições específicas para a compra e venda, quando esta seja
qualificada como acto comercial: arts. 463.º e ss. CCom. Configura, por conseguinte, um
regime especial em relação às disposições comuns, sendo aquele que se aplica à situação
especial que se enquadre dentro do seu círculo de aplicação.
1 Não foi assim no Código Comercial de 1833, o Código Ferreira Borges: como este foi elaborado num
período em que não existia ainda uma codificação civil em Portugal – que só chegaria em 1867, com o
Código de Seabra –, o código teve de regular de modo exaustivo as diferentes matérias.
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iv) Os títulos de crédito (letras, livranças e cheques) são objecto das
chamadas Leis Uniformes, e sendo a matéria autonomizada por alguns como Direito
dos Títulos de Crédito;
v) As sociedades comerciais são reguladas no Código das Sociedades Comerciais,
dando lugar ao
vi) Os seguros são regulados em geral no Regime Jurídico do Contrato de
Seguro, dando lugar ao Direito dos Seguros;
vii) Embora as operações de banco tenham uma regulação muito sumária
no Código Comercial, a parte mais significativa do respectivo regime jurídico
encontra-se fora deste diploma, dando lugar ao Direito Bancário;
viii) A regulação do transporte, nomeadamente do transporte marítimo, é
hoje feita à margem do Código Comercial (com excepção de um artigo), dando
lugar ao Direito dos Transportes;
ix) O regime da falência encontra-se hoje no Código da Insolvência e
Recuperação de Empresas, que regula também a insolência civil.
Podemos ainda referir outros domínios que foram regulados desde o princípio fora
do Código Comercial. Tenha-se em vista a matéria dos sinais distintivos de empresas e de
produtos, que integram o chamado Direito Industrial ou da Propriedade Industrial e se
encontram regulados no Código da Propriedade Industrial.
Da mesma forma, portanto, que o Direito Comercial se especializou em relação ao
Direito Privado Comum – o Direito Civil –, também alguns subramos de Direito
Comercial se subespecializaram. Podemos assim distinguir entre um Direito Comercial
comum e vários Direitos Comerciais especiais. O Direito Comercial comum tem hoje, portanto,
um campo de aplicação significativamente mais reduzido do que aquele que lhe era próprio
ao tempo da entrada em vigor do Código Comercial, privado de algumas das matérias mais
relevantes que balizam e estruturam o domínio mercantil.
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do Código Comercial de 1833, designado Código Ferreira Borges2. Tal fonte fundamental será
complementada por textos normativos complementares – alguns de fonte internacional,
outros de fonte interna – que serão referenciados ao longo do programa.
2 Sobre este, cf. RUI PINTO DUARTE, “O Código Comercial de 1833”, Direito das Sociedades em Revista n.º
21 (Março de 2019), pp. 13-35.
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Cap. 1 – Dos actos de comércio
1. Atos de Comércio
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a comerciantes é bem mais rica do que a regulação objectiva dos actos de comércio –, mas
apenas que a opção de base é objectivista.
Por isso começaremos por ver o regime dos actos de comércio e só posteriormente
o estatuto específico de comerciantes.
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seja desenvolvido, já são considerados actos de comércio para efeitos da regulação
mercantil.
São eles os seguintes:
i) Fiança mercantil (101.º CCom): “Todo o fiador de obrigação mercantil,
ainda que não seja comerciante, será solidário com o respectivo afiançado.”
Consiste a fiança na garantia pessoal de cumprimento de uma dívida de outrem. O
seu regime comum encontra-se nos arts. 627.º e ss. CCiv;
ii) Mandato mercantil (231.º e ss. CCom): “Dá-se mandato comercial quando
alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais actos de comércio por mandato
de outrem.” O regime comum do mandato está regulado nos arts. 1157.º e ss. CCiv;
iii) Conta corrente (344.º e ss. CCom): “Dá-se contrato de conta corrente
todas as vezes que duas pessoas, tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam
a transformar os seus créditos em artigos de «deve» e «há-de haver», de sorte que
só o saldo final resultante da sua liquidação seja exigível.” Não se encontra regulado
no CCiv;
iv) Operações de banco (362.º e ss. CCom): “São comerciais todas as
operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos
ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos,
descontos, cobranças, aberturas de créditos, emissão e circulação de notas ou
títulos fiduciários pagáveis à vista a ao portador.” Operações de banco é uma
categoria genérica que pode englobar actos que singularmente adquirem natureza
diversa, mas que têm conexão com a prática bancária;
v) Contrato de transporte (366.º e ss. CCom): “O contrato de transporte
por terra, canais ou rios considerar-se-á mercantil quando os condutores tiverem
constituído empresa ou companhia regular e permanente.” O contrato de
transporte é objecto também de legislação especial, em parte derrogatória do
regime vigente no CCom;
vi) Empréstimo mercantil (394.º e 395.º CCom): “Para que o contrato de
empréstimo seja havido por comercial é mister que a coisa cedida seja destinada a
qualquer acto mercantil.” O regime comum do mútuo encontra-se regulado no art.
1142.º CCiv;
vii) Penhor mercantil (397.º e ss. CCom): “Para que o penhor seja
considerado mercantil é mister que a dívida que se cauciona proceda de acto
comercial.” O regime comum do penhor encontra-se regulado nos arts. 666.º e ss.
CCiv;
viii) Depósito mercantil (403.º e ss. CCom): “Para que o depósito seja
considerado mercantil é necessário que seja de géneros ou de mercadorias
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destinados a qualquer acto de comércio.” O regime comum do depósito encontra-
se regulado nos arts. 1185.º e ss. CCiv;
ix) Depósito de géneros e de mercadorias nos armazéns gerais (408.º e ss.
CCom);
x) A compra e venda mercantil (463.º e ss. CCom), correspondendo grosso
modo à compra para revenda ou revenda do que se comprou com esse intuito. O
regime comum do depósito encontra-se regulado nos arts. 874.º e ss. CCiv;
xi) Reporte (477.º e ss. CCom): “O reporte é constituído pela compra, a
dinheiro de contado, de títulos de crédito negociáveis e pela revenda simultânea de
títulos da mesma espécie, a termo, mas por preço determinado, sendo a compra e
a revenda feitas à mesma pessoa.” Não se encontra regulado no CCiv, tratando-se
de uma estrutura negocial complexa assente na transmissão de direitos, com vista
a diferentes possíveis finalidades4.
xii) Escambo ou troca (480.º CCom): “O escambo ou troca será mercantil
nos mesmos casos em que o é a compra e venda, e regular-se á pelas mesmas regras
estabelecidas para esta, em tudo quanto forem aplicáveis às circunstâncias ou
condições daquele contrato.” Este tipo contratual não se encontra referido
nominalmente referido no Código Civil, que, todavia, dispõe também que as
disposições da compra e venda se aplicam mutatis mutandis a outros contratos de
transmissão de direitos (939.º CCiv).
xiii) Aluguer (481.º e 482.º CCom): “O aluguer será mercantil quando a coisa
tiver sido comprada para se lhe alugar o uso.” O regime geral da locação está
regulado nos arts. 1022.º e ss. CCiv;
xiv) Transmissão e reforma de título de crédito mercantil (arts. 483.º e ss.).
Tal matéria é, além do disposto no Código Comercial, objecto de legislação
especial.
xv) Actos relativos ao comércio marítimo (livro III). Tal matéria é, além do
disposto no Código Comercial, objecto de legislação especial.
O estudo sistemático destes diferentes contratos é objecto da disciplina de Contratos
Comerciais.
b) Os actos que não se encontram regulados no Código Comercial, mas numa lei
que substitua as respectivas normas (cf. o art. 4.º da Carta de Lei que aprovou o Código
Comercial: “Toda a modificação que de futuro se fizer sobre matéria contida no Código
Comercial será considerada como fazendo parte dele e inserida no lugar próprio, quer seja
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por meio de substituição de artigos alterados, quer pela supressão de artigos inúteis, ou
pelo adicionamento dos que forem necessários.”).
Aplicando este critério, podemos considerar comerciais5:
i) Os actos constituintes de sociedades comerciais, hoje previstos no Código
das Sociedades Comerciais, e que outrora se encontravam nos (agora revogados) arts.
104.º CCom;
ii) Os negócios jurídicos respeitantes a letras, livranças e cheques, hoje
fundamentalmente regulados no regime das Leis Uniformes (LULL e LUCh), e que
outrora se encontravam nos (agora revogados) arts. 278.º CCom;
iii) As operações de bolsas, hoje fundamentalmente regulados no Código dos
Valores Mobiliários, e que outrora se encontravam nos arts. 351.º e ss. CCom;
iv) Os contratos de transporte de mercadorias por mar, de fretamento e de
transporte de passageiros por mar (DL 352/86, de 21/10 e 349/86, de 21/10);
v) O contrato de seguro, hoje fundamentalmente regulado no Regime Jurídico
do Contrato de Seguro, e que outrora se encontrava nos arts. 425.º a 462.º CCom;
vi) O contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias (DL
239/2003, de 4/10), que revogou os arts. 366.º a 393.º CCom na parte que lhe
respeitava6.
c) Actos que o Código Comercial não qualificou como comerciais, mas aos quais
a legislação posterior deu esse tratamento:
i) O regime do arrendamento para fins não habitacionais (1108.º e ss. CCiv)
prevê regras específicas que atendem à locação ou trespasse de estabelecimento
comercial. Por essa razão, estes mesmo actos deverão qualificar-se como
comerciais;
ii) O acto de constituição de um Agrupamento Europeu de Interesse
Económico (AEIE), regulado no Regulamento (CEE) 2137/85, de 25 de Julho de
1985, conforme resulta do art. 3.º, 1 do DL 148/90, de 9/5.
iii) Os actos de mediação de seguros, atento que a lei indirectamente
postula a natureza comercial de tais actos, ao exigir que tal actividade só possa ser
exercida por quem tenha competência para a prática de actos de comércio (art.
5 Para o caso específico da associação em participação, cf. Não referido em COUTINHO DE ABREU,
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11.º, 1, b) do Regime Jurídico da Distribuição de Seguros e de Resseguros (L
7/2019, de 16/1).
iv) Actos constitutivos de sociedades qualificadas pela lei, em diplomas
avulsos, como comerciais (cf., supra, b), i)).
7 Não se refere nenhum contrato relativamente ao correspondente aos números 1 e 4, por terem a
natureza operações materiais e não de negócios jurídicos.
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ii) Agência (3.º);
iii) Edição (5.º), salvo quando seja o próprio autor a editar, a publicar ou e
vender as suas obras;
iv) Empreitada (6.º);
v) De transporte (7.º).
Mas poderá ir mesmo mais longe, considerando-se que qualquer acto praticado no
âmbito de uma empresa reconduzível ao art. 230.º é considerado como objectivamente
comercial: por ex., a aquisição de bens, os contratos de trabalho, etc. Neste sentido se
pronuncia COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, pp. 83-84,
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Actos de comércio subjectivos são, “além deles [dos actos objectivamente
comerciais] todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza
exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.” (art. 2.º, 2.ª parte CCom)8.
Incluem-se não só negócios jurídicos em sentido estrito, como também actos de fonte não
negocial mas com consequências jurídicas: assim, uma dívida decorrente de
responsabilidade civil extracontratual pode considerar-se comercial se o facto que
desencadeou a responsabilidade for imputável a comerciante.
A qualificação como acto de comércio subjectivo pressupõe três factores – um
positivo e dois negativos:
a) Tratar-se de acto praticado por comerciante: remete-se, portanto, para a noção
de comerciante, que será estudada posteriormente (Secção 2, Capítulos 2 e ss.). Refira-
se apenas o art. 13.º: “São comerciantes:/ 1.° As pessoas que, tendo capacidade para
praticar actos de comércio, fazem deste profissão;/ 2.° As sociedades comerciais.”
b) Não se tratar de acto exclusivamente civil, isto é, não podendo ser juridicamente
relacionados com o comércio: casamento (1577.º, 1587.º e ss. CCiv), perfilhação (1849.º e
ss. CCiv) ou o testamento (2179.º e ss.). Mas uma doação, por ex., já poderá ser compatível
com o comércio;
c) Não resultar o contrário do próprio acto: resultar do acto ou das suas
circunstâncias envolventes que não tem conexão com o comércio, como ocorrerá quando
o comerciante declarar, no momento da prática do acto, que ele respeita à sua actividade
particular.
8 A formulação “contratos e obrigações” parece-me explicar-se por razões históricas. Com efeito, o
termo “contratos e obrigações” era a fórmula própria do séc. XIX para designar actos negociais e suas
consequências jurídicas, sabendo-se que, na tradição romana e romanísticas, se arrancava da obrigação e não do
contrato. Cf., por ex., o título III do Livro III do Code civil de 1804: “Des contrats ou des obligations
conventionnelles en général” (arts. 1101.º e ss.). Disponível em: http://www.assemblee-
nationale.fr/evenements/code-civil-1804-1.asp .
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apenas uma é comerciante, tendo o acto a natureza de subjectivamente comercial em relação
a apenas um dos intervenientes.
Em princípio, os actos comerciais, sejam bilateral ou unilateralmente comerciais,
ficam sempre sujeitos à lei comercial, salvo quando a lei disponho diferentemente (art. 99.º
CCom): “Embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes será regulado pelas
disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, salvas as que só forem
aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o acto é mercantil, ficando, porém, todos
sujeitos à jurisdição comercial.” (Embora a disposição não esteja expressamente revogada
na parte final, não existe hoje uma jurisdição comercial específica. Cf., if., 9.c)).
9A não ser para quem entenda que os actos que (i) são acessórios de um acto qualificado como comercial,
(ii) ainda que a lei os não preveja expressamente, devem ser qualificados como comerciais, aplicando-se o
princípio geral: acessorium sequitur principale. Mas tal entendimento minoritário não será de acolher (cf., para o
tema, COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, Cap. 1, 4).
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9. Efeitos da qualificação de um acto comercial
Não são hoje muito significativo os efeitos associados à qualificação de um acto
como comercial.
Há ainda outros efeitos associados à qualificação de um acto como comercial, mas que já
foram estudados, ou sê-lo-ão, noutros pontos do programa: assim, a qualificação de certos actos
como comerciais pode implicar que alguns outros, acessórios, assim também seja qualificados (sp. n.º
8.3); por outro lado, a prática sistemática de actos comerciais, com os efeitos daí advenientes,
importa para a qualificação como comerciante (13.º CCom); e presumem-se contraídas no exercício
do comércio as dívidas dos comerciantes casados resultantes de actos comerciais (15.º CCom).
Estes pontos serão tratados na secção 2.
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9.2. Juros10
É de atentar no art. 102.º CCom:
“Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que
for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente
Código.
§ 1º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.
§ 2º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º do
Código Civil.
§ 3º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou
quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais,
singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças
e da Justiça.
§4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor
da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal
de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja,
respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de sete pontos
percentuais, sem prejuízo do disposto no parágrafo seguinte.
§5.º No caso de transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10
de maio, a taxa de juro referida no parágrafo terceiro não poderá ser inferior ao valor da
taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal
de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja,
respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos
percentuais.”
A obrigação de juros está regulada em geral nos arts. 559.º e ss. CCiv. O seu
concreto valor resulta de três factores: uma quantia em dinheiro; um período de tempo;
uma taxa de juro aplicável por certo período de tempo.
Nos termos gerais, os juros podem qualificar-se:
i) Quanto à fonte, em legais (= de Direito, isto é, quando previstos na lei)
ou convencionais (quando acordados pelas partes, isto é, resultantes de uma sua
convenção).
No que particularmente respeita aos juros comerciais vencem-se, portanto,
quando especificamente previstos no CCom, na lei geral ou no acordo das partes.
10 Sobre esta matéria, cf. ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina: Coimbra, 2014,
pp. 232-244
23
No CCom notam-se as seguintes previsões específicas: 241.º (mandato),
346.º, 5.º e 348.º, § único (conta-corrente), 395.º (empréstimo), 415.º (depósito em
armazéns gerais) e 626.º, § 2.º (contrato de risco marítimo).
ii) Quanto à função, em remuneratórios (custo pecuniário a suportar pelo
retardamento esperado no pagamento da dívida) ou moratórios (custo pecuniário a
suportar pelo retardamento não conforme ao previsto no pagamento da dívida.
A determinação da concreta da taxa juro obriga, infelizmente, a um complexo conjunto
de operações em que se deve distinguir a fonte, a função e mesmo o titular do crédito em causa.
Por força da remissão do § 2.º do art. 102.º CCom, para apurarmos o valor aplicável à taxa
de juro comercial devemos considerar o disposto nos arts. 559.º-A e 1146.º do CCiv, assim como
o valor da taxa de juro legal ou estipulado sem determinação de quantitativo (pressuposto pelo art.
1146.º CCiv e pelos § 3 e 4 do art. 102.º CCom, sem prejuízo do regime específico aplicável a
transacções comerciais). O art. 1146.º CCiv fixa os limites gerais fixados à determinação da taxa de
juro no contrato de mútuo (“usura”), sendo estendidos em geral a qualquer negócio jurídico que
delimite o âmbito de juros pelo art. 559.º-A. A taxa de juro legal ou estipulado sem determinação
de quantitativo é fixada por portaria do Ministro da Justiça e das Finanças e do Plano (559.º CCiv;
art. 102.º, § 3 CCom).
A taxa de juro legal ou fixado sem indicação de quantitativo está fixada na Portaria
291/2003, de 8 de Abril, com o seguinte teor: “Manda o Governo, pelas Ministras de Estado e das
Finanças e da Justiça, ao abrigo do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil, na redacção dada pelo
Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24 de Junho, o seguinte:/ 1.º A taxa anual dos juros legais e dos
estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo é fixada em 4%./ 2.º É revogada a Portaria
n.º 263/99, de 12 de Abril./ 3.º A presente portaria produz efeitos a partir do dia 1 do mês seguinte
ao da sua publicação.”
No que respeita à taxa específica para o juro de dívidas de que sejam credoras empresas
comerciais, deve atentar-se presentemente na Portaria n.º 277/2013, de 26/8, que prevê (art. 1.º)
a taxa de juro para efeitos do art. 102.º, § 3 CCom e do regime de reacção ao atraso no cumprimento
de transacções comerciais (if. 9.2). A portaria em causa prevê as regras de cálculo da taxa de juro
(2.º), sendo divulgada por aviso da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, até 15 de Janeiro e 15
de Julho de cada ano. Tais avisos encontram-se disponíveis em http://www.dgtf.pt/avisos-e-
circulares/taxas-de-juros-moratorios. O último aviso tem o seguinte teor: “Em conformidade com
o disposto, respetivamente, nas alíneas a) e b) do artigo 1.º da Portaria n.º 277/2013, publicada no
Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26 de agosto de 2013, dá-se conhecimento que:/ i) A taxa
supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais,
singulares ou coletivas, nos termos do § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial, em vigor no
2.º semestre de 2020, é de 7%;/ ii) A taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos
de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo
102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, em vigor no 2.º semestre
de 2020, é de 8%.”
Daqui resulta que via de regra a taxa de juros comercial é de:
a) Juros remuneratórios:
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i) Legais: 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 8 de Abril);
ii) Convencionais, desde que fixados por escrito (102.º, §1.º CCom): 4% ano,
podendo aumentar em 3 ou 5 pontos percentuais acima dos juros reais, conforme exista ou não
garantia real (559.º, 559.º-A e 1146.º, 1 CCiv, ex vi § 2.º do art. 102.º CCom ) – o que dá 7% ou 9%.
A ultrapassagem do máximo admissível implica a redução legal da taxa de juro ao máximo
admissível (1146.º, 3 CCiv).
b) Juros moratórios:
i) Legais: 4% ao ano (Portaria 291/2003, de 8 de Abril);
ii) Convencionais, desde que fixados por escrito (102.º, §1.º CCom): 4% ano,
podendo aumentar em 7 ou 9 pontos percentuais acima dos juros reais, conforme exista
ou não garantia real (559.º, 559.º-A e 1146.º, 2 CCiv, ex vi § 2.º do art. 102.º CCom ) – o
que dá 11% ou 13%.
Contudo: o caso o crédito ser da titularidade de empresa comercial (102.º, §3.º CCom),
considerada para estes efeitos em sentido subjectivo, como qualquer entidade que exerça actividade
mercantil (ainda que sem empresa em sentido objectivo)11 – como em princípio ocorrerá – ou
resultante de transacção comercial para efeitos do DL 62/2013, de 10/5, a taxa de juro legal
supletiva ser de 7% e 8%, respectivamente, o que conduz aos seguintes resultados:
i) Legais: 7% ou 8% ao ano (Portaria 291/2003, de 8 de Abril);
ii) Convencionais, desde que fixados por escrito (102.º, §1.º CCom): 4% ano,
podendo aumentar em 7 ou 9 pontos percentuais acima dos juros reais, conforme exista
ou não garantia real (559.º, 559.º-A e 1146.º, 2 CCiv, ex vi § 2.º e §3.º do art. 102.º CCom )
– o que dá 14% ou 16%, ou 15% e 16%12.
A ultrapassagem do máximo admissível implica a redução legal da taxa de juro ao
máximo admissível (1146.º, 3 CCiv).
Note-se, finalmente, que para os juros bancários vigora regime especial.
25
Conselho, de 16 de fevereiro de 2011. Para efeitos da referida Directiva, entende-se por
transacção comercial “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades
públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra
remuneração” (3.º, b)), e por empresa “uma entidade que, não sendo uma entidade pública,
desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas
singulares” (3.º, d)).
A taxa de juro devida por mora no cumprimento (4.º) já foi antes considerada (9.3).
Sublinhe-se adicionalmente que o referido regime, entre outros efeitos, prevê a
possibilidade de recurso ao procedimento especial de injunção, com vista à obtenção
facilitada de título executivo, independentemente do valor da dívida (10.º, 1).
26
27
Secção 2 - Dos Comerciantes
2. Capacidade comercial
10. Capacidade comercial
Começámos por ver qual o regime aplicável aos actos comerciais. Veremos agora
o estatuto daqueles que fazem do comércio profissão: quem tem capacidade para ser
comerciante; quais as diferentes modalidades de comerciante; qual o regime jurídico
específico a que estão sujeitos.
Como princípio, vale a regra de que têm capacidade para o comércio todas as
pessoas, singulares ou colectiva, que tenha capacidade de exercício (medida dos direito e
das obrigações que se pode exercer por si próprio), com as restrições que adiante se farão.
É o que dispõe o art. 7.º CCom:
“Toda a pessoa, nacional ou estrangeira, que for civilmente capaz de se obrigar,
poderá praticar actos de comércio, em qualquer parte destes reinos e seus domínios, nos
termos e salvas as excepções do presente Código.”
Concretizaremos adiante as regras de capacidade em função do concreto sujeito
em causa.
28
– se assim o exigir o regime de acompanhamento determinado – não poderão exercer o
comércio por si próprios, nem adquirir dessa forma a qualidade de comerciantes.
Já o poderão ser, porém, nos casos em que o comércio seja exercido pelos seus
representantes nos casos em que a lei o admita (cf., para os pais, o art. 1889.º, 1, c) CCiv13;
para o tutor ou administrador de bens de menor, o art. 1938.º, 1, a) CCiv14; 1971.º, 1 e 2
CCiv15; para o acompanhante, o art. 145.º, 4 e 5 CCiv).
b) Que faça do comércio profissão: trata-se, portanto, de exercer uma “actividade
comercial ou praticar actos de comércio com profissionalidade, isto é, de modo habitual
ou sistemático” (COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, 114-115). A actividade, porém, não tem
de ser a principal do sujeito, nem tem de ser constante (pode ser sazonal).
c) Que a actividade seja exercida em nome próprio ou por conta daquele a quem
se imputa a prática do acto.
A qualidade de comerciante adquire-se a partir do momento em que se manifesta
concreta e exteriormente a intenção de reunir estes pressupostos. Assim, se alguém adquire
uma empresa comercial é comerciante mesmo antes de a começar a explorar; como
também o é ao preparar a organização da empresa (aquisição de espaço; aquisição de bens;
contratação de trabalhadores; etc.)
13 “Como representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal (…) Adquirir estabelecimento
comercial ou industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação”
14 “O tutor, como representante do pupilo, necessita de autorização do tribunal:/ a) Para praticar qualquer dos actos
mencionados no n.º 1 do artigo 1889.º”
“1. No âmbito da sua administração, o administrador tem os direitos e deveres do tutor./ 2. O
15
administrador é o representante legal do menor nos actos relativos aos bens cuja administração lhe pertença.”
29
por sociedades anónimas (sendo o crime o exercício por pessoa não autorizada: art. 200.º
RGIC). Regime semelhante vale em matéria de direito dos seguros;
b) A título incompatibilidade, em razão das funções exercidas e apenas nessa medida,
pode elencar-se o art. 8.º-A do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o art. 107.º do Estatuto
dos Magistrados do Ministério Público e o art. 14.º do Estatuto dos Militares das Forças
Armadas.
c) O impedimento (ou incompatibilidade relativa) atinge pessoa determinada, mas pode
cessar com autorização do interessado: é o caso da proibição de não concorrência que
incide sobre gerentes e administradores de sociedades comerciais (253.º CCom; 180.º, 254.º,
398.º, 3 e 428.º CSC)16.
d) A inibição para o exercício do comércio, dirigida a pessoa certa e determinada,
resulta indirectamente do art. 81.º, 1 CIRE, ao privar o insolvente, por si ou pelos seus
administradores, dos poderes de disposição sobre os bens integrantes da massa insolvente.
Pode também ser decretada a inibição para a prática de comércio no âmbito do
chamado incidente de qualificação da insolvência, prevendo-se que, na eventualidade de a
insolvência se considerar dolosa, o juiz deverá, em relação aos seus responsáveis:
“c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um
período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão
de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica,
empresa pública ou cooperativa”
16Se ainda assim a pessoa praticar actos de comércio, adquirirá nestes casos de incompatibilidade e
impedimento a qualidade de comerciante, embora podendo sofrer sanções de outra ordem. Cf. COUTINHO
DE ABREU, CDC12, cap. 2, 4.2.1.
17 “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo
definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades
por fusão, cisão ou transformação de outras.”
30
momento se devem considerar constituídas como comerciantes, ainda que não praticado
concretamente um qualquer acto de comércio.
Nos termos do CSC, é admissível que uma sociedade adopte a forma comercial mesmo não tendo objecto
mercantil: é, então, uma sociedade civil sob forma comercial (1.º, 4 CSC). Nesse caso não adquirem a qualidade de
comerciantes. Cf. COUTINHO DE ABREU, CDC12, cap. 2, 2.2.1.
31
fim, que delimita a capacidade das pessoas colectivas: cf. o art. 160.º CCiv). É assim
legítimo, por ex., que uma associação explore um bar nas suas instalações.
3.3. Quem não pode ser comerciante (análise das figuras do artesão, do
agricultor, dos profissionais liberais, entre outros)
32
estabelecimentos, e as vendas de tais objectos que fizerem depois de assim transformados
ou aperfeiçoados.”
c) Profissionais liberais, i.é, pessoas que exercem uma actividade de natureza
predominamente intelectual, tradicionalmente com ampla autonomia de actuação, e sujeita a
mecanismos próprios de supervisão e regulação (ordens profissionais, câmaras,…;
juridicamente: associações públicas profissionais). Cf. o art. 27.º, 2 da Lei das Associações
Públicas Profissionais:
“As sociedades de profissionais constituídas em Portugal podem ser sociedades
civis ou assumir qualquer forma jurídica admissível por lei para o exercício de actividades
comerciais.”
d) Actividade artística (“escultores, pintores, escritores, cientistas, músicos”):
Art. 230.º, §5: “Não se haverá como compreendido no nº 5 o próprio autor que
editar, publicar ou vender as suas obras.”
33
c) O empréstimo mercantil entre comerciantes admite qualquer tipo de prova
(396.º CCom, diferentemente do art. 1143.º CCiv18): “O empréstimo mercantil entre
comerciantes admite, seja qual for o seu valor, todo o género de prova.”;
d) O penhor mercantil de valor superior a 200 mil réis, cerca de um euro, pode
provar-se por escrito para produzir efeitos em relação a terceiros (400.º CCom,
diferentemente do disposto nos arts. 669.º e 681.º CCiv19): “Para que o penhor mercantil
entre comerciantes por quantia excedente a duzentos mil réis produza efeitos com relação
a terceiros basta que se prove por escrito.”;
e) Prescrevem no prazo de dois anos os créditos de comerciantes referidos no art.
317.º, b) CCiv: “Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja
comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que
exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos,
execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam
efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor”;20
f) Sujeição às obrigações constantes do art. 18.º CCom, que serão estudadas de
seguida.
18 “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é
válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior
a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário”.
19 Cf., respectivamente, o art. 669.º, “1. O penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa
34
4. Obrigações especiais dos comerciantes
4.1. A firma
19. Obrigação de adoptar firma. Composição da firma.
A primeira obrigação constante do art. 18.º CCom é a de adoptar firma. A firma do
comerciante (alguns não comerciantes, como as sociedades civis de tipo comercial) constitui
o seu nome comercial, isto é, o nome que oficialmente usa na prática do comércio. Uma parte
significativa do respectivo regime encontra-se fixado no regime do Regime Jurídico do
Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC), particularmente nos respectivos artigos
32.º e ss.
A firma é constituída:
a) No caso de comerciante pessoa singular, a firma deverá ser constituída pelo
nome do comerciante, completo ou abreviado, podendo ser antecedido de títulos do
comerciante e sucedido de alcunhas ou alusão à respectiva actividade. É o que dispõe o
art. 38.º:
“1. O comerciante individual deve adoptar uma só firma, composta pelo seu nome,
completo ou abreviado, conforme seja necessário para identificação da pessoa, podendo
aditar-lhe alcunha ou expressão alusiva à actividade exercida.
2. O comerciante individual pode ainda aditar à sua firma a indicação «Sucessor de»
ou «Herdeiro de» e a firma do estabelecimento que tenha adquirido.
3. O nome do comerciante individual não pode ser antecedido de quaisquer
expressões ou siglas, salvo as correspondentes a títulos académicos, profissionais ou
nobiliárquicos a que tenha direito, e a sua abreviação não pode reduzir-se a um só
vocábulo, a menos que a adição efectuada o torne completamente individualizador.
35
4. Os comerciantes individuais que não usem como firma apenas o seu nome
completo ou abreviado têm direito ao uso exclusivo da sua firma desde a data do registo
definitivo e no âmbito do concelho onde se encontra o seu estabelecimento principal.
(5. Revogado)”21
b) No caso de comerciante pessoa colectiva, a composição da firma, nos termos
previstos no Código das Sociedades Comerciais. O modo de composição da firma
depende de acordo com o tipo de sociedade comercial adoptado.
i) Tratando-se de sociedades em nome colectivo (estatisticamente irrelevantes), a
firma será composta nos termos do art. 177.º, 1 CSC:
“1. A firma da sociedade em nome colectivo deve, quando não individualizar
todos os sócios, conter, pelo menos, o nome ou firma de um deles, com o aditamento,
abreviado ou por extenso, 'e Companhia' ou qualquer outro que indique a existência de
outros sócios.
2. Se alguém que não for sócio da sociedade incluir o seu nome ou firma na firma
social, ficará sujeito à responsabilidade imposta aos sócios no artigo 175.º”
Um regime próximo vale para as sociedades em comandita (que subdividem em
simples e por acções). Cf. o 467.º, 1:
“A firma da sociedade é formada pelo nome ou firma de um, pelo menos, dos
sócios comanditados e o aditamento 'em Comandita' ou '& Comandita', 'em Comandita
por Acções' ou '& Comandita por Acções'.” 22
36
Por denominação particular (ou firma-denominação) entende-se tradicionalmente uma
referência ao objecto de actividade. Desde, todavia, a entrada em vigor do DL 111/2005,
de 8/7 (“Empresa na hora”), o objecto societário pode ser totalmente fantasioso23.
Para as firmas ou denominações de outras entidades, cf. COUTINHO DE ABREU,
CDC, I12, Cap. 2, 6.1.2.3-4.
37
5 - Quando, por qualquer causa, deixe de ser associado ou sócio pessoa singular
cujo nome figure na firma ou denominação de pessoa colectiva, deve tal firma ou
denominação ser alterada no prazo de um ano, a não ser que o associado ou sócio que se
retire ou os herdeiros do que falecer consintam por escrito na continuação da mesma firma
ou denominação.”
25 Cf. alguns exemplos retirados da jurisprudência em COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, p. 170, n. 392.
38
Para os comerciantes em nome individual, vigora em particular o art. 38.º, 4: “Os
comerciantes individuais que não usem como firma apenas o seu nome completo ou
abreviado têm direito ao uso exclusivo da sua firma desde a data do registo definitivo e no
âmbito do concelho onde se encontra o seu estabelecimento principal.” Não se encontra
protegida a hipótese de dois comerciantes com nome completo homónimo – nesse caso,
portanto, ambos poderão adoptar a mesma firma.
A exclusividade valerá mesmo para a actividades não concorrentes (COUTINHO DE
ABREU, CDC, I12, cap. 2, 6.1.3.2).
39
c) Expressões incompatíveis com o respeito pela liberdade de opção política,
religiosa ou ideológica;
d) Expressões que desrespeitem ou se apropriem ilegitimamente de símbolos
nacionais, personalidades, épocas ou instituições cujo nome ou significado seja de
salvaguardar por razões históricas, patrióticas, científicas, institucionais, culturais ou outras
atendíveis.”
Como lugar paralelo no Direito societário, cf. o art. 10.º, 5 CSC:
“5 - Da denominação das sociedades não podem fazer parte:
a) Expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica da
sociedade, designadamente expressões correntemente usadas na designação de
organismos públicos ou de pessoas colectivas sem finalidade lucrativa;
b) Expressões proibidas por lei ou ofensivas da moral ou dos bons costumes.”
40
“O disposto nos n.os 1 e 2 não prejudica a possibilidade de declaração de
nulidade, anulação ou revogação do direito à exclusividade por sentença judicial ou a
declaração da sua perda nos termos dos artigos 60.º e 61.”
b) O uso ilegal de firma ou denominação permite o recurso a acções inibitórias e
indemnizatórias, nos termos do art. 62.º RNPC:
“O uso ilegal de uma firma ou denominação confere aos interessados o direito de
exigir a sua proibição, bem como a indemnização pelos danos daí emergentes, sem
prejuízo da correspondente acção criminal, se a ela houver lugar.”
Para outros aspectos de tutela (firmas não registadas em absoluto ou não registadas em
Portugal, cf. COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, 6.1.6).
41
4.2. O registo comercial (breves
notas).
4.3. A escrituração mercantil (breves notas).
4.4. O balanço e a prestação de contas (breves notas).
42
lado, e não à relação horizontal das relações entre comerciantes; e porque, nos seus
pressupostos, também se aplicam uniformemente a diferentes categorias de comerciantes).
Como é sabido, o actual Direito Tributário serve-se da categoria da relação jurídica
tributária para enquadrar a relação entre o contribuinte e o Estado (Lei Geral Tributária).
À obrigação principal, que é a obrigação de pagar imposto (31.º, 1 LGT: “Constitui obrigação
principal do sujeito passivo efectuar o pagamento da dívida tributária.”), acresce um amplo
conjunto de obrigações acessórias. Encontram-se especialmente previstas nos diferentes
diplomas relativos a cada categoria de imposto. Vejamos dois exemplos, relativos aos
impostos que mais incidem sobre a vida empresarial: o CIRC e o CIVA.
Quanto ao CIRC, o elenco das obrigações acessórias encontra-se previsto nos
artigos 117.º e ss.; quanto ao CIVA, nos arts. 29.º e ss. Vejamos sucessivamente tais
normas:
CIRC CIVA
Artigo 117.º Obrigações Artigo 29.º Obrigações em geral.
declarativas
Artigo 30.º Representante fiscal.
Artigo 118.º Declaração de
Artigo 31.º Declaração de início de
inscrição, de alterações ou de cessação
actividade.
Artigo 119.º Declaração verbal de
Artigo 32.º Declaração de
inscrição, de alterações ou de cessação
alterações.
Artigo 120.º Declaração periódica
Artigo 33.º Declaração de
de rendimentos
cessação de actividade.
Artigo 121.º Declaração anual de
Artigo 34.º Conceito de cessação de
informação contabilística e fiscal
actividade.
Artigo 121.º-A Informação
Artigo 35.º Apresentação das
financeira e fiscal de grupos multinacionais
declarações.
Artigo 121.º-B Requisitos gerais de
Artigo 35.º-A Delimitação de
relato
competências em matéria de faturação.
Artigo 122.º Declaração de
Artigo 36.º Prazo de emissão e
substituição
formalidades das facturas.
Artigo 123.º Obrigações
Artigo 37.º Repercussão do imposto.
contabilísticas das empresas
Artigo 38.º Facturação de mercadorias
Artigo 124.º Regime simplificado
enviadas à consignação.
de escrituração
Artigo 39.º Facturas emitidas por
Artigo 125.º Faturação e arquivo
retalhistas e prestadores de serviços.
Artigo 40.º Faturas simplificadas.
43
Artigo 126.º Representação de Artigo 41.º Prazo de entrega das
entidades não residentes declarações periódicas.
Artigo 42.º Conceito de volume de
negócios.
Artigo 43.º (revogado pelo art.º 199.º da
Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
Artigo 44.º Requisitos da contabilidade.
Artigo 45.º Registo das operações em
caso de emissão de facturas.
Artigo 46.º Registo das operações em
caso de não emissão de facturas.
Artigo 47.º Registo das transmissões de
bens efectuadas por retalhistas.
Artigo 48.º Registo das operações
efectuadas ao sujeito passivo.
Artigo 49.º Apuramento da base
tributável nas facturas com imposto incluído.
Artigo 50.º Livros de registo.
Artigo 51.º-A Obrigação de
conservação de registos pelas interfaces
eletrónicas.
Artigo 51.º Registo dos bens de
investimento.
Artigo 52.º Prazo de arquivo e
conservação de livros, registos e documentos
de suporte.
44
território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade
organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º,
permita o controlo do lucro tributável.
2. Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:
a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos,
datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;
b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras,
devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.
3 . Não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados
do último dia do mês a que as operações respeitam.”
A razão pela qual impende um tão significativo de obrigações sobre – desde logo
– comerciantes está em que, presentemente, são os principais responsáveis pelo sistema
de liquidação e de cobrança da generalidade dos impostos (pense-se, por ex., na retenção
na fonte de IRS). A administração tributária, por conseguinte, transfere para os sujeitos
privados a actividade – e o custo correspondente, de modo que se trata de um verdadeiro
outsourcing por via normativa (externalização do custo) – de liquidação de impostos, bem
como de conservação de todos os registos necessários a que a administração tributária,
num segundo nível, possa controlar os custos correspondentes. CASALTA NABAIS sustenta
mesmo ser este, na actualidade, o principal papel desempenhado pelas empresas ao nível
fiscal (DFE2, 29).
Este pequeno excurso serve, por isso, de importante advertência: algumas das
principais obrigações que impendem sobre comerciantes podem não resultar sequer do
Código Comercial, mas de outras fontes de regulação. Ou, visto sob um outro prisma,
poder-se-á chamar a atenção que ao lado de um Direito Comercial privado há também um
Direito Comercial público. Que estes pontos não fossem referidos no Código Comercial de
1888 é facilmente compreensível – basta ver que, ao tempo, um importantíssimo imposto
como o IVA, que impõe o registo de tendencialmente todas as transacções de bens e
serviços (uma vez que se aplica ao valor acrescentado resultante da diferença entre o valor
suportado e cobrado), pura e simplesmente não tinha sido inventado no séc. XIX.
45
Ora, o registo das operações comerciais realizadas constitui justamente um dos meios
historicamente encontrados pelos comerciantes para reduzir a incerteza e a dúvida a
respeito das respectivas transacções recíprocas – e um meio de facilitação do próprio
comércio. Se cada um está adstrito a registar as suas transacções, então as interacções
poderão decorrer de modo mais célere e expedito.
A obrigação de escrituração incide sobre os seguintes aspectos:
a) Como princípio geral, vale a liberdade no modo de organização da escrituração,
salvas as restrições constantes da lei (art. 30.º). A escrituração pode ser feita pelo próprio
comerciante ou por recurso a terceiro (art. 38.º).
Da versão inicial até ao DL 76-A/2006, de 29/3, a lei previa quatro livros mercantis:
inventário e balanços; diário; razão; copiador.
b) Obrigações contabilísticas: não se prevê, por força, do princípio regras
específicas de escrituração. Mas é de notar que se trata de um domínio sujeito a um amplo
conjunto de regras técnicas. A circunstância de, para efeitos tributários, se impor a
contabilidade “organizada nos termos da lei” (v., sp., 123.º CIRC), conduz a que as
referidas regras sejam também observadas para a escrituração mercantil (de resto, a
escrituração usada para efeitos tributários pode ser a mesma usada para a escrituração
mercantil). Acresce que as entidades constantes do art. 3.º, 1 do DL 158/2009, de 13/7 –
nem todas comerciantes -, estão obrigadas a adoptar o SNC (“Sistema de Normalização
Contabilística”).
c) Obrigação de arquivar a correspondência mercantil (art. 40.º CCom):
“1. Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e
recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar
tudo pelo período de 10 anos.
2. Os documentos referidos no número anterior podem ser arquivados com
recurso a meios electrónicos.”
No caso de extinção de sociedade comercial, cf. o art. 157.º, 4 CCom.
d) No caso das sociedades comerciais, a obrigação de possuir livros para actas (31.º,
1 CCom), compostos nos termos do art. 31.º, 2 CCom. Os livros para este efeito servem
para registar o teor das deliberações sociais e da discussão que as precedeu. Tal resulta do
art. 37.º CCom:
“Os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem
as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada
uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência
à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e
tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela
mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.”
Quanto ao modo de redacção de se lavrar a acta, cf. o art. 39.º CCom:
46
“1. Sem prejuízo da utilização de livros de actas em suporte electrónico, as actas
devem ser lavradas sem intervalos em branco, entrelinhas ou rasuras.
2. No caso de erro, omissão ou rasura deve tal facto ser ressalvado antes da
assinatura.”
b) Pode exigir-se a exibição por inteiro nos termos do art. 42.º CCom: “A exibição
judicial dos livros de escrituração mercantil, e dos documentos a ela relativos, só pode ser
ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou
sociedade e no caso de insolvência.”
Daqui decorre:
i) Que só os interessados podem exigir a exibição;
ii) Que ela só é admitida nos casos de sucessão universal (morte);
comunhão (divórcio ou morte de um dos cônjuges, que implique a partilha
dos bens comuns), sociedade (dissolução de sociedade; saída de sócio) ou
insolvência.
47
2 - O exame da escrituração e dos documentos do comerciante ocorre no
domicílio profissional ou na sede deste, em sua presença, e é limitado à averiguação e
extracção dos elementos que tenham relação com a questão.”
Mas fora do Código Comercial são múltiplas as previsões que permitem o acesso
à escrituração comercial da empresa. De entre várias (cf. COUTINHO DE ABREU, CDC, I12,
Cap. II, 6.3), destaca-se novamente, e em primeira linha, a possibilidade de lhe aceder no
âmbito do Direito Tributário. Além das disposições constantes dos diferentes Códigos
Tributários, sublinhe-se ainda o enorme potencial de descoberta da escrituração mercantil
por força do regime de Inspecção Tributária e Aduaneira (cf. Regime Complementar do Procedimento
de Inspeção Tributária e Aduaneira).
d) Força probatória
À devida organização da escrituração mercantil está associado um valor probatório
específico, nos termos do art. 44.º CCom:
“Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos em juízo a fazer prova
entre comerciantes, em factos do seu comércio, nos termos seguintes:
1.° Os assentos lançados nos livros de comércio, ainda quando não regularmente
arrumados, provam contra os comerciantes, cujos são; mas os litigantes, que tais assentos
quiserem ajudar-se, devem aceitar igualmente os que lhes forem prejudiciais;
2.° Os assentos lançados em livros de comércio, regularmente arrumados, fazem
prova em favor dos seus respectivos proprietários, não apresentando o outro litigante
assentos opostos em livros arrumados nos mesmos termos ou prova em contrário;
3.° Quando da combinação dos livros mercantis de um e de outro litigante,
regularmente arrumados, resultar prova contraditória, o tribunal decidirá a questão pelo
merecimento de quaisquer provas do processo;
4.° Se entre os assentos dos livros de um e de outro comerciante houver
discrepância, achando-se os de um regularmente arrumados e os do outro não, aqueles
farão fé contra estes, salva a demonstração do contrário por meio de outras provas em
direito admissíveis.
§ Único. Se um comerciante não tiver livros de escrituração, ou recusar apresentá-
los, farão fé contra ele os do outro litigante, devidamente arrumados, excepto sendo a
falta dos livros devida a caso de força maior, e ficando sempre salva a prova contra os
assentos exibidos pelos meios admissíveis em juízo.”
48
(…) 3.° A fazer inscrever no registo comercial os actos a ele sujeitos (…).
O registo comercial encontra-se previsto no Código de Registo Comercial. Nos
termos do respectivo art. 1.º, 1:
“O registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos
comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma
comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em
vista a segurança do comércio jurídico.”
Também são levados a registo comercial factos relativos a cooperativas, empresas públicas, ACE,
28
AEIE, EIRL.
49
extinção, bem como a penhora dos direitos
aos lucros e à quota de liquidação;
f) A constituição e a transmissão de usufruto,
o penhor, o arresto, o arrolamento, a penhora
e a apreensão em processo penal de quotas
ou direitos sobre elas e ainda quaisquer
outros atos ou providências que afetem a sua
livre disposição;
g) A exoneração e exclusão de sócios de
sociedades em nome colectivo e de
sociedades em comandita, bem como a
extinção de parte social por falecimento do
sócio e a admissão de novos sócios de
responsabilidade ilimitada;
h) (Revogada.)
i) A amortização de quotas e a exclusão e
exoneração de sócios de sociedades por
quotas;
j) A deliberação de amortização, conversão e
remissão de acções;
l) A emissão de obrigações, quando realizada
através de oferta particular, excepto se tiver
ocorrido, dentro do prazo para requerer o
registo, a admissão das mesmas à negociação
em mercado regulamentado de valores
mobiliários;
m) A designação e cessação de funções, por
qualquer causa que não seja o decurso do
tempo, dos membros dos órgãos de
administração e de fiscalização das
sociedades, bem como do secretário da
sociedade;
n) A prestação de contas das sociedades
anónimas, por quotas e em comandita por
acções, bem como das sociedades em nome
colectivo e em comandita simples quando
houver lugar a depósito, e de contas
consolidadas de sociedades obrigadas a
prestá-las;
o) A mudança da sede da sociedade e a
transferência de sede para o estrangeiro;
p) O projecto de fusão interna ou
transfronteiriça e o projecto de cisão de
sociedades;
q) O projecto de constituição de uma
sociedade anónima europeia por meio de
fusão, o projecto de constituição de uma
sociedade anónima europeia por meio de
transformação de sociedade anónima de
direito interno e o projecto de constituição de
uma sociedade anónima europeia gestora de
50
participações sociais, bem como a verificação
das condições de que depende esta última
constituição;
r) A prorrogação, fusão interna ou
transfronteiriça, cisão, transformação e
dissolução das sociedades, bem como o
aumento, redução ou reintegração do capital
social e qualquer outra alteração ao contrato
de sociedade;
s) A designação e cessação de funções,
anterior ao encerramento da liquidação, dos
liquidatários das sociedades, bem como os
actos de modificação dos poderes legais ou
contratuais dos liquidatários;
t) O encerramento da liquidação ou o
regresso à actividade da sociedade;
u) A deliberação de manutenção do domínio
total de uma sociedade por outra, em relação
de grupo, bem como o termo dessa situação;
v) O contrato de subordinação, suas
modificações e seu termo;
x) (Revogada.)
z) A emissão de warrants sobre valores
mobiliários próprios, quando realizada através
de oferta particular por entidade que não
tenha valores mobiliários admitidos à
negociação em mercado regulamentado
nacional, excepto se tiver ocorrido, dentro do
prazo para requerer o registo, a admissão dos
mesmos à negociação em mercado
regulamentado de valores mobiliários.
51
Além destes factos, devem ser levados a registo as acções e decisões constantes
do art. 9.º CRC29 e os factos, residuais, constantes do art. 10.º CRC30. Dos vários factos
sujeitos a registo, são obrigatórios os referidos no art. 15.º CRC: “
52
“O registo dos factos referidos nas alíneas a) a c) e e) a z) do n.º 1 e no n.º 2 do
artigo 3.º, no artigo 4.º, nas alíneas a), e) e f) do artigo 5.º, nos artigos 6.º, 7.º e 8.º e nas
alíneas c) e d) do artigo 10.º é obrigatório.”
b) Carácter público
O registo tem carácter público, conforme decorre do art. 73.º CRC (cf. a respectiva
epígrafe: “Carácter público do registo.”
Por isso nos termos do respectivo n.º 1 se prescreve:
“Qualquer pessoa pode pedir certidões dos actos de registo e dos documentos
arquivados, bem como obter informações verbais ou escritas sobre o conteúdo de uns e
outros.”
c) Efeito do registo
O valor do registo é fixado pelos artigos 11.º a 14.º CRC:
a) Presunção do registo (art. 11.º):
“O registo por transcrição definitivo31 constitui presunção de que existe a
situação jurídica, nos precisos termos em que é definida.”
53
“1 - Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados
entre as próprias partes ou seus herdeiros.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os actos constitutivos das
sociedades e respectivas alterações, a que se aplica o disposto no Código das Sociedades
Comerciais e na legislação aplicável às sociedades anónimas europeias.”
54
Estão dispensados da apresentação destas demonstrações – cuja elaboração pode
representar uma fonte de custo adequado – as entidades previstas no art. 10.º do mesmo
diploma: “Ficam dispensadas do previsto no artigo 3.º [âmbito de aplicação do regime] as
pessoas que, exercendo a título individual qualquer actividade comercial, industrial ou
agrícola, não realizem na média dos últimos três anos um volume de negócios superior a
(euro) 150 000.” Também no Direito Tributário se prevêem regimes simplificados de
tributação para entidades de menor dimensão económica.
55
contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de
separação de bens.”
Desta norma do CCiv – considerada isoladamente – decorre, pois, que se o credor
provar que a dívida do seu devedor foi no exercício do comércio (“salvo quando se prove
que não foram contraídas em proveito comum do casal” – o que será de grande
dificuldade, dado que os proventos do comércio aproveitam ao casal), por ela respondem:
não só o devedor, como também o cônjuge. Mas na dúvida acerca do exercício do
comércio, o tribunal deverá decidir contra o credor.
Mas se o cônjuge que contraiu a dívida for comerciante, presume-se, nos termos do
art. 15.º CCom, que a dívida foi contraída no exercício do comércio. Neste caso, basta ao
credor provar que a dívida foi contraída (i) por um comerciante, e que (ii) é comercial (o
que não será difícil, atenta a categoria dos actos subjectivamente comerciais), o que facilita
significativamente a sua actividade probatória do credor. Serão os cônjuges a ter de
demonstrar, se quiserem obstar à aplicação deste regime, que deverão convencer o tribunal
de que a dívida não foi contraída no exercício do comércio.
Em síntese: se um dos cônjuges for comerciante, em princípio pelas suas dívidas
responde o património de ambos os cônjuges.
b) Regime de responsabilidade
Sendo a dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, tal implica, nos termos
do art. 1695.º, 1:
“Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os
bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios
de qualquer dos cônjuges.”
56
Secção 3 – Dos meios para o exercício do comércio
A firma (e denominação) são também sinais distintivos, protegidos pelo Direito, da actividade comercial.
32
Note, ao longo da exposição, como o regime vigente é análogo ao vigente para as firmas.
57
Grupo Jerónimo Martins SGPS, SA
58
c) Princípio da novidade. O logótipo deve distinguir-se de qualquer outro sinal já
existente (art. 289.º, 1, a) e b) CPI). O critério de diferenciação é a de um destinatário comum
que confronte os dois logótipos em comparação. A novidade só é exigida caso as actividades
sejam concorrentes (a não ser havendo consentimento: 236.º, ex vi 290.º CPI),
No caso de logótipo de prestígio, ainda que a actividade do sujeito que elabora o
novo logótipo não seja concorrente, exige-se que o novo logótipo respeite o critério da
novidade.
d) Princípio da licitude (residual). O logótipo deve respeitar as demais regras de
composição previstas na lei: cf. o art. 288.º e 289.º.
59
c) Transmissão dos logótipos – Uma vez que os logótipos se destinam a identificar
os sujeitos ou os seus estabelecimentos, a sua transmissão depende da transmissão do
estabelecimento a que indirectamente se encontram ligados (295.º CPI):
“1 - Quando seja usado num estabelecimento, os direitos emergentes do pedido de
registo ou do registo de logótipo só podem transmitir-se, a título gratuito ou oneroso, com
o estabelecimento, ou parte do estabelecimento, a que estão ligados.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 30.º, a transmissão do
estabelecimento envolve o respetivo logótipo, que pode continuar tal como está registado,
salvo se o transmitente o reservar para outro estabelecimento, presente ou futuro.”
d) O logótipo extingue-se:
i) Por nulidade (rigorosamente: não se constituir), conforme dispõe o art. 296.º CPI:
1. Para além do que se dispõe no artigo 32.º, o registo do logótipo é nulo quando,
na sua concessão, tenha sido infringido o disposto nos n.os 1 e 3 a 6 do artigo 288.º
2. É aplicável aos pedidos de declaração de nulidade, com as necessárias
adaptações, o disposto nos artigos 262.º a 266.º e no n.º 2 do artigo 288.º
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (32.º, 2 CPI),
sendo interessados os sujeitos referidos no art. 262.º, 2, a), ex vi 296.º, 2 CPI. A declaração
compete ao INPI, podendo também ser feita judicialmente no âmbito de pedido
reconvencional (34.º, 2; 266.º, ex vi 296.º, 2 CPI).
ii) Por anulabilidade, conforme dispõe o art. 297.º, 1 CPI:
1. Para além do que se dispõe no artigo 33.º, o registo é anulável quando, na sua
concessão, tenha sido infringido o disposto no artigo 289.º, excepcionando o disposto na
alínea h) do n.º 1 daquele artigo.
2. É aplicável aos pedidos de anulação, com as necessárias adaptações e com
excepção do disposto no artigo 263.º , o disposto nos artigos 262.º a 266.º
O pedido de anulação pelos interessados pode ser formulado no prazo de cinco
anos a contar da data do despacho de concessão do registo de logótipo (34.º, 7 CPI). São
competentes as mesmas entidades antes referidas.
iii) Por caducidade, nos termos dos art. 36.º e 298.º, 1 CPI.
O art. 36.º, 1 CPI dispõe:
Os direitos de propriedade industrial caducam independentemente da sua
invocação:
a) Quando tiver expirado o seu prazo de duração;
b) Por falta de pagamento de taxas.
O art. 289.º, 1 CPI, dispõe:
60
Para além do que se dispõe no artigo 36.º, o registo caduca:
a) Por motivo de encerramento e liquidação do estabelecimento ou de extinção
da entidade;
b) Por falta de uso do logótipo durante cinco anos consecutivos, salvo justo
motivo.
iv) Por renúncia do seu titular, nos termos do art. 37.º CPI:
O titular pode renunciar aos seus direitos de propriedade industrial, desde que o
declare expressamente ao INPI, I. P.
61
33. Marcas. Noção33
Se os logótipos se destinam aos sujeitos ou ao seu estabelecimento, a marca destina-
se à identificação de produtos. É uma figura que tem origem nas corporações medievais.
Estão reguladas nos art. 208.º e ss. CPI.
As marcas podem ser objecto de várias classificações:
a) No que respeita à natureza da actividade a que se encontram ligadas, pode
distinguir-se entre vários grupos, nos termos do art. 211.º CPI:
O direito ao registo da marca cabe a quem nisso tenha legítimo interesse,
designadamente:
a) Aos industriais ou fabricantes, para assinalar os produtos do seu fabrico;
[marcas de indústria, resultantes do sector transformador e extractivo]
b) Aos comerciantes, para assinalar os produtos do seu comércio; [marcas
comerciais: grossistas e retalhistas]
c) Aos agricultores e produtores, para assinalar os produtos da sua actividade;
[marcas de agricultura]
d) Aos criadores ou artífices, para assinalar os produtos da sua arte, ofício ou
profissão;
e) Aos que prestam serviços, para assinalar a respectiva actividade. [marcas de
serviços]
b) Quanto à composição, dispõe o art. 280.º CPI:
A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de
representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos,
letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um
sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita
determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde
que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras
empresas.
33 O tema das marcas é largamente desenvolvido em COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial,8,
62
Nike
Mercedes-Benz
Mcdonald’s
Apple
63
35. Princípios de constituição
O regime de composição das marcas está sujeito aos seguintes princípios:
a) Princípio da capacidade distintiva (208.º, 209.º, 1, a) e c) CPI). Cf. o art. 209.º,
1, c):
“1 - Não satisfazem as condições do artigo anterior: (…) c) Os sinais constituídos,
exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a
qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de
produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos.”35
Palavras de línguas que não estejam em curso (por ex., latim e grego) poderão ser
utilizadas (Nike, Ceres,…).
Para formas marcas tridimensionais vale o limite do art. 209.º, 1, b) CPI:
“Os sinais constituídos, exclusivamente, pela forma ou por outra característica
imposta pela própria natureza do produto, pela forma ou por outra característica do
produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma ou por outra
característica que confira um valor substancial ao produto.”
35 Alguns exemplos em COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, p. 384. A admissão do registo deste tipo de
marcas seria como que uma privatização de bens públicos: outros sujeitos ficariam como que impedidos do
uso dessas palavras da linguagem corrente.
64
O critério da lei é claro: perante o destinatário da marca deve ser claro que se trata
de produtos diferenciados: dentro de produtos iguais ou afins (seja pelo que são – dois
refrigerantes diferentes –, seja pela sua origem – marca de computadores e marca de
teclados) não pode haver marcas iguais ou afins. O que o destinatário pode associar a
marca deve distinguir. Para apurar da confundibilidade é de atender, entre outros aspectos,
à notoriedade da marca.
Alguns exemplos:
i) De confusão:
Coca-Cola é imitada por: Totocola, Quincola, Piper-cola, Prima-cola, Spa-cola, Line-Cola,
Zimbacola, Refrescola, Pom-Cola, Fruscola.
Cola-Cao-Vit e Vit-A-Cau;
Fluxema e Fluidema;
Tamoil e Tamol;
Contal e Compal;
Em França:
La vache qui rit e la vache sérieuse (“A vaca que ri” e “a vaca séria”)
Infernal e Diable.
65
a) Constituição. É através do registo, regulado nos arts. 222.º e ss. CPI, que se
adquire o direito de propriedade sobre a marca. É o que resulta do art. 210.º CPI:
“O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca
para os produtos e serviços a que esta se destina.”
c) Duração. A o registo da marca dura 10 anos, nos termos do art. 247.º CPI:
“A duração do registo é de 10 anos, contados a partir da data da apresentação do
pedido, podendo ser indefinidamente renovado, total ou parcialmente, por iguais períodos.”
66
se englobe – nada se dispondo em diferente sentido – na transmissão. É o que decorre do
art. 256.º, 2 CPI:
“A transmissão da totalidade da empresa implica a transmissão da marca, salvo
estipulação em contrário ou se das circunstâncias decorrer claramente o contrário.”
Fora deste âmbito, a transmissão da marca está sujeita a requisito específico de
forma (forma escrita), nos termos do art. 30.º, 4 CPI, produzindo efeitos em relação a
terceiros somente depois do averbamento no INPI (29.º, 1, a) e 2 CPI).
b) As licenças não transmitem a titularidade da marca, mas conferem o direito a
utilizá-la dentro dos termos fixados (31.º CPI). Em princípio engloba todas a faculdades
transmitidas ao titular do direito à marca (31.º, 4 CPI).
Tal como se verifica com a transmissão da marca, a licença está sujeita a forma
escrita (31.º, 1 CPI), produzindo efeitos em relação a terceiros somente depois do
averbamento no INPI (29.º, 1, a) e 2 CPI).
39. Extinção
O direito à marca extingue-se:
i) Por nulidade (rigorosamente: não se constituir, sem prejuízo do disposto no art.
35.º CPI), conforme dispõe o art. 259.º, 1 CPI:
1 - Para além do que se dispõe no artigo 32.º [causas gerais de nulidade], o registo
de marca é nulo quando na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nos n.os 1 e 3
a 6 do artigo 231.º [proibições absolutas de registo]
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (32.º, 2 CPI), sendo
interessados os sujeitos referidos no art. 262.º, 2, a) CPI. A declaração compete ao INPI,
podendo também ser feita judicialmente no âmbito de pedido reconvencional (34.º, 2;
262.º, 1, 4, e 266.º).
ii) Por anulabilidade, conforme dispõe o art. 260.º, 1 CPI:
“Para além do que se dispõe no artigo 33.º, o registo da marca é anulável quando,
na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nos artigos 232.º a 235.º, excecionando
o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 232.º.”
O pedido de anulação pelos interessados pode ser formulado no prazo de cinco
anos a contar da data do despacho de concessão do registo de marca (34.º, 7 CPI). São
competentes as mesmas entidades antes referidas.
iii) Por caducidade, nos termos dos art. 36.º e 268 CPI.
O art. 36.º, 1 CPI dispõe:
Os direitos de propriedade industrial caducam independentemente da sua
invocação:
67
a) Quando tiver expirado o seu prazo de duração;
b) Por falta de pagamento de taxas.
O art. 268.º, 1 a 3 CPI, dispõe:
1. Para além do que se dispõe no artigo 36.º, a caducidade do registo deve ser
declarada se a marca não tiver sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos
para os produtos ou serviços para que foi registada, salvo justo motivo e sem prejuízo do
disposto no n.º 4 e no artigo anterior.
2 - Deve ainda ser declarada a caducidade do registo se, após a data em que o
mesmo foi efectuado:
a) A marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto ou
serviço para que foi registada, como consequência da actividade, ou inactividade, do
titular;
b) A marca se tornar susceptível de induzir o público em erro, nomeadamente
acerca da natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos ou serviços, no
seguimento do uso feito pelo titular da marca, ou por terceiro com o seu consentimento,
para os produtos ou serviços para que foi registada.
3 - A caducidade do registo da marca colectiva deve ser declarada:
a) Se deixar de existir a pessoa colectiva a favor da qual foi registada;
b) Se essa pessoa colectiva consentir que a marca seja usada de modo contrário
aos seus fins gerais ou às prescrições estatutárias.”
iv) Por renúncia do seu titular, nos termos do art. 37.º CPI:
O titular pode renunciar aos seus direitos de propriedade industrial, desde que o
declare expressamente ao INPI, I. P.
68
Entende-se por denominação de origem o nome de uma região, de um local
determinado ou, em casos excepcionais, de um país que serve para designar ou identificar
um produto:
a) Originário dessa região, desse local determinado ou desse país;
b) Cuja qualidade ou características se devem, essencial ou exclusivamente, ao
meio geográfico, incluindo os factores naturais e humanos, e cuja produção,
transformação e elaboração ocorrem na área geográfica delimitada.
Ex. Vinho do Porto; Queijo da Serra da Estrela.
b) Indicação geográfica:
“Entende-se por indicação geográfica o nome de uma região, de um local
determinado ou, em casos excepcionais, de um país que serve para designar ou identificar
um produto:
a) Originário dessa região, desse local determinado ou desse país;
b) Cuja reputação, determinada qualidade ou outra característica podem ser
atribuídas a essa origem geográfica e cuja produção, transformação ou elaboração ocorrem
na área geográfica delimitada.”
Exemplo: Maçã de Alcobaça.
A diferença está em que na indicação de origem o produto em causa pode
tecnicamente ser produzido noutro lugar.
O regime – de composição, registo, conteúdo, tutela, … - das denominações de
origem e das indicações geográficas é semelhante, com as necessárias adaptações, ao
previsto para logótipos e marcas. A particularidade é que se trata de uma protecção
conferida contra produtos que usem tais sinais distintivos e não provenham das regiões
em causa (306.º, 1, a), 2 e 3 CPI)).
Quer as denominações de origem, quer as indicações geográficas, têm a
particularidade de serem “propriedade comum” de todos aqueles que se insiram na região
em causa (299.º, 4 CPI).
“As denominações de origem e as indicações geográficas, quando registadas,
constituem propriedade comum dos residentes ou estabelecidos na localidade, região ou
território, de modo efetivo e sério e podem ser usadas indistintamente por aqueles que, na
respetiva área, exploram qualquer ramo de produção característica, quando autorizados
pelo titular do registo.”
69
6. Títulos de crédito36
36 Sobre esta matéria, remete-se para as seguintes obras: ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Títulos de
Crédito e Valores Mobiliários, I-I, Almedina: Coimbra, 2008, J. H. C. PINTO FURTADO, Títulos de Crédito2,
Almedina: Coimbra, 2015 e CAROLINA CUNHA, Manual de Letras e Livranças, Almedina: Coimbra, 2016.
37 MAX WEBER, Wirtschaft und Gesellschaft. Recht, Reed., Mohr Siebeck: Tübingen, 2014, p. 51 (WuG 426-
427).
71
44. Fontes de regulação
As fontes principais de regulação do regime jurídico das letras e livranças, por um
lado, e do cheque, por outro, são as chamadas Lei Uniforme sobre Letras e Livranças e Lei
Uniforme sobre o Cheque. Uma e outra são convenções internacionais a que o Estado português se
vinculou e que vigoram na ordem jurídica portuguesa ao abrigo do art. 8.º, n.º 2 da
Constituição da República Portuguesa.
72
47. Funções de títulos de crédito
Os títulos de crédito desempenham as seguintes funções:
a) Função (simplificada) de transmissão dos créditos. – Embora nos termos gerais do
Código Civil seja possível a transmissão de créditos (art. 577.º e ss. do Código Civil), os
títulos de crédito permitem decerto uma transmissão mais simples e mais segura, uma vez
que associada a um documento, incorporador do direito, que certifica o próprio direito em
causa.
b) Função de legitimação do portador do título. – O título de crédito legitima o respectivo
portador legítimo a exercer o direito dele emergente (cf. a regra de legitimidade própria da
acção executiva, constante do art. 53.º, 2 CPC: “Se o título for ao portador, será a execução
promovida pelo portador do título.”). Do ponto de vista do devedor, o cumprimento será
liberatório se realizado a quem figura como portador.
c) Função de reforço da cobrabilidade do crédito. – Nos termos do CPC português, os
títulos de crédito são títulos executivos (703.º, 1, c) CPC). Isto é, o titular do direito
constante do título de crédito goza da possibilidade de iniciar directamente uma acção
executiva para cobrança do seu direito sem que tenha de, previamente, propor uma acção
declarativa. Sem prejuízo, o devedor poderá defender-se, na acção executiva, com todos
os meios de defesa que pudesse invocar na acção declarativa (731.º CPC).
73
6.1. Letras
74
A letra contém:
1 - A palavra "letra" inserta no próprio texto do título e expressa na língua
empregada para a redacção desse título;
Serve para advertir os intervenientes na subscrição da letra das
consequências que podem surgir do respectivo preenchimento.
2 - O mandato puro é simples de pagar uma quantia determinada;
Constitui a ordem de pagamento.
3 - O nome daquele que deve pagar (sacado); [Se nada se disser, o lugar colocado
ao lado do seu nome considera-se o do seu domicílio: art. 2.º, III LULL.]
4 - A época do pagamento; [Se nada disser, entende-se pagável à vista: art 2.º, II
LULL.]
5 - A indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento; [Se nada se disser,
considera-se que é o lugar ao lado do nome do sacado: art. 2.º, III]
6 - O nome da pessoa a quem ou a ordem de quem deve ser paga;
Não são admissíveis, portanto, letras ao portador.
7 - A indicação da data em que, e do lugar onde a letra é passada; [Se nada se
disser, entende-se que foi passada no lugar designado ao lado do nome do sacador: art.
2.º, IV LULL. Mas e esta última menção faltar, já letra não pode valer]
8 - A assinatura de quem passa a letra (sacador)
b) Representação
75
A letra pode ser concluída sob representação. Contudo, prevê o art. 8.º LULL, que
mesmo que a pessoa não tenha poderes para o efeito, fica pessoalmente obrigada a pagar a letra.
51. O saque
O saque é o primeiro acto praticado no âmbito das letras de crédito. Trata-se da ordem
de pagamento, pura e simples, que o sacador dá ao sacado, com vista a que um certo pagamento
seja feito a um terceiro.
Contudo, o sacador, nos termos do art. 9.º, I:
a) Garante a aceitação por parte do sacado, embora a possa excluir (9.º, II LULL);
b) Garante o pagamento, ele próprio, o pagamento da letra, responsabilidade que não
pode ser excluída – se for feita tal menção, a cláusula considera-se não escrita (9.º, II
LULL).
A responsabilidade do sacador é solidária com a do aceitante, endossante ou avalista,
nos termos do art. 47.º LULL).
a) Quantia
Nos termos do art. 1.º, 2, deverá referir-se a uma quantia determinada e não meramente
determinável. O pagamento deve ser puro e simples (não sujeito, por ex., a condição).
Pretende-se, com isto, que seja imediatamente apreensível qual o objecto da ordem
de cumprimento, isto é, que não se tenha de ir além do próprio documento que constitui
o título para apurar
b) Época de pagamento
Da letra deve constar a época de pagamento (art. 1.º, 4 LULL), embora, se nada disser,
se considere a letra pagável à vista (art 2.º, II LULL).
Nos termos do art. 33.º, a letra pode ser sacada:
i) À vista;
76
ii) A termo de vista;
iii) Em dia fixado
c) Lugar de pagamento
Constitui, nos termos do art. 1.º, 5, o lugar onde a letra deve ser apresentada a
cumprimento. Se nada se disser, considera-se que é o lugar ao lado do nome do sacado:
art. 2.º, III LULL.
É em função do lugar do pagamento que se determina o cartório notarial
competente para efeitos do acto de protesto pelo não cumprimento (120.º, 1 do Código do
Notariado).
d) Convenção de juros
Quando a letra seja pagável à vista ou a um certo termo de vista – noutros casos,
considera-se a cláusula não escrita (5.º, I LULL). A taxa de juro deve constar da própria
letra (5.º, II LULL) e os juros contam-se desde a data da letra (5.º, III LULL).
53. O aceite
O sacado a quem foi dada a ordem pagamento obriga-se a pagar a letra na data do
vencimento (art. 28.º, I LULL). A apresentação ao aceite da letra deve ser realizada até à
data de vencimento da letra; e deve ter lugar no domicílio do sacado (21.º LULL). Esta
apresentação só é obrigatória caso assim esteja previsto (22.º, I LULL); como também a
apresentação a aceite pode ser proibida.
a) Se for realizado o aceite, deve ser escrito na própria letra (25.º, I LULL):
O aceite é escrito na própria letra. Exprime-se pela palavra "aceite" ou
qualquer outra equivalente; o aceite é assinado pelo sacado. Vale como aceite a
simples assinatura do sacado aposta na parte anterior da letra.
Se aceitar o cumprimento, torna-se obrigado principal.
b) O aceite pode ser recusado. Nesse caso, deve ser lavrado protesto por falta de
aceite (44.º, IV LULL; o regime do protesto será visto infra sob 57, c)). Tem ainda por
efeito que os direitos emergentes da letra podem ser exercidos antes do vencimento contra
endossantes, sacador e outros co-aobrigados (43.º LULL).
54. Tomador
77
O tomador não tem, enquanto tal, de praticar um qualquer negócio jurídico: é o
beneficiário da ordem de pagamento, podendo exercer os seus direitos nos termos previstos
no regime da LULL.
56. Aval
Constitui uma garantia de pagamento da letra, no todo ou em parte, e resulta do
art. 30.º LULL:
38 Para o endosso em branco, endosso por procuração ou endosso em garantia, cf. ALEXANDRE SOVERAL
MARTINS, pp. 66-70.
39
Cf. ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, pp. 70-72.
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O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.
Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.
Deverá ser dado nos termos do art. 31.º LULL:
O aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa.
Exprime-se pelas palavras "bom para aval" ou por qualquer fórmula equivalente;
e assinado pelo dador do aval.
O aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador aposta na face
anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.
O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação, entender-se-
à ser pelo sacador.
O avalista responde nos mesmos termos da pessoa cujo cumprimento avaliza (art.
32.º, I LULL).
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b) Legitimidade para exigir o cumprimento
Tem legitimidade para exigir o cumprimento o portador legítimo na letra: o tomador
ou aquele que justifique o seu direito por uma série ininterrupta de endossos (16.º, I
LULL).
d) Protesto
Não havendo pagamento (e o mesmo regime vale caso não haja aceite) poderá
lavrar-se protesto. No caso de falta de aceite, o prazo para o protesto é o de apresentação ao
aceite (44.º, II LULL; 121.º Código do Notariado).
Para o protesto por pagamento, o prazo para apresentar a pagamento é o constante
no art. 44.º, III LULL e 121.º, 1, c) e d) do Código do Notariado. Transcrevemos esta
última norma:
1 - A apresentação para protesto deve ser feita até uma hora antes do termo do
último período regulamentar de serviço, nos prazos seguintes:
…
c) Por falta de pagamento de letras nas condições da alínea a), num dos dois dias
úteis seguintes àquele ou ao último daqueles em que a letra é pagável;
d) Por falta de pagamento de letras pagáveis à vista, dentro do prazo em que
podem ser apresentadas a pagamento.
O respeito por tais prazos é de relevo uma vez que, se não ocorrer, poderá perder-
se a possibilidade de recorrer a acções cambiárias (53.º LULL).
Havendo falta de aceite e de pagamento, prevê-se também o aviso aos interessados
(45.º LULL e 124.º do Código do Notariado).
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Uma característica central dos regimes das letras é a chamada “abstracção”.
Pretende-se com isso dizer que as obrigações cambiárias não são atingidas pelas
vicissitudes que possam caracterizar outras relações jurídicas entre alguns dos seus
intervenientes. Assim, se for exigido o cumprimento de um direito cambiário:
a) Nas relações imediatas (por ex., sacador-tomador; endossante (1)-endossado (1)),
podem invocar meios de defesa provenientes de outras relações jurídicas que não as da
própria letra;
b) Mas nas relações mediatas (por ex., aceitante-endossado), não podem ser
invocados meios de defesa que não os da própria letra.
Tal regime resulta do art. 17.º LULL:
As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as
excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores
anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente
em detrimento do devedor.
Tal protecção cessa apenas quando o portador da fé não tenha agido de boa fé.
81
3 - As despesas do protesto, as dos avisos dados e as outras despesas. Se a acção
for interposta antes do vencimento da letra, a sua importância será reduzida de um
desconto.
Esse desconto será calculado de acordo com a taxa oficial de desconto (taxa do
banco) em vigor no lugar do domicílio do portador a data da acção.
Os direitos são de dupla natureza:
a) Acção directa: o portador da letra pode agir contra o aceitante, com a chamada
acção directa;
b) Acção de regresso: contra endossantes, sacador e outros co-obrigados – todos
solidariamente obrigados perante o portador.
Os sacadores aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos
solidariamente responsáveis para com o portador.
O portador tem o direito de accionar todas essas pessoas,
individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas
se obrigaram.
O mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha
pago.
A acção intentada contra um dos co-obrigados não impede de accionar os
outros, mesmo os posteriores aquele que foi accionado em primeiro lugar.
Da mesma forma, quem pagou a letra pode exigir dos seus garantes aquilo que
prestou, nos termos do art. 49.º LULL.
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6.2. Livranças
61. Livranças
Às livranças aplicam-se, com as necessárias adaptações, (grande parte d)as
disposições relativas às letras (art. 77.º LULL). Tem a particularidade de se tratar de uma
promessa do subscritor ao tomador. O subscritor responde nos termos de um aceitante (78.º
LULL). Segue a forma constante da Portaria n.º 28/2000, de 27 de Janeiro.
Naturalmente, poderá também haver endossantes e avalistas.
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6.3. Cheques
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Este contrato entre sacador e banqueiro, no âmbito da respectiva relação bancária geral,
designa-se Contrato de Cheque ou Convenção de Cheque (que pode ser parte integrante do contrato
de abertura de conta). Mediante este acordo o banco coloca à disposição do sacador, a seu
pedido, uma carteira de cheques normalizados.
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Adicionalmente, o cheque pode ser cruzado, nos termos dos art. 37.º e 38.º LUCh
(duas linhas paralelas colocadas, normalmente, no canto superior esquerdo). Quando assim
aconteça, o pagamento só pode ser feito a uma instituição de crédito ou a um seu cliente.
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7. Negócios jurídicos sobre empresas
É esta segunda acepção que mais nos interessa, e que teremos de analisar nos seus
elementos fundamentais:
a) O estabelecimento comercial é um bem jurídico autónomo, reconhecível, duradouro, por
isso podendo ser objecto de relações jurídicas autónomas: compra e venda, doação, troca,…;
mas também, por ex., objecto de penhora;
b) Constituído por diferentes elementos – coisas corpóreas (instalações físicas,
mobiliário de escritório, ferramentas, máquinas industriais), incorpóreas (marcas, logótipos, …)
e bens de natureza não real (direitos de crédito) –, mas não se resumindo a eles;
c) Que se encontram organizados de certo modo, e não meramente justapostos: por
isso, “o estabelecimento é uma organização” (COUTINHO DE ABREU, COUTINHO DE ABREU,
CDC, I12, p. 233). Pense-se na diferença entre uma fábrica (= estabelecimento) e um armazém
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com máquinas sem utilizar (=aglomerado de coisas). Por isso, assim que esta organização
seja obtida – mesmo que antes do início da actividade para o público –, estando estruturada
nos seus termos fundamentais (ainda que não perfeitamente acabada), considera-se já existir
um estabelecimento.
d) O estabelecimento tem em vista o lucro ou, pelo menos, a reprodução, sem
prejuízo, da própria actividade.
O estabelecimento comercial, na qualidade de coisa incorpórea complexa, é assim objecto
de um direito de propriedade, distinto dos direitos que incidem sobre as suas concretas partes.
Note-se, finalmente, que poderá haver, a par de empresas mercantis, empresas não
mercantis, quando tenham por objecto diferente domínio de actividade40.
7.1. Trespasse
72. Trespasse. Traços caracterizadores
Por trespasse se designa a transmissão definitiva de um estabelecimento comercial. O
termo, corrente no discurso comum, é recebido também por algumas disposições
normativas. Contudo, o trespasse não é objecto de uma regulação jurídica exaustiva.
Notemos alguns dos seus aspectos fundamentais:
a) Objecto do trespasse é um estabelecimento (para o que nos interessa, comercial, embora
não o tenha de ser);
b) O seu efectivo é a transmissão definitiva do estabelecimento. Pode ter por causa
justificativa: uma compra e venda; uma doação; uma troca (permuta/ escambo); enfim, qualquer
negócio jurídico apto à transmissão de direitos;
c) É uma transmissão inter vivos;
d) Por interpretação do art. 1112.º, 3 CCiv, deve entender-se que o negócio está
sujeito à forma escrita:
“A transmissão deve ser celebrada por escrito e comunicada ao senhorio.”
40 Sobre o tema, cf. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, I12, pp. 253-261.
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– para uma pessoa comum –, que o estabelecimento, qual soma maior do que as partes, não
foi transmitido. Só caso a caso se poderá identificar este mínimo (pode ser, por ex., um
logótipo; em certas máquinas; etc.).
b) Âmbito natural. – Abrange os bens que em princípio se transmitem; que, portanto,
se as partes nada dispuserem diferentemente, se consideram abrangidos pelo trespasse. Aqui
se enquadram:
i) Os logótipos e as marcas (art. 295.º, 2 CPI e 256.º, 2 CPI, com a ressalva do
art. 30.º, 3 CPI):
Art. 295.º CPI: “Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 30.º, a transmissão do
estabelecimento envolve o respetivo logótipo, que pode continuar tal como está registado,
salvo se o transmitente o reservar para outro estabelecimento, presente ou futuro.”
Art. 256.º, 2 CPI: “A transmissão da totalidade da empresa implica a transmissão da
marca, salvo estipulação em contrário ou se das circunstâncias decorrer claramente o
contrário.”
Art. 30.º, 3 CPI: “Se no logótipo ou na marca figurar o nome individual, a firma ou
a denominação social do titular ou requerente do respetivo registo, ou de quem ele
represente, é necessária cláusula para a sua transmissão.”
ii) Nos casos anteriores, contamos com disposições expressas da lei que
esclarecem que os referidos bens se transmitem. E quando a lei nada dispõe a respeito
do âmbito natural da obrigação de entrega? Deve entender-se que, em princípio, o
conjunto de bens integrantes da empresa se tem por transmitido.
iii) Particulares reflexões merecem os imóveis, a respeito dos quais se coloca a
dúvida de saber se são ou não transmissíveis. Deve entender-se que, se, por
interpretação do negócio, o estabelecimento foi transmitido no seu conjunto, também o
imóvel o deverá ser41.
iv) Quanto a posições obrigacionais, deverá entender-se:
a. A transmissão da qualidade de empregador nos contratos de
trabalho, por força do art. 285.º, 1 do Código do Trabalho:
“Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou
estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade
económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de
trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de
coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.”
b. A transmissão da qualidade de arrendatário (art. 1112.º, 1, a) CCiv)
sem necessidade de consentimento do senhorio42:
41 E quanto à forma do negócio? COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, p. 300, n. 754, sustenta bastar um simples
documento escrito. Penso, porém, que as exigências formais próprias da transmissão de imóveis exigirão que
se observe, pelo menos, a forma de documento particular autenticado.
42 Note-se que o n.º 4 cria um injustificado direito de preferência do senhorio na venda ou dação em
cumprimento do estabelecimento: “O senhorio tem direito de preferência no trespasse por venda ou dação
em cumprimento, salvo convenção em contrário.”
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“1 - É permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem
dependência da autorização do senhorio:/ a) No caso de trespasse de estabelecimento
comercial ou industrial.”
v) Elementos como o “know-how”, que não são objecto de relações jurídicas
autónomas, deverão ser comunicadas pelo trespassante (transmissão de informações,
sessões de formação, etc.).
c) Âmbito convencional. – É integrado por aqueles elementos que só se transmitem
mediante acordo específico das partes. Aqui se inclui:
i) A “transmissão” da firma de comerciante em nome individual, ou de marca
ou logótipo no qual figure o nome individual, firma ou denominação do titular do
estabelecimento:
Art. 44.º, 1 RNPC: “O adquirente, por qualquer título entre vivos, de um
estabelecimento comercial pode aditar à sua própria firma a menção de haver sucedido na
firma do anterior titular do estabelecimento, se esse titular o autorizar, por escrito.”
Art. 30.º, 3 CPI: “Se no logótipo ou na marca figurar o nome individual, a firma ou
a denominação social do titular ou requerente do respetivo registo, ou de quem ele
represente, é necessária cláusula para a sua transmissão.”
ii) Em princípio, os créditos do trespassante, as suas posições contratuais e as
respectivas dívidas também se transmitem apenas mediante acordo específico43:
Art. 577.º, 1 CCiv: “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do
crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja
interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria
natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.”
Art. 424.º CCiv: “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a
faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente,
antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”
Art. 595.º CCiv: “1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do
antigo devedor.”
43Só não é assim quando se trate de meios de estabelecimento, caso em que se podem considerar abrangidos
pelo âmbito natural. Para a noção de “meios de estabelecimento”, cf. COUTINHO DE ABREU, CDC, I12, pp. 226-
234.
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Para que a obrigação de não concorrência não se torne uma barreira excessiva à
liberdade de iniciativa económica (61.º CRP), está sujeita aos seguintes limites:
a) Objectivos. – Vale para actividades concorrentes com a do estabelecimento transmitido;
b) Espaciais. – Vale dentro do raio da acção do primitivo estabelecimento;
c) Temporais. – Apenas durante o período de tempo necessário para que o adquirente
consolide o domínio, na sua pessoa, do estabelecimento comercial que adquiriu.
A violação da obrigação de não concorrência conduz à responsabilidade obrigacional
do trespassante (art. 798.º e ss. CCiv).
b) Âmbito de entrega
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Vale, mutatis mutandis, o que antes se escreveu a respeito do trespasse: apenas com a
particularidade de a transmissão ser agora meramente temporária, e não definitiva.
Especificamente para as prestações laborais, cf., agora, o art. 285.º, 2 do Código do Trabalho.
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