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UNIVERSIDADE ÓSCAR RIBAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS E HUMANIDADES


DEPARTAMENTO DE DIREITO

CAPÍTULO II
OS COMERCIANTES, AS SOCIEDADES COMERCIAIS E EMPRESAS
MERCANTIS
(MATERIAL DE APOIO PARA ESTUDO INDIVIDUAL)

DOCENTE: PROF. DOUTOR ALBERTO MABA CHOCOLATE

LUANDA, ABRIL - 2020

1
1. DIREITO COMERCIAL COMO DIREITO DOS COMERCIANTES, DO
COMÉRCIO, DA EMPRESA E DO MERCADO

I. O Direito Comercial é, hoje, um direito dos comerciantes, um direito do comércio ou


de actos de comércio e um direito da empresa. De facto, é uma expressão imprecisa, mas
não menos cheia de significado, o cerne da ordem jurídica do capitalismo.

II. A perspectiva do Direito Comercial como direito dos comerciantes é dominante na


ordem jurídica alemã.i Apesar de não ser dominante, não deixa de existir e ter relevância
no Direito Comercial Português e consequentemente no Direito Comercial angolano, um
regime jurídico dos comerciantes, um estatuto dos comerciantes, e até a determinação de
actos de comércio como actos dos comerciantes praticados no exercício da sua profissão.

O artigo 2.º, do Código Comercial, define que “são considerados actos de comércio todos
aqueles que achem especialmente regulados na presente e demais legislação
complementar e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não
forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.

A determinação da matéria, está relacionada com a interpretação da última parte do artigo


2.º, do Código Comercial, segunda a qual, “todos os contratos e obrigações dos comerciantes que
não forem por natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”, são também
considerados como actos de comércio, a partir da actuação dos comerciantes. São
qualificados como actos de comércio subjectivos nos termos do artigo 2.º, e como
determinantes do âmbito material do Direito Comercial, os actos e obrigações dos
comerciantes, praticados e assumidos no exercício do seu comércio e que não tenham
natureza exclusivamente civil.

O Código Comercial tem cinco (5) títulos (II, III, IV, V e VI), dois (2) capítulos e quarenta
e cinco (45) artigos, todos relacionados directa e indirectamente sobre os comerciantes, dele
consta a sua definição e o critério da sua qualificação enquanto tais (artigo 13.º), determina
a que está vetado o exercício do comércio (artigo 14.º), sobre as dívidas dos cônjuges1
(artigo 15.º), o (artigo 16.º2), refere-se as pessoas colectivas de direito público e o artigo 18.º,
relaciona-se com as obrigações especiais que recaem sobre os comerciantes e artigo 17.º 3,
foi revogado nos termos da Lei n.º 06/03, de 03 de Março. O artigo 18.º, refere-se as
obrigações especiais dos comerciantes, impondo que os mesmos devem adoptar uma firma
no exercício do seu comércio, de manter a escrituração relativa ao seu comércio, de dar
publicidade a certos actos no registo comercial, fazer, dar balanço e prestar contas.

Em legislação avulsa, são muitos os diplomas que regem sobre os comerciantes e a sua
actividade. Desde da lei de alteração ao Código Comercial (Lei n.º 6/03, de 3 de Março)4,
1
Marques, António Vicente, Código Comercial Angolano, Vol. I, 2006, Texto Editores, Lda., Pág. 18 -
Redacção introduzida pela lei n.º 06/03, de 3 de Março.
2
Ibidem, pág. 18.
3
Ibidem, pág. 18.
4
Que altera algumas disposições do Código Comercial português, datado de 28 de Junho de 1888, que foi
recebido no ordenamento jurídico angolano por força da conquista de Angola a sua independência, em 11
de Novembro de 1975, cujas alterações incidiram sobre a capacidade comercial, a noção do comerciante, a
firma, a linguagem de títulos comerciais, a escrituração comercial, o objecto de actividade das empresas e os
juros.

2
o estatuto do vendedor ambulante (Lei n.º 15/19, de 21 de Maio – Lei sobre a organização
e funcionamento das actividades do comércio ambulante, feirante e de bancada de
mercados), do acesso à actividade comercial, das sociedades unipessoais (Lei n.º 19/12, de
11 de Junho – Lei das Sociedades Unipessoais, a simplificação de processo de constituição
de sociedades comerciais5), lei das actividades comercias – Lei n.º/07, de 14 de Maio, Lei
das Micro, Pequenas e Médias Empresas – Lei n.º 30/11, de 13 de Setembro e etc.

III. O Direito Comercial, tal como vigente no ordenamento jurídico angolano, é


principalmente um direito de comércio, em sentido objectivo.

A lei evitou o recurso a definição do conceito comércio, sendo uma actividade económica
privada de intermediação nas trocas, especulativas, profissional e lucrativa entre a produção
e o consumo, porque a mesma não satisfazia o intento de exatidão e rigor ao tempo era
pretendido, com o fim de evitar incerteza e controvérsia e ser facilmente acessível aos
comerciantes, sem a necessária mediação dos juristas. Nesta perspectiva, foi preferida uma
outra técnica: a da tipificação de uma serie de actos de comércio, de actos que sejam de tal
modo próprios e característicos da actividade comercial que possam ser tidos como
tipicamente mercantis - actos objectivamente comerciais. Essa enunciação de uma série
típica tem vantagem da facilidade, da certeza e do rigor.

Para dos actos objectivamente comerciais, são ainda comerciais, subjectivamente, os


actos praticados pelos comerciantes no exercício dos seus comércios, que não tenham
natureza exclusivamente não mercantil.

Na obstante o objectivismo do sistema angolano de Direito Comercial, historicamente,


emanada do sistema português, escolhe-se antecipar o ensino da matéria sobre o
comerciante à do acto de comércio. Esta posição corresponde a uma opção pedagógica e
não a um posicionamento teórico, porque torna mais útil para a melhor compreensão da
matéria, ensinar em primeiro lugar a qualificação dos sujeitos como comerciantes, porque
ela constitui pressuposto da qualificação dos actos de comércio subjectivos. É apenas, uma
das opções pedagógicas, que não implica a adopção duma concepção subjectivista do
Direito Comercial angolano.

2. OS COMERCIANTES: NOÇÃO

Os comerciantes são o suporte subjectivo do comércio. São os comerciantes que praticam


o comércio, que o exercem profissionalmente. Sem comerciantes não há comércio.

5
Que adopte medidas de simplificação do processo de constituição de sociedades comercias unipessoais e
pluripessoais e introduz alterações no Código Comercial, aprovado pela carta de 28 de Junho de 1888 e com
a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 6/03, de 3 de Março, à Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro – Lei das
Sociedades Comerciais, à Lei n.º 19/12, de 11 de Junho – Lei das Sociedades Unipessoais e ao Código do
Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47.619, de 31 de Março de 1967 e adita aos artigos 28.º A à Lei n.º
1/97, de 17 de Janeiro – Lei da Simplificação e Modernização dos Registos Predial e Comercial – revoga o
artigo 111.º, do Código do Notariado, bem como as demais legislação que lhe contrariassem.

3
Historicamente, o Direito Comercial nasceu como um direito profissional e corporativa, o
direito dos comerciantes, da sua profissão, do seu ofício. A partir da Revolução Francesa e
do fim da Idade Moderna, a maioria dos sistemas da Europa continental, com a excepção
da Alemanha, mudou de referencial, do subjectivismo para o objectivismo, do comerciante
para o acto de comércio. O comerciante, embora tenha perdido o primeiro lugar na
determinação do âmbito do Direito Comercial, não deixou de desempenhar no seio um
papel importantíssimo.

O Código Comercial em vigor, determina no seu artigo 13.º, quem é comerciante. Se


acordo com as disposições do artigo 13.º, são comerciantes:

a) as pessoas singulares, que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem
destes profissão;
b) as sociedades comerciais;
c) ou sujeitos dotados de personalidade jurídica quando exercerem uma actividade
mercantil, que são qualificados de comerciantes.

Há desde logo a considerar a dicotomia entre os comerciantes em nome individuais e as


sociedades comerciais.

De realçar que, o Código Comercial impede ao Estado e outros entes públicos de assumir
a qualidade de comerciantes, sem prejuízo de poderem praticar actos de comércio, nos
termos previstos no artigo 16.º, segundo o qual “o Estado e seus órgãos desconcentrados locais,
enquanto não forem institucionalizadas as autarquias locais e as instituições religiosas, não podem
ser comerciantes, mas podem, dentro dos limites das suas atribuições, praticar actos de comércio,
ficando, quanto a estes, sujeitos às disposições da presente lei e demais legislação complementar”. Essa
disposição legal, é igualmente, aplicável às pessoas colectivas de utilidade pública e
institutos públicos (§ único, artigo 16.º CCom.).

2.1. OS COMERCIANTES EM NOME INDIVIDUAL

Desde o tempo em que o Código Comercial vem vigorando no ordenamento jurídico


angolano, a posição dos comerciantes em nome individual (comerciantes individuais), no
comércio, se tem assistido uma tendência da perca da sua importância e se releva o aumento
de número de sociedades comerciais, que constituem, hoje, sem sombra de dúvida, a parte
fundamental dos comerciantes. Apesar da tendência da perca da sua importância, o papel
dos comerciantes em nome individual, mantêm-se.

Na definição contida n.º 1, do artigo 13.º do Código Comercial tem uma função
qualificativa, que importa dar-lhe atenção. Os comerciantes em nome individual, são
sujeitos de relações jurídicas, que forçosamente, devem ter uma qualidade, que consiste na
susceptíveis de direito e obrigações. Assim, a esta aptidão para ser titular de direitos e
obrigações chama-se de personalidade jurídica (titularidade, qualidade), nos termos, do
previsto no artigo 66.º, do Código Civil.6

6
Gameiro, António Ribeiro e Januário, Rui, Introdução e Teoria geral do Direito, Vol. I, da Introdução ao
Estudo do Direito, Edições Cosmos, 2.ª Edição, Luanda, 2014, pág. 222.

4
Noção a fim de personalidade jurídica7, é:

a) a capacidade jurídica, que apresenta por duas formas:


i - Capacidade de gozo, aparentemente confundível com a noção da
personalidade jurídica, contudo, a noção de personalidade é uma noção qualitativa,
sendo a noção de capacidade de natureza quantitativa. Pode-se definir a capacidade
de gozo como medida de direitos e vinculações de que a pessoa é susceptível de ser
titular, artigo 67.º, do Código Civil;

ii - Capacidade de exercício, a qual se traduz na medida de direitos e


vinculações que a pessoal poder exercer por si, pessoal e livremente, isto é, praticar
actos e responder pelos mesmos (a capacidade de exercício é a susceptibilidade do
sujeito da relação jurídica utilizar, ele próprio, a sua capacidade de gozo).

Deste modo, a capacidade de gozo pressupõe a personalidade jurídica, igualmente, a


capacidade de exercício supõe a pré-existência da capacidade de gozo.

Para o Direito Comercial, a lei exige, que para ser comerciante individual, que tenha
capacidade jurídica de gozo e de exercício para praticar actos de comércio, fazem destes
profissão.

Quanto à capacidade de exercício, deverá ter-se em conta o artigo 7º Código Comercial,


que enuncia dois princípios fundamentais: o da liberdade de comércio e o da coincidência
entre a capacidade civil e a capacidade comercial, segundo o qual, “toda a pessoa, nacional
ou estrangeira, que for civilmente capaz de se obrigar, poderá praticar actos de comércio
em qualquer parte do território nacional angolano …”8.

A plena capacidade comercial depende de uma pessoa – singular ou colectiva – ter


capacidade civil e não estar abrangida por alguma norma que estabeleça uma restrição ao
exercício do comércio.

O legislador não deu uma definição legal de comerciante, mas sim, indica quais sãos as
categorias legais de comerciantes nos termos previstos no artigo 13.º do Código Comercial.

Tem-se segundo o entendimento tradicional do artigo 13.º do Código Comercial, por um


lado os comerciantes que são pessoas singulares – geralmente designados por comerciantes
em nome individual – e os comerciantes que são pessoas colectivas – as sociedades
comerciais.

O n.º 1, do artigo 13º do Código Comercial, ao exigir capacidade para a prática de actos
de comércio, pretende referir-se à capacidade jurídica de exercício, tanto mais que alude ao
carácter profissional do comércio, o que pressupõe uma prática habitual de actos geradores,
mediadores ou extintivos de direitos e obrigações.

7
Ibidem, pág. 223
8
Redacção introduzida pela Lei n.º 6/03, de 3 de Março, ver Marques, António Vicente, Código Comercial
Angolano, Vol. I, Texto Editores, 2.ª Edição, Luanda, 2007, pág. 16.

5
Assim, parece que não pode conceber-se o exercício de uma profissão deste jaez por um
incapaz: o próprio conceito de profissão e, no caso, a circunstância de ela se traduzir numa
contínua e habitual prática de actos e negócios jurídicos, sendo, portanto, absorvente e
responsabilizante, afigura-se incompatível com a situação jurídica de incapacidade.

A inclusão dos menores e interditos no n.º 1, do artigo 13º do Código Comercial, deve
entender-se cum grano salis (ponderação) quanto ao exercício profissional do comércio: considera-
se que tal exercício será a prática habitual de actos comerciais, não directa e pessoalmente
pelos incapazes, mas pelos seus representantes em nome e por conta daqueles. Isto,
evidentemente, desde que os representantes obtenham a autorização judicial
eventualmente necessária, face aos artigos 1889º e 1938º do Código Civil.

A Lei n.º 6/03, de 3 de Março, veio no seu artigo 3.º revogar os artigos 9.º e 16.º, ambos
do Código Comercial de conteúdo abertamente discriminatório em relação à mulher,
consagrando agora no artigo 7.º que “tem capacidade para praticar actos de comércio toda a
pessoal com capacidade civil”.9

b) Exercício profissional do comércio:

Pressupõe e concretiza-se através da prática de actos de comércio e trata-se de fazer do


comercio profissão. Aqui está o âmbito material do comercio na perspectiva conceptual
positivista. A referência ao “comércio” traduz a remissão para a prática de actos de comércio
objectivo, absoluto e causais.10 Nesta perspectiva positivista formal, os actos de comércio
por conexão são qualificados como tais por estarem ligados à prática do comércio.
Igualmente, aqui, se pode considerar quanto à prática profissional de outros actos de
comércio por conexão objectiva, como o empréstimo, o penhor, o deposito ou aluguer.
Também existem actos de comércio objectivo, que são qualificados como absoluto ou por
conexão, como o que sucede com as operações dos bancos, o transporte e seguro, cuja
prática profissional qualifica a qualidade de comerciante do banqueiro, mas não do seu
cliente, e do segurador, mas não do tomador. Deste modo, deve, pois, concluir-se que
também os actos de comércio por conexão objectiva contribuem para a determinação do
âmbito material para o efeito do artigo 13.º do Código Comercial.

Contudo, existe restrição à prática de actos de comércio causais que decorre da própria
natureza dos actos de comércio abstractos, que o são independentemente da sua causa e
terem ou não, qualquer ligação com o comércio. Ora, se pela sua natureza podem estar ou
não estar ligados ao comércio, se podem ser praticados dentro ou fora do comércio, não
podem servir para a determinação do seu âmbito material.

Também há que destacar, a metodologia substancial analógica, tipológica, que se adequa à


natureza das coisas, a concretização de que “o comércio” deve ser feita por referência à
própria vida mercantil, tendo em atenção os actos de comércio e as actividades comerciais
previstas no Código Comercial e nas leis comerciais que dele se foi formalmente

9
Medina, Maria do Carmo, Direito de Família, 2.ª Edição Actualizada, Escolar Editora, Lobito, 2013, pág.
279 e artigo 7.º, da Lei n.º 6/03, de 3 de Março «toda a pessoa, nacional ou estrangeira, que for civilmente
capaz de se obrigar, pode praticar actos de comércio em qualquer parte do território angolano…..».
10
Vasconcelos, Pedro Pais de, Direito Comercial, Vol. I, Parte Geral: Contratos Mercantis, Títulos de
Credito, 2011, Almedina, pág. 41.

6
autonomizando, mas sem restringir aos seus limites, alargando sempre que necessário
dentro do mesmo sentido, e sempre tendo presente aquilo que na vida real é considerado
o comércio, numa perspectiva económica e empresarial.

Nesta perspectiva, o comércio é fundamentalmente uma actividade de intermediação entre


a produção e o consumo, de produção e distribuição de bens e de serviços. Este é o cerne
da actividade comercial, que se desenvolve principalmente, não se limitando apenas em
volta da compra e venda mercantil, mas abrange, ainda, outras actividades, qualificadas
como comerciais, como sucede com a navegação, o transporte, o seguro, a bolsa e a banca,
a prestação de vários serviços, incluindo o ensino e a saúde, a consultoria económica,
técnica e de gestão, a obtenção e prestação de informações sobre o mercado, publicidade,
o marketing e etc.

Aqui, devem excluir-se as profissões liberais, dos médicos, dos advogados, dos notários,
arquitectos etc., ainda que o modo do seu exercício assuma aspectos empresariais, a título
de exemplo, as sociedades de advogados. De realçar, por mais empresarialmente que sejam
geridas, certas clínicas não devem ser confundidas com hotelaria de saúde e certos
escritórios de advogacia não devem ser confundidos com agências de negócios. Há um
critério de distinção claro nesta matéria: as profissões liberais são exercidas no interesse
do cliente, enquanto as actividades mercantis o são no interesse de quem as presta.

O exercício do comércio, não é qualquer prática, mas é necessário que essa actividade seja
exercida profissionalmente, a prática em termos de profissão, isto é:
a) Não basta a prática de actos de comércio isolados ou ocasionais: para se adquirir a
qualidade de comerciante é indispensável a prática regular, habitual, sistemática, de actos de
comércio;
b) Não basta a prática, mesmo que habitual de quaisquer actos de comércio: nem todos
estes actos têm a mesma potencialidade de atribuir a quem os pratique a qualidade de
comerciante;
c) É indispensável para que haja profissionalidade que o indivíduo pratique os actos de comércio
de forma a exercer como modo de vida uma das actividades económicas que a lei enquadra
no âmbito do direito mercantil;
d) Deve entender-se como indispensável que a profissão de comerciante seja exercida
de modo pessoal, independente e autónomo, isto é, em nome próprio, sem
subordinação a outrem;
e) É indispensável que o comerciante organize factores de produção com vista à produção das
utilidades económicas resultantes de uma daquelas utilidades económicas que a lei considera
como comerciais.

A qualificação do comerciante da pessoa singular exige, segundo o n.º 1, do artigo 13.º do


Código Comercial, o exercício profissional do comércio. É este sentido da expressão “fazem
deste profissão”.

A profissionalidade é umas das características do Direito Comercial.11 O exercício de


comércio, para qualificação do comerciante em nome em individual, deve ser profissional,

11
Cunha, Paulo Olavo, Lições de Direito Comercial, cit., págs. 3-4, Coutinho de Abreu, Curso de Direito
Comercial, I, cit., págs. 100-102

7
isto é, economicamente interessado. O comerciante, pessoa singular, quando exerce o seu
comércio, fá-lo como o seu meio de vida, é dele que extrai os recursos com os quais subsiste
e com os quais quer enriquecer. Há sempre um intuito de ganho de ganho e de
enriquecimento, de incremento patrimonial. É próprio do comerciante querer sempre
melhorar, aumentar, desenvolver o seu comércio, sem limite.

Para além do comércio ser tipicamente exercido com intuito lucrativo, ele, indirectamente,
induz progresso e desenvolvimento económico, científico e tecnológico, criação de
emprego, redução da pobreza.

O comerciante pode exercer mais do que uma única actividade comercial, podendo
concentrar toda a sua energia num único ramo de comércio apenas, ou dispersar por várias
actividades económicas, tidas por comerciais.

A dispersão reduz o risco, porque para além do cerne do seu comércio – “core business”,
pode investir em outros negócios dos quais se pode desfazer-se e quando lhe convier. Para
além do comércio, o comerciante pode exercer outras actividades, não económicas, por
exemplo, culturais, desportivas ou de benemerência. Existem actividades que são
incompatíveis com o exercício do comércio, mas a incompatibilidade não constitui regra.
O comerciante não tem de exercer o seu comércio com exclusividade.

O exercício do comércio, além de não ter de constituir a actividade exclusiva do


comerciante, isto é, actividade principal, pode ser acessória a outras actividades e/ou
secundária, porque não pode ser a sua única e principal fonte de proveitos.

O comércio não compadece com altruísmo nem com amadorismo. Deste modo, os
comerciantes, em nome individual, são profissionais experientes, competentes, que zela
pelos seus próprios interesses e não pelos dos outros.

Há, três casos especiais quanto ao problema do n.º 1, do artigo 13.º, do Código Comercial,
nomeadamente:

a) As sociedades civis em forma comercial: a solução tradicional é encontrada e que


sustenta que não são comerciantes, está prevista n.º 3, do artigo 1.º, da Lei das
Sociedades Comerciais (LSC), que estabelece que, “a presente lei é também aplicável
às sociedades que tendo por objecto a prática de actos não comerciais adoptem um dos tipos
referidos no artigo seguinte”. O artigo 2.º, da LSC, estabelece quais são os tipos de
sociedades comerciais a adoptar, logo as sociedades civis em forma comercial não
são, pois, comerciantes, já que apenas estão sujeitas, por equiparação, ao regime das
sociedades comerciais, mas não lhes és genericamente aplicável o regime dos
comerciantes.

b) Empresas públicas: serão comerciantes, face ao n.º 1, do artigo 13.º do Código


Comercial? E se o não forem, deverão ser qualificadas como comerciantes, mercê
do respectivo regime estatutário geral, Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro – Lei de
Bases do Sector Empresarial Público? Em face destas duas normas, entre si
conjugadas, afigura-se que, se as empresas públicas não são rigorosamente
qualificáveis como comerciantes, no entanto estão pela lei a eles equiparadas, no

8
que toca à capacidade jurídica e às normas aplicáveis às suas actividades e uma
dessas normas será precisamente, o artigo 2.º do Código Comercial

A letra e o espírito do n.º 1, do artigo 13.º do Código Comercial tem aplicação mais ampla,
por não se restringir apenas aos comerciantes individuais e as sociedades comerciais,
alargando-se a sujeitos dotados de personalidade jurídica quando exercem uma actividade
mercantil, isto é, todas as pessoas jurídicas que, tendo capacidade para exercer o comércio,
fazem dele sua profissão. Neste sentido, dizer que existem ainda nessas condições os
agrupamentos complementares de empresas, as cooperativas para que as não considere
sociedades comerciais, que adiante falaremos.

Quanto as Empresas Públicas, dizer que, com a independência do país e na sequência das
nacionalizações, suscitou-se a questão da admissão do próprio Estado ou pessoas colectivas
públicas como comerciantes. A nacionalização dos bancos, das companhias de seguros e
das maiorias empresas industriais, manteve-os em funcionamento inicialmente como
Unidade Económicas Estatais - U.E.E e posteriormente como empresas públicas – E.P.,
que por sinal, são pessoas colectivas de direito público, integrados no Estado, não obstante,
exercerem actividades tipicamente comerciais e fazem-no com intuito lucrativo. Estas
podem assumir a qualidade de comerciantes no quadro do n.º 1, do artigo 13.º do Código
Comercial, por terem capacidade para exercer o respectivo comércio e fazem-no a título
profissional.

Hoje, nos termos da Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro – Lei de Bases do Sector Empresarial
Público, são as empresas que integram o Sector Empresarial Público12, nomeadamente:
a) As empresas públicas;
b) As empresas com domínio público;
c) As participações públicas minoritárias.

As empresas públicas são aquelas que, por diploma legal, assim são expressamente
qualificadas, cujo seu capital é integralmente detido pelo Estado.13

As Empresas com domínio público14 são as sociedades comerciais criadas ao abrigo da Lei
das Sociedades Comerciais, em que o Estado directamente, ou através de outras entidades
públicas, exerce isolada ou conjuntamente uma influência dominante em virtude de
alguma das seguintes circunstâncias:
a) Detenção da totalidade ou da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de
administração ou de fiscalização.

As participações públicas minoritárias15 referem-se àquelas situações em que o conjunto das


participações detidas pelo Estado ou outras entidades públicas não origine qualquer das
situações previstas no artigo 4.º. A integração das empresas participadas no sector
empresarial público, tal como definidas no n.º 1, do artigo 5.º, aplica-se apenas à respectiva
participação pública, designadamente no que se refere ao seu registo e controlo, bem como

12
Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro, artigo 2.º
13
Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro, artigo 3.º
14
Ibidem, artigo 4.º
15
Ibidem, artigo 5.º

9
ao exercício pelo Estado dos seus direitos de accionista ou sócio, cujo conteúdo deve levar
em consideração os princípios decorrentes da Lei em referência e demais legislação aplicável
às empresas que integram o Sector Empresarial público.

Quanto ao direito aplicável nas empresas e as empresas com o domínio público16, elas
regem-se para além da lei em referência e os demais diplomas que aprovam os respectivos
estatutos e, no que não estiver especialmente regulado, pelo direito privado, isto é, o direito
comercial através do Código Comercial e as demais legislação avulsas, em particular, a Lei
das Sociedades Comerciais, salvo quando o fim não seja contrário ao interesse público, nos
termos da probidade pública. Não obstante, a actividade das empresas que integram o
Sector Empresarial Público deve orientar-se no sentido de contribuir para o equilíbrio
económico e financeiro e para a obtenção de níveis adequados de satisfação das
necessidades da colectividade, o que, em bom rigor, deve excluir a sua qualificação como
comerciantes.

c) Agrupamentos de Empresas (AE): pessoas colectivas cujo regime jurídico consta da Lei
n.º 19/03, de 12 de Agosto - Lei sobre os Contratos em Participação, Consórcios
e Agrupamento de Empresas e da Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro – Lei das
Sociedades Comerciais (artigos 463.º 497). O objectivo geral destes agrupamentos
consiste em melhorar as condições de exercício ou os resultados das actividades
económicas das pessoas (singulares ou colectivas) nelas agrupadas. Devem pois, os
AE ter um escopo concreto, relacionado com as actividades agrupadas. E podem
ter um fim principal e fim ou fins acessórios. Mas os AE não podem ter por fim
principal a realização e partilha de lucros, muito embora possam ter esse fim como
acessório, se o contrato constitutivo expressamente o autorizar. As AE por princípio,
não são necessariamente comerciantes.

2.2. SITUAÇÕES DUVIDOSAS QUANTO À AQUISIÇÃO DA QUALIDADE DE


COMERCIANTE

O artigo 14º e 17º do Código Comercial, pretende evitar um alargamento excessivo da


categoria de comerciante. O n.º 2, do artigo 14.º, do Código Comercial, aplica-se aos acasos
do n.º 1, do artigo 13.º, do Código Comercial. Quer as pessoas de fim desinteressado, quer
as pessoas colectivas de fim interessado não económico, não podem ser comerciantes.

Mandatário comercial, a doutrina entende que não são comerciantes, são sujeitos que a
título profissional executam um mandato comercial com representação, isto é, quando
alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais actos de comércio por mandato de
outrem. Mandato mercantil, traduz-se na execução do mandato, pratica um conjunto de
actos (um ou mais) de comércio, realizados pelo mandatário comercial, produzem efeitos
jurídicos na esfera jurídica do mandante representado (art. 231.º; 258.º CCom). De entre
estes, destacam-se: gerentes, auxiliares e caixeiros (artigos 248.º a 265.º)

a) Gerente - Quem em nome e por conta de um comerciante trata do comércio desse


comerciante, no lugar onde esse comerciante tenha ou peça para actuar. Tem um
poder de representação (art. 249º CCom), é um poder geral e compreensivo de

16
Ibidem, n.º 1, do artigo 8.º

10
todos os actos pertencentes e necessários ao exercício do comércio para que tenha
sido dado, não são comerciantes.

b) Auxiliares de comércio - São encarregados de um desempenho constante em


nome e por conta dos comerciantes de algum (s) dos ramos de tráfico (artigo 256.º,
do CCom).

c) Caixeiros - São empregados do comerciante, encarregados de funções várias. O


poder de representação do caixeiro (e dos auxiliares) é um poder de representação
menor que dos gerentes (artigos 257º, 258º e 259º, do CCom).

d) São classificados no Código Comercial como mandatários com representação. Os


poderes de representação podem resultar de outros negócios jurídicos sem ser o
contrato de mandato. Sendo subordinados, praticam actos de comércio, por nome
e por conta do empregador – para aquele negócio não são comerciantes.

e) Comissários (dos comerciantes) – Fica directamente obrigado com as pessoas com


quem contratou como se o negócio fosse seu. O comissário pratica os actos para o
comitente, repercutem-se na esfera jurídica do comissário, fica o titular dos bens
adquiridos. Há uma segunda negativa que regula a relação que o comissário tem
com o comitente. O comissário vai receber do comitente além da sua remuneração
(ordinária) um outro montante (artigo 266.º, do CCom, contratos de comissão, artigo
268.º, do CCom).

Se o comissário, praticar actos de forma comercial, faz do comércio profissão para


efeitos do artigo 13.º, do Código Comercial, é irrelevante se ele os prática para ele
ou por conta de outrem – ele é comerciante – fica obrigado pela prática dos seus
actos.

f) Mediadores – É a pessoa colectiva ou singular, que servem de elo de ligação entre


diversos sujeitos jurídicos, promove a celebração de negócios entre duas pessoas.
Executam actos de comércio, a sua actividade está incluída no n.º 3, do artigo 230.º,
do Código Comercial.

g) Agentes comerciais - Promovem por conta de outrem a celebração de contratos, são


operadores independente e prestam serviços mediante retribuição. A sua actividade
essencial é a promoção do contrato, podendo celebrar, também, se tiver mandato
para isso.

Trata-se pois, daqueles actos que são comerciais, não pelo factor objectivo consistente na
lei em que são regulados, mas sim pelo elemento subjectivo consistente em serem praticados
pelos comerciantes. Daí que se denominem actos subjectivos: é a qualidade do sujeito que os
pratica, que lhes confere comercialidade.

11
O artigo 2.º do Código Comercial, em particular, na parte que estabelece noção de
comerciante e a sua importância, para a aquisição desta qualidade, para a pessoa singular
(pessoa física) é sempre originária, não podendo transmitir-se nem inter vivos, nem mortis
causa.

No domínio do Direito Comercial, deve prevalecer, em geral, a noção de comerciante que


resulta do artigo 13.º do Código Comercial.

O comerciante é quem, enquadrando-se numa das duas categorias estabelecidas no artigo 13.º do
Código Comercial, que seja o titular de uma empresa que exerça uma das actividades comerciais,
previstas e qualificadas nos termos do artigo 230.º do Código Comercial, incluindo as demais
disposições das leis avulsas e extravagantes, que caracterizam e englobam no Direito Comercial certas
actividades económicas.

Portanto, quem organizar ou adquirir uma empresa comercial terá de preencher, em si


mesmo, os requisitos necessários para obter de si a qualidade de comerciante.

2.3. RESPONSABILIDADE DOS BENS DOS CÔNJUGES POR DÍVIDAS


COMERCIAIS

A legitimidade para cada cônjuge contrair dívidas sem o consentimento do outro cônjuge
vinha assegurado pelo n.º 1, do artigo 1690.º do Código Civil. Este princípio não vem
contido no Código de Família, mas se deve dar como assente que é um princípio também
aceite no Código de Família, que não vem expresso por desnecessário17. Está implícito no
princípio da igualdade dos cônjuges, consagrado no artigo 21.º, que é extensivo a todos os
direitos e deveres conjugais, quer respeitem à esfera pessoal, quer à esfera patrimonial.18

Pode dizer-se que tanto o marido como a mulher mantêm, mesmo depois de casados, os
mesmos poderes patrimoniais para contrair dívidas, sem necessidade de consentimento do
outro. As dividas podem ser contraídas pelos cônjuges em relação a terceiros ou pelos
cônjuges entre si, o que vária consoante o regime de bens é a natureza da dívida, é o carácter
solidário ou conjunto da obrigação e, ainda o complexo de bens que respectivamente
respondem pelas dívidas contraídas pelos cônjuges. No Código de Família as dividas são
classificadas, qualquer que seja o regime de bens, em:
a) Dividas comuns;
b) Dividas exclusivas.

No actual regime dos efeitos do casamento sobre os direitos patrimoniais dos cônjuges,
prevalece o princípio da igualdade de direitos e deveres, a ambos pertencendo a orientação
da vida em comum e a direcção da família. O n.º 2, do artigo 63.º, do Código de Família,
no regime de comunhão de adquiridos, a responsabilidade dos cônjuges pelas dívidas
comuns é solidária e no regime de separação de bens, n.º 2, do artigo 63.º, a responsabilidade
é meramente conjunta.

17
Medica, Maria do Carmo, Direito de Família, 2.ª edição actualizada, Escolar Editora Angola, Lobito, 2013,
pág. 275
18
Ibidem

12
De realçar que, no âmbito das relações matrimoniais pode um dos cônjuges vir contrair
dívidas que obriguem a ele e ao outro cônjuge que não interveio no negócio jurídico. Tal
acontece em relação aos gastos decorrentes da vida familiar normal que têm de ser feitas
para acorrer às necessidades do agregado familiar e devem corresponder ao padrão
económico-social de vida do casal. Estas dividas são dividas comunicáveis pois vão
responsabilizar o outro cônjuge que não interveio no contrato de que a divida deriva.

No caso das dívidas contraídas no exercício do comércio pelo cônjuge comerciante, o legislador
inverteu o ónus da prova: de forma implícita e, se presume que, elas foram contraídas pelo
comerciante em proveito comum do casal, um conceito jurídico distinto do dos encargos
normais da vida familiar. O proveito comum do casal, pressupõe, por parte do cônjuge, que
ele contraiu a divida no exercício dos seus poderes de administração de bens e que haja
uma situação objectiva da qual possa inferir-se que a intenção era obter um determinado
proveito ou benefício para o casal. Sendo o comércio uma actividade lucrativa, da qual,
segundo as regras da experiência comum, deverá resultar uma vantagem material para o casal
e segundo os princípios do risco ou da probabilidade, os dois cônjuges, que podem auferir o lucro,
também serão responsáveis pelos prejuízos, se tal ocorrer, e, portanto, estabelece que só não
será assim se for provado – em regra pelo cônjuge do comerciante ou eventualmente por
este – que as dívidas não foram contraídas em proveito comum do casal.

A Lei n.º 6/03, de 3 de Março, veio alterar diversos artigos do Código Comercial19, dando
uma nova redacção estabelecendo que, “as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-
se contraídas no exercício do seu comércio”.

Nesta conformidade, a presunção legal, incumbirá sempre ao credor do comerciante o ónus


de alear e de provar que a divida contraída no exercício do comércio, isto é, a prática reiterada e
habitual, resultou em proveito do casal.20

O artigo 15.º do Código Comercial, apenas se aplica aos casos de dívidas comerciais – isto
é, resultante de actos de comércio de um comerciante casado em regime de comunhão de bens
adquiridos.

Se um credor de um comerciante fizer prova de que a dívida é comercial e o devedor é


comerciante, presume-se que a dívida foi contraída por este no exercício do comércio e,
portanto, a dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges, nos termos do artigo 15.º
do Código Comercial. De salientar que, esta presunção, não se aplica, se entre os cônjuges onde
vigora o regime de separação de bens.21

Para afastar este regime é preciso que o cônjuge do comerciante ou mesmo este:

i. Ilida/refute a presunção do artigo 15.º do Código Comercial, provando que a dívida do


comerciante, apesar de ser comercial, não foi contraída no exercício da actividade comercial
daquele;

19
Redação introduzida pela Lei n.º 6/03, de 3 de Março – Lei de Alteração ao Código Comercial
20
Medina, Maria do Carmo, Direito de Família, pág. 278.
21
Ibidem, pág. 279.

13
ii. Ou, em todo o caso, ilida/refute a presunção implícita no artigo 15.º do Código Comercial,
provando que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal.

3. AS SOCIEDADES COMERCIAIS

São ainda comerciantes, segundo o n.º 2, do artigo 13.º do Código Comercial, as sociedades
comerciais. Nos termos do n.º 2, do artigo 1.º, da Lei das Sociedades Comerciais22, “são
sociedades comerciais aquelas que tenha por objecto a prática de actos de comércio e se constituem
nos termos da presente lei”. Logo, o n.º 2, do artigo 1.º, qualifica as sociedades comerciais de
comerciantes, tendo as seguintes condições para que uma sociedade se considere comercial:
a) Que tenha por objecto a prática de actos de comércio;
b) Que se constitua em harmonia com os preceitos da presente lei.

O n.º 3, do mesmo artigo, acrescenta que, “a presente lei é também aplicável às sociedades
que não tendo por objecto a prática de actos não comerciais adoptem um dos tipos referidos
no artigo seguinte”. E os casos que não poderem ser resolvidos nem pelo texto, nem pelo
espírito da presente lei, nem pelos casos análogos nela previstos, são regulados pelas normas
do Código Comercial e, na sua falta, pelas normas do Código Civil na medida em que
sejam conformes com os princípios gerais da presente lei e com os princípios informadores
do tipo adoptado.23

Não é suficiente que a sociedade seja de algum dos tipos previstos na Lei das Sociedades
Comerciais24, para que uma sociedade seja qualificável como comercial é ainda necessário
que ela tenha por objecto a prática de actos de comércio. Se tiver por objecto a prática de
actos civis (ou de actos não comerciais), uma sociedade em nome colectivo, uma sociedade
por quota, uma sociedade anónima ou uma sociedade em comandita, não é uma sociedade
comercial, mas antes uma “sociedade civil de tipo comercial”. As sociedades comerciais são
aquelas que correspondam a uns tipos legais previstos na Lei das Sociedades Comerciais25
e tenham por objecto à prática de actos de comércio.26

Tais como na qualificação dos comerciantes em nome individuais (comerciantes


individuais) e pelas mesmas razões, na qualificação das sociedades comerciais, apenas a
prática de actos de comércio objectivos e causais é relevante. Incluem-se neste âmbito as
actividades enumeradas como mercantis no artigo 230.º, do Código Comercial e os actos
que constituem o seu núcleo funcional.

Tal como na qualificação dos comerciantes em nome individuais, essa prática é profissional
e não tem de ser exclusiva. É profissional porque corresponde à prossecução do objecto
social da sociedade. Ela não deixa de ser qualificada como mercantil por ter um objecto
misto, civil e comercial. A Lei das Sociedades Comerciais, apenas, exclui a qualificação
comercial das sociedades que, correspondendo a um daqueles tipos legais, “tenham
exclusivamente por objecto a prática de actos não comerciais”.27

22
Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro
23
n.º do artigo 1.º, da LSC
24
Artigo 2.º, da Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro
25
Ibidem
26
n.º 2, do artigo 1.º, da LSC
27
n.º 4, do artigo 1, da LSC

14
4. A EMPRESA E O EMPRESÁRIO NO DIREITO COMERCIAL

A empresa é um termo com um sentido que pode ser mais amplo ou mais restrito e que
importa interpretar e concretizar em cada caso. Assim sucede com frequência, no direito,
com outros termos e expressões que nem por isso deixam de ser utilizados. Os juristas não
podem apenas ser apenas leitores ou técnicos de leis e devem saber compreender e
concretizar o Direito com a linguagem na qual tem a sua vigência.

No caso específico da empresa, o mais amplo dos conceitos abrange todo o projecto
prosseguido através duma actividade duradoura e finalisticamente determinada,
prosseguida dum modo mais ou menos organizado e com a utilização dos meios necessários.

Neste conceito amplo, a empresa não tem de ter um fim económico. Pode ter um fim
cultural ou científico, por exemplo, uma Universidade, um fim religioso, por exemplo, uma
Igreja, um fim militar, por exemplo, um Exército, um fim assistencial, por exemplo, uma
Misericórdia, etc.

Num sentido muito mais restrito, a empresa com um fim económico, pode ser comercial ou
não. Na perspectiva jurídico-formal, comerciais são as empresas cujos fins ou projectos
correspondem ao exercício do comércio, através da prática de actos de comércio ou de
alguma das actividades referidas no artigo 230.º do Código Comercial e as demais avulsas,
são empresas civis.

Na linguagem corrente, no discurso político, económico e até na letra da lei, a referência


às empresas e os empresários é cada vez mais utilizada para referir os agentes económicos que
actuam no mercado.

Na perspectiva objectiva, as empresas são entes, organizações ou unidades de negócios e na


perspectiva subjectiva, referem-se os empresários, titulares desses entes, organizações ou unidades que
actuam no mercado.

O Direito Comercial tem assistido a uma evolução semântica na linguagem corrente, que
naturalmente veio a ter reflexos na letra da lei. Se antigamente se falava em mercador e
mercancia, se mais recente (ao tempo de Código Comercial) se falava no comerciante e no
seu comércio, hoje fala-se no empresário e na sua empresa.

As referências ao empresário e à empresa que surgem no diálogo corrente e no texto da


própria lei correspondem, em princípio, ao comerciante (em nome individual e as
sociedades comerciais) e à sua empresa (o seu comércio). Todo o comerciante, que exerce
o comércio como profissão, fá-lo através duma empresa e não há exercício profissional do
comércio sem empresa, nem empresa sem empresário.

Outra questão importante, tem sido na prática, na doutrina, a partir da empresa, tentar
determinar quais das empresas são comerciais. Seja melhor, fazermos a abordagem no
sentido inverso e determinar, quais as empresas que não são comerciais. De realçar, em
princípio, que a maioria número de empresa e de relevância económica, são comerciais que
as empresas civis. A própria empresarialidade, com as suas características de organização

15
interna e sofisticação de funcionamento, enquadra muito melhor com a comercialidade.
Chamaremos de empresas civis, todas as outras que em termos da legislação vigente, não
têm um fim económico.

Recorrendo as disposições legais vigentes, verificamos que as referências legais às empresas,


são feitas as que têm um fim económico e que actuam no mercado. É assim, que no artigo
2.º da Lei de Concorrência28, estabelece que, a mesma “é aplicável:
a) Às actividades económicas exercidas com carácter permanente ou ocasional, no território
nacional em que nele produzem ou possam produzir efeitos;
b) Às empresas públicas, privadas, agrupamento de empresas (AE), cooperativas, bem como, as
associações empresariais ou outras pessoas jurídicas constituídas de facto ou de direito, ainda
que temporariamente com ou sem personalidade jurídica.

Igualmente, o n.º 1, do artigo 4.º, da Lei das Micro, Pequenas e Médias Empresas,29 define
que “por empresas, as sociedades que, independentemente da sua forma jurídica, tenham por objectivo
o exercício de uma actividade económica”. Quanto a definição das actividades económicas,
nos termos da Lei de Delimitação de Sectores da actividade económica, de acordo com as
disposições do 1.º30, define que “a actividade económica a que se destina à produção e distribuição
de bens e a prestação de serviços a titulo oneroso e com a finalidade lucrativa, mediante propriedade,
concessão, gestão ou outra forma jurídica de titularidade dos respectivos meios”.

O conceito empresa tem sido muito trabalhado no direito e, constitui um ramo de Direito
Comercial que não é estanque e que deve contribuir para a concretização do conceito de
empresa mercantil no Direito Comercial geral.

Na dicotomia empresa comercial/empresa civil, a classe das empresas civis e na lógica do


Código Comercial, inclui todas empresas não comerciais, isto é, as empresas civis, são aquelas
cujo fim não é económico e lucrativo.

Em princípio e salva interpretação diversa, as referências de diplomas legas aos empresários


e às suas empresas devem ser tidas como correspondentes aos comerciantes e às suas
empresas.

Mas a qualificação das empresas comerciais deverá assentar no seu fim económico lucrativo
ou na subsunção do artigo 230.º do Código Comercial.

De realçar que, o artigo 230.º, do Código Comercial contém, nos seus § (parágrafos) 1º a
3º, normas expressas que excluem a qualificação como empresas comerciais:

a) O proprietário ou explorador rural que apenas transforma, como actividade acessória, os


produtos da sua exploração agrícola, artista, industrial, mestre, ou trabalhador mecânico que
exerce directamente a sua arte, indústria ou ofício, embora empregue, para isso, operários, ou
operários e máquinas;

28
Lei n.º 5/18, de 10 de Maio
29
Lei n.º 30/11, de 13 de Setembro
30
Lei n.º 5/02, de 16 de Abril.

16
b) O proprietário ou explorador rural que apenas fizer fornecimento de produtos da sua
propriedade;

c) O próprio autor que editar, publicar ou vender as suas obras.

Os números do artigo 230.º, do Código Comercial, não contêm uma tipologia fechada de
empresas comerciais, mas sim uma série de tipos onde é possível discernir índices de
qualificação de empresas como comerciais que devem servir de base à respectiva
qualificação. A sua concretização exige um processo tipológico-analógico que se traduz na
comparação entre o caso e o tipo, no discernimento da semelhança e da diferença e na
apreciação da respectiva relevância de acordo com a ratio júris/a razão do direito, que funda
a distinção entre empresas comerciais e civis.

A analogia conduz à qualificação como comerciais das empresas cujas semelhanças com
algum dos tipos previstos no artigo 230.º, do Código Comercial o que justifique, desde que
as diferenças o não impeçam.

O critério relevante das semelhanças e das diferenças encontram-se na natureza das coisas,
nos entes físicos (enthia physica), concretiza-se nas realidades da vida económica mercantil
e do mercado e nos entes morais (enthia moralia), correspondentes às concepções culturais
e de linguagem dominantes no mercado, ao modo como aí é entendido o que sejam
empresas comerciais. Este critério não está na letra da lei, e ainda bem, ele é dado pela vida
e pela sociedade em que o Direito vigente, numa manifestação muito clara da abertura e
da mobilidade do sistema.

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