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Sociedades Comerciais

Docência: Prof. Dr. Paulo Olavo Cunha


Ano Letivo: 2021/2022

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TEÓRICAS

09.02.2022
Introdução

1. O Direito Comercial e do Mercado como direito geral em face do Direito das Sociedades
Comerciais. Qualificação da matéria mercantil e regime jurídico-societário.

As SC são os principais sujeitos do DC. Em DC procedemos à qualificação – saber a matéria


comercial para aplicar o regime comercial. Em SC pegamos nos principais sujeitos do DC e
caracterizamos o regime jurídico desses principais sujeitos. Já não é uma disciplina de qualificação.
É uma disciplina de regime jurídico.

O Direito Comercial foi um direito que teve na sua origem necessariamente uma certa atividade e
a necessidade de criar regras próprias e específicas que se aplicassem a essa mesma atividade e
que rapidamente passaram a ser regras que na prática eram quase privativas de determinados
sujeitos na ordem jurídica. Esses sujeitos eram aquilo que se chamavam à época os mercadores –
hoje, comerciantes ou empresários.

O DC, tendo tomado por referência a atividade económica que corresponde à ideia de comércio,
que é um atividade de intermediação entre oferta/procura, teve na sua base as trocas, a partir do
momento em que se desenvolve a moeda, passa a haver a facilidade de em vez de se proceder à
trocar, de proceder à c/v.

No entanto, com a evolução do mundo e as modificações do mundo que ocorreram na altura da


Revolução Francesa – final do séc. XVIII – procurava-se a igualdade, liberdade, fraternidade. A
sociedade era muito desigualitária e mesmo essa igualdade que se procurava era relativa. Nessa
igualdade, uma das coisas que se questionou foi porque é que se continuava a entender que
devia haver um direito privativo de uma determinada classe – classe dos comerciantes ou
empresários.

Nasceu o que designamos, no primeiro semestre, pela objetivação do Direito Comercial – o DC


aplica-se essencialmente a atos e atividades independentemente do sujeito que as pratica. Esta
tem sido então, desde o princípio do séc. XIX (código de Napoleão (1807)) a primeira fonte em que
há uma objetivação do tratamento da matéria comercial.

Chegámos ao séc. XXI e depois de o DC ser muito estudado na perspetiva dos sujeitos que se
encontram pelo lado da oferta (os distribuidores e prestadores de serviços) e em razão da
determinação dos interesses destes sujeitos que no fundo se construiu um ramo do direito
autónomo, cientificamente autónomo do Direito Comum Civil aplicável à generalidade das
pessoas.

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Este DC no séc. XXI começou a ceder o seu espaço, por efeito da globalização a um direito mais
vasto no qual ele se integra que é o direito do mercado, em que encontramos a necessidade de
tutelar os interesses dos sujeitos que são contraparte final dos sujeitos de DC. Esses sujeitos, que
são a contraparte dos consumidores que cada vez mais exigem e requerem uma maior tutela dos
seus bens e interesses, em particular porque numa relação que os oponha a um sujeito de DC ela é
naturalmente desequilibrada pelo peso económico que normalmente tem o sujeito de DC. Isso é
uma grande questão do Direito do séc. XXI. É por isso que o POC chamou ao manual de DC Manual
de Direito Comercial e do Mercado.

Aqueles que intervêm profissionalmente no mercado, que são os sujeitos de DC, continuam a
requerer e a justificar um regime próprio específico que discipline a sua constituição e
intervenção no mercado e que lhes diga a eles respeito. Não se imiscuindo, no plano do seu
relacionamento com terceiros, consumidores. Não havendo aí necessidade de procurar a tutela
específica dos consumidores como contrapartes negociais. Não que os clientes não mereçam uma
determinada tutela, claro que a têm. Isso é muito importante e falaremos disso oportunamente.

Tradicionalmente, o DC disciplinava as SJ que respeitavam aos atos e atividades jurídico-mercantis.


Quando evoluímos para o Direito do Mercado temos que abranger a interação com os
consumidores e portanto há interesse também nos consumidores. Os consumidores estão lá no
mercado relativamente aos sujeitos de DC, que se apresentam pelo lado da oferta, como uma
contraparte essencial. Não havia mercado se não houvesse consumidores. Não havia produtores e
distribuidores se ninguém quisesse adquirir os seus bens e serviços. POC: Não havia faculdade se
não houvesse alunos .

O mercado, no séc. XXI, teve um desenvolvimento exponencial. Deixou de ser geograficamente


limitado. Antes, chamava-se feira. É verdade que o DC foi para além disso. Não se cingiu aos
intervenientes no domínio das relações entre a oferta e a procura: o comércio vai para além disso
– tem uma qualificação jurídica – e a atividade empresarial que não se limita à simples
intermediação também é comércio. Aí entraram muitas outras atividades de natureza económica,
designadamente a indústria, e outras atividades do setor terciário, ou do setor digital.

Na realidade, tudo isso são setores que se entendeu que pela sua profissionalidade
essencialmente pelo risco do capital que caracterizava a sua participação no mercado, justificavam
estar sujeitos a um regime diferente daquele aplicável ao comum dos cidadãos, àqueles que se
encontram, em regra, apenas pelo lado do consumo. Não esqueçamos que os sujeitos de DC
atuam muitas vezes também como consumidores.

O DC alargou-se, passou a ser um Direito de Mercado. Tem sentido em função do mercado a que
se dirigem os sujeitos de DC, mas estes continuam a ter uma importância muito grande. E como o
Direito aqui exige uma abstração relativamente àquilo a que estamos habituados, na realidade, na
vida comercial, os sujeitos individuais perdem imenso interesse no que diz respeito à sua
relevância económica no Mercado, porque por definição têm pouca capacidade económica e
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financeira.

Os sujeitos que vão ter relevância no mercado e que vão intervir como sujeitos de DC vão ser
essencialmente as Sociedades Comerciais.

2. Enquadramento legal das sociedades comerciais: o CSC e outros diplomas

O que são as sociedades comerciais? Estas entidades caracterizam-se por prosseguir uma
determinada atividade, que tem a ver com a prática de atos de comércio (art. 1.º CSC – reconhece
essa qualificação da sociedade em razão de uma entidade que pratica atos de comércio).
Tradicionalmente, era uma entidade que se caracterizava por ser constituída por 2 ou mais pessoas. 1

As sociedades hoje muitas vezes movem-se numa lógica de grupo (empresa plurisocietária). No que
diz respeito à SC ela hoje pode ter um substrato individual – singular. Pode ser participada por uma
única pessoa – unipessoalidade. É quase um contraponto à ideia de empresa plurisocietária.

Uma sociedade que seja participada por uma única pessoa jurídica, um único sujeito de direito, seja
ele uma pessoa singular ou coletiva. Essa sociedade unipessoal deve adotar na ordem jurídica
portuguesa uma de duas formas possíveis:
 sociedade por quotas
o designada como sociedade unipessoal por quotas – art. 270.º-A e segs. CSC
o mas com uma característica interessante e a mais importante – uma pessoa singular
não pode ser titular de mais do que uma sociedade unipessoal – mesmo que eu
pratique várias atividades mercantis, não posso constituir várias sociedades
unipessoais por quotas destinadas a prosseguir essas mesmas atividades. Isto é uma
limitação da própria lei.
 sociedade anónima subsidiária integral – (originária ou resultante da aquisição de
participações).
o É uma expressão que o POC importa do Direito Brasileiro
o É uma sociedade integralmente subsidiária de outra sociedade comercial.
o O que tem de característico é que o sócio desta sociedade é único, claro, mas tem de
ser uma sociedade de responsabilidade limitada (art. 488.º CSC).

As SC podem ser classificadas como sociedades de responsabilidade limitada ou ilimitada no que


respeita à responsabilidade dos seus sócios, porque elas, qualquer que seja o seu tipo, são sempre
sociedades de responsabilidade ilimitada, ou seja, pelas suas obrigações, responde a totalidade do
seu património. A questão é saber até que ponto o património dos participantes no seu capital
pode ser chamado a responder.
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Não passava pela cabeça de ninguém que um desses sujeitos fosse uma entidade com a mesma
natureza da própria sociedade. Isto é, quando as sociedades foram criadas e se constituíram, tinham de
ser necessariamente participadas por pessoas singulares. Não havia o fenómeno de admitir que uma
sociedade pudesse participar noutra – fenómeno que hoje é absolutamente evidente e natural.

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São sociedades de responsabilidade limitada as sociedades anónimas, as sociedades por quotas e as
sociedades em comandita por ações. Portanto, as únicas com aptidão para poderem ser de sócio
único de uma sociedade anónima subsidiária integral.

Temos a possibilidade, hoje, de encontrar uma exceção, que corresponde a um paradoxo


etimológico – sociedade unipessoal. É o mesmo que dizer “uma pluralidade de uma pessoa”,
contradição em si mesma. O Direito aqui quis explicar que o regime jurídico dos sujeitos do mercado
era um regime que podia aproveitar a situações de unipessoalidade – situações em que uma pessoa
quisesse individualmente constituir uma estrutura para prosseguir a sua atividade mercantil, porque
o regime jurídico das sociedades comerciais é um regime relativamente bem construído e se revela
adequado – hoje há muitas entidades remetidas para este regime mesmo que não sejam
verdadeiramente sociedades comerciais.

No substrato da SC encontramos essencialmente uma empresa comercial. Daí a importância de em


DC termos qualificado a empresa comercial, pois só esta se pode, em bom rigor, constituir como uma
sociedade comercial. Se o DC excluir a comercialidade para uma certa realidade, ela depois não se
pode construir como um sujeito de DC. Tem de ser construído como um sujeito de outro ramo –
Direito Civil, por exemplo.

Aliás, como os próprios consumidores. Os consumidores em geral são sujeitos de Direito Civil e isso é
que os caracteriza. Por isso, muitos autores reconduzem o Direito do Consumo ao Direito Civil – é
uma proteção da pessoa singular ou da pessoa coletiva.

Se na base da sociedade temos uma empresa comercial, então a empresa comercial, que é uma
entidade prestadora e mediadora de riqueza com destino ao mercado, essa empresa vai ser o
substrato necessário da SC. Por isso, como substrato da SC temos uma empresa. Logo, a sociedade é
no fundo o invólucro em que se contém a realidade a que chamamos empresa e que não tem
autonomia jurídica, não é considerado sujeito de direito. Essa organização de fatores produtivos
tem de pertencer a um determinado sujeito de direito – singular ou SC.

A SC é em si uma organização de fatores produtivos que se destinam ao mercado, qualquer que


seja a vertente que os conduza a esse efeito, e que se consubstanciam no exercício de uma
atividade económica que tenha essencialmente um objeto mercantil, comercial.

Finalidade: lucro. Eu organizo os fatores produtivos que se destinam ao mercado, para realizar uma
atividade que tenha uma natureza económica comercial, e que vise obter um ganho = diferença
positiva entre o custo do funcionamento da atividade e o resultado da sua atividade. O lucro
caracteriza a intervenção no mercado por parte de um sujeito de DC.2 3
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O lucro é a essência do comércio. Curiosamente, mesmo no conceito de sociedade civil, que temos no
art. 980.º CC, a finalidade lucrativa é uma característica da sociedade civil, por contradição a outras
pessoas coletivas que existam na sociedade civil.
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No que respeita ao lucro hoje começa-se a colocar a questão sobre se o lucro deve ser a principal ou
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POC: acha difícil conceber a constituição de uma SC sem mais, afastando o conceito de lucro. Aquilo
que nalgumas sociedades mundiais muitas vezes se designa por sociedade, utilizando a tradução
literal da palavra sociedade (no Direito Anglo-Saxónico = corporation, company) como society.
Society não tem a ver com isto, mas com outro tipo de entidades que se destinam a outros fins – por
exemplo, a associação dos amigos de determinado modelo.

É natural que uma sociedade comercial deva poder retribuir à sociedade política em que se insere
uma parte dos seus ganhos – de certo modo já o faz com os impostos que paga. Isso é mais
necessário ainda nos Estados e ordenamentos em que paga menos impostos. Para os ingleses, isto é
o payback, no fundo devolver à sociedade aquilo que ela também proporciona àqueles que investem
nessas entidades.

Na constituição da SC já não tem que haver necessidade de uma pluralidade de membros, podemos
dizer que em princípio é constituída por duas ou mais pessoas, para deixar espaço para a
unipessoalidade; prossegue um objeto económico comercial, que se traduz muitas vezes na prática
de atos de comércio ou de atividades mercantis e que visa proporcionar àqueles que nela arriscam o
seu capital um ganho relativamente ao capital investido. É dessas realidades que vamos falar ao
longo deste curso.

Uma empresa comercial deve-se constituir como SC. Só uma empresa comercial se pode constituir
como SC. Mas em DC há certos casos em que uma empresa relativamente à qual esteja excluída a
comercialidade (que se deva constituir como empresa civil) pode adotar a forma comercial – aquelas
que prosseguem uma atividade agrícola, ou agropecuária – devem-se constituir como sociedades
civis mas podem adotar uma forma comercial, daí que, por exemplo, vinícola apareçam muitas
empresas produtoras de vinhos e engarrafadoras. Essa empresa pode surgir como empresa civil sob
forma comercial. Isso está previsto no n.º 4 do art. 1.º CSC, estendendo a essas entidades o regime
comercial.

Então de facto, nesta matéria não há diferença nenhuma entre um tipo de sociedade e o outro tipo
de sociedade, porque pelo n.º 4 do art. 1.º SCS somos totalmente reconduzidos ao CSC. E a partir daí,
todos os atos que estas entidades, que no fundo veem o seu regime jurídico regulado e disciplinado
no CSC, vierem a praticar no seu quotidiano são atos, por definição, para os quais elas em princípio
deveriam ter capacidade. Portanto são atos que se reconduzem a atos comerciais. Por definição, uma
SC não pode praticar atos que não sejam comerciais e por isso é que uma SC, em princípio (tem
exceções), não pode praticar atos gratuitos:
 O ato gratuito corresponde a uma espécie que não é subsumível ao género de atos que são
objeto de regulação no âmbito do DC.

exclusiva finalidade da constituição destas entidades. É por isso que se fala de importantíssimos
princípios e valores que estas entidades vão ter necessariamente de acautelar no caminho que irão
desenvolver em sociedade – necessidades de caráter ambiental, caráter social e o modo como essas
entidades se propõem a organizar esse mesmo caminho. Por isso também se fala no sentido de que tais
entidades devam ter, à margem do que respeita à sua atividade, responsabilidade na sociedade –
responsabilidade social – e que as entidades serão tão bem mais concebidas se tiverem um propósito
que devam procurar vir a realizar através da sua constituição e atividade – purpose.
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 Mas as SC por vezes fazem doações a hospitais, organizações não lucrativas. Mas fá-lo porque o
direito abre a porta para isso, porque o direito cria a exceção e enquadra a prática desses atos
em atos que podem ser praticados por essas entidades e contabilizados como atos por elas
praticados.
o Aí tem que haver um tempero. Por exemplo, uma SC com um lucro anual de 100M€
não pode chegar ao final do exercício e doar 50M€ a um hospital. Isso não tem sentido
– a expectativa dos sócios dessa sociedade não seria tutelada. Tem que haver um certo
tempero, mesmo nas doações autorizadas.
o Tem que haver uma relatividade com a capacidade económica que essas entidades
manifestam. Se não houver uma manifesta capacidade económica, se houver uma
enorme desproporção, então não é aceitável esse ato. É um ato que cai fora da
capacidade da própria sociedade.

Art. 1.º CSC

Fala dos tipos societários. Diz-nos que estas entidades só podem constituir-se num dos tipos que
estão contidos no art. 1.º CSC - princípio da tipicidade. Não é possível inventar, não há autonomia
jurídica para criar um quinto tipo societário que não esteja aqui admitido. Por uma razão simples: os
destinatários das normas jurídicas, habituaram-se a aceitar que, para além dos seres biológicos
(pessoas singulares), só possam existir outros sujeitos de direito na medida em que o próprio Direito
os reconheça previamente como tais.

Isto é, aquilo que se designou classicamente por pessoas coletivas por contraposição aos sujeitos
individuais e entidades nas quais tradicionalmente participariam 2 ou mais pessoas, têm de estar
previamente reconhecidas pela própria ordem jurídica. A ordem jurídica tem de ter a noção da sua
necessidade para lhe reconhecer personalidade e portanto a suscetibilidade de personificação e em
consequência da mesma, a aptidão para ser sujeito de obrigações e titular de direitos – aptidão para
ser pessoa jurídica.

Quando as SC surgiram, elas eram no fundo representativas da junção de duas ou mais pessoas
singulares. O fenómeno das pessoas coletivas a participarem em sociedades comerciais é um
fenómeno do séc. XX. Quando surgiram, participadas por duas ou mais pessoas, a lógica subjacente
era no fundo procurar que a união fizesse a força e a junção das capacidades de duas ou mais
pessoas singulares representasse uma potencialização da sua intervenção isolada no mercado,
resultando num indicador económico que fosse substancialmente superior àquele que
correspondesse à soma dos diversos indicadores proporcionados pelas mesmas pessoas, se
interviessem individualmente.
 Aí surgiram as primeiras sociedades, chamadas sociedades em nome coletivo.
o Quando surgiram não eram dotadas de personalidade jurídica, porque o Direito não
lhes reconheceu essa aptidão.
o Era uma realidade social, económica, mas não era uma realidade jurídica, porque não
se diferenciavam das pessoas que nela participavam. Por isso é que também
tradicionalmente as pessoas que participavam nelas assumiam o risco da sua

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atividade.
 E de algum modo, mesmo que autonomizassem um património com essa
finalidade – a tal autonomia patrimonial e financeira de que era dotada a PC
que eles procuravam criar – na realidade, uma vez escolhido esse património,
esgotado esse património, os participantes eram chamados a responder com
todo o seu património pessoal.
 Em Portugal, o momento de viragem da nossa legislação aconteceu com a
entrada em vigor do CSC. Este ainda era um assunto que à época ainda era
discutido. O CSC veio resolvê-lo e vamos ver como mais tarde.
 Quanto à sede em que se encontram estes sujeitos de Direito: são enquadrados hoje num
diploma autónomo diferente do CCOM, que é o CSC.

O CSC sistematiza-se em 8 títulos, mas tem uma sistematização algo parecida com a do livro II do CC,
que tem o título das obrigações em geral e o título dos contratos em especial. Tem uma parte
genérica sobre as obrigações e depois tem uma parte em que vai caracterizar o regime específico dos
principais contratos.

O CSC começa com uma parte geral, que é uma parte comum a todos os tipos societários e depois
trata dos 4 tipos societários: primeiro da sociedade em nome coletivo, segundo da sociedade por
quotas, terceiro da sociedade anónima, e quarto, da sociedade em comandita.

Depois tem um título sobre as sociedades coligadas, que são no fundo aquelas sociedades que estão
em relação de participação. São sociedades que têm um objeto comercial, mas que são também
detentoras de participações noutras sociedades e por efeito disso estão sujeitas a um determinado
regime. O fenómeno mais importante que se enquadra no regime das sociedades coligadas é o
fenómeno das sociedades em relação de grupo – aquelas sociedades que na realidade ou detêm uma
participação integral de outra ou têm o controlo integral da gestão de outra sociedade.

Depois temos normas de natureza penal – crimes societários – e também uma norma
contraordenacional. E depois finalmente temos o último título que é o título sobre as normas finais e
transitórias, que se destinavam a regular situações de transição de regime jurídico. Muitas delas
ainda hoje se aplicam, porque não se esgotaram em poucos anos com a entrada em vigor do CSC.

O título que não existia em 1986 era o título das normas penais e contraordenacionais. Só foi
introduzido em abril de 1987 pelo DL 280/87.

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CSC:
 Aprovado e com início de vigência muito rápido. Entrou em vigor no dia 1 de Novembro de
1986
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 O período habitual de referência da vida da SC é o período de 1 Jan a 31 de Dez, o ano
letivo da SC é de 1 Jan a 31 dez que corresponde ao seu exercício social. Como uma SC deve
prestar contas aqueles que nela investem essas contas devem suportar um determinado
período relevante e por isso deve todos os anos fzr um balanço (obrigação do comerciante
prevista no art 18 CCOM) para saber se essa atividade correu de forma positiva (saber oq eu
ir afazer e o destino que ira aplicar aos bens) ou forma negativa.
 O CSC poderia e deveria ter iniciado no dia 1 de Jan 1987, teria sido mais lúcido - 
permitiria uma vacatio legis superior e depois não teria sido publicado com lapsos da época
que vieram provocar uma profunda revisão logo passados poucos meses (em abril).
o Na altura dizia-se que havia a necessidade de adaptar a legislação portuguesa à
comunitária e de facto não foi só por si justificável.
 Revogação da legislação anterior: fez-se de forma mista
o alguns diplomas/regras são expressamente revogados e outros parcialmente e
noutros casos ocorreu uma revogação tacita
 são publicadas novas regras com determinado objeto, não é referenciada a
cessação da vigência de um diploma que já exista, mas chega-se à conclusão
de que esse diploma já existente também dispunha sobre o mesmo objeto,
então a lei posterior como não é fonte hierarquicamente inferior revoga a lei
até então existente.
 Na aplicação da lei: fenómeno de sucessão de leis no tempo (conjunto de regras que vai
constituir o principal regime jurídico de uma serie de entidade personalizadas que existem
no nosso ordenamento e por isso este diploma é de grande importância)
o problema com a alteração do sentido para que apontavam as regras sobretudo
quando elas tinham carater dispositivo. Quando tem carater imperativo não há
qualquer dificuldade.
o Sucessão de leis no tempo de normas que tem um carater dispositivo e sobretudo
supletivo
 Se eu não acolhi no contexto do contrato da SC que constitui antes do
momento da sucessão de lei no tempo, SC constituída ao abrigo de lei
anterior deparo-me com um problema se a nova lei supletiva apontar num
sentido diferente, posso ficar sujeito a este novo sentido, que nem sequer se
imaginava na época?
 Ora o diploma que aprovou as o CSC o DL 262/86 de 2 de Setembro, na suas
disposições preambulares foi criada uma norma um bocado deficiente em
relação à sucessão no tempo, porque essa norma determinou que nos casos
em que não fosse patente no contexto de contratos de sociedade
anteriormente constituídas que se pretendia um regime material de uma
disposição legal que fosse vigente a época da aprovação do contrato se
deveria passa aplicar imediatamente a nova solução legal ainda que esta
fosse diferente.
 Ou seja, eu das 2, 1: ou reproduzi o conteúdo de preceitos supletivos no meu
contrato de sociedade ou expliquei na época que queria que se aplicasse o
art. 20.º da lei das SQ, por exemplo, ou senão disse nada fiquei sujeito a um
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regime jurídico novo aprovado pelo novo código e que era um regime
jurídico supletivo muito diferente do que existia anteriormente. Quando eu
não reproduzo uma norma supletiva eu não digo porque não fiz, regra geral
é-se totalmente omisso e, portanto, esta lógica de remeter para casos que
estavam sujeitos a normas supletivas para normas supletivas que alteraram o
sentido da revelação legal em Portugal acabou por ser altamente
penalizador. Na verdade não suscitou grandes complicações de carater
judicial não houve muitos litígios.

O CSC não esgota a matéria das SC. Há muitas SC que estão sujeitas a leis especiais e por isso quando
queremos saber o enquadramento jurídico dessas SC temos que ter em conta a lei especial. Isto
sucede, por exemplo, com as instituições de crédito, com as companhias seguradoras, etc.
Acontece sempre que estamos perante SC que são particularmente relevantes em termos
económicos e sociais, que estão sujeitas a regulação sectorial própria, regras próprias e supervisão
por entidade independente que visa verificar de forma externa como é que a SC se comporta.
Quando vemos as instituições de créditos, para que tal se constitua, é obrigatório adotar um título
societário de SA, ou seja, são desprezados todos os outros tipos societários. Esse tipo societário 
um banco (uma instituição de crédito) vai estar sujeito as regras que constam do regime geral das
instituições de créditos e sociedades financeiras e naturalmente ao CSC. Essas tais outras regras são
direito especial relativamente ao CSC. Isto acontece também com atividade seguradora,
telecomunicações etc.

Para alem do CSC há outras regras que são importantes, desde logo:
 CVM
o vai debruçar-se sobre aspetos do regime jurídico das Sociedade cotadas
 expressão abreviada para uma sociedade cujas participações se
encontram admitas a negociação no mercado regulamentado e,
portanto, essa sociedade também tem que ser por definição uma SA
 é um subtipo de SA e porque os VM emitidos pela Sociedade
cotada, por exemplo, para titularizar a sua divida.
 Na opinião do POC é uma deficiente técnica legislativa, o legislador
procurou tratar alguns aspetos do regime especial das sociedades
cotadas no CVM e não no CSC pq esse é que o código dos sujeitos, o do
CVM é do objeto. O que temos que ter em conta é que para uma
sociedade cotada não basta o CVM precisamos do CSC que é onde esta o
regime jurídico básico de qualquer SA mesmo antes de ela ser cotada,
isto é, antes das participações em que se exprime o seu capital serem
admitidas a negociação no mercado regulamentado (bolsa de valores. Em
lisboa é chamado EuroMex Lisbon, SA).
 Código Registo Comercial: código relativo a publicidade das situações jurídicas que têm
natureza comercial. Dispõe sobre o modo como eu evidencio perante a OJ que aquela
entidade existe e qual o conteúdo das regras internas a que ela está sujeita – o
conteúdo do contrato de sociedade o que se chama: os estatutos.
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 CC: também regula o contrato de sociedade civil – arts. 980.º e ss. e remete para o CSC
 CIRE: aplicável às situações mais graves da vida da sociedade

Leis avulsas que são importantes  leis que dizem respeito à intervenção de todos os agentes
económicos em geral:
 Lei da concorrência: abrange essencialmente as SC
 Lei que regula as sociedades gestoras de participações sociais: Sociedades que exercem
atividade económica de forma indireta, caracterizam o seu quotidiano por adquirirem
participações noutras entidades, por gerirem essas participações e alienarem essas
participações. Exprimem uma participação indireta em SC geridas pelas sociedades
gestoras.
 Registo nacional de PC: instituto que é apto a declarar ou não a confundibilidade de
uma firma com uma firma já existente.
 Também certos diplomas que estendem a aplicabilidade do CSC: diploma que autoriza
as sociedades por quotas a emitir obrigações.
 Outros diplomas avulsos
o regime jurídico da SA europeia: caracteriza-se por ter elementos de conexão com
mais do que um OJ. Pode ser constituída em Portugal, foi primeiro criado um
regulamento em 2004, só que esta SA teve muito êxito em Portugal, so há 1
registada em PT.

Voltando ao CSC:
 Já teve quase 50 alterações desde 1986, que vem ser alterado e é por fases
 A alteração mais relevante/importante = reforma societária de 2006:
o Única alteração ao CSC que é conhecida como reforma societária porque foi
muito profunda e afetou cerca de 1/3 das disposições do CSC.
o Aprovada pelo DL 76-A/2006 de 29 de Março
 Estão no moodle as últimas 4 alterações.
 O CSC teve uma pequena alteração em 2018: foi uma alteração muito pequena, o que se
chama uma alteração de cosmética. Visou converter algumas expressões que existiam
no código numa nova terminologia para a situação dos chamados maiores
acompanhados. Onde se lia antes no passado interdito/inabilitação agora lê-se maior
acompanhado. Desde 2018 nunca mais houve alteração. Na saída do governo, pouco
antes das legislações, houve uma grande febre legislativa e fizeram-se 4 diplomas que
vieram alterar o CSC. Entre 9 de Dez e 4 de Jan houve 4 alterações.
o DL 109-D 2021 de 9 de Dez: passou a exigir que os gestores das SC (nas
sociedades por quotas se chamam gerentes e nas SA se chamam
administradores) passam a ter que declarar, quando forem eleitos, que aceitam
o cargo.
 Muito interessante porque antigamente bastava que fossem eleitos e

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fazer constar da ata (instrumento em que se documenta a deliberação do
coletivo dos sócios) que fulano tal havia sido designado num
determinado mandato por um certo período. Agora é preciso que haja
uma declaração expressa que o cargo tenha sido aceite
 ex: se o gestor em causa assinou a ata é porque ele aceita a
designação, mas isto é uma novidade. Era algo que já existia com
os revisores de contas.
o Lei 94 2021 21 de Dez : lei que recai sobre as disposições penais e
contraordenações da SC. Alargou os tipos penais, criou novos tipos penais e
relativamente aos tipos penais já existentes ela introduziu um endurecimento
das penas.
 Ex: art. 509.º  tipos penais que recaem sobre condutas societárias e,
portanto, são tipos penais que constituem a especialização dos tipos
penais gerais regulados no CP, mas no art. 509.º, antes o limite penal era
de 60 dias de multa e agora a moldura penal correspondente ao máximo
anterior é de 3 anos de prisão.
o Lei 99-A 2021 de 31 de Dez: recaiu sobre essencialmente o CVM. Revogou um
número de uma disposição legal do CSC, só.
 Atenção: muito importante ler as disposições introdutórias e finais dos
diplomas. Relativamente ao CSC tem um alcance apenas relativamente às
SA em dois aspetos: Reduziu os chamados subtipos de AS: até a entrada
em vigor deste diploma, até final de 2022, havia 4 subtipos de SA:
 Elementar: SA simples/comum- regulada no CSC, SA pequena ou
de media dimensão. Corresponde a uma sociedade comercial que
é participada por poucas pessoas, pode até ter carater familiar e
nesse caso os seus participantes vão tentar ao máximo fechar a
sociedade ao exterior ao dificultar a transmissibilidade das
participações para que as participações fiquem sempre dentro do
contexto da sociedade. Exigir o consentimento ou quem transmita
as participações recai um direito de preferência. Resulta dos arts.
328.º e 329.º CSC. A regra é da livre transmissibilidade 
participações são transmitidas sem quaisquer limitações
 SA aberta: designação abreviada de SA com capital aberto ao
investimento do público. Como se abre uma SA ao investimento
do público: imagine-se que tenho uma excelente ideia relativo a
uma certa atividade (industrial ou comercial) mas não tenho
meios para implementar a ideia e assim vou convidar público
dizendo que tenho um projeto económico que vai dar muito
dinheiro, mas não tenho recursos económicos para implementar;
faço uma sociedade que antigamente se designava de subscrição
pública e hj designa-se de sociedade com apelo ao público. A
diferença é que em vez de estarem todos os sócios que
constituem a sociedade no momento fundacional a subscrever o
contrato de sociedade são alguns que subscrevem o contrato e os
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outros aderem, manifestam a sua adesão ao projeto. Quando uma
sociedade é feita desta maneira estamos perante uma sociedade
aberta. Também estamos perante uma sociedade aberta qnd por
alguma razão a sociedade realizava uma oferta pública 
disponibilizava ao público em geral o seu capital não fazendo num
circuito fechado/limitado e essas situações que davam origem a
sociedade aberta estavam reguladas no art. 13.º do CVM. Não
tinham que ser necessariamente cotadas, podiam ser ou não.

Durante muitos anos o regime jurídico era o mesmo, mais rigoroso do que o da SA, mas em 2006
foram introduzidos dois novos subtipos de SA:
 Grande SA: tinha atingido uma dimensão de tal maneira e não sendo aberta, não tendo
passado por oferta publica, atingia dimensão grande que devia estar sujeita a um regime
jurídico mais rigoroso do que era aplicado à SA comum. No art.º 413.º n.º 2 al. a), que
contempla os indicadores de dimensão, retira-se deste artigo que se a sociedade
durante 2 exercícios consecutivos ultrapassar 2 dos 3 seguintes indicadores passa a
estar sujeita a um determinado requisito (art. 413.º)  o legislador não disse tudo, não
teve capacidade para batizar este subtipo societário. Indicadores são: balanço na
sociedade (20 milhões), volume de vendas e proveito líquido (40 milhões), n.º medio de
trabalhadores por ano(250).
 Estes indicadores, este artigo, a sua redação é desde 2006. Antigamente os indicadores
eram muito mais rigorosos. Onde hoje se lê um balanço de 20 milhões antes lia-se de
100 milhões, antes eram proveitos líquidos de 150 milhões. Desde 2006 até à lei que
alterou o CSC em setembro 2015 e entrou em vigor em 2016, nestes 10 anos os
indicadores eram mais exigentes. Em 2016 aconteceu: dia em que nasceram ainda mais
SA grandes em PT, muitas SA que existiam antes não precisavam dos números desse
exercício para ultrapassar os limites porque os limites foram reduzidos. A lógica do
legislador era a de sujeitar o regime jurídico das SA grandes um n.º maior de SA.
 SA aberta e cotada: criaram algumas regras mais rigorosas para as
sociedades cotadas do que para as SA abertas não cotadas. Era o CSC que
dizia estas regras mais rigorosas.
 Ficámos em 2006 com 4 subtipos de AS: a lei 99-A de 2021 veio eliminar
uns dos subtipos: deixa de haver sociedades abertas não cotadas, temos
apenas: ou a antiga SA aberta era grande e passa a estar sujeita apenas
aos requisitos de grande SA ou se ela nem sequer era grande passa
diretamente para ser uma SA comum
o SA simples
o Grandes SA
o SA cotadas
 Grande alteração tem a ver com o novo art. 22.º-D CVM: artigos mais
relevantes são os primeiros artigos dos CVM
 O art. 13.º despareceu, mas foram introduzidos: 13.º-A, 13.º-B: legislador
utilizou a técnica legislativa de apagar as disposições antigas e designar
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todas as novas que acrescentou. Do art. 13.º ao 26.º são artigos que se
aplicam as sociedades cotadas.
 O que está no livro sobre as sociedades aberta ainda se mantém: aquelas
que existirem não podem é ser criadas novas, não pode haver novas
sociedades abertas que a partir do dia 1 de janeiro de 2022 se tivessem
realizado uma oferta pública que ao abrigo das normas anteriores à lei
99-A de 2021 as teria qualificado como sociedades abertas, não há novas,
mas as velhas continuam até 2022.
 Aditamento do art. 22.º-D: alteração apenas nas sociedades cotadas, que
vem admitir uma solução para um direito social fundamental que
constitui uma exceção a uma regra geral do CSC: art. 384.º n.º 5  o voto
plural (atribuir a certas ações um n.º de votos superior aquele que se
atribuir as demais ações) é proibido. Se eu tiver 5 vezes mais votos que
uma açao normal, quer dizer que se eu tiver 20% de uma sociedade estes
20 com 5 vezes mais votos transformam-se em 100, mas ficam os outros
80% que já existiam com votos normais- o universo global é de 180 e
tenho o domínio/controlo da sociedade. Este artigo veio admitir o voto
plural até ao máximo de 5 votos por ação, mas isso tem que ser
introduzido e regulado no contrato de sociedade. Isto permite que quem
já esteja na sociedade se quiser abrir o capital da sociedade possa na
realidade fazê-lo sem perder o controlo.

3. Jurisprudência e doutrina societárias

Notas Adicionais:
 Como é que os tribunais aplicam as normas legais que estudamos: jurisprudência
societária, relevante a jurisprudência da relação e do STJ.
 Art. 1.º do CSC contempla o princípio da tipicidade: só podem ser constituídas como SC
as entidades que adotarem um dos tipos enunciados. Este princípio está presente no n.º
3 do art. 1.º sob a palavra mágica “devem”. O n.º 2 enuncia os tipos societários
possíveis. As SC devem adotar um dos tipos previstos.
 Art. 64.º: os atos têm ou não conformidade em certas circunstâncias se eles estiverem
de acordo com o interesse social – interesse da sociedade. Como se define:
o Classicamente: o interesse dos sócios, que se confundia com o interesse da
sociedade
o CSC em 1986: para além dos interesses dos sócios é fundamental o interesse de
outros sujeitos, atender ao interesse dos trabalhadores, atender a vertente
institucional da SC, componente humana da empresa.
o 2006: art. 64.º foi alterado. Foram introduzidas referências as outras partes
interessadas na atividade da sociedade – tradução adequada da expressão
inglesa stakeholders. Para além dos sócios e trabalhadores eram essenciais todas

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aquelas pessoas que a sociedade se provava juridicamente no exercício da sua
atividade, todas as pessoas que eram suas contrapartes na sua vida quotidiana.
Encontramos os fornecedores, os credores (financiadores) e também os clientes
(mercado em que existem). Se o interesse dos clientes justificar que aquela
sociedade não encerre, pode sobrepor-se aos das outras pessoas.
o Para alem destes interesses no art. 64.º há outros stakeholders cuja esfera
jurídica pode ser afetada pela atividade da sociedade quando esta não se conduz
diligentemente: são os cidadãos cuja esfera jurídica possa vir a ser afetada pelo
exercício da atividade da sociedade e possa vir a merecer uma tutela. Todos os
casos em que ocorre um delito ambiental provocado por uma SC, em que
alguém que não trabalha para ou na sociedade vê-se prejudicado.

16.02.2022

 4ª alteração legislativa: Lei n.º 9/2022 de 11 de janeiro


o É uma lei muito importante em matéria de insolvência – alterou profundamente
o CIRE, mas sobretudo no que diz respeito ao CSC:
 Sempre que houver uma situação de uma SC que esteja no contexto de
recuperação ao abrigo de um plano de insolvência – no contexto do
processo subsequente ao processo de insolvência, então em princípio a
disposição do CSC vai ceder perante a disposição aplicável no CIRE.
o Sempre que estiver em causa o interesse público inerente ao processo de
insolvência ou recuperação de empresa que seja tentada através desse
processo, esse processo pode interferir com o normal funcionamento da SC em
certas matérias de caráter patrimonial e justificar que o preceito que seria
aplicável e que pertence ao CSC possa ficar temporariamente paralisado em
relação a essa sociedade.
o É uma alteração que ocorreu em vários artigos e salvaguarda sempre a situação
decorrente da eventual insolvência da sociedade.
 Uma sociedade em recuperação já não é uma sociedade que está a
caminhar para a dissolução. É uma sociedade que está a caminhar para a
subsistência no mercado. Portanto, funciona como uma sociedade
insolvente.

I – Caracterização da sociedade comercial

4. Conceito de sociedade comercial e interesse social


Ver pontos anteriores.

5. Tipicidade e autonomia da vontade. Aparecimento e desenvolvimento dos tipos societários

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Vamos falar dos vários tipos que estão previstos no CSC. Vamos falar da tipicidade desses tipos
societários. Vamos perceber a diferença que existe entre as diversas sociedades comerciais que já
existiram, que existem, e por isso vamos procurar percorrer a história e perceber a ratio do
aparecimento dos tipos, a sua atração ou conveniência para prosseguir uma determinada atividade
económica com recurso a uma empresa com uma personalização coletiva.

Sociedade em nome coletivo

O primeiro tipo societário foi a sociedade em nome coletivo, também muitas vezes chamada
sociedade simples, porque ela resulta da agregação das forças dos seus participantes.

A lógica é esta: o comércio numa era distante, há mais de 1000 anos, era prosseguido por forma
individual, mesmo quando uma atividade comercial pressupunha a conjugação de vários
intervenientes, o que acontecia muito no domínio do comércio marítimo, na realidade, a lógica era
de que havia sempre um titular da empresa.

Havia sempre um responsável pela empresa, e não havia personificação coletiva da intervenção no
mercado, no sentido de se reconhecer que podia haver um centro de interesses distinto dos
participantes, sobretudo os singulares, que justificasse uma determinada tutela e que fosse apto a
exercer direitos e a cumprir obrigações.

As primeiras sociedades que espelharam essa possibilidade foram as ditas sociedades em nome
coletivo, numa lógica de que a união faz a força. Ou seja, os comerciantes associavam-se porque
entendiam que conjugando as suas forças débeis , conseguiriam potenciar as forças e obter um
resultado que fosse globalmente superior à soma singela do resultar que obteriam se interviessem
individualmente, singularmente. Surgiram as primeiras sociedades.

Elas implicaram desde logo algo que era novo – conceber que seria possível procurar autonomizar
um património relativamente à pessoa que era originariamente seu titular. Isto, pressupondo pela
primeira vez a abstração patrimonial, admitindo-se que a pessoa tem um património, que
corresponde ao conjunto de bens que ela detém em cada momento, e que pode retirar desse
património determinados bens para afetar à prossecução de certa atividade. Ao fazê-lo, estava
como que a procurar dotar de autonomia patrimonial esses mesmos bens.

Quando as sociedades em nome coletivo surgiram, elas não eram expressão de pessoas jurídicas. O
Direito primeiro não as concebeu como pessoas jurídicas. Olhou para elas e disse que tinham de se
confundir com o coletivo dos seus participantes, mas o coletivo daqueles participantes justifica que
possa haver uma autonomia dos bens que todos os seus participantes colocam ao dispor daquelas
entidades para realizar uma atividade económica de natureza comercial e que no final, porque o
Direito não concebia reconhecer que pudesse haver pessoas jurídicas como nós as conhecemos
diferentes das pessoas singulares, no final concluía-se que um dos participantes nessa atividade
económica prosseguida de modo comum acabaria por ter de se responsabilizar pelos resultados

16
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dessa mesma atividade.

Essa característica da responsabilidade pessoal, solidária e ilimitada ainda que subsidiária ao


património que era afeto à realização da atividade é uma característica que se manteve até aos
dias de hoje. Ainda em tempos não muito distantes (época que antecede a entrada em vigor do CSC –
1986), discutia-se na doutrina portuguesa (porque a lei não era conclusiva) se as sociedades em nome
coletivo eram ou não pessoas jurídicas ou se no fundo eram patrimónios autónomos que não se
distinguiam dos seus participantes.

Nalgumas OJ às sociedades em nome coletivo continua a não ser reconhecida personificação – não
são pessoas autónomas, embora sejam patrimonialmente admitidas como fundos autónomos que
intervêm no mercado e com características específicas, como acontece por exemplo na Alemanha.

Estas sociedades são um primeiro exemplo de que se conjugarmos atividades que eram até então
iminentemente pessoais, conseguimos potenciar o resultado dos esforços que canalizamos,
designadamente pela especialização das funções envolvidas.

Nessa época a sociedade exprimia o desejo da vontade dos seus participantes intervirem diretamente
na vida económica. Não havia aqui nenhuma noção nem nenhum caráter de aplicação financeira
como hoje é evidente, de investimento. As pessoas queriam exercer em comum uma atividade
económica que fosse lucrativa, que lhes permitisse obter um determinado ganho.

Estas sociedades colocavam um problema no mundo cristão, como era o caso da Europa Ocidental,
no mundo latino. Dada a sua finalidade lucrativa, estas sociedades acabavam por traduzir uma
forma de exploração do capital, quer pelos juros inerentes aos financiamentos que viessem a ser
feitos, quer pelos lucros que elas mesmas geravam. E a exploração do capital na Idade Média,
quando a igreja era dominante, era condenada. Prosseguir uma atividade que fosse potencialmente
lucrativa era algo condenado socialmente e conduzia à excomunhão, que era uma pena à época
correspondente a ficarmos impossibilitados de intervir ao nível das redes sociais.

Embora houvesse muitas pessoas com interesse em poder obter uma rentabilização dos seus meios,
era algo que as pessoas não arriscavam. Então criou-se um contrato muito interessante:

Contrato de comenda

Era o contrato pelo qual determinadas pessoas investiam um montante numa certa atividade
(financiavam uma atividade), haveria outras que assumiam o rosto dessa mesma atividade e a
responsabilidade pelo exercício da atividade. Se as coisas corressem mal era responsável
ilimitadamente aquela pessoa que estava na condução do negócio. A outra pessoa era um
investidor oculto, só conhecido da pessoa que dirigia a empresa. Se corresse bem, o resultado era
partilhado por ambos. Esse era o interesse da participação.

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Evidentemente que as pessoas que tinham mais meios, que podiam melhor caracterizar esse
investidor, eram aquelas que também tinham mais vergonha – não queriam arriscar a sanção da
excomunhão e portanto preferiam passar despercebidas.

Este contrato de comenda esteve na base de um segundo tipo societário:

Sociedade em comandita

Isto é, uma sociedade que tem dois (ou mais) sócios – um sócio comanditário (sócio investidor) que
corresponde tradicionalmente ao sócio oculto) e um sócio comanditado, que é o sócio que assume
a direção efetiva da sociedade e a sua responsabilidade ilimitada.

Esta sociedade em comandita está praticamente em extinção no nosso país. Tal como a sociedade
em nome coletivo, não é muito representativa no sentido económico e social por isso não vamos
perder muito tempo com estes tipos societários porque são os menos importantes.

Esta sociedade em comandita, do ponto de vista histórica, explica muito alguns investimentos que se
fizeram na época dos descobrimentos – são investimentos que estão na base da indústria naval,
quando se começou a navegar e quando se teve a perceção de que havia paragens longínquas e que
através da navegação teríamos acesso a determinados bens que não eram comuns na Europa.

Ex.: alguém financia a construção de umas caravelas. E depois alguém dispõe-se a comandar essa
pequena frota de um, dois ou três navios.

A tripulação era normalmente forçada, composta por presidiários que a troco de liberdade se
dispunham a arriscar a vida nessas empresas. Era uma verdadeira empresa esse tipo de intervenção.
E depois, das 2, 1: tudo corria bem (os navios regressavam cheios de riqueza) e o comandante da
tripulação repartia os lucros com o dito comanditário, OU as coisas corriam mal, os barcos iam ao
fundo, o comanditário assobiava para o ar como se não tivesse nada a ver com aquilo mas também
ninguém descobria que ele estava ali metido, não corria o risco de ser excomungado.

Essa organização societária foi uma organização muito adequada para este tipo de empresas
pequenas. não tinham uma grande expressão, mas à medida que se começou a desenvolver a
globalização (exprimida pela expansão marítima que se veio a verificar no final do séc. XV)
evidentemente que quanto mais sofisticados fossem os meios de transporte, maiores as frotas,
também maior era o seu custo, embora maior pudesse ser a rentabilidade que daí se podia obter.

O tipo societário que veio a aparecer então, teve embrião naquilo que se chama as companhias das
Índias. A Igreja largou a pressão sobre o capital. No séc. XVII, deixou de censurar a exploração desse
capital. Retirou a censura que fazia aos juros e aos lucros. Abriu-se o caminho para se poder
18
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investir livremente e aquilo que aconteceu é que se chegou à conclusão de que talvez se
justificasse, para poder constituir meios sofisticados de transporte, reunir montantes de capital
bem mais elevados do que aqueles que tinham caracterizado o início da expansão marítima.

As companhias

Foi assim que se formaram no séc. XVII, em Portugal, as companhias, que já existiam desde o final do
séc. XVI noutros países, sobretudo os países luteranos, Inglaterra, por exemplo. Uma companhia era
um conjunto de investidores que apostava numa certa empresa, reunia meios e a certa altura
pensou-se: porque não agregar todas as pessoas que o queiram fazer, todos os fundos são bem-
vindos, e vai resultar daqui que ninguém vai poder ser pessoalmente responsável pela atividade desta
empresa.

Tenho é de saber quem é sócio da mesma: vou conseguir encontrar os participantes da empresa,
porque eles vão deter títulos de participação no capital dessa empresa, portanto quando estiver em
causa reclamar direitos eles vão aparecer. Quando estiver em causa vir buscar os lucros eles vão
aparecer, mas se estiver em causa eles terem de cumprir uma obrigação, eles vão assobiar para o
lado e ninguém vai saber quem é que tem o dito título.

Surgiram apenas na segunda metade do séc. XIX, em 1867:

Sociedades Anónimas

Lei de 22 de junho de 1867. Essa lei veio a reconhecer que era uma característica inerente a esta
grande sociedade em que o que verdadeiramente interessava era a aglutinação dos capitais, e como
contrapartida obter-se uma participação nos resultados periodicamente realizados, ou
eventualmente poder-se obter uma mais-valia inerente ao investimento que era efetuado com a
alienação da participação por um preço superior àquele que tinha de facto custado – surgiram as
sociedades anónimas, muitas vezes participadas por muitas pessoas.

É muito difícil perspetivarmos o que era uma sociedade anónima no séc. XIX, porque os meios eram
muito mais limitados nessa época. Não apenas em sede de deslocação mas até em número de
pessoas com aptidão para investir e até de oferta, que era muito mais limitada, porque o mundo não
era o que nós conhecemos.

Estas sociedades permitiram aos investidores no mercado realizar as suas aplicações de um modo
relativamente seguro, porque se a empresa não corresse bem, eles não iriam ter qualquer
responsabilidade adicional para além do custo do seu investimento. Não iriam pôr em causa bens
necessários para prover ao sustento da respetiva família.

Coisa que não acontecia nos outros tipos societários. Nesta altura a sociedade em comandita já tinha

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perdido muito fôlego, porque é uma realidade económica que deixa de ter muito interesse na altura
em que já não tenho de me esconder. Portanto, as pessoa queriam estar todas visíveis, não queriam
sócios escondidos.

Por isso, o anseio que se começou a sentir no final do séc. XIX foi um anseio no sentido de os
participantes numa pessoa jurídica com as características de uma sociedade anónima poderem
fazê-lo numa dimensão mais reduzida, na qual também pudessem participar com uma limitação da
sua responsabilidade.

Surgiram então:

Sociedades de responsabilidade limitada

Primeiro na Alemanha, em 1892 e 1896, e em Portugal: sociedade por quotas, porque o respetivo
capital organizava-se em forma de quotas, por contraposição à forma clássica de organização do
capital na sociedade anónima (ações).

A diferença principal é que as ações eram classicamente tituladas, materializadas, eram no fundo
quase títulos de crédito, ao passo que as quotas são bens incorpóreos, em princípio, cada sócio
teria uma quota correspondente ao investimento que fazia nesse novo tipo societário.

Este novo tipo societário constituiu-se no mercado e foi reconhecido legalmente como uma
sociedade de capitais. Também pretendia captar capitais. O que viabilizava é que não fosse
necessário reunir tantas pessoas para poder desenvolver um projeto societário, porque a sociedade
anónima, designadamente a que era regulada no CCOM de 1888, deveria ser necessariamente
constituída por 10 pessoas. Naturalmente, ao princípio, por pessoas físicas, porque não se concebia a
possibilidade de, em abstração, uma pessoa coletiva participar no capital de outra pessoa coletiva.

O máximo que já se conseguia fazer era admitir que para além das pessoas singulares tivessem
relevância jurídica certas entidades que se constituíam de forma autónoma nos termos que estavam
legalmente previstos e que iriam funcionar e intervir através de corpos específicos que as
compunham: órgãos. Eram órgãos com funções diferentes.

As funções desses órgãos curiosamente são muito próximas das funções dos próprios órgãos
estaduais, na conceção moderna. Tem funções deliberativas, funções executivas e de controlo ou
fiscalização, que correspondem no plano do Estado ao poder judicial, que é quem verifica se o
cumprimento se está a fazer adequadamente e quando não está, procura impor a necessária
reparação.

Aquele anseio de que a aventura comercial não prejudicasse a família do aventureiro, conduziu à
possibilidade de se virem a formar as sociedades por quotas, que pressupunham necessariamente 2

20
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sócios, um universo muito mais reduzido, mas pressupunha também um capital significativo, que ao
princípio eram de 5k reis, muito elevado, e portanto evidenciava bem o interesse sério em prosseguir
certa atividade económica. O interesse de disponibilizar pela atividade económica o montante
mínimo desse capital. Esse foi o quarto tipo societário.

Quando se chegou ao CSC em 1986, tínhamos estes 4 tipos societários. Evidentemente que no
caminho do princípio do séc. XX até 1986 quase na parte final, houve algumas peripécias e
vicissitudes, e começou a fazer sentido procurar admitir que as próprias sociedades pudessem reter
participações no capital de outras sociedades. Assim surgiram as sociedades holding.

Os grupos societários como hoje os conhecemos e como estão previstos e regulados no CSC eram
na primeira metade do séc. XX essencialmente grupos económicos ou de facto, ou seja, aquilo que
caracterizava o grupo era haver uma participação de elementos comuns em diversas sociedades.

Ex.: Grupo Mello. Tem mais de 100 anos. Caracterizava-se por os titulares do capital das diversas
empresas que compunham a atividade comercial (no sentido jurídico – muitas eram industriais)
daquele grupo eram os mesmos.

Só muito mais tarde é que passou a haver necessidade, com o aumento da pressão fiscal, de procurar
de algum modo fazer uma sociedade participar na outra, para que as sociedades lucrativas pudesses
utilizar os seus ganhos para compensar os prejuízos das que não proporcionavam os mesmos ganhos.
Desse modo, na realidade, não desequilibrar o investimento societário que era feito em novas
empresas que no seu arranque naturalmente captavam mais prejuízos do que resultados positivos.
No princípio da primeira metade do séc. XX claramente não havia aquela lógica de procurar a
participação. A primeira lei sobre as sociedades holdings em Portugal surgiu apenas em 1972.

Tipos societários e principais características

Quando chegamos ao CSC temos 4 tipos societários completamente distintos – 2 que geram
responsabilidade ilimitada dos seus participantes. As sociedades em si, qualquer que seja o tipo, têm
sempre uma responsabilidade ilimitada – enquanto houver bens, esses bens vão responder pelo
resultado da atividade daquelas entidades, seja uma sociedade anónima, seja uma sociedade em
nome coletivo.

Aquilo a que se começou a assistir paulatinamente com a possibilidade de constituir a sociedade por
quotas foi que muitas sociedades em nome coletivo que existiam à época se começaram a
transformar em sociedades por quotas. Isto é, começaram a procurar limitar a responsabilidade dos
investidores, mesmo que isso implicasse afetar um património superior àquele que o giro comercial
envolvia.

Por isso, em 1986, o legislador português reconheceu esses 4 tipos societários e determinou que
todos eles correspondiam a pessoas jurídicas independentes e autónomas. Mesmo a sociedade em
21
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
nome coletivo é uma sociedade autónoma.

A sociedade comercial é a forma jurídica da empresa coletiva, da empresa que tradicionalmente era
participada por 2 ou mais pessoas, isto é, da empresa que tinha 2 ou mais empresários. Portanto, no
fundo, a SC era a forma que eles escolhiam para prosseguir a sua atividade comercial. Se não
houvesse sociedades, qual é que era a forma de uma empresa coletiva? Teria de ser uma
compropriedade.

O Direito reconheceu a possibilidade de organizar uma sociedade, isto é, no fundo – da tal


participação pudesse haver um resultado comum e esse resultado comum se desse distribuir de
acordo com certas regras.

O que se pergunta em 1986 é muito simples: qual o interesse, se eu tenho a possibilidade de


constituir uma sociedade de responsabilidade limitada, com pouco risco para os seus participantes
além do risco inerente ao investimento que fazem, qual o sentido de subsistirem sociedades que
geram a responsabilidade ilimitada para quem neles participa?

 só tem sentido manter um tipo de sociedade de responsabilidade ilimitada se aquilo que for
procurado for precisamente a ilimitação da responsabilidade. Se aquilo que for procurado for a
característica desse tipo de sociedade.

Então mas isso é absurdo! Quem é que opta por um tipo de responsabilidade ilimitada em relação a
responsabilidade limitada? Embora seja pouco frequente, há situações em que se justifica a
responsabilidade ser ilimitada.

Quando constituímos uma SC, independentemente dos meios que afetamos, esta sociedade vai
carecer de fundos para funcionar – entidades que existem no mercado com essa vocação, vivem da
exploração do capital que mutuam, emprestam.

O que é que acontece quando uma sociedade nova surge no mercado? Não tem registo. Não tem
tradição. Não tem aquilo a que os ingleses chamam track record. É desconhecida. Ela pode quando
muito dispor do crédito das pessoas que nela participam, dos sócios. É um crédito que se vai refletir
no financiamento que é feito na sociedade de modo diferente.

Se a estrutura societária gerar a responsabilidade ilimitada dos seus participantes, esse crédito
pessoal deles é decisivo, porque eu não preciso de lhes pedir que eles me prestem garantias em
cada momento que eu financiar a sociedade, porque eu sei que independentemente de eu financiar
a sociedade, o património pessoal deles vai ficar responsável pelo cumprimento das obrigações
societárias se a sociedade não dispuser de quaisquer meios. É uma responsabilidade solidária,
ilimitada.

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Se eu financiar uma sociedade de responsabilidade limitada, corro o risco de se as coisas não
correrem bem àquela sociedade, aquele sócio, por intermédio do qual cheguei à sociedade, diga
que não tem responsabilidade e a sociedade não tem como suportar as suas obrigações. O
financiador fica em perda.

Se eu for financiador, vou financiar mais facilmente quem tiver capacidade económica para solver os
seus compromissos. Se a sociedade é nova e determina ou gera responsabilidade limitada dos seus
participantes, eu sei que no universo societário ninguém responde imediatamente pelas dívidas da
sociedade para além do próprio património que a sociedade entretanto vai gerar.

O que é normal é que eu, como financiador, vou como que desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade. Eu financio a sociedade, mas preciso que os sócios ricos dela me constituam garantias de
que se a sociedade não estiver em condições de solver os seus compromissos eles pagarão esses
compromissos.

Isto chama-se recorrer a um terceiro para assegurar o cumprimento das dívidas da contraparte
negocial – colateralizar as obrigações da sociedade. Eu posso fazê-lo com múltiplas garantias. Em DC,
falámos delas. Garantias pessoais – fiança e aval. Garantias reais – hipoteca e penhor.

Se imaginarmos que possa haver sócios de uma sociedade comercial que não estejam numa situação
fácil para conceder garantias, embora tenham um enorme património, mas que por razões de
organização interna não possam com facilidade conceder essas garantias...
 Nota: a maior parte das garantias no financiamento das sociedades, quando as garantias são
oferecidas pelos sócios, são garantias de caráter pessoal, que só se extinguem com a morte.
São ilimitadas à totalidade do património do garante.
o Quem presta a garantia, para a família, vale mais morto do que vivo, porque se morrer
a garantia extingue-se.
 As garantias reais subsistem sempre.

Se eu sei que vou ser chamado a prestar garantias para que a sociedade obtenha o normal
financiamento de que carece para a sua atividade, e não tenho uma forma fácil de prestar uma
garantia pessoal, que pode ser uma garantia bancária que não está necessariamente vinculado à
demonstração do incumprimento (com risco grande), mas que o banco só emite se tiver por sua vez
se estiver rescaldado numa garantia que o cliente lhe tenha dado quando lhe pediu para ele emitir
esse tipo de garantia...4

Se não puder com facilidade, por razões estatutárias ou legais, designadamente pelo país de que sou
oriundo, emitir garantias com esta natureza, então se calhar é preferível, como sou uma pessoa
jurídica com muita capacidade económica, é preferível que dê a minha responsabilidade solidária
ilimitada sobre a atividade daquela sociedade.

4
Desculpem, o poc começa frases enormes e recomeça e não conclui 
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Se a General Motors for chamada constituir uma sociedade em Portugal, como vale ela própria mais
que o Estado português todo junto, se ela constituir uma sociedade em nome coletivo nunca é
preciso que o banco, no qual a sociedade em nome coletivo abre a sua conta para prosseguir a sua
atividade, vá pedir à General Motors para lhe dar qualquer garantia, porque maior do que o
património todo de todo o ativo da General Motors é impossível.

Por isso, a sociedade em nome coletivo só se justifica na prática se aquilo que o participante na
mesma quiser for precisamente a ilimitação da sua responsabilidade e isso só acontece quando ele
não está disponível para estar sistematicamente a prestar garantias relativas ao exercício da sua
atividade.

Então quer dizer que todas as sociedades funcionam obrigadas a prestar garantias? Claro que não.
Quando a sociedade adquire uma dimensão muito grande e passa a ter um património muito
avultado, o mercado passa a confiar nela. Aí já passou a ter histórico. Já passou a ter um
conhecimento do mercado que permite ao mercado saber que certo tipo de financiamentos ela vai
estar em condições de cumprir. Às vezes a sociedade tem uma dimensão muito maior do que as
próprias instituições de crédito que procedem aos empréstimos – General Motors relativamente a
qualquer banco português.

Em concreto, o que está em cima da mesa é em certas circunstâncias poder recorrer a um tipo
societário se aquilo que nós quisermos forem as características desse tipo societário. Contudo, nunca
o POC se cruzou com uma sociedade em nome coletivo. Admite que algumas das sociedades por
quotas e anónimas com quem se cruzou tivessem nascido como sociedades em nome coletivo, mas já
não é do seu tempo a sociedade estar organizada em nome coletivo. São casos muito específicos em
que isso pode acontecer.

Quanto às sociedades em comandita, que são próximas às sociedades em nome coletivo, elas podem
ser de 2 espécies:
 Sociedades em comandita simples
 Sociedades em comandita por ações

Isto tem a ver com o modo como elas se escrituram e com o regime jurídico que lhes é aplicado. Se
olharmos para os poucos artigos do CSC que estão no título V, vamos ver que encontramos
fundamentalmente 3 capítulos diferentes:
 Disposições comuns de todas as sociedades em comandita
 Sociedades em comandita simples
 Sociedades em comandita por ações

As sociedades em comandita, quando foram originariamente reguladas em Portugal, não havia


sociedades por quotas. Só havia sociedades anónimas e sociedades em nome coletivo. Por isso,
quando se admitiu receber na OJ as sociedades em comandita e se pretendeu regular tal como elas
estão atualmente reguladas – nalguns casos elas podem organizar-se como uma sociedade que vai
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recorrer à aplicação do regime legal das sociedades em nome coletivo (sociedades em comandita
simples), noutros casos elas vão-se organizar como sociedades em comandita por ações (as
participações dos investidores vão ser tituladas por ações e vamos subsidiariamente aplicar a essas
sociedades o regime jurídico das SA, pelo que vamos considerar que as sociedades em comandita por
ações são de responsabilidade limitada para todos os efeitos e por contraposição a outras que no
fundo vão ancorar às sociedades em nome coletivo.

De todo o modo, é facto é que em Portugal, haverá mais ou menos 100 sociedades em comandita
registadas, mas mais de metade delas deve estar desativada. Isto é, não prossegue a atividade. É fácil
perceber a razão de ser destas sociedades, mas também é fácil perceber aqui que elas não têm muito
sentido na atualidade, sobretudo se não lhes for concedido o benefício que justifique recorrer a este
tipo societário. É um benefício que existe noutros países europeus, sobretudo naqueles em que há
tradição de constituir sociedades em comandita por ações, são no fundo sociedades de pequena
dimensão.

Há uma outra característica das sociedades em comandita, e que resulta do regime jurídico que está
no CSC que é o de que em princípio estas sociedades vão ser geridas apenas pelos sócios
comanditados. São os tais que assumem a sua direção efetiva. E por isso, os investidores, os sócios
comanditários não vão gerir a sociedade. Vão apostar na sociedade, aportam meios superiores aos
dos sócios comanditados, podem ter até um relativo peso maior no contexto da AG, mas não vão ser
os gerentes.

POC: estas sociedades em comandita são substancialmente muito adequadas ou deveriam ser muito
adequadas à prossecução de atividades de start ups no mercado – empresas que iniciam a realização
de novos negócios, cujo resultado ainda não é facilmente percetível. Aí tem sentido que quem tenha
as ideias esteja na gestão da sociedade.

Normalmente quem tem as ideias não tem o dinheiro (essencialmente engenheiros) e depois há
pessoas que têm dinheiro mas não têm ideias e precisam de rentabilizar o seu dinheiro e estão
disponíveis para aplicar. Essas pessoas podem fazê-lo individualmente, como financiadores
individuais (business angels) ou podem associar-se numa SC e depois ser financiadores através dessa
SC.

A sociedade em comandita por ações é um exemplo típico de uma atividade com esta natureza. Só
que é uma sociedade pouco conhecida no mercado português, foi pouco estudada, e sobretudo, não
proporciona qualquer maior valor, qualquer benefício, que justifique que ela seja de facto estudada.
O POC nunca se cruzou com uma sociedade em comandita, aquelas que conheceu foi por mero
interesse académico.

Como elemento comum, essas sociedades em comandita em geral são detidas por sócios oriundos de
OJ em que estas sociedades são habituais – Alemanha, Áustria, Suiça alemã, França. São um pré-
estádio das grandes S.A.’s. Se tudo corre muito bem, pegamos na sociedade em comandita por ações
nesses países e transformamo-las em sociedades anónimas.
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Em Portugal, isto normalmente faz-se em sociedades anónimas. A forma da sociedade em comandita
pode ser interessante porque aquilo que se vai pôr em cima da mesa é o seguinte: o ideólogo não
tem dinheiro para investir mas quer ter algum controlo sobre a empresa. O problema é do
investimento financeiro e do controlo que vai resultar na sociedade.
 Há pessoas que investem e que não querem ter muito controlo. Querem rentabilidade.
 Mas se não estão a ver rentabilidade querem a possibilidade de ter controlo, porque se não,
não conseguem corrigir o desenvolvimento da própria sociedade.

CARACTERÍSTICAS DOS DIVERSOS TIPOS SOCIETÁRIOS

Sociedade em nome coletivo – título II CSC

Há vários elementos que nos permitem diferenciá-la dos outros tipos societários. O que permite
diferenciar logo à primeira vista de outro tipo societário é a firma (designação que o comerciante usa
no seu giro comercial). Há fundamentalmente 2 princípios a respeitar:
 princípio da verdade
o a firma deve corresponder tanto quanto possível ou ao nome dos sócios dessa
sociedade ou à evidência da atividade que a sociedades se propõe prosseguir
 pelo menos há um limite de que não pode a firma de modo algum dar ideia que
não corresponda em absoluto à atividade que a sociedade se propõe a
prosseguir ou até à sua dimensão
 princípio da exclusividade da novidade
o uma firma num determinado espaço jurídico tem que se poder diferenciar de todas as
outras com as quais ela é confundível, designadamente pela atividade que ela se
propõe a prosseguir
 essa diferenciação é feita em Portugal pelo RNPC (Registo Nacional de Pessoas
Coletivas) – existe para proceder a uma análise prévia relativamente a cada
pedido de firma, quer seja uma firma a nome, de denominação ou mista.
 O RNPC vai poder autorizar a utilização de uma firma ou dizer que esta firma
não é admissível porque é confundível.

Da firma tem que resultar que estamos perante uma realidade societária, portanto a palavra
sociedade pode estar envolvida. Em regra, na sociedade em nome coletivo estão envolvidos os
nomes de todos os sócios participantes. Quando a sociedade em nome coletivo é participada apenas
por pessoas singulares – sociedade Beatriz, Jorge e António, por exemplo.

Ou como diz a lei é preciso resultar a pluralidade de sócios se, designadamente, não forem
referenciados todos aqueles que participam no capital. E como a lei diz (art. 177.º CSC) é preciso que,
por exemplo, ao nome de alguns sócios seja aditada a expressão e companhia ou outra, porque assim
já sabemos que não estamos apenas perante uma pessoa singular.
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Por exemplo, também pode ser António, João e Beatriz e outros. Assim já sabemos que há uma
pluralidade de pessoas. Em princípio estou perante uma sociedade em nome coletivo. Define-se um
pouco por exclusão porque nas demais, há características específicas impostas pela própria lei.

Regime de responsabilidade

As sociedades em nome coletivo podem ter dois tipos diferentes de sócios:


 Sócios de capital
o Aportam bens para a sociedade
 Para que a sociedade à custa desses bens prossiga a atividade económica, se
organize, se posicione no mercado
 Sócios de indústria
o Pessoas que não dispõem de bens, mas que estão disponíveis para trabalhar para a
realidade
 Aquilo que se comprometem a dar à sociedade é o seu trabalho

Imagine-se que um jovem chefe muito promissor daqueles que um dia virá ser estrelado pela
Michelin, não tem dinheiro para investir num espaço, numa boa cozinha e decoração e tudo aquilo
que um restaurante exige, mas conhece alguém que está disponível para apostar nas suas
qualidades. Portanto, faz uma sociedade em nome coletivo.

Aliás, nas sociedades em comandita simples também pode haver sócios de capital e sócios de
indústria, por contraposição às sociedades em comandita por ações.

Nas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas, são proibidas as participações de indústria.
Não é possível um sócio participar com o seu próprio trabalho. É possível que um sócio trabalhe para
a sociedade, seja remunerado por isso, mas isso não pode ser uma obrigação social de participação
na sociedade.

Regime de responsabilidade no plano das sociedades em nome coletivo

É diferente o regime externo do regime interno:


 Externamente, todos os sócios respondem com a totalidade do seu património, solidária,
pessoal e ilimitadamente.
o é isso que caracteriza a participação na sociedade em nome coletivo
 mas o sócio de indústria não tem responsabilidade interna.
o Significa que não tem que responder perante os sócios de capital no momento em
que, tendo sido satisfeita uma dívida social, se pretenda compor a responsabilidade
interna no plano da sociedade.
 Para compor a responsabilidade interna, á priori há uma obrigação de

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participação nas perdas da sociedade.
 Quando ela não é definida estatutariamente ou contratualmente, parte-se do
princípio que os sócios participam nas perdas proporcionalmente à sua
participação nos ganhos. E também se parte do princípio de que essa
participação nos ganhos é proporcional à sua participação no capital, isto é, ao
montante de capital com que eles contribuíram para o exercício da atividade.
o Por isso, o que acontece é que apesar de haver um sócio com responsabilidade
ilimitada, se ele é chamado a satisfazer a totalidade da dívida social, depois não fica a
dívida toda para ele.
 Ele vai ter com os demais sócios e dizer eu avancei com isto mas vocês também
são responsáveis por isto. Vão ter que pagar em vias de regresso a parte que
lhes era proporcional.
o Aquilo que caracteriza de facto os sócios de indústria é que eles não respondem, nas
relações internas, perante os sócios de capital.
 Se eles participam com o trabalho é porque não podiam dar o capital. Não tem
sentido agora estar-lhes a pedir o capital.
 Art. 178.º n.º 2 CSC

Participações sociais das sociedades em nome coletivo = partes sociais.


Órgãos sociais = o único órgão social necessariamente institucionalizado é a gerência. Em geral todos
os sócios são gerentes, ao passo que só podem ser nomeados gerentes que não sejam sócios se tal
for contratualmente previsto ou se todos os sócios estiverem de acordo nessa designação. Depois
temos uma certa desnecessidade de exercer fiscalização sobre a atividade da sociedade, porque se
todos os sócios são gerentes, não se vê que eles tenham de fiscalizar aquilo que todos fazem.

Não há necessidade também de instituir uma AG, isto é, um órgão que congregue todos os sócios,
embora haja certas decisões que são da competência da AG, como resulta do art. 189.º e art. 190.º
CSC. Isto é, há certas matérias que têm de ser apreciadas pelos sócios na sua qualidade de sócios e
não pelos sócios enquanto gerentes (arts. 191.º a 193.º CSC).

Sendo sociedades que geram para os seus participantes responsabilidade pessoal, solidária e
ilimitada, não é para um sócios de uma sociedade destas quem vem integrá-la e por isso a lei exige
que a admissão de um novo sócio na sociedade em nome coletivo seja autorizada por todos os
sócios existentes. O sócio pode vetar os novos sócios – art. 194.º n.º 2 CSC.

Também por essa razão, em princípio, a alteração do contrato de sociedade em nome coletivo deve
ser deliberada por unanimidade, salvo se o contrato de sociedade ele próprio previr que possa ser
deliberada a alteração do contrato por maioria. Mas em qualquer caso, essa maioria tem de ser uma
maioria mínima de ¾ dos votos na AG – art. 194.º n.º 1 CSC.

Quanto ao número de votos, independentemente da participação que cada sócio tenha (parte),
cada sócio dispõe de um voto, em princípio, se o contrato não previr diferentemente – art. 190.º
CSC.
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Sociedades em comandita – arts. 465.º e segs. CSC

Também aqui o órgão de gestão se chama gerência. As sociedades são administradas por gerentes.
As sociedades têm como firma a referência à sua atividade. Se forem sociedades em comandita
simples devem acrescentar o nome de um sócio comanditado (sócio com responsabilidade ilimitada)
e comandita ou sociedade em comandita – art. 467.º CSC. Se forem sociedades em comandita por
ações, devem acrescentar e comandita por ações ou sociedade em comandita por ações. Por isso
através da firma distinguimos logo o subtipo societário perante o qual nos encontramos.

Deliberações dos sócios

No fundo, a única intervenção que a lei faz é o cuidado que ela tem na repartição de poder que existe
entre os sócios comanditados e os sócios comanditários – art. 472.º n.º 2 CSC – com esta regra no
fundo os sócios comanditados não podem ter menos de metade conjuntamente, relativamente aos
sócios comanditários em conjunto. É uma regra de procura de equilíbrio. Mas não há grande
aplicação disto como é sabido.

Depois, temos nos arts. 474.º e 478.º CSC, respetivamente, as tais remissões para o regime das
sociedades em nome coletivo e para o regime das sociedades anónimas e que portanto significa que
é através do conhecimento desse regime que temos o conhecimento do regime das sociedades em
comandita. Basta termos uma noção das principais características e designações e eventualmente
saber que estamos perante uma sociedade em comandita e não uma sociedade anónima ou em
nome coletivo.

17.02.2022

Sociedades por quotas

Como vimos a propósito do desenvolvimento dos tipos societários, a sociedade por quotas é um tipo
societário que apareceu para permitir limitar a responsabilidade de pessoas que pretendessem
participar numa sociedade comercial e não estivessem sujeitas aos requisitos e condições aplicáveis
às sociedades.

No princípio do séc. XX foi criada uma sociedade de responsabilidade limitada, na qual podiam
participar 2 ou mais pessoas. Hoje, desde o final do séc. XX, desde 1 de janeiro de 1927, foi
introduzida na OJ portuguesa, a sociedade unipessoal por quotas – é uma sociedade por quotas que
tem apenas um sócio.

No que diz respeito ao enquadramento das sociedades por quotas – arts. 197.º e segs. CSC – título III
– é um tipo societário muito característico, que se identifica muito bem pela firma das sociedades,
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pela designação que vão ter no seu quotidiano, na sua atividade. O nome da sociedade deve ser
composto pelo nome de um ou mais sócios, se não mesmo a totalidade, ou ser composto com
características do nome de um dos sócios e também porventura da atividade que a sociedade se
propõe a prosseguir. Isso era muito característico no passado mais distante, hoje é mais normal que
as firmas sejam firmas de denominação e não firmas nome.

No passado temos algumas firmas nome muito conhecidas, por exemplo, Banco Espírito Santo.
Resulta da firma que aquela sociedade comercial, que era uma sociedade anónima, o nome de um
sócio. Basicamente, isso resulta do CSC, e o que caracteriza a firma da sociedade por quotas é que
ela deve terminar pela palavra limitada ou pela abreviatura lda., que significa precisamente
limitada. Art. 200.º CSC.

Esta firma permite imediatamente, sempre que o sujeito na OJ no tráfego comercial contacta com
entidades que têm essas características, sabe que está a lidar com o tipo de sociedade por quotas e
conhecendo o seu regime sabe como ela deve intervir no mercado, como é que ela se representa,
quantas pessoas têm que aparecer por conta dessa sociedade, etc.

Regime de responsabilidade da sociedade por quotas

O regime de responsabilidade é a limitação da responsabilidade dos sócios ao capital subscrito. É


interessante isto porque hoje em dia o capital subscrito é muitas vezes simbólico nas sociedades por
quotas.
 Isto é, desde 6 de abril de 2011, quando entrou em vigor uma alteração ao CSC que permitiu
que o capital das sociedades por quotas passasse a ser simbólico, correspondendo a 1€ por
cada sócio que participasse na sociedade, desde aí que as sociedades por quotas se
puderam colocar no mercado com um capital extremamente reduzido.
o Relativamente a esse capital, praticamente não se colocam problemas de
responsabilidade, porque sendo certo que ele não tem de ser realizado
imediatamente (1€ deve ser realizado até ao final do primeiro exercício da
sociedade constituída; é óbvio que sai mais caro realizar o capital do que o próprio
valor do capital), não se colocam problemas de responsabilidade numa sociedade
por quotas.
 Contudo, se for subscrito um capital numa sociedade por quotas, por exemplo, com
100.000€ e for apenas realizado o capital mínimo (porque isso pode acontecer), então nessa
circunstância todos e cada um dos sócios são responsáveis pela realização do capital
subscrito mas ainda não realizado, mesmo que não fosse aquele capital que esse sócio se
tivesse comprometido a realizar.
o Relativamente ao capital da sociedade, há uma responsabilidade ilimitada do
sócio, sem prejuízo do seu direito de regresso sobre os demais sócios.
 É uma questão muito pertinente – são muito poucas as sociedades por
quotas que se constituem com um capital tão reduzido.
 Art. 197.º CSC

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Participações sociais

Designa-se por quota, como resulta do art. 219.º CSC. É uma participação social que no fundo
corresponde a um bem incorpóreo, porque não é materializada. Por isso, no fundo, ela é objeto de
registo, e resulta do próprio contrato de sociedade em rigor que embora esse registo seja feito por
depósito do instrumento que demonstre a titularidade dessa mesma quota. Como regra, se olharmos
para o art. 219.º CSC, cada sócio, em princípio só pode ter uma quota. São excecionais os casos em
que um sócio pode deter mais do que uma quota.

Exceção no plano da responsabilidade

O legislador societário de 1986, isto é, o autor do CSC veio a admitir no art. 198.º CSC que a
responsabilidade ilimitada pudesse ser, em relação a algum dos sócios ou até à totalidade deles,
estendida, ampliada, até a um certo montante ou com referência a um determinado negócio ou
ato.

É uma norma interessante que no fundo traduz um alargamento da responsabilidade que é muito
limitada no plano da responsabilidade por quotas. É uma norma que reforça a tutela dos credores
que lidam com sociedades por quotas, sobretudo se estiver em causa a prática de atos que tenham a
ver com essa assunção de responsabilidade, mas é uma norma raríssima.

O POC nunca viu nenhuma que tivesse consagrado esta regra, porque no fundo é uma regra que
ninguém quer. Nenhum sócio vem dizer que ok a sociedade tem um capital simbólico mas ele
responsabiliza-se até 100.000€ nas suas dívidas. Não tem sentido. Não quer dizer que não seja
possível.

Órgãos sociais
Os órgãos sociais estão previstos e regulados nos arts. 246.º e segs. CSC, e são fundamentalmente 2
na sociedade por quotas, porque um deles (terceiro), em princípio, é facultativo e só se torna
obrigatório em certas condições.

O único que se encontra verdadeiramente institucionalizado, isto é, o único que se deve assumir
contratualmente, porque é obrigatório é a gerência – o órgão que assume a administração e a
representação da sociedade, designadamente nas suas relações no mercado ou até em tribunal, se
for o caso. É no fundo quem exerce os direitos da sociedade e quem cumpre as respetivas
vinculações – quem exerce a sua atividade social.

Essa gerência pode ser singular ou plural. Isto é, pode ser composta por uma única pessoa, um
gerente, ou pode ser composta por dois ou mais gerentes, sendo plural. Mas essa gerência atua
conjuntamente, atua pela intervenção da maioria dos gerentes quando tiver uma composição plural.

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A gerência não funciona colegialmente. Não é um órgão cujos membros, quando tem uma
composição plural, debatam entre si os atos que eventualmente vão praticar. Não, eles praticam
esses atos e é na celebração e na prática desses atos que se irá concretizar a vontade societária. Não
há um conselho de gerência, embora em certas circunstâncias ele possa ser contratualmente criado.

Depois, temos um órgão que é aquele em que todos os sócios se reúnem para formar as
deliberações mais relevantes para a vida da sociedade. Deliberações essas que se podem traduzir na
apreciação do desempenho da gerência durante um determinado período, verificar se a gerência
atuou bem ou não, aprovar as respetivas contas e eventualmente dispor sobre a aplicação de
resultados, ou intervenção de todos os sócios, por exemplo, para modificar o contrato de sociedade.
Se foram eles que o aprovaram quando constituíram a sociedade, é normal que sejam eles que o
possam modificar – esta é a regra que resulta para todos os tipos societários do art. 85.º CSC.

Os sócios podem reunir no órgão que não está necessariamente institucionalizado mas que se pode
constituir em qualquer momento com a participação dos sócios ou por convocação ou por forma
espontânea – caso em que todos têm que estar presentes – Assembleia Geral. Em certas condições,
os sócios podem deliberar à margem da AG.

A AG pressupõe uma concentração geográfica e temporal das decisões societárias. As decisões são
tomadas no mesmo local e no mesmo momento. Vamos ver também que os sócios podem deliberar
fora da AG, designadamente, podem fazê-lo por escrito. As formas de deliberação estão previstas nos
arts. 53.º e 54.º CSC, e depois é preciso complementar com aquilo que se passa em cada um dos
tipos societários. Por exemplo, nas sociedades por quotas – art. 247.º CSC, nas sociedades anónimas,
no art. 379.º CSC.

Ainda pode haver um outro órgão social facultativo: órgão de fiscalização/controlo. Ele verifica o
modo como órgão de gestão da sociedade exerce a atividade societária. Desde logo, tem uma
componente política muito importante. Ele verifica se aquela sociedade está a exercer a atividade
que constava do seu objeto social e que, tendo sido constituída por exemplo para produzir artifícios,
não se está antes a dedicar à atividade compra e venda de bens imóveis. O órgão de fiscalização só é
obrigatório no domínio das SA.

Nas sociedades por quotas é facultativo, em geral. E de acordo com o art. 262.º CSC ele pode tornar-
se obrigatório se durante dois exercícios sociais consecutivos se verificarem dois de três fatores
previstos no n.º 2 do art. 262.º CSC e que são fatores indiciadores de que aquela sociedade por
quotas adquiriu uma dimensão relativamente grande para o tipo societário em causa:
 Um balanço de 1.500.000€
 Vendas no valor de 3.000.000€
 Nº médio de trabalhadores de 50 trabalhadores por exercício

Quando isso acontece, essa sociedade por quotas passa a estar obrigatoriamente sujeita à revisão
legal de contas, isto é, à intervenção de um profissional que tem por efeito a verificação das suas

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contas. Esta é a segunda dimensão da fiscalização. Não é só a verificação política daquilo que faz a
administração. É também a verificação da conformidade da elaboração das contas, isto é, do
feedback da atividade societária, as quais em princípio têm de ser sujeitas à aprovação dos sócios e
devem ser apreciadas por um órgão que se pronuncie sobre a sua correção.

No tempo em que a atividade económica era muito incipiente, por exemplo, no princípio do séc. XX
não havia a sofisticação contabilística que existe hoje. E portanto, não havia uma grande dificuldade
nesse controlo. Hoje a dificuldade é muito maior e as regras são muito exigentes.

Pode haver, em certos casos, um segundo órgão facultativo, que é o secretário da sociedade. Vamos
falar dele a propósito das SA. POC: nunca viu uma sociedade por quotas com secretário.

Sociedades Anónimas – SA

Falámos desta realidade quando falámos dos subtipos de SA a propósito de uma recente alteração
sobretudo do CVM, determinada pela lei 99-A/2021 de 31 de Dezembro – essa alteração veio a
procurar excluir a SA aberta quando ela não fosse cotada.

Quando a empresa cresce, há formas jurídicas mais adequadas para esse tipo de empresa. E a SA está
exatamente nessa circunstância. Quando em 1888 o segundo CCOM acolheu pela primeira vez a SA,
que tinha sido batizada como tal em 1867 e que já era prevista no Código Ferreira Borges
(“companhia”). Há ramos de atividade em que ainda hoje é muito normal ver a expressão companhia,
por exemplo a companhia de seguros, porque são empresas com grandes dimensões e que no fundo
revestiam a forma de SA.

Para certas empresas que requerem montantes avultados de capital foi criado um tipo societário
que se caracteriza por dever ter um n.º mínimo de participantes superior às demais sociedades – 5 e
não 2. Embora, excecionalmente, possa haver se um deles for o Estado e também muito
excecionalmente pode haver um caso em que a SA é apenas participada por uma pessoa, desde que
essa pessoa seja uma sociedade de responsabilidade ilimitada. Vamos falar do fenómeno da
coligação de sociedades. É o caso em que uma sociedade participa no capital de outra, isto é, em que
uma sociedade é a única sócia de outra sociedade.

Antes do CSC o n.º mínimo era de 10. O CSC já é uma evolução, mas há países em que já são 3, por
exemplo. Muitas vezes, depende sempre de mais do que 2 para distinguir dos outros tipos
societários.

Estas SA caracterizam-se, por contraposição àquelas que já referimos, precisamente por não
relevar a figura dos seus participantes, relevar essencialmente a respetiva participação. E por isso
as SJ da SA vão no fundo ser atribuídas não aos participantes, mas às participações sociais (ações) e
depois, como o Direito ainda não encontrou o modo como exercer direitos e cumprir obrigações sem
ser através de pessoas jurídicas, vamos ter de ver em cada momento quem é o detentor das
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participações para ver quem é que efetivamente vai exercer os direitos e cumprir as obrigações.

Em princípio, os direitos têm de ser necessariamente atribuídos à pessoa dos seus participantes,
sócios. E existem em razão dos mesmos, por isso é a qualidade de sócio que é fundamental para
justificar a titularidade desses mesmos direitos.

Enquadramento da SA
Está prevista no título IV, entalada entre a sociedade por quotas e a sociedade em comandita, nos
arts. 271.º e segs. É o tipo societário com maior regulamentação e é o tipo societário mais complexo.
A sua firma caracteriza-se por, tal como a sociedade por quotas, poder ser formada pelo nome de
sócios ou pela denominação ou no fundo assumir um caráter misto, mas termina pela expressão
Sociedade Anónima ou pelas letras S.A.. A firma está regulada no art. 275.º CSC.

Regime de responsabilidade da SA
O regime de responsabilidade dos participantes na SA que resulta do art. 271.º CSC o mesmo traduz-
se numa limitação da responsabilidade pelo capital por cada um subscrito. Há aqui um diferença
sensível em relação à sociedade por quotas. Enquanto na SA cada um só responde pelo capital que
ele subscreve, na sociedade por quotas cada sócio responde pelo capital total subscrito por todos os
sócios.

Nas sociedades por quotas, tradicionalmente, era obrigatório realizar 50% do capital diferida a
realização das entradas em dinheiro do montante que não excedesse 50% do capital. Hoje o
problema não se coloca porque o capital mínimo é tão reduzido. Nas sociedades anónimas, é possível
diferir a realização de 70% do capital a realizar em dinheiro e por isso como estas sociedades têm um
capital social mínimo legalmente imposto de 50.000€, isso significa que é preciso reunir no mínimo
bens que correspondam a 15.000€ e só o remanescente (35.000€ - 70%) é que pode ser diferido, e
por um prazo máximo de 5 anos. Isto quer dizer que eu me constituo obrigado a realizar o capital no
prazo máximo de 5 anos.

Participações sociais nas SA


Designam-se por ações. Podem ter uma representação física, titulada. Podem estar documentadas
em títulos ou podem ter uma representação escritural. Podem apresentar um caráter informal. Sobre
um dos princípios inerente às ações dispõe o art. 276.º CSC, que vai ser objeto de análise quando
estudarmos as participações sociais.

Órgãos sociais das SA5


Nas SA há necessariamente 3 órgãos distintos:
 Assembleia Geral
o Encontra-se no topo da sociedade.
o É composta por todos os participantes na SA, pelo menos têm direito a nela estar
5
Ver organograma do manual do POC
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presentes todos aqueles que têm direito de voto.
 Há aqui uma possibilidade de limitação à presença que iremos estudar.
 Se não houver limitação estatutária, todos os que subscrevem ações, capital, têm o
direito de voto.
o A competência da AG não é a mesma da AG da sociedade por quotas. Estudaremos
adiante.
 Conselho de administração ou Conselho de Administração executivo
o Órgão de gestão
o O nome vai depender do modelo de governação que a sociedade venha a adotar.
 A lei permite, no art. 278.º CSC, que seja escolhido um de 3 modelos de
governação.
o Cabe a este órgão de gestão, como à gerência, administrar e representar a sociedade.
o Quando o capital social da sociedade for superior a 200.000€, a composição da
administração tem de ser sempre plural. Quando variar entre 50.000€ e 200.000€, aí por
escolha dos participantes na sociedade o órgão de gestão pode ser de composição singular
e fala-se de administrador.
 Órgão de fiscalização
o Tem necessariamente de existir.
o Existe para as funções que já vimos
 Controlar politicamente a atuação da administração e também para proceder a
uma cuidadosa verificação económico-financeira ou contabilística da atividade da
sociedade.
 Ver se as contas estão a ser elaboradas e apresentadas de acordo com as regras
legais a que elas devem observar.
 Emitir pareceres sobre atos a praticar pelo órgão de gestão
o Historicamente surgiu da seguinte forma: habitualmente, numa SC, aquele que investe
nela o seu capital assume a gestão e a condução dos destinos da empresa. Era assim,
sobretudo quando a atividade económica não apresentava uma complexidade tão grande
como hoje.
 Os principais investidores da sociedade tomavam todas as decisões no conselho de
administração. Estavam a comandar a sociedade. No topo do negócio.
 Como não eram os únicos participantes na SA, havia muito mais pessoas a
participar nelas.
 Não cabiam todos na administração, se não ela ficava inoperacional. Então,
houve um conjunto de investidores, participantes (POC: os segundos
maiores) que em vez de estarem a gerir os negócios da sociedade, queriam
controlar, com maior regularidade, a forma como a administração se
conduzia, porque os participantes em geral só fazem esse controlo uma vez
por ano, normalmente.
 Anualmente pode ser desastroso, portanto a lei permitiu a constituição de
um órgão de fiscalização que se chamava conselho fiscal, onde se sentavam
os segundos acionistas mais relevantes.
 Eram um órgão intermédio entre a AG e o órgão de gestão e que por
exemplo, reunia não 1 vez por ano, mas 4 ou 5.
 O que veio a acontecer na segunda metade do séc. XX, em 1969, ainda no contexto
da legislação anterior, foi que como a atividade social se veio a sofisticar e a própria
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expressão contabilística dessa atividade se veio a sofisticar foi criada uma nova
profissão que são os Revisores Oficiais de Contas, que existia precisamente com
essa finalidade.
 A dimensão da fiscalização passou a ter uma componente muito relevante
também em matéria económica e financeira e não apenas na sua vertente
politico-comercial. Foi assim que surgiu o órgão de fiscalização.
o É curioso, sendo este um órgão intermédio entre o órgão de topo e o órgão de gestão,
aquilo que se exige muito no séc. XXI é que esse órgão atue tanto quanto possível com
independência suficiente relativamente aos principais interesses na vida da sociedade –
interesses dos maiores investidores para poder apreciar de forma objetiva, imparcial e
isenta o modo como aquela entidade está a ser gerida. E para poder exercer dessa forma a
sua censura quando tal for recomendável.

Depois podemos ter um 4.º órgão, que é obrigatório nas sociedades cotadas, isto é, nas sociedades
cujas ações são admitidas à negociação no mercado regulamentado. As grandes sociedades
portuguesas são cotadas – EDP, GALP, SONAE, Jerónimo Martins, etc. Essas sociedades vão ter que
ter um 4.º órgão chamado o secretário da sociedade:
 É facultativo em todas as demais sociedades anónimas não cotadas, como também é facultativo
nas sociedades por quotas.
o POC: já viu sociedades não cotadas com secretário, mas nunca viu sociedades por
quotas com secretário.
 O secretário da sociedade tem que ser designado conjuntamente com um suplente. É uma
pessoa física e, em regra, é designado pelo órgão de gestão, pelo conselho de administração.
 Tem 2 valências muito relevantes
o Uma delas, como o nome indica é que ele vai coadjuvar todos os órgãos sociais.
 É um elemento que vai estar presente em todas as reuniões de todos os órgãos
sociais. Tem funções transversais na sociedade.
o Depois, vai ter poderes que de algum modo, competem a profissionais conhecidos,
como por exemplo os notários e os conservadores.
 Ele tem o poder de certificar o conteúdo de negócios sociais, o modo como a
sociedade se obriga. Tudo aquilo que está previsto nos arts. 446.º-A e segs.
CSC.
  ver arts. 446.º-A e 446.º-B CSC. O secretário não existia quando o CSC foi
aprovado.
 É um órgão naturalmente ligado à administração.
o É um órgão cujo titular não se pode desprender dos principais interesses, que são os
inerentes a quem escolhe os administradores da sociedade. Ou seja, é de certo modo
uma certa extensão da administração.
o Por isso, deve concluir-se que as suas funções cessam quando cessam as funções da
administração.

Assembleia Geral
Funciona institucionalmente. A lei reconhece que a AG de uma SA, por em princípio ser
congregadora de um número elevado de participantes, deve apresentar uma determinada forma e
36
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
deve obedecer a determinados requisitos de funcionamento. Por isso, a lei cria a chamada mesa da
AG, isto é, o sub-órgão ao qual compete preparar, convocar e dirigir as AGs e produzir o relato dos
respetivos trabalhos, elaborar a sua ata.

Essa mesa da AG está prevista nos art. 374.º CSC e tem de ser composta por, no mínimo, 2
elementos – o presidente e o secretário da mesa. Este secretário da mesa não se confunde com o
secretário da sociedade. Este secretário da mesa é apenas um elemento da própria mesa da AG.

Pode ter mais elementos, por exemplo, um vice-presidente se a sociedade tiver uma grande
dimensão, que substitua o presidente nas suas faltas ou ausências ainda que momentâneas durante
os trabalhos da AG. E pode ter mais do que um secretário – por vezes há sociedades que têm 2
secretários. Mais do que 2 o POC nunca viu, até porque as sociedades com dimensão ainda têm o tal
secretário da sociedade, que ainda é um elemento que coadjuva a AG, embora não faça parte da
mesa da AG.

Como iremos ver, em certos casos, os membros da mesa da AG têm de reunir determinadas
características que lhes confiram também uma certa isenção e imparcialidade, objetividade na sua
intervenção e que os preserve das influências dominantes que existam no âmbito da sociedade e
que se espelham naturalmente no risco do capital que é inerente. Em certas circunstâncias é
necessário que os membros da mesa da AG sejam independentes. Em que casos?
 Em todas as sociedades cotadas
 Nas grandes sociedades anónimas
o Só nas SA comuns ou simples é que não há essa exigência
 Art. 374.º-A CSC
o Também foi introduzido em 2006

Os membros da mesa da AG, cujos membros podem até nem ser acionistas. Podem ser terceiros. A
eles cabe preparar a AG, promover a sua convocação, normalmente a pedido do órgão de gestão
através da convocatória, conduzir os trabalhador e produzir o respetivo relato = elaborar a ata que
vai documentar aquilo que foi decidido no contexto da AG.

Depois há casos em que no contexto da AG nem todos os sócios podem participar. Conjugando o art.
379.º e 384.º n.º 2 al. a) CSC – situações em que um participante no capital de uma SA está
impedido de participar numa AG.

Quanto ao órgão de gestão e ao órgão de fiscalização, que foi criado para controlo da administração,
a articulação dos dois órgãos forma aquilo a que chamamos governação societária – corporate
governance – exprime-se no modo como a sociedade é gerida mas também no modo como essa
gestão é objeto de controlo por parte de um órgão autónomo e independente.

O art. 278.º CSC é absolutamente obrigatório6. De acordo com esta regra há 3 modelos de
6
O POC não permite que se consulte este artigo no exame  não é preciso saber de cor, mas temos
37
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
governação possíveis:
 Modelo clássico
o Por alguns autores chamado modelo latino.
 O POC não aprecia esta expressão embora seja utilizada pelo legislador. Já foi
utilizada pela Alemanha, que não tem nada de latino.
o Foi o primeiro modelo de governação das SA e no modelo clássico há uma clara
repartição:
 Funções de gestão ou de administração
 Funções de fiscalização
o Este modelo tem por isso um órgão de gestão e um órgão de fiscalização.
 Classicamente o órgão de gestão chamava-se conselho de administração e o
órgão de fiscalização conselho fiscal.
 Era assim antes do CSC. Não havia mais nenhum modelo, era muito mais fácil
fazer a disciplina 
o Exceções – que formas é que este modelo pode revestir?
 Já vimos hoje que a administração pode, em certas situações ter uma
composição singular. Se o capital não for superior a 200.000€ (art. 390.º n.º 2
CSC), pode haver um administrador único. É muito diferente uma sociedade
funcionar com um administrador único ou com um conselho de administração,
porque um administrador único decide porque a declaração negocial se
confunde com a vontade.
 Quando o órgão é colegial, ele funciona em conjunto, com a participação dos
vários membros, mas eles não podem estar sempre a reunir a toda a hora. Vai
ser preciso distinguir:
 Atos que vão ser objeto de análise pelo conjunto de administradores
em reunião – conselho de administração. A lógica de haver um órgão
que reúne colegialmente.
 E depois há uma série de atos que os administradores vão poder
praticar que são aqueles que correspondem aos atos de comércio em
que se concretiza a atividade da sociedade. Ex.: contratos de c/v, por
exemplo.
 Ex.: empresa importa automóveis e vende em Portugal. Não tinha muito jeito
que cada vez que uma empresa fosse vender um automóvel precisasse de fazer
uma reunião do conselho de administração.
 Aqueles atos em que se traduz a atividade da sociedade vão ser praticados
pelos administradores, que estão mandatados para isso, e que vão vincular a
sociedade de acordo com determinadas regras.
 por exemplo, está previsto que seja necessário serem 2
administradores. Também não parece muito prático, porque sobretudo
naquelas grandes marcas com poder económico, o consumidor em
regra não priva com os administradores, mas com os comerciais da
marca.
 Vai haver ali a constituição de uma relação de mandato pela qual a
administração confere poderes a algum dos seus elementos para

que saber o seu conteúdo  é básico 


38
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
celebrarem contratos de c/v, etc. Há uma simplificação.
 Contudo, todos os anos esta empresa que importa automóveis tem que
indicar à fábrica que os produz quantos veículos está a pensar adquirir
no ano seguinte. Para esse efeito, para que tome a decisão de importar
2,3,4mil veículos, esta decisão não deve ser tomada por um
administrador. É uma decisão colegial – eles reúnem, discutem,
deliberam e aprovam. O mesmo se diga se estiver em causa adquirir um
novo espaço para instalarem um novo stand.
o É assim que funciona o órgão executivo e naturalmente documenta as decisões que
toma colegialmente, que também são objeto de atas.
 As atas são obrigatórias nas AG e em todos os órgãos societários que tiverem
uma composição plural. Se a composição for singular já vimos que não se
justifica. É claro que pode fazer sentido se eu quiser que a minha decisão tenha
projeção externa.
o No modelo clássico podemos ter ou conselho de administração e conselho fiscal OU
um administrador único nos casos em que não tenha grande dimensão e depois
podemos ter também, curiosamente, um fiscal único.
 O fiscal único foi um elemento criado na década de 90, já com o CSC em plena
vigência, que deve ser necessariamente um revisor oficial de contas ou uma
sociedade revisora oficial de contas. O legislador entendeu que quando
houvesse opção por uma fiscalização de composição singular, que
obrigatoriamente essa composição singular se teria que traduzir num
profissional especialmente qualificado e apto a compreender a expressão
contabilística da sociedade.
 Quando a sociedade tem um conselho fiscal é necessário que faça parte do
mesmo um revisor oficial de contas ou uma sociedade revisora oficial de
contas, mas o conselho pode ser formado por outras pessoas e tem de ter um
mínimo de 3 elementos.
o Quando é que as sociedades podem ter fiscal único ? Isto não está sujeito ao capital
inferior a 200.000€. Pode ter uma capital social de 2M€ e mesmo assim um fiscal
único.
o Não pode ter um fiscal único quando atinge uma grande dimensão e é cotada.

Até agora temos estado a caracterizar o modelo clássico de governação societária na sua expressão
simples. Mas o modelo clássico de governação societária conhece uma variante: composição
complexa, estrutura complexa. Quando é que a estrutura é complexa?
 A estrutura é sobretudo complexa no que diz respeito à fiscalização.
o Há aqui uma enorme semelhança entre aquele caso que vimos que determina a
necessária fiscalização da atividade no contexto de uma sociedade por quotas e a
necessidade de uma SA que tenha um modelo clássico de governação de adotar uma
estrutura complexa da sua fiscalização.
 Estamos a falar de grandes sociedades anónimas ou das sociedades cotadas. A sociedade
simples ou comum não é obrigada a ter uma estrutura complexa.
o Pode ter, mas é facultativa. Tal como a fiscalização na sociedade por quotas é
facultativa.
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Numa sociedade por quotas posso criar um conselho fiscal, mas é facultativo.
Se criar depois devo nortear esse conselho fiscal aplicar ao conselho fiscal as
disposições que existem para o conselho fiscal no domínio das sociedades
anónimas. Não está nada previsto para as sociedades por quotas.
 Como é composta a fiscalização quando a sua estrutura deve ser complexa ?
o Desdobra-se em 2 órgãos:
 Conselho fiscal do qual não faz parte obrigatoriamente um ROC 7 ou uma
sociedade ROC, mas do qual faz parte, necessariamente, um elemento com
especiais conhecimentos de contabilidade ou auditoria – conhecimentos
desenvolvidos em matéria financeira e formação superior adequada.
 Em paralelo, há um órgão autónomo de fiscalização que se articula com o
conselho fiscal que é composto por um ROC por uma sociedade ROC.
o É como se no modelo clássico na sua expressão simples em que houvesse um fiscal
único e apresentássemos ao fiscal único necessariamente um conselho fiscal, só que
como já temos o ROC no fiscal único, não precisamos de outro ROC no conselho fiscal.
 Pode haver ROCs no conselho fiscal? Sim, só que não estão lá nessa qualidade, estão lá na
qualidade de elementos especialmente conhecedores de matéria económico-financeira,
contabilidade, etc. Mas não intervêm como ROCs, com independência e isenção que é
normalmente exigida ao ROC.
 Neste modelo de governação com uma estrutura complexa, temos uma situação muito
interessante: temos uma relação entre os dois órgãos (ROC autónomo ou externo e conselho
fiscal, sendo que ao conselho fiscal cabe essencialmente a fiscalização de caráter político e
ao ROC a fiscalização contabilística), com uma composição clara das funções típicas ou
clássicas do órgão de fiscalização.
 E pode haver administrador único? POC: se fosse concebível uma grande SA ou sociedade
cotada que não tivesse mais do que 200.000€ de capital social, em teoria até podia haver
administrador único, porque a lei não impõe nada quando à administração, mas isso é uma
hipótese meramente académica.
 Por isso, em princípio, há um conselho de administração, mas mais do que isso, há
eventualmente um CA8 vasto, que em princípio vai promover a chamada delegação de
poderes:
o Vai criar um sub-órgão que é chamada comissão executiva. O CEO é nem mais nem
menos que o presidente da comissão executiva. Quando se cria um sub-órgão
executivo do conselho de administração, significa que deve haver administradores que
são não-executivos – não têm uma obrigação de presença permanente na sociedade e
não lhes cabe a eles a gestão quotidiana dessa mesma sociedade.

Agora vamos ver os outros modelos do art. 278.º CSC. Estes modelos não têm uma versão simples e
outra complexa. Têm uma única versão. POC: são modelos que, em si, pela sua composição se
aproximam muito do modelo clássico com uma estrutura de fiscalização complexa. Mas tanto podem
ser utilizados estes modelos que vamos ver agora nas grandes SA e nas cotadas como nas pequenas e
médias.
 Modelo germânico (origem alemã)
7
Revisor oficial de contas
8
Conselho de administração
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
o É o modelo que existe na Alemanha.
o É um modelo que para além da AG (comum a todos os modelos), tem 3 outros órgãos:
 Órgão executivo = conselho de administração executivo, composto por
administradores. Todos os administradores são executivos, não pode haver
administradores não executivos. Quanto ao número de administradores, tudo o
que referimos a propósito do modelo clássico se aplica aqui – pode haver um
administrador único, desde que não tenha um capital superior a 200.000€,
situação que é extremamente rara.
 Órgão de fiscalização, que tem alguns poderes executivos, ainda que a longo
prazo = conselho geral e de supervisão, com a característica de ter sempre de
ter pelo menos mais um elemento que o conselho de administração executivo.
É órgão de fiscalização do modelo germânico e podem ser reconhecidas
contratualmente algumas faculdades relativas à gestão, por isso este modelo é
também muitas vezes conhecido pela expressão modelo dualista, por
contraposição aos outros dois modelos que são monistas.
 Modelo anglo-saxónico
o Este modelo tem o órgão de fiscalização integrado no conselho de administração. À
margem do órgão de administração, tem um ROC que responde perante o órgão de
fiscalização que está integrado no CA e que portanto participa nas reuniões do CA no
seu conjunto mas também funciona em separado. A esse órgão de fiscalização
integrado no CA chamamos comissão de auditoria e é formada por um mínimo de 3
elementos.
o A comissão de auditoria convive no CA com os demais administradores, que podem ser
todos executivos ou relativamente a todos os administradores que não integram a
comissão de auditoria (os elementos designam-se administradores mas são
essencialmente fiscalizadores) e que são verdadeiros administradores, a verdade é que
estão lá sentados nas reuniões da administração. Eles em vez de apreciarem as
decisões da administração por escrito quando elas são submetidas à sua análise, eles
estão a acompanhar o modo como a sociedade decide no âmbito do CA.
o Se houver administradores que não integram a comissão de auditoria e também não
sejam executivos, isto é, se entre todos os demais administradores for criada uma
comissão executiva, então aí a comissão de auditoria fica um bocado marginalizada,
porque como a gestão da sociedade se desloca essencialmente para a CE 9, o conselho
vai reunir menos vezes e a comissão de auditoria não participa nas reuniões da CE,
exceto numa determinada situação.
 POC: é um modelo interessante, mas é um modelo em que se espelha aquela
lógica de dormir com o próprio inimigo por causa da tensão que existe entre o
órgão executivo e o órgão de fiscalização. Isto significa que o órgão de
fiscalização é o verdadeiro grilo falante. Ele está ali presente para dizer que a
decisão não é correta ou legal.
 Só que os administradores que integram a comissão de auditoria são não
executivos – a lei qualifica-os expressamente como não executivos, o que faz
com que eles de facto não tenham os poderes substanciais dos
administradores que não integrem a comissão de auditoria, que pode reunir
também em separado.
9
Comissão executiva
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23.02.202

Balanço final dos tipos societários (Como se posicionam no CSC e no OJ, em geral)

Antes de mais, temos sociedades de pessoas que se opõem às sociedades de capitais.


 Sociedades de pessoas
o Quem releva são as pessoas dos próprios sócios, qualquer que seja a sua natureza,
sejam pessoas singulares, sejam pessoas coletivas.
o Os próprios sócios vão participar na sociedade comercial e através dela exercer em
comum uma atividade económica de natureza comercial e que se pretende ser
lucrativa.
o Existem 3 subtipos societários:
 Sociedade em nome coletivo (a mais antiga de todas, mais rara, apenas se
mantém se o que as partes quiserem for precisamente a ilimitação da
responsabilidade)
 Sociedade em comandita (mais rara ainda que a sociedade em nome coletivo –
existem algumas, mas são pouco habituais). O seu sistema de funcionamento
não é muito claro na prática e por isso elas não são prosseguidas, para além de
que acarretam responsabilidade ilimitada para os sócios comanditados, por
contraposição aos sócios comanditários.
 Sociedades por quotas (SPQ). São sociedades que hoje são fundamentalmente
personalizadas, atendendo à pessoa dos seus sócios. Não se destacam por
concentração de capitais, pelo contrário – podem ser constituídas com um
capital social simbólico de 1€ por cada sócios. Essa falta de exigência de
capitalização conduz-nos a considerar que elas se configuram definitivamente
na OJ como sociedades de pessoas. Tudo o que as caracteriza é em função dos
seus sócios.
 No fundo, os sócios participam nesta sociedade, os direitos e
vinculações são-lhes atribuídos a eles sócios, independentemente do
montante da sua participação, não há aqui uma vinculação ao capital
investido.
 Claro que naturalmente os direitos e vinculações podem variar
consoante o montante da participação – é natural que assim seja. Quem
participa com mais terá direito a receber mais.
 É um tipo que também atravessa uma certa crise, sobretudo porque é
muito pouco credível. A sua credibilidade é muito limitada,
precisamente pela tal insuficiência de capital social. É um tipo societário
que não arranca sem que haja uma colateralização das suas
responsabilidades por parte daqueles que nela participam.
 Sociedades de capitais
o Sociedades anónimas
o É o tipo societário mais forte.
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o São sociedades aglutinadoras de capitais. Justificam-se pelos meios que pretendem
congregar. Daí não surpreender que as atividades económicas mais relevantes na
sociedade se devam fazer através de empresas que têm de se constituir sob a forma
de SA. É uma exigência de uma forma especial para certas atividades:
 Bancos, seguradoras, uma série de atividades que são bastante relevantes na
OJ.
o As SA identificam-se em razão das participações em que se concretiza o seu capital. E
por isso as SJ que nas mesmas encontramos reportam-se às participações sociais que
as SA designam por ações, que podem ter uma forma titulada ou uma forma escritural.
Podem consistir num documento ou num resultado de uma inscrição com caráter
informático.
o Temos uma única via de circulação dessas participações, uma vez que as mesmas têm
de ser necessariamente nominativas. Devem identificar o respetivo titular.
o São as SC que apresentam uma maior complexidade e hoje têm 3 diferenças
substanciais muito grandes em relação às SPQ.

SA vs. SPQ  diferenças que resultam da própria configuração legal dos tipos societários

Nas SPQ, as respetivas partes designam-se por quotas, que são bens incorpóreos, sem materialização
e são suscetíveis de registo por depósito. Deve ser manifestado no contrato de sociedade o depósito
da participação. É registado por depósito junto do registo comercial. São sociedades que têm um
capital mínimo correspondente a 1€ por cada sócio. Posicionam-se eventualmente, apenas com um
titular de órgão social – têm de apresentar no mínimo um gerente, mas podem não apresentar mais
nenhum titular de órgão social.

Ao passo que as SA têm o seu capital representado por ações. As ações podem ser tituladas ou
escriturais. Podem ter alguma semelhança com as quotas quanto à sua materialização, mas têm uma
grande diferença: as ações não são registadas no registo comercial. Os registos das ações dizem
exclusivamente respeito às próprias SA, ou aos intermediários financeiros que promovem as
movimentações de ações – conta especial de valores mobiliários. Para encontrarmos o titular das
participações temos que ir junto da SA. O capital social mínimo da SA é de 50.000€, devendo ser
realizado 30.000€ no momento da constituição. O remanescente, se for em dinheiro, pode ser
diferido até ao prazo máximo de 5 anos. E nalgumas SA, aquelas que estão sujeitas a leis especiais, o
capital social mínimo pode ser substancialmente mais elevado.

Diferenças substanciais entre as SA e SPQ: são diferenças que nos permitem perceber se a empresa
à qual queremos dar uma forma jurídica societária deve ou não optar por uma SPQ ou
diferentemente se é preferível fazê-lo na forma de SA. 10
Sociedade Anónima

10 1. complexidade
Último ponto do manual orgânica substancial 1. a SPQ só excecionalmente terá um
face à SPQ: a SA tem de ter órgão de fiscalização - só tem de o ter
43 obrigatoriamente um órgão de nos termos e condições previstos no
fiscalização art. 262.º n.º 2 CSC.
140118020 2. órgão de administração é muito mais
INÊS GONÇALVES PEREIRA
2. órgão de administração = somatório
Sociedade

complexo - tendencialmente tem uma de gerentes


composição plural, é colegial. 3. os sócios funcionam de forma
3. os sócios funcionam de forma espontânea, as deliberações são
organizada. Há uma mesa da AG, com tomadas em AG, mas é uma AG
um presidente e um secretário, pelo espontaneamente formada, ainda que
menos - tem por competência possa ser convocada para o efeito. É
AG, as deliberações dos sócios. não há mesa da AG. Não há um órgão

por quotas
societário específico para promover
essas reuniões.

Conclusão: As SA têm portanto uma complexidade orgânica muito superior. Se a empresa for muito
simples, muito singela, não justifica tanta complexidade orgânica. Complexidade orgânica também é
sinal de maiores custos. Se a empresa tiver uma dimensão apreciável, de facto a simplicidade da sua
orgânica pode ser incapaz para constituir uma forma jurídica adequada àquela empresa.

Outro aspecto muito importante diz respeito à transmissibilidade das respetivas participações
sociais: aqui há um confronto, há regimes substancialmente diferentes.
 SPQ
o Art. 221.º CSC
o As participações sociais só são transmissíveis com o consentimento da sociedade.
o Só não é assim se a transmissão for feita em favor dos sócios ou dos herdeiros
legitimários dos sócios.
o Aquilo que é considerado transmissão a terceiros, é uma transmissão que está sujeita
ao consentimento da sociedade.
 SA
o Art. 328.º CSC
o Livre transmissibilidade das ações, salvo em casos excecionais previstos nessa mesma
regra, que são os únicos em que pode haver alguma limitação convencional da
transmissão de participações.

Há muito maior liquidez no investimento que é feito no capital da SA. Ou seja, é mais fácil ser uma
sociedade aberta que congregue a participação de muitos investidores e que não fique sujeita à
vontade de alguns deles, como acontece na SPQ. Na SA o que é preciso é capital e não estamos tão
preocupados com a pessoa dos sócios.

Em terceiro lugar, e esta é uma diferença relativamente recente, porque surgiu com o fenómeno do
capital social da SPQ poder ser simbólico, diz respeito à diferente capitalização de um tipo societário
e de outro: isto coloca as sociedades em polos opostos.

Curiosamente, para vermos a importância destas diferenças, quando as SPQ surgiram em Portugal
em 1901, na primeira lei que as regulou – lei de 11 de abril de 1901 – destas três diferenças, só uma é
que as caracterizava nessa lei – aquela que dizia respeito à maior complexidade orgânica. Em 1901, se
quiséssemos comparar SPQ com SA, podíamos dizer que há maior complexidade orgânica nas SA,
porque é preciso haver um órgão de fiscalização que não tem que haver nas SPQ. Aí a situação já
eram próxima à atual.

44
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Mas a regra sobre transmissibilidade era a livre transmissibilidade – só não havia livre
transmissibilidade antes do CSC quando contratualmente se limitava essa mesma transmissibilidade.
A regra era de que as SPQ tinham de ser capitalizadas, não com tanto dinheiro como as SA, mas com
quantias substanciais na época, bastante elevadas – mais elevadas do que aquelas a que elas estavam
sujeitas no momento em que deixavam de ter capital social mínimo, que era em 2011 de 5.000€, que
tinha de se realizar logo no momento constitutivo, não sendo possível diferir. Quem quisesse fazer
uma SPQ tinha que pôr 5.000€ em dinheiro ou em bens suscetíveis de avaliação pecuniária, desde
que fossem penhoráveis – era isso que caracterizava as SPQ.

Hoje já não é isso que acontece e por isso o que acontece é que no mercado os potenciais credores
das SPQ vão naturalmente desconfiar deste tipo societário. No entanto, como ele continua a ser
dominante, é o tipo societário com maior expressão na OJ portuguesa. Tendencialmente, as SPQ com
grande dimensão têm vindo gradualmente a tornar-se em SA, para manterem a credibilidade que
para elas é essencial no seu giro comercial.

Efeitos do DUE no direito interno das Sociedades Comerciais

O DUE, em certas circunstâncias, é direito interno – designadamente quando consta de


Regulamentos Europeus que têm uma aplicação direta e imediata na nossa OJ. De todo o modo, em
matéria societária não há regulamentos relevantes, como há por exemplo em matéria contratual.

Em matéria de contratação comercial, há muitos regulamentos que são aqueles, aliás, que de certo
modo justificam alguns tipos contratuais, muitos dos quais estudámos em DC e que constituem, por
exemplo, derrogações a um princípio fundamental que é o princípio da livre concorrência. É um
princípio comunitário que está na génese da UE e que é transposto para as diversas legislações
nacionais.

Por exemplo, todos aqueles casos dos franchisings e casos associados a distribuição exclusiva são
situações de derrogação da livre concorrência, normalmente fundamentadas com base no
desenvolvimento tecnológico e científico e a condução do progresso relativamente a determinados
bens, mas na realidade a possibilidade da venda exclusiva de certos bens por certos agentes
económicos acaba por corresponder a uma derrogação dessa livre concorrência e por isso tem de
haver um Regulamento Europeu para o efeito.

No Direito Societário aquilo que existe essencialmente a sequência de diretivas. As diretivas têm de
ser transpostas, são modelos legislativos que devem ser acolhidos nos diversos EM, muitas vezes com
uma latitude de escolha por parte dos destinatários dos EM. Nalguns casos, estabelecendo um
determinado prazo que pode conduzir à aplicação diferida das regras que constam da própria
diretiva.

As diretivas são importantes porque são inspiradoras das opções que os diversos legisladores
45
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
nacionais vão fazer. É normal que o nosso CSC transponha diretivas. Quando ele surgiu já havia várias
diretivas, portanto ele já transpôs várias diretivas. Muitas vezes discutimos a função das diretivas
para tentar encontrar uma solução para uma regra societária.

Seria concebível no domínio europeu poder haver sociedades comerciais que extravasassem mais do
que uma OJ?

Uma sociedade multi-nacional reconhecida no contexto da UE. A este propósito tem havido ao longo
dos tempos muitas propostas e tentativas. Houve uma sociedade que de algum modo foi aprovada –
houve o Regulamento de 2004 e a sociedade foi acolhida na OJ portuguesa logo em Janeiro de 2005.

É a chamada sociedade anónima europeia11. A lógica é procurar encontrar uma SC que se caracterize
por ter elementos de conexão com mais do que uma OJ no contexto da UE e que portanto deve ser
registada como um tipo societário diferente dos tipos societários exclusivamente nacionais. A SAE
tem sobretudo uma preocupação muito presa à sua componente institucional – aos seus
trabalhadores, e muitas vezes resulta da junção de duas ou mais sociedades provenientes de diversos
EM.

Contudo, em Portugal esta figura tem tido tão pouca aplicação que o prof. POC pensa que só existe
uma SAE inscrita e nem sabe se está a funcionar. Quem inscreve uma sociedade destas em Portugal
fá-lo para ter uma espécie de novidade rara em Portugal.

O que é normal é que as empresas estrangeiras que investem em Portugal o façam por uma de duas
vias:
 ou através da constituição de uma sociedade de direito nacional que é autónoma,
independentemente na OJ e da qual possam ser o único participante
o vamos falar deste fenómeno a propósito da coligação
 ou abrindo uma sucursal em Portugal
o estabelecimento estável sem personalização mas com uma autonomia patrimonial que
é uma decorrência do funcionamento da sociedade estrangeira.

A SAE teve maior sucesso no Leste. Este tipo teve grande acolhimento na República Checa,
porventura constituíram-se sociedades, que tinham aliás participação de alemães e de checos. A SAE
tem o capital social mínimo mais elevado que a SA, é designado pela firma SE (sociedade europeia).

Houve outras tentativas a nível europeu. Uma delas foi tentar criar uma sociedade privada europeia.
É uma espécie de SPQ – uma sociedade pequena, era uma situação bastante diferente da SAE mas a
verdade é que isto não vingou, nunca passou de proposta. Nunca foi objeto de regulamentação
europeia.

11
SAE
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Por outro lado, também se tentou a nível europeu desenvolver a societas unius personae (sociedade
com uma única pessoa). É uma sociedade unipessoal a nível europeu que explicaria a possibilidade de
uma empresa europeia poder constituir noutros EM uma sociedade de que ela fosse a única titular.
Essa proposta também não foi avante. A UE é muito cuidadosa na forma como abordas as matérias e
acaba por não as levar avante se vir que não vão lograr.

Vamos ver uma regra importante: possibilidade de os cônjuges poderem participar numa mesma
sociedade comercial. A questão que está em causa é basicamente que o CSC acolhe uma solução que
acaba por, em certos termos, ser considerada uma derrogação da imutabilidade das convenções
antenupciais – art. 1714.º e 1715.º CC.

O que acontece nesses artigos, nos quais se prevê designadamente que as sociedades devem ser
imutáveis, e nos quais se prevê que em princípio não pudesse haver a participação dos sócios como
sócios de responsabilidade ilimitada, porque se entendia que através da ilimitação da
responsabilidade poderia haver uma comunicabilidade que seria contrária ao regime de bens que
resultaria do próprio casamento, e por isso se considerava e se discutia, antes do CSC, sendo certo
que se aceitava claramente que os cônjuges participassem numa SA, designadamente pela lógica de
objetivação da participação social, se ambos os cônjuges podiam ou não constituir uma SPQ.

Era uma discussão que a doutrina tinha e que o CSC veio definitivamente resolver: criou uma regra
para isto que é o art. 8.º CSC – os cônjuges podem constituir e participar numa SC, contando que
apenas um deles sob uma responsabilidade ilimitada.

A única questão que se coloca é saber se por efeito do regime de bens a participação for um bem
comum e não próprio do sócio, a partir desse momento, quem é que vai exercer os direitos e
vinculações que decorrem da participação social? Porque a participação em si vai ser comum – nem
em compropriedade, nem pertence a nenhum deles. O direito, no art. 8.º CSC dá resposta a essa
situação: vai exercer os direitos e cumprir as vinculações, em princípio, aquele sócio por via do qual a
participação acedeu a património comum.

6. A empresa plurissocietária e a unipessoalidade

Desvios à forma como as SC surgiram, participadas nomeadamente por pessoas singulares. Estes são
os fenómenos da empresa plurisocietária12 e da unipessoalidade. Vamos falar da coligação, da
unipessoalidade, que é uma situação completamente diferente.13

Empresa plurissocietária = fenómeno em que se admite que uma sociedade possa ter interesse na
12
Falámos disto em DC a propósito da concorrência – para a concorrência todas as sociedades que
integram o mesmo grupo vão ser consideradas uma mesma empresa para efeitos de determinação
dos critérios que são relevantes para saber se na realidade, por exemplo, os atos que lhes digam
respeito estão sujeitos à prévia apreciação em matéria de livre concentração. Arts. 36.º e 37.º da Lei da
Concorrência.
13
Pontos 45 e 46 do manual
47
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
criação de outras sociedades ou na participação no capital de outras sociedades, ainda que todas
elas exerçam uma atividade económica.

Há que diferenciar duas situações:


 a primeira diz respeito aos casos em que uma empresa tem por objeto exclusivo deter
participações sociais noutra empresa ou noutras empresas.
o Uma empresa tem por objeto exclusivo exercer uma atividade económica por forma
indireta, porque o faz através das participações que detém noutras empresas
 DL 495/88 de 30 de dezembro
o Sociedade Gestora de Participação Social - SGPS

6.1. SGPS

Nos termos do DL 495/88, que é a continuação da lei das holdings de 1972 – a primeira lei que em
Portugal perspetivou a participação de uma sociedade noutras sociedades e neste caso, esta
participação é feita de uma forma especial, não através de uma sociedade que exerça uma atividade
económica direta, que pratique atos de comércio, mas de uma sociedade que detenha participações
noutra sociedade – essa sim pratica atos de comércio.

É chamada sociedade holding ou sociedade gestora de participações sociais (SGPS). Nos termos do
DL 495/88, estas sociedades só se podem constituir sob um de dois tipos:
 Como SPQ
 Como SA
o Os outros tipos não são admissíveis para constituir uma SGPS.
Mesmo que se constituam sob a forma de SPQ, aquilo que acontece é que estas sociedades estão
sujeitas a fiscalização. É o único caso em que a SPQ está obrigatoriamente sujeita a fiscalização
desde o seu início. A fiscalização é exercida através de uma revisão legal de contas. As SPQ, neste
caso, se forem gestoras de participações sociais têm que designar um revisor legal de contas –
alguém que as acompanhe no dia-a-dia.

O que é que caracteriza estas sociedades? Detêm participações noutras sociedades, com alguma
estabilidade e duração e com um determinado relevo mínimo, isto é, representando uma
participação substancial do capital dessas outras entidades.

Em princípio, devem deter as participações pelo período mínimo de 1 ano – daqui se afasta uma
lógica de aquisição especulativa = não compram para revender. O DL equaciona a possibilidade de as
alienações serem feitas antes de decorrer 1 ano, mas não só prevê as sanções para esse efeito, como
explica que tem que haver um reinvestimento também num determinado prazo rápido. Se houver
necessidade de alienar participações respeitando o princípio que é o princípio da estabilidade, as
sociedades vão ter que repor essa participação que alienaram com outra participação.

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Princípio da concentração  teoricamente, e como regra, as participações têm que representar 10%
da sociedade participada. É uma participação significativa. Uma SGPS não pode comprar ações que
correspondam a 1 ou 2% da participada. Esta regra tem uma exceção imediata e tem diversas
exceções mediatas.
 Exceção imediata
o A lei entende que, estando em causa a participação numa grande sociedade, seria
difícil atingir os 10%, pelo que a lei considera suficiente que, se a participação tiver um
valor de carteira de investimento correspondente a aproximadamente 5.000.000€
(aprox. porque é uma conversão de contos – 1.000.000€ de contos), cumpre-se o
princípio da concentração.
 Exceções mediatas
o O legislador pensou: porventura é excessivo que uma SGPS só possa ter ou uma
participação de 10% ou uma participação de 5.000.000€. Então admitiu que estas
regras dos 5.000.000€ e dos 10% não se aplicassem a 30% do valor da carteira total
de investimentos da SGPS.
 70% dos investimentos em participações sociais tem que estar materializado
em investimentos de 10% do capital das participadas ou de quase 5.000.000€,
o remanescente pode deter participações menores.

Problema que as SGPS nos trazem atualmente: coloca-se desde janeiro de 2014.
É que antigamente, as restrições que estas sociedades geram para os seus participantes...:
 O seu objeto é de tal maneira limitado que essa limitação – exercício da atividade económica
de forma indireta – ainda é reforçada por uma série de previsões que o próprio regime legal
acarreta
o As SGPS não podem ter imóveis que não sejam indispensáveis à sua instalação e
mesmo assim é preciso que haja uma ratio do valor dos imóveis ao valor da sua
capacidade financeira.
 A priori, as SGPS não podem comprar e vender imóveis.
 Mesmo em situações creditícias, as SGPS apresentam muitas dificuldades:
o Os fluxos que vão ocorrer, designadamente, o seu financiamento que pudessem
pretender fazer a entidades participadas...

Todas essas limitações previstas nos arts. 4.º e 5.º do DL eram compensadas no passado por um
regime fiscal mais favorável: de facto têm muitos constrangimentos no seu funcionamento, mas
como o regime fiscal que resultava da sua participação era muito mais favorável, evitando-se duplas
tributações dos seus rendimentos, etc. elas eram a forma ideal de organização de um grupo.

Muitas vezes, num grupo até havia mais de uma holding. Imagine-se um grupo que tem uma
atividade financeira, turística, industrial – havia uma holding, onde participam os acionistas, e depois
esta holding participa nas ditas sub-holdings – naquela que vai gerir as participações do turismo, na
que vai gerir as participações financeiras, etc.

Hoje em dia, infelizmente, a partir de 2014, o legislador veio equiparar as SGPS em termos fiscais, a
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
todas as outras sociedades comerciais. Concluiu-se que os critérios que eventualmente dispensem
uma SC de suportar a tributação em certas circunstâncias e que são aqueles que no fundo se
verificam nas SGPS, esses critérios, se se verificarem com a participação de uma sociedade que não
seja gestora de participações sociais, são tratados exatamente da mesma forma do ponto de vista
fiscal: então, já não se justifica, eventualmente, nesta altura, manter uma SGPS se pudermos optar
por uma SC que exerce uma atividade comercial e que participa no capital de outra e para efeitos
tributários está sujeita à mesma solução – all in one – essa tem todas as aptidões.

É verdade que se constituirmos uma SC, por exemplo, com objeto industrial e depois o que aquela
sociedade faz efetivamente é a gestão de participações sociais, evidentemente que aqui podemos ter
um problema de fraude à lei, mas nem sempre é fácil determinar essa fraude à lei. É verdade que a
própria lei das SGPS tem uma norma que prevê, compreensivelmente, que se porventura a SGPS não
estiver a realizar uma atividade de gestão de participações sociais, então ela corre o risco de vir a ser
dissolvida.

Adicionalmente, e dentro dos inconvenientes das SGPS, elas estão sujeitas a supervisão pela
inspeção geral das finanças – todos os anos elas têm que ir confessionário para mostrar ao fisco
quais é que são as participações que elas estão a gerir. Isto percebia-se no passado, mas hoje não se
percebe. Percebia-se no passado, porque tinham as tais vantagens de carater fiscal. Deixando de ter
essa vantagem, dificilmente se percebe que se mantenha essa exigência.

O que é que veio a acontecer desde 2014? A prática logo se apercebeu de que as SGPS passavam a
ser apenas inconvenientes sem proporcionar nenhuma vantagem. A prática veio a seguir o caminho
de gradualmente constituir apenas sociedades com objeto comercial – se a dimensão for
minimamente razoável, na forma anónima – e depois conferindo o objeto comercial a essas
sociedades – usar essas sociedades como verdadeiras sociedades gestores de participações sociais,
fazendo com que elas adquirissem participações noutras sociedades, dotando-as dessa aptidão e
conseguindo o mesmo efeito que antigamente só se conseguia através de uma SGPS.

Estamos uma situação de impasse. O legislador teve perspetivada uma grande alteração à lei das
SGPS na sequência da modificação da lei fiscal – repare-se na importância que uma mudança na lei
fiscal tem na lei substantiva. Foi pela alteração fiscal que este regime perdeu parte do seu interesse,
para não dizer a totalidade do seu interesse.

A partir do momento em que estas sociedades já não têm nenhuma vantagem em relação às demais,
também não deviam ter os inconvenientes. O legislador até as podia ter colocado reguladas no CSC.
Repare-se que não é um tipo societário que não está em causa, o que está em causa é uma espécie
de sociedade comercial. As espécies de sociedades definem-se pelo seu objeto. É assim com as
sociedades bancárias, seguradoras, telecomunicações, etc.

De um modo geral, são objeto de lei especial sociedades que têm um objeto tendencialmente
exclusivo. Um banco não pode fazer tudo – não pode investir em atividade turísticas, porque se não,
o que é que acontece quando temos uma atividade e participamos no capital de uma outra
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
atividade? Vamos indiretamente estar a exercer uma diferente atividade também, que é a atividade
da sociedade participada.

6.2. Sociedades coligadas

Estas previstas e reguladas no título VI do CSC, logo a seguir ao último tipo societário das sociedades
em comandita – arts. 481.º e segs. CSC. Estes artigos são de tal maneira completos que o diploma
que regulou as SGPS é um diploma que também tem uma norma que subsidiariamente remete para o
regime das sociedades coligadas – é o regime aplicável em circunstâncias em que uma sociedade
participa no capital de outras.

É uma realidade que não existia há muito tempo. É relativamente recente, porque no fundo temos
que olhar para uma pessoa coletiva que tendencialmente já era uma exceção à lógica da
personalidade jurídica e da personificação em sociedade e depois temos que atender a uma
entidade que para além de já ser uma criação do espírito humano e não natural, temos que admitir
que essa entidade possa estabelecer relações com outros sujeitos que tenham exatamente a
mesma natureza – que elas possam participar no capital desses sujeitos.

São pessoas jurídicas – têm a aptidão de exercer os direitos e vinculações a que venham ser
chamadas nesse outro contexto. Onde é que está o relevo dessa participação? Ou seja, admitindo
que uma pessoa coletiva, uma sociedade comercial, uma SA pode adquirir participações noutra
sociedade, pode deter essas participações, quer o faça inadvertidamente, quer o faça por mera
aplicação financeira, isto é, porque entende que daquele investimento vai obter um ganho, quer o
faça do ponto de vista estratégico, porque pretende tomar uma posição significativa no capital
daquela sociedade participada, evidentemente que nem toda a participação pode ser ... gravação SC
23/02 min 52

O CSC determina que só há coligação quando há uma participação de pelo menos 10%. O art. 482.º
CSC fala das situações em que tal aconteça. De acordo com este preceito estão estruturadas todas as
situações de coligação nos termos do CSC.

Antes disso, porém, vejamos o n.º 1 do art. 481.º CSC, que estabelece uma certa limitação e diz-nos
que o presente título se aplica a relações estabelecidas entre sociedades por quotas e anónimas e
sociedades em comandita por ações. O n.º 2 acrescenta o seguinte: este título aplica-se a sociedades
com sede em Portugal, salvo quanto ao seguinte – exceto nos casos das diversas alíneas do n.º 2.

Isto vai suscitar uma questão complicada que é a existência de alguma desigualdade entre situações
de coligação que envolvam apenas sociedades com sede em Portugal e situações que envolvam
sociedades com sede no estrangeiro.

Quando estamos perante uma relação de total participação de uma sociedade no capital da outra,
isto é, quando o capital de uma sociedade é totalmente de outra, é a única sócia da outra sociedade,
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
ela tem uma responsabilidade pela atividade da sociedade participada, porque há uma
confundibilidade entre elas. No fundo, porque a sociedade participada é uma decorrência da
sociedade dominante.

A lei, como iremos ver, estabelece um princípio de responsabilidade ilimitada da sócia da sociedade
dominada. Isto por uma razão simples: se estamos a falar de sociedades que pelo seu tipo seriam de
responsabilidade limitada para os seus sócios, é conveniente que a lei diga que neste caso entende-
se que é uma responsabilidade ilimitada.

Se fosse uma SA participada por 5 sócios (20% cada um) eles só seriam responsáveis pela realização
da sua participação. Neste caso, a lei entende que se isto é uma relação de coligação entre entidades
e sobretudo o que está aqui em causa é a participação de sociedades de responsabilidade limitada,
eu posso ter aqui de alargar essa responsabilidade.
 uma sociedade é totalmente dominada pela outra – é uma sociedade instrumental da
sociedade dominante, está ao serviço da sociedade dominante.

Se calhar, nem é preciso que ela gere lucro, apesar de ser uma sociedade comercial. É preciso é que
ela contribua para que a sociedade dominante obtenha esse lucro. A lei diz-nos: atenção! A
dominante vai ser responsável pela atividade da dominada.

Se formos aplicar de forma cega o disposto no art. 481.º CSC, e se a dominada for espanhola ou
francesa, vamos chegar à conclusão de que a responsabilidade que se aplicaria a uma sociedade
portuguesa dominante, não se aplica a uma francesa. Isto tem suscitado as maiores controvérsias. A
doutrina tem se vindo a dividir e a jurisprudência também.

Ultimamente a jurisprudência tem vindo a alterar para a necessidade de ler esta regra limitativa
numa lógica de igualdade, e sobretudo numa lógica que vise evitar a fraude à lei, porque então se
eu desqualifico a situação de grupo daquilo que ela pode ser prejudicial aos seus participantes, e
nomeadamente às sociedades participantes, faço-o intercalando sociedades estrangeiras na cadeia
de capital. Acabo por frustrar a aplicação destas regras e estabelecer uma enorme desigualdade entre
sociedades nacionais e sociedades estrangeiras.

Este fenómeno de uma sociedade poder participar no capital de outra está previsto, porventura
quando as primeiras o fizeram não estava previsto, mas também não estava proibido e se não estava
proibido no campo do Direito Privado, seria admissível ao abrigo do princípio da autonomia privada.

O que acontece é que inicialmente, antes de se conceber o fenómeno da participação de uma


sociedade no capital da outra, já havia grupos de sociedades: grupos económicos.

Grupos económicos: diversas entidades pertencem exatamente às mesmas pessoas, isto é,


integram o mesmo universo capitalista, o mesmo universo dos investidores. Portanto, quando o

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
grupo económico surge em Portugal (Grupo Mello), chegou a ter bancos, seguradoras, indústrias
químicas, etc. Toda uma pluralidade de atividades.

O que é que caracterizava o Grupo Mello? Uma realidade simplicíssima. Todas aquelas sociedades
que iam sendo criadas e que eram a forma jurídica de diversas empresas pertenciam às mesmas
pessoas. O que tinham de comum é que o Sr. Alfredo da Silva porventura detinha 90% de cada uma
dessas sociedades. Depois, o irmão devia ter 2%, e assim sucessivamente. Havia aqui uma
participação vertical e isso é muito característico dos chamados grupos económicos.

Enquanto não houve pressões de caráter fiscal e tributário, não houve necessidade de alterar as
coisas. Quando essas pressões surgiram, foi necessário procurar equilibrar as contas para de algum
modo equilibrar as sociedades deficitárias com as sociedades superavitárias  para procurar evitar
que as despesas das sociedades deficitárias não fossem cobertas pelos lucros das sociedades
superavitárias, a partir desse momento é que se passou a conceber que era preferível reconhecer a
lógica da participação de uma sociedade no capital da outra, começando pelas SGPS. Foi por aí que
começou em Portugal.

Primeiro não se foi logo pela lógica da sociedade que participa no capital da outra quando estão
ambas no mercado a exercer uma atividade comercial. Isso é concebível nos seguintes termos:
imagine-se uma SC que prossegue à montagem de veículos automóveis em Portugal. Ela podia
constituir várias sociedades que procedam à produção de elementos que ela vai utilizar na
montagem. Isto é uma situação em que se justifica.

O que aconteceu em 1986 é que o CSC veio a reconhecer a realidade dos grupos jurídicos e das
sociedades em relação de coligação = situações em que há uma verdadeira participação jurídica e
todo o seu relevo merece ter um determinado regime jurídico.

O art. 482.º CSC prevê que essa relação possa ser uma relação de simples participação = define-se
pela participação no capital de uma sociedade de pelo menos 10% (art. 483.º CSC); pode ser uma
sociedade em relação de participação recíproca = aqui é um cruzamento de participações, para
serem recíprocas têm de pelo menos perfazer o montante da simples participação (art. 485.º CSC); ou
haver uma situação de coligação mais estável:

Se eu participar em 15% do capital de uma sociedade, eu sou um entre outros acionistas – não
tenho um poder especial de influenciar a sociedade, mas eu posso participar em mais de metade
do capital da outra sociedade. Ou posso não participar em mais de metade do capital de uma
sociedade, mas ter um direito quer seja por via estatutária, quer seja por via convencional, de
poder designar, por exemplo, metade dos membros dos órgãos de administração ou fiscalização e
portanto influenciar verdadeiramente a outra sociedade  situação de domínio, art. 486.º CSC,
que estabelece a presunção de dependência de uma sociedade da outra no seu n.º 2.

Ou finalmente, posso estar numa relação de grupo = situações que estão previstas na al. d) do art.

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488.º CSC e depois nos arts. 488.º e segs. CSC. Estou numa situação de relação de grupo quando eu
participo na totalidade do capital da outra sociedade ou quando, mesmo que não participe na
totalidade do capital da outra sociedade (posso até nem participar em nada do capital da outra
sociedade), celebrei com ela um acordo com o qual assumo a direção efetiva da sua gestão =
contrato de subordinação, em que a sociedade subordinada concede à sociedade diretora o poder
de a conduzir na vida comercial e mesmo que a sociedade diretora não detenha participações na
sociedade dominada.

Por outro lado, também estou numa situação de relação de grupo quando estou numa situação de
grupo paritária = grupo paritário = haver duas entidades que estão sob a direção comum de uma
outra entidade  contrato de grupo paritário – art. 432.º CSC.

Daqui resulta que há 3 situações que nos conduzem a uma relação de grupo:
 Detenção da totalidade do capital social
o e por essa via, na realidade, a possibilidade de instruir a sociedade participada no
sentido que for mais conveniente à sociedade dominante, e quem sabe a transmitir-
lhe aquilo que a lei designa por instruções vinculantes, que podem até ser
desvantajosas.
 art. 492.º CSC, art. 503.º CSC
o a lei estabelece um regime jurídico único para todas as situações da relação de grupo
que constrói a partir do contrato de subordinação que por sinal é uma situação que
não tem tido materialização em Portugal
 o domínio total é muito frequente: pode ser inicial ou superveniente. Pode
existir desde o princípio nos termos do art. 488.º CSC (logo no momento
constitutivo) = possibilidade de uma SC ser a única sócia de outra SC que vá
constituir expressamente, desde que a SC constituída seja uma SA. Depois
temos, nos termos do art. 489.º CSC um domínio total superveniente = é
perceber que uma SA que não pertencia inicialmente apenas a outra, podia da
aquisição das participações ver-se a ser totalmente detida por esta.

A lei estabelece aqui um regime interessante, porque considera que se algum sócio adquirir 90% da
participação de uma outra SA e este sócio for uma SC de responsabilidade ilimitada, este sócio
poderá promover uma oferta potestativa do capital remanescente.

Vai ter a possibilidade de, ainda que contra a vontade dos demais acionistas, adquirir as
participações que representam 10% do capital social – art. 490.º CSC, sempre que uma SC se
encontre numa situação de domínio quase total.

Entende-se que os 10% finais ou menos ficam muito pouca liquidez, ficam sem valor especulativo,
porque ficam muito subordinados. A lei procura agilizar a compra da participação no capital
remanescente e concede um prazo para aquele que atinja essa fasquia promova a oferta. Se ele o
vier a fazer por um preço que em princípio deve ser adequado e justo, o que ele tem de fazer é
depositar o capital à ordem dos interessados e através dessa atuação ele vai potestativamente, sem
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
possibilidade de defesa, fazer seu o capital. A única hipótese que os minoritários têm aqui não é a
aquisição das participações, mas sim o valor que foi atribuído às suas participações.

E se ele que se encontra numa situação de fazer essa oferta potestativa (dispõe de 6 meses) aos
acionistas minoritários, os minoritários dispõem de um prazo para o forçar a adquirir as suas
participações, precisamente porque se entende que essas participações ficam com pouca liquidez. Se
nem uns nem outros nada fizerem, significa que estão satisfeitos e portanto assim vão viver para
sempre  vão ficar sempre com essa participação.

 Arts. 501.º e 502.º CSC – a lei trata das matérias na perspetiva da sociedade que se encontra
em relação de subordinação, mas há uma regra segundo a qual esta sociedade que se
encontra ao abrigo de um contrato de subordinação são também aplicáveis às situações de
domínio total – art. 498.º CSC.

24.02.2022

No direito societário encara-se o fenómeno da coligação de quatro maneiras diferentes:


 Sociedades de simples participação  10% ou mais
 Sociedades de participações recíprocas  há um cruzamento de participações entre as duas
sociedades. Ambas as sociedades participam no capital social da outra
 Situações de domínio – 2 tipos:
o Domínio simples: Art. 486.º CSC
o controlo da maioria do capital ou dos direitos de voto, em que haja a
possibilidade de influenciar a gestão de uma sociedade. Ou seja, é o caso em
que temos uma entidade que tem uma preponderância relativamente à outra
sociedade
o Grupos de sociedades: em sentido jurídico, podemos ter um de três fenómenos
 1. Relação de subordinação
o estamos perante um contrato de subordinação, que apesar de ser a realidade adotada
pela lei como a situação paradigmática, é bem menos frequente do que a relação de
domínio total.
 Art. 491.º CSC
o Nesta relação temos uma situação interessante: quando uma entidade celebra com
outra um contrato de subordinação (ou seja, um contrato pelo qual a sociedade assume
a gestão da outra, e passamos a ter uma situação totalmente hierarquizada) chegamos à
conclusão de que a sociedade diretora tem uma grande vantagem.
o A pergunta a fazer é: e os interesses dos sócios da sociedade subordinada? Estes
interesses que não tem qualquer relação jurídica com a sociedade diretora, e ficam
dependentes da sociedade diretora. Estes sócios livres são tratados de que maneira?
o O que a lei permite a estes sócios é que estes se possam afastar livremente da
sociedade, a lei cria uma situação de exoneração (declaração de intenção de abandono

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
de uma sociedade comercial, mediante uma contrapartida). Para os que não se
exoneraram, a lei tem um grande cuidado com a situação dos lucros, como podemos ver
no art. 494.º CSC.
 Nota: Esta questão coloca-se nestas situações de contrato, não se coloca na
situação de domínio total pois não existe outra entidade, visto que a entidade
superior detém o domínio de todo o capital social
 2. Relação de grupo paritário
 esta situação é relativamente parecida com a anterior pois celebra-se um contrato pelo
qual duas sociedades entregam a sua gestão a uma sociedade comum.
 A diferença desta hipótese para a anterior e que nos estamos a referir a sociedades
“irmãs”, que o são através de um vínculo estabelecido entre estas participantes
 3. Relação de domínio total
 estes casos são diferentes dos anteriores pois resultam da participação total de uma
sociedade na outra. As sociedades relevantes para este efeito são as sociedades
presentes no art. 481.º n.º 1 CSC.
 O domínio total é algo que se pode adquirir:
 desde o início, ou seja, a sociedade constitui-se apenas com um sócio
(unipessoalidade originária/fundacional  situação de instrumentalização);
 ou ao longo do tempo, que são as situações de domínio total superveniente (art.
489.º CSC). Para se ter este domínio superveniente não é estritamente
necessário termos uma hipótese de se ir adquirindo aos poucos, poderemos ter
uma hipótese de aquisição total do capital social de uma empresa de uma só vez,
mas é superveniente pois foi após a constituição da sociedade. Mas,
normalmente, as hipóteses são de aquisição faseada.
 Nota: nestas aquisições faseadas, o montante relevante definido pela lei de aquisição
são os 90%, uma vez que a lei entende que quando se atinge o limiar dos 90% (só há
10% marginais), esta participação é irrelevante, e, portanto, o remanescente é um
capital irrelevante, logo já temos uma situação de domínio total. Logo, o art. 490.º CSC,
face a isto, estabelece o prazo de 6 meses para a sociedade adquirir potestativamente
os últimos 10%.
 Isto na prática: a pessoa/s que ficam com menos de 10%, têm o direito de exigir à
sociedade detentora de 90% que compre a sua participação por um preço justo,
oficializado por um revisor de contas, e a sociedade tem que comprar. Temos um direito
potestativo da pessoa/s detentora dos últimos 10%.

Para esta situação dos grupos: Responsabilidade que se gera quer para a sociedade dominante quer
para a sociedade diretora  aplica-se a todas as situações (subordinação, paritária e domínio total).
Duas regras: 501.º e 502.º CSC.
 Art. 501.º CSC
o Prevê-se a RC da sociedade dominante ou diretora perante os credores da
sociedade dominada ou subordinada, por todas as obrigações dessas sociedades,

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
quer elas já existissem antes do contrato ou da aquisição do domínio, quer elas
se tenham constituído após o contrato ou após a aquisição do domínio
 Art. 502.º CSC
o A lei vai mais longe e comina a RC das sociedades dominante ou diretora pelas
perdas da sociedade dominada ou subordinada. Permitindo que a sociedade
dominada ou subordinada exija à sociedade dominante ou diretora que a mesma
a compensa das perdas anuais, se tais que se verifiquem no final do exercício,
não forem compensadas pelas reservas (reservas é uma rúbrica que corresponde
ao que a sociedade poder guardar e que não vai afetar a prossecução da sua
atividade).
o Esta RC só deve ser exigida no final do contrato ou no final da situação de
domínio mas, se a sociedade subordinada ou dominada deparar-se com uma
situação de insolvência então poderá, pela necessidade, exigir imediatamente
essa compensação à sociedade diretora ou dominante.

A RC que deriva destas relações permite, se necessário, à sociedade diretora ou subordinante dar
instruções vinculantes à sociedade dominada ou subordinada. Ou seja, a entidade superior pode
comunicar à gestão da sociedade subordinada a forma como esta deve atuar em certas circunstâncias
(por exemplo: determinar a celebração de certos contratos) e portanto, de algum modo, imiscuir-se
na gestão da sociedade inferior. Estas instruções vinculantes, se tal for exigido pelos diretores das
sociedades dominada ou subordinada, podem ser dadas por escrito, pois estas podem acarretar
algum tipo de RC para o gestor que as vier a executar e, portanto, este pode querer ter essa RC
coberta.
O art. 503.º CSC prevê que essas instruções podem até ser desvantajosas para a sociedade dominada,
ou seja, o gestor da sociedade inferior está a praticar atos que beneficiam não a própria sociedade,
mas sim a sociedade inferior, logo a lei alarga a RC às instruções e não ao gestor que as executa.

6.3. Sociedade unipessoal

A unipessoalidade é contrária à ideia de sociedade e de relação social. Ao falarmos de


unipessoalidade de uma sociedade estamos perante uma realidade estranha, inclusive, paradoxal,
pois contradiz-se. É a circunstância de uma sociedade comercial, que é uma pessoa jurídica com as
características que estamos a estudar, ter um substrato participado apenas por uma única pessoa,
apesar de isto não corresponder ontologicamente à realidade da sociedade comercial  é uma ideia
antagónica e contrária ao seu “ser”.

Começamos logo com um problema ontológico, que é a situação estranha de termos um contrato de
sociedade com apenas uma parte. Contudo, temos que fazer esta abstração patrimonial, a diferença
entre o património pessoal e o património da sociedade. Por isso mesmo, a pessoa única que celebra
o contrato de constituição de uma sociedade unipessoal tem que cumprir exatamente com os

57
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
mesmos requisitos

O nosso CSC contempla 2 exceções ao princípio da pluralidade das sociedades.


1) Estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada
 comerciante procurava autonomizar do seu património pessoal e procurava, tanto quanto
possível, limitar a responsabilidade da atividade que iria desenvolver. Em 2007, o legislador procurou
por termo ao estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada, fomentando a
transição e a conversão para as sociedades unipessoais por quotas

2) Sociedade unipessoal por quotas (arts. 270.º-A a 270.º-G – regime posterior à entrada em vigor
do CSC)
 neste caso podemos levantar a questão de se poder transpor para as hipóteses dos negócios
consigo mesmo. Será que o titular da sociedade comercial pode fazer negócios com a sociedade em
si, visto que é o titular de todo o capital social? Esta sociedade é diferente do património pessoal, e
portanto, tem autonomia jurídica
Art. 270.º-A CSC  sociedade unipessoal por quotas constitui-se por iniciativa do seu sócio, nos
termos do disposto do art 7º CSC. A criação desta sociedade unipessoal também pode resultar da
concentração da totalidade do capital social num único sócio, ou seja, uma situação parecida com a
situação referida acima sobre o domínio total superveniente. Art. 270.º-B CSC  firma destas
sociedades. Limitação do art. 270.º-C – uma pessoa singular só pode ser sócio de uma única
sociedade unipessoal por quotas. Este artigo pretende evitar uma confundibilidade desta
unipessoalidade.

Regime jurídico das sociedades unipessoais por quotas:


Deliberações – não há necessidade de juntar um ou mais sócios para deliberar, pois só existe um. A
vontade societária confunde-se com a vontade do sócio único. As assembleias gerais são substituídas
pela vontade do socio único  Art. 270.º-E CSC.
Contratação da sociedade unipessoal – a grande preocupação é a seguinte: tendo em conta que a
vontade da sociedade é a vontade do sócio, é necessário saber como atuar perante os negócios
celebrados entre a sociedade unipessoal e o próprio sócio  a tal questão dos negócio consigo
mesmo. Indiretamente, o sócio é o titular dos bens que a sociedade da qual é o único sócio é titular.
O art. 270.º-F CSC  aceita estes negócios, mas estes devem prosseguir o objeto da sociedade e o nº
2 fala que os negócios têm que ser reduzidos a escrito, para evitar situações de fraude. Não obstante,
é evidente que muitos contratos são forjados, mais uma vez porque há um confundibilidade entre a
vontade da sociedade e a vontade do único sócio.

Como é que se extingue a sociedade unipessoal? Art. 270.º-D CSC – Através de um ato de
dissolução, e depois segue-se a liquidação final (apuramento do saldo final de exploração).

Quando estamos a perante uma situação de sociedade unipessoal pessoal por quotas, temos sempre
que recorrer às normas do art. 270.º-A até ao art. 270.º-G do CSC.

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Sociedade unipessoal anónima – regime previsto no art. 488.º do CSC
Uma sociedade anónima pode ser unipessoal originária, mas devem ser observadas as regras
relativas à constituição de uma qualquer Sociedade Anónima, independentemente de estarmos
perante uma sociedade anónima unipessoal. Que sociedades anónimas é que se podem constituir
sob a forma de unipessoalidade? As que estão presentes no art. 481.º CSC, só essas é que o podem
fazer.
Na unipessoalidade das sociedade anónimas, o sócio único, tem que obedecer na mesma a uma
lógica de. Este artigo existia antes da criação das sociedades unipessoais por quotas uma vez que é
originário do CSC, assim sendo coloca-se uma questão sobre que analogia e que normas se podem
aplicar às sociedades unipessoais anónimas:
Portanto, tendo em conta que o art. 488.º CSC, já existe desde a criação do CSC, será que podemos
recorrer ao regime das sociedade unipessoais por quotas, presente nos artigos 270.º-A e segs. CSC, e
aplicar às sociedades unipessoais anónimas?
Nós no CSC temos uma regra muito importante que é o artigo 2.º e que postula o recurso à analogia
sempre que tal for justificado e necessário, uma analogia, claro, com as devidas adaptações. Assim
sendo, podemos recorrer a este regime, contudo este terá que ser aplicado às sociedades anónimas
com as devidas alterações.

7. Nacionalidade, personalidade e capacidade

Personalidade Jurídica

É a suscetibilidade de direitos e vinculações. Temos que encará-la como uma qualidade, as pessoas
jurídicas são dotadas de personalidade jurídica.
Nós sabemos que a personalidade jurídica das pessoas singulares dá-se com o nascimento completo
e com vida da pessoa, contudo isto não pode ser assim para as sociedades, visto que não temos esta
realidade física. Logo, no caso das pessoas coletivas, a personalidade jurídica dá-se quando esta se
constitui e começa a produzir os devidos efeitos jurídicos, logo é necessário saber que requisitos são
necessários para se constituir uma sociedade para posteriormente definirmos quando esta adquire a
personalidade jurídica.
O ato aqui em causa é o contrato de constituição, contudo, este contrato por si só não é suficiente
para lhes atribuir personalidade jurídica. Apesar do contrato ser decisivo para criar a sociedade, não
é este por si só que atribui a personalidade jurídica à sociedade. A lei determina no art. 5.º do CSC
que a personalidade jurídica da sociedade só se adquire através do registo desse mesmo contrato de
constituição da sociedade. Isto é assim por motivos de publicidade, pois como sabemos, é através do
registo que o ato ganha publicidade.

Contudo, relativamente à possibilidade de se praticarem atos antes da celebração do contrato ou à


prática de atos entre a celebração do contrato e o registo, estas questões hoje em dia já não são
muito relevantes, isto devido à eficiência que hoje em dia há entre a celebração do contrato e a
feitura do registo. Hoje em dia é um processo muito célere e que, por assim o ser, já não levanta
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grandes questões. No passado, devido à não existência da internet, estes procedimentos eram
demorosos, e tínhamos situações de se celebrar um contrato de constituição de sociedade num dia e
só 6 ou 10 meses depois este contrato estar registado, e só nesta última data é que a sociedade
adquire personalidade jurídica. Assim sendo, o CSC trata nos arts. 36.º e segs. CSC como se resolvem
estas situações de sociedades irregular ou sociedades aparentes. Contudo, não vamos entrar aqui
nesse tema visto que estes problemas já não se colocam com a mesma frequência.

Nota: só é necessário o contrato constitutivo da sociedade ser feito por escritura publica quando os
bens que realizam o capital social, assim o exigirem (ex: integrar imóveis no capital social). Caso
contrário basta um documento único.

Capacidade Jurídica

É um conceito quantitativo, é a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa jurídica poderá
ser suscetível.

A capacidade jurídica reconhece duas realidades:


Capacidade jurídica de gozo
É a medida de direitos e vinculações que uma pessoa jurídica é suscetível de ser titular ou de estar
adstrita. O que caracteriza esta capacidade de gozo da sociedade é a suscetibilidade de ser titular
(nexo de pertença efetiva) ou de estar adstrita a direitos e a deveres a deveres.

Capacidade jurídica de exercício


É a medida de direitos e vinculações que uma pessoa é suscetível de atuar pessoal e livremente (no
fundo, de exercer). No caso das pessoas coletivas, a lei especializa a sua capacidade ao objeto das
sociedades, e funcionaliza-os ao seu fim.

Numa pessoa singular, quando ela não tem esta capacidade de poder atuar pessoal e livremente
sobre os seus direito e vinculações, alguém terá que o fazer por ela, estamos a falar das hipóteses de
representação legal. No caso das pessoas coletivas, esta falta de capacidade de exercício é suprida
pelo art. 170.º do CC.

A capacidade de gozo das pessoas coletivas está balizada à prática de atos que correspondam ao seu
objeto e com uma finalidade lucrativa. Contudo, depois da lei ter este cuidado de limitar a capacidade
de gozo das pessoas coletivas, o que a lei faz é que não pudesse haver uma limitação quanto ao
exercício dos direitos. Apenas a capacidade de gozo é que é limitada (art. 6.º do CSC)

Art. 6.º CSC


N.º 1: retoma o art. 160.º do CC. A capacidade da sociedade está dependente e tem que ser de
acordo com o fim prosseguido pela sociedade. Por exemplo, tendo em conta que as sociedades têm
um fim lucrativo, à partida estas não têm capacidade para fazer doações, dada a natureza não
60
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lucrativa destas.

Contudo, nem todas as doações se podem dizer desconformes ao fim lucrativo da sociedade, pois
podemos ter doações com um efeito publicitário e que poderão ter algum fim lucrativo. Por fim, estas
doações têm sempre que obedecer a um princípio de proporcionalidade, ou seja, uma empresa que
lucre 10M€, não poderá fazer uma doação de 9M de euros, pois isto seria extremamente
desproporcional.
N.º 3: a lei considera contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a
dívidas de outras entidades, uma vez que não uma qualquer lógica de conexão entre a prestação de
uma garantia pessoal.
Ex.: Quando uma sociedade presta uma garantia pessoal e esta não está relacionada com o ato da
sociedade, ou seja, não uma qualquer contrapartida, numa sociedade que tem um fim lucrativo, isto
não poderá acontecer

Nacionalidade
É o nexo de pertença efetiva de um cidadão a um determinado Estado. Aqui o critério da atribuição
da nacionalidade é a sede efetiva da sociedade – Art. 3.º CSC.
Não há impedimentos para que a sociedade mude de nacionalidade, contudo, a lei exige uma
votação para esta mudança de nacionalidade da sociedade e que haja uma maioria particularmente
elevada (75% do capital social) para que possa haver esta mudança. Quem votar desfavoravelmente
poderá desonerar-se da sociedade.

02.03.2022

8. Capital social e património societário

O capital social, no fundo, corresponde à soma das participações dos sócios, dos contributos que os
sócios dão para a sociedade para que ela disponha de um acervo de bens que lhe permita prosseguir
a sua atividade. Esta soma das participações dos sócios é representada por uma cifra, um número,
expressa em moeda corrente em Portugal, neste caso, o Euro – art. 14.º CSC.

É uma menção obrigatória do contrato de sociedade comercial, exceto no contrato de sociedade em


nome coletivo em que não haja sócios de capital. É a única verdadeira exceção – quando só haja
sócios de indústria. Isto pode acontecer.

É o art. 9.º CSC que dispõe sobre as menções obrigatórias do contrato de sociedade. Se abrirmos
este artigo vemos que a identificação do tipo societário é uma menção obrigatória – da identificação
do tipo social resulta a própria firma, resulta o tipo societário. E depois há outras menções
obrigatórias no contrato de sociedade, entre elas, desde logo, a sede (o domicílio da sociedade) e
para além disso, também o objeto social, isto é, a atividade que a sociedade se propõe a prosseguir –
vai ser determinante para delimitar a sua atividade.

61
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Qual é que é a importância do domicílio? Para sabermos onde a sociedade se deve ter por
contactada. Essa é a importância de as pessoas jurídicas terem um centro de vida, que é definido
como o seu domicílio que nas pessoas singulares se chama residência e que nas SC e PC se chama
sede – é para saber onde é que se têm por produzidos os atos jurídicos que tenham uma finalidade
comunicacional.
Ex.: Por exemplo, se eu quero propor uma ação contra a sociedade. É relevantíssimo saber onde
fica a sua sede. Saber onde vou solicitar que aquela sociedade seja citada para, querendo, se
opor à dita ação.

Menção do capital social – art. 14.º CSC

Vemos que o capital social é uma cifra constante numérica expressa em moeda corrente.
 Constante
o Mantém-se sempre
o é formada pela soma de todas as entradas dos sócios
 é a cifra que corresponde ao património de arranque da sociedade.
 Mesmo que nem todas as entradas sejam imediatamente realizadas, mesmo que algumas das
entradas a que os sócios se comprometem sejam meras promessas de realização, o crédito
que a sociedade tem sobre o sócio também é parte do seu património de arranque. É um
ativo de que aquela entidade vai dispor.

Património social

No momento do arranque, tendencialmente, o capital social corresponde ao património social. Ou


seja, o montante das entradas dos sócios é equivalente ao património societário. O património é o
complexo de direitos e vinculações da sociedade num certo momento. Do ponto de vista
económico, o conjunto de bens de que um determinado sujeito é titular num certo momento. No
momento zero, é precisamente formado pelo conjunto desses bens.

Ou os bens em espécie, diferentes dos em dinheiro, são entregues à sociedade. Um sócio que não
tem dinheiro e quer entrar com um bem imóvel, um terreno para a sociedade construir a sede social,
transmite o terreno para a sociedade, faz uma entrada em espécie, ou em dinheiro e no que diz
respeito às entradas em dinheiro, porque as entradas em espécie não podem ser diferidas no
tempo, a lei admite que possam ser diferidas até um certo montante – o montante correspondente
ao máximo de 70% da totalidade da entrada – e devem ser realizadas no prazo máximo de 5 anos.

Qual é a importância desta cifra constante numérica expressa em euros, que corresponde à soma
das entradas de todos os sócios? Esta cifra dá a conhecer ao mercado, em geral, qual o nível de
responsabilidade daquela pessoa coletiva. No fundo, quanto é que aquela PC congregou ou
congregará, em razão do capital todo que constituiu, quanto é que tem para se posicionar no
mercado.
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Em princípio, o que ela deve ter é os meios necessários e adequados para poder prosseguir a
atividade que se propõe realizar. E por isso, vamos dar exemplos:
 Se eu quiser constituir uma sociedade para abrir um estabelecimento comercial
o Preciso de reunir os bens necessários para essa finalidade
 Se o estabelecimento for situado num local arrendado
o Preciso de dinheiro para poder pagar as rendas
o Preciso de dinheiro para contratar pelo menos um trabalhador ou mais
o Preciso de dinheiro para fazer as primeiras encomendas
o Preciso de dinheiro para promover a decoração do estabelecimento
 É claro que este preciso de dinheiro é relativo porque eu posso eventualmente recorrer a um
financiador que me disponibilize esse dinheiro, ou parte dele.
o Agora, em bom rigor, na pureza das ideias, esta é que é a lógica:
 Arrancar com o capital que é necessário para prosseguir uma atividade.
 E se eu quiser constituir uma empresa não apenas com um estabelecimento, mas com dois ou
três? Campo de Ourique, Chiado e Avenidas Novas
o Se o fizer faseadamente, mesmo que um estabelecimento me custe 100.000€, eu
porventura não vou precisar de 300.000€ de capital, porque se o fizer faseadamente
eu posso entretanto chegar a meios para suportar o custo do terceiro
estabelecimento. Se calhar basta-me ter 2x 100.000€.
o Se o terceiro for constituído passado 2/3 anos, já quando estiver a tirar uma maior
rentabilidade do primeiro, então aí poderá fazê-lo também com financiamento
próprio.

O capital social tal como está previsto no art. 9.º CSC como menção obrigatória no contrato de
sociedade, correspondente à soma da entrada de todos os sócios, vamos agora simplificar  temos
uma sociedade com 5 sócios – quer seja SPQ quer seja SA:
 Vamos fazer uma sociedade comercial com 100.000€ de capital, em que cada um dos sócios
tenha realizado 20.000€.
o O que na SPQ é raríssimo, diga-se de passagem. Vamos centrar a análise na SA.
 Há logo uma diferença de base logo de início:
o Se a sociedade for uma SPQ e se eu quiser realizar o capital de 100.000€ a prazo,
enquanto na SPQ só preciso de realizar 5€ no momento do arranque até ao final do
primeiro exercício económico no momento do arranque – art. 203.º CSC
o Na SA tenha que realizar 30% do capital – são 30.000€ que tenho que reunir
imediatamente.
 Como o capital é realizado nas SA pelas participações em que ele se compõe, imaginando que
todas elas devem ter a priori o mesmo valor nominal, significa que estarei perante uma
situação em que eu subscrevo e realizo, por exemplo, ações de 1€ e portanto se tenho um
capital de 100.000€, vou ter 100.000 ações.
o O que não significa que tenha de ter 100.000 títulos! Um título pode englobar mais do
que uma ação – e as ações podem ter uma representação meramente escritural.
Podem ter uma representação informática, não terem portanto uma representação
física.
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 O capital social vai corresponder à soma daquelas participações. Inicialmente, tenho o sócio
A, B, C, D e E e cada um realizou 20.000€. Temos então o capital de 100.000€. O que é que
vamos fazer com este capital?
o Se ele é uma cifra constante e imutável, quer dizer que a cifra não se altera. Quando a
sociedade é constituída o capital é estabelecido, é fixado em 100.000€.
o Mas a verdade é que não tem muito sentido pegar nestes 100.000€ e colocar na
sociedade e depois eles não poderem ser utilizados. Era totalmente improdutivo.
 Então o capital vai corresponder ao património de arranque que é essencial para a sociedade
se posicionar no mercado.
o Vai ser à custa daqueles bens que lhe foram disponibilizados que a sociedade irá iniciar
a sua atividade, prosseguir a atividade comercial, que é uma atividade económica, de
forma organizada e utilizando precisamente os meios que os seus participantes lhe
disponibilizaram.
o Temos uma circunstância que se mantém constante e temos um património que é o
conjunto de bens da sociedade em cada momento, o complexo de direitos e
vinculações e vamos utilizar esse património para colocar a sociedade no mercado e
esse património vai ser o reflexo da atividade social.
 Se as coisas correrem bem à sociedade, depois do momento inicial de grandes gastos, de
grandes despesas, que é o momento correspondente ao chamado investimento, começam a
vir as receitas. Ou seja, é suposto que a partir de certa altura as receitas superem as despesas,
o E que portanto aquele montante inicial que se reuniu se venha a recuperar.

Podíamos perguntar: mas então se é assim, o que interessa verdadeiramente é o património, que é
o património que na verdade constitui inteiramente a garantia que os terceiros vão ter
relativamente àquela sociedade?!

Se eu financiar aquela sociedade como terceiro, interessa-me saber qual é o património que ela tem.
O facto de estar lá escrito que quando ela começou tinha 100.000€ não é nada que me sossegue,
sobretudo se ela fez investimentos desastrosos. Assim, durante a vida da sociedade é o património
que vai assegurar a satisfação, em relação a qualquer pessoa jurídica, do giro comercial daquela
sociedade. A satisfação das obrigações que a sociedade em princípio venha a contratar.

Então qual é a importância de haver esta cifra? De se identificar esta cifra? Para além dela
corresponder a uma adequada previsão do montante patrimonial que aquela sociedade carece
para prosseguir a sua atividade, vai constituir de algum modo uma medida de responsabilidade da
sociedade. Ela vai dar uma indicação ao mercado, designadamente, por ser o ponto de referência
relativamente à variação patrimonial de que as coisas estão a correr bem ou mal.
 Se o património da SC, depois de a SC estar a funcionar há bastante tempo, se situar no seu
conjunto acima do montante do capital social, a SC ganhou dinheiro.
 Se o património se situar abaixo do montante do capital social, dizemos o contrário – perdeu
dinheiro.

Então qual é a relevância de saber se a sociedade ganhou dinheiro ou perder dinheiro? Se a

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sociedade se devia constituir com um determinado capital mínimo, o capital social que existe em
cada momento numa sociedade, como é que esta cifra pode variar (se o que varia é o património)?
Pode variar se forem tomadas decisões no contexto da sociedade que possam aumentar essa cifra
ou que a possam reduzir = variações do capital.

Se o capital social é uma menção obrigatória do contrato, quer dizer que as modificações dessa
menção correspondem a alterações contratuais. Se está no contrato, eu para mudar, tenho que
alterar o contrato. Essas modificações chamam-se, em geral, variações do capital. Essas variações do
capital ocorrem em sentidos opostos. Ou por aumento e aí falamos em aumento do capital, ou por
diminuição e aí falamos em redução do capital.14

O capital social, usando uma imagem de um prof. espanhol – Joaquim Garrigues, o capital é
constituir um rio formado pelas participações dos sócios. Tem uma correspondência na água que
corresponde a todos os bens que foram disponibilizados a esta sociedade. No momento do arranque,
temos a água toda – 100.000€ de água. Quando esta sociedade funcionar, a água vai diminuir,
quando eu começar a utilizar este capital para financiar o arranque da atividade, contratar software,
hardware, instalações, pessoas, eu vou começar a gastar, ainda antes de ter receita. Se tiver receita,
temos mais água outra vez.

O mercado nunca perde de vista que esta sociedade se constituiu com esta perspetiva, com este
dique: é a perspetiva que a sociedade acha adequada, por corresponder, em princípio, ao montante
que ela vai necessitar para exercer a sua atividade.

Vimos que, se um dia olhássemos para esta sociedade e chegássemos à conclusão que o montante
que nela encontrávamos era superior aos 100.000€ do arranque, dizíamos que a sociedade tinha
gerado dinheiro, tido ganhos; se o montante estivesse aquém dos 100.000€, dizíamos que a
sociedade teria sofrido penas.

Ora, ela é constituída para gerar ganhos, com a finalidade de que aquilo que estiver acima do dique
possa ser distribuído a quem participou na constituição da sociedade. O que estiver acima do dique
são os ganhos que a sociedade vai obter – lucros que irá gerar.

A relevância do capital social tem a ver com o facto de os terceiros deverem ter a perceção se a
sociedade estiver a distribuir lucros, isto é, se estiver a jorrar água da sociedade para os acionistas
ou sócios, que aquela sociedade está numa situação positiva. Tem, no fundo, ou recuperou todo o
capital social que constituiu inicialmente e que, portanto, nós encontramos no seu património pelo
menos o montante do seu capital, porque eu só posso distribuir lucros até ao momento em que não
fique aquém do montante do capital social.

O capital é fundacional, porque é composto pelas importâncias que constituem inicialmente a


sociedade. É funcional, porque, no fundo, é feito por meios que vão ser necessários para suportar a
14
Pontos 32 e 33 do manual
65
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
atividade da sociedade, fazer face aos seus compromissos.

O capital social é a garantia que os credores têm de que não podem ser distribuídos bens que não
ultrapassem o montante desse mesmo capital. O sistema societário é construído de modo que, por
cima do capital social, paulatinamente, o dique vá sendo reforçado – para, na realidade, suster mais
água. Para que a sociedade tenha de ter mais água para poder dispor dela, para que tenha de ter
mais bens antes de poder dispor deles.

Como é que reforçamos o dique? Se eu quiser reforçar um dique, eu vou ter de colocar sacos de
areia sobre os limites de que disponho, para que impeçam a água de avançar. Não estão ligados
materialmente ao dique, mas ajudam a impedir que a água ultrapasse o seu limite. Em SC, chamamos
a estes sacos reservas – a lei exige que, na medida em que a SC tenha lucros, uma parte do seu
resultado seja necessariamente afeto à constituição e reforço de uma reserva legal, isto é, que o
montante correspondente a 5% dos seus lucros do exercício seja afeto à constituição de uma reserva
legal.

Temos que constituir uma reserva legal até que a mesma corresponda a 1/5 do capital social. Nesse
momento, deixamos de estar obrigados a reforçar a reserva todos os anos. Eu chego aqui e coloco os
sacos de areia, até que os mesmos atinjam o montante de 1/5 do capital. Quando chegamos a esse
ponto, significa que todos os bens que a sociedade adquira podem ser distribuídos.

Como é que encontro a reserva? Resulta dos arts. 295.º e 296.º CSC. Se tiver um resultado positivo,
vou afetar no mínimo 5% desse resultado à constituição e reforço da reserva legal.
Ex.: tenho 10.000€ de lucro no 1º exercício. 5% de 10.000€ são 500€. Significa que vou ter de afetar
500€ aos sacos de areia, ao recurso do dique. Até que, decorridos alguns anos – os resultados
dificilmente serão idênticos. Primeiro vou ter 10.000€, depois posso ter 100.000€ - aí, 5% de
100.000€ são 5.000€. Tenho de fazer isso até que as reservas legais perfaçam 1/5 do capital social –
neste caso, 20.000€.

Quando atingir esse valor, já não preciso de afetar mais nada à reserva legal – todos os bens que a
sociedade obtenha com a sua atividade, podem ser distribuídos. Se eu ao fim de 1 ano tenho um
ganho de 10.000€, significa que os 100.000€ do capital social já lá estão. Se eu chegasse ao fim do 1º
ano e já só tivesse 90.000, teria um prejuízo de 10.000.

Portanto, vimos que tenho de afetar 5% dos lucros do exercício à constituição e reforço da reserva
legal. Dos 10.000€ tive de fazer uma reserva de 500€. Quanto é que eu posso distribuir aos sócios
agora? 9.500€ - bens que livremente posso distribuir, porque estão acima do montante do capital
social. Ler arts. 32.º n.º 1 e 33.º.

Não é isto que a sociedade faz normalmente – normalmente, vai colocar 500€ numa reserva legal
obrigatória, vai pegar se calhar em 4.500€ e constituir uma reserva livre, que é algo que não é
obrigatório, mas fica ali por conta de eventuais prejuízos, e vai pegar em 5.000 e distribuí-los para
66
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
remunerar o capital investido.

Se são livremente distribuíveis, significa que a sociedade pode tomar uma decisão de distribuir lucros
aos sócios, mesmo sem ser a propósito do fecho das suas contas, mesmo sem ser a propósito do
momento em que ela faça o balanço anual da sua atividade, porque eles ficam lá por conta. Eu tenho
que os colocar numa rubrica, tenho de lhes dar uma expressão contabilística. 500€ vão para a
expressão contabilística reserva legal – arts. 295.º e 296.º vimos que fica indisponível.

Quanto aos 4.500€ que eles não quiseram distribuir, ficam guardados na sociedade – chama-se a isto
uma reserva livre, porque é livremente disponível; e quanto aos outros 5.000, eles distribuíram sob a
forma de dividendos. São os lucros periódicos que a sociedade teve. Esta hipótese que o professor
exemplificou é muito pouco plausível, porque no ano de arranque são muito poucas as sociedades
que fecham com lucro.

Então o que a acontece se houver prejuízo? A sociedade constituiu-se com 100.000 e teve 20.000 de
prejuízo. Significa que ela perdeu 20.000. Ela faz um balanço da sua atividade constatando, no final
do 1º exercício, que do total dos ganhos e perdas, ela fechou o exercício com menos 20.000€, que
corresponde na prática àquilo que era a entrada de um sócio neste caso.

No ano seguinte, ela vai atuar. Tem de inscrever este prejuízo no balanço. Mas repare-se que, apesar
de tudo, ela ainda tem bens. Como foi constituída com 100.000, ainda tem lá 80.000. Imagine-se que,
no segundo ano, as coisas começam a correr melhor. Vamos olhar para a situação com que se
encerrou o exercício anterior, vamos olhar para a situação contabilística que se exprimiu aí, segundo
a qual a sociedade já só tinha um ativo de 80.000. Olhando para o confronto entre o momento final
do exercício anterior e aquilo que aconteceu no segundo exercício todo, vamos ver que a sociedade
gerou um lucro de 30.000€. Ela fechou o 2º exercício recuperando o que havia perdido e
acrescentando 30.000.

O primeiro exercício foi de -20k; o segundo exercício foi de 30k. Se ela ganhou 30k no segundo
exercício, o que é que ela vai fazer? Uma coisa é óbvia – os 20k de prejuízo devem-se cobrir. Mas a lei
também determina que, havendo lucros, 5% dos lucros do exercício (30k) sejam afetos à
constituição ou reforço de uma reserva legal; e que só aquilo que não for necessário para cobrir
prejuízos ou para constituir e reforçar a reserva legal é que é verdadeiramente distribuível, isto é, os
sócios podem querer dispor dessas quantias.

A questão que se coloca é a seguinte – tive 30k de lucro. Eu posso cobrir logo os 20k, e neste caso
ainda tenho uma situação positiva, que é: vou aplicar dos 30k 1.500 à reserva legal. Portanto, tapo
um buraco, tapo um prejuízo, aplico 1.500 na reserva legal (5% dos resultados do exercício de 30k). E
os remanescentes 8.500, eu posso distribuí-los pelos sócios sob a forma de dividendos. Já vamos ver
que há limites.

No final do 2.º exercício, se eu distribuí aos sócios 8.500€, fiquei com uma reserva legal de 1.500,

67
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
tapei o prejuízo e, portanto, quando eu encerrei o 2º exercício, como é que eu fiquei realmente?
Fiquei com um capital social de 100k, bens na sociedade que correspondem a esse capital, uma
reserva legal de 1.500, bens na sociedade que correspondem a esses 1.500, e ainda distribuí 8.500.
No final do 2º exercício, eu estou com 101.500 nesta sociedade, em bom rigor.

Neste exercício, não se põem problemas de maior, porque eu tenho capital e lucros suficientes para
constituir e reforçar a reserva legal e para cobrir os prejuízos. Se eu não dispusesse de bens
suficientes para esse efeito, se eu tivesse tido, no 2º exercício, 20k de lucro, a questão que eu tinha
de colocar em cima da mesa era esta: como eu estou com 20k de prejuízo do 1º exercício, estes 20k
de lucro vão diretos para cobrir os prejuízos transitados ou eu devo retirar dos 20k 1.000, que
corresponde a 5% dos lucros do exercício, para constituir a reserva legal, e assim não consigo cobrir
a totalidade do prejuízo? Isto é discutível. Está em cima da mesa o que fazer nestes casos, há
divergências de interpretação.

Se eu no 1.º exercício tive 20k e cobri o prejuízo total, significa que fiquei mais apto no 3º exercício a
vir a distribuir bens, porque fiquei sem prejuízo para cobrir. Imagine-se que temos um 3º exercício
em que ganho 20k, + 1.000 de reserva legal, e depois, das duas uma:
 se eu tivesse coberto o prejuízo todo, na realidade, eu no 3º exercício tenho de afetar 1.000 à
reserva legal e distribuir 19k;
 se eu tivesse coberto o prejuízo no final do 2º exercício, apenas em 19k, tivesse constituído uma
reserva legal de 1.000, decorrente de eu ter tido lucros de 20k, quando eu voltasse a ter
lucros de 20k no 3º exercício, eu não tinha 19k para distribuir – precisava de afetar 1.000 à
reserva legal, passava ter uma RL com 2.000; precisava de cobrir ainda 1.000 de prejuízos
transitados, que ainda vinham de trás, que ainda não tinha coberto, e só podia distribuir 18k.

Há 2 maneiras de fazer esta contabilidade, mas, na verdade, elas não conduzem ao mesmo
resultado. Do ponto de vista do interesse da sociedade, é preferível que, havendo lucros, seja
imediatamente constituída e reforçada a reserva legal, porque isso, no fundo, dificulta a distribuição
de bens, e o interesse da sociedade é que esta distribua menos bens e que fique adequadamente
capitalizada.

Do ponto de vista dos interesses dos sócios, se eu começar por cobrir os resultados transitados
(negativos), significa que mais facilmente vou conseguir distribuir resultados no futuro, quanto tiver
resultados positivos.

Variações do capital

Durante a vida da sociedade, esta constitui-se com um determinado conjunto de bens. Vai afetar esse
conjunto de bens à sua atividade, mas muitas vezes ela precisa de mais bens. Muitas vezes, ela chega
à conclusão que houve uma perspetiva económica errada e que, afinal, aquilo que ela pensava ser
suficiente é insuficiente. Portanto, carece de mais meios financeiros.

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Ou uma situação diferente, em que tudo correu tão bem que a sociedade pretende expandir-se. A
sociedade constitui-se para abrir 2 ou 3 estabelecimentos e correu tudo tão bem que a sociedade
quer aumentar.

Aí, eu posso fazer aquilo que se chama um aumento do capital social – são variações positivas do
capital social, desta cifra expressa em dinheiro que é uma menção obrigatória do contrato de
sociedade, e que correspondeu à soma das entradas de todos os sócios.

Eu posso querer aumentar esta cifra por mais do que uma modalidade. A modalidade que
proporciona à sociedade um crescimento imediato é o aumento de capital por entradas. Estas novas
entradas podem ser com dinheiro ou em espécie (bens suscetíveis de avaliação pecuniária, que não
sejam impenhoráveis e que sejam diferentes de dinheiro). Portanto, dessa maneira, vou dotar a
sociedade de mais meios, por exemplo, dobrando o seu capital social.

Mas há uma outra modalidade, que não pressupõe carrear para a sociedade novos bens, mas que lhe
permite consolidar definitivamente na sua estrutura meios de que ela já dispõe – aumentos por
incorporação de reservas.

Os exemplos que vimos não servem, porque as reservas eram completamente exíguas. Mas imagine-
se que uma sociedade tem, por um lado, a sua RL já correspondente ao montante de 1/5 do capital
social – 20k na RL. Mais do que isso, ao longo da sua vida, foi conservando ganhos que não quis
distribuir aos sócios, porque considerou que seria uma garantia importante manter esses bens
consigo, para efeitos de investimentos e riscos futuros, e que a sociedade teve ainda mais 30k de
reservas livres, que foi voluntariamente colocando lá. A sociedade tem mais 50k ali disponíveis, e
pode querer incorporar essas reservas livres e legais no seu capital. Aí, passa de um capital de 100k
para um capital de 150k.

Daí resulta que, do ponto de vista económico para os sócios, esta operação é neutra, pelo menos em
termos imediatos. Eles tinham, cada um, 20k participações num capital que se exprimia em 100k
ações. Agora vão passar a ter 20k ações de um capital que vai valer 150k. Aqui tenho 2 hipóteses,
quando aumentei o valor do capital:
 ou aumentei o valor das ações que já existia, e passaram todas a valer mais 50%, uma vez que
este aumento do capital é no valor de 50% da totalidade do capital;
 ou emiti 50k novas ações, e aí passei a ter 50% mais ações.

Mas a operação é absolutamente neutra, porque é proporcional ao capital que se tem. Mais: antes
do aumento do capital, tínhamos dito que as 20k ações valiam, provavelmente, já 30.000€. Aquela
sociedade tinha-se constituído com 100.000€ de capital, já tinha 20.000€ de reservas legais, mais
30.000€ de reservas livres – ela já valia 150.000€. Quer dizer, cada uma das minhas ações já se tinha
valorizado em 50%.

Portanto, a operação que eu venha a fazer por incorporação de reservas é neutra. Eu vou consolidar
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no dique os sacos de areia. Se eu fizer isso, eu subo definitivamente o nível do dique. Desse modo, eu
vou dificultar a distribuição de bens, porque só posso distribuir bens acima dos 150k. Daqui retiro
uma coisa: as operações de aumento do capital são operações que satisfazem essencialmente
interesses de terceiros, não dos sócios. Quanto mais elevado for o capital, mais difícil é os sócios
retirarem bens, porque a sociedade tem de ter no seu interior bens suficientes para cobrir o
montante do capital e das reservas legais que, entretanto, se voltarem a constituir.

03.03.2022

Reserva legal (cont.)

Art. 295.º CSC  vamos ter que saber quanto é que tem de ser afeto à reserva legal e até que
montante é que a vamos reforçar quando ela começar a ser constituída, até ao momento em que
deixaremos de ter que afetar parte do resultado do exercício a esse efeito.

Vimos também que quando o exercício termina, isto é, quando apuramos o resultado, se o resultado
for positivo, os sócios não são obrigados a aplicar a totalidade do resultado que possam distribuir.
Também já sabemos que há uma parte que eles não podem distribuir. Não podem distribuir se
houver resultados transitados negativos, isto é, se a sociedade no passado tiver produzido
resultados negativos que ainda não foram entretanto cobertos, caso esse em que eles primeiro,
antes de poderem disponibilizar os bens, têm de proceder à cobertura desses resultados
transitados, e não vão puder também dispor da quantia que seja necessária para constituir e reforçar
a reserva legal nos termos do art. 295.º CSC.

Nas sociedades por quotas, a regra aplicável à reserva legal é do art. 218.º CSC. O art. 218.º n.º 2
remete para os arts. 295.º e 296.º CSC, o que significa que a solução para as SA e por quotas está
nestes dois artigos.

O art. 218º n.º 2 diz-nos que a reserva legal tem que ser no mínimo de 2.500€. É uma coisa
estranha, porquê? Porque é algo que está desenquadrado do capital social mínimo que uma
sociedade por quotas tem de ter. Uma SPQ tem de ter um capital social mínimo correspondente a 1€
por cada sócio. Por isso, se a sociedade por quotas tiver 5 sócios, ela tem de ter um capital mínimo de
5€, então há algo de um pouco estanho: ter um capital social de 5€ e vir ter de formar uma reserva
legal obrigatória com um montante muito superior a 5€.

Mas porquê esta discrepância? Por uma razão histórica, antes de ser liberalizado, ou antes de se ter
tornado meramente simbólico o capital social nas sociedades por quotas, o capital social mínimo de
uma sociedade por quotas era de 5.000€ e por isso neste contexto o art. 218.º tinha algum sentido.

Era uma forma de comunicar ao mercado que podiam constituir uma sociedade por quotas por

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5.000€, mas mesmo que fizessem com 5.000€, nessa circunstância tinham de formar uma reserva
legal de 2.500€, ou seja 50%. A mensagem no fundo era a seguinte: quando o capital social de uma
sociedade por quotas não fosse muito elevado, tinha que ter apesar de tudo uma reserva legal de
2.500€, por isso consumava-se dizer que só a partir de um capital social de 12.500€ é que a reserva
legal global mínima passava a ser de 20%, até aí era superior a 20%.

Só que o legislador não mexeu este n.º 2 do art. 218º quando criou as sociedades por quotas com o
capital simbólico. Mas continua a dúvida e por isso abrimos duas hipóteses:
 1. Ou se entende que o legislador se esqueceu, e por isso através de um interpretação
ab-rogante15, desconsideramos este valor, o que para o Prof. POC parece excessivo. Até
porque desde 2011 quando foi introduzido a sociedade por quotas com o capital
simbólico já houve muitas alterações do CSC. Ou seja, já tinha havido tempo para
corrigir definitivamente esse lapso de escrita.
 2. Ou porque o legislador entendeu que mesmo que a sociedade se constitua com um
capital simbólico, não é pior que ela tenha de formar uma reserva legal obrigatória de
2.500€, como quem diz, ela só poderá vir a distribuir lucros se porventura já tiver
formado essa reserva mínima legal obrigatória, porque pode ainda não ter conseguido
fazer.
o Mas se já tiver esta reserva legal mínima obrigatória de 2.500€, ela só pode vir a
distribuir lucros se tiver uma situação líquida superior a estes 2.500€.

O que é a situação líquida?

Corresponde a um conceito mais recente/moderno de capital próprio: corresponde ao conjunto de


bens que a sociedade dispõe com estabilidade. Esses bens devem no fundo corresponder pelo
menos ao montante do capital social e das reservas legais que entretanto se tenham constituído.

Assim sendo uma parte do resultado é indisponível. Vamos estudar a propósito do direito aos lucros
- direito fundamental dos acionistas e dos sócios, para o Prof. POC o mais importante de todos, é o
escopo/finalidade mais presente na constituição de uma sociedade comercial. Quando estudarmos o
direito ao lucro vamos ver que aos sócios não é garantido todo o resultado distribuível. Isto é, todo
o resultado que possa ser disponível ao sócios, não lhes tem de ser necessariamente atribuído.

Os sócios podem chegar ao final do exercício, já não terem prejuízos por cobrir ou não terem de
constituir ou reforçar a reserva legal e no restante:
 1. Ou distribuir tudo o que quiserem sob a forma de lucros ou dividendos (os
dividendos são os lucros distribuídos no contexto de uma SA).
 2. Ou podem não distribuir tudo, conservar na sociedade parte do resultado, e como no
fundo esses bens correspondem a bens que podiam ser livremente disponibilizados, nós
chamamos reservas livres.
15
É aquela em que o intérprete reconhece que o sentido da lei é indecifrável, ou seja que é impossível
determinar o seu conteúdo.
71
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Reservas livres

Tais bens vão integrar uma conta que é conta das reservas livres. O que é que quer dizer reservas
livres relativamente às reservas legais previstas no art. 295.º CSC?

São no fundo os meios financeiros acumulados que os sócios podem dispor livremente a todo o
tempo desde que a maioria assim o deseje. Elas também servem para cobrir os prejuízos à frente
das próprias reservas legais e isso resulta da própria lei. Quando a lei fala da arrecadação da reserva
legal no art. 296.º CSC e diz que a reserva legal serve para cobrir perdas, serve para cobrir desde que
não haja outras reservas, porquê? Para que a garantia fique maior. A lógica é sempre que perdure a
maior garantia possível.

Assim sendo, no fundo as reservas legais são aquelas obrigatórias que se têm de formar com base no
lucro do exercício e por referência ao capital social, que vão até ao montante máximo de 2.500€
nas sociedades por quotas e máximo de 20% nas SA em geral16.

Isso significa que se eu tiver que constituir ao longo da minha vida uma reserva legal mais ampla,
quer dizer que eu obrigo a sociedade a ter uma maior estabilidade, a ter mais meios. Só acima desse
meios é que ela estará em condições de distribuir resultados. Só acima desses meios a água
ultrapassa o dique.

Reservas estatutárias; reavaliação de bens ativo do societário; oculta; fusão e cisão

Mas há outras reservas possíveis:


 1. Reservas estatutária - se o contrato de sociedade previr que do resultado anual, uma
pequena parte deve ser aplicado aquilo que se chama reserva estatutária: reserva que é
imposta pelo próprio contrato da sociedade, é um reforço dos meios da sociedade.
o Cláusula contratual prevista no contrato de sociedade nos termos do qual todos os
anos, 5% dos lucros do exercício devam ser canalizadas para uma reserva
estatutária. Há assim uma espécie de reforço da própria reserva legal.
 2. Reservas de reavaliação de bens do ativo societário – ativo societário que se encontra
imobilizado. O que é isto? Há bens adquiridos por um determinado preço que com o
decorrer do tempo, esses bens adquirem uma valorização que é superior ao seu custo de
aquisição. Bens esses que são inscritos no balanço, ou seja, nas contas da sociedade pelo seu
custo de aquisição.
o A lei societária admite que por lei, possa ser autorizada pontualmente a reavaliação
dos bens do ativo imobilizado da sociedade – bens que pertencem à sociedade. E
que se conclua por exemplo que aquele imóvel que está na baixa lisboeta, inscrito
16
Num banco não são 20%, são 100%. Porquê? O capital social mínimo de um banco não é de 50.000€,
é de muitos milhões de euros.
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pelo valor de 500.000€, agora valha 1.5M.
o Assim sendo, desta reavaliação vai no fundo ser canalizada para uma reserva legal
especial, correspondente à diferença entre do valor que o bem estava inscrito nas
contas da sociedade e o valor que resultou dessa reavaliação.
 3. Reservas ocultas - que não são imediatamente detetáveis. Como é que se forma uma
reserva oculta? As reservas ocultas são aquelas que resultam da diferença positiva entre o
valor real de um bem e o valor que foi estimado quando esse bem foi entregue à
sociedade. Isto é, se eu entreguei um bem à sociedade que foi valorizado em 250.000€ 17 - se
o bem foi avaliado em 500.000€ mas na realidade vale 750.000€, significa que a sociedade
tem uma reserva oculta de 250.000€. Oculta porque ela não resulta das suas contas, não
está contabilizada.
 4. Reservas de fusão ou reservas de cisão - a fusão e cisão de sociedades são duas das suas
maiores alterações estruturais.

Reservas de Fusão

Como o nome indica a fusão de sociedades consiste na reunião de 2 ou mais sociedades numa só
sociedade, sociedade essa:
 Eventualmente nova - a fusão é de algum modo constitutiva quando corresponde a uma nova
sociedade.
 Ou na absorção por uma sociedade de 1 ou mais sociedades, daquilo que se chama a
incorporação dessas sociedades – elimina com isso a autonomia e a personificação jurídica
da sociedade participada.
o Portanto os elementos que integram os ativos dessas sociedades vão todos ficar sob
uma única sociedade. Ou seja, partindo de duas ou mais sociedades eu fico no final
apenas com uma delas. Isso significa que há vários sujeitos que desparecem da OJ.

Porque que é que pode haver reservas de fusão?


Ex: Fusão de 2 sociedades, uma tem um capital social de 200.000 e outro tem um capital social de
400.000. Se elas reunissem os respeitos capitais sociais, tínhamos uma sociedade nova com
600.000€.

Ora sucede-se muitas vezes que quando se realiza uma fusão, se chega à conclusão de que a soma
desses capitais é manifestamente excessiva para aquilo que a sociedade pretende fazer, até porque
as sociedades em causa já se encontravam no mercado. Então podemos olhar para estas duas
sociedades e concluir porventura que o capital mais adequado que deva resultar da junção das duas
não seja os 600.000, mas por exemplo 500.000.

Mas então ficam de fora 100.000€? O que é que vamos fazer a esses 100.000€? Vamos reconduzi-los
17
Quem compete proceder a esta avaliação, vamos ver quando estudarmos as entradas em espécie,
são os Revisores Oficias de Contas, que promovem esta valorização/avaliação.
73
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a uma rúbrica contabilística que são as reservas de fusão – reservas que resultam da operação de
fusão.

Reservas de cisão

E se tiver lugar uma operação oposta? Cisão:


 1. A cisão simples é a separação de uma sociedade em 2 sociedades.
 2. Dizemos simples porque muitas vezes estas operações estruturais são conjugadas, ou seja,
separamos uma parte da nossa sociedade para com essa parte juntá-la a uma sociedade que
já existe – cisão fusão.

A cisão também pode vir a dar lugar a reservas de cisão, se porventura pela cisão o capital ficar
superior àquele que deveria ser relativamente aos meios que estão disponíveis. Esta é situação
muito mais rara do que nas reservas de fusão.

Tenho uma sociedade com 600.000 de capital social. Quero separar uma parte desta sociedade, e
portanto como é que eu posso promover uma cisão? A cisão tem de ter por objeto a alienação de
uma parte da atividade da sociedade que corresponde a um objeto diferente do objeto
remanescente. Isto é, uma cisão não é uma simples separação de ativos, ex: metade dos bens ficam
numa sociedade e outra metade fica para outra – isto não existe. Uma cisão é por exemplo dizer que
parte dos bens ficam numa sociedade imobiliária e a outra parte fica na sociedade que realiza uma
operação comercial de distribuição por exemplo.

Quando é que na cisão consigo ter reservas de cisão?


Ex: 600.000 numa sociedade, crio outra sociedade com uma atividade diferente da sociedade cindida,
e portanto tendo 600.000, vou ficar com 400.000 de capital numa sociedade e 200.000 noutra. Se
acontecer isto não há reservas nenhumas – situação mais recorrente.

Mas se eu tiver de diminuir o capital da última sociedade, 200.000 é muito para prosseguir a
atividade pretendida, então eu só tenho reservas se chegar à conclusão que: por efeito desta
operação, aquelas sociedades envolvidas têm mais capital do que deveriam ter. Então se quiser
prosseguir a atividade com duas sociedade de 200.000 cada uma (400.000 no total), então tenho de
afetar os 200.000 remanescentes a uma reserva de cisão – situação muito mais rara que nas
reservas de fusão.

Exercício

Ano 1 – prejuízo de 250 mil


Vamos supor que temos uma sociedade com 1 milhão de capital social e vamos supor que esta
sociedade no 1º exercício – naquilo que é o ano comum, porventura não é um exercício completo, o
exercício social corresponde a um período de vida da sociedade que é jurídico-economicamente,
74
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por referência ao qual é apurado o desempenho que a sociedade está a ter em cada momento e
designadamente se os seus resultados são positivos ou negativos – teve um prejuízo de 250 mil€.

O que é que quer dizer termos um prejuízo de 250 mil€?


Quer dizer que feito o balanço da atividade desta sociedade no final do ano 1 - assumindo que o
exercício social corresponde ao ano civil (regra mais comum em Portugal), e por isso o exercício social
encerra-se no dia 31 de dezembro de 2019 – esta sociedade teve um prejuízo de 250.000€. É
recorrente isto acontecer – há uma série de investimentos que não têm nenhuma contrapartida
imediata.

Ano 2 – lucro de 200 mil


Vamos supor que no ano 2, ano absolutamente inteiro que vai de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, a
sociedade apresenta um lucro de 200 mil. A sociedade com este lucro de 200.000€ ainda não
conseguiu cobrir os prejuízos do ano1. Ou seja, no final do ano2, esta sociedade, relativamente ao
investimento social que foi feito nela, ainda está a perder os 50.000€ (250.000€ ano1 – 200.000€
ano2).
Nós tivemos 200.000€ de lucro e o Prof. POC disse-nos que quando há lucros, nós temos de procurar
formar uma reserva legal, nos termos do art. 295º, mas aqui temos de cobrir os prejuízos
transitados. E por isso a questão que ficou em cima da mesa na última aula foi essencialmente o
seguinte:
Situação A – prejuízos de 50.000€ (só cobri os prejuízos)
Primeiro devíamos procurar afetar os resultados a cobrir tanto quanto possível os prejuízos
transitados? Se estivermos na situação A como vamos ter que cobrir prejuízos transitados e não
tivemos resultados suficientes, ficaram 50.000€ por cobrir, mas não ficou nada em reserva legal
(250.000€ ano1 – 200.000€ ano2).
Situação B – prejuízos de 60.000€ (cobri os prejuízos + reserva legal)
Tivemos 200.000€ de lucros do exercício, olhando para o art. 295.º vamos afetar 5% destes 200.000€
a reserva legal. Portanto vamos ter uma reserva legal de 10.000€ (5% de 200.000€), e vou ficar com
190.000€ de resultado positivo (200-10=190). Portanto na situação B fico com prejuízos de 60.000€
(250 – 190 = 60).

É indiferente como iremos ver em termos de balanço, porque menos 60.000 - 10.000 = 50.000, igual
ao que está na situação A. Esta operação parece absolutamente neutra, mas elas não é, porque se
começarmos por constituir a reserva legal, desde que tenha lucros (tomamos esse pressuposto
como garantido) e não começarmos por cobrir na totalidade os prejuízos, vamos ter no futuro mais
dificuldades em distribuir os lucros da sociedade. Precisamente porque já tive a afetar a uma reserva
legal que não posso distribuir, resultado que na situação A utilizei apenas para cobrir os prejuízos
(utilizei os 10 mil não para constituir a reserva legal mas sim para abater o prejuízo).

Como é que vamos ver que os sócios vão ter mais dificuldade em distribuir os lucros? Vamos olhar
para o Ano 3.

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Ano 3 – lucro de 250 mil
Tive 250.000€ de lucros do exercício. Agora vamos ver como é completamente diferente a
disponibilização do dinheiro consoante tenhamos seguido a situação A ou a situação B.

Situação A
Se seguimos o caminho A, dos 250.000€, disponibilizamos para a reserva legal que era 0, 5% –
12.500€ e vamos ter que cobrir os 50.000€ de prejuízo. Então vamos ter lucros distribuíveis de
187.500€ (250.000 - 50.000 de prejuízos - 12.500 de reservas legais).

Situação B
Vou ter que colocar reserva legal exatamente a mesma coisa, 5% dos 250 mil. Assim sendo, vou por
em reversa legal os 12.500€, só que vamos ficar com uma reversa legal de 22.500€ porque já
tínhamos uma reserva legal de 10.000€ (10.000+12.500).
E quanto é que vamos ter de lucros distribuíveis? Em vez de termos 187.500€, só vamos ter
177.500€ - dos 250.000 tive que afetar 60.000 para cobrir os prejuízos transitados da situação B, fico
com 190 mil, e destes 190 tiro 12.500 da reserva legal.

Do ponto de vista de quem quer disponibilizar os bens, que são os sócios, a situação mais favorável
para os sócios é situação A – mais lucros distribuíveis, 187>177. Do ponto de vista da sociedade e
dos credores a situação B é a mais favorável, porquê? Porque só podemos entregar 177.500€ e
porque a sociedade fica com 22.500€ na reserva legal e não só com 12.500€.

Imagine-se que os sócios estão todos de acordo em não distribuir nada. São lucros distribuíveis mas
eles dizem: vamos capitalizar a sociedade, pode ser importante para o futuro, pode vir aí uma crise e
a sociedade aí vai precisar de dinheiro. É por isso melhor deixar o dinheiro na sociedade: se os sócios
tirarem 100 mil da sociedade e tiverem que pagar 20 mil de imposto só ficam com 80 mil. Se a
sociedade vier a precisar de dinheiro, em vez de 100 só temos 80, 20 para o Estado. Por isso é
preferível que os bens fiquem na sociedade.

Vamos imaginar que os 187.000€ e os 177.500€ eram reservas livres. Como podemos ver, no final do
dia, se não houver distribuição, os capitais próprios da sociedade são exatamente iguais na situação
A ou B: Situação A - 187.500+ 12.500= 200.000; Situação B - 177.500 + 22.500= 200.000

Em qualquer dos casos são 200.000€. Mas há uma diferença entre a situação A e a situação B.
Enquanto na situação A os sócios podem se quiserem dispor destes 187.000€ porque são reservas
livres, na situação B só podem dispor de 177.500.

Não há aqui uma métrica. Há quem entenda que se deve começar por cobrir os prejuízos na íntegra e
há quem entenda que havendo lucro no exercício devemos logo por começar a formar a reserva
legal. O Prof. POC defende esta 2ª posição, porque entende que o interesse do mercado e da
circulação é de não devermos criar uma situação que facilite a saída dos bens da sociedade para os

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sócios.

Princípio da intangibilidade do capital social, art. 32.º n.º 1 CSC

Princípio jurídico-societário porventura mais importante de todos. O capital não paga dividas, o
que paga dívidas é o património, o que paga dívidas são os bens que efetivamente existirem na
sociedade. O capital apenas garante aos credores que se tiver a ocorrer uma distribuição de bens,
que na sociedade irão permanecer pelo menos bens ou ativos correspondente ao montante do
capital social acrescido das reservas legais entretanto constituídas. Garantia de saúde, garantia de
que aquela sociedade está acima daquilo que nela foi investido.

O art. 32.º n.º 1 estabelece o princípio da intangibilidade do capital social. No momento presente
falar de intangibilidade do capital social significa o quê? Intangibilidade significa que uma realidade
não pode ser apropriada, assim sendo, intangibilidade do capital social significa que a sociedade não
pode livremente dispor dos bens que são necessários para preencher o montante do seu capital
social e das ditas reservas legais obrigatórias. A intangibilidade do capital social não está apenas no
art. 32.º, mas está sem dúvida no art. 32.º - a principal regra é a deste mesmo preceito.

Art. 32º CSC - Limite da distribuição de bens aos sócios


N.º1 - Sem prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos
aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do
exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma
do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se
tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição.

A intangibilidade do capital social significa que certos bens, como são absolutamente necessários
para realizar esse capital e as reservas obrigatórias, são bens que não podem ser disponibilizados
aos sócios – que é no fundo quem deseja receber os bens que a sociedade gerou.

Mas a intangibilidade não teve sempre este significado tão claro como tem hoje. Quando surgiu o
reconhecimento que as pessoas físicas e singulares poderiam afetar parte do seu património à
constituição de um património autónomo, para a custa desse património prosseguirem uma
atividade económica de natureza mercantil, inicialmente não se concebia sequer que esse
património autónomo representasse uma pessoa jurídica diferentes dos sócios que o formavam.

O que se colocou inicialmente, e é aí que nasce a tal ideia de separação e de intangibilidade,


colocava-se em relação aos credores pessoais dos sócios. Os sócios também tinham credores
pessoais resultantes da sua vida, e o que se começou a discutir inicialmente era se um credor pessoal
do sócio tinha direito de se fazer pagar pelos bens que o sócio havia disponibilizado há sociedade?
Isto é, pelo património da própria sociedade?

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Esta é a lógica que está subjacente a todas as sociedades, especialmente às que são responsabilidade
limitada. Um credor de um sócio de uma sociedade de responsabilidade limitada, nunca poderá ter
acesso direto aos bens da própria sociedade – estes são na realidade bens que pertencem à
sociedade. Quando muito poderá ter acesso à participação social em que se exprime a participação
do sócio.

E mesmo nas sociedades em nome coletivo, os credores podem ter acesso às partes sociais, a
participação que o sócio tem, mas não aos bens que integram o acervo societário, porque são
entidades diferentes dos sócios. Não há uma confundibilidade patrimonial entre o património e o
património do próprio sócio.

Quando este princípio surgiu a maior das preocupações era de segregar a responsabilidade do
património social, relativamente às dívidas de caráter pessoal dos próprios sócios. Hoje em dia,
mais do que isso, evolui-se ao ponto de se considerar que os sócios não devem validamente de
dispor de certas quantias se elas não corresponderam a bens que não livremente disponíveis.

Nota: Os lucros não têm de ser apenas distribuídos apenas em dinheiro, também podem ser
distribuídos em espécie, desde que os sócios estejam disponíveis para aceitar.

Visto o art. 32.º vamos ver o art. 33º que tem por epígrafe: lucros e reservas não distribuíveis. O art.
33º torna claro que os tais lucros que sejam necessários para cobrir os prejuízos transitados e que
sejam necessários para compor a reserva legal, nunca podem ser distribuídos.

Art. 33º CSC: N.º1 - Não podem ser distribuídos aos sócios os lucros do exercício que sejam
necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas pela lei
ou pelo contrato de sociedade.

O que é que acontece atualmente com o princípio da intangibilidade do capital social?


- Sofre um grande abanão com as sociedades por quotas com capital simbólico. Porque se podemos
ter uma sociedade com um capital social de 1€ ou 2€, mesmo que tenha de ter uma reserva legal até
ao montante de 2.500€, art. 218º n.º2 CSC, na prática esta ideia de aqueles bens perduram na
sociedade é uma ideia que vai ceder. O capital simbólico vem a colocar em crise o princípio da
intangibilidade do capital social.

Aqui percebemos que uma das três grandes diferenças entre a SPQ e as SA centra-se na
capitalização, que está a desaparecer na SPQ. Há assim uma certa descredibilização de uma
estrutura com esta natureza – como é que um credor hoje olha para uma sociedade por quotas? Qual
é a diferença para um credor entre uma sociedade por quotas que tem 100.000€ de capital social e a
SPQ que tem 5€ de capital social? A primeira, quando distribui lucros, significa que pelos menos
100.000€ lá ficam. A última fica lá só com 5€.

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Contabilidade Financeira

Todos os anos deve-se fazer uma balanço da atividade social. O balanço é o resultado condensado da
atividade da sociedade ao longo de um determinado período. Por isso há um balanço todos os anos,
por cada exercício – exprimem sempre o que a sociedade tem em cada momento.

Nós no balanço temos o ativo e o passivo e temos de ter o mesmo resultado no ativo e no passivo. E
é isto que explica, isto e o facto de o capital social ser intangível, que o capital social seja uma cifra
imutável inscrita no lado passivo do balanço.

Voltando ao exercício  Balanço de arranque – momento 0


Ativo – 1M
- Depósito à ordem que tinha 800 mil.
- Imóvel de 200 mil
Passivo – 1M
- Capital social de 1 M

Vamos constituir uma sociedade com 1 milhão de euros de capital social. Este 1M são as entradas
que os sócios disponibilizaram que formam o montante do capital social. Temos 5 sócios, cada um
realizou 200.000€. Quatro entregaram 200.000€ em dinheiro e o quinto entregou um imóvel com o
valor de 200.000€ - o valor deste imóvel é certificado como determina a lei nos termos dos arts. 25.º
e 28.º CSC18.

Vamos meter 1 M no passivo. Porque é que metemos 1 M no passivo?


Porque se colocássemos o 1 M no ativo então poderíamos distribuí-lo, mas nós não podemos
distribuir o capital social, não podemos dispor dele.
Para onde é que vão os 1 M do capital social?
Para depósitos à ordem no ativo – 800.000€ e vão para um imóvel – 200.000€. Assim sendo, no
momento do arranque, qual é o balanço desta sociedade? O balanço é de 1 M – os dois termos do
balanço, ativo e passivo, têm um resultado equivalente.
Nota: Vou ter que celebrar uma escritura pública para constituir esta sociedade uma vez que integrei
uma entrada com um bem imóvel e para transmitir o imóvel eu tenho que realizar uma escritura
pública.

Ano 1 – prejuízo de 250 mil


Ativo – 750 mil
- Depósito à ordem que tinha 550 mil.
18
Quando as entradas são feitas em espécie é preciso que alguém afira o respetivo valor, para que no
fundo não sejam os sócios a seu belo prazer a declarar o valor do imóvel. Se declarassem um valor
excessivo por exemplo, a sociedade ficava sobrecapitalizada.
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- Imóvel de 200 mil
Passivo – 750 mil
- Capital social de 1 M19
- Resultados transitados negativos de 250 mil

Como no ano 1 tivemos 250.000€ de prejuízo o que vai acontecer é que eu vou ter que encontrar
aqui, no final do ano 1, vou ter que ter uma dívida de 250.000€. Metemos por isso no passivo. Se esta
sociedade perdeu 250 mil dos seus ativos, então vamos ter um passivo não de 1 M, mas sim de
750.000€. 1 M do capital social, da cifra constante e tinha 250 mil de resultado transitado negativo.

Mas se não tivesse de fazer mais nada isto ficava desequilibrado. É porque falta aqui qualquer coisa.
Estes prejuízos foram 250 mil que eu gastei no ano 1 e portanto eu no ativo em vez de ter 800 mil
vou ter 550 mil. Por isso em vez de termos 1M vamos ter 750 mil. Assim, no balanço do ano 1 tenho o
resultado contabilístico daquele primeiro exercício.

Ano 2 – lucro de 200 mil


Ativo – 950 mil
- Depósito à ordem de 750 mil.
- Imóvel de 200 mil
Passivo – 950 mil
- Capital social de 1 M
- Reserva legal de 10 mil (situação B)
- Resultados transitados negativos de 60 mil

O que é que aconteceu no ano 2? O ano 2 a sociedade fechou o ano com 200 mil de lucro. Então
vamos ter que acrescentar os 200 mil. No ativo passamos a 950 mil. E no passivo? Agora temos de
decidir se aplicamos a situação A ou a situação B.

Situação B
Na situação B criámos uma reserva legal de 10 mil e cobrimos o prejuízo em 190 mil, ficamos com 60
mil de prejuízo (250-190). E portanto em vez de ficar com um resultado transitado de 250 mil, vou
ficar com um resultado transitado de 60 mil.
Situação A
Na situação A não teríamos uma reserva livre de 10 mil e tinha um resultado transitado não de 60
mas sim de 50 mil.

19
Não retiramos os 250 mil do capital social, vamos retirar sim dos bens da sociedade, do património
da sociedade. O capital social mantém-se intacto. Em todas a variações, nunca o capital vai mexer.
Claro que eu posso mexer no capital, se fizer um aumento do mesmo.
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Ano 3 – lucro de 250 mil
Ativo – 1.2 M
- Depósito à ordem de 1M (750+250).
- Imóvel de 200 mil
Passivo – 1.2M
- Capital social de 1 M
- Reserva legal de 22.50 mil (situação B)
- Resultados transitados positivos de 177.500€
Com mais 250 mil em vez de termos 950 mil temos 1.2 M.

Situação B
Vamos passar a ter uma reserva legal de 22.500€ (10.000+12.500€). Tínhamos um resultado
transitado negativo de 60 mil. Por isso vamos ficar com um resultado positivo distribuível de
177.500€ (250 mil-60mil-12.500). Os 250 mil serviram para afetar 12.500 à reserva legal e para cobrir
o resultado transitado em 60 mil.

Assim sendo, em vez de ter um resultado transitado negativo, passei a ter um resultado transitado
positivo. A este resultado transitado positivo eu chamo reserva livre.
 1. Eu posso distribuir todos estes lucros distribuíveis. E de aonde é que vai sair este valor que
eu vou dar aos sócios? Do depósito à ordem. Por isso vamos tirar destes 1.2M, 177.500,
ficando com 1.022.500.
 2. Se eu resolvesse não distribuir tudo, mas distribuir apenas 100.000. Abato 100 mil ao
depósito à ordem, porque é aquilo que eu tenho de distribuir, de dar aos sócios. Dos
resultados transitados saem 100 mil e fico com 77.500€ de reservas livres – lucros do
exercício que eram distribuíveis mas que não foram distribuídos.
o Portanto ficaram acumulados, para fazer face a uma futura eventualidade operante,
podendo ser distribuídos no futuro, porque podemos distribui reservas livres em
qualquer momento e as vezes que quisermos.

Nota final

Imagine-se que esta sociedade precisa de dinheiro para fazer face ao negócio e que pediu dinheiro
emprestado aos sócios no final do ano. Os sócios disponibilizaram, fazendo um mútuo/um
empréstimo, que em direito societário se vai chamar contrato de suprimento, arts. 243.º a 245.º do
CSC.

O contrato de suprimento é um mútuo que tem por caraterística formar-se consensualmente. Pode
corresponder a uma obrigação contratual, se estiver estabelecido no contrato de sociedade que o
suprimento pode vir a ser exigido. Mas pode também ser prestado voluntariamente. Tem uma
diferença grande em relação ao mútuo que estudámos: o contrato não depende da entrega da
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traditio dos bens para se ter por constituído, basta que seja assumida a obrigação, ou seja, que o
sócio fique em dívida.

Tem por caraterística ser uma dívida de um sócio, em princípio formada com caráter de
permanência, e o caráter de permanência significa que o financiamento tem um prazo de pelo menos
1 ano. Também se pode formar com base num crédito que um sócio tem sobre a sociedade,
designadamente de lucros que tenham sido deliberados distribuíveis, mas que não tenham sido
oportunamente entregues aos sócios e que portanto representam um crédito que se tenha formado.

Vamos imaginar que no fim do ano 3, os sócios emprestaram à sociedade 500 mil. Como é que
aparece o balanço no fim do ano 3 se isto acontecer? Se os sócios emprestaram à sociedade 500 mil,
temos aqui uma dívida de sócios de 500 mil – vai para o passivo. E onde é que estão os 500 mil? Estão
nos depósitos à ordem - ativo. Assim percebemos que o balanço se vai desenvolver sempre em
absoluta paridade.

E se quiséssemos um aumento do capital social no fim do ano 3? Passava a ter um capital social de
1.5M porque os 500 mil iam para aqui. Não é uma dívida a sócios, neste caso a sociedade não deve
nada aos sócios, porque o capital passou a ser da sociedade. Estes 500 mil iam na mesma para os
depósitos à ordem.

O resultado, tanto no empréstimo como no aumento do capital social era exatamente o mesmo. Mas
havia uma dificuldade maior: se os sócios emprestassem à sociedade, eu não tinha uma
intangibilidade do capital social tão elevada como teria se tivesse aumentado o capital social. O que
vimos foi que os bens que não podem ser distribuídos são os necessários para cobrir o montante do
capital social e as reservas legais.

09.03.2022

Exemplo de uma pergunta de oral:


Uma SC tem um Capital Social = 1.000.000€.
Tem depósitos à ordem = 100.000€.
Tem um imóvel = 300.000€. Não vamos ao pormenor do balanço agora.
Tem uma dívida a um fornecedor = 750.000€.
Perante esta realidade, se o fornecedor nos contactar como advogados, não tendo a SC mais nada
(não vamos agora ver qual a situação contabilística da SC, não temos de saber contabilidade), como é
que o fornecedor pode cobrar o seu crédito? O fornecedor quer saber o que pode fazer. A SC vai ter
de ir buscar os depósitos à ordem e vender o imóvel mas mesmo assim falta dinheiro. Está em causa
uma SA. O Capital Social não garante nada aos credores, mas não é por isso que não serve de nada.
Não serve de nada porque ele se materializou num património social e como na realidade a SC pode
já não dispor dos bens que lhe corresponderam no dique.

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O fornecedor só encontra um património com 400.000€ na sociedade. Isto não é difícil. Vamos ver o
balanço desta situação para percebermos que isto é relativamente simples.
Ativo Passivo
Depósitos à ordem  100.000€ Capital Social  1.000.000€
Imóvel  300.000€ (Resultados transitados negativos)
A SC não tem mais bens, pelo que tem um balanço de 400.000€. Mas aqui temos 1.000.000€ no
passivo. O que é que falta ali? Faltam os resultados transitados negativos = as perdas que a
sociedade veio a sofrer no passado. Como é que apresento os resultados transitados negativos? Se
os resultados transitados forem negativos, eu represento-os dentro de parêntesis.

O CS20 não paga dívidas porque é uma cifra constante e imutável. Pode não ter aquela
correspondência na realidade. Mas garante alguma coisa aos credores = garante aos credores que
não serão distribuídos bens que sejam necessários para preencher o capital social tal como ele está
indicado. Vão sossegar os credores de que se aquela sociedade estiver a distribuir bens, que tem o
seu ativo pelo menos o correspondente ao CS, acrescida de reservas legais, que não colocamos nesta
hipótese para não confundir.

Mas se houvesse 50.000€ de reservas legais, o que correspondia a 5% do Capital Social (ainda não
estava preenchida a reserva mínima global), quando é que estaria preenchida a reserva mínima
global? Quando fosse de 200.000€ - 20% do CS. Se já tivessem contribuído (à custa dos lucros do
exercício) com quantias necessárias a perfazer 200.000€, teria a reserva legal preenchida.

Se tivéssemos aqui a reserva legal de 50.000€, a reserva legal em si não representa nada no ativo.
Até porque a reserva legal, como é capital próprio, inscreve-se no passivo, junto com o capital
social. Se o CS for de 1.000.000€, e se houver uma reserva legal que se tenha aprovado em
1.050.000€, quer dizer que os resultados transitados negativos são de 650.000
 temos 1M€ de CS
 50.000€ de reservas legais (constituídas no passado)
o Quando são constituídas, o dinheiro entra pelo ativo, em depósitos
o Mas já se gastou, já só há 100.000€ em depósitos
 Significa que esta sociedade perdeu 650.000€.
o Tem um balanço idêntico
As reservas legais estão previstas e reguladas nos arts. 218.º, 295.º e 296.º CSC. Todos os anos, em
função do lucro do exercício, 5% do lucro do exercício (mínimo) tem que ser afeto à constituição ou
reforço de uma reserva legal, até que a reserva legal perfaça a sua totalidade – o montante mínimo
correspondente a 1/5 do CS, ou 20%. Significa que nesta sociedade constituída com o CS de
1.000.000€, devia ter vindo a constituir reservas legais até que elas fossem de 200.000€. Só quando
um dia tivesse uma reserva legal de 200.000€ é que perante os lucros do exercício não tinha que
afetar nada à reserva legal, porque já a tinha preenchido. Nesse dia, todo o lucro do exercício, se a
sociedade não tivesse resultados transitados negativos, todo o lucro do exercício era distribuível,

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Capital Social
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porque estava a distribuir bens que estariam acima do CS + as reservas.

Neste caso da nossa hipótese, a sociedade tinha constituído uma reserva legal de 50.000€. Pode
constituir e depois para, basta que entre em perdas sucessivas. Quando tem perdas, não contribui
com nada para a reserva. Só regista as perdas. Só regista sinais “-“ (menos).

A reserva está exatamente sujeita ao mesmo regime que o CS = são rúbricas de sinal positivo (+)
que estão no passivo. Neste caso, temos 1.050.000€ de CS + reserva legal. Mas a sociedade já só tem
400.000€ no ativo (depósitos à ordem e imóvel). Se não houver outras dívidas, significa que ela na
sua atividade perdeu a diferença entre os capitais próprios que deveria ter e aqueles que
efetivamente tem (400.000€). Significa que neste momento, o capital próprio da sociedade são os
400.000€ que corresponde aos bens que ela tem efetivamente.

Art. 35.º CSC  situação em que se perdeu metade do capital próprio. Já só há 400.000€ e devia
haver pelo menos 500.000€. 500.000€ já é uma perda de metade do capital. A partir desses
500.000€ a lei diz que é preciso tomar medidas. Mas vamos pensar que não foram tomadas as
medidas e sobretudo o que aconteceu foi que houve agora um exercício que correu bem, a
sociedade ganhou 200.000€ no exercício.

Vamos então por 200.000€ no ativo da sociedade, ao lado dos 300.000€ do imóvel e dos 100.000€
em depósitos à ordem. O balanço passa a ser de 600.000€. O Capital Social não mexe – é uma cifra
constante e imutável. E a reserva legal? Vamos mexer nos 50.000€? Depende. Há aqui duas vias
possíveis:
 Ou vamos abater às perdas transitadas a totalidade do lucro do exercício que recebemos
 Ou tenho 200.000€  vou ter que afetar 5% (10.000€) à reserva legal, que passa a ser de
60.000€.
o E se apliquei 5% à reserva legal, sobrou-me 190.000€ do lucro do exercício.
 Vou abater 190.000€ aos prejuízos que tive e vou ficar com prejuízos apenas de
460.000€.
 460.000€  porque são os 650.000 de prejuízos que tinha – os 190.000€ que
ganhei este anos. Se eu tiver 460.000€ por baixo desta cifra, se tiver 1M€ +
60k€ = 1.060.000€ de capital próprio! Se subtrair 460.000€, tenho 600.000€.
(balanço)

Novo ano na sociedade – 3.º ano. A sociedade tem um resultado extraordinário de 1.000.000€.
Temos um resultado = lucros líquidos de 1.000.000€. Onde é que vamos por este milhão? No ativo 
ficamos com 1.300.000€ de depósitos. O balanço em vez de ser de 600.000€ passa a ser de
1.600.000€. Deste 1M€, quanto tinha de retirar para a reserva legal? 5% = 50.000€. Vou acrescentar
+50.000€ à reserva e fico com uma reserva de 110.000€.

Significa que ao 1M€ retirei 50.000€ para reserva. Fiquei com 950.000€, que vai ser o resultado
transitado deduzido dos 460.000€ que tive de cobrir primeiro. Vou cobrir os 460.000€ e vou ter

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950.000€, que como deram um resultado positivo de 490.000€. Isto é um resultado transitado
positivo. Como é que lá cheguei? Peguei nos 950.000€ depois de afetar 50.000€ à reserva legal, cobri
460.000€ de prejuízos e sobraram-me 490.000€. Agora vamos ver quanto temos: 1.110.000€ +
490.000€ = passamos a ter 1.600.000€. Está certo.

O que posso fazer neste 3.º ano que não fiz antes? Distribuir lucros, porque já tive lucros. Quanto é
que posso distribuir? Temos ali 1.300.000€. Vai ser o balanço de 1.600.000€ - o CS + reserva legal =
490.000€. Este valor é o lucro distribuível. Em princípio, se eu não distribuísse lucros este ano, este
valor iria integrar uma rúbrica do balanço que é a rúbrica das reservas livres, que são bens que esta
sociedade tem. As reservas livres também servem para cobrir prejuízos. São estes bens que estão
disponíveis e que a sociedade pode utilizar.

Ainda havia um aspecto importante: o art. 32.º CSC para além da regra relativa à intangibilidade do
capital social do n.º 1 é o principal aforamento do CS. No fundo, a noção de capital próprio também
resulta do n.º 1 do art. 32.º CSC. O capital próprio são os bens que a sociedade efetivamente tem.
Neste exemplo que vimos, naqueles exercícios em que a sociedade acabava negativa, tinha um
capital próprio inferior a 1.000.000€ - chegou a ser de 400.000€, passou para 600.000€. E depois teve
um ano extraordinário e o capital próprio passou a ser de 1.600.000€.

Se olharmos para o art. 32.º n.º 1 CSC, vamos compreender esta realidade porque se diz não podem
ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, encobrindo o resultando
líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas, seja inferior à soma do
capital social e das reservas que a lei e o contrato não permite distribuir.

O capital aqui não é inferior porque já está em 1.600.000€. É superior, e por isso nós dissemos que
podíamos distribuir os 490.000€, porque a soma do CS e das reservas legais é de 1.110.000€. Pode
até distribuir uma parte e não distribuir a outra.

Se ela tivesse distribuído, por exemplo 200.000€, como é que ficaria o seu balanço depois da
distribuição dos 200.000€? Depois da distribuição dos 200.000€, o seu balanço ficaria assim: Dos
1.600.000€, ficariam 1.400.000€. Do outro lado, tiramos os 200.000€ das reservas livres, do resultado
transitado  passaríamos a ter 290.000€, o que dá outra vez 1.400.000€.

Outro aspecto relativamente ao art. 32.º, n.ºs 2 e 3

O n.º 2 fala dos incrementos do justo valor e do modo como os incrementos do justo valor devem
ser considerados no plano societário. Vamos procurar saber o que é isto do justo valor. Vamos
recorrer a um exemplo de caráter prático:

Imagine-se que uma sociedade adquiriu uma carteira de ações de outra sociedade no mercado e
comprou essas ações por 300.000€. E ficou com elas, guardou-as, elas foram contabilizadas por
300.000€ no ativo. A questão que se colocou é que poderia ser um pouco injusto que variando
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esses ativos muito no seu valor no mercado, que não pudesse ser contabilizada no valor na
sociedade uma variação positiva desses ativos.

Isto é, imagina-se que aquela carteira que comprei por 300.000€ já vale 500.000€. Significa isso que
aquela sociedade vale mais 200.000€ do que valia. Se não tivesse mexido em mais nenhum indicador,
só neste indicador, então tem todo o sentido que o direito pondere se não é possível no fundo para
efeitos contabilísticos reconhecer o incremento que deve ser dado pelo justo valor que resulta de
partes do seu capital próprio, porque estas ações são capital próprio da sociedade, são bens de que
ela dispõe solidamente.

Seria relevante que este justo valor, a justa valorização que a lei permite fazer desses bens com
reporte ao fim do exercício fosse contemplado no próprio valor da sociedade. Isto é relativamente
fácil, sobretudo, se esta carteira de ações fosse composta por ações que eram objeto de negociação
no mercado regulamentado.

Isto é, se ela fosse composta por ações de sociedades cotadas, porque iriamos ver quanto tinha
encerrado a cotação da sociedade no dia 31 de Dezembro de determinado ano e iria dizer – aqueles
300.000€ no dia 31 de Dezembro do ano em causa relativamente ao qual estou a procurar efetuar
um balanço já valiam 500.000€ no mercado. Ou seja, se nesse dia as tivesse vendido, tinha recebido
500.000€ por elas. Tinha tido um incremento de 200.000€.

O legislador admitiu que o justo valor fosse contabilizado. Mas qual o nosso problema e o porquê do
art. 32.º n.º 2? se eu com base nos 200.000€ considerar que estou a formar um resultado
distribuível, se eu entender que posso distribuir esses 200.000€ estou a criar um problema: é que
se nesse exercício a cotação descer, eu distribuí o que eu não tinha.

 art. 32.º n.º 2 CSC: sem prejuízo do justo valor de ativos do balanço da sociedade poderem ser
contabilizados, os mesmos só podem ser distribuídos sob forma de lucros distribuíveis quando
forem realizados = se eu durante esse exercício vender por 500.000€ essas ações, então isso
significa que eu realizei esse valor. Significa que depois do exercício seguinte já vou poder vender.
Tornei sólido o ganho que até aí era apenas virtual.

O n.º 2 do art. 32.º não é referente a todos os bens porque há bens que não têm uma variação
anual no seu próprio valor – isto é relativo, por exemplo, a uma carteira de ações, porque aí é fácil
aferir o seu resultado. É aquele que está no mercado. Tem que ser com alguma prudência. Não posso
arbitrariamente chegar ao fim do ano e dizer comprei isto por 300.000€ mas acho que já valem
500.000€, toma lá mais 200.000€. Tem que haver cautela. E sobretudo, mesmo que eu lá ponha
200.000€, esses 200.000€ não são distribuíveis, não existem para distribuir. São o tal justo valor.

n.º 3 do art. 32.º CSC: aplica-se a situações de equivalência patrimonial e situações em que uma
sociedade participe noutra. No fundo, pretende dizer que eu sociedade-mãe posso refletir nas
minhas contas os ganhos que a minha filha obtenha, isto é, os lucros que a minha filha regista, eu

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vou poder projetar na minha situação patrimonial financeira. O que diz o artigo é o seguinte: só
posso dispor desse lucro que fiz projetar na minha situação patrimonial e financeira no dia em que
puxar o lucro para cima. No dia em que ele seja efetivamente distribuído. Que não seja apenas um
resultado da sociedade de baixo.

A sociedade de baixo pode ter um resultado. Tem lucros do exercício de 500.000€, mas pode não os
distribuir. Se não os distribuir, eles ficam no balanço da sociedade de baixo. O que nos diz o artigo é
que eu como mãe posso projetar favoravelmente nas minhas contas o ganho com a filha, porque eu
sou a dona dela. Mas não posso dispor dessa projeção enquanto ela não for uma realidade.

É uma situação muito análoga àquela que descrevemos para o justo valor. É sempre a lógica de que
para efetivamente este tipo de meios poder ser disponibilizado é preciso que ele se converta numa
realidade inquestionável.

O que é que pode acontecer? A filha ganhou 500.000€, eu puxei para cima para as minhas contas, e
distribui os 500.000€. Imagine-se que eu tinha sido neutra em cima, não tinha tido na minha
atividade nada mais. E se no ano seguinte a sociedade-filha perder 200.000€? os 500.000€ passam a
300.000€. Mas eu já os distribui??? É isto que o legislador não quer permitir. Não quer permitir que
se possam disponibilizar bens que não constituem ainda uma realidade.

Ágios ou prémios de emissão

É a diferença positiva que existe entre o valor do custo de subscrição de uma participação social e o
respetivo valor nominal ou respetivo valor de emissão que contribui para a formação do capital
social.

Se eu constituir uma SC e disponibilizar bens à SC que valham 1.000.000€, em princípio, no momento


da constituição vou dizer que vou constituir a SC com 1M€ de CS. Mas se eu o fizer, isto significa que
este 1M€ vai corresponder à tal fasquia, ao nível do dique que doravante tenho de respeitar. Quer
dizer que vou estar sujeito a uma grande exigência que é ter sempre 1M€ de capital próprio antes de
ter bens que possa distribuir aos sócios.

Então eu posso dizer: porque não procurar constituir a SC com um CS de 500.000€ e vou diferenciá-
lo, sendo disponibilizado à sociedade a título de prémio pelo direito de subscrição dos ditos
500.000€. Na prática, se estivermos a falar do método constitutivo, isto significa que cada pessoa
subscreveria uma ação com determinado valor, por exemplo, 1€, e pagaria por ela 2€, porque 1€
seria de prémio, de ágio.

O ágio torna-se também parte do património da sociedade. Quer dizer que aquela sociedade
quando estiver constituída vai um CS de 500.000€, mas um património de 1M€. Então onde vamos
contabilizar o ágio? Se eu estivesse a olhar só para isto em termos contabilísticos, seria um problema.

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Tenho 1M€ no ativo, 500.000€ no CS, e o que a lei me vai dizer, no art. 295.º, é que o ágio vai
constituir uma reserva legal especial. Não é uma reserva legal obrigatória, é uma reserva legal
especial. Portanto ele vai ser no balanço vai ficar ao pé do capital social no passivo, dentro de uma
reserva legal especial que corresponderia logo a 500.000€. Ela pertence por igual a todos os sócios. É
património da sociedade.

Portanto do ponto de vista financeiro, é relativamente indiferente no momento da constituição que


eu constitua com ágio ou sem ágio. Só pode haver 2 situações que justificam constituir com ágio:
 Não queria um capital demasiadamente elevado, mas queria apesar de tudo disponibilizar à
sociedade um montante grande de meios financeiros, um património significativo que
corresponde àquela parte que não quis afetar ao CS
 Por outro lado também pode acontecer uma realidade diferente que mais ocorre até: imagine-
se que esta sociedade se vai constituir por apelo ao público
o Não é uma sociedade que se constitua por subscrição particular
o Grandes empresas, que se dediquem a grandes empreendimentos (construções,
autoestradas, pontes, etc.) podem ser constituídas pela ideia de alguns e pelo apelo
que se vai fazer ao público
 E que o público vai disponibilizar na perspetiva de ganhar o seu investimento
o Nessa circunstância, pode-se justificar que quem tenha a ideia de promover a
constituição da sociedade queira ter uma participação razoável com um menor custo
 Em certos termos, pode-se admitir que as ações dos fundadores que vão ser
subscritas sem prémio (porque é quem tem a ideia) e que depois se tente
recorrer ao mercado com prémio – as pessoas terem de pagar mais do que
aquilo que corresponde ao CS que vai ser representado por aquelas ações
 Quem constituiu pagou 1€ para ter 1€ no CS
 Quem aderiu pagou 2€ para ter 1€ no CS, o outro 1€ foi para o património da
SC e portanto reverteram em benefício de todos, sobretudo daqueles que só
pagaram 1€.
o Significa que se eu fizer este movimento na constituição, após a constituição vou ter
uma sociedade em que alguns acionistas têm imediatamente uma valorização das suas
participações e outros têm pelo menos uma desvalorização imediata das mesmas, o
que só aceitam se a prazo entenderem que a potencialidade é tão grande que acabem
por vir a superar o custo do seu investimento.

O ágio ou prémio é sobretudo utilizado nos aumentos do capital social, porque é um instrumento
que permite no fundo reequilibrar o valor das participações. Vamos supor que temos:
 CS de 1M€,
 ações de valor nominal de 1€ (tem de ser sempre idêntico – art. 276.º CSC)
o significa que a sociedade foi constituída com 1M de ações
 mas tem corrido tão bem a vista desta sociedade que uma ação tem um valor real de 2€
o ou seja, eu se quiser vender esta ação neste momento o mínimo que recebo é 2€.
o Temos uma sociedade com um CS de 1M€ e um valor real de 2M€.
 Imagine-se que esta sociedade precisa de realizar um aumento do capital social
88
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
o Precisa de absorver novos bens, novas entradas para aumentar a sua capacidade de
exposição ao mercado.
 Se a SC realizar o aumento do CS e este aumento corresponder à emissão de 1M€, se eu fizer
o aumento do CS pelo valor nominal das ações, significa que vou ter mais 1M€ de ações de
1€ cada uma
o Imagine-se que sou sócia e tenho 1 ação, que valia 2€, embora fosse uma ação de 1€
(o valor nominal é sempre o mesmo)
o Agora por efeito do direito legal de preferência que assiste aos acionistas, eu vou
subscrever mais uma ação, mais um aumento do capital, tenho direito a ter mais 1
ação.
o Vou subscrever mais 1 ação por 1€ e vou ficar com 2 ações e um valor de 3€.
o Porque 3€ com 2 ações?
 Porque as primeiras valiam 2€ e estas segundas apenas representaram para a
sociedade o ganho de 1€ cada 1. Foi o aumento do CS.
o Significa que eu quando acabar de realizar o aumento do CS de 1M€, o valor real da
sociedade aqui é de 3M€  são os 2M€ que ela valia antes do aumento do CS e o
que ela recebeu pelo aumento do CS.
 Quanto é que é o valor real de uma ação no dia seguinte?
o = 1,5€
o Divido os 3M€ do valor real da sociedade pelo número de ações existentes (2M) e
encontro o valor de cada ação.
 Se meto 1M€ em cima de uma sociedade que vale 2M€, tenho 3M€.
o Mas passei a ter o dobro das ações, passei a ter 2M de ações.
o Se eu dividir os 3M€ de valor real da sociedade pelo número de 2M de ações, a ação
passou a valer 1,5€.
o Se isto for feito só com acionistas é completamente indiferente (e se todos os
acionistas subscreverem proporcionalmente o aumento do capital)
 É indiferente porque eu tinha uma ação que valia 2€, subscrevi 1 ação no
aumento de capital, passei a ter 2 ações que valem 3€. Ou seja, 2x1,5€ que
elas agora valem.
 Perdi 0,5€ de valor na ação que tinha antes do aumento de capital  ela valia
2€ e passou a valer 1,5€ mas subscrevi por 1€ uma ação que passou
imediatamente a valer 1,5€ - recuperei aí o 0,5€. É neutro.
 Agora imagine-se que este aumento era feito por terceiros e não pelos acionistas
o Significava que vinha aqui um acionista subscrever um aumento de 1M€ pagando 1€
por ação e no momento imediatamente seguinte a ação passava a valer 1,5€, porque
ele iria aproveitar o valor real da sociedade antes do aumento de capital
o Se isto fosse assim, ninguém fazia aumentos do capital, nem que estivesse na
sociedade, porque sabemos que aqueles acionistas que estavam lá que tinham ações
que valiam 2€ passaram a ter ações que valem 1,5€, porque todas passaram a valer
1,5€.
o Então os acionistas iniciais nunca fariam um aumento do capital se soubessem que no
dia seguinte ao aumento as ações que eles detinham em vez de valerem 2€, passavam
a valer agora 1,5€ e esse 0,5€ eles tinham-no dado a quem subscrevesse as novas
ações no aumento

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 Como se corrige isto?
o Se este aumento for feito com prémio ou com ágio – se quem quiser entrar na
sociedade tiver de pagar pela subscrição das ações pelo menos o valor real da
sociedade
 Quer dizer que ao CS de 1M€ vai acrescentar um ágio de 1M€ = um ágio que
faça com que ao subscrever ações no valor nominal de 1€ eu tenha que pagar,
suportar 2€
 Vou ficar com um valor real da sociedade não de 3M€, mas de 4M€. O CS é
igual = 2M€. vou ficar com um valor real da ação não de 1,5€ mas de 2€, ou
seja, o valor da ação vai-se manter, porque eu aos 2M€ de valor real da
sociedade acrescentei 1M€ de capital social e 1M€ de prémio, ou seja,
entreguei à SC mais 2M€ por conta de 1M€ de ações
 Significa que as segundas ações custaram tanto como as primeiras. Se eu
fizer esta operação com terceiros, é também boa para os terceiros só que em
princípio não era isso que iria acontecer.
 Se eu tenho uma sociedade lançada no mercado que já vale 2M€, já vale o
dobro do que correspondeu à subscrição, se eu tiver que admitir a
participação de terceiros, eu que corri o risco do capital quando a SC não
valia nada, consegui que a SC passasse a valer do dobro do investimento,
então eu tenho expectativa de que quem queira aderir agora quem seja um
passageiro da 25.ª hora tenha que pagar mais do que aquilo que a SC vale =
não é pagar um ágio de 1M€, é se calhar pagar o ágio de 1,5M€.
 Se o ágio for de 1,5M€, quer dizer que quem entrar em sociedade, por cada
ação de 1€ vai pagar 2,5€
 Eu vou passar a ter não 4M€, mas 4,5M€ de valor real da sociedade, porque
entra 1M€ + 1,5M€ de ágio na sociedade que vale 2M€. Continuo com 2M€ de
CS e o valor real da ação passa a ser de 2,25M€  4,5M€ que vale a sociedade
dividido pelos 2M de ações que ela tem
 quem era sócio antes do aumento tinha 1 ação que valia 2€.
 Por efeito desta operação passou a ter uma ação que vale 2,25€
 Quem participou nesta operação pagou 2,5€ por 1 ação que só vai valer
imediatamente 2,25€  porque tem a expectativa de que ela se venha
a valorizar muito mais.
o O ágio ou prémio de emissão é sobretudo utilizado para correção do valor da
sociedade no decurso da sua vida. Este é o exemplo manifesto em que isto acontece.

10.03.2022

Conclusões sobre a matéria do Capital Social

O capital social é uma menção obrigatória do contrato de sociedade – art. 9.º CSC. Há sociedades
comerciais em que se o capital for simbólico significa que não nos preocupamos em dotar a
sociedade de meios suficientes para ela funcionar. Se isso acontecer na prática, o que é que
acontece? Se isso suceder, o que acontece é muito simples:

90
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Na prática, o que acontece é que vamos ter que por algum modo obter essa capitalização. Acontece
que se eu constituo uma sociedade com um capital social de meia dúzia de €, se tiver 3 ou 4 ou 5
sócios, eu posso ter 3, 4 ou 5€ de capital social – se eu quiser eu na realidade o que estou a fazer é
uma sociedade que vai nascer subcapitalizada.

É obvio que ninguém funciona com tão pouco dinheiro. É obvio que a sociedade nem tem condições
sequer de pagas as despesas de constituição – o registo. E por isso alguém vai ter que pagar por ela –
ela vai ter que procurar recorrer a alguém para superar a sua situação de subcapitalização.

Quem é que está disponível para financiar a sociedade numa circunstância destas? E quem diz nesta
circunstância de arranque diz também, porventura, relativamente a uma sociedade quando ela se
encontra já a funcionar no mercado mas afinal constata que os meios que angariou, que
correspondem ao capital social que a caracteriza não são suficientes para realizar a atividade
económica que ela se propunha a prosseguir nos termos em que ela esperava fazê-lo e também aí
dizemos: se temos insuficiência de meios financeiros temos uma situação de subcapitalização. Isto é,
menos capital do que aquele que necessitamos.

De um modo geral, as situações de subcapitalização não são situações otimistas, são situações que
desenham um quadro menos favorável ao exercício da atividade da sociedade  ou elas já são
antecipadas, o que acontece se eu constituo uma sociedade com menos capital do que aquilo que ela
precisa, ou essa situação decorreu de algo que não correu bem na vida da sociedade ou que pelo
menos não foi adequadamente deliberado. A questão que se coloca é: como é que podemos
contribuir para superar essa situação?

Há ainda outra situação em que concluímos que estamos perante uma situação de subcapitalização:
uma situação que não corresponde a um quadro tão pessimista = pode suceder que de facto o
capital que nós reunimos tenha sido suficiente para prosseguir a atividade que estamos a
empreender, mas ela esteja a correr de tal maneira bem que nós pretendamos redimensionar a
nossa atividade no mercado, pretendamos aumentar a nossa intervenção no mercado.

Para isso, precisamos de mais capital. Nesse caso, nós dizemos que a subcapitalização não se verifica
com referência à previsão inicial mas decorre de se concluir que a sociedade para prosseguir os fins
que agora pretende atingir não dispõe de meios suficientes para o efeito. De qualquer modo,
também neste caso ela precisa de ir buscar esses meios a algum lado.

A sociedade tem duas hipóteses:


 Ou vai buscar o capital que necessita, os meios de que necessita, aos próprios sócios
o Que é o que é natural porque é quem investe nela, quem acredita nela e é dela
beneficiário
 ou vai procurar ir buscar os fundos ao mercado ou a terceiros

91
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Quando a sociedade surge, evidentemente que não é fácil ir buscar os fundos a terceiros, porque,
sobretudo se ela se posicionar com uma responsabilidade limitada dos seus sócios, os terceiros
sabem que se a financiarem e se as coisas não correrem bem, aquele financiamento vai estar
perdido. E mais, eles sabem que não estão a financiar uma sociedade que já esteja há muito
estabelecida no mercado como poderia acontecer e portanto já deu provas de ser cumpridora, de
satisfazer os créditos, etc. Estão sim a financiar uma sociedade inteiramente nova, é uma incógnita
para quem é um financiador.

Nessa circunstância, na prática, só há um modo de conseguir financiamento externo – recurso ao


crédito. Esse modo de obter um financiamento externo é assegurar a satisfação das obrigações
societárias com o recurso, se necessário, ao património próprio dos sócios. É como quem diz 
ampliar a tal responsabilidade limitada que existia, porque eles vão-se obrigar eventualmente
prestando ou garantias reais, com bens seus, ou garantias pessoais. Nesse caso, arriscando todo o seu
património, eles vão ter de garantir o cumprimento das obrigações da sociedade e só assim é que o
financiador eventualmente empresta.

Daqui decorre um aspecto importante que é o seguinte  para superar situações de


subcapitalização há fundamentalmente duas vias:
 auto-financiamento

É o financiamento pelos próprios meios disponibilizados à sociedade. É um financiamento gerado


pelos sócios. É o mais relevante. Como é que ele se pode efetuar? É muito simples: ou de forma
voluntária ou de forma obrigatória.

De forma voluntária, ele ocorre sempre que os sócios estão disponíveis para adiantar fundos ou
outros bens fungíveis à sociedade. Ela com base neles pode prosseguir a sua atividade. O meio mais
vulgar de realizar um auto-financiamento voluntária reconduz-se a um contrato que é um contrato
de mútuo, ao fim ao cabo.

O mútuo é aquilo que vulgarmente designamos de empréstimo, aliás no direito comercial o mútuo é
o empréstimo mercantil, art. 397.º e segs. CCOM. O mútuo é um empréstimo em bens fungíveis. No
âmbito das sociedades há um empréstimo em dinheiro ou bens fungíveis que é feito com caráter
de permanência (prazo superior a 1 ano), que é efetuado pelos sócios e que no fundo sofre, está
sujeito a diversas limitações, nomeadamente no confronto com outros créditos que recaem sobre a
sociedade, e que em caso de insolvência vão ter preferência na satisfação, porque são créditos de
terceiros, ao passo que este mútuo é um crédito dos sócios, que são os beneficiários indiretos da
atividade da sociedade. Logo, beneficiários diretos dos bens que a sociedade vier a distribuir.

Esse contrato chama-se contrato de suprimento. Está previsto e regulado nos arts. 243.º a 245.º
CSC.21 O contrato de suprimento corresponde a um empréstimo feito pelos sócios de dinheiro ou
bens fungíveis à sociedade com caráter de permanência, isto é, com duração superior a 1 ano.

21
Ponto 31 do manual
92
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Podem surgir também de créditos que os sócios tenham sobre a sociedade e que correspondam a
bens que eles não tenham créditos de outra natureza ou bens que a sociedade lhes tenha
distribuído e que eles não tenham levantado. É o que acontece, por exemplo, quando a sociedade
distribui lucros e os sócios não aparecem para os levantar. Ficam sempre com esse crédito.

Diferenças face ao mútuo (art. 1142.º e segs. CC)


O mútuo civil é um contrato real quoad constitutionem. Isto é, um contrato real quanto à sua
constituição. É um contrato real que implica a traditio de coisa. O objeto do contrato tem que se
entregue para o contrato se ter por adequadamente celebrado. Não basta acordar, não basta o
consenso. É preciso entregar a quantia mutuada. E tem, no contexto do CC (art. 1143.º), uma
variação de forma de acordo com a quantia que é objeto do contrato. Quanto mais dinheiro ou bens
fungíveis são emprestados, mais solene é a forma deste contrato, que pode inclusivamente ter de ser
feito por escritura pública. Vai desde a forma verbal (meramente consensual – o modo regra do
Direito Civil – princípio da consensualidade – art. 219.º CC), à escritura pública.

O art. 219.º CC estabelece essa ideia do mútuo consenso. Quer dizer que os mútuos podem neste
caso ser celebrados por mútuo consenso. É uma questão de prova. Se eu emprestar 10€, isto depois é
um problema de prova porque vai ser difícil demonstrar. No fundo, se o mútuo for civil, ele em
princípio não é remunerado, a não ser que seja acordada essa remuneração.

Se for comercial, há o princípio da onerosidade. Quando pedimos 10€ não ficamos só a dever 10€.
Quando vamos interpelar para que os 10€ sejam reembolsados, temos um problema de prova se
quem deles beneficiou disser que não se lembra de nada. Basicamente, o mútuo tem várias fazes e
portanto a partir de determinado montante previsto no art. 1143.º CC, o mútuo tem que constar de
documento escrito. E a partir de outro montante ainda mais elevado, tem que constar de escritura
pública, porque sendo um contrato celebrado entre pessoas comuns e não profissionais, é normal
que o direito pretenda que essas pessoas ponderem o que vão fazer, vão disponibilizar uma quantia
muito elevada. A forma é a exteriorização da declaração de vontade.

Sucede que na vida comercial em geral, o contrato de empréstimo não está sujeito a forma
especial. Quer dizer que o empréstimo mercantil se celebra apenas pelo mútuo consenso, para ser
mais rápido, para se poder promover um maior número de negócios. Mas não quer dizer que ele não
possa ter uma forma escrita. Muitas vezes tem, só que a forma escrita é convencional – art. 223.º CC:
mesmo quando não haja uma forma especial, as partes podem acordar. Eu posso ter uma
contraparte negocial com a qual combino que todos os nossos contratos são por escrito, mesmo que
para o direito eles não tivessem que o ser e aí sujeito-me à forma convencional.

E quanto ao suprimento que está previsto no art. 243.º a 245.º CSC: no âmbito das sociedades por
quotas, ficamos já a saber que eles também são legítimos e lícitos no domínio das sociedades
anónimas. Estão no contexto das SPQ porque tradicionalmente era aí que se enquadravam e o
contrato de suprimento é um contrato que é meramente consensual e não é um contrato real
quoad constitutionem. Isto significa que o contrato se tem por adequadamente formado sem que
seja preciso haver a entrega da quantia mutuada pelo sócio à sociedade.
93
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
O suprimento vai ter de surgir, no entanto, de um modo geral, de 2 formas completamente
distintas:
 ou corresponder a uma obrigação estabelecida no contrato de sociedade como obrigação que
é acessória da obrigação principal
o nesse caso ele torna-se obrigatório se for exigido ao sócio, porque é uma obrigação
contratualizada
o naturalmente que só é solicitado se a sociedade carecer da mesma
 ou então pode ser prestado voluntariamente
o e aí pode ser prestado na decorrência de duas situações diferentes
 ou porque os sócios deliberaram realizar suprimentos, ficando obrigados a
fazê-lo aqueles que votaram favoravelmente nessa deliberação – art. 244.º
CSC
 ou eles realizaram suprimentos voluntariamente, espontaneamente e aí por
definição, só aqueles que os realizam é que vão ficar obrigados a esses
suprimentos.

Habitualmente, os suprimentos são onerosos. São feitos no contexto do Direito Comercial. É


interessante porque a AT presume de um modo geral (não é uma presunção legal) que sempre que
há suprimentos, tem de haver um ganho de quem financia, empresta. POC: não é necessário que isso
aconteça. Há situações em que, por exemplo, uma sociedade participa noutra e pode estar disponível
para assumir ou assegurar os prejuízos que decorram dessa participação, inclusivamente a não
remuneração das quantias que disponibiliza. Se os suprimentos forem onerosos, vencem juros, se
não – são gratuitos.

Mas têm algumas características que são interessantes, por exemplo, que decorrem do regime
estabelecido na lei: para além da subordinação dos suprimentos à satisfação dos créditos de
terceiros, eles não podem ser objeto de garantia pela sociedade mutuária, que recebe o
empréstimo (o sócio é que é o mutuante). Não podem ser garantidos. As garantias que forem
prestadas pela sociedade ao sócio são nulas – art. 245.º CSC.

Ao contrário de outras obrigações que existem no contexto da sociedade, os suprimentos podem


ser reembolsados aos sócios, mesmo à custa da situação líquida 22 da sociedade ou do seu capital
próprio23. A sociedade pode não ter meios suficientes para licitamente distribuir aos sócios como
lucros, mas se tiver liquidez, pode reembolsar suprimentos que tenham sido prestados pelos – a lei
não impede.

É por isso que os suprimentos não são considerados nos CP da sociedade. Enquanto se eu realizar
obrigações em favor da sociedade, prestando o cumprimento de uma exigência contratual assumida
pela sociedade, o reembolso dessas obrigações pode vir a ficar dependente da sociedade dispor de
bens que também pudesse licitamente distribuir aos acionistas.
22
SL
23
CP
94
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Ou seja, o reembolso, se o reembolso não puder ser feito à custa de CP que tinham de preencher o
CS, vamos considerar que nessas circunstâncias, estas quantias que os sócios disponibilizam à
sociedade por ficarem sujeitas a um regime jurídico específico no que respeita ao seu reembolso, elas
vão constituir capitais próprios da sociedade, porque a sociedade só as pode devolver aos sócios se a
sua SL, se os seus CP estiverem acima do montante do CP e das reservas legais entretanto
constituídas.

A forma do suprimento é sempre verbal. Não carece de forma escrita. Não quer dizer que se resultar
de uma deliberação social não conste de uma ata, mas a lei nunca exige que tenha forma escrita.
Portanto é uma forma ágil de financiar a sociedade. Por outras palavras, sempre que a sociedade
nasce com poucos meios, é aquilo que acontece imediatamente – estou a constituir uma sociedade
que tem uma capital simbólico – 1,2,3,4,5€. Ela tem que pagar as primeiras despesas, já constituída –
despesa da constituição, despesa de quem fez o reconhecimento das assinaturas, tem que pagar o
registo do contrato de sociedade, o registo comercial.

Quem vai pagar, no fundo, são os sócios, por ela. Este pagamento, pode ser feito por 1 de 2 vias:
 como um mero adiantamento de tesouraria à sociedade
o o que tem pouco sentido numa sociedade com um capital tão pequeno
 um adiantamento à sociedade faz-se, por exemplo, quando há alguma
dificuldade técnica ou burocrática para a sociedade dispor imediatamente das
quantias que tem depositadas à sua ordem.
o Logo que a sociedade desbloquear essas verbas, vai devolver.
o Se a sociedade não tiver meios, o financiamento vai ter que ser a mais longo prazo –
na forma de suprimento. É isso que acontece nas mais das vezes.

Mas há outras formas de superar a situação de subcapitalização por auto-financiamento. São


formas acessórias à realização da principal obrigação que os sócios têm perante uma sociedade
comercial = a obrigação de entrada. No fundo, capitalizarem a sociedade é a principal obrigação dos
sócios, que nalguns casos pode não ser imediatamente satisfeita na totalidade. O capital subscrito é
apenas parcialmente realizado, por vezes. E depois será realizado o remanescente.

Há uma outra obrigação principal muito relevante  art. 20.º CSC = obrigação de quinhoar nas
perdas. Quinhoar quer dizer participar nas perdas e é isso que vai decorrer da própria lei. Em
princípio, vai-se quinhoar nas perdas na medida e na proporção em que se quinhoa nos lucros e
vai-se participar nos lucros na medida e na proporção do capital que se aportou à sociedade.

Uma questão interessante que vamos deixar enunciada mas não vamos responder na aula de hoje 24:
Se os sócios têm, de acordo com o art. 20.º CSC uma obrigação de quinhoar nas perdas, como é que
se explica essa obrigação no contexto de uma sociedade de responsabilidade ilimitada – SPQ ou
SA? Como é que os sócios quinhoam nas perdas numa SPQ ou numa SA se já realizaram todo o seu

24
O POC adora fazer esta questão nos exames!!!
95
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
capital na constituição? Fica enunciada a questão.

É possível contratualizarmos obrigações acessórias à obrigação principal. Isto é, outras obrigações


que não são essenciais para a sociedade funcionar, o que significa que em muitas sociedades podem
nem existir, mas que no fundo correspondem à assunção do cumprimento de uma determinada
prestação que pode não ser necessariamente em dinheiro ou outro bem fungível, pode ser até
outra prestação de facto e que pode ser exigida em determinados termos que são muitas vezes
previstos contratualmente.

Falamos em obrigações de prestação acessória. Quando a prestação acessória é em dinheiro


dizemos obrigações de prestação acessória de capital. Quando não é em dinheiro, ela pode ser em
espécie, bens não fungíveis ou prestações de facto: por exemplo, um sócio que é advogado pode ficar
obrigado a prestar os seus serviços jurídicos à sociedade e fica com essa obrigação social. Até pode
ser positiva essa obrigação porque se essa prestação de serviços for remunerada e não gratuita,
então ela pode ser benéfica porque pode ser um meio de um sócio garantir um cliente. Art. 209.º e
287.º CSC, nos dois tipos sociais que nos interessam.

As obrigações de prestação acessória podem ser um género de que o contrato de suprimento pode
constituir uma espécie em certas circunstâncias. Isto é, se eu clausulei no contrato de sociedade a
eventualidade de os sócios serem chamados a realizar prestações acessórias de capital até um certo
montante, por exemplo, o montante correspondente ao capital que eles realizaram com a sua
entrada, então isso significa que esses sócios têm a expectativa de que lhes poderá vir a ser exigida a
realização adicional desse capital.

É muito importante isto constar do contrato de sociedade. Como vimos, não é obrigatório para os
contratos de suprimento, mas pode constar e é muito importante que conste, porque se não constar
a obrigação no contrato de sociedade, ela não é exigível a quem não se comprometeu
oportunamente a satisfazê-la.

Há um importantíssimo princípio estruturante do direito societário que é o princípio da


inoponibilidade de novas obrigações em vida da sociedade – art. 86.º n.º 2 CSC25. Significa que as
obrigações que venham a ser exigidas na vida da sociedade têm que ser obrigações previsíveis, com
as quais os sócios contassem quando entraram para a sociedade. Não é possível, mesmo que essa
vontade seja da maioria dos sócios, na vida da sociedade, que se venham a acrescentar as obrigações
a um sócio para além daquelas que ele já assumiu, entre elas, necessariamente a obrigação de
entrada. Essa existe sempre, desde que haja capital.

Temos também um outro tipo de obrigação contratualizada, que são as prestações suplementares.
São uma obrigação característica das SPQ, por isso só estão reguladas no capítulo das SPQ, nos arts.
210.º a 213.º CSC. Elas apresentam diferenças em relação às prestações acessórias e em relação aos
suprimentos propriamente ditos.

25
Este princípio está previsto algures no ponto 3 do manual.
96
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
 O seu objeto é sempre dinheiro
 Têm que estar sempre contratualmente previstas
 Nunca vencem juros, não são remuneradas
 Só são reembolsáveis se houver capitais próprios para o efeito, sem que sejam postos em
causa os capitais que correspondem ao CS e às reservas legais entanto constituídas
 A não realização de prestações suplementares que sejam exigidas e exigíveis é causa de
exclusão da sociedade – a sanção mais grave com que o sócio pode deparar-se.

Para além da previsão contratual, é preciso que elas sejam exigidas por deliberação dos sócios,
depende da deliberação dos sócios, tal como o seu reembolso também depende da deliberação dos
sócios. E se os montantes das prestações suplementares a que os sócios ficam contratualmente
obrigados não constarem do contrato de sociedade e constar apenas o montante global relativo às
prestações suplementares a realizar, então os sócios devem realizar as prestações suplementares
proporcionalmente às suas participações.
 Se eu tiver 1/5 do capital, a lei tem uma regra supletiva que nos diz que vou ser chamada a
realizar 1/5 das prestações suplementares, no montante máximo que está contratualmente
definido desde o momento em que eu aderi à sociedade.
o É para, no fundo, que a expectativa de quem investe na sociedade e que assume um
determinado risco, não venha a ser frustrada.

Só falta dizer o seguinte: não estando previsto nas SA, será possível realizar prestações
suplementares nas SA? Há um artigo no CSC – art. 2.º CSC – que nos diz que sempre que for
adequado, sempre que estivermos perante uma lacuna, pode haver analogia entre os tipos
societários. Mas para haver analogia, para haver a necessidade de integrar a lacuna, é preciso que ela
exista, é preciso que ela seja juridicamente relevante.

Estas prestações suplementares são aquilo que se chama tradicionalmente quase capital. É uma
espécie de um reforço adicional à obrigação de entrada. Eu tenho uma sociedade de 100.000€ de
capital. Tenho a possibilidade de, se for necessário, realizar 50.000€ de prestações suplementares,
suplementares à entrada.

Ora, aquilo que sucede é que nas SC, em geral, é legítimo, é admissível que no fundo identificadas
adequadamente essas pessoas, sabemos se elas têm ou não essa capacidade e venhamos a impor
uma determinada obrigação. Numa SA é mais complicado. É verdade que hoje, todas as ações são
nominativas, isto é, todos os titulares de ações são cognoscíveis numa SA, diversamente do que
acontecia no passado em que não sabíamos quem eram.

Quando não sabíamos, seria muito difícil exigir prestações suplementares a quem nós não
conhecemos. Uma coisa é dizer que a sociedade está a ter lucros e quem provar que é acionista pode
ir lá recebê-los – todos se apresentam, demonstrando a qualidade de acionista pelos títulos que
evidenciam essa qualidade. Mas se chamarem os acionistas para cumprir obrigações, eles não vão lá
apresentar-se a menos que saibamos quem são.

97
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O que torna mais complicado na aceitação das prestações suplementares nas SA é saber se é
admissível a transposição para as SA da sanção gravíssima da exclusão do sócio. É uma medida
verdadeiramente excecional. As exceções substanciais não são suscetíveis de analogia no nosso
Direito.

POC: independentemente da forma, o que interessa é o conteúdo. Nas SA posso criar prestações
acessórias de capital, como nas SPQ e posso inclusivamente sujeitar o reembolso das prestações
acessórias de capital à verificação de que as mesmas não sejam feitas à custa do CP da sociedade ou
da sua SL.

Na prática, significa que de um modo geral, na quase totalidade, o regime jurídico das prestações
suplementares pode existir também no domínio das SA. Mais: como hoje todas as ações são
nominativas, consigo identificar claramente quem são os sócios.

Vimos que também pode haver uma obrigação acessória de realizar determinados serviços:
prestações de facto. Para isso, preciso de saber a quem é que exijo, tenho que ir individualizar. Quer
dizer, no domínio das obrigações posso individualizar a pessoa que num determinado momento é
titular ou detentor de ações numa sociedade para lhe poder eventualmente exigir o cumprimento ou
a satisfação de certas prestações.

Em última análise, desde que eu não queira arrogar-me da transposição de uma norma excecional,
não é problemático que numa SA existam prestações suplementares. Conseguiria chegar ao mesmo
resultado através das obrigações de prestação acessória previstas no artigo 287.º CSC.

Os tipos societários podem no fundo transformar-se = pegar numa SPQ, por exemplo, e convertê-la
numa SA. É exatamente a mesma entidade. Tem uma espécie de mudança de sexo. Se alguém mudar
de sexo não muda de NIF. É o mesmo contribuinte. Pode mudar de nome e de sexo mas não muda de
NIF. Uma sociedade é exatamente a mesma coisa. Os credores da pessoa que muda de sexo
continuam a ser os mesmos, mas já não se chama João, chama-se Joana. É a única diferença.

Nas SC é a mesma coisa. Patrimonialmente, são idênticas, sobretudo se eu para a transformar não a
tive de dotar de mais capital, porque isso pode acontecer: se a SPQ tiver um CS de 1000€, se eu a
quiser transformar em SA, tenho que lhe por mais 49.000€ em cima, para atingir o CS mínimo da SA.

Acontece o seguinte: quando eu faço essa operação, e se passo uma SPQ em que as prestações
suplementares são legítimas, para uma SA, elas não podem desaparecer, elas fazem parte do
património daquela SC. É uma dívida que a SC tem aos seus sócios, que vão continuar a ser sócios,
agora vão-se chamar acionistas. Por essa razão, é normal que continuem inscritas no balanço como
prestações suplementares. É por isso que elas são inscritas na SL na parta passiva sem ser entre
parenteses. São CP da sociedade.

 hétero-financiamento
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É um financiamento externo. Já falámos da forma mais evidente que é o recurso ao crédito pontual
bancário, que é concedido por instituições com essas habilitações, com esses conhecimentos. Vamos
supor que recorremos a outras formas alternativas:

Hoje há muitas formas alternativas de financiamento, todas elas se podem configurar como formas
adequadas de superação de situações de subcapitalização. Por exemplo, o Project funds, o crowd
funding, etc.

Depois, há outras formas, mais duas, em particular, que têm uma característica: podem constituir
em certos casos crédito interno e noutros crédito externo. Uma delas já aqui mencionamos =
aumento do CS, que se pode fazer dentro do limite do universo acionista.

Evidentemente que se aquilo que eu estiver a fazer é aumentar o CS com os próprios bens que a
sociedade já tem, e esse aumento do capital social chama-se aumento por incorporação de reservas
(arts. 292.º CSC) – esse não aporta novos bens. Esse apenas consolida no capital as reservas que já
existiam. Eu posso aumentar o capital por incorporação de reservas à custa de todas as reservas –
livres ou obrigatórias, eu tenho é que explicitar quais é que reconduzo ao capital. E quando o faço,
estou a integrar no dique os sacos de areia, estou a cimentar os sacos do dique, e portanto o dique
aumenta, o valor aumenta. A partir daí as exigências também vão aumentar. A partir daí, formar
novas reservas e novas reservas com referência ao montante superior.

POC: o aumento de capital só é relevante para superar situações de subcapitalização se o que estiver
em causa for a entrada de novos bens, quer seja em dinheiro, quer seja em espécie. Ou seja, recorrer
a novas entradas, ao fim ao cabo. Uma semelhança enorme com o momento constitutivo, em que no
fundo reunimos bens que vão constituir as entradas.

Esta é a forma porventura mais vulgar de capitalizar uma sociedade sempre que os seus participantes
pretendem redimensionar a sua atividade. Sempre que eles pretendem aumentar a atividade da
sociedade, é normal fazerem um aumento do CS.

A lei prevê nos arts. 266.º e 458.º CSC que quem já for sócio ou detentor de participações sociais,
tenha o direito de preferência de subscrever os aumentos de capital por entradas em dinheiro, para
manter a sua participação proporcional no CS da sociedade e portanto para manter a sua posição
interna relativa no capital da sociedade.

Contudo, nas sociedades muito grandes, muitas vezes os sócios já não têm meios para capitalizar
mais e a sociedade precisa de mais. E a sociedade vai ao mercado capitalizar-se e o aumento de
capital nesses casos acaba por ser subscrito por terceiros  há aqui há também um meio que não
deixa de corresponder a hétero-financiamento, porque é um financiamento por pessoas que não são
sócias da própria sociedade.

Finalmente, é possível que uma sociedade emita valores mobiliários para titularem uma situação de
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dívida que ela contraia que possa no fundo ser subscrita pelo mercado em geral, mas que também
possa ser subscrita apenas se os sócios os quiserem, pelos próprios sócios. Falamos aí de emissão
de obrigações.

As obrigações são também, como valores mobiliários, obrigações em sentido simples, são também
valores mobiliários standardizados que se traduzem em posições creditícias perante a sociedade
emitente. Correspondem a situações homogéneas ou padronizadas e quem em princípio vão
assegurar uma determinada remuneração a quem se disponibilizar a subscrevê-las,
disponibilizando à sociedade os meios de que ela carece.

Essas emissões de obrigações são normalmente viradas para o mercado, mas em certos casos podem
ser realizadas apenas internamente. Também não deixam ser operações de superação da situação de
subcapitalização que possam ser mistas. Por exemplo, por razões de ordem fiscal, por vezes é
preferível arranjar financiamento por recurso a uma emissão de obrigações que já se sabe à priori
que vai ser subscrita exclusivamente pelos acionistas, se eles pagam um custo fiscal superior por
tentarem contribuir para a superação da situação em causa por uma outra via que seria mais
dispendiosa.

II – O sócio e o acionista

9. Generalidades; qualificação da situação jurídica

Vamos caracterizar as situações que integram a SJ do sócios. A SJ do sócio é uma SJ complexa porque
envolve direitos, obrigações antes daquelas direitos, e porventura outras situações com menos
intensidade, como por exemplo ónus e expectativas jurídicas.

A questão, fundamentalmente, quando estamos a enunciar o problema relativo à qualificação


jurídica do sócio e do acionista é determinar se uma pessoa é sócio por ter determinados direitos e
deveres, ou sem tem determinados direitos e deveres por ser sócio. Isto é, se uma pessoa é sócio
por ter determinados direitos e deveres que resultem designadamente da celebração de um contrato
ou se, uma pessoa tem aqueles deveres e direitos por ser sócio, qualidade essa que adquiriu pela
celebração de um contrato.

Cruzam-se aqui duas teorias clássicas:


 teoria contratualista
Fundamental é a celebração do contrato de sociedade. Do contrato de sociedade, para as partes que
o celebram, resultam direitos e vinculações e por isso nós dizemos que se resultarem aqueles direitos
e vinculações para quem celebra aquele contrato, estamos perante um sócio.

 teoria institucionalista
Diz que o contrato é um meio necessário para adquirir um determinado estatuto para quem o
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celebra e quem o celebra por ter esse estatuto, vai ser titular de direitos e vinculações que o
caracterizam.

É muito interessante confrontarmos isto e percebermos que: com o que já sabemos sobre os tipos
societários, podemos chegar à conclusão de que não há necessariamente para todas as SC a
prevalência de uma determinada teoria que explique o que é que acontece.

Por outro lado, também há outro aspecto que já podemos responder (mas que responderemos na
próxima aula) que é: quando procuramos determinar o fundamento da participação na sociedade,
vamos chegar à conclusão, pelas diferentes estruturas que os vários tipos societários apresentam,
que aquilo que anima quem subscreve o respetivo capital, quem adere ao projeto societário, pode
ser totalmente diferente no contexto de um tipo societário e de outro, e mesmo no âmbito da SA,
pode haver uma motivação completamente diferente quando participamos no projeto desde o seu
início ou quando pura e simplesmente queremos aderir a um projeto que já está em funcionamento.

16.03.2022

Caso Prático:
I. O contrato da sociedade VAMOSÀVIDA QUESE FAZTARDE, S.A. é omisso relativamente à
aplicação de resultados. Sabendo que a sociedade tem registado sistematicamente lucros, que a
reserva legal já é equivalente a 20% do capital social e que a sociedade obteve, no exercício de
2020, um lucro de € 500 mil, pretende-se saber:

1. Se o acionista Alfredo, detentor de 10% do capital social, tem a expetativa jurídica de vir a receber
dividendos e, em caso afirmativo, em que montante quantifica os dividendos correspondentes a
essa expectativa.

Vamos estudar muito em breve os arts. 217.º e 294.º CSC – neste caso, estaria em causa a aplicação
do art. 294.º CSC, estando em causa uma SA, que é a regra que existe sobre a distribuição dos lucros
periódicos.

O que é que devemos fazer ao lucro periódico de uma SA? É aquilo que resulta do art. 294.º CSC –
quando o contrato de sociedade for omisso, o que acontece muitas vezes, devemos recorrer a uma
norma legal supletiva e sobre cuja interpretação o POC está em total discordância da doutrina, na
sua totalidade.

De acordo com esta regra, quando o contrato for omisso, como é o caso aqui, aplica-se o disposto no
n.º 1 do art. 294.º CSC – não pode deixar de ser distribuído metade do lucro do exercício
distribuível. Isto é, embora ainda não tenhamos falado do direito ao lucro, já sabemos o que é o lucro
= diferença positiva que existe um determinado momento e outro que seja jurídica e
economicamente relevante e que é resultante da diferença entre a situação que a sociedade tinha no
primeiro momento e aquela que tem no segundo momento.

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O lucro do exercício, de forma coloquial, é tudo aquilo que a sociedade ganhou durante o exercício,
que corresponde, em regra, a um ano civil, pode ser disponibilizado por essa sociedade. O que não
significa que o lucro do exercício seja na totalidade distribuível. Ele pode ser correspondente ao lucro
distribuível se aquela sociedade já tiver completado a sua reserva legal mínima global obrigatória que
corresponde a 1/5 do valor do CS, e se não houver prejuízos transitados que importe cobrir.

Numa situação de uma sociedade muito saudável que já está no mercado há algum tempo e que lhe
permitiu por isso conseguir constituir a reserva legal mínima global a que estava sujeita nos termos
do art. 295.º CSC, então todo o lucro do exercício é distribuível.

Mas em geral, esta situação nem sempre é uma situação muito frequente, por as reservas legais
constroem-se devagarinho. Aquilo que acontece é que eu em geral relativamente ao lucro do
exercício que se verifica (e caso não haja prejuízos transitados a cobrir), vou retirar 5% do lucro do
exercício para reforçar a reserva legal.

Daqui decorre que eu vou em princípio dispor de 95% do lucro do exercício. Mas uma sociedade
comercial em princípio também não gosta de dispor de tudo aquilo que obtém. Se as coisas depois
não correrem bem, a sociedade vai ter de se capitalizar novamente. E há razões de ordem fiscal,
neste caso não de ordem substantiva comercial, que justificam que seja preferível, se anteciparmos
um período complicado, deixar o capital na sociedade em vez de o levantar para depois termos de o
repor.

Se o capital ficar na sociedade, para além de poder ser improdutivo durante um determinado
período, a verdade é que ele não tem efeitos fiscais, porque está estacionado na sociedade. Se o
levantar, este levantamento, que é uma distribuição, vai gerar o efeito tributário. Vou ter de pagar
para receber. Mesmo que só tenha de pagar 28% para receber, 28% é mais de ¼ daquilo que eu vou
receber. Significa que em termos líquidos com menos do que aquilo que a sociedade distribuiu. Ou
daquilo que poderia ter ficado na sociedade.

Se eu a breve prazo for chamada outra vez a capitalizar a sociedade, ou a fazê-lo através de um
aumento de capital, ou a fazê-lo através daquelas figuras como suprimentos, então dessa altura já
disponho de menos. Logo, se era para voltar à sociedade, mais valia lá ter ficado. Por isso é natural
que as sociedades talvez não queiram distribuir tudo.

Mas também é normal, para quem investe na sociedade, para quem é sócio da sociedade, que
queira ter um retorno mínimo, ainda que variável, do seu investimento, porque arriscou o capital e
quer que esse capital dê rentabilidade. E o que diz o art. 294.º CSC é que, em princípio, metade do
lucro que for distribuível, tem mesmo de ser distribuído, e a outra metade vai depender da maioria
dos sócios.

Isto é importante para quem for sócio minoritário saiba de antemão quando vê as contas e o lucro
do exercício quanto é que em princípio lhe vai caber. Vê que existem 1000€ de lucro do exercício
distribuíveis, por exemplo. Não foi preciso reforçar a reserva legal, porque está completa. Há 1000€
de lucro do exercício distribuível. Então ele já sabe que 500€ vão ter de ser distribuídos. E que se ele
tiver 20% da sociedade, vai receber 100€ desses 500€. É simpático, consegue planear e antecipar a
sua vida.
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É isso que resulta da lógica que está subjacente às regras sobre distribuição periódica de lucros,
quer nas sociedades por quotas (art. 217.º CSC), quer nas sociedades anónimas (art. 294.º CSC). O
POC vai explicar estes artigos à exaustão quando dermos o direito aos lucros, mas devemos ir
olhando para eles. Vamos ver que a diferença entre um artigo e outro é mínima. Sabendo um,
saberemos o outro.

Voltando à hipótese: “sabendo que a sociedade tem registado sistematicamente lucros” – porque é
que isto cá está? Isto está aqui como indicação  esta sociedade não pode ter prejuízos transitados.
Tem sempre lucros, não tem perdas transitadas. É isto que decorre logo daqui. Daqui já temos que
saber que esta sociedade não tem perdas transitadas.

E depois acrescenta-se que “a reserva legal já é equivalente a 20% do capital social” – melhor ainda,
a reserva global mínima legal está preenchida. Portanto se já foi preenchida significa que aquilo que
resultar do lucro do exercício não vai ser preciso nem para cobrir prejuízos, nem para reservas
legais, logo, vai ser distribuível.  Os sócios podem distribuir, aplicar a totalidade dos lucros do
exercício.

Sabendo que a sociedade obteve em 2020 um lucro de 500.000€, sabemos que este é o lucro do
exercício e também é o lucro distribuível nesta sociedade. É tudo aquilo que ela pode distribuir.

 Questão: Se um acionista detentor de 10% do capital social tem a expectativa jurídica (já tendo
visto as contas) de vir a receber dividendos? Quer dizer que as expectativas jurídicas também são
situações jurídicas válidas na caracterização da SJ do sócio, do seu estatuto. E qual o montante
correspondente a essa expectativa?

Ele tem 10% de 500.000€, logo ele não tem uma expectativa jurídica a 10% de 500.000€. Essa pode
ser uma esperança – poder ter 10% de 500.000€ se todo o lucro do exercício for distribuído, se por
maioria os acionistas deliberarem distribuir tudo, mas isso não é uma expectativa jurídica, não tem
tutela. Isso quando muito é uma mera expectativa, ou uma esperança.

A expectativa que ele tem é que seja de facto promovida a distribuição de pelo menos metade do
lucro do exercício. Se o lucro do exercício são 500.000€, metade são 250.000€ e 10% de metade são
25.000€. portanto a resposta é: Ele tem uma expectativa jurídica de vir a receber 25.000€.

2. Caso a maioria delibere não distribuir quaisquer dividendos, o que poderá Alfredo fazer?

Temos aqui um problema. A lei diz que metade do lucro do exercício distribuível deve ser
distribuído. Isto gera uma expectativa jurídica. Porque é que não é logo um direito? É expectativa
porque ainda não houve uma deliberação de aplicação do resultado. Se já tivesse havido uma
deliberação de aplicação do resultado, se os acionistas em globo já tivessem deliberado a distribuir
50% dos lucros do exercício daquele ano que corresponde exatamente ao lucro distribuível, então ele
já teria um direito a receber aquilo, porque era acionista naquele momento e por isso ele tinha um
direito do qual aliás poderia dispor. Ele até poderia ceder esse direito a um terceiro se quisesse e/ou
ser ele a apresentar-se no momento do pagamento e receber. Se lermos os outros números do art.
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294.º CSC vamos ver que eles falam sobre o momento do pagamento. É interessante antecipar esse
conhecimento.

Ele só tinha a expectativa, porque de facto o que aconteceu foi que na AG (não sabemos se foi
proposta ou não a distribuição de metade do lucro do exercício) – pode até ter sido proposta, mas a
verdade é que não foi aprovada a proposta de distribuição. E portanto, o que resultou da AG é que
não se vai distribuir lucro nenhum.

Pode ter sido proposto logo não distribuir nada, pode ter sido proposto distribuir metade e ter sido
rejeitada a proposta, o que dá também em zero. E portanto estamos nesta situação. O que é que
pode o acionista fazer?

O que o acionista pode fazer é reagir contra essa deliberação ou quanto à falta dessa deliberação
se for uma questão de falta da deliberação, porque a mesma traduz uma desconformidade com
aquilo que deve resultar do sistema legal, com vista a tutelar, neste caso, a sua expectativa jurídica.

Poderíamos ter aqui uma situação diferente que era ter sido deliberado ser distribuído metade mas a
sociedade não ter pago, por exemplo. Aí já havia, contudo, um direito, como é evidente. Ele, para
reagir, tem que perceber perante que situação é que está. Mesmo que haja uma deliberação de não
distribuição de lucros do exercício nesse exercício, ele reagir contra essa deliberação e procurar
invalidá-la dado que ela tem uma vicissitude, dado que ela é desconforme ao regime legar, não lhe
traz os lucros. Não lhe resolve a situação, não é suficiente para resolver a situação.

Ele precisa de uma deliberação que conclua no sentido de ser distribuído metade do lucro do
exercício, e que depois a sociedade cumpra. Só que ele não consegue impor que os acionistas
aprovem essa distribuição. O direito vai ter que dar uma solução: é recorrer ao tribunal para
promover a execução específica da deliberação social em falta, que é a deliberação de distribuição
dos 50% do lucro do exercício distribuível.

Tal e qual acontece no domínio do contrato-promessa quando, estando o mesmo sujeito a execução
específica, uma das partes, normalmente o promitente vendedor, se recusa a celebrar a escritura
definitiva e podemos ter de recorrer ao tribunal para que o tribunal emita uma declaração que tenha
o valor da declaração negocial em falta, eu aqui vou estar exatamente na mesma situação.

E se nem sequer aqui houve deliberação no sentido da distribuição, é essa a deliberação que eu
preciso de substituir. Eu preciso de uma declaração judicial sob forma de sentença que na realidade
corresponda a uma deliberação de distribuição de 50% do lucro do exercício distribuível.

3. Se a solução é diferente se a não distribuição for deliberada por todos os demais sócios. Refira, se,
ainda assim, Alfredo pode reagir, nesse caso, com sucesso à falta de distribuição.

E quanto à deliberação que foi tomada da não distribuição: ou é uma não deliberação, e então é
irrelevante, porque é substituída pela que estava em falta – por exemplo, a administração até propôs
distribuir 50% do lucro do exercício, mas os acionistas chumbaram a proposta, a rejeição gera uma
não deliberação.
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Se eu já quiser aproveitar a deliberação, aí é diferente: imaginemos a situação de ter sido aprovada
não a distribuição de 50%, mas de 25% - ficou aquém da expectativa. Neste caso, não interessa ter só
os 25%, o que vamos precisar de ter aqui é de anular a distribuição dos 25% (que são uma
deliberação positiva) e em simultâneo requerer a execução específica de uma deliberação que a
substitua, no montante dos 50%.

4. Caso os acionistas estejam interessados em reembolsar parte do capital social, dada a situação
desafogada da sociedade, poderão fazê-lo? Que operação terão de efetuar com essa finalidade e
que formalidades devem observar? Refira se o principal credor da sociedade se pode opor.

O que está aqui em causa é uma redução do capital para libertação de excessos – arts. 94.º e segs.
CSC. É preciso assegurar que a sociedade mantém uma reserva legal integral, o que no caso já tinha
porque já tinha uma reserva legal que já era mais do que suficiente para o capital que irá existir
depois da redução.

As formalidades são simples – é haver uma deliberação dos acionistas que conclua pela redução do
capital.

Quanto à posição do credor, o que nos diz o art. 96.º CSC é que os credores não se podem opor. Eles
não podem interagir com a deliberação em causa, que é a redução de capital. O credor não pode
atacar a deliberação mas ele pode, fazendo uso do mecanismo previsto no art. 96.º CSC no fundo
exigir que o crédito lhe seja satisfeito ou que então, enquanto tal não vier a suceder, não possa
aquela sociedade proceder à distribuição lícita de bens. Dessa maneira, vai procurar assegurar a
satisfação do seu crédito.

FIM DO CASO PRÁTICO  VOLTANDO À CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO JURÍDICA DO SÓCIO E DO


ACIONISTA:

Já tínhamos visto que o problema em causa é determinar se uma pessoa se considera sócio de uma
sociedade por ter certos direitos e deveres ou se a pessoa tem os direitos e deveres por ser sócio.
Isto é um bocadinho procurar qual é a qualidade que vem primeiro.

É certo que uma SC tem que celebrar um contrato, que nalguns casos é um verdadeiro NJ unilateral
se a sociedade for unipessoal, porque tem apenas um interveniente – embora se chame à mesma
contrato de sociedade. É um anacronismo com o qual temos de viver.

Mas enquanto em determinadas sociedades do contrato de sociedade vão resultar para aqueles
que nele participam, para os contratantes, diversos direitos e deveres (essencialmente), porque é
essa a perspetiva que a lei adota sobre a participação nessa celebração, vai-se concluir que do
contrato resultarão a representação da participação de uma pessoa nessa sociedade e que as SJ
inerentes a essa participação são na sua grande maioria indexadas à participação criada pela
celebração do contrato, é com base na titularidade pontual dessas SJ que concluímos que uma
pessoa é sócio de uma sociedade. Chamamos-lhe acionista nas SA, mas com pouco relevo – porque

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a situação decorre da titularidade dos direitos e deveres, portanto eles estão à frente da situação.

Mas nas sociedades de pessoas, aquilo que acontece é que o contrato de sociedade é um requisito
necessário para obter um estatuto, para obter uma qualidade. Ou seja, para criar uma pessoa
jurídica é daí que nesse caso nós dizemos que a perspetiva não é contratualista – não é o contrato
que releva como na primeira situação que vimos – neste caso o que releva é uma perspetiva
institucionalista. O contrato é o meio para fazer uma pessoa jurídica autónoma ou uma instituição.
Quem participar na celebração desse contrato adquire um estatuto, uma determinada qualidade, e
por ter essa qualidade, vai ter certas SJ – direitos e deveres.

Os direitos e deveres são, pois, o conteúdo do estatuto do sócio, que se adquire pela celebração do
próprio contrato de sociedade. Aqui está a lógica de olhar para as SC em geral. E nesta
diferenciação está muito clara a diferenciação que existe entre as sociedades de pessoas em que
olhamos para o relevo da própria pessoa e as sociedades de capitais, aquelas em que o principal é o
que se agrega e depois naturalmente as pessoas têm importância porque o direito ainda não
encontrou um meio de poder fazer atuar SJ sem ser por recurso a pessoas. É por isso que elas
acabam por ter relevo, mas as SJ da sociedade vão ser atribuídas às próprias participações em que se
materializam os capitais que se agregam  objetivação da participação social, em razão da própria
ação, do próprio objeto e não a subjetivação da participação social que é característica das
sociedades de pessoas porque o que se atende é a pessoa do sócio.

Fundamento das sociedades

Também vai ter que variar, como é evidente. Mas o fundamento das sociedades tem um aspecto
comum: as sociedades são a forma jurídica que o Direito encontrou para no fundo reconhecer a
chamada personificação da empresa coletiva, isto é, da pessoa coletiva que prossegue uma
atividade económica com natureza comercial.

Essa empresa coletiva, porque a empresa não tem personalidade jurídica (é uma agregação de
fatores de produção), precisa de uma forma jurídica e essa forma jurídica pode no fundo
corresponder a uma pessoa singular = empresário individual = detentor desses meios de produção
ou uma empresa coletiva = sociedade. É isso que habitualmente fazemos. O fundamento é de
encontrar uma pessoa jurídica que assuma, correndo o risco do capital, uma empresa comercial.

Mas também é verdade que o fundamento é o fundamento quanto à participação propriamente dita
de cada sujeito que adere a esse projeto, é um fundamento que pode ser diferente. Enquanto no
momento constitutivo há uma enorme ligação da pessoa à sociedade, designadamente através das SJ
que vão ser reconhecidas (direitos que lhe vão ser atribuídos em vida da sociedade e sobretudo nas
sociedades de capitais) o fundamento pode ser outro.

Ou seja, quando eu constituo uma sociedade, eu faço-o porque eu tenho interesse naquela
entidade para prosseguir uma determinada atividade, na qual eu estou mais ou menos envolvido –

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mais envolvido nas sociedades de pessoais, menos envolvido nas sociedades de capitais. Mas eu
posso, quando constituo uma SA, estar também muito envolvido. Só que eu vou no fundo provisionar
com meios financeiros muito superiores e vou no fundo conferir uma complexidade que me faz optar
pela aquela forma jurídica. No fundo, eu quero usá-la no exercício da atividade comercial. Tenho uma
ligação enorme à sociedade. Essa ligação muito grande que se tem à sociedade chama-se affectio
societatis. Uma ligação, uma afeição à própria sociedade.

Porque é que dizemos que isto nas SA não é uma verdade absoluta essa ligação? Porque pode
suceder que alguns dos sócios iniciais o queiram rentabilizar no seu investimento, do capital que
arriscam naquela projeto. Eles podem pensar: “eu não quero estar minimamente envolvido nisto,
não quero exercer a atividade no mercado e quero estar só à espera de que ela gere rendimento”.

Nas outras sociedades, nas mais pequenas, nas sociedades de pessoas (SPQ) eles fazem a sociedade
porque eles querem exercer em comum uma certa atividade económica com uma finalidade
lucrativa. Eles precisam que a empresa tenha a forma jurídica de uma sociedade – é a forma de uma
sociedade comercial por quotas, sujeita a um regime jurídico em que as pessoas vão ser realçadas,
as SJ vão ser atribuídas às pessoas e vão ser atribuídas independentemente do montante que elas
aportarem à própria sociedade. É isso que caracteriza uma sociedade de pessoas.

Aqui, há sempre affectio societatis. No fundo, não faço isto para obter um ganho, ou à espera de que
passado um ano ou dois me venham trazer a minha casa onde eu estive calmamente sentada. Não,
aqui o que eu quero fazer é estar envolvido naquela atividade que eu resolvi prosseguir sob forma
societária, uns mais porventura do que outros, mas há aqui um envolvimento comum.

Na SA, depende. Depende da dimensão, depende do tamanho. Muitas vezes a SA constitui-se com
uma dimensão pequena e depois aumenta porque tudo corre bem. É uma sociedade que está apta a
realizar esses projetos e portanto quanto mais capitais forem disponibilizados, maior é a possibilidade
de êxito daquela entidade. Então percebe-se que possa haver pessoas logo que queiram financiar
aquela entidade sem que estejam muito preocupados sobre a forma como ela vai ser concretamente
gerida no dia-a-dia, como é que vão ser celebrados os NJ, que NJ em concreto vão celebrar, etc. O
que lhe interessa é ter uma visão geral daquilo que vai ser o potencial retorno do seu investimento.
É um investimento financeiro – e é isso que é característico dos investimentos que nós vemos em
muitos investidores, sobretudo daquelas sociedades anónimas cujas participações são objeto de
transação no mercado regulamentado.

O nosso país é muito pequeno e portanto são poucas as sociedades no nosso país que estão nesse
mercado regulamento a serem regularmente transacionadas. Mas nos países como por exemplo os
EUA, a quantidade de sociedades que está todos os dias a ser transacionada no mercado é
verdadeiramente esmagadora. E, muitas vezes, as variações de mercado em relação às sociedades
são até variações que decorrem, como não pode deixar de ser, das áreas de atividade em que as
mesmas se inserem.

É muito simples: podemos imaginar, por exemplo, neste momento, as sociedades norte-americanas
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que exploram empresas de armamento devam estar com a cotação altíssima, porque o que se diz é
que todos os países vão dobrar os seus orçamentos de armamento. E portanto, o que vai acontecer é
que elas vão produzir muito mais, vão vender muito mais e vão ganhar muito mais.

É isso que acontece. Por exemplo, há umas que se vão mantendo quase sempre constantes que são
as farmacêuticas. São talvez o melhor investimento desde sempre, porque as pessoas se preocupam
muito com a utilização dos fármacos. E depois há outras que vão variando muito, por exemplo, as
petrolíferas.

A capitalização bolsista confere poder a essas mesmas sociedades, porque elas abrem
frequentemente o seu capital no mercado e com isso captam recursos nos aumentos de capital que
vão colocar no mercado. Porque quando captam recursos, aumentam a sua dimensão.

Mas nessas sociedades, todos os acionistas, todos os que nela investiram, tiveram exclusivamente
em vista o investimento financeiro? Não. Muitas dessas sociedades têm alguns acionistas que de
facto participaram nelas com a affectio societatis, não obstante a sua dimensão. E isso muitas vezes
até espelha a distribuição do capital que essas sociedades têm. Encontramos ainda no contexto dos
seus acionistas alguns deles com participações muito significativas e que são no fundo acionistas que
estiveram na fundação daquelas empresas ou que são sucessores daqueles que estiveram na
fundação daquelas empresas.

Isso por exemplo é muito habitual nas empresas farmacêuticas. De um modo geral, estas são
empresas que ainda têm uma grande ligação (sobretudo na Europa Continental) a quem as
constituiu, a quem as fundou e que naquela altura tinha, porventura, a totalidade do respetivo
capital, que mais tarde aceitou dispersar parcialmente para com isso obter os tais meios que lhe
permitiram um desenvolvimento maior.

Como é que se qualifica a situação jurídica do sócio?


É uma situação complexa. Quer essa SJ decorra de diversas SJ que a integram e portanto a qualidade
resulta dos direitos e obrigações, quer seja ao contrário: quer seja por ser sócio ter esses direitos e
obrigações. É complexa e é essencialmente formada por direitos e obrigações. São as principais
situações jurídicas que vamos encontrar. Mas também há outras SJ, como já vimos por exemplo uma
expectativa jurídica, que pode eventualmente evoluir para um direito subjetivo.

Mas há mais. Também há ónus, que no fundo são SJ que devem ser atuadas para evitar uma
determinada desvantagem, por exemplo, há uma desconformidade entre o regime jurídico ou o
regime legal e aquilo que uma sociedade comercial resolveu efetuar, a deliberação que a sociedade
comercial resolveu fazer. Os sócios têm o ónus de impugnar essa deliberação social. Não têm que o
fazer, um ónus não é uma obrigação, nada lhes acontece diretamente se eles nada fizerem, só que
vão perder uma situação de vantagem, uma situação de poder repor no fundo a desconformidade em
causa.

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Sendo certo que podemos encontrar logo uma diferenciação por isso na participação da sociedade
entre a aquisição do estatuto de sócio, a tal affectio societatis, ou investimento financeiro em vida
sociedade, é mais vulgar que as adesões, sobretudo nas sociedades de capitais, sejam adesões que
exprimem verdadeiros investimentos financeiros:

Nessa altura o mercado já conhece a sociedade, já sabe que aquela sociedade é uma aposta segura. É
uma sociedade que tem uma determinada solidez, que está a provar que merece subsistir e que tem
excelentes expectativas. Então, nessa circunstância, dizemos que a participação de quem vai aderir,
é essencialmente um investimento financeiro. Quem adere nessas circunstâncias não está muito
preocupado em pensar se esta sociedade não deveria seguir outro caminho. Está a pensar que o
caminho que ela está a seguir é um bom caminho e quer aproveitar um pouco desse trajeto. Quer ver
se investindo nela consegue rentabilizar a sua participação.

E vai rentabilizar a sua participação por 1 de 2 vias:


 por um lado, pelos rendimentos periódicos que vai obter dessa sociedade
o quanto mais baixas estão as taxas de juro, melhor funcionam os mercados de capitais
 os mercados onde são transacionados valores mobiliários em geral, e em
particular, ações – equity.
o Isto porque se eu tiver o meu dinheiro aplicado e não receber, onde eu tenho
depositado, qualquer contrapartida, então significa que não multiplico, não faço
crescer.
o Então, porventura, se uma SC distribuir 10% de dividendos por ano, significa que se eu
aplicar tudo nessa sociedade, vou ter esse retorno.
o É com risco, porque a sociedade pode quebrar. Mas se fosse uma certeza todos nós
investíamos em sociedades, como é evidente.
o Se houver taxas de juro elevadas, se eu souber que tenho no meu capital e deposito
num banco e o banco me paga 3, 4 ou 5% de juros, então eu para investir no mercado
de capitais, investir numa ação, preciso de ter a previsão de que vou receber bastante
mais. Preciso de sociedades com maior capacidade lucrativa, porque se não mais vale
estar sossegado onde não corro qualquer risco.

Limitação da responsabilidade pessoal do acionista com a exceção à limitação da responsabilidade


pessoal do acionista

A limitação à responsabilidade pessoal do acionista é a chamada responsabilidade do sócio único.


Já vimos isto a propósito da empresa plurisocietária, dos chamados grupos de sociedades (art. 501.º e
502.º CSC). Chama-se agora a atenção a propósito do art. 84.º CSC, em sede geral de sociedades
comerciais, porque trata de responsabilidade do sócio único.

Mas a verdade é que a regra geral do nosso Direito é a de que nalgumas sociedades há uma

109
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
limitação da responsabilidade dos participantes ao capital por elas subscrito (SPQ) ou ao capital
subscrito pelos próprios participantes (SA), o que significa que a sua responsabilidade se esgota ou
está limitada ao capital social que os sócios se comprometeram a realizar.

Se realizaram logo no início a totalidade da sua parte, já mais nada lhes poderá ser exigido. Atenção
que há um princípio fundamental que decorre deste que é aquele segundo o qual para que não
haja frustração de expectativas por participar numa SC, não se pode admitir que venham a ser
criadas novas obrigações em vida da sociedade que não fossem já previsíveis, isto é, que não
tivessem sido já previstas quando o sócio aderiu à própria sociedade.

Aqui há por isso um importante princípio estruturante do Direito Societário: princípio da


inoponibilidade de novas obrigações em vida da sociedade. Este princípio está consagrado no art.
86.º n.º 2 CSC26. É estruturante porque explica como é que se participa numa sociedade, ele é
determinante para realizar bem a limitação da responsabilidade.

E se eu, apesar de não haver obrigações, as vier a criar em vida da sociedade? Se eu resolver dizer
assim: doravante, se a sociedade precisar de se capitalizar, os sócios são obrigados a emprestar-lhe o
montante máximo correspondente a 1/5 do seu investimento em capital. Investiram 1000€ em
capital, passam a ter a obrigação de investir mais 200€. Eu posso introduzir esta cláusula no contrato
de sociedade. Para isso vou precisar que se verifique o quórum deliberativo necessário para este
efeito.

As SC, como estudaremos adiante, têm um interesse muito grande, uma vez que são perspetivadas
como verdadeiras pessoas jurídicas, que é procurar pensarmos que nalguns casos não é tão
adequado, dada a pluralidade de participantes no respetivo capital, fazer depender, como resultaria
dos princípios gerais das obrigações, da concordância de todos esses participantes, às alterações no
seu próprio estatuto  princípio da pontualidade dos contratos (Direito das Obrigações): os
contratos devem ser pontualmente cumpridos nos pontos em que foram acordados e só podem ser
alterados ou modificados com o mútuo consenso.

Se a sociedade da pessoa jurídica que resulta deste contrato estivesse sempre sujeita às mesmas
regras, ela tinha pouca dinâmica, pouca capacidade de adaptação aos estímulos exteriores. Ficaria
na dependência da vontade de todos os participantes. Então como é que o direito societário, de uma
forma lógica vai encarar essa situação?

Vai pensar assim: vou eventualmente, perante a possibilidade de ter de acolher a intervenção de
todos, vou pensar se os tipos societários que podem ser criados não vão eles próprios exigir regras
diferenciadas. Vou concluir que naquelas sociedades em que as pessoas forem muito importantes,
sou capaz de ter que ser mais exigente nas modificações. 27 Sou capaz de ter que dizer: tem que haver
um maior consenso, porque as pessoas participaram naquelas entidades tendo em conta a sua
relevância própria mas também tendo em conta a relevância das outras pessoas com as quais se
26
Não podemos ir para os exames sem saber este artigo 
27
Não sei se perceberam, mas isto foi o direito societário a falar em discurso direto
110
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
resolveram acordar para aquele efeito. Isso é admitido nas chamadas sociedades de pessoas com

, porque elas sabem que se a sociedade não responder, qualquer delas vai ser chamada a responder,
sem prejuízo de um eventual direito de regresso que tenha sobre os demais.

Mas nas sociedades de capitais, isto é, em que fundamental olhamos para aquilo que se reúne,
para aquilo que se disponibiliza e portanto têm uma participação de muitas pessoas, estar a fazer
depender de todas é muito violento, porque são tantas que na prática era o mesmo que dizer que
não havia modificações. Como é lógico, nessas entidades, as maiorias necessárias para promover as
alterações do estatuto societário têm que ser necessariamente mais reduzidas do que naquelas que
agrupam as pessoas que participam na sociedade.

Se confrontarmos, por exemplo, os artigos relativos às sociedades em nome coletivo, às sociedades


por quotas e às sociedades anónimas, vamos ver que nas SNC 28 podemos ser remetidos sempre ou
para unanimidade ou para ¾ do capital para podermos alterar o estatuto da sociedade, na SPQ somos
remetidas para ¾ do capital social (art. 265.º CSC) e nas SA somos remetidos para 2/3 dos presentes
(nem sequer é 2/3 do capital) e normalmente, não estão todos presentes (art. 386.º n.º 3 CSC).

A tal pontualidade vai sussurrar, porque se entende que o relevo da pessoa jurídica aqui em causa
exige que as modificações que venham a ser criadas sejam modificações que não podem ficar na
disponibilidade de todos os que contribuíram para nela participar.

E portanto, voltando ao nosso exemplo, estamos a tentar modificar o contrato de sociedade para que
ela possa exigir suprimentos aos seus acionistas correspondentes no máximo a 1/5 do seu
investimento, do capital que eles tinham subscrito. Aqui aquilo que está em cima da mesa é no fundo
saber se eu posso em vida da sociedade promover essa alteração.

Eu posso promover a alteração desde que na realidade se verifique o número de votos que
corresponda ao mínimo capital que é necessário para poder alterar o contrato de sociedade, mas
eu não posso vincular ninguém que não tenha votado favoravelmente a esta modificação a esta
medida nova que introduzi, porque há um princípio estruturante do art. 86.º n.º 2 CSC que não me
permite criar novas obrigações em vida da sociedade e opô-las aos acionistas. Significa que essa
alteração é ineficaz em relação aos acionistas que não a aprovaram e por isso na prática isso significa
que o adequado é que esta alteração seja deliberada por unanimidade, passando a ser oponível a
todos aqueles que já estavam na sociedade. Evidentemente que em relação àqueles que venham a
aderir à sociedade no futuro já não é oponível, porque nessa altura ela já lá está.

É no momento constitutivo que devemos ponderar e projetar as SJ que vamos pretender para
aquela sociedade. Naquela altura há aliás um consenso fácil – todos estaremos de acordo ou não. No
momento inicial, em princípio, tem que haver acordo de todos os que subscrevem a sociedade.
Depois torna-se mais difícil porque as coisas nem sempre correm como nós pensamos.
28
Sociedade em nome coletivo
111
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Dever de lealdade dos sócios

Há um dever legal de lealdade dos sócios? Vamos ver que há um dever legal de lealdade, por
exemplo, a quem cabe gerir a sociedade e a quem cabe controlar essa gestão. Esse dever legal está
no art. 64.º CSC, que é o principal dever dos administradores e gerentes e também dos membros dos
órgãos de fiscalização. Eles têm que atuar tendo em conta também os interesses de todos os outros
interessados e participantes na sociedade – stakeholders – todos aqueles que possam ver de algum
modo a sua EJ afetada pelo exercício da atividade da sociedade e nomeadamente pelos contratos que
com ela celebraram.

Mas, no entendimento do POC (e aqui a doutrina divide-se), o dever de lealdade dos gestores e dos
órgãos de fiscalização não é transponível para os próprios sócios. Não há nenhuma regra legal que
exija esse dever de lealdade dos sócios. Se houvesse uma regra legal que exigisse um dever de
lealdade dos sócios, em última análise, essa regra legal podia derrogar o princípio da limitação da
responsabilidade.

A limitação da responsabilidade significa que eu como sócio depois de ter subscrito e realizado a
minha participação, se eu me desinteressar dela, já não tenho mais nada, porque não vão ser
oponíveis novas obrigações. É uma atitude correta do ponto de vista social? Não. É uma atitude que
deve ser ponderada. Quem não estiver interessado na participação, em princípio devia dar o lugar a
quem possa estar interessado.

Mas não há uma obrigação propriamente dita. O dever de lealdade há em toda a contratação. Isto é,
o dever de lealdade é um dever de atuação, é uma postura adequada na intervenção na OJ,
nomeadamente no mundo contratual. Quando eu digo que não há um dever de lealdade dos sócios
ou dos acionistas, quer dizer que não há um dever de lealdade autónomo que se justifique fazer
sobressair na caracterização do seu estatuto.

Não quer dizer que eles não devam atuar com lealdade como devemos atuar com lealdade em
todas as componentes da nossa vida pessoal e sobretudo na nossa intervenção na economia.
Parece que este dever legal de lealdade dos sócios vai sussurrar primeiro perante a limitação da
responsabilidade, segundo perante o princípio da inoponibilidade das novas obrigações em vida da
sociedade, que em última análise, elevado ao expoente, significava que quando a sociedade tivesse
necessidade afinal sempre podíamos ir pedir aos sócios, exigir-lhes. Ao POC, isto parece
manifestamente excessivo.

Outro princípio importantíssimo que se estuda a propósito da SJ do sócio ou do acionista tem a ver
com o princípio da igualdade de tratamento e também tem a ver com a tutela da minoria:
 Só se pode tratar por igual aquilo que é substancialmente idêntico. Não posso ficar obrigado a
tratar por igual aquilo que tenha diferenças substanciais.
o Portanto, a igualdade de tratamento, em qualquer das suas dimensões, mesmo na

112
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
sua dimensão ontológica, depara forçosamente com essas limitações.
 Por mais que o princípio se imponha, a verdade é que essas limitações podem
justificar que haja uma diferente abordagem.
 Procurar de algum modo atender ao princípio da igualdade de tratamento é procurar
perspetivar na participação que ocorre de uma SC que quando essa participação se processa
de forma idêntica, todos aqueles que intervêm são tratados de modo análogo.
o Se isso no domínio das SA é absolutamente claro e resulta também facilmente da
própria objetivação da participação social, do facto de uma ação encerrar um mesmo
acervo de direitos e vinculações, também é verdade que no domínio de uma SA, nós
podemos admitir criar categorias diferentes de ações.
 Isto é, criar participações que não têm exatamente em termos qualitativos os
mesmos direitos e obrigações que têm outras que existam, que são as tais
que são comuns.
 Se isso é assim, eu percebo que quando trato ou procuro tratar igualmente todos os
intervenientes no fenómeno societário, eu tenho que reportar esse tratamento a uma mesma
identidade de situações, a uma mesma categoria.
o Se numa sociedade de pessoas é difícil distinguir diferentes situações, porque o
relevo da participação é um relevo subjetivado, essencialmente pessoal de quem
investe na sociedade e adquire o estatuto de sócio, já na SA temos que ver qual é a
situação.
o Há situações excecionais em que se deve admitir que não se deva observar
religiosamente o princípio da igualdade de tratamento.

No plano do CSC, o princípio da igualdade de tratamento surge essencialmente a propósito da


aquisição das participações próprias, que é um fenómeno que estudaremos adiante – da aquisição
das ações próprias. É a possibilidade que a sociedade tem em certas condições de adquirir as suas
próprias participações e naturalmente que o beneficiário dessa aquisição vai ser o acionista que as
alienar à própria sociedade.

Se a sociedade se predispuser a adquirir participações próprias de acordo com o art. 321.º CSC, está
sujeita a um princípio de igual tratamento dos acionistas: não pode escolher o acionista A e dizer que
compra toda a sua participação. Nem pode dizer que vai comprar só a 2 ou 3 acionistas. Ela quando
se predispõe a comprar, tem que comprar a todos os acionistas que sejam titulares de participações
que estejam na mesma situação (participações da mesma categoria, que tenham uma mesma
identidade de direitos e vinculações).

Eu posso dizer: só vou comprar participações ordinárias. Estou a fazer uma diferença tendo em conta
a diferenciação ou natureza das situações envolvidas. Também posso dizer que só vou comprar ações
privilegiadas. São ações que são dotadas de vantagem ou privilégio. Mas não posso dizer em relação
às ações ordinárias que vou comprar as do A mas dos outros não quero – isso é uma discriminação
que a própria lei não admite.

Este princípio da igualdade de tratamento, que tem este propósito e vai expandir para todo o regime
jurídico da sociedade anónima, existe subjacente em muitas situações. Numa delas já falámos:
113
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 Eu estou a reembolsar o capital, estou a reduzir o capital para libertação de excesso. Quando
reduzo o capital para libertação de excesso estou a reembolsá-lo, estou a reduzir, não estou a
extinguir a sociedade.
o Tinha 1.200.000€ de CS, vou reduzir para 1.000.000€.
o Isto é, vou no fundo retomar 200.000€. É 1/6.
 Não posso dizer que vou entregar o valor do capital reembolsado ao acionista A e não aos
outros. Não posso fazer isso porque estou sujeito ao princípio do igual tratamento dos
acionistas.
o Em princípio, vou ter que reduzir e entregar proporcionalmente a todos os acionistas.
o Vou dizer: dado que estou a dar 1/6 do capital vou entregar aquilo que reduzo:
 por cada 6 ações que a pessoa tenha, eu entrego o correspondente ao valor a 1
 se o capital é de 1.200.000€ e vai passar para 1.000.000€, eu vou conservar 5
ações e recebo o capital correspondente a 1 ação.

23.03.2022

Voltando à situação do sócio e do acionista:


 Igualdade de tratamento: está em cima da mesa, sempre que por alguma razão a sociedade
possa de algum modo avantajar um acionista relativamente a outro.
o Por exemplo, quando se propõe comprar as participações que ele tem no seu capital –
operação de aquisição de ações próprias. Pode beneficiar um acionista porque pode-
lhe pagar um valor superior àquele que ele obteria no mercado pelas mesmas
participações. É lógico, então, que todos possam também disponibilizar à sociedade as
suas participações, pelo menos em termos proporcionais ao montante que detêm no
capital da sociedade, porque só assim é que se cumpre a igualdade de tratamento dos
acionistas.
o Por isso é que o art. 321.º CSC fala em igualdade de tratamento dos acionistas e não
das ações. Porque o que está em causa aí são mesmo os acionistas, porque as ações
levam todas o mesmo tratamento. Umas são compradas e outras não são.
 Os acionistas é que querem, relativamente àquilo que têm, ter a possibilidade
de vender em paralelo com os demais acionistas.
o Este princípio também se aplica, por exemplo, na redução do capital se estiver em
causa uma aquisição de ações para redução do capital, porque permite o reembolso
aos acionistas.
o Mas sofre derrogações:
 Uma que tem a ver com a própria natureza das ações – se chegarmos à
conclusão de que há duas categorias de ações, com conteúdo de direitos
distinto no contexto da sociedade, aí sim os atos que se dirigem a uma
categoria de ações não têm necessariamente que se dirigir também à outra,
porque há uma diferença de situações.
 Se a situação for excecional. Se, por exemplo, estiver em causa, por razões de
reputação da sociedade, adquirir a participação ao acionista, então aí, de facto
não podemos lançar o processo de ir ver se estão todos interessados em
vender. Temos que no fundo agilizar aquela ação. POC: aí há uma justificação

114
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para a dita desigualdade de tratamento. Por exemplo, há um acionista que tem
as suas participações que estão a ser objeto de uma ação executiva. Significa
que vão ser vendidas publicamente. A sociedade pode ter interesse em que
isso não aconteça, porque isso não dá boa imagem. Não é só pelo facto de
poderem cair na mão de terceiros. É mais para, apesar de tudo, ter algum
controlo sobre aquilo que vai suceder e para as participações não estarem
dependentes do tribunal.
 Também aí a própria lei admite que possa haver uma aquisição de
ações próprias, excecional, e que não se tenha de estar a observar a
igualdade de tratamento, porque nem sequer conseguiríamos adquirir
todas as participações nessa situação: se eu estivesse numa situação de
igualdade de tratamento e se tratasse das participações do seu
acionista, para dar tratamento igual a todos tinha de comprar as de
todos.
 Isso por si só é impossível, porque a pescadinha só pode comer o seu
rabo, não pode comer-se toda a si própria, porque se não desaparece,
em teoria.

Tutela das minorias

Tem a ver com o facto de em certas circunstâncias, sobretudo nos casos em que a SC não consegue a
relevância do participante por si só, isto é, nos casos em que a SC atende fundamentalmente ao
montante e à dimensão da participação em si mesma, e portanto isto é uma questão que se coloca
essencialmente no domínio das SA, nas SC em que o capital está disperso...

...Porque no domínio das SPQ, os direitos vão ser reconhecidos essencialmente aos sócios. E por isso,
mesmo que a sua participação seja irrelevante, mesmo que eles sejam absolutamente minoritários,
eles vão poder dispor da generalidade dos direitos em termos qualitativos. Por exemplo, têm o
direito de estar na AG, mesmo que tenham uma participação de 1€. Têm o direito de votar, mesmo
que tenham uma participação de 1€. Têm a generalidade de direitos que, na mesma situação no
domínio da SA, poderia não assistir aos minoritários.

Para que no domínio das sociedades de capitais, aqueles que nelas investem obtenham alguma
tutela relativamente àqueles que têm uma participação maioritária no capital, e que são aqueles
que de algum modo decidem o destino da sociedade (não só no exercício da sua normal atividade,
mas também na escolha dos titulares que vão integrar os órgãos de gestão e de fiscalização), na
realidade, nessas circunstâncias, a lei cria alguns mecanismos em que determina que apesar de ser
exigente para admitir o exercício de certos direitos na sociedade, nalguns casos requerendo que
esses direitos sejam exercidos por quem detenha 10% do capital, nos casos em que os direitos
sejam exercidos por quem detenha 2 ou 5%, a lei estabelece um patamar da intervenção, tutelando
os acionistas quando lhes reconhece a suscetibilidade de se agruparem  art. 379.º n.º 5 – para
exercerem conjuntamente os direitos, que por si próprios não poderiam atuar, porque não detêm o
capital mínimo necessário que para aquele efeito seria exigido.29
29
Prometo não vos voltar a massacrar com uma frase deste tamanho
115
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Por isso, a lei fá-lo em várias situações:
 Art. 392.º CSC:
o Prevê que os acionistas minoritários, em certas circunstâncias, desde que perfaçam
um capital mínimo de 10%, possam promover entre si a eleição de um administrador.
 Quer dizer que os minoritários, em vez de terem de se confrontar
necessariamente com administradores da sociedade exclusivamente eleitos
pela maioria, vão poder também eles designar alguém para o CA.
 É verdade que depois a pessoa integra o CA e tem de atuar de acordo com o
interesse social (art. 64.º CSC). Mas não interessa. O que interessa é que vai lá
estar um administrador que de algum modo estará preocupado com os
interesses da generalidade e não apenas de quem porventura contribuiu para a
sua designação.
 Art. 291.º CSC:
o os acionistas que detêm 10% do CS podem solicitar informações por escrito à
administração.
 É uma prorrogativa relativa ao exercício do direito de informação no contexto
da SA.
 O que resulta da lei também é que mesmo aqueles que não perfaçam os 10%
por si só, desde que se agrupem com outros que conjuntamente com eles
atinjam os 10%, poderão, conjuntamente, exercer esse direito = exercício
coletivo à informação. Não é sempre coletivo, é coletivo naqueles casos em
que pelo menos um deles não tenha os ditos 10%.
 Art. 375.º n.º 2 CSC:
o Está em causa requerer a convocação da AG. A lei admite que os acionistas que detêm
pelo menos 5% do CS possam requerer a convocação da AG.
 Isso significa que os acionistas que porventura detenham menos de 5% podem
agrupar-se entre si para exercerem esse direito.
 Por exemplo, no domínio das sociedades cotadas, o art. 23.º-A CVM prevê que
nas sociedades cotadas seja suficiente os acionistas representarem 2%, porque
são sociedades, em geral, muito maiores. 2% de uma sociedade cotada é muito
mais do que 5%, em termos absolutos, de uma não cotada.
 É também uma regra que tutela uma minoria, no fundo uma minoria de 2%.

Há uma tutela das minorias indireta sempre que a lei de algum modo impõe que uma determinada
decisão societária, uma deliberação, seja necessariamente formada com uma maioria qualificada.
Significa que retira a arbitrariedade da maioria dos participantes na sociedade, correspondendo aos
votos em que se expressa o capital dessa sociedade, retirando a essa maioria a possibilidade de só
por si tomar certas decisões:
 Alteração do contrato de sociedade: entende-se que é muito importante. No domínio das SC a
alteração do contrato de sociedade e as regras a que ela está sujeita, são regras que em si
mesmas já implicam um desvio ao princípio da pontualidade dos contratos 30.

30
Concluído um contrato, as alterações que lhe queremos introduzir têm de merecer o acordo de
todos os contratantes.
116
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Aquilo que tem de especial o contrato de sociedade é que, porque de facto deste contrato irá
resultar uma pessoa jurídica autónoma e diferente daqueles que nela participarão, então entende-
se que o futuro dessa pessoa jurídica não tem de estar necessariamente dependente do consenso
de todos os que contribuíram para a sua formação. Isso tornava impossível qualquer alteração, por
mais pequena que fosse.

Então a lei estabelece que o contrato de sociedade comercial é modificável durante a sua vida. É
modificável estabelecendo a lei diferentes requisitos. Por exemplo, nas SPQ (art. 265.º n.º 1 CSC) é
necessário ¾ dos votos correspondentes ao CS para proceder à alteração do contrato. É 75%, tem
que haver 75% favoráveis à modificação. É uma exigência grande. Uma minoria de 25,1% é suficiente
para obstar às modificações do contrato de sociedade.

Numa SA, a solução é diferente, porque uma SA é muito maior, é uma sociedade que no fundo vive
essencialmente em função do capital que agrega, do investimento que congrega. Uma SA está sujeita
(art. 386.º n.º 3 CSC) a deliberações formadas por 2/3 daqueles que se encontrarem na decisão, por
2/3 daqueles que participarem na AG em que o contrato seja alterado.

Numa SA é frequente, nas grandes, não estarem sequer presentes mais de metade dos acionistas. O
capital está disperso, os pequenos nem querem ir. Então quer dizer que a sociedade vai deliberar por
2/3 dos presentes. Se estiver presente 50%, significa que a sociedade delibera por 33,34% do capital
social a modificação do seu contrato. O que significa que basta deter 1/3 dos presentes +1 voto para
nos podermos opor. Aqui está uma tutela das minorias.

A questão interessante que se coloca nesta matéria é saber se em certos casos será legítimo
(porque a lei vai ser rigorosa quando a maioria abusa do seu poder – tem para esse efeito um
travão31) encontrar uma solução para um caso em que haja um verdadeiro abuso de uma minoria?
Isto não está legalmente previsto.

Exemplo: vamos supor que a sociedade carece grandemente de capitalização. Está numa situação de
insuficiência. Há mais de metade dos acionistas que estão disponíveis para lhe conceder essa
capitalização. Por um lado, para a decidir – decidir avançar para a capitalização, e por outro, para
disponibilizar os fundos para o efeito. Mas há um acionista que tem 35%, mais de 1/3, e não dispõe
de meios para acorrer a um aumento do capital social da sociedade. Portanto vai opor-se à proposta
de aumento do CS, detendo uma minoria de participação suficiente para obstar à modificação do
contrato.

 é legítimo que este acionista possa vir a prejudicar decisivamente o futuro da sociedade – se a
sociedade for extinta por falta de capitalização, perde ele, perdem todos, perdem outras tantas
31
admite que se houver uma decisão societária que seja tomada que não realize o interesse social e
que vise essencialmente prejudicar alguns acionistas, que essa deliberação seja anulável – art. 58.º n.º
1 CSC

117
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pessoas como os trabalhadores que vêm os contratos cessados – em certos termos, tem o acionista
a possibilidade de, como minoria, opor-se àquela decisão? A lei é totalmente omissão sobre esta
situação.

Exemplo habitual da situação do abuso da maioria: a sociedade delibera não distribuir resultados,
porque a maioria está confortavelmente instalada nos órgãos sociais, retira rendimentos através da
remuneração dos titulares de órgãos sociais e não precisa que sejam distribuídos resultados. Está no
fundo a dizer à minoria que não vai haver distribuição de dividendos e eles vão ficar secos se
continuam na sociedade. A minoria precisa, porque vive daqueles resultados.

São estas atitudes que são muitas veze tomadas para pressionar a minoria a alienar as suas
participações. Por isso, a lei diz que se a deliberação concluir pela não distribuição, em certos casos
ela pode ser abusiva, porque a sociedade pode não ter interesse nenhum, não precisa de conservar
aquele dinheiro para nada. Por isso há soluções para esse efeito, mas não há nada relativamente ao
abuso de minoria.

Não há nada que explique o que é que se deve fazer a um sócio que sistematicamente, pelo
terceiro ou quarto ano consecutivo, se opõe a que a sociedade seja capitalizada. Na verdade há
outros meios de capitalização, há suprimentos, há prestações acessórias, mas opõe-se a que o capital
seja aumentado.

 Aí poder-se-á discutir se há ou não um verdadeiro abuso de minoria e se esse abuso de minoria


seria só por si suficiente para que o tribunal devesse determinar que o sócio tivesse de se abster de
participar na deliberação, na qual ele teria vindo sistematicamente a obstar. É uma questão que fica
em aberto.

Nota final: a doutrina aqui neste ponto seguinte divide-se e isto não resulta claramente do CSC. Hoje
uma parte da doutrina falar no seguinte:

Dever de lealdade dos sócios

Se olharmos para o art. 64.º CSC, vamos ver que os gestores, os membros dos órgãos de fiscalização
têm um dever de lealdade perante a sociedade. Quer dizer, eles têm de atuar no interesse social,
que se forma pelo interesse de todos os stakeholders. Stakeholder quer dizer titular de parte da
sociedade – é uma parte interessada na sociedade. É a tradução adequada. Partes interessadas na
sociedade, são:
 Todos aqueles que se cruzam juridicamente com a sociedade
 Aqueles que gravitam próximo da EJ da sociedade e cuja situação pessoal possa de algum
modo ser afetada pela sociedade, ainda que não sejam contrapartes negociais da mesma
o Cuja esfera pessoal possa ser afetada pelo desenvolvimento da atividade da sociedade,
tendo em vista o perigo potencial que resulta dessa atividade e que portanto possam
ver afetada essa mesma esfera jurídica pessoal do ponto de vista pessoal ou
118
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patrimonial.
o São stakeholders:
 Os próprios investidores, os acionistas (são os principais stakeholders)
 Trabalhadores, que vão viver à custa da empresa a que damos forma jurídica
de sociedade comercial, no fundo precisam daquela empresa para subsistir e a
empresa no fundo deve ter sustentabilidade que assegure o futuro desses
trabalhadores
 Os que negoceiam com a sociedade ainda que pontualmente, fornecedores,
credores, financiadores, etc.
 Os clientes, aqueles em razão dos quais aquela sociedade está no mercado,
para quem ela produz os bens ou presta serviços.
 Outras pessoas que não têm uma RJ com a sociedade (como todas as outras),
que a priori nem consomem da sociedade, a própria sociedade é-lhes
totalmente indiferente, exceto se da atividade da sociedade resultar um
prejuízo pessoal que seria evitável se a sociedade não tivesse um
comportamento, designadamente, de ordem ambiental.
 A sociedade pode provocar um dano ambiental. Naturalmente, este
dano não afeta só quem se relaciona juridicamente com ela, afeta todos
aqueles que estejam na envolvência geográfica até à qual se pode
produzir esse mesmo dano.
 Hoje, as novas regras europeias nesta matéria, e os regulamentos que
estão a ser criados, apontam exatamente para isto.

Quanto ao dever de lealdade dos membros dos órgãos sociais, e que resulta do art. 64.º CSC, existe
aqui também o dever de cuidado no exercício da atividade, que é o dever que faz dos membros dos
órgãos sociais executivos e de fiscalização pessoas diferentes dos bonus pater families, sempre
dependentes do nível de exigência da atividade da sociedade. Não há aqui uma meta absoluta no
universo económico, mas isso não significa que se deva também descobrir aquilo que alguns autores
têm vindo a identificar que é o de um dever de lealdade dos próprios sócios:

Evidentemente que os sócios têm de ter um dever de lealdade – de participar de forma correta, de
estarem de boa-fé nas suas condutas negociais, e portanto no seu relacionamento com a própria
sociedade, mas este dever de lealdade não se pode caracterizar por lhes impor deveres e
obrigações em concreto que na realidade no fundo ponham em causa as regras a que eles se
encontravam sujeitos quando decidiram participar nessa sociedade.

Este dever de lealdade é um dever de lealdade que caracteriza todo o tráfico jurídico em geral.
Todas as intervenções no mundo económico e social por parte de todos os sujeitos. Por isso, não se
justifica estar a autonomizar, relativamente aos sócios, este dever de lealdade como se fosse um
dever que exista.

Mais, este dever de lealdade choca claramente com a limitação da responsabilidade pessoal dos
sócios relativamente à atividade da própria sociedade, porque ele não pode ser entendido no
sentido de obrigar o sócio a capitalizar a sociedade quando ele estava sujeito apenas a um
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determinado montante que havia subscrito e sobretudo, também choca com o art. 86.º n.º 2 CSC –
inoponibilidade das novas obrigações em vida da sociedade. Esvaziaria completamente este princípio.

POC: não acredita que haja um dever de lealdade. Parte da doutrina também não. Diz que as regras
que estão no CSC podiam até apontar para a dita lealdade, mas depois é preciso que ela se
materialize, mas mais do que isso, é preciso que ela se fundamente. Isto é, ela não tem fundamento
porque não há regras. Pior ainda – em circunstâncias, como acontece no domínio de uma SC que se
encontre em insolvência, a lei até admite que os interesses dos próprios sócios venham a ter de ceder
perante os interesses da generalidade dos stakeholders e designadamente, da subsistência da
sociedade, mesmo que há custa do capital que pertencia aos sócios.

E é verdade que se chegarmos a esse ponto é porque os sócios não estiveram em condições de
capitalizar adequadamente a sociedade ou se as vicissitudes que ela sofreu são de tal maneira
grandes que era impossível exigir que eles o tivessem feito. Mas há uma regra – art. 198.º CIRE – que
estabelece providências específicas de recuperação de empresas no âmbito do plano de insolvência e
que permite, em circunstâncias excecionais, sobrepor as regras da insolvência à situação jurídica que
resultaria da tutela societária.

Aliás, as últimas alterações que foram introduzidas ao CSC já em 2022 pelo diploma de Janeiro,
vieram precisamente a apontar para situações em que as regras societárias preveem a sua suspensão
ou paralisação quando a sociedade estiver numa situação de insolvência.

10. Obrigações

A obrigação significa que, dentro das situações jurídicas passivas que caracterizam a situação do sócio
ou do acionista, a lei estabelece é sujeito a obrigações.

Art. 20.º CSC: estabelece as principais obrigações dos sócios.


 Todo o sócio é obrigado a entrar para a sociedade com bens suscetíveis de penhora, e nos tipos
em que tal seja permitido, com indústria
o (trabalho do sócio – só nas sociedades de responsabilidade ilimitada).
o Nas SPQ e SA é expressamente proibida a participação com indústria.
 e todo o sócio é obrigado a quinhoar nas perdas, salvo quanto aos custos dos sócios de
indústria.
o os sócios de indústria, nas SNC, não assumem, perante os sócios de capital, as perdas
da própria sociedade. Eles disseram que entravam com trabalho, não tinham dinheiro
ou outros bens suscetíveis de penhora – é por não estavam aptos.
o Os que entram com capital não podem estar à espera de que os sócios de trabalho vão
encontrar capital quando o capital se torne insuficiente.

Quer dizer que nós olhamos para o CSC e vemos no art. 20.º CSC as obrigações principais dos sócios.
Digamos que esta ideia de obrigações principais é aquela que as arruma em obrigações principais
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(obrigações essenciais = que decorrem da própria natureza da pessoa jurídica em causa) e
obrigações secundárias/acessórias (outras que sejam estabelecidas, mas que não sejam
indispensáveis à vida societária, podem até não existir).

Olhando para o art. 20.º CSC, vamos explicar a parte final: como é que é possível que o sócio seja
obrigado a quinhoar nas perdas? = participar nas perdas. Quinhoar, em princípio indicia que ele
deva participar proporcionalmente à sua participação no capital, isto é, ele deve quinhoar nas
perdas em termos proporcionais àquilo que ele obteria dos resultados da sociedade – art. 22.º n.º 1
CSC.

 constituímos uma SC com um CS de 10.000€, é uma SPQ. Numa SPQ, os sócios só são obrigados
a responder pelo capital da sociedade que não tiver sido realizado. Se eu tiver constituído esta SPQ
de 10.000€, realizando 5.000€ no arranque, no fundo o que é que me acontece se eu, decorridos 5
anos, não realizei os outros 5.000€? Eu posso vir a ser chamado a fazê-lo. E qualquer sócio pode ser
chamado a fazê-lo porque os sócios têm uma responsabilidade solidária sobre a realização da
totalidade do capital, sem prejuízo de depois exigirem o regresso a que têm direito.

Nunca mais realizaram nada, porque a sociedade começou a registar prejuízos sucessivos e no
momento em que vivemos, por exemplo, ela tem dívidas de 100.000€ a terceiros. Estes credores vão
falar connosco para saber como é que podem reaver os 100.000€ que a sociedade lhes está a dever.
A resposta é relativamente simples: a sociedade é uma SPQ de responsabilidade limitada em que
não houve o alargamento dos sócios pelas suas dívidas, não há nada  então isso significa que os
sócios só são obrigados a realizar o capital que têm.

Mas a sociedade não os interpelou. E tinha de os interpelar para realizarem o capital em falta. Nem
a sociedade os vai interpelar, porque os gerentes são os próprios sócios. Eles já sabem que se
pedirem a si próprios a realização do dinheiro, esse dinheiro vai logo para os credores.

É evidente que o direito não pode ficar indiferente a isto. Pelo quanto a estes 5.000€. E quanto aos
outros 95.000€ que não cabem nos 5.000€? Quanto aos outros 95.000€, esses são perdas da
sociedade. A sociedade sofreu perdas. Se eu fechasse a sociedade neste momento, o resultado da sua
atividade dizia que ela tem uma perda de 95.000€ para além do próprio capital que se perdeu,
porque além dos 10.000€, ainda ficou a dever 95.000€.

A questão que se põe é a seguinte: têm de ser os sócios a pagar aos credores os 95.000€ de perdas
para além dos 10.000€ que eles investiram? Não! O que o art. 20.º al. b) CSC nos quer dizer é que
eles quinhoam nas perdas na medida em que vão participar no capital que investiram e que deixam
de ser reembolsados. A perda deles vai ser de 10.000€, não vai ser de 95.000€. Essa, infelizmente, é
uma perda dos credores, porque a sociedade é de responsabilidade limitada.

Portanto, o quinhoar nas perdas para um sócio de uma SPQ é completamente diferente para uma
sócio de uma SNC, porque esses aí vão ser chamados a responder com a totalidade do seu

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património. Para um sócio de uma SPQ ou de SA aí é rigorosamente a mesma coisa – o sócio da SA o
que é que perde? Como ele é obrigado a realizar a totalidade da sua participação, portanto se ele se
esqueceu, vai-lhe acontecer o mesmo que acontece na SPQ com os 5.000€ que não foram
inteiramente realizados – art. 30.º CSC – quanto aos 5.000€ que não foram realizados há a figura da
sub-rogação:

Os gerentes não pedem aos sócios que eles ponham os 5.000€. Fazem-se de desentendidos, de
esquecidos. Então a lei permite que os credores se possam sub-rogar à sociedade para exigirem
eles os 5.000€ e naturalmente pelo menos desses 5.000€ eles ficam ressarcidos. Isso está previsto
no art. 30.º CSC.

Os sócios quinhoam nas perdas na medida do capital que subscreveram e realizaram e não podem
ver reembolsado. Se a sociedade, por exemplo, tivesse fechado não com uma dívida de 95.000€ para
além disto, mas sem nenhuma dívida, se com 10.000€ de CS tivesse encerrado e com um saldo de
caixa de 5.000€, aí dizíamos que a sociedade tinha sofrido um prejuízo de 5.000€ na sua atividade. A
perda do sócio foi de metade do capital que ele investiu.

Quanto à obrigação principal de entrada

A lei, por exemplo, no domínio das SPQ e das SA (arts. 202.º e 277.º CSC) admite que nas SPQ e nas
SA, parte do capital não seja imediatamente realizado se estiver em causa realização do capital em
dinheiro. No caso das SPQ, o regime ainda é mais específico, porque a lei determina que primeiro,
quanto ao capital mínimo ele tenha de ser realizado até ao final do primeiro exercício da sociedade –
é o primeiro ciclo económico que se encerra, no valor mínimo de 1€ por cada sócio (ridículo, o POC
nunca percebeu, porque isto é algo irracional). POC: já é pouco racional ser só 1€, mas adiar 1€ ainda
menos racional é. E depois poderá vir a realizar num prazo de 5 anos o remanescente.

Por isso, no domínio SA, há uma regra um pouco diferente: a lei admite que até 70% das entradas
em dinheiro possam vir a ser diferidas. Nesse aspecto, também em princípio se deve respeitar a
igualdade de tratamento dos acionistas. E mais do que isso, porque tomamos por referência as ações
e não o capital, não parece concebível que haja um acionista que não realize nada e haja outro
acionista que tenha de realizar por si e por ele.

POC: os 30% de realização do capital devem no fundo tomar por referência o valor de cada ação.
Todos os acionistas devem realizar 30% do valor das ações no momento inicial e possam diferir o
máximo de 70% desse valor.

Mas, a sociedade pode arrancar não apenas com dinheiro, que é a situação mais vulgar, mas pode
arrancar com outros bens que sejam objeto de avaliação pecuniária. A única preocupação que a lei
tem e aliás resulta do art. 20.º CSC, é que esses bens sejam penhoráveis. São muito poucos os bens
que são impenhoráveis – são aqueles bens que são necessários para no fundo assegurar a
subsistência do sujeito. São aqueles que são indispensáveis à subsistência do ser humano e vêm

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elencados no CPC: fogão, frigorífico, parte do salário (mas o salário não pode ser objeto de entrada).

No fundo, o que está aqui em causa é o seguinte: eu posso entrar para a sociedade com dinheiro ou
bens em espécie, suscetíveis de avaliação pecuniária que sejam penhoráveis, determinando a lei
que tais bens devam ser avaliados quando eu constituo a sociedade. Já vamos ver porquê.

Vamos ver que tipos de bens é que podem ser em espécie: todo o tipo de realidades que possa ser
imediatamente utilizado para pagar o preço de bens que existe no mercado, essas realidades ou
são dinheiro que corresponde à expressão do valor pecuniário que os bens transacionáveis no
mercado em cada momento. O dinheiro permite proceder ao pagamento do preço dos bens e dos
serviços que são objeto de transação no mercado.

Associados ao dinheiro estão outros instrumentos que permitem uma finalidade idêntica, como por
exemplo, os cheques. Estão associados ao dinheiro porque eles representam disponibilidades
monetárias que podem servir para solver imediatamente o preço dos bens por eles adquiridos.

De resto, estamos perante bens em espécie na maior parte dos casos, ou dos títulos de crédito –
letras, livranças, ações de SA – têm valor. Eu posso no fundo disponibilizar este valor sociedade que
estou a constituir? Claro que posso. Vamos ver como é que se determina o valor. Agora que eu tenho
esse valor, de facto eu tenho. Vamos ver como é que se determina o valor primeiro e como é que se
transfere o bem para a própria sociedade.

Por exemplo, o ouro e os metais preciosos têm valor, podem servir para realização da entrada.
Também têm um valor no mercado, portanto eu posso entregar à sociedade em vez de entregar
dinheiro. É claro que também posso liquidar o ouro e os metais preciosos e entregar o dinheiro à
sociedade. E o resultado pode ser exatamente o mesmo.

Em princípio, o valor que vai ser declarado como valor disponibilizado à sociedade, é o valor que
esses bens tiverem no mercado, de acordo com a certificação de que vierem a ser objeto. .

Depois, os créditos podem ser bens em espécie. É claro que neste caso, são créditos que os sócios
detêm sobre terceiras entidades. Mas os sócios podem ceder o seu crédito à sociedade a constituir. E
depois passa a sociedade a ser a credora – é o valor do crédito.

Podem ser direitos privativos de propriedade industrial. Por exemplo, o sócio é titular de uma
marca. Explora economicamente a marca no mercado. Ele pode constituir uma sociedade e integrar a
sua entrada com o registo da marca. A marca tem um valor de mercado. Temos é de determinar o
valor dessa marca para determinar o valor da participação do sócio.

Os sócios também podem entrar com bens imóveis. É preciso é saber qual é o valor que lhes vamos
atribuir. Mas esses bens imóveis, ele entra com eles não apenas para que a sociedade tenha um

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valor, até porque a sociedade poderá querer alienar os imóveis e realiza esse valor, mas a sociedade
pode ter um interesse particular no imóvel tendo em conta a sua localização – é no sítio onde a
sociedade vai querer edificar as suas instalações.

E móveis? Já falámos aqui de vários móveis. Ouro, metal, etc. Pensámos em bens mais fungíveis, mas
podem ser também bens infungíveis – os imóveis são infungíveis. Também podem ser infungíveis
sendo móveis realidades com valor económico. Evidentemente que a priori têm de ter o tal valor que
sirva à sociedade para se posicionar no mercado, funcionar e vamos ver o que irá acontecer.

Mas não podem ser, porque a própria lei não permite (art. 277.º n.º 1 e 202.º CSC), contribuições
de indústria. Isto é, um sócio não se pode comprometer a dar o seu trabalho à sociedade, porque é
proibido. Isso só pode acontecer nas SNC, não nas SPQ e SA.

O que fazer nessa circunstância? Imagine-se que um sócio aquilo que fez nos últimos anos foi
desenvolver um projeto científico, uma investigação, e chegou a um determinado ponto, está perto
da descoberta, por exemplo, uma vacina complicada, mas já não dispõe de mais meios que lhe
permitam continuar a desenvolver os seus testes e todo o investimento que aquela realidade exige.

Ele pode integrar a sua entrada com os trabalhos que desenvolveu para aquela investigação? POC:
aí acha que sim, desde que se consiga determinar o valor justo dessa contribuição. Evidentemente
que chegamos a um ponto em que aquilo que vai estar em cima da mesa é essencialmente o risco da
valorização que vamos atribuir.

Imagine-se que afinal, depois de mais um ano de desenvolvimento da investigação já feita no


ambiente da sociedade, afinal não conseguimos encontrar a vacina, não tem exatamente os
benefícios previstos e não pode ser comercializada. Quer dizer que ela acabou por resultar num
prejuízo brutal. Vai valer zero.

Tudo aquilo que a sociedade não apenas durante o tempo em que foi a sociedade a proceder àquele
desenvolvimento e com a titularidade daquilo que seria o resultado dessa investigação, mas incluindo
o dispêndio que foi feito antes, o que é que se poderá fazer? Vamos ver como é que se poderá fundar
na entrada da sociedade o valor dessa contribuição.

A questão é esta: se a sociedade tiver sido constituída para promover a ideia daquele produto
médico que ia ser criado mas nunca tinha sequer começado a desenvolver, a investigar. É diferente.
A sociedade parte do zero, não parte já de um estádio relativamente desenvolvido. Portanto a
sociedade parte do zero, é normal que não tenha tido custos.

Se ela recebe toda a investigação que foi feita e que teve um determinado custo, e no fundo não
lhe atribui o valor correto, significa que ela vai aproveitar o valor intrínseco daquele bem. Aquilo
era um bem que estava numa determinada situação. Na nossa história, aquele bem não vingou. Mas
também, por exemplo, um bem que entregámos em espécie, o imóvel construído pode perecer
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muito cedo, pode desaparecer o valor de um momento para o outro.

Significa que a preocupação que temos de ter é essencialmente pelo cumprimento da obrigação de
entrada no momento em que ela se realiza, no momento em que ela é exigível. E portanto a lei diz-
nos que os bens em espécie têm de ser realizados no momento das entradas, não há diferimento
possível.

 quem é que vai determinar o valor do bem e quais é que são os problemas subjacentes à
valorização do bem que vai constituir a entrada dos sócios na SC? É muito simples:

Se atribuirmos um valor superior aos bens em espécie àquele que eles têm no mercado, vamos
determinar que aquele sócio aparentemente tem uma participação maior do que os demais e que
não corresponde àquilo que ele disponibilizou à sociedade. É uma situação injusta e pouco cómoda
para os outros.

Se nós subavaliarmos aquele bem em espécie, significará que aquele sócio irá ter uma participação
inferior àquela que ele merece e a sociedade irá ter um maior valor escondido no que diz respeito
aos bens de que vai ser titular, porque ela vai ser titular, por exemplo, de um imóvel cujo valor
declarado foi de 300.000€, mas que vale 500.000€ e como este imóvel consta das contas da
sociedade por 300.000€ quer dizer que a sociedade vai ter uma reserva oculta de 200.000€. Tem
afinal mais 200.000€ de bens que não foram declarados conforme identificados.

Por esta razão de igualdade e de proporcionalidade entre os sócios e também da correção que o
valor dos bens deve ter para o capital da sociedade, a lei societária (arts. 25.º e segs. CSC) veio
impor que as entradas em espécie sejam objeto de avaliação e certificação por um ROC, uma
entidade profissional com especiais conhecimentos técnicos e que possa no fundo procurar atribuir e
certificar o valor de uma certa entrada.

Quem é que escolhe o ROC? Se for eu a escolher o ROC que vai avaliar o imóvel que eu vá entregar à
sociedade, qual é que é a minha tentação se eu for pouco sério? É que o ROC diga que aquele imóvel
vale o dobro. Então a lei exige que, em princípio, o ROC venha a ser escolhido por todos os outros
sócios que não por aquele cuja entrada respeita a avaliação. Também há o risco contrário – de todos
os outros sócios conseguirem que o ROC que escolheram acabe por atribuir um valor inferior àquele
que vale o bem. Mas isso é menos natural.

O ROC pode recorrer a um perito avaliador em certas circunstâncias? A lei não impede. Trata-se de
um bem imobiliário, por exemplo, e o ROC pode não ser especialista em imobiliário. Ele pode recorrer
a um terceiro que lhe mereça confiança. Ele então declara o valor do imóvel no valor de X. Esse valor
vai integrar o CS. Esse valor vai entrar para a sociedade.

Mas quando os ROC avaliam uma entrada em espécie, devem olhar apenas para o valor intrínseco
do bem? Não! Não devem, porque o bem pode implicar algum risco. Vão ter de ponderar também o
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risco da transferência daquele bem para a sociedade e inclusivamente do modo como tal bem se irá
comportar na sociedade.

Vamos imaginar uma entrada em espécie: eu sou portador de uma letra que vai vencer no dia 31 de
Dezembro de 2022. Esta letra tem um valor de 10.000€. Isto é, em princípio, no dia 31 de Dezembro
de 2022, há um sujeito que se chama sacado e aceitante que irá pagar esta letra ao seu portador. Se
for eu, vou receber os 10.000€.

Eu quero participar numa sociedade que estou a constituir mas não tenho numerário, não tenho
dinheiro. Portanto, posso integrar a minha entrada com esta letra? A letra chega à sociedade
havendo um endosso. Eu vou ter que endossar a letra em favor da sociedade no dia em que a
sociedade for constituída e com isso vou transformar a sociedade na portadora da letra. Passa a ser a
sociedade a titular daquela letra.

O ROC aqui vai ter que valorizar a letra. Vai ter que dizer assim: eu vou valorizar esta letra como uma
entrada de 10.000€? não. Isso não pode fazer. Se ele valorizar esta entrada como de 10.000€, vai
avaliar aquela letra.

10.000€ dia 31/12 não são o mesmo que 10.000€ a 23/3. Então, só no valor do dinheiro eu vou ter
aqui que proceder a um desconto. Quer dizer que em princípio eu hoje, se quisesse trocar aquela
letra pressupondo a inexistência de risco, eu não recebia os 10.000€, mas sim uns 9.700€. Os outros
200€ ficariam para quem assumisse a posição de portador. Era quem no fundo estivesse disponível
para antecipar este montante.

Era o que aconteceria se eu em vez de ter querido entrar, ter querido preencher a minha entrado
com letra, tivesse procedido a uma operação de desconto junto de uma instituição de crédito, porque
ela me iria cobrar o desconto do preço do dinheiro, mais a comissão que ela iria levar. E depois não
recebia 10.000€.

Mas há aqui mais um problema: esse problema chama-se risco  eu posso no dia 31/12 não
encontrar um devedor solvente. E nesse caso, lá foi a letra. Isto também tem que ser ponderado
pelo ROC, obviamente. Isto pode-se medir? Não, porque se o risco for total, é uma perda total. Mas
vai-se ter que efetivamente atribuir aqui algum desconto, como não pode deixar de ser.

Significa que o avaliador das entradas irá olhar para as mesmas, apreciar o seu valor intrínseco,
mas também terá de medir o seu risco.

Eu posso entrar na sociedade com créditos, direitos, direitos privativos, entrega de um imóvel
(direito real) – e direito resultante de uma promessa contratual? Qual é o problema que se coloca
em cima da mesa relativamente à promessa contratual? É muito simples:  é procurar saber se eu
tenho ou não de realizar o bem em espécie diretamente!

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A lei determina que o bem em espécie tenha de se disponibilizar à sociedade no momento da
constituição (ou aumento). Será possível eu realizar a minha entrada com a promessa de aquisição
de um imóvel, isto é, passando à sociedade a minha posição contratual no contexto do contrato-
promessa? Veremos amanhã.

24.03.2022

Estávamos precisamente a analisar as entradas em espécie. Tínhamos ficado de pensar na questão


de saber se seria possível realizar uma entrada em espécie com a promessa de aquisição, por
exemplo, de um bem imóvel.

A pertinência da questão tem que ver com o facto de que a lei exigir, e bem, no que diz respeito às
regras que constam do CSC, que as entradas em espécie sejam realizadas no momento em que elas
vão contribuir para a formação do capital social, quer seja no momento da constituição da
sociedade, quer seja no momento de um aumento de capital e relativamente ao qual parte do capital
ou a sua totalidade seja realizada em espécie.

Em relação a essa questão, o que estará em causa será porventura alguém, parte contratante nesse
contrato de aquisição do imóvel, relativamente ao qual terá suportado parcialmente o respetivo
preço (sinal), pretende ceder essa sua posição contratual à sociedade com o valor que ela tem (que
tem a ver com o preço que ela já pagou por conta do preço total do bem a liquidar no momento da
escritura).

A sociedade pode ter interesse neste bem. Imagine-se que a sociedade entende que a localização
deste bem imóvel é apropriada ao exercício da sua atividade e no fundo a sociedade gostaria de ter
esse mesmo bem. Neste caso, nem sequer tem que haver uma transmissão da propriedade do bem,
porque o promitente adquirente ainda não concretizou essa aquisição.

Evidentemente que para que isto seja possível é necessário que o contrato-promessa permita a
cedência da posição contratual ao promitente adquirente, porque se não, como é evidente, ela não
vai ser possível. Mas assumindo que o contrato-promessa permite isto – é um daqueles contratos em
que promete comprar para si ou para quem vier a designar até ao momento da escritura definitiva.

Está aqui em causa procurar integrar a entrada com um direito – o direito de adquirir. Isto é uma
entrada diferida? Não, porque não estamos apenas a prometer à sociedade que lhe iremos
futuramente transmitir um bem ou um direito. Estamos a transmitir no momento da constituição da
sociedade esse direito, que é o direito de adquirir. Estamos a transmitir à sociedade a posição de
promitente adquirente no contexto daquele contrato-promessa.

Quer dizer, concretizando-se a entrada, o que vai acontecer é que quem virá a adquirir o imóvel no

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tempo devido vai ser a própria sociedade, devendo pagar o remanescente do preço que não tinha
sido liquidado com a realização do sinal.

 Qual é a valorização possível desta entrada em espécie?


Ex.: foi pago um sinal 250.000€ para a compra de um terreno por 1.000.000€. Significa que
faltam pagar 750.000€.
Diríamos assim: então é fácil! Se foi pago 250.000€, a entrada deveria ser desses 250.000€. A entrada
devia corresponder ao sinal que oportunamente foi pago pelo promitente comprador.

 Mas a verdade é que a lei exige que nas entradas em espécie haja uma avaliação por parte de
um ROC independente e externo à sociedade, porque aqui eventualmente esta promessa deve ser
objeto dessa avaliação, porque ela não vale necessariamente os 250.000€.

Imagine-se que aquele terreno cuja compra tinha sido acordada por 1.000.000€ sofreu
desvalorização e já só vale 800.000€. Mas o promitente adquirente ainda vai ter que pagar
750.000€. Então a entrada não pode valer 250.000€ se o terreno no fundo só valer 800.000€,
mesmo que ele custe nominalmente 1.000.000€.

Ou o contrário, ainda mais provável: porque o imobiliário de um modo geral tende a valorizar-se.
Aquele terreno foi acordado ser comprado por 1.000.000€, mas neste momento, dadas as
expectativas nas redondezas em que o terreno se encontra, ele valerá 1.200.000€. Então significa que
a sociedade por 750.000€ vai ficar com um terreno de 1.200.000€. No fundo significa que aquele
sinal corresponde a um valor de 450.000€ e não aos 250.000€ que foram efetivamente pagos.

A isto ainda vamos ter que acrescer o risco inerente à não celebração do contrato definitivo por
alguma razão, que também deverá ser ponderado, embora de um modo geral possa ser reduzido e
não desvalorizar muito o contrato.  Portanto, não se trata de uma entrada diferida, é uma
entrada efetiva. Aquilo que se transmite não é a propriedade definitiva do imóvel, é o direito de vir
a adquiri-la!

 As moedas virtuais e os NPLs ou NPEs podem integrar entradas em espécie ou podem integrar
entradas sem ser em espécie?

Aqui há que estabelecer uma diferenciação. Qual é que é o problema que os cripto-ativos podem
colocar? Estamos a falar da digitalização e moedas que não foram emitidas por uma entidade central.
São emitidas de forma descentralizada e existem à margem do sistema monetário.

Em relação a essas moedas, o POC diria que não podem ser consideradas dinheiro, porque não têm
uma convertibilidade assegurada. Para serem dinheiro tinham de ter convertibilidade, tinham de
poder permitir, em todas as circunstâncias, proceder ao pagamento do preço dos bens no mercado,
que é o critério para determinar aquilo que deve ser considerado dinheiro.

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POC: começa logo por afastar as cripto-moedas do dinheiro. Então vamos procurar saber se as
moedas virtuais são ou não bens em espécie.

O problema tem a ver com a penhorabilidade. Isto é, é verdade que não há uma impenhorabilidade
legal destas moedas, porque a lei é totalmente omissa sobre as mesmas. Se amanhã houvesse uma
lei que proibisse estas moedas, então estaríamos perante uma situação de impenhorabilidade, por
razões diferentes, da impenhorabilidade dos outros bens que não podem constituir entrada no
capital de uma sociedade.

Mas isso coloca um problema, que aliás, o que se tem vindo a discutir se é possível ou não indicar à
penhora cripto-moedas: se uma pessoa é titular de algumas cripto-moedas, saber se o credor se
pode fazer pagar por essas cripto-moedas e pela sua liquidação. Temos aqui um primeiro problema.

Mas admitindo que o é, o POC não vê obstáculos a que a cripto-moeda possa constituir uma
entrada em espécie, embora vá suscitar dificuldades de avaliação por parte do ROC. O POC detestaria
estar a avaliar cripto-moedas, porque sendo escriturais, têm uma volatilidade enorme.

O problema deste tipo de ativos, dos cripto-ativos em geral, é um problema da forma como os
próprios Estados encaram este tipo de bens. É um problema de confiança. Se amanhã os Estados
declararem, por exemplo, a inconvertibilidade destas moedas, designadamente por vezes é difícil
designar o seu titular e portanto são uma fonte muito grande de possível branqueamento de capitais,
se os Estados o fizerem, o trambolhão que estas moedas darão é total. Toda a gente vai ter posições
vendedoras e ninguém vai ter posições compradoras.

Depois ainda há mais um aspecto importante: emissão – ela assenta num fenómeno tecnológico, um
registo criptográfico, e essa emissão resulta em favor de quem toma a iniciativa – mineiro. É uma
forma hábil. Quantas bitcoins terão os primeiros mineiros? Se tiverem sido inteligentes, armazenaram
bastantes. Se eles as forem largando no mercado, vão vivendo só à custa das cripto-moedas que
criaram de um valor que não existe.

Diversamente do que existia com a moeda central, que tinha por contraposição o padrão ouro (que
também desapareceu) – o que estava por trás é a confiança do Estado, porque se o Estado não
merecer confiança, se a desregulação for total, então porventura desaparece o Euro e ficam as
bitcoins e outras cripto-moedas com o valor que delas se retira.

Tradicionalmente, há um pouco a ideia de que as pessoas gostam de sentir o dinheiro. Daí ainda
haver moedas metálicas. E daí ainda os metais preciosos terem um valor muito grande, muito estável
e que em situações de crise tende sempre a aumentar. As cripto-moedas têm tudo menos isso.

Em última análise, se desligássemos de repente os computadores de todo o mundo, as cripto-moedas

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valiam zero. Enquanto os euros em que eles tivessem sido emitidos continuariam a valer de acordo
com a confiança que o Estado merecesse. E o ouro porventura também.

Quanto aos NPLs (non-performing loans): no fundo, ao fim ao cabo, os conjuntos de bens com que as
instituições credores ficaram e que no fundo não têm à vista a possibilidade de serem realizados.
Estes bens são créditos e esses créditos são da mais variada espécie e existem na titularidade de
determinadas instituições credoras, que muitas vezes aquilo que fazem é que estão disponíveis para
os ceder em conjunto, em bloco, a outras entidades que vão ter mais paciência, naturalmente, na sua
cobrança.

Vão pagar um determinado preço sobre esses NPLs (créditos não produtivos). São créditos não
evidentemente cobráveis. Porque se fossem evidentemente cobráveis, as instituições credoras não os
cediam por um valor muito aquém daquele que esteve na base da sua concessão. Aquilo que
acontece é que a aquisição destes créditos é feita por entidades que estão vocacionadas para depois
tentar promover a sua cobrança. Se porventura cobrarem uma parte deles já conseguem uma receita
superior àquilo que custou a totalidade da carteira entretanto adquirida.

POC: a priori, isto é uma hipótese académica, estar a constituir uma sociedade e integrar uma
entrada com um NPL, como é evidente. Mas não é impossível. E de facto, tal como o NPL tem um
valor de mercado, também é possível valorizar um NPL. Aqui até teria menos dúvidas, porque o NPL
mal ou bem é sempre penhorável, ou seja, os bens que são créditos/direitos, são sempre
penhoráveis.

Arts. 25.º e segs. CSC – fatores de correção


Há situações em que há fatores de correção e o problema é que na situação da cripto-moeda, a lei
não tem meios de corrigir essa situação e portanto a questão é saber se a sociedade se sentir
confortável, se o ROC o fizer, o ROC tem responsabilidade. O POC nunca perguntou a um ROC se
avaliaria uma cripto-moeda, mas ele próprio não se sentiria à vontade. Depois como é que se
assegura que aquela cripto-moeda está na titularidade daquela sociedade? De algum modo tem que
o fazer.

As cripto-moedas, se entrarem na sociedade, não têm interesse nenhum em lá estar a não ser que a
sociedade esteja a apostar nelas numa perspetiva de valorização, apenas. E aí também tem o risco da
desvalorização. Há pessoas que entram, esperam e ganham. E há pessoas que entram, desesperam e
perdem.

Voltando ao contrato-promessa...

Ex.: vamos imaginar que aquele bem que eu tenho a promessa de compra e que não tenho eficácia
real foi definitivamente alienado a um terceiro de boa-fé, que registou o bem em seu nome. Eu quero
exercer o direito de aquisição e o bem já não está na EJ do promitente vendedor. Tenho de recorrer
ao art. 25.º n.º 4 CSC.
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Arts. 25.º e segs. CSC:
Olhando para estas regras, repare-se que delas resulta praticamente tudo aquilo que o POC nos disse.
Vamos ver, por exemplo, o que é que acontece se as entradas diferidas não tiverem sido
imediatamente realizadas.

Mora

Para terminar vamos apenas abordar outra situação, que é a situação que diz respeito à mora: a
mora no caso das entradas diferidas, que só tem sentido relativamente às entradas em dinheiro – a
possibilidade de subscrever uma participação e o sócio subscritor dessa participação se sentir
obrigado a realizar em dinheiro até ao fim de um determinado prazo que a lei estabelece no máximo
em 5 anos.

Nas SPQ hoje praticamente não se suscita esta questão, porque como o capital passou a ser
simbólico, não há, de um modo geral, necessidade de diferir parte da realização do capital. A menos
que os sócios queiram comprometer logo em realizar um capital elevado, por exemplo, 50.000€ ou
100.000€ e só queiram realizar 5€ ou 10€ até ao final do primeiro exercício. E então sim, ficam
obrigados durante 5 anos à realização desse capital.

POC: isso seria essencialmente académico. Não teria muito sentido. Mas tinha a grande vantagem de
eles ficarem obrigados a realizar essa participação, o que de outra maneira não acontece. De outra
maneira, só podem ficar obrigados através de um instrumento que possa ser criado à parte do
contrato de sociedade que é um acordo para-social, porque visa disciplinar as relações entre os sócios
com referência a uma certa sociedade e pelo qual eles se comprometem, dentro de um determinado
prazo a subscrever e realizar determinados montantes.

Do ponto de vista do interesse dos sócios, é preferível o acordo para-social, porque pelo acordo para-
social eles nunca correm o risco da sub-rogação que os credores podem promover relativamente a
entradas que estejam em mora e que não tenham sido oportunamente realizadas – art. 30.º CSC.

Quer nas SPQ, quer nas SA, o sócio só entra em mora quando for interpelado para realizar a sua
participação, isto é, o sócio, mesmo que tenha decorrido o prazo previsto no contrato, por
exemplo, no prazo de 3 anos, se chegar ao fim do prazo e não realizar, diferentemente do que
acontece no direito civil, o sócio não entra em mora com o vencimento da obrigação, porque a
obrigação, para o direito societário, só se vai vencer com a interpelação.

SPQ – art. 203.º n.º 3 CSC – e nas SA – art. 285.º CSC: há uma diferença entre um e outro. A lei
estabelece um prazo para o sócio cumprir, findo qual entrará em mora e o castigo da mora é que o
incumprimento nessa circunstância pode determinar inclusivamente a exclusão do sócio e portanto
a perda da participação em favor da sociedade – art. 204.º CSC é claríssimo nesse sentido (SPQ). O
risco é tão grande que é por isso que os sócios normalmente não se comprometeriam a realizar a
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prazo uma parte que não têm de realizar imediatamente.

Nos termos do título relativo às SA: a lei além de prever que os sócios sejam interpelados para pagar,
o prazo aí é idêntico – 30 a 60 dias – aqui a lei prevê que mesmo decorridos esses 60 dias, ainda
assim seja possível ao sócio entregar à sociedade o capital que subscreveu e que não realizou mesmo
quando foi interpelado – n.º 3 e 4 do art. 285.º CSC.

Nas SA não há a mesma preocupação com a exclusão e percebe-se porquê: em teoria, é possível o
sócio realizar a totalidade do CS de algumas ações e não o fazer em relação a outras. Aqui, mais uma
vez, ocorre o tal fenómeno da objetivação da participação – é em razão da participação que temos
que avaliar a situação e a situação de incumprimento vai-se avaliar não em relação a um sócio, mas
em relação às participações por ele realizadas.

Por isso, se um sócio realizou 100 ações e não realizou outras 100, as primeiras 100 não têm risco
nenhum, porque estão totalmente realizadas. Aí não há risco. As outras 100 é que se podem perder
em favor da sociedade e é isso que a própria lei prevê.

Obrigações acessórias

Aquelas que existem além das obrigações que são imprescindíveis à condição de sócio e que podem
ser criadas mas muitas sociedades podem viver sem as mesmas. Entre essas obrigações estão as
chamadas obrigações de prestação acessória e ainda as prestações suplementares.

A ideia que devemos reter desde já é que para constituir SJ vinculantes para os respetivos sujeitos
passivos, estas obrigações têm mesmo de constar do contrato de sociedade. É assim que elas se
configuram, porque se não constarem do contrato de sociedade  art. 86.º n.º 2 CSC – não podem
vir a ser exigidas. Em vida da sociedade, são inoponíveis novas obrigações que não constassem.

Que obrigações de prestação acessória são essas?

Vamos agora falar dos arts. 209.º CSC para as SPQ e do art. 287.º CSC para as SA. Se confrontarmos
os dois artigos, vamos chegar à conclusão de que eles são na prática quase iguais, embora um deles
se refira aos acionistas. Há uma diferença da qualificação do sujeito passivo, porque um sócio numa
SA é um acionista.

Se olharmos para o art. 209.º CSC, ele é relativamente simples. O contrato pode impor obrigações
acessórias à obrigação de entrada. Isto já sabemos o que é – aquela que é imprescindível para o
capital se poder formar. E podem impor obrigações desde que sejam fixados os elementos essenciais
dessa obrigação. E também desde que se determine se a obrigação é gratuita ou onerosa: se a
obrigação pressupõe ou não uma contrapartida da sociedade.

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Sobre que objetos podem recair estas obrigações?

Elas podem recair sobre quaisquer bens fungíveis e designadamente sobre dinheiro, como é
evidente. E quando as obrigações acessórias recaem sobre dinheiro, elas designam-se não por
referência legal mas por referência doutrinária, como obrigações acessórias de capital, porque no
fundo se consubstancia em dinheiro.

Mas também se podem configurar como obrigações de realização ou de cedência de bens em


espécie ou até de prestações de facto por parte dos sócios. E precisamente é a propósito das
obrigações de prestação acessória que nós conseguimos dizer que estas obrigações relativamente à
objetivação da participação social na SA (isto com base no art. 209.º CSC aplica-se integralmente às
SA com base no art. 287.º CSC) – significa que se eu constituir uma obrigação de prestação de um
facto ou de disponibilidade para a prestação de determinados factos, eu tenho de ter a capacidade
de identificar o sujeito que fica vinculado ou adstrito ao cumprimento daquela obrigação.

Se eu identifico o sujeito, significa que eu vou para além da objetivação da participação e é


verdade. Esta é uma das 2 exceções à objetivação da participação em que a própria lei admite,
inspirada na Lei das sociedades por ações alemã – Aktiengesetz. A própria lei admite que o sócio ou
acionista, aquele que participa no contrato de SA fique vinculado à realização de prestações de
facto.

Se estas obrigações de prestações acessória podem ir desde o empréstimo ou mútuo de quantias em


dinheiro, podem consubstanciar, por exemplo, a cedência de um determinado bem em espécie – por
exemplo, imagine-se que há um sócio que tem um cavalo de corrida – cede o cavalo de corrida à
sociedade. Ele passa a correr pela sociedade. Os seus prémios beneficiarão a sociedade. É possível.
Ou há um sócio que é advogado, engenheiro, arquiteto, e os sócios comprometem-se a exercer os
seus serviços profissionais à medida que a sociedade deles vá necessitando.

Aqui é preciso que o contrato de sociedade estabeleça se estas obrigações são gratuitas ou
onerosas. Se forem onerosas, até certa medida até podem ser uma vantagem para o sócio. Se ele for
um profissional, desde logo, já tem ali um cliente, que é a própria sociedade. Ou seja, ele fica
obrigado a prestar serviços à sociedade, mas a sociedade vai pagar estes serviços. Trata-se de uma
obrigação cuja onerosidade acabará por lhe beneficiar.

No entanto, a lei também é clara em explicar que se as obrigações forem de caráter não
pecuniárias – não é uma questão de suscetibilidade de avaliação pecuniária, mas não serem
expressas em dinheiro ou em bens fungíveis – o direito da sociedade é intransmissível. O direito da
sociedade à realização das obrigações. A sociedade não pode transmitir, por exemplo, a um terceiro,
a possibilidade de ele exigir a cedência do tal cavalo de corrida ou a prestação de serviços de
advocacia por parte de um determinado sócio.

Há um aspecto muito importante em relação a estas obrigações acessórias que resulta claramente do

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art. 209.º n.º 3 CSC que é de que a contraprestação das obrigações pode ser paga
independentemente de lucros do exercício. Porque é que o legislador sentiu a necessidade de prever
esta possibilidade?
 A contraprestação de um mútuo ou empréstimo que seja oneroso consiste no pagamento de
juros.
o Esta regra esclarece que a sociedade pode pagar juros mesmo que não tenha lucros do
exercício. Mesmo que esteja em situação de perda de capital, porque no fundo está a
pagar os juros.
 E por isso, vai ser preciso distinguir, no contexto das prestações acessórias, designadamente
naquelas que são prestações acessórias de capital, se as obrigações:
o 1. Vão ou não vencer juros
o 2. Vão poder ser reembolsadas aos sócios, mesmo que os capitais próprios sejam
negativos, mesmo que não existam bens na sociedade em montante suficiente para
cobrir o CS acrescido das reservas legais que entretanto se tenham constituído.

Se as obrigações acessórias estiverem sujeitas a um regime de reembolso que implique que só


quando o CS e as reservas legais entretanto constituídas se encontram devidamente acauteladas
por bens da sociedade é que podem ser reembolsadas, então o POC diria que os bens objeto dessas
obrigações vão ser consideradas capitais próprios da sociedade. Os bens vão ser considerados
capitais próprios da sociedade, porque eles não vão poder ser disponibilizados aos sócios enquanto
não estiverem acima do montante do CS e das reservas.

O contrato de suprimento pode ser uma espécie do género de obrigações de prestação acessória.
Precisamente, porque é um empréstimo a prazo – é verdade que o contrato de suprimento pode
surgir não apenas no mútuo de bens fungíveis à sociedade (é isso que o caracteriza), mas pode surgir
também de créditos que o sócio tenha sobre a sociedade e que ele não realize entretanto e que se
mantenham durante algum tempo – se mantenham com um certo caráter de permanência como a lei
refere no art. 243.º CSC. O caráter de permanência de um suprimento é de 1 ano e de 1 dia. Atenção
que as prestações acessórias de capital, designadamente, podem estar sujeitas a regimes jurídicos.

Mas pode haver outras prestações também secundárias relativamente à obrigação principal, como é
o caso das:

Prestações suplementares

Como o nome indica, são suplementares à obrigação principal. Estas prestações suplementares são
obrigações que podem ser contratualmente estipuladas nas SPQ (por isso é que só estão reguladas
nos arts. 209.º e segs. CSC), pelas quais pode ser previsto que os sócios sejam chamados a reforçar a
sua entrada com um determinado montante em dinheiro, nunca vencendo juros essa
disponibilização de dinheiro. Isto é, prestações suplementares têm que recair necessariamente sobre
dinheiro e são sempre gratuitas, nunca podem vencer juros.

E depois há mais algumas características fundamentais:


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 para que elas sejam exigidas tem de haver uma deliberação dos sócios
o as prestações acessórias, em certos termos (a lei aliás é omissa) – contrato de
sociedade pode estabelecer um regime pelo qual a exigibilidade das prestações
acessórias não dependa de uma deliberação dos sócios, porque a lei não o impõe.
o Mas nas prestações suplementares, a lei impõe que elas para ser exigidas, tem de ser
deliberado pelos sócios.
 Tal como, para serem restituídas aos sócios, também têm que ser deliberadas
pelos sócios. Quer dizer, é um regime rigoroso. Como são em dinheiro e não
vencem juros, são tradicionalmente consideradas quase-capital e por isso às
vezes até se fala em prestações suplementares de capital, porque na verdade
têm mesmo de ser em capital, em dinheiro.
 Só podem ser restituídas desde que não seja à custa do CS e das reservas legais constituídas
o Isto é possível nas prestações acessórias mas não é obrigatório
o A sociedade só pode reembolsar os sócios com prestações suplementares quando e se
tiver um ativo que supere o montante do CS acrescido das reservas constituídas no
montante das prestações a reembolsar.
 Portanto, do ponto de vista dos sócios, estas prestações estão mais
subordinadas à satisfação dos interesses da sociedade do que por exemplo o
contrato de suprimento, quando o suprimento pode ser reembolsado, mesmo
à custa da situação líquida dos CP da sociedade.

Quid iuris quanto aos requisitos necessários para poderem ser exigidas prestações suplementares?
1. Primeiro, a lei é clara, determinando que em princípio o contrato de sociedade deva
estabelecer o montante global máximo das prestações suplementares a exigir.
2. O contrato de sociedade deve declarar que sócios é que ficam obrigados a realizar as
prestações suplementares.
3. O contrato de sociedade deve declarar em que montante é que os sócios ficam obrigados (cada
um deles) a realizar as suas prestações suplementares de capital.
4. Mas diz-nos também o art. 210.º n.º 4 CSC que destes 3 requisitos, só um é que é
verdadeiramente essencial – os outros podem existir contratualmente ou a lei tem uma solução
supletiva:

O essencial é que resulte do contrato de sociedade o montante global máximo de prestações


suplementares a realizar, em que resulte claramente os sócios ficam obrigados a realizar
prestações suplementares no montante de 500.000€.

 E se só estiver só estiver isto, que sócios é que ficam obrigados e qual o critério de repartição? Art.
210.º n.º 4 CSC – se não houver menção, ficam todos os sócios obrigados e ficarão obrigados
proporcionalmente à sua participação no capital.

Característica particular das prestações suplementares: tem a ver com o respetivo incumprimento.
Se houver a previsão contratual da exigibilidade das prestações suplementares, se elas forem de facto
exigidas por deliberação dos sócios, e elas não forem prestadas, quid iuris?

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No que diz respeito às prestações acessórias, a lei não estabelece qualquer consequência, embora o
contrato de sociedade possa estabelecer uma sanção para o incumprimento, como é evidente –
mas na maior parre dos casos não estabelece.

Aqui neste caso, para as prestações suplementares a lei estabelece no art. 212.º CSC uma
consequência muito grave: se houver incumprimento pode haver exclusão do sócio da sociedade.
Significa isto que se a deliberação de exigência de prestações suplementares não seja satisfeita por
um sócio, pode acarretar a sua exclusão e afastamento da sociedade. É a sanção mais grave que se
pode verificar no contexto das SPQ.

 é possível realizar prestações suplementares ou exigir a prestação de prestações suplementares


na SA? A lei é totalmente omissa. E a doutrina discute.

Um dos argumentos que era tradicionalmente utilizado na SA para rejeitar as prestações


suplementares era o de que sendo as ações ao portador como o podiam ser até 2017, não se sabia
quem é que eventualmente seria chamado a realizar as tais prestações, por isso é que elas eram
características das SPQ.

Não repugna ao POC admitir que numa SA possa haver prestações suplementares, embora elas
acarretem de um modo geral uma rutura com a objetivação da participação social tal como as
obrigações acessórias, porque se eu quiser diferenciar os sócios na realização das prestações
suplementares, eu tenho que os identificar e aí não é às ações, é aos sócios.

É verdade que eu com as prestações acessórias posso não romper com a objetivação da
participação social. Ex.: eu posso dizer que os acionistas ficam obrigados a realizar prestações
acessórias de capital no montante correspondente ao montante das ações que subscreverem. Eu
posso até ir mais longe e dizer – cada ação fica vinculada à realização de prestações acessórias de
capital no montante correspondente ao seu valor nominal ou metade, por exemplo. Tudo é possível.
 E aí já sei que posso exigir em prestações acessórias de capital o dobro do CS.

Eu posso de facto configurar as obrigações de prestação acessória do modo que quiser, exceto se
pela natureza do objeto da prestação eu não conseguir a fungibilidade necessária a poder imputar
a obrigação à própria participação social, o que não acontece na SPQ porque na SPQ o que releva é a
pessoa do sócio e aí não vale a pena porque a quota é incorpórea e portanto no fundo o sócio é que
define a participação social.

POC: Na SA, não aflige que possa haver prestações suplementares. No fundo, reproduzindo
contratualmente ou estatutariamente o regime das prestações suplementares das SPQ, mas parece
que na SA há um aspecto do regime jurídico das prestações suplementares que não podemos
transpor:
 É aquele que diz respeito a uma norma de caráter excecional que não podemos por analogia
aplicar às SA:
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o = exclusão do sócio
o Eu não consigo assegurar numa SA o incumprimento relativo a ações da exclusão do
sócio que for responsável por esse incumprimento, porque ele pode cumprir quanto a
algumas ações e não cumprir quanto a outras.
o As ações é que podem vir a ser objeto de extinção e nomeadamente de amortização,
mas sobre esse fenómeno falaremos depois.

Para justificar que nas SA as prestações suplementares podem existir: também porque nos
podemos interrogar sobre o que é que acontece numa SPQ que se transforme em SA e na qual
porventura exista prestações suplementares registadas. Isto é, existam créditos de sócios que estão
registados no balanço da SPQ. Eu não posso, ao transformá-la em SA pura e simplesmente apagar
esses créditos. Eu vou precisar de os manter inscritos, quer os continue a chamar de prestações
suplementares, porque continuo a saber quem são os seus beneficiários, quer eu diga que na SA que
as antigas prestações suplementares vão passar a designar-se prestações acessórias de capital e vão
eventualmente estar sujeitas ao mesmo regime jurídico das prestações suplementares, exceto a
exclusão no seu incumprimento.

Uma última obrigação é uma obrigação específica das SPQ – responsabilidade perante credores
sociais:
 Pode ser estipulada contratualmente
o Isto é uma novidade do CSC relativamente à situação anterior ao Código.
o Art. 198.º CSC: possibilidade de contratualmente o sócio poder assumir
responsabilidade perante alguns credores sociais relativamente a determinadas
quantias ou quanto ao incumprimento de determinadas obrigações sociais.
o É uma forma de alargar a responsabilidade limitada dos sócios.
o POC: nunca na sua vida (não que seja muito longa) nunca viu uma aplicação prática
desta regra, porque os sócios não gostam de alargar a sua responsabilidade.

11. Direitos

Estamos a falar de direitos subjetivos – no fundo, como sabemos, pode ser numa perspetiva clássica
o poder de realizar o interesse juridicamente protegido, pode ser uma permissão normativa
específica de aproveitamento de um bem.

Aqui vamos ter de, primeiro, procurar caracterizar os direitos sociais. O que são os direitos sociais?
Como o nome indica, são direitos que existem no contexto da própria sociedade comercial e que
são reconhecidos àqueles que nela participam, que a constituem ou que ao projeto societário
venham a aderir. São direitos que vão ser exercidos perante a própria SC.

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A sociedade só está sujeita a esses direitos? Está sujeita aos direitos de terceiros, que resultam dos
contratos que a sociedade celebrar. E em relação aos sócios? Só estará sujeita a esses direitos
sociais? Não. Os sócios podem ter direitos que na realidade são assimiláveis com os direitos de
terceiros, isto é:
 podem ter direitos que ou são totalmente estranhos à relação de socialidade, isto é, não
foram criados nem se desenvolveram no contexto da própria sociedade
o e portanto dizemos que são direitos que podiam ter nascido na titularidade de
terceiros;
 ou são direitos que nasceram no contexto da sociedade, mas que já se autonomizaram da
mesma
o já ganharam autonomia em termos de poderem ser exercidos independentemente de
o terem de ser por sócios
 = direitos creditórios ou extra-corporativos

Os sócios podem ter direitos creditórios ou extra-corporativos sobre a sociedade. Por exemplo, o
sócio pode ser senhorio da sociedade. O sócio tem um armazém. Ele pode arrendar o armazém à
sociedade. Mas o direito que ele tem de cobrar as rendas resulta de um contrato de arrendamento
que ele celebra com a sociedade. É um direito social? Não, nada tem que ver com criação,
funcionamento da sociedade na perspetiva dos próprios sócios.

Qualquer terceiro poderia ter um direito análogo. Aliás, porventura, muitas vezes, o sócio tem esse
arrendamento e outros terceiros têm outros arrendamentos com a sociedade. Logo, esse é um
direito extra-social. Esse e todos os outros da mesma natureza.

Direitos que nasçam no contexto da sociedade e dela se possam autonomizar:

 Direito aos lucros


Quando os lucros são deliberados e são atribuídos, os sócios podem ceder a um terceiro, por
exemplo, o direito a receber esses lucros. E não obstante, conservarem a sua participação social. Só
que entregam o direito aos lucros a um terceiro. E o terceiro exerce esse direito – vai receber os
lucros, naturalmente com base na deliberação que os atribuiu, porque o direito social aos lucros se
autonomizou, se desligou.

 Direito de subscrição preferencial de aumentos do capital social


Quando falámos dos aumentos do capital social vimos que os sócios têm um direito legal de
preferência de subscreverem aumentos do capital social que sejam realizados em dinheiro,
designadamente para manterem um status quo existente na sociedade antes do aumento do capital.
Era no fundo serem apenas eles a subscrever o aumento.

Sendo eles a subscrever o aumento, eles têm direito a fazê-lo proporcionalmente. Mas têm um
direito de subscrição que o próprio sistema lhes reconhece. Este direito de subscrição pode ser
alienado se tiver valor patrimonial. Quando ele estiver em condições de ser alienado ele é um direito
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creditório, extra-corporativo. Isto porque a partir desse momento, tanto pode ser exercido pelo sócio
na subscrição do aumento, como por um terceiro a que o sócio venha alienar.

11.1. Direitos gerais e direitos especiais

Os direitos sociais podem ser:


 Direitos gerais
o Se caracterizarem a SJ típica comum do sócio da sociedade ou das ações, englobando
as SJ com natureza de direitos que decorrem da própria lei e do contrato de sociedade
para a generalidade das participações ou para a generalidade dos sócios.
 Direitos especiais
o Se forem atribuídos apenas a alguns sócios ou algumas ações e consubstanciarem uma
situação de vantagem, supremacia ou privilégio para esses sócios relativamente aos
demais ou para essa ações relativamente às demais.

Vamos estudar os direitos gerais e os direitos especiais. Dos direitos gerais vamos autonomizar os 3
mais importantes, que estão no art. 21.º CSC, à cabeça: o mais importante de todos = direito aos
lucros, mas também direitos instrumentais (essenciais ao funcionamento da sociedade) que são
atribuídos tendo em vista viabilizarem o funcionamento da sociedade porque é uma entidade
participada por 2 ou mais pessoas, e esses direitos são os direitos de participação na vida social e o
direito de informação. E também vamos estudar os direitos especiais com algum detalhe.

Relativamente aos direitos também poderíamos chegar à conclusão de que existem múltiplas
classificações a que nós poderíamos recorrer para arrumar os direitos segundo múltiplos e diferentes
critérios: vamos falar apenas de um deles
 Critério relativo ao modo como se sistematizam os direitos gerais com base no respetivo
conteúdo, com base no conteúdo desses direitos.
 Vamos distinguir 3 categorias:
o 2 claramente definidas: direitos de participar nos benefícios sociais e direitos de
participação na administração da sociedade ou na vida social
o e uma 3.ª por exclusão: composta por direitos que não se enquadram em nenhuma
das outras duas, designadamente o direito de exoneração, o direito que o sócio pode
ter de, mediante uma declaração unilateral de vontade, se afastar da sociedade,
recebendo uma contrapartida; ou outros direitos convencionais, como por exemplo, o
direito de o sócio utilizar as instalações sociais. É um direito que também pode ser
criado. Não tem necessariamente um conteúdo imediatamente patrimonial, nem se
assimila aos direitos de participação na vida social.

Direito a participar nos benefícios sociais


São essencialmente o direito aos lucros, o direito a quinhoar nos rendimentos que a sociedade
obtenha e este direito aos lucros pode desdobrar-se em 3 vertentes que veremos mais tarde: direito
aos lucros periódicos (aqueles que a sociedade recebe regularmente), o direito aos lucros

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acumulados (aqueles que a sociedade recebe e não distribui oportunamente) e o direito aos lucros
finais (aqueles que a sociedade acumulou e que no final da sua vida, no momento da cessação da sua
atividade, deverá distribuir pelos seus participantes).

Estes são direitos a benefícios sociais. Têm uma expressão pecuniária imediata. Mas também é um
direito assimilável a estes, isto é, um direito a benefícios sociais, o direito a subscrição de ações em
aumento do capital social, porque ele pode ser rentabilizado, pode ser alienado e portanto acaba por
ser um direito com esta componente.

Direitos de participação na administração da sociedade


Eles têm que ver, fundamentalmente, com a formação da vontade societária, o direito de presença
nas deliberações dos sócios, o direito de participação na discussão no contexto das deliberações
dos sócios e o direito de voto nas deliberações dos sócios que no fundo permite contribuir para a
formação da vontade societária. Como estes, haverá muitos outros como o direito de poder designar
administradores, poder destituir titulares de órgãos sociais, o direito de informação, etc.

Direitos que são disponibilizados aos sócios em particular nas SA


Alguns são de exercício tendencialmente coletivo. Pretende-se no fundo explicar que a lei admite
que os direitos possam ser exercidos em simultâneo por mais do que um participante. Sobretudo,
isso pode-se tornar necessário quando a lei exige, para o exercício de certos direitos, que o mesmo
exercício seja atuado por um determinado montante mínimo do capital social. Nessa circunstância, a
lei pode aceitar que esse montante mínimo seja formado pelo contributo de mais do que um sócio.

Direitos sociais necessariamente individuais


Alguns deles são diversamente necessariamente individuais. Não estamos a formar categorias de
exclusão. A lei nunca pode afastar a possibilidade de eles serem exercidos pelo sócio
individualmente considerado. Entre esses direitos estão direitos essenciais, como o direito aos
lucros. O direito aos lucros é necessariamente individual. Não pode estar dependente, em caso
algum, nem por escolha estatutária, de ter de ser atuado por mais do que um sócio ou acionista.

Mas também o direito a reagir contra deliberações sociais que padeçam de vicissitudes ou de vícios
é um direito necessariamente individual, o chamado direito de impugnação de deliberações sociais,
porque se está a procurar sanar uma desconformidade da deliberação com a realidade.

Direitos sociais de exercício processual


Quer dizer que a lei processual (arts. 1048.º e segs. CPC) admite, a priori, que haja direitos sociais que
devam ser exercidos pelo recurso ao próprio tribunal, ainda que não haja necessariamente uma
situação de litígio mas que se deva recorrer a um tribunal. Nalguns casos com litígio, noutros sem.

É o chamado inquérito judicial, isto é, a obtenção de informações fundamentais da vida da sociedade


e que em princípio não estão a ser facultadas como seria legalmente devido. Então a lei admite que

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se recorra ao tribunal para esse efeito.

Ou ações relativas a órgãos sociais: por exemplo, procurar destituir ou suspender as funções de
membros de órgãos sociais. Ou o contrário: porque os órgãos sociais ficaram desertos ou com
insuficiência de elementos, procurar requerer ao tribunal a nomeação de membros de órgãos sociais
– administradores e membros do órgão de fiscalização.

E ainda a investidura em cargos sociais: é um processo que existe – arts. 1070.º e segs. CPC – sempre
que tendo sido alguém designado membro de um órgão social, estar-lhe a ser recusado o acesso
logístico ao exercício das suas funções. É uma forma de obrigar a sociedade a ter de reconhecer que
de facto aquela pessoa foi adequadamente eleita membro do órgão social.

São tudo formas de, recorrendo ao tribunal, efetivar direitos que são fundamentais à vida da
sociedade. E do mesmo modo, também podemos sistematizar outros dois tipos de ações – as ações
relativas a alterações do contrato de sociedade – o reagir no contexto de deliberação de redução do
CS ou o reagir a uma situação de cisão ou fusão da própria sociedade e a lei acolhe expressamente a
forma adequada de o vir a fazer.

Há ainda uma 4.ª categoria de ações que são as ações relativas a participações sociais e a obrigações
que já não têm a expressão que tiveram no passado, mas continuam a ter alguma importância, até
porque a lei prevê a liquidação de participações sociais e em certos casos, algumas possibilidades de
depósito das próprias participações sociais ou do averbamento de elementos nas participações
sociais. Mas o processo que mais era utilizado no passado dizia respeito à conversão das ações
nominativas em ações ao portador ou vice-versa, é um processo que se extinguiu, porque se
extinguiram as ações ao portador.

30.03.2022

No contexto do nosso direito societário temos duas realidades diferentes. Uma é uma realidade que
tem a ver fundamentalmente com a constituição da sociedade e traduz-se nas chamadas vantagens
especiais, que como o nome indica, significa que são situações de supremacia que não são
reconhecidas a todas as pessoas que se envolvem na constituição da sociedade comercial.

Como quem promove a constituição da sociedade tem uma influência notória no momento
fundacional, a lei tem alguma preocupação em limitar as vantagens especiais e de algum modo em
regulá-las para que quem avance com a constituição de uma sociedade e designadamente nos
processos de constituição público (apelo ao mercado) não possa, sem mais, obter vantagens que
seriam excessivas e que poderiam prejudicar os demais participantes e a própria sociedade.

Sobre as vantagens especiais pronuncia-se o art. 16.º CSC e mais à frente o art. 279.º n.º 6 al. b) CSC.
E de algum modo a preocupação é evitar que todas as vantagens que os promotores ou fundadores
da sociedade se autoatribuam possam ser excessivas. No fundo são limitações, designadamente, de
141
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caráter patrimonial.

Mas, as vantagens não são atribuídas nem à participação social, nem ao sócio enquanto tal.
Portanto, como é evidente, não se enquadram no plano dos direitos sociais. O problema dos direitos
sociais – encontramos direitos gerais (aqueles que assistem a todos os sócios) e encontramos os
direitos especiais, que se traduzem em situações de vantagem ou de supremacia ou privilégio que um
ou mais sócios possam ter sobre os demais. Mas que se configuram diferentemente nas SPQ e nas
SA, porquê?

Por uma razão muito simples: é que nas SPQ tais direitos especiais são atribuídos essencialmente
aos sócios enquanto tais. Isto é, tendo em conta a sua própria pessoa. E portanto são direitos que
lhes vão caber e cuja atribuição pode ser essencial para que eles se disponham a participar na
sociedade. No plano das SA, os direitos especiais não são atribuídos aos sócios, são atribuídos às
ações, porque é às ações que a generalidade dos direitos e vinculações é concedida no que respeita
às SA.

Art. 24.º CSC: de acordo com este artigo, estas situações de vantagem numa SC só podem ser
atribuídas por expressa previsão contratual. A primeira questão que se coloca é como estipular
contratualmente as situações de vantagem, portanto a atribuição de direitos especiais? n.º 1 
não é preciso que do direito contratualmente atribuído resulte necessariamente a qualificação de
direito especial, se pudermos concluir estar perante uma situação que na realidade é reveladora da
atribuição e reconhecimento de um direito especial. É preciso é que ele resulte inequivocamente do
contrato de sociedade como constituindo uma situação de vantagem ou de privilégio enquadrável
neste tipo de situação jurídica, de direitos.

É claro que quando olhamos para o art. 24.º CSC vamos ver que o regime dos direitos especiais é
diferente nas SPQ e nas SA.
 Aquilo que caracteriza os direitos especiais nas SPQ é a sua atribuição em função de um
titular.
o Isto é, em função da pessoa do sócio ao qual eles são atribuídos.
o E por isso a lei, naturalmente reconhecendo essa atribuição, tem um especial cuidado
no que respeita à sua eventual transmissibilidade.

Aquilo que os direitos especiais, de um modo geral, têm de muito característico é que eles em
princípio são inderrogáveis sem o consentimento do seu titular. Esta nota que resulta do art. 24.º
n.º 4 CSC significa que estando tais direitos consagrados estatutariamente, a sua supressão, a sua
redução, a sua eliminação só ocorre com um consentimento do seu titular. Só não é assim se os
estatutos permitirem a sua modificação não carecendo desse consentimento.

Portanto, se eles constam do contrato de sociedade, as alterações de que eles venham a ser objeto
devem ser também elas próprias objeto de um ato que modifique o contrato de sociedade. Trata-se
de uma alteração do contrato de sociedade.

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Esta é a característica genérica. Vamos ver que há casos em que os direitos especiais podem ser
estabelecidos sem que a sua eliminação fique na dependência dos seus titulares. Isso resulta do art.
24.º n.º 5 CSC, quando se diz na sua parte final que a inderrogabilidade pode ser afastada , ou por
regra legal ou por estipulação em contrário, isto é, por previsão contratual.

Mas antes disso, vejamos o que caracteriza os direitos especiais em vida da sociedade:
 Numa SA, segundo o n.º 4 do art. 24.º CSC, os direitos especiais só podem ser atribuídos a
categorias de ações:
o Significa atribuir um direito especial a algumas ações, porque se fosse atribuído a
todas, ele não seria especial. 
o Essas ações, porque vão ser no fundo estruturadas com direito de natureza idêntica,
elas vão distinguir-se das demais ações, das chamadas ações ordinárias – são aquelas
que contêm os direitos gerais.

Importa aqui referir que constituir uma categoria de ações, quer dizer que os direitos especiais só
às ações podem ser atribuídos e portanto em princípio vão ser objeto de transmissão com essas
ações. Ou seja, a atribuição que é feita de direitos especiais no contexto de uma SA é uma atribuição
que na realidade permite que esses direitos passem a ser uma característica das ações,
independentemente de quem for, em cada momento, o respetivo titular.

Diferentemente do que se passa nas SPQ, e também nas SNC, os direitos especiais cabem às próprias
ações. Logo, é normal que possam ser transmissíveis com essas mesmas ações. No plano das SPQ:
 SPQ: como os direitos são atribuídos ao sócio:
o É atribuída à sócia um direito especial preferencial de participação nos lucros da
sociedade.
 Nessa circunstância aquilo que se discute é saber se a sócia transmitir a sua
quota, de algum modo também transmite o direito social?

No domínio das SPQ, a solução legal é muito diferente da SA: art. 24.º n.º 3 CSC  os direitos de
natureza patrimonial são essencialmente direitos aos lucros. Significa que ter um direito preferencial
aos lucros, participar neles de modo favorecido – receber mais lucros por uma participação igual aos
demais sócios – se a quota tiver direitos de natureza patrimonial, em princípio, quem tem dita
quota, transmite também esses direitos.

Já se se tratar de um direito de natureza pessoal, por exemplo, um direito de voto – sócia tem
direito de voto duplo relativamente à sua quota – o que a lei diz é que em princípio esse direito de
natureza pessoal é intransmissível com a cessão da quota, porque é atribuído muito tendo em conta
a posição e a pessoa do respetivo titular do direito especial.

E por isso, não surpreende que a lei, para esses direitos de natureza pessoal, comine em princípio a
intransmissibilidade, só que o faz numa norma que é aparentemente supletiva, porque a norma diz
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nas SPQ e salvo estipulação em contrário (...)  se há uma estipulação em contrário que possa
evitar isto, então significa que pode haver uma previsão contratual que impede a
transmissibilidade dos direitos especiais de natureza patrimonial com a quota do sócio ao qual
foram atribuídos, porque é precisamente uma regra contratual autorizada pela norma supletiva do
art. 24.º CSC.

Aquilo que o art. 24.º não é claro a esclarecer é se também esta estipulação em contrário vale para
os chamados direitos que não têm uma natureza imediatamente patrimonial, designadamente,
pessoal, porque se o salvo estipulação em contrário se aplicar a todo o remanescente, também
significa que podemos manter como transmissíveis os direitos especiais de natureza patrimonial e
tornar transmissíveis direitos especiais de natureza não patrimonial.

POC: no que respeita a estes direitos de natureza não patrimonial, não faz muito sentido admitir a
sua transmissibilidade e portanto uma leitura possível deste preceito é considerar que a
estipulação em contrário apenas é válida para os casos em que a lei admite a transmissibilidade
dos direitos de natureza patrimonial e não para os casos em que a lei aparentemente comina como
intransmissíveis todos os demais direitos que existam no contexto da SPQ.

Sobre os direitos especiais em geral:


Dissemos que os direitos especiais eram em princípio inderrogáveis sem o consentimento do seu
titular no caso em que são atribuídos a pessoas, sócios individualmente considerados, ou sem o
consentimento da categoria de ações nos casos em que os direitos especiais são atribuídos a uma
categoria de ações, que se vai expressar por maioria qualificada de 2/3 daqueles que participarem
nessas decisões e que são necessariamente titulares de ações da categoria à qual foi atribuído o
direito especial

 art. 24.º n.º 6 CSC e depois a própria lei estabelece no art. 389.º CSC o modo pelo qual o direito
especial pode vir a ser derrogado ou alterado no contexto da SA, designadamente, obrigando a que
haja uma deliberação em separado dos titulares da categoria de ações para que esta categoria de
ações dê a sua anuência à alteração do contrato de sociedade e de algum modo vem suprimir o
direito especial que tenha sido criado oportunamente.

Quando é que tem sentido que a inderrogabilidade possa resultar da lei ou possa resulta dos
estatutos? Porque se na realidade a principal característica do direito especial é que ele não pode ser
modificado sem o consentimento do seu titular, se eu estou a permitir que seja possível modificá-lo
sem esse consentimento, então basicamente, eu no fundo estou a facilitar a extinção do direito
especial e estou a esbater o relevo que ele pode ter, designadamente à pessoa ou conjunto de
pessoas às quais é atribuído.

A resposta é relativamente simples: há um exemplo de norma legal que a permite a derrogabilidade


do direito especial – art. 531.º CSC – é uma norma transitória que consta do código e cuja leitura vale
a pena, porque salvaguardou, com a entrada em vigor do CSC, um direito especial nas SA que o CSC
veio a eliminar e que curiosamente, recentemente, foi retomado, ainda que num plano do CVM –
144
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privilégio do voto.

O CSC proibiu o privilégio do voto no art. 384.º n.º 5 CSC e ao mesmo tempo, previu no art. 531.º
CSC que os privilégios anteriormente existentes pudessem manter-se, mas pudessem ser extintos
sem o consentimento dos seus titulares. Cá está, uma derrogabilidade que decorre da própria lei.

Quanto à derrogabilidade estatutária, isto é, quanto a admitir-se nos estatutos que afinal o direito
especial que foi atribuído possa porventura ser eliminado sem o consentimento dos seus titulares.
Isto acontece nos casos em que, por exemplo, se pretende estabelecer um direito especial a termo e
portanto se pretende designadamente prever que é reconhecido um direito especial ao sócio e
decorridos 5 anos este direito especial passa a ser derrogável sem o seu consentimento. É verdade
que pode continuar como tal, mas a partir dos 5 anos, já não é preciso o consentimento do sócio. E
portanto, toda uma série de cláusulas acessórias são, nesta circunstância, facilmente explicáveis e
justifica-se que sejam tidas em conta para explicar também a abertura da parte final do n.º 5 do art.
24.º CSC.

Quais é que são as consequências se apesar de ser inderrogável um direito especial sem
consentimento do titular, o contrato de sociedade for alterado e o direito for suprimido? É simples:
se eu alterar o contrato de sociedade com o procedimento adequado, isto é, reunir a AG, formar a
deliberação com o quórum deliberativo necessário, eu cumpro adequadamente as regras para estar
perante uma deliberação social que seja válida, mas falta um requisito: consentimento do titular do
direito especial, quer seja uma pessoa singular, quer seja uma categoria de ações. Enquanto me
faltar o requisito, mesmo que a deliberação seja válida, ela é ineficaz, não produz efeitos. Isso é
uma sanção que decorre claramente do art. 55.º CSC e que resulta da não observância das normas
sobre a inderrogabilidade do direito especial.

Para terminar a referência aos direitos especiais vamos remeter para o estudo das participações
sociais (em particular das ações) o contexto das sociedades anónimas e vamos falar dos direitos
especiais nas sociedades por quotas:

Quais são os direitos especiais que podemos equacionar nas SPQ? São vários e vamos exemplificar:
 Os sócios têm direito a participar nos lucros da sociedade – art. 21.º n.º 1 al. a) CSC
o Do art. 22.º n.º 1 resulta que na falta de preceito legal ou convenção em contrário, os
sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos
valores das respetivas participações no capital.
o A participação dos sócios nos lucros é proporcionalmente à sua participação no capital.
Por outras palavras, um sócio que realiza 20% do capital da SPQ tem, em princípio,
uma expectativa jurídica a receber 20% dos lucros dessa sociedade por quotas.

O art. 22.º n.º 1 CSC na sua abertura prevê que possa haver uma convenção em contrário. Prevê que
possa contratualmente ser combinado não se processar deste modo, com o limite do disposto no n.º
3 do art. 22.º CSC que comina a nulidade da cláusula leonina, que é aquela pela qual a totalidade ou

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a quase totalidade dos lucros serão reservados a um sócio e no fundo desse modo prejudicando
todos os outros ou é a cláusula o sócio, mesmo que seja apenas um, não venha a poder participar nos
lucros de forma minimamente adequada ao seu investimento.

Com o limite da cláusula leonina é possível derrogar a regra da proporcionalidade na participação


do lucro. E uma forma de o fazer é sem dúvida atribuir um direito especial a uma parte acrescida
nos lucros periódicos. É reconhecer que um ou mais sócios podem participar nos lucros do exercício
de modo proporcionalmente superior à sua participação social e portanto, embora tenham por
exemplo 30% de participação social, eles vão ter direito a receber 40%.

É óbvio que a atribuição deste direito especial provoca por natureza, dada a incidência patrimonial
que tem, uma diminuição quantitativa do direito aos lucros dos demais sócios. Mas os demais sócios
vão quinhoar, nos termos da parte final do art. 22.º n.º 1 CSC, proporcionalmente aos lucros
remanescentes. Um sócio com 30% recebe 40% dos lucros e outros sócios que têm 70% vão receber
60% dos lucros. Compreende-se porque isto é um direito que está muitas vezes ligado a uma grande
motivação que se pretende reconhecer a um sócio para participar numa SC.

O direito aos lucros também pode de algum modo transmitir-se para momento posterior e pode
traduzir o direito a uma parte favorecida no saldo de liquidação da sociedade: quando se estiver a
proceder à partilha do ativo remanescente, um dos sócios vai ter direito a participar no saldo de
liquidação de modo claramente superior à proporcionalidade que ele tinha no capital da sociedade. É
uma situação análoga mas que ocorre no final da vida da sociedade – art. 156.º n.º 4 CSC.

Há direitos especiais que têm uma natureza não imediatamente patrimonial, porque se eles forem
transmissíveis com as quotas para quem considere que a estipulação em contrário também derroga
a parte final do n.º 3 do art. 24.º CSC, então eles acabam por indiretamente reforçar o valor
económico da participação social.

Em primeiro lugar: o direito ao voto duplo


Isto é, a possibilidade relativamente a uma mesma proporção de capital, atribuir um voto duplo a
quem for titular dessa quota. Aqui é apenas para referir que a lei prevê que em princípio por cada
cêntimo de capital caiba um voto e a lei prevê, no art. 250.º n.º 2 CSC que possa haver um direito de
voto duplo atribuído a um máximo de 20% na sociedade. Portanto no fundo, a possibilidade de quem
não tem mais de 20% poder ter um direito de voto duplo, o que significa que exatamente com o
mesmo investimento, tem o dobro dos votos.

 quem tem o direito de voto duplo pode, não obstante, participar, ter uma quota superior a 20%?
POC: diria que não, não lhe parece adequado deter umas quotas para poder ter o voto duplo com
referência apenas a 20% e depois ter voto simples, mas parece sim que quem tenha mais de 20%
não deva ter o direito a voto duplo.

 Outro direito pessoal é o chamado direito de veto de alterações estatutárias – art. 265.º n.º 2
146
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CSC.
 Mas há mais direitos como o direito especial de nomeação à gerência – art. 257.º n.º 3 CSC – é
um direito que o sócio tem de poder exercer as funções de gerente e em princípio não poder
ser afastado se não houver justa causa, portanto a sua inderrogabilidade consubstancia-se
essencialmente no facto de não pode ser destituído sem justa causa.
 O direito especial de designação de gerentes é um direito que pode ser contratualmente
atribuído a um sócio permitindo-lhe que ele possa designar um ou mais gerentes.
 O direito de ser designado liquidatário se a sociedade for dissolvida – art. 151.º CSC.

11.2. Direito aos lucros

É um direito tão relevante que é aquele que corresponde à essência da participação na sociedade.
As sociedades são constituídas porque os sócios, os investidores, pretendem obter um ganho com
essa constituição e quando isso não acontece quer dizer que a sua natureza jurídica acaba por ser
defraudada, o que pode acontecer por outros interesses que agora não interessam, mas muitas vezes
se consubstanciam apenas no interesse se pode ter relativamente à participação que o sócio vai ter
na sociedade se porventura ele pode ter apenas um interesse de adotar uma forma de SC quando na
realidade não quer ter essa SC, que acontece por exemplo com as sociedades de gestão pública.

As sociedades de gestão pública adotam a forma de SA por imposição legal, mas por exemplo, não
podem partilhar lucros. São sociedades que na realidade não são. Isto é o que estas entidades
querem – é constituir-se e estruturar-se da forma que é legalmente reconhecida para as SC em geral.

E portanto, este é o direito que é mais importante. É aquele que espelha o fundamento da
participação na sociedade, ainda que ele possa não ser imediato, pode ser o resultado da
participação dos sócios no exercício da atividade económica em que se consubstancia a própria
sociedade comercial.

Mas é um direito que também, simultaneamente, depende dos resultados da atividade da


sociedade, porque no fundo só se os resultados da própria sociedade forem positivos é que a
sociedade estará em condições de promover a distribuição de lucros.

O que é esta realidade? O que é que é o lucro?


 O lucro é o benefício da atividade social que resulta das contas. É uma diferença positiva que é
gerada entre as receitas da sociedade num certo período, num determinado exercício, e as
despesas e custos que a sociedade suporta nesse mesmo período.

E por isso, nós dizemos que sociedade tem lucros se na realidade ela gera uma diferença positiva
relativamente a um certo período que é, em regra, de um ano, correspondendo esse ano àquilo que
se denomina por exercício social. Portanto, para podermos concluir que a sociedade obteve lucros
que eventualmente poderá disponibilizar aos seus participantes, no fundo temos de considerar que a
sociedade teve uma variação positiva nas suas contas com referência à data imediatamente anterior.
147
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É o mesmo que dizer: para eu poder concluir em 2022 que uma sociedade teve lucros em 2021,
preciso de confrontar a situação da sociedade ao dia 31 de dezembro de 2021 com a situação
verificada no dia 31 de dezembro de 2022. E se de facto ocorreu uma variação positiva, se ao longo
de 2022 os proveitos da sociedade foram superiores às receitas e aos seus custos então podemos
concluir que a sociedade regista lucros no seu exercício e portanto é normal que os sócios queiram
participar nos mesmos.

No conceito do lucro, enquanto benefício da atividade social resultante das contas, não nos
referimos necessariamente a um período anual, porque aí já estamos a especializar o conceito de
lucro. Já estamos a falar do lucro do exercício, isto é, acréscimo patrimonial ou diferença positiva que
se verifica quer no início da atividade num determinado ano e na data do seu encerramento nesse
mesmo ano. Em regra, o exercício social coincide com o ano civil, portanto decorre do dia 1 de
Janeiro ao dia 31 de Dezembro. Embora possa haver alterações.

Nem todos os lucros do exercício são distribuíveis e por isso o conceito de lucro distribuível não
coincide necessariamente com o conceito do lucro do exercício. Pode coincidir, mas não coincide
necessariamente.

Não coincide com o conceito de lucro do exercício se for necessário cobrir prejuízos transitados ou
reforçar a reserva legal que a sociedade tem de constituir. Mas coincide com o conceito de lucro do
exercício se não houver prejuízos transitados e se a reserva legal global mínima se encontrar
preenchida na sua totalidade, a qual em princípio é de 20% do CS.

O direito aos lucros é tão importante que é um direito que como regra cabe aos sócios. Isto é, cabe
aos sócios deliberar sobre a distribuição de lucros. Já não estamos no art. 21.º CSC, nem no art. 22.º.
Estamos no art. 31.º CSC, sob epígrafe deliberação de distribuição de bens e seu cumprimento. E
resulta deste artigo de forma evidente que em princípio os lucros são distribuídos por deliberação
dos sócios, salvo quando excecionalmente a lei permitir que possam ser atribuídos por deliberação
de outro órgão social. Esse é um caso excecional – art. 297.º CSC.

O direito aos lucros como direito dos próprios sócios e que deve ser objeto da sua deliberação vai-
se expressar em diversas vertentes:
 A vertente mais óbvia, mais normal é aquela em que se equaciona o chamado direito aos lucros
do exercício
o É um direito periódico, direito renovável, direito de base anual que permitirá à
sociedade todos os anos remunerar, ainda que de modo incerto, o capital que nela
está investido. É a propósito disso que se discute saber se os sócios têm o direito
mínimo a um determinado lucro do exercício.
 Mas depois também vamos encontrar, ao longo da vida da sociedade o direito aos lucros
acumulados sob a forma de reservas livres
o Os lucros que não distribuímos anualmente vão integrar a rúbrica das reservas livres e
portanto as tais reservas livres podem ser distribuídas a todo o momento, desde que
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não sejam necessárias para cobrir o montante do CS e das reservas legais entretanto
constituídas.
o Significa que elas correspondem essencialmente a lucros acumulados e não
distribuídos.
 Esta é a vertente final e é pouco valorada, porque as sociedades hoje na sua grande maioria não
se constituem para uma duração de determinada diferentemente do que acontecia, as SC
constituem-se quase todas por tempo indeterminado – significa que a priori não se está a
equacionar o chamado direito ao lucro final ou exploração
o É no fundo os lucros que seriam atribuídos no fim da vida da sociedade e que
corresponderiam à diferença positiva entre o saldo remanescente da sociedade depois
de satisfazer os seus débitos e de receber os seus créditos e o investimento que nela
havia sido feito em capital pelos seus sócios.
o Aí vamos concluir se há ou não um ganho final.

Direito aos lucros periódicos – arts. 217.º CSC e 294.º CSC

Podemos usar o art. 294.º CSC porque são muito parecidas as regras. Conseguimos determinar a
diferença. Hoje são muito parecidas, mas quando o CSC foi aprovado tinham algumas diferenças. O
art. 294.º não é um artigo sobre o direito aos lucros 32 - este fala dos lucros do exercício, dos lucros
periódicos.

O que é que nos diz o art. 294.º n.º. 1 CSC?


Diz-nos que, salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de ¾ dos votos
correspondentes ao CS (isto é igual nas SPQ e nas SA), não pode deixar de ser distribuído aos
acionistas metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei seja distribuível. Isto é, no
entendimento do POC, o art. 294.º CSC estabelece o direito a um dividendo mínimo. É uma regra
que tem uma característica supletiva.

E aquilo que se perguntará é se a diferente cláusula contratual pode concluir na eventual não
distribuição dos lucros ou dos dividendos anuais. Isto é, se contratualmente podemos delegar na
maioria dos sócios a eventual não distribuição dos lucros ou se contratualmente podemos por
exemplo apenas garantir o direito a uma participação nos lucros do exercício no montante de 30 ou
40% e não no montante de 50% do lucro do exercício distribuível.

A diferente cláusula contratual permite uma derrogação da regra geral que resulta do n.º 1 do art.
294.º CSC? A generalidade da doutrina tende a aceitar essa possibilidade. POC: RECUSA ESSA
POSSIBILIDADE:
 POC: Esta regra do art. 294.º e também do art. 217.º CSC é uma regra legal de conteúdo
supletivo mas com um mínimo legal imperativo.
o Mínimo legal imperativo = o mínimo que os sócios têm direito a receber é de 50% do

32
Quando o POC perguntar de onde resulta a competência dos sócios para distribuir lucros, isso está
no art. 31.º CSC.
149
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lucro do exercício distribuível.
o É uma regra supletiva, porque eu até posso impor no contrato de sociedade um
montante maior, até posso determinar que todos os lucros do exercício sejam
distribuíveis – posso fazer o que quiser, desde que apenas em benefício do sócio e não
no seu prejuízo.
o Porquê? Porque é que o POC restringe o alcance da norma do art. 294.º a uma
diferente cláusula contratual:
 Por duas razões muito simples:
 uma de ordem sistemática que é aquela que tem que ver com o facto de não
fazer sentido participar numa SC se não for para receber periodicamente
lucros do exercício, ainda que eles possam ou não corresponder à totalidade
do lucro que seja gerado na sociedade. E por isso a lei impôs que fosse metade.
Esta é uma regra que corresponde à essência da própria SC.
 Argumento de ordem interpretativa e fundamentalmente literal – a lei diz
assim: salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria
de ¾ dos votos correspondentes ao CS, não pode deixar de ser distribuído
metade do lucro distribuível. Porque é que a lei tem este travão de uma
deliberação tomada por ¾ dos votos correspondentes ao CS? A lei admite que
se houver uma maioria muito grande numa SC (neste caso SA, mas é igual
para as SPQ) que conclua num certo exercício, no interesse da sociedade,
distribuir os lucros desse exercício, então os sócios poderão deliberar não o
fazer.
 Têm é que se verificar os ¾ e haver o interesse da sociedade, porque se não a
deliberação vai ser abusiva. Isto é, se ¾ dos sócios deliberam não distribuir
lucros, fazendo o aproveitamento desta previsão contratual apenas para
pressionar a minoria que votou contra, a vender a sua participação social,
então naturalmente essa participação é necessariamente abusiva, porque é
uma deliberação que na realidade visa prejudicar os mais pequenos, sem que
isso traga um prejuízo para os sócios maioritários que eventualmente até
podem ser gerentes e receber uma remuneração da sociedade.

No contexto do art. 294.º CSC este travão dos ¾ tem que ser utilizado com razoabilidade, no
interesse da própria sociedade. Portanto, basicamente, nesta circunstância, o sócio ou os sócios
podem dizer bom é tão difícil esta circunstância na vida da sociedade, que é melhor não distribuir.
Exemplo:

No primeiro ano do Covid, em 2020, muito pouco tempo antes da aprovação dos lucros de 2019 – a
economia correu muito bem em 2019 e portanto significava que de um modo geral as sociedades
tiveram bons resultados. Ora, quando as AG em 2020 foram reunir para deliberar sobre a distribuição
de lucros que normalmente atribuiriam tendo em conta que o ambiente económico era ótimo, então
o que aconteceria é que as sociedades poderiam ter distribuído grande parte dos seus lucros do
exercício.

 quando surgiu o covid, como se criou uma enorme incerteza, como não se conseguia antever o
150
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que iria acontecer, aquilo que aconteceu foi que as AG e as SC em geral começaram a deliberar não
distribuir os lucros do exercício e fizeram-no por maiorias muito substanciais. E em regra, atingiam se
não ultrapassavam mesmo estes ¾. Isto é, concluindo que sendo esta situação excecional, era
importante que a sociedade não perdesse meios de que poderia vir a carecer muito oportunamente.

De tal maneira que depois se chegou à conclusão de que apesar de tudo tinha havido muito
conservadorismo e as sociedades voltaram a distribuir algumas delas lucros ainda nesse exercício, no
final do exercício.

A lei tem uma preocupação em estabelecer este travão. Se eu pudesse, no meu contrato de
sociedade, permitir que por ¾ de maioria, nunca fosse distribuído o lucro, então não era preciso
esta regra legal. Esta regra legal é bem a prova de que a derrogação do disposto no art. 294.º CSC e
designadamente a possibilidade de distribuição dos lucros do exercício só é possível em casos
excecionais, por maioria de ¾ dos votos. E até porque mesmo que exista a maioria, se não houver
razão que fundamente essa decisão, a deliberação poderá ser impugnada.

No fundo, a interpretação que o POC faz é a única que viabiliza o interesse desta salvaguarda,
porque se eu pudesse entregar aos sócios a não distribuição de lucros com uma cláusula aberta tipo
sobre a distribuição dos lucros os sócios deliberarão como lhes aprouver, não precisava dos ¾,
bastava ter a regra contratual. Se os ¾ aqui estão, é porque o próprio legislador não concebeu que a
não distribuição de lucros de todo pudesse ocorrer relativamente a um montante mínimo que
imperativamente concede aos próprios sócios e por isso falamos do dividendo mínimo ao lucro do
exercício.

Isto coloca um problema interessante que é o seguinte:


Vamos antecipar um dado que é a proposta de aplicação de resultados que é apresentada aos
sócios anualmente e é da autoria do CA ou da gerência. É o CA que elaborando as contas da
sociedade, verificando o que é que foi o exercício da sua atividade num certo período e verificando
qual é que é o resultado obtido, é o CA que propõe a aplicação desse resultado. Quer dizer que ao CA
cabe essa importantíssima decisão interna.

É importante que se diga que nada obsta na lei a que os sócios possam propor alterações à
proposta. Não têm a iniciativa, mas podem propor alterações à proposta. Podem dizer: o conselho
propõe distribuir 50%, mas nós entendemos que a sociedade está a correr muito bem e portanto pode
distribuir 75%.

Sendo a iniciativa do CA, coloca-se um problema: a lei intui que o CA vá apresentar esta proposta
de aplicação de resultados e que vá cumprir o mínimo que resulta do art. 294.º CSC que é uma
circunstância em que toda a doutrina é idêntica. Toda a doutrina entende que se o contrato de
sociedade for omisso, o art. 294.º CSC significa que em princípio, metade do lucro do exercício é
sempre distribuível.

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A questão que se pode por em cima da mesa é a seguinte: e se os sócios deliberarem não distribuir?
E se os sócios rejeitarem a proposta de distribuição dos lucros? Diremos: os minoritários podem
reagir contra essa eventualidade, mas o POC acha que não, porque os minoritários que reajam
contra a distribuição dos lucros, se desfizerem a deliberação que não concluiu em sentido nenhum,
porque a maioria rejeitou a proposta, não conseguimos ter lucros dessa maneira. Então eu para
poder ter lucros vou ter que recorrer à chamada execução específica da deliberação que aprovou as
contas do exercício.
 ou seja, vou de algum modo ter que explicitar ao tribunal que substitua os sócios todos na
declaração de vontade societária que se traduz na atribuição do dividendo mínimo a que eles têm
direito.

A lei nestas matérias é muito cautelosa, designadamente, estabelecendo no art. 33.º CSC e no art.
32.º CSC, respetivamente, um limite legal de distribuição de bens aos sócios e estabelecendo no
art. 33.º quais é que são os bens que não são distribuíveis aos sócios. Ao POC parece-lhe que não
fica por aqui, porque o art. 514.º CSC contém uma previsão que se traduz numa norma incriminadora
aplicável à distribuição ilícita.

Quanto ao art. 32.º CSC, no fundo, é o artigo que se traduz no princípio da intangibilidade do capital
social. E quanto ao art. 33.º CSC, é o artigo que se traduz na impossibilidade de distribuição aos
sócios de resultados da sociedade que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados ou
reconstituir as reservas legais que possam ser previstas, no fundo preencher as reservas legais que
entretanto pudessem ser constituídas.

No fundo, a lei é muito rigorosa, vai inclusivamente a ponto de referir bens que não se podem
distribuir enquanto não houver lugar à amortização de despesas de constituição e investigação e
desenvolvimento da sociedade, e depois temos a conjugação com este art. 33.º do art. 295.º e 296.º
CSC.

Mas temos ainda uma norma do art. 34.º CSC que dispõe sobre aquilo que acontecerá aos lucros
fictícios. Isto é, o que é que sucede se forem distribuídos lucros que na realidade não existem,
porque designadamente as contas foram mal aprovadas. Aquilo que acontece é que de acordo com o
art. 34.º CSC, em princípio, os sócios devem restituir à sociedade as quantias que receberam e que
não deveriam ter sido entregues, portanto receberam a título indevido, em violação das disposições
legais sobre essa matéria, designadamente os arts. 32.º e 33.º CSC.

Mas, o art. 34.º CSC salvaguarda os sócios que recebam os dividendos de boa-fé. Isto é, se eles não
tiverem modo de poder determinar que não tinham conhecimento da vicissitude que afetava o
resultado que lhes foi entregue, então em princípio eles não têm que proceder a essa restituição. No
fundo, isto é a parte final do n.º 1 do art. 34.º CSC – nessa circunstância eles podem conservar os
bens que receberam indevidamente.

31.03.2022

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Esta matéria dos lucros é uma matéria que se cruza muito com a matéria do capital, porque não
havendo ativos da sociedade que sirvam para cobrir o capital e as reservas que entretanto devam ser
constituídas, não há lucros distribuíveis.

Pagamento dos lucros e dos dividendos

É naturalmente um momento importante, isto é, o momento em que os sócios veem dinheiro. Mas
antes de mais, devemos já reter a ideia de que nada impede que os lucros sejam pagos com bens em
espécie, e não necessariamente em dinheiro, embora tal seja o que acontece habitualmente. As
sociedades podem concluir proceder ao pagamento do lucro periódico com bens em espécie.

Quanto à aplicação dos resultados vão ser determinantes os arts. 31.º CSC e os arts. 217.º e 294.º
CSC sobre os lucros periódicos. Relativamente a estes artigos, naturalmente que a questão mais
importante é saber quando é que o sócio tem direito a receber os lucros que tenham sido
deliberados distribuir na AG anual. Isto é, em que momento é que o sócio tem direito que
corresponde, ao fim ao cabo, a um vencimento de um crédito.

Mais do que isso, ele inclusivamente, antes desse vencimento, ele pode alienar o direito ao seu
recebimento. E a lei estabelece regras nos n.º 2s dos arts. 217.º e 294.º CSC que disciplinam esse
pagamento.
 Em princípio, o crédito vence-se no prazo de 30 dias.
o Cerca de 1 mês depois da deliberação.
 A lógica é:
o É deliberada a distribuição, o crédito vence-se no 30.º dia.
o O que significa que é essa a data em que os lucros devem ser creditados na conta dos
sócios ou dos acionistas. Portanto, é a data esperada ou ansiada.

Mas importa referir que nada na lei impede que a sociedade por sua conveniência, quando ela
disponha de liquidez, que ela possa antecipar a distribuição de lucros. Deverá é eventualmente
poder acautelar essa situação fazendo uma menção à mesma na proposta de aplicação dos
resultados ou imediatamente após ser deliberada a distribuição dos resultados.

Isto é, normalmente há alguém que propõe que caso a sociedade tenha disponibilidades antes de
decorridos os 30 dias legalmente estabelecidos que a administração poderá promover a distribuição
de lucros. Mas de facto não há nada que o impeça. Não há nada que impeça a administração de por
sua iniciativa antecipar.

Coloca-se, contudo, um problema interessante que tem a ver sobretudo com as sociedades com
grande liquidez no mercado: é que se nós em princípio assumimos que o crédito se vence no 30.º
dia portanto 30 dias depois da AG que delibera a distribuição de lucros, isso significa que quem
adquirir entretanto a participação vai adquirir direito a esse crédito.
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Isto é, quem adquirir as ações durante esses 30 dias vai ter direito a receber esse crédito. Pelo
menos, a lei estabelece um prazo limite alguns dias antes da data em que em princípio a ação
proporcione dividendos ao seu titular. Se vender a ação no próprio dia, pagos os dividendos(?), não
seria possível acautelar essa situação.

E por isso, muitas vezes discute-se se é válida a antecipação da distribuição dos dividendos se ela
não estiver autorizada na ata relativa à AG: é que um terceiro que adquira as ações vai fazê-lo na
convicção da data em que foi tomada a decisão em AG e reconheça essa ata, não vai poder
antecipar os dividendos que já foram distribuídos no momento em que ele adquire as ações. Isso
acaba por acarretar um sério prejuízo.

Essa questão é uma questão que tem que ficar em aberto, porque é uma questão relativamente
importante. No entanto, perguntaremos também: estes 30 dias são sempre uma regra imperativa?
Não é possível mexer neste prazo que está legalmente estabelecido nos números 2 do art. 217.º e
294.º CSC?

Olhando para esses números, vamos chegar à conclusão de que é possível conceder à sociedade um
prazo adicional, isto é, é possível prorrogar o prazo dos 30 dias por um prazo adicional de mais 60
dias. Mas, é evidente que isso só pode ser feito se houver, como resulta da própria lei, uma razão que
justifique todo esse prazo. A lei é particularmente rigorosa, porque estabelece aqui um regime
específico para as chamadas sociedades cotadas determinando que nas sociedades cotadas a
extensão do prazo tenha um limite que não vai depender da disponibilidade dos sócios para
aceitarem esse prorrogamento.

É importante saber que na realidade ainda que os sócios em geral possam consentir no diferimento
da entrega dos lucros que forem distribuídos sob a forma de dividendos – crédito esse que em última
análise irá converter-se num suprimento se ele estiver por reclamar durante mais de um ano junto da
própria sociedade, a verdade é que nas sociedades cotadas a lei só permite a extensão do limite dos
60 dias (art. 294.º n.º 2 parte final).

Uma outra questão que também é importante ponderar, a questão que vem aflorada no n.º 3 do art.
294.º CSC e do art. 217.º CSC é saber como é que se deve processar ou como é que se pode
processar um pagamento com os membros do órgão de administração com base na sua
participação no lucro.

A regra é muito lógica e intuitiva. O que nos diz o n.º 3 do art. 294.º e do art. 217.º CSC, e sabemos
que são os artigos referentes à possibilidade de contratualmente ser atribuído aos gerentes e
administradores o direito de participação nos lucros da sociedade, estabelecendo que caso queira
reconhecer esse direito, tal direito tem que estar contratualmente consagrado – isto nos termos do
disposto no art. 255.º n.º 3 CSC (SPQ) e 399.º n.º 2 CSC (disposição sobre a remuneração nas SA), a
questão que se coloca é muito simples:

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A lei depois nas regras sobre a distribuição dos lucros impede os administradores de receberem os
pagamentos a que têm direito com base nos lucros do exercício antes de serem satisfeitos todos os
lucros dos acionistas, e percebe-se porquê: porque são eles que ao fim ao cabo determinam esse
mesmo pagamento. São eles que promovem esse pagamento. Por isso é normal que a lei seja muito
exigente e estabeleça a limitação que decorre desses arts. 217.º e 294.º CSC.

Outro aspecto a propósito do direito ao lucro: tem a ver com a faculdade das SC poderem antecipar
quantias aos seus sócios por conta dos lucros do exercício. Isto é, se será possível a sociedade poder
disponibilizar aos seus sócios, quando o ano está particularmente favorável, quando o exercício está a
correr particularmente bem, uma quantia por conta do lucro final que se irá gerar nesse mesmo ano.

Há uma diferença clara entre as SPQ e as SA no entendimento do POC:


 há uma única regra no domínio das SA que é o art. 297.º CSC que permite a distribuição
antecipada dos dividendos em certas condições e não há qualquer regra no domínio das SPQ.

Vamos ver porque é que o POC rejeita a aplicação por analogia do disposto no art. 297.º CSC às SPQ
perante a situação de omissão da previsão legal nesta matéria. Mas antes, vamos olhar para as
regras que permitem a distribuição antecipada de lucros nas SA.

O art. 31.º CSC que abre caminho para a exceção (importância deste artigo) e o art. 297.º CSC: o art.
31.º CSC contempla esta possibilidade como uma exceção à competência dos sócios para
deliberarem sobre a distribuição de lucros, porque a distribuição de lucros antecipados constitui
uma exceção ao regime regra em matéria de distribuição de lucros.

E por isso, se olharmos para o art. 297.º CSC vamos ver que se o contrato de sociedade o autorizar,
e se a administração verificar estarem reunidas as condições para, por uma só vez, no decurso da
segunda metade do exercício social, promover a antecipação de parte dos lucros do exercício aos
acionistas, mediante parecer favorável do órgão de fiscalização, tal medida é uma medida aceitável
e admissível.

Esta regra do art. 297.º CSC introduz uma exceção à competência para a distribuição de lucros,
porque o art. 31.º CSC reserva aos sócios o direito de disporem sobre os lucros da sociedade. E
pelos vistos o art. 297.º CSC está a atribuir à administração essa faculdade.

Porquê? É que durante o exercício, os acionistas não têm ideia nenhuma sobre se a sociedade está a
atuar ou se a sociedade está a realizar a sua atividade de forma a vir a encerrar o exercício com um
ganho substancial. Quem tem essa perspetiva é a administração, e só tem essa perspetiva
naturalmente, na segunda parte de cada exercício.

O que a lei nos diz é que a administração pode, perante essa situação, porque percebe que está tudo
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a correr muito bem, pode promover a atribuição de dividendos antecipados por conta dos lucros
finais do exercício, desde que esteja ciente dessa possibilidade e desde que obtenha um parecer
favorável do órgão de fiscalização. E naturalmente, se o contrato autorizar tal efeito.

Essa autorização, de acordo com o art. 297.º CSC, tem que constar do contrato desde o ano anterior
àquele, em que pela primeira vez a administração quiser promover uma distribuição antecipada
dos resultados da sociedade, o que não é problemática – significa isto que se clausular esta
permissão no momento de constituição da sociedade, também significa que não posso distribuir
dividendos antecipados apenas no primeiro ano de atividade da sociedade, porque no segundo ano já
tenho uma cláusula prevista desde o exercício anterior.

O que é que temos aqui no fundo? Temos o órgão que está ciente do bom desempenho da
sociedade, temos o órgão de fiscalização que confirma que isso acontece, e temos por isso uma
antecipação de resultados. Muitas vezes dá muito jeito aos acionistas, porque é uma forma de
receberem mais depressa parte do rendimento da sociedade.

Noutras vezes, são até razões de ordem fiscal que justificam que se promova a antecipação de
dividendos. Por exemplo, imagine-se que a sociedade antecipa que no exercício seguinte os impostos
vão subir. E que portanto o imposto que recai sobre os dividendos a distribuir é superior. Então talvez
seja preferível antecipar o mais possível, durante o exercício a que se reportam tais dividendos.

Esta é a forma como a questão se vê no domínio da SA, o que significa que se não houver autorização
contratual, desde o ano anterior àquele em que se pretende deliberar esta distribuição antecipada,
não é possível promover. É como se ela não existisse.

E nas SPQ? POC recusa. Mas confessa que há várias SPQ em Portugal (muitas na Madeira e algumas
unipessoais) que têm previsto nos respetivos contratos de sociedade a chamada antecipação da
distribuição de lucros (min 17.54) que o POC entende não ser possível. O facto de haver sociedades
em que seja prevista esta possibilidade não faz dela uma legalidade ou um ato regular, como é
evidente.

POC  entende que não é possível por 2 razões:


 não é possível aplicar analogicamente uma regra se no fundo essa regra, cuja aplicação
analógica não podemos promover, for uma regra substancialmente excecional.
o A regra do art. 297.º CSC, que era aquela cuja aplicação estaríamos a procurar transpor
para o domínio das SPQ, é uma norma duplamente excecional:
 Em princípio, cabe aos sócios deliberar a distribuição de lucros e esta norma
permite a um diferente órgão essa distribuição.
 Em segundo lugar, é uma norma substancialmente excecional porque ela
mesma está a admitir que durante o período relativamente ao qual ainda não
se formulou a realidade que integra ou preenche o conceito de lucro já se
esteja, não obstante, a poder antecipar quantias por conta dele  estamos a

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permitir, durante o exercício que ainda não está concluído e relativamente
ainda não se apuraram lucros, distribuir quantias que se vão reconduzir a essa
realidade, correspondem a uma antecipação dessa realidade. É uma exceção ao
que deve suceder que é distribuir lucros depois de eles se verificarem.
 Acrescem ainda dificuldades de ordem prática:
o Tem a ver com a complexidade orgânica que enquadra esta decisão no domínio das SA
e que não se verifica no plano das SPQ.
o É uma decisão, em regra, tomada por um órgão colegial – administração (no domínio
da SA) e funciona como tal, isto é, delibera com a pluralidade dos seus membros.
o É uma situação que está sujeita à sindicância de um órgão independente e autónomo
que é o órgão de fiscalização.
 Este órgão, em princípio, não existe no domínio das SPQ. Para além da
gerência ser muitas vezes individual, para além de mesmo quando é plural
atuar conjuntamente, isto é, pela maioria dos seus membros, na realidade, no
domínio das SPQ, não há como regra órgão de fiscalização e portanto não há
forma de sindicar a decisão da distribuição antecipada dos resultados.

Últimas notas sobre o direito aos lucros:

Limitação que resulta do n.º 3 do art. 22.º CSC, que estabelece a chamada proibição do pacto
leonino. Não é possível que um contrato de sociedade afaste o direito aos lucros de um sócio ou mais
do que um sócio, ou que reduza o seu direito de maneira tal significativa que na prática acabe por
traduzir uma negação do mesmo. Essa é a regra legal que se traduz na proibição do pacto leonino.

Depois, em matéria de lucros é também possível clausular um direito a uma participação acrescida
nos lucros que se geram anualmente, e portanto é possível atribuir um direito especial a lucros
acrescidos ou dividendo preferencial reconhecido às ações que lhes permita pelo menos antecipar
o direito de receber os lucros que a sociedade venha a gerar.

Lucros acumulados

Não se tratando do lucro anual, não se tratando da distribuição periódica de lucros e existindo
lucro na sociedade, nada impede que ela em qualquer momento promova essa distribuição. Ela
estará a promover a distribuição de lucros acumulados, que se encontram em regra integrados numa
rúbrica designada de reservas livres mas que nalguns casos, indevidamente, estão enquadrados
numa rúbrica de resultados transitados positivos. No fundo, é o resultado excedente que se verificou
na própria sociedade.

Os lucros acumulados estão sujeitos na sua distribuição às regras legais estabelecidas para a
aprovação das deliberações dos sócios e que são as que constam dos arts. 250.º e 386.º CSC, isto é, a
maioria dos sócios delibera sobre a atribuição deste tipo de bens.

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Para terminar, no art. 21.º n.º 1 al. a) CSC e no direito ao lucro aí previsto, está também previsto
naturalmente aqui que vimos anteriormente que é o direito a quinhoar, isto é, a participar, no saldo
final de liquidação da sociedade, se a sociedade cessar a sua atividade. E essa possibilidade
naturalmente resulta do disposto no art. 156.º n.º 4 CSC e aí o que há a fazer é procurar apurar se
existe um saldo remanescente e para esse efeito procurar satisfazer todas as obrigações da sociedade
e cobrar os respetivos créditos, promover o reembolso das entradas realizadas e se ainda houver
sobras, partilhar o saldo remanescente, o qual corresponde objetivamente a lucros finais ou de
exploração.

11.3. Direito de voto

Art. 21.º n.º 1 al. b) CSC  direito de voto. O direito de voto corresponde a uma vertente mais vasta
que é o direito de participar nas deliberações sociais. E o direito de participar nas deliberações
sociais vem enunciado no art. 21.º logo após o direito aos lucros, e portanto a participação nas
deliberações dos sócios é um direito muito importante.

POC: não é tão importante como o direito aos lucros, porque ninguém participa numa sociedade para
poder participar nas deliberações dessa sociedade. As pessoas participam nas sociedades para terem
um ganho, para terem um lucro, para exercerem em comum uma atividade.

Mas, como se trata de uma pessoa coletiva, o direito de voto é essencial para a formação da
vontade da pessoa coletiva. E portanto, é um direito instrumental absolutamente relevante e sem o
qual a sociedade acabaria por não conseguir funcionar na sua prática.

Antes de mais, importa dizer que o direito de participação nas deliberações dos sócios desdobra-se
em três vertentes:
 Direito de presença nessas deliberações
 Direito de discussão
o De intervenção ativa nas deliberações dos sócios e não apenas no seu
acompanhamento
 Direito de voto
o A mais relevante.
o A contribuição que cada um faz para aprovação da vontade societária. Quando há
direito de voto verificam-se, em princípio, as outras duas vertentes, porque o Direito
ainda não criou um mecanismo de reconhecer o direito de voto sem haver direito de
presença, o que em teoria podia fazer se, relativamente a certos sócios, se impusesse a
obrigatoriedade do voto à distância. Mas não é o caso.
o POC: a vertente do direito de voto consome as outras duas. A vertente direito de
participar ou de intervir na discussão implica necessariamente o direito de presença,
porque aquele que não estiver presente não pode participar na discussão. Mas eu
posso estar presente apenas para acompanhar e sem ter possibilidade de intervir.

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Naturalmente que a lei estabelece determinadas regras sobre esta matéria que são diferentes para
as SPQ e para as SA, uma vez que nas SPQ a lei determina no art. 248.º n.º 5 CSC que todos os
sócios têm o direito de estar presentes e participar nas deliberações que venham a ser formadas.

E portanto, significa que no plano das SPQ, que são sociedades pessoalizadas, houve uma nítida
subjetivação da participação social em razão da relevância da pessoa dos sócios – a lei admite que
possa estar presente para poder formar e participar na formação das deliberações sociais.

Nas SA, apesar de ser essa a regra, que resulta não apenas do art. 379.º CSC (em princípio tem o
direito de participar na AG – não podem deixar de o fazer – todos aqueles que tenham pelo menos
um voto) mas também do art. 384.º CSC, quando se diz que em princípio a cada ação cabe um voto,
significa que podem ser criadas outras restrições, mas em princípio, há este direito geral que lhes é
reconhecido.

No domínio das SPQ é relevante o art. 250.º n.º 1 CSC. Dessa regra retira-se que em princípio, a cada
cêntimo de capital no que respeita ao valor da quota corresponde um voto, e portanto significa que
como a participação mínimo é de 1€ por cada sócio, cada sócio terá um mínimo de 100 votos. Por
isso, significa que não se suscitam especiais dificuldades no domínio das SPQ, mas é deixado caminho
para a possibilidade de alguns sócios poderem ter um voto duplo.

Na SA, a regra está no art. 384.º CSC, que estabelece a regra geral. Mas a verdade é que se
olhássemos para o art. 379.º CSC íamos chegar à conclusão de que essa regra legal admite que os
sócios que não tenham direito de voto possam eventualmente não poder participar nas
deliberações sociais. Isto é, possam eventualmente não poder estar presentes nas AGs. Isso pode
acontecer por uma de duas razões:
 Ou porque se entende que estamos perante ações sem direito de voto e portanto a priori se o
contrato não o permitir também não viabiliza a presença e participação na AG.
 Ou porque estamos perante ações que tendo sido criadas ao abrigo de uma restrição
legalmente autorizada não permitem por si só ter a participação na AG, uma vez que a tal
restrição convencional obriga a um mínimo de ações para se poder estar presente e participar
na AG.
o A lei admite que possa haver limitações estatutárias à participação na AG e prevê no
art. 384.º n.º 2 CSC. Esta regra não tem paralelo no domínio das SPQ. Portanto, é uma
regra totalmente específica das SA.

O art. 384.º CSC diz-nos duas coisas que são aparentemente contraditórias e diferentes:
 Por um lado, permite que o contrato de sociedade faça corresponder a um determinado
montante mínimo de ações a atribuição de um voto, contando que tal exigência nunca
impeça um detentor de ações que tenham um valor nominal superior a 1000€ de estar
presente na AG,
o isto é, o montante máximo que a lei admite seja necessário para poder permitir
contratualmente um voto a um acionista é da detenção de ações que correspondam a
um valor nominal de 1000€ - al. a)
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 releva muitas vezes uma sociedade a ter uma regra estatutária segundo a
qual cada ação tem, por exemplo, o valor nominal de 1€ e para ter um direito
de voto é necessário ser titular ou detentor de 1000€ no valor nominal. E
depois esses contratos de sociedade em regra afastam da presença na AG
quem não tenha a titularidade do número de ações necessário para dispor de
um voto.
o é verdade que a lei no art. 379.º CSC prevê o direito de agrupamento para aqueles
acionistas que não sejam titulares do mínimo de ações necessário para poderem estar
por si só presentes em AG, mas, deste modo, há como que uma decisão interna da
sociedade no sentido de só admitir a estar presente quem tem um investimento
mínimo razoável na sociedade. Esse investimento podem ser os tais 1000€, mas
também pode ser menos.
 Este artigo 384.º n.º 2 al. a) CSC não responde a uma importantíssima questão que foi
suscitada pela introdução em Portugal em 2010 das ações sem valor nominal, porque ele
reporta-se a um determinado valor nominal. Como resolver?
o Ou se considera que quando as ações não têm valor nominal não é possível criar uma
limitação análoga a esta, portanto não é possível dizer que nesta sociedade as ações
não têm valor nominal, para se estar presente na AG são precisas 100 ações – não é
possível; todas as ações dariam direito de voto e todas permitiam a participação nas
deliberações sociais;
o Ou então (solução adotada pelo POC): eu posso encontrar aqui um valor fracional do
CS em que possa determinar qual é o número máximo de ações que corresponda a
1000€ de valor nominal, sendo que esse valor nominal será sempre um valor por
referência ao CS:
 Ex.: vou apurar o CS, sei que tenho um CS de 1M€, que foi formado por ações
que foram emitidas com diferentes valores nominais – umas por 2€, outras por
3€, depois deixou de ter valor nominal e apenas valor de emissão, que
normalmente fica mais baixo que o valor nominal. Mas vamos supor que este
milhão de CS corresponde na SC em causa a 2M de ações. Isto é, eu sei a priori
que tenho 1M de CS e 2M de ações. O valor fracional de cada ação por
referência ao CS é de 50 cêntimos, porque vou dividir 1M por 2M.
o Por isso, se eu quiser aplicar a solução prevista no art. 384.º n.º 2 al. a) CSC vou dizer:
nesta sociedade a participação na AG, isto é, o direito de voto do acionista, vai estar
dependente da titularidade de 2k ações, porque cada ação vale 50 cêntimos, portanto
2k ações correspondem a uma fração do CS igual a 1000€.
 Depois há uma segunda limitação ao direito de voto: al. b)
o Vamos chegar à conclusão de que de acordo com este preceito, os estatutos podem
determinar que acima de um determinado número de votos ou de uma percentagem
do CS, não podem ser contados mais votos por cada acionista.
o É uma forma de, de algum modo, limitar a influência maior que alguns acionistas
podem ter no contexto da sociedade.
o É habitual, quando esta regra corresponde ao chamado teto estatutário de voto, que
esta regra na realidade exista com referência a valores na ordem dos 10% ou 20%, isto
é, estabelecendo que nenhum acionista pode votar com as suas ações, qualquer que
seja o seu montante, com valor superior a 10% do total dos votos
 Depois a questão pode complicar porque se pode procurar determinar se este
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teto estatutário se pode estabelecer com referência ao número de votos
presente ou representado numa AG, o que vai dificultar extraordinariamente,
mas a verdade é que a lei prevê e admite esta possibilidade.
o Mas porque ela foi muito utilizada por algumas sociedades, e porque se entendeu
que esta possibilidade é de algum modo restritiva à liquidez das participações,
porque ninguém tem interesse em ter mais de 10% de ações numa sociedade em que
não possa votar com mais do que 10% das suas ações – não investe em mais:
 Por essas mesmas limitações, no que diz respeito às instituições de crédito, o
regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, no seu art.
13.º c) veio estabelecer uma regra derrogatória do teto estatutário do voto.
 a todos os 5 anos, a regra estatutária sobre o teto do voto deve ser
apreciada e essa apreciação deve ser feita em AG sem limitação
estatutária de votos para não impedir de participarem todas as ações
daqueles que são titulares de um número de ações superior àquele que
corresponde ao dito teto estatutário. Se não o fizerem, o teto
estatutário caduca. É uma imposição legal para adotar uma
determinada conduta.

Há na nossa lei outras restrições legais ou limitações ao exercício do direito de voto:


Por exemplo, no fundo, quando uma empresa, uma entidade, ou uma pessoa singular lança uma
oferta pública de aquisição de ações e portanto pretende, através de um ato público, adquirir as
participações da outra entidade, e essa entidade contém no seu estatuto limitações ao exercício do
direito de voto, a lei admite que acima de determinado montante da aquisição das participações, as
limitações estatutárias não se possam aplicar.

Ex.: imagine-se que uma sociedade cotada tem uma regra segundo a qual nenhum acionista pode
utilizar votos acima daqueles que corresponderem a uma participação de 10% no CS.

O que é que esta regra implica? Se houver alguém que queira comprar esta sociedade, e que só
queira adquirir 85%, significa que essa pessoa ou entidade na realidade não tem assegurado o
controlo da sociedade, porque como só pode usar 10% das ações para votar significa que os outros
15% irão ganhar todas as votações.

Perante uma situação deste tipo, o CVM estabeleceu uma regra muito importante que é a break
through rule – a regra de entrar e partir  art. 182.º-A CVM: esta regra significa que se alguém
adquirir participações numa sociedade onde porventura haja limitações ao exercício do direito de
voto, desde que adquira 75% dessas participações, as limitações ao exercício do direito de voto
deixam de lhe ser oponíveis. Isto é, pode eliminar essas limitações ao exercício do seu direito de
voto.

Compreende-se isso, porque de facto não se justificaria que quem adquirisse 75% ficasse sujeito aos
acionistas claramente minoritários. Aí é uma limitação por imposição legal, de algum modo, como a
que resulta também do regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras no que
161
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respeita à necessidade de revisão do teto estatutário.

Voto plural

Falámos disto ontem a propósito do voto duplo. Voto plural, na realidade, é reconhecer a um sócio
que para uma mesma fração do capital, para uma mesma porção do capital, com referência à qual,
em princípio, se devem reconhecer a atribuição de direito e a imposição de vinculações, ele pode
ter mais votos do que os outros sócios ou acionistas. É no fundo reconhecer que o voto pode ser
majorado em certas circunstâncias.

É isto que acontece com o chamado voto duplo  art 250.º n.º 2 CSC, quando se prevê que até 20%
do CS, é possível ter-se o dobro dos votos, isto é 2 votos por cada cêntimo de capital. E por isso, ser-
se avantajado, ter-se um investimento menor relativamente à capacidade interventiva no contexto
da sociedade. Significa que ele na prática tem 40% dos votos num universo de 120%. Não é bem
dobrar, porque os outros 80% existem à mesma. Vou é somar os meus 40% com os outros 80% que
existem. O novo universo é de 120%.

É claro que no domínio das SA se virmos o art. 384.º CSC no seu n.º 5 vemos que é proibido
estabelecer no contrato o voto plural. Parece que no domínio das SA, há uma proibição do privilégio
do voto. Esta regra que parece tão perentória, hoje já não tem uma aplicação tão ampla como tinha
até ao dia 29 de Janeiro, porque no dia 30 de Janeiro entraram em vigor as alterações introduzidas ao
CVM e numa dessas alterações produziu-se a derrogação parcial do disposto no art. 384.º n.º 5 CSC.

Hoje, onde se diz é proibido estabelecer no contrato o voto plural, o POC acrescentaria salvo no
domínio das sociedades cotadas.

Por outro lado, também há que referir um aspecto que é o que resulta de uma norma transitória33:
há o art. 531.º CSC que nos diz que as SA que tivessem sido constituídas antes da entrada em vigor do
CSC (01/11/1986) têm direito a manter o privilégio de voto se ele por acaso se encontrar
estatutariamente consagrado. Isto é, nas SA que tinham antes de 1986 reconhecido o direito especial
ao voto plural, era possível manter esse voto plural.

É verdade que essa regra do art. 531.º CSC, para ser afastada, não careceria necessariamente do
consentimento dos seus titulares. Mas a verdade é que o art. 531.º CSC nunca explicou como é que
esses titulares podiam exercer o seu voto. E portanto, designadamente, não disse que os titulares do
voto duplo nessas SA onde se discutisse eventualmente o fim do privilégio não pudessem utilizar
todos os votos que o contrato lhes atribuía, e portanto, se eles podem utilizar todos os votos que o
contrato lhes atribui, se eles tiverem o controlo da sociedade, vão impedir os demais de lhes fazer
perder o privilégio. Ou seja, ainda hoje, ainda há 2, 3, 4 anos existem em Portugal SA’s em que há
privilégio do voto. É preciso é que elas se tenham constituído antes de 1 de Novembro de 1986.

33
Existe em muitas matérias e podíamos ter referido a propósito da distribuição dos lucros
162
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Para os dividendos antecipados, também há uma regra transitória que é a regra que está no art.
537.º CSC isenta as SA já constituídas antes da entrada em vigor do CSC de terem de consagrar no
seu contrato autorização para distribuição de dividendos antecipados, porque antes de 1986, não
era preciso haver autorização estatutária para esse efeito. E por isso, o legislador não quis prejudicar
as sociedades que não tivessem clausulado essa autorização, porque não precisavam de o fazer à
época.

Como é que as questões hoje se colocam?

Do seguinte modo: foi introduzido no CVM uma nova regra, o art. 21.º-B CVM, com epígrafe voto
plural e de acordo com esta regra, nas SA cotadas, isto é, cujas participações são admitidas à
negociação no mercado regulamentado, é possível criar ações com voto plural, desde que tais
ações, desde que o número de votos atribuídos a tais ações não exceda em 5 vezes o número de
votos que são reconhecidos às ações ordinárias.

Portanto, isso significa que o art. 21.º-B de um modo geral permite doravante desde 30 de Janeiro,
que nas sociedades cotadas possa haver um voto plural, um privilégio de voto que corresponda ao
dobro dos votos ou triplo ou quadruplo dos votos ou 5x dos votos que são reconhecidos às ações em
geral na mesma sociedade.

Tais ações votam com o voto privilegiado em todas as circunstâncias, menos numa: que é aquela
que pode ter a ver com a sua saída do mercado. Nos termos do n.º 5 do art. 21.º-B que se estiver a
ser discutida a saída do mercado, isto é, a exclusão voluntária de negociação, o voto plural nesses
casos não pode ser exercido.

Mas esta alteração que está no CVM, que deveria estar no CSC, é uma alteração que acaba por
introduzir uma modificação tácita do CSC naquela regra do n.º 5 do art. 384.º CSC em que pura e
simplesmente se proíbe o privilégio do voto.

Princípio da unidade do voto nas SA: art. 385.º CSC  o alcance deste princípio é o de limitar a
possibilidade de um acionista que detenha mais do que um voto de poder utilizar os seus votos em
sentidos diferentes. E portanto, este princípio é a segunda exceção à regra da objetivação da
participação social. A primeira diz respeito às chamadas obrigações de prestação acessória – que
podem ser atribuídas intuito personae, não em função das ações, mas em função daqueles que
participam na SA. A segunda exceção diz respeito à unidade de voto, ao facto de que um acionista
tenha de utilizar a totalidade dos seus votos no mesmo sentido.

Independentemente das limitações estatutárias, independentemente das limitações legais que


sejam estabelecidas em geral, pode haver situações concretas em que o sócio ou acionista se veja
impedido de exercer o seu direito de voto? POC: sim, a lei contempla duas regras claras – arts.
251.º CSC e art. 384.º n.º 6 CSC.  são situações que a lei reconduz à categoria de impedimento de
voto. A lei determina no art. 251.º CSC o impedimento de voto.

163
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Mas há aqui uma diferença no art. 384.º n.º 6 CSC: enquanto no art. 251.º CSC a enumeração que
consta do seu n.º 1 é uma enumeração exemplificativa com a cominação que não é possível
determinar contratualmente que estes casos enunciados sejam casos que impedem o direito de
voto, eles impedem de facto o exercício do voto, não se projetam sobre a titularidade do voto, mas
apenas sobre o seu exercício – se olharmos para o art. 384.º n.º 6 CSC – vemos que a redação e o
conteúdo não são exatamente idênticos:

Pode discutir-se sobre se nas SA esta enunciação é uma enunciação taxativa e não exemplificativa,
até porque os votos são habitualmente atribuídos às ações e não às pessoas e portanto no fundo não
há tantas situações potenciais de conflitos de interesses.

Quando é que há um conflito de interesses para estas duas regras? Há um conflito de interesses
quando se considere que, tendo em conta o objeto da deliberação, na realidade há um conflito
entre o interesse da deliberação e o interesse pessoal do sócio.

E um conflito não é meramente funcional. Não é o caso em que porventura o sócio ao votar na
deliberação dos gerentes estivesse também a pensar na remuneração que ele iria receber se fosse
gerente, não é essa a circunstância. É uma situação em que se antecipa com clareza que estando o
sócio envolvido na própria deliberação, que em princípio ele votaria sempre no mesmo sentido e
seria no sentido de oposição a essa deliberação.

Por exemplo, se estiver em causa discutir a sua exclusão de sócio, naturalmente que o sócio vota
contra. Ele aí tem um impedimento, tem um conflito de interesses. E portanto, no fundo, ele não
pode votar por si nem por outro quando ele tiver uma situação conflitual com a da própria sociedade
e aí, ainda que ele possa permanecer na AG, ele deve-se abster de exercer o seu direito de voto. Mas
em última análise, cabe a quem dirige os trabalhos na AG poder determinar quem é que
efetivamente está em condições de exercer o direito de voto.

11.4. Direito de informação

É um direito que pressupõe o acesso ao conhecimento. Isto é, é o direito que o sócio ou o acionista
têm de poder ter acesso ao conhecimento. E o direito é tratado diferentemente nas SPQ e nas SA. No
elenco do art. 21.º CSC, este é o terceiro direito nele enunciado, logo a seguir ao direito de participar
nas deliberações dos sócios. Nas SPQ está previsto e regulado nos arts. 214.º e segs. e nas SA está
previsto e regulado nos arts. 288.º e segs. CSC.

Vamos agora ver como é que a lei pretende garantir o acesso ao conhecimento da vida social por
parte dos próprios sócios:
 é possível através da consulta de elementos da sociedade
 no caso em concreto das SPQ, também na inspeção de bens sociais, isto é, a análise dos bens
que existem na própria sociedade, que a lei no art. 214.º n.º 5 CSC faculta aos sócios da SPQ
164
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 Por outro lado, também se obtém conhecimento pelas chamadas informações por escrito que
podem ser pedidas à sociedade.

Estas são as informações que em geral realizam o acesso ao conhecimento por parte dos sócios, sem
especiais limitações. Mas, há uma segunda vertente em que se justifica regular especialmente esse
conhecimento e o acesso a esse conhecimento que tem a ver com as informações que são
inerentes à formação das deliberações sociais, isto é, devem ser facultadas previamente à formação
de uma deliberação social ou facultadas no decurso do próprio debate que vai contribuir para a
formação da deliberação social quando forem pedidos esclarecimentos sobre aspetos que os sócios
porventura desconheçam. É um acesso à informação em circunstâncias específicas.

Terceira vertente mais complexa: aquela que se suscita quando as informações são recusadas ou
prestadas deficientemente pelos sócios, caso em que poderá haver um procedimento judicial
chamado inquérito judicial ou o exame da escrituração mercantil através da intervenção judicial.
Como é evidente, são situações em que no fundo para efetivar, atuar devidamente o direito à
informação, vemo-nos compelidos a recorrer ao tribunal.

É importante que se diga que o direito à informação a priori parece ser mais amplo no domínio das
SA por serem mais complexas, por terem órgãos específicos. POC: não, uma vez que no contexto das
SPQ o direito conhece uma vertente que não está contemplada no plano das SA:
 Direito de promover a inspeção de bens sociais
o é o direito que os sócios têm de junto da sociedade verificarem quais é que são os
bens que pertencem à sociedade. Isto no fundo tradicionalmente corresponde a uma
lógica de análise dos bens que existem na sociedade.
o É uma análise que hoje, modernamente, se faz por via informática, mas no passado era
pessoalmente. O sócio ia à sociedade e verificava a existência deles.
o O direito tem uma amplitude maior nas SPQ do que nas SA.

Nas SA, o direito é ligeiramente mais restrito. Por um lado ele vai-se consubstanciar nas informações
preparatórias da AG, nos termos do art. 289.º CSC e nas informações mínimas que devem ser
concedidas aos sócios que detêm pelo menos 1% do CS nos termos da previsão do art. 288.º CSC e
eventualmente, na obtenção de informações por escrito, que têm de ser requeridas por sócios que
conjuntamente perfaçam um mínimo de 10% do CSC – art. 291.º CSC.

De facto, a especificidade do direito de informação na SA transforma algo paradoxal num direito com
uma dimensão menor do que aquela que decorre do contexto das SPQ.

No que diz respeito ao chamado conteúdo mínimo à informação, que designadamente está previsto
no art. 288.º CSC: o conteúdo mínimo do art. 214.º n.º 1 CSC é assegurado a qualquer sócio –
qualquer sócio tem esse conteúdo mínimo, ao passo que no domínio das SA, para se ter um direito
mínimo à informação, os sócios têm que ter no mínimo 1%, que não pode ser agregadamente. A lei
considera que este é um direito de participação mínima que concede ao sócio um direito mínimo a
informação, o que não deixa de ser relevante.

165
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Depois, no que respeita à participação na AG, e às informações prévias à AG, aí no fundo são
aplicáveis, mesmo às SPQ as regras que constam no domínio das SA, e é necessário disponibilizar
com antecedência aos sócios (mínimo de 15 dias, em geral), as informações pertinentes para a
adequada formação das deliberações sociais.

Finalmente, os prazos que se verificam nos termos do disposto nos arts. 289.º CSC aplicam-se
também às SPQ nos termos e para os efeitos do disposto no art. 248.º n.º 1 CSC que remete para as
deliberações das SA a matéria das deliberações nas SPQ e aqui estamos a falar da informação que é
prévia à informação a obter na própria AG.

No que respeita a essas informações  de um modo geral, os atos previstos no n.º 1 do art. 289.º
CSC são atos da iniciativa do órgão de gestão, mas a verdade é que há determinadas deliberações que
não dependem do órgão de gestão embora a convocação da AG dependa do órgão de gestão, uma
vez que não cumpre ao órgão de gestão apresentar as propostas necessárias à sua aprovação. É o
que acontece por exemplo na deliberação da eleição dos titulares dos órgão sociais.

06.04.2022

O art. 214.º CSC alarga o direito de informação a qualquer sócio, independentemente da sua
participação. Nas SA há uma regra própria sobre o conteúdo mínimo em que se entende que o sócio
tem de ser no fundo pelo menos titular de uma participação correspondente a 1% para que na
prática lhe sejam reconhecidas certas prorrogativas.

Disto resulta um aspecto que é um bocadinho paradoxal: aquelas sociedades que são maiores, que
congregam maior número de investidores, designadamente pessoas que participam no respetivo
capital mais para obter uma rentabilidade do mesmo do que para exercer diretamente a atividade, e
curiosamente é nas SA onde porventura a tutela da informação é menos rigorosa. Nas SPQ a tutela da
informação é mais ampla e mais extensa.

O direito de informação, se olharmos para o art. 288.º CSC, onde ele está contemplado como direito
mínimo para os acionistas, esse direito é dos poucos direitos que não pode ser exercido
coletivamente. Quer dizer, não podem juntar-se dois ou três acionistas que não atinjam 1% da
participação no capital da SA para poder reclamar a informação mínima. Isso não existe. A
informação mínima que é dispensada nos termos do CSC nas SA é mesmo para quem tem pelo menos
1%.

O que não significa que quem não tenha 1%, não tenha informação. Vamos ver que a informação
tem outras vertentes e portanto compõem-se outras vertentes muito importantes. É isso que vamos
procurar ver em seguida.

As informações preparatórias da AG

166
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
As AG são o momento em que todos os sócios se reúnem, em que no fundo eles exercem os direitos
que caracterizam a sua situação jurídico-societária. É aquele momento que particularmente é
utilizado para a prestação de contas, ou seja, para que quem dirige a SC possa explicar àqueles que
nela investem como é que a sociedade foi gerida durante um determinado período de tempo que é
juridicamente relevante – período do exercício, que corresponde habitualmente ao ano civil.

Por isso, é na AG que vão confluir os interesses dos sócios da SC e dos seus acionistas, consoante se
trate de uma SA ou de uma SPQ. É na AG que eles vão poder dialogar com os membros dos órgãos
sociais e vão poder, designadamente, colocar questões sobre a tal prestação de contas que lhe é
apresentada.

É importante que fique a nota de que preparatoriamente, no período prévio da AG, tais elementos
devam ser disponibilizados aos sócios para que eles, se quiserem, os possam estudar, analisar,
submeter a profissionais que têm conhecimento adequado daquele tipo de atividade para que depois
possam estar em condições de formular as questões que entenderem devidas e formar
adequadamente a sua vontade.

É um quórum de fundamento democrático. Mas para isso, é necessário que eles beneficiem de
conhecimento relativo a certos elementos. A lei tem essa preocupação e estabelece precisamente
os elementos que lhes devem ser disponibilizados numa regra no domínio das SA: art. 289.º CSC, o
artigo seguinte àquele que vimos agora para o direito de informação.

Art. 289.º n.º 1 CSC: de acordo com a respetiva epígrafe. Durante os 15 dias anteriores à realização
de uma AG devem ser colocados à consulta dos acionistas na sede social e eventualmente no site da
sociedade os elementos que estão mencionados nessa disposição legal se a AG recair sobre os
mesmos. Não podia ser de outra maneira.

E por isso, se há elementos que são elementos gerais, designadamente a identificação dos membros
dos órgãos sociais, a indicação de outras sociedades em que porventura exerçam atividades ou
tenham exercido atividades, a verdade é que de acordo com a al. c) as propostas de deliberação
que vão ser levadas à AG, que vão consubstanciar a ordem de trabalhos da AG devem estar ao
dispor dos acionistas, para que eles as possam conhecer e sobre elas refletir com antecedência.

Essas propostas devem ser acompanhadas, como diz a al. c) na sua parte final, dos relatórios que
justifiquem o respetivo teor. Se estiver em causa, como é evidente, a prestação anual de contas,
aquilo que vai ter que ser apresentado aos acionistas é o próprio relatório da gestão que foi feita
durante esse exercício social que vai estar em análise.

Portanto, há um elemento fundamental, que aliás corresponde a um dever fundamental específico


dos administradores, que é o chamado dever de relatar a gestão (art. 65.º CSC), segundo o qual os
administradores deverão anualmente elaborar um relatório de gestão. Este é um elemento
167
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
essencial da prestação de contas anual e é um elemento essencial da prestação de contas anual que
está dispensado nas SC de reduzida dimensão:
 Provavelmente isso não abrange quase nenhuma SA
 E abrange a maior parte das sociedades de pessoas
o porque nas sociedades em que não sejam ultrapassados 2 dos seguintes 3
elementos, o relatório de gestão não é obrigatório: art. 66.º CSC – conteúdo do
relatório de gestão = documento onde a administração de uma sociedade vai explicar
o que andou a fazer durante todo o exercício social.
 Nas sociedades
 cujo balanço não ultrapasse 350.000€,
 cujos proveitos não ultrapassem 700.000€
 e que não tenham em média mais do que 10 trabalhadores por
exercício
 nas sociedades em que se verifiquem pelo menos 2 destes 3 critérios de
delimitação negativa, essas sociedades estão dispensadas de apresentar
relatório de gestão.
 Obviamente que eles estão obrigadas a prestar contas. A prestação de contas é
uma obrigação dos comerciantes (art. 18.º CCOM). Para esse efeito têm que
elaborar as contas, a chamada demonstração de resultados e vão ter que fazer
um balanço que é no fundo o documento no qual vão apurar as diferenças que
ocorreram entre um determinado momento que é económica e juridicamente
relevante (encerramento do exercício anterior) e outro momento relevante
que é o encerramento do exercício cuja apreciação está em causa fazer.
 Naturalmente, estes elementos são obrigatórios em todas as sociedades sem
exceção. O relatório de gestão é que apenas pode existir naquelas que são
maiores.

Estes documentos são importantes porque é das contas do exercício que decorre se a sociedade
registou uma variação positiva na sua atividade ou, ao invés, registou uma variação negativa:
 Se registou uma variação negativa, dizemos que a sociedade encerrou o exercício com
prejuízos
o se tiver prejuízos, o valor negativo vai ingressar numa conta de resultados, que é a
conta de resultados transitados (resultados transitam negativamente)
o e depois essa conta vai, a prazo, ter que vir a ser objeto de cobertura pelos resultados
que a sociedade vier a obter futuramente
 quando o resultado é negativo, há quem diga que não há muitas alternativas,
porque se eu registo um resultado negativo nas contas, em princípio tenho que
reconduzir este resultado aos chamados resultados transitados negativos. É
uma espécie de constatação, comunicar aos sócios: meus amigos, terminámos
o ano a perder 100.000€, vamos ter que registar esse prejuízo de 100.000€, na
esperança que ele seja recuperado.
 Mas atenção: na AG em que vamos apreciar, é possível, se porventura a SC
estiver dotada de reservas livres, é possível que a sociedade possa querer
deliberar cobrir prejuízos imediatamente, dizer vou buscar às reservas livres
100.000€ para cobrir o prejuízo que se verificou no final do exercício.
168
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
 Dessa maneira, embora tenha registado 100.000€ de prejuízo, depois não
transita um resultado negativo. Ficará com um resultado neutro.
 Se o resultado for positivo, aí sim, é que se suscita fundamentalmente a sua aplicação.

Estes documentos são o elemento da informação a partir do qual nós conseguimos ter uma
perceção da saúde económica e financeira da sociedade com a qual estamos a lidar. Daí a sua
enorme importância e inclusivamente é destes documentos (relatório de gestão, balanço e
demonstração de resultados) que irá resultar o modo como a própria sociedade está a evoluir.

Estes documentos vão ter de conter inúmeras referências – art. 66.º CSC. Se o CSC nos permitir
verificar a fonte dos vários itens do art. 66.º CSC vamos chegar à conclusão de que são muitas as
alterações que este artigo sofreu. Todas para o ampliar. Ou seja, a exigência que hoje é feita em
matéria de relato de gestão é muito superior àquela que acontecia no passado.

E depois vamos ver que a lei não se basta com este art. 66.º CSC. Vamos ver pela própria letra dos
arts. 66.º-A e 66.º-B CSC que já foram acrescentadas novas exigências. Por exemplo, é necessário
haver anexo às contas para além de que pode ter de haver anexo ao próprio relatório de gestão. É
normal que assim seja, porque há muitos atos da vida da sociedade que vão ter que ser esmiuçados,
descritos.

Por exemplo, imaginemos que um administrador faz negócios com a sociedade, e que o faz bem e
autorizadamente. Mesmo assim, a lei exige que esses negócios sejam anualmente revelados
expressamente aos acionistas, para que não haja dúvidas, para se perceber o que é que a sociedade
anda a fazer.

E depois, há hoje uma norma muito importante que é a do art. 66.º-B CSC, sobre a chamada
demonstração não financeira – são mais as demonstrações não financeiras. Naturalmente que não é
uma exigência aplicável a todas as sociedades, como a lei explica. É uma exigência aplicável às
sociedades que tenham um número médio de trabalhadores muito elevado. E na realidade é no
fundo olhar para a sociedade essencialmente para o conteúdo da sua vertente empresarial,
preocupado o legislador com a chamada sustentabilidade dessa própria sociedade. Eu vou dissecá-la
à luz desses indicadores que se pretendem particularmente favoráveis. 34 Para as grandes sociedades
é de facto uma exigência nova, recente, isto é uma alteração do CSC de 2017.

Quanto às informações preparatórias da AG, no fundo temos que são os elementos que vão ser
objeto de apreciação, entre esses, sobretudo quando temos em mente a AG anual, temos que
identificar e temos que isolar sem dúvida aqueles que respeitam aos elementos de prestação de
contas. Aliás, isso mesmo está explicitado na al. e) do art. 289.º CSC, para que não haja quaisquer
dúvidas. Para que o destinatário não tenha quaisquer dúvidas, a al. e) prevê essa mesma situação.

34
POC: Vale a pena olhar para este artigo, pelo menos para os primeiros 2 números e também para o n.º 8 que é
uma exclusão da obrigação da elaboração deste relatório da demonstração não financeira.
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Um outro aspecto interessante, se olharmos para este art. 289.º CSC é chegar à conclusão, até
porque até agora tudo o que vimos diz respeito a divulgação de informações, que compete à
administração da sociedade fazê-lo.
 A quem é compete no fundo elaborar as contas? É a quem pratica à atividade, a quem
movimenta a peça, a quem exerce, pratica os atos em que se consubstancia o objeto social.
o É a administração. É normal que seja ela a elaborar as contas e que tenha ela a
iniciativa de na realidade vir a apresentá-las. Para se justificar, para as explicar.
o E quase sempre, no domínio das SC, é a administração da sociedade (e aqui não há
exceções nas SPQ e nas SA) que toma a iniciativa de no fundo apresentar propostas
aos sócios.
o É a administração que quase sempre requer que seja convocada a tal reunião magna
de sócios – a AG – quer dizer, junção de todos, para que todos aqueles que querem
estar presentes então se pronunciem.

Aquilo que acontece é que este art. 289.º CSC estava inicialmente preparado para esse efeito –
porque sou eu administração que tenho por competência elaborar os elementos que depois vão
servir de base de apreciação em AG, é normal que eu saiba em que momento é que eventualmente
posso solicitar que a AG seja convocada por quem compete fazê-lo (presidente da mesa da AG).

E portanto, quando eu concluo a elaboração dos documentos de gestão, então eu vou dizer ao
presidente da mesa que deve convocar a AG para os acionistas apreciarem os documentos
organizados e aprovados internamente.

POC: Isso é verdade, só que o legislador, por lapso, numa correção que fez ao CSC, logo no início da
sua vigência, em 1987, introduziu no art. 289.º CSC a al. d): por lapso, porque de acordo com a al. d)
do n.º 1 do artigo 289.º, também devem estar ao dispor dos acionistas com 15 dias de antecedência a
lista dos candidatos aos órgãos sociais, juntamente com os respetivos CV’s, que devem ser
submetidos à apreciação dos acionistas para que eles saibam em quem eventualmente vão votar
 Porque é que isto foi um lapso em 1987 através desta retificação do CSC?
o Porque não cabe à administração de uma SC propor quem é que vai exercer o cargo de
administrador nessa sociedade. Isto é, a competência para propor a eleição dos
titulares de órgãos sociais é dos acionistas, não é da administração.
 Pode haver acionistas na administração? Claro que pode! São as pessoas físicas
que na realidade são os titulares do capital dos acionistas que são pessoas
coletivas, isso é verdade! Mas quem propõe são os acionistas, e devem fazê-lo
à margem da própria administração.
o Isto só não se passa assim nalgumas sociedades que estão sujeitas a uma supervisão
muito rigorosa, designadamente as instituições de crédito e as empresas de
investimento, as chamadas antigas sociedades financeiras, porque aí hoje em dia os
níveis de controlo impõem que de algum modo a própria sociedade promova aquilo
que se chama uma seleção dos quadros aptos a desempenharem funções de gestão.
 E não é fácil passar nessa seleção. Muitas pessoas que são técnicos muito
qualificados, para poderem aceder à administração da banca, sobretudo se não
exerceram a sua atividade profissional no setor e portanto dentro do
170
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conhecimento amplo da matéria, têm que fazer exames extremamente
rigorosos e muitos reprovam. Têm que demonstrar ter aptidão para dirigir.
o Com exceção desse tipo de sociedades, que hoje está sujeito a um regime de seleção
de tal maneira que acaba por traduzir um desvio às regras de escolha dos gestores
societários, na maior parte dos casos não é isso que acontece.
o Na maior parte dos casos compete aos acionistas, normalmente aos acionistas
maioritários, elaborar uma lista de pessoas que entendam competentes e submeter
essa lista à apreciação dos senhores acionistas.

O que nos conduz à seguinte questão: e se eles não o fizerem com 15 dias de antecedência como
aparentemente determina o art. 289.º CSC? Isto é, se eles com 15 dias de antecedência não fizerem
chegar à sociedade a lista que eles propõem que venha a ser objeto de apreciação na AG?

Significa que já não é possível eleger??? Então ficam para sempre os mesmos??? Isto é, se
ultrapassássemos sistematicamente os prazos, prolongávamos indefinidamente os mandatos dos
titulares de órgãos sociais que já estavam eleitos?? Claro que isto não é assim 

POC: a lei enganou-se de tal maneira que é admissível até à data da própria AG que seja
apresentada uma lista, desde que a informação necessária – obrigatória = CV’s – sejam colocados
ao dispor dos acionistas, para que eles saibam em quem é que vão votar. Se não, obviamente que
há uma preterição do elementos de informação que pode ser considerado relevante.

Adicionalmente, nota de atualização àquilo que resulta do manual  isto é uma modificação que
ocorreu por efeito da lei 99A/2021 de 31 de dezembro:
 Essa lei introduziu uma importantíssima reforma ao CVM, porventura a reforma mais relevante
do CVM: introduziu uma regra que é a do art. 21.º-J sobre as informações preparatórias em
AG aplicáveis exclusivamente às sociedades cotadas = SA cujas ações estão admitidas à
negociação em mercado regulamentado
o De acordo com essa regra, as informações preparatórias não devem estar ao dispor
apenas com 15 dias de antecedência como está no art. 289.º CSC, mas devem estar
ao dispor desde a data da convocatória da AG.
o As convocatórias das AG das sociedades cotadas é feita com uma antecedência
correspondente a um período mínimo que deve mediar entre a data da convocação e
a data da realização da AG de 21 dias.
 A convocatória da AG de uma sociedade cotada deve ser feita com uma
antecedência de 22 dias.
 Ex.: se eu convocar a AG no dia 1, significa que só a posso realizar no dia 23,
porque como a lei diz entre a data da convocatória e a data da reunião têm de
mediar 21 dias, para eu ter 21 dias tenho que excluir o dia 1 e o dia 23, e então
tenho 21 dias.

E há outros elementos preparatórios da AG? POC: sim! São importantes e podem produzir um
desvio ao regime-regra do art. 289.º CSC, como aliás este art. 21.º-J CVM já introduz. No nosso CSC
171
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devemos fazer esta remissão. Se não tivermos o CVM novo, devemos fazer o download .

Outra questão é a de saber se às eleições que vão ocorrer agora nas sociedades cotadas, se temos
que apresentar a lista também agora já não com os 15 dias de antecedência, mas segundo a
doutrina POC até ao dia da AG – se eu apresentar uma lista com 15 dias de antecedência e
entretanto morreram 4 candidatos na lista, como é que é? Levo os mortos também na lista que
entreguei oportunamente? Vão ser votados? Não posso substituí-los? POC: isso não tem o mínimo
sentido.

Mas agora está-se a pôr aqui um problema: é que as pessoas estão a perceber como é que este prazo
é muito grande. Uma coisa é os documentos que vão ser objeto de apreciação e feitos pela
administração estarem prontos, outra é os acionistas poderem chegar a um consenso para poder
apresentar uma lista que em princípio não vai suscitar grandes questões.

Temos assim as informações preparatórias da AG. A preterição destas informações preparatórias


vai gerar, em princípio, a invalidade das deliberações sociais, portanto é muito importante que isto
seja cumprido, porque as deliberações que forem tomadas vão ser inválidas. Aliás, há uma regra –
art. 58.º n.º 1 al. c) CSC – que deve ser conjugada com o n.º 4 que nos diz que há elementos mínimos
de informação cuja preterição vai suscitar uma situação de invalidade.

Se abrirmos o art. 377.º n.º 8 CSC, regra aliás aplicável às SPQ por via da remissão que consta do art.
248.º n.º 1 CSC, este artigo diz-nos que se estiver em causa uma alteração do contrato de sociedade,
porventura uma das decisões mais relevantes da vida da sociedade – têm poderes de o fazer por
quóruns plurificados que são diferentes nas SPQ e nas SA e nas SNC.

Quanto mais personalizada for a sociedade, mais exigente é o quórum, e portanto mais próximos
estamos do princípio da pontualidade dos contratos que é o princípio que vigora no Direito Civil e é o
que está previsto no art. 406.º n.º 1 CC. Os contratos só podem ser modificados por mútuo consenso,
isto é, o distrate do contrato pressupõe o acordo de todos aqueles que participaram na sua
celebração.

Mas o distrate do contrato de sociedade entende-se que não, porque seria uma exigência
demasiadamente gravosa. É uma exceção, em regra, mas mesmo assim aí também a lei admite que
não se aplique necessariamente um princípio de unanimidade que é o das SNC – é uma exigência
maior do que em quaisquer outras.

Nas SPQ aplica-se o art. 265.º CSC, que estabelece um quórum deliberativo de ¾ dos votos
correspondentes ao capital social, isto é, para favoravelmente votar uma alteração do contrato de
sociedade são necessários 75% dos votos. Nas SA – art. 386.º n.º 3 CSC – é suficiente 2/3 dos votos
presentes. É bastante menos porque a única coisa é que o próprio artigo 383.º n.º 2 CSC exige que
estejam presentes um mínimo de 1/3 do CS (33,34%). Desde que estejam presentes 33,34%, eu posso
alterar o contrato de sociedade por maioria de 2/3. Isso significa que posso alterar o contrato de

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sociedade da SA com 22,23%. É uma maioria completamente diferente dos 75% que preciso de ter
nas SPQ. Repare-se como é muito mais flexível a SA do que a SPQ.

Ora precisamente para alteração do contrato, é que a lei estabelece uma norma de notificação
prévia extremamente rigorosa no art. 377.º n.º 8 CSC: quando estiver em causa uma alteração do
contrato de sociedade (SA ou SPQ, por remissão – aplicação direta) é necessário disponibilizar logo no
momento da convocatória o teor das cláusulas a modificar e indicar quais é que são as cláusulas
sobre as quais recai a alteração e se não publicarmos na convocatória o teor das cláusulas propostas,
então deveremos indicar na convocatória que o teor fica ao dispor dos acionistas na sede social ou no
sítio da sociedade para que possam ter acesso às alterações propostas.

Também é aqui é no momento da convocatória. Por isso, nas SA cuja convocação tenha de ser
realizada com uma antecedência mínima de 1 mês e 1 dia (mediar entre a data da convocatória e a
data da realização da AG 1 mês ≠ 30 dias): se eu convocar dia 23 de março e disser que tem que
mediar 1 mês significa que para mediar 1 mês só posso realizar a dia 24 de abril.

Há determinadas matérias que pela sua relevância e exigência estão sujeitas a uma informação
prévia mais rigorosa. É isso que acontece com as alterações do contrato de sociedade.

Chegados à AG...
Chegados à AG o que pode acontecer é que também podem ser solicitadas informações: sobre
determinados negócios que a sociedade tenha praticado e é preciso ter muito cuidado com o direito
de informação – o exercício do direito de informação não se pode confundir com o pretender
imiscuir-se na gestão da própria sociedade, porque a gestão da sociedade, em particular da SA, é
delegada aos administradores – art. 373.º n.º 3 CSC, sobre assuntos de gestão os acionistas só se
podem pronunciar a pedido dos membros do órgão de gestão, como coletivo.

E por isso, eu posso pedir esclarecimentos, desde que eles me possam ser dados, como é evidente. E
esses esclarecimentos devem ser dados de forma verdadeira, completa e elucidativa – esse é o
conteúdo de tais esclarecimentos. E posso ter de o fazer na própria AG – e por isso, se eles forem
deficientemente prestados, esse é um motivo de anulabilidade das deliberações sociais que
tenham sido formadas em cuja base estiveram informações deficientes – art. 290.º n.º 3 CSC
(aplicável às SPQ por expressa remissão do art. 214.º n.º 7 CSC) – essas deliberações vão ser
anuláveis. Podem ser invalidadas se na sua base houve uma preterição da forma adequada de como
deviam ter sido prestadas.

Quer dizer, em AG todos os sócios de um modo geral também são iguais como nas informações
prévias, ou seja, aqui já não temos o tal mínimo de 1% - quem solicitar a informação deve ser
adequadamente informado.

E fora da AG?
Fora da AG, eu posso procurar obter informações por escrito. Isto é, eu posso procurar dirigir-me à
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sociedade e solicitar que ela me esclareça, por escrito, sobre determinados aspetos da vida social. Só
que aqui, encontro a lei no art. 214.º n.º 1 CSC – para as SPQ admite que essa informação seja
solicitada por qualquer sócio sem restrições. Na matéria das SA – art. 291.º CSC – a informação deve
ser solicitada por acionistas que, isolada ou congregadamente, sejam titulares de pelo menos 10%
do CS. Ou seja, não é qualquer acionista que pode incomodar a gestão com perguntas sobre aspetos
concretos da vida social.

Há uma outra vertente do direito de informação que só existe no plano das SPQ, não existe no
plano das SA, e portanto, também torna mais amplo este direito no domínio das SPQ – art. 214.º n.º
5 CSC – inspeção de bens sociais. Tradicionalmente, era feita fisicamente, por presença física e agora
é feita habitualmente por via informática – consulta de stocks por via informática.

E se houver alguma razão para se concluir que a informação está a ser deficientemente prestada?
Não está a ser facultada ou é falsa mesmo. Quid juris?
A lei aí cria mecanismos de reação por parte dos sócios e esses mecanismos de reação por parte dos
sócios permitem acionar um procedimento judicial que se enquadra no processo de jurisdição
voluntária, regulado nos arts. 1048.º a 1052.º CPC: inquérito judicial. Mas a própria lei societária se
refere ao inquérito judicial – arts. 216.º e 292.º CSC – em plena sede de direito de informação.

Mas também o faz a propósito do exemplo do art. 67.º CSC – falta de apresentação das contas. Se há
uma vicissitude na prestação das contas, pode haver inquérito judicial. É tão relevante essa matéria
que a lei prevê em certas circunstâncias que possa ser despoletado um inquérito judicial por
deficiente prestação da informação económica a que os sócios têm direito.

Forma de atuar do direito de informação: como é que exercemos este direito?


Antes de mais, é um exercício pessoal. Um acionista deve exercer pessoalmente o direito. Ele quer
obter informação, pode obter através da consulta de elementos sociais – escrituração, pode
subscrever comunicações à sociedade, se a informação for por escrito. A própria lei prevê que ele o
pode fazer pessoalmente. Nas SA é mais flexível porque admite que ele se possa fazer substituir no
exercício do direito à informação por quem o possa representar na AG (art. 288.º n.º 3 CSC). E o
como o art. 380.º CSC não permite limitar a representação em AG significa que na prática o
acionista indicará quem quiser para poder representá-lo no exercício do direito de informação.

Por sua vez, no plano das SPQ, aplica-se não o art. 288.º n.º 3 CSC, mas o art. 214.º n.º 4 CSC, de
acordo com o qual, para além do sócio, o sócio se pode fazer acompanhar de um perito que pode ser
um ROC. E depois prevê que ele possa usar da faculdade estabelecida no art. 576.º CC – obter
reproduções mecânicas – fotocópias.

Portanto significa que ele tem um problema maior no exercício do direito de informação nas SPQ que
é o seguinte: o sócio deve comparecer pessoalmente porque não se prevê a sua substituição por
representante e como ele deve comparecer pessoalmente, isso é constrangedor. Quando o sócio tem
ligações e conhece as pessoas da sociedade, é um momento menos do seu agrado – passa pelos

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olhares fulminantes de todos aqueles que nela se encontram.

Um aspecto muito interessante: procurar saber se a informação pode ser exercida pelos sócios ou
acionistas que sejam também gerentes e administradores da sociedade. Tendencialmente,
responderíamos que não faz sentido que quem concede informação tenha que ter o direito para ter
acesso à mesma.

Ou seja, isto parece um paradoxo – então não são os gerentes ou administradores que no fundo
divulgam a informação e que a facultam aos sócios? Tem sentido que um sócio possa dizer: eu sou
gerente, mas não tenho informação portanto quero exercer o direito à informação?
POC: a jurisprudência hoje é quase toda no sentido de dizer que se o sócio administrador não tiver
obtido diretamente a informação, o que não tem de demonstrar se conseguiu ou não, pode exercer
o seu direito na totalidade, porque frequentemente o direito de informação é recusado a quem
estava na gestão. As pessoas que estavam na gestão, apesar de lá estarem, não tinham conhecimento
da informação essencial.

Questão da regulamentação contratual do direito de informação, no que respeita ao seu próprio


exercício: a lei diz-nos nas regras sobre o direito de informação que ele está, tal como estabelecido
legalmente, em conteúdo mínimo. Não pode ser menos do que aquilo. Pode eventualmente o
próprio contrato de sociedade ser mais generoso. Também sucede pouco, o POC nunca viu.

O que é facto é que o direito de informação suscita questões interessantes. Saber como é que ele
pode ser exercido: pode o sócio dirigir-se à sociedade, bater à porta, e dizer que vem ali exercer o
direito de informação? E ainda por cima exercer a faculdade de obter reprodução mecânicas? Enfim,
o POC entende que ele pode, obviamente, mas acredita que a lei não exclui que a sociedade possa
ela própria promover a regulamentação do exercício desse direito, porque se ela não o fizer,
significa que tem de estar todos os dias sem restrições exposta ao exercício do direito de informação
e isso não lhe parece aceitável.

A generalidade das sociedades (não estamos a falar das sociedades cotadas), não têm que ter
pessoas exclusivamente adstritas à prestação de informações. E portanto, podemos regular, por
exemplo, que o direito de informação é exercido às quartas-feiras. Fica posto em causa o direito de
informação por isso? Não, não fica. Porque se quisermos utilizar o elemento surpresa, basta irmos lá
numa quarta-feira.

Ou por exemplo, pode ser regulado o custo das reproduções mecânicas. A sociedade pode cobrar-me
10€ por cada fotocópia? É admissível? Há aqui muitos aspetos que podem ser objeto de regulação do
direito de informação.

E se as informações forem recusadas ou prestadas de forma falsa, não elucidativa? De modo


incompleto? Quid juris?
Bom, aqui, em princípio, isso vai prejudicar a validade da deliberação. Mas há casos em que a recusa
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da informação pode ser admissível. Aliás, a lei abre a porta para essas situações no art. 215.º n.º 1,
art. 214.º n.º 2 CSC – a lei admite certas situações em que a informação pode ser recusada. E nalguns
casos são os próprios documentos que têm cláusulas de confidencialidade. Não permitem ser
divulgados publicamente, sob pena de gravemente lesar interesses de terceiros, e indiretamente
interesses da própria sociedade.

Quid iuris se houver uma deficiente utilização da própria informação? No fundo, se houver uma
utilização indevida da informação?
A lei acautela essas situações, e prevê que o sócio que possa utilizar deficientemente a informação,
vir a ter responsabilidade. O sócio pelo facto de ter o direito e de o exercer não pode depois fazer um
deficiente uso da informação que obtenha divulgá-las no mercado – arts. 214.º n.º 6 e 291.º n.º 6
CSC – regras que preveem essa mesma responsabilidade.

Paralelamente, a lei também estabelece sanções para as situações de abuso no direito de


informação, designadamente quem tem informações e se aproveita delas para extrair vantagens ou
eventualmente causar prejuízos à própria sociedade – art. 449.º CSC – e muitas vezes, a exploração
de uma informação que deveria permanecer reservada, ela própria constitui um crime como resulta
claramente do disposto no art. 378.º CVM – abuso de informação. Na realidade, é o conhecimento da
vida societária e de aspetos que devem permanecer privilegiados, para poder obter vantagens
indevidas ou eventualmente resultarem prejuízos da própria sociedade.

Finalmente, uma nota importante sobre a tutela penal do direito de informação: a própria lei
preocupa-se particularmente e estabelece e tipifica determinadas condutas como crimes que, desde
o passado dia 21 de março (data da entrada em vigor da alteração ao CSC pela lei 94/2021/7 de 21 de
dezembro – alterou a quase totalidade das disposições penais do CSC – fazer download!!!

O que aconteceu foi que esta alteração que resultou deste diploma veio aumentar substancialmente
as penas aplicáveis nos crimes societários. Tinha penas relativamente simbólicas e passaram a ter
penas bastante duras.

Sendo os dois mais relevantes crimes em matéria de informação os previstos nos arts. 518.º e 519.º
CSC, a recusa ilícita de informações e a prestação de informações falsas, no fundo a lei acrescentou
também um novo crime no art. 519.º-A CSC – o crime acrescentado diz respeito à apresentação de
contas adulteradas ou fraudulentas – contabilidade criativa.

III – A participação social

A participação social concretiza no fundo o investimento que o sócio faz na sociedade. É uma forma
diferente de abordar a intervenção do sócio porque agora vamos olhar para a sua participação tendo
em conta, essencialmente o bem jurídico em que ela se traduz.

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Se estivermos a pensar numa SA, pensamos no modo como se designa a participação de cada sócio e
vamos equacionar o objeto dos direitos que até agora temos vindo a mencionar, para podermos, com
referência a esse mesmos objeto de direitos ver quais as vicissitudes de que ele pode vir a padecer e
como é que se ira caracterizar, particularmente quando ele tem uma autonomia muito grande da
pessoa do seu titular. Aí é o domínio das SA que nos vai interessar particularmente, até porque no
domínio das SPQ a realidade se expressa na titularidade de uma quota (1 por sócio) e essa quota é
um bem incorpóreo e portanto está indissociavelmente ligado à pessoa do próprio sócio. A alienação
da quota vai implicar também a perda da qualidade de sócio. É a quebra da relação de socialidade.

12. Conceitos de quota e de ação

12.1. Quota

Como é que se designam essas participações nos vários tipos societários?


 Numa SNC, a participação é designada habitualmente por parte social. Embora a parte social
não tenha grande relevo, sobretudo tendo em conta o relevo da pessoa do sócio. É em razão do
sócio que os próprios direitos e vinculações são atuados e cumpridos. Não há nada de
particular.
 Numa SPQ a participação já é um bem incorpóreo que se designa por quota e que corresponde
a um determinado valor nominal que equivale ao montante de capital que o sócio
oportunamente subscreveu.

12.2. Ação

 No domínio da SA, tradicionalmente, a participação social, expressa numa ação, era objeto de
titulação, isto é, representação documental. Era esse o modo como a SA se apresentava. E por
isso ela era facilmente transacionável no mercado, porque a sua transação, transmissibilidade
no mercado, implicava na realidade a entrega do título em que se agregavam as ações que lhe
correspondiam e os títulos podiam expressar uma ação ou um determinado número de ações
em termos plurais.
o Aquilo que acontece é que desde 1988 foram introduzidos em Portugal os valores
mobiliários escriturais, em particular as ações escriturais – arts. 39.º e segs. CVM.
o E os valores mobiliários escriturais, na realidade, vieram contribuir porque é nisso que
consistem, para a chamada desmaterialização da participação na SA.
 As ações passaram a poder representar-se ou por documento, caso em que a
sua forma de representação ainda é o título, ou passaram a representar-se
por registos informáticos, dos quais vai resultar quem é que em cada
momento é o seu titular. E dos quais também deverá resultar o respetivo
conteúdo.
o Temos hoje no fundo duas formas de representação diferentes das participações nas
SA que são as ações tituladas e as ações escriturais.

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No passado, também havia uma outra diferenciação que importava fazer e que hoje acaba por ser
desnecessária:
 Era a distinção que se fazia quanto ao modo de circulação dos próprios títulos das ações
o Entre ações ao portador e ações nominativas
o Aquilo que distingue as ações ao portador das ações nominativas é o modo de
circulação.
 As ações ao portador eram, como os títulos ao portador são habitualmente,
transmissíveis pela mera tradição, pela mera entrega. Por isso, o titular dessas
ações seria quem em cada momento fosse o seu possuidor, detentor material.
 Ao passo que as ações nominativas (as únicas que ainda existem hoje) tinham
como característica identificar necessariamente o seu titular em cada
momento. Eles refletem quem é que é nominalmente o seu titular.
 Não se confunda isto com o facto de se poder ser o efetivo titular
desses títulos. Efetivo titular = beneficiário efetivo, que muitas vezes
não é aquele que resulta dos títulos, sobretudo quando os títulos
subscritos por uma pessoa por conta de outrem, designadamente, para
não revelar a sua verdadeira titularidade.

Ex.: neste momento em que há sanções contra cidadãos russos, muitos cidadãos russos poderão ser
verdadeiros acionistas de sociedade portuguesas, mas os títulos não os identificam como tais, mesmo
que estejam em nome de pessoas singulares, muitas vezes estão em nome de pessoas singulares que
os detêm em nome e por conta dos interesses dos próprios. Eles são os reais beneficiários desses
títulos.

Esta lógica do beneficiário efetivo é para poder, em última análise, identificar quem é que vai ser
aquele que vai extrair a rentabilidade económica da sociedade e designadamente procurar apurar se
não há interesses contraditórios para a atividade que ele desempenha noutras sociedades, que
muitas vezes pode haver – concorrenciais.

A ação tradicionalmente surgia com vários sinónimos possíveis. Tradicionalmente, ela era
considerada um título de crédito, embora se chegasse à conclusão de que dela não resultavam
necessariamente todos os direitos que caracterizavam a SJ que ela revelava, mas havia como que
uma literalidade indireta do próprio título, porque a ação se reportava necessariamente a uma
sociedade e a sociedade tinha um determinado contrato do qual resultariam os direitos para o seu
titular. Também se discutiu se uma ação não poderia ser uma fração do CS, o que hoje até tem
especial sentido nas ações sem valor nominal.

POC: Hoje = ação como sinónimo de participação social. É um sinónimo da SJ que é relevante
autonomamente no contexto de uma sociedade anónima e à qual são atribuídos direitos e
reconhecidas vinculações.

07.04.2022

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No domínio das ações, a aceção mais completa de participação social é aquela que reconduzia às
ações à participação social – é uma SJ complexa à qual são atribuídas e reconhecidas SJ que vão ser
exercidas, em cada momento pelo respetivo detentor.

Importa agora procurar ver quais é que são as características destas ações, isto é, aquilo que
caracteriza as ações. Há uma regra no CSC que no fundo chama a atenção para essas características –
art. 276.º CSC. Essa regra teve alguns ajustamentos, porque precisamente as participações sociais
desde que o CSC foi aprovado sofreram algumas modificações e uma das mais importantes
modificações é aquela que vem mencionada no n.º 1.

A característica que perspetiva a própria ação: art. 276.º n.º 6 CSC – a ação é indivisível:

Ela não pode ser dividida, mesmo que as partes estejam de acordo, porque há um outro princípio
segundo a qual a ação constitui uma fração do Capital Social. Significa que todas as ações, quando
existem no contexto de uma sociedade, têm tecnicamente um valor idêntico às demais, a menos que
sejam caracterizadas por direitos que de algum modo as possam vir a diferenciar.

Mas em termos de valorização, de facto todas têm esse mesmo valor e por isso se as ações não forem
criadas, como eram no passado, com um valor nominal, caso em que de acordo com o n.º 4 do art.
276.º CSC todas têm que ter o mesmo valor nominal, então significa que todas as ações são fração
do CS e valem o mesmo, qualquer que tenha sido o custo que tenha estado subjacente à sua criação.

Mas mesmo quando as ações são criadas com valor nominal, isto é, mesmo quando no fundo às
ações é atribuído um valor que acaba por corresponder a uma fração do CS, e que é o valor que em
princípio corresponde aos bens que foram necessários para proceder à subscrição e à realização
daquele valor, se estivermos a falar de entradas em dinheiro é muito simples:
 O valor nominal é de 1€ se no fundo só se aportou 1€ para a sociedade. E por isso, se o sócio
quiser aportar 1000€, subscreve 1000 ações, não subscreve 1 ação.

Nessa circunstância, o valor nominal é uma expressão do valor da ação, o que não significa que a
ação tenha tido um custo exatamente idêntico ao valor nominal, mesmo quando as ações têm valor
nominal.

Já vimos anteriormente que é possível subscrever ações com um prémio de emissão: isto é, é
possível custear um valor superior ao valor nominal e que reverte em benefício da sociedade. Nunca
é possível é subscrever com um valor inferior ao valor nominal. Se eu subscrever por um valor inferior
ao valor nominal, o que é que estou a fazer? Estou a criar uma situação de subcapitalização imediata
relativamente à própria participação que eu subscrevo:

Se eu na realidade pretendo subscrever uma ação que vale 1€ e só entregar 50 cent. à sociedade e
nunca mais entregar nada, na realidade, aquela ação acabará por não ter correspondência no ativo

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que a sociedade deve ter como é evidente.

E por isso, a lógica era um princípio que antes existia que todas as ações têm que ter o mesmo valor
nominal. Hoje, temos que chegar à conclusão de que se por acaso não tiverem valor nominal, então
todas as ações têm que ser uma igual fração do capital social, tenham custado X ou tenham custado
Y – isso resulta do caso do art. 276.º CSC.

Uma outra regra muito importante, um princípio muito importante relativamente às ações, e que
aliás corresponde a um fator muito distintivo em relação a outras participações sociais,
nomeadamente às quotas, diz respeito à chamada transmissibilidade das ações!

A transmissibilidade é uma característica da ação:

A ação é um valor que é criado para ser apto a poder circular no mercado. E portanto, com uma
relativa facilidade, poder ser transmitido de titular para titular. E a transmissibilidade como regra
resulta do art. 328.º CSC, que já vimos quando olhámos para as principais diferenças que se
colocavam entre as SPQ e SA.

As SPQ posicionam-se de uma forma fechada no mercado, com limitações à transmissibilidade das
suas participações, e portanto com uma sujeição ao consentimento da própria sociedade quando está
em causa pretender ou projetar transmitir a participação – art. 228.º CSC. Nas SA acontece
precisamente o contrário: art. 328.º CSC.

É possível limitar a transmissão de ações no domínio da SA? POC: claro! Por uma de 2 vias:
 Ou porque a própria lei estabelece essas limitações, e dificulta, designadamente pretendendo
controlar para quem é que a participação se projeta transmitir;
 Ou porque são os acionistas que convencionalmente, dentro dos parâmetros que existem nos
arts. 328.º e 329.º CSC (muito estritos e reduzidos), podem em certos casos limitar a
transmissibilidade
o E desse modo, controlar de alguma forma quem é que detém o capital e procurar
evitar que se alguém quiser transmitir o capital para terceiro, acabar por o dever fazer
previamente em favor de quem já integra a sociedade.
o E portanto, uma forma de fechar a circulação do capital social na sociedade anónima.

Suscetibilidade de agrupamento das ações

Resulta do art. 276.º CSC que as ações têm que ter um valor nominal mínimo de 1 cêntimo. 1 cent. é
a unidade mínima para poder ser criada uma ação, embora habitualmente tenha um valor superior.
As ações habitualmente têm um valor nominal de 1€ ou de 5€.

Quanto à suscetibilidade de agrupamento, ela está regulada no art. 379.º n.º 5 CSC e neste artigo
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prevê-se que, em certas condições, os sócios para exercerem os seus direitos sociais podem-se
agrupar, podem juntar as suas forças para o exercício dos direitos sociais:

Podem fazê-lo, nomeadamente, para estarem presentes na AG, mas nessa circunstância, só aqueles
que não têm direito de voto é que se podem agrupar. Não há agrupamentos entre quem tem voto e
quem não tem.

O que acontece também é que é possível o agrupamento sempre que a lei exige, para exercer certos
direitos sociais, a titularidade do montante mínimo do capital social que possa resultar da conjugação
de esforços por parte dos acionistas: por exemplo, o exercício de informação por escrito, no contexto
da SA de que aqui falámos na aula de ontem – art. 291.º CSC.

Como é que as ações são criadas? Como é que esta realidade vem ao mundo, ao fim ao cabo?
A criação das ações vai depender, efetivamente, da sua forma de representação. Então falamos um
pouco da forma de representação:

Já vimos que as ações podem ter uma forma de representação titulada, documental = consta de um
documento uma representação material escrita, da qual resultam as principais características
relativas à sociedade a que elas mesmas respeitam e nomeadamente a quantidade de valores
mobiliários que cabem nesse mesmo documento, porque um documento com uma determinada
aparência gráfica pode ser destinado a acolher um número diferente de ações.

Eram tradicionalmente representadas com um documento, porque o documento funcionava


essencialmente como um título que era transmissível. Eu podia transmiti-lo por uma de duas vias no
passado:
 Ou pela simples entrega, quando as ações eram ao portador, isto é, quando elas pertenciam a
quem em cada momento fosse o detentor material do título;
 Ou tinha que as transmitir por uma declaração expressa do titular – endosso – e pelo
averbamento da pertença dessas ações à pessoa do seu titular nos registos adequados que
existem na própria sociedade.
o Hoje só há esta maneira de transmitir uma ação.

O modo de transmitir uma ação que é titulada é através do endosso, no qual nós escrevemos no
verso da ação, que tem um espaço para poder conter todas essas referências relativas às
vicissitudes que a ação venha a sofrer – art. 44.º CVM.

Ela transmitisse pela tal declaração aposta no verso. Declaro que transmito as ações constantes do
presente título a A. Depois, naturalmente, dato e assino para demonstrar. E a partir daqui, A irá
promover na sociedade o registo daquelas ações em seu favor, naturalmente, pelo cancelamento do
registo das mesmas ações relativamente à minha própria pessoa.

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As ações não são registadas na Conservatória do Registo Comercial. As quotas é que são registadas
na Conservatória do Registo Comercial. As ações só são registadas na própria sociedade. É na
sociedade que existem os elementos necessários para determinar a titularidade de quem em cada
momento é acionista.

E se as ações forem tituladas, elas são inscritas na sociedade, naquilo que se designa o livro de
registo de ações, que pode ser elaborado informaticamente, onde consta em cada momento,
porque hoje todas as ações são nominativas, quem é que adquiriu uma participação e a manifestou
à sociedade, porque eu posso ter adquirido a participação e não ter dito nada, só que então não
consto como acionista na mesma sociedade.

Mas as ações podem consubstanciar-se em meros registos informáticos. Então o modo de


representação dessas ações, que são as mesmas, é o modo de representação escritural e por isso se
designam as ações por ações escriturais. Quer dizer, tem de existir uma conta central que, de 2, 1:
 Ou se encontra sob gestão da entidade emitente das ações = a própria sociedade
 Ou a entidade emitente delegou numa instituição especializada (instituição financeira) para que
ela procedesse a todo esse trabalho e criasse uma conta de valores mobiliários daquela
sociedade, na qual ficassem referenciados todos os titulares das participações sociais e todas as
limitações ou vicissitudes que essas ações pudessem ter.
o Por exemplo, se houver ações relativamente às quais foi constituído um usufruto – isso
tem que resultar da conta de valores mobiliários, para se saber que aquela ação está
onerada e portanto quando eu a transmito, transmito com um ónus.

Portanto, eu posso criar a ação pela emissão, ou posso criar a ação pelo registo.
A ação de emissão é a ação de criação de ações, e esta emissão distingue-se da chamada subscrição
– a emissão é um ato da própria sociedade. É o ato de criação da própria sociedade. É o ato pelo qual
a sociedade cria os títulos que vão documentar a existência das ações se elas forem tituladas, ou
procede à criação do dito registo junto do qual podemos passar a saber, em cada momento, é sócio
daquela sociedade.

A subscrição é diferente. É um ato que parte da iniciativa do próprio acionista. E portanto é o ato
pelo qual o futuro acionista da sociedade declara e se compromete a vir a realizar o montante
correspondente ao valor das participações que subscreve, que declara no fundo pretender vir a
tornar-se titular. E o ato de subscrição é aquilo que se chama um ato de mercado primário.

É um ato de mercado primário, porque corresponde ao surgimento, nascimento do próprio valor que
está em causa. Neste caso, do valor mobiliário que se chama ação que acaba por ser uma
participação social. E o mercado primário, como o nome indica, opõe-se ao chamado mercado
secundário, que é formado pelas realidades que já pré-existem. Pelas realidades que já foram
anteriormente criadas.

Então o mercado secundário é um mercado onde se transacionam os valores mobiliários já

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existentes, que já foram oportunamente subscritos e agora alguém pretende realizar um negócio
envolvendo esses mesmos valores mobiliários. Isso é um ato de transmissão, um ato de aquisição e
neste momento no mercado secundário já estamos a adquirir um direito que já pré-existia –
aquisição derivada ≠ originária, que só existe no mercado primário.

E quando é que podemos estar perante uma subscrição?


No momento da constituição, naturalmente, que é aquele momento em que no fundo se coloca ao
dispor daqueles que pretendem ser sócios da sociedade e subscrever o contrato de sociedade as
ações que vão ser emitidas e portanto essas ações vão corresponder ao capital social que a sociedade
irá angariar junto dos seus fundadores.

E depois também no momento das variações positivas de capital – aumentos de capital. Sempre
que houver a criação de mais capital naquela sociedade, haverá uma nova emissão de ações e haverá
portanto uma nova operação de mercado primário.

Mas quando falamos da subscrição e da aquisição, tomamos a sociedade emitente como uma
referência, mas o ator neste processo é o acionista. É ele que efetivamente toma a participação ou
que vem a adquiri-la.

Há aqui uma outra importantíssima diferença relativamente aos atos de subscrição e de aquisição,
e que decorre do próprio sistema:
 é que o sistema não permite que as ações sejam subscritas por um valor inferior ao seu valor
nominal
o há uma regra absoluta do direito português que é: se as ações tiverem valor nominal,
elas não podem ser subscritas por um valor inferior. Elas têm de ser subscritas pelo
valor nominal ou pelo valor nominal acrescido de um prémio ou de um ágio.
o Se as ações não podem ser emitidas por um valor inferior ao seu valor nominal, e
estamos a falar de ações com valor nominal, então isso significa que quando eu
subscrevo a participação tenho que a subscrever estendendo o valor da participação
ou talvez até um valor superior ao da participação (com prémio).

Mas atenção! Não se confunda isto com as transações no mercado secundário: o mercado
secundário é um mercado muito vasto – é um mercado de todas as realidades já criadas. Quando as
ações se referem a sociedades que tenham requerido oportunamente, e tenham tido essa
capacidade económica e financeira, a admissão das suas participações à negociação no mercado
regulamentado – bolsa de valores (EURONEXT LISBON, SA), então quando as ações estão cotadas
nesse mercado, elas vão-se transacionar pelo valor que o próprio mercado oferecer por elas.

Portanto, eu posso ter ações com valor nominal de 1€, que podem estar a ser transacionadas no
mercado a 4 ou 5€, um valor muito superior ao seu valor de criação, o que significa que se eu as
subscrevi por 1€, estou a ganhar o diferencial no momento em que as alienar, daí que o justo valor
nas sociedades não possa ser atribuído para efeitos de lucros – porque ainda há a contingência.

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Nas transações em mercado secundário (não deixa de ser mercado secundário todo o mercado em
que são transacionados livremente entre as pessoas participações sociais – só que esse mercado
secundário não é organizado, nem regulamentado – é informal – fazem-se transações entre as
pessoas que são titulares de ações) eu nessa circunstância chego à conclusão de que quando os
títulos já estão criados, já não tenho a limitação da regra da subscrição pelo valor nominal como
mínimo. Ou seja, transmito e transaciono exatamente pelo valor que o mercado conferir à
participação. Se houver pressão descendente, vou talvez ter que transacionar por um valor inferior
àquele que foi o custo dessa mesma participação.

Portanto, tenhamos em conta que há uma grande diferença do ponto de vista jurídico e económico
entre os atos de subscrição e os atos de aquisição!!!

Esta matéria é regulada de um modo geral no CVM, ou seja, quase toda a matéria das ações saiu do
CSC. Ainda há algumas regras – curiosamente é no CSC que estão as regras com as restrições
convencionais possíveis à transmissibilidade das ações, as tais que vimos do art. 328.º e 329.º, mas a
maior parte das regras está no CVM, que encontramos nos arts. 39.º e segs. CVM e onde se
estabelecem importantíssimos princípios – é lá que se prevê no art. 52.º CVM – não é possível criar
valores mobiliários ao portador.

A esse propósito, é natural e óbvio que nas ações que sejam escriturais a forma de evidencia dessas
mesmas ações seja o registo junto do emitente ou do intermediário financeiro que detenha conta de
valores mobiliários da sociedade – é junto desse intermediário que entregamos a documentação
sempre que, por exemplo, procedemos à transmissão de uma participação, ou mais, portanto, temos
que entregar uma declaração de alienação por parte do vendedor que na realidade acaba por
equivaler a um endosso, com base no qual se procede à tal alteração de valores mobiliários nessa
conta. Se o adquirente não estava inscrito ainda nessa conta é preciso naturalmente inscrevê-lo nessa
mesma conta.

E depois temos as ações tituladas quem em princípio são conservadas por depósito, têm uma
materialidade. E em geral, esse depósito é feito junto das entidades financeiras, dos intermediários
financeiros, mas para que as ações titulares sejam objeto de transação no mercado regulamentado, a
lei impõe (art. 99.º CVM) que tais ações tituladas devam estar depositadas na Central de Valores
Mobiliários, que é uma unidade central onde todos os títulos são depositados e que depois procede
às transferências físicas dos valores mobiliários que são objeto de transação no mercado.

Mas sendo certo que apesar de tais valores serem nominativos, o direito dos valores mobiliários criou
uma regra da fungibilidade = impôs a fungibilidade de valores que não poderiam ser fungíveis por
identificarem cada um deles o seu titular. Mas como isso era impossível e se tivessem, cada vez que
transmitiam, que ir buscar os próprios títulos, o que seria isto em sociedades onde há milhões de
títulos. Seria uma carga de trabalhos.

Então há uma fungibilidade, de maneira que todos os títulos acabam por estar na dita Central de
Valores Mobiliários e ela é que os movimenta entre contas que existem no fundo das próprias
pessoas que têm a titularidade e que portanto podem exercer os respetivos direitos.

Vamos falar então um pouco das ações com valor nominal e sem valor nominal:
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Art. 276.º CSC: as ações das SA podem ser ações com valor nominal ou ações sem valor nominal.
Depois é curioso que a lei diz no n.º 2 uma coisa que seria quase lógica mas não quis deixar à mercê
do intérprete – na mesma sociedade não podem coexistir ações com valor nominal e ações sem valor
nominal.

Quem é que define se as ações têm valor nominal ou não? POC: quem define é a própria sociedade
quando é criada – são os estatutos da sociedade que definem. Isto é uma menção estatutária
obrigatória.

Habitualmente, as sociedades são criadas com ações com valor nominal, porque as ações com valor
nominal exprimem exatamente aquilo que é a aportação de bens à sociedade. Se esses bens forem
em dinheiro, é fácil perceber qual é que é o valor nominal correspondente – é exatamente o valor do
dinheiro que é disponibilizado à sociedade por cada um dos sócios, materializado no número de
ações que ele tem capacidade para subscrever.

Se as entradas forem realizadas em espécie, é preciso determinar o valor dessas entradas para saber
a que valor é que elas correspondem no capital da própria sociedade e portanto se as entradas em
espécie valerem 100€, e se cada ação valer 1€, significa que eu recebo 100 ações. Tem uma
correspondência também nas próprias ações.

Significa que o valor nominal é tendencialmente um valor absolutamente correto no momento do


arranque e que corresponde exatamente ao património da sociedade. Mesmo que parte do valor
nominal das ações possa ser diferido, desde que estejam em causa entradas em dinheiro.

Porque é que há ações sem valor nominal? POC:


Um dos problemas que se pode colocar no aumento do capital por novas entradas é que se eu
procurar respeitar o princípio da igualdade do valor nominal (art. 276.º CSC), isso significa que se eu
tiver ações com o valor nominal de 1€, se fizer um aumento de capital, tenho que criar ações com o
mesmo valor nominal de 1€.

E também vimos que as ações com valor nominal de 1€ que existem na sociedade, na prática, já só
valem 50cent. Perderam metade do seu valor. Se eu tiver ações com valor nominal de 1€ e valor real
de 50cent., se formos fazer um aumento de capital que seja só subscrito por sócios, não há problema
de eles pagarem 1€ por uma realidade que não vale realmente 1€ = a ação que antigamente valia
50cent. passou a valer 75cent. graças à nova entrada. E as ações que eu realizei de novo, paguei 1€
por cada uma e vão passar a valer 75cent. Não há problema se for exatamente pelas mesmas pessoas
que já as detenham – porque elas põem 1€, e ao porem 1€ pelas novas, estão a perder 25cent., mas
estão a ganhar exatamente esses 25cent. nas ações que já têm. É uma pressão neutra para eles.

O problema coloca-se quando eu quero abrir o capital a terceiros, quando eu preciso de ir ao


mercado buscar dinheiro porque os sócios já não têm. Se eu for ao mercado pedir para me porem
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1€ e vai ficar com 75cent., ninguém põe.

POC: para interessar o mercado, se funcionar só com ações com valor nominal, só posso reconhecer
que aquela sociedade já perdeu metade do seu valor e reduzir o capital de 1M€ para 500k€, que é o
valor que ela tem efetivamente. E vou procurar fazer isto necessariamente por uma de duas vias:
 Extingo uma ação por cada duas que existem e fico com menos ações mas à mesma valendo 1€
 Ou reduzo o valor nominal de todas as ações para metade.

Posso fazer isso se chegar à conclusão de que o valor da sociedade se perdeu por efeito do resultado
da sua atividade, exatamente para metade. Tem um valor contabilístico de metade do valor nominal,
do valor do capital social. É uma operação de redução do capital – para cobertura de prejuízos –
está prevista nos arts. 94.º e segs. CSC. Vou procurar adequar o capital ao meu nível patrimonial
atual.

Mas agora imagine-se, por absurdo, e foi isto que explicou a criação das ações sem valor nominal,
que a ação vale 1€, contabilisticamente já só vale 50cent., mas apesar disso, o mercado não paga
mais do que 40cent. Isto é, ela vale realmente 50cent. – se eu liquidasse a sociedade neste
momento, eu recebia um produto que me iria permitir reembolsar cada ação em metade do seu
valor. Este é o valor contabilístico.

Só que o mercado não acredita. E portanto só paga 40cent. Isto é, quando elas estão a ser
transacionadas na bolsa, só há pessoas que só estão interessadas em comprar por 40cent. Então eu
tenho um problema, porque se elas só estão a ser transacionadas por 40cent, mesmo que eu reduza
para 50cent., não posso fazer um aumento por 40cent, só poderia fazer um aumento por 50cent se
fosse o novo valor delas. Ninguém me vem comprar o meu aumento de capital, entre aspas, =
ninguém vai subscrever ao meu aumento de capital por 50cent, aquilo que pode comprar no
mercado a 40cent. É mais barato.

Então se calhar eu devia pensar assim: tenho que arranjar aqui uma maneira de disponibilizar ao
mercado ações não por 50cent., se calhar não por 40cent., mas dizer – nós vamos fazer uma emissão
de capital, vamos procurar captar fundos, e a sociedade aceita que uma ação (que depois vai ter o
mesmo valor das outras que já existem no mercado) seja subscrita por 35cent.

Então porventura se eu me interessa aquele ativo, eu vou comprar por 35cent. uma coisa que o
mercado paga a 40cent., que até vale 50cent. – então eu tenho que criar aqui um mecanismo para
poder criar estas ações por 35cent. e o mecanismo que o legislador encontrou foi precisamente dizer
assim: vamos retirar o valor nominal das ações para não estarmos sujeitos a um princípio de igual
valor nominal. Vamos passar a sujeitar-nos antes a um princípio de igual valor fraccional, ao admitir
as ações sem valor nominal, necessariamente num primeiro momento uma alteração do contrato de
sociedade – as ações são excluídas de valor nominal. E no resto podem ser exatamente iguais quanto
à transmissibilidade, quanto a todas as outras vicissitudes, quanto ao resto do seu percurso
quotidiano, só que vão ficar desprovidas do valor nominal = vão passar a ter o valor de emissão.

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Quando elas deixam de ter valor nominal, o valor nominal inicial daquelas que foram criadas, que era
de 1€, agora vou passar a dizer: o valor de emissão inicial é de 1€. E foi por causa destas limitações
decorrentes da igualdade do valor nominal que foram introduzidas na OJ portuguesa em 2010 as
ações sem valor nominal.

Percebe-se facilmente que estas ações surgem precisamente nas situações de crise, nas situações
em que o mercado está a pagar menos pelo título do que ele vale.

Se eu tiver uma ação com um valor nominal de 1€ e um valor contabilístico de 1,2€ e o mercado
estiver a pagar 1,5€ - porque acredita naquele título e acha que é um título que se vai valorizar, se eu
for fazer um aumento de capital, nunca posso colocar as minhas ações no mercado por menos de
1,5€, porque isso toda a gente pode comprar e deve haver pouca oferta para a procura. Ninguém
quer vender porque acham que estão a apostar na valorização.

Então eu provavelmente se for fazer um aumento de capital, vou ao mercado e digo: eu coloco mais
ações no mercado com valor nominal de 1€ (aqui não tenho problemas nenhuns quanto ao valor
nominal) e com prémio de 60cent. por exemplo. E portanto eu vou ao mercado dizer – eu
disponibilizo capital nesta sociedade – entreguem-me 1,6€ e passam a ser sócios. Isso acontece se no
mercado houver pouca oferta para 1,5€ e houver naturalmente procura.

Distinção das ações e das obrigações

Vamos distinguir as ações das obrigações, explicando que as ações são participações sociais, portanto
são situações jurídicas que exprimem a posição do sócio, elas não permitem antecipar com segurança
uma remuneração correta, mas existem em geral de forma estandardizada, isto é, padronizada –
correspondem a situações homogéneas que existem no mercado ou fora dele quando as pessoas não
querem aceder a esse mercado e cada um delas exprime a priori uma situação idêntica às demais e
caracterizam-se por situações de diversa natureza, desde direitos a vinculações.

As obrigações distinguem-se das ações por serem valores mobiliários que exprimem uma situação
jurídica creditícia sobre a própria sociedade. Isto é, elas em geral correspondem a um valor nominal
que foi aportado para a sociedade e todas elas são também parte de uma emissão que tem como
característica ser padronizada, isto é, haver uma homogeneidade das SJ em que se exprime toda a
emissão do crédito de que a sociedade foi beneficiária. E aí, como se trata de um valor mobiliário
diferente, eu em princípio posso procurar antecipar a remuneração que em princípio me será paga.

O facto de serem obrigações significa naturalmente que o capital que essas sociedades emitem está
subordinado à satisfação dos créditos, porque os créditos são na realidade subscritos por terceiros e
podem também ser tomados pelos sócios. As obrigações podiam ser até a totalidade subscrita pelos
sócios.

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Mas o que é facto é que se a sociedade que emitiu um empréstimo obrigacionista entrar em
incumprimento, então eventualmente pode haver o risco de ela nem as obrigações conseguir honrar.
Isso significa que nessa circunstância o credor obrigacionista, que é quem facultou os meios à
sociedade, que disponibilizou uma determinada quantia correspondente a um certo número de
obrigações, acaba por não conseguir ver reembolsado a totalidade do capital que oportunamente
disponibilizou.

Mas há uma coisa: é que primeiro a sociedade é sempre obrigada a reembolsar os créditos antes de
reembolsar o capital que nela foi investido. E portanto há uma subordinação do capital
relativamente aos créditos que recaem sobre a sociedade.

Quando estamos perante créditos que são da titularidade dos sócios ou créditos que são subscritos
por terceiros e naturalmente também por sócios, mas que não têm por característica
corresponderem a financiamentos de sócios, então dizemos que esses créditos (subscritos só por
sócios) são subordinados em relação aos outros, porque os outros vão ser sempre satisfeitos
previamente, prioritariamente à satisfação desses créditos subordinados.

São subordinados, porque indiretamente, o beneficiário é o sócio. Indiretamente, o beneficiário é


aquele que na realidade apostou na atividade da sociedade e que era o beneficiário indireto do
crédito que havia sido concedido à sociedade. As obrigações também estão previstas nos arts. 348.º
e segs. CSC, vêm mencionadas no CVM, logo no art. 1.º - é o segundo valor mobiliário mais relevante,
o valor obrigação.

Muitas das características que se aplicam às ações também se aplicam aos valores mobiliários e
portanto no fundo há um aspecto muito importante ainda que é: até é possível para certos tipos
societários mais reduzidos – até as SPQ podem emitir obrigações – porque houve um !!! DIPLOMA
AVULSO (ALERTA IMPRIMAM ISTO!!!!) DL 160/87 de 3 de abril – que na realidade lhes permite emitir
obrigações nos termos que estão previstos para as SA nos arts. 348.º e segs. CSC.

12.3. Espécies e categorias de ações

As ações de um modo geral designam-se por ordinárias, isto é, elas congregam uma série de SJ que
caracterizam a situação típica comum do acionista. Essas SJ materializam-se essencialmente em
direitos e obrigações e são direitos e obrigações que decorrem legal e supletivamente da própria lei e
qualitativa e quantitativamente da lei societária. São aquelas que no fundo caracterizam aquilo que
seria a normal participação numa SA.

Mas também já vimos aqui anteriormente que é possível introduzir distorções aos direitos de quem
participa numa SA: é possível que os acionistas tenham situações de privilégio ou de vantagem em
certos casos.

Pode haver direitos especiais atribuídos às ações, caso em que eles têm de estar previstos no
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contrato de sociedade – art. 24.º n.º 1 CSC. Se forem atribuídos direitos especiais a ações, esses
direitos especiais, aliás, o próprio n.º 4 do art. 24.º diz – só podem dizer às ações (≠acionistas) –
então esses direitos especiais atribuídos às ações vão permitir formar uma categoria de ações – art.
302.º n.º 2 CSC – as ações que integrarem direitos idênticos formam uma categoria. De um modo
geral essa é uma categoria favorecida. Por isso se diz muitas vezes que é uma categoria privilegiada,
mas também há quem lhe chame uma categoria preferencial ou uma categoria de ações prioritárias.

Portanto quanto ao seu conteúdo nós podemos dizer antes de mais:


 As ações podem ser ordinárias
 Privilegiadas
 E até podem ser diminuídas
o São aquelas que se caracterizam por não atribuir aos seus titulares os direitos e
vinculações que de uma forma geral decorrem precisamente da situação típica de
acionista e portanto da forma como é configurada a ação em termos genéricos na
nossa lei societária. Mas estas são situações mais raras.

Ações privilegiadas

Correspondem a situações de vantagem. Elas podem surgir no início da constituição da sociedade, ou


podem ser introduzidas em vida da sociedade. Se surgirem no início quando a sociedade é
constituída, há uma ligação grande dos fundadores às ações privilegiadas.

Apesar dos direitos especiais serem atribuídos às ações a verdade é que não é por acaso que alguns
promotores ficam com certas ações, ações de uma certa categoria ou de uma certa classe, por
exemplo, Classe B. E outros ficam com ações da classe A (ordinárias).

É uma situação que pode surgir com muita facilidade e tem a ver com o envolvimento dos acionistas
na constituição, mas também com a repartição das próprias ações. Simplesmente, depois de criadas,
o privilégio, a situação de vantagem ou de supremacia que essas ações revelam relativamente às
ordinárias vai acompanhar essas participações durante a sua vida, designadamente, quando elas
forem transmitidas.

Quando as ações são criadas em vida da sociedade com privilégio e frequentemente o que acontece
na criação das ações em vida da sociedade com privilégio é que esse privilégio é em vida da
sociedade de natureza patrimonial isso é uma de interessar as pessoas a virem participar na
sociedade. É uma forma de procurar atrair investidores para a sociedade.

Então naturalmente a configuração do direito especial já não é exatamente idêntica, porque já não
está ligada aos interesses próprios e exclusivos dos fundadores – ela depende essencialmente da
vontade de investimento e portanto a tutela que vai recair sobre as mesmas é naturalmente uma
tutela diferente.

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Mas há sempre um aspecto comum dessa mesma tutela = traços gerais do regime jurídico das ações
privilegiadas = as ações privilegiadas e os direitos que as diferenciam só podem sofrer modificação,
eventualmente uma alteração ou extinção desses direitos, se os titulares dessas ações, isto é, aqueles
que são titulares da categoria de ações concederem o seu consentimento numa assembleia especial
que reúne separadamente dos demais acionistas, isto é, daqueles que não tenham ações
privilegiadas – art. 24.º n.º 6 CSC e art. 389.º CSC estabelece e refere-se à assembleia especial,
explicando as regras de como essa assembleia especial deve funcionar para poder manifestar o seu
consentimento.

A modificação ou supressão das ações privilegiadas ocorre de algum modo de modo idêntico ou
análogo à modificação ou supressão dos direitos especiais numa SPQ. Só que há uma diferença: é
que enquanto os direitos especiais numa SPQ essa modificação carece de um consentimento do sócio
que é titular desses direitos especiais porque houve uma atribuição intuito personae, no domínio da
SA esse consentimento é da categoria de ações e essa categoria de ações vai dar o consentimento
deliberando por 2/3 dos votos do respetivo universo presente na assembleia especial, como decorre
do art. 386.º CSC, que é aplicável por expressa previsão do art. 389.º CSC.

Significa que a criação surge por consenso inicialmente, a introdução em vida da sociedade surge
por alteração do contrato de sociedade com observância dos quora deliberativos necessários para
o efeito e depois a supressão está sujeito a esta votação.

Quanto ao conteúdo das ações preferenciais ou privilegiadas, se olhássemos para o art. 302.º CSC e
para os seus exemplos, vamos ver que esse art. 302.º CSC prevê situações de natureza patrimonial,
isto é, olha para as ações e para os benefícios de ações que integram uma mesma categoria podem
proporcionar aos seus titulares dizendo e exemplificando com um direito ao lucro acrescido ou até o
direito a um reembolso prioritário. Ou seja, eu saber que no dia da cessação de atividade da
sociedade, quando a sociedade tiver apurado o seu saldo de liquidação, se não houver para pagar a
todos, eventualmente eu tenho o benefício de receber antes daqueles que não têm ações com a
mesma categoria.

A lei não tem a preocupação de enunciar todas as categorias de ações. Mas agora se procurássemos
recordar aquilo que o POC disse em relação aos direitos especiais das SPQ, vamos ver que
categorias de ações é que hoje poderíamos criar no domínio das SA:
 as típicas são as que estão reguladas e disciplinadas na própria lei
 as atípicas são aquelas que podem ser criadas dentro do espírito do sistema sem por em causa
normas de caráter imperativo.
o De acordo com aquilo que até resulta do art. 302.º CSC podem ser todas aquelas ações
que atribuam aos seus titulares o direito a participar num dividendo preferencial, isto
é, num dividendo acrescido relativamente às demais ações, ordinárias.
 Quer dizer, quem tem ações de categoria B acaba por poder receber mais um
pouco ou receber prioritariamente, que também pode ser um privilégio,
sobretudo se os lucros globais a distribuir não forem suficientes para todas as
ações, e portanto pode ter aqui um privilégio que as avantage em relação às
demais ações.
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 No momento da liquidação em geral, também há uma de 2 situações:
o Uma delas diz respeito ao reembolso prioritário
o Quinhoar no saldo final de exploração remanescente
 Aquilo que faço primeiro quando estou em vias de cessar a atividade e estou a
procurar promover a liquidação é apurar quais é que são os créditos existentes
no final, quais é que são os débitos, qual é o património existente, e satisfazer
os créditos que recaem sobre a sociedade, sobrar os créditos da própria
sociedade e aí fico com o património que existe na sociedade.
 Se ainda não reembolsei os créditos dos sócios é altura de o procurar fazer e
depois de o fazer, aquilo que faço primeiro é reembolsar o capital para evitar
que haja perda.
 Esse saldo remanescente = lucros finais ou de exploração: foi aquilo
que aquela sociedade deixou, ganhou no final. É aquilo que no final ela
tem para distribuir.

Também há categorias que integram direitos especiais de natureza pessoal. Se abríssemos o CSC no
art. 384.º n.º 5 CSC dizíamos logo que aparentemente o artigo proíbe o privilégio do voto. Parece que
não pode haver ações com voto plural, porque a lei o proíbe expressamente.

Se abríssemos o CSC no art. 531.º CSC iriamos ver – atenção! Há uma norma transitória que na
realidade permite que as sociedade que já tivessem voto plural antes da entrada em vigor do CSC,
portanto que tinham sido criadas pela expectativa diferente, no momento em que foram criadas, os
privilégios de voto eram admissíveis, essas sociedades puderam manter os privilégios de voto se
quisessem.

Mas hoje, desde 30 de janeiro de 2022, temos um novo artigo no CVM – art. 21.º-D que admite o
voto plural para as SA cotadas. Isto é, é possível atribuir às ações das SA cotadas um número de
votos que pode ser até ao máximo de 5x superior aos votos que caracterizam as ações ordinárias. E
essas ações formarão necessariamente uma categoria. É uma categoria de ações que é formada em
vida da sociedade curiosamente. Pode ser formada por emissão de ações ou pode ser formada numa
sociedade anónima por conversão das ações que existem. Isto é, ações que eram ordinárias e que
passam a atribuir um voto plural.

Porque é que não podem existir desde o início? Porque elas só são admissíveis nas SA cotadas e a
sociedade não nasce cotada. Têm que requerer a admissão à negociação – isso é um processo
complicado e portanto não existam ab initio.

Se olharmos para o art. 391.º n.º 2 CSC vemos um exemplo de privilégio com uma natureza não
indiretamente patrimonial que é o direito de veto da designação de administradores e vemos o
exemplo da proibição de um privilégio possível que seria o privilégio (não é possível em Portugal) de
designar administradores. ¬

Se olharmos para os arts. 341.º e segs. CSC encontramos outra categoria de ações preferenciais que
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está tipificada que é a chamada categoria das ações preferenciais sem direito de voto.
 Elas não podem ser de um montante superior a mais de metade do CS – têm uma limitação a
metade do CS
 São ações que por contraposição a atribuírem um dividendo preferencial prioritário, privam o
respetivo titular do direito de voto
o Esse dividendo preferencial prioritário corresponde a um valor percentual do seu valor
nominal de 1% como mínimo, o que significa que quem subscrever essas ações sabe
que desde que haja lucros suficientes para pagar 1% do respetivo valor nominal, os
titulares dessas ações vão ter direito a receber esse 1%.
 A lei é tão cuidadosa no art. 342.º n.º 5 CSC que prevê a chamada execução específica do
direito aos dividendos relativos a estas ações.

Há que distinguir a natureza do subscritor ou adquirente destas ações:


 Se ele for um profissional do mercado, pode estar sujeito a limitações maiores do que se ele for
um investidor geral, se for o público em geral.
 Em princípio, se os dividendos não forem pagos durante 2 exercícios consecutivos, eles são
acumuláveis, há uma possibilidade de acumular dividendos e se os dividendos não forem pagos
durante 2 exercícios consecutivos, o acionista que se encontrava privado do direito de voto,
porque adquire esse mesmo direito, para poder influenciar a administração a atuar de forma
adequada e portanto ele pode no fundo readquirir o seu poder de intervenção.

Ações diminuídas
Correspondem a uma situação do direito português, que está prevista no art. 346.º n.º 4 CSC que é a
chamada situação das ações de fruição – pode suceder que no contexto de uma sociedade quando a
vida correr muito bem, que a sociedade se encontre em condições de reembolsar parcial ou
totalmente o capital que nela foi investido porque já angariou tanto que pode reembolsar parcial ou
totalmente.

O que é que caracteriza as ações de fruição?


Elas vão ter os direitos das demais ações, mas no que respeita ao recebimento dos resultados da
sociedade, como elas já foram objeto de reembolso, elas só recebem depois dos acionistas que não
têm ações de fruição obterem uma satisfação dos rendimentos que correspondem aos lucros que
lhes devem ser atribuídos. É uma lógica de que em última análise eles poderão vir a beneficiar depois
de satisfeito o montante mínimo desse lucro que a lei em princípio estabelece no montante
correspondente ao juro legal mínimo existente e só a partir daí é que em princípio o acionista com
ações de fruição irá concorrer com os demais acionistas.

Mas se a sociedade correr tão bem, ela pode viver só com ações de fruição! Ou seja, se tudo foi tão
bem sucedido, todo o capital que foi investido pode ser no fundo reembolsado. E neste caso,
obviamente que o reembolso não pode ser feito à custa da situação líquida, não pode ser feito à
custa dos montantes necessários para cobrir o capital social e as reservas legais, porque se o fosse
era porque as coisas não tinham corrido bem. O reembolso tem de ser feito à custa de bens que
possam ser livremente distribuíveis aos sócios e acionistas.

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20.04.2022

13. Titularidade de quotas e ações. Participações próprias

A titularidade é o nexo de pertença efetiva de um direito a um determinado sujeito. Aquilo que está
aqui em causa saber é se há limitações à titularidade das participações numa sociedade comercial.
Antes de falarmos sobre os sujeitos que podem deter participações nas sociedade comerciais,
importa recordar que:

Nos termos da lei societária há uma diferença clara entre as quotas e as ações no que respeita à
estrutura:
 quotas
o são por natureza e autorização legal divisíveis – art. 221.º CSC
o desde que naturalmente se respeite o mínimo valor nominal de cada quota terá que
apresentar – art. 219.º n.º 3 CSC – 1€.
 ações
o aplica-se um princípio diferente – art. 276.º n.º 4 CSC
o princípio da indivisibilidade
o a ação não pode ser divisível

Mas, falar em indivisibilidade não significa que a mesma participação não possa ser
simultaneamente detida por mais do que um sujeito = contitularidade.

Quanto à titularidade das participações, é óbvio para todos nós que em relação a uma pessoa
singular não se colocam quaisquer obstáculos – a capacidade de gozo das pessoas singulares é
tendencialmente genérica  a dos adultos é mesmo em princípio absoluta. Significa que eles podem
ser titulares de participações sociais. Mas os menores também podem, porque é óbvio que podem
suceder nas participações sociais, por exemplo, por morte.

Já em relação às Pessoas Coletivas, esta questão não foi sempre tão líquida como é hoje. Hoje, a
questão coloca-se numa perspetiva da capacidade de gozo das PC. Isto é, perceber se a PC tem ou
não aptidão para fazer suas participações em sociedades comerciais.

Qual é a questão que está aqui em cima da mesa?


Temos que olhar para as PC e ver se na sua capacidade de gozo se acolhe a possibilidade de elas
poderem deter participações em pessoas jurídicas que têm a natureza de SC – pessoas jurídicas com
caráter lucrativo. Isso é particularmente relevante: poder dizer uma sociedade, a priori, não tem
problemas em poder ter participações noutra sociedade, pode ter participações noutra sociedade.

Portanto, no fundo, o que está essencialmente em causa é saber se certas pessoas coletivas que
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não têm um fim egoísta mas um fim altruísta, na realidade podem deter participações noutras PC
nesta feita com um fim egoísta e através dessa detenção, realizarem indiretamente uma atividade
que é comercial.

Essa é que é a questão em geral: se estivermos a pensar numa fundação  no fundo, se uma
fundação participar no CS de um banco, a questão é saber até que ponto é que é compatível com os
fins da fundação e de uma PC com a sua natureza a detenção de participações sociais que são
potencialmente lucrativas?

E claro que a resposta é relativamente simples: para quase todas, se não mesmo para todas,
incluindo as associações, desde que essa participação não seja encarada como uma forma anormal
de vida mas sim como acessória ao desenvolvimento do objeto e fins dessa PC, não se vê porque é
que ela não possa participar. Isto, em termos genéricos. Logo, em termos genéricos temos que olhar
para o CC e para aquele art. 160.º do princípio da especialidade e que encontra uma réplica no art.
6.º n.º 4 CSC.

O que nos interessa aqui é perspetivar como é que é possível a uma SC participar no CS de outra SC:
Já sabemos, até porque já falámos na empresa jurídica plurissocietária, que isso é uma realidade e
uma realidade cada vez mais dominante e que já sabemos também no dia de hoje que isso pode
acontecer através de duas vias distintas:
 ou a sociedade se limita a ser detentora de capital noutras entidades gerindo as suas
participações
o tendo uma atividade essencialmente financeira, porque vive de adquirir, subscrever,
gerir e alienar participações sociais, embora as deva deter com uma certa estabilidade
e respeitando limites mínimos
o estaremos a falar de sociedades gestoras de participações sociais – SGPS
o em relação a estas entidades, a participação das sociedades no capital de outras
sociedades, pode-se fazer também por outra via
 as sociedades podem ter também um objeto comercial, isto é, podem exercer uma atividade
económica direta na sua vida quotidiana e simultaneamente participar no CS de outras SC
que possam até ter um objeto diferente do seu
o e dessa maneira, indiretamente prosseguir também essa atividade.
o Se eu for o detentor do capital de outra sociedade ou único detentor, então isso
significa que eu exerço a minha atividade comercial diretamente e exerço
indiretamente através dessa outra sociedade, que acaba por ser um veículo, uma
outra atividade diferente.

Como é que a nossa lei perspetiva esta questão? Art. 11.º CSC
O art. 11.º CSC recai sobre o objeto social. E fá-lo nos números 4 e 5 do art. 11.º CSC. A lei diz-nos o
seguinte: quando está em causa a participação no CS de uma SC de responsabilidade limitada, a
menos que os estatutos proíbam a aquisição ou subscrição de participações em sociedades que
tenham o mesmo objeto, essa aquisição ou subscrição é lícita.

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O que é que isto significa na prática?  se a sociedade, por exemplo, tiver por objeto a distribuição
alimentar, vulgarmente designado supermercado, então significa que esta sociedade pode em
princípio, se não tiver limitações estatutárias, adquirir participações em qualquer sociedade
comercial que exerça a mesma atividade, isto é, que seja detentora de estabelecimentos de
supermercado, etc.

Isto, porque quando eu compro participações nessas sociedades, não estou a alterar a minha
atividade, não estou a alterar nem indiretamente, porque indiretamente eu continuo a fazer a
mesma atividade. Faço-o é através de outras pessoas.

Mas, atenção, diz-nos o n.º 5 do art. 11.º CSC: quando está em causa a aquisição de participações
em SC com diferente objeto, leia-se, situações em que eu pudesse estar indiretamente a alterar o
objeto da minha atividade, nesse caso, os estatutos ou o contrato de sociedade têm de autorizar a
aquisição e subscrição dessas mesmas participações.

No plano das SPQ há uma regra do art. 246.º n.º 2 al. d) CSC, que é uma regra muito interessante que
nos diz assim. Se o contrato de SPQ for omisso, a competência para deliberar a aquisição de
participações noutras sociedades pertence aos sócios, o que significa que o contrato de SPQ pode
entregar essa competência à gerência se o quiser fazer, que é o órgão executivo.

No domínio das SA, não há nenhuma regra explícita sobre isso e portanto temos que nos reconduzir
ao art. 406.º al. e) CSC, que é o artigo que permite à SA, mesmo que não tenha o objeto de
imobiliária, de adquirir bens imóveis através de simples decisão da sua administração. Temos de
concluir que quem tem autorização para o mais, também tem para o menos  quem pode adquirir
imóveis, pode adquirir móveis. Logo, cabe à administração, na SA, a aquisição de participações
sociais a menos que o próprio contrato tenha estabelecido limitações.

Mas atenção que o art. 11.º n.º 5 CSC nunca se aplica a uma SGPS!!!, porque precisamente, o objeto
da SGPS é comprar, gerir e vender participações, logo não tinha sentido haver limitações a esse
objeto que é aquilo que caracteriza aquela sociedade em especial. É absolutamente relevante essa
questão.

Uma última questão ainda sobre estas regras de participação tem a ver com o seguinte: o que resulta
da aquisição de participações sociais por uma sociedade se não dispuser de capacidade é aquilo
que resulta da prática de um ato sem capacidade de gozo: a prática de um ato sem capacidade de
gozo gera a nulidade desse ato, nem que seja por recurso ao regime regra da invalidade no direito
civil, que é aquele que está previsto no art. 294.º CC = nulidade quando há atos que são praticados
contra disposições imperativas.

Logo, se eu pratico um ato sem capacidade, em princípio, isso gera a nulidade do ato. E por isso, se eu
estiver sujeito a uma autorização contratual, como acontece numa sociedade que tenha um objeto
comercial, como por exemplo, distribuição alimentar, e em que eu por acaso não equacionei a

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
possibilidade de permitir à sociedade adquirir participações em sociedades com diferente objeto,
então a questão é: nessa circunstância vai-se ver se a aquisição de tais participações por essa
sociedade é ou não uma aquisição nula.

Pode suceder que a aquisição de participações sociais constitua uma mera aplicação de capitais. Ou
seja, que seja por exemplo o próprio gestor bancário da sociedade que, vendo que há uma boa
oportunidade de valorização de um determinado valor mobiliários (título), decida promover a
aquisição desse título para a carteira da sociedade que por ele é gerida.

 mas então será que é nula? O gestor fez a aquisição, não foi ver os estatutos, não refletiu, e
comprou algumas ações. POC: é uma compra insignificante – nessa circunstância, a nulidade é
altamente penalizadora do terceiro alienante das participações. Isso penaliza essencialmente a
contraparte negocial.

O gestor foi ao mercado, comprou participações a determinada entidade para a carteira do seu
cliente. Depois por acaso as coisas até correram mal, o título perdeu cotação, e a seguir o gestor diz
há aqui um problema – eu não podia comprar, esta compra é nula, tome lá as participações e dê cá o
dinheiro, numa altura em que já valem menos.

POC: como é evidente, aqui terá que se fazer uma ponderação, como sempre se deve fazer,
substancialmente. Se a aquisição for uma aquisição estratégica, obviamente, tem que ser nula,
porque viola de facto a capacidade, mas se a aquisição for inadvertida, for uma aquisição simbólica,
só consistir com a tomada de participação porque de facto aquela aplicação financeira se traduz
nessa tomada de participação, então aí a proteção e a tutela dos interesses de terceiros não
permite pôr em causa a validade do próprio ato sem um prejuízo muito grande para esses
terceiros!

O que sucede quando uma participação é detida por mais do que uma pessoa, isto é, quando
ocorre uma situação de contitularidade?

As situações de contitularidade ocorrem frequentemente em relação, não apenas às pessoas


singulares, porque as pessoas coletivas também podem suceder, têm capacidade sucessória passiva,
não têm capacidade sucessória ativa. Essa situação é aquela que existe quando não ocorre uma
partilha, enquanto a herança se encontra por partilhar, designadamente.

E portanto a contitularidade tem que encontrar uma solução, por uma razão de ordem lógica: é que
não é possível que possam todos os contitulares opinar sobre o exercício dos direitos sociais que
são inerentes à participação detida em contitularidade, porque isso significava na prática que todos
os titulares dos direitos sociais poderiam promover declarações de vontade em sentido divergente
e portanto em sentido contraditório sem se encontrar uma finalidade.

E por isso, a lei cria um regime jurídico próprio, que consta essencialmente dos arts. 223.º e 224.º
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CSC, isto é, previsto em sede de SPQ, e para o qual remete, de um modo geral, o art. 303.º CSC, nas
SA. Ou seja, a situação da contitularidade é uma situação muito mais rara na SA, porque na SA é
muito raro que se mantenha essa situação quando ela ocorre, porque é fácil promover uma
partilha, atribuindo um determinado número de ações a cada pessoa. É verdade que, num
momento inicial, se a sucessão envolver 10.000 ações, significa que ficam todos contitulares destas
10.000 ações. Mas depois de forem 4 herdeiros vão 2.500 ações para cada herdeiro e o problema
está resolvido. Numa SPQ é diferente, porque isso vai obrigar, de facto, a promover uma divisão da
própria quota.

O CVM também prevê a contitularidade dos valores mobiliários, e portanto das ações,
inerentemente, no art. 57.º CVM, mas no fundo o regime jurídico dessa contitularidade está
estabelecido nos arts. 223.º e 224.º CSC, isto é, designadamente:
 art. 223.º CSC
o explica-nos que é necessário encontrar um representante comum, isto é, alguém que
de entre todos os contitulares represente o conjunto desses contitulares.
o Os contitulares têm de falar a uma só voz
 Art. 224.º CSC
o Explica como é que os contitulares vão tomar as suas decisões que naturalmente
depois transmitem ao representante comum para ele os representar num fórum
diferente, designadamente, no fórum da AG da SC a que respeitarem as quotas ou
ações detidas em contitularidade

No fundo, a lei no art. 224.º CSC remete para o CC, e remetendo para o CC no fundo vamos cair no
art. 985.º CC – sobre o contrato de sociedade – por expressa remissão do artigo sobre a
compropriedade, que é no fundo a situação mais similar com a contitularidade. A compropriedade
está prevista no art. 1407.º CC e no fundo a escolha é feita por maioria. É a maioria dos contitulares
que deve determinar o modo como deve agir o respetivo representante comum.

Dito isto, vamos falar finalmente de uma situação muito interessante ainda em termos de
titularidade: situação das participações próprias  a possibilidade de uma sociedade poder deter
participações dela própria.

É um pouco aquilo que o POC diz uma pescadinha de rabo da boca . Portanto, a sociedade come
uma parte dela própria. Isso só pode acontecer quando a sociedade já tem uma certa saúde, se a
pescadinha fosse muito pequenina, muito débil, não conseguiria nem teria força para ser
abocanhada. Mas se a pescada já estiver robusta, será possível que a pescada possa adquirir algumas
participações dela própria?

Com que interesse é que a pescada faz isto? Com que interesse é que a sociedade adquire
participações próprias?

Por exemplo, se ela adquire participações próprias, adquire participações aos seus próprios

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participantes, aos seus sócios, aos seus acionistas. E se ela paga aos acionistas pelas participações,
está de algum modo a reembolsá-los do investimento que eles efetuaram.

Quando ela faz isto, ela tem que respeitar um importantíssimo princípio: princípio da igualdade de
tratamento. Ela não pode comprar a uns e não comprar a outros. Eles não estão é obrigados a
vender, que é outra coisa. Se for um bom negócio vendem, se não quiserem não vendem.

Mas evidentemente que se todos venderem proporcionalmente às suas participações então isso
significa que todos vão acabar por ter um encaixe da sua própria sociedade como uma entrega de
bens e esse é o interesse principal no que diz respeito à aquisição de participações próprias.

POC  Aquisição de participações próprias: por lógica também, por definição, não pode haver
subscrição de participações próprias. Isto é, a pescadinha não pode ela própria pretender subscrever
uma parte dela mesma num aumento de capital. Uma coisa é adquirir aquilo que já existe, outra
coisa é ela própria tomar para si aquilo que vai ter que ser criado e aquilo que tem que ser criado vai
ter que ser criado à custa de bens que são disponibilizados por terceiros.

Aqui só vai haver uma exceção: aliás, é fundamental para se perceber o regime jurídico das
participações próprias  as participações que a sociedade vai deter não têm os direitos e as
obrigações que caracterizam as participações em geral.

Quando uma pescadinha abocanha o seu rabo, quando a sociedade adquire as participações, essas
participações vão estar num certo estado de letargia. Tem algum sentido, por exemplo, que a
sociedade quando distribui lucros, distribua a si própria? Inclusivamente, porventura, sujeitando à
tributação os lucros que está a dar a si mesma? Isso não tem sentido nenhum.

Isso resulta do art. 324.º CSC onde está o regime jurídico das ações próprias, regra legal que se aplica
também às quotas próprias, de acordo com o art. 220.º n.º 4 CSC. Vamos ver que o único direito que
as participações próprias mantêm é de facto o de participarem nos aumentos do capital por
incorporação de reservas  porque quando eu estou a aumentar o capital por incorporação de
reservas, é o mesmo que eu estar a transformar os tais sacos de areia em pedra, em betão.

É o mesmo que eu à custa de bens que a pescadinha já carrega consigo, eu estar a incorporá-los na
própria pescadinha. Então, a opção da lei foi entender que nessa circunstância tem sentido que os
bens incorporados revertam para todas as participações que existam, incluindo aquelas que são
participações próprias da sociedade. Esta é a regra.

Se olharmos para o art. 220.º CSC, vamos ver que estabelece as situações em que a sociedade pode
adquirir quotas próprias. Isto é, não pode adquirir quotas próprias qualquer sociedade por quotas.
Têm que se reunir algumas condições para a sociedade poder adquirir quotas próprias.

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Repare-se, desde logo, a lei diz o seguinte: a SPQ não pode adquirir quotas que ainda não estejam
totalmente liberadas, isto é, cujo capital não tenha sido plenamente realizado. É logo uma limitação.
O n.º 1 do art. 220.º CSC estabelece esta limitação e também no fundo abre logo caminho para uma
exceção  se o que estiver em causa for a perda da quota em favor da sociedade, é preferível
mesmo assim, que seja perdida essa quota em favor da sociedade – precisamente uma quota que é
perdida em favor da sociedade por não ter sido oportunamente liberada, porque o seu capital não foi
oportunamente realizado.

Mas o n.º 2 do art. 220.º CSC estabelece que as quotas próprias só podem ser adquiridas a título
gratuito – percebe-se, a sociedade só tem que dizer muito obrigado, em ação executiva movida
contra o sócio é uma situação excecional, percebe-se  o sócio está na iminência de perder, no
contexto de um processo executivo, a sua participação social e ela pode ir parar às mãos de
terceiros – então a sociedade adquire essa participação – vai ter compor o dinheiro correspondente a
contrapartida correspondente ao valor da participação ao próprio sócio.

Ou, e esta é a regra geral da aquisição de participações próprias: quando ela dispuser de reservas
livres (os bens de que a sociedade pode dispor) em montante não inferior ao dobro do contravalor
a prestar. Isto é, ela tem que adquirir as participações próprias, por exemplo, por 500€ - vai ter que
ter reservas livres, no mínimo de 1000€, se não, não pode adquirir essas participações próprias.

Depois o n.º 3 do art. 220.º CSC diz que são nulas as aquisições de quotas próprias que não
respeitem estes requisitos e o n.º 4 remete para o art. 324.º CSC em sede de regime jurídico.

O que não nos diz o art. 220.º CSC são muitos aspetos, sobretudo quando nós em seguida formos
olhar para os arts. 316.º e segs. CSC. Se formos olhar para a matéria da aquisição de participações
próprias, e tivermos que nos confrontar com as regras constantes dos arts. 316.º e 325.º-B CSC,
vamos ver que temos um regime muito mais desenvolvido.

E a questão que se coloca em relação às quotas próprias é saber até que ponto é que estas regras
em sede se SA se vão aplicar por analogia ou não às SPQ:
 O art. 220.º CSC é totalmente omisso sobre o limite máximo que as participações próprias
devem ter no contexto de uma SPQ
o Isto é, o art. 220.º não nos diz até que montante de quotas próprias pode a sociedade
comprar, isto é, qual é a dimensão do rabo da pescadinha que a sociedade pode
adquirir.
o Por definição, por uma razão lógica, a pescadinha não se pode comer toda a si própria.
A questão que está em causa é saber se ela pode incluir quase até à sua garganta, por
exemplo.
o A resposta deverá ser a seguinte: das 2, 1
 Ou entendemos que os limites decorrentes previstos para a aquisição da
pescadinha em sede de SA, aquisição de ações próprias, se devem transpor
para as SPQ
 POC: inclina-se para não fazer isto. Inclinar-se-ia para rejeitar a
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aplicação por analogia desses limites
 Nessa circunstância, se recusamos a aplicação por analogia desses limites, o
POC diria que a SPQ pode adquirir participações próprias contando que se
mantenham as condições mínimas essenciais para ela poder subsistir
 Isto é, cada um dos demais sócios manter pelo menos a participação social
mínima (1€) – que é o que lhes permite exercer os direitos sociais. Se a SPQ
tiver 2 sócios e um capital de 10.000€, se ela tiver condições financeiras para
adquirir 9.998€ das suas participações próprias, o POC não vê porque não
possa fazê-lo.
 No fundo, a pescadinha quase que desaparece, mas os direitos e vinculações
por efeito do disposto no regime jurídico concentram-se naqueles dois sócios
com base em quotas de 1€. Significa que era uma pescadinha muito saudável
.

Arts. 316.º e segs. CSC – Sociedades Anónimas

O que nos diz sobretudo o art. 316.º e 317.º n.º 2 CSC é que, em princípio, a aquisição de ações
próprias numa SA é lícita. Pode ser feita até 10% do CS da sociedade, desde que o contrato de
sociedade não inviabilize ou não estabeleça um limite inferior, isto é, esta regra dos 10% é uma
regra que corresponde a um limite imperativo, mas é uma regra supletiva – eu posso afastar
completamente a possibilidade de adquirir participações próprias. Eu posso dizer esta pescada não
come o seu próprio rabo, nem o seu próprio corpo, ela está impossibilitada.

Mas, no plano das SA também ficamos a saber pela conjugação destas duas regras que, em
princípio, o meu limite máximo é de 10%. Este era o tal limite que se poderia discutir aplicar ou não
às SPQ. Há quem entenda que se deve aplicar por analogia às SPQ, mas no entendimento do POC não
há grande necessidade, porque a lei foi totalmente omissa e não vê porque é que se a lei não
quisesse que se aplicasse este limite também teria remetido para ele como remeteu para o regime
jurídico. Não aqui necessidade de limitar a autonomia privada.

O que temos é que dos arts. 316.º e 317.º n.º 2 CSC no fundo resulta uma regra supletiva que está
sujeita a limites imperativos – os 10%. Já vamos ver que há condições excecionais em que nós
podemos ultrapassar esses limites. E o facto de existirem condições excecionais em que podemos
ultrapassar os limites dos 10% também contribui para no fundo convencer o POC a recusar a
aplicação por analogia às SPQ, porque se numa SA em certas condições afinal a própria sociedade
também pode adquirir mais do que 10% este não se trata de um limite absolutamente sacrossanto.

Vamos lá ver os casos em que é admissível a aquisição de participações próprias:


 NOTA  Art. 316.º CSC: está lá claro que a sociedade não pode subscrever ações próprias,
porque logicamente também não o poderia fazer.
o Não pode naturalmente quando se constitui, porque ela está a receber as
participações com necessidade de recorrer ao mercado
o E também não pode subscrever em sede de aumento do capital por novas entradas,
200
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porque não tem sentido ela estar a dar-se a si própria novas entradas – não acrescenta
absolutamente nada na realidade.

Muitas limitações a que as ações próprias sejam adquiridas por interposta pessoa: isto é, que a
sociedade recorra a um terceiro para no fundo adquirir ações que lhe pertencem substancialmente,
embora encabeçadas ou tituladas num terceiro. A lei é muito rigorosa nessas situações. Encontramos
várias regras – art. 316.º CSC.

Por outro lado, o art. 317.º n.º 3 CSC estabelece as situações em que podemos ir para além dos 10%
- montante estabelecido no n.º anterior: quando é que a sociedade pode adquirir ações próprias em
montante superior a 10%?
 Em todas aquelas situações em que de algum modo o seu interesse resulta prejudicado se ela
de facto não o vier a fazer
o E por isso, é muito interessante – no art. 317.º n.º 3 al. d) CSC, temos previstas as
aquisições a título gratuito.
 Se a sociedade está a receber, sem despender qualquer quantia, as suas
próprias participações, isso não pode resultar para ela num prejuízo.
 Se ela ficasse limitada a receber só 10% e lhe quisessem doar mais, ou deixar
mais, consoante estivéssemos a falar de negócios em vida ou de negócios por
morte, então parecia que ela na verdade estava a desaproveitar uma
oportunidade.
 Mas também, atenção, quando a sociedade pretende adquirir ações que
estejam a ser objeto de um processo executivo, que curiosamente é uma das
tais situações que existe no domínio das SPQ – para que as ações não caiam
nas mãos de terceiros, pessoas indesejadas, para esse efeito podemos adquirir
mais do que 10%.
o Também, por exemplo, se a sociedade estiver a executar uma deliberação de
redução do capital (art. 317.º CSC), isso viabiliza aquelas situações em que a
sociedade adquire participações próprias para as extinguir, reduzindo o capital e
portanto há ali um momento em que as participações próprias ultrapassam os 10%.
 O que a lei está a dizer é que se é para essa finalidade, isso é possível.
o Ou quando a sociedade adquire, no fundo, porque está a adquirir um património a
título universal, adquire mais do que os 10%, porque ela também adquire
diretamente ações próprias, se por exemplo adquirir uma sociedade que, por sua
vez, participe nas suas próprias ações.
 Nesse caso, a lei pretende salvaguardar todas essas situações, estabelecendo
ser lícito e admissível a aquisição de ações próprias.
o No entanto, tal como sucede com as quotas próprias, em princípio, a aquisição de
ações próprias também deve ser feita apenas relativamente às participações que
estejam totalmente liberadas.
 Isso é o que resulta do art. 318.º CSC
 Mas, o art. 318.º n.º 1 CSC, estabelece ainda assim muitas exceções são as tais
situações previstas no art. 317.º n.º 3 CSC, em que se justifica adquirir para
além dos 10%. Significa isto que eu, se estiver a adquirir nessas situações do n.º
3, mesmo que as ações não estejam totalmente liberadas (situações das als. b),
201
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c) e) e f) do n.º 3).

E que requisitos é que são necessários eu verificar para a aquisição de participações próprias?
Isto não é um ato que caiba à administração da sociedade decidir, aquisição essa que em princípio vai
resultar em benefício dos próprios acionistas, como não pode deixar de ser. E por isso, naturalmente,
o art. 319.º n.º 1 CSC prevê uma regra de que a aquisição de participações próprias seja em
princípio objeto de autorização da AG – é uma autorização que é válida por um máximo de 18
meses – e deve no fundo estabelecer as condições previstas no n.º 1 do art. 319.º CSC.

O que a lei prevê é que de facto o prazo de autorização tenha que ser estabelecido – se não for
estabelecido um prazo, ele não pode ser superior a 18 meses, de qualquer maneira. E os valores
mínimos e máximos da aquisição devem estar também previstos, e as condições de que depende a
aquisição e um princípio de respeito pela igualdade de tratamento – o que não significa que se tenha
de adquirir ações próprias proporcionalmente a todos, porque nem todos podem ser obrigados a
vender se for esse o caso.

Portanto, a aquisição de ações próprias está, como regra, sujeita a autorização da AG, tal como a
alienação das ações próprias nos termos do art. 320.º CSC.

E se for muito urgente adquirir ações próprias? Se houver situações em que se justifique, em que
procurar promover uma deliberação da AG seja incompatível com a urgência ou a brevidade que
deve presidir à prática deste ato?
Aí, o art. 319.º n.º 3 CSC prevê que nas situações que são as tais situações excecionais, segundo as
quais é possível adquirir participações próprias em montante superior a 10%, portanto nas
situações previstas no n.º 3 do art. 317.º CSC, que a aquisição de ações próprias deva ser feita pela
administração, devendo depois ser objeto de ratificação pela AG, isto é, quando for oportuno – não
fazer depender a prática do ato dessa mesma autorização.

Quanto ao regime jurídico, naturalmente, ele está previsto no art. 324.º CSC: é daqui que resulta
claramente estarem suspensos todos os direitos, com exceção de participar em aumentos por
incorporação de reservas. É um aumento em que, na prática, não há subscrição e é por isso. As ações
revertem automaticamente em montante proporcional às já detidas por todos aqueles que são delas
titulares, uma vez deliberado o aumento do CS.

Em relação ainda às ações próprias, também para a aquisição de ações próprias das SA se aplica o
requisito de a sociedade na realidade só poder entregar a título de contrapartida bens que possam
ser distribuídos aos sócios e esses bens tenham que representar o dobro do valor a pagar pelas
ações próprias. É uma regra que também está explicitada para as quotas próprias – art. 317.º n.º 4
CSC.

Para terminar: um outro fenómeno – art. 322.º CSC – é o de saber se quando está em causa uma
aquisição de ações próprias, uma determinada pessoa adquirir ações que são de uma certa
202
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sociedade, se essa sociedade está em posição de poder de algum modo poder facilitar essa
aquisição, nomeadamente concedendo empréstimos, disponibilizando fundos ou prestando
garantias que permitam ao potencial adquirente da participação, tomar uma participação.

 = fenómeno da assistência financeira – é o fenómeno pelo qual uma determinada sociedade


presta garantias ou concede empréstimos a quem pretende adquirir parte do seu capital e dessa
forma viabiliza a aquisição desse capital.

Corresponde àquilo que nós designaríamos em linguagem vulgar por adquirir à custa do pelo do
próprio cão. Eu tomo a participação na sociedade, porque a própria sociedade me financia essa
participação e depois quando eu for titular dela, na realidade, eu sou devedor da sociedade da qual
me tornei titular.

A lei, em princípio, não permite esta operação. Estabelece, no art. 322.º n.º 1 CSC o princípio da
proibição da assistência financeira. Importa ressaltar primeiro:
 Estas limitações não se aplicam às transações que se enquadram nas operações decorrentes
dos bancos e de outras instituições financeiras
o Significa que isto não se aplica a todas as SC, há limitações. Só se aplica àquelas que
não têm por objeto a disponibilização de fundos, precisamente. Porque se não, isso
poderia resultar numa grande limitação.

Discute-se se a proibição de assistência financeira se aplica ou não às SPQ, precisamente porque


não há regra no plano das SPQ e portanto saber se esta norma, com esta limitação que aqui está
prevista, em princípio, é uma norma que não se deva também aplicar e impedir que haja
assistência financeira relativamente à aquisição de uma SPQ:

POC  não acha que haja razões de aplicar normas que constituem exceções ao regime normal do
funcionamento das sociedades às SPQ, mas esta matéria é uma matéria altamente polémica. Está
longe de reunir o consenso.

Se porventura houver aquisição de ações próprias, ultrapassando os limites que estão legalmente
estabelecidos, a própria lei no art. 323.º CSC estabelece prazos máximos de que a sociedade dispõe
para proceder à alienação de ações próprias. E portanto, a lei é cuidadosa e diz mesmo que tais
ações tenham sido licitamente adquiridas ao abrigo da tal autorização, elas devem ser vendidas no
prazo de 3 anos.

A igualdade do tratamento dos acionistas, que é um princípio geral no Direito Societário, está
precisamente nesta matéria no art. 321.º CSC. É o artigo que acaba por ser estatuado para todo o
universo societário.

Limitações à titularidade de participações sociais

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Continuamos a falar de participações sociais, mas vamos falar um pouco das limitações à sua
titularidade, isto é, é possível que a titularidade, a tal pertença efetiva da participação de
determinado sujeito possa sofrer limitações? Sim.

A própria lei o prevê no art. 23.º CSC – as participações sociais podem ser objeto de
desdobramento, por exemplo, numa propriedade ou usufruto, ou possam ser objeto de garantia
(penhor de participações sociais).

Quanto ao usufruto das participações sociais: temos de recorrer agora ao art. 23.º CSC. A lei o que diz
é que, em princípio, a constituição do usufruto sobre uma participação social, portanto
naturalmente, o desdobramento da propriedade plena em usufruto, que é um direito real de gozo
menor, está sujeita à forma e limitações que são exigidas para a transmissão das participações
sociais.

A questão que se coloca quando há este desdobramento é procurar saber como é que as SJ que
caracterizam a participação social vão poder ser atuadas, vão poder ser exercidas. Essa basicamente
é a questão que está em cima da mesa.

Temos por isso, em princípio, dois sujeitos – no proprietário temos o radiciário e temos o
usufrutuário. E o que a lei nos diz é que os direitos do usufrutuário são os que estão nos arts. 1466.º
e 1467.º CC, para onde vamos ser remetidos, com as bonificações que eventualmente estejam
previstas na própria lei e os direitos que pelo CSC possam ser reconhecidos de forma diferente
daquilo que decorre daqueles artigos do CC.

E a regra que no fundo está em causa é fundamentalmente a seguinte: se eu desdobro uma


propriedade plena numa propriedade e usufruto significa que um dos sujeitos fica com o uso e
fruição da coisa. Naturalmente que, durante esse uso e fruição, ele não poderá afetar a substância
dessa coisa que está a disfrutar. Significa que terminado o usufruto, a consolidação da propriedade
deve-se fazer pelo menos com a estrutura que o bem tinha no momento em que esse usufruto foi
constituído.

Mas se é constituído um usufruto, e sendo óbvio que o proprietário não deixa de ser sócio ou
acionista, mesmo que o usufrutuário não tenha a qualificação necessariamente de sócio ou acionista,
ele vai poder usar e fruir a participação.

E como é que se usufrui uma participação social? De forma muito simples: podendo aproveitar as
suas potencialidades, podendo aproveitar a sua rentabilidade. E portanto significa que quem vai
verdadeiramente participar na atividade ordinária da sociedade se nada de diferente tiver sido
estabelecido aquando da constituição do usufruto, quem vai participar é o usufrutuário.

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Ou seja, quem recebe os dividendos periódicos é o usufrutuário, quem participa na AG e tem o
direito de voto é o usufrutuário, quem pode eleger os titulares dos órgãos sociais é o usufrutuário –
ele tem o controlo da sociedade, se no fundo estivermos perante uma sociedade em que estivermos
a contrapor o usufrutuário ao proprietário.

E o proprietário não tem direitos? Tem que ter também. E mesmo que eles não sejam afirmados
explicitamente pela própria lei. Mas o POC acredita que decorre da construção societária. O
proprietário tem o direito de estar presente das AG e até de participar nas suas discussões. Ele não
pode é votar. Não pode votar, salvo em determinados casos ou situações. Ele não pode votar, mas
pode acompanhar, porque ele tem o direito de manifestar a sua opinião, se porventura as decisões
que forem tomadas na AG sejam de modo a prejudicar a estrutura da participação que lhe pertence e
que um dia se irá consolidar na totalidade outra vez em si.

E por isso, o que está em causa aqui na realidade é que nas decisões que tenham caráter ordinário
ele pode estar presente, pode acompanhar, mas não pode contribuir para a declaração de vontade
da sociedade.

Se a sociedade tiver um usufrutuário e um proprietário, não tiver mais ninguém, isso significa que
quem dispõe da sociedade é obviamente o usufrutuário. Mas quando esta situação de
desdobramento se confunde com mais uma plenitude de participações na sociedade, eventualmente
não desdobradas, então evidentemente não é completamente indiferente as posições que aqui se
venham a tomar.

Mas, o usufrutuário não pode dispor da estrutura da participação. E por isso, todos os atos que de
algum modo possam afetar a participação social e a sua estrutura têm que também ser objeto de
apreciação pelo proprietário. É isso que decorre dos tais artigos do CC nos quais se prevê que, em
princípio, sobre as alterações estruturais do contrato de sociedade (modificações do contrato,
aumentos de capital, etc), o proprietário também tem uma palavra.

Portanto, ele deve acordar com o usufrutuário o sentido do voto e naturalmente, se estiverem em
desacordo, significa que eles se anulam, e anulam-se mutuamente e acabam por não poder participar
na decisão. Mas, isto é assim se o próprio instrumento que constituiu o usufruto não previu
diferentemente.

No que diz respeito ao aumento de capital há que distinguir:


 Se o que estiver em causa for um aumento por incorporação de reservas
o Aquilo que vai acontecer é: se aquela participação sujeita ao usufruto vai ampliar-se,
ou porque aumenta de valor, ou porque ao respetivo titular são, em razão da mesma,
atribuídas novas participações, então é natural que a situação de desdobramento do
direito real que já se verifica se vá aplicar também ao aumento por incorporação de
reservas automaticamente.
 Como acontece no domínio das ações próprias

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 No aumento de capital por subscrição de novas ações
o Aí tendencialmente, não havendo previsão, a quem cabe subscrever é a quem é o
proprietário. Até porque é difícil atribuir um valor ao usufruto
o Mas nada impede que por instrumento, por contrato, o usufrutuário tenha ficado com
o direito a ser ele a subscrever os aumentos de capital, embora não seja a situação
normal
 Arts. 456.º e segs. CSC

Penhor de participações sociais: é uma situação nossa conhecida. Está previsto no art. 23.º n.º 3 e 4
CSC. Há uma série de regras que são comuns. A lógica é a de que o penhor também só se pode
constituir dentro dos limites que seriam aplicáveis à transmissão das próprias participações. Estamos
a falar de regras gerais aplicáveis a todos os tipos societários.

Mas a nota mais importante é a que resulta do n.º 4 do art. 23.º CSC – neste caso não há
propriamente um desdobramento, porque o penhor não é um direito real menor, é um direito real de
garantia, e sendo um direito real de garantia, no fundo, o que a lei estabelece é que em princípio, o
exercício dos direitos pelo credor pignoratício (beneficiário do penhor) só acontece quando tal for
convencionado pelo instrumento que constitui o penhor – contrato de penhor.

É muito habitual em certas circunstâncias reservar-se a possibilidade de o credor pignoratício passar a


poder exercer os direitos, designadamente, os direitos de participação na vida da sociedade e
também o direito aos lucros, porque no fundo é uma forma de ele poder ir paulatinamente
amortizando o seu financiamento – designadamente ser ele a receber os dividendos que a sociedade
venha eventualmente a distribuir.

Negócios jurídicos com as participações sociais: dizem respeito à forma como podemos dispor da
participação social como um bem jurídico. No fundo, aqui o que está em causa é saber até que ponto
as participações sociais são transmissíveis. Quais a condições da sua transmissibilidade?

Aqui, não há grandes especialidades além daquelas que decorrem de a sociedade ser, pela sua
própria natureza e estrutura, mais fechada ou mais aberta, ou porque a transmissibilidade das
participações sociais pode estar sujeita ao seu próprio consentimento ou ao consentimento dos seus
participantes.

Mas, no que diz respeito aos NJ propriamente ditos, as participações sociais podem ser objeto de NJ
definitivos, mas também de NJ preliminares. Podem ser objeto de contratos-promessa. E de algum
modo, esse ser o primeiro passo para a sua transmissibilidade.

Depois, também podem ser objeto de depósito. As quotas não, porque são bens incorpóreos,
portanto por definição, não poderiam ser depositadas. Mas as ações podem ser tituladas, podem ser
objeto de depósito junto de um intermediário financeiro. E podem também constituir-se em
garantia. A própria lei comercial disciplina e regula os contratos de depósito – arts. 403.º a 407.º

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CCOM.

As participações sociais podem ser objeto de mútuo, se as considerarmos como bens fungíveis, ou
podem ser objeto de comodato, numa cedência a título oneroso ou a título gratuito a terceiros?
Podem ser objeto de empréstimo?

A questão é a seguinte: é difícil conceber o empréstimo da participação, porque o empréstimo da


participação em si mesmo é uma forma de a subverter a eventuais limites à sua transmissibilidade .
Se eu emprestar durante muito tempo, eu na prática estou a contornar as limitações que possa ter
para ceder definitivamente a minha participação social.

Mais do que isso, se os direitos e vinculações me são atribuídos como sócio, subjetivamente, então é
difícil perceber que o sócio possa ceder a sua posição, o seu status a um terceiro. Mas se isto é válido
para as SPQ, já para as SA, não é isso que acontece.

Nas SA há uma objetivação da participação. As ações valem por si mesmas e por isso, em última
análise, podemos dizer que uma pessoa é tantas vezes sócia da SA quanto o n.º de ações que detiver
nessa SA, porque cada uma lhe proporciona uma posição social autónoma, que é verdade que em
certos termos e condições deve ser atuada conjuntamente com outras ações, até porque a lei em
certas circunstâncias impõe que todas as ações tenham que ser utilizadas no mesmo sentido
(princípio da unidade de voto).

Mas a verdade é que elas podem ser eventualmente disponibilizadas, porque têm um valor
económico próprio. Então o CVM prevê o empréstimo das participações sociais. Com que interesse?
Se me emprestarem as participações sociais, eu posso participar numa AG com essas participações
sociais e portanto acrescentar as participações que não me pertencem àquelas que me pertencem e
com isso aumentar o meu poder, a minha capacidade.

Naturalmente que ninguém empresta de graça, não é um comodato, é mesmo um mútuo porque é
um negócio oneroso, mas estamos a falar de bens fungíveis, porque as ações são valores mobiliários
e aquilo que os caracteriza é precisamente a sua fungibilidade. Mesmo que isso não decorresse da
sua natureza, a própria lei se encarrega de estabelecer e fixar essa fungibilidade.

21.04.2022

14. Transmissão e amortização de quotas e ações

Vamos ver o que é que acontece quando queremos dispor deste bem jurídico. No fundo, vamos
também falar de vicissitudes, isto é, de alterações que podem de algum modo ocorrer relativamente
à própria participação e que podem passar ou pela sua transmissão ou podem atingir a sua extinção,
e portanto o seu fim. Naturalmente que vamos ter que equacionar aqui os dois tipos de participação

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social mais relevantes: a quota e a ação.

A primeira questão coloca-se de seguinte forma: como é que é possível ou se é possível transmitir
estas participações em vida da sociedade?

Uma das grandes diferenças que existem quanto às SPQ relativamente às SA respeita exatamente à
circulabilidade do capital social. Aquilo que é regra num tipo societário, é a exceção no outro tipo
societário. As SPQ são tendencialmente fechadas, e portanto há uma dificuldade na transmissão da
participação – é a própria sociedade e o sistema que dificulta a transmissão. E na SA ocorre
precisamente o contrário – há uma grande facilidade na transmissão e isso proporciona ao bem
jurídico em causa muito maior liquidez, porque quando mais fácil for nós podermos transmitir um
bem de que sejamos titulares, maior será o seu valor, porque mais facilmente o iremos realizar.

Sociedades por Quotas – arts. 228.º e segs. CSC – transmissão intervivos de quotas

Na realidade, há que distinguir, porque as PC não têm uma capacidade sucessória ativa. Só têm
capacidade sucessória passiva, pelo que as transmissões mortis causa, por definição só se colocam
em relação a PS. Os sócios de uma SPQ podem ser pessoas singulares ou pessoas coletivas.

Já no que diz respeito à sua transmissibilidade em vida, também tem sentido introduzir alguma
diferenciação, que tem a ver com o seguinte: quando ocorre uma transmissão onerosa, essa
transmissão onerosa pode verificar-se quer em relação a uma pessoa singular, quer em relação a uma
pessoa coletiva que seja sócia. Se for uma transmissão gratuita, a pessoa coletiva tem de sofrer
restrições, porque se ela tiver um fim lucrativo, ela não pode proceder à doação de quotas de que
seja titular num determinado momento.

Vamos olhar para o CSC e ver como é que se caracteriza a cessão de quotas. Curiosamente, a lei
estabelece um regime supletivo. Isto é, aquele regime que se aplicará se o contrato de sociedade não
avançar com uma solução diferente.

O regime supletivo resulta do art. 229.º CSC e nos termos deste artigo, o regime supletivo traduz-se
na sujeição ao consentimento da sociedade de todas as cessões de quotas que na realidade se
pretendam efetuar, com exceção das transmissões em favor de determinadas pessoas.

Quais é que são as pessoas que estão abrangidas pela exceção do consentimento?
Como a lógica da SPQ é uma lógica de fecho, isto é, de não permitir abrir o universo societário a
terceiros, a lei diz-nos que não estão sujeitas, em princípio, ao consentimento da sociedade as
transmissões efetuadas em favor dos sócios, porque aqui não estamos a aumentar a socialidade; e
as transmissões efetuadas por pessoas singulares em favor de herdeiros legitimários. Os herdeiros
legitimários são os parentes na linha reta e os cônjuges.

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Então, no fundo, aquilo que se traduz na regra supletiva é de que, sendo o contrato omisso, apenas
são livres as cessões de quotas em favor de sócios e de herdeiros legitimários, encontrando-se
sujeitas ao consentimento da sociedade todas as demais cessões de quotas.

É claro que, temos de olhar para a supletividade e procurar determinar como é que poderemos
modificar esta regra supletiva e podemos fazê-lo em dois sentidos completamente diferentes:
 Ou liberalizando o conteúdo da regra
o Permitindo que ocorra a transmissibilidade da participação, mesmo sem
consentimento quando a transmissão é feita a terceiro
 Aliás, aqui suscita-se o conceito de terceiros que é muito interessante, já
falaremos disso.
 Ou podemos estabelecer uma regra contratual mais restritiva do que o regime supletivo
o Que por exemplo sujeitasse ao consentimento da sociedade todas as transmissões e
não apenas as transmissões em favor de terceiros.

O que é um terceiro? Nos termos que decorrem da interpretação da conjugação destas regras, que
nomeadamente se encontram nos arts. 229.º CSC, um terceiro é aquele que não é sócio nem
herdeiro legitimário, porque o herdeiro legitimário é aquela pessoa que naturalmente sucede na
posição de sócio. Por isso, também não é um estranho à sociedade. É aquela pessoa que se o sócio
(pessoa singular) vier a falecer, virá a ocupar o seu lugar, e por isso é normal que em relação a essas
pessoas haja uma tolerância da lei para que a participação possa ser transmitida.

Daqui decorre que ou os sócios no contrato de sociedade têm uma especial atenção e pretendem
regular a transmissibilidade de quotas sem limitação ou com diferente limitação daquela que decorre
da lei, ou então na realidade vamos deparar-nos com este regime legal supletivo. O terceiro
adquirente pode, por isso, estar mais próximo de quem transmite ou menos próximo.

O transmitente designa-se por cedente e o adquirente da quota designa-se por cessionário. E por
isso, como é normal, os contratos de sociedade, quando no fundo regulam este instituto da cessão de
quotas, vão ter o cuidado de procurar disciplinar o modo como a sociedade irá consentir ou não na
transmissão da quota  temos exemplos no manual sobre este tipo de regulamentação contratual!

Podemos ou não limitar em absoluto a transmissão das participações? Isto é, se é possível que
numa SPQ se proíba a transmissão das quotas – portanto, criar um sistema absolutamente fechado.

Art. 229.º n.º 1 CSC: se porventura a sociedade proibir em absoluto a transmissão das quotas em vida
(porque por morte não há nada que a evite), então os sócios vão poder afastar-se voluntariamente da
sociedade, decorridos 10 anos da sua atividade – direito de exoneração, que está previsto no art.
240.º CSC e nos termos do qual os sócios, mediante uma declaração de vontade unilateral, vão poder
exonerar-se, isto é, vão poder receber uma contrapartida pela sua participação e cessar a sua relação
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de socialidade.

É uma lógica de que a sociedade é, ou pode surgir como fechada, mas de todo o modo, tem de haver
uma saída. E vamos ver também que quando sujeita ao consentimento da sociedade a transmissão
de quota, também se tem de encontrar essa saída e a própria lei o vem a prever.

Então, quais é que são os cuidados a ter na regulação contratual da própria cessão de quotas?
Designadamente procurar apurar o que é o sócio que pretende transmitir ou ceder a sua quota deve
fazer. Isto é, como é que ele se deve conduzir para saber se a sociedade consente nessa transmissão
e, como iremos ver nos termos da lei, isso é importante porque de acordo com o disposto no art.
231.º CSC, a sociedade se não consentir vai ter que se predispor a adquirir a participação ou a
promover a respetiva amortização.

O sócio não vai poder ficar sem realizar o seu valor nessa circunstância. Este é um sistema muito
interessante, porque na realidade pode conduzir o sócio a junto da sociedade no fundo obter a
devida autorização – art. 231.º CSC. Por isso o sócio dirige-se à gerência e informa a gerência
habitualmente de que pretende transmitir a sua participação e a gerência, como o consentimento da
sociedade é dado por deliberação dos sócios, a gerência deve convocar a AG para que a AG possa
reunir e deliberar sobre se presta ou não o consentimento. E vai ter de o fazer, necessariamente, em
relação à projetada transmissão da quota.

Para esse efeito, o sócio transmitente ou cedente tem que indicar à sociedade a quem é que vai
transmitir a quota, em que termos é que vai ocorrer essa transmissão e, designadamente, quais é que
são as condições financeiras que serão aplicadas a essa transmissão.

Esta necessidade de consentimento que decorre da própria lei não se deve confundir com a
chamada preferência convencional, que porventura seja também contratualmente clausulada. O CSC
não estabelece qualquer regra sobre o direito de preferência na transmissibilidade das participações
sociais. É absolutamente omisso.

E por isso, daí decorre que havendo uma transmissão da quota, em princípio, não há preferência.
Mas o que é um facto é que a prática também demonstra que os contratos de sociedade, quando
regulam a cessão de quotas, sujeitando-a ao consentimento da sociedade, também na realidade
reconhecem frequentemente o direito de preferência dos sócios na transmissão dessas participações,
sobretudo quando elas são feitas em favor de terceiros. Isto é, quando elas são feitas em favor de
quem não é sócio.

Por vezes, é uma preferência em relação a qualquer adquirente. Então significa que o cedente
também tem que dar o direito de preferência àqueles que são seus sócios e com isso muitas vezes
pretende-se procurar manter o status quo em caso de transmissibilidade da participação social. Mas,
atenção! A preferência que eventualmente é reconhecida no contrato de trabalho aos sócios não se
confunde com o consentimento – podem ambos os institutos coexistir. O ideal seria que

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contratualmente fossem objeto de regulação autónoma, mas aquilo que acontece na prática é que a
preferência surge quase sempre na cláusula sobre a cessão de quotas e o necessário consentimento e
a forma como ele deve ser prestado.

Ou seja, muitas vezes, no seguinte modo a sociedade pode liberar o consentimento e não obstante
ainda haver preferência por parte dos sócios. Isto é, a sociedade não tem nada a opor que aquele
projetado adquirente venha a fazer parte do seu universo social, mas ainda assim os sócios poderem
exercer a preferência nessa transmissão e portanto poderem fazer sua a quota. Quem transmite a um
terceiro, em princípio, pretende realizar um valor e por isso é-lhe indiferente receber de terceiro ou
de quem já seja sócio da sociedade.

É natural que o negócio não seja confortável para o terceiro, mas se o terceiro tiver conhecimento de
que a possível aquisição da participação está sujeita a preferência dos sócios (ou da própria
sociedade), então aquilo que acontece é que ele fica desconfortável porque sabe que faz uma oferta
e essa oferta pode não se vir a concretizar.

No fundo, o que é que a nossa lei societária faz? Limita-se a indicar que o pedido do consentimento
deve ser feito por escrito, isso, aliás, resulta do art. 230.º CSC. E como é que esse consentimento
deve ser dado? Em princípio, devem os sócios deliberar – e portanto o consentimento deve ser
expresso – n.º 2 do art. 230.º CSC.

Mas o mesmo art. 230.º CSC no seu último preceito que é o seu n.º 6 admite que o consentimento
possa ser tácito  é uma cessão de quotas em que não tenha ocorrido um pedido de consentimento
expresso por parte dos sócios. No fundo, aceitando o adquirente da quota. E como é que se aceita o
adquirente da quota? Admitindo-se que ele participe numa AG da sociedade e que subscreva a
respetiva ata.

Ou seja, se não foi pedido o consentimento para a transmissão de uma quota que ao mesmo se
encontrava sujeito e não obstante foi admitido a participar na AG em vez do sócio que se encontrava
registado na sociedade um terceiro, então pela franquia das portas da sociedade a este terceiro, a lei
entende que ocorre um consentimento tácito por parte da sociedade quanto à transmissão.

No entanto, mesmo que o consentimento seja tácito, se houver uma preferência estatutária, ela não
desaparece, porque o consentimento nada tem que ver com a dita preferência. E isso resulta
claramente do n.º 6!

Questão interessante que se coloca em cima da mesa e sobre a qual a doutrina discute muito: saber
se a cessão de quotas pode ser apreciada e pode contar com o voto do próprio cedente? Isto é 
procurar averiguar se o cedente da quota está impedido de votar por se encontrar numa situação
de potencial conflito de interesses.

A doutrina divide-se. POC: o art. 251.º CSC, onde estão enunciadas exemplificativamente as
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situações de impedimento concreto de voto não acolhe esta situação, o que não é por si só razão
para poder concluir que o problema está resolvido. Por isso, temos que recorrer ao critério de
procurar ver se há um verdadeiro conflito de interesses entre o interesse pessoal do sócio e o
interesse da própria sociedade.

POC  é verdade que está aqui em causa o interesse do cedente, porque o cedente pretende alienar
a sua participação e pretende sair da própria sociedade, mas a verdade é que não parece haver aqui
um conflito de interesses com o interesse social. Quando muito, o que existe é um conflito entre o
interesse do cedente e o interesse dos outros sócios que participaram na configuração de uma
cláusula restritiva à transmissibilidade, porque em termos de interesse da própria sociedade, não se
pode concluir que a transmissão a terceiro acarrete qualquer prejuízo.

É claro que isso no fundo permite chegar a uma conclusão simples: é que o sócio maioritário, por
definição, pode sempre ceder, porque ele vota favoravelmente ao consentimento e o
consentimento é aprovado pela maioria que é um quórum simples e o problema não se coloca.

Forma da cessão – art. 228.º CSC: se a quota é um bem incorpóreo, não se pode entregar. Significa
que vai ser preciso formalizar no sentido de conferir um aspecto externo à declaração de vontade a
partir do qual se possam praticar os atos necessários à transmissão da titularidade daquela
participação – deve ser reduzida a escrito.

É claro que também há mais um aspecto interessante, que decorre da própria forma – saber como é
que celebrado um contrato de cessão de quotas o mesmo produz efeitos? A lei é restritiva – arts.
228.º n.º 2 e 3 CSC e art. 242.º-A CSC – a cessão de quotas deve colher o consentimento da
sociedade, a menos que se trate, como diz a própria lei no n.º 2 (parte final) de uma cessão em favor
de sócios ou de herdeiro legitimário e a cessão só é eficaz para com a sociedade no momento em que
lhe for comunicada por escrito, mesmo que seja feita em relação a uma pessoa para a qual o cedente
esteja autorizado legalmente a transmitir a sua quota.

Adicionalmente, a cessão está sujeita a registo comercial – art. 242.º CSC. O próprio artigo enfatiza a
ineficácia da transmissão da quota se ela não for objeto de registo e o próprio CRC (Código do Registo
Comercial) no art. 3.º n.º 1 al. c) relativo aos atos societários determina a obrigatoriedade do registo
da cessão de quotas. No fundo, a cessão deve ser registada para produzir os seus efeitos.

Alienação da participação quando essa alienação é gratuita, ainda que ocorra em vida: quando ela é
gratuita (diferença entre consentimento e preferência), é difícil de estabelecer a preferência da
sociedade. Como é que se prefere relativamente a um ato gratuito? Dizendo muito obrigado?? É
difícil conceber o exercício da preferência. Não há condições relativamente às quais se possa exercer
essa mesma preferência.

Mas isso não significa que os atos gratuitos em vida, designadamente as doações com a tal limitação
de que as sociedades não as podem efetuar – logo aí há uma diferenciação relativamente à natureza

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jurídica da pessoa do sócio (é diferente ser um sócio PS ou PC), o POC diria que as doações podem
ser sujeitas também a consentimento e a sociedade poder criar um mecanismo contratual para
determinar o valor a atribuir à quota no caso de ser efetuada ou procurar promover-se a realização
de uma doação.

De outro modo, tínhamos encontrado aqui um caminho para sempre que houvesse sujeição a
consentimento simularmos uma doação para realizarmos uma transmissão. E por isso, no fundo, aí
a preocupação é a seguinte: quem doa tem um espírito donandii, é verdade, e portanto nada
pretende ceder, mas não quer dizer que não possa haver aqui um valor.

Quem no fundo recebe a quota, iria receber um valor, e portanto, nada impede que
contratualmente se crie o modo como se determina o valor da quota, para que aquele que a fosse
receber, caso a sociedade se tenha oposto a essa transmissão possa receber o valor
correspondente – a concretização do espírito de liberalidade.

Para terminar a transmissão das quotas – breve referência à transmissão por morte: é uma
transmissão que só ocorre relativamente às pessoas singulares, porque só as pessoas singulares é que
morrem. As pessoas coletivas são extintas, que é diferente.

E por isso, a transmissão por morte é uma transmissão forçada e por isso prevê muitas vezes,
porque pode não ser indiferente a pessoa do sucessor que vai adquirir a participação, que o próprio
contrato de sociedade estabeleça limitações a essa transmissão.

O que o art. 225.º CSC nos diz é que essa transmissão por morte, em princípio, irá resultar em favor
dos herdeiros do de cujus. Podem nem ser sequer herdeiros legitimários – se ele vier a falecer sem
herdeiros legitimários. A priori, serão os herdeiros legitimários, mas isso não é forçoso que venha a
acontecer.

Prevê também o art. 225.º CSC que possa o contrato de sociedade regular a possibilidade de a
sociedade afastar essa mesma sucessão, promovendo a amortização da quota do sócio falecido e
compondo a sucessão ou herança, ou legado, com o valor dessa quota, e desse modo, evitando ter
um terceiro a participar no seu universo social.

Isto, porque tal como vimos há pouco, uma SPQ pode sujeitar ao consentimento – não é nada de
dramático porque o tal art. 231.º CSC abre a escapatória e diz que a sociedade pode não consentir
mas se não consentir tem que resolver o problema. Se a sociedade pode procurar em vida evitar que
mesmo a quota esteja isenta do consentimento mesmo para sócios ou herdeiros legitimários,
percebe-se que ela possa ser criteriosa e evite. Uma coisa é o sócio falecido outra coisa é os seus
sucessores. Podem não ter nada a ver com o gosto ou os interesses daqueles que permanecem na
sociedade.

Noutros casos acontece uma situação ainda mais interessante: procurar regular a amortização da
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quota do sócio falecido por forma que a quota seja amortizada por um valor relativamente mais
contido do que aquele que resultaria da aplicação dos critérios de cálculo do valor da quota com
base nos elementos da sociedade e desse modo depois permitir aos sucessores do falecido
poderem vir a optar sobre se pretendem continuar com a relação de socialidade da pessoa à qual
estão a suceder ou se pura e simplesmente preferem então ficar com o produto correspondente ao
valor dessa mesma participação.

Primeiro, a transmissão é possível. É raro os contratos de sociedade terem limitações nesta matéria,
porque ninguém pensa no pior, pensa sempre no melhor e pensar na transmissão por morte é no
fundo os sócios estarem a admitir que um dia vão desaparecer e vão ser substituídos. Aí é possível
também regular a sucessão da transmissão por morte.

Dito isto, estamos em condições de passar para uma situação que é diferente daquela que temos
vindo aqui a tratar – tem a ver com a extinção da participação social propriamente dita.

A extinção da participação social pode ocorrer na sua totalidade ou pode ocorrer parcialmente – os
efeitos são muito diferentes:
 Se se extinguir totalmente a quota:
o Significa que no fundo a relação de socialidade vai terminar, porque em princípio cada
sócio dispõe de uma quota e extinguindo-se a sua quota, extingue-se a sua relação de
socialidade, quebra-se essa ligação à sociedade

A lei regula nos arts. 232.º e segs. CSC a matéria da amortização da quota e fá-lo com bastante rigor
e algum cuidado, isto é, não deixa à mercê dos sócios que eles possam livremente dispor sobre a
extinção da participação, porque isso seria uma grande incerteza e insegurança para os sócios,
nomeadamente para aqueles que são minoritários.

Então, no fundo o que a lei faz é que vai prever precisamente possa haver ou possa ocorrer a
amortização de quotas quando a lei ou o contrato de sociedade o permitam. Tem que haver uma
prévia previsão desta eventualidade, ou como resulta também do art. 232.º CSC, quando o sócio
está de acordo com a extinção da sua própria quota = amortização voluntária.

Este instituto da amortização de quotas, sendo que mesmo que seja regulado contratualmente a
extinção da participação, lei é rigorosa no que diz respeito à extinção parcial da participação. A lei só
admite a extinção parcial quando o próprio sócio der o consentimento. Se não, apenas admite a
extinção total. Isto, para que o sócio não veja diminuída a sua presença na sociedade mas ver-se
simultaneamente obrigado ou constrangido a ter que permanecer numa sociedade que lhe extingue
parte da participação. Art. 233.º n.º 5 CSC: só com o consentimento do sócio é que a extinção pode
ocorrer parcialmente.

E por isso, a extinção pode ocorrer por duas fontes diferentes:


 ou por previsão legal ou contratual
214
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 ou por acordo – puramente voluntária

O que é que está na base da amortização da participação?


Em regra, sobretudo quando ela é contratualmente prevista, o que se pretende acautelar são
situações graves que ocorram na relação do sócio com a sociedade ou que respeitem à sua
participação, nomeadamente o risco que possa estar pendente sobre a subsistência da participação
na sua titularidade  aquelas situações em que por efeito de um ato que tenha sido oportunamente
praticado por um sócio esteja em risco perder para terceiro a sua participação para solver os
compromissos que não tenha conseguido cumprir espontaneamente. E por isso, são tudo, de um
modo geral, situações compulsivas aquelas que estão previstas contratualmente e que no fundo
justificam que a amortização venha a ocorrer.

arts. 232.º e 233.º CSC: casos em que este fenómeno é autorizado ou é consentido. E como é que ele
ocorre?

É interessante saber se a amortização da quota está a sujeita a uma forma especial? Isto é, a um
modo específico de exteriorização da vontade declarada por parte da sociedade. E nomeadamente,
esta dúvida é pertinente porque, em princípio, do contrato de sociedade devem resultar as quotas
que existem e a respetiva titularidade.

Mas o que é um facto também é que se eu extinguir uma participação, eu não estou a alterar
substancialmente o contrato da sociedade. A modificação que irá ocorrer no plano do contrato de
sociedade é uma modificação essencialmente automática. Portanto, o POC diria que em relação à
amortização, ela em si mesma não é uma modificação do contrato de sociedade.

Então, ela está em princípio sujeita a deliberação, porque é um ato importante, quer seja voluntária,
quer seja compulsiva – é isso que resulta do próprio art. 234.º CSC. E deve, uma vez deliberada, ser
necessariamente comunicada, deve ser objeto de registo com base na ata da AG e isso decorre não
apenas do CRC, mas também do próprio art. 242.º-A CSC.

No fundo, tudo situações em que se conclui que o ato de amortização deve ser objeto de declaração
societária, essa declaração societária é uma deliberação dos sócios. Essa deliberação dos sócios deve
ser vertida em ata da sociedade e a ata da sociedade é um instrumento necessário para promover o
registo para lhe conferir publicidade à situação de amortização.

Em que modalidades é que a amortização pode ocorrer?


Pode ocorrer fundamentalmente em 2 modalidades diferentes:
 de forma gratuita
 de forma onerosa

Em geral, a amortização ocorre pressupondo ou implicando o pagamento de uma contrapartida e a


215
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lei tem especial cuidado quanto ao cálculo dessa mesma contrapartida no art. 235.º CSC.
Naturalmente que nem todas as quotas podem ser livremente amortizadas ou extintas – a própria lei
também estabelece condições e limitações para a extinção das quotas – art. 232.º n.º 3 CSC,
prevendo que a quota em princípio tenha de estar inteiramente liberada – não em absoluto, pois há
situações em que não se encontrando totalmente liberada, mesmo assim é possível amortizar a
quota.

 são raras hoje em dia porque são aquelas situações em que ocorre a amortização da quota por
falta da sua realização na totalidade do seu capital – situações que conduziriam à exclusão do sócio
(art. 204.º CSC). Só que como nas SPQ as participações têm um valor muito simbólico isso significa
que o fenómeno da não realização nunca se coloca em cima da mesa, porque é tão fácil realizar que
na prática dificilmente nos deparamos com essa situação.

Então qual é a situação que mais provavelmente conduz à amortização?


É uma situação que está próxima, que acaba por acarretar o mesmo efeito e é aquela situação em
que o que se persegue essencialmente é a exclusão do sócio – o afastamento do próprio sócio. O
afastamento do sócio implica necessariamente a amortização da sua participação. Implica a extinção
dessa mesma participação.

E quando é que por exemplo queremos excluir o sócio? Podemos fazê-lo em mais do que uma
situação:
 art. 212.º CSC
o quando o sócio não realiza as prestações suplementares a que se encontra
contratualmente vinculado e que são deliberadas pela própria sociedade
o sobretudo e apenas nas SPQ, se houver obrigatoriedade de realizar prestações
suplementares e elas não forem disponibilizadas quando a sociedade as venha a exigir,
isso é uma causa ou uma fonte de exclusão do sócio
o e a exclusão pode ser negativa – pode ser algo que não agrade ao sócio e que não
permita compor ao sócio o valor real da sua participação, o que também não deixa de
ser fundamental.
 Exclusão do sócio nos casos que são legalmente estabelecidos e nos casos que podem
também ser contratualmente previstos
o Arts. 241.º e 242.º CSC
o A exclusão pode ocorrer por duas vias diferentes:
 Ou por deliberação dos próprios sócios, verificando-se a situação em que se
justifica promover o afastamento do sócio
 Ou por recurso ao tribunal
o O recurso ao tribunal pode acontecer nos termos previstos no art. 242.º CSC, sempre
que o sócio adote uma conduta particularmente desleal e com essa conduta ele possa
causar prejuízos relevantes à sociedade
o Ou também quando a sociedade apenas dispuser de dois sócios, caso em que como e
designadamente pretenda promover a exclusão por deliberação e seja
designadamente invocado um fundamento para o efeito, e porque nos termos do art.
251.º CSC o sócio a excluir está impedido de votar, a lei entende que não faz sentido
216
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
não ser necessário recorrer ao tribunal neste caso.
 Se isso não fosse obrigatório bastaria a participação na AG do sócio que
pretende promover a exclusão para pura e simplesmente afastar o sócio a
excluir.
o Portanto, a exclusão judicial também é utilizada sempre que a sociedade apenas tem
dois sócios e no fundo está em causa pretender afastar um dos dois.

Sociedades Anónimas

Vamos falar da transmissão de ações. Ela é regulada essencialmente no CVM (arts. 39.º e segs. e 86.º
e segs.) mas também no CSC. Nos termos do CSC, a transmissão das ações encontra-se 100 artigos
mais à frente que a cessão de quotas – arts. 328.º e 392.º CSC.

De todo o modo, o que é que acontece em matéria de transmissão de ações? Curiosamente, o CSC
coloca esta questão preocupando-se mais com as limitações convencionais que eventualmente
podem vir a ser introduzidas à transmissão das participações, para além das limitações legais, porque
essas aplicar-se-iam mesmo sem qualquer previsão relativamente à sua possível existência.

Portanto, neste caso, o POC diria que decorre do art. 328.º CSC que as ações são livremente
transmissíveis. É isso que se pressupõe numa sociedade que se encontre no mercado, ou seja, numa
sociedade que pretenda atuar no mercado e no fundo permitir que as suas participações sejam
objeto de livre transação.

Sobretudo, se tais participações se encontrarem admitidas à negociação no mercado que seja


regulamentado. A eventual limitação à transmissibilidade é contrária ao espírito da admissão à
cotação dessas mesmas participações. Por isso, haveria que dizer que em princípio nas ações
admitidas à negociação no mercado regulamentado não devem ser admitidas restrições à sua
transmissibilidade para além daquelas que na realidade possam decorrer da sua especial natureza,
das suas características que podem dificultar a sua transmissão.

Em que termos é que é possível convencionar limitações à transmissibilidade de ações nas


sociedades anónimas em geral?

Elas estão todas previstas no n.º 2 do art. 328.º CSC. Isto é, o n.º 2 prevê na sua al. a) que o contrato
de sociedade ou os estatutos possam sujeitar a transmissão de ações ao consentimento da
sociedade. É aquela situação que é regra no plano das SPQ – aqui é a exceção. Tem que ser o
contrato a prever essa situação.

Pode, como resulta da al. b) estabelecer o direito de preferência dos outros acionistas. Aqui sim, a
preferência convencional encontra-se legalmente prevista e as condições do respetivo exercício. A
parte final da al. b), que hoje já não tem sentido, mas tinha sentido quando o CSC foi publicado,
porque acrescentava no caso da alienação de ações nominativas – porque se fossem ao portador, não
217
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
era possível controlar a sua transmissibilidade.

E finalmente, subordinar a transmissão de ações e a constituição de ónus reais (penhor ou usufruto)


sobre as mesmas à existência de determinados requisitos subjetivos ou objetivos que estejam de
acordo com o interesse social. Isto é, casos todos extremamente limitados.

Para além destes casos, só quando a própria lei no fundo limitar a transmissibilidade é que ela é
aceitável. Então quando é que a lei limita a transmissibilidade? A lei societária em si mesma não
limita. A lei do CVM também não limita. Limita-se quando a SC tem uma especial relevância,
normalmente quando a sociedade persegue objeto especial e quando há um interesse de,
encontrando-se essa sociedade sujeita a regulação ou supervisão de autoridade existente para o
efeito, quando se entenda que possa ser relevante determinar ou controlar as transmissões das
participações pela relevância que a titularidade das ações pode ter no mercado.

É isso que acontece com a transmissão das participações que titulam ações em bancos ou
instituições de crédito. Passa-se que há uma autoridade de supervisão no mercado – Banco de
Portugal – que pretende controlar a idoneidade dos acionistas e por isso, sempre que está em causa
uma transmissão com algum relevo (que envolva uma participação minimamente razoável) pretende
pronunciar-se sobre o projeto de transmissão da participação.

Não lhe é indiferente que o acionista de um banco seja uma entidade institucional com capacidade
financeira elevada ou seja uma pessoa singular cuja idoneidade lhe pode até merecer desconfiança e
por isso há aqui uma necessária intervenção nas transmissões de participações. São por isso
limitações de caráter legal que envolvem autorizações específicas que têm de ser concedidas.

Restrições convencionais
Se olharmos para o n.º 4 do art. 328.º CSC, vamos ver que para que a limitação seja efetiva, é preciso
que o terceiro possa ter conhecimento na mesma, que é para no fundo o terceiro adquirente poder
dizer ao alienante da participação olhe eu preciso que obtenha o consentimento que é necessário.

E como é que ele tem conhecimento efetivo? Através da transcrição no próprio título em que se
consubstanciam as ações quando elas têm representação documental titulada como resulta do n.º 4,
ou através da inscrição no próprio registo escritural ao qual o potencial adquirente pode ter acesso.

Quando isso não acontece, quando as cláusulas limitativas das transmissões não estão transcritas no
título das ações que são transmitidas, então as limitações à transmissibilidade tornam-se inoponíveis
ao terceiro adquirente de boa-fé. Ele adquire julgando está a comprar uma participação sem
limitações e afinal havia limitações. Por isso, a sociedade tem que ter aqui um especial cuidado.

Art. 328.º n.º 3 CSC: previsão normativa que vem da linha da regra do art. 86.º n.º 2, que exprime
um princípio estruturante do sistema jurídico-societário nos termos do qual são inoponíveis

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obrigações societárias que não constassem do contrato de sociedade quando o sócio aderiu ao
projeto societário, para não haver uma frustração das suas expectativas e uma eventual
impossibilidade de cumprimento.

Quando à inclusão de restrições convencionais à transmissão o n.º 3 também nos diz algo nesse
sentido: diz-nos atenção! Nós podemos introduzir em vida da sociedade restrições à transmissão das
participações, mas se o fizermos, temos que contar com a aquiescência de todos aqueles que já se
encontrem na sociedade, porque no fundo são aqueles que se vão deparar com a limitação. Não é
daqueles que venham a aderir ao projeto societário – esses quando entrarem já estão com as
limitações. E até é bom que já estejam expressas nos títulos das ações.

Quanto à recusa ou à concessão do consentimento: art. 329.º CSC. Aqui neste caso compete à AG,
sempre que o contrato de sociedade não preveja que possa ser dado por outro órgão. E muitas vezes
transfere-se para o conselho de administração a competência para consentir na transmissão das
ações, de forma contratual.

Por sua vez, o n.º 3 do art. 329.º CSC tem também uma regra que merece a nossa atenção porque é
uma regra que explica em que termos é que pode ser clausulado o consentimento, que são
relativamente rígidos – não é de qualquer modo, não é de forma a inviabilizar totalmente as
transmissões. É necessariamente prevendo que, no fundo a SA também tenha uma obrigação análoga
àquela que tem a SPQ quando recusa o consentimento – encontrar uma solução para a transmissão
das participações que o acionista pretenda alienar.

E quanto à forma de transmissão: estamos a falar de ações. Não há uma necessidade de formalização
como aquela que está prevista no art. 228.º n.º 1 CSC, mas quando as ações têm uma representação
escritural, é preciso encontrar o modo certo do qual resulte poder a transmissão que seja acordada
vir a ser inscrita no registo do emitente do qual consta a titularidade das diversas participações.

Aqui há que distinguir no que diz respeito à forma, aspetos que tenham a ver com a própria dimensão
da sociedade, com o facto de a sociedade ser objeto de negociação em mercado regulamentado,
porque aí o CVM impõe que as ações constem de um sistema centralizado que é criado para o efeito
e o sistema centralizado que é criado para o efeito no fundo destina-se a albergar todas as ações
existentes de uma sociedade para que sempre que ocorra transmissão das mesmas, essa transmissão
possa verificar-se sem que as formalidades que seriam características de um título nominativo
quando as ações são tituladas tivessem de se verificar relativamente a todas as ações que são objeto
dessa mesma condição.

Que formalidades eram essas? Seriam fáceis. Se não houvesse fungibilidade, teríamos que ir
encontrar os títulos da pessoa que os pretende transmitir e essa pessoa teria que promover os atos
necessários a concretizar a transmissão.

Como é que se processa a transmissão das participações?

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Se forem tituladas, se constarem de um título, de um documento, elas transmitem-se pela
declaração de endosso que exarada no título por parte do transmitente, acionista alienante das
participações; e pelo registo e averbamento da transmissão nos livros da sociedade, sendo para o
efeito necessário nos termos do art. 102.º CVM requerer o averbamento dessa mesma transmissão,
para se passar a saber que o acionista deixou de ser A para passar a ser B.

No caso das ações sem representação física, no caso das ações com representação meramente
escritural, que se consubstanciem em meros registos informáticos, embora o registo informático
também corresponda à noção de documento tal como ela é perspetivada pelo CC, vai ter de ser
levado ao conhecimento da entidade gestora da conta onde se encontram inscritas essas ações
(que pode ser o próprio emitente = sociedade ou um intermediário financeiro no qual foi delegada
essa função) – para que ele possa promover a transmissão das participações da conta do titular
para a conta do adquirente, ele vai precisar de uma declaração, ainda que unilateral por parte do
alienante. Um documento escrito no qual ele declare que transmitiu em favor de B determinado
número de ações da sociedade com um determinado valor. Naturalmente que uma vez ocorrida a
transmissão, ocorre uma alteração também da titularidade acionista relativamente às ações em
causa.

Situações que implicam formas especiais de transmissão de ações


As situações que implicam formas especiais de transmissão de ações tomam por referência a própria
sociedade, mas a sociedade não é um sujeito ativo desse tipo de operações. O que caracteriza esse
tipo de operações é no fundo recaírem sobre uma quantia substancial de participações da própria SA.

Isso pode em relação a participações que são objeto de venda ou de troca ou em participações que
são objeto de compra, de aquisição. Quando falamos numa venda e em situações em que essa venda
implica uma consulta ao mercado – que se destine ao mercado em geral – saber se o mercado em
geral está comprador dessas participações, falamos numa oferta pública de venda – OPV.

Quando falamos em ofertas públicas de aquisição ou de troca, aí é uma situação contrária. É alguém
que detendo ou não participações numa sociedade se propõe adquirir no mercado uma determinada
quantia mínima das participações emitidas por essa sociedade. E aí realiza aquilo que se chama uma
oferta pública de aquisição – OPA e anuncia ao mercado que o pretende fazer.

Nota final: estas ofertas públicas que referimos tornam-se obrigatórias e necessárias em
determinados casos no que diz respeito às sociedades cujas participações estão admitidas à
negociação no mercado regulamentado ou eventualmente em sistema multilateral. E portanto, a
fonte que regula e disciplina este tipo de transmissões, que são transmissões que têm uma
característica tendo em conta o volume de participações sobre as quais se detém, que regula é o
CVM – arts. 108.º e segs.

Atenção que as ofertas públicas não se limitam às ofertas públicas de venda ou de aquisição ou de
troca. Há outras ofertas públicas no mercado, designadamente as chamadas ofertas públicas de
colocação. Só que aí há uma diferença, é que nas ofertas públicas de colocação, ou de subscrição de
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VM, o sujeito interveniente é a própria sociedade. É a sociedade que vai ao mercado e diz que vai
emitir ações, portanto mercado diz-me se estás desejoso de subscrever as ações que eu vou emitir e
se me entregas o respetivo valor.

E aí ocorre uma subscrição. Essa subscrição ocorre normalmente em aumento do CS, porque as SC
não se constituem no mercado. Constituem-se fora do mercado regulado e quando a vida lhes corre
bem então procuram aceder ao mercado. E estando no mercado, vendo admitidas à negociação
aquilo que se chama vulgarmente vendo admitida à cotação as suas participações, procuram realizar
atos no mercado para obter a capitalização bolsista – a adesão do mercado às suas próprias
participações.

Nesses casos, o emitente é a figura central da operação. Nos casos de transmissão o emitente é a
mera referência da transmissão. É relativamente às participações do emitente que se promove a
operação, mas ele não é uma parte, embora possa ser chamado a intervir na operação,
naturalmente, não é parte.

27.04.2022

Para terminar a participação social:

Conversão de ações

A conversão de ações no fundo é a modificação da forma de representação das ações. Hoje a


conversão dedica-se a esse fenómeno, ou seja, a conversão de ações é no fundo, sabendo que
existem duas formas de representação (a representação titulada/documental e a representação
escritural) – é procurar saber se é possível converter, isto é, alterar a representação de escritural
para titulada, uma vez que já nem sequer há espécies de ações como havia antigamente como eram
as ações ao portador e nominativas – que quando existiram também impunham um processo de
conversão, mas como hoje são todas nominativas, o problema já não se verifica. A menos que ainda
haja ações que subsistem como ao portador e seja preciso convertê-las.

Quando falámos das ações ao portador e nominativas, estávamos a classificá-las no que respeitava ao
modo de circulação, fundamentalmente. É o modo de circulação do título, porque foi aí que
apareceram essas categorias. Hoje todas elas têm que se transmitir como se transmitem as ações
nominativas.

Quanto à conversão, o CSC é omisso. Temos que ir parar ao CVM. É o art. 48.º CVM que nos diz que
a conversão é admissível salvo se for legal ou estatutariamente proibida. Ou seja, o art. 48.º CVM
permite que a sociedade emitente possa inviabilizar a conversão das ações. Quando a conversão
ocorre, deve ocorrer a cargo da própria sociedade – os custos inerentes é a sociedade que deve
promover esses atos de conversão se eles vieram a verificar-se.

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O que é que acontece? É muito simples perceber.
Se uma sociedade é constituída com uma dimensão reduzida e provavelmente então com ações
corporizadas ou tituladas em documentos escritos, porque não sendo muitos, não geram grandes
preocupações nem dificuldades. Mas se ela aumenta muito a sua dimensão, e mais do que isso, se o
seu capital é distribuído por muitas entidades e sujeitos, então aí pode-se justificar que as ações
deixem de ser tituladas pelo trabalho inerente à emissão dos títulos e também pelas dificuldades
sempre associadas à sua transmissão e a sociedade opte pela conversão em ações escriturais. O art.
49.º e o art. 50.º CVM são os artigos que explicam como é que se converte as ações escriturais em
tituladas e vice-versa.

Estamos a falar de vicissitudes, isto é, circunstâncias que ocorrem na vida das participações sociais. Já
vimos as vicissitudes no âmbito das SPQ e referimos que se reconduzem à transmissão, à
amortização. E agora vemos as vicissitudes no plano das SA e como já falámos da transmissão na
última aula, agora só temos que falar na amortização.

Amortização das ações

Só hás 2 regras no CSC que dispõem sobre esta matéria. Os arts. 347.º e 346.º CSC – por esta ordem
intencionalmente. E curiosamente já falámos do art. 346.º n.º 4 CSC a propósito das ações diminuídas
quando vimos as ações de fruição. Pode haver ações que subsistam mas com um certo desvalor no
que se refere às SJ ativas que normalmente as caracterizam.

Quando, por exemplo, houver um reembolso de capital a quem já tenha investido na sociedade,
ainda que se mantenha o título e o valor mobiliário, essa ação vai passar a ser subalterna
relativamente às outras que ainda não foram objeto do dito reembolso.

Então, quando se fala em amortização, o que é que isso significa?


A mesma coisa que nas SPQ = extinção da participação social. Só que a amortização no domínio das
SA tem 2 sentidos:
 Sentido próprio – art. 347.º CSC
 Sentido impróprio – art. 346.º CSC
o No sentido impróprio, a amortização não determina a extinção da participação social.
o No art. 346.º CSC a amortização no fundo não implica haver redução do capital
correspondente ao valor das ações que são objeto de reembolso. A amortização nos
termos do art. 346.º CSC pode ser parcial ou total
 Significa o reembolso do capital que foi subscrito aquando da subscrição da
participação social – da ação propriamente dita.
 E acaba por resultar num benefício para o acionista, porque no fundo ele
continua a participar na sociedade e já foi compensado do valor que
despendeu para o efeito.
 E por isso, esta amortização em sentido impróprio não depende de previsão
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
contratual.

Amortização em sentido próprio


Corresponde à amortização de quotas, também. A extinção da participação social – art. 347.º CSC. O
POC no seu livro tem exemplos práticos de cláusulas contratuais sobre estes fenómenos de
amortização. É muito fácil fazer uma avaliação final, por exemplo, através de cláusulas contratuais,
construindo um contrato de sociedade, pedindo-nos para analisar a correção e a adequação daquelas
cláusulas – sabermos identificar quais é que são admissíveis e quais é que violam a lei e apresentam
desconformidades com o sistema e devam desse modo ser objeto de retificação.

Art. 347.º CSC: diz que a amortização de participações sociais tem que estar prevista no contrato de
sociedade, ainda que ela venha a ser acordada com os sócios. Significa daí que há 2 modalidades de
extinção de participações sociais:
 Extinção por acordo, voluntária – amortização por acordo
 Extinção compulsiva – pela verificação de um facto que esteja estatutária ou contratualmente
enunciado. E é aí que ela ocorre muitas vezes como uma verdadeira sanção.
o com uma diferença face às SPQ:
 como nas SPQ, em regra, cada sócio é titular de uma participação, a extinção
da participação social na SPQ acarreta necessariamente a extinção da relação
de socialidade.
 Na SA não, porque nós podemos extinguir algumas ações e o titular dessas
ações continuar titular de outras ações que na realidade não foram abrangidas
por esse ato extintivo e por isso a amortização de ações não determina
necessariamente a extinção da relação de socialidade.

Remição das ações


Ocorre pela composição do respetivo valor eventualmente acrescido de um prémio a quem for seu
titular e a remição está prevista no CSC no art. 345.º CSC. É utilizada para ações preferenciais: no
fundo, a remição = antecipação de que o investimento na SA foi um investimento feito a prazo ou
subordinadamente a uma deliberação da própria sociedade de reembolsar o capital investido e
desse modo extinguir a participação social, remir a participação.

E nesse aspecto, a remição tem uma afinidade muito grande com a própria amortização. Agora pode
ser um benefício para quem for titular destas participações. As ações remíveis e preferenciais
remíveis, isto é, que concedem aos seus titulares um benefício relativamente às outras ações, são
ações que em princípio os favorecem, porque eles já sabem que num determinado momento irão
recuperar o seu investimento, salvo se a sociedade não tiver condições financeiras para o efeito.

Exclusão do acionista
POC: a solução é completamente contraditória com a das SPQ. Nós falámos da exclusão do sócio –
arts. 241.º e 242.º CSC para as SPQ e dissemos que nomeadamente se prevê, quando o sócio tiver
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uma conduta desleal e grandemente perturbadora do funcionamento da sociedade, e com prejuízo
do mesmo, em princípio, deve haver meios de o poder afastar, para preservar o adequado
funcionamento da sociedade.

No domínio das SA coloca-se a questão e não há previsão nenhuma. Aqui a doutrina divide-se:
 POC
o A exclusão do acionista é incompatível com a objetivação da participação social.
o Porque eu mesmo que extinga uma ações, não consigo impedir que aquele acionista
em concreto se possa voltar a tornar acionista com a aquisição de outras ações. Não é
como nas SPQ em que eu tenho uma clara identificação, sendo certo que hoje as ações
são nominativas e portanto eu posso saber em cada momento quem é que é acionista,
diversamente do que acontecia no passado.

Por outro lado, a questão é esta: pode em certos casos concretos ser prevista a exclusão do
acionista? Numa circunstância, por exemplo, de grave violação dos seus deveres legais, ou
estatutários, das suas obrigações sociais? Aparentemente a lei não o afasta:
 A lei prevê no n.º 4 do art. 287.º CSC, que é o artigo sobre as obrigações de prestação acessória
no domínio das SA que o não cumprimento das obrigações de prestação acessória não
acarreta o afastamento do acionista da sociedade, salvo se o contrato o previr
diferentemente.
o Esta regra evidencia necessariamente que no plano das SA a exclusão é
verdadeiramente excecional. O afastamento do acionista é verdadeiramente
excecional.
o Ele pode ocorrer? Pode, pode ser determinado por efeito de previsões contratuais
como medida de sanção e de reação, tal como eu posso prever a amortização
compulsiva para aquelas circunstâncias em que o acionista está em risco de perder a
titularidade da sua ação em favor de terceiro – o seu credor pessoal, por exemplo.
o Então, compreende-se que deste tipo de regra legal como a que resulta do art. 287.º
n.º 4 CSC possa resultar a contrario não ser em geral admissível a regulação
contratual de uma situação de exclusão de acionista, porque essa exclusão implicaria
necessariamente também uma disciplina contratual que se traduzisse no
impedimento desse acionista de voltar a aceder ao capital dessa mesma sociedade.

Doutrina de Coimbra: Coutinho de Abreu, Carolina Cunha  entendem que há lugar à exclusão do
acionista, desde que tal esteja previsto, ou em circunstâncias de comportamento particularmente
grave por ele – vão aplicar por analogia o que resulta do art. 242.º CSC para as SPQ. Acolhem numa
SA uma solução que se compreende para uma sociedade de pessoas, em que a pessoa do sócio tenha
um particular relevo, e em que todas as SJ sejam definidas por referência à pessoa desse sócio e não
por referência à participação social.

Porque é que o art. 287.º CSC, a propósito das obrigações de prestação acessória até admite que o
contrato preveja a exclusão? porque, precisamente, o art. 287.º CSC acolhe a exceção à objetivação
da participação social. É uma das duas exceções – a outra é o princípio da unidade do voto. E as
224
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obrigações de prestação acessória quando são impostas não às participações (que também podem
ser), mas aos acionistas, pessoalmente – se for uma obrigação de caráter pessoal, uma vez que só
aquele acionista em concreto é que está em condições de o cumprir.

Se foi determinante que ele assumisse essa obrigação, aceita-se que o contrato de sociedade possa
procurar afastá-lo em caso de incumprimento. E que portanto possa o contrato, quando acolhe a sua
participação sujeita a essa obrigação, prever que em caso de inobservância da obrigação ele possa ser
afastado da sociedade.

Isso é a exceção que confirma a regra de que não deve haver regulação de exclusão judicial de
acionistas no plano da SA, sobretudo judicial. Significa que não podemos extrapolar de uma situação
que, excecionalmente, pode constar do contrato de sociedade, para acautelar as tais situações
pontuais em que pudesse justificar-se.

IV – Organização das sociedades comerciais

15. Estruturação orgânica das sociedades comerciais.

Falámos disto em dois momentos diferentes: quando procuramos falar dos modelos de governação
das SA (apresentação esquemática que consta do manual) e quando distinguimos os tipos societários
inicialmente.

Vimos que nas SA vigorava um princípio geral que caracterizava o sistema jurídico-societário que o é
princípio da tipicidade, que se extrapolava também para o domínio orgânico para a aquilo que se
chama a tipicidade orgânica da Sociedade Comercial, não obstante já ter aparecido aí um acórdão
do STJ/TRL que é peregrino a dizer que não há nenhuma tipicidade. Houve um juiz que resolveu no
fundo afirmar que não há nenhuma tipicidade.

Porque é que as SC têm que se estruturar através de órgãos sociais?

É muito fácil de compreendermos. É um fenómeno que radica no fenómeno mais geral das Pessoas
Coletivas. Isto é, da admissibilidade da existência de centros autónomos de imputação de situações
jurídicas, portanto, maioritariamente direitos e vinculações, que sejam diferentes das pessoas
físicas ou singulares ou biológicas.

É o percurso que a ordem e o sistema jurídico fazem para dizer: os direitos e as vinculações, as SJ
não são um apanágio apenas das pessoas singulares, dos seres humanos. Podem também
caracterizar organizações que os seres humanos criam. Mas para isso, o Direito e o sistema são muito
exigentes:
 só podem ser criados esses centros autónomos, de acordo com aquilo que é o interesse do
próprio sistema. E por isso, vigora no domínio da criação das próprias PC o princípio da tipicidade –
225
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só existem centros diferentes das pessoas jurídicas na medida em que o próprio Direito as
reconhece como tais.

E, reconhece muitas. No CC, reconhece PC de fim altruísta – fundações e associações. E reconhece no


CC também PC quando têm personificação, quando não tenham mera natureza contratual de fim
egoísta – arts. 980.º e segs. CC quando acolhe o contrato de sociedade civil = que até se pode
constituir sobre forma comercial – art. 1.º n.º 4 CSC.

Precisamente em relação a estas entidades, diferentes dos seres humanos, o Direito tem que
imaginar o modo como elas se vão conduzir na vida em sociedade e nomeadamente aquelas que
nos interessam particularmente, no mercado em que elas intervêm. Quer pelo lado da oferta, porque
são sujeitos de DC, configuram a forma societária, quer também pelo lado da procura, porque as SC
também intervêm no mercado pelo lado da procura.

O Direito vai ter que conceber que estas entidades no fundo sejam compostas por órgãos, isto é, por
corpos que se vão determinar no seu seio e que expliquem as funções que lhes são essenciais para
elas poderem exercer os seus direitos e cumprir as suas vinculações.

Esses órgãos são essencialmente de 1 de 3 diferentes naturezas:


 Natureza deliberativa
o Que também se concebe como uma natureza fundacional ou estruturante. É quem é
constituinte da própria pessoa coletiva.
 Natureza executiva
o Reveste duas grandes facetas
 Uma relativa à administração da própria PC, à sua gestão com uma
intervenção não apenas a nível interno mas também a nível externo
 Outra que respeita à sua representação – o órgão executivo é por definição o
órgão a quem incumbe o processo de interação da vida em sociedade no
mercado. É o órgão que coloca em contacto estas entidades com todas as suas
contrapartes negociais com as quais estas entidades se vão cruzar.
 Natureza ... de fiscalização
o Depois temos um terceiro órgão que pode ou não ser autonomizado que é um órgão
que visa a fiscalização do modo como se conduz o órgão de gestão na sua vida
quotidiana. Esse órgão de controlo que exerce a fiscalização é um órgão que pode ser
obrigatório ou pode ser meramente facultativo.
 Quando ele não existe, perguntar-se-á como é que se fiscaliza o modo como a
sociedade é administrada ou é gerida, é muito simples: nesse caso quem
fiscaliza são os participantes na própria sociedade, isto é, os sócios é que
fiscalizam.
 Mas quando as sociedades atingem uma dimensão grande, e os sócios deixam
de se confundir com os seus principais atores, com os elementos do órgão de
gestão, porque não cabem lá todos, é natural que esses sócios pretendam
acompanhar o modo como a gestão se conduz de uma forma mais constante

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do que aquela que está reservada habitualmente aos sócios e que se limita ao
controlo anual do desempenho da administração e da própria fiscalização
quando ela existe e aprovação desse mesmo desempenho e aplicação dos
resultados a que o mesmo conduziu.
 Significa isto que a estruturação orgânica aponta para 3 funções que são essenciais e são
muito fáceis de reter porque são muito próximas das funções do Estado no plano da
separação de poderes.
o O poder deliberativo também é constituinte – também se vai projetar no próprio
contrato de sociedade e por isso é um poder estruturante. O poder executivo e o
poder que no plano do Estado chamamos de jurisdicional que aqui corresponde àquilo
que no Estado é sobretudo dirimir os conflitos entre os particulares, mas também
entre os particulares e o Estado ou outros entes públicos.
o Aqui os conflitos que estão em causa são essencialmente os conflitos entre os sócios e
acionistas e aqueles que assumem as funções executivas. Nesse aspecto, tem alguma
semelhança e parecença com o contencioso administrativo, que é onde está a relação
entre os particulares e o próprio Estado que é quem determina a existência desse
poder.

Órgãos sociais

Sociais, porque como o nome indica, são os órgãos das sociedades comerciais. Os órgãos sociais são
legalmente obrigatórios ou são facultativos. Se forem facultativos, podem tornar-se
estatutariamente obrigatórios, isto é, se os estatutos os acolherem.

Os órgãos sociais legalmente obrigatórios, quais são?


Quando mencionamos a orgânica a propósito dos tipos societários, vimos que não são os mesmos em
todos os tipos sociais. Mas atenção: há uns que são comuns, por exemplo, a Assembleia Geral, ainda
que seja possível formar deliberações dos sócios à margem da própria AG. Ou seja, externamente ao
fórum que em princípio é destinado a congregar todos os sócios. Nesse caso então não falamos de
AG, falamos de deliberações dos sócios.

Mas em todos os tipos societários há deliberações dos sócios, portanto em todos eles há AG.
Nalguns, como iremos ver, nomeadamente nas SA, há uma institucionalização deste órgão. Há a
determinação da existência de um sub-órgão que é a mesa da AG, a quem compete preparar,
convocar, dirigir e relatar as reuniões de acionistas e depois temos a administração da sociedade que
também tem necessariamente de existir em todos os tipos societários, de forma mais ou menos
organizada.

Administração da sociedade: Nalguns casos ela vai-se caracterizar pela intervenção conjunta de
alguns dos seus membros, quem sabe, da sua maioria. Noutros casos ela vai funcionar
institucionalmente. Ou seja, esses membros vão reunir periodicamente e depois vão criar as regras
pelas quais eles vão intervir quotidianamente na prática dos atos de comércio que constituem o
objeto da sociedade.
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E depois temos a fiscalização da atividade societária: o que é que os sócios fazem? Os sócios
anualmente, como tais, exigem que quem conduz a atividade da sociedade preste as suas contas,
relate a sua administração. E apresentando os resultados a que chegou, apresente uma proposta da
sua aplicação – propor a distribuição do lucro. Isso faz parte do resultado da atividade de gestão. E
por isso deve-se fazer com referência a um determinado período temporal, que é o período de
referência do funcionamento da sociedade  o exercício social que em regra corresponde ao ano
civil, embora possa em certos casos ser discrepante (art. 9.º CSC e art. 65.º-A CSC).

Quando a sociedade se constitui, quer dizer que a fiscalização cabe, desde logo, aos sócios, ainda que
seja uma fiscalização mitigada, porque eles são confrontados perante o resultado da atividade de um
ano da própria sociedade. Perante aquilo que foi a contabilização dos seus atos durante um ano. E
isso pode, apesar de tudo, não ser suficiente.

E quando surgiram as grandes companhias e as grandes SA, era preciso massa, era preciso capital e
riqueza, e então pensou-se: já não há 2 ou 3 pessoas que sustentem uma atividade com esta
dimensão, que consigam construir 30 galiões e equipá-los com tripulação e recorrer aos mesmos para
exercer uma atividade comercial à distância. É preciso fundos, ao fim ao cabo. É preciso ir buscar os
fundos ao mercado.

E portanto o que é que aconteceu? Nessas grandes sociedades, quem as geria era necessariamente
os seus principais investidores, porque eram os agentes dominantes. Mas havia depois outros
investidores também significativos que não tinham lugar na sua direção, na sua administração,
porque se não a administração ficava um albergue espanhol, ninguém se entendia. Todos falariam e a
sociedade não era gerível.

E por isso, foi criado, precisamente para sentar os segundos acionistas mais importantes, um órgão
social que lhes permitisse, de forma próxima da administração, e constante, seguir o modo como a
sociedade era gerida e esta é a origem dos órgãos de fiscalização, tal como eles hoje ainda estão
concebidos. E esses órgãos de fiscalização, inicialmente, só tinham um nome – conselho fiscal.

Porque no séc. XXI muitos órgãos sociais têm uma composição singular, isto é, podem ser
participados por uma única pessoa ou entidade, mas é preciso esclarecer que quando o fenómeno
das PC se começou a desenvolver, como é o caso das SC, o Direito não concebia que um corpo social
ou órgão não fosse constituído por um número plural de pessoas. E mais do que isso, não fosse
constituído por número plural ímpar de pessoas, para que não houvesse situações de impasse nas
decisões desse órgãos ou corpo social.

Isto é o que caracteriza também o aparecimento das SC – todos os órgãos no séc. XIX tinham uma
composição plural e ímpar, pelo menos os órgãos de administração e de fiscalização. Isto é, órgãos
em que nenhum dos elementos tinha uma ascendência absoluta sobre os demais. Porque no plano
da AG, e designadamente da mesa da AG, já não é isso que sucede. É um órgão que pode ter uma
composição coletiva, deve ter uma composição coletiva, mas mesmo que tenha 3 ou 4 membros, há
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um deles que tem uma ascendência sobrepondo aos demais as suas decisões – presidente da mesa
da AG (mas essa é uma exceção no plano orgânico em geral.

Quando os órgãos sociais têm uma composição coletivo, é um princípio maioritário que se vai
aplicar ao seu funcionamento e decisões.

As SA foram as primeiras a ter um órgão de fiscalização – este órgão de fiscalização acolhia apenas
acionistas, os segundos mais importantes que estavam próximos e que portanto reuniam
periodicamente e exigiam poder dar pareceres, isto é, permissões e autorizações aos atos da própria
gestão e queriam que a gestão no fundo lhes fizesse um relato circunstanciado com a periodicidade
superior àquela que faria aos sócios em geral. E por isso, nas grandes sociedades surgiu este órgão.

Nas sociedades mais pequenas, nas sociedades de pessoas, não havia a mesma necessidade,
porque precisamente, as poucas pessoas que integravam o substrato pessoal da sociedade, os sócios
da sociedade já tomavam lugar na gerência. E se já tomavam lugar na gerência, não fazia sentido
sentá-los em duas cadeiras – na gerência e na fiscalização dessa gerência porque eles eram os
mesmos. Aí, a fiscalização nasceu facultativa. Aliás, no séc. XIX nem havia sociedades por quotas –
são um fenómeno do séc. XX.

A fiscalização começou como facultativa e em 1986 ela tornou-se obrigatória naquelas


circunstâncias que sabemos – art. 262.º n.º 2 CSC a propósito das sociedades por quotas.

Secretário da sociedade
Finalmente, o outro órgão que entretanto foi criado na década de 90, é um órgão que tem uma
entidade menor, mas tem um poder muito grande: secretário da sociedade. Isto é, o Direito chegou à
conclusão de que em certas circunstâncias seria útil que houvesse uma pessoa que tivesse por função
coadjuvar o funcionamento de todos os órgãos sociais.

Ou seja, alguém que participasse transversalmente na vida social, que não tem poderes de decisão,
mas que, na realidade, tem competência para documentar todas as decisões que são tomadas, e em
paralelo, é uma pessoa que em relação à própria sociedade, pode certificar a existência de
determinados atos e também a competência dos seus membros do órgão executivo. Tem uma
competência que, em geral, só cabe ao conservador do registo comercial quando emite uma certidão,
designadamente com os poderes e competências que uma sociedade pode ter.

E essa pessoa, no plano das sociedades comerciais chama-se o secretário da sociedade. É uma figura
introduzida em 1997 e é apenas obrigatório no plano das Sociedades cotadas. Está previsto em meia
dúzia de artigos no CSC – arts. 446.ºA e segs. CSC – pela letra percebe-se que são artigos enxertados
no CSC; e é facultativo nas demais SA e portanto leia-se nas não cotadas e também nas SPQ onde
podem existir – o POC nunca viu um secretário da sociedade numa SPQ.

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A competência está no art. 446.º-B e quem designa o secretário da sociedade é a própria
administração. A administração designa o secretário da sociedade e depois este é um órgão que é
composto por uma pessoa com especiais aptidões profissionais e portanto, a lei nesse aspecto é
exigente – exige que tenha uma formação superior, em geral é um jurista e é um quadro da própria
sociedade nas sociedades em que ele é obrigatório.

Sendo um órgão de ligação entre os diversos órgãos, sendo aquele que toma lugar e que assiste às
reuniões dos diversos órgãos, significa que tem um conhecimento muito grande e acaba por ter
bastante influência ainda que não seja um órgão de proa na própria sociedade, porque não há de
tomar decisões. Mas na vida prática, são lhe muitas vezes perguntadas as opiniões e portanto os
secretários da sociedade das sociedades cotadas acabam por ser pessoas relevantes e mantêm-se
durante muitos anos, porque é um órgão que não tem limitação para ocupação ou desempenho de
funções e por isso, estando muitos anos, significa que passam por muitas administrações, por muitos
mandatos dos demais órgãos sociais e acabam por ter um conhecimento histórico verdadeiramente
arrasador.

E os órgãos sociais facultativos?

Os órgãos sociais facultativos são, desde logo, os que se encontram legalmente previstos, portanto
são órgãos sociais facultativos o órgão de fiscalização e o secretário da sociedade, nos casos e nos
tipos societários em que não são obrigatórios, sendo certo que a própria lei prevê que para as
sociedades por quotas, onde o órgão social facultativo pode ser um conselho fiscal, mas também
nada impede que seja um fiscal único ou um ROC, porque se concebe o ROC como uma figura
autónoma no plano das SPQ.

Aliás, em certas circunstâncias ele é obrigatório – arts. 262.º n.º 2 CSC – e que correspondem à
obtenção ou atingimento de determinados patamares, fatores ou índices dessas SPQ ou SGPS, em
que o ROC também é obrigatório. Exceto essas situações, ele é sempre facultativo.

O único aspecto que temos aqui que respeitar, aliás resulta da própria lei é um aspecto que decorre
do princípio da tipicidade que é: se for criado facultativamente um conselho fiscal, ele tem que ter
os poderes que cabem normalmente ao conselho fiscal da SA, porque se não fosse assim, se
criássemos com poderes diferentes, iriamos fazer incorrer em erro todos aqueles que na realidade
se relacionassem com este órgão social.

O secretário da sociedade acontece por vezes existir, mais pela sua função certificadora que está
prevista na própria lei – art. 446.º-D CSC – quanto à sua competência, no fundo, está nas als. e) e f) o
tal poder de certificação que é um poder importante. É uma pessoa que goza de uma certa fé
relativamente aos atos societários que declara terem ocorrido, nomeadamente.

E depois, temos os órgãos estatutários que não correspondem à tipicidade orgânica, que não são
necessários e que podem ser criados no contexto de uma SC com uma limitação: é que os órgãos

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estatutários não podem ter uma competência contratual que derrogue as competências legais dos
órgãos legalmente obrigatórios.

Têm sobretudo competências de natureza consultiva. O órgão estatutário é por isso um órgão que
existe no contexto de uma sociedade em concreto e muitas vezes ao qual devem recorrer outros
órgãos sociais em termos consultivos e de um modo geral não vinculativos, até porque há muitas
decisões que são tomadas no contexto de uma sociedade que não podem ser reveladas a muitas
pessoas e portanto quando eu recorro a um órgão consultivo, eu muitas vezes estou, de algum modo,
a fazer um disclosure, uma divulgação de determinados atos sobre os quais eu pretendo obter um
aconselhamento técnico relevante.

Portanto esses órgãos são muitas vezes órgãos compostos por pessoas ou por acionistas relevantes,
ou por pessoas com conhecimentos técnicos relevantes e portanto de algum modo, podem com o
seu conhecimento para o desempenho da própria sociedade. São aquilo que muitas vezes se designa
pelo conselho de sábios – ou conselho superior ou conselho estratégico, etc.

A criação desses órgãos nunca lhes permite subtrair aos órgãos legalmente obrigatórios,
transferindo para esses órgãos meramente estatutários, competências que por lei devessem caber
aos órgãos obrigatórios.

A governação societária no plano de uma sociedade de reduzida dimensão e particularmente no


plano de uma sociedade de pessoas, como é o caso da SNC e da SPQ, na realidade não suscita
grandes questões. Tem o órgão de gestão, ou melhor, o órgão de administração da sociedade – que
são os sócios de um modo geral. Nas sociedades de pessoas – neste caso em nome coletivo – o
contrato de sociedade tinha de prever a eventualidade de não serem só os sócios.

O que temos é um órgão de gestão e em paralelo, certas circunstâncias em que esses sócios que
integram o órgão de gestão, os demais que porventura existam, devam deliberar no órgão magno da
sociedade que é a AG. Mas, essas sociedades de pessoas não extravasam destes dois órgãos.

Nas SA o órgão de fiscalização é obrigatório. Nas SA, a tal tripartição tem que necessariamente e
forçosamente se conservar. Essa fiscalização tem que manter-se.

Então o que é que acontece no que diz respeito à gestão societária? O que aconteceu,
designadamente no séc. XIX é que as sociedades eram geridas, indistintamente, pelos seus
principais investidores. A gestão não tinha uma especial complexidade técnica. A gestão não era uma
ciência, tampouco tinha uma autonomia didática ou pedagógica, portanto no fundo aquilo que
acontecia nessa época era:

Quem investia, assumia a gestão e em consequência de assumir a gestão adquiria o know-how


relativo ao objeto da própria sociedade. Contudo, isto que originariamente era verdade, veio
gradualmente, ao longo do séc. XX a transformar-se.
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E aquilo que veio a acontecer, sobretudo na segunda metade do séc. XX foi que se verificou um
fenómeno no contexto societário que se designa pelo fenómeno da dissociação entre a direção
efetiva da sociedade e o risco do capital.

Quem sofre o risco do capital são os investidores na sociedade, que antigamente concentravam
também a direção. Mas à medida que, gradualmente, a gestão societária se veio a tornar mais
complexa, começou a haver pessoas que tinham por missão, por função, essencialmente gerir as
sociedades. Ou porque tivessem um conhecimento especializado do objeto social, ou porque
tivessem uma formação nomeadamente superior que lhes permitisse atuar transversalmente no
mercado em qualquer tipo societário, porque as questões que se suscitavam nas diversas empresas
acabavam por ser semelhantes ainda que o objeto ser diferente.

E então surgiram os gestores profissionais e os gestores profissionais é que explicam que haja essa
dissociação entre a detenção do capital ou do risco do capital e a direção efetiva da sociedade. Mas
os gestores tudo decidiam? Não. Estão de algum modo subordinados às diretivas que lhes são
transmitidas pelos principais detentores do capital social, pelos principais investidores. Mas as
decisões inerentes ao funcionamento e opções estratégicas da sociedade e ao exercício da sua
atividade económica eram assumidas por eles. Eles é que perspetivavam os timings dos atos que
deveriam praticar.

Esta dissociação caracterizou claramente as sociedades de capitais na segunda metade do séc. XX por
contraposição às sociedades de pessoas. E por isso, ela também se verificava nalgumas sociedades
por quotas quando estas tinham uma dimensão muito grande – mas começaram a ser cada vez
menos, porque as SPQ que tinham grande dimensão começaram a converter-se em SA.

Ficámos de um lado com as sociedades de pessoas e do outro lado as SA. Qual é que é a questão
que esta dissociação entre a direção efetiva e o risco do capital veio a colocar?

Durante muito tempo pensou-se: isto é um grande benefício para a sociedade, porque na
administração só participam mesmo 1 ou 2 pessoas próximas dos grandes investidores e as demais
são profissionais que não têm risco no resultado da sociedade porque não são investidores nessa
sociedade, porque no fundo participando dando as suas capacidades profissionais mas não mais do
que isso.

O problema que se começou a colocar foi que estas pessoas começaram, pelos resultados que
proporcionavam às outras (os investidores), pelos resultados que a sua gestão permitia gerar,
começaram a ser gradualmente mais compensados tendo em conta que não sofriam o risco do
capital.

Estas pessoas começaram a ser crescentemente mais recompensadas pelos desempenho das suas
funções e eram compensados em razão dos resultados que obtinham. Isto gerou um fenómeno,
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nalgumas circunstâncias, muito complicado – que é no fundo a tentação enorme de quem gere a
sociedade de poder vir a procurar a produzir resultados que não correspondam a uma realidade
efetiva se for remunerado em razão desses mesmos resultados, isto é, se a sua remuneração
aumentar.

Este foi o fenómeno que conduziu a alguns escândalos mundiais na viragem do séc. XX para o séc. XXI
e que obrigou a repensar de algum modo a forma como a sociedade deveria ser governada. É
verdade que a premência da governação societária não é a mesma em todos os OJ. Ela é muito maior
nos OJ em que o Direito regulado não é tão extenso – nos anglo-saxónicos. Ou nos OJ em que se veio
a entregar aos administradores uma panóplia de competências que tradicionalmente não lhes eram
reconhecidas nos OJ clássicos de base continental como o caso português.

Em países em que o capital estava mais distribuído, era normal que os gestores tivessem maior
poder, porque não estavam sob influência tão premente de alguns dos investidores e de um
número reduzido de investidores.

Nos países continentais, as sociedades tinham uma base familiar e pessoal, quer fosse em Portugal,
quer fosse na Alemanha. Na Alemanha, sempre houve grandes SA que pertenciam a famílias. Em
Itália também. Ainda hoje há exemplos disso – mesmo sendo sociedades cotadas, as sociedades que
transacionam no mercado pertencem ou foram criadas originariamente por famílias (ex.: Fiat,
Ferrari).

Aquilo que no fundo acontece em relação ao modo como estas sociedades se posicionavam, é que
quando o capital estava relativamente concentrado, o relacionamento entre os investidores e os
gestores era mais próximo e os gestores estavam mais controlados.

Nos países anglo-saxónicos, em que há uma tradição natural de investimento e há uma grande
disseminação do capital, nesses países, o capital está muito distribuído, além da dimensão da
sociedade ser muito grande. O que significa que aí, em vez de terem que ser os gestores a dar
satisfações aos investidores, são os investidores a procurar cair nas boas graças dos gestores, porque
de facto os gestores nunca estão dependentes de um número reduzido de investidores, estão
dependentes de um conjunto vasto de investidores.

E por isso se diz habitualmente, recorrendo a uma ideia que é geral de dividir para reinar é uma
boa solução porque há menos poder de oposição!

E por isso, os países de base continental tiveram sempre uma preocupação de acolher nas suas leis
um controlo maior na forma como a gestão era exercida. Nos países anglo-saxónicos verificou-se o
oposto. Isto é, a gestão veio gradualmente a ganhar poder. Inclusivamente, a ser preponderante na
distribuição de resultados não apenas na proposta como acontecia nos países de base continental,
mas como na própria decisão. E mais, estabelecendo que a sua longevidade devia ser bem maior do
que nos países de base continental.

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E quanto maior for a longevidade de um gestor, mais pesado ele fica. Primeiro, porque se torna caro
afastá-lo e segundo porque ele passa a ter uma enorme influência na estrutura da empresa que é o
substrato da sociedade comercial.

O que é facto é que no fundo, em relação a esses ordenamentos, começou-se a sentir a premência de
procurar criar princípios e regras de boa governação societária. Por isso se falou na chamada
corporate governance! O fenómeno tem origem nos países anglo-saxónicos.

Os próprios alemães, que são totalmente nacionalistas (palavras do POC logicamente) – o diploma
regulador das normas de governação societária que eles adotaram chama-se corporate governance
códex. Isto é, acolheram, excecionalmente, a designação inglesa.

Em que é que consiste esta ideia de governação societária?


Governação societária significa o modo como a administração da sociedade se deve predispor a
atuar e a forma como essa atuação deve ser controlada pelo órgão de fiscalização. Por isso parece
ao POC mais correta a ideia de governação do que a ideia de governo societário como muitos gostam
de utilizar.

Mais do que isso, governo é uma palavra que exprime um sinónimo de Estado e é equivocado no
plano societário falar de governo por essa razão. E sobretudo, porque governo parece centrar-nos no
órgão executivo. Para além disso, porque governo exprime uma perspetiva estática e não uma
perspetiva dinâmica que deve caracterizar o desenvolvimento da sociedade comercial.

Os pilares da governação societária materializavam-se inicialmente numa ideia de transparência do


modo como a sociedade era gerida, de responsabilização individual (accountability) dos membros
que tinham que assumir a gestão societária e procura de passar para o seio do órgão de gestão as
principais tendências acionistas de modo a não a tornar presa da influência dominante no contexto
da sociedade e desse modo conseguir o equilíbrio que pudesse beneficiar a sociedade no seu todo
e não uma parte dos seus investidores.

A governação societária tem surgido nos países anglo-saxónicos, acabou por se exprimir
essencialmente em regras de softlaw por contraposição à hardlaw e a diferença tem a ver com a
imposição de comandos normativos. A regra de softlaw é uma regra que deve ser obedecida pela
convicção de que ela corresponde à conduta correta, mas ela não pode ser imposta pelo recurso à
força como as regras que caracterizam os OJ de base continental.

Aqui, conhecemos também softlaw. Dizemos que as obrigações naturais são softlaw, porque não
sendo exigível coativamente o seu cumprimento, uma vez que este ocorra, não pode haver lugar à
repetição, isto é, não pode haver lugar a reembolso ou devolução. O mesmo se diga do cumprimento
das obrigações extintas, dívidas de jogo, etc.  institutos compostos por normas jurídicas
imperfeitas, desprovidas de uma sanção que se traduza na sua imposição coativa.
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Na governação societária, nos OJ estrangeiros, em particular nos anglo-saxónicos, ocorre existirem
muitas destas normas. Mas então porventura depois não há observância? POC: há observância por
uma razão muito simples = o facto de que nesses o incumprimento destas normas e softlaw
acarreta muitas vezes uma sanção social, uma reação da própria sociedade. São países, de um modo
geral, ricos com meios e isso significa que se houver o incumprimento de regras dessa natureza é a
própria sociedade política que vai sancionar esse posicionamento. E vai rejeitar por exemplo a
comercialização de determinados produtos e com isso desenvolver uma pressão muito grande sobre
as empresas que se veem obrigadas então a adotar as regras de boa governação.

Num país pobre como o nosso, em que o preço muitas vezes é tudo, isso estaria condenado ao
fracasso, porque as pessoas, sabendo que pagam menos, era-lhes indiferente que os produtos
resultassem de uma empresa que cumpria regras de boa governação ou não. E portanto
naturalmente, aí, porventura a hardlaw tem de ser mais presente.

Mas também é verdade, no domínio da governação em Portugal, há muitas regras de softlaw. E há


inclusivamente um conjunto de normas aplicadas às sociedades que se movimentam no mercado –
normas criadas por um conjunto de empresas e um instituto formado por essas empresas que é o
Instituto Português de Corporate Governance que criou e aprovou o Código do Governo das
Sociedades, o qual deve ser observado por todas as sociedades cotadas, com uma série de regras que
na realidade nalguns casos correspondem mais a recomendações, porque não são necessariamente
impostas de forma coativa ou obrigatória.

Para terminar, surgem novas exigências e isso acontece permanentemente. Tal como refere no livro,
há outros parâmetros, outros valores, como seja a ética, a sustentabilidade e a responsabilidade
social. A ética é mais do que a governação, porque é não apenas atuar de acordo com os princípios
que devem disciplinar o modo como os gestores se devem conduzir na sua atividade profissional,
mas fazê-lo de acordo com aquilo que se entende ser uma postura correta e portanto não apenas
cumprindo as normas, mas fazendo-o de forma que se considere socialmente adequada.

Por outro lado, a sustentabilidade. É uma forma de olhar para a sociedade e não ver nela apenas os
interesses dos seus investidores. A lógica do interesse social aponta também para uma lógica de
sustentabilidade. Ela já o fazia mesmo que estes valores não tivessem de ser mencionados
autonomamente.

Sustentabilidade significa olhar para a sociedade que enforma uma empresa e procurar vê-la para
além dos interesses mesquinhos de quem nela investiu. Procurar vê-la como um meio para realizar
o trabalho de todos aqueles que nela participam e que dela vão ficar a depender.

E depois, a responsabilidade social. Isto é, a empresa que já assumia desde há muito uma
responsabilidade interior no seu plano como no fundo concebendo informação àqueles que
participam nela e para além disso, entender que o seu resultado e o seu êxito só é possível graças ao
mercado em que se integra e portanto que também ela tem obrigações perante esse mercado e mais
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do que isso, perante a sociedade em que o mercado se integra, a sociedade política em que o
mercado se integra, de no fundo lhe poder retribuir com parte dos seus ganhos. Essa
responsabilidade social tem a ver com o modo como a sociedade deve no fundo poder devolver ao
mercado aquilo que conseguiu obter graças a esse mesmo mercado.

E é natural que isto vá evoluindo cada vez mais. É natural que cada vez se perspetive mais o modo
como as sociedades devem ser geridas. E hoje, à cabeça dessas exigências estão também exigências
que já integravam o interesse social, que são interesses que podem não ter diretamente a ver com as
contrapartes negociais da sociedade, mas têm seguramente a ver com o modo como a sociedade
comercial de conduz no mercado – obediência aos princípios da natureza ambiental, a que as
sociedades estão cada vez mais sujeitas, e agora por imposições de normas e regulamentos de
caráter e dimensão europeus.

Muitas destas realidades na prática já nós conseguiríamos encontrar no próprio conceito de interesse
social quando fazíamos uma leitura ampla ou lata do mesmo, que foi aquela que o POC nos
transmitiu há pouco e já há muitos anos fez. Não é apenas uma sociedade que deve ter os seus
interesses equacionados no interesse da própria sociedade, são todos aquelas cujos interesses
fundamentais de algum modo possam ser afetados pelo desempenho dessa mesma sociedade,
desempenho esse que no fundo só é possível pelo posicionamento que ela tem – give back – o
retorno daquilo que conseguem obter. É o mesmo que dizer, sem consumo, não havia mercado. Sem
consumo, não havia sujeitos de DC, por isso é que já não podemos falar de DC, mas de um direito
mais vasto – direito do mercado.

28.04.2022

Requisitos para o exercício dos cargos sociais


Isto é, os requisitos que se devem verificar para que uma pessoa se qualifique ou seja apto para
integrar um órgão social.

Naturalmente, há um primeiro requisito que é um requisito imediato: capacidade. Portanto significa


que naturalmente são pessoas com capacidade de exercício plena que podem exercer funções em
órgãos sociais.

O segundo requisito, que é um requisito próprio da participação dos órgãos da sociedade especiais e
em particular dos órgãos de administração e de fiscalização diz respeito à eventual prestação de
caução a que os titulares dos órgãos sociais possam estar sujeitos. Este é um requisito que só se
aplica no domínio das SA. Não existe para as sociedades por quotas.

Vamos falar dos arts. 396.º e 418.º-A CSC: prestação de caução significa que para assegurar a
eventual responsabilidade que possa resultar da prática de atos de gestão os membros do CA e
também naturalmente responsabilidade que resulte de fiscalização ou controlo deficientemente
exercidos.
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Os membros do órgão de fiscalização deverão em princípio prestar uma caução. E uma caução que
deverá assegurar a indemnização de interesses que sejam atendíveis no contexto da sociedade.
Classicamente esta caução existia para ressarcir danos que a própria sociedade pudesse sofrer por
efeito dessas funções. Atualmente, a lei prevê que todos aqueles que sejam titulares de interesses
indemnizáveis possam vir a ter acesso à caução.

E de que montante é que é essa caução? Art. 396.º CSC. O art. 418.º-A CSC no fundo limita-se a
estender aos titulares dos órgãos de fiscalização, com exceção do ROC, porque este tem um seguro
de responsabilidade civil obrigatório especial – a aplicação da regra do art. 396.º CSC. Por isso, é
nesse artigo que nos vamos concentrar neste momento.

Art. 396.º CSC: os titulares do órgão de administração, em princípio estão sujeitos à prestação de
uma caução 50.000€. Segundo o POC não é nada do outro mundo, mas recorde-se que 50.000€ é o
CS mínimo para constituir uma SA e nessa medida, está em linha com esse CS mínimo.

Esta é a regra. Contudo, o próprio art. 396.º CSC permite que a sociedade dispense a prestação
dessa caução. Isto é, que por deliberação dos acionistas sejam os administradores dispensados de
prestar caução. Mas quando eles estão sujeitos à caução, quem tem de suportar a caução são os
administradores, não é a própria sociedade. Portanto, significa que a caução lhes vai sair do bolso.

Quando a sociedade atinge uma grande dimensão, como é o caso da grande SA e da sociedade
cotada (n.º 3 do art. 396.º CSC) então todos os seus administradores, com uma exceção, estão
sujeitos à prestação de uma caução não de 50.000€, mas de 250.000€ e que não pode ser dispensada
tendo em conta a complexidade da gestão dessas mesmas sociedades e as exigências que a priori são
necessárias para os efeitos. São habitualmente bem remunerados.

Só há uma exceção que é aquela que resulta do n.º 5 do art. 396.º CSC. Se os administradores não
forem remunerados e não forem executivos – iremos estudar mais à frente – no contexto da
sociedade anónima, desde que o contrato de sociedade o permita, pode ser efetuada uma delegação
de poderes, e sendo efetuada quer dizer que alguns administradores vão assumir a gestão corrente
da sociedade e esses chamam-se ou administradores-delegados ou integram uma comissão
executiva – ser o CEO – o presidente da comissão executiva (é quem assume a administração da
sociedade).

E então nesses casos, quando ocorre a delegação de poderes que está prevista legalmente no art.
407.º n.º 3 CSC – NÃO CONFUNDIR COM O N.º 1 QUE NÃO TRATA DA DELEGAÇÃO DE PODERES!
Quando há delegação de poderes numa SA, os demais administradores em quem não são delegados
poderes assumem-se como administradores não executivos, ficando sem uma obrigatoriedade de
participarem quotidianamente na vida da sociedade e é essa a distinção que se faz.

O artigo 396.º n.º 5 dispensa os administradores que forem não executivos e que não aufiram
237
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
remuneração de prestar caução. Até se compreende de certo modo – repare-se, se eles não ganham
nada, como é que eles pagavam a própria caução? Nem sequer ganhavam para isso.

Portanto, em suma: a caução mínima geral é de 50.000€ e pode ser dispensada por deliberação dos
sócios naturalmente na AG eletiva. A caução mínima dos administradores das grandes SA e das
cotadas é de 250.000€ e não é dispensável.

E então é preciso entregar 250.000€ à sociedade?


O que resulta da lei é que esta caução pode ser substituída por um seguro. A caução, que não se
confundo com o normal seguro de responsabilidade civil dos diretores de uma sociedade, uma vez
que este seguro tem que cobrir todos e quaisquer atos sem exceção e em particular atos de
negligência grosseira e de dolo, porque é precisamente para essas situações que existe a caução,
porque se houver uma negligência leve, ou simples, eventualmente pode é haver lugar a
responsabilidade que obrigue o administrador a indemnizar.

O n.º 2 do art. 396.º CSC permite então a substituição que é aquilo que acontece habitualmente,
isto é, paga-se mensalmente um seguro – é o administrador que paga – e há uma companhia de
seguros que assume o valor dessa caução caso se verifique o sinistro, o dano que dê lugar ao
ressarcimento dos interesses indemnizáveis.

Se porventura a sociedade contratar um seguro de responsabilidade civil em montante superior para


os seus gestores, o que poderá acontecer. Por exemplo, há sociedades em que os gestores requerem
ter seguros de valores de aproximadamente 10 milhões € ou mais, porque o risco é muito grande.
Então, acima do mínimo que corresponde à caução já pode ser a própria sociedade a assegurar o
pagamento do prémio de seguro.

A caução não é objeto de registo comercial, portanto, isto significa que não é objeto de publicidade.
Não há maneira de saber se foi ou não prestada. Só no contexto da própria sociedade é que se pode
saber se foi prestada. Evidentemente que devendo ela ocorrer no domínio da uma SA, quem tem
obrigação de velar pelo cumprimento em matéria de prestação de caução é o órgão de fiscalização,
que eles próprios também estão sujeitos (art. 418.º-A CSC).

Se os administradores não prestarem caução, a lei determina no art. 396.º CSC que eles cessam
funções no prazo de 30 dias a contar daquele em que foram designados. Não é fácil esta cessação
de funções porque a lei não estabelece em que termos é que eles cessam funções.

Então pode-se discutir. POC: é uma matéria que só vem para cima da mesa habitualmente no
contexto de uma SA quando as comadres se zangam, porque quando as comadres se zangam é que
se sabem as verdades. Isto é, quando os acionistas entram em desacordo é que começam a dizer
aquele administrador que tu designaste não prestou caução e portanto cessou funções.

238
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
De facto, o que a lei determina é que eles devam prestar essa caução no prazo de 30 dias. Mas
muitas vezes até não o fazem por esquecimento. Até podiam estar dispensados da caução se
conhecessem esta regra e o que é facto é que se esquecem de dispensar e não dispensando, ficam
sujeitos a ela.

POC: nestes casos, o problema que se coloca é saber qual é a validade dos atos que eles praticam
depois de decorridos esses 30 dias. Mas a verdade é que continuam registados. E como continuam
registados, naturalmente que é evidente que ao estarem registados e sem que haja possibilidade de
saber se prestaram ou não caução, eles vão continuar aparentemente como tais até que ocorra o ato
que ponha termo às suas funções.

Por outro lado, é preciso proteger os interesses de terceiros, que não sabem que eles estão sob a
cominação do disposto no art. 396.º CSC e portanto deviam ter eventualmente cessado as suas
funções. O que fazer? POC: Nos termos em que a lei o tem previsto, apesar de não estar
estabelecida essa solução, no fundo os membros dos órgãos de fiscalização e o órgão no seu
conjunto pode requerer ao registo a cessação das funções dos incumpridores por caducidade
dessas mesmas funções – art. 396.º CSC. Mas esta situação não é uma situação líquida.

Para terminar, se eles não prestam caução e continuam a praticar atos perante terceiros, a sociedade
fica adequadamente vinculada, porque não há nada que permita a um terceiro aperceber-se e
distinguir um administrador sujeito à caução que não a tenha prestado de um administrador sujeito à
caução que a tenha prestado. Nesse sentido, os terceiros não poderiam ser prejudicados.

Isso gera RC por parte dos administradores? Gera. Naturalmente, porque eles têm que saber que
estavam sujeitos à prestação de caução que eventualmente não prestaram. Mas, os seus atos são
válidos e se são válidos externamente, também devem ser válidos internamente. Isto é, apesar de
eles estarem fora de prazo e isso é o que decorre do referido art. 396.º CSC.

Outros requisitos fundamentais para o exercício de cargos sociais


Não são outros requisitos que sejam aplicáveis necessariamente a todos os cargos sociais mas são
requisitos que têm de se verificar em relação a alguns deles.

 Requisito da independência

Para o exercício de certas funções em órgãos societários, a lei exige que os membros desses órgãos
sejam independentes. A questão é: o que é que significa ser um administrador independente?

Ser um administrador independente significa ser um administrador que não se encontra sob uma
esfera de influência de interesses que sejam relevantes no contexto da própria sociedade. Tem que
ser alguém que de algum modo é alheio aos interesses dos principais intervenientes ou atores no
contexto da sociedade.

239
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
E há alguma regra que contribua para estabelecer os critérios pelos quais em certas circunstâncias
nós podemos considerar que uma certa pessoa não reúne os requisitos de independência? SIM 
art. 414.º n.º 5 CSC.

O art. 414.º n.º 5 CSC avança com dois critérios de independência depois de procurar caracterizar
esta situação e são critérios que são enunciativos, exemplificativos – dizendo que naturalmente não
tem dependência quem está sob influência de interesses relevantes no contexto da sociedade e
depois o n.º 5 diz-nos que se encontra nessa situação quem for titular de uma participação de pelo
menos 2% do CS da sociedade ou for seu representante. Quem é acionista com 2% ou mais, não
preenche o requisito da independência.

Por outro lado, também quem for representante desse acionista (e não estamos apenas a falar da
representação legal), por exemplo o mandatário/advogado habitual da sociedade também não
preenche os critérios, porque a lei e o legislador assumem que ele iria intervir no interesse do
representado, no interesse do seu mandante.

A independência visa fundamentalmente que quem intervenha o possa fazer de forma objetiva,
isenta e imparcial. Isto é, atenda exclusivamente aos interesses da sociedade e não aos interesses
particulares de alguns dos seus principais stakeholders que são os acionistas. Isto é também
relevante, mas não é o único critério (os 2%).

Evidentemente que decorre do que está dito na al. a) do n.º 5 do art. 414.º CSC que os 2% é um
critério que é variável, porque eu posso ter os 2%, amanhã alieno 0,5 e fico com 1,5% e aí já fico com
independência claro. Significa que este requisito da independência, no que diz respeito à
participação, ele pressupõe que haja essa participação mínima, o que se compreende.

A al. b) do art. 414.º n.º 5 prevê que também não tem independência quem já tenha exercido 3
mandatos em qualquer órgão social. Significa que o exercício de 3 mandatos, ainda que incompletos,
em qualquer órgão social, vai no fundo retirar a independência a essa mesma pessoa. Vai impedi-la
de preencher este requisito.

POC: É uma previsão injusta esta. Não distingue os mandatos em órgãos sociais em razão da sua
ligação à própria sociedade. É evidente que um administrador fica com muito maior proximidade com
a sociedade que por exemplo o presidente da mesa da AG que só vai uma vez por ano à sociedade e
não todos os dias e nem tem um poder efetivo na sociedade. Por outro lado, também não distingue
os mandatos em função da sua duração. Um mandato numa SA pode corresponder a um máximo de
4 exercícios sociais mas pode ser de 1, 2 ou 3.

Ora, quem tem 3 mandatos de 4 anos teve uma ligação de 12 anos à sociedade. Quem tem 3
mandatos de 1 ano teve uma ligação de 3 anos. Ou seja, a lei exige tanto a quem foi 3 vezes à
sociedade em 3 anos (o presidente da AG) como quem foi durante 12 anos 200 e tal dias à sociedade.
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É anacrónico e desconexo.

A lei avançou um critério rigoroso e rígido nesta matéria de modo a assegurar um exercício em prol
do interesse social e um exercício esse que seja feito exclusivamente em razão desse mesmo
interesse social.

Quem é que está sujeito a este critério de independência?

Já vamos ter que procurar no CSC. E desde logo, vamos ver que este critério de independência não é
exigido para qualquer SA. Só as grandes SA35 e as SA cotadas é que o requisito de dependência é
exigido. Para as SA comuns ou simples, nunca se exige o requisito da independência. Quando muito,
poder-se-á discutir se ele seria aceitável do ponto de vista estatutário, não do ponto de vista legal.
Mas não há conhecimento de ser-se mais papístico que o papa nesta matéria e de se exigir
estatutariamente um requisito que legalmente não é imposto.

Quais é que são esses órgãos sociais desses 2 subtipos de SA que estão sujeitos ao requisito de
independência?

Primeiro, os membros da mesa da AG, nos termos previstos no art. 374.º-A CSC. E ainda os membros
dos órgãos de fiscalização, ou pelo menos alguns membros dos órgãos de fiscalização – art. 414.º n.º
4 e 6 CSC, prevendo-se que nas SA que sejam cotadas a maioria do órgão de fiscalização seja
independente. Significa que alguns não têm de ser independente. E o mesmo se diga também
relativamente à comissão de auditoria e ao conselho geral e de supervisão por efeito do disposto
nos arts. 423.º-B e 434.º CSC. A lógica é: pelo menos um membro independente em todas as SA; nas
cotadas a maioria dos membros.

E depois, pode haver legislação avulsa, como é o caso da lei (148/2015 de 8 ou 9 de setembro) de
supervisão e de auditoria – art. 3.º - impõe requisitos adicionais para determinadas sociedades,
nomeadamente para as cotadas e para sociedades que considera entidades de interesse público.
Nesses casos, exige para essas entidades que o próprio presidente do órgão de fiscalização tenha de
ser independente para além da maioria dos seus elementos.

Quanto aos administradores, se procurarmos ao longo do CSC vamos ver não encontramos exigência
de independência para os administradores. Compreende-se – os administradores são aqueles que
no fundo desenvolvem a sua atividade diariamente em prol da sociedade e portanto são aqueles que
merecem uma especial confiança aos acionistas e que são designados pelos acionistas mais
relevantes. E por isso, por definição, a generalidade dos administradores não preenche o conceito
de independência. Pelo contrário, são não independentes por definição.

35
A lei nunca fala das grandes SA! O que a lei faz é remeter para as SA que preenchem os requisitos do
art. 413.º n.º 2 do CSC!! – isto é que são as grandes SA. O mesmo se diga quanto à caução.
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É por isso que no caso daquele critério que vimos do desempenho de mandatos por parte de órgãos
sociais, aquilo que se quer evitar quando a lei diz que quem desempenhou pelos menos 3 mandatos
completos ou incompletos em qualquer órgão social já não pode ser independente, o que está na
mente do legislador é evitar uma certa promiscuidade. É no fundo afastar a influência que possa
existir em quem de facto tem uma grande ligação à sociedade.

POC: mas a lei podia ter sido mais esclarecedora. Podia ter sido mais exigente com quem já foi
administrador do que com quem por exemplo foi membro da mesa da AG. Se o presidente da mesa
da AG, por exemplo, vai à sociedade, o porteiro nem sabe quem é que ele é. Mas o porteiro sabe
quem são todos os administradores. Aquilo que se pretende aqui é não facilitar de algum modo,
embora de forma um pouco cega.

Relativamente aos administradores, é difícil a priori conceber que eles possam ser independentes.
Sobretudo, se eles forem executivos. Se eles forem executivos, têm de ir todos os dias à sociedade e
estar quotidianamente na sociedades. Esses, por definição, têm de ser sempre não-independentes,
porque na realidade eles identificam-se com a própria sociedade e são o resultado claro da escolha
dos principais acionistas que nela gravitam, da principal influência.

Isso significa que pelo menos num dos modelos de governação de que já falámos, não pode haver
administradores independentes por definição, que é o modelo de governação germânico, porque
todos os administradores são executivos. É por isso que o conselho de administração nesse modelo
se chama conselho de administração executivo.

E se todos são executivos, para esse modelo, aquilo que o POC disse sobre a delegação de poderes
não se aplica. Aliás, se procurarmos as regras sobre o modelo germânico – uma eventual remissão
para o art. 407.º CSC, vamos ver que ela não existe. Existe para o art. 406.º, 408.º, etc. São
executivos, não podem delegar poderes. Já têm os poderes que são próprios de um delegado.

E nas sociedades em que há administradores não executivos? Ou em que pode haver


administradores não executivos?

São portanto as sociedades que estão no modelo clássico ou anglo-saxónico. A resposta aí é mais
complexa. A lei é totalmente omissa. Mas aquele conjunto de normas de softlaw que o POC referiu –
o Código do Governo das Sociedades do Instituto Português de Corporate Governance contém a
propósito da chamada administração não executiva e da fiscalização, no cap. III, regras que preveem
que os administradores possam nalgumas circunstâncias ser independentes. E mais do que isso,
prevê que as sociedades que se movimentam no mercado, que estão admitidas à negociação no
mercado regulamentado, devam acolher alguns administradores independentes que correspondam
a um mínimo não inferior a 1/3 do total.

Esta é a secção III/IV com uma redação que diz cada sociedade deve incluir um número não inferior a
1/3 mas sempre plural de administradores não executivos que cumpram os requisitos de

242
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
independência e depois prevê-se o que é se considera independente para este efeito – é basicamente
aquilo que está no CSC e ainda alguns requisitos mais exigentes. Esta independência é mais exigente.

A questão que se coloca e que é pertinente é saber se mesmo assim tais administradores
conseguem ser independentes. Isto é, se eu consigo encontrar e designar 1/3 do total que seja
independente. POC: como os critérios da detenção da participação social continuam aqui previsto
significa que têm de ser pessoas verdadeiramente alheias aos tais principais interesses que gravitam
na sociedade.

O que é que o auto-regulador do mercado que é o Instituto Português de Corporate Governance se


propõe assegurar? Que uma parte dos administradores da sociedade e que sejam todos
necessariamente não executivos preencham este critério para de algum modo poderem assegurar
uma vigilância sobre o desempenho dos administradores executivos. Para que consigam de algum
modo impor os valores que sejam fundamentais para aquela sociedade através da tal intervenção
objetiva, isenta, imparcial que caracteriza a independência.

Mas evidentemente que isto é aquilo que é desejável. Não quer dizer que na prática se consiga obter
efetivamente. Como o POC costuma dizer ninguém é verdadeiramente independente por
determinação legal. É-se independente por natureza. Até porque eu posso não me enquadrar nos
requisitos que me retiram a independência, mas ser uma pessoa fraca e portanto ser facilmente
manobrável e na realidade não ser independente.

Mais do que isso, adicionalmente ainda, a verdade é que quem preenche estes requisitos de
independência e assume o desempenho de cargos sociais sabe que se for demasiadamente
independente porventura não vai ser reconduzido. Isso é sempre uma condicionante muito grande.
Demasiada independência acaba por impedir a recondução porque nenhum acionista dominante
gosta dessa independência.

E é por isso que estes membros dos órgãos sociais independentes, quem que eles sejam, qualquer
que seja o órgão que eles venham a ocupar, têm um regime jurídico próprio, específico que de algum
modo é compatível com a exigência da independência. E esse regime jurídico no fundo concretiza-se
em dois fatores muito relevantes. O primeiro é de que eles devem no fundo auferir uma
remuneração fixa. Não pode ter uma remuneração que dependa dos objetivos da própria sociedade.
Eles têm que receber sempre o mesmo, quer corra bem, quer corra mal. Isso é um dado relevante.
Eles não têm de ser necessariamente remunerados, o que não deixa de ser estranho. A lei não impõe
que sejam remunerados, mas podia fazê-lo porque aí tinha a certeza de que eles não tinham
qualquer outro interesse. Alguém que aceite desempenhar funções sem ser pago, é porque tem
qualquer interesse em fazê-lo. Isso prejudica a independência.

A remuneração pode ser em si variável se depender do número de presenças que ele teve na
sociedade. Mas tem que ser fixa. Pode ser por exemplo em senhas de presença. Ex.: cada vez que vai
à sociedade recebe 500€ - recebe uma senha de presença quando participa numa reunião. Não deixa
de ser fixa, ainda que chegue ao fim do ano e possa estar em 7 reuniões pelo que recebe mais do que
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se estiver em 6. Não pode estar dependente do atingimento ou obtenção de certas metas ou
objetivos.

O segundo fator relevante caracterizador da independência diz respeito ao facto de estes membros
de órgãos sociais só poderem ser destituídos se existir justa causa. Eles não vão ficar à mercê da
maioria, porque se não aquilo que acontecia é que a maioria desagradada com o desempenho deles
por ser excessivamente independente eventualmente, iria logo após a eleição procurar afastá-los. E a
lei diz que eles só podem ser destituídos com justa causa. Significa que a deliberação destitutiva vai
ser atacada se eles forem eventualmente destituídos sem justa causa.

O que é que acontece a um membro independente ou a um membro que deva ser independente
quando alguém que não preenche essas condições é designado para as exercer?

A lei aí é omissa. Não diz, a propósito dos membros independentes, o que é que acontece à
designação. No que diz respeito à falta de independência no momento da designação, que é certa
se aquele membro de órgão social já desempenhou 3 mandatos em órgãos sociais, e é certa se se
puder comprovar e se se puder determinar que ele é titular de uma participação de 2% do CS ou mais
– já é mais difícil se ele por exemplo for o representante de alguém que seja titular de 2%, porque
este conceito de representação não é um conceito fechado.

Evidentemente que se o acionista em causa for uma sociedade, os seus representantes legais
preenchem o conceito de representação. Mas se for um advogado, aí já se terá que ver, porque já se
terá que ver qual é que é o peso que aquele mandante tem no exercício das suas funções. Se for um
cliente entre 200 que ele tenha, não é por ele ter feito um serviço que eventualmente agora se torna
representante. Nem sempre é muito claro.

De qualquer modo, se alguém é designado como membro de órgão social independente, não o
sendo, no entendimento do POC, viola uma regra imperativa – que são regras como as do art.
374.º-A CSC – se viola uma regra imperativa quer dizer que o ato designativo é nulo, é contrário a
uma lei imperativa – art. 294.º CC.

E quando a falta de independência é superveniente? Quando ela se verifica no decurso do


mandato? Depois de a pessoa ser eleita. Em relação a um dos critérios nunca é possível – o do n.º de
mandatos, porque isso verificava-se era no início. Mas quanto à participação no capital, isso pode ter
variação, porque ele podia ter 1,5% do CS quando foi eleito e depois adquiriu +0,5% e passou a ter 2%
da sociedade. A lei é totalmente omissa, pelo que nós vamos ter que recorrer à aplicação por
analogia de uma regra que está num outro artigo – art. 414.º-A n.º 2 CSC: que determina a
caducidade do mandato. Mais uma vez aqui, o órgão de fiscalização pode ser chamado a intervir e a
declarar essa caducidade do mandato por falta superveniente de independência que era requerida
para o exercício do cargo.

 Inexistência de incompatibilidades para ocupar cargos de fiscalização

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
O que está na base deste requisito que aliás é bem mais antigo que o requisito da independência –
este é um requisito que já existia quando o CSC foi aprovado. A independência apenas existe na lei
portuguesa desde a reforma de 2006.

A inexistência de incompatibilidades para o exercício de funções em órgãos sociais está prevista no


art. 414.º-A CSC: estas incompatibilidades legais no fundo visam assegurar um fim que é muito
próximo da independência, mas com uma diferença  visam também assegurar a intervenção de
determinadas no contexto de órgãos sociais, em particular dos membros do órgão de fiscalização,
com condições de objetividade e imparcialidade no exercício das suas funções.

E por isso, estabeleceram-se diversos impedimentos – são as tais incompatibilidade que estão
enumeradas – e que se concluiu que se por acaso elas se verificassem, as pessoas em causa não
estariam em condições de poder exercer funções nesses órgãos de fiscalização.

Curiosamente, as regras legais que exigem independência para certos membros de órgãos sociais
(no CSC) como o art. 374.º-A CSC também exigem que os membros independentes não enquadrem
nenhuma das incompatibilidades previstas no art. 414.º-A CSC. Isto é, para além dos requisitos da
independência a que já estão sujeitos, também não se podem encontrar em nenhuma das situações
previstas no art. 414.º-A CSC.

Então qual é a diferença entre a independência e a lista de impedimentos e a inexistência de


incompatibilidades para exercer cargos sociais? É muito simples:

Neste caso, a lei não impede que se não for exigida a independência para o exercício do cargo
social pode-se preencher o requisito da inexistência de incompatibilidades ainda que o membro
que vai desempenhar essas funções não seja verdadeiramente independente. Nomeadamente, por
ser um acionista com 2 ou + %. Evidentemente que o critério da independência é portanto um critério
mais vasto, sobretudo porque a lei depois acrescenta para além da independência que se têm que
verificar estes requisitos. Quem é independente, tem que ser independente e está sujeito a
inexistência de incompatibilidades para o exercício de órgãos sociais. Há pessoas que podem não
ser independentes, só estão sujeitas à inexistência dessas incompatibilidades estabelecidas nesta
regra.

Sistematização: que impedimentos é que a lei considera que podem prejudicar?


Estes impedimentos, traduzem-se de um modo geral em situações jurídicas relativas  traduzem
situações que ligam a pessoa do candidato ao órgão social, em particular ao órgão de fiscalização, e
outras pessoas que desempenham funções na sociedade ou a própria sociedade na qual ele
pretende exercer essas funções.

Olhando para a longa lista do art. 414.º-A CSC, são muito poucos os casos em que nos deparamos
com uma situação absoluta de impedimento para exercício de funções em órgãos de fiscalização. Mas
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há 2:
 Os que estão previstos na al. j) que correspondem a situações de incapacidade,
nomeadamente.
o Maiores acompanhados, por exemplo
 al. h)
o Aqueles que exercem funções de administração ou fiscalização em 5 sociedades.
o A lei pretende que quem já exerce funções de administração ou fiscalização em pelo
menos 5 sociedades não estará apto a assumir um cargo de fiscalização numa 6.ª
sociedade.
 Este também é um impedimento absoluto: quer dizer que não depende de
uma situação intersubjetiva, relacional que ligue o candidato a uma outra
pessoa ou à própria sociedade.
 Se eu já desempenhei funções em 5 sociedades, eu não posso ser membro de
órgão de fiscalização em nenhuma sociedade. Se eu sou maior acompanhado,
eu não posso ser membro do órgão de fiscalização em nenhuma sociedade, eu
sou insolvente.

E as outras situações que aqui encontramos?


Nalguns casos, estamos perante situações relacionais entre a própria pessoa e outras pessoas que
desempenham funções noutros órgãos sociais, designadamente na administração. Isto é, a lei
pretende prevenir que haja relações de familiaridade entre o membro do órgão de fiscalização e
quem já seja administrador na própria sociedade comercial. É isso que resulta claramente da al. g)
do art. 414.º-A CSC.

E aquilo que resulta da al. g) do art. 414.º-A CSC são todas as situações que ligam uma pessoa
candidata a membro do órgão de fiscalização e quem desempenhe funções de administração.
Pretende-se evitar proximidade, pretende-se evitar familiaridade. Pretende-se evitar promiscuidade.
Que relações são essas? Parentesco e afinidade até ao 3.º grau da linha colateral ou relação de
conjugalidade.

Esta alínea não sobre situações que são mais do que óbvias, em que a influência é mais premente,
como por exemplo, a união de facto. É evidente que quem vive em UF só vive em UF porque quer.
Não é obrigado. Logo, é aquela situação em que na realidade há mais emoção e menos razão, porque
o cônjuge pode ser obrigado a viver, porque é casado – aí pode haver só razão ainda que já não haja
emoção. O que é estranho é que precisamente a situação em que possa haver maior influência é
uma situação que não está prevista e que é discutível se cabe aqui por interpretação extensiva.
POC: o legislador já se devia ter preocupado com isso desde 1986.

Por outro lado, é altamente criticável que relações de afinidade no terceiro grau da linha colateral
possam prejudicar, porque é um grau muito afastado – tio com sobrinho – um tio por afinidade não
nos diz muito. Ou seja, muitas vezes até mal o conhecemos. Vemos uma vez no Natal quando vemos.
E portanto nessa circunstância o facto de uma pessoa exercer funções num órgão de fiscalização e o
seu sobrinho por afinidade ser designado administrador vai logo interferir com o exercício dessas

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
funções. Isso não deixa de questionável, mas é o que resulta claramente da lei.

Finalmente, há relações de incompatibilidade que dizem respeito à relação que o candidato a


desempenhar funções no órgão social tem com a própria sociedade ou com sociedades que se
encontrem em relação de grupo com ela. Quer porque ele participa na administração dessas
sociedades, porque exemplo – então é óbvio que ele não pode ser membro do órgão de fiscalização
de sociedades que estejam nessa relação de coligação, quer porque ele tem uma relação com essa
sociedade a diferente título – que é o que acontece nos termos da al. e) do art. 414.º-A n.º 1 CSC –
isto é, quem tiver uma relação comercial significativa ou prestar serviços à sociedade que pretenda
ser membro do órgão de fiscalização está perante um impedimento:

Imagine-se que sou fornecedor de uma SA e que 15% da minha produção é canalizada para aquela
SA  com quem é que eu celebro os contratos com essa SA? Com os respetivos administradores.
Como é que eu depois posso estar a fiscalizar esses administradores que são quem no fundo é
responsável pela minha relação contratual. Se eu for muito exigente nessa fiscalização, eles
extinguirão a minha relação contratual e portanto eu não vou ter uma condição de isenção para
prestar esses serviços.

É isto que a lei pretende impedir. Fala em relação comercial significativa. Não diz prestação de
serviços significativa, mas aí sim, por interpretação, devemos entender que prestação de serviços tem
de ser significativa, também para privar ou para reconduzir a uma situação de impedimento o
candidato para o exercício de funções.

Eu não posso exercer funções num órgão de fiscalização se o fizer em sociedade concorrente – al. f)
do n.º 1 do art. 414.º-A CSC e percebe-se porquê. Para no fundo não haver promiscuidade nos
conhecimentos que haja entre uma sociedade e a outra.

É curioso que este impedimento pode ser dispensado nas sociedades do modelo, mas esta regra
legal que existe no CSC é, segundo o POC, uma vergonha, porque é uma regra fotográfica que foi lá
introduzida para poder subtrair uma determinada pessoa a uma situação de incompatibilidade, por
isso é que é uma verdadeira vergonha. Não se vê que razão para que no modelo germânico não haja
impedimento e nos outros modelos de governação haja um impedimento absoluto.

Quais é que são os efeitos que decorrem da situação de incompatibilidade e da designação de


alguém que esteja nessa situação?

Aqui neste artigo, talvez por ser muito mais antigo, prevê-se no n.º 3 o que é que sucede se a
incompatibilidade for inicial. Diz claramente que é nula a designação. E o n.º 2 foi onde há bocado
viemos fazer a analogia para a independência – caducidade da designação.

Daqui decorre que se eu, que sou administrador de uma SA casar com uma pessoa do conselho fiscal,
vai caducar a designação societária que estiver sujeita ao impedimento, que no caso é a do membro
247
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do órgão de fiscalização, porque os administradores não têm estes impedimentos. Se eu for viver
com a pessoa no contexto da UF, não caduca 

Quer no que diz respeito à independência, quer no que diz respeito às incompatibilidades para
exercer funções sociais, o POC entende que nada impede que a sociedade seja mais exigente. Se ela
for mais exigente, significa que ela tem maior rigor na seleção dos seus membros dos órgãos sociais.
E portanto é possível contratualmente alargar esta lista de incompatibilidades ou também dificultar
a independência.

Como é que eu alargo a lista de incompatibilidades? Há uma incompatibilidade que não está nessa
longa lista – outra vergonha que aconteceu – que deixou de estar na lista do art. 414.º-A – que está
em quase todas as leis societárias da Europa e percebe-se porquê: ninguém pode, no mandato
subsequente a ter exercido funções de administração, exercer funções de fiscalização.

Se eu mudar do órgão de administração para o órgão de fiscalização, eu vou varrer para debaixo do
tapete toda a porcaria que fiz no órgão de administração, porque eu sei o que é que fiz. Estou numa
condição privilegiada de procurar disfarçar aquilo que de menos correto se fez. E portanto, até 2006,
isto era um impedimento legal. Como interessava a algumas pessoas mudar do órgão de
administração para o órgão de fiscalização, o nosso legislador que é sempre obediente, quando fez a
reforma, criou esta maravilha de mudar tudo de artigo e esqueceu-se desta alínea e acrescentou uma
ou duas para disfarçar, coitado    Isto é um exemplo de incompatibilidade que pode ser
utilizado estatutariamente. Eu na minha sociedade quero que quem for administrador não possa ir
para o órgão de fiscalização. E ponho lá a regra e com isso limito.

No que diz respeito à independência, também posso criar dificuldades. Se a lei diz que é
independente ou não é independente quem tiver 2% ou mais no capital, eu posso ser ainda mais
exigente e dizer: não é independente quem tiver 1% ou mais. E aperto o requisito, dificulto a
qualificação como independente. É isso que resulta da lei.

Esta próxima questão é relativamente nova, porque foi introduzida na nossa OJ pelo DL 109D/2021
de 9 de Dezembro: consiste em alterações a algumas regras do CSC que têm que ver não
propriamente com requisitos, mas que não deixam de constituir um requisito para desencaminhar
funções em cargos sociais.

De acordo com este diploma legal com as alterações feitas aos artigos em causa, nomeadamente o
art. 391.º CSC que é que nos interesse para efeitos da designação de administradores, passou a ser
obrigatório que os administradores subscrevessem uma declaração de aceitação da designação do
cargo se não decorresse com absoluta clareza a sua aceitação do instrumento em que a designação
havia ocorrido.

Até à entrada em vigor deste diploma, só havia um membro de órgão social que era obrigado a emitir
declaração de aceitação, que era o ROC. Pretende-se com isso condicionar o registo comercial. Quem

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
não emita declaração, não pode ser registado, inscrito no registo comercial e portanto no fundo era
isso que acontecia.

Aquilo que acontecia com o ROC passou a acontecer agora com os gerentes e com os
administradores, para que ninguém possa vir dizer que foi nomeado administrador e nem sabia.
Porque era aquilo que acontecia até agora. Como é que se iniciava a relação de administração no
passado? Iniciava-se de forma tácita. A pessoa era designada administradora, pratica atos que
correspondiam a atos de gestão daquela sociedade e entendia-se que tinha aceite o cargo.

Mas a verdade é que ela não tinha que dizer eu estou disponível para ser administradora. Ela podia
não só ser eleita, como inscrita no registo comercial (antes de praticar qualquer ato), que ela não
deixaria de figurar como tal. Com todas as consequências, até a nível de responsabilidade tributária, o
que não deixava de ser complicado.

E agora o legislador veio a exigir mais. Veio a exigir que a pessoa faça essa declaração de aceitação, é
uma carta de aceitação em que no fundo se diz Inês, tendo sido eleita administradora para o
mandato X na sociedade Y, declara expressamente aceitar a sua designação para exercer essas
funções. Ou então, por exemplo, tratar-se de um gerente eleito como tal ou designado como tal que
por sua vez como na qualidade de sócio subscreva a própria ata onde está designado como gerente. É
preciso é que seja verdadeiramente inequívoco.

Retribuição por exercício de funções em órgãos sociais (remuneração)

A primeira questão tem a ver com isto: se a pessoa concede a sua disponibilidade à sociedade para
poder exercer funções em seu benefício, é natural que ela precise de auferir uma retribuição pelo
exercício dessas funções.

No passado já distante, sobretudo em sociedades de pequena dimensão, qual era a alternativa que se
colocava? Era muito simples: as pessoas podiam ser remuneradas pelos lucros que recebiam e não
pelo exercício de funções profissionais nessas sociedades. Mas com o desenvolvimento económico, o
progresso e a maior complexidade de gestão e com a tal dissociação entre o risco do capital e a
direção efetiva da sociedade, tornou-se necessário procurar assegurar que quem exerce
profissionalmente as suas funções o possa fazer auferindo uma remuneração pelas mesmas.

Naturalmente que a remuneração é diferente nos diversos tipos societários e também é diferente
nos diversos cargos sociais. Nos diversos tipos societários, porque nas sociedades de pessoas há
menos órgãos sociais e há habitualmente também menos membros dos órgãos sociais, porque nessas
sociedades de pessoas continua muitas vezes a verificar-se uma remuneração indireta por via de
resultados.

Mas a lei prevê e regula a remuneração, fá-lo por exemplo no art. 255.º CSC – a lei pretende
assegurar-se de que não é possível esvaziar os lucros de uma sociedade através das remunerações
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dos gerentes, porque os gerentes normalmente são designados pela maioria. E a lei quer assegurar-se
que essa maioria que designa os gerentes não esvazia os lucros da própria sociedade. E é esse
equilíbrio que se pretende constantemente assegurar e por isso o art. 255.º CSC prevê que se possa
requerer ao tribunal que reduza a remuneração dos membros do órgão executivo da sociedade por
quotas.

No que diz respeitos às SA, naturalmente que também há diferenciações, sobretudo quando elas são
pequenas ou atingem uma grande dimensão, porque a profissionalização dos respetivos cargos vai
aumentando na medida da sua maior complexidade.

Como é que a remuneração é atribuída e como é que ela é fixada?

Não tem sentido ser o próprio beneficiário da remuneração a atribuir essa remuneração. Então, a lei
entende que isto é uma matéria da competência dos sócios ou dos acionistas e que o podem fazer
por 1 de 2 vias:
 Ou por deliberação em contexto da AG
o No fundo decidindo sobre a remuneração ou não remuneração, e decidindo
positivamente, estabelecendo o montante da remuneração;
 ou no contexto de um órgão especializado que criam para o efeito – comissão de
remunerações
o não tem que ser composta unicamente por acionistas, tem que ser composta por um
mínimo de 2 pessoas e que se vai debruçar sobre os critérios que devem no fundo ser
aplicados à atribuição de remuneração.
o Tem um papel especialmente importante relativamente à atribuição de remunerações
variáveis, porque essas são remunerações que muitas vezes são concedidas não
apenas em função do desempenho da própria sociedade, mas também concedidas em
função do desempenho do gestor.
o Mas, como é normal, as grandes SA e em particular as sociedades cotadas, estão
sujeitas a regras ainda mais estritas sobre as remunerações
 Porque as respetivas remunerações e o cálculo e a sua determinação devem
poder de algum modo ser antecipadas pelo mercado! É esse o cuidado que
existe, por isso não surpreende que o legislador tenha feito constar matéria de
remunerações, inclusivamente no CVM nos arts. 26.º-A e segs.

04.05.2022

Aquilo que vimos que no passado era válido, no presente já não se justificava, ou seja, que a
remuneração se fizesse fundamentalmente com base nos lucros que a sociedade proporcionava e
que portanto essa solução seria uma solução que hoje apenas seria aceitável numa sociedade de
reduzida dimensão em que o contributo dos sócios que recebem os lucros fosse rigorosamente
idêntico àquele que seria prestado no exercício de funções de gestão.

250
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Esta é uma questão com imenso alcance prático, porque a tributação que recai sobre remuneração
dos membros dos órgãos sociais, nomeadamente sobre os administradores, não é indiferente
relativamente à tributação que recai sobre os lucros. Aqui, mais uma vez, o Estado preocupa-se em
tributar excessivamente o trabalho relativamente à riqueza ou à aplicação de capitais. E por isso, se
eu optar por receber os rendimentos da sociedade com base em lucros distribuídos, eu vou
suportar uma taxa de 28% (se não viver nos Açores). Se eu receber uma remuneração de gestor,
então eu vou pagar uma taxa que pode ir até 50% para além da contribuição para a SS, o que
significa que o encargo é muito maior e muito superior.

Mas também isso só pode ser equacionado nos casos em que a composição da sociedade é
essencialmente familiar, porque se os gestores forem profissionais, evidentemente que eles
preferem receber como profissionais a não receber nada – e a questão está resolvida por definição.

Todos os cargos sociais podem ser remunerados. Mas como vimos, há atributos que são necessários
para o desempenho de certos cargos sociais que irão influenciar necessariamente a retribuição que
venha a ser auferida pelos respetivos titulares – aqueles membros dos órgãos sociais que na
realidade devam receber uma remuneração fixa e portanto devam estar salvaguardados do
desempenho e resultados que a sociedade venha a atingir.

Essa remuneração fixa é apanágio por exemplo dos membros independentes dos órgãos sociais –
eles terão de receber sempre o mesmo, independentemente daquilo que façam em prol da própria
sociedade ou independentemente dos resultados que esta também venha a obter.

Outros membros de órgãos sociais, sobretudo os mais responsáveis pelos seus resultados, que são
os membros executivos do CA, aqueles que têm por obrigação participar quotidianamente no
exercício da gestão societária e portanto representando e administrando a sociedade diariamente, a
esses pode vir a ser reconhecida uma remuneração variável a acrescer à remuneração fixa.

Mas, não há obrigação de remunerar nenhum membro de órgão social: ou seja, o legislador não
impõe qualquer questão em termos de considerar que se deva concluir deverem ser determinados
membros de órgãos sociais necessariamente remunerados. Em última análise, pode nenhum deles
ser remunerado.

É evidente que se eu requeiro, para exercer certas funções com objetividade, isenção e
imparcialidade que a remuneração deva ser fixa, então eu também devia requerer que houvesse
remuneração, porque eu se desempenhar as funções com essas características, se não receber nada,
ou sou parva ou estou a pensar receber de outro modo que não necessariamente pela própria
sociedade e portanto como é evidente há aqui questões que estão em aberto e que devem ser
pensadas.

A dimensão da sociedade é fundamental para analisarmos esta matéria. No domínio das SA, que é
aquele em que existe maior profissionalização na gestão da sociedade, isto é, é aquele em que a tal

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dissociação entre o risco da direção efetiva da sociedade e o risco do capital é mais nítido, porque
quem corre o risco do capital é quem investe (o empresário) – nessas sociedades, o POC diria que há
uma tradição de remunerar pelo menos os membros executivos do órgão de administração.

Essa remuneração muitas vezes é fixa. Nalguns casos, como se prevê no art. 399.º CSC pode ser feita
inclusivamente à custa dos lucros da sociedade, desde que o contrato de sociedade o tenha
oportunamente antecipado. Isto é, desde que haja uma cláusula no contrato de sociedade que
preveja a possibilidade de uma parte dos lucros do exercício ser afeta ao pagamento ou à
remuneração do desempenho dos titulares do órgão de gestão e essa remuneração é também
frequentemente variável.

Nas sociedades de grande dimensão (cotadas) há uma preocupação especial com essa remuneração
variável. Ela está prevista no CVM nos arts. 26.º-A e segs, regras que foram enxertadas no CVM. Para
além da atribuição de uma remuneração, essas sociedades cotadas têm que definir uma política de
remunerações. Isto é, elas têm que procurar estabelecer os termos em que a remuneração pode
variar.

E a remuneração variável muitas vezes diferencia inclusivamente os próprios gestores, porque as


funções desempenhadas por uns podem ser mais valorizadas pelo mercado do que as funções
desempenhadas por outros. E quando o mercado reage dessa maneira, dizemos por exemplo, um
CFO, o administrador responsável pelo pelouro financeiro vai ser mais remunerado que o
administrador responsável pelas operações da sociedade, porque é mais difícil encontrar um bom
financeiro do que um operacional. Isso pode vir a resultar nos critérios que vão ser aplicados na
atribuição, sobretudo de valor.

Em geral, a remuneração fixa é equivalente e onde há diferenciação é entre o lugar de liderança ou


coordenação, o lugar de presidente do CA e os lugares dos diversos vogais e a diferença que se coloca
vai ser entre os executivos e os não executivos. Mas também por razões que são muito facilmente
compreensíveis:

Era muito bom darmos uma vista de olhos nos arts. 26.º-A e segs. CVM: esta lógica de haver uma
política de remunerações é procurar encontrar, no contexto da SA os critérios que devam ser
aplicados depois à concretização das remunerações a atribuir em função do desempenho da
sociedade.

O que esses artigos não fazem, mal quanto ao POC, é que não explicitam o que é que acontece se por
exemplo a política de remunerações não for aprovada. Ou seja, eles pressupõem que ela vai ser
aprovada. E se não for? POC: Não sendo aprovada a política de remunerações, eles não deixam de
ser remunerados! Porque isso então era ridículo. Eles vão auferir a remuneração fixa que até aí era
atribuída aos administradores. Podem é deixar de receber a dita remuneração variável.

E quem é que fixa os critérios para atribuição dessa remuneração variável? Aqui temos 2

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possibilidades:
 Ou era o órgão social com competência para atribuir remunerações que é a AG, porque isto é
uma matéria da maior relevância no contexto da sociedade,
 ou será a comissão de remunerações também muitas vezes chamada comissão de
vencimentos que a própria AG designe para o efeito.
o E frequentemente nas grandes sociedades cotadas, para não dizer invariavelmente nas
quase todas as cotadas com relevo, estão comissão de remunerações é composta por
técnicos altamente profissionalizados, muitas vezes antigos gestores de sociedades
cotadas e que naturalmente vão ser responsáveis pela aplicação dos critérios que
decorram da dita política de remunerações em cada uma das circunstâncias concretas
com as quais se vierem a deparar.
o A comissão de remunerações é um órgão delegado da AG, não tem que revelar à AG
o teor na sua total extensão das suas deliberações, mas deve divulgar à AG, se esta o
requerer, o resultado das deliberações que ela fixou.

Outra questão interessante diz respeito a poder haver no âmbito de uma SC outras formas indiretas
de remuneração para além daquelas que possam resultar dos próprios lucros. Pode o
administrador, por exemplo, receber subsídios de representação  designadamente quando se
desloca em funções pela sociedade ou porque no fundo o seu cargo implica gastos adicionais que, em
geral, o seu salário não venha a cobrir.

É preciso aqui distinguir duas situações claras: até porque estamos na fronteira com as
remunerações que os administradores vão receber. Se estes subsídios forem manifestamente
exagerados, eles correm o risco de ser qualificados como remunerações e é sempre bom para todos
os efeitos que a própria deliberação que tenha autorizado as remunerações também tenha previsto
que fossem pagos os subsídios e as ajudas de representação que fossem adequadas ao exercício das
funções.

As despesas por conta da sociedade não se confundem com estes subsídios, porque essas são feitas
no interesse da própria sociedade. É o que acontece por exemplo quando um administrador convida
alguém para uma refeição e no final da refeição suporta o preço – as despesas são diretamente da
própria SC, mas também são feitas no interesse da sociedade.

É uma matéria muito delicada, e obviamente que se for uma matéria que deve levar a abuso, vai dar
lugar também a uma reação desfavorável relativamente a quem cometer esse abuso. E quem pode
cometer o abuso, em geral, é quem está perto da caixa. Isto é, quem está perto dos bens que
pertencem à própria sociedade.

Deveres gerais dos membros dos órgãos sociais

Como é que a lei no fundo qualifica o seu desempenho? O que é que a lei requerer. Aqui há uma
regra fundamental – art. 64.º CSC – que estabelece uma cláusula geral sobre o desempenho de

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funções de administração e de fiscalização e que conhece desde 2006 duas vertentes muito
importantes:
 Modo como devem ser desempenhadas as funções de administração e fiscalização da
sociedade
o A lei impõe que os membros desses órgãos desempenhem essas funções de forma
diligente e criteriosa e utiliza até uma referência que é aquela que consta da al. a) do
n.º 1 do art. 64.º que é aplicável essencialmente aos gestores que diz a diligência de
um gestor criterioso e ordenado
 Ou seja, alguém que na realidade o deva fazer. Essa diligência do gestor
criterioso e ordenado materializa o chamado dever de cuidado que deve ser
observado na gestão da sociedade comercial.
 É um dever que necessariamente vai ter que ser aferido em razão da
complexidade da atividade da própria sociedade. Ou seja, o cuidado que é
exigido ao gestor de um banco não é o cuidado que é exigido ao gestor de uma
mercearia. São realidades completamente diferentes. Estes deveres, por isso,
terão que ser cumpridos de forma completamente distinta – um gestor
criterioso e ordenado de um banco tem que ter um conhecimento e uma
postura completamente diferentes daquelas que são exigíveis ao gestor de
uma mercearia, como é evidente, porque é uma atividade muito mais simples e
que está ao alcance de muito mais pessoas, que não pressupõe qualificações
prévias que podem também existir.
 Relativamente a sociedades que estão sujeitas a supervisão de entidades reguladoras do
mercado – é muito frequente que essas entidades em função da dificuldade da administração
dessas sociedades possam ter determinadas exigências em matéria de aptidões técnicas que
os membros do órgão de gestão devam ter – é isso que sucede com os bancos:
o E por isso se ouve muitas vezes no jornal fulano tal foi indicado para ser gestor de um
banco, mas o BCE que ainda por cima tem agora participação nisso, está a exigir que
ele faça determinados cursos de formação que o pré-qualifiquem por maiores que
sejam os títulos que ele tem, sobretudo nos casos em que estamos a qualificar alguém
que não vez a sua vida profissional na banca, mas fora dela, embora possa ser uma
pessoa com um currículo muito distinto.

Aqui, esta exigência do dever de cuidado é uma exigência que afasta claramente os gestores das
sociedades comerciais, em particular das grandes sociedades comerciais, dos acionistas. O acionista
é o homem comum, é o homem com diligência média. É o bonus pater familiaes. As exigências que se
vão fazer em relação ao acionista, fazem-se em relação a qualquer investidor em geral.

O administrador não é o mesmo bonus pater familiaes. O administrador tem que ser alguém dotado
de um conhecimento especialmente significativo, de uma aptidão técnica compatível com as
exigências inerentes ao desempenho do cargo que ele aceita, até porque hoje, mais do que nunca,
essa aceitação passou a ser expressamente exigida, ou seja, já não se é administrador sem saber,
como já aconteceu no passado.

Depois temos um outro dever fundamental dos gestores, que está também logo no art. 64.º na al. b)
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– que é o dever de lealdade no interesse da sociedade. É desta al. b) que se vai extrair o tal conceito
de interesse social de que já aqui falámos.

Só que, neste dever de lealdade, eu posso ainda abranger outras realidades, porque eu posso
entender que o dever de lealdade não se coloca só nos administradores perante os acionistas, dos
administradores perante os trabalhadores, dos administradores perante os clientes, dos
administradores perante os fornecedores, dos administradores perante os credores, dos
administradores perante todas as pessoas cujos interesses vitais de algum modo possam ser
prejudicados pelo exercício de funções pela sociedade, ainda que não sejam contrapartes negociais.

Também cabe no dever de lealdade a postura que um membro de um órgão social tem
relativamente aos demais. Eu não posso dizer que os membros de órgãos sociais que estão sujeitos a
estes amplos deveres depois não têm que ser leais com os seus próprios colegas, com aqueles com os
quais eles atuam, em concerto no contexto da sociedade. POC: Embora isso não esteja aqui previsto
expressamente, parece que é claro que também está abrangido.

Há violação do dever de lealdade se os gestores, por exemplo, esconderem alguns factos relevantes
uns dos outros. Para além da deslealdade que isso representa para com a própria sociedade pelos
danos que possa vir a ocasionar.

E os membros do órgão de fiscalização? Também têm agora, desde 2006, uma regra que é a do n.º
2 do art. 64.º CSC, mas a eles ainda se exige mais quando eles existem (necessariamente no plano das
SA, mas não dos outros tipos societários): se eu tenho que ter grandes aptidões para gerir, eu para
controlar essa gestão não posso ter aptidões inferiores! Porque se não, não tenho meios para poder
desempenhar essa fiscalização, para poder desempenhar esse controlo.

E portanto, o dever de cuidado do membro do órgão de fiscalização não pode ser inferior ao dever
de cuidado do próprio gestor, embora muitas vezes na prática se entenda que sim, mas mal quanto
ao POC! Entende-se por deficiente compreensão. Então de acordo com o n.º 2, eles devem
empregar deveres de cuidado, com elevados padrões de diligência profissional. E depois,
curiosamente, também tudo conjugado com o dever de lealdade que também sobre eles recai no
interesse da própria sociedade. É isto que resulta dos deveres fundamentais dos membros dos órgãos
sociais.

Há outros deveres? Claro! Não só na própria lei, mas também há outros nos próprios estatutos. O
contrato de sociedade pode impor deveres. Pode impor, por exemplo, que em certas matérias, os
gestores, embora tivessem uma competência natural, leia-se, uma competência legal para decidir
sobre as mesmas, pela relevância que elas têm na vida da sociedade, devem sujeitar a sua decisão à
aprovação dos acionistas – temos aqui um dever estatutário específico que é o de sujeitar à
apreciação dos acionistas essa aprovação.

E em termos legais?

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Em termos legais, já aqui falámos de vários deveres dos administradores. Um deles até vem logo após
os deveres legais – o art. 65.º CSC. Mas desde logo, há o dever de prestação de caução. Se não for
dispensável a caução, se eles estiverem sujeitos e não for dispensada, eles têm que prestar essa
caução. É um dever legal específico, que se autonomiza relativamente aos seus deveres gerais.

O dever de relatar a administração: de revelar ao mercado e aos acionistas e aos sócios, como é que
desempenharam as suas funções – art. 65.º CSC. Associado a esse dever de relatar, o dever de
apresentar as contas dessa sua gestão, o dever de submeter esse relato e essas contas à apreciação
dos sócios. Não basta elaborar sobre elas, é preciso requerer a quem de direito, que os sócios se
venham a pronunciar e venham a aprovar essas contas.

O dever de requerer a convocação da AG sempre que for necessário a sociedade tomar uma decisão
que integre a esfera de competência desse órgão e nomeadamente o dever de em certas
circunstâncias, por exemplo verificando-se a perda de metade do CS (art. 35.º CSC) – solicitar a
convocação da AG para que os sócios sejam conduzidos a tomar uma de 3 decisões possíveis ou
simplesmente optar por não as tomar.

Dever de apresentação da sociedade à insolvência quando ela se encontra nessa situação – art. 18.º
CIRE. Estes deveres até agora são deveres que obrigam os administradores a adotar uma
determinada postura, a praticar uma ação.

Mas também há em paralelo uma série de deveres que deveríamos dizer que são deveres de
conteúdo essencialmente negativo: há outros deveres que se pautam pelo aquilo que se traduz em
não adotar certas condutas ou comportamentos, nomeadamente:
 Dever de não exercer atividades concorrentes com a própria sociedade, salvo se estiver
expressamente autorizado
 Dever de não celebrar NJ à margem da própria sociedade – isso decorre logo da limitação
decorrente da capacidade e do art. 6.º n.º 4 CSC
 Dever de não adquirir participações próprias salvo nos casos e termos que estão
expressamente previstos na própria lei – isso resulta dos disposto em matéria de aquisição de
ações próprias e de quotas próprias
 Dever de não promover a distribuição de bens da sociedade que não possam ser licitamente
disponibilizados e designadamente em violação do disposto nos arts. 32.º e 33.º CSC
 Dever de não executar deliberações sociais que sejam nulas – a lei aí estabelece uma
diferença:
o Se a deliberação social for anulável, eles não estão impedidos de a executar
o Mas se for nula, pela gravidade que a mesma encerra, em princípio, eles devem-se
abster de o fazer

Os deveres são muito relevantes e naturalmente, a sua inobservância irá ser muito provavelmente
fonte de responsabilidade dos administradores perante a sociedade e perante terceiros com os quais
eles se relacionem.
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Responsabilidade dos titulares dos órgãos sociais

Responsabilidade corresponde a ter de assumir os efeitos negativos de um determinado ato que


devam ser imputados a uma pessoa diferente daquela onde terá ocorrido o dano. E portanto aqui a
questão é saber em que termos é que os titulares dos órgãos sociais podem vir a ser responsáveis
pelos danos que por efeito da sua gestão provoquem à sociedade ou possam provocar aos credores
sociais, aos sócios ou a outros terceiros.

Depois, para estender essa responsabilidade, ainda que de forma mais mitigada, a membros de
outros órgãos sociais. Os próprios membros da mesa da AG, em particular o seu presidente, que tem
uma omnipresença no contexto desse sub-órgão podem ser responsabilizados por atos ilícitos que
pratiquem no exercício das suas funções.

Responsabilidade dos administradores

Já vimos que os administradores são chamados a prestar caução para garantir os efeitos do
desempenho dos seus atos. Quer dizer, já vimos que o sistema jurídico antecipa que do desempenho
da administração possam resultar prejuízos e que esses prejuízos não devam ter de ser
necessariamente assumidos pela EJ onde eles ocorreram que é a EJ da sociedade ou terceiros se
forem eles diretamente prejudicados e que a lei tem a preocupação de estabelecer o quadro em que
ocorre essa responsabilidade.

Mas também se coloca em cima da mesa que os administradores não são só suscetíveis de incorrer
em responsabilidade civil, mas também podem incorrer em responsabilidade penal nos termos
previstos nos arts. 509.º e segs. CSC, que estabelecem situações específicas de responsabilidade dos
gestores da sociedade e que contêm uma moldura penal que foi amplamente agravada por um
diploma legal que iniciou a vigência em Março deste ano.

A responsabilidade dos membros dos órgãos sociais está prevista nos arts. 71.º e segs. CSC. É
natural que os membros da gestão não sejam responsáveis, invariavelmente, pelos prejuízos
causados à sociedade. Isto é, a sociedade irá sofrer prejuízos pelo efetivo desempenho de funções.

Os membros dos órgãos sociais, se atuarem cumprindo os seus deveres legais, se atuaram de forma
diligente e com lealdade, se deram o seu melhor no exercício das suas funções, tomaram as decisões
que seriam exigíveis no contexto em que vieram a ocorrer, e que portanto poderíamos dizer –
tomaram as decisões que seriam racionalmente adequadas, então mesmo que tenha resultado do
desempenho da sociedade prejuízos, eles não podem ter de ser chamados a assumir esses mesmos
prejuízos.

Por outro lado, também não podem assumir responsabilidade se estiverem a executar um ato que

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tenha sido objeto de uma deliberação dos próprios sócios. Isto é, se foi um ato em que os sócios
tiveram intervenção e cuja prática por eles foi sancionada ou determinada. Aí também não tem
sentido que eles assumam essa responsabilidade.

O único aspecto em que devemos na realidade não excluir a sua responsabilidade quando eles
interagem com outro órgão resulta da situação em que porventura existe um parecer positivo do
órgão de fiscalização e eles não obstante praticaram o ato que submeteram a esse parecer e esse ato
foi gerador de responsabilidade. Parecer positivo do órgão de fiscalização não exime a sua própria
responsabilidade – atenua essa responsabilidade, sem dúvida, mas não a exime, porque em última
análise, a iniciativa é deles e a decisão final também é deles.

 Art. 72.º CSC: responsabilidade de membros da administração para com a sociedade


o N.º 1: Os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a
esta causados por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou
contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.

Veja-se a importância de termos andado a referir quais é que eram os deveres. E depois a parte final
do n.º 1 é muito dura, porque diz salvo se provarem que procederam sem culpa. Isto é, o n.º 1 do
art. 72.º CSC estabelece uma presunção de culpa.

Então quem é que quer ser administrador? Isto é, se eu respondo pelos danos que resultem para a
sociedade, se não conseguir provar que atuei sem culpa, então eu vou ser responsabilizado perante a
própria sociedade. Há uma responsabilidade pessoal dos próprios gestores. Então temos que recorrer
no fundo ao n.º 2: A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior
provar que actuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de
racionalidade empresarial.

É uma regra legal que exclui a responsabilidade dos administradores sempre que estes provem ter
atuado com conhecimento, isto é, devidamente informados, sem interesse pessoal no ato que
originou os prejuízos que resultam para a sociedade e sobretudo norteando-se por critérios de pura
racionalidade empresarial.

É aquilo que se chama business judgement rule. Isto é, há uma regra que permite aferir o modo
adequado como ser exerce a administração e essa regra é aquela que permite ao julgador concluir
que naquele contexto em que os gestores atuaram eles fizeram aquilo que seria exigido em situação
análoga e que não teriam feito se pudessem antecipar o resultado, mas que naquela circunstâncias é
desculpável que tivessem feito, ainda que tivesse provocado um dano à sociedade. Ou seja, caso se
voltasse a repetir aquela situação, seria perfeitamente compreensível que a decisão fosse de praticar
aquele ato que originou os prejuízos.

Nº 3: Não são igualmente responsáveis pelos danos resultantes de uma deliberação colegial os
gerentes ou administradores que nela não tenham participado ou hajam votado vencidos, podendo

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neste caso fazer lavrar no prazo de cinco dias a sua declaração de voto, quer no respectivo livro de
actas, quer em escrito dirigido ao órgão de fiscalização, se o houver, quer perante notário ou
conservador. 

 podemos alargar o universo daqueles que não vão ser responsabilizados. Não vão ser
responsabilizados aqueles que se venham a demarcar daquela decisão. O que é que resulta daqui?

O seguinte – sempre que um administrador tiver a dúvida sobre a pertinência de um ato, ele deverá
opor-se à prática desse ato. Porque ou ele está convicto sobre a bondade da prática do ato e ele
contribui para a formação da vontade societária no âmbito da administração, ou, se ele tiver dúvidas,
é preferível que ele diga que não. É por isso que o POC diz: o administrador, salvo nos casos em que
não puder participar na decisão por se encontrar numa situação de conflito de interesses (arts.
410.º n.º 6 CSC e 397.º CSC) ele não pode abster-se!

E porque é que não pode abster-se? Porque a abstenção corresponde a uma violação do dever de
cuidado, porque um gestor diligente e ordenado, se está de acordo, aprova; se tem dúvidas ou se
está em desacordo, tem que dizer que não – porque é isso que vai afastar a sua responsabilidade. É
isso que vai permitir, no fundo, qualificar apenas a responsabilidade daqueles cujas vontades
contribuíram para a formação daquela decisão. Não basta que o administrador, na iminência da
sociedade vir a tomar uma decisão difícil pretexte uma ausência do conselho. É preciso que ele
depois tenha o cuidado de se vir a afastar.

Pequeno à parte: a vida não é fácil porque a pressão é imensa, porque o administrador está no
conselho com os outros administradores, porque há alguns que têm um domínio psicológico e
provavelmente não apenas psicológico, porque são os administradores que são investidores e que
têm um risco maior no capital que pressionam para a tomada de decisão e o administrador pensa
muitas vezes se não alinhar, vou ficar desalinhado definitivamente. Isto é, vai ser descontinuado.
Acabará por ser afastado. É muito difícil as pessoas afastarem-se da responsabilidade.

Depois, a própria lei no art. 73.º CSC prevê a responsabilidade solidária dos administradores que
tenham estado envolvidos na decisão que foi tomada e que esteve na base dos danos que
ocorreram a nível da própria sociedade. Ele é solidariamente responsável pelos danos decorrentes
dos atos a que ele se devia e podia ter oposto e não fez, como resulta do n.º 4 do art. 72.º CSC.

E quando ocorre responsabilidade, o que é que se deve fazer?

Se há um dano no contexto da sociedade que seja provocado por culpa de um ou vários


administradores, como é que se poderá reagir contra esse dano? Provavelmente, os administradores
não farão nada, porque foram eles os autores do dano. E portanto vão assobiar para o lado, vão
lamentar o prejuízo mas não vão querer fazer nada.

E os acionistas que vão ser prejudicados com o resultado que a sociedade averbou com o prejuízo
259
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
que a sociedade registou? Eles podem reagir e aí temos dois tipos de ações possíveis que estão
previstas, respetivamente, nos arts. 75.º e 77.º CSC.

O prejudicado é essencialmente a sociedade, porque ela é que averba o dano. As diligências que
nós vamos praticar são diligências tendentes a obter um ressarcimento da própria sociedade. Isto
é, quem tomar a iniciativa, vai fazê-lo em prol da própria sociedade. E como é que eu tomo essa
iniciativa? Aí é que temos os dois caminhos
 Art. 75.º CSC – ação da sociedade
 Art. 77.º CSC – ação de responsabilidade proposta pelos próprios sócios, que é avançada por
apenas um sócio

Diferenças:

Nos termos do art. 75.º CSC, eu vou procurar que a sociedade em si aprove responsabilizar um ou
mais dos seus gestores. Aqui neste caso estamos perante uma situação em que não é o conselho de
administração que toma a iniciativa de convocar a AG, salvo se o que estiver em causa for a
responsabilidade de administradores antecessores.

Eu vou procurar responsabilizar os administradores. Para isso vou ter que requerer a convocação de
uma AG nos termos do art. 375.º n.º 2 CSC ou 23.º-A CVM, respetivamente por um mínimo de 5%
dos acionistas ou por mínimo de 2% dos acionistas se a sociedade for cotada. E depois na AG, vou
apresentar uma proposta que tem de ser objeto de aprovação pelos sócios, por uma maioria
simples para a sociedade intentar uma ação de responsabilidade contra os administradores.

O que é que sucede aqui? Frequentemente, os administradores beneficiam da cobertura dos


acionistas maioritários. E portanto que vão votar contra essa ação. Isto é, vão votar contra a proposta
de propositura de uma ação.

É verdade que não podem votar aqueles cuja responsabilidade estiver a ser apurada. Isso está
previsto no n.º 3 do art. 75.º CSC. Podia nem estar – isso já decorria de um verdadeiro conflito de
interesses que estava em causa. evidentemente eles têm um conflito de interesses pessoal quando
estão a apurar a sua própria responsabilidade com o interesse da sociedade a ser ressarcida.

Mas aquilo que acontece é que nos termos do art. 77.º CSC, desde que os acionistas reúnam um CS
mínimo correspondente àqueles valores que eram necessários para poder requerer a convocação
da AG, eles podem propor uma ação de responsabilidade contra os administradores em favor da
própria sociedade e podem necessariamente procurar encarregar alguém de o vir a fazer no
interesse da própria sociedade. O resultado da ação é para a sociedade, não é para os sócios e
acionistas, porque eles aqui estão a propor uma ação de responsabilidade dos administradores
perante a sociedade e não dos administradores perante terceiros.

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Aquilo que se discute nos termos do art. 77.º CSC – aqui há uma divergência doutrinária, é saber se é
necessário haver um esgotamento do direito de proposição da ação como está previsto nos termos
do art. 75.º e só então podermos recorrer a esta ação ou se o podemos fazer imediatamente, isto é,
de forma direta, procurando responsabilizar imediatamente os administradores.

Arts. 78.º e 79.º CSC

Estes artigos na realidade cobrem duas situações diferentes:


 art. 78.º CSC  responsabilidade para com os credores sociais

O que a lei nos diz é que há responsabilidade perante os credores sociais se houve uma
inobservância culposa de disposições legais ou contratuais que existam para proteger os credores
dos riscos que têm para com a sociedade, sempre que o património venha a tornar-se
manifestamente insuficiente para satisfazer os seus créditos.

E portanto, sempre que está em causa uma violação daquilo que se chamam normas de proteção.
São normas de proteção aquelas que resultam por exemplo de princípios estruturantes, como o
princípio da intangibilidade do CS – é uma norma de proteção de interesses de credores e de
terceiros, em geral, mas em especial dos credores, para evitar que a sociedade disponha dos seus
bens sem qualquer controlo. E por isso, todas as infrações, todas as falhas que se verifiquem ao nível
da contabilidade podem a vir reconduzir-se e originar responsabilidade perante terceiros.

Por exemplo, ter ocorrido uma distribuição de dividendos fictícios, por deficiências na construção das
contas e portanto na observância das regras a que os lucros estavam sujeitos. Isto resulta num
enfraquecimento dos direitos dos credores, que vão ter mais dificuldade em vir a ser oportunamente
ressarcidos.

Por sua vez, também no art. 79.º CSC se prevê que possa haver responsabilidade perante sócios e
perante terceiros. Aqui é uma responsabilidade por prejuízos que os gerentes ou administradores
causem junto desses terceiros. É uma responsabilidade por prejuízos que resultem da sua atuação
junto de terceiros, mas aqui é, diferentemente da outra responsabilidade, não uma responsabilidade
contratual como a que resulta do desempenho das suas funções de gestão e da inobservância dos
deveres que caracterizam essas mesmas funções. Aqui no art. 79.º CSC há uma responsabilidade
extra-contratual.

Por exemplo, numa daquelas situações de responsabilidade ambiental perante terceiros – essa pode
caber no art. 79.º CSC se a mesma foi uma consequência direta de um ato de administrador. Isto é, o
terceiro reclamar diretamente junto do administrador e não ter de o fazer junto da própria
sociedade.

Na RC automóvel, em princípio, mesmo que a responsabilidade seja do condutor, ela é transferida

261
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
para a seguradora, e por isso vamos reclamar da seguradora o ressarcimento do dano. E se
porventura o condutor foi particularmente negligente e a sua conduta não estava coberta pelo
contrato de seguro, isso é um problema entre a seguradora e o condutor.

Aqui neste plano, ocorre muito a mesma coisa. Ou seja, a sociedade assume o prejuízo, e vai tentar
ressarcir o prejuízo junto de terceiro. Pode até a sociedade ter que assumir o prejuízo junto de
credores, pode ter de assumir o prejuízo junto dos terceiros e depois a própria sociedade vir a
reclamar junto do seu administrador por se entender que naturalmente tinha havido aqui uma
responsabilidade pelos danos gerados no seu contexto.

Isto não significa que a lei não pretenda salvaguardar que em alguns casos no fundo se vá procurar na
realidade reclamar por danos que lhes tenham sido causados diretamente pelo exercício das funções
de gestão e portanto que possam para esse efeito também reclamar diretamente dos próprios
autores desses danos.

Responsabilidade que nos termos da nossa lei é equacionada em termos genéricos: há uma regra
em particular para os órgãos de fiscalização que está no art. 81.º CSC (até ao qual devemos fazer uma
leitura). A verdade é que a lei societária encontra muitos casos de responsabilidade e alguns deles
não se confiram à lei societária, como por exemplo, a responsabilidade que os gestores vão ter se a
sociedade se encontrar numa situação de incumprimento das suas obrigações (insolvência) e eles não
promoverem a apresentação à insolvência no prazo de 30 dias. É isto que decorre dos arts. 18.º e
19.º CIRE e isso significa que na realidade eles são ter que promover a prática desses atos sob pena
de virem também a ser responsabilizados por não o fazerem.

Mas para vermos como isto é complexo e não é tão evidente como parece: também há hoje no plano
da insolvência um nível de responsabilidade que visa na realidade responsabilizar os gestores quando
eles precipitaram a insolvência que não era uma realidade, pelo prejuízo que isso em si causa à
própria sociedade.

É que uma vez declarada a insolvência e note-se que é um ato o de apresentação à insolvência que
não depende de uma deliberação consensual, basta haver um dissidente que tenha a perceção que a
sociedade está numa situação de incumprimento que ele tem o dever de apresentação à insolvência.
Mas também não o pode fazer de forma leviana, porque no momento em que for declarada a
insolvência, isso é relativamente simples de acontecer num prazo muito curto que é de 3 dias – é o
prazo de que o tribunal em princípio vai dispor para esse efeito – a sociedade vai entrar em
derrapagem total, porque vai perder o crédito de que beneficiava no mercado, mesmo que isso
aconteça de forma injustificada ou injusta.

Há uma preocupação por parte dos gestores ou daqueles que vão exercer essas funções, mas a lei é
muito cautelosa, e por isso, a lei elimina a possibilidade de eles procurarem excluir a sua própria
responsabilidade – art. 74.º CSC. É uma regra que diz que são nulas as cláusulas contratuais que
visem excluir a responsabilidade pelo exercício da administração.

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
A responsabilidade dos administradores não se cinge a estas regras. Para além da Responsabilidade
Penal ou Criminal (art. 509.º a 527.º CSC), e também contraordenacional (art. 528.º CSC), há outro
tipo de responsabilidades dos administradores. Há a responsabilidade fiscal e perante a Segurança
Social, perante certos créditos laborais (uma responsabilidade específica que se desenvolve no
quadro do Direito Laboral 36). Isso ocorre nas situações de coligação e de domínio total ou de
participações recíprocas, em que também há imputação de responsabilidade à sociedade dominante
nos termos do CT. E depois também uma responsabilidade muito relevante, autónoma, à margem
da do CSC que é a responsabilidade ambiental que naturalmente também é objeto de previsão legal
pelo diploma que regula essa matéria – DL 147/2008 de 29 de julho.

16. Deliberações dos sócios e dos acionistas

16.1. Noção e formas possíveis de deliberação

Órgãos sociais individualmente considerados

Tradicionalmente, naquela lógica de se entender que todos os órgãos de uma PC e portanto de uma
SC deveriam ter em si mesmo uma composição coletiva, de preferência em número ímpar – pelo
menos 3 – entendia-se que no fundo esses órgãos acabassem por vir a formar as suas próprias
decisões, das quais depois decorria a prática dos atos que correspondiam ao exercício das funções
dessa PC ou da SC em concreto.

E por isso, tradicionalmente, a lógica que encontrávamos era uma lógica de deliberação no plano do
órgão social e entendia-se que essa deliberação devia respeitar dois princípios muito importantes:
 princípio da concentração geográfica
 princípio da concentração temporal

Isso significa que as deliberações deviam ser tomadas no mesmo local e no mesmo momento, por
todos os que nelas participavam. A exceção que foi admitida inicialmente disse respeito às situações
de antecipação da impossibilidade ou da indisponibilidade da participação nas deliberações que
gerava o fenómeno da representação. Isto é, da substituição voluntária de vontades. A pessoa saber
que não iria estar presente porque não tinha essa disponibilidade e ter maneira de no fundo fazer-se
substituir por outra pessoa.

Esta concentração geográfica e temporal obrigava no plano dos sócios e acionistas no fundo ao
reconhecimento e funcionamento de um órgão que era a própria AG. Era o conjunto de todos os
sócios e acionistas. E esse conjunto tinha de funcionar num determinado momento e num certo local.

Como muitos deles não eram conhecidos da sociedade, porque muitas das participações eram

36
Tem vindo a ser crescente a invasão que o direito laboral tem vindo a desenvolver ao direito
societário, ainda que possa considerar que são normas específicas
263
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
detidas ao portador, era necessário fazer um apelo público para que se soubesse que aquele órgão
em concreto iria reunir para tomar certas decisões e depois eles deslocavam-se. Os que estivessem
presentes, se fossem suficientes para o órgão funcionar, isto é, se não houvesse a exigência de que
houvesse um número mínimo de presenças para esse efeito, reuniam, propunham, discutiam e
aprovavam. E aí formavam a vontade da própria sociedade.

Esta ideia de que as deliberações tinham que ocorrer necessariamente no contexto de um órgão –
que é a AG, que também existe no domínio das associações, são PC de direito privado com um fim
altruísta, - este órgão era um órgão que pressupunha um respeito absoluto por esses dois princípios e
começou-se a pensar se teria sentido que os sócios tivessem necessariamente de funcionar nesse
contexto, sobretudo quando o seu universo fosse particularmente reduzido. Ou nos casos em que,
sendo diminuto o seu universo, eles se encontravam em locais geograficamente distantes que
dificultavam extraordinariamente a sua participação numa deliberação com as características
daquelas que são próprias de uma AG.

Chegou-se à conclusão de que de facto em certas circunstâncias nada obsta a que as deliberações
dos sócios fossem formadas à margem da AG e que tivessem um valor equivalente às deliberações
que fossem formadas no contexto da AG.

O que é uma deliberação dos sócios?


É uma declaração de vontade imputada à própria sociedade que é formada pela maioria dos votos
que nela participam ou por um número de votos suficiente para, tendo em conta a matéria em
apreço, por ter-se por aprovada uma determinada proposta.

Ou seja, é no fundo procurar identificar no contexto de uma sociedade comercial o núcleo de


vontades suficientemente amplo para poder corresponder à vontade dessa mesma pessoa coletiva,
sociedade comercial. E, por isso, porque no final, uma vez formada essa vontade, todas as vontades
individuais que para a mesma contribuíram e que se afirmaram num sentido divergente com a
mesma vão ser totalmente irrelevantes. E por isso, a deliberação dos sócios corresponde a um NJ
unilateral – porque não produz efeitos diferenciados para 2 ou mais sujeitos), os seus efeitos são
indiferenciados –, plural – porque em princípio nela participa um universo colegial -, e é disjunta – é
um NJ disjunto porque as vontades que estão na base da sua formação podem-se produzir em
sentidos diferentes, eventualmente até opostos. É por isso que este é porventura o NJ que está mais
próximo do NJ bilateral ou do contrato, onde há uma verdadeira diferenciação de efeitos.

Por outro lado, a expressão mais adequada para o universo dos sócios é o de deliberação dos sócios
ou acionistas e não o de deliberações sociais, porque vamos descortinar no contexto da sociedade
comercial outras deliberações, outras declarações de vontade, que nalguns casos também são
imputadas à sociedade, que são formadas no âmbito de outros órgãos sociais, ou que se limitam a
tomar por referência a própria sociedade.

E vão se reconduzir a essas deliberações sociais, por exemplo, as deliberações em AG de categoria de


ações – arts. 24.º n.º 6 e 389.º CSC. Vão estar aqui em causa também as deliberações dos órgãos de
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
gestão e de fiscalização sempre que tiverem uma composição plural ou colegial e vão estar aqui em
causa outro tipo de deliberações, que se referem a matérias da própria sociedade, que não são
necessariamente imputáveis à sociedade, mas que se desenvolvem no contexto da mesma e por isso
não deixam de ser deliberações sociais em geral – por exemplo, as deliberações dos obrigacionistas,
isto é, dos credores de uma emissão de obrigações – é uma forma de superar uma situação de
subcapitalização (art. 355.º CSC).

O que é que é mais importante para os credores obrigacionistas deliberarem? Eles são chamados a
deliberar essencialmente se houver uma crise da sociedade e se ela estiver em risco de não conseguir
satisfazer os seus compromissos para com os seus credores obrigacionistas. Então a sociedade
chama-os para que eles possam consentir na alteração dos termos do empréstimo que
oportunamente celebraram. É aquela lógica de que é preferível que eles recebam menos mas possam
vir a ser reembolsados do capital mutuado, do que possivelmente a sociedade entrar numa crise
definitiva e nada venham a receber.

E finalmente, as deliberações dos contitulares de participações sociais: falámos aqui da


contitularidade a propósito da contitularidade de participações sociais e dissemos que os contitulares
podem ser chamados a deliberar – ou para escolherem um representante comum, ou para tomarem
as decisões que depois vão transmitir ao representante comum para este veicular num local
diferente. As deliberações de contitulares são deliberações que também são para-sociais – têm a ver
com a própria sociedade.

Diversamente do que acontecia no passado já distante, há muitas situações em que os órgãos sociais
têm uma composição singular, isto é, se confundem com um único titular do cargo a que corresponde
o próprio órgão. E se isso pode acontecer com o gerente único ou administrador único, também pode
acontecer com o sócio quando ele for o único sócio. Aí, é a identificação da vontade da sociedade
com a vontade do próprio sócio.

05.05.2022

Estávamos a falar de um órgão muito relevante como iremos ver a propósito da sua competência e
que se confunde com as pessoas dos sócios ou quem em cada momento for titular das participações
sociais. Numa sociedade anónima, falamos dos acionistas.

Vimos ontem o que é uma deliberação – imputável a este coletivo dos sócios ou dos acionistas ou à
AG como em princípio é conhecido o órgão no qual são formadas as decisões imputáveis à
sociedade em geral. Mas, vamos ver também que há diversas formas de deliberação dos sócios.

Formas ou modalidades de deliberação dos sócios

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
Em primeiro lugar, as formas ou modalidades de deliberações dos sócios não se confundem com as
formas do exercício do direito de voto. São realidades diferentes. Quando falamos das formas de
deliberações dos sócios, estamos a procurar apurar se é possível os sócios formarem deliberações à
margem da própria AG, onde elas tradicionalmente eram tomadas pelos sócios, onde os sócios
tradicionalmente deliberavam ou formavam as principais decisões da sociedade.

E a conclusão é a de que de facto, desde o CSC é possível formar deliberações à margem da AG e


sobretudo para além do mais, à margem do tal princípio da concentração geográfica e temporal a
que obedeciam as decisões com esta natureza no passado agora já distante.

Como é que se podem tomar essas decisões?

Elas podem ser tomadas por escrito. E as deliberações por escrito podem revestir 1 de 2 formas:
 ou são deliberações por voto escrito
 ou são deliberações unânimes por escrito

Deliberações unânimes por escrito

Como o nome indica, deliberações unânimes por escrito significa que são deliberações que reúnem o
consenso de todos os sócios ou de todos os acionistas. Elas só são possíveis, consequentemente,
num universo que não seja demasiadamente vasto. Se o universo não for muito vasto, é possível
formar deliberações unânimes por escrito. Se o universo for muito vasto, isso não é admissível,
porque elas, por natureza, implicam que os sócios as subscrevam, quer dizer, as assinem. Essas
deliberações, para manifestar pela sua assinatura, o seu consentimento. E por isso, elas são típicas de
sociedades de pessoas. Ocorrem nas SA que não apresentem uma grande dimensão.

Deliberações por voto escrito

Não existem nas SA. Existem nas sociedades por quotas e nas sociedades em nome coletivo. Nas
sociedades em nome coletivo, por expressa remissão para a regra que, no domínio das SPQ, trata
desta matéria e que é o art. 189.º CSC, que remete para a matéria regulada na parte das SPQ e o
artigo das SPQ é o art. 247.º CSC.

Como e porquê se podem formar deliberações por voto escrito?

Podem-se formar deliberações por voto escrito, nomeadamente porque os sócios não se encontram
no mesmo local e por isso não é possível concentrarem-se, reunirem-se para formar as suas
deliberações.

E podem-se formar também deliberações por voto escrito porque os sócios podem antecipar que

266
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
pelo caráter de alguns deles, a discussão que irá ocorrer em plena AG vai comprometer muito
provavelmente a solução possível ou desejável relativamente a uma certa matéria. Se consultados
por escrito, eles vão ter de responder sem diálogo, não se vão acalorar no contexto da mesma AG. A
deliberação por voto escrito é uma deliberação que é feita em silêncio e em que cada sócio
participa autonomamente, separadamente dos demais sócios.

Art. 247.º CSC: como é que o artigo regula estas deliberações por voto escrito?

A regra diz-nos o seguinte: os sócios podem ser consultados pela gerência, porque é a gerência que
toma a iniciativa de se dirigir aos sócios no plano das SPQ. Não havendo mesa da AG,
contratualmente criada, então no fundo é a gerência que assume o papel de moderador nesta
matéria. Não é o gerente que dirige a AG, mas é ele que toma a iniciativa. É ele que deve convocar as
AG (art. 248.º n.º 3 CSC).

O que se passa em matéria de reunião dos sócios é que o gerente, antecipando de facto a
dificuldade de em AG se formar um consenso minimamente conveniente à tomada de uma certa
decisão, consulta os sócios para saber se eles estão disponíveis para deliberar por voto escrito. É
mais confortável, não têm de se deslocar, e portanto podem fazê-lo a partir das suas residências.

Para esse efeito, o gerente contacta por escrito com eles e pergunta-lhes se eles estão disponíveis
para deliberar por escrito sobre determinados assuntos que naturalmente irá enunciar. E aos sócios
caberá acederem ou recusarem essa possibilidade.

Só é possível deliberar por voto escrito caso haja um consenso, uma unanimidade na opção desta
forma de deliberação social. Isto é, se houver um único sócio que seja que recuse a deliberação por
voto escrito, então não é possível recorrer a esta modalidade deliberativa.

Mas também, e isso resulta do art. 247.º CSC, a verdade é a lei disciplina esta forma de deliberação
determinando que devem ser os sócios que não aceitam deliberar por escrito a manifestar-se
expressamente nesse sentido. E mais do que isso, a lei no art. 247.º CSC determina que o silêncio
tem valor de declaração negocial e por isso o art. 247.º CSC faz uma aplicação do disposto no art.
218.º CC. É uma das raras aplicações que existe na nossa OJ. Mas é uma aplicação explícita e portanto
inquestionável.

A gerência contacta todos os sócios nas residências que estão registadas na sociedade, e no registo
comercial em que consta o nome dos sócios e os seus elementos fundamentais, e depois cabe aos
sócios oporem-se a esta forma de deliberação. Se eles estiverem de acordo com ela, ficam inertes,
não dizem nada. E, se todos estiverem de acordo, explicita ou implicitamente, então passamos a uma
segunda fase, que é a fase em que enviamos a proposta relativa aos assuntos que constam da
ordem do dia que propusemos deliberar com base no voto por escrito e perguntamos aos sócios se
eles votam favoravelmente.

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
E aqui, na deliberação por voto escrito nesta segunda fase, vão-se aplicar as regras normas do
funcionamento da AG. Quer dizer, aqui já não tem que haver qualquer unanimidade. Aqui as
propostas vão ser aprovadas e converter-se consequentemente em deliberações, caso tal exista, de
acordo com as regras legais e estatutárias relativas ao quórum necessário para o efeito.

Por isso, se o quórum deliberativo, isto é, o número mínimo de votos que se tem de verificar para que
uma proposta se considere validamente aprovada, for o da maioria simples, significa que tem de
haver mais votos favoráveis à proposta que desfavoráveis. Se o quórum deliberativo for uma maioria
qualificada, por exemplo, uma alteração do contrato de sociedade – art. 265.º CSC – então tem que
haver ¾ dos votos correspondentes ao CS favoráveis à alteração do contrato.

Portanto significa que não têm de votar todos os sócios, nem todos os sócios têm que votar no
mesmo sentido. Só tem que haver um consenso, que pode ser meramente tácito, na consulta para
opção por esta via deliberativa.

E se o gerente antecipar que há um sócio que é remitente e que vai negar a realização da
deliberação por voto escrito, e em vez de enviar para o domicílio dele – na rua X número 11, envia
para a rua X, número 111? A comunicação nunca lhe vai chegar!

Se olharmos para o art. 247.º CSC, não encontramos qualquer resposta a esta questão. Ele é omisso.
Mas o art. 56.º n.º 1 al. b) CSC trata desta questão! Podemos por esta remissão no art. 247.º CSC. O
art. 56.º n.º 1 al. b) diz-nos que se houver uma preterição das formalidades essenciais na formação
da deliberação por voto escrito, a deliberação é nula. É como iremos ver ainda hoje, uma sanção
particularmente grave.

A deliberação por voto escrito pode aplicar-se às SA?


A lei societária é omissa nas deliberações relativas às SA sobre as deliberações por voto escrito. O que
nos podia levar a concluir que, por analogia, quando a SA não tivesse uma grande dimensão (isto não
é possível fazer com uma sociedade que tenha 1000 acionistas) seria possível recorrer a esta forma
de deliberação por analogia. Designadamente, porque a lei societária é omissa na parte da SA.

Resposta: deverá ser negativa! Deverá ser negativa, porque há uma regra legal que não o permite,
que é uma regra que tem uma natureza injuntiva – art. 53.º CSC. O art. 53.º CSC diz-nos que só
podem ser formadas deliberações dos sócios nos termos previstos no art. 54.º CSC e nos termos
que forem autorizados para cada tipo societário em especial. E portanto o art. 53.º CSC tem uma
palavra mágica – “só”.

Esta palavra confere caráter injuntivo à matéria das formas de deliberação, porque depois vamos
ver o art. 54.º CSC onde estão previstas as deliberações unânimes por escrito e depois vamos ver os
arts. 247.º e 373.º CSC (SPQ e SA) onde vamos ver que enquanto nas SPQ se podem formar
deliberações nos termos do art. 54.º CSC e nos termos do art. 247.º CSC, no dito art. 373.º n.º 1 não
se prevê o recurso ao art. 247.º CSC nem à matéria das SPQ, diversamente do que acontece
268
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naquele art. 189.º CSC para as SNC.

A este propósito é preciso acrescentar um aspecto muito importante em matéria de deliberação dos
sócios que é a regra que resulta do art. 248.º n.º 1 CSC – a questão de saber se havia um tipo
societário que fosse paradigmático, isto é, que constituísse um modelo relativamente aos outros
tipos.

POC: já pensou nisso no passado. No passado já disse que era a SA o tipo modelar. Mas hoje tem
muitas dúvidas, porque as SPQ são cada vez mais pessoalizadas e as SA cada vez mais objetivadas. E
os direitos e demais SJ serem imputadas à participação e não à pessoa dos acionistas, salvo as
exceções – princípio da unidade do voto e obrigações de prestação acessória em que aí sim, mesmo
no domínio da SA, as SJ reportam-se à pessoa do sócio.

No primeiro caso, porque só pode utilizar os seus votos todos no mesmo sentido, ainda que eles
estejam no fundo dispersos por diversas ações, quem sabe até depositadas em entidades diferentes.
No segundo caso, porque lhe podem ser exigidas a realização de prestações acessórias que sejam
intuitos personae, que implicam que só sobre certas pessoas da sociedade é que recaem e que não se
reportam por isso às participações sociais.

E por isso, o facto de o art. 248.º n.º 1 CSC que era a tal norma paradigmática que o POC nas
primeiras edições do seu livro considerava uma norma de referência para escolhermos ou elegermos
as SA como tipo societário, hoje é para o POC apenas uma norma de facilitação.

O art. 248.º n.º 1 CSC diz-nos o seguinte: às deliberações dos sócios das SPQ aplica-se a matéria das
deliberações dos acionistas, a matéria das regras que existem no domínio das SA e portanto o título
IV do CSC, salvo sobre os temas que são objeto de expressa previsão no título das SPQ e que se
concentram os arts. 246.º a 251.º CSC.

Mas atenção – o art. 248.º n.º 1 CSC remete expressamente para o domínio das SA, o que significa
que às SQP essas regras das SA se aplicam diretamente. É como se estivessem na parte das SPQ. Já
vimos ao longo do curso que há outras situações parecidas. E como regra, estamos sempre a ir das
SPQ para as SA, razão pelo qual o POC dizia que estamos sempre a ir para o modelo.

Por exemplo, aquisição de participações próprias  o art. 220.º remete para o domínio das SA, não é
o contrário. E até nos disse: há apenas um caso em que vimos das SA para as SPQ – é no plano da
contitularidade – art. 303.º CSC que remete para o art. 223.º e 224.º CSC. E portanto, no fundo a
organização da lei societária é esta.

E mais do que isso, é verdade que aqui o art. 53.º CSC é muito importante porque há uma regra no
domínio do CSC que é do art. 2.º CSC que nos diz que sempre que houver omissão de regulação no
tipo contratual, nós podemos recorrer por analogia a outro tipo. E por isso, para não recorrermos
por analogia a outro tipo, temos que nos deparar com um impedimento e aqui o art. 53.º CSC
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constitui um impedimento.

Se ele não existisse, o POC diria que nada impede a aplicação por analogia das deliberações por voto
escrito às SA. Mas como tal matéria não está prevista, aqui a omissão equivale à impossibilidade de
adoção de deliberações nessas circunstâncias.

Deliberações unânimes por escrito

A deliberação unânime por escrito significa que todos os sócios ou todos os acionistas estão
inteiramente de acordo com o sentido da deliberação a tomar. Isto é, todos aprovam uma
determinada proposta. E se todos aprovam uma determinada proposta, a interrogação é esta: valerá
a pena realizar uma AG? Pode valer, mesmo quando a sociedade tenha apenas 1 sócio. E portanto,
mais razão haverá para realizar AG quando a sociedade tem diversos sócios ainda que todos estejam
alinhados, isto é, todos estejam predispostos a aprovar uma determinada proposta.

Mas quando isso acontece, o art. 54.º CSC de facto dispensa a realização de AG. E é possível formar
deliberações unânimes por escrito. Como é que isso acontece?

Os sócios vão exarar um instrumento que pode ser até um documento avulso, no qual declaram
que todos os sócios da sociedade X (o art. 171.º CSC obriga a haver menções obrigatórias da
sociedade em cada ato que se lhe refira) todos estão de acordo em aprovar as seguintes propostas e
depois exaram as propostas 1, 2, 3 e 4 nesse documento. E no final do documento, vai ter de constar
o local onde os sócios o subscreveram (onde cada um dos sócios o subscreveu) e vai constar a
assinatura de cada um dos sócios. E as deliberações unânimes por escrito só se têm por
adequadamente formadas, concluídas, no momento da assinatura pelo último sócio, porque só aí é
que elas se tornam unânimes.

E mais tarde, o que nós podemos fazer, porque é o art. 63.º CSC sobre as atas e o art. 378.º CSC –
neste art. 63.º CSC resulta claramente que as atas podem ser exaradas em folhas avulsas que
depois devem ser juntas e podem ser também exaradas em instrumentos avulsos. Quando são
exaradas em instrumentos avulsos, devem em princípio ser transpostas para o respetivo livro de atas
– pode ser composto por folhas avulsas mas que têm de ser numericamente sequenciais e nessa
circunstância vai ter que se declarar que a tal declaração unânime por escrito foi transposta para o
livro de atas e quem transpõe é nas SA o presidente da mesa da AG e nas SPQ o gerente, a quem
cabe esta tipo de diligências e aí, evidentemente, a única coisa é que essas deliberações unânimes
por escrito, uma vez transpostas, não têm as assinaturas originais que constam do doc. avulso, mas
têm uma referência a que as assinaturas originais dos sócios X, Y e Z constavam do doc. avulso que foi
oportunamente elaborado e subscrito. Por isso, a deliberação unânime por escrito é uma via possível
de formação das deliberações sociais até porque legalmente, está contemplada.

E quanto às sociedades que têm um único sócio ou um único acionista?


Sabendo que os sócios podem deliberar unanimemente por escrito, essa deve ser por definição, a
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forma de decisão do sócio único ou do acionista único, porque aí não falamos em deliberação.
Deliberação é uma decisão com uma natureza colegial. Delibera-se quando se troca impressões sobre
um determinado assunto. Quando não se troca impressões, quando há alguém que pura e
simplesmente decide e que portanto confunde o momento volitivo com o momento declarativo,
então falamos em decisão.

E de facto, a decisão de sócio único ou de acionista único é por definição, apesar de não estar
referenciada no CSC, porque quando o CSC foi aprovado era uma verdadeira exceção poder-se
encarar uma SC que tivesse um sócio único (a única situação possível era a prevista no art. 488.º CSC)
(...).

De todo o modo, e não pode o sócio único participar numa AG? pode! Pode ser convocada uma AG,
na qual sabemos que só irá aparecer um sócio e se ele não aparecer, não há AG, por definição,
porque não há universo que possa tomar a decisão.

A questão que se coloca não é o poder, é saber se tem sentido que tal aconteça: sim! Tem sentido,
porque o sócio pode não querer decidir friamente no silêncio do seu gabinete. O sócio pode querer
confrontar os titulares dos órgãos sociais com aquilo que eles estiveram a fazer no exercício da
atividade social. Pode querer perguntar aos gestores da sociedade porque é que eles fizeram isto ou
aquilo. Pode inclusivamente instrumentalizar as suas questões para provocar a destituição desses
gestores. E para esse efeito, a AG é particularmente conveniente.

16.2. A assembleia geral

Este é o fórum, por definição, onde os sócios participam para formar as principais decisões da
sociedade. E classicamente, este fórum tinha de funcionar com a observância de determinadas
formalidades prévias de convocação, que passavam por divulgar com uma determinada antecedência
que a AG iria ser realizada e no fundo procurar comunicar a todos os interessados em participar na
mesma em que local, a que horas e com que ordem de trabalhos é que aquela sociedade iria realizar
a sua AG.

Não havia aliás, até 1986, outra forma de realizar AG, pelo que uma preterição de uma formalidade
prévia da convocação, uma inobservância de uma formalidade prévia da convocação, poderia
comprometer decisivamente a validade das deliberações que se viessem a formar no contexto desse
fórum.

A verdade é que o CSC veio a abrir uma outra forma de deliberação dos sócios que é a possibilidade
de os sócios deliberarem em AG sem observância de formalidades prévias de convocação, desde
que todos estejam presentes e todos estejam de acordo em deliberar sobre uma certa ordem de
trabalhos. Com efeito, no fundo a prática interrogava-se se a SC tem um número reduzido de sócios,
e todos estão presentes na reunião da AG, porque é que será necessário ter de convocar com uma
antecedência relativamente grande essa mesma reunião, se todos estiverem de acordo em fazê-la

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espontaneamente, de forma informal.

Então, porque essa matéria estava a ser discutida na altura em que foi aprovado o CSC, em 1986, foi
admitida a realização de AG, que se designam por universais ou totalitárias. Universais ou
totalitárias por terem de congregar a totalidade ou universo dos votantes. Elas estão previstas no
art. 54.º CSC e a questão que poderia fazer sentido equacionar a de procurar saber se tem sentido
que tais AG congreguem efetivamente a totalidade dos sócios ou congreguem pelo menos a
totalidade dos votos possíveis no contexto da sociedade.

No plano das SPQ, como todos os sócios têm direito ao voto, e como se conta 1 voto por cada
cêntimo do CS, há uma equivalência entre a totalidade dos votos e a totalidade dos sócios, porque
não há sócios que não tenham votos. E portanto no plano de uma SPQ, a AG universal ou totalitária
realizada ao abrigo do art. 54.º CSC sem observância de formalidades previas de convocação é uma
AG que tem de reunir necessariamente todos os sócios, mesmo aqueles que pontualmente possam
não poder exercer o seu direito de voto por se encontrarem impedidos em razão de uma situação
de conflito de interesses.

Nas SA, isto que vimos para as SPQ, já não é inteiramente válido. Nas SA eu posso condicionar a
participação na AG, isto é, nas deliberações dos sócios, à titularidade do voto! E posso condicionar
a titularidade do voto à detenção de uma participação mínima no CS – art. 379.º CSC e 384.º n.º 2
al. a) CSC.

E, verificando-se a previsão estatutária que exige que o sócio detenha um determinado número
mínimo de ações para poder dispor de um voto e a previsão estatutária de que só possam participar
nas AG os sócios que têm direito de voto, para realização do disposto no art. 379.º CSC, então o que
acontece é que eu vou ter uma AG em que eventualmente posso não ter todos os sócios porque
aqueles que não têm um número de ações suficiente para ter um voto, não podem estar presentes.

No entanto, a este propósito convém acrescentar qualquer coisa: o art. 379.º n.º 5 CSC prevê o
chamado direito de agrupamento. Os sócios, mesmo quando não atingem, com as suas
participações, o número suficiente para dispor de um voto podem no fundo conjugar as suas
participações com outros sócios que estejam em idêntica situação (que também não atinjam o
número de ações suficiente para poder dispor de um voto) e fazer-se representar na AG por um
deles. Esta conjugação só é possível entre sócios que não dispõem do voto. Não é possível entre
sócios que dispõem do voto e que não dispõem.

A questão é esta: eu se tiver meia dúzia de sócios que conjugadamente pudessem ter 1, 2, 3 ou 4
ou 5 votos numa AG, eu não posso considerar que tenho o universo acionista fechado sem a
presença dos mesmos, porque eles em AG poder-se-iam fazer representar por um deles ou até por
2 deles se todos conjuntamente formassem mais do que 1 voto.

Então, aquilo que vai ter de acontecer nessa circunstância é que eu só posso realizar uma AG

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totalitária ou universal quando tiver a segurança de que o sócio ou sócios que não estiverem
presentes, por si sós, ou conjugadamente consoante fosse o caso, não disporiam de ações que lhes
permitissem ter pelo menos 1 voto. E nesse caso, não preciso deles na AG universal ou totalitária,
porque eles também não podiam estar presentes na AG.

Porque se eles pudessem estar presentes na AG, isto é, se o contrato de sociedade não afastasse
expressamente a sua presença na AG, então eu também tinha que os deixar estar presentes na AG
totalitária universal e eles tinham que lá estar, mesmo que não tivessem o direito de voto.

Então o único problema que se coloca nessa circunstância quando eu formo uma deliberação em AG
totalitária ou universal na qual não esteja presente um sócio que em condições normais também não
podia estar numa AG, é que é conveniente eu dar informação sobre a realização da AG, porque o
facto de ele não ter voto não significa que ele não possa questionar a validade das deliberações em
AG e por isso quanto mais depressa ele tiver conhecimento das mesmas, mais depressa começa a
contar o prazo, durante o qual ele poderia efetivamente contestar as decisões da AG.

Ao passo que nas AG que são convocadas com observância de formalidades prévias de convocação,
então o que acontece nessas AG é que os sócios vão ter conhecimento da realização da AG, e por
isso, mesmo que não estejam presentes, eles pelo conhecimento podem contestar as deliberações,
porque se podem informar sobre as deliberações que foram formadas.

A questão que se poderá colocar é: como é que se realiza a AG totalitária universal?

É muito simples  os sócios estão todos presentes (agora para facilidade da hipótese, afastamos
aquele caso limite muito raro) e estão muitas vezes por solicitação de um deles ou até de um
membro de órgão social, eles num primeiro momento têm que acordar e aqui tem que haver
unanimidade na realização da AG nesta forma especial – sem observância das formalidades prévias
de convocação – art. 54.º CSC.

Curiosamente, se estivéssemos num órgão de administração da SA, e na possibilidade de o órgão de


administração da SA formar as suas decisões em reunião que não tenha sido expressamente
convocada, e portanto formar as suas decisões porque se encontram presentes todos os seus
membros – art. 411.º n.º 1 al. a) CSC – a lei diz-nos que a deliberação formada no contexto do CA
que não tenha sido convocada é nula, salvo se todos os administradores tivessem estado
presentes. E nesse caso, a lei não exige a unanimidade para que todos os presentes deliberem sobre
certos assuntos.

Nesse caso, a lei basta-se com a presença de todos e pelo facto de eles estarem presentes e
participarem nas deliberações relativas aos pontos da ordem de trabalhos, a lei entende que o
conselho de administração está validamente reunido e delibera validamente.

Porque é que a lei é diferente para a administração e para AG? muito simples  é que o sócio que
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está na AG ou acionista é o bonus pater familiaes que vimos, é o homem de diligência média, que
porventura pode ignorar que a AG não poderia deixar de se realizar ou não se poderia realizar sem
o seu consentimento porque não tinha sido oportunamente convocada.

O administrador não pode ignorar o disposto no art. 411.º n.º 1 al. a) CSC. Não pode ignorar que se
reunir com todos os outros administradores, não está a brincar, está a gerir a sociedade, porque ele
tem uma diligência muito acima da média, a tal diligência que corresponde ao seu dever de
cuidado. E portanto, ele não pode vir dizer que não tinha ideia nenhuma, apesar de haver uma
ordem de trabalhos, não estávamos aqui a decidir e que eu não era obrigado a estar aqui. O
administrador, para invalidar esta forma de deliberação, ausenta-se. Não pode haver reunião de
administração, porque isso é essencial.

O sócio na AG tem que ser consultado para que se possa consciencializar que ele teve que dar o
consentimento para aquele efeito. Portanto, se ele tem dúvidas, ele não consente. E se ele não
consente, não há AG totalitária universal.

Depois como é que funciona esta AG? Nos termos do normal funcionamento de uma AG. Isto é,
depois de uma vez formada funciona nos termos normais de quórum e debate e discussão, como é
evidente.

Questões que se podem colocar a propósito da AG totalitária universal?


 A AG poder realizar-se sem que os sócios estejam preparados
o sem que os sócios tenham tido tempo ou disponibilidade para analisar as propostas
que vão ser objeto de discussão. E muitas vezes, são muito complexas.
 Se estiver em causa o relato da gestão da sociedade e a aprovação das contas,
isto é material que demora a analisar, por mais especializado que seja o sócio,
leva tempo a ler e a inteirar-se.
o A questão que se poderia colocar era a de procurar determinar se qualquer que fosse
o tema ou objeto da AG, seria possível realizar AG universais ou totalitárias sobre
todos e quaisquer assuntos?
 a resposta é positiva!!!
 Não há hoje nenhuma circunstância, diversamente do que já aconteceu no
passado – havia uma circunstância em que para certas operações estruturais
(fusões, cisões, etc.) era necessário convocar a AG para dar a conhecer alguns
aspetos – agora não é necessário – desde que todos estejam disponíveis para
deliberar, a lei parte do princípio de que todos o podem fazer.
 Quer dizer, não há qualquer obstáculo à realização das AG totalitárias ou
universais.

Assembleia geral genericamente – isto vai-se aplicar às deliberações dos sócios também nalgumas
das suas vertentes:

Competência – qual é a competência deste órgão?

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Sobre a competência do órgão dispõe o art. 373.º CSC nos seus n.ºs 2 e 3. Este artigo diz-nos que a
AG tem uma competência específica legal, isto é, que resulta da própria lei, e estatutária se lhe for
atribuída a faculdade de tomar certas decisões. E tem, para além de uma competência legal
específica, uma competência legal subsidiária, isto é, nos termos da parte final do n.º 2 do art. 373.º
CSC, cabe à AG deliberar sobre todos os assuntos que nos termos da lei e do contrato de sociedade
não forem entregues a outros órgãos.

Portanto, é o órgão que delibera sobre aquilo que não foi previsto. Imagine-se que a sociedade quer
aprovar um determinado regulamento, por exemplo, o regulamento do exercício do direito de
informação, e os estatutos são omissos. Nesse caso, concluiremos que deve ser a AG a aprovar esse
regulamento nos termos do n.º 2 do art. 373.º CSC.

E depois, a AG tem ainda uma competência extraordinária: é aquela que recai sobre matérias de
gestão da sociedade, mas porque há enorme preocupação no contexto da orgânica societária em
delimitar cuidadosamente as esferas de competência dos diversos órgãos, o art. 373.º n.º 3 CSC diz-
nos que sobre matérias de gestão, a AG (que é o mesmo que dizer os acionistas) só se podem
pronunciar a pedido da administração. Mas a pedido da administração no seu todo, no seu conjunto,
e não qualquer administrador.

Isto é, sobre matérias de gestão, sobre as matérias que estão nomeadamente nos arts. 405.º e 406.º
CSC, a AG só se pode pronunciar quando a própria administração lho solicitar. E, porque é que a
administração irá solicitar à AG que ela se pronuncie? Muito simples  ela fá-lo porque na realidade
quer obter o conforto da AG, a anuência e o consentimento dos sócios à prática de atos para os quais
ela tinha poderes próprios para poder tomar a sua decisão.

E o que é que ela ganha com isso? Ela afasta a sua responsabilidade. Quando os gestores estão a
executar deliberações dos sócios, eles não são responsáveis por essas deliberações. Eles no fundo
limitam-se a fazer aquilo que os sócios aprovaram e portanto, essa é a principal razão da gestão levar
ao conhecimento da AG determinadas matérias e perguntar à AG se quer ou não aprovar.

O que o art. 373.º n.º 3 CSC não nos diz é o que é que sucede se porventura a AG não aprovar. E por
isso o ideal é quando o CA leva à AG um determinado assunto, por exemplo, pergunta à AG se ela
está de acordo com a alienação do imóvel que tem um valor estimativo, histórico para a sociedade e
a AG nada diz, ou rejeita o seu consentimento, quid iuris quanto à possibilidade do órgão de gestão
para poder praticar o ato cujo consentimento solicitou oportunamente à AG?

A resposta é a seguinte: quando o faz, ela deve antecipar ao universo acionista o modo como irá
entender a reação da AG, designadamente o que é que irá fazer perante essa reação. E se ela não
fizer nada? Se o CA não fizer nada, então se os acionistas recusarem o seu consentimento, ficamos
com uma dúvida: a administração fica impedida de realizar o ato definitivamente? Fica impedida de
realizar o ato até ao fim do mandato daqueles membros que a integram? A administração fica
impedida de realizar o ato durante um ano? Durante 1 mês?

A lei é totalmente omissa. Temos que recorrer aos princípios que disciplinam ou regulam esta
matéria e considerar que nessa circunstância, como a administração não perde de facto os seus
poderes originários, então mesmo que a AG recuse o ato e mesmo que a CA não tenha
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salvaguardado a hipótese de praticar esse ato mesmo contra a vontade dos acionista, o CA não
perde a competência própria para celebrar o ato.

Até porque os terceiros, quando olharem para aquela sociedade, não estão à espera que aquele ato
tenha que ser autorizado pela AG. E, se ele tiver de ser autorizado pela AG, porque por exemplo
esteja previsto no contrato (mas podia nem estar, podia ser só uma iniciativa do órgão de gestão) –
mas podia ser o contrato de sociedade que em derrogação da competência regra da administração
estivesse a prever especificamente que para alienação daquele imóvel em concreto, era necessário o
consentimento dos acionistas por maioria simples e porque como os terceiros não têm que conhecer
o contrato da sociedade, o POC diria que a sociedade fica adequadamente vinculada perante o
terceiro, mesmo que os administradores não tenham atuado como deviam.

Por um lado, não atuaram como deviam porque desrespeitaram o veredito, a opinião da AG, sem
terem salvaguardado a sua capacidade de atuação, por outro lado se por acaso se tratava de um caso
de previsão contratual, também inobservaram a limitação que tinham e aproveitando a regra legal
genérica sobre a matéria – art. 406.º al. e) – que permite à administração alienar bens imóveis,
limitaram-se a alienar o imóvel sem respeitarem as limitações internas que para eles decorriam do
contrato de sociedade. E este contrato de sociedade nos termos do art. 409.º CSC não é oponível
aos terceiros. Claro, pressupõe-se que o terceiro não conhecesse deste contrato. Se conhecesse do
contrato, designadamente, já tal limitação lhe seria oponível.

Temos que eu recorro à AG para que a AG valide o meu ato, se a AG diz que não está de acordo
com a prática deste ato e eu não obstante o celebro, aquilo que poderá vir a acontecer é que se o
ato for danoso eu vou ter aqui responsabilidade, porque eu aqui não posso alegar que atuei com
uma negligência simples, porque eu tenho na base da minha decisão uma recusa da AG, portanto eu
deveria ter refletido adequadamente sobre o ato. Eu atuei muito provavelmente com dolo quando
celebrei este ato, porque eu sabia que os próprios acionistas não estavam de acordo com o referido
ato.

Competência específica da AG

Para que é que serve este órgão fundamentalmente? Este órgão tem poderes que exerce
periodicamente e tem competências que exerce esporadicamente, pontualmente, e que portanto
pode, durante toda a vida da sociedade, nunca exercer.

O que é que a AG faz com regularidade, periodicamente, nos termos da lei? É a AG que verifica o
modo como a administração geriu a sociedade ao longo do exercício. Isso a AG vai fazê-lo nos
termos de uma disposição legal existente para o efeito que é a do art. 376.º CSC (aplicável também às
SPQ pela remissão do art. 248.º n.º 1 CSC) sobre a AG anual – anualmente a AG ou os acionistas
pronunciam-se sobre as contas da sociedade, o relatório de gestão, o balanço, a aplicação dos seus
resultados, a apreciação da administração e fiscalização e com uma periodicidade que pode ser
anual, mas que também pode ser mais espaçada, contando que não diste mais de 4 anos, tem
também uma competência eletiva.

Isto é, cabe à AG anual eleger os titulares dos órgãos sociais, dependendo do mandato, do termo que
for estabelecido para o mandato de cada um deles, como é evidente. E é tão importante esta AG
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anual que o dito artigo 376.º nos diz que mesmo que não conste da convocatória, isto é, do
instrumento de divulgação da AG, que a AG se pode pronunciar sobre a destituição ou afastamento
de titulares de cargos sociais quando a AG promove a apreciação desse desempenho
obrigatoriamente nos termos do n.º 3 do art. 376.º e 455.º CSC – se essa apreciação desse
desempenho for uma apreciação negativa, então aquilo que acontece é que pode ser suscitada a
retirada de confiança aos membros dos órgãos de gestão e eventual do órgão de fiscalização e a
sua destituição independentemente de previsão na própria convocatória  isso resulta da própria
lei. É o momento em que no fundo está em causa o modo como a sociedade é gerida.

Pode a AG deliberar esporadicamente, pontualmente? Pode. Um dos seus poderes mais relevantes,
é um poder de intervenção esporádica pontual: poder que corresponde ao poder constituinte. É o
poder estruturante, de deliberar alterações do contrato de sociedade. E a AG não delibera as
alterações ao contrato de sociedade de modo periódico. Não o faz 1 vez por ano, faz quando é
necessário. E nessas alterações, as mais importantes são as variações do capital social. Os aumentos
do capital e as reduções do capital, embora possa haver outras modificações.

Pode haver outros atos de intervenção esporádica? Pode! Por exemplo, se a sociedade for chamada
a dar o consentimento à transmissão de ações, em princípio, é à AG que compete fazê-lo. É uma
competência específica esporádica, ocasional. É verdade que pode ser entregue à administração,
também está previsto no art. 328.º CSC que isso possa acontecer, mas em princípio é no universo dos
sócios.

Mas também já falámos de outros casos:


 Por exemplo, em matéria de amortização:
o Art. 347.º CSC: se estiver em causa deliberar a amortização de ações, cabe à AG fazê-
lo, isto é, deliberar pontualmente a verificação de uma condição que conduza a essa
amortização, designadamente quando a amortização depende da voluntariedade, e
portanto do consentimento de todos os acionistas.

Competência da AG das SPQ

É menos importante. Está prevista no art. 246.º CSC – tem um artigo próprio, quer dizer que não
vamos ao artigo das SA. Como é que esse artigo estrutura a competência? De forma muito
interessante.

Neste art. 246.º CSC, por um lado, no n.º 1 determina-se as matérias que são da competência
necessária da AG, e no n.º 2 estabelecem-se que são da competência supletiva da AG se o contrato
de sociedade não tiver atribuído à gerência a competência para a prática desses atos que aí estão
enunciados.

Quais são? Por exemplo, designar um gerente substituto na falta de um gerente; adquirir, alienar,
onerar bens imóveis; adquirir, alienar, onerar participações sociais, etc. Todos aqueles que estão
previstos naquele n.º 2 do art. 246.º CSC.

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Se confrontarmos esta matéria das SPQ e das SA e procurarmos sobretudo confrontar a
competência dos órgãos de administração ao executivo e deliberativo dos dois tipos societários:
para isso temos que olhar para o art. 259.º CSC e confrontá-lo com os arts. 405.º e 406.º CSC –na
próxima aula veremos estes artigos em mais detalhe.

Composição e participação na AG

Universo da AG:
 SPQ = todos sócios
 SA = poder ser só aqueles que têm direito de voto, mas também pode ser todos se a lei não
excluir os que não têm direito de voto da participação na AG
o Outra vertente legalmente estabelecida e que deve ser contratualmente
institucionalizada  sub-órgão mesa da AG: que só existe facultativamente no
contexto das SPQ
o O que é que faz a mesa da AG?
 Prepara as reuniões dos acionistas, propõe a sua realização através da
convocação, apresentando um instrumento que se destina a divulgar o modo
como a reunião irá decorrer e os assuntos que serão discutidos;
 dirigir a AG, coordenar os seus trabalhos;
 relatar o teor das deliberações que sejam formadas na AG
o este órgão mesa da AG (art. 374.º e 374.º-A CSC) nos termos destas regras, tem que
ser composto necessariamente por dois elementos:
 um presidente
 um secretário
o pode ter outros elementos facultativamente, pode também ter um vice-presidente,
por exemplo, e pode ter mais do que um secretário.
o Este órgão não tem um funcionamento colegial como os demais órgãos sociais, em
que todos os respetivos elementos têm um igual valor, sendo certo que se reconhece
habitualmente ao presidente do órgão um voto de qualidade sempre que houver uma
situação de impasse nas decisões que sejam tomadas pelos seus elementos, e sem
prejuízo da competência de coordenação que ao presidente é reconhecida.
o Neste órgão mesa da AG há um elemento que tem uma grande preponderância: o
presidente da mesa da AG. E a sua preponderância é tão grande que mesmo que a
mesa tenha mais 3 ou 4 elementos, não interessa, ele sobrepõe-se às decisões e à
vontade dos demais membros. O presidente vale mais do que todos os outros
membros conjuntamente, o que significa que é ele que tem o papel decisório.
o Prevê a lei que quando o presidente falte, a AG seja dirigida pelo secretário, não
havendo vice-presidente, e que quando faltem todos os membros da AG (art. 374.º
CSC), então nessa circunstância, deve ser o presidente do órgão de fiscalização a
dirigir os trabalhos.
 Esse é o presidente ou do conselho fiscal ou da comissão de auditoria, ou do
conselho geral e de supervisão, consoante o modelo de governação que seja
adotado. Mas o que a lei refere é o presidente do órgão de fiscalização, não é
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mais nenhum outro elemento.
o POC: o fiscal único, se for o órgão de fiscalização, como não tem presidente, não
deve dirigir a AG!
 Porquê o órgão de fiscalização? Pela tal legitimidade que se reconhece a este
órgão no contexto da sociedade, por ser o tal órgão que no passado se
destinava a ser integrado pelos segundos acionistas mais relevantes. E que
portanto é escolhido pelos acionistas de forma mais constante, de forma
permanente, a seguir os trabalhos da AG.

Participação na AG

Art. 379.º CSC. A previsão estatutária é muito importante. Nas SPQ todos os sócios têm direito a estar
presentes, porque é assim que a lei regula a sua participação e por isso no plano das SPQ todos os
sócios estão presentes, independentemente da titularidade do capital que detêm em cada momento.

E quanto à possibilidade de os sócios se fazerem representar na AG? ou porque não querem, ou


porque não podem estar presentes. Aqui temos dois sistemas completamente diferentes:
 Art. 380.º CSC para as SA, onde se estabelece o princípio da livre representação
o Cada sócio pode fazer-se representar por quem entender
o Para o efeito, deverá elaborar uma carta onde designe quem é o seu representante,
essa carta designa-se por carta mandadeira e é uma carta pela qual escolhem um
representante ou mais do que um representante, mas se o fizer deve dispor pela
ordem em que ele será substituído na impossibilidade também da participação dos
seus representantes.
o E no fundo essa carta mandadeira não tem que ter especiais formalidades, prevê
quem é que o pode representar.
 Nas SPQ, porque as SPQ são mais pequenas, porque na realidade são participadas por um
número menor de sócios, e se perfilam no mercado como sociedades relativamente fechadas,
a lei estabelece um sistema diferente no art. 249.º n.º 5 CSC.
o Determina, imperativamente, que o sócio se possa fazer representar por qualquer
outro sócio ou por qualquer herdeiro legitimário, isto é, que o sócio se possa fazer
representar por uma das pessoas às quais em princípio possa transmitir a sua
participação sem necessidade do consentimento da sociedade, sem prejuízo de o
contrato de sociedade poder autorizar, por exemplo, uma representação livre.
o mas se o contrato for omisso, a representação só é possível por estas pessoas, não é
possível por qualquer pessoa.

Convocação da AG

Naturalmente, a convocação é da competência de pessoas distintas, consoante estivermos a falar


de SPQ e SA e assumindo que nas SPQ não existe presidente da mesa da AG:
 SPQ
o Art. 248.º n.º 3 CSC: determina que a AG é da competência de qualquer gerente, sem
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prejuízo de poder ser requerida a convocação por qualquer sócio – importância da
participação e da subjetivação da participação no contexto de uma SPQ e em particular
da sua AG.
 SA
o Art. 377.º CSC: determina que, em princípio, a AG deve ser convocada pelo
presidente do CA, salvo quando for permitida a sua convocação por um titular de
outro órgão, e aqueles titulares que estão previstos no próprio n.º 1 são os órgãos de
fiscalização que estão em causa. A substituição do presidente pelos órgãos de
fiscalização.
o A AG pode ser convocada pelo presidente e deve-o ser, normalmente, a requerimento
do órgão de gestão, que é responsável pela realização de 95% das AG. É ele que
solicita, por exemplo, ao presidente que convoque a AG anual para a sociedade poder
promover a apreciação dos documentos sociais.
 E no contexto da SPQ e SA, a AG também pode ser convocada a pedido dos sócios:
o Ela pode ser convocada se os sócios o requererem expressamente.
o Mas há uma grande diferença entre as SPQ e as SA.
 É que nas SPQ, o gerente deve promover essa convocação
 Nas SA, o art. 375.º n.º 2 exige que sejam sócios que sejam detentores de uma
percentagem mínima do CS a promoverem a convocação da AG
 O que está no art. 375.º n.º 2 são 5%, mas no domínio do CVM, há uma
regra especial para as sociedades cotadas, onde apenas se exige 2% dos
votos correspondentes ao CS – art. 23.º-A.

O Presidente terá de observar determinadas formalidades. Terá de observar os trâmites a que vai
obedecer a divulgação da convocação da AG, através da convocatória, a antecipação que se deve
também observar no sentido de se estabelecer que haja um tempo mínimo que vá mediar entre a
convocação e a reunião da AG, para que haja possibilidade de conhecimento da realização da AG, e
esse tempo mínimo também está previsto no art. 377.º n.º 4 CSC.

Quanto às formalidades que devem instruir a convocatória, essas são as que estão previstas no n.º
5 do art. 377.º CSC – é preciso saber onde é que vamos reunir, em que momento é que vamos reunir,
quem é que vai participar, quais é que são as condições da participação, e sobretudo, sobre que
assuntos é que vamos decidir, isto é, quais é que são as matérias que vão ser objeto de deliberação
da AG.

E mais alguns aspetos que possam dever ser objeto de aviso e divulgação aos sócios em geral, por
exemplo, saber se os sócios podem participar na AG, votando por correspondência – ficamos com
uma ideia de que o voto por correspondência é uma forma de exercício do direito de voto e não uma
forma ou modalidade de deliberação dos sócios. O voto por escrito é uma modalidade, mas o voto
por correspondência não é, porque é exercido precisamente no contexto de uma AG.

Quer dizer, vota-se por correspondência quando a deliberação é formada em AG. Isso resulta, por
exemplo, da al. f) do n.º 5 do art. 377.º CSC e o voto por correspondência pode existir nos termos do
disposto no art. 384.º n.ºs 9 e 10 e também para as sociedades cotadas no art. 22.º CVM.
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A grande diferença que existe entre um caso e outro é o seguinte: é que enquanto no âmbito das
sociedades cotadas não é possível limitar o voto por correspondência, ao passo que nas SA ele
pode ser afastado se tal for deliberado expressamente. Aquilo que se determina para as SA em
matéria de voto por correspondência, também se aplica às SPQ, por se tratar de deliberação dos
acionistas.

Há certas situações em que as informações devem ser disponibilizadas aos sócios com uma certa
antecedência e há outras em que elas devem ser disponibilizadas com uma antecedência maior. O
regime regra consta do art. 289.º CSC (aplicável às SA e SPQ) – informações preparatórias da AG –
dispõe que em princípio os elementos informativos devem ser disponibilizados com 15 dias de
antecedência.

Isto não é o mesmo que mediar um prazo de 1 mês entre a data da convocação e a data da realização
da AG. O mediar um prazo de 21 dias, como resulta do disposto no art. 377.º n.º 3 CSC sobre os
prazos aplicáveis às SA em geral, quando a AG é convocada com uma carta registada, como pode
acontecer quando o contrato de sociedade o permite.

Mediar 21 dias é diferente de ter uma antecedência de 21 dias. Se a lei exige que medeiem 21 dias,
eu convoco a AG no dia 1 e só a posso realizar no dia 23, porque os 21 dias têm que estar entre o dia
1 e o dia 23. Mediar um mês não se deve confundir com 30 dias, por sua vez, porque se eu convocar a
AG em fevereiro, fevereiro nunca tem 30 dias. Convoco com uma antecedência menor. Se eu
convocar a AG no dia 25/2 posso convocá-la para reunir no dia 26/3 porque medeia 1 mês entre as
datas.

E para as sociedades cotadas, aplica-se o CVM, designadamente o art. 21.º-A, que prevê que aí
tenham que mediar apenas 21 dias. É também uma lógica idêntica à convocação por carta registada
no plano das SA. Para concluir, devemos ler o art. 377.º n.º 8 CSC, que prevê que certas informações
tenham que ser divulgadas na própria convocação – por exemplo, se estiver em causa a convocação
da AG para alterar o contrato de sociedade, devemos disponibilizar com a própria convocatória, não
apenas com 15 dias, o teor dos artigos a alterar, ou pelo menos indicar onde é que os acionistas
podem tomar conhecimento desse teor. As sociedades cotadas, por efeito do art. 21.º-J CVM devem
divulgar todas as informações no momento da sua convocação.

11.05.2022

Funcionamento da Assembleia Geral

Onde se realiza a reunião da AG?


Como é natural, existindo uma sede, tendencialmente, a AG, como todas as reuniões dos órgãos
sociais, dever-se-á reunir no domicílio da sociedade – a sede social. E por isso, em princípio, a AG é
convocada para a sede social.
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Mas pode verificar-se uma de duas ocorrências:
 Ou entender-se que a sede não tem capacidades logísticas adequadas à realização da AG
 Ou considerar-se que não há condições sanitárias
o Por exemplo, para haver reunião da AG presencialmente
o E será necessário fazê-lo à distância, isto é, recorrer a meios telemáticos
o sendo certo que o recurso a meios telemáticos também é possível sempre que o
contrato de sociedade não o inviabiliza, desde que a segurança das comunicações
esteja assegurada pela própria sociedade

Daqui decorre que eu posso e devo convocar para a sede social. Em certos casos, posso realizar a AG
fora da sede social, nomeadamente, quando o n.º de acionistas é muito elevado e quando os
acionistas não têm lugar na sede social – já houve reuniões de AG realizadas no Pavilhão Atlântico –
há países onde até em estádios são realizadas AG.

Mas também é verdade que eu poderei realizar uma AG à distância, recorrendo a meios telemáticos
e porque a evolução do progresso tecnológico tem sido cada vez maior. Acelerado ainda pela
pandemia Covid-19, altura em que se passaram a realizar as AG, na prática, exclusivamente com
recurso a meios telemáticos. Havia sociedades que tinham milhares de acionistas, embora, com
certeza nem todos quisessem participar.

O art. 377.º n.º 6 CSC prevê essas eventualidades. Quando a AG se realiza por meios telemáticos, ela
não tem de ser exclusivamente organizada nessa forma. Ela pode ser organizada de uma forma mista,
isto é, presencialmente e através de meios telemáticos. Isso acontece muitas vezes, e durante a
pandemia, tem acontecido – muitas vezes na sede social estava a mesa da AG e os principais titulares
dos órgãos sociais, e os acionistas, que eram bastantes, assistiam à AG com uma relativa segurança,
como não pode deixar de ser.

O que é um facto é que os meios telemáticos têm que ser seguros. No entendimento do POC, embora
a lei não imponha, deve haver a capacidade de identificar adequadamente os acionistas. A
participação à distância introduz quebras na segurança da própria reunião. Uma coisa é promover
uma reunião num determinado espaço fechado em que só entram as pessoas que se candidatam
para o efeito. Outra coisa é fazê-lo através de um computador, em que não sabemos se estão a
acompanhar também a AG pessoas que, em princípio, não tivessem direito a estar presentes.

É possível convocar para um local diferente da sede social, sim. Hoje a lei admite-o sem restrições
geográficas. No passado existiam restrições geográficas. Quer dizer no fundo que eu devia realizar a
AG nas proximidades da sede social – compreende-se – para no fundo não fazer incorrer em grande
incómodo os acionistas.

Hoje, teoricamente, é possível realizar uma AG de uma sociedade com sede no Porto, em Lisboa.
Não se pode fazer isto permanentemente – aí é preferível alterar a sede. Até porque isso acarreta
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
custos grandes, designadamente para os acionistas. Mas desde que haja uma razão plausível, é
possível vir a fazê-lo. Essa é também uma questão de razoabilidade e não é causa de vicissitude
necessariamente das deliberações que vão ser formadas.

Organização da Assembleia Geral

Verificação das participações na AG: a verificação das participações na AG, isto é, a identificação dos
acionistas que se propõem a participar ou serem representados em AG é relevante, em particular,
quando as deliberações dependem de um quórum constitutivo. Isto é, quando as deliberações, para
poderem ser formadas, carecerem da presença de uma determinada percentagem mínima do CS ou
dos direitos de voto com referência ao CS.

Encontramos no art. 383.º CSC uma norma sobre o quórum constitutivo que nos diz, por exemplo,
nas AG em que esteja em causa a alteração do contrato de sociedade, por exemplo uma variação do
CS, em primeira convocação devem estar presentes ações que correspondam a pelo menos 1/3 do
CS, para que haja uma certa representatividade na formação das deliberações sociais. E depois, o
quórum constitutivo terá de se articular necessariamente com o quórum deliberativo. Mas isso já só
em sede de votação.

Antes da votação, o que acontece é que têm de ser apresentadas propostas relativas a cada ponto da
ordem de trabalhos. Isto é, há uma ordem de trabalhos que é a enunciação dos pontos a apreciar no
âmbito da AG e, cada um desses pontos, em cada um desses pontos há em princípio uma proposta
que vai ser submetida a apreciação. Pode haver mais do que uma, mas uma terá de haver. Quem
apresenta a proposta é no fundo quem requer a convocação da AG, e a inclusão desses pontos na
respetiva ordem de trabalhos.

Quem é que o faz? Em princípio, quase sempre a administração. É a administração que tem a
preocupação de promover a convocação da AG. Por exemplo, a administração quer submeter aos
acionistas a aprovação das contas do exercício e a aplicação dos resultados resultantes dessas contas,
então requer a convocação da AG pelo presidente da mesa e naturalmente irá apresentar as
propostas nesse sentido. Muitas vezes, as propostas não têm de ser explicitas. São implícitas.

Se se traduzir essa aprovação na apreciação de determinada documentação o que no fundo a


administração tem de fazer é disponibilizar essa documentação e naturalmente, como vimos em sede
de direito de informação, com uma determinada antecedência mínima. A antecedência mínima de 15
dias em relação às SA, em geral. E uma antecedência mínima correspondente à data em que é
efetuada a convocatória da AG, relativamente às SA cotadas. O art. 21.º-J CVM, introduzido pela
reforma do final do ano passado, veio no fundo introduzir uma especialidade relativamente ao art.
289.º CSC.

Se eu tiver de convocar com uma antecedência que permita que entre a convocatória e a data da
realização da AG medeiem pelo menos 21 dias, que é o que acontece nos termos previstos no art.

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
21.º-A CVM para as sociedades cotadas, então significa que eu tenho que disponibilizar com maior
antecedência essa documentação nessas sociedades, do que tenho que disponibilizar nas demais.

E por isso, no fundo, cada vez que o presidente da mesa da AG depois de verificar estarem reunidas
as condições para a AG funcionar, depois de proceder à leitura da ordem de trabalhos e dando
entrada nessa ordem de trabalhos, cada vez que ele entra num ponto novo da ordem de trabalhos,
ele deve no fundo conceder a palavra a quem apresentou a proposta, relativa a esse ponto da ordem
de trabalhos. Se foi a administração que apresentou, deve conceder a palavra ao presidente do CA
que, querendo, intervém, ou se quiser pode delegar nalgum dos administradores.

E depois de apresentadas as propostas, aquilo que vai acontecer é que vai haver uma discussão, um
debate sobre essas propostas. Quer dizer, os membros dos órgãos sociais que apresentaram as
propostas vão ficar disponíveis para responder às questões que sejam colocadas pelos acionistas.
Encerrado o debate, procede-se à votação.

E aí, é que naturalmente ao presidente da mesa da AG cabe apurar se a proposta submetida à


apreciação recolhe ou preenche o quórum deliberativo que seja aplicável àquela deliberação em
concreto. E aqui há mais do que um quórum deliberativo:
 há um quórum deliberativo regra – art. 386.º n.º 1
o de acordo com o qual as propostas são aprovadas pela maioria de votos e não se
contando como votos as abstenções.
o Maioria simples relativa
 Se houver 100 votos, se 97 se abstiverem, 2 ganham a 1 e aprovam a proposta.
o Isto, para as propostas normais, correntes – se o próprio contrato de sociedade, como
resultado do art. 386.º CSC, não exigir um quórum diferente, porque o contrato pode
exigir um quórum diferente.

Art. 386.º n.º 3 CSC  regra sobre o quórum deliberativo relativa às alterações do contrato de
sociedade: esse é um quórum deliberativo que corresponde a uma maioria qualificada de 2/3 dos
votos emitidos. E aqui, diferentemente do que acontece na parte final do n.º 1, não se tomam as
abstenções por votos não emitidos.

POC: as abstenções acabam por funcionar como votos negativos, porque eu tenho que delimitar o
universo em razão daqueles que formaram o quórum constitutivo para saber exatamente quanto é
que é, como é que estou perante uma maioria qualificada com alguma segurança.

E aí, olho para o quórum constitutivo, ele verifica-se, e portanto, sei imediatamente quando é que eu
tenho 2/3 dos votos favoráveis ou quando é que eu não tenho 2/3 dos votos favoráveis, porque de
certo modo as abstenções estão de alguma forma associadas aos votos desfavoráveis neste tipo de
deliberações, até porque a lei admite que possa reagir contra uma deliberação social anulável quem
não a votou favoravelmente – art. 59.º n.º 1 CSC. A lei, de certo modo, faz equiparar as abstenções
aos votos desfavoráveis.

284
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Verificando-se um quórum deliberativo suficiente, aquilo que acontece é que o presidente declara
aprovada a proposta e essa proposta forma uma deliberação. Isto é, a deliberação corresponde à
proposta nos termos em que ela foi exatamente aprovada.

Evidentemente que no âmbito da discussão e do debate, as propostas podem ser objeto de alteração,
claro que podem. Isso faz parte. Mas na maioria das vezes não o são. E, não se recolhendo os votos
suficientes, o presidente da mesa declarada rejeitada essa proposta e portanto, não se forma a
deliberação. No fundo, acaba por ser uma rejeição da proposta e portanto sendo formada a dita
deliberação.

Pode a AG ser suspensa durante o seu decurso, durante a ordem de trabalhos?


Aqui há que distinguir duas situações distintas:
 Pequenas suspensões que possam ocorrer no decurso da AG estão, regra geral, na
dependência da decisão do presidente da mesa
o Ex.: é necessário prestar esclarecimentos e a documentação tem de ser encontrada
para o efeito. É possível suspender durante alguns minutos por essas razões.
o Ex.: é necessário tentar encontrar um consenso sobre uma determinada proposta
contratual – o presidente da mesa pode suspender durante alguns minutos a AG,
permitindo que os acionistas dialoguem entre si para ver se chegam a um consenso
o Ex.: a AG decorre há muitas horas e é necessário promover uma interrupção por
razões de ordem fisiológica, alimentar – wc, comer, etc.
o Isto são pequenas suspensões que ocorrem no próprio contexto da AG e estão todas
elas dependentes da vontade do presidente da mesa.

Mas será possível suspender os trabalhos e retomá-los mais tarde, alguns dias depois? Aí é lei é
muito positiva! Prevê no art. 387.º CSC (também aplicável às SPQ) que, sob proposta de um
acionista, a AG pode ser suspensa um máximo de 2x e por um período máximo de 90 dias. Quer
dizer, a AG que se inicie no dia 1 de Julho poder-se-á concluir na prática 180 dias mais tarde – quase 6
meses (183 dias).

O que é preciso de acordo com o art. 387.º CSC? é que seja prevista a data da continuação dos
trabalhos. Isto é, que se sugira imediatamente quando é que os trabalhos devem ser retomados.
Esses trabalhos correspondem a uma nova sessão da AG, mas são a mesma AG, integram a mesma
AG.

O que acontece muitas vezes é a suspensão correr já depois de aprovados alguns pontos da ordem de
trabalhos e portanto já depois de formadas definitivamente algumas deliberações, mas havendo
ainda dúvidas sobre outras que possam vir a ocorrer. Por exemplo, aprovaram-se as contas, aprovou-
se a aplicação de resultados, mas há dúvidas sobre a composição dos órgãos sociais. E os acionistas
precisam de mais tempo para discutir entre si. Podem apresentar uma proposta para suspender a AG
pelo prazo de 60 dias ou 45 dias, e retomarem na data prevista a continuação da AG.

Cada sessão dá lugar a uma ata, isto é, dará lugar a um instrumento que documente aquilo que foram
285
140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
os trabalhos realizados e, decorridos 15 dias quando a AG suspende por pelo menos 15 dias, a lei
admite que as deliberações que já tenham sido formadas em pontos da ordem de trabalhos que se
encontrem encerrados, possam ser objeto de impugnação. Isto é, possam vir a ser questionadas se
padecerem de uma vicissitude, ou seja, de uma desconformidade com a OJ, seja com a lei ou o
contrato de sociedade.

Por outro lado, e por último, uma nota importante sobre a realização da AG: em regra, não há
quórum constitutivo para esses efeito. Em regra, identificamos os participantes, para saber
simplesmente quem esteve presente. Mas, em certos casos como a alteração do contrato de
sociedade, a lei pode exigir, para que a AG possa validamente funcionar, que tenham de estar
presentes ou representados acionistas, que sejam detentores de um determinado montante
mínimo do CS ou dos direitos de voto correspondentes ao CS.

E se não estiver? Isto é, se sendo exigido um quórum constitutivo (que pode ser feita pelos
estatutos) – o contrato de sociedade, ainda que a lei não o exija, pode exigir em primeira convocação
que têm de estar presentes, pelo menos, a maioria dos direitos de voto ou do CS, consoante a opção
que seja formada, porque pode não haver exatamente coincidência entre o CS e os direitos de voto,
sendo certo que o CS que estiver indisponível, em princípio, não é tomado como referência para o
cálculo dos quora – art. 386.º n.º 5 CSC.

Ex.: imagine-se que há ações próprias na sociedade. Evidentemente que o CS não coincide
exatamente com os direitos de voto, porque as ações próprias não têm direitos de voto. Têm os
direitos suspensos. As ações próprias só participam no direito de aumento do CS por incorporação de
reservas e isso é uma participação automática. É a única exceção. Logo, havendo ações próprias, e se
o seu quórum se reportar ao CS, ter-se-á de reportar ao CS que possa efetivamente participar, porque
se houver 10% de ações próprias, 1/3 vai-se calcular com referência a esses 90% e não aos 100%.

A deliberação está pois sujeita a um quórum constitutivo quando as matérias requerem que em
primeira convocação estejam presente um determinado número de votos ou uma determinada
percentagem do CS.

O que é que acontece se isso não se verifica? E no fundo a preocupação da lei é: mesmo que a
própria lei tivesse indexado a formação da deliberação social a um quórum deliberativo que se
reportasse ao CS, como acontece, por exemplo, no art. 265.º n.º 1 para as SPQ – o quórum
deliberativo necessário para alterar o contrato de SPQ que é de ¾ dos votos correspondentes ao CS,
ou como acontece por exemplo a propósito da distribuição periódica de lucros, nos arts. 217.º e 294.º
n.º 1 CSC quando se permite que ¾ dos votos correspondentes ao CS possam obstar à distribuição de
lucros do exercício, não ocorrendo uma dessas situações;

Caso em que de algum modo o quórum deliberativo influi sobre o quórum constitutivo
definitivamente, isto é, verificando-se apenas uma situação em que em primeira convocação não se
verifique o quórum constitutivo, a lei prevê que a AG se deva realizar decorridos 16 dias (entre o dia
da primeira convocação e o dia realização da AG em segunda data devem mediar pelo menos 15 dias)
– art. 383.º n.º 4 CSC.

Qual é a intenção do legislador? É que não haja situações de impasse definitivas na sociedade pela
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falta à AG de determinados acionistas. E portanto, em segunda convocação, mesmo que não
estejam presentes o tal 1/3 necessário dos direitos de voto para deliberação uma alteração ao
contrato de sociedade, em segunda convocação é possível fazê-lo com uma participação menor.

E aí, desde que tenha sido logo prevista a data da segunda convocação, ou da realização da AG em
segunda convocação, já sabem quando é que é a segunda chamada, por isso se quiserem aparecem
ou não aparecem.

16.3. Suspensão e impugnação de deliberações sociais

Vicissitudes das deliberações dos sócios: isto é, quando estamos perante uma deliberação dos sócios
que não obstante estas regras procedimentais, e não obstante as regras legais e estatutárias a que
estejam sujeitas, é formada infringindo estas regras legais ou estatutárias que foram estabelecidas.

O regime regra da invalidade do Direito Civil no art. 294.º CC, segundo o qual quando um
determinado ato é contrário a uma regra imperativa, estamos perante um ato nulo – é isso que
determina o art. 294.º CC. Quando há um ato que seja contrário a uma norma legal, qual a
consequência? muitas vezes a lei diz. Por exemplo, diz que os atos praticados por menores são
anuláveis. Noutras vezes diz que os atos são nulos, diz que os atos simulados, por exemplo, são nulos.
Quando a lei nada diz, temos de recorrer ao art. 294.º CC que é norma residual que acolhe essas
situações.

O que é que acontece no domínio das SC? Se o regime regra fosse o da nulidade das deliberações,
isto poderia causar um problema – é que as sociedades funcionam precisamente, para além dos
atos em que se materializa a sua atividade, funcionam através das deliberações que vão integrando
as decisões que elas vão tomando. E se essas deliberações, como regra, que padecessem de um
vício, fossem nulas, então isso significava que todas as outras subsequentes que nelas se
alicerçassem poderiam ser arrastadas quando essa nulidade fosse declarada, porque os atos nulos
não produzem quaisquer efeitos, e portanto significaria que faltaria uma base.

Os atos anuláveis estão sujeitos a um regime jurídico diferente. Os atos anuláveis são
potencialmente inválidos, mas enquanto a invalidade não for declarada (judicialmente) esses atos
produzem os seus efeitos, sem prejuízo de a anulação proferida por um tribunal acarretar
retroativamente a destruição dos efeitos, o que é uma outra coisa. Mas se isso não acontecer,
decorrido um determinado prazo, porque se entende que a gravidade do vício não é tao grande,
concluímos que o ato se radica definitivamente na ordem jurídica. Nós dizemos como que o ato vai
convalescer, porque ele está potencialmente enfermo, mas no fundo vai sobreviver pelo decurso do
prazo, mais ou menos longo, depende das situações. E vai-se afirmar definitivamente na OJ.

É isso que se passa no domínio das CS. Curiosamente, também nas deliberações de pessoas coletivas
previstas no CC, nomeadamente das associações, também têm como regime regra a anulabilidade.
Quer dizer, o regime regra da anulabilidade das deliberações sociais, é um regime regra que
encontra fundamento na ideia de que as deliberações sociais se produzem em cadeia, isto é, estão
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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA
todas encadeadas umas nas outras.

Art. 58.º n.º 1 al. a) CSC  Em princípio, são anuláveis todas as deliberações que forem contrárias à
lei ou aos estatutos, às quais não couber a nulidade nos termos que se encontram previstos no art.
56.º CSC.

O regime jurídico para arguir a anulação das deliberações sociais, que nesse aspecto tem algumas
parecenças com o regime para arguir a anulação de atos jurídicos em geral, no fundo ele restringe
fortemente a legitimidade ativa para requerer a anulação de uma deliberação social, restringe essa
legitimidade aos sócios e ao órgão de fiscalização da sociedade, isto é, mais ninguém pode por em
causa uma deliberação social que seja meramente anulável, e concede um prazo relativamente
reduzido de 30 dias para deduzir a anulação da deliberação social.

Evidentemente que se não houve conhecimento da realização da AG e da formação das deliberações


sociais, por razão que não seja imputável ao próprio sócio, esse prazo previsto no art. 59.º CSC
conta-se a partir do momento do conhecimento da deliberação.

O regime regra é 30 dias após a formação da deliberação social. E 30 dias após a formação da
deliberação social, ela torna-se válida. Por isso, ela é potencialmente inválida, mas por um prazo
extremamente reduzido. Ou seja, ela deixa de poder ser questionada.

Mas muitas vezes, o efeito que está subjacente à anulabilidade não prejudica a produção dos efeitos
jurídicos do ato que nós perdemos a invalidade e como a ação de anulação muitas vezes é uma ação
onerosa, se nós só tivermos o expediente de recorrer a uma ação de anulação, quando o tribunal
decidir, nós podemos estar já perante um prejuízo insanável do direito que pretendíamos preservar
com a anulação da deliberação social.

Então para esse efeito, a lei processual civil reconhece a existência de um procedimento cautelar que
permita num prazo breve, obter a suspensão dos efeitos da deliberação, enquanto não é formada
uma decisão definitiva sobre a mesma. E essa providencia é a providência de suspensão de
deliberações sociais – arts. 380.º a 382.º CPC. Permite-nos contestar com rapidez – prazo de 10 dias.
Decorre da própria lei – art. 375.º CPC – que uma vez citada a sociedade, ela fica inibida de executar a
deliberação cuja suspensão foi oportunamente requerida. Consegue-se de algum modo procurar
obviar aos efeitos que decorram da deliberação e a sua eventual execução.

Art. 58.º  para além desta regra geral da sua al. a), que acaba também por funcionar como uma
regra residual (sempre que não houver previsão de qualquer sanção) – temos outras situações:
 Al. b) – anulabilidade das deliberações que sejam abusivas
o Isto é, que visem atingir efeitos que não sejam necessariamente a realização do
interesse social e que pretende exclusivamente, muitas vezes, prejudicar os interesses
de alguns dos sócios
 Al c) – deliberações que sejam formadas com a preterição de elementos mínimos de
288
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informação
o Art. 58.º n.º 4 – enunciados exemplificativamente
o A lei, para além do regime regra da anulabilidade, prevê certos casos completamente
como anulabilidade.

Noutras circunstâncias, pode haver mesmo lugar à nulidade. Ou seja, o vício pode ser tão grave que o
CSC não se satisfaça com a anulabilidade da deliberação social. Então vamos para o...

Art 56.º CSC  tem 4 alíneas que têm configurações diferentes – as duas primeiras recaem sobre
aspetos procedimentais, relativos aos atos que se têm de observar na formação das deliberações
sociais. E as duas últimas recaem sobre matéria de conteúdo das deliberações dos sócios.

Nos termos da al. a), são nulas as deliberações que se tenham formado numa AG que não tenha
sido convocada. Compreende-se perfeitamente, aliás, ela é ignorada possivelmente por muitos
sócios. Está prevista na al. a).

Nos termos da al. b), são nulas as deliberações tomadas no contexto do voto escrito – art. 247.º
CSC – em que tenha havido preterição das formalidades a que está sujeita a formação de
deliberação nessas circunstâncias.

Depois, nos termos das als. c) e d), temos dois tipos de deliberações que são 2 tipos que na realidade
recaem sobre o conteúdo e portanto têm um vício substancial. Um vício que as afeta gravemente.
Nos termos da al. c) – que os sócios por natureza nunca pudessem formar – por exemplo, se os sócios
desatam a tomar deliberações sobre matéria de gestão, elas enquadram-se aqui na al. c).

E na al. d), as deliberações contrárias aos bons costumes e as deliberações que violem regras
imperativas que nem por vontade unânime dos sócios pudessem ser derrogadas. Isto é, que não
pudessem ser afastadas por vontade unânime dos sócios.

Por exemplo, deliberações que recaiam sobre aquelas matérias segundo as quais não é possível negar
a atribuição de lucros aos sócios – proibição do voto leonino. É um exemplo claríssimo da aplicação
da proibição. Ou seja, tudo situações particularmente graves.

E ficaram de fora do quadro dos vícios ou desvalores do NJ 2 desvalores:


 Ineficácia em sentido estrito
o Aquelas situações em que no fundo, procedimentalmente o ato está correto,
substancialmente verificam-se os requisitos de validade a que ele estava sujeito, mas
não obstante, falta ainda um requisito externo ao próprio ato, que era necessário para
que ele pudesse produzir efeitos.
o Essas deliberações, dizemos que são ineficazes, em sentido estrito. Trata-se de uma
ineficácia absoluta. Ou seja, não produzem quaisquer efeitos.

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o Art. 55.º CSC
 Ineficácia em sentido relativo
o Inoponibilidade
o Ex.: Alteração do contrato de sociedade para introduzir novas obrigações que não são
favoravelmente votadas por um sócio
 Essas obrigações são inoponíveis ao sócio

A ineficácia em sentido absoluto é contemplada e acolhida em geral no art. 55.º CSC e o exemplo
mais flagrante é o que diz respeito à chamada violação dos direitos especiais quando no fundo os
sócios promovem uma alteração do contrato de sociedade sem obter o consentimento da pessoa ou
da categoria de ações que se deveria pronunciar sobre a modificação do contrato dado que estava
em causa um direito especial e esse consentimento era necessário.

Inexistência jurídica

Não está de todo prevista. Este aspecto é um aspecto importante porque tradicionalmente costuma-
se dizer que para haver inexistência jurídica tem que haver existência material. Mas também é
importante que se diga que há atos que apesar de serem desvalorizados profundamente pela OJ por
uma absoluta desconformidade com o sistema, podem, não obstante, tender a produzir efeitos. Isto
é, a serem objeto de aplicação.

E se isso acontecer, se eu for recorrer ao regime regra aplicável à invalidade das deliberações sociais,
estou na anulabilidade, estou num regime muito ténue dos 30 dias. E esse ato é totalmente
desconforme com a OJ.

POC: há situações e circunstâncias em que a inexistência jurídica da deliberação deve ser ponderada
pela gravidade da desconformidade que existe entre a aparência material de um ato, por mais
desconforme que seja, com os atos de natureza semelhante no quadro da OJ, e para prevenir a sua
efetivação na OJ e a produção dos efeitos nesse sentido.

Se o POC na sua edição de 2019 já manifestava dúvidas sobre a inexistência desta figura, já tenderia a
aceitar que ela em certos casos pudesse existir, agora admite-a completamente em algumas
situações, ainda que muito restritas e verdadeiramente excecionais. A sua posição nesta matéria é
contrária, por exemplo, àquela que está na 6ª edição do livro.

Possibilidade de sanar deliberações que sejam nulas e anuláveis

O nosso CSC contem uma norma que é a do art. 62.º CSC que tem algumas parecenças com aquela
regra que existe no CC sobre a chamada confirmação do NJ = declaração que pode ser feita por quem
tem legitimidade para questionar um ato jurídico anulável e em vez de o fazer ou deixar passar o
tempo, pura e simplesmente declara que está satisfeita com o teor daquele ato.

290
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Há no CSC uma figura muito próxima que é a figura da renovação das deliberações sociais: procurar
de algum modo sanar o vício de que ela padece. É fazê-lo, designadamente, no contexto e no âmbito
de um processo de impugnação da deliberação social, para por termo a esse processo.

Verificou-se uma desconformidade procedimental na formação da deliberação social. Então vamos


procurar corrigir, formando-a outra vez em termos adequados. E dessa maneira, renovando a
deliberação que oportunamente foi tomada. É isso que é possível fazer com todas as deliberações
anuláveis no termos do art. 62.º CSC.

E com as deliberações nulas que padecerem de um vício de forma, é possível renovar. Por exemplo,
foi formada uma deliberação social sem convocação da AG – art. 56.º n.º 1 al. a) CSC. Se eu no
contexto do processo em que se está a por em causa uma deliberação que se formou desse modo
desastrado, se eu voltar a convocar a AG exatamente com a mesma finalidade para no fundo renovar
a deliberação, confirmando a deliberação que foi tomada, mas agora observando as regras, eu posso
dizer ao tribunal que isto já está sanado. Confirmamos a deliberação que foi formada.

Em princípio, não é preciso direito de voto para impugnar uma deliberação social. Mas é preciso ser
sócio, ainda que o órgão de fiscalização também o possa fazer. No plano das deliberações nulas, a lei
admite que qualquer interessado o possa vir a fazer, diversamente do que se passa no plano das
anuláveis.

Há uma exceção no CVM – art. 24.º - entende-se que a suspensão de uma deliberação de acionistas
de uma sociedade cotada só possa ser requerida por acionistas que reuniam um mínimo de 0,5% do
CS. Aqui há também subjacente o direito de agrupamento. Mas a lei exige pelo menos 0,5%.

É porque se for requerida a suspensão de uma deliberação de uma sociedade cotada, dessa
suspensão podem resultar danos graves para a sociedade e para os acionistas. Se requeremos a
suspensão da distribuição de lucros, estamos a prejudicar seriamente quem estava a aguardar esses
lucros. E se o fizermos sem qualquer motivação ou base, então vamos ter a responsabilidade, porque
a lei prevê a RC de quem recorra a uma Prov. Cautelar e não tenha qualquer razão para o efeito –
pelos efeitos imediatos que decorrem dessa providência.

Então aquilo que o legislador quis foi assegurar-se que quem puser em causa de forma imediata a
execução de uma deliberação de uma sociedade cotada, tem de no mínimo ser titular de 0,5% do CS,
porque isso tem um valor patrimonial muito elevado numa sociedade cotada. E portanto, assegurará
devidamente a responsabilidade de quem atuar indevidamente. Não basta intervir com 100 ações ou
com um capital simbólico. É preciso que haja substrato.

17. Modelos de governação de sociedades por quotas e anónimas

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POC: ler arts. 259.º, 405.º e 406.º CSC! é obrigatório conhecer estas regras para passar esta cadeira

Estas regras são diferentes, e são diferentes, porque enquanto nos termos do art. 259.º CSC cabe à
administração de uma SPQ (= gerência) praticar os atos que se traduzam na realização do objeto
social, devendo subordinar-se às deliberações dos sócios – os sócios numa SPQ podem intervir plano
da gestão da sociedade, poder intervir na administração, podem instruir os gerentes a praticar atos,
podem dizer vende isto, vende aquilo, nas SA é completamente diferente.

Se olharmos para o art. 405.º CSC, mal lido parece conduzir a uma solução semelhante, nos diz que
no contexto de uma SA, o órgão de gestão que tem a administração e representação da sociedade,
apenas está sujeito às deliberações dos sócios nos casos em que a lei ou o contrato de sociedade o
estabelecer.

E esta norma vai-se ligar com a do art. 373.º CSC a propósito da competência extraordinária da AG.
quer dizer, nada impede, por exemplo, que o contrato de SA preveja, em desvio àquilo que seria a
regra legal sobre a competência do órgão de gestão, que para um determinado efeito, o órgão de
gestão perca a sua competência imediata em favor dos acionistas, por exemplo. É fundamental
termos presente esta regra.

E o que é que nos faz o art. 406.º CSC?

O que o art. 406.º CSC, que se reporta também a atos de gestão mas que não se refere
necessariamente a atos de gestão, reconduz à competência do CA uma série de atos, mesmo quando
eles não são puros atos de gestão. Por exemplo, encontramos aí atos de alteração do contrato de
sociedade.

A alteração do contrato de sociedade está prevista no art. 85.º CSC. É competência exclusiva dos
sócios. Mas a parte final do n.º 1 do art. 85.º CSC permite que, em certas circunstâncias, excecionais,
cumulativamente, a competência possa ser reconhecida a outros órgãos. E é reconhecida,
precisamente, por exemplo, ao CA.

Quando está em causa um aumento do CS por novas entradas em dinheiro, nos termos do disposto
no art. 456.º CSC e 406.º al. l), isto é, a al. l) do art. 406.º CSC acolhe a competência do órgão de
gestão. É desse artigo que resulta, por exemplo, que o órgão de gestão é que é o órgão competente
para adquirir por trespasse, c/v de imóveis – al. e).

Esta al. e) do art. 406.º CSC que nos permite incluir na competência do órgão de gestão as compras e
vendas de bens móveis por maioria de razão, ela refere-se a bens imóveis, se a sociedade não tiver
por objeto a atividade imobiliária. Mas se a sociedade tiver por objeto a atividade imobiliária, se for o
objeto daquela sociedade comprar e vender bens imóveis, intermediar na c/v de bens imóveis, então
a sua competência não lhe advém da al. e) do art. 406.º CSC, mas resulta do art. 405.º CSC. Isto é,
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mesmo que não houvesse al. e) do art. 406.º CSC, era óbvio que era a administração que tinha que
praticar os atos que correspondiam ao objeto social.  é para saber bem o art. 406.º na oral!!!

Competência

Como iremos ver numa SPQ, os gerentes intervêm conjuntamente, isto é, eles intervêm pela
participação direta nos atos que a sociedade realiza. Portanto, se estivermos numa SPQ com 3
gerentes, como a lei vai determinar pelo art. 261.º CSC que a sociedade se deva representar pela
maioria dos gerentes, se não houver outra regra que exija um quórum diferente, significa que cada
vez que a sociedade se queira representar na prática dos seus atos, devem estar presentes dois
gerentes.

No domínio das SA, é verdade que os administradores intervêm quotidianamente na prática dos atos,
em especial, daqueles que correspondem ao exercício da sua atividade. Por exemplo, se a sociedade
comercializa automóveis é evidente que o CA não tem que reunir cada vez que a sociedade vai
vender um automóvel, ou cada vez que a sociedade vai promover a importação de mais 10 ou 15
carros para vender. Os administradores praticam esses atos diretamente.

Mas, no domínio das SA, designadamente, porque na maior parte dos casos o CA tem uma
composição colegial ou plural, é suposto que o CA, sobre os atos mais relevantes tome as suas
decisões. E depois, naturalmente, que as mesmas venham a ser executadas. Mas se elas forem
tomadas pela maioria, podem até ser executadas por qualquer administrador.

E portanto, nas SA, muitas vezes têm uma composição muito vasta – e porque a regra da maioria
também existe no art. 408.º CSC para as SA – se eu tiver 15 administradores, o que seria cada vez
que se pratica um ato social terem de estar presentes 8. Seria verdadeiramente exaustivo.

Não só o contrato de sociedade exige ou prevê que possam estar menos, como frequentemente, no
contexto da SA, são delegados poderes nalguns administradores ou um deles, designadamente, se
forem delegados num conjunto de administradores, esses administradores podem formar um sub-
órgão do CA que se chama Comissão Executiva, ou delegar num deles que se chama administrador-
delegado.

O que é que se pretende aqui? Designadamente, assegurar que relativamente aos atos que
correspondem à atividade normal daquela sociedade, aquelas pessoas em concreto estejam
mandatadas para representar a sociedade com maior simplicidade – art. 407.º CSC – é para ler isto
exaustivamente. Mas não está prevista no art. 407.º n.º 1 como nós gostamos de dizer nos exames 
está prevista no art. 407.º n.º 3 CSC.

O art. 407.º n.º 1 fala-nos de uma outra realidade – a atribuição de pelouros, e mais do que isso,
estabelece um regime completamente diferente. Este artigo diz-nos que a SA se pode organizar
internamente, atribuindo a competência e responsabilidade sobre certas áreas de atividade
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diferentes aos seus diversos administradores. Por exemplo, um fica o administrador financeiro, outro
fica o administrador do marketing, outro fica o administrador dos recursos humanos, outro fica
administrador operacional, outro fica administrador comercial. E de acordo com este artigo, não é
preciso previsão contratual para a sociedade o poder fazer.

Mas para delegar poderes, é preciso o contrato estabelecer uma autorização. Isto é, o contrato tem
de expressamente autorizar a delegação de poderes.

Que poderes é que podem ser delegados? Uma pluralidade deles, com exceção dos que estão
previstos no art. 407.º n.º 4 CSC. Há certos atos que são tão relevantes para a sociedade, que a lei
não admite que possam ser objeto de delegação de poderes, por exemplo, a prestação de garantias.
A lei não admite que a prestação de garantias seja objeto de delegação de poderes.

Quer dizer, o CA decide, mas depois há uma regra importantíssima neste artigo – art. 407.º n.º 8 CSC
– de acordo com a qual o CA pode sempre avocar todos os poderes que eventualmente concedeu à
Comissão Executiva. Isto é, pode o CA tomar todas as decisões sobre, designadamente, aquelas
matérias cujos poderes havia delegado em alguns dos seus administradores.

17.1. Orgânica das sociedades por quotas

Como é que se compõe o órgão de gestão?

Aqui há que distinguir: enquanto na SPQ o órgão de gestão pode ter uma composição singular ou
coletiva, sem qualquer limitação – se tiver uma composição singular falamos do gerente único, ou
seja uma gerência composta por um único elemento, ela pode ter também uma pluralidade de
membros e aí falamos de gerência plural.

Os gerentes são habitualmente designados no contrato de sociedade, mas também podem ser
eleitos. No fundo, o seu mandato manter-se-á enquanto eles não forem afastados, salvo se tiver sido
estabelecido um termo para o efeito. Ou seja, a maior parte dos gerentes são designados sem termo.

A designação do gerente no contrato de sociedade não importa a concessão de um direito especial.


Vimos isso oportunamente. Ou seja, o facto de eu nomear um gerente no contrato de sociedade, não
significa que eu pretenda conceder um direito especial, designadamente o de apenas permitir o seu
afastamento de uma situação de justa causa. No fundo significa que eu por uma razão de agilidade
quer logo indicá-lo como membro do órgão executivo.

Mas, eu posso recorrer a uma situação diferente. Eu posso indicar um gerente a título simples no
contrato social, por facilidade. Posso conferir-lhe um direito especial à gerência, isto é, desde que ele
seja sócio (só os sócios é que podem ter um direito especial à gerência), e então indico no contrato
social que concede-se o direito especial à gerência ao sócio X ou Y. Ele fica a beneficiar da previsão do

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art. 257.º n.º 3 CSC. Ou até posso nomear no contrato, mesmo que não haja previsão contratual
nesse sentido que o designo gerente por dois exercícios sociais.

Qual é o interesse de designar o gerente com o contrato de sociedade? É que se eu me fartar dele,
eu sei quanto é que me vai custar essa fartura. Isto é, se eu me fartar de um gerente que tenha
designado por um prazo certo e o queira afastar sem ter qualquer causa para o efeito, eu sei qual é o
montante máximo da indemnização que eu vou ter de pagar – é aquele que corresponde ao mandato
que se encontrava por cumprir.

O gerente que seja designado sem prazo, a lei prevê que se entende no silêncio do contrato que ele
deveria ter direito a desempenhar funções durante mais 4 anos. O que significa que a lei estabelece
as balizas para uma indemnização para esse efeito, o que é particularmente relevante.

A gerência está nos arts. 252.º a 261.º CSC.

17.2. Os órgãos de administração das sociedades anónimas

Quanto à SA, é muito simples – art. 390.º CSC. A SA, diversamente da SPQ, só pode ter um órgão
executivo composto por um titular único, desde que o seu CS não exceda 200.000€ - art. 390.º n.º 2
CSC, se não, a administração tem de ser plural ou colegial. Isto é, tem de designar um CA.

Quem é que pode integrar o CA?

Apenas pessoas singulares. Mas uma PC pode ser eleita administradora de uma SA? Sim. Aqui a lei
responde e prevê no art. 390.º n.º 4 que se for eleita para administradora uma PC ela tem é que
designar uma PS para em nome próprio e por sua própria conta exercer as funções de
administrador, sem prejuízo da solidariedade em que incorre a PC designante. Isto é, a PC, uma
acionista da sociedade para a administração, ela vai ter que indicar uma PS e a partir de aqui ela só
tem desvantagens, porque se essa PS incorrer em RC, a PC tem solidariedade com essa PS.

Então qual é o interesse de uma PC ser eleita administradora? É assegurar-se que se essa PS por
algum razão cessar funções, não estamos perante a vacatura do cargo. É à PC que oportunamente foi
eleita administradora que está designada como tal no registo comercial que cabe indicar de forma
definitiva o seu substituto.

Como é que são designados os administradores?

Também podem ser designados no contrato de sociedade, só que os administradores são designados
para mandatos e não podem ser designados para mandatos superiores a 4 anos civis como decorre
do art. 391.º CSC.

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Art. 391.º e 392.º CSC

Não podem ser designados para mandatos superiores a 4 anos, portanto podem ser designados para
mandatos que correspondam a 1, 2, 3 ou 4 anos. E estes anos civis têm que ser adaptados, porque se
porventura o exercício social for discrepante do ano civil, naturalmente, onde lemos anos civis,
devemos ler exercícios sociais.

Mas, uma vez constituída a sociedade, ou mesmo que o seja logo inicialmente, é possível que até
para a primeira designação os administradores sejam designados por eleição. Quer dizer, eu posso
constituir a sociedade, reúno a AG e promovo então aí a eleição dos primeiros administradores. Ou
faço tudo no contrato de sociedade por uma questão de comodidade.

Habitualmente, eles são eleitos em AG. Na AG anual – art. 376.º CSC – e são para os períodos que
estiverem contratualmente previstos. Na falta de administradores, é possível recorrer ao tribunal
para que o tribunal designe o administrador judicial. Aqui a falta de administradores não é uma falta
absoluta, pode ser uma falta relativa – não existiram administradores em número suficiente para que
o CA tenha quórum para poder funcionar. E o quórum é o da existência ou subsistência da maioria
dos administradores que tenham sido oportunamente designados. Resulta do art. 410.º n.º 4 CSC.

O Estado tem, por vezes, a prorrogativa de designar diretamente ou de nomear os seus


administradores, e o facto de que o presidente do CA, sendo habitualmente eleito pelos seus pares,
isto é, pelos demais apostadores, o contrato de sociedade pode estabelecer que ele deva ser eleito
como os acionistas – art. 395.º CSC. Ao presidente cabe coordenar as atividades do CA.

Se porventura os administradores designados tiverem um contrato de trabalho com a sociedade


relativamente à qual vão subir à administração, a lei determina nos termos do art. 398.º CSC que esse
contrato de trabalho se suspende. Isto é, há suspensão dos efeitos do contrato de trabalho porque
são por natureza divergentes do contrato de administração. O administrador tem um poder de
direção, o trabalhador está subordinado a esse poder de direção.

É possível suspender administradores, nas circunstâncias em que se antecipa que eles não possam vir
a exercer as suas funções durante muito tempo – art. 400.º CSC – designadamente por razões de
doença, força maior, ou por vezes até por razões de ordem criminal. E, muitas vezes, é o próprio
tribunal que o faz no contexto do CPP – art. 199.º CPP, que permite ao juiz suspender as funções de
um administrador.

Quando são suspensas as funções de um administrador, em geral, suspendem-se todos os seus


direitos e deveres que não sejam incompatíveis com a subsistência do vínculo de administração. Quer
dizer, há deveres que não se podem suspender, os deveres deontológicos, os deveres de lealdade,
etc. Mas os outros suspendem-se necessariamente. Se ele fica dispensado do dever de assiduidade,
ele também fica dispensado do direito à retribuição, a menos que o contrato de sociedade disponha
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diversamente – art. 400.º CSC.

Possível substituição de administradores

Está prevista no art. 393.º n.º 3 e segs. CSC. Faltando, no decurso do mandato, os administradores,
há várias possibilidades para os substituir. Ou porque morrem, por exemplo, ou porque renunciam,
ou porque ficam impedidos por uma doença grave de exercerem definitivamente as suas funções.

A lei prevê de 4, 1:
 Ou havia suplentes eleitos
o Caso em que são os suplentes que vão substituí-los
o Raríssimo
 Cooptação
o Escolha de um administrador pelos administradores subsistentes
o Só é possível se o CA ainda tiver quórum para poder funcionar
o A cooptação sujeita necessariamente a escolha à aprovação dos acionistas na primeira
AG seguinte
 Não ocorrendo a cooptação em 60 dias, o órgão de fiscalização pode proceder a essa
substituição
 Os acionistas também o podem fazer em qualquer momento
o POC: esta previsão seria desnecessária

Fora isso, naturalmente, é óbvio quer para a gerência, quer para a administração, é sempre possível
no exercício das suas funções constituir mandatários ou entre si delegar poderes. Os poderes que o
CA delega nos termos do art. 407.º CSC também os próprios gerentes o podem fazer. Ou seja, os
gerentes podem mesmo reunir, realizam informalmente um conselho de gerência, subscrevem um
instrumento com a sua decisão que é uma ata da gerência, que pode ser exarada no próprio livro de
atas da AG e podem entre si combinar que certos poderes podem, por delegação, ser exercidos
apenas por um deles, porventura, porque os outros nem sequer vivem em Portugal. Então, para
facilitação, entrega-se a um deles essa possibilidade.

12.05.2022

17.3. Os órgãos de administração das sociedades anónimas (conclusão); competência,


composição e funcionamento do conselho de administração.

Funcionamento da gerência e do CA: como já decorre das regras legais que vimos (arts. 261.º e 408.º
CSC), em princípio, as sociedades são representadas pela maioria dos elementos do seu órgão
executivo. Portanto, para esse efeito, nós temos de saber qual é que é o número desses elementos, o
que nos termos do disposto no art. 409.º n.º 1 CSC não é exigível às terceiras contrapartes que se
relacionam com a sociedade.

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Os arts. 260.º n.º 1 e 409.º n.º 1 CSC nos dizem é que as eventuais limitações que resultem do
contrato de sociedade não podem ser oponíveis às contrapartes negociais, aos terceiros que se
relacionem com a sociedade. O que significa que na prática, mesmo que tais limitações contratuais
constem do registo comercial, porque o contrato é inscrito no registo comercial, a lei não obriga
terceiros a conhecê-lo.

Os terceiros no fundo vão ter de se guiar pelo conhecimento que têm das regras legais, pelo
conhecimento que têm do modo normal da sociedade se poder vincular. É evidente que, como
sempre, se os terceiros por alguma razão tiverem conhecimento das regras específicas de vinculação
daquela sociedade, aí eles não podem de boa-fé fingir que não os conhecem.

E portanto, na realidade, os terceiros ficam desobrigados por eventuais limitações contratuais. E por
isso, também se deverá ler esta exoneração legal das suas responsabilidades, no sentido de se
concluir que os terceiros não têm obrigação de conhecer o número de gerentes ou de
administradores que a sociedade tem em cada momento. Porque se eles tivessem essa obrigação,
também conseguiriam conhecer as limitações contratuais.

 art. 409.º CSC: os atos praticados pelos administradores em nome da sociedade, e dentro dos
poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros.

É um princípio, uma regra de vinculação da sociedade. Isto também existe no art. 260.º n.º 2 CSC. E
depois, a parte final do art. 409.º n.º 1 diz que não obstante as limitações constantes do contrato de
sociedade, ou resultantes de deliberação dos acionistas, mesmo que tais deliberações sejam
publicadas, constem do registo.

Portanto, as limitações não são oponíveis. Isto é, não é exigível que a terceira contraparte negocial
da sociedade, cada vez que celebra um NJ com ela vá perceber se há limitações aos gerentes ou
administradores de vincular a sociedade, logo, também não lhes é exigível saber qual é o número de
administradores e gerentes.

E se eu não souber qual é o número de administradores e gerentes, como é que sabe que a
sociedade está bem vinculada? Eu vou confiar nessas pessoas que se apresentam como legais
representantes da sociedade. Elas é que terão que saber se têm ou não poderes para o efeito. E se
elas tiverem poderes para o efeito, então é natural que participem nos atos. E eu tenho que depositar
a minha confiança na aparência que resulta da intervenção dessas contrapartes, desses
representantes legais.

E o que é que eu como contraparte negocial tenho que saber? É o modo que seria suficiente para a
sociedade se obrigar num determinado momento. Ou seja, para se obrigar em abstrato, porque eu
não sei exatamente em concreto quantos elementos do órgão executivo é que aquela sociedade tem.

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E então, o que é que eu tenho de saber em cada momento? o que eu não posso ignorar em cada
momento é o que consta da lei, aliás, o art. 6.º CC. Não posso pretender não saber o que é que a lei
exige. E o que é que a lei exige – se eu for ao art. 260.º CSC eu vou ver que a lei exige que os gerentes
intervenham em nome da SC.

As SPQ podem ter um único gerente, portanto eu sei que qualquer SPQ no mercado tem um gerente.
Eu sei que se lidar com um gerente, que se arrogue poderes para celebrar um contrato comigo como
contraparte negocial da sociedade, acredito nele. E portanto entendo que a sociedade vai ficar
devidamente vinculada.

Se for numa SA, a questão colocar-se-á exatamente nos mesmos termos? Não! Porque se for numa
SA, e esta menção eu tenho obrigação de saber porque é uma menção externa obrigatória (CS –
art. 171.º CSC), eu tenho obrigação de saber que se o CS superar os 200.000€ que aquela sociedade
não pode ter apenas 1 administrador.

Portanto, como terá de ter 2 ou mais administradores, ela teria de se vincular sempre pela maioria
dos administradores – art. 261.º e 408.º CSC – a maioria. E como isso eu tenho obrigação de saber,
eu sei que numa SA com mais de 200.000€ eu não posso pretender que aquela sociedade estivesse
vinculada com uma única assinatura, porque eu não podia esperar que nos termos da lei que ela
acontecesse.

Ela até pode ficar bem vinculada com uma única assinatura? Sim, basta que o contrato de sociedade
permita que a sociedade se vincule com uma única assinatura. Mas se isso acontecer, não temos
problema nenhum, está tudo bem, não há qualquer problema.

Como vimos, a sociedade pode opor aos seus terceiros contrapartes que elas já conhecem as
limitações – n.º 2 dos arts. 260.º e 409.º CSC.

Contudo, se virmos o art. 261.º CSC, funcionamento da gerência plural, aplica-se apenas aos casos em
que a gerência tem mais do que um membro. Embora na epígrafe tenha a ideia de funcionamento,
diz-nos o artigo que quando haja vários gerentes, e salvo cláusula do contrato de sociedade que
disponha de modo diverso, os respetivos poderes são exercidos conjuntamente, considerando-se
válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria e a sociedade vinculada pelos NJ
concluídos pela maioria dos gerentes ou por ela ratificados.

Há uma doutrina tradicional, designadamente os Professores de Coimbra Coutinho de Abreu e Sobral


Martins, que olham para este artigo e dizem que no fundo determina que eu tenho que conhecer o
número dos gerentes para saber qual é que é essa maioria.

POC: não acha que seja essa a leitura que se deva fazer.

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O art. 261.º CSC tem de se ler subordinadamente ao art. 260.º CSC. A regra sobre a vinculação está
no art. 260.º CSC, então porque é que existe o art. 261.º CSC? existe para explicar aos gerentes como
é que eles em princípio devem atuar. É assim que eles devem atuar, nos termos do art. 261.º CSC.

Mas se eles não cumprirem o disposto no art. 261.º CSC, agindo mal, isso não significa que a
sociedade não fique vinculada. Ele vão é ter um problema de RC para com a própria sociedade,
porque eles têm obrigação de saber que só podem intervir pela maioria, porque eles precisamente
participam nos NJ da sociedade de forma conjunta pela sua maioria, pela intervenção no ato dessa
mesma maioria.

O POC considera que o que a lei pretendeu foi na relação com o terceiro estabelecer as regras
mínimas pelas quais a sociedade fica adequadamente vinculada, isto é, na dúvida sobre se o ato
jurídico subsiste ou não, vamos ter que fazer sobressair os interesses do terceiro na manutenção
desse NJ, porque evidentemente a questão só se coloca quando a sociedade mal representada, ou
deficientemente representada, porque participou no ato com um n.º de administradores menor do
que aquele a que estava contratualmente obrigada ou até por deliberação pontual dos sócios,
quando a sociedade deficientemente representada pretendeu desfazer-se daquele NJ.

Como é que sustentamos de facto esta prevalência da leitura da vinculação? É muito fácil. Nós
temos 2 interesses:
 Interesse da sociedade
 Interesse do terceiro

O terceiro alicerça esse interesse na confiança que ele deposita na aparência da representação da
sociedade. Ele acredita em quem representa a sociedade, que essa representação é suficiente, é
normal fazê-lo. Melhor do que ninguém, o representante legal da sociedade deve saber se pode ou
não fazê-lo.

A sociedade pode não gostar do ato, porque o ato não é satisfatório para si, mas a verdade é que a
sociedade tem uma certa responsabilidade, que é a responsabilidade de ter sido ela a escolher aquele
gerente ou administrador que atuou mal, deficientemente e que devia ter respeitado as limitações
contratuais a que estava sujeito. E portanto, a sociedade tem em si uma culpa in eligendo, logo eu
quando estou na balança a procurar pesar os interesses, tenho que respeitar e tutelar a confiança
depositada na aparência que resulta da intervenção neste negócio.

Até aqui esta leitura é bastante irrepreensível, porque o POC está-se a basear na exoneração que se
retira da parte final dos n.º 1 dos arts. 260.º e 409.º CSC. Mas é evidente que isto não é à prova de
bala:

Coimbra: podemos conhecer a situação registal da sociedade pela consulta da certidão permanente .
Mas isso às vezes não é confortável.

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O POC quando vai ao mercado fazer compras, não pede às pessoas que lhe vendem a fruta a
respetiva certidão permanente. Não é assim que se fazem negócios. E portanto confio que aquela
pessoa que está atrás daquela banca quando recebe o dinheiro que lhe dou, está a atuar
adequadamente. Se isto é assim entre consumidores e profissionais, mais terá de ser quando os NJ
são entre profissionais, e portanto quando estamos a falar dos negócios entre os próprios sujeitos de
DC.

Risco: se eu de facto julgar que estou a negociar com um gerente ou administrador. Mas ele não é.
Isto é como tudo – se ele não é, eu aí corro o risco. A sociedade não pode ficar vinculada por
alguém que não a representa de todo, porque se não estava aberto o caminho para imputarmos
atos à sociedade, bastava qualquer pessoa se arrogar, funcionar em nome e representação dela.

Evidentemente que há esse risco, mas essa é uma situação mais de fronteira, porque nós estamos a
falar daqueles casos em que os gerentes ou os administradores são nossos conhecidos, com os quais
nos trocamos impressões, negociamos um determinado contrato, por exemplo. O que nós podemos
ignorar é se eles só por si podiam vincular adequadamente a sociedade.

Estes gerentes e administradores devem ser remunerados no exercício das suas funções. A
remuneração dos gerentes consta do art. 255.º CSC  ela deve ser adequada às funções que são
exercidas. E sobretudo, não podemos fazer sair pela gerência a remuneração dos sócios, aquela que
corresponde aos lucros que deviam ser distribuídos, salvo se (e mesmo isso é duvidoso do ponto de
vista ético) todos os sócios forem gerentes e todos tiverem exatamente a mesma participação,
circunstância em que lhes é rigorosamente idêntico estar a receber como gerente ou como sócios em
lucros. Aí vão tomar uma opção de caráter meramente fiscal e de segurança social. Sai muito mais
barato retirar lucros da sociedade do que retirar remunerações.

No domínio das SA, a remuneração pode ser certa ou pode ser variável. A certa é aquela que se
recebe periodicamente. A remuneração, como nas SPQ e nas sociedades em geral, é da competência
dos sócios e dos acionistas e pode ser delegada numa comissão de remunerações – art. 399.º CSC.
Aqui nas SA, para além das remunerações certas, há muitas vezes remunerações variáveis, aplicáveis
necessariamente aos administradores executivos. Os administradores não executivos muitas vezes,
para não dizer invariavelmente, têm remuneração certa, que não depende por isso, do êxito do
resultado da atividade da sociedade.

Nas SA pode haver remunerações variáveis que no fundo sejam uma consequência da performance
da própria sociedade e dos seus administradores que estiveram na base dos resultados que a
sociedade atingiu e que em razão dessa performance eles possam ter um maior valor da retribuição
que lhes é devida. Mas para esse efeito, se a SA for cotada, a lei exige que seja definida uma política
de remunerações – arts. 26.º-A e 26.º-G CVM, numa alteração que foi introduzida em 25 de agosto
de 2020, e o art. 26.º-G mais recentemente pela lei 99A/2021 de 31 de dezembro.

Qual é que é o propósito de haver uma política de remunerações? É procurar estabelecer os termos
em que os administradores vão receber a sua remuneração variável e não fazer depender o seu
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pagamento do resultado de apenas um exercício, mas da sustentabilidade da sociedade e portanto,
as remunerações variáveis, em regra, são recebidas às prestações, para que se tenha a certeza que o
resultado que esteve na sua base se irá consolidar com os exercícios seguintes e portanto que a
sociedade de facto deve pagar àqueles administradores.

Órgão de gestão da SA

Estamos agora perante uma regra clara do CSC – art. 410.º CSC que não se aplica às sociedades por
quotas, porque nas SPQ a gerência não funciona como órgão colegial, e portanto apesar do art. 261.º
CSC falar das deliberações dos gerentes, que podem existir, em regra, a gerência não se obriga desse
modo, e portanto a gerência numa SPQ é o somatório dos seus elementos. Isto é, o somatório dos
gerentes, devendo intervir em conjunto (representação conjunta da maioria deles).

Numa SA, se os atos quotidianos devem ser praticados pelos administradores, mesmo que não haja
delegação de poderes, a verdade é que muitos dos atos, pela sua relevância, devem ser objeto de
apreciação autónoma em reuniões em que todos participem e que possam expressar os seus pontos
de vista e tem que haver uma documentação em ata, isto é, um instrumento no qual conste que
aquilo foi oportunamente decidido.

Reuniões do Conselho de Administração

O funcionamento do CA está previsto no art. 410.º CSC. É norma que integra muitas regras legais de
caráter dispositivo permissivas, isto é, regras legais que podem ser aproveitadas no contrato de SA,
mas se não forem objeto desse aproveitamento, deixam de se poder verificar na vida da sociedade,
que não tenha essa opção. Simultaneamente, temos regras imperativas.

A primeira diz respeito à convocação – o CA deve ser convocado pelo seu presidente ou por 2 dos
seus administradores. Esta regra é imperativa, também pelo seu máximo, ou seja, não é admissível
que um contrato de sociedade, por exemplo, imponha, que para convocar o CA seja o presidente ou 3
administradores, porque exigir 3 é exigir um número muito elevado.

Deve ser o presidente, porque é o presidente que coordena as atividades do CA, como resulta do art.
395.º CSC. Mas, a lei tem de admitir que se os outros administradores quiserem levar os assuntos às
reuniões do CA e o presidente não estiver pelos ajustes, 2 deles podem devidamente fazê-lo por
iniciativa própria.

Como é que essa convocação deve ser feita? A lei não estabelece uma forma explícita para essa
convocação, embora diga que, em princípio, se não houver salvaguarda contratual, deve ser feita por
escrito. Pode ser feita por email, designadamente. Mas, se houver salvaguarda contratual, até pode
ser verbal. O problema que se coloca na convocação verbal é um problema de forma, que é cada vez
mais facilmente ultrapassável hoje quando muitas vezes gravamos os contactos – ficamos com a
prova da convocação verbal. Temos é que ter autorização do interlocutor para a gravação ser feita.
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Se olharmos para o n.º 3 do art. 410.º CSC, vemos inclusivamente um outro aspecto das tais regras
dispositivas com caráter permissivo ou facultativo que diz respeito ao modo como a administração
irá reunir. Prevê que o contrato de sociedade possa admitir que as reuniões do CA ocorram em datas
pré-fixadas. Como a regra tem uma natureza permissiva, significa que se o contrato não o permitir,
não é possível o CA recorrer a este método. Mas se o contrato de sociedade foi feito por pessoas
competentes como nós que conhecemos esta matéria  aquilo que vai acontecer é que na primeira
reunião da administração após a eleição, vai ser combinada a data na qual periodicamente o
conselho vai reunir.

Se o CA reunir 1x por mês, e essa é a periodicidade legal supletiva nos termos do n.º 2 do art. 410.º
CSC, que se torna definitiva se o contrato nada disser. Mas supletiva significa que nós podemos, por
exemplo, reunir o CA apenas 1x a cada 2 meses. A periodicidade mínima deve ser uma periodicidade
que o POC diria sempre maior que a periodicidade exigível para as reuniões dos acionistas, que é 1x
por ano. Não se admite que um CA reúna menos do que 2x por ano.

Aliás, uma delas é absolutamente obrigatória. É aquela em que o CA irá aprovar o seu desempenho,
fechar as contas, o relatório de gestão para o submeter à apreciação dos acionistas. Mas, o CA pode
prever a possibilidade, porque o contrato o estabelecer, de reunir em datas pré-fixadas. A vantagem
é uma questão de agenda, antecipação. Fica dispensada a convocatória do CA, porque naquele dia
eles têm que estar lá presentes. Mas isso dispensa formalidades prévias? Não, porque eu tenho que
distribuir material que vai ser objeto de apreciação. A distribuição dos elementos tem sempre que
acontecer.

Antecedência mínima para convocar o CA: a lei também é completamente omissa. Ao contrário do
que acontece com a AG, aqui não estabelece nada e compreende-se. Esta antecedência mínima deve
ser razoável, mas ela vai ter de variar em muitas circunstâncias.
 Se todos os administradores vivem no local da sede da sociedade, é mais fácil convocá-los com
maior rapidez
o Eles têm que estar disponíveis, gerem aquela sociedade
 Mas se houver administradores que vivam no estrangeiro ou num local distante, eles têm que
ser convocados com maior antecedência
o E já não estamos a falar das tais reuniões que ocorrem em datas pré-determinadas,
mas sim de reuniões que ocorrem quando o CA for convocado
o Há muitas sociedades em que o CA é convocado todos os meses expressamente para
uma determinada data que é normalmente aquela que dá jeito ao presidente do CA.

Isso significa que o CA deve reunir, devendo ser convocado com a antecedência – muitas vezes o
contrato de sociedade pode regular esta matéria, é habitual haver cláusulas de regulação desta
matéria – ex.: o contrato pode também prever 48h – parece razoável para convocar o CA em geral.
Em certos casos de urgência pode impor-se que seja em 24h. E o CA pode sempre reunir
espontaneamente, desde que todos estejam presentes – art. 411.º n.º 1 al. a) CSC.

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Quanto ao quórum constitutivo, é uma regra que está no art. 410.º n.º 4 CSC. Têm de estar
presentes a maioria dos administradores que tiver sido designada para exercer funções. A maioria
são aqueles que começaram o mandato, se forem eleitos 7 administradores para um mandato,
mesmo que tenham morrido 2, isto não altera a maioria. A maioria não fica aligeirada. Por isso é que
se aconselha que quando desaparecem os administradores, de 2, 1: ou sejam substituídos, ou que
por exemplo a AG oportunamente delibere que aquela administração começou com 7 e passará a
funcionar com 5 até ao final do mandato. Então aí, por essa determinação, alteramos as regras do
mandato.

Quanto à participação dos administradores na reunião, eles podem fazer-se representar como os
acionistas podem fazer-se representar na SA, e a resposta é necessariamente positiva.
Evidentemente que os administradores podem fazer-se representar. Mas aqui a lei exige que o
próprio contrato de sociedade autorize essa representação. Mais uma regra dispositiva com uma
natureza permissiva.

O mesmo se diga do voto por correspondência. Estamos a falar dos n.º 4, 5 e parte final do n.º 7 do
art. 410.º CSC. Os administradores podem votar por correspondência, se conhecerem a proposta que
vai ser objeto de apreciação no conselho para não se terem de deslocar ao CA.

Podem participar telematicamente? Podem, claro. Não há nenhum obstáculo nem proibição.
Naturalmente que o problema que se coloca é o da segurança das comunicações. Mas nada impede
que eles participem à distância. Isto é já aliás muito habitual, não vem do tempo do covid.

Um administrador só se pode fazer representar por outro administrador. É uma limitação


completamente diferente das reuniões da AG, porque se não, estávamos a abrir o CA a terceiros.
Estávamos a permitir que um intruso, um estranho tomasse conhecimento da forma como funciona a
sociedade. Isso não é admissível.

E nalguns casos, o contrato de sociedade (a lei não o determina), limita a intervenção por
representação. Por exemplo, determina que cada administrador presente só possa representar, no
máximo, 1 ausente, para que o CA não sejam apenas 1. Porque se não, em última análise, se não
houver essa limitação, o CA pode ser 1. Se todos delegarem no presidente a sua representação, está
lá ele sozinho. Isso não é aceitável.

Art. 410.º n.º 7 CSC: quórum deliberativo. Como é que funciona um CA? O artigo diz-nos que as
deliberações são tomadas por maioria dos votos dos administradores presentes ou representados e
dos que, caso o contrato de sociedade o permita, em voto por correspondência. São tomadas pela
maioria dos administradores presentes ou representados.

Esta regra como é que deve ser entendida? A doutrina divide-se:


 Há quem diga que ela permite que o contrato de sociedade exija um número maior de
administradores que a maioria
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 Há quem entenda que é uma regra imperativa no que respeita à maioria (POC) pelo menos nos
casos em que o que estiver em discussão for matéria que corresponda à gestão corrente da
sociedade e à prática dos atos que preenchem o seu objeto social.
o Atos que, se não pudessem ser praticados, porque a sociedade se encontrava numa
situação de impasse, conduziriam à sua paralisação.
o Impasse: se eu exigir para tomar certas decisões fundamentais de gestão – tinham de
ser aprovadas por 2/3 dos administradores. Se tiver 5 administradores, 2/3 são 4,
portanto se eu tiver 3 inclinados para uma decisão e 2 para outra, eu não consigo
resolver o problema. E a sociedade paralisa, morre.

E mais do que isso, este art. 410.º n.º 7 CSC não tem a previsão que consta do art. 386.º n.º 1 CSC
para as deliberações dos acionistas, permitindo que o contrato preveja, expressamente, outra
solução. Então como é que ele deve ser lido? POC  para as decisões em que o impasse não é
aceitável e que recaem sobre a matéria de gestão ou realização direta do objeto social, para essas
decisões, nunca o contrato pode exigir mais do que a própria maioria.

Mas para aquelas decisões que não são determinadas para o exercício quotidiano e diário da
atividade da sociedade, ou em o CA intervenha e possa vir a ser substituído nas suas decisões por
outro órgão, nesse caso, admite-se que se possa exigir um quórum deliberativo superior.

Ex.: decisões que não correspondam ao exercício direto da atividade da sociedade, mas que sejam da
competência do CA – art. 297.º CSC – distribuição antecipada de dividendos. Excecionalmente, é o CA
que tem o poder de distribuir antecipadamente os dividendos. Pode numa determinada sociedade
em cujo contrato autorize a distribuição antecipada, ser requerido que o CA quando deliberar essa
distribuição antecipada o faça por maioria qualificada, ou até por unanimidade.

Porque se não houver cláusula contratual, nem por unanimidade isso é possível, porque eu preciso de
uma autorização contratual. Portanto é normal que sejam os acionistas a autorizar o conselho a
deliberar, mas também possam dizer eu autorizo-vos, mas só nestas condições. Porque quando eles
não antecipam os dividendos nem por isso eles deixam de ser distribuídos regularmente ou sempre
que são acumulados pelos sócios (art. 31.º CSC).

Ex.: delegação de poderes. Eu posso exigir na cláusula em que admito a delegação de poderes no
âmbito da administração (art. 407.º n.º 3 CSC) que o CA delibere a delegação por maioria qualificada
ou unanimidade? Posso, porque se eu nem sequer tiver cláusula, nem por unanimidade é possível,
porque isso é fundamental.

Quanto à delegação de poderes, contudo, há aqui uma diferença: para constituir a delegação, eu até
posso exigir unanimidade, mas para eu lhe por termo, é suficiente a maioria. Em qualquer caso. E
uma cláusula contratual que exija mais do que a maioria é nula, no entendimento do POC, porque
viola o disposto no n.º 8 do art. 407.º CSC, a regra que permite ao CA chamar a si, sempre a
competência que delegou. Estamos a falar de atos que correspondem ao exercício da atividade da
sociedade, que são os que são objeto de delegação.
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Ex.: a administração está autorizada a deliberar o aumento do CS por entradas em dinheiro. Eu posso
exigir que a administração apenas o faça por unanimidade ou maioria qualificada? Claro que posso.
Porque nem sequer estiver autorizada contratualmente, nem por unanimidade o pode fazer.

Nestas circunstâncias sempre estamos perante atos que na prática acabarão por poder ser
praticados, se for necessário, por outro órgão que não pela administração e não se vê que daí decorra
qualquer problema para a sociedade.

Os administradores estão impedidos de se absterem sobre os assuntos da administração, porque


estes não são homens de diligência média, são superhomens. São pessoas que têm conhecimentos
técnicos e aptidões e capacidade consentâneas com as exigências técnicas da administração da
sociedade. Naturalmente, as que se exigem para um banco são muito superiores às que se exigem
para uma mercearia.

A lei não proíbe que o administrador se abstenha, ela é omissa nessa matéria. POC: isso decorre do
próprio sistema e dos deveres do administrador, porque o que a preocupação que a lei tem é no
fundo enunciar os casos em que é lícito ou legítimo ao administrador não intervir na deliberação.
Abster-se de participar na decisão. Casos até em que ele deve abster-se, não é só uma questão de
faculdade. Não é nada que se lhe permita. Claro que se permite que ele se alegue impedido de
participar na deliberação, isso própria lei pode fazer – art. 407.º n.º 6 – regra geral sobre conflito de
interesses.

Se houver um conflito de interesses entre aquilo que vier a ser deliberado no âmbito da
administração e o interesse do administrador, ele deve-se abster. Há também uma regra especial
sobre esta matéria que consta do art. 397.º CSC que diz respeito aos NJ celebrados entre a sociedade
e o administrador.

Art. 397.º CSC: se se tratar de NJ que respeitem ao objeto social e em que não seja concedida
nenhuma vantagem especial ao administrador, não há problema. Ou seja, os administradores da
Sonae estão autorizados a comprar nos supermercados Continente. É isto que daqui decorre. Mas se
estiver em causa o NJ que seja alheio ao objeto social, vai ter de haver aqui algum cuidado porque é o
administrador que integra o órgão que vai decidir a prática do NJ da sociedade com ele próprio. Ou
de uma sociedade que se encontre em relação de grupo com essa sociedade.

Não só o administrador não pode participar (POC: já estaria impedido pelo art. 410.º n.º 6) como o
órgão de fiscalização tem que dar o seu parecer favorável. Tem que dizer que entende que daquele
ato não resulta nenhum prejuízo para a sociedade.

Ex.: administrador da Sonae que utiliza X carro, quando se encontra amortizado e quando a Sonae se
prepara para alienar o carro, porque ele conhece o carro e sabe que é fiável, propõe-se comprar esse
carro. Então ele vai ter que obter essa autorização especial do CA, na qual não participa e que seja
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validada pelo órgão de fiscalização. Se isso não acontecer, o NJ é nulo – art. 397.º n.º 2 CSC.

O art. 397.º CSC também impede a sociedade promover empréstimos aos seus administradores,
porque seriam eles próprios a receber os empréstimos. E é por isso que os administradores dos
bancos nunca são devedores dos seus próprios bancos. São dos outros bancos. A lei proíbe.

Como é que todos cessam funções? Os administradores cessam funções por muitas vias – pelo
decurso do prazo, como qualquer titular de órgão social. Simplesmente, como a lei determina, apesar
de ter decorrido o mandato, eles mantêm-se em funções até serem substituídos. E portanto, é
habitual que eles se mantenham até à AG que os irá substituir e que em regra vai aprovar o seu
desempenho.

E cessam também funções por diversas razões que resultam da vontade ou factos alheios à própria
vontade. Podem morrer, podem ficar definitivamente impedidos de exercer essas funções por razões
físicas, podem renunciar o exercício das suas funções. Isto é uma medida muito relevante. Art. 404.º
CSC – renúncia, é um ato potestativo, mas é um ato potestativo recetício, ou seja, tem de ser dado a
conhecer à sociedade necessariamente.

E, caso a renúncia não seja justificada, pode fazer incorrer o administrador em obrigação de
indemnização pelos prejuízos que cause à sociedade. Portanto ele pode ir-se embora quando quiser,
e aqui há uma diferença entre os gerentes e os administradores. Os gerentes também se podem ir
embora com uma antecedência muito pequena, de 8 dias. Os administradores têm que dar um aviso
que, em regra, é maior. Até porque no domínio das SPQ quando faltam gerentes são os sócios que os
substituem, o que não acontece no âmbito das SA.

Nos termos do art. 404.º CSC, se o administrador não for substituído, ele só cessa efetivamente
funções se renunciar no final do mês seguinte àquele em que apresentar a sua renúncia. Se eu
renunciar hoje, dia 12 de maio, só cesso funções dia 30 de junho se não vier entretanto a ser
substituído, para que a sociedade não fique sem quaisquer gestores.

Um outro modo de por termo às funções diz respeito à vontade, só que não é do próprio
administrador, mas sim dos acionistas – destituição. É o ato pelo qual os acionistas põem termo
antecipado à administração por parte de um ou mais gestores.

Nos termos do art. 376.º CSC, isso pode acontecer anualmente, sempre que estiver em causa a
apreciação do desempenho da própria administração, mesmo que tal facto não esteja previsto no
contrato de sociedade e o que é mais importante de distinguirmos é que:
 A destituição pode ser com justa causa
 Ou pode ser sem causa ad nutum
o Significa que isto é um mandato que está na disponibilidade dos acionistas
o Daí portanto a importância de um direito especial à gerência, em que o gerente só
pode ser afastado se houver justa causa.
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A destituibilidade do administrador que pode ocorrer a qualquer momento não se deve confundir
com o direito ao ressarcimento dos danos que ele vier a sofrer por essa razão. Art. 403.º CSC: ele
pode vir a ter direito a ser ressarcido pelos danos que correspondam àquilo que ele esperava auferir
até ao final do seu mandato, sem a destituição for sem causa. Se não houver mais fontes de RC por
parte da própria sociedade.

Se eu alegar justa causa e ela não existir, então isso vai causar danos reputacionais ao administrador
destituído, até porque depois o mercado vai dizer que não há fumo sem fogo e vai-lhe causar,
possivelmente, danos morais. Então aí tem que indemnizar para além do que resulta do disposto no
art. 403.º CSC.

Se eu não tiver a certeza de ter uma justa causa para destituir, porque se eu destituir com justa causa
eu não tenho nada para indemnizar. Eu tenho uma razão, tenho um fundamento. O administrador foi
absolutamente negligente, praticou atos danosos, então aí afasto-o. Mas esse ónus cabe à própria
sociedade evidenciar.

E por isso, se eu quiser pretender invocar uma justa causa quando ela não existe, sai mais barato à
sociedade pura e simplesmente não fazê-lo. Porque não fazer é uma decisão de caráter meramente
político, é apenas dizer – eu não tenho confiança neste administrador.

Naturalmente que os administradores também podem cessar funções por reforma, quando atingem
uma determinada idade, e nos termos que eventualmente até estejam previstos contratualmente.

17.4. A fiscalização das sociedades anónimas.

Os órgãos de fiscalização correspondem à lógica de uma repartição de funções. Nas sociedades em


que não há uma fiscalização, quem fiscaliza em geral são os próprios sócios e quem muitas vezes
exerce algumas funções de fiscalização são os gerentes quando a lei o previr – art. 57.º CSC – prevê
que os gerentes façam de órgão de fiscalização quando têm que intervir para contestar uma decisão
da AG que padeça de uma vicissitude.

Nas SPQ, excecionalmente, a sociedade pode ter que estar sujeita, obrigatoriamente, a fiscalização
– art. 262º n.º 2 CSC – quando a sociedade durante dois exercícios ultrapassa 2 dos 3 critérios que aí
estão, então ela fica sujeita a ter que designar um ROC. Se a SPQ for uma SGPS, até o fica obrigada ab
initio. É uma imposição da lei sobre as SGPS.

Nas SA, o órgão de fiscalização é obrigatório. E a fiscalização tem que existir, ainda que se possa
traduzir num órgão de composição singular, no fiscal único. Então esse órgão de composição singular
vai ser integrado por um ROC ou uma sociedade de ROC e ter funções essencialmente contabilísticas,
funções de natureza económica e financeira, mas também tem que ter as funções políticas que em

308
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geral estão associadas ao órgão de fiscalização.

O órgão de fiscalização pode configurar-se de forma facultativa, por exemplo, eu posso criar um
conselho fiscal e não um fiscal único, só que aí eu sei que tenho de ter um ROC e em certos casos (ex.:
art. 413.º n.º 2 al. a) CSC) eu estou sujeito a um modelo de fiscalização com uma estrutura complexa.
Alguns autores falam de uma estrutura reforçada, mas o POC não gosta muito disso.

Aí, precisamos de conceber uma repartição das funções de fiscalização. Vamos em todos os três
modelos clássicos de estrutura complexa, germânico e anglo-saxónico – o órgão de fiscalização
propriamente dito, do ROC, responde perante o órgão de fiscalização. Este concentra em si as
funções que são tradicionalmente económico-financeiras. Não quer dizer que ele também não as
exerça. Claro, também exerce. Mas o outro tem as tais funções políticas com as quais nasceu o órgão
de fiscalização. O outro está a seguir o modo como a sociedade é efetivamente gerida.

Muitas vezes, em muitas matéria, já passamos porventura pelo órgão de fiscalização e não nos
lembramos. Hoje já falámos de duas – distribuição antecipada de dividendos, precisamos de um
parecer favorável do órgão de fiscalização – art. 297.º CSC; estamos a deliberar um aumento de
capital por novas entradas no âmbito do CA, precisamos de um parecer do órgão de fiscalização – art.
456.º CSC.

Isto é, o órgão de fiscalização é chamado constantemente. E depois é chamado a emitir o seu parecer
ou relatório sobre o modo como se desempenhou a administração e a emitir o seu parecer no final
do ano, porque ele recomenda aos acionistas e aos sócios, se for o caso, se eles devem ou não
aprovar os documentos sociais. E uma recomendação negativa em regra é muito mal vista.

POC: ler art. 413.º CSC, art. 414.º CSC (critérios da independência), art. 414.º-A CSC
(incompatibilidades) e o próprio artigo relativo à competência dos órgãos de fiscalização.

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21. Os acordos parassociais**Aulas Práticas: Estruturação de acordo parassocial – referência


a algumas cláusulas características

Art. 17.º CSC

São parassociais porque eles tomam por referência a própria sociedade. Eles não produzem efeitos
obrigacionais. O POC defende que não há acordos parassociais unilaterais. Aqui a doutrina também
se divide:

A doutrina muitas vezes diz, quando os acordos parassociais são subscritos por todos os sócios,
então eles acabam por se impor como se se tratasse de regras contratuais, estatutárias. O POC
37
Nesta parte entramos em delírio final e saltamos uns pontos da matéria
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entende que não. A natureza das regras é diferente e designadamente basta pensar que poderia
entrar um novo sócios e já não ficaria vinculado por esse mesmo acordo. Não há no direito português
previsão de tais regras de natureza parassocial que devam vincular efetivamente a própria sociedade.

Os acordos parassociais não podem recair sobre todas e quaisquer matérias. E aí o art. 17.º é muito
claro – não pode dispor sobre as matérias de gestão, porque os acordos parassociais são subscritos
por quem é sócio ou por quem espera vir a ser – em razão e em função da sociedade que irá
constituir ou à qual vai aderir. É esse o momento em que os acordos são negociados.

Aquilo que se pretende evitar é que o acordo disponha sobre de que forma é que a gestão vai adotar
as suas decisões. E sobretudo se estiver numa SA. Porque se estiver numa SA, o acordo parassocial
bate logo contra o art. 373.º n.º 3 CSC que é uma norma imperativa que eu não posso afastar, nem
por vontade unânime dos sócios. Está lá e diz que eu não posso dispor sobre essas regras.

O POC também entende que para haver acordos parassociais, eles não pode ser celebrados com
partes que não têm nada a ver com a relação de socialidade. Todos têm que ver com a relação de
socialidade, ou porque já são sócios ou porque pensam vir a ser, porque se não o acordo não os irá,
no entendimento do POC, vincular.

Pode é ser um acordo de diferente natureza: por exemplo, o sócio faz um acordo com a sociedade,
pela qual a sociedade se compromete a adquirir determinados bens que ele produz, à margem da
sociedade. Isto não é um acordo parassocial. É um acordo que tem por referência a sociedade, mas
não é um acordo parassocial. É um acordo comercial da própria sociedade, que tem como
característica ter o sócio de um lado e a sociedade do outro, numa relação extra-corporativa ou
creditória.

Os acordos parassociais têm uma eficácia meramente obrigacional pela sua natureza. Significa que
são um meio adequado para tomar muitas decisões. É pelo acordo parassocial, por exemplo, que eu
posso pretender garantir que os outros subscritores desse acordo votem em mim para eu vir a ser
administrador. Isto não tem mal nenhum, não estou a intrometer-me nas matérias de gestão. Apenas
estou a assegurar que aqueles que subscrevem o acordo se comprometem a votar em mim também
para eu ser gestor.

São meramente obrigacionais, portanto quando muito há direito a indemnização se o incumprimento


gerar danos. Muitas vezes, com previsão de cláusula penal porque aí basta verificar a violação sem ter
que verificar o dano.

29. Operações de reestruturação e organização societária

As operações de reestruturação são operações de alteração contratual para todos os efeitos. E em


que é que consistem estas operações de reestruturação? São 3 as que estão previstas no CSC.

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29.1. Fusão

A fusão é a reunião de duas ou mais sociedades numa só. Essa reunião pode-se dar pela criação de
uma nova sociedade pode ocorrer pela incorporação de uma ou mais sociedades noutra que já exista.
E até pode ser inversa. Se for a sociedade a filha a absorver, porventura, a absorver a sociedade mãe.
O ato de fusão e as operações de fusão têm de ser muito cuidadosamente realizadas, porque
reunindo em si duas ou mais entidades jurídicas autónomas, os problemas que se irão colocar é que
as expectativas e interesses de todos os participantes quer sejam os sócios destas entidades se não
forem os mesmos, há outros interessados, nomeadamente os credores.

Se eu junto uma sociedade rica com uma sociedade pobre, evidentemente que isto é melhor para os
credores da sociedade pobre, porque vão passar a ter melhor garantia patrimonial. E se é bom para
os credores da sociedade pobre, é mau para os credores da sociedade rica. E por isso os credores
também têm aqui um papel nestas operações. Não as vão por em causa, mas podem dizer elas só se
podem realizar se virmos os nossos créditos oportunamente satisfeitos ou pelo menos garantidos. É
quase sempre isso que está em cima da mesa.

29.2. Cisão

É uma operação em que a partir de uma sociedade, vamos criar duas ou mais sociedades. Para que a
cisão seja possível, é necessário que a sociedade em si mesma realize ou prossiga mais do que uma
atividade, porque a cisão não é apenas uma mera separação de bens ou separação de patrimónios.
Para que ela ocorra, ela tem que ter um fundamento ou uma justificação. A própria lei prevê que em
regra à cisão são aplicáveis as regras sobre a fusão.

Nos casos em que a sociedade só prossegue uma atividade, o POC entende que são razões
ponderosas, nomeadamente de ordem geográfica, é que podem justificar que possa haver uma cisão.
Ex.: a sociedade prossegue a atividade de distribuição alimentar nas ilhas e no continente. Nada
impede que a sociedade se queira reorganizar, criar uma sociedade exclusivamente para a
distribuição alimentar nas ilhas. Pode ser conjugada com a própria fusão. Eu posso promover a cisão,
para juntar parte da minha sociedade a uma atividade que porventura já existe a agregá-la com uma
outra sociedade que possa existir.

29.3. Transformação

É alterar o tipo societário. Muitas vezes para situações em que estamos a tentar alterar a dimensão
ou o NJ em que se traduz a própria sociedade. Mas na verdade é a modificação do tipo societário. A
maior parte traduz-se na transformação de médio ou pequeno para um maior – SPQ  SA, mas nada
impede que seja ao contrário. Aquela entidade mantém-se, é a mesma. Mas tenho que mudar toda a
estrutura contratual. Como é evidente, há uma modificação enorme – é como mudar de sexo .

Os credores da Daniela são os credores do Daniel, são os mesmos. Logo, evidentemente que a
operação de fusão é uma operação de muito mais riscos para os credores do que a operação de
transformação, porque na transformação, em princípio, o património permanece a menos que ele
tenha promovido alterações no que respeita ao próprio património.

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X – Cessação da atividade: a extinção da sociedade comercial - 31.1. Dissolução:
É um momento final. A SC cessa a atividade por dissolução, mas mantem a personalidade jurídica. Ela
pode-se dissolver ou por deliberação dos sócios ou pode ser objeto de uma dissolução administrativa.
A entidade administrativa que a dissolve é a conservatória do registo comercial. Se uma SC não presta
contas durante 2 exercícios consecutivos, a conservatória pode dissolver admitindo que já não existe.
Projeta os seus efeitos nos NJ da SC. Pode determinar a caducidade de posições contratuais – o que é
muito grave. Pode haver dissolução judicial – insolvência ou havendo impugnação judicial de uma
dissolução administrativa.
31.2. Liquidação: o fim da sociedade
É a operação pela qual iremos apurar o saldo do exercício da atividade daquela sociedade depois de
satisfeitas as dívidas e cobrados os créditos. Ou infelizmente a SC encerrou deficitária e vai em
dissolução muito tempo porque não tem meios ou que remanesceu da hipótese anterior não é
suficiente p/ reembolsar os sócios e eles registam perdas na medida do CS que não lhes é
reembolsado, ou até pode ser reembolsado todo o capital e ainda sobra (lucro final/de exploração),
que é distribuído pelos sócios, supletivamente proporcionalmente às suas participações ou segundo
previsão contratual. É preciso nomear liquidatários que substituem os titulares dos órgãos
executivos. Tem que se alterar a firma (em liquidação) para informar o mercado.  ver art. 161.º n.º
5 CSC! ACABOU FINALMENTE! 

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140118020 INÊS GONÇALVES PEREIRA

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