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O que é a Teoria da Empresa e sua

importância no direito empresarial


27 de novembro de 2019 8 minutos
• Advocacia

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A Teoria da Empresa é utilizada para identificar o empresário e a atividade
empresarial, baseando a aplicação de normas específicas para estes atores
jurídicos. Surgiu no direito brasileiro com Código Civil de 2002, fruto das
contínuas transformações comerciais.
O direito representa fenômeno com alto grau de mutabilidade, a depender do
desenvolvimento de conceitos, de teorias e do contexto social.
Quando pensamos nas atividades empresariais, vislumbramos grandes
conglomerados econômicos, marcas vultosas que inundam as nossas mentes
com anseios consumistas. Todavia, a definição de empresa e de empresário
nem sempre foi tão compreensível para a sociedade, e menos ainda para o
direito.
Nesse sentido, neste texto busco abordar a Teoria da Empresa, marco
contemporâneo para a delimitação dos conceitos basilares do direito
empresarial. Para tanto, é importante compreender a origem do fenômeno.
Vou começar falando sobre as corporações de ofício da Idade Média,
permeando os atos de comércio do direito francês, até alcançar a Teoria da
Empresa.
Se quiser saber como foi essa evolução, e tirar suas dúvidas sobre o assunto, é
só continuar a leitura! 😉

Corporações de ofício: as primeiras normas comerciais


Na Idade Média, a noção de empresa como conhecemos hoje não existia.
Mediante as trocas realizadas, inclusive com o aumento vertiginoso das
“feiras”, surgiu o ofício do comerciante, como aquele que realiza trocas
habituais com a finalidade lucrativa. De qualquer modo, o comércio não era
bem visto pela Igreja, o que resultava em um completo abandono normativo
pelo direito comum.
Diante da inexistência de normas de direito comum que regulassem a sua
atividade, e em oposição ao sistema feudal (baseado no direito romano-
canônico), os comerciantes reuniram-se para criar as suas próprias normas.
Nesse panorama, o sistema próprio de tutela acabava por romper com a lógica
do direito civil, dando origem a um ordenamento mais dinâmico e adequado
para responder às demandas dos comerciantes.
Por outro lado, é importante destacar que as normas criadas pelos
comerciantes somente eram aplicáveis aos que estivessem matriculados
nas corporações de ofício, servindo para resolver os conflitos existentes nos
negócios entre os membros. A base do sistema era o costume mercantil.
Em consequência da necessidade de matrícula às corporações de ofício, surgiu
uma atividade jurisdicional especializada, os Tribunais de Comércio, todos
ligados às respectivas corporações e compostos por comerciantes.

Teoria dos Atos de Comércio: o marco do tratamento jurídico


O surgimento das monarquias fez surgir a necessidade de uma unificação do
direito, já que a unificação normativa representa um fator de fortalecimento do
exercício do poder centralizado. É de se lembrar que, até então, as
corporações de ofício legislavam livremente em matéria de direito
comercial.
Em um momento seguinte, no contexto da Revolução Francesa, o direito
unificado e centralizado representava a garantia de igualdade de tratamento
entre as camadas sociais. Nesse mesmo contexto, os atos de comércio
passam a ser livres, sem que haja necessidade de inscrição nas antigas
Corporações de Ofício. Assim, o que define um sujeito como comerciante não
é mais a inscrição numa Corporação de Ofício, mas sim a prática de
determinados atos de comércio, acessíveis a todos, ou seja, uma classificação
subjetiva deixa de existir para dar lugar a uma classificação objetiva.
A adoção da Teoria dos Atos de Comércio deu-se expressamente pelo Código
de Napoleão, em 1807. Este é o marco do tratamento jurídico da atividade
mercantil por meio da classificação dos atos praticados. No art. 1, define-se
que os comerciantes são aqueles que exercem os atos de comércio de modo
profissional e habitual.
Como era de se esperar, a doutrina dos Atos de Comércio encontrou eco no
Brasil, tendo sido incluída no Código Comercial de 1850. Já que os
legisladores brasileiros não elencaram os atos tidos como caracterizadores da
atividade comercial no próprio Código, foi editado o Regulamento n.
737/1850, que discriminava com exemplos os atos de comércio. Portanto, no
Brasil de 1850, a prática de atos de comércio (conforme lista do Regulamento
n. 737), a habitualidade e o intuito de lucro eram critérios de identificação do
comerciante.
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Teoria da Empresa: origem e evolução da na Itália


A Teoria dos Atos de Comércio oferecia tratamento diferenciado aos que se
enquadravam nos critérios de identificação do comerciante. Essa, na verdade,
era a intenção da classificação por meio dos atos de comércio. Todavia, uma
lacuna era insuperável: a impossibilidade de abranger diversas outras
atividades econômicas de relevo, como os serviços, a agricultura, a
negociação imobiliária e etc.
A arbitrariedade na definição do que era considerado um ato de comércio
gerou desconforto nos estudiosos do direito, nos próprios praticantes de
relações comerciais e nas instituições como um todo. A superação da Teoria
dos Atos de Comércio decorre, majoritariamente, da unificação dos direitos
civil e comercial, na Itália, em 1942. A intenção dos legisladores italianos
com a adoção da Teoria da Empresa era de que o arcabouço jurídico
especializado fosse aplicado a todas as formas de atividade econômica.
Assim, a empresa surge como uma relação entre a atividade econômica, a
organização, a alocação de trabalho e os riscos, merecendo tratamento
legislativo e judicial diferenciado. A partir desse momento histórico, portanto,
não mais se observava uma lista de atividades que caracterizariam ou não a
aplicabilidade de normas especiais, mas sim o contexto econômico da
atividade.

A Teoria da Empresa no direito brasileiro


Conforme citei anteriormente, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a
Teoria dos Atos de Comércio a partir de 1850. No entanto, com a forte
influência exercida pelo direito europeu, especialmente o italiano, sobre
direito privado brasileiro, a partir de 1942 os ventos da Teoria da Empresa
começaram a soar no Brasil.
A positivação efetiva da Teoria da Empresa no Brasil ocorreu apenas com o
advento do Código Civil de 2002, cuja gestação iniciou na década de 70 do
século XX, fortemente influenciado pela legislação italiana de 1942. É bem
verdade que antes mesmo da edição do Código Civil de 2002 o sistema
jurídico brasileiro foi, pouco a pouco, introduzindo o conceito de empresa por
meio de leis esparsas, como as leis da Construção Civil (n. 4.068/1962), a lei
dos Condomínios e da Incorporação Imobiliária (n. 4.591/64) e a lei das
Sociedades por Ação (n. 6.404/1976).
O cerne da teoria adotada está na centralização do ente economicamente
organizado (e não apenas nos atos praticados por ele), cuja destinação é a de
produzir e/ou circular bens e serviços. Esse ente chama-se empresa.

A Teoria dos Perfis de Alberto Asquini


Ainda que o conceito de empresa não seja unitário, a observação do
fenômeno empresa é possível, destacando-se, por base, a Teoria dos Perfis,
de Alberto Asquini, que lista quatro perfis principais para definir um conceito.
• Perfil subjetivo: exercício profissional de atividade econômica organizada
com o fim de produção e/ou troca de bens ou serviços;
• Perfil funcional: deve-se identificar a empresa com a atividade
empresarial, sendo a empresa aquela força em movimento dirigida à
produção;
• Perfil objetivo ou patrimonial: empresa considerada como um conjunto
de bens destinado ao exercício de uma atividade empresarial, distinto do
restante do patrimônio da empresa, ou seja, um patrimônio afetado a uma
finalidade;
• Perfil corporativo: empresa como a organização de pessoas (empresário,
colaboradores e prestadores de serviços) cuja função é a perseguição de um
fim econômico comum.
Nota-se que nos perfis estabelecidos, é possível a observação de aspectos
essenciais à atividade econômica: a empresa, o empresário e o
estabelecimento.
Como muitos são os conceitos de empresa, assim como amplas são as
discussões a respeito da natureza jurídica da empresa, deve-se compreender e
aceitar a empresa como um fenômeno econômico poliédrico, capaz de
assumir, em conjunto com seus diversos elementos, muitos perfis distintos.

Um resumo da Teoria da Empresa no Brasil


O Código Civil de 2002 inaugurou, formalmente, a Teoria da Empresa no
ordenamento jurídico brasileiro. Assim, como consequência, termos como
“comerciante” e “ato de comércio” deixaram de ser predominantes; momento
em que a referência passou a ser feita às empresas, aos empresários e à
sociedade empresária.
Assim como na Itália, o Brasil unificou a disciplina dos sistemas civil e
comercial, ainda que continue respeitada a autonomia do direito empresarial.
Com isso, houve o deslocamento do âmbito de aplicação das normas especiais
às atividades empresariais, que não mais se dirigiriam aos atos empresariais,
mas sim aos sujeitos (empresário), sejam eles pessoas naturais ou pessoas
jurídicas.
Leia também: os mais importantes princípios do direito empresarial.

Conforme a Teoria da Empresa, o que é ser empresário?


A convivência entre os regimes civil e empresarial reclama a identificação dos
atos empresariais capazes de atrair a incidência das normas específicas. Desse
modo, o art. 966 do Código Civil busca definir o conceito de empresário,
de onde se extraem os seguintes critérios:
• A produção ou circulação de bens ou serviços;

• A forma economicamente organizada;


• A profissionalidade.
Nesses termos, exige-se o ato de empresa (em sentido amplo),
a habitualidade e o intuito de lucro. O ato de empresa deve ser praticado por
empresário, seja individual ou seja sociedade empresária. Por opção
legislativa, as sociedades simples não praticam ato de empresa, ainda que
tenham habitualidade e intuito de lucro.
O parágrafo único do art. 966 dispõe que as atividades intelectuais, de
natureza científica, literária ou artística não são atividades empresariais,
a menos que o exercício da profissão constitua elemento da empresa.

Então, o que é considerado empresa?


Buscando sanar a controvérsia da redação legal, o Conselho da Justiça Federal
editou alguns enunciados:
193 — O exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está
excluído do conceito de empresa.
194 — Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a
organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade
pessoal desenvolvida.
195 — A expressão “elemento de empresa” demanda interpretação
econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade
intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores
da organização empresarial.
196 — A sociedade de natureza simples não tem seu objeto restrito às
atividades intelectuais.
199 — A inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito
delineador da sua regularidade e não da sua caracterização.
Como exemplo de diferenciação na aplicação prática, tem-se um professor ou
uma professora de inglês, que praticam atividade intelectual ao lecionar de
forma particular, ou seja, sem qualquer ato empresarial. Por outro lado, uma
escola de inglês, cujo método de ensino esteja dentre os fatores de produção,
caracteriza-se como praticante de atos de empresa.

Conclusão
Por meio do conteúdo acima, é possível perceber que a teoria da empresa teve
o condão de modificar um dos grandes paradigmas do direito privado. O
direito comercial deixou de ser o direito do comerciante, como era nas
corporações de ofício e posteriormente no contexto dos atos de comércio, para
ser o direito da empresa.
Além da expansão da abrangência das normas, o ordenamento ficou focado
em observar o fenômeno de exercício da atividade econômica sob a forma
empresarial. De modo que, qualquer atividade econômica, desde que exercida
conforme os ditames do art. 966 do Código Civil, está sujeita às normas do
direito empresarial.
Em conclusão, ainda que maçante a retomada reflexiva das transformações do
direito comercial, ela é fundamental para a adequação do advogado às
exigências contemporâneas das relações comerciais. Afinal, as demandas
são altamente complexas e carecedoras de conhecimentos técnicos baseados
no desenvolvimento histórico dos conceitos básicos da matéria.

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