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1. INTRODUÇÃO

Historicamente, nos primórdios de sua evolução, o homem já se preocupava em gerar


produção para a sua própria sobrevivência. Tempos depois, começou a prática do escambo
como forma de elevar a produção. Não muito se passou e o homem criou a moeda para
facilitar a troca e fazer circular ainda mais produtos e serviços.

Podemos dizer que a atividade econômica sempre existiu, mas não haviam elementos
sistemáticos para nominar de Direito Comercial (Empresarial). Portanto, entende-se que o
direito comercial nasceu na Idade Média, em função do direito civil da época não tratar
especificamente do comércio, que cada vez mais era presente no mundo.

No Brasil, com o advento do código de 2002, mudou-se o foco dos atos de comércio
para o estudo da própria empresa. Atualmente, o Direito Empresarial não existe apenas para
regular a atividade mercantil e solucionar problemas entre os empresários, mas abrange toda e
qualquer atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços
que o empresário exerça profissionalmente.

No presente trabalho acadêmico vamos expor sobre o desenvolvimento do Direito


Empresarial e a importância da empresa e do empresário na nossa sociedade econômica.
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2. EMPRESA E EMPRESÁRIO

Em meados do século passado, foram evidenciadas modificações sensíveis no Direito


Empresarial, de abrangência mundial, influenciando a legislação de diversos países, inclusive
a do Brasil, com a vigência do Código Civil de 2002. Isso decorreu do surgimento da teoria da
empresa, abandonando a teoria dos atos de comércio.

2.1 A TEORIA DA EMPRESA E O NOVO PARADIGMA DO DIREITO COMERCIAL

A teoria dos atos de comércio com o passar do tempo se mostrou uma noção
ultrapassada e insuficiente devido à agitação do mercado, principalmente após a Revolução
Industrial que acabou dando surgimento a outras atividades econômicas de grande relevância,
nas quais, grande parte delas não estava compreendida no conceito de “atos de comércio”
(RAMOS, 2013, p.09).

Em 1942, na Itália com a edição do novo Código Civil Italiano surge a teoria da
empresa e, apesar do mesmo ter adotado essa teoria, não ficou definido o conceito jurídico de
empresa (RAMOS, 2013, p.09). Na elaboração desse conceito, merece grande destaque a
contribuição doutrinária do jurista Italiano Alberto Asquini, que fez uma análise da empresa
não como um conceito unitário, mas sim, como um fenômeno poliédrico, no qual se encontra
sob quatro perfis diferentes, sejam eles: Perfil subjetivo, perfil funcional, perfil objetivo e
perfil corporativo (REQUIÃO, 2010, p.79).

Com o advento do Código Civil Italiano de 1942, houve a unificação formal do direito
privado, conseguindo colocar em apenas um diploma legislativo as relações civis e
comerciais.

Vale ressaltar as palavras do doutrinador André Luiz Santa Cruz Ramos (2013, p. 10)
sobre o referido tema:

A unificação provocada no direito privado pela codificação italiana foi meramente


formal, uma vez que o próprio direito comercial, a despeito de não possuir mais um
diploma legislativo próprio, conservou sua autonomia didático-científica. Afinal,
como bem destaca a doutrina majoritária a respeito do assunto, o que define a
autonomia e a independência de um direito, como regime jurídico especial, é o fato
de ele possuir suas características, institutos e princípios próprios, e isso o direito
comercial (ou empresarial) possui dede o seu nascimento até hoje, sem sombra de
dúvida (RAMOS, 2013, p.10).
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Na terceira fase, também conhecida como a fase da teoria da empresa, adotou-se o


critério da empresarialidade para delimitar a forma de incidência da legislação comercial.
Com o surgimento da teoria da empresa, o direito empresarial não está mais limitado apenas a
regular as relações que estão definidas em lei como atos de comércio, mas com a forma
específica de exercer alguma atividade econômica: a forma empresarial (RAMOS, 2013, p.
10). Assim, como bem destaca André Luiz Santa Cruz Ramos (2013, p.10), “em principio
qualquer atividade econômica, desde que seja exercida empresarialmente, está submetida a
disciplina das regras do direito empresarial”.

2.2 SURGIMENTO DA TEORIA DA EMPRESA E SEUS CONTORNOS

Alberto Asquini, jurista italiano, criou uma teoria na qual a empresa seria um poliedro,
formada por quatro perfis diferentes, como bem detalha André Luiz Santa Cruz Ramos
(RAMOS, 2013, p. 11):

a) o perfil subjetivo, pelo qual a empresa seria uma (pessoa física ou jurídica é
preciso ressaltar), ou seja, o empresário; b) o perfil funcional, pelo qual a empresa
seria uma “particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a
um determinado escopo produtivo”, ou seja, uma atividade econômica organizada;
c) o perfil objetivo (ou patrimonial), pelo qual empresa seria um conjunto de bens
afetados ao exercício da atividade econômica desempenhada, ou seja, o
estabelecimento empresarial; e d) o perfil corporativo, pelo qual a empresa seria
uma comunidade laboral, uma instituição que reúne o empresário e seus auxiliares
ou colaboradores, ou seja, “um núcleo social organizado em função de um fim
econômico comum”.
O perfil corporativo é considerado um perfil ultrapassado, pois, só predominou a partir
da ideologia fascista que existia na Itália quando houve a edição do Código Civil Italiano de
1942. Os perfis subjetivo, objetivo e funcional prevalecem até os dias de hoje, que se referem
a três realidades que se encontram de forma distinta, mas que se encontram relacionadas, que
são o empresário, o estabelecimento empresarial e atividade empresarial (RAMOS, 2013, p.
11). Deste modo, como bem ressalta André Luiz Santa Cruz Ramos (RAMOS, 2013, p. 11):

O direito possui expressões específicas para se referir a empresa nos seus perfis
subjetivo (empresário) e objetivo (estabelecimento empresarial), mais não possui
uma expressão específica para se referir a empresa no seu perfil funcional. Nesse
caso, resta-nos recorrer a um raciocínio tautológico: empresa é empresa. Melhor
dizendo, o mais adequado sentido técnico-jurídico para a expressão empresa é
aquele que corresponde ao seu perfil funcional, isto é, empresa é uma atividade
econômica organizada.
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2.3 A TEORIA DA EMPRESA NO BRASIL ANTES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002:


LEGISLAÇÃO E DOUTRINA

Com a divulgação das ideias que eram propostas pela teoria da empresa, após a edição
do Código Civil Italiano de 1942, percebe-se uma clara aproximação do direito brasileiro com
o novo sistema italiano instituído. A doutrina brasileira, em meados de 1960, já começa a
ressaltar que a teoria da empresa tem mais benefícios que a teoria dos atos de comércio,
também de acordo com a doutrina a jurisprudência, que demonstravam grande insatisfação
com a teoria dos atos de comércio e seu grande apreço pela teoria da empresa. Nesse sentido,
vários juízes concederam concordata a pecuaristas e garantiram a renovação compulsória de
contrato de aluguel a sociedades prestadoras de serviços. Ora, no exemplo acima, isso estava
inserido em instituto próprios do regime comercial, e com isso estava sendo aplicado aos
agentes que não faziam parte do rol de comerciante na época. Vale ressaltar também dois
julgados do Superior Tribunal de Justiça, que considerava ultrapassadas as normas do código
comercial (RAMOS, 2013, p. 12, 13 e 14).

(...) O Tribunal Regional Federal da 1º Região negou provimento ás apelações dos


réus, exarando entendimento no sentido que: “As pessoas jurídicas de direito
privado, têm por objetivo social a prestação de serviços, não estão sujeitas ao
pagamento das contribuições para o SESC e o SENAC, uma vez que não
desenvolvem atos de comércio”. (...) 3. Novo posicionamento da 1º Seção do STJ no
sentido que as empresas prestadoras de serviço, no exercício de atividade
tipicamente comercial, estão sujeitas ao recolhimento das contribuições sociais
destinadas ao SESC e ao SENAC. 4. Recursos especiais providos (STJ, REsp
777.074/MG, Rel. Min. José Delgado, DJ 05.12.2005, p.245). (grifo nosso)
(...) O imóvel é um bem suscetível de transação comercial, pelo que se insere no
conceito de mercadoria – Não se sustém, data vênia, nos dias que correm a
interpretação literal do disposto no artigo 191 do Código Comercial e do artigo 19, §
1º, do Regulamento nº 737. Em épocas de antanho, os imóveis não constituíam
objeto de ato de comércio. Atualmente, tal não se dá, por força das Leis ns.
4.068/62 e 4.591/64. – Preliminar rejeitada – Embargos de Divergência recebidos.
Decisão por maioria dos votos (EREsp 166.366/PE, Rel. Min. Franciulli Neto, DJ
12.08.2002,p. 161). (grifo nosso).
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) é outra prova de que as ideias
da teoria da empresa já eram bem aceitas no ordenamento jurídico brasileiro. Nesta mesma
lei, o conceito de fornecedor se mostrou bastante amplo e acabou englobando toda e qualquer
pessoa que exerce atividade econômica no âmbito da cadeia produtiva. Tudo isso que foi
citado e mais alguns exemplos demonstram que a passagem da teoria dos atos de comércio
para teoria da empresa não foi algo que aconteceu de forma radical, mas foi resultado de um
10

processo lento, que se consolidou quando começou a vigorar o Código Civil de 2002
(RAMOS, 2013, p.14).

2.4 A TEORIA DA EMPRESA DO BRASIL COM O ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE


2002: LEGISLAÇÃO E DOUTRINA

O Código Civil de 2002 teve como sua grande inspiração o Código Civil Italiano de
1942, e acabou revogando uma grande parte do Código Comercial de 1850, na tentativa de
uma unificação do direito privado, ainda que apenas formal, restando apenas segunda parte do
Código Comercial de 1850, relativa ao comércio marítimo. O livro II, título I, do “Direito de
Empresa” no Código Civil de 2002, tira a figura do comerciante, e surge então a figura do
empresário (RAMOS, 2013, p. 14 e 15). Segundo André Luiz Santa Cruz Ramos “da mesma
forma, não se fala mais em sociedade comercial, mas em sociedade empresária” (2013, p.15).

Na instituição do direito de empresa, afastada definitivamente a teoria dos atos de


comércio e incorpora a teoria da empresa no direito brasileiro, não há mais que se falar em
comerciante como aquele que pratica de forma habitual os atos de comércio, pois fala-se
agora em empresário como aquele que “quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” de acordo com o Código
Civil de 2002 em seu Artigo 966. Por essa lógica, substituiu-se assim as noções de
comerciante e atos de comércio pelos conceitos de empresário e empresa (RAMOS, 2013, p.
15). Vale ressaltar sobre as palavras de André Luiz Santa Cruz Ramos (2013, p.15).

Destaque-se ainda que o Código Civil se preocupou em afirmar expressamente, em


seu art. 2.037, que as diversas normas comerciais até então existentes que não foram
revogadas pelo Código devem ser aplicadas aos empresários, o que comprova que o
conceito de empresário veio para realmente substituir o antigo conceito de
comerciante. Eis o teor do artigo em questão: “Art. 2.037. Salvo disposição em
contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei
não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades
comerciais, bem como a atividades mercantis”.
O Artigo 966 do mesmo diploma estabeleceu de forma direta o conceito do que vem a
ser empresário. Conforme supracitado, de acordo com tal disposição legal, “considera-se
empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção
ou a circulação de bens ou de serviços” (RAMOS, p. 15 e 16). Então, através do conceito de
empresário, pode-se concluir que empresa, segundo André Luiz Santa Cruz Ramos (2013,
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p.16), “é uma atividade econômica organizada com a finalidade de fazer circular ou produzir
bens ou serviços”. Sobre esse posicionamento dispõe o Supremo Tribunal de Justiça:

(...) 2. O novo Código Civil Brasileiro, em que pese não ter definido expressamente
a figura da empresa, conceituou no art. 966 o empresário como “quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação
de bens ou de serviços” e, ao assim proceder, propiciou ao intérprete inferir o
conceito jurídico de empresa como sendo “o exercício organizado ou profissional de
atividade econômica para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. 3. Por
exercício profissional da atividade econômica, elemento que integra o núcleo do
conceito de empresa, há que se entender a exploração de atividade com finalidade
lucrativa. (...) (STJ, REsp 623.367/RJ, 2º Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha,
DJ 09.08.2004, p. 245).
Portanto, empresa, é atividade, que não é sujeito de direito. O empresário, por sua vez,
é quem pratica a empresa (atividade empresarial), sendo assim sujeito de direito, ou seja, o
empresário pode ser pessoa física ou jurídica. Como bem preleciona Andre Luiz Santa Cruz
Ramos (2013, p.16):

Empresa é, na verdade, um conceito abstrato, que corresponde, como visto, a uma


atividade econômica organizada, destinada a produção ou a circulação de bens ou de
serviços. Não se deve confundir, pois, empresa com sociedade empresária. Esta, na
verdade, é uma pessoa jurídica que exerce empresa, ou seja, que exerce uma
atividade econômica organizada. Empresa e empresário são noções, portanto, que se
relacionam, mas não se confundem.

2.5 EMPRESÁRIO INDIVIDUAL E SOCIEDADE EMPRESÁRIA

A legislação pátria, como já visto, define empresário como aquele que exerce
profissionalmente atividade econômica organizada. Exige-se, portanto, que alguém exerça
essa atividade. Deste modo, será empresário quando quem a exercer for uma pessoa física ou
jurídica e, independente de qual seja, estará preenchido o fator subjetivo de tal conceito.

A distinção da pessoa a exercer a empresa serve para detalhar o conceito de


empresário, criando duas espécies de tal gênero, que são: empresário individual (pessoa física
que exerce a atividade individualmente e se responsabiliza direta e isoladamente por suas
consequências) e sociedade empresária (pessoa jurídica constituída por sócios, cuja
responsabilidade é subsidiária e abrangente a todos os componentes da sociedade) (RAMOS,
2013, p. 38).

Quanto ao tema, o STJ tem julgado da seguinte maneira:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.


INSOLVÊNCIA CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 458, II, E 515, § 1º, DO CPC.
ALEGAÇÃO GENÉRICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. OMISSÃO.
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NÃO-OCORRÊNCIA. MANIFESTAÇÃO DIRETA DO TRIBUNAL ACERCA


DO PONTO PRETENSAMENTE OMISSO. JULGAMENTO DA CAUSA
MADURA. APLICAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 515, § 3º, DO CPC. PEDIDO
DE INSOLVÊNCIA CIVIL MANEJADO CONTRA SÓCIO DE EMPRESA.
POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DA FIGURA DO COMERCIANTE. RECURSO
ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
[...] 5. A pessoa física, por meio de quem o ente jurídico pratica a mercancia, por
óbvio, não adquire a personalidade desta. Nesse caso, comerciante é somente a
pessoa jurídica, mas não o civil, sócio ou preposto, que a representa em suas
relações comerciais. Em suma, não se há confundir a pessoa, física ou jurídica, que
pratica objetiva e habitualmente atos de comércio, com aquela em nome da qual
estes são praticados. O sócio de sociedade empresarial não é comerciante, uma vez
que a prática de atos nessa qualidade são imputados à pessoa jurídica à qual está
vinculada, esta sim, detentora de personalidade jurídica própria. Com efeito, deverá
aquele sujeitar-se ao Direito Civil comum e não ao Direito Comercial, sendo
possível, portanto, a decretação de sua insolvência civil. (REsp. 785.101/MG, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 19.05.2009, DJe 01.06.2009).
É importante ressaltar que na sociedade empresária os sócios não são empresários,
pois, como afirma André Ramos, “o empresário, nesse caso, é a própria sociedade, ente ao
qual o ordenamento jurídico confere personalidade e, consequentemente, capacidade para
adquirir direitos e contrair obrigações” (2013, p. 38). Conclui-se, portanto, que empresário é
aquele que tem responsabilidade direta sobre a empresa, que responde pelos direitos e deveres
relacionados à atividade e, no caso supracitado, é a própria sociedade empresária, como
pessoa jurídica, que possui tal responsabilidade.

Essa responsabilidade se reflete no aspecto patrimonial, visto que os bens exclusivos


dos sócios não serão atingidos pelas obrigações da sociedade, respondendo pelas dívidas
apenas subsidiariamente. Nesse sentido, determinam os arts. 1023 e 1024 do Código Civil:

Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os


sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula
de responsabilidade solidária.
Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da
sociedade, senão depois de executados os bens sociais.
A separação patrimonial é ainda mais evidente nas sociedades empresárias limitadas
ou anônimas, nas quais a responsabilidade, além de subsidiária, é limitada, uma vez que
integralizado o capital social, “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por
dívidas da sociedade, mesmo que os bens sociais não sejam suficientes para pagamento das
dívidas” (RAMOS, 2013, p. 39), salvo nos casos de responsabilização pessoal por atos ilícitos
ou de desconsideração da personalidade jurídica, como explica o doutrinador. O empresário
individual, ao contrário, responde diretamente pelas dívidas adquiridas, inclusive com seus
bens particulares (RAMOS, 2013, p. 39).
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No campo das obrigações tributárias, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul


decidiu da seguinte forma:

AGRAVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ICMS INFORMADO EM


ATRASO. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. REQUISITOS. PROCESSO
ADMINISTRATIVO. PENHORA. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL.
Na hipótese de empresário individual, é legítima a penhora que recai sobre o
patrimônio da pessoa física titular da firma individual. Todo o patrimônio do
empresário individual responde pelas suas dívidas, inclusive, as tributárias. (TJRS -
Agravo: AGV 70042144394 RS, Des. Rel. Maria Isabel de Azevedo Souza, 22º
Câmara Cível, j. 28.04.2011, DJe 06.05.2011).
Quanto às sociedades empresárias, como mostra texto sumular, o posicionamento é
diferente. Senão, vejamos a Súmula 430 do Superior Tribunal de Justiça: O inadimplemento
da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária
do sócio-gerente.

Assim, conforme conclui André Ramos,

[...] Enquanto a responsabilidade do empresário individual é direta e ilimitada, a


responsabilidade do sócio de uma sociedade empresária é subsidiária (seus bens só
podem ser executados após a execução dos bens sociais) e pode ser limitada, a
depender do tipo societário utilizado. (2013, p. 40).

2.6 ATIVIDADES EXCLUÍDAS DO CONCEITO DE EMPRESÁRIO

A proteção conferida aos exercentes da atividade econômica organizada exige a


definição de quem goza de tal prerrogativa. Com a teoria da empresa, o conceito de
empresário foi ampliado, pois adotou um critério objetivo e permitiu que todos aqueles
inseridos nas exigências do art. 966 do Código Civil obtenham tal amparo legal (RAMOS,
2013, p. 46). No entanto, a própria lei restringiu a incidência da condição de empresário a
algumas atividades, adotando critérios específicos, como define o parágrafo único do art. 966
do Código Civil:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade


econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso
de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir
elemento de empresa.

No conceito de empresário, como bem define Rodrigo Toscano de Brito,


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O organismo aqui se sobrepõe à ideia de pessoalidade, de fazer a própria pessoa


diretamente. Ao invés de assim se portar, cria uma organização, arregimentando
pessoas, trabalho, capital, matéria-prima, tecnologia. A realização da atividade não é
exercida diretamente pelo empresário. Ele é quem coordena, quem organiza os
fatores de produção, quem dá as diretrizes, por outro lado, quem aparece aos olhos
de todos é o tal organismo criado. Este, entretanto, não pode ser confundido com
pessoa jurídica, pois o empresário pode ser pessoa física ou jurídica. (grifo nosso).
(BRITO, Rodrigo Toscano de. Acesso em: 01/04/2013. Disponível em:
http://www.irtdpjbrasil.com.br/NEWSITE/artigo_toscano_de_brito.htm).
Deste modo, a exclusão de determinados agentes do conceito de empresário, em regra,
é motivada pelo não atendimento dos requisitos citados pelo autor. Na maioria das vezes, não
há essa organização dos fatores de produção, nem a elaboração de diretrizes por parte do
coordenador, pois normalmente o que vigora nessas atividades é a pessoalidade, sem a
constituição de um organismo.

Além dos profissionais intelectuais, não serão considerados empresários: a sociedade


simples, o exercente de atividade rural e a sociedade cooperativa (RAMOS, 2013, p. 46-47).

2.6.1 Profissionais intelectuais

A legislação brasileira, como visto anteriormente, não considera empresários os


profissionais intelectuais, de natureza artística, científica ou literária (músicos, médicos,
advogados, escritores, dentre outros). Porém, ressalva essa proibição nas hipóteses em que o
exercício da profissão constituir elemento de empresa, expressão adotada pelo Código Civil
e que gera até hoje muita polêmica em sua interpretação.

Entende-se atualmente que esta expressão reflete, nas palavras de André Ramos, em
uma “fase embrionária de atuação” do profissional liberal, ou seja, é o seu conhecimento
como profissional intelectual que predomina e que ele utiliza primordialmente para
desenvolver a atividade, ainda que tenha intuito lucrativo e contrate funcionários para auxiliá-
lo. Isso implica dizer que a sua atuação como profissional (e não como organizador da
empresa) prevalece e é o ponto principal da atividade (RAMOS, 2013, p. 47).

Para constituir elemento de empresa e, portanto, ser considerado empresário, o


profissional deve organizar os fatores de produção (esta organização faz parte do próprio
conceito de empresário), de modo a ser mais predominante que a atuação pessoal do agente.
Será reconhecido, naquela atividade, muito mais por ser organizador da empresa (RAMOS,
2013, p. 47). Assim, como determina o Enunciado 194 do Conselho da Justiça Federal, “os
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profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores de
produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida” (JUSTIÇA FEDERAL.
Acesso em: 31/03/2013. Disponível em:
http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-
de-direito-civil/?searchterm=enunciados).

A exigência da organização dos fatores de produção (insumos, tecnologia, capital e


mão de obra) é elementar ao exercício da empresa e ao conceito de empresário, com a
estruturação da atividade e determinação do estabelecimento empresarial, situações que
raramente são verificadas na atuação dos profissionais intelectuais, justificando a vedação
legal (RAMOS, 2013, p. 48).

Deste modo, como exemplo clássico da restrição codicista, temos o médico que, ao
abrir uma clínica, ainda que agindo com o auxílio de funcionários, sua atuação profissional é
basilar ao desenvolvimento da atividade. Já na direção de um hospital, como o coordenador
da atividade, a sua formação médica é subsidiária, é apenas complementar ao exercício dessa
coordenação.

O critério diferenciador é a importância do agir profissional, dos seus conhecimentos


técnicos. Se o médico/coordenador for retirado da função médica e a atividade não perder seu
caráter primordial, podendo até mesmo ser substituído por outros profissionais, estará mantido
o elemento de empresa. No entanto, se o médico não mais atuar profissionalmente e a
atividade, por conta disso, perder seu objeto e não mais existir, obviamente, não haverá
elemento de empresa. Essa regra também se aplica aos demais casos referentes aos
profissionais liberais.

Verifica-se, conforme exposto acima, que a presença da organização dos fatores não
elimina a atuação pessoal, e vice-versa, em um ou outro caso, mas apenas há a predominância
de uma sobre a outra, que caracteriza a consideração ou não do agente como empresário. Se a
coordenação da empresa for mais importante naquela situação que o desempenho profissional,
o agente será considerado empresário. No entanto, se a segunda prevalecer sobre a primeira,
esta última atuando de forma secundária, não há que se falar em empresário. Essa definição
serve para conferir ou não a tais agentes os direitos e deveres de empresário, aplicando-se as
regras relativas a eles e sua atuação empresarial.

Importante destacar ainda que para serem considerados profissionais intelectuais, no


caso de determinadas categorias, em regra, tem sido exigido registro compulsório em órgãos
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específicos, como forma de regulamentação da profissão, como, por exemplo, no Conselho


Regional de Medicina (RAMOS, 2013, p. 49).

Em algumas situações, a exigência é ainda maior, como no caso dos bacharéis em


Direito que, para se tornarem advogados que, além de outros requisitos, devem se submeter ao
Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. No entanto, o Supremo Tribunal Federal tem se
posicionado no sentido de que essas exigências não são aplicáveis a determinadas categorias,
como é o caso dos jornalistas e músicos, em razão de suas próprias peculiaridades, mediante
julgamento dos recursos extraordinários 511.961 e 414.426, respectivamente (RAMOS, 2013,
p. 49-52).

2.6.2 O exercente de atividade econômica rural

Preveem os arts. 971 e 984 do Código Civil,

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode,
observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer
inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em
que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário
sujeito a registro.
Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de
empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de
sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no
Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de
inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.
O texto legal determina uma faculdade ao agente econômico rural que se enquadre nos
requisitos do art. 966 do respectivo Código. Isso implica dizer que, ainda que configuradas
tais exigências, se não se registrar, será considerado empresário e não adquirirá os direitos de
obrigações referentes a eles (como a falência e a recuperação judicial). O ponto determinante
é o seu registro na Junta Comercial, requerido pelo agente (RAMOS, 2013, p. 54).

O registro é fator facultativo e constitutivo da figura do empresário para o agente


rural, enquanto nos demais é obrigatório, sujeito as penalidades do seu descumprimento e
declaratório, pois se exercida a atividade econômica organizada com profissionalismo, será o
agente considerado empresário, independente de sua inscrição no Registro Público de
Empresas Mercantis. Esta inscrição serve apenas para dar conhecimento às autoridades dessa
atividade e do seu agente econômico, a fim de que seja regulada a atividade (RAMOS, 2013,
p. 55).
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Nesse sentido, a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Recuperação judicial. Ação ajuizada por produtores rurais que não estão registrados
na Junta Comercial. "O empresário rural será tratado como empresário se assim o
quiser, isto é, se se inscrever no Registro das Empresas, caso em que será
considerado um empresário, igual aos outros". "A opção pelo registro na Junta
Comercial poderá se justificar para que, desfrutando da posição jurídica de
empresário, o empresário rural possa se valer das figuras da recuperação judicial e
da recuperação extrajudicial, que se apresentam como eficientes meios de viabilizar
a reestruturação e preservação da atividade empresarial, instrumentos bem mais
abrangentes e eficazes do que aquele posto à disposição do devedor civil
(concordata civil - Código de Processo Civil, artigo 783)". Só a partir da opção pelo
registro, estará o empresário rural sujeito integralmente ao regime aplicado ao
empresário comum. Sentença mantida. Apelação não provida. (TJSP - Apelação:
APL 994092930317 SP, Des. Rel. Romeu Ricupero, Câmara Reservada à Falência e
Recuperação, j. 16.04.2010).

2.6.3 Sociedades simples

Conforme determina o art. 982 do Código Civil, “salvo as exceções expressas,


considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de
empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais”.

Evidencia-se, portanto, que o legislador excluiu do conceito de empresário as


sociedades simples, também conhecidas como uniprofissionais, se submetendo estas a
regramento específico (art. 997 a 1000 do Código Civil ou leis específicas). Elas se
caracterizam por serem “sociedades constituídas por profissionais intelectuais cujo objeto
social é justamente a exploração de suas profissões” (RAMOS, 2013, p. 52).

Nas palavras de Ulhoa, citado por Brito,

O que irá, de verdade, caracterizar a pessoa jurídica de direito privado como


sociedade simples ou empresária será o modo de explorar seu objeto. O objeto social
explorado sem empresarialidade (isto é, sem profissionalmente organizar os fatores
de produção) confere à sociedade o caráter de simples, enquanto a exploração
empresarial do objeto social caracterizará a sociedade como empresária. (ULHOA
apud BRITO. Acesso em: 01/04/2013. Disponível em:
http://www.irtdpjbrasil.com.br/NEWSITE/artigo_toscano_de_brito.htm).
O critério diferenciador, portanto, é o exercício do objeto social, que em uma é a
própria empresa, e na outra é a atuação pessoal dos sócios como profissionais intelectuais. Há,
porém, duas exceções a essa regra: independente do objeto social, a sociedade por ações será
sempre empresária, e a cooperativa considerada sempre como sociedade simples. (RAMOS,
2013, p. 53).
18

Justamente por predominar nessa atividade a atuação profissional dos sócios e, em


regra, não ser verificada a organização dos fatores de produção, o autor defende que é
perfeitamente aplicável a regra referente ao parágrafo único do art. 966 do mesmo Código. No
entanto, o Código excluiu a possibilidade de as sociedades simples serem consideradas
empresárias (caput do art. 982), salvo nas exceções expressas. Inclusive, como já visto, são
espécies do gênero “empresário” apenas o empresário individual e a sociedade empresária.

2.6.4 Sociedades de advogados

No silêncio do Código Civil quanto ao tema, o Estatuto da Ordem dos Advogados do


Brasil determinou que a sociedade de advogados é uma sociedade civil (leia-se simples),
conforme transcrito do seu art. 15: “Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de
prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta lei e no regulamento geral”
(grifo nosso). Submete-se, portanto, às regras próprias desta lei.

Ainda que o legislador não tivesse descrito tal situação no Estatuto da OAB, por ser a
sociedade de advogados, regra geral, caracterizada pela atuação profissional dos sócios,
seriam consideradas sociedades simples na sua maioria. Quanto aos escritórios de advocacia
de estrutura complexa, os quais geralmente constituem elemento de empresa, a previsão
estatutária é clara em afirmar que sociedades de advogados serão sociedades simples
(RAMOS, 2013, p. 53-54).

2.6.5 Sociedades cooperativas

Conforme prevê a legislação, as sociedades cooperativas serão sempre consideradas


simples, excepcionando a regra da empresarialidade ou não face ao objeto da atividade.
Portanto, ainda que seja explorada atividade empresarial nas cooperativas, com intuito
lucrativo ou não, será sociedade simples, por opção do legislador em assim considerá-las
(RAMOS, 2013, p. 56). Esta previsão legal está descrita no parágrafo único do art. 982 do
Código Civil:
19

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem
por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art.
967); e, simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a
sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

2.7 EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

Segundo o art. 966 do Código Civil, o Empresário Individual é a pessoa física ou


natural (não configurando, portanto, pessoa jurídica, como equivocadamente alguns
entendem), que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou
a circulação de bens ou de serviços.

O Empresário Individual comum não vai ter seu patrimônio pessoal separado dos bens
da empresa, ou seja, ele possui a responsabilidade ilimitada se houver eventuais dívidas
decorrentes do exercício empresarial e tudo o que ele obtém em seu arcabouço patrimonial
pode ser objeto de penhora, ressalvados aqueles bens que são impenhoráveis (CASTRO,
2007, p. 44)

Sobre essas questões o STF já decidiu, por exemplo:

(...) A jurisprudência do STF já se posicionou no sentido de que a empresa


individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar
atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal. Assim, o patrimônio de
uma empresa individual se confunde com o de seu sócio, de modo que não há
ilegitimidade ativa na cobrança, pela pessoa física, de dívida contraída por terceiro
perante a pessoa jurídica. Precedente. (...) (REsp 487.995/AP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª Turma, j. 20.04.2006, p. 191).
A confusão acerca de o Empresário Individual ser considerado pessoa jurídica advém
do entendimento que alguns leigos fazem ligando ao Direito Tributário, como assim explica
Moema Augusta Soares de Castro:

O entendimento errôneo de a firma individual ser considerada pessoa jurídica advém


da interpretação e aplicação da lei tributária relativa ao imposto de renda, que a
equipara como tal para o efeito de tributação, conforme o caso, (1) o titular da
empresa individual e (2) a própria empresa individual se houver incidência do
tributo. Em suma: para os efeitos da legislação do direito privado, a empresa
individual ou a firma mercantil individual não é e nunca foi considerada pessoa
jurídica. Repita-se: a transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma
ficção do direito tributário, que ocorre somente para o efeito da justificação da
incidência do imposto de renda (2007, p. 44).
Uma importante ressalva se faz em decorrência da Lei nº 12.441/2011 (EIRELI), que
foi criada para evitar a fictícia sociedade jurídica onde os sócios são laranjas ou familiares que
20

existiam no registro apenas para que o Empresário Individual pudesse separar seu patrimônio
pessoal do patrimônio empresarial. Com o avento dessa lei, desde 2012, já é possível limitar o
patrimônio do Empresário Individual em eventuais dívidas que a empresa venha a ter, desde
que a empresa possua um capital mínimo de 100 salários-mínimos e efetue o seu registro
(BRASIL. Acesso em: 05/04/2013. Disponível em:
http://www.brasil.gov.br/empreendedor/abra-sua-empresa/diferencas-entre-tipos-de-
empresas).

A EIRELI, na verdade, não vai substituir o Empresário Individual comum, mas vai dar
a possibilidade, preenchendo os requisitos, de haver incomunicabilidade entre o patrimônio
social e o pessoal de quem constitui a empresa. A EIRELI não é pessoa física, mas uma nova
modalidade de empresário, consubstanciada em uma pessoa jurídica que terá como
organizador da empresa uma pessoa física de responsabilidade limitada (BRASIL. Acesso
em: 05/04/2013. Disponível em:
http://www.brasil.gov.br/empreendedor/abra-sua-empresa/diferencas-entre-tipos-de-
empresas).

O legislador além de se preocupar em conceituar, no art. 966, Código Civil, o


Empresário Individual, ainda tratou de estabelecer algumas regras para o exercício individual
de empresa. Sobre tais regras, o art. 972 do Código Civil dispõe que “podem exercer a
atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem
legalmente impedidos”. O Código Civil, portanto, estabeleceu algumas vedações ao exercício
individual de empresa que decorrem de impedimentos legais ou de incapacidade do agente
econômico (RAMOS, 2013, p. 59).

2.7.1 Impedimentos Legais

Os impedidos não são incapazes, porém são proibidos total ou parcialmente pela lei de
exercerem atividade comercial como Empresário Individual. Não se trata de incapacidade
jurídica, mas de incompatibilidade da atividade em relação a algumas situações funcionais.

Apesar de o art. 1.011, §1º, do Código de Processo Civil, se referir aos


administradores de sociedades empresariais, a maioria da doutrina entende que isso também
se estende ao Empresário Individual como impedimentos gerais:
21

§1º Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os
condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos
públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão,
peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra
as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou
a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação.
Existem, pois, outros impedimentos legais que estão espalhados pelo ordenamento
jurídico. Geralmente os impedimentos são referentes a cargos públicos para evitar que em
razão da função pública negocie com determinadas pessoas e empresas com mais facilidade,
visando na verdade proteger a coletividade (RAMOS, 2013, p. 58). Podem ser citados como
exemplos os Servidores Públicos Federais (Art. 117, X, Lei 8.112/1990), os Magistrados (Art.
36, I, da LC 35/1979), os Membros do Ministério Público (Art. 44, III, Lei 8.625/1993) e os
Militares (Art. 29, Lei 6.880/1980).

Além dos supracitados, são impedidos também corretores de seguros, leiloeiros, os


cônsules (exceto os não remunerados), médicos em farmácias e o falido quando não for
legalmente reabilitado.

Vale destacar que a proibição se refere ao exercício de empresa, ou seja, nada impede
que alguns impedidos (Ex: servidor público, magistrados, militar) sejam sócios cotistas,
comanditários ou acionistas de sociedades empresariais, desde que não detenham nenhum
cargo de importância na empresa (gerência ou administração). A lei confere tal prerrogativa
em virtude do fato de que quem vai exercer a atividade empresarial não é a pessoa física, mas
a pessoa jurídica. Sobre isso destaca André Ramos (2013, p. 58):

[...] Em suma: os impedimentos se dirigem aos empresários individuais, e não aos


sócios de sociedades empresárias. Nesse sentido, pode-se afirmar então que os
impedidos não podem se registrar na Junta Comercial como empresários individuais
(pessoas físicas que exercem atividade empresarial), não significando, em princípio,
que eles não possam participar de uma sociedade empresária como quotistas ou
acionistas, por exemplo. No entanto, a possibilidade de os impedidos participarem
de sociedades empresárias não é absoluta, somente podendo ocorrer se forem sócios
de responsabilidade limitada e, ainda assim, se não exercerem funções de gerência
ou administração.
O Art. 973 do Código Civil dispõe que “a pessoa legalmente impedida de exercer
atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas”. Isso
significa que o terceiro de boa-fé não pode ficar prejudicado se com o impedido legalmente
firmar algum contrato. Portanto, segundo André Ramos (2013, p. 59), as obrigações
contraídas por esse empresário não poderão ser nulas e ele responderá pela empresa que
funcionava de forma irregular.
22

2.7.2 Incapacidade

Só pode exercer atividade de empresa quem for capaz, ou seja, quem esteja em pleno
gozo de sua atividade civil. Existem, porém, exceções em que se permite ao incapaz exercer
individualmente atividade empresarial (RAMOS, p. 59-60). O art. 974 do Código Civil dispõe
que “poderá o incapaz por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a
empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança”.

O incapaz jamais poderá iniciar os exercícios de uma empresa, visto que a lei permite
apenas a possibilidade da continuidade de uma atividade empresarial, na condição de
incapacidade superveniente ou por sucessão “causa mortis” em que o incapaz recebe a
empresa como herança. Essa permissão se dará por autorização judicial, onde o juiz vai
analisar os riscos e benefícios da continuidade da empresa. Sobre isso dispõe o art. 974, §1º,
do Código Civil:

Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das
circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continua-la,
podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou
representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos
por terceiros.
Se o juiz decidir pela continuidade do exercício da empresa pelo incapaz, concederá
um alvará para a autorização, e a atividade será exercida por meio de um representante ou
assistente, de acordo com o grau de incapacidade do representado ou assistido (RAMOS,
2013, p. 60).

Sobre quem deve ser representando ou assistido, Moema Augusta Soares de Castro
explica que:

[...] Os absolutamente incapazes deverão ser representados por quem de direito, seus
representantes legais, sob pena de nulidade dos atos por eles diretamente praticados,
nos termos do art. 166, I, do Código Civil. Os relativamente incapazes necessitam
ser assistidos por seus representantes legais para a prática de certos atos da vida
civil, sob pena de anulabilidade dos mesmos, de acordo com o art. 171, I, do Código
Civil (2007, p. 2013).
Se o representante ou o assistente do incapaz estiver de alguma forma impedido de ser
empresário, vai nomear, com a devida aprovação do magistrado, um ou mais gerentes. É de
grande importância que o gerente nomeado seja de confiança, pois o representante ou
assistente ainda será responsável pelos atos do gerente nomeado, como assim dispõe o art.
975 do Código Civil:
23

Art. 975. Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição
de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do
juiz, um ou mais gerentes.
§ 1o Do mesmo modo será nomeado gerente em todos os casos em que o juiz
entender ser conveniente.
§ 2o A aprovação do juiz não exime o representante ou assistente do menor ou do
interdito da responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados.
Em regra, o patrimônio pessoal do Empresário Individual não se separa dos bens da
empresa. No entanto, o art. 974, §2º do Código Civil, traz uma observação em relação aos
bens do incapaz que continua com o exercício empresarial:

Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao


tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo
tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.
Essa observação foi uma das inovações do Código Civil de 2002. Significa que no
alvará que vai autorizar a continuidade do exercício da empresa, o juiz fará a relação dos bens
que o incapaz já possuía antes da interdição. Esses bens não poderão ser executados em caso
de eventuais dívidas contraídas decorrente da atividade empresarial, salvo se tiver relação
com a atividade empresarial (RAMOS, 2013, p. 61).

De acordo com o Código Civil, a pessoa adquire a capacidade quando aos 18 anos de
idade. A divergência doutrinária, porém, diz respeito ao menor de 16 anos emancipado que
pode exercer atividade empresarial, uma vez que a emancipação faz com que o menor
pratique os atos empresariais independente de autorização judicial. O problema em questão é
que o menor de 16 anos, mesmo que emancipado, não pode responder por eventuais crimes
falimentares, em razão de serem penalmente inimputáveis.

Deste modo, há uma discrepância e desarmonia entre o Código Civil e as demais leis
que tratam de matéria criminal. O que se pode concluir é que o menor não ficará impune, pois
apesar do menor não responder por crime ou contravenção, responde por atos infracionais.
Assim, caso ele cometa um ato infracional, sofrerá medidas socioeducativas, de acordo com
os arts. 101 e segts, art.112 e outros do Estatuto da Criança e do Adolescente. No assunto
abordado no artigo de lei, caso o menor cometa um crime falimentar poderá responder como
ato infracional e a "punição" será uma medida socioeducativa (FERREIRA, Rute Marta.
Acesso em: 04/04/2013. Disponível em: http://www.viajus.com.br/viajus.php?
pagina=artigos&id=1735&idAreaSel=12&seeArt=yes).
24

A prova da emancipação, do menor que queira exercer o exercício de empresa será


inscrita ou averbada no Registro Público de Empresas Mercantis, conforme se observa do Art.
976, caput, do Código Civil.

O incapaz poderá fazer parte de uma sociedade empresária, já que o sócio de uma
empresa não é empresário e sim a própria pessoa jurídica. É exigido apenas que o incapaz não
exerça poderes de administração, que o capital seja integralizado e que ele seja assistido ou
representado conforme o grau de sua incapacidade (RAMOS, 2013, p. 62).

2.7.3 Empresário Individual Casado

Segundo o art. 978 do Código Civil, “o empresário casado pode, sem necessidade de
outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o
patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”.

Já o art. 1.647 diz que:

Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização
do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam
integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem
ou estabelecerem economia separada.”
Esse é um tema bastante controvertido. Primeiramente, porque confronta com o art.
1647 e depois porque o código não deixa claro se o art. 978 se refere ao sócio da sociedade
empresária ou Empresário Individual. Para Moema Soares de Castro (2007, p. 50) não há
dúvidas sobre a dispensa da outorga conjugal de alienação (transferência de domínio) da
sociedade empresária. Porém, quando se estende a interpretação para o Empresário Individual
a situação fica complicada, uma vez que não há distinção entre o patrimônio particular com os
bens da empresa.

Os cônjuges usufruem dos lucros e compartilham os prejuízos. Na realidade, o risco


empresarial é dos cônjuges e, no momento de se abrir a empresa, devem estar atentos e
cientes dos riscos que, havendo, atingirão o patrimônio do casal.
25

Sobre essa discussão, Omar Brina Corrêa Lima, citado por Moema de Castro, chegou
à conclusão que o Empresário Individual só poderá alienar ou onerar bens imóveis de sua
exclusiva propriedade os quais não se comunicaram ao seu cônjuge por força do regime de
casamento. Do contrário, não poderá onerar ou alienar os que fazem parte do patrimônio do
casal (LIMA apud CASTRO, 2007, p. 50).

André Luiz Santa Cruz Ramos (2013, p.63) acredita que o art. 978 também se aplica
ao Empresário Individual, mesmo não estando explícito no Código. Mas justifica através do
Enunciado 6, da I Jornada de Direito Comercial do CJF, que no caso do Empresário
Individual haverá um prévio registro de autorização conjugal no Cartório de Imóveis, devendo
tais requisitos constar do instrumento de alienação ou de instituição do ônus real, averbado no
Registro Público de Empresas Mercantis. Assim, como se dispõe a seguir:

O empresário individual regularmente inscrito é o destinatário da norma do art. 978


do Código Civil, que permite alienar ou gravar de ônus real o imóvel incorporado à
empresa, desde que exista, se for o caso, prévio registro de autorização conjugal no
Cartório de Imóveis, devendo tais requisitos constar do instrumento de alienação ou
de instituição do ônus real, com a consequente averbação do ato à margem de sua
inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis Entendemos, por fim, que o
patrimônio da empresa individual se confunde com o patrimônio pessoal do
empresário e a partir do momento que ele é casado seu patrimônio é também do
cônjuge e por este motivo não poderia dispor dos bens sem a outorga conjugal
(Exceto no regime de separação absoluta de bens) (JUSTIÇA FEDERAL. Acesso
em 06/04/2013. Disponível em: http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/Enunciados
%20aprovados%20na%20Jornada%20de%20Direito%20Comercial.pdf).
As declarações antenupciais do empresário, a sentença que decretar ou homologar a
separação judicial do empresário e o ato de reconciliação devem ser arquivados e averbados
no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) como condição de eventual
oposição a terceiros (CASTRO, 2007, p. 50).
26

3. CONCLUSÃO

A teoria da empresa, ao abandonar o conceito de empresário como aquele que pratica


atos de comércio, remodelou a proteção conferida pela legislação empresarial, se preocupando
agora em resguardar o próprio empresário, no exercício de sua atividade, dentro da construção
que se fizera sobre tal sujeito de direitos e deveres. Com isso, ampliou a incidência das
normas empresariais e conseguiu atender as peculiaridades das relações comerciais.

A influência na legislação brasileira foi bastante profunda, uma vez que o Código
Civil de 2002, ao adotar tal teoria, instituiu critério objetivo, não mais restrito apenas ao que
praticam os atos de comércio, mas a todos aqueles inseridos no conceito de empresário, ou
seja, desde que preenchidos os requisitos legais. Desta forma, abriu-se um leque de
possibilidades na consideração dos sujeitos dessa legislação.

No entanto, o conceito de empresário na legislação pátria não é ilimitado. O legislador


se preocupou em prever as situações em que essa conceituação não se aplicaria, em virtude da
própria essência da atividade, inconciliável com o objeto empresarial, ou em razão da
inaptidão do sujeito para o exercício da atividade, por incapacidade ou incompatibilidade de
sua condição peculiar na direção da empresa.

Deste modo, apesar de ser muito mais ampliativa, ao instituir o conceito de empresário
como foco de aplicação das regras empresariais, a teoria da empresa apresentou nova
roupagem das relações empresariais e, por isso, foi obrigada a fazer restrições a esse conceito,
como consequência dessa própria construção teórica, uma vez que é preciso ser verificado se
nessas relações realmente se exerce profissionalmente atividade econômica organizada.
27

REFERÊNCIAS

BRASIL. Legislação. Acesso em 31/03/2013. Disponível em: <www.planalto.gov.br>.


BRASIL. Diferenças entre tipos de empresas. Acesso em: 05/04/2013. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/empreendedor/abra-sua-empresa/diferencas-entre-tipos-de
empresas>.
BRITO, Rodrigo Toscano de. O empresário, o não empresário e as sociedades simples e
empresárias no Código Civil de 2002. Acesso em: 01/04/2013. Disponível em:
<http://www.irtdpjbrasil.com.br/NEWSITE/artigo_toscano_de_brito.htm>.
CASTRO, Moema Augusta Soares de. Manual de direito empresarial: incluindo
comentários sobre a Lei complementar n. 123/2006, lei do simples nacional, teoria geral do
direito societário, propriedade industrial, direito de empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. III Jornada de Direito Civil. Acesso em:
02/04/2013. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-
aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direitocivil /?searchterm=enunciados>.
FERREIRA, Rute Marta. O Menor Emancipado e a Imputabilidade na Esfera do Crime
Falimentar. Acesso em: 04/04/2013. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?
pagina=artigos&id=1735&idAreaSel=12&seeArt=yes>.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula e Jurisprudência. Acesso em: 01/04/2013.
Disponível em: <www.stj.gov.br>.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudência. Acesso em: 01/04/2013. Disponível
em: <www.stf.gov.br>.

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