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DISCRICIONARIEDADE E CONTROLE JURISDICIONAL

“PODER” DISCRICIONÁRIO
A discricionariedade é o campo de liberdade de escolha conferida à Administração
Pública, a fim de que o administrador possa escolher, dentre as possibilidades concedidas pela
lei, a solução mais adequada ao caso em concreto. Deste modo, o legislador não define o
único meio de atuação do administrador, permitindo que ele possa aplicar qualquer delas,
desde que exponha a motivação. Difere, portanto, do ato vinculado, no qual o agente público
não possui liberdade de escolha, posto que está adstrito à única possibilidade que a lei
determinou como forma de atuação. Porém, sobre os limites da discricionariedade, o ilustre
doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo traz teoria diversa, que abordaremos adiante.
Conforme o pensamento do autor, a Administração Pública deve estar pautada no
Princípio da Legalidade, submetendo-se a parâmetros legais mais restritivos que o particular,
já que pode fazer apenas o que é permitido por lei, campo limitado de atuação, portanto.
Assim, com os ditames legais, nascem pra ela deveres que tem de ser cumpridos em razão da
Supremacia do Interesse Público. Deste modo, para o cumprimento dos deveres, a lei confere
“poderes” a ela, como meros instrumentos da realização daqueles, surgindo antes o dever e
depois o poder como consequência dele, considerando, assim, o “poder” discricionário como
dever-poder.
A discricionariedade pode surgir mediante três causas: hipótese da norma, ou seja,
quando a norma descreve imprecisamente a situação fática a qual se enquadrará; comando da
norma, que é a previsão legal de duas ou mais possibilidades de atuação e finalidade da
norma, quando o tipo legal inclui valores, através dos conceitos vagos e imprecisos, como
moralidade pública e interesse público.
Assim, os conceitos jurídicos indeterminados são a maior expressão da
discricionariedade, são fluidos e plurissignificativos, posto que ao comportar valores,
permitem interpretações não uniformes e variáveis conforme as diversas situações fáticas que
possam se apresentar. No entanto, ressalta o autor, que mesmo tais conceitos podem
comportar algum conteúdo determinável, a chamada zona de certeza positiva, na qual não se
duvidaria sobre o cabimento da aplicação da palavra que os designa em certas situações

¹ Competência, aqui, quer dizer o poder conferido pela lei ao agente administrativo de agir em certas
circunstâncias, através de certas formas, buscando fins determinados.

² Portanto, não existe fungibilidade ou instrumentalidade das formas nos atos administrativos. Os
fins não justificam os meios. Ainda que o fim seja atingido, o ato deve ser feito quando e como a lei
determinar.
fáticas, bem como a zona de certeza negativa, que não restaria dúvida sobre o não cabimento
naqueles casos concretos.
Após a apresentação destas premissas, o autor chega à conclusão da sua obra sobre
poder discricionário. Defende que a discricionariedade, ao contrário do pensamento
majoritário, é um dever legal que se consubstancia, no caso concreto, no cumprimento da
finalidade da norma, aplicando, dentre as possibilidades legais, a solução mais adequada e
perfeita ao caso concreto. Isso implica dizer que in abstrato, a norma confere diversas
possibilidades, mas no caso concreto, o administrador só poderá escolher uma, a que
racionalmente é entendida a melhor para a situação fática. Deste modo, se o administrador
não a aplica, estará sujeito ao controle jurisdicional, pois excedeu os limites de sua liberdade.
No entanto, havendo mais de uma solução adequada ao caso, poderá escolher qualquer delas,
já que a sua aplicação ainda atingirá a finalidade da norma e, portanto, não excederá a
liberdade a ele conferida, não se submetendo ao controle jurisdicional.
DESVIO DE PODER
Para Celso Antônio, seria o abuso de direito na esfera do direito público; é causa de
invalidade dos atos administrativos.
Ocorre quando a administração extrapola suas prerrogativas, utiliza de maneira errada
a sua competência¹. Usa-a em desacordo com a finalidade que de fato teria. Uma infração à
vontade legal pelo mau uso da competência.
Pressupõe a existência de competência abstrata. Se o agente não possui nem esta,
estar-se-ia incorrendo em mera incompetência formal.
O desvio de poder pode ocorrer de duas maneiras: a) o agente, servindo-se da
competência que em abstrato possui, busca uma finalidade alheia a qualquer interesse público.
Visa a alcançar uma finalidade pessoal; e b) o agente, possuindo competência em abstrato,
pensa estar atingindo a finalidade legal, mas incorre em erro de direito; ou ainda busca a
finalidade legal fora das circunstâncias ou da forma que a lei prescreve².
Não obstante a opinião da doutrina majoritária, Celso Antônio afirma que o desvio de
poder não é vício subjetivo, mas objetivo. O que o caracteriza não é a intenção do agente, mas
o desencontro do ato com a forma ou finalidade legal. Contudo, provada a má-fé do agente,

¹ Competência, aqui, quer dizer o poder conferido pela lei ao agente administrativo de agir em certas
circunstâncias, através de certas formas, buscando fins determinados.

² Portanto, não existe fungibilidade ou instrumentalidade das formas nos atos administrativos. Os
fins não justificam os meios. Ainda que o fim seja atingido, o ato deve ser feito quando e como a lei
determinar.
presume-se absolutamente que a finalidade legal fora viciada, e, portanto, será invalidado o
ato.
O desvio de poder não é privativo do poder executivo, podendo ser praticado também
pelo judiciário e legislativo.
PROVA DO DESVIO DE PODER
Para Celso Antônio, a simples existência de indícios convergentes – contanto que
suficientes para formar o convencimento do julgador – é o bastante, não sendo necessária a
existência de provas manifestas ou inequívocas. Pode-se provar a má-fé, portanto, por meio
de provas documentais, testemunhais e indiciárias; e consubstanciá-las na irrazoabilidade da
medida, discrepância com a conduta habitual da administração, indícios de amizade ou
animosidade entre o agente e quem quer que tenha sido beneficiado ou prejudicado pela
medida, conduta pregressa do agente, etc.
MOTIVO DO ATO ADMINISTRATIVO
Qualquer ato administrativo, independentemente de onde vier, deve ter pressupostos
fáticos, ou seja, motivos. Motivo nada mais é além da situação de direito ou de fato que
autoriza ou exige a prática do ato. Se houver desencontro entre do motivo com a finalidade,
ou seja, estiverem ausentes as condições de fato previstas na regra, ocorrerá incompetência
material do agente, pois estará agindo fora do âmbito de poderes que tinha. Existem dois tipos
de motivo: o legal e o de fato. Motivo legal nada mais é do que a previsão abstrata de uma
situação fática e o motivo de fato, a própria situação fática reconhecida no mundo empírico.
Também é bom distinguir motivo de móvel. O móvel, diferentemente do motivo, está
dentro do sujeito, é a intenção dele, algo subjetivo, ao passo que motivo se reconhece no
mundo, é externo, objetivo. Percebe-se, então, que o controle judicial se dá pela análise dos
motivos. Deve-se procurar a materialidade do ato, ou seja, se eles sequer existiram. Depois
disso, deve-se analisar se eles são próprios ou não, ou seja, se são aqueles que a lei diz que
devem existir pra prática do ato em questão.
É evidente que, em determinados casos, a lei é “fluida”, ou seja, tem conceitos vagos.
Nesses casos, o juiz tem de agir com um pouco de discricionariedade, claro que tentando
sempre atingir a finalidade da norma. Frente a isso se diz haver a zona de certeza positiva e
negativa, sendo a positiva aquela onde “se é seguro que é” e a de certeza negativa a que “se é

¹ Competência, aqui, quer dizer o poder conferido pela lei ao agente administrativo de agir em certas
circunstâncias, através de certas formas, buscando fins determinados.

² Portanto, não existe fungibilidade ou instrumentalidade das formas nos atos administrativos. Os
fins não justificam os meios. Ainda que o fim seja atingido, o ato deve ser feito quando e como a lei
determinar.
seguro que não é”. Em alguns casos, porém, o ato encontra-se em uma zona mais nebulosa,
onde o juiz tem de agir com discricionariedade. Alguns autores acreditam que não há
discricionariedade, pois a indeterminação só existiria em abstrato, mas que só haveria uma
solução justa para o caso. O autor do livro acredita que existe sim um pouco de
discricionariedade, pois em determinados casos, não se consegue reduzir a uma acepção
única.
Tem de se verificar sempre se há relação de pertinência lógica, ou seja, de adequação
tendo em vista os princípios do Direito e a situação que aconteceu.
André Gonçalves Pereira diz que a causa nada mais é do que a relação de adequação lógica
entre o motivo e o conteúdo do ato. O autor do livro diz que, além disso, tem de ter em vista a
finalidade legal. Alguns critérios são levados em consideração na avaliação da causa do ato.
São eles: a razoabilidade, a proporcionalidade, a lealdade, a boa fé a igualdade. Um ato que
desrespeite esses princípios seria um ato que não atende sua finalidade legal, resultando num
extravasamento da competência.
A exteriorização das razões que justificam o ato é a chamada motivação. A motivação
difere do motivo, pois é a justificativa do ato que, por sua vez, é baseado no motivo. Do
mesmo modo que no passado, a motivação era uma exigência jurídica, hoje, com a
democracia, ela se torna uma exigência política. O agente detém deveres-poderes (o autor diz
não ser poder-dever, pois o poder não é do agente, mas do Estado, com o dever do agente de
zelar pelo bem comum) para servir a comunidade da melhor forma, e deve motivar seus atos
para que o cidadão saiba do que se trata.
Por mais honráveis que os agentes públicos possam ser, eles podem errar, pois – segundo o
próprio autor – a perfeição é qualidade divina, não humana, por isso deve-se motivar os atos
para tolher a discricionariedade do agente.
Por fim, a motivação é de extrema importância para o ato administrativo, nele havendo
mais ou menos discricionariedade e é obrigatória no mesmo.

¹ Competência, aqui, quer dizer o poder conferido pela lei ao agente administrativo de agir em certas
circunstâncias, através de certas formas, buscando fins determinados.

² Portanto, não existe fungibilidade ou instrumentalidade das formas nos atos administrativos. Os
fins não justificam os meios. Ainda que o fim seja atingido, o ato deve ser feito quando e como a lei
determinar.

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