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Direito Administrativo I

Ano letivo 2017/2018

A discricionariedade na Administração Pública


O Prof. Doutor Pedro Moniz Lopes define discricionariedade, em sentido lato, “como toda e
qualquer situação em que seja permitido aos órgãos da função administrativa a escolha
entre as várias alternativas de ação”.

A administração pública é dotada de uma margem de livre decisão, isto é, uma liberdade de
ação administrativa concedida e limitada pela lei, perante um caso concreto. É, portanto, um
poder da Administração próprio da atividade administrativa que consiste numa escolha entre
vários direitos realizada pelo decisor administrativo, segundo critérios estabelecidos pela lei.

A administração ao executar esses poderes irá agir de acordo com a liberdade que é
imposta pelo princípio da legalidade (art. 266º CRP), pois o decisor administrativo tem de
respeitar a forma legal e atender à finalidade do interesse público. Logo, se as normas
regulam a atividade administrativa, diz-se que está vinculada.

Importa então distinguir vinculação e discricionariedade, duas formas típicas pelas quais
a lei regula a atividade administrativa. Para a definição destes conceitos implica mencionar
duas teorias: a teoria da organização que analisa os poderes e a teoria da atividade que
analisa os atos.

Na teoria da organização, o poder é vinculado quando a lei confere à administração um ato


e determina os requisitos para tal concretização. O poder é discricionário quando a lei
concede a possibilidade de escolha entre várias alternativas.

Segundo o Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, na teoria da atividade, “os atos são
vinculados quando praticados pela Administração no exercício de poderes vinculativos, e
que são discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários”.

A título de exemplo de um ato vinculado, considera-se o ato tributário, pois a lei regula todos
os aspetos (incidência do imposto, matéria coletável, taxa devida). É uma tarefa puramente
mecânica e o resultado é o único legalmente possível. A lei vincula totalmente a
Administração Púbica, ou seja, a administração não tem possibilidade de escolha.

Em relação ao ato discricionário, temos como exemplo a nomeação de um governador civil.


Passo a explicar, o Governo pode escolher desde que seja cidadão português e maior de
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idade, no pleno gozo dos seus direitos. A lei praticamente nada regula e atribui uma margem
ampla de autonomia decisória à Administração Pública.

O Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa fala em várias modalidades de discricionariedade,


designadamente a discricionariedade em ação, ou seja, a escolha entre agir e não agir; a
discricionariedade de escolha, a escolha entre duas ou mais hipóteses de atuação
estipulada na lei; e discricionariedade criativa, quando o decisor administrativo age de forma
criativa, mas de acordo com o que a lei regula.

As normas que atribuem uma certa liberdade exigem uma interpretação normativa, visto
que deriva do uso de expressões linguísticas com significado permissivo. Na
discricionariedade de ação é utilizado, por exemplo, o verbo “poder” e na discricionariedade
de escolha a conjunção “ou”. Na discricionariedade criativa já se usa conceitos jurídicos
indeterminados.

Os conceitos indeterminados não possuem um sentido concreto e evidente, logo exigem


uma interpretação tendo em consideração o contexto do caso concreto. O intérprete deve
escolher aquela que melhor está de acordo com a ordem jurídica e que irá atender ao
interesse público.

Existem casos em que é difícil compreender, nas palavras do Prof. Doutor Marcelo Rebelo
de Sousa, saber se o fim daquela norma era “conferir uma margem de liberdade à
administração, ou se, pelo contrário, se quis estabelecer uma vinculação a agir, ou a agir de
determinado modo.”

A verdade é que não há atos totalmente vinculados, nem totalmente discricionários. Os atos
administrativos são uma combinação entre o exercício de poderes vinculados e poderes
discricionários. Neste sentido, é pertinente questionar se é um poder vinculado ou um poder
discricionário, relativamente aos atos da administração a pergunta que deverá ser colocada
é em que medida são vinculados e em que medida são discricionários.

Logo se os atos administrativos têm esta característica, a escolha do decisor administrativo


perante várias opções nunca vai ser totalmente livre, é o que defende o Professor Vasco
Pereira da Silva.

A escolha da decisão não está apenas subordinada pela competência do órgão e pelo
interesse público como fim, essa escolha é também limitada pelo princípio da igualdade
(art.13º/2 CRP e art.266º/2 CRP), isto é, tratar situações iguais de forma igual e situações
desiguais de forma desigual. Também pelo princípio da proporcionalidade, da imparcialidade
e da boa-fé. Através destes princípios gerais vinculativos, as decisões vão ser mais justas e
adequadas para encontrar a melhor solução para o interesse público.
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Para enaltecer o que foi dito, VIEIRA DE ANDRADE refere que “a discricionariedade não é
uma liberdade (…), mas sim uma competência, uma tarefa, corresponde a uma função
jurídica (…). A decisão administrativa tem de ser racional, porque não pode ser fruto de
emoção ou capricho (…)”. Assim, a discricionariedade não significa liberdade, mas sim um
poder-dever jurídico.

Deste modo, a liberdade de escolha conferida à administração deve manter-se dentro dos
padrões legais, sob pena de não cair na arbitrariedade e submeter-se ao controlo
jurisdicional.

Existem várias correntes em torno desta questão da discricionariedade administrativa. Do


ponto de vista mais tradicional, MARCELLO CAETANO afirma que o poder discricionário é
um poder à margem do princípio da legalidade, ou seja, é um poder que não deve ser
controlado jurisdicionalmente. Se um ato é discricionário, então é dotado de uma “liberdade
de decisão administrativa”, logo tem plena decisão administrativa e não é controlado pelo
tribunal.

O Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral pronuncia-se sobre o controlo dos tribunais
afirmando que a atividade administrativa está submetida a controlos de legalidade
(determinar se a administração respeitou a lei) e controlos de mérito (apurar a necessidade
e proporcionalidade das decisões administrativas). Assim como, controlos administrativos,
aqueles que são realizados por órgãos da administração, e controlos jurisdicionais,
praticados por tribunais.

Defende, ainda que os tribunais administrativos apenas podem exercer o controlo de


legalidade e o controlo de mérito é realizado pela Administração. O mérito nos atos
administrativo diz respeito a duas ideias, a justiça e conveniência de um ato (art.266º/2
CRP).

O Professor entende que os atos discricionários podem ser atacados contenciosamente com
fundamento em:

 incompetência, dado que a competência de um órgão é sempre vinculada, isto é,


atribuída por lei;

 em vício de forma;

 em violação da lei, nomeadamente dos princípios constitucionais da igualdade,


proporcionalidade, boa fé;

 em quaisquer vícios da vontade, designadamente erro de facto.


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Segundo o Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva, a administração interpreta a norma e,


através dessa interpretação serão feitas escolhas delimitadas pela lei para se aplicar ao
caso concreto. De seguida vai analisar as circunstâncias para saber se podem dar origem a
atos, ou seja, a discricionariedade pode estar na apreciação.

O Professor distingue o poder vinculado do discricionário. Em relação ao poder vinculado, o


tribunal verifica integralmente a produção daquele resultado, senão estamos no âmbito de
uma ilegalidade. Se o poder é discricionário, o tribunal controla os vínculos do exercício
daquele poder discricionário, se houver o superar dos vínculos estamos perante uma
ilegalidade.

VIEIRA DE ANDRADE afirma que o poder discricionário “não é um mal necessário que deva
ser reduzido ao mínimo, antes desempenha um papel positivo e indispensável, quer para a
realização do interesse público, quer para defesa adequada dos interesses dos
particulares”.

No meu ponto de vista, a discricionariedade é um bem necessário, por isso estou de acordo
com esta última corrente. Por um lado, a discricionariedade permite que os agentes
administrativos tenham em consideração os princípios gerais do direito, como a boa fé, a
proporcionalidade, a justiça, ou seja, em cada caso concreto consigam discernir qual a
melhor solução.

No entanto, a atividade administrativa precisa de ser regida pelo bloco de legalidade, para
que siga o princípio do interesse público e não somente interesses individuais, pois se assim
não fosse iria trazer insegurança jurídica. O facto de haver meios de controlo jurisdicional
faz com que não haja arbitrariedade.

Em modo de conclusão, esta margem de liberdade concedida à Administração Pública,


através de critérios de justiça, oportunidade e conveniência não é ilimitada, de forma a não
colocar em causa a segurança jurídica e não comprometer a legitimidade.

Logo, restringir a discricionariedade limita o trabalho do decisor administrativo, mas


aumentar o seu grau de autonomia também não será a melhor solução, pois pode cair no
âmbito da arbitrariedade. A solução está no equilíbrio entre a vinculação e a
discricionariedade, neste caso o controlo dos atos administrativos é fundamental.
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Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do. (2011). Curso de Direito Administrativo, Vol. II. Almedina.

CAETANO, Marcello. (1965). Manual de Direito Administrativo. Coimbra Editora, LDA.

CAUPERS, João, (2013). Introdução ao Direito Administrativo. Lisboa: Âncora Editora.

LOPES, Pedro Moniz. (2011). Princípio da boa fé e decisão administrativa. Almedina.

SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de. (2004). Direito Administrativo
Geral: Introdução e princípios fundamentais. TOMO I, Alfragide: Publicações D. Quixote.

WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf. António F. de Sousa. (2006). Direito
Administrativo Vol. I. Fundação Calouste Gulbenkian.

Patrícia Sofia Pires Lavrador

Nº56587
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