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FUNDAMENTOS DO DIREITO
EMPRESARIAL
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3 UNIDADE 1 - Introdução
5 UNIDADE 2 - Evolução da atividade e do direito empresarial
8 2.1 O Direito Comercial brasileiro

10 2.2 A divisão do Direito Comercial

12 2.3 Do Direito Comercial ao Direito Empresarial

14 UNIDADE 3 - Os atos de comércio e a teoria da empresa


15 3.1 A divisão dos atos de comércio

20 3.2 A Teoria da Empresa

SUMÁRIO
23 UNIDADE 4 - Aplicações e características do direito empresarial
23 4.1 São características marcantes no e do Direito Empresarial e que o distinguem de outros ramos, em especial do direito civil:

26 UNIDADE 5 - A atividade empresarial, o estabelecimento e o empresário


26 5.1 A atividade empresarial

26 5.2 O empresário

28 5.3 O estabelecimento empresarial

35 5.4 A boa imagem dos dirigentes – o elemento pessoal

35 5.5 Noção de propriedade intelectual

41 UNIDADE 6 - Condições para exercer a atividade


42 6.1 Preposto do empresário – arts. 1.169 a 1.178 CC)

43 6.2 Não podem ser empresários

44 REFERÊNCIAS
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UNIDADE 1 - Introdução

Por definição, fundamento é a razão Regime jurídico de proteção da con-


ou argumento em que se funda uma tese, corrência;
um ponto de vista, uma base de apoio, ori-
Sociedades empresariais;
gem, princípio (FERREIRA, 2004). Trans-
portando o conceito para o Direito, pode- Regime jurídico do mercado de ca-
ríamos dizer que são as razões pelas quais pitais;
existe a atividade econômica, ou seja, é a
Títulos de crédito;
sua finalidade.
Tributações;
A norma fundamental (no caso a Cons-
tituição Federal) é aquela que inaugura o Contratos empresariais; e,
sistema e regula o todo. É a razão de ser
e o princípio antecedente da proposição Recuperação judicial e extrajudicial
consequente, o princípio seria o ponto de de empresas e falência.
partida. Assim sendo, para compreendermos a
Compreender a atividade comercial e os organização da atividade econômica e as
seus fundamentos são os dois pontos de mudanças que ocorrem cotidianamente
partida importantes para quem pretende nas práticas econômicas, veremos ao lon-
estudar de forma séria e ampla o direito go desta apostila, a evolução da atividade
empresarial. e do direito empresarial, conceitos e defi-
nições básicas, as aplicações e caracterís-
O direito geralmente funciona como um ticas do direito empresarial; a própria ati-
mecanismo institucionalizado para pres- vidade, o empresário, o estabelecimento
crever obrigações, cuja finalidade é de empresarial e as condições para exercer a
pacificamente possibilitar a convivência atividade.
social. Nesse sentido, a atividade econô-
mica é uma das atividades sociais mais im- Em linhas gerais, o Direito Empresarial
portantes, uma vez que tem por objetivo ou Direito de Empresa, é um ramo do direi-
satisfazer as necessidades humanas, ou to privado, anteriormente fazendo parte
melhor, cuidar da própria sobrevivência do Direito Comercial como um Direito Mer-
humana (DEL MASSO, 2010). cantil e atualmente faz parte da codifica-
ção do Novo Código Civil Brasileiro. Tra-
O Direito empresarial cuida mais ta-se o Direito Empresarial ou Direito de
especificamente dos seguintes temas: Empresa como um conjunto de princípios
e normas concernentes à estrutura e ati-
Obrigações de constituição, escri-
vidades das empresas. Pela primeira vez
turação e levantamento de informações
numa codificação civil brasileira, passa-se
financeiras do empresário;
a disciplinar as regras básicas da atividade
Estabelecimento empresarial; negocial, do conceito de empresário ao de
sociedade (OLIVEIRA, 2004).
Propriedade intelectual;
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Ressaltamos em primeiro lugar que em-


bora a escrita acadêmica tenha como pre-
missa ser científica, baseada em normas
e padrões da academia, fugiremos um
pouco às regras para nos aproximarmos
de vocês e para que os temas abordados
cheguem de maneira clara e objetiva, mas
não menos científicos. Em segundo lugar,
deixamos claro que este módulo é uma
compilação das ideias de vários autores,
incluindo aqueles que consideramos clás-
sicos, não se tratando, portanto, de uma
redação original.

Ao final do módulo, além da lista de re-


ferências básicas, encontram-se muitas
outras que foram ora utilizadas, ora so-
mente consultadas e que podem servir
para sanar lacunas que por ventura surgi-
rem ao longo dos estudos.
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UNIDADE 2 - Evolução da atividade e do


direito empresarial
O caminho percorrido pelo Direito Co- é uma relação social que é singular ao ho-
mercial e, por conseguinte, pelo Direito mem (MEDEIROS, 2011).
Empresarial até o advento do Código Civil
LUCIANA MARIA DE MEDEIROS (2011)
de 2002 nos faz voltar a alguns séculos no
ressalta com propriedade que o ato de co-
tempo, mais precisamente na Idade Média
mercializar precisa refletir o desejo de al-
e estudar um pouco os aspectos que le-
guém em adquirir algo e a conveniência de
vam à sua evolução histórica.
outrem em cedê-lo ou vendê-lo.
Segundo vários estudiosos, inclusive
De todo modo, não é possível identifi-
ADILSON DE SIQUEIRA LIMA (2004), o sur-
car a existência de comércio formalmente
gimento do direito comercial relaciona-se
instituído nos tempos primitivos pelo fato
à ascensão da classe burguesa, originan-
de, nessa época, os produtos se desti-
do-se da necessidade dos comerciantes
narem apenas à subsistência; isto é, não
da Idade Média de possuírem um conjunto
ocorria a troca de excedentes, o que se
de normas para disciplinar a atividade pro-
deu gradativamente.
fissional por eles desenvolvida. Reunidos
em corporações de ofício, os comerciantes FRAN MARTINS (1991, p. 01) explica
criaram o direito comercial com base nos que no início da civilização, os grupos so-
usos e costumes comerciais difundidos ciais procuravam bastar-se a si mesmos,
pelos povos que se dedicaram à atividade produzindo material de que tinham neces-
comercial, dentre os quais se destacam os sidade ou se utilizando daquilo do que po-
gregos e os fenícios. Esses povos antigos deriam obter facilmente da natureza para
trouxeram importantes contribuições na a sua sobrevivência – alimentos, armas
área do comércio marítimo, permitindo o rudimentares, utensílios. O natural cresci-
surgimento de importantes institutos ju- mento das populações, com o passar dos
rídicos incorporados pelo direito comer- tempos, logo mostrou a impossibilidade
cial no decorrer de sua evolução histórica. desse sistema, viável apenas nos peque-
nos aglomerados humanos [...] Passou-se,
Mas o que é comércio?
então, à troca dos bens desnecessários,
Etimologicamente, o termo “comércio” excedentes ou supérfluos para certos
vem do latim, commercium, que quer dizer grupos, mas necessários a outros [...]. Ine-
“tráfico de mercadorias”. Tal significado é gavelmente, a troca melhorou bastante a
facilmente resgatado na definição desse situação de vida de vários agrupamentos
termo, que vem a ser a troca voluntária de humanos.
produtos e serviços por outros produtos
Nessa época remota, as mercadorias
ou por valores, ou mesmo de valores en-
que se barganhavam eram, na verdade, o
tre si, estando implícito o ato de negociar,
que se produzia em excesso, tornando-se
vender, revender, comprar algo, em sínte-
mais intensa essa atividade à medida que
se, são todas as relações de negócios. Por
foi sendo necessário diversificar os ma-
analogia, teremos então que o comércio
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teriais de que se dispunha, uma vez que a cializam, surgem os mercados (feiras co-
produção para consumo próprio já não era bertas) [...] As lojas, cuja função é a ven-
suficiente e as riquezas passaram a ser da constante, num mesmo local, surgem
produzidas com fins de permuta. quase que simultaneamente às feiras [...]
Os mascates completam o quadro de dis-
Os grupos, nômades e geralmente de
tribuição de mercadorias.
uma mesma família, isolados uns dos ou-
tros, eram autossuficientes; ao inicia- É nessa época que se pode falar do sur-
rem um processo de aproximação, iniciou gimento de um direito organizado para o
também a primeira forma de comércio – a comércio vigente, afinal já existia um con-
troca. Com as trocas, as riquezas foram siderável sistema comercial em funciona-
sendo melhor aproveitadas e cada grupo mento, distante do sistema de trocas dos
podia se dedicar a produzir aquilo para o povos antigos. Então, diante da fragmen-
que fosse mais apto (MEDEIROS, 2011). tação social provocada pelo sistema feu-
dal, tornou-se necessária a formação de
Avançando na história, chegamos à
associações, as chamadas corporações de
Grécia onde o comércio acontecia à base
ofício, nascedouro do Direito Comercial,
de costumes, mas é aí que surgem os pri-
que era baseado nos costumes e tradi-
meiros contratos e o uso da lei escrita, os
ções dos comerciantes de então (MAR-
quais orientavam a comercialização marí-
TINS, 1991; NEGRÃO, 1999; MEDEIROS,
tima. Em Roma, o comércio era praticado
2011).
pelos estrangeiros, disciplinados pelo jus
gentium, uma vez que a aristocracia não Com o fim da Idade Média e a partir do
via com apreço tal atividade, tida como surgimento dos Estados Nacionais, essas
desonrosa. normas passam a ser fruto da emanação
estatal, adquirindo um caráter nacional.
Paulatinamente, o homem promoveu
Após a Revolução Francesa e com o sur-
uma série de evoluções que facilitaram o
gimento do liberalismo econômico, o in-
fluxo de mercadorias e as atividades co-
tervencionismo estatal nas atividades
merciais, então foram criadas moedas,
econômicas, que aceleram seu processo
bancos, bolsas de valores e diversos ou-
evolucionista, diminui consideravelmen-
tros institutos. No entanto, nessas civili-
te. Na França, são editados o Código Civil
zações clássicas não havia uma legislação
e o Código Comercial para dar conta das
comercial especial, o que se inicia a partir
novas circunstâncias sociais e comerciais,
da Idade Média.
os quais irão influenciar codificações pos-
RICARDO NEGRÃO (1999, p. 28-29) nos teriores.
conta que o comércio medieval estava li-
ADILSON DE SIQUEIRA LIMA (2004)
gado ao comércio itinerante: o comercian-
contribui com o pensamento de RICARDO
te levava mercadorias de uma cidade para
NEGRÃO (1999) e também vai de encon-
outra através de estradas, em caravanas,
tro com o exposto por LUCIANA MARIA DE
sempre em direção a feiras que ocorriam
MEDEIROS (2011) ao afirmar que o direi-
e tornavam famosas as cidades europeias
to comercial aparece na Idade Média com
[...] Em sua evolução, as feiras se espe-
um caráter eminentemente subjetivista,
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já que foi elaborado pelos comerciantes, tivo da figura do comerciante matriculado


reunidos nas corporações para disciplinar na corporação. Com o Código Comercial
suas atividades profissionais, caracteri- francês de 1807, o direito comercial pas-
zando-se, no início, como um direito cor- sou a ser baseado na prática de atos de
porativista e fechado, restrito aos comer- comércio enumerados na lei segundo cri-
ciantes matriculados nas corporações de térios históricos, deixando de ser aplicado
mercadores. somente aos comerciantes matriculados
nas corporações.
Criado para disciplinar a atividade pro-
fissional dos comerciantes, o direito co- De acordo com a teoria francesa dos
mercial nasce como um direito especial, atos do comércio, a matéria comercial
autônomo em relação ao direito civil, que deixa de ser baseada na figura do comer-
lhe permitiu alcançar autonomia jurídica, ciante da Idade Média e passa a ser de-
possuindo uma extensão própria, além finida pela prática dos atos de comércio
de princípios e métodos característicos enumerados na lei. Assim, para se quali-
que contribuíram para a sua consolidação ficar como comerciante e submeter-se ao
como disciplina jurídica autônoma. direito comercial, deixou de ser necessá-
rio à pessoa que se dedica à exploração
No entanto, o prestígio e a importância
de uma atividade econômica pertencer a
das corporações começaram a enfraque-
uma corporação, bastando a prática habi-
cer com o mercantilismo, que fortaleceu
tual de atos do comércio. Essa objetivação
o Estado, afastando das corporações de
do direito comercial atendia aos princípios
mercadores a elaboração das normas co-
difundidos pela Revolução Francesa, em
merciais e sua respectiva aplicação pelos
1789.
cônsules, que eram os juízes eleitos pelos
comerciantes nas corporações para deci- Na enumeração realizada nos artigos
dir os conflitos de natureza comercial. As 632 e 633 do Código Francês, o legisla-
primeiras codificações das normas comer- dor considerou de natureza comercial os
ciais surgiram na França, com as Ordena- atos que eram tradicionalmente realiza-
ções Francesas. A primeira Ordenação, dos pelos comerciantes na sua atividade,
de 1673, tratava do comércio terrestre e não sendo possível identificar nessa enu-
ficou conhecida como Código Savary. Em meração legal qualquer critério científico
1681, surgiu a Ordenação da Marinha, que para definir quando um ato é ou não de
disciplinava o comércio marítimo (LIMA, comércio. Ao enumerar os atos de comér-
2004). cio, o legislador baseou-se em fatores his-
tóricos, sendo esse o grande problema da
As Ordenações Francesas tiveram vi-
teoria francesa, que se mostrou bastante
gência por um longo tempo e o Código
limitada diante da rápida evolução das ati-
Savary foi a base para a elaboração do
vidades econômicas, tornando-se uma te-
Código de Comércio Napoleônico de 1807,
oria ultrapassada por não identificar com
responsável pela objetivação do direito
1 precisão a matéria comercial, já que não
comercial, afastando-o do aspecto subje-
foi possível a identificação de um elemen-
1- Será definido e discutido em profundidade mais adiante. to de ligação entre os atos de comércio
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previstos na lei (LIMA, 2004). Em 1834, uma comissão de comercian-


tes apresentou ao Congresso Nacional
A enumeração legal dos atos de comér-
um projeto de Código Comercial que, após
cio apresenta natureza exemplificativa e,
uma tramitação de mais de 15 anos, origi-
sabendo-se que novas atividades econô-
nou o primeiro Código Brasileiro, o Códi-
micas surgiriam, coube à doutrina elaborar
go Comercial (Lei 556 de 25 de junho de
uma fórmula para se definir a comerciali-
1850), que foi baseado nos Códigos de
dade das relações jurídicas. Em consonân-
Comércio de Portugal, da França e da Es-
cia com o desenvolvimento das atividades
panha. O Código Comercial brasileiro ado-
econômicas e de acordo com a tendência
ta a teoria francesa dos atos de comércio,
de crescimento do direito comercial, sur-
podendo-se, entretanto, identificar tra-
giu na Itália uma teoria que substituiu a te-
ços do período subjetivo na lei de 1850,
oria francesa, superou os seus defeitos e
em razão do art. 4º prever que somente os
ampliou o campo de abrangência do direi-
comerciantes matriculados em alguns dos
to comercial. Essa teoria, denominada de
Tribunais de Comércio do Império poderão
teoria jurídica da empresa, caracteriza-se
gozar dos privilégios previstos no Código
por não dividir as atividades econômicas
Comercial (TADDEI, 2002).
em dois grandes regimes, como fazia a te-
oria francesa, e foi inserida no Código Civil Cumpre ressaltar que, embora o Código
italiano de 1.942, que ficou conhecido por Comercial brasileiro seja baseado na teo-
ter realizado a unificação legislativa do di- ria dos atos de comércio, em nenhum dos
reito privado na Itália (LIMA, 2004). seus artigos ele apresenta a enumeração
dos atos de comércio, como faz o Código
2.1 O Direito Comercial brasileiro Comercial francês de 1807, nos artigos
632 a 633. Essa ausência da enumeração
O Direito Comercial brasileiro tem ori-
dos atos de comércio no Código Comercial
gem em 1808 com a chegada da Família
foi proposital, justificando-se pelos pro-
Real Portuguesa ao Brasil e a abertura dos
blemas que a enumeração causava na Eu-
portos às nações amigas. Da sua origem
ropa, onde eram conhecidas grandes di-
até o surgimento do Código Comercial Bra-
vergências doutrinárias e jurisprudenciais
sileiro, quem disciplinava as atividades co-
referentes à caracterização da natureza
merciais no país eram as leis portuguesas
comercial ou civil de determinadas ativi-
e os Códigos Comerciais da Espanha e da
dades econômicas em razão da enumera-
França, já que entre as leis portuguesas
ção legal dos atos de comércio.
existia uma lei (lei da Boa Razão) preven-
do que, no caso de lacuna da lei portugue- Temendo que essas divergências e dis-
sa, deveriam ser aplicadas, para dirimir os putas judiciais se repetissem no país, o
conflitos de natureza comercial, as leis legislador brasileiro preferiu, após gran-
das nações cristãs, iluminadas e polidas. des discussões na fase de elaboração do
Por essa razão, nessa primeira fase do di- Código Comercial, não inserir a enumera-
reito comercial brasileiro, a disciplina legal ção dos atos de comércio na Lei nº 556,
das atividades comerciais mostrava-se de 1850. Entretanto, não foi possível ao
bastante confusa (TADDEI, 2002; FREIRE legislador brasileiro escusar-se de apre-
JUNIOR; MAGALHÃES, 2011).
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sentar uma enumeração legal dos atos digo Civil (2002), um critério seguro para
de comércio no país, que foi realizada no se definir o conteúdo da matéria comer-
Regulamento nº 737, de 1850, especifica- cial. Essa dificuldade justifica-se por vá-
mente nos artigos 19 e 20. O Regulamen- rios motivos. A teoria dos atos de comér-
to nº 737 tratava do processo comercial e cio, por sua própria natureza, não permite
a enumeração dos atos de comércio ba- a criação de um critério científico para se
seou-se no Código de Comércio francês definir a natureza comercial de um ato,
(CARVALHO DE MENDONÇA, 2000; TAD- surgindo um grande problema quando de-
DEI; 2002). terminado ato não se encontra enumera-
do na relação da lei.
Até 1875, a enumeração dos atos de co-
mércio constante no Regulamento nº 737 No Brasil, esse problema intensifica-se
era utilizada para delimitar o conteúdo da porque, desde 1939, não existe nem mes-
matéria comercial para o fim jurisdicional mo na legislação vigente a enumeração
e para qualificar a pessoa como comer- dos atos de comércio. Se não bastasse,
ciante no país. Em 1875, os Tribunais de nas últimas décadas, várias leis brasileiras
Comércio foram extintos e, com a unifica- de natureza comercial passaram a apre-
ção do processo, deixou de ser necessário sentar fortes traços da teoria da empresa,
para o fim jurisdicional diferenciar a ativi- e a doutrina nacional passou a se dedicar
dade comercial da atividade civil. ao estudo dessa teoria italiana, presti-
giando-a em detrimento da teoria france-
Assim, sob o aspecto processual, a teo-
sa, o que acabou refletindo em várias de-
ria dos atos de comércio perdeu a sua im-
cisões dos Tribunais brasileiros (TADDEI,
portância no Brasil, mas continuou a ser
2002).
necessária para diferenciar o comercian-
te do não comerciante, já que a lei prevê Todo esse contexto fez com que a de-
um tratamento diferenciado para aquele finição da comercialidade das relações ju-
que desenvolve uma atividade econômi- rídicas no Brasil se transformasse em um
ca de natureza comercial, sendo o prin- grande problema. Nessa difícil tarefa em
cipal exemplo dessa diferenciação a Lei delimitar o conteúdo da matéria comer-
de Falência (Decreto-Lei nº 7.661, de 21 cial, utilizaram-se como referência os atos
de junho de 1945), pela qual somente se de comércio enumerados no revogado Re-
podem beneficiar da concordata e subme- gulamento nº 737, de 1850, o disposto em
ter-se à falência aqueles que exercem ati- lei como sendo matéria comercial (socie-
vidade econômica de natureza comercial. dades anônimas, empresas de construção
civil) e a jurisprudência, já que várias de-
O Regulamento nº 737, de 1850, foi re-
cisões envolvendo complexos casos pas-
vogado em 1939 pelo Código de Proces-
saram a definir a natureza comercial de
so Civil e, desde então, deixou de existir
certas atividades econômicas.
no país um diploma legal que apresente
a enumeração dos atos de comércio, di- Na delimitação do conteúdo da matéria
ficultando a definição da comercialidade comercial, pode-se identificar, em várias
das relações jurídicas no Brasil a ponto de ocasiões, a adoção da teoria da empre-
não existir, até o surgimento do novo Có- sa para definir como comercial a nature-
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za de determinada atividade econômica, 2.2 A divisão do Direito Co-


evidenciando a influência e o prestígio da
teoria italiana no direito brasileiro. Nesse mercial
sentido, destacam-se decisões que consi- Como vimos até o momento, a teoria da
deram de natureza comercial, tais como: empresa elaborada pelos italianos afas-
clínicas de serviços médicos; salões de ta o direito comercial da prática de atos
cabeleireiros; empresas de publicidade; e, de comércio para incluir no seu núcleo a
também, a atividade pecuária. Essas ati- empresa, ou seja, a atividade econômica
vidades, pela teoria dos atos de comércio, organizada para a produção ou circulação
estariam, em regra, afastadas do regime de bens ou de serviços. Com a teoria da
comercial e, consequentemente, não es- empresa, deixa de ser importante o gêne-
tariam submetidas à falência e não pode- ro da atividade econômica desenvolvida,
riam obter concordata. não importando se esta corresponde a
As dificuldades encontradas na defi- uma atividade agrícola, imobiliária ou de
nição da comercialidade das relações ju- prestação de serviços, mas que seja de-
rídicas e a adoção da teoria da empresa senvolvida de forma organizada, em que o
para caracterizar determinadas ativida- empresário reúne capital, trabalho, maté-
des econômicas como comerciais carac- ria-prima e tecnologia para a produção e
terizam o período de transição do direito circulação de riquezas (LIMA, 2004).
comercial brasileiro nos últimos 30 anos. De acordo com a teoria da empresa,
Esse período transitório entre a Teoria dos o direito comercial tem o seu campo de
Atos do Comércio, presente no Código Co- abrangência ampliado, alcançando ativi-
mercial e na Lei de Falência, e a Teoria da dades econômicas até então consideradas
Empresa, prestigiada pela doutrina e pela civis em razão do seu gênero. A teoria da
jurisprudência e presente em importantes empresa, ao contrário da teoria francesa,
leis comerciais (por ex.: Lei nº 6404, de 15 não divide as atividades econômicas em
de dezembro de 1976, Lei das Sociedades dois grandes regimes (civil e comercial),
Anônimas; Lei nº 8.934, de 18 de novem- mas, sim, prevê um regime amplo para as
bro de 1994, Lei de Registro Público de atividades econômicas, excluindo desse
Empresas; Lei nº 8.884, de 20 de julho de regime apenas as atividades de menor
1994, Lei de Defesa da Livre Concorrên- importância, que são, a princípio, as ativi-
cia; Lei nº 9279, de 14 de maio de 1996, dades intelectuais, de natureza literária,
Lei da Propriedade Industrial; Lei nº 9841, artística ou científica. Segundo a teoria
de 05 de outubro de 1999, Novo Estatuto da empresa, a atividade agrícola também
da Microempresa de Pequeno Porte), é fi- pode estar afastada do direito comercial,
nalmente superado com o surgimento do já que cabe ao seu titular a opção pelo re-
novo Código Civil brasileiro (LIMA, 2004). gime comercial, que ocorre mediante o re-
gistro da atividade econômica no Registro
Público das Empresas, realizado no Brasil
pelas Juntas Comerciais.

LUCIANA MARIA DE MEDEIROS (2011)


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explica de maneira clara que com os novos período as companhias (instituições fami-
horizontes alcançados pelo mundo do co- liares, mais tarde chamadas de sociedade
mércio, com o capitalismo e sua revolução por causa da solidariedade e da não limi-
nos sistemas de produção, também essa tação de responsabilidade perante tercei-
forma de regulá-lo ficou obsoleta, o que ros) e as sociedades por ações, que são as
faz surgir uma nova visão para o Direi- últimas a surgir;
to Comercial. Nessa nova ótica, entra em
A segunda fase, caracterizada pelo
cena a figura do empresário, o conceito de
mercantilismo e pela colonização, está
empresa, a distribuição de bens e de ser-
compreendida entre os séculos XVII e
viços em larga escala, e o Direito Comer-
XVIII. Época em que se observa a evolu-
cial precisou ser o disciplinador, também,
ção das grandes sociedades. Aqui as nor-
das empresas comerciais. Assim, tendo
mas do Direito Comercial, como todas as
em vista as mudanças de contexto pelas
outras, tem origem num poder soberano
quais passou o comércio e, consequente-
central – o rei. Na Europa, surgem as co-
mente, o Direito Comercial, sua evolução é
dificações, tanto para matéria de direito
dividida em fases históricas.
marítimo quanto para de direito terrestre;
RICARDO NEGRÃO (1999, p. 28-34)
A terceira fase do Direito Comer-
segue a divisão proposta por OSCAR cial compreende o século XIX e é marca-
BARRETO FILHO (1969) com o Direito da pelo liberalismo econômico. Aqui, com
Comercial dividido em quatro fases a promulgação do Código Napoleônico de
históricas: 1806, surge o conceito objetivo de comer-
A primeira delas vai do século XII ao ciante, que seria todo aquele que prati-
XVI e está assim caracterizada: existên- casse atos de comércio profissionalmente
cia de um direito de classes, no caso a dos e de forma habitual. O Direito Comercial
comerciantes, com regras estabelecidas deixa de ser dos comerciantes e passa a
por eles e para eles, sem a participação ser dos atos de comércio, isto é, perde o
estatal, apenas podendo ser usadas por caráter subjetivo, pessoal, e adquire um
quem integrasse as corporações de ofí- caráter objetivo ligado às atividades tidas
cio. É a época do comércio itinerante, que legalmente como comerciais. A Teoria dos
evolui para feiras, mercados e lojas. Se- Atos de Comércio será tratada de forma
riam os serviços originados nessas feiras mais detalhada posteriormente;
os responsáveis pelo surgimento de vá- A quarta e última fase, que é a con-
rios institutos jurídicos, como o câmbio, os temporânea, caracteriza-se por uma nova
títulos de crédito, os bancos e as bolsas; visão do Direito Comercial que culmina
surgindo, inclusive, os mercados finan- com a terminologia do direito de empresa,
ceiros acionários. Ocorre a evolução das ou empresarial, a qual foi adotada inicial-
sociedades marítimas (um sócio em terra mente pelo Código Civil italiano de 1942
e outro na embarcação, negociando pelos e integra o Livro II do Código Civil brasilei-
mercados por onde passa), as quais viram ro de 2002. A Teoria da Empresa também
a ser reguladas pelas Ordenações Filipinas será tratada em tópico específico.
em 1603. Ainda são identificadas nesse
12

Na visão de ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ ambas as divisões o reflexo imediato dos
RAMOS (2009, p. 44), que apresenta uma acontecimentos sociais e políticos de cada
divisão menos fragmentada, o Direito Co- época no contexto de criação e utilização
mercial teria três períodos históricos, os das regras que regulamentam as ativida-
quais são a seguir apresentados apenas des mercantis.
para fins de comparação com a caracteri-
Isso demonstra que, assim como o co-
zação anterior:
mércio se desenvolveu conforme o ho-
Primeiro período – compreende a mem e suas relações, o direito que o rege
Idade Média e tem por contexto o mer- tem acompanhado esse desenvolvimen-
cantilismo, o ressurgimento das cidades, a to, indo da inexistência de regras ou das
aplicação dos usos e costumes mercantis regras direcionadas a um determinado
e a codificação privada do Direito Comer- grupo, para ser o regulador de todas as
cial (pelos comerciantes, tendo assim um atividades mercantis, sejam elas comer-
caráter subjetivista). ciais ou empresariais (MEDEIROS, 2011).

Segundo período – abrange a Ida- 2.3 Do Direito Comercial ao


de Moderna que, com a formação dos
Estados Nacionais monárquicos e a con- Direito Empresarial
sequente monopolização jurisdicional, Inicialmente, o Direito Comercial foi
objetiva o Direito Comercial, que deixa de criado para regular a atividade do co-
ser da classe dos comerciantes e passa a mércio. Aparece na Idade Média com um
valer para qualquer cidadão que exerça caráter eminentemente subjetivista, já
uma atividade comercial. Destaque para a que fora elaborado pelos comerciantes,
Codificação Napoleônica com a bipartição reunidos nas corporações de ofício, para
do direito privado – civil e comercial – e disciplinar suas atividades profissionais.
para a teoria dos atos de comércio; Porém, com o passar do tempo, as ativi-
Terceiro período – corresponde à dades comerciais evoluíram e passaram a
Idade Contemporânea, tem como marco abranger a indústria e outras atividades
o Código Civil Italiano de 1942 e se ca- que não eram primordialmente mercan-
racteriza pela unificação formal do direi- tis. Assim sendo, a disciplina jurídica que
to privado, pela prevalência da teoria da as regula também acompanha tal evolu-
empresa no regime jurídico-empresarial ção com exposto por ANDRÉ LUIZ SANTA
e pelo papel da empresa como atividade CRUZ RAMOS (2009, p. 49):
econômica organizada. [...] o Direito Comercial não cuida
Como é possível observar, a opção por apenas do comércio, mas de toda e
uma ou outra divisão não interfere no en- qualquer atividade econômica exer-
tendimento da evolução histórica da disci- cida com profissionalismo, intuito
plina comercial, pois as duas trazem infor- lucrativo e finalidade de produzir ou
mações similares sobre o tema, diferindo fazer circular bens ou serviços. Dito
apenas no corte temporal. O importante, de outra forma: o Direito Comercial,
como diz Medeiros (2011), é observar em hoje, cuida das relações empresa-
riais, e por isso alguns têm sustenta-
13

do que, diante dessa nova realidade, as, pouco importa a nomenclatura adota-
melhor seria usar a expressão direito da. O que importa saber é que existe um
empresarial. ramo jurídico específico para regular as
relações econômicas. Se esse ramo con-
Dessa forma, observa-se que a evolu-
tinuará sendo chamado de “Direito Co-
ção ocorreu na medida em que o centro do
mercial”, embora não mais exista a figura
Direito Comercial não é mais o comercian-
do “comerciante” ou dos “atos de comér-
te, subjetivamente falando, nem o ato de
cio”, ou se será adotado um novo nome, in
comércio, sob a ótica objetiva, mas a em-
casu, “direito empresarial”, tendo em vis-
presa. Isso fez com que o Direito Comer-
ta a aceitabilidade do termo, só o tempo
cial evoluísse de regulador de comercian-
se encarregará de responder (MEDEIROS,
tes para diretriz do exercício empresarial.
2011).
Devido a tal mudança, observa-se com
bastante frequência divergência quan-
to à nomenclatura que se usa nos livros,
manuais, cursos e disciplinas de entidades
de nível superior: algumas vezes Direito
Comercial; outras vezes Direito Empresa-
rial. Muitos doutrinadores também apre-
sentaram outras opções para nomear a
disciplina jurídico-mercantil, como Direito
dos Negócios, Direito das Empresas, Direi-
to Econômico. No entanto, apesar de não
haver uma uniformização em seu uso, por
tradição, mantém-se o Direito Comercial.

Fica claro, porém, que diante da vasti-


dão de institutos e matérias que o Direito
Comercial abarca, como, por exemplo, os
títulos de crédito, as marcas e patentes, a
falência e concordata, o direito societário,
o direito marítimo, o direito aeronáutico
e, até, o direito do mercado de capitais e
o bancário, independente do nome que a
ele seja atribuído, não há como encará-lo
de forma reducionista como outrora. Isso
porque o termo “comércio” há muito não é
entendido, simplesmente, como a ato de
comprar e vender – a empresarialidade é
um fato.

Por fim, desde que não seja motivo de


confusão para o entendimento das pesso-
14
UNIDADE 3 - Os atos de comércio e a teoria
da empresa
O Direito Comercial é um conjunto de sistema jurídico estatal para disciplinar
regras jurídicas que regulam as ativida- as relações mercantis em lugar do antigo
des das empresas e dos institutos afins direito de classe, não mais norteado pela
concernentes, bem como os atos conside- ótica dos comerciantes, mas sim, pelo es-
rados comerciais, mesmo que esses atos pírito da burguesia comercial e industrial,
não se relacionem com as atividades das valorizando a riqueza imobiliária; e, um
empresas. Código Civil que atendia os interesses da
burguesia fundiária, pois estava centrado
Tem-se que as normas do direito co-
no direito de propriedade (RAMOS, 2009,
mercial alcançam não apenas os empresá-
p. 37).
rios, mas aqueles que, mesmo sem se re-
vestirem dessa qualidade, praticam atos Diante dessa divisão, cria-se a necessi-
aos quais a lei atribui características tais dade de se delimitar, através de critérios
que se tornam regidos pelo direito comer- claros, a atuação do código comercial que
cial. Ex.: a emissão de um cheque, feita surgiu como um regime jurídico especial
por pessoa que não se reveste da quali- para a regulamentação das atividades
dade do comércio (empresário); da mesma comerciais. Assim surge a teoria dos atos
forma uma letra de câmbio, nota promis- do comércio que, segundo FÁBIO ULHÔA
sória, garantia prestada por aval. Pode- COELHO (2007, p. 15), resume-se, rigoro-
mos ter uma situação com pessoas físicas samente falando, a uma relação de ativi-
e jurídicas, profissionais liberais, serviço dades econômicas, sem que entre elas se
público, associação, sendo regidas pelo possa encontrar qualquer elemento inter-
direito comercial, sem necessidade de ser no de ligação.
empresário.
Os atos de comércio eram definidos
A Lei nº 556/1850 foi praticamente ab- pelo legislador, tendo como uma de suas
-rogada, pelo novo Código Civil, não ha- funções a de atribuir a qualidade de co-
vendo qualquer comprometimento, pois, merciante a quem os exercesse. Dessa
como bem acentua FÁBIO ULHOA COELHO forma, tem-se que eram expressos em
(2005), o direito comercial não é o Código lei quais atos eram de natureza mercantil
Comercial, nem o direito civil resume-se e, automaticamente, quem os praticasse
no Código Civil, tanto é que se assim o fos- era qualificado como comerciante e esta-
se, o direito administrativo não existiria va sujeito às regras do Direito Comercial.
por não ser codificado.
Muda-se, assim, o foco da mercantilida-
Vimos também que o Direito Comercial de: antes subjetivista, pois se aplicava o
como um direito profissional e corporati- Direito Comercial apenas aos comercian-
vista desaparece quando são editados, na tes membros das corporações de ofício;
França, os códigos napoleônicos de Direi- agora objetiva – os atos de qualquer cida-
to Civil e Comercial, respectivamente, em dão, independente de ser filiado ou não
1804 e 1808. Passa, então, a existir um a uma corporação, desde que tidos como
15

legalmente de comércio, seriam regidos merciantes (MEDEIROS, 2011).


pelo Direito Comercial. Assim, o objeto do
A inexistência de um critério científico
Direito Comercial passa a ser a atividade
na divisão das atividades econômicas em
comercial em si e não mais a pessoa que a
civis e comerciais e a exclusão de impor-
executava, por isso falar-se em sua objeti-
tantes atividades do rol dos atos comer-
vação a partir de então.
ciais constituem os principais motivos
Com a codificação francesa de princí- para que a teoria dos atos de comércio
pios do século XIX, o Direito Comercial perdesse prestígio e fosse substituída
abandonava o sistema subjetivo – segun- pelo sistema italiano da teoria da empre-
do o qual este direito se aplicava apenas a sa. Vale destacar que tal substituição só
quem estivesse inscrito como comercian- ocorre há mais de um século, após terem
te no correspondente registro –, adaptan- sido editados os códigos napoleônicos,
do o sistema objetivo: o Direito Comercial tempo mais que suficiente para servirem
aplica-se a todos os atos de comércio, pra- de inspiração para praticamente todas as
ticados por quem quer que seja, ainda que codificações que a eles se seguiram, in-
ocasionalmente [...] (GALGANO, s. d. apud clusive o Código Comercial Brasileiro de
RAMOS, 2009). 1850.

Essa objetivação reflete, na verdade, É interessante antes de falarmos em


o princípio da igualdade entre os homens maiores detalhes sobre a Teoria da Em-
oriundo da Revolução Francesa, que se presa, apresentar algumas divisões pro-
contrapunha ao favorecimento de uma postas para os atos de comércio.
classe em detrimento das demais, como
ocorria com o sistema subjetivista dos 3.1 A divisão dos atos de co-
atos de comércio. mércio
Por se resumir ao estabelecimento de Da mesma forma que em nosso Código
uma relação de atividades econômicas, Comercial de 1850, a teoria francesa dos
o sistema francês dos atos de comércio atos de comércio ressoou em diversas co-
gerou indefinições quanto à natureza dificações, tais como na Bélgica (1811),
mercantil de algumas delas, principal- Espanha (1829), Portugal (1833), Itália
mente, porque quando de sua definição (1882), dentre tantas outras (LIPPERT,
pelo legislador, apenas foi considerada a 2003, p. 51; COELHO, 2003, p. 15). A par-
natureza comercial dos atos que já eram tir desse sistema, que apresentava o rol
realizados pelos comerciantes da época; dos atos de comércio, foram observados
ou seja, não existiram critérios científicos grandes esforços por parte da doutrina
para defini-los, mas sim, apenas fatores em classificá-los e possibilitar a correta
da tradição histórica. Também foi essa a aplicação das normas sem que se caísse
razão de se ter deixado de fora atividades em imprecisões acerca da natureza mer-
importantes como a prestação de serviço, cantil de algumas atividades. Surgiram
a agricultura e a negociação imobiliária, então dois critérios doutrinários de espe-
uma vez que essas atividades não eram cial relevância para que se realizasse tal
tradicionalmente desenvolvidas pelos co- distinção: o “descritivo” e o “enumerativo”
16

(LIPPERT, 2003, p. 53). QUIEU, 2000, p. 175).

O critério descritivo procura na Lei a in- Sendo essa a origem do sistema fran-
dicação das características de um ato de cês, sabe-se que foi apenas num segun-
comércio a fim de que as situações fáti- do momento que a Cour de Cassation e a
cas possam enquadrar-se nas hipóteses doutrina adotaram posicionamento dife-
descritas e, assim, passem a ser regidas rente, entendendo pela flexibilidade do
pelo direito comercial. Tal sistema foi es- catálogo dos atos mercantis e pela não
pecialmente adotado pelos códigos espa- taxatividade do Code de Commerce (DU-
nhóis (1829 e 1885) e portugueses (1833 ARTE, 2004, p. 172).
e 1888) (LIPPERT, 2003, p. 53).
Nessa esteira, o direito comercial brasi-
Por sua vez, o sistema enumerativo leiro, então profundamente influenciado
consiste no arrolamento dos atos consi- pelo ordenamento francês, incorporou a
derados mercantis. Esse método acarre- teoria dos atos de comércio, porém dei-
tou profunda controvérsia, sobretudo na xou de elencar no seu corpo quais seriam
França, pois foi necessário indagar se a os atos a serem reputados comerciais (CO-
enumeração da Lei era efetivamente ta- ELHO, 2003, p. 15).
xativa (numerus clausus), ou simplesmen-
A fim de suprir tal lacuna, foi promulga-
te exemplificativa.
do o já mencionado Regulamento nº 737,
Diante desse critério enumerativo, a em 25 de novembro de 1850, que tratava
questão que se travou foi no sentido de do processo comercial, discriminando-se
identificar qual seria a margem para a am- os atos considerados como de mercancia,
pliação daqueles atos elencados no rol do arrolando-os em seu artigo 19.
texto legal. O debate relevou-se não ape-
nas na França, mas também aqui no Brasil,
Por esse art. 19, eram considerados
pois nosso código comercial de 1850 e seu atos mercantis os seguintes:
regulamento 737, do mesmo ano, ado- a) compra e venda ou troca de bem mó-
taram esse sistema, o qual permaneceu vel ou semovente, para sua revenda, por
sendo aplicado até o advento do Código atacado ou a varejo, industrializado ou
Civil de 2002 (COELHO, 2003, p. 22). não, ou para alugar seu uso;
De qualquer forma, vale lembrar que b) as operações de câmbio, banco ou
o movimento de codificação iniciado na corretagem;
França do século XIX foi extremamente
calcado pela ideia da criação de um sis- c) as empresas de fábricas, de comis-
tema fechado a quaisquer previsões que sões, de depósito, de expedição, consig-
não aquelas expressamente positivadas nação e transporte de mercadorias, de
no texto legal. O principal objetivo era espetáculos públicos;
impedir arbitrariedades, cuja prática até d) os seguros, fretamentos, riscos;
então era possibilitada à monarquia ab-
solutista e, no caso do direito comercial, e) quaisquer contratos relativos ao co-
às corporações de mercadores (MONTES- mércio marítimo e à armação e expedição
de navios.
17

Acerca do tema, RUBENS REQUIÃO CARVALHO DE MENDONÇA (2000) adotou


(2003, p. 40) entende que, no direito co- posicionamento a respeito do rol esta-
mercial brasileiro, a respeito da taxativi- belecido pelo artigo 19 do Regulamento
dade da lista dos atos de comércio, esta 737/50 no sentido de que aquela previsão
foi meramente exemplificativa, permi- descrevia os atos mais importantes e, as-
tindo ao intérprete, e sobretudo aos tri- sim, fornecia a chave para a identificação
bunais, estendê-los por analogia a outros do espírito do sistema e o conceito da ati-
atos não expressamente catalogados em vidade comercial. Essa ideia foi afirmada
seu texto. nos seguintes termos:

Igualmente, ressalta-se que o texto Como quer que seja, o vocábulo mer-
brasileiro, da mesma forma que o francês, cancia, empregado no art. 19 do Re-
incorreu na ausência de descrição ou defi- gulamento 737, dá-nos a chave do
nição das características gerais inerentes sistema estabelecido pelo Código.
aos atos de comércio. Entretanto, houve Neste artigo compendiam-se os atos
grandes e valorosos esforços por parte da mais importantes que constituem
doutrina para que se conseguisse suprir propriamente a arte do mercador, a
tal lacuna (RODRIGUES, 2007). profissão do comerciante, o trato de
mercadejar, o exercício do comércio
Diante disso, observou-se na produção
(CARVALHO DE MENDONÇA, 2000, p.
jurídica pátria especial destaque às ideias
528).
formuladas por JOSÉ XAVIER CARVALHO
DE MENDONÇA (2000, p. 527). Em brevís- Por fim, o jurista estabeleceu a divi-
sima síntese, sua proposta identificou os são dos atos de comércio da seguinte
atos de mercantis como aqueles “negó- forma:
cios jurídicos referentes diretamente ao
exercício normal da indústria mercantil” a) “por natureza”, aqueles que consti-
e, ainda, que “consistem propriamente na tuem o exercício da indústria mercantil,
operação típica, fundamental (a compra e praticados por comerciantes com habitu-
venda), ou naqueles outros atos que im- alidade;
primem uma feição característica ao co- b) “denominados comerciais por cone-
mércio (...)”. xão”, aqueles que, embora quando apre-
Tem-se, pois, que a mencionada “feição ciados isoladamente, constituiriam atos
característica ao comércio” representou civis, devem perceber a atribuição de ca-
para o mencionado autor a interposição ráter comercial por derivação porque vi-
entre os produtores e consumidores para sam facilitar, promover ou realizar o exer-
efetuar ou facilitar a troca de bens, isto cício da indústria mercantil, e por serem
é, a circulação das riquezas com o objeti- praticados por comerciantes no exercício
vo – ou ao menos a expectativa – de lu- de sua profissão;
cro (CARVALHO DE MENDONÇA, 2000, p. c) “por força ou autoridade da Lei”,
499). aqueles que indiferentemente de have-
Diante dessa construção, JOSÉ XAVIER rem sido praticados por comerciante ou
não, recebem caráter mercantil em razão
18

de determinação legal. Contudo, ainda É o resultado de análises muito superfi-


que por muitas vezes repetidos, não terão ciais e insuficientemente feitas até agora
o condão de atribuir ao agente a qualida- das várias categorias de atos de comércio
de de comerciante. enumeradas na lei” (ROCCO, 2003, p. 198).

Em crítica à teoria de JOSÉ XAVIER CAR- Ademais, ALFREDO ROCCO (2003, p.


VALHO DE MENDONÇA, MÁRCIA MALL- 200) foi incisivo ao defender que seria
MANN LIPPERT (2003, p. 70) manifes- muito natural a forçada declaração de ine-
tou-se no sentido de que, embora tenha xistência de um princípio unitário regula-
representado grande contribuição, sua dor da classificação dos atos de mercan-
proposta caíra no casuísmo pelo fato de cia, uma vez que a doutrina renunciava-se
o autor não ter alcançado a conversão da a priori a fixar esse critério para determi-
intermediação, tanto do conceito geral nar a comercialidade dos atos enumera-
quanto das espécies de atos, nos atos em dos pela Lei.
si que foram por ele utilizados como ilus-
Em outros termos, pode-se dizer que o
trações.
destaque do jurista foi para o fato de que,
Na doutrina estrangeira, outro grande diante daquele posicionamento doutri-
esforço para a delimitação dos atos mer- nário hermético, não existia, nem sequer
cantis foi observado na Itália, com a gran- poderia existir, um conceito unitário de
de repercussão das ideias de ALFREDO comércio. Diante disso, seu trabalho foi
ROCCO (2003). Segundo ele, a partir do no sentido de conceber um juízo em con-
agrupamento dos atos de comércio em trário (RODRIGUES, 2007).
grandes categorias, poderia ser identifi-
cado um conceito unitário, o qual possi-
Ao final, em uma definição sintéti-
bilitaria nova generalização e, assim, sua ca para a proposta elaborada por AL-
aplicação analógica. FREDO ROCCO, pode-se dizer que os
atos de comércio foram divididos em:
A proposta do autor italiano consistia
na elaboração de um conceito científico a) “intrinsecamente mercantis” (ou
para que se pudessem classificar quais- “atos de comércio constitutivos”), aqueles
quer atos, invariavelmente e sem a de- que representam, de um modo “inequívo-
pendência daquele rol previsto no texto co e característico” uma interposição de
legal. Identificou-se, portanto, com o cri- pessoas na troca. Ou seja, seu elemento
tério descritivo, anteriormente referido. comum seria a interposição na efetivação
da troca (afastando-se, inclusive, a neces-
A crítica estabelecida por Rocco à dou- sidade de lucro, o que estenderia o con-
trina dominante à época (2003) foi no ceito a entidades estatais ou outros orga-
sentido de que se movia dentro de um “ci- nismos de interesse da coletividade); e,
clo vicioso”, especialmente diante da ine-
xistência de um conceito único de ato de b) “atos de comércio por conexão” (ou
comércio. No entanto, avançou afirman- “atos acessórios”), aqueles que, mesmo
do que: “esta conclusão pessimista está sem a natureza mercantil, estavam rela-
longe de poder considerar-se definitiva. cionados e facilitavam a interposição na
efetivação da troca. Eram todos aqueles
19

atos que “não tenham uma função carac- Segundo FÁBIO ULHÔA COELHO (2003,
terística, só na medida em que se acham p. 15), ao analisarmos os critérios elabora-
conexos com uma operação de interpo- dos pela doutrina até aquele período (iní-
sição”. Ou seja, relacionavam-se às ativi- cio do século XX) e as posteriores críticas
dades intrinsecamente mercantis e, as- estabelecidas, resta destacada a impreci-
sim sendo, acabavam por também adotar são e demasiada instabilidade do sistema,
esse caráter. o que não obteve sustentação em nosso
ordenamento jurídico.
Dessa classificação bipartite, o objeti-
vo era construir um conceito unitário para Vislumbra-se, portanto, que, apesar
os atos de comércio, que não dependesse dos grandiosos esforços legislativos e
da enumeração legal. Assim, pode-se con- doutrinários para a apuração e definição
cluir, de maneira sucinta, que, para Rocco, dos atos considerados mercantis, não se
eram atos de comércio todos aqueles que conseguiu atingir um critério que condu-
realizam ou facilitam uma interposição na zisse a uma certeza calcada em cientifici-
troca (RODRIGUES, 2007). dade (LIPPERT, 2003, p. 70).

A contribuição do jurista italiano foi Ainda, como derradeira tentativa de


muito valiosa, mas, assim como os esfor- identificação de um critério para a defini-
ços anteriores, também não se mostrou ção dos atos mercantis, surgiu a chamada
suficiente para a identificação de um cri- “teoria da intermediação”. RUBENS RE-
tério verdadeiramente científico que fi- QUIÃO (2003) aufere crédito ao professor
nalmente possibilitasse a desvinculação francês Gaston Lagarde como autor dessa
do texto legal. ideia, destacando o seguinte:

Sobre o tema, RUBENS REQUIÃO (2003, (...) o Prof. Gaston Lagarde indaga
p. 38) destaca que do critério de comercialidade, con-
siderando que o intuito lucrativo é
muito embora tenhamos considera-
necessário, mas insuficiente para
do altamente elucidativa a teoria de
caracterizá-lo. O comerciante, por
Rocco, tem ela a estreiteza, de resto
outro lado, é um intermediário entre
confessada pelo autor, de ter sido
produtor e consumidor, da mesma
elaborada sobre o direito positivo,
forma que o ato de comércio é um
isto é, sobre a enumeração que ofe-
ato de interposição ou de circulação.
recia o código italiano de 1882.
(...) Mas é necessário compreender
Com efeito, GABRIELA WALLAU RODRI- que esta interposição não reveste
GUES (2007) nos lembra que o referido caráter comercial se não for lucra-
código de 1882 foi posteriormente revo- tiva; (...) ‘Dois elementos’, finaliza o
gado pelo Código Civil de 1942, eviden- Prof. Lagarde, ‘– especulação e circu-
ciando a necessidade de apuração de ou- lação – intervêm, portanto, um e ou-
tro critério que identificasse quais os atos tro, na definição do ato de comércio.’
comerciais, bem como os diferenciasse (REQUIÃO, 2003, p. 38).
daqueles de natureza civil.
20

Entretanto, tem-se, ao final, que todos p. 54), jurista italiano, disse que não exis-
esses critérios – modelo subjetivo, teoria te um conceito unitário de empresa, ocor-
dos atos de comércio (modelo objetivo) e rendo uma falta de definição legislativa
da intermediação – sofreram críticas por devido à diversidade das definições de
demonstrarem, cada um em suas particu- empresa. Ele criou a Teoria Poliédrica da
laridades, diversas imprecisões científi- Empresa, afirmando que esta pode ser es-
cas, tornando evidente a necessidade de tudada por vários ângulos. Assim, desta-
elaboração de um novo sistema, menos cou quatros perfis ou ideias baseando-se
dependente das permanentes constru- no sistema adotado pela lei italiana.
ções doutrinárias jurisprudenciais e que,
O primeiro aspecto é o perfil subjetivo,
ao mesmo tempo, pudesse acompanhar
que caracteriza aquele que exerce a em-
as evoluções sociais.
presa, ou seja, o empresário. Este é uma
pessoa física ou jurídica, que exerce em
3.2 A Teoria da Empresa
nome próprio uma atividade econômica
Os atos do comércio foram classifica- organizada, com a finalidade de produzir,
dos de forma enumerativa, na qual se re- de forma profissional, para o mercado e
lacionou as atividades consideradas mer- não para o consumo pessoal. Esse aspec-
cantis pelo Código Napoleônico de 1807, e to foi adotado pelo Código Civil Brasileiro
de forma descritiva, relação que exempli- de 2002 (artigo 966).
ficava essas atividades. Porém, eles não
O segundo é o perfil funcional, no qual
eram determinados claramente, pois se
a empresa surge como uma força em mo-
prendiam as relações da vida civil, sendo
vimento, que é a atividade empresarial di-
difícil de ser caracterizados devidamente.
rigida para uma determinada abrangência
Assim ocorreu uma transição radical. A produtiva. Essa atividade é apta a produ-
Teoria dos Atos do Comércio foi substituí- zir efeitos jurídicos.
da pela Teoria da Empresa, que é mais fácil
O terceiro aspecto é o perfil objetivo ou
de ser conceituada, devido ao enquadra-
patrimonial, sendo a empresa vista como
mento da atividade econômica organiza-
um patrimônio, um estabelecimento em-
da que independe de qualificação comer-
presarial, ou um complexo de bens móveis
cial ou civil.
e imóveis, corpóreos e incorpóreos, utili-
Essa teoria originou-se na legislação zados pelo empresário para exercer sua
italiana de 1942, que fez desaparecer o atividade.
Código Comercial como legislação sepa-
O quarto e o último é o perfil corpora-
rada, unificando o direito obrigacional no
tivo ou institucional, no qual a empresa é
Código Civil (Livro II, “Do direito da Empre-
considerada um resultado da organização
sa”, CC/2002). Não definia a empresa, mas
do pessoal, constituída pelo empresário e
somente o empresário, fazendo com que
por seus colaboradores.
os doutrinadores buscassem um conceito
jurídico. Enquanto na Teoria dos Atos do Comér-
cio, não importava o conceito subjetivo
Alberto Asquini (apud REQUIÃO, 2006,
que determinava a qualidade do comer-
21

ciante, mas o conceito objetivo que visa- ca por ela trazida, a teoria francesa não
va descrever a atividade realizada pelo conseguiu acompanhar a rápida evolução
comerciante, na Teoria da Empresa não se das atividades econômicas, o que a tor-
considerava a atividade do comerciante nou ultrapassada por não mais identificar
que intermediava a produção e consumo, com precisão a matéria comercial. Como
e nem os atos definidos como comerciais, tal teoria não era mais suficiente para
mas a qualidade daquele que exerce a ati- abarcar as inovações do campo mercan-
vidade empresarial. til vivenciadas do século XIX para o XX,
surge, em sua substituição, a teoria da
Na fase objetiva, ocorre uma distinção
empresa – uma fórmula para se definir a
entre os campos civil e comercial que se
comercialidade das relações jurídicas (ME-
dá pela adoção de adjetivos qualificado-
DEIROS, 2011).
res: atos civis e atos comerciais, atividade
civil e atividade comercial, e sociedades A teoria da empresa foi inserida no Có-
civis e sociedades comerciais. digo Civil italiano de 1942 que, diferente-
mente do sistema francês, não dividiu as
Já na subjetiva-moderna, não existe
atividades econômicas em dois grandes
mais a relação dicotômica civil-comercial:
regimes – civil e comercial, passando a
a atividade será empresarial ou não em-
disciplinar os dois num único diploma le-
presarial e as sociedades serão empresa-
gal, uniformizando a legislação do direito
riais ou simples (não empresariais).
privado para por fim à diferença de trata-
Os atos do comércio possuem um con- mento entre eles existente.
ceito francês de comerciante, é um sis-
Conforme Coelho (2007, p. 15), apesar
tema de comercialidade, já o conceito da
dessa teoria ser um modelo mais adequa-
empresa é de origem italiana, é um sis-
do ao capitalismo dominante, não ocorre a
tema de empresarialidade. Neste último,
extinção da diferença de tratamento en-
são estabelecidas regras próprias à ati-
tre as atividades econômicas, ela apenas
vidade definida em lei como empresarial,
muda de foco, saindo do tipo de atividade
e não mais àquele que pratica os atos de
e indo para o nível de importância econô-
comércio com habitualidade e profissio-
mica. Assim, o autor não concorda que ela
nalidade (HENTZ, 2003; NEGRÃO, 2005).
tenha significado a unificação do direito
Ao classificar pessoas físicas ou jurídi- privado, e sim, que ela seja o núcleo de um
cas como comerciantes, a Teoria dos Atos sistema novo de disciplina privada da ati-
do Comércio enfocava a prática habitual vidade econômica.
dos atos reputados como comerciantes
Enquanto a teoria dos atos de comércio
historicamente ou por força da lei. Já a
exclui da abrangência do Direito Comercial
Teoria da Empresa, considera a atividade
atividades de grande importância como
empresária como o exercício profissional
a agricultura e a negociação imobiliária,
de uma atividade econômica, organizada,
que ficavam sob o regime do Direito Ci-
e que produza ou circule bens e serviços.
vil, a teoria italiana deixa fora da jurisdi-
Em síntese, com a Revolução Industrial ção comercial apenas algumas atividades
e a consequente efervescência econômi- de menor expressão econômica, como os
22

profissionais liberais e pequenos comer- Assim, o sistema italiano superou os


ciantes – para essas, é reservada uma dis- defeitos da teoria francesa, ampliou o
ciplina específica (MEDEIROS, 2011). campo de abrangência do Direito Comer-
cial e, a partir de meados do século XX, a
A teoria da empresa elaborada pelos
tendência das legislações de direito priva-
italianos não se preocupa com o gênero
do é a de não mais fazer a divisão dos em-
da atividade econômica. O que importa é
preendimentos em civil ou comercial, com
o desenvolvimento da atividade econô-
regimes de regulação diferenciados, mas
mica mediante a organização de capital,
sim, discipliná-los através de um regime
trabalho, tecnologia e matéria-prima, que
geral que deixa de fora apenas algumas
resulte na criação e na circulação de ri-
atividades com mínima expressão econô-
quezas. Com ela, o Direito Comercial passa
mica (MEDEIROS, 2011).
a ser baseado e delimitado na atividade
econômica organizada para a produção ou
circulação de bens ou de serviços, liber-
tando-se da arbitrária divisão das ativi-
dades econômicas segundo o seu gênero,
como previa a teoria dos atos de comércio.

Para a teoria da empresa, o Direito Co-


mercial não se limita a regular apenas as
relações jurídicas em que ocorra a prática
de um determinado ato definido em lei
como ato de comércio (mercancia). A teo-
ria da empresa faz com que o Direito Co-
mercial não se ocupe apenas com alguns
atos, mas com uma forma específica de
exercer uma atividade econômica: a for-
ma empresarial. Conforme Ramos,

[...] Fica superada, portanto, a difi-


culdade existente na teoria francesa
dos atos de comércio, de enquadrar
certas atividades na disciplina jurí-
dico-comercial [...] Para a teoria da
empresa, qualquer atividade eco-
nômica, desde que exercida profis-
sionalmente e destinada a produzir
ou fazer circular bens ou serviços, é
considerada empresarial e pode sub-
meter-se ao regime jurídico comer-
cial (RAMOS, 2009, p. 43).
23

UNIDADE 4 - Aplicações e características do


direito empresarial
O Direito Comercial regula as relações 4.1 São características mar-
entre pessoas situadas numa posição jurí-
dica equivalente, sempre que essas rela- cantes no e do Direito Em-
ções derivam do comércio; por isso se diz presarial e que o distin-
que é um direito privado especial – porque
guem de outros ramos, em
se afasta das regras gerais do direito co-
mum e estabelece um regime diferencia- especial do direito civil:
do para uma classe específica de relações a) Simplicidade ou informalismo –
jurídicas. propõe adoção de fórmulas simples para
Diz o artigo 3º do Código Comercial que, solução de conflitos, diferentes do Código
se as questões sobre direitos e obriga- Civil, isto em virtude da celeridade nas re-
ções comerciais não puderem ser por ele lações empresariais.
resolvidas, cabe ao direito civil o papel de Ex.: Circulação de títulos de crédito me-
direito subsidiário. diante endosso.
Se a interpretação das normas de Di- b) Internacionalidade ou cosmopoli-
reito Comercial não levanta questões par- tismo – esta regulamentação é feita por
ticulares, a integração das lacunas leva normas de alcance internacional. É cos-
a escolher entre o recurso à analogia e a mopolita por apresentar cunho universal
aplicação do direito subsidiário. e tendência à internacionalização, que se
De acordo com a doutrina dominante, intensifica com a globalização da econo-
o intérprete deverá optar pela segunda mia, portanto, recebendo influência de
hipótese. Assim, para definir o regime de tratados e convenções internacionais. A
uma relação jurídica de direito comercial superação de fronteiras nacionais no de-
haverá que: senvolvimento do comércio, a efetivação
de contratos mercantis com pessoas do-
1º. Verificar se a relação jurídica é ou miciliadas em países diferentes e a cria-
não comercial, objetiva ou subjetivamen- ção de um mercado maior, sem se impor-
te (aplicação das normas delimitadoras); tar com fronteiras, aumenta sua índole
2º. Sendo comercial, aplica-se este ramo de cosmopolita, obrigando, inclusive, a
do direito; em caso de lacuna, recorre-se uniformização de vários diplomas legais.
ao direito privado comum (direito civil). Aliás, essa é a tendência.
(http://direitoeconomia.com/2006/10/ Ex.: Lei Unificada de Genebra, que dis-
direito-comercial-interpretacao-e-inte- põe de letras de câmbio, notas promissó-
gracao/ rias e cheque; Convenção de Varsóvia para
transporte aéreo, Convenção de Bruxelas
para transporte marítimo, leis uniformes
para regulamentar a letra de câmbio, nota
promissória e cheque etc.
24

c) Elasticidade – constante estado de ra tenhamos optado por discorrer sobre os


mudança, adaptando-se à evolução das princípios e fontes do Direito Empresarial
relações de comércio. em outro momento do curso, vale deixar
claro dois princípios, para que percebam
Ex.: Contrato de leasing e franchising.
a importância desse ramo do Direito na
d) Onerosidade – tem o lucro como o nossa sociedade.
fim perseguido pelos empresários, cuja
Advogados e juízes muitas vezes par-
atividade é sempre onerosa. Isto é, uma
tem para a solução de litígios sem a com-
vez que a atividade econômica produz ri-
preensão completa dos conteúdos envol-
queza, o lucro é a retribuição por todo es-
vidos. Esquecem-se de que a função do
forço empreendido na atividade empresa-
direito de empresa não é a de simples-
rial.
mente regular a forma de realização de
e) Individualismo – o lucro está vin- assembleias sociais, ou de determinar os
culado ao interesse individual. Ou seja, há requisitos formais para o arquivamento
uma busca do lucro, do resultado econô- de um documento frente à Junta Comer-
mico. Essa característica ainda está inti- cial. Muito mais importante do que esta
mamente ligada ao empresário. função de regulação da atividade empre-
sarial é a de estímulo ao desenvolvimento
f) Fragmentariedade – não apresen- do empreendedorismo.
ta um sistema jurídico completo, mas um
complexo de normas. Se hoje é evidente que o desenvol-
vimento socioeconômico de uma nação
g) Especialidade – uma vez que regu- depende de um ambiente de geração de
lamenta relações jurídicas da empresa. empregos e de desenvolvimento tecno-
h) Liberalismo – por ter como princí- lógico, parece claro que tais objetivos so-
pios norteadores a liberdade contratual, a mente podem ser alcançados se o estado
livre iniciativa e a livre concorrência. oferecer aos empreendedores um apara-
to normativo que gere condições objeti-
i) Dinamismo – a evolução dessa área vas de viabilidade dos projetos empresa-
do direito segue o ritmo das necessidades riais.
empresariais, suas normas disciplinam os
novos contratos mercantis que vão sur- Dentro desta premissa, colhem-se na
gindo, alteram o regime de falência, insti- mais atual doutrina do direito de empresa
tuem as recuperações de empresas, entre dois princípios, de natureza funcional, que
outros pontos que têm sofrido inovação confirmam a autonomia material deste
nos últimos anos. ramo do direito: o incentivo ao empreen-
dedorismo e a máxima tutela ao crédito.
j) Massificação – em virtude do ad-
vento de dois importantes contratos, o de O primeiro princípio parte de uma ques-
adesão e o contrato-tipo, que vêm acen- tão óbvia, mas que parece de difícil assi-
tuando as operações empresariais de milação por parte de muitos aplicadores
massa. do direito: se o desenvolvimento socioe-
conômico de um país depende inicialmen-
Dadas as características acima e embo-
25

te da geração de empregos e do desen- dico de recuperação de créditos, menor


volvimento tecnológico, é necessário que será o custo geral do crédito oferecido no
o empreendedor não seja tratado como mercado, e mais volumosa será a disponi-
um inimigo da nação, mas sim como um bilização deste crédito.
parceiro necessário em qualquer projeto
No caso brasileiro, a demora e os custos
voltado à melhoria das condições de vida
de acesso ao judiciário, somados a uma
da população de um país.
incompreensão dos preceitos do direi-
No Brasil, muitas vezes, o empreende- to obrigacional e cambiário, geram uma
dor é tratado como um fraudador presu- desnecessária situação de insegurança
mido, responsável por todas as mazelas aos credores, fazendo com que diminua
sociais e também aquele que arca com a oferta geral de crédito e com que seus
altos impostos. Dificuldades são a todo custos se elevem na mesma proporção.
momento lançadas em seu caminho, e
Há dois grandes problemas na aplica-
não removidas. E este quadro de evidente
ção destes princípios. O primeiro é de na-
elevação de riscos e custos gera duas es-
tureza ideológica, o que sempre dificulta
pécies de danos à sociedade: em primei-
as coisas. Muitos aplicadores do direito
ro lugar, não há implantação do potencial
continuam acreditando que o mercado
empreendedorismo, com a consequente
é um inimigo a ser combatido, e não um
redução no nível de atividade econômica;
contexto que devem ser compreendido e
em segundo, há uma elevação natural na
bem regulado. Já o segundo problema de
política de preços, seja para que os mes-
aplicação é de ordem lógica.
mos comportem os custos, seja para que
a margem de ganho compense os riscos Ocorre que o estímulo ao empreende-
pessoais envolvidos. dorismo (que entre outras medidas pas-
sa pela redução de seus riscos pessoais)
O segundo princípio que sempre deve
acarreta a elevação dos riscos impostos
ser considerado pelos aplicadores do di-
aos credores. E o raciocínio inverso tam-
reito empresarial é a máxima tutela ao
bém é possível. Sempre que criamos um
crédito. O acesso ao crédito é fundamen-
instrumento de proteção aos credores,
tal para o desenvolvimento de atividade
elevamos os riscos pessoais dos empre-
empresarial, seja na forma de financia-
endedores, dificultando assim a viabilida-
mento para a instalação ou ampliação
de econômica de seus projetos.
dos estabelecimentos, seja na forma de
obtenção de prazos para pagamento aos Neste contexto, um bom sistema de
fornecedores, fazendo com que o giro das direito empresarial deve buscar um equi-
mercadorias naturalmente incremente o líbrio razoável entre o estímulo ao em-
volume de negócios. preendedorismo e a tutela aos credores
(TOKARS, 2008).
Em ambos os casos, deve-se partir da
premissa simples de que o custo do cré-
dito aumenta na proporção inversa da se-
gurança concedida aos credores. Assim,
quanto mais eficiente for o sistema jurí-
26
UNIDADE 5 - A atividade empresarial, o
estabelecimento e o empresário
5.1 A atividade empresarial tiva, hoje é aquele que exerce atividade
econômica organizada para a produção ou
A atividade empresarial pode ser en- a circulação de bens ou serviços (OLIVEI-
tendida como a articulação para a circula- RA, 2004).
ção dos fatores de produção, capital, mão
de obra, insumo e tecnologia (FORTES, A nova definição de empresário, art.
2003). 966, dispõe que se considera empresário
quem exerce profissionalmente atividade
Sob o ponto de vista econômico, a em- econômica organizada para a produção ou
presa é considerada como uma combi- a circulação de bens ou de serviços, não
nação de fatores produtivos, elementos se qualificando como empresário quem
pessoais e reais, voltados para um resul- exerce profissão intelectual, de natureza
tado econômico, tomando ímpeto na ação científica, literária ou artística, ainda com
organizadora do empresário. É a organiza- o concurso de auxiliares ou colaborado-
ção econômica destinada a produção ou res, salvo se o exercício da profissão cons-
venda de mercadorias ou serviços, tendo tituir elemento de empresa.
em geral como objetivo o lucro. Do ponto
de vista jurídico é uma abstração, uma or- Essa definição de empresário vem em
ganização jurídica. substituição à antiga figura do comercian-
te e para sua compreensão leva-se em
Assim, uma empresa pode ser carac- conta a evolução do comerciante a partir
terizada de diversas modalidades a sa- da função originária e histórica de inter-
ber: empresa aberta (com ações negocia- mediário, para abranger também as ativi-
das em bolsa de valores), fechada, mista dades de produção.
(ações com direito a voto pertencem em
sua maioria ao poder público), estatal A Exposição de Motivos do novo Có-
(controle acionário é detido direta ou indi- digo Civil traz traços do empresário
retamente pelo poder público) e Empresa definidos em três condições:
pública (aquela cujo capital pertence in-
1. Exercício de atividade econômica
teiramente ao poder público).
e, por isso, destinada à criação de rique-
za, pela produção de bens ou de serviços
5.2 O empresário para a circulação, ou pela circulação dos
O Novo Código Civil – Lei nº 10.406/02 bens ou serviços produzidos;
trouxe importante alteração quanto ao
2. Atividade organizada, através da
novo conceito de empresário, que vem
coordenação dos fatores da produção –
substituir o antigo conceito de comercian-
trabalho, natureza e capital – em medida
te, pessoa física ou sociedade mercantil.
e proporções variáveis, conforme a natu-
O comerciante, ora empresário, era visto
reza e objeto da empresa;
como aquele que apenas praticava atos
de intermediação com finalidade lucra- 3. Exercício praticado de modo habi-
27

tual e sistemático, ou seja, profissional- sário, segundo TULLIO ASCARELLI (1962),


mente, o que implica dizer em nome pró- atribuindo tal status a ele, é o exercício da
prio e com ânimo de lucro. atividade. A função do empresário é orga-
nizar e dirigir o negócio, elaborar o plano
A maior novidade do código civil em re-
geral de produção, fixar as quantidades
lação ao código anterior foi a inserção no
e qualidades dos produtos a fabricar em
seu texto da regulamentação das rela-
razão de uma procura prevista, para isso,
ções empresariais (Livro II da Parte Espe-
reúne ele os fatores de produção e os
cial). Esta matéria vinha sendo disciplina-
adapta e controla. Assume o risco geral
da desde o ano de 1850 através do código
da empresa, envolto essencialmente em
comercial, com alterações posteriores.
cálculos do preço de custo e de venda, e,
Pelo novo diploma legal, foram unificadas
sendo o móvel de sua atividade o lucro,
as obrigações civis e comerciais, não exis-
deverá suportar as perdas, ocasionadas
tindo mais a figura do “empresário civil” e
pela má sorte da empresa, ou perceber os
“empresário comercial” ou comerciante.
resultados de sua boa sorte.
Neste contexto, todos estes são conside-
rados empresários ou exercem empresa, No código civil italiano de 1942, te-
obedecendo portanto ao mesmo trata- mos o Artigo 2082, Título II, Seção I, Do
mento jurídico (OLIVEIRA, 2004). empresário: “É empresário quem exerce
profissionalmente uma atividade econô-
O que qualifica o empresário, segundo
mica organizada com o fim de produção
TULLIO ASCARELLI (1962), é uma ativida-
ou de troca de bens e serviços”. Destarte
de econômica, ou seja, a natureza (o exer-
o texto de ALBERTO ASQUINI (1996), pu-
cício) da atividade. Segundo ele, o con-
blicado originariamente na Rivista del Di-
ceito de atividade é entendido como uma
ritto Commerciale, apontou na empresa a
série de atos coordenados, desenvolvidos
figura do empresário, denotando o uso da
no tempo, que visam o mesmo objetivo.
expressão como sinônimo de empresário,
Em se tratando de pessoa física, o que e, por outro lado, também a identificava
caracteriza a atividade é o efetivo cumpri- pelo perfil funcional ou dinâmico.
mento dos atos, quanto às pessoas jurí-
Nessa ótica, GIUSEPPE FERRI (1971
dicas, basta o escopo (intenção) da ativi-
apud OLIVEIRA, 2004) assevera que da
dade, independentemente da realização
noção de empresário fixada pelo Código
ou não do ato. Preleciona também, o res-
se deduz a noção de empresa como ativi-
peitável autor, a questão da atividade
dade organizada e profissional, o que tem
derivada e autônoma, da qual deriva uma
sido bastante, até hoje, para sustentar-se
relação problemática entre empresários
o acerto do código e do comedimento do
e trabalhadores. Estas são resolvidas no
legislador que deixou espaço bastante
mundo moderno por uma série de institu-
para o desenvolvimento da teoria geral da
tos, tais como: a organização sindical dos
empresa na doutrina.
trabalhadores, as contratações coletivas,
direito de greve, etc. JORGE RUBEN FOLENA DE OLIVEIRA
(1999) comenta que com o reconheci-
Assim sendo, o que qualifica o empre-
mento da teoria da empresa, em que se dá
28

prioridade à organização dos fatores de pro- atividade empresarial, que são os impedi-
dução para a criação ou circulação de bens e dos, porém capazes civilmente, por razões
serviços, perdeu sentido a distinção entre circunstanciais como é o caso do falecido
as sociedades comerciais e civis, porque, que não teve declaradas extintas as suas
como esclarece JOSÉ EDWALDO TAVARES obrigações. Outro caso é a do leiloeiro e os
BORBA (1992), “a teoria da empresa pas- serviços públicos, entretanto, se vierem a
saria a informar esse novo critério diferen- praticar atos típicos de empresários res-
ciador”. Deste modo, doravante, quando se ponderão pelas obrigações contraídas. O
verificar na legislação qualquer referência à empresário pode ser pessoa física (empre-
expressão “comerciante” ou “sociedade co- sário individual) ou jurídica (sociedade em-
mercial”, mister far-se-á interpretá-lo como presária); em ambos o casos, são requisitos:
“empresário” ou “sociedade empresarial”.
Profissionalismo – O titular do ne-
Ademais, há de se considerar que hoje, gócio deverá fazê-lo habitualmente, não
algumas atividades empresariais de cunho eventualmente, assumindo o ofício como
eminentemente civil, já se encontram sujei- profissão.
tas ao regime falimentar, como, por exem-
Organização – Deve aparelhar-se a
plo, as já citadas sociedades anônimas,
atividade de forma adequada para o desem-
as empresas de construção (art. 1.º da Lei
penho de sua profissão.
4.068/62), as empresas concessionárias
de serviços aéreos (art. 191 da Lei 7.565/68 Ex.: instalações, atendimentos.
– Código Brasileiro de Aeronáutica) e o in-
corporador imobiliário (art. 43, III, da Lei
Atividade econômica – São aquelas
que incorporam a produção de bens da mes-
4.591/64).
ma forma que os prestadores de serviços
Enfim, com o advento do novo Código Ci- gerais.
vil, confirmou-se a teoria introduzindo no
ordenamento as definições de empresas e
Produção – A fabricação de merca-
dorias ou a prestação de serviços.
empresários.

Art. 966 - O empresário é considera- Circulação – A intermediação de


mercadorias ou de serviços. As implicações
do como “quem exerce profissionalmente
práticas, advindas desse conceito, poderão
atividade econômica organizada para pro-
presenciar a sujeição à falência e recupe-
dução ou circulação de bens ou serviços”.
ração judicial, como também poderão fazer
Capacidade - O art. 972 do CC, atin- provas com seus livros comerciais, etc.
ge o exercício da atividade de empresário
àqueles que não estiverem em pleno gozo 5.3 O estabelecimento em-
da capacidade civil, ou forem impedidos. presarial
O art. 5° do CC estipula 18 anos, no entan-
to, havendo possibilidade do menor poder O Estabelecimento Empresarial é o ins-
atingi-Ia antes mesmo do tempo (casamen- trumento de que se utiliza o empresário
to, emprego público e federal e outros). Há para exercer suas atividades. Na teoria da
outra possibilidade de impedimento para empresa, ele se diferencia tanto do empre-
29

sário como da própria empresa. Corres- estabelecimento, acham-se naturalmen-


ponde ao negotium dos romanos; fonds te ligados num único organismo econô-
de commerce na França e Bélgica; azienda mico; mas desta unidade econômica do
na Itália; geschaft dos Alemães; o goo- estabelecimento não se pode concluir a
dwill of a trade dos ingleses e americanos sua unidade, a sua autonomia jurídica,
(OLIVEIRA, 2004). pois que não é possível a existência de um
instituto jurídico sem uma lei que o reco-
Devemos partir do estudo de CESARE
nheça.
VIVANTE (s.d. apud OLIVEIRA, 2004), so-
bre o caráter jurídico do estabelecimento Assim podemos considerar o estabele-
onde o estabelecimento comercial (em- cimento empresarial como um conjunto
presarial) constitui um organismo eco- de bens corpóreos e incorpóreos, consis-
nômico determinado principalmente pela tente numa universalidade de fato, des-
função técnica, que pode ser comercial ou tinado a servir uma clientela, com intuito
industrial, terrestre ou marítima, e toma de lucro. São coisas corpóreas as coisas
designações diversas segundo o objeto que têm uma existência física, por forma
do seu exercício: é uma loja, uma oficina, a caírem debaixo do domínio dos sentidos.
um banco, uma agência. São, pelo contrário, incorpóreas as coisas
que só se podem conceber mentalmente,
A grande variedade de bens, que com-
graças a um processo lógico de abstração.
põem o estabelecimento, podem reunir-
-se em dois grupos, o ativo e o passivo. As coisas móveis corpóreas, quan-
do constituem objeto de comércio, cha-
Fazem parte do ativo:
mam-se geralmente mercadorias. É este
a) as coisas corpóreas, como os produ- o sentido mais amplo em que é tomada a
tos da indústria, as máquinas, etc.; expressão mercadoria. Em sentido mais
restrito, porém, chamam-se em geral
b) os direitos e, entre eles, principal- mercadorias os produtos manufaturados
mente, o uso exclusivo das firmas, das
ou brutos que se destinam à alimentação,
marcas de fábrica, dos privilégios indus-
reservando-se para os destinados a esta
triais, das denominações comerciais, os
expressão gêneros (derrate).
direitos de autor;
As coisas incorpóreas são as coisas que
c) os fornecimentos, isto é, a esperan- têm uma existência puramente jurídica,
ça de lucros futuros, fundada nos dois
como os direitos, aquelas que também
grupos de coisas e de direitos preceden-
existem fora do direito mas que são pura-
tes e especialmente sobre o sortimento
mente intelectuais, que só existem como
das mercadorias, sobre o nome, sobre a
conceitos ou como categorias abstratas.
denominação, sobre a situação local, que
Assim, por exemplo, os sinais distintivos,
serve de reclamo aos antigos e aos novos
considerados não nas suas manifestações
clientes.
concretas, mas abstratamente.
Constituem o passivo: as dívidas que
Todas as coisas corpóreas ou incorpó-
têm uma natureza comercial. Todos estes
reas podem ser objeto de relações de di-
bens, que concorrem para a formação do
30

reito. Há, porém, no campo do direito co- resulta da reunião de todos os bens, sejam
mercial algumas coisas incorpóreas assaz eles de natureza material ou imaterial que
características, como são os sinais distin- serão reunidos, organizados e explorados
tivos: a firma, o nome comercial e indus- pelos empresários no desenvolvimento
trial e as marcas. de sua atividade econômica específica. A
composição de bens do estabelecimento
Compõe-se de bens materiais, coisas
empresarial ganha do direito comercial
corpóreas, como móveis e imóveis e de
proteção específica, como dito e exempli-
bens imateriais, coisas incorpóreas, como
ficado acima.
direitos de propriedade industrial (mar-
cas, patentes, sinais), as prestações de- Embora composto por bens de nature-
correntes dos direitos obrigacionais (ser- za corpórea e incorpórea, o direito comer-
viços, aviamentos), etc. Por aviamento cial tutela apenas os incorpóreos, uma vez
entende-se a perspectiva de lucros futu- que os corpóreos já recebem dos direitos
ros, clientela, o ponto. civil e penal tutela jurídica independente-
mente de pertencerem ou não a estabele-
Portanto, o estabelecimento empresa-
cimento empresarial.
rial é composto por um conjunto de bens
heterogêneos, de natureza material e Outro aspecto importante do estabe-
imaterial. Os bens materiais correspon- lecimento empresarial resulta da criação
dem às coisas corpóreas, que podem ser do aviamento que advém do sobrevalor
objeto de domínio, tais como as mercado- alcançado com a organização eficiente
rias, a mobília, os utensílios, os veículos, dos bens que compõem o estabelecimen-
as máquinas, as instalações, etc. Os bens to. Em outras palavras, o conjunto de bens
imateriais são aqueles que não ocupam que forma o estabelecimento empresarial
espaço no mundo físico, tendo existência poderá resultar, quando a atividade eco-
ideal. São, principalmente, as criações in- nômica gerar resultados positivos em va-
telectuais, as prestações decorrentes de lor além do de seus bens individualmente
direitos obrigacionais, as marcas, o título considerados.
de estabelecimento, a insígnia, os privilé-
Tal repercussão se dá, por exemplo,
gios industriais, os sinais e expressões de
na avaliação ou na alienação da empre-
propaganda e o ponto comercial (OLIVEI-
sa, quando o valor de mercado for maior
RA, 2004).
ou menor do que os bens individualmen-
O desenvolvimento de qualquer ativi- te considerados de acordo com o sucesso
dade empresarial demanda a organização ou não que vem suportando a empresa no
e a exploração de uma série de fatores de mercado do qual participa. O aviamento
produção, entre os quais os bens de capi- também recebe o nome de goodwill of a
tal, que resultam do investimento finan- trade (NEVES; LOYOLA, 2011).
ceiro dos que empreenderam a atividade
econômica e dela pretendem resultados
lucrativos (DEL MASSO, 2010) Não se concebe a existência de empre-
sário, seja pessoa física ou moral, sem o
Assim, o estabelecimento empresarial
estabelecimento empresarial. À capacida-
31

de para obtenção de lucros, a sua aptidão provar ser empresário.


de reunir os fatores de produção para re-
Preenchidos estes requisitos, terá o
alização do resultado pretendido, dá-se o
empresário condição de pleitear a reno-
nome de aviamento. Ao estabelecimento
vação compulsória da locação, indepen-
principal dá-se o nome de matriz e aos de-
dentemente da vontade do locador, se
mais filiais, sucursais ou agências.
propuser a chamada ação renovatória no
Como um complexo de bens, o esta- intervalo de tempo de um ano no máximo
belecimento empresarial é formado por e seis meses no mínimo anteriores ao tér-
elementos “materiais e imateriais”, os mino do contrato em vigor.
primeiros são todos os bens tangíveis
Com a petição inicial, o locatário deverá
(mobiliários, maquinários, utensílios, es-
fazer sua proposta relativa ao valor para
toque) e os imateriais são aqueles bens
o aluguel, que vigorará na renovação. O
de propriedade do empresário que não
locador pode concordar com ela ou não,
são suscetíveis de apropriação física e
dizendo que o locatário não cumpre os re-
que são feitos da inteligência ou conhe-
quisitos do art. 51, da Lei nº 8.245/1991.
cimento humano, como é o caso dos bens
integrantes da propriedade industrial (pa- Caberá indenização ao locatário para
tente, invenção, modelo de utilidade, de- ressarcimento dos prejuízos advindos da
senhos industriais e a marca), o segredo rescisão da locação e a transferência de
industrial, o nome empresarial e o ponto seu ponto (sempre que a renovação não
(local onde o empresário está localizado) ocorrer em razão de proposta de terceiro
(NEVES; LOYOLA, 2011). mais vantajosa)

Como proteção ao estabelecimento O locatário também terá direito à inde-


comercial imaterial “o ponto”, lugar nização se, no prazo de três meses con-
onde o empresário é conhecido por tados da entrega do imóvel, não for dado
suas atividades, o legislador cria de- motivo alegado (uso próprio) a ele (NE-
terminadas normas que têm por ob- VES; LOYOLA, 2011).
jetivo proteger aqueles empresários É comum que o estabelecimento em-
localizados em imóveis alheios me- presarial seja identificado como sede, ma-
diante locação. A Lei nº 8.245/1991 triz, agência, filial, sucursal, entre outros,
estabelece ao inquilino duas garan- o que não é incorreto, mas deve-se pon-
tias: derar que o estabelecimento empresarial
é sempre o todo; que pode estar descon-
a) possibilidade de renovação compul-
centrado em outros estabelecimentos,
sória, mediante o preenchimento dos re-
ou, o que é mais correto, pode estar dividi-
quisitos do art. 51;
do. Ou seja, quando se fala em uma agên-
b) indenização por perda do ponto no cia de instituição financeira, refere-se
caso de não renovação (art. 52, § 3º). apenas a uma parte do estabelecimento
empresarial que recebe tal nomenclatura
O art. 51 do CC - contrato por escrito,
de acordo com a sua divisão administrati-
prazo determinado, no mínimo por 5 anos,
va interna.
32

Desejando-se conhecer o que caracte- cos.


riza uma filial, sucursal, matriz, agência ou
A primeira preocupação advém da si-
sede, deve-se observar a divisão adminis-
tuação financeira do alienante, ou seja,
trativa sob a qual se submete determina-
quanto deve ou tem de obrigações assu-
da empresa, uma vez que tais nomencla-
midas a empresa a ser adquirida, mas ou-
turas são utilizadas, mesmo na legislação,
tras também são importantes como saber
sem significado técnico que não lhe atri-
a situação judicial da empresa, a situação
buem nenhum significado específico, tan-
do cumprimento das obrigações fiscais,
to é assim que a Lei nº 11.101/2005 (recu-
trabalhistas e perante a seguridade so-
peração de empresas e falência), ao tratar
cial. O procedimento geralmente utilizado
em seu art. 3º do foro competente para as
é a realização de uma diligência promovi-
ações de recuperação judicial e falência,
da pelo pretendente comprador intitulada
estipula competente o foro do principal
no meio negocial de due diligence.
estabelecimento e não como muitas ve-
zes se imagina o da sede ou matriz. O Código Civil atribui os seguintes efei-
tos e obrigações sobre a alienação do es-
Por fim, não se pode esquecer que o
tabelecimento empresarial:
conjunto de bens organizados e geridos
pelo empresário individual ou pelos ad- só produzirá efeitos, quanto a ter-
ministradores de sociedades empresárias ceiros depois de averbado à margem da
compõe o patrimônio da empresa e, por- inscrição do empresário, ou da sociedade
tanto, em regra, funciona como garantia empresária, no Registro Público de Em-
formalizada ou não aos credores da em- presas Mercantis, e publicado na impren-
presa. sa oficial (art. 1.144);

Alienação do estabelecimento se ao alienante não restarem bens


suficientes para pagar todas as suas dí-
Alienação significa qualquer forma
vidas, a eficácia da alienação depende do
de se desfazer do estabelecimento em-
pagamento de todos os credores, ou do
presarial, o que regularmente ocorre por
consentimento destes (art. 1.145);
venda ou doação. Como o estabelecimen-
to e os bens que o compõem representam o adquirente responde pelo paga-
a garantia dos credores em caso de des- mento dos débitos anteriores à transfe-
cumprimento de obrigações, os negócios rência, desde que regularmente contabili-
jurídicos que envolvem a sua transferên- zados, continuando o devedor (vendedor)
cia são cercados de uma série de cautelas solidariamente obrigado pelo prazo de um
para não comprometer a sua validade. ano (art. 1.146);

A alienação geralmente é instrumen- o alienante do estabelecimento


talizada pelo contrato de trespasse, em- não poderá fazer concorrência ao adqui-
bora a simples modificação, no caso das rente, nos cinco anos subsequentes à
sociedades empresárias, dos quotistas ou transferência, salvo disposição contratual
do poder de controle nas sociedades por distinta (art. 1.147);
ações produza os mesmos efeitos jurídi-
a transferência importa a sub-roga-
33

ção do adquirente nos contratos, se não nha o direito à renovação compulsória do


tiverem caráter pessoal, salvo se por dis- contrato quando cumulativamente:
posição contrária no contrato (art. 1.148);
a) o contrato a renovar tenha sido ce-
a cessão dos créditos referentes lebrado por escrito e com prazo determi-
ao estabelecimento transferido produzi- nado;
rá efeito em relação aos respectivos de-
b) o prazo mínimo do contrato a reno-
vedores, desde o momento da publicação
var ou a soma dos prazos ininterruptos
da transferência, mas o devedor ficará
dos contratos escritos seja de cinco anos;
exonerado se de boa-fé pagar ao cedente
(art. 1.149) c) o locatário esteja explorando seu co-
mércio, no mesmo ramo, pelo prazo míni-
Locação comercial
mo e ininterrupto de três anos.
A maioria dos empresários que se aven-
O direito de inerência ao ponto comer-
turam a desenvolver atividades econômi-
cial não decorre apenas da natureza da lo-
cas necessita de um imóvel para vender,
cação, ou seja, não basta que o imóvel seja
fabricar, apresentar, negociar, renegociar,
locado para a exploração de atividade em-
acolher seus funcionários, entre outros
presarial, mas sim os requisitos descritos
atos da sua vida empresarial. Sendo que
no dispositivo legal acima mencionado.
dificilmente grande parte dos empresá-
rios comprará um imóvel, buscará, então, Exceção de retomada
algo ideal para ser locado. O problema
São chamadas de exceções de retoma-
que decorre do contrato de locação é que
da as defesas que podem ser opostas pelo
o locador, tanto nos contratos por prazo
locador para retomar o seu imóvel mesmo
determinados quanto indeterminados,
em caso de possuir o locatário o direito de
poderá requerer o imóvel de volta, o que
inerência ao ponto comercial. Estão pre-
implicará sérios prejuízos para o empresá-
vistas na Lei nº 8.245/91 e são as seguin-
rio que, na maioria das vezes, possui o seu
tes:
“ponto comercial” como um dos elemen-
tos principais do seu sucesso. Proposta de terceiro em melhores
condições (art. 72, III). Nesse caso o loca-
A negociação do contrato de locação
dor deverá juntar documento que com-
é de capital importância para o empresá-
prove a proposta subscrita pelo terceiro
rio que não vai explorar o seu negócio em
e por duas testemunhas. Outra condição
imóvel próprio, pois ao término do prazo
é que a atividade a ser desenvolvida pelo
contratual poderá ter de devolver o imó-
terceiro não pode ser a mesma desenvol-
vel, comprometendo, assim, boa parte do
vida pelo locatário;
investimento realizado no empreendi-
mento econômico. Determinação do poder público
(art. 52, I). O que ocorre quando o poder
Requisitos
público determina a realização de obras
Nos termos do art. 51 da Lei nº 8.245/91, que importem na sua radical transforma-
são requisitos para que o locatário obte- ção;
34

Realização de obras para modificar a) firma – quando constituída por seu


o imóvel de forma a lhe aumentar o valor nome, completo ou abreviado, sendo fa-
do negócio ou da propriedade (art. 52, I); cultativo o acréscimo de designação mais
precisa da sua pessoa ou do gênero de ati-
Uso próprio (art. 52, II);
vidade;
Transferência de fundo de comér-
b) denominação – quando corresponde
cio existente há mais de um ano, sendo
a qualquer expressão linguística que não
detentor da maioria do capital o locador,
necessariamente seja o nome dos seus
seu cônjuge, ascendente ou descendente
sócios.
(art. 52, II).
São ainda pertinentes as seguintes dis-
Ação renovatória
posições sobre o nome comercial:
Para que se promova a renovação com-
 a sociedade em conta de participa-
pulsória, o locatário deverá observar na
ção não pode ter firma ou denominação
petição inicial os seguintes requisitos nos
(art. 1.162). Portanto, esta sociedade não
termos do art. 71 da Lei nº 8.245/91:
possui nome comercial, uma vez que os
prova do preenchimento dos requi- atos são praticados única e exclusivamen-
sitos legais de configuração do direito de te em nome do sócio ostensivo;
inerência ao ponto comercial;
 o nome do empresário deve distin-
prova do cumprimento das obriga- guir-se de qualquer outro já inscrito no
ções fixadas no contrato; mesmo registro (art. 1.163). Ou seja, na
circunscrição da Junta Comercial, outro
prova da quitação de taxas e im-
comerciante não poderá ser inscrito com
postos, se incumbiam ao locatário;
nome semelhante ou idêntico que seja su-
indicação das condições do contra- ficiente para causar confusão;
to a ser firmado; e,
 o nome comercial não pode ser ob-
indicação do fiador e a prova de sua jeto de alienação (art. 1.164).
idoneidade.
Por fim, não se deve confundir o nome
O não exercício da ação renovatória no com a marca, pois o primeiro identifica o
prazo concedido pela lei, qual seja, os pri- empresário ou a sociedade empresária e o
meiros seis meses do último ano de con- segundo identifica o produto ou serviço.
trato (art. 51, § 5º), fará caducar o direito
Título de estabelecimento
de inerência ao ponto comercial do locatá-
rio. O título de estabelecimento funciona
como elemento que identifica o estabele-
Nome comercial cimento empresarial, ou seja, não identi-
O nome comercial identifica o empresá- fica o produto ou o serviço, nem o empre-
rio ou a sociedade empresária e pode ser sário ou sociedade empresária, mas sim o
de duas espécies distintas: local ou um dos locais onde o empresário
desenvolve a sua atividade.
35

O consumidor costuma identificar a 5.4 A boa imagem dos diri-


empresa pelo título de estabelecimento,
ou seja, todas as desconcentrações do gentes – o elemento pessoal
estabelecimento empresarial, como, por O art. 44 do CC expõe que somente são
exemplo, filiais, sucursais, agências, ma- consideradas pessoas jurídicas de direito
triz, sede, etc. Ou melhor o local no qual privado as associações, as sociedades, as
essas partes do estabelecimento se alo- fundações, as organizações religiosas e
jam, daí a identificação mais frequente do os partidos políticos, sem fazer menção
que se conhece comumente como “loja”. ao estabelecimento comercial.
Não é correto afirmar, embora de forma
técnica seja em certo ponto contestável, O art. 1.142 do CC traz uma definição de
mas didaticamente eficiente que o títu- estabelecimentos: “Considera-se estabe-
lo do estabelecimento corresponde ao lecimento todo complexo de bens organi-
“nome da loja”. zado, para exercício da empresa, por em-
presário, ou sociedade empresária”.
O título de estabelecimento não re-
cebe uma proteção autônoma no direito Doutrinariamente está estabelecido
empresarial, mas pode ser protegido em que se trata de uma universidade de bens
razão de uma possível prática de desleal- que passa a ser uma universalidade de di-
dade competitiva, se dentro de uma mes- reito.
ma área de exploração empresarial um O aviamento se distingue em duas for-
empresário utiliza o título de estabeleci- mas: objetivo (lucro) e subjetivo (ligado
mento do outro para se aproveitar princi- à pessoa que está à frente da empresa
palmente de sua clientela. e que empresta a ela prestígio e fama).
O nome da empresa corresponde ao A clientela é o resultado do aviamento,
seu estabelecimento virtual, portanto, o sendo assim um dos seus fatores. Tanto a
domínio representa o título de estabeleci- clientela quanto o aviamento, por não se-
mento virtual da empresa. Por fim, pode- rem bens, não estão sujeitos a uma prote-
mos estabelecer os seguintes elementos ção direta como ocorre com o patrimônio
que identifica ao título da empresa: material e imaterial.

Nome empresarial – que identifica 5.5 Noção de propriedade


o empresário individual ou a sociedade
empresária;
intelectual
O direito de propriedade foi garantido
Marca – que identifica o produto ou
constitucionalmente tanto sobre bens de
o serviço;
natureza material quanto sobre os bens
Título de estabelecimento real imateriais. Como normalmente o domínio
e virtual – que identifica o local onde é é exercido sobre bens corpóreos que são
explorada a atividade empresarial, cor- apropriados por uma das diversas formas
responde tanto ao estabelecimento real possíveis, o domínio sobre bens incorpó-
quanto ao estabelecimento virtual (web- reos resulta de um ato de criação humana.
site). Daí a nomenclatura utilizada, pois se for
36

levada em consideração a natureza corpó- modelos de utilidade;


rea do bem pode ser chamada de proprie-
desenhos industriais;
dade imaterial, uma vez que o bem não
possui consistência física, enquanto se le- marcas;
var em consideração a natureza do ato de
indicações geográficas; e,
criação deve ser chamada de intelectual,
nos dois casos trabalha-se com a mesma lealdade competitiva.
dimensão do direito de propriedade (DEL
MASSO, 2010). As invenções e os modelos de utilidade
são patenteáveis, os desenhos industriais,
A criação intelectual proporciona ao as marcas e as indicações geográficas são
empresário bens de grande relevância registráveis e a lealdade competitiva é
para a garantia do sucesso da atividade tutelada, sobretudo pela previsão de con-
desenvolvida. Sabe-se que o sucesso do dutas que configuram infrações penais de
negócio, na maioria das vezes, decorre de concorrência desleal.
uma afamada marca ou de uma tecnologia
criada e que agregada ao produto produ- As invenções resultam de atos criati-
zido afasta os outros concorrentes em ra- vos pelos quais se inova o estado de de-
zão da qualidade e utilidade acopladas nas terminada técnica existente até então. O
mercadorias. legislador não definiu o que seja inven-
ção, embora tenha tratado da sua prote-
Os direitos de propriedade intelectual ção. Entretanto, não é qualquer inovação
são divididos em direitos de autor e direi- ao estado da técnica que garantirá ao
tos de propriedade industrial, sendo estes criador o direito de propriedade sobre a
últimos mais importantes para a atividade criação, para tanto, deverá demonstrar
empresarial. que se trata de criação nova, ou seja, uma
inovação que o mundo tecnológico ainda
Os direitos de autor, regulados no Bra-
não conhecia, pois ela não existia, além
sil pela Lei nº 9.610/98, protegem os di-
de agregar atividade intelectual do seu
reitos de natureza preponderantemente
criador, ter aplicação industrial e também
artística enumerados na lei, enquanto a
não pode estar compreendida nos casos
propriedade industrial regulada pela Lei
expressos na lei, nos quais não se admite
nº 9.279/96 contempla a proteção das
o patenteamento (arts. 10 e 18 da Lei nº
patentes de invenção e modelo de utilida-
9.279/96).
de, dos desenhos industriais, das marcas
e das indicações geográficas, além de tu- O objeto de uso prático que tenha apli-
telar o concorrente em relação às práticas cação industrial e que decorra de nova
de deslealdade competitiva. forma ou disposição, envolvendo ato in-
ventivo, que resulte em melhoria funcio-
Bens da propriedade industrial
nal no seu uso ou em sua fabricação, nos
A tutela jurídica concedida pela Lei nº termos do art. 9º da Lei nº 9.279/96, pode
9.279/96 visa proteger os seguintes bens: ser patenteado como modelo de utilidade.

invenções; O modelo de utilidade depende da con-


37

cessão de patente para a atribuição do aplicação industrial – quando pos-


direito de propriedade ao seu titular. A sam ser utilizados ou produzidos em qual-
diferença com as patentes de invenção quer tipo de indústria (art. 15);
decorre do prazo de concessão de uso ex-
desimpedimento legal – uma vez
clusivo que é de 15 anos, não de 20 anos
que os arts. 10 e 18 da Lei nº 9.279/96 es-
(DEL MASSO, 2010).
tipulam que não se consideram invenção
A melhor maneira de compreender os nem modelo de utilidade (art. 10) e não
modelos de utilidade consiste na atribui- podem ser patenteáveis (art. 18):
ção de sua principal característica, qual
- descobertas, teorias científicas e mé-
seja, a de aperfeiçoamento de algo que
todos matemáticos;
já existia. Assim, a propriedade indus-
trial tutela as invenções que resultam de - concepções puramente abstratas;
atividade criativa que trazem uma nova
- esquemas, planos, princípios ou mé-
concepção de algo que ainda não existia e
todos comerciais, contábeis, financeiros,
dos modelos de utilidade que melhoram o
educativos, publicitários, de sorteio e de
aproveitamento de bens já criados.
fiscalização;
A patente pode ter duas conotações
- as obras literárias, artísticas, arquite-
distintas, em primeiro plano corresponde
tônicas e científicas ou de qualquer cria-
ao documento emitido pelo Instituto Na-
ção estética;
cional de Propriedade Industrial- INPI, que
constitui o direito de propriedade sobre as - programas de computador em si;
invenções ou modelos de utilidade e, em
um segundo plano, como o procedimento - apresentação de informações;
administrativo para a obtenção de tal cer- - regras de jogo;
tificado de propriedade. Uma vez concedi-
da a patente, o seu titular terá a faculdade - técnicas e métodos operatórios ou
de exercer de forma exclusiva os direitos cirúrgicos, bem como métodos terapêu-
de propriedade sobre a criação, seja in- ticos ou de diagnóstico, para aplicação no
dustrializando pessoalmente ou cedendo corpo humano ou animal;
ou licenciando a terceiros. - o todo ou parte de seres vivos natu-
Nem todas as invenções e modelos de rais e materiais biológicos encontrados
utilidade são patenteáveis. Portanto, são na natureza, ou ainda que dela isolados,
requisitos de patenteabilidade, segundo inclusive o genoma ou germoplasma de
a Lei nº 9.279/96: qualquer ser vivo natural e de processos
biológicos naturais;
novidade – quando não compreen-
dido no estado da técnica (art. 11); - o que for contrário à moral, aos bons
costumes e à segurança, à ordem e à saú-
atividade inventiva – sempre que, de pública;
para um técnico no assunto, não decorra
de maneira evidente ou óbvia ao estado - as substâncias, matérias, misturas,
da técnica (art. 13); elementos ou produtos de qualquer es-
38

pécie, bem como a modificação de suas ma plástica ornamental de um objeto ou o


propriedades físico-químicas e os respec- conjunto ornamental de linhas e cores que
tivos processos de obtenção ou modifica- possa ser aplicado a um produto, propor-
ção, quando resultantes de transforma- cionando resultado visual novo e original
ção do núcleo atômico todo ou parte dos na sua configuração externa e que possa
seres vivos, exceto os micro-organismos servir de tipo de fabricação industrial.
transgênicos que atendam aos requisi-
A importância do design na comercia-
tos de patenteabilidade e que não sejam
lização de produtos é resultado de um
mera descoberta.
trabalho estético de sugestão às pessoas
O pedido de patente seguirá, em regra, muito bem-sucedido, que retirou a preo-
os seguintes atos administrativos peran- cupação apenas com a qualidade do pro-
te o Instituto Nacional de Propriedade In- duto, mas, sobretudo, uma preocupação
dustrial: com a sua forma plástica ornamental.

depósito do pedido; A influência é tão grande que boa parte


dos consumidores sente-se pressionada a
publicação do pedido;
adquirir o produto com o seu novo design
exame do pedido; ou continuar no atraso demonstrado pela
obsolescência estética do seu produto.
concessão ou não do pedido.
O registro de desenho industrial garan-
Por fim, a patente será extinta por um
tirá a exploração exclusiva pelo período de
dos seguintes motivos previstos no art.
dez anos, contados da data do depósito,
78:
mas pode-se realizar até três pedidos de
pela expiração do prazo de vigên- prorrogação cada um deles por mais cinco
cia; anos, ou seja, o proprietário de desenho
industrial poderá ter uma proteção de até
pela renúncia de seu titular, ressal- 25 anos se aproveitar todas as possibili-
vado o direito de terceiros; dades de prorrogação (DEL MASSO, 2010).
pela caducidade; O desenho industrial não se confunde
pela falta de pagamento da retri- com o modelo de utilidade, pois no primei-
buição anual; ro a modificação limita-se ao padrão esté-
tico do bem, enquanto o segundo resulta
pela inobservância da obrigação de em melhora da utilidade do bem.
constituição de procurador domiciliado no
país com poderes de representação quan- As marcas são sinais distintivos visuais
do o titular da patente for pessoa domici- que servem para identificar os produtos
liada no exterior. ou os serviços de determinado empre-
sário. Atualmente, um dos bens mais va-
As patentes não admitem prorrogação liosos que compõem o estabelecimento
do prazo de concessão da exclusividade. comercial são as marcas, o que se deve,
O desenho industrial é definido no art. principalmente, por sua função publicitá-
95 da Lei nº 9.279/96 como sendo a for- ria. Elas são classificadas em (art. 123 da
39

Lei nº 9.279/96): família ou patronímico e imagem de ter-


ceiros, salvo com o consentimento do ti-
a) marcas de produto ou serviço – quan-
tular, herdeiros ou sucessores;
do o objetivo é distinguir o produto ou o
serviço de outros concorrentes; - termo técnico usado na indústria, na
ciência e na arte, que tenha relação com o
b) marca de certificação – que atesta
produto ou serviço a distinguir indicações
a qualidade de determinado produto ou
geográficas.
serviço nos termos de normas que prede-
terminam especificações; A indicação do nome do lugar de onde
determinado produto foi extraído ou pro-
c) marca coletiva – quando usada para
duzido é levado em consideração para o
identificar produtos ou serviços provin-
consumo, quando tal lugar passa a ser
dos de membros de uma determinada ati-
reconhecido pela excelência de seus pro-
vidade.
dutos. As indicações geográficas podem
O registro de marca, uma vez realizado, ser protegidas como indicações de pro-
garante ao titular o direito de exploração cedência, quando o nome geográfico de
exclusiva pelo prazo de dez anos, conta- país, cidade, região ou localidade de seu
dos da data de concessão do registro e território se torna conhecido como centro
pode ser prorrogado por períodos iguais e de extração, produção ou fabricação de
sucessivos. determinado produto ou de prestação de
serviços, ou como denominação de origem
As marcas para ser registradas devem
quando o nome geográfico de país, cida-
cumprir os seguintes requisitos:
de, região ou localidade de seu território
novidade relativa; designe produto ou serviço, cujas qualida-
des ou características se devam exclusiva
não colidência com marca notória ou essencialmente ao meio geográfico,
ou de alto renome; incluídos fatores naturais e humanos.
desimpedimento legal – são os ca- A utilização da indicação geográfica so-
sos previstos nos incisos do art. 124 da lei, mente poderá ser realizada aos produto-
que, entre outros, impede o registro como res e prestadores de serviços estabeleci-
marca dos seguintes signos: dos no local e, no caso das denominações
- letra, algarismo e data, isoladamen- de origem com a comprovação de qualida-
te, salvo quando revestidos de suficiente de.
forma distintiva; Os atos praticados por agentes eco-
- sinal ou expressão empregada apenas nômicos que concorrem em um mesmo
como meio de propaganda; mercado e que desrespeitem patentes de
invenção ou de modelo de utilidade, re-
- cores e suas denominações, salvo se gistros de marcas, desenhos industriais e
dispostas ou combinadas de modo pecu- indicações geográficas caracterizam con-
liar e distintivo; duta desleal do concorrente (DEL MASSO,
- nome civil ou sua assinatura, nome de 2010).
40

A proteção da concorrência acusa duas utilidade a empregado de concorrente,


formas de ilicitudes a saber: as práticas de para que o empregado, faltando ao dever
abuso do poder econômico e as práticas do emprego, lhe proporcione vantagem.
de deslealdade competitiva.
O compartilhamento de tecnologia en-
No primeiro caso, a necessidade da tu- tre as empresas é objeto das mais varia-
tela se dá em razão da proteção das es- das formas de transferência de tecnologia
truturas competitivas de mercado contra que pode ser negociado por uma série de
o domínio de mercado, a eliminação da contratos intitulados de forma geral como
concorrência e o aumento arbitrário de contratos de transferência de tecnologia.
lucros. O controle dos atos de abuso de
Com relação aos contratos referentes
poder econômico é realizado de forma
aos bens tutelados pela propriedade inte-
preventiva, principalmente quando se
lectual, são comuns dois tipos:
trata de abalo nas estruturas competiti-
vas de mercado, e de forma punitiva nos 1. contrato de cessão de direitos – no
casos de prática de condutas anticoncor- qual são transferidos do cedente ao ces-
renciais. No segundo caso, a tutela jurídi- sionário os direitos de exploração eco-
ca abarca as práticas leais de competição nômica da criação (para efeitos didáticos
que devem ser observadas pelos concor- nada mais é do que a compra e venda de
rentes no desenvolvimento de qualquer bens imateriais);
atividade empresarial.
2. contrato de licença de permissão
O art. 195 da Lei nº 9.279/96 descre- de uso – no qual se pactua a possibilidade
ve as condutas que tipificam os crimes de de exploração pelo licenciado da tecnolo-
concorrência desleal, como, por exemplo, gia criada mediante a retribuição pecuniá-
quem: ria fixada no contrato (royalties).
publica, por qualquer meio, falsa Outros contratos ainda podem ser en-
afirmação, em detrimento de concorren- quadrados como contratos de transferên-
te, com o fim de obter vantagem; cia de tecnologia, como, por exemplo, os
contratos de transferência de know-how,
emprega meio fraudulento, para
os contratos de franquia empresarial, en-
desviar, em proveito próprio ou alheio,
tre outros.
clientela de alguém;

usa, indevidamente, nome comer-


cial, título de estabelecimento ou insígnia
alheios ou vende, expõe ou oferece à ven-
da ou tem em estoque produto com essas
referências;

atribui-se, como meio de propa-


ganda, recompensa ou distinção que não
obteve;

dá ou promete dinheiro ou outra


41

UNIDADE 6 - Condições para exercer a


atividade
No artigo 972 temos que “podem exer- exercer por meio de um tutor, de um man-
cer a atividade de empresário os que es- datário ou em geral de um representante.
tiverem em pleno gozo da capacidade ci- Não se exige tampouco que se exerça o
vil e não forem legalmente impedidos.” E comércio (empresa) por conta própria.
quem tem capacidade de exercer a ativi-
O que basta, mas que é indispensável
dade empresarial é toda pessoa maior de
para ser comerciante (empresário), é que
21 anos, homem ou mulher, nacional ou
ele empregue o seu nome e exponha por
estrangeira, poderá comerciar no Brasil,
isso o seu patrimônio ao exercício de atos
salvo exceções previstas em lei. No caso
objetivos de comércio (empresa);
da pessoa física, é necessário que seja
civilmente capaz, vale frisar, a pessoa de- b) Profissão habitual – para ser co-
verá estar na livre administração de sua merciante (empresário) é necessário pro-
pessoa e de seus bens (OLIVEIRA, 2004). curar no exercício dos atos de comércio
(empresa) uma fonte habitual de ganhos.
Para FRAN MARTINS (1998, p. 66),
Não é necessário que constituam a única
existem algumas condições indispen- fonte, nem mesmo a fonte mais copiosa
sáveis à aquisição da qualidade de dos seus ganhos.
comerciante ou empresário:
Não basta a intenção de exercer a ativi-
a intermediação; dade empresarial, a aquisição de uma loja,
a especulação ou intuito de lucro; e, a inscrição na lista dos que o exercem, o
pagamento de um imposto; não basta
a profissionalidade. proclamar-se e assinar-se como empresá-
Partindo do profundo trabalho de rio para o vir a ser; é necessário o serviço
CESARE VIVANTE (s.d., p. 41 apud OLI- afetivo e profissional dos atos de comér-
cio. De resto, é difícil que a classe se enga-
VEIRA, 2004) temos o conceito domi-
ne ou ignore se um indivíduo é ou não em-
nante em todas as legislações, e aceito
presário, justamente porque este deve
também na nossa, portanto, adquire-
tornar-se conhecido pelo público, se quer
-se a qualidade de empresário com a exercer o ato. O exercício do negócio de
prática habitual de atos de comércio uma loja, de um banco, de uma marca de
ou de atividade empresarial: fábrica, a posse dos livros, a frequência na
a) Exercício de atos de comércio – bolsa, nos leilões públicos, são sinais habi-
(empresa) objetivos, em nome próprio. tuais da profissão de empresário.
Para ser comerciante (empresário) é ne- Para o desenvolvimento da atividade
cessário praticar em nome próprio atos empresarial de forma regular, não bas-
daqueles, que o legislador considera co- ta a competência técnica e as condições
merciais (de empresa) por sua nature- materiais e humanas. O aspecto legal é
za. Não é necessário exercer o comércio fundamental e deve ser observado antes
(empresa) pessoalmente, porque se pode
42

do início do empreendimento. Portanto, o III - os que, mesmo por causa transitó-


interessado deve estar em pleno gozo da ria, não puderem exprimir sua vontade.
capacidade civil, além de não estar impe-
Quanto aos relativamente incapazes
dido legalmente por legislação específica
em virtude da idade, podem praticar os
(OLIVEIRA, 2004).
atos no âmbito civil, bem como exercer a
Pelo código não podem ser admi- atividade empresarial o menor de 18 anos
nistradores de empresas na condição que tenha 16 anos completos e que seja
de sócio ou não sócio, além das pes- emancipado. Por último, reafirmamos que
soas impedidas por lei especial: a maioridade civil pelo código é alcança-
da aos 18 anos, sendo permitido, a partir
os condenados a pena que vede, desta idade, o exercício pleno de todos os
ainda que temporariamente, o acesso a atos vinculados a atividade empresarial e
cargos públicos; civil (OLIVEIRA, 2004).
ou por crime falimentar, de prevari- Poderá o incapaz, por meio de repre-
cação, peita ou suborno, concussão, pecu- sentante ou devidamente assistido, con-
lato; tinuar a empresa exercida por ele enquan-
ou contra a economia popular, con- to capaz, por seus pais ou pelo autor de
tra o sistema financeiro nacional, contra herança. Nestes casos o incapaz será au-
as normas de defesa da concorrência, con- torizado pelo juiz.
tra as relações de consumo, a fé pública Se, contudo, o representante ou as-
ou a propriedade, enquanto perdurarem sistente forem pessoas legalmente im-
os efeitos da condenação (artigo 1.011, § pedidas será nomeado um gerente com
1º). a aprovação do juiz, sem prejuízo da res-
No que se refere a capacidade civil, ponsabilidade do representante ou do as-
em princípio, pelo código, toda pes- sistente.
soa é capaz de direitos e deveres na Ademais, o uso da firma caberá, confor-
ordem civil. Entretanto, dependendo me o caso, ao gerente ou ao representan-
dos atos a serem praticados, temos a te do incapaz, ou a este, quando puder ser
observar a questão daqueles que são autorizado. Por fim, tanto a emancipação
absolutamente incapazes de exercer quanto à autorização deverão ser averba-
pessoalmente os atos da vida civil e das no Registro do Comércio, ou seja, na
que por via de consequências não Junta Comercial.
podem desenvolver e administrar de
forma independente a atividade em- 6.1 Preposto do empresário
presarial. São eles: – arts. 1.169 a 1.178 CC)
I - os menores de dezesseis anos; Os dispositivos acima fazem menção a
dois tipos de prepostos do empresário: o
II - os que, por enfermidade ou defici-
gerente e o contabilista, mencionando a
ência mental, não tiverem o necessário
matéria que a disciplina é extensiva aos
discernimento para a prática desses atos;
demais auxiliares do empresário.
43

1. Gerente – atividade administrati-


va, relacionando-se com os clientes e fun-
cionários ou até representando o empre-
sário em tarefas externas.

2. Contador – responsável pela escri-


turação da empresa.

Características em comum - A con-


tinuidade dos serviços prestados (dife-
rente contrato mercantil que tem caráter
eventual) e o vínculo jurídico entre prepo-
nente e preposto.

O art. 1.178 do CC prevê a responsabi-


lidade do preponente (empresário), pelos
atos de qualquer preposto, quando pra-
ticados dentro do estabelecimento, des-
de que relativos à atividade da empresa,
mesmo que não haja autorização por es-
crito. Fora do estabelecimento somente
se forem cometidos nos limites dos pode-
res conferidos.

O art. 1.177 do CC confere ao empresá-


rio responsabilidade objetiva com ação de
regresso, porém se a conduta for dolosa
existirá uma solidariedade.

6.2 Não podem ser empre-


sários
Militares da ativa das três Forças Arma-
das e das Polícias Militares; funcionários
públicos civis (União, Estados, Territórios
e Municípios; Magistrados) médicos, para
o exercício simultâneo da medicina e far-
mácia, drogaria ou laboratório; estrangei-
ros não residentes no País; cônsules, salvo
os não remunerados; corretores e leiloei-
ros; falidos, enquanto não reabilitados.
44

REFERÊNCIAS

BÁSICAS COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direi-


to comercial. 13 ed. São Paulo: Saraiva,
BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janei- 2009.v.1.
ro de 2002. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil _03/leis/2002/ COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direi-
L10406.htm Acesso em: 10 mar. 2012. to Comercial: direito de empresa. v. 1. 7
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