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FUNDAMENTOS DO DIREITO
EMPRESARIAL
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3 UNIDADE 1 - Introdução
5 UNIDADE 2 - Evolução da atividade e do direito empresarial
8 2.1 O Direito Comercial brasileiro
SUMÁRIO
23 UNIDADE 4 - Aplicações e características do direito empresarial
23 4.1 São características marcantes no e do Direito Empresarial e que o distinguem de outros ramos, em especial do direito civil:
26 5.2 O empresário
44 REFERÊNCIAS
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UNIDADE 1 - Introdução
teriais de que se dispunha, uma vez que a cializam, surgem os mercados (feiras co-
produção para consumo próprio já não era bertas) [...] As lojas, cuja função é a ven-
suficiente e as riquezas passaram a ser da constante, num mesmo local, surgem
produzidas com fins de permuta. quase que simultaneamente às feiras [...]
Os mascates completam o quadro de dis-
Os grupos, nômades e geralmente de
tribuição de mercadorias.
uma mesma família, isolados uns dos ou-
tros, eram autossuficientes; ao inicia- É nessa época que se pode falar do sur-
rem um processo de aproximação, iniciou gimento de um direito organizado para o
também a primeira forma de comércio – a comércio vigente, afinal já existia um con-
troca. Com as trocas, as riquezas foram siderável sistema comercial em funciona-
sendo melhor aproveitadas e cada grupo mento, distante do sistema de trocas dos
podia se dedicar a produzir aquilo para o povos antigos. Então, diante da fragmen-
que fosse mais apto (MEDEIROS, 2011). tação social provocada pelo sistema feu-
dal, tornou-se necessária a formação de
Avançando na história, chegamos à
associações, as chamadas corporações de
Grécia onde o comércio acontecia à base
ofício, nascedouro do Direito Comercial,
de costumes, mas é aí que surgem os pri-
que era baseado nos costumes e tradi-
meiros contratos e o uso da lei escrita, os
ções dos comerciantes de então (MAR-
quais orientavam a comercialização marí-
TINS, 1991; NEGRÃO, 1999; MEDEIROS,
tima. Em Roma, o comércio era praticado
2011).
pelos estrangeiros, disciplinados pelo jus
gentium, uma vez que a aristocracia não Com o fim da Idade Média e a partir do
via com apreço tal atividade, tida como surgimento dos Estados Nacionais, essas
desonrosa. normas passam a ser fruto da emanação
estatal, adquirindo um caráter nacional.
Paulatinamente, o homem promoveu
Após a Revolução Francesa e com o sur-
uma série de evoluções que facilitaram o
gimento do liberalismo econômico, o in-
fluxo de mercadorias e as atividades co-
tervencionismo estatal nas atividades
merciais, então foram criadas moedas,
econômicas, que aceleram seu processo
bancos, bolsas de valores e diversos ou-
evolucionista, diminui consideravelmen-
tros institutos. No entanto, nessas civili-
te. Na França, são editados o Código Civil
zações clássicas não havia uma legislação
e o Código Comercial para dar conta das
comercial especial, o que se inicia a partir
novas circunstâncias sociais e comerciais,
da Idade Média.
os quais irão influenciar codificações pos-
RICARDO NEGRÃO (1999, p. 28-29) nos teriores.
conta que o comércio medieval estava li-
ADILSON DE SIQUEIRA LIMA (2004)
gado ao comércio itinerante: o comercian-
contribui com o pensamento de RICARDO
te levava mercadorias de uma cidade para
NEGRÃO (1999) e também vai de encon-
outra através de estradas, em caravanas,
tro com o exposto por LUCIANA MARIA DE
sempre em direção a feiras que ocorriam
MEDEIROS (2011) ao afirmar que o direi-
e tornavam famosas as cidades europeias
to comercial aparece na Idade Média com
[...] Em sua evolução, as feiras se espe-
um caráter eminentemente subjetivista,
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sentar uma enumeração legal dos atos digo Civil (2002), um critério seguro para
de comércio no país, que foi realizada no se definir o conteúdo da matéria comer-
Regulamento nº 737, de 1850, especifica- cial. Essa dificuldade justifica-se por vá-
mente nos artigos 19 e 20. O Regulamen- rios motivos. A teoria dos atos de comér-
to nº 737 tratava do processo comercial e cio, por sua própria natureza, não permite
a enumeração dos atos de comércio ba- a criação de um critério científico para se
seou-se no Código de Comércio francês definir a natureza comercial de um ato,
(CARVALHO DE MENDONÇA, 2000; TAD- surgindo um grande problema quando de-
DEI; 2002). terminado ato não se encontra enumera-
do na relação da lei.
Até 1875, a enumeração dos atos de co-
mércio constante no Regulamento nº 737 No Brasil, esse problema intensifica-se
era utilizada para delimitar o conteúdo da porque, desde 1939, não existe nem mes-
matéria comercial para o fim jurisdicional mo na legislação vigente a enumeração
e para qualificar a pessoa como comer- dos atos de comércio. Se não bastasse,
ciante no país. Em 1875, os Tribunais de nas últimas décadas, várias leis brasileiras
Comércio foram extintos e, com a unifica- de natureza comercial passaram a apre-
ção do processo, deixou de ser necessário sentar fortes traços da teoria da empresa,
para o fim jurisdicional diferenciar a ativi- e a doutrina nacional passou a se dedicar
dade comercial da atividade civil. ao estudo dessa teoria italiana, presti-
giando-a em detrimento da teoria france-
Assim, sob o aspecto processual, a teo-
sa, o que acabou refletindo em várias de-
ria dos atos de comércio perdeu a sua im-
cisões dos Tribunais brasileiros (TADDEI,
portância no Brasil, mas continuou a ser
2002).
necessária para diferenciar o comercian-
te do não comerciante, já que a lei prevê Todo esse contexto fez com que a de-
um tratamento diferenciado para aquele finição da comercialidade das relações ju-
que desenvolve uma atividade econômi- rídicas no Brasil se transformasse em um
ca de natureza comercial, sendo o prin- grande problema. Nessa difícil tarefa em
cipal exemplo dessa diferenciação a Lei delimitar o conteúdo da matéria comer-
de Falência (Decreto-Lei nº 7.661, de 21 cial, utilizaram-se como referência os atos
de junho de 1945), pela qual somente se de comércio enumerados no revogado Re-
podem beneficiar da concordata e subme- gulamento nº 737, de 1850, o disposto em
ter-se à falência aqueles que exercem ati- lei como sendo matéria comercial (socie-
vidade econômica de natureza comercial. dades anônimas, empresas de construção
civil) e a jurisprudência, já que várias de-
O Regulamento nº 737, de 1850, foi re-
cisões envolvendo complexos casos pas-
vogado em 1939 pelo Código de Proces-
saram a definir a natureza comercial de
so Civil e, desde então, deixou de existir
certas atividades econômicas.
no país um diploma legal que apresente
a enumeração dos atos de comércio, di- Na delimitação do conteúdo da matéria
ficultando a definição da comercialidade comercial, pode-se identificar, em várias
das relações jurídicas no Brasil a ponto de ocasiões, a adoção da teoria da empre-
não existir, até o surgimento do novo Có- sa para definir como comercial a nature-
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explica de maneira clara que com os novos período as companhias (instituições fami-
horizontes alcançados pelo mundo do co- liares, mais tarde chamadas de sociedade
mércio, com o capitalismo e sua revolução por causa da solidariedade e da não limi-
nos sistemas de produção, também essa tação de responsabilidade perante tercei-
forma de regulá-lo ficou obsoleta, o que ros) e as sociedades por ações, que são as
faz surgir uma nova visão para o Direi- últimas a surgir;
to Comercial. Nessa nova ótica, entra em
A segunda fase, caracterizada pelo
cena a figura do empresário, o conceito de
mercantilismo e pela colonização, está
empresa, a distribuição de bens e de ser-
compreendida entre os séculos XVII e
viços em larga escala, e o Direito Comer-
XVIII. Época em que se observa a evolu-
cial precisou ser o disciplinador, também,
ção das grandes sociedades. Aqui as nor-
das empresas comerciais. Assim, tendo
mas do Direito Comercial, como todas as
em vista as mudanças de contexto pelas
outras, tem origem num poder soberano
quais passou o comércio e, consequente-
central – o rei. Na Europa, surgem as co-
mente, o Direito Comercial, sua evolução é
dificações, tanto para matéria de direito
dividida em fases históricas.
marítimo quanto para de direito terrestre;
RICARDO NEGRÃO (1999, p. 28-34)
A terceira fase do Direito Comer-
segue a divisão proposta por OSCAR cial compreende o século XIX e é marca-
BARRETO FILHO (1969) com o Direito da pelo liberalismo econômico. Aqui, com
Comercial dividido em quatro fases a promulgação do Código Napoleônico de
históricas: 1806, surge o conceito objetivo de comer-
A primeira delas vai do século XII ao ciante, que seria todo aquele que prati-
XVI e está assim caracterizada: existên- casse atos de comércio profissionalmente
cia de um direito de classes, no caso a dos e de forma habitual. O Direito Comercial
comerciantes, com regras estabelecidas deixa de ser dos comerciantes e passa a
por eles e para eles, sem a participação ser dos atos de comércio, isto é, perde o
estatal, apenas podendo ser usadas por caráter subjetivo, pessoal, e adquire um
quem integrasse as corporações de ofí- caráter objetivo ligado às atividades tidas
cio. É a época do comércio itinerante, que legalmente como comerciais. A Teoria dos
evolui para feiras, mercados e lojas. Se- Atos de Comércio será tratada de forma
riam os serviços originados nessas feiras mais detalhada posteriormente;
os responsáveis pelo surgimento de vá- A quarta e última fase, que é a con-
rios institutos jurídicos, como o câmbio, os temporânea, caracteriza-se por uma nova
títulos de crédito, os bancos e as bolsas; visão do Direito Comercial que culmina
surgindo, inclusive, os mercados finan- com a terminologia do direito de empresa,
ceiros acionários. Ocorre a evolução das ou empresarial, a qual foi adotada inicial-
sociedades marítimas (um sócio em terra mente pelo Código Civil italiano de 1942
e outro na embarcação, negociando pelos e integra o Livro II do Código Civil brasilei-
mercados por onde passa), as quais viram ro de 2002. A Teoria da Empresa também
a ser reguladas pelas Ordenações Filipinas será tratada em tópico específico.
em 1603. Ainda são identificadas nesse
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Na visão de ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ ambas as divisões o reflexo imediato dos
RAMOS (2009, p. 44), que apresenta uma acontecimentos sociais e políticos de cada
divisão menos fragmentada, o Direito Co- época no contexto de criação e utilização
mercial teria três períodos históricos, os das regras que regulamentam as ativida-
quais são a seguir apresentados apenas des mercantis.
para fins de comparação com a caracteri-
Isso demonstra que, assim como o co-
zação anterior:
mércio se desenvolveu conforme o ho-
Primeiro período – compreende a mem e suas relações, o direito que o rege
Idade Média e tem por contexto o mer- tem acompanhado esse desenvolvimen-
cantilismo, o ressurgimento das cidades, a to, indo da inexistência de regras ou das
aplicação dos usos e costumes mercantis regras direcionadas a um determinado
e a codificação privada do Direito Comer- grupo, para ser o regulador de todas as
cial (pelos comerciantes, tendo assim um atividades mercantis, sejam elas comer-
caráter subjetivista). ciais ou empresariais (MEDEIROS, 2011).
do que, diante dessa nova realidade, as, pouco importa a nomenclatura adota-
melhor seria usar a expressão direito da. O que importa saber é que existe um
empresarial. ramo jurídico específico para regular as
relações econômicas. Se esse ramo con-
Dessa forma, observa-se que a evolu-
tinuará sendo chamado de “Direito Co-
ção ocorreu na medida em que o centro do
mercial”, embora não mais exista a figura
Direito Comercial não é mais o comercian-
do “comerciante” ou dos “atos de comér-
te, subjetivamente falando, nem o ato de
cio”, ou se será adotado um novo nome, in
comércio, sob a ótica objetiva, mas a em-
casu, “direito empresarial”, tendo em vis-
presa. Isso fez com que o Direito Comer-
ta a aceitabilidade do termo, só o tempo
cial evoluísse de regulador de comercian-
se encarregará de responder (MEDEIROS,
tes para diretriz do exercício empresarial.
2011).
Devido a tal mudança, observa-se com
bastante frequência divergência quan-
to à nomenclatura que se usa nos livros,
manuais, cursos e disciplinas de entidades
de nível superior: algumas vezes Direito
Comercial; outras vezes Direito Empresa-
rial. Muitos doutrinadores também apre-
sentaram outras opções para nomear a
disciplina jurídico-mercantil, como Direito
dos Negócios, Direito das Empresas, Direi-
to Econômico. No entanto, apesar de não
haver uma uniformização em seu uso, por
tradição, mantém-se o Direito Comercial.
O critério descritivo procura na Lei a in- Sendo essa a origem do sistema fran-
dicação das características de um ato de cês, sabe-se que foi apenas num segun-
comércio a fim de que as situações fáti- do momento que a Cour de Cassation e a
cas possam enquadrar-se nas hipóteses doutrina adotaram posicionamento dife-
descritas e, assim, passem a ser regidas rente, entendendo pela flexibilidade do
pelo direito comercial. Tal sistema foi es- catálogo dos atos mercantis e pela não
pecialmente adotado pelos códigos espa- taxatividade do Code de Commerce (DU-
nhóis (1829 e 1885) e portugueses (1833 ARTE, 2004, p. 172).
e 1888) (LIPPERT, 2003, p. 53).
Nessa esteira, o direito comercial brasi-
Por sua vez, o sistema enumerativo leiro, então profundamente influenciado
consiste no arrolamento dos atos consi- pelo ordenamento francês, incorporou a
derados mercantis. Esse método acarre- teoria dos atos de comércio, porém dei-
tou profunda controvérsia, sobretudo na xou de elencar no seu corpo quais seriam
França, pois foi necessário indagar se a os atos a serem reputados comerciais (CO-
enumeração da Lei era efetivamente ta- ELHO, 2003, p. 15).
xativa (numerus clausus), ou simplesmen-
A fim de suprir tal lacuna, foi promulga-
te exemplificativa.
do o já mencionado Regulamento nº 737,
Diante desse critério enumerativo, a em 25 de novembro de 1850, que tratava
questão que se travou foi no sentido de do processo comercial, discriminando-se
identificar qual seria a margem para a am- os atos considerados como de mercancia,
pliação daqueles atos elencados no rol do arrolando-os em seu artigo 19.
texto legal. O debate relevou-se não ape-
nas na França, mas também aqui no Brasil,
Por esse art. 19, eram considerados
pois nosso código comercial de 1850 e seu atos mercantis os seguintes:
regulamento 737, do mesmo ano, ado- a) compra e venda ou troca de bem mó-
taram esse sistema, o qual permaneceu vel ou semovente, para sua revenda, por
sendo aplicado até o advento do Código atacado ou a varejo, industrializado ou
Civil de 2002 (COELHO, 2003, p. 22). não, ou para alugar seu uso;
De qualquer forma, vale lembrar que b) as operações de câmbio, banco ou
o movimento de codificação iniciado na corretagem;
França do século XIX foi extremamente
calcado pela ideia da criação de um sis- c) as empresas de fábricas, de comis-
tema fechado a quaisquer previsões que sões, de depósito, de expedição, consig-
não aquelas expressamente positivadas nação e transporte de mercadorias, de
no texto legal. O principal objetivo era espetáculos públicos;
impedir arbitrariedades, cuja prática até d) os seguros, fretamentos, riscos;
então era possibilitada à monarquia ab-
solutista e, no caso do direito comercial, e) quaisquer contratos relativos ao co-
às corporações de mercadores (MONTES- mércio marítimo e à armação e expedição
de navios.
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Igualmente, ressalta-se que o texto Como quer que seja, o vocábulo mer-
brasileiro, da mesma forma que o francês, cancia, empregado no art. 19 do Re-
incorreu na ausência de descrição ou defi- gulamento 737, dá-nos a chave do
nição das características gerais inerentes sistema estabelecido pelo Código.
aos atos de comércio. Entretanto, houve Neste artigo compendiam-se os atos
grandes e valorosos esforços por parte da mais importantes que constituem
doutrina para que se conseguisse suprir propriamente a arte do mercador, a
tal lacuna (RODRIGUES, 2007). profissão do comerciante, o trato de
mercadejar, o exercício do comércio
Diante disso, observou-se na produção
(CARVALHO DE MENDONÇA, 2000, p.
jurídica pátria especial destaque às ideias
528).
formuladas por JOSÉ XAVIER CARVALHO
DE MENDONÇA (2000, p. 527). Em brevís- Por fim, o jurista estabeleceu a divi-
sima síntese, sua proposta identificou os são dos atos de comércio da seguinte
atos de mercantis como aqueles “negó- forma:
cios jurídicos referentes diretamente ao
exercício normal da indústria mercantil” a) “por natureza”, aqueles que consti-
e, ainda, que “consistem propriamente na tuem o exercício da indústria mercantil,
operação típica, fundamental (a compra e praticados por comerciantes com habitu-
venda), ou naqueles outros atos que im- alidade;
primem uma feição característica ao co- b) “denominados comerciais por cone-
mércio (...)”. xão”, aqueles que, embora quando apre-
Tem-se, pois, que a mencionada “feição ciados isoladamente, constituiriam atos
característica ao comércio” representou civis, devem perceber a atribuição de ca-
para o mencionado autor a interposição ráter comercial por derivação porque vi-
entre os produtores e consumidores para sam facilitar, promover ou realizar o exer-
efetuar ou facilitar a troca de bens, isto cício da indústria mercantil, e por serem
é, a circulação das riquezas com o objeti- praticados por comerciantes no exercício
vo – ou ao menos a expectativa – de lu- de sua profissão;
cro (CARVALHO DE MENDONÇA, 2000, p. c) “por força ou autoridade da Lei”,
499). aqueles que indiferentemente de have-
Diante dessa construção, JOSÉ XAVIER rem sido praticados por comerciante ou
não, recebem caráter mercantil em razão
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atos que “não tenham uma função carac- Segundo FÁBIO ULHÔA COELHO (2003,
terística, só na medida em que se acham p. 15), ao analisarmos os critérios elabora-
conexos com uma operação de interpo- dos pela doutrina até aquele período (iní-
sição”. Ou seja, relacionavam-se às ativi- cio do século XX) e as posteriores críticas
dades intrinsecamente mercantis e, as- estabelecidas, resta destacada a impreci-
sim sendo, acabavam por também adotar são e demasiada instabilidade do sistema,
esse caráter. o que não obteve sustentação em nosso
ordenamento jurídico.
Dessa classificação bipartite, o objeti-
vo era construir um conceito unitário para Vislumbra-se, portanto, que, apesar
os atos de comércio, que não dependesse dos grandiosos esforços legislativos e
da enumeração legal. Assim, pode-se con- doutrinários para a apuração e definição
cluir, de maneira sucinta, que, para Rocco, dos atos considerados mercantis, não se
eram atos de comércio todos aqueles que conseguiu atingir um critério que condu-
realizam ou facilitam uma interposição na zisse a uma certeza calcada em cientifici-
troca (RODRIGUES, 2007). dade (LIPPERT, 2003, p. 70).
Sobre o tema, RUBENS REQUIÃO (2003, (...) o Prof. Gaston Lagarde indaga
p. 38) destaca que do critério de comercialidade, con-
siderando que o intuito lucrativo é
muito embora tenhamos considera-
necessário, mas insuficiente para
do altamente elucidativa a teoria de
caracterizá-lo. O comerciante, por
Rocco, tem ela a estreiteza, de resto
outro lado, é um intermediário entre
confessada pelo autor, de ter sido
produtor e consumidor, da mesma
elaborada sobre o direito positivo,
forma que o ato de comércio é um
isto é, sobre a enumeração que ofe-
ato de interposição ou de circulação.
recia o código italiano de 1882.
(...) Mas é necessário compreender
Com efeito, GABRIELA WALLAU RODRI- que esta interposição não reveste
GUES (2007) nos lembra que o referido caráter comercial se não for lucra-
código de 1882 foi posteriormente revo- tiva; (...) ‘Dois elementos’, finaliza o
gado pelo Código Civil de 1942, eviden- Prof. Lagarde, ‘– especulação e circu-
ciando a necessidade de apuração de ou- lação – intervêm, portanto, um e ou-
tro critério que identificasse quais os atos tro, na definição do ato de comércio.’
comerciais, bem como os diferenciasse (REQUIÃO, 2003, p. 38).
daqueles de natureza civil.
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Entretanto, tem-se, ao final, que todos p. 54), jurista italiano, disse que não exis-
esses critérios – modelo subjetivo, teoria te um conceito unitário de empresa, ocor-
dos atos de comércio (modelo objetivo) e rendo uma falta de definição legislativa
da intermediação – sofreram críticas por devido à diversidade das definições de
demonstrarem, cada um em suas particu- empresa. Ele criou a Teoria Poliédrica da
laridades, diversas imprecisões científi- Empresa, afirmando que esta pode ser es-
cas, tornando evidente a necessidade de tudada por vários ângulos. Assim, desta-
elaboração de um novo sistema, menos cou quatros perfis ou ideias baseando-se
dependente das permanentes constru- no sistema adotado pela lei italiana.
ções doutrinárias jurisprudenciais e que,
O primeiro aspecto é o perfil subjetivo,
ao mesmo tempo, pudesse acompanhar
que caracteriza aquele que exerce a em-
as evoluções sociais.
presa, ou seja, o empresário. Este é uma
pessoa física ou jurídica, que exerce em
3.2 A Teoria da Empresa
nome próprio uma atividade econômica
Os atos do comércio foram classifica- organizada, com a finalidade de produzir,
dos de forma enumerativa, na qual se re- de forma profissional, para o mercado e
lacionou as atividades consideradas mer- não para o consumo pessoal. Esse aspec-
cantis pelo Código Napoleônico de 1807, e to foi adotado pelo Código Civil Brasileiro
de forma descritiva, relação que exempli- de 2002 (artigo 966).
ficava essas atividades. Porém, eles não
O segundo é o perfil funcional, no qual
eram determinados claramente, pois se
a empresa surge como uma força em mo-
prendiam as relações da vida civil, sendo
vimento, que é a atividade empresarial di-
difícil de ser caracterizados devidamente.
rigida para uma determinada abrangência
Assim ocorreu uma transição radical. A produtiva. Essa atividade é apta a produ-
Teoria dos Atos do Comércio foi substituí- zir efeitos jurídicos.
da pela Teoria da Empresa, que é mais fácil
O terceiro aspecto é o perfil objetivo ou
de ser conceituada, devido ao enquadra-
patrimonial, sendo a empresa vista como
mento da atividade econômica organiza-
um patrimônio, um estabelecimento em-
da que independe de qualificação comer-
presarial, ou um complexo de bens móveis
cial ou civil.
e imóveis, corpóreos e incorpóreos, utili-
Essa teoria originou-se na legislação zados pelo empresário para exercer sua
italiana de 1942, que fez desaparecer o atividade.
Código Comercial como legislação sepa-
O quarto e o último é o perfil corpora-
rada, unificando o direito obrigacional no
tivo ou institucional, no qual a empresa é
Código Civil (Livro II, “Do direito da Empre-
considerada um resultado da organização
sa”, CC/2002). Não definia a empresa, mas
do pessoal, constituída pelo empresário e
somente o empresário, fazendo com que
por seus colaboradores.
os doutrinadores buscassem um conceito
jurídico. Enquanto na Teoria dos Atos do Comér-
cio, não importava o conceito subjetivo
Alberto Asquini (apud REQUIÃO, 2006,
que determinava a qualidade do comer-
21
ciante, mas o conceito objetivo que visa- ca por ela trazida, a teoria francesa não
va descrever a atividade realizada pelo conseguiu acompanhar a rápida evolução
comerciante, na Teoria da Empresa não se das atividades econômicas, o que a tor-
considerava a atividade do comerciante nou ultrapassada por não mais identificar
que intermediava a produção e consumo, com precisão a matéria comercial. Como
e nem os atos definidos como comerciais, tal teoria não era mais suficiente para
mas a qualidade daquele que exerce a ati- abarcar as inovações do campo mercan-
vidade empresarial. til vivenciadas do século XIX para o XX,
surge, em sua substituição, a teoria da
Na fase objetiva, ocorre uma distinção
empresa – uma fórmula para se definir a
entre os campos civil e comercial que se
comercialidade das relações jurídicas (ME-
dá pela adoção de adjetivos qualificado-
DEIROS, 2011).
res: atos civis e atos comerciais, atividade
civil e atividade comercial, e sociedades A teoria da empresa foi inserida no Có-
civis e sociedades comerciais. digo Civil italiano de 1942 que, diferente-
mente do sistema francês, não dividiu as
Já na subjetiva-moderna, não existe
atividades econômicas em dois grandes
mais a relação dicotômica civil-comercial:
regimes – civil e comercial, passando a
a atividade será empresarial ou não em-
disciplinar os dois num único diploma le-
presarial e as sociedades serão empresa-
gal, uniformizando a legislação do direito
riais ou simples (não empresariais).
privado para por fim à diferença de trata-
Os atos do comércio possuem um con- mento entre eles existente.
ceito francês de comerciante, é um sis-
Conforme Coelho (2007, p. 15), apesar
tema de comercialidade, já o conceito da
dessa teoria ser um modelo mais adequa-
empresa é de origem italiana, é um sis-
do ao capitalismo dominante, não ocorre a
tema de empresarialidade. Neste último,
extinção da diferença de tratamento en-
são estabelecidas regras próprias à ati-
tre as atividades econômicas, ela apenas
vidade definida em lei como empresarial,
muda de foco, saindo do tipo de atividade
e não mais àquele que pratica os atos de
e indo para o nível de importância econô-
comércio com habitualidade e profissio-
mica. Assim, o autor não concorda que ela
nalidade (HENTZ, 2003; NEGRÃO, 2005).
tenha significado a unificação do direito
Ao classificar pessoas físicas ou jurídi- privado, e sim, que ela seja o núcleo de um
cas como comerciantes, a Teoria dos Atos sistema novo de disciplina privada da ati-
do Comércio enfocava a prática habitual vidade econômica.
dos atos reputados como comerciantes
Enquanto a teoria dos atos de comércio
historicamente ou por força da lei. Já a
exclui da abrangência do Direito Comercial
Teoria da Empresa, considera a atividade
atividades de grande importância como
empresária como o exercício profissional
a agricultura e a negociação imobiliária,
de uma atividade econômica, organizada,
que ficavam sob o regime do Direito Ci-
e que produza ou circule bens e serviços.
vil, a teoria italiana deixa fora da jurisdi-
Em síntese, com a Revolução Industrial ção comercial apenas algumas atividades
e a consequente efervescência econômi- de menor expressão econômica, como os
22
prioridade à organização dos fatores de pro- atividade empresarial, que são os impedi-
dução para a criação ou circulação de bens e dos, porém capazes civilmente, por razões
serviços, perdeu sentido a distinção entre circunstanciais como é o caso do falecido
as sociedades comerciais e civis, porque, que não teve declaradas extintas as suas
como esclarece JOSÉ EDWALDO TAVARES obrigações. Outro caso é a do leiloeiro e os
BORBA (1992), “a teoria da empresa pas- serviços públicos, entretanto, se vierem a
saria a informar esse novo critério diferen- praticar atos típicos de empresários res-
ciador”. Deste modo, doravante, quando se ponderão pelas obrigações contraídas. O
verificar na legislação qualquer referência à empresário pode ser pessoa física (empre-
expressão “comerciante” ou “sociedade co- sário individual) ou jurídica (sociedade em-
mercial”, mister far-se-á interpretá-lo como presária); em ambos o casos, são requisitos:
“empresário” ou “sociedade empresarial”.
Profissionalismo – O titular do ne-
Ademais, há de se considerar que hoje, gócio deverá fazê-lo habitualmente, não
algumas atividades empresariais de cunho eventualmente, assumindo o ofício como
eminentemente civil, já se encontram sujei- profissão.
tas ao regime falimentar, como, por exem-
Organização – Deve aparelhar-se a
plo, as já citadas sociedades anônimas,
atividade de forma adequada para o desem-
as empresas de construção (art. 1.º da Lei
penho de sua profissão.
4.068/62), as empresas concessionárias
de serviços aéreos (art. 191 da Lei 7.565/68 Ex.: instalações, atendimentos.
– Código Brasileiro de Aeronáutica) e o in-
corporador imobiliário (art. 43, III, da Lei
Atividade econômica – São aquelas
que incorporam a produção de bens da mes-
4.591/64).
ma forma que os prestadores de serviços
Enfim, com o advento do novo Código Ci- gerais.
vil, confirmou-se a teoria introduzindo no
ordenamento as definições de empresas e
Produção – A fabricação de merca-
dorias ou a prestação de serviços.
empresários.
reito. Há, porém, no campo do direito co- resulta da reunião de todos os bens, sejam
mercial algumas coisas incorpóreas assaz eles de natureza material ou imaterial que
características, como são os sinais distin- serão reunidos, organizados e explorados
tivos: a firma, o nome comercial e indus- pelos empresários no desenvolvimento
trial e as marcas. de sua atividade econômica específica. A
composição de bens do estabelecimento
Compõe-se de bens materiais, coisas
empresarial ganha do direito comercial
corpóreas, como móveis e imóveis e de
proteção específica, como dito e exempli-
bens imateriais, coisas incorpóreas, como
ficado acima.
direitos de propriedade industrial (mar-
cas, patentes, sinais), as prestações de- Embora composto por bens de nature-
correntes dos direitos obrigacionais (ser- za corpórea e incorpórea, o direito comer-
viços, aviamentos), etc. Por aviamento cial tutela apenas os incorpóreos, uma vez
entende-se a perspectiva de lucros futu- que os corpóreos já recebem dos direitos
ros, clientela, o ponto. civil e penal tutela jurídica independente-
mente de pertencerem ou não a estabele-
Portanto, o estabelecimento empresa-
cimento empresarial.
rial é composto por um conjunto de bens
heterogêneos, de natureza material e Outro aspecto importante do estabe-
imaterial. Os bens materiais correspon- lecimento empresarial resulta da criação
dem às coisas corpóreas, que podem ser do aviamento que advém do sobrevalor
objeto de domínio, tais como as mercado- alcançado com a organização eficiente
rias, a mobília, os utensílios, os veículos, dos bens que compõem o estabelecimen-
as máquinas, as instalações, etc. Os bens to. Em outras palavras, o conjunto de bens
imateriais são aqueles que não ocupam que forma o estabelecimento empresarial
espaço no mundo físico, tendo existência poderá resultar, quando a atividade eco-
ideal. São, principalmente, as criações in- nômica gerar resultados positivos em va-
telectuais, as prestações decorrentes de lor além do de seus bens individualmente
direitos obrigacionais, as marcas, o título considerados.
de estabelecimento, a insígnia, os privilé-
Tal repercussão se dá, por exemplo,
gios industriais, os sinais e expressões de
na avaliação ou na alienação da empre-
propaganda e o ponto comercial (OLIVEI-
sa, quando o valor de mercado for maior
RA, 2004).
ou menor do que os bens individualmen-
O desenvolvimento de qualquer ativi- te considerados de acordo com o sucesso
dade empresarial demanda a organização ou não que vem suportando a empresa no
e a exploração de uma série de fatores de mercado do qual participa. O aviamento
produção, entre os quais os bens de capi- também recebe o nome de goodwill of a
tal, que resultam do investimento finan- trade (NEVES; LOYOLA, 2011).
ceiro dos que empreenderam a atividade
econômica e dela pretendem resultados
lucrativos (DEL MASSO, 2010) Não se concebe a existência de empre-
sário, seja pessoa física ou moral, sem o
Assim, o estabelecimento empresarial
estabelecimento empresarial. À capacida-
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REFERÊNCIAS