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REGULAÇÃO
Crédito: Unsplash
Mesmo antes da aprovação do DMA, discutia-se como se daria a convivência da nova lei
com o regime do Direito Concorrencial europeu. Sempre se soube que a criação do DMA
foi movida por um certo desencantamento com os resultados lentos das intervenções
antitruste nos mercados digitais. Porém, nunca ficou claro se os princípios do Direito
Concorrencial seriam ou não aplicáveis à interpretação do novo diploma.
Uma resposta inconclusiva foi dada pelo Considerando nº 10 da lei aprovada, o qual
dispõe que “o DMA visa a complementar o enforcement da lei de defesa da concorrência” e
“ele deve ser aplicado sem prejuízo da incidência dos arts. 101 e 102 do Tratado de
Funcionamento da União Europeia” (traduções livres). Evidenciou-se, porém, que essa
incidência dos arts. 101 e 102 do TFUE “não deve afetar a imposição das obrigações aos
gatekeepers e a sua aplicação uniforme e efetiva no mercado interno europeu” (traduções
livres).
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8/10/22, 4:29 PM DMA e direito da concorrência na UE: o futuro chegou?
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8/10/22, 4:29 PM DMA e direito da concorrência na UE: o futuro chegou?
Embora algumas vozes influentes do debate acadêmico há certo tempo sustentem que o
DMA perseguirá os mesmos objetivos do Direito da Concorrência, ainda que sem a
prevalência do critério do consumer welfare[2], há muitas razões para se crer que a nova lei
modificou a natureza de remédios que, embora inicialmente pensados para o regime
antitruste, agora protegem outros bens jurídicos[3]. As possibilidades de distanciamento
entre os objetivos do DMA e do TFUE colocam a nova lei numa “posição epistemológica
particular” (tradução livre)[4].
Esse debate não é meramente teórico. Quando as obrigações do novo DMA começarem a
valer a partir de 2024, a Comissão Europeia terá que esclarecer quais padrões de ilicitude
serão utilizados. É nesse momento que se questionará quanto do Direito Concorrencial
cabe dentro do DMA.
Mesmo que ainda seja cedo, o texto aprovado pelo Parlamento Europeu na semana
passada parece ter tentado, ao máximo, fugir das porosidades do Direito da Concorrência.
Isso fica particularmente claro em dois dos seus pilares: (i) o processo de designação de
gatekeeper e (ii) o conteúdo das suas obrigações.
O texto aprovado não caminhou nesse sentido. Ele presume a posição de gatekeeper a
partir de critérios quantitativos de faturamento ou de valor de mercado das empresas
(artigo 3, nº 2). Mesmo que o agente econômico tente refutar tal presunção, o
Considerando nº 23 definiu que a Comissão Europeia deverá considerar nessa fase
“apenas aqueles elementos diretamente relacionados aos critérios quantitativos” (tradução
livre) — tais como os valores de faturamento, número de usuários e a relevância do serviço
principal da plataforma nas suas vendas totais. Assim, as condições reais de concorrência
no mercado parecem ter sido tratadas como pouco relevantes para o enquadramento
normativo[5].
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De todo modo, para fugir do risco de ver a lista de obrigações se tornar rapidamente
obsoleta, o DMA contemplou uma importante válvula de escape. O artigo 6 conferiu à
Comissão Europeia a discricionariedade de impor deveres adicionais aos gatekeepers, a
serem especificados em um processo dialógico com os agentes regulados, definido no
artigo 8.
Não está claro, porém, se o enforcement dessas obrigações adicionais será mais ou
menos rígido. Diversos autores aduzem que, ao menos em relação às obrigações mais
genéricas da lei, a Comissão deveria estar aberta a defesas baseadas na demonstração
em justificativas pró-competitivas[8]. Novamente, porém, o texto aprovado pelo Parlamento
sinalizou no sentido oposto, ao prever, no final do Considerando nº 23 que “quaisquer
justificativas econômicas que envolvam definição de mercado ou que busquem
demonstrar eficiências derivadas de um tipo específico de comportamento da empresa
devem ser descartadas, uma vez que não são relevantes para a designação como
gatekeeper” (traduções livres).
Mas, mesmo diante desse diagnóstico, a melhor opção em termos de política pública é
necessariamente alterar o norte da intervenção estatal para um regime de regulação de
comando e controle? Não há dúvidas de que algumas obrigações previstas no DMA de
fato contribuem significativamente para ampliar a contestabilidade nos mercados digitais,
mas sua aplicação como regras per se podem gerar riscos não triviais de falsos positivos.
O que veremos nos próximos anos é a Comissão Europeia enfrentando o trade-off entre,
de um lado, a certeza e a precisão típica de um regime de intervenção regulatória, e do
outro, a flexibilidade e a resolutividade do Direito Concorrencial[10]. Ainda que o texto
aprovado na semana passada tenha tentado mover o pêndulo para o regime regulatório ex
ante, não há dúvidas de que, principalmente nas investigações de mercado e nas
fiscalizações em concreto, a autoridade se confrontada com argumentos baseados na
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9-2022-0270_EN.html.
[2] SCHWEITZER, H. The Art to Make Gatekeeper Positions Contestable and the Challenge to Know
What is Fair: A Discussion of the Digital Markets Act Proposal. Zeitschrift für europäisches Privatrecht, v.
3, n. 1, p. 503–544, 2021. (“EU competition law and the DMA essentially share the same aims, although
the latter should be read as an effort to recalibrate the goals of EU competition policy: away from the
protection of consumer welfare”).
[3] KERBER, W. Taming tech giants with a per se rules approach? The Digital Markets Act from the “rules
[4] LAROUCHE, P.; DE STREEL, A. The European Digital Markets Act: A Revolution Grounded on
Traditions. Journal of European Competition Law and Practice, v. 12, n. 7, p. 542–560, 2021. p. 559–560.
[5] GERADIN, D. The leaked “final” version of the Digital Markets Act: A summary in ten points. The
[6] CENTRE ON REGULATION IN EUROPE (CERRE). The European Proposal for a Digital Markets Act – a
[7] CAPPAI, M.; COLANGELO, G. Taming digital gatekeepers: the ‘more regulatory approach’ to antitrust
law. Computer Law and Security Review, v. 41, n. 1, p. 1–17, 2021. p. 11.
[8] CENTRE ON REGULATION IN EUROPE (CERRE). The European Proposal for a Digital Markets Act – a
[9] UNIÃO EUROPÉIA. COMISSÃO EUROPEIA. Commission Staff Working Document – Impact
Assessment Report – Proposal for The Digital Markets Act. Bruxelas, 2020, pp. 33-34.
[10] AKMAN, P. Regulating Competition in Digital Platform Markets: A Critical Assessment of the
Framework and Approach of the EU Digital Markets Act. European Law Review, v. 47, n. 1, p. 85–115,
2022, pp. 114-115.
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Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (FDUSP). Autor do livro “Direito da Concorrência das Plataformas
Digitais: entre abuso de poder econômico e inovação” (Thompson Reuters, 2022)
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