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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS

com exercícios práticos

SUMÁRIOS
com exercícios práticos

CONTRATOS PÚBLICOS
Licenciatura em Direito

Miguel Catela
Sílvia Galvão Telles

Universidade Lusíada
Faculdade de Direito
Lisboa

2023

UNIVERSIDADE LUSÍADA LISBOA

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

ÍNDICE

Introdução.
página 4

1. As mais importantes descrições legais imperativas na contratação


pública. Conceitos de entidade adjudicante, de contrato público e
do seu objeto, de contrato administrativo e de procedimento pré-
contratual.
página 5

2. A sistemática do Código dos Contratos Públicos.


página 6

3. Evolução histórica da legislação sobre contratação pública em


Portugal. Lei geral e lei especial.
página 8

4. Evolução histórica da legislação sobre contratação pública no


processo de integração europeia.
página 10

5. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia em


matéria de contratação pública.
página 12

6. Problemas recorrentes de transposição das normas europeias sobre


contratação pública em Portugal.
página 14

7. Os princípios gerais quanto ao comportamento de administração


Pública e quanto a quem com ela se relaciona.
página 16

8. Tribunal de Contas de Portugal.


página 20

9. Noção de contrato público.


página 22

10. Contratos administrativos e aplicação das regras do Código dos


Contratos Públicos.
página 23

11. Para a disciplina da União Europeia, estão unicamente em causa


relações contratuais, por escrito e onerosas. Para o Código dos
Contratos Públicos, o âmbito é mais vasto.
página 26

12. Os contratos excluídos.


página 27

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13. A contratação nos denominados setores especiais e a sua expressão


no Código dos Contratos Públicos.
página 29

14. Os limiares de valor dos contratos públicos, de acordo com as


diretivas sobre contratação pública, e os respetivos diplomas de
execução.
página 30

15. Noção de entidade adjudicante. As diferenças entre os números 1 e


2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos.
página 31

16. Formação da vontade da entidade adjudicante. A lista taxativa dos


procedimentos pré-contratuais. A habilitação.
página 36

17. Os dois critérios essenciais que governam a aplicação dos


procedimentos pré-contratuais.
página 40

18. Preço base, preço contratual e valor do contrato.


Página 43

19. Formação da vontade do cocontratante.


página 46

20. A declaração pré-contratual de erros e omissões.


página 48

21. A contratação interna (in-house).


página 50

22. A adjudicação, seu critério e regime do preço anormalmente baixo.


página 52

23. Estatuto e execução dos contratos administrativos.


página 56

24. Os poderes de conformação da relação contratual nos contratos


administrativos e a efetiva execução desses contratos.
página 58

25. Modificações objetivas e trabalhos, bens ou serviços


complementares.
página 60

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Introdução.

O presente documento sumaria a matéria de contratação pública em vinte e


cinco tópicos, - maioritária, mas não exclusivamente, correspondentes a
temas contidos no Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo decreto-lei
nº 18/2008, de 29 de janeiro, mas que sofreu, entretanto, numerosas
alterações, sendo a mais relevante a operada pelo decreto-lei nº 111-B/2017,
de 31 de agosto, para entrar em vigor a 1 de janeiro de 2018. Muito
recentemente, a lei nº 30/2021, de 21 de maio, também transportou consigo
importantes consequências, que serão abordadas adiante, nos tópicos
respetivos.
Este trata-se de um documento concebido, e elaborado, para servir de suporte
à lecionação da disciplina de Contratos Públicos, da Licenciatura em Direito
da Universidade Lusíada (Lisboa) e à posterior avaliação dos alunos. Logo,
implica uma seleção do que se considere mais importante para efeitos de
ensino. Não é, por isso, uma peça geral sobre contratação pública, mas um
instrumento didático para permitir uma mais célere aquisição de
conhecimentos, numa fase inicial e introdutória.
O maior desafio que é colocado à conceção de qualquer programa de
Contratos Públicos é a escolha, de entre milhares de normas (europeias e
nacionais) aquelas que permitam um primeiro contacto eficaz e apto a
permitir desenvolvimentos posteriores. Este texto é, no essencial, o resultado
dessa escolha, segundo o nosso melhor critério. Sendo um texto com intuito
pedagógico, é acompanhado de uma série de exercícios práticos, com a
respetiva resolução. Pode suceder que parte da matéria seja desenvolvida pna
resolução dos citados exercícios. Os números 3., 4. e 5. têm uma finalidade
predominantemente informativa, não sendo utilizada, diretamente, na
avaliação dos alunos. Porém, isso em nada diminui a importância, ou o
interesse de tais conteúdos para a contextualização e para o conhecimento
geral da matéria, como facilmente se depreende do conjunto deste texto.
Quando não mencionada expressamente o contrário, as referências
feitas a disposições do Código dos Contratos Públicos são-no da versão
atualmente em vigor.
Neste texto será observada, na identificação de artigos legais, a regra gramatical
nomeadamente enunciada por Celso Cunha e Lindley Cintra (página 21, da sua obra Breve
Gramática do Português Contemporâneo, Sá da Costa, Lisboa, 1998, 11ª edição), a qual estabelece
: “na numeração de artigos de leis, decretos e portarias, usa-se o ORDINAL até nove e o CARDINAL,
de dez em diante”. Em respeito pela autenticidade dos textos normativos, contudo, não
surgirá cumprida esta regra quando o legislador, ele próprio, não o fez, e tal conste de
excertos normativos diretamente reproduzidos.

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1. As mais importantes descrições legais imperativas na


contratação pública. Conceitos de entidade adjudicante, de
contrato público e do seu objeto, de contrato administrativo e
de procedimento pré-contratual.

Típica da disciplina da contratação pública é a quase total rigidez de


um complexo de noções, e de puras descrições legais, que visam, todos,
a limitação positiva da liberdade de ação dos entes públicos adjudicantes de
contratos públicos (logo, produtores de despesa pública). Porque está sempre
em causa, na execução de um contrato público, a afetação de recursos
públicos para o cumprimento das obrigações nele envolvidas. Esse é o
elemento decisivo (mas não o único) que justifica o arquétipo normativo da
contratação pública. O legislador (seja o português, seja o de qualquer outro
Estado, seja o provindo de organizações internacionais, todos eles e todas
elas, sem prejuízo das grandes diferenças nas regulamentações concretas) não
se bastou com uma exigência geral de integridade de comportamento,
mas entendeu que seria indispensável que a fase pré-contratual fosse
especialmente rigorosa e detalhada. Tal constituiria uma garantia tanto para a
sociedade, como para todos os intervenientes.
Sendo o complexo de normas em causa constante maioritariamente do
Código dos Contratos Públicos, no nosso ordenamento, é sobre a
definição/descrição/classificação do que seja uma entidade adjudicante, um
contrato público e cada procedimento pré-contratual, que se baseia o
programa da disciplina Contratos Públicos.
Estas evidências técnico-jurídicas, contudo, não devem fazer olvidar que
sempre terá de ser o principal objetivo de qualquer legislação sobre
contratação pública que se atinja o melhor resultado para o interesse
público. Como se demonstrará, nem sempre a burocracia (mesmo na era
digital) inerente à aplicação dos procedimentos pré-contratuais, e aquela que
diz respeito à execução dos contratos públicos, permite, ou sequer ajuda, a
que esse objetivo seja alcançado.
Sem prejuízo do que será abordado no número seguinte, é importante, antes
do mais, reter o disposto no nº 2, do artigo 1º, do Código dos Contratos
Públicos : “O regime da contratação pública estabelecido na parte II é
aplicável à formação dos contratos públicos que, independentemente
da sua designação ou natureza, sejam celebrados pelas entidades
adjudicantes referidas no presente Código e não sejam excluídas do
seu âmbito de aplicação”
Daqui resulta que, nos termos da lei portuguesa, basta a presença de uma
entidade adjudicante na relação contratual, para que estejamos perante
um contrato público (no direito da União, não é assim ; ver número 11).

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Finalmente, a noção dominante na formação da vontade seja dos entes


públicos, seja dos cocontratantes é a de procedimento pré-contratual, o iter
que deverá, normalmente, conduzir à adjudicação.

Exercício e sua resolução (em todos os casos em que surja um exercício, e à sua
resolução, esta última estará redigida em itálico) :

Como tem de ser apreciada, sob o ponto de vista legal, e para efeitos de enquadramento
nas previsões do Código dos Contratos Públicos, uma situação na qual se integre um
contrato em que uma das partes seja um ente público ?

Primeiramente, haverá que confirmar qual seja essa entidade pública, e, em especial,
se e como ela, dado o seu estatuto jurídico, se pode enquadrar nas disposições sobre a
definição de entidades adjudicantes, constante dos nº 1 e 2, do artigo 2º, do Código
dos Contratos Públicos. E, a contrario, se não agem as regras sobre contratos e
contratação excluída (artigos 4º, 5º e 5º-A). Esclarecidos esses primeiros aspetos,
importa, depois, ver qual o objeto desse contrato, para ver que consequências isso
comporta, nomeadamente para uma eventual classificação complementar de contrato
administrativo. Este é um percurso interpretativo simples, mas absolutamente
indispensável para que qualquer situação que possa ser enquadrável no conceito
geral da contratação pública.

2. A sistemática do Código dos Contratos Públicos.

O Código dos Contratos Públicos tem como principal divisão a que é feita
em Partes. A Parte I está tem como epígrafe “Âmbito de aplicação” ; a Parte
II “Contratação pública” ; a Parte III “Regime substantivo dos contratos
administrativos” ; a Parte IV “Governação e regime sancionatório” (é a única
epígrafe alterada em 2017, sendo que a anterior, de 2008, era “Regime contra-
ordenacional”) ; a Parte V mantém a epígrafe “Disposições finais”. As
divisões inferiores são Título, Capítulo, Secção e Subsecção. A Parte II
contém as regras sobre os procedimentos pré-contratuais. A Parte III dirige-
se essencialmente à classificação e execução de contratos administrativos,
inserindo primeiro normas gerais a este propósito (Título I), e, depois, normas
específicas por contrato (Título II). Para além da importância da Parte I (com
poucos artigos, mas muito densos), é nas Partes II e III que se concentram as
normas mais caraterizadoras do que é o Código. Como o afirma o nº 1, do
seu artigo 1º - “1. O presente Código estabelece a disciplina aplicável à
contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que
revistam a natureza de contrato administrativo” e completa o seu nº 5,
cujo texto é : “5. A parte III do presente Código contém o regime
substantivo aplicável à execução, modificação e extinção das relações
contratuais administrativas”. A ambivalência que carateriza o Código, e as
duas direções que segue, tem de ser levada em consideração sempre que se

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proceda à interpretação de normas suas. Ao contrário do que possa, muito


(mas mesmo muito) superficialmente, aparentar, a consideração atenta de
qual a sistemática de um diploma legal é muito importante para se
proceder a um exercício fiável de interpretação. Qualquer dúvida sobre
onde encontrar as normas que permitem a resolução de um caso concreto
acaba por impedir, ou, pelo menos, prejudicar gravemente, a interpretação e
aplicação da lei. Por exemplo, não é uma escolha neutra colocar a variação de
objeto só na Parte III, tentando eliminar qualquer tratamento da adjudicação
dos trabalhos, fornecimentos ou serviços complementares, que teria de estar
na Parte II.
O reconhecimento de caraterísticas específicas de um diploma tão importante
como um código, através da sua sistemática, permite, em caso de dúvida
quanto ao sentido das normas, facilitar a reconstituição do pensamento
legislativo, que é a operação-chave a que as regras obrigatórias sobre a
interpretação mandam proceder : nº 1, do artigo 9º, do Código Civil – “1. A
interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir
dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a
unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi
elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Muito recentemente, com a lei nº 30/2021, de 21 de maio, quebrou-se alguma
da harmonia sistemática que o Código dos Contratos Públicos tinha, porque,
a pretexto de criar instrumentos mais ágeis de contratação para gastar as
vultuosas verbas que irão chegar da União Europeia, foram insertas normas
sobre medidas especiais de contratação pública. Que ocupam os artigos
1 a 20, da citada lei. As quais, utilizando os instrumentos já previstos no
Código dos Contratos Públicos, alteram algum do seu detalhe.

Exercícios e sua resolução :

Se se deparar com uma situação em que exista um conflito entre diversos concorrentes, na
fase de adjudicação, em que Parte do Código dos Contratos Públicos encontrará as normas
que lhe permitam a resolução do problema ?

Na Parte II, do CCP, sem prejuízo de ser muito provável que o recurso a normas colocadas na Parte I,
por exemplo quanto aos princípios gerais, se venha a revelar muito útil.

Se se deparar com uma situação em que se discutam aspetos relativos à execução do


contrato, como cumprimento de prazos, confirmação da qualidade dos bens vendidos,
modo de execução de uma prestação de serviços, em que Parte do Código dos contratos
Públicos encontrará as normas que lhe permita, a resolução deste tipo de problemas ?

Exclusivamente na Parte III, identificando qual o contrato, segundo o seu objeto, esteja em causa. O
contrato mais preenchido com normas de execução é o de empreitada de obra pública, seguido das concessões.

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3. Evolução histórica da legislação sobre contratação pública em


Portugal. Lei geral e lei especial.

De um modo muito sucinto, devem ser salientados os seguintes factos,


ordenados por ordem cronológica inversa (não incluímos as alterações
constantes das várias Leis do Orçamento, seja para permitir ajustes diretos em
bastantes setores, seja para acolher as medidas restritivas dos tempos da troika,
dada a sua extensão) :
I) Portaria nº 255/2023, de 7 de agosto, que revoga e substitui a portaria nº
701-H/2008, 29 de julho, que define o conteúdo obrigatório os projetos
de obras públicas ;
II) decreto-lei nº 78/2022, de 7 de novembro, que altera a lei nº 30/2021, de
118 de agosto, sobre as medidas especiais de contratação pública ;
III) decreto-lei nº 73/2021, de 18 de agosto, sobre um regime excecional e
temporário de revisão de preços, devido aos significativos e rápidos
aumentos de custos, em termos nacionais e internacionais, que já foi , por
várias vezes alterado ;
IV) lei nº 30/2021, de 21 de maio, sobre medidas especiais de contratação
pública, mas também contendo mais de 80 alterações ao Código dos
Contratos Públicos ;
V) decreto-lei nº 19-A/2020, de 30 de abril, proibição das indemnizações
devidas por perturbações da pandemia Covid 19, em contratos de execução
duradoura ;
VI) decreto-lei nº 10-A/2020, de 13 de março (entretanto várias vezes
alterado), com medidas especiais de contratação pública, para enfrentar as
necessidades decorrentes da pandemia Covid 19 ;
VII) reforma profunda do Código dos Contratos Públicos, produzida pelo
decreto-lei nº 111-B/2017, de 31 de agosto, a qual, para além de visar a
transposição das diretivas de 2014, e da diretiva sobre faturação eletrónica
(2014/55/UE), incluiu muitas modificações nas puras soluções nacionais,
sem que se identifique qual o propósito comum a todas elas ;
VIII) decreto legislativo regional nº 27/2015/A, de 29 de dezembro que aprovou
o regime jurídico dos contratos públicos na Região Autónoma dos Açores,
numa adaptação muito livre do Código dos Contratos Públicos ;
IX) decreto-lei nº 149/2012, de 12 de julho, aprovado no tempo da troika, que
entre outros aspetos, restringiu a variação de objeto pela encomenda de
trabalhos a mais ou os denominados trabalhos de suprimento de erros e
omissões ;
X) lei nº 8/2012, de 8 de fevereiro (Lei dos Compromissos e Pagamentos em
Atraso de Entidades Públicas) ;
XI) decreto-lei nº 104/2011, de 6 de outubro, sobre a contratação no setor da
defesa e segurança, transpondo a diretiva 2009/81/CE ;
XII) decreto-lei nº 278/2009, de 2 de outubro, que integrou no texto do Código
as bastas retificações irregulares de março de 2008 ;
XIII) decreto-lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o Código dos
Contratos Públicos ;
XIV) decreto-lei nº 380/2007, de 13 de novembro, que definiu a concessão
atribuída à então EP-Estradas de Portugal, S.A., a partir da qual se

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desencadearam vários contratos de subconcessão, dos quais alguns não


foram executados completamente pela ocorrência da crise financeira, e
estão hoje sob investigação criminal, com arguidos constituídos ;
XV) decreto legislativo regional nº 44/2006/A, de 2 de novembro, que aprova
as bases da concessão rodoviárias da SCUT de São Miguel, na Região
Autónoma dos Açores ;
XVI) decreto-lei nº 86/2003, de 26 de abril, definindo o regime geral das PPPs
(parcerias público-privadas), que, entretanto, sofreu várias alterações ;
XVII) regulação da adjudicação dos contratos nos agora setores especiais, pelo
decreto-lei nº 223/2001, de 9 de agosto, muito infiel às soluções europeias
; foi revogado, em simultâneo com a aprovação do Código dos Contratos
Públicos, que integrou a sua matéria ;
XVIII) decreto legislativo regional nº 21-A/99/M, de 24 de agosto, que criou a
concessão rodoviária VIALITORAL, na Região Autónoma da Madeira,
modelo essencialmente replicado na concessão VIAEXPRESSO,
aprovada pelo decreto legislativo regional nº1/2004/M, de 13 de janeiro ;
existiu uma terceira iniciativa, a VIAMADEIRA (decreto legislativo
regional nº 36/2008/M, de 14 de agosto, que não chegou a ser concretizada
; com o advento da troika, o âmbito das duas primeiras concessões foi,
entretanto, limitado ;
XIX) dupla reforma de 1999, com a aprovação do decreto-lei nº 59/99, de 2 de
março (empreitadas) e do decreto-lei nº 197/99, de 8 de junho
(fornecimentos e serviços) ;
XX) lançamento de um grande conjunto de concessões rodoviárias, com e sem
portagem, movimento que se manteve até cerca de 2000, e concretização
do projeto do Metro do Porto (processo iniciado pelo decreto-lei nº 394-
A/98, de 15 de dezembro) ;
XXI) lançamento do primeiro dos grandes projetos, a Ponte Vasco da Gama,
pelo decreto-lei nº 168/94, de 15 de junho, que foi replicado em muitas
das concessões rodoviárias, desde 1997 ;
XXII) regime jurídico de empreitadas (adjudicação e execução), disposto pelo
decreto-lei nº 405/93, de 10 de dezembro ;
XXIII) impacte global da legislação europeia na regulação nacional, com a
aprovação de vários diplomas, de 1990 a 1998 :
XXIV) Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo decreto-lei nº
442/91, de 15 de novembro, que acabou, formalmente, com a taxatividade
dos contratos administrativos, para efeitos substantivos, conforme
decorreu do nº 1, do artigo 178, desse Código ;
XXV) adesão de Portugal às Comunidades Europeias e o decreto-lei nº 235/86,
de 18 de agosto, que reformou, para os processos de adjudicação de
empreitadas, o decreto-lei nº 48871, de 19 de fevereiro de 1969 ;
XXVI) legislação posterior à Constituição de 1976, e lenta quebra da taxatividade
dos contratos administrativos, seja para efeitos substantivos, seja para
efeitos processuais/contenciosos : o primeiro ETAF (Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais), aprovado pelo decreto-lei nº 129/84,
de 27 de abril, com destaque para o seu artigo 9º ;
XXVII) grande reforma efetuada pelo decreto-lei nº 48871, de 19 de
fevereiro de 1969, constituindo o primeiro regime total sobre a adjudicação
e execução de empreitadas de obra pública ;
XXVIII) Código Administrativo de 1936-1940, e o decisivo nº 2, do artigo
815, que determinou uma taxatividade para os contratos administrativos ;

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XXIX) decreto de 9 de maio de 1906, o documento mais importante até então,


com caraterísticas de modernidade de soluções, que ainda hoje se pode
reconhecer ;
XXX) cláusulas e condições gerais publicadas a 28 de abril de 1887, e as respetivas
instruções, de 18 de julho do mesmo ano ;
XXXI) vários Códigos Administrativos do século XIX ;
XXXII) “decretos de Ponta Delgada”, nºs 22, 23 e 24, de 16 de maio de
1832 (reformas da Justiça, da Administração e da Fazenda), atribuída a sua
elaboração a Mouzinho da Silveira.

4. Evolução histórica da legislação sobre contratação pública no


processo de integração europeia.

Pode, de modo muito resumido, dividir-se nos seguintes períodos, a evolução


da legislação europeia neste campo, sem considerar os diplomas de
atualização dos limiares ou dos modelos de anúncios, bem como outra
matéria executiva :
I) O Tratado de Roma, de 1957, que criou a Comunidade Económica Europeia, só
conteve duas disposições sobre contratação pública : uma quanto a reservas à
aquisição de material de defesa, conforme a alínea ), do nº 1, do artigo 223 e outra
quanto à política de cooperação, dando acesso em condições de igualdade de
acesso a todas as pessoas jurídicas dos Estados-Membros, às adjudicações e
fornecimentos, no contexto dos investimentos financiados pela Comunidade (levados
a cabo pelo FED-Fundo Europeu de Desenvolvimento, cuja atividade se iniciou
em 1959), segundo o nº 4, do artigo 132, do Tratado ;
II) os Programas Gerais de Supressão de Restrições ao Estabelecimento e à Liberdade
de Prestação de Serviços (1962) ;
III) as primeiras diretivas sobre os procedimentos de adjudicação de empreitadas de
obra pública (71/304/CEE e 71/305/CEE) ;
IV) as primeiras diretivas sobre os procedimentos de adjudicação de contratos públicos
de fornecimento, diretiva 77/62/CEE e 80/767/CEE (esta última visando o
acolhimento das regras GATT sobre a contratação publica no ordenamento
jurídico da CEE) ;
V) a grande reforma na legislação sobre contratação pública para a concretização do
Mercado Interno, expressa na aprovação dos seguintes documentos legais :
a) diretiva 88/295/CEE, reformando a diretiva 77/62/CEE, sobre a
adjudicação de contratos públicos de fornecimento ;
b) diretiva 89/440/CEE, reformando a diretiva 71/305/CEE, sobre a
adjudicação de empreitadas de obra pública, inserindo, pela primeira vez, a
noção de organismo de direito público, enquanto entidade adjudicante ;
c) diretiva 89/665/CEE, primeira diretiva sobre meios de recurso em
decisões sobre contratação pública ;
d) diretiva 90/531/CEE, primeira regulamentação da contratação pública nos
até aí denominados setores excluídos ;
e) diretiva 92/13/CEE, segunda diretiva sobre meios de recurso, aqui quanto
à decisões nos ex-setores excluídos ;
f) diretiva 92/50/CEE, primeira regulamentação sobre a adjudicação de
contratos públicos de serviços ;

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g) diretivas 93/36/CEE, 93/37/CEE e 93/38/CEE, primeiro esforço


(parcial) de codificação da legislação sobre contratação pública.
VI) a adaptação da legislação europeia ao Acordo sobre Contratos Públicos celebrado
no âmbito da Organização Mundial de Comércio, consubstanciada nas diretivas
97/54/CE e 98/4/CE ;
VII) a aprovação de um regime comum ao setor público e ao setor privado
quanto aos atrasos de pagamento nas transações comerciais (diretiva 2000/35/CE,
reformada, posteriormente, pela diretiva 2011/7/UE) ;
VIII) a aprovação do Vocabulário Comum para os Contratos Públicos (CPV),
inicialmente pelo regulamento 2195/2002 (CE), reformado, posteriormente, pelo
regulamento 213/2008 (CE) ;
IX) a codificação da legislação sobre contratação pública, feita, separadamente, pelas
diretivas 2004/17/CE (setores especiais) e 2004/18/CE (regulação geral única para a
adjudicação de empreitadas, fornecimentos e serviços) ; no âmbito dos setores
especiais as telecomunicações são substituídas pelos serviços postais ; estes dois blocos
normativos ficam a caraterizar o arquétipo legal europeu sobre a contratação
pública, o que não foi seguido em Portugal, que optou por um diploma único, o
Código dos Contratos Públicos, que transpôs, com significativo atraso, as duas
diretivas de 2004 ;
X) reforma completa da legislação sobre meios de recurso, feita pela diretiva
2007/66/CE, que modifica a diretiva 89/665/CEE e 92/13/CEE ;
XI) regime específico da contratação pública de material de defesa e de segurança,
definido pela diretiva 2009/81/CE ;
XII) reforma global de 2014, pelas diretivas 2014/24/UE e 2014/25/UE, às
quais se uniu um documento novo quanto à adjudicação de contratos de concessão
(diretiva 23/23/UE) ; pode parecer estranha quebra da solução de dois diplomas,
para acrescentar um outro, só para as concessões, mas tal é plenamente justificado
pela singularidade (e diferença) das regras sobre esse tipo de contratos ;
XIII) definição de um regime jurídico da faturação eletrónica na contratação
pública (diretiva 2014/55/UE);
XIV) criação do E-Certis, pelo regulamento de execução (UE) 2016/7 da
Comissão.
Do conjunto deste catorze momentos (sendo que um deles representa sete diplomas
novos, para se cumprir o desígnio do Mercado Interno) resulta um complexo muito vasto
de normas, e de anexos relevantes a muitos desses documentos, tornando, inevitavelmente,
bastante difícil a apreensão de todos os conteúdos. Porém, nada diminui a importância do
arquétipo em causa, nomeadamente para a compreensão das soluções nacionais,
constantes do Código dos Contratos Públicos, e para a confirmação da correção de tais
soluções. Ou da sua inconveniência, ou, mesmo, da sua invalidade.
Como se constata da lista anterior, a larga maioria das normas estão contidas em diretivas.
Segundo o artigo 288, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), está
assim descrito o regime de produção normativa (e não só) no seio da União : “Para
exercerem as competências da União, as instituições adotam regulamentos,
diretivas, decisões, recomendações e pareceres. O regulamento tem caráter geral.
É obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os
Estados-Membros. A diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao
resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência
quanto à forma e aos meios. A decisão é obrigatória em todos os seus elementos.
Quando designa destinatários, só é obrigatória para estes. As recomendações e os
pareceres não são vinculativos”. Porém, mesmo em relação a normas das diretivas, o

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Tribunal de Justiça declarou que, passado o prazo para transposição, e nada sendo feito,
ou sendo produzida lei nacional inadequada, tais normas ganham efeito direto (ver, para
os processos de contratação pública, o que consta do número 5., infra). Desde que essas
normas reúnam três qualidades : serem claras, precisas e incondicionais. Logo, o texto
com essas caraterísticas, mesmo estando em diretivas, entra em pleno vigor nas ordens
jurídicas nacionais.
Dada a importância da reforma para o Mercado Interno (definida pelo Ato Único
Europeu, de 17 de fevereiro de 1986), bem expressa na lista acima, importa salientar
que Portugal aderiu exatamente nessa época. O tempo que demorou a adaptar-se
a esse conjunto jurídico é que foi muito, e irregularmente, longo.

5. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia


em matéria de contratação pública.

O contributo do Tribunal de Justiça é relevantíssimo neste campo. Para dar


uma breve ideia sobre o teor das decisões dadas em reenvios prejudiciais e em
ações de condenação de Estados-Membros por violações ao direito da União,
ou em conflitos entre Instituições, os temas abordados foram, com alguns
exemplos de processos que são consultáveis na página web do Tribunal de
Justiça da União Europeia :
I) Âmbito e alcance de aplicação das normas sobre contratação pública
: processo C-331/92 (Gestión Hotelera), processo C-76/97 (Toegel) e
processo C-275/98 (Unitron Scandinavia), processo C-410/14 (Dr Falk
Pharma) e processo C-9/17 (Maria Tirkkonen) ;
II) reenvios prejudiciais não aceites pelo Tribunal de Justiça e relação
entre órgãos judiciais : processo C-192/98 (Corte dei Conti-ANAS) e
processo C-102/17 (Tribunal de Contas de Portugal) ;
III) deferimento, ou não, de medidas provisórias : processo C-45/87 R
(Comissão versus Irlanda) ;
IV) efeito direto reconhecido a normas contidas em diretivas sobre
contratação pública : processo 31/87 (Beentjes), processo C-103/88
(Fratelli Costanzo), processo C-76/97 (Toegel), processo C-258/97 (HI I),
processo C-27/98 (Fracasso e Leitschutz), processo C-15/04
(Koppensteiner), processo C-46/15 (Ambisig II) e processo C-391/15
(Marina del Mediterraneo) ;
V) princípios gerais de direito e afirmação das liberdades económicas
fundamentais : processo C-94/99 (ARGE), processo C-6/05 (Medipac),
processo C-432/05 (Unibet), processo C-64/08 (Engelmann), processo C-
360/10 (Comissão versus Irlanda), processo C-336/12 (Manova) e processo
C-324/14 (Partner Apelski) ;
VI) contratos cujo valor estimado não atinja os valores definidos nos
limiares dos contratos públicos, e seu regime jurídico : processoC-
59/00 (Vestergaard) e processos apensos C-147/06 e C-148/06 (SECAP e
Santorso) ;
VII) incumprimento, pelos Estados-Membros, de obrigações de
transposição de normas contidas nas diretivas sobre contratação
pública : processo C-433/93 (Comissão versus Alemanha) ;

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

VIII) noção de contrato público, para efeitos de aplicação de normas sobre


contratação pública : processo C-220/05 (Auroux) e processo C-410/14
(Dr Falk Pharma) ;
IX) noção de entidade adjudicante, antes e depois da introdução da
figura de organismo de direito público, pela diretiva 89/440/CEE :
processo 31/87 (Beentjes), processo C-360/96 (BFI Holding), processo C-
306/97 (Connemara), processo C-380/98 (Universidade de Cambridge),
processo C-470/99 (Universale Bau), processo C-373/00 (Adolf Truley) e
processo C-18/01 (Korkhonen) ;
X) noção jurídica de interessado, concorrente, candidato e operador
económico : processos apensos C-21/03 e C-34/03 (Fabricom), processo
C- 357/06 (Frigerio Luigi & Co), processo C-538/07 (Assitur) e processo
C-305/08 (CoNISMa) ;
XI) concessões e seu conceito em direito da União : processo C-358/00
(Buchhaendler), processo C-206/08 (Wasser Gotha), processo C-348/19
(Norma Dekom) e processo C-702/17 (Unareti) ;
XII) seleção qualitativa dos interessados e apreciação das suas propostas
: processo C-389/92 (Ballast I), processo C-218/11 (Hochtief II), processo
C-94/12 (Swm Costruzione), processo C-549/13 (Bundesdrukerei),
processo C-601/13 (Ambisig I), processo C-203/14 (Maresme), e processo
C-178/16 (Impresa Mantovani) ;
XIII) dívidas fiscais ou à segurança social e exclusão de participação :
processos apensos C-226/04 e C-228/04 (La Cascina) ;
XIV) adjudicação e não adjudicação : processo C-244/02 (Kauppatalo
Hansel) ;
XV) critério de adjudicação e regime de preço anormalmente baixo :
processo C-103/88 (Fratelli Costanzo), processo C-304/96 (Hera),
processo C-19/00 (SIAC Construction), processo C-315/01 (GAT) e
processo C-532/06 (Lianakis) ;
XVI) falta de publicação ou conteúdo incorreto, de anúncios e desrespeito
por outras normas dos procedimentos pré-contratuais : processo
199/85 (Comissão versus Itália), processo C-24/91 (Comissão versus
Espanha), processo C-359/98 (Comissão versus Holanda), processo C-
318/94 (Comissão versus Alemanha) e processo C-323/96 (Comissão versus
Bélgica) ;
XVII) liberdade de estabelecimento : processos apensos C-357/10 e C-359/10
(Gestione Servizi Pubblici) e processo C-209/18 (Comissão versus Áustria)
;
XVIII) liberdade de prestação de serviços : processo C-234/03 (Air Liquide) ;
XIX) liberdade de circulação de mercadorias : processo 103/84 (Comissão
versus Itália), processo C-45/87 (Comissão versus Irlanda), processo C-
21/88 (Du Pont de Nemours) e processo C-324/95 (Evans Medical) ;
XX) liberdade de circulação de pessoas : processo C-113/89 (Rush
Portuguesa), e processo C-286/06 (Comissão versus Espanha) ;
XXI) sistemas de contratação interna (in-house) e modelos de cooperação
entre entes públicos para exercício comum de missão de serviço
público : processo C-107/98 (Teckal), processo C-26/03 (Stadt Halle),
processo C-458/03 (Parking Brixen), processo C-340/04 (Carbotermo),
processo C-295/05 (Tragsa), processo C-480/06 (Comissão versus
Alemanha), processo C-196/08 (Acoset), processo C-386/11

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

(Piepenbrock), processo C-574/12 (SUCH) e processo C-113/13


(Spezzino) ;
XXII) auxílios de Estado e contratação pública : processo C-21/88 (Du Pont
de Nemours) ;
XXIII) contratos nos setores especiais : processos apensos C-462/03 e C-
463/03 (Strabag/Kostmann) e processo C-701/15 (Malpensa Logistica) ;
XXIV) execução de contratos públicos : processo C-549/14 (Finn Froge) ;
XXV) atrasos de pagamento em transações contratuais, :processo C-306/06
(Telecom) e processo C-555/14 (IOS Finance) ;
XXVI) fundos estruturais, processo C-465/10 (CCI Indre) e processo C-406/14
(Wroclaw Miasto) ;
XXVII) meios de recurso : processo C-54/96 (Dorsch Consult) ; deste
tema deixa-se um só exemplo, mas é aquele que te mais processos,
contando-se por várias dezenas, de acentuada complexidade ;
XXVIII) execução de decisões do Tribunal de Justiça em contratação
pública : processo C-503/04 (Comissão versus Alemanha) e processo C-
70/06 (Comissão versus Portugal) ;
XXIX) conflitos entre Instituições Europeias : processo C-360/93 (Parlamento
Europeu versus Conselho).

6. Problemas recorrentes de transposição das normas europeias


sobre contratação pública em Portugal.

Sendo a República Portuguesa um Estado-Membro das Comunidades


Europeias desde 1 de janeiro de 1986, identifica-se, antes do mais e sem a
menor dificuldade, um atraso quase constante na transposição de normas
contidas em diretivas (de vinte e oito situações de transposição, só em dois
casos foi cumprido o prazo, estes relativamente às diretivas 88/295/CEE e
2014/55/UE). Os atrasos foram desde períodos de poucos meses a
dezassete anos como sucedeu com a transposição da diretiva 89/665/CEE,
sobre meios de recurso. Se é que se pode considerar tal transposição feita.
Além disso, os vários Governos portugueses recusaram-se, por
princípio, a aproveitar a legítima liberdade que a República detinha, e
continua a deter, pelo menos quanto à regulação dos contratos cujo
valor não atinja os limiares europeus. O que é especialmente relevante nos
procedimentos de adjudicação de empreitadas de obra pública, porque o
respetivo limiar é bastante elevado (atualmente, € 5.350.000), mas também
porque a larguíssima maioria de concursos com tal objeto desencadeados em
Portugal ficam abaixo desse montante estimado.
Paralelamente a esta atitude de recusa de fruição da liberdade normativa para
os procedimentos que não atinjam os limiares europeus (com a relevante
exceção da adaptação ao Código dos Contratos Públicos na Região
Autónoma dos Açores, pelo decreto legislativo regional nº 27/2015/A, de 29
de dezembro, o qual, contudo coloca toda uma outra série de indesejáveis
problemas, dado o seu conteúdo concreto), há um aspeto colateral, mas muito
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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

relevante, que acompanha a aplicação de soluções das diretivas, a nível


nacional, quando tal não é dever de um Estado-Membro. O Tribunal de
Justiça da União Europeia considera que quando se está numa situação desse
tipo a sua interpretação das normas nacionais em causa é igualmente
exclusiva. Por exemplo, num acórdão sobre matéria de contratação pública
(processo C-298/15, Borta, 5 de abril de 2017), afirmou “33. (...) importa
recordar que, quando uma legislação nacional se conforma, nas
soluções que dá a situações que não são abrangidas pelo ato da União
em causa, com as soluções adotadas pelo referido ato, existe um
interesse certo da União em que, para evitar divergências de
interpretações futuras, as disposições retomadas desse ato sejam
interpretadas de modo uniforme”. Portanto, o alcance jurídico real das
normas das diretivas aumenta, quando um Estado-Membro opta por
reproduzir soluções europeias, quando não tinha de o fazer Ao fazê-lo, tem
de obedecer à interpretação dessas regras nacionais pelo Tribunal de Justiça.
Portugal foi, também, expressamente condenado pelo Tribunal de Justiça nos
seguintes casos relativos ao incumprimento de normas europeias (com, ou
sem atraso de transposição, se for esta que esteja em causa) :
- Processo C-275/03 (Comissão versus Portugal), face à transposição
incompleta da diretiva 89/665/CEE ;
- Processo C-70/06 (Comissão versus Portugal), por incumprimento do
acórdão dado no processo anteriormente referido ;
- Processo C-284/07 (Comissão versus Portugal), por não transposição
no prazo estabelecido das normas da diretiva 2005/51/CE ;
- Processo C-289/07 (Comissão versus Portugal), por não transposição
no prazo estabelecido das normas da diretiva 2004/17/CE ;
- Processo C-458/08 (Comissão versus Portugal), por exigir para a
prestação de serviços ocasional na atividade da construção, o
cumprimento de requisitos semelhantes aos do estabelecimento, no
que foi considerado violação do disposto no artigo 49, do Tratado CE,
quanto à liberdade de prestação de serviços.

A recente lei nº 30/2020, de 21 de maio, com as suas medidas especiais


sobre contratação pública, parecia seguir um caminho diferente, para criar um
regime nacional para valer para os contratos que não atingissem os limiares
europeus. Infelizmente, a escassez de soluções novas, e os baixos limiares,
impediu que a citada lei atingisse esse objetivo.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Exercício e sua resolução :


A diretiva 2014/24/UE previu, no seu artigo 46, uma possibilidade de princípio da
denominada contratação por lotes, que, por iniciativa dos Estados-Membros, poderia
ser tornada obrigatória. Porém, como essa norma só se aplicaria aos contratos que
atingissem os limiares europeus, um Município desencadeou um concurso para a
adjudicação da construção de uma escola, com um valor estimado de despesa de €
3.000.000, sem mencionar que tal seria feito dividindo a obra em lotes. A única
fundamentação dada foi a citada, quanto à não aplicação do direito da União.

Se bem que o raciocínio do Município, em tese, não fosse incorreto, na relação básica
entre a lei europeia e a nacional, certo é que a transposição nacional, efetuada pelo
decreto-lei nº 211-B/2017, de 31 de agosto, acabou por tornar tendencialmente
obrigatório algo que não o era. Com efeito, o novo artigo 46-A, incluiu um nº 2, com o
seguinte texto : “2. Na formação de contratos públicos de aquisição ou locação de
bens, ou aquisição de serviços, de valor superior a € 135.000, e empreitadas de obras
públicas de valor superior a € 500.000, a decisão de não contratação por lotes deve
ser fundamentada, constituindo fundamento, designadamente, as seguintes situações
: a) Quando as prestações a abranger pelo respetivo objeto forem técnica ou
funcionalmente incindíveis ou, não o sendo, a sua separação causar graves
inconvenientes para a entidade adjudicante ; b) Quando, por motivos de urgência ou
por imperativos técnicos ou funcionais, a gestão de um único contrato se revele mais
eficiente para a entidade adjudicante”. Não tendo o Município fundamentado nestas
regras a sua decisão, o objeto do contrato, - conforme definido no procedimento pré-
contratual, - era ilícito. E assim se amplia o âmbito de aplicação das normas das
diretivas, sem que se perceba exatamente com que vantagem. Como se os limiares
europeus tivessem sido degradados para outros montantes (como os acima
reproduzidos no nº 2, do artigo 46-A).

7. Os princípios gerais quanto ao comportamento da


Administração Pública e quanto a quem com ela se relaciona.

No artigo 266, da Constituição da República, encontram-se assim vertidos


diversos princípios especificamente vinculantes da Administração Pública :
“1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público,
no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos. 2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à
Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com
respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.
No Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo decreto-lei nº
4/2015, de 7 de janeiro) foi muito desenvolvida a matéria, sendo postulados
e regulados os seguintes princípios :
a) Princípio da legalidade (artigo 3º) ;

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

b) princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos


direitos e interesses dos cidadãos (artigo 4º) ;
c) princípio da boa administração (artigo 5º) ;
d) princípio da igualdade (artigo 6º) ;
e) princípio da proporcionalidade (artigo 7º) ;
f) princípios da justiça e da razoabilidade (artigo 8º) ;
g) princípio da imparcialidade (artigo 9º) ;
h) princípio da boa fé (artigo 10) ;
i) princípio da colaboração com os particulares (artigo 11) ;
j) princípio da participação (artigo 12) ;
k) princípio da decisão (artigo 13) ;
l) princípios aplicáveis à administração eletrónica (artigo 14) ;
m) princípio da gratuitidade (artigo 15) ;
n) princípio da responsabilidade (artigo 16) ;
o) princípio da administração aberta (artigo 17) ;
p) princípio da proteção dos dados pessoais (artigo 18) ;
q) princípio da cooperação leal com a União Europeia (artigo 19).
No Código dos Contratos Públicos a matéria é regulada do seguinte modo,
pelo nº 1, do seu artigo 1º-A : “1. Na formação e na execução dos
contratos públicos devem ser respeitados os princípios gerais
decorrentes da Constituição, dos Tratados da União Europeia e do
Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da
legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da
proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança, da
sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da
concorrência, da publicidade, da transparência, da igualdade de
tratamento e da não-discriminação”.
Se pode surpreender a quantidade de princípios enunciados nestas três fontes,
forçoso é reconhecer que as consequências que provocam são muito
diferentes. Por outro lado, se estão em causa situações em que o respetivo
domínio cabe à Administração Pública, quem com ela se relaciona igualmente
tem a obrigação de assumir (nos papéis que lhe caiba) um comportamento
suscetível de representar o respeito pelos princípios apontados. Quem faculte
informação errada a um ente público, por exemplo, pode incorrer em
responsabilidade (a vários níveis).

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Exercícios e sua resolução :


Um instituto público procedeu à adjudicação de um contrato público de prestação de
serviços por ajuste direto, ao abrigo da alínea d), do nº 1, do artigo 20, do Código dos
Contratos Públicos. O valor do contrato era de € 10.000. Um potencial interessado, que
não foi contactado para apresentar proposta, mas que soube da adjudicação pela
comunicação social, impugnou-a judicialmente, sustentando que teria sido possível à
entidade adjudicante proceder a uma consulta aberta breve, promovendo a
concorrência. Teriam sido violados os princípios da igualdade, da publicidade, da
concorrência e da prossecução do interesse público.

Apesar de estarem estabelecidos princípios como os da concorrência, da


transparência, da publicidade, entende-se que quando a lei, de modo expresso, define
condições menos exigentes, o cumprimento dessas normas especiais é suficiente. No
caso concreto, os limites de despesa para um ajuste direto estavam respeitados, pois o
limite máximo para tal era de € 20.000. Porém, se se quisessem aplicar as regras sobre
os critérios materiais (não é o caso), já existiria norma que previa solução diferente
(artigo 27-A, do Código dos Contratos Públicos, resultante da reforma de 2017, e que
imporia, de princípio, a aplicação da consulta prévia).

Durante a execução de um contrato de empreitada para a reabilitação de uma escola


secundária, o empreiteiro atrasou-se na realização dos trabalhos cerca de 2 meses, para
um prazo total de catorze meses. O dono da obra, a empresa pública Parque Escolar,
tinha, nos termos do contrato, a possibilidade de sancionar o empreiteiro em € 4.000
por cada dia de atraso, e assim o fez, aplicando uma multa total de € 244.000.
O empreiteiro veio defender-se sustentando a violação do princípio da
proporcionalidade na determinação do valor da multa, porque já tinha executado 98%
dos trabalhos, e que os únicos que estavam em falta tinham a ver com pequenos arranjos
exteriores, que não punham em causa a ocupação do edifício onde decorrerias as aulas.
Além disso, o novo ano letivo só se iniciaria quatro meses depois do momento em que
a multa foi aplicada, e que, portanto, antes disso tudo estaria concluído.

Nesta hipótese confrontam-se dois blocos de normas : as que, expressas na lei e


repetidas no clausulado contratual, permitiam a aplicação das multas contratuais por
atraso ; e as que acolhem princípios de comportamento da Administração Pública.
Perante a factualidade descrita, em três pontos existia uma desconformidade entre elas
: na aplicação de uma multa de igual montante diário, mesmo quando 98% dos
trabalhos estivessem realizados ; na concentração dos 2% dos trabalhos em pequenos
arranjos exteriores, que não punham em causa a utilização do equipamento escolar ;
e, finalmente, na circunstância de o equipamento só ser, em princípio, necessário, 4
meses depois de aplicada a multa. Não era impossível que a multa, ainda que aplicada
segundo os critérios do contrato, fosse consideravelmente reduzida, por respeito ao
princípio da proporcionalidade, previsto na Constituição, no Código do Procedimento
Administrativo e no Código dos Contratos Públicos. Porém, teria de ser ponderado
tudo o que interviesse no enquadramento da situação. Por exemplo, seria perfeitamente
lícita a imposição da multa no montante apontado, se a Parque Escolar tivesse perdido,
pela ocorrência do atraso em execução, o acesso a cofinanciamento dos fundos
estruturais da União Europeia, ou se, por motivos atinentes ao funcionamento da
escola (preparação adequada), fosse indispensável estar disponível antes da abertura
do ano letivo, sob pena de ser provocado dano relevante ao interesse público.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Em sequência de uma grave intempérie, uma empresa pública de transporte ferroviário


foi encarregada pelo Governo de assegurar um sistema alternativo de transporte, de
modo a permitir que a população não ficasse privada de uma ligação essencial entre
duas povoações, antes servida por comboio.
Essa empresa desencadeou um procedimento de ajuste direto, baseada na alínea c) do
nº 1, do artigo 24, do Código dos Contratos Públicos, mas com consulta breve ao
mercado, de modo a contratar quarenta autocarros que operassem dezoito horas por dia.
O critério de adjudicação era o da proposta economicamente mais vantajosa, em que o
preço contaria por 50% e a qualidade de serviço outros 50%. Dada a urgência na
contratação, a prova da qualidade era unicamente feita pela apresentação de uma
declaração dos interessados, de onde constasse a idade dos veículos, sem que nenhum
deles poderia ter mais de dez anos de serviço, a sua lotação (dividida entre lugares
sentados e lugares em pé), e a informação de que todos se encontravam em perfeitas
condições. Apresentadas as propostas, em número de 5, todas foram aceites, apesar de
uma estar incompleta na identificação dos veículos (faltava a indicação, em dois dos
quarenta autocarros, da lotação). O contrato foi adjudicado a essa proposta, que tinha o
preço mais baixo, porque no fator qualidade a menor pontuação dada não foi suficiente
para que não ficasse em primeiro lugar.

- Face aos princípios gerais que governam a atividade administrativa, foi


lícita, adequada e proporcional a escolha do procedimento em concreto
(ajuste direto), para resolver a situação ?
- Face aos princípios gerais que governam a atividade administrativa, a
definição do critério de adjudicação permitia uma efetiva igualdade de
tratamento dos interessados ?
- Face aos princípios gerais que governam a atividade administrativa, foi
correto aceitar a proposta irregular ?
- Face aos princípios gerais que governam a atividade administrativa, o
conjunto da atuação da entidade adjudicante assegurava a transparência
devida, nomeadamente considerando o ato de adjudicação praticado ?
Se bem que o ajuste direito não cumpra, pela sua própria natureza, o princípio da
transparência, do mesmo modo que um concurso público, por exemplo, desde que a
decisão se contenha nos limites estritos da lei, é lícita a decisão em causa, até por ser
o cumprimento de uma determinação do Governo, para responder a uma situação
inesperada. Do mesmo modo, o caráter sucinto do critério de adjudicação, só com dois
fatores, também parece justificado na situação concreta. Por adequado à urgência da
resposta e coerente com o objeto do futuro contrato.
Já a aceitação da proposta irregular é uma clara violação do princípio da legalidade,
que é o primeiro de todos a que a Administração Pública está obrigada. E sucede que
essa aceitação, eventualmente com pretextos de poupança financeira, acaba por
constituir uma violação de outros princípios, nomeadamente : princípio da igualdade,
princípio da transparência, princípio da concorrência, e, mesmo, princípio da boa-fé.
Não era a urgência da contratação que justificaria um atropelo tão grosseiro por
normas perentórias.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

8. Tribunal de Contas de Portugal.

O Tribunal de Contas é um órgão judicial, assim qualificado pela alínea c), do


nº 1, do artigo 209, da Constituição da República, e também pelo seu artigo
214. O essencial da disciplina jurídica a que está sujeito o Tribunal contém-se
na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (lei nº 98/97, de 26
de agosto, com numerosas alterações entretanto sofridas). Num muito feliz
resumo, constante do nº 1, do artigo 1º, desse diploma, percebe-se a sua
relevantíssima função : “1. O Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade e
regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão
financeira e efetiva responsabilidades por infrações financeiras”. O
Tribunal tem jurisdição sobre a generalidade de organizações públicas, ou
daquelas que beneficiam de fundos públicos (e sobre os seus responsáveis
financeiros). E o Tribunal assume, igualmente, tarefas no âmbito da função
administrativa, conforme se depreende, por exemplo, da alínea f), do nº 1, do
artigo 5º, da Lei de Organização e Processo : “1. Compete, em especial, ao
Tribunal de Contas : (...) f) Apreciar a legalidade, bem como a
economia, eficácia e eficiência segundo critérios técnicos, da gestão
financeiras das entidades referidas nos nºs 1 e 2 do artigo 2º, incluindo
a organização, o funcionamento e a fiabilidade dos sistemas de
controlo interno”. Assim ocorre também com os denominados poderes de
controlo financeiro. Com efeito, para além da efetivação das
responsabilidades financeiras, que cabe à sua 3ª secção, e que consubstancia a
atividade verdadeiramente jurisdicional do Tribunal de Contas, ele tem
poderes de fiscalização e controlo financeiro. O que é feito pelas 1ª e de 2ª
secções, cabendo à 1ª a fiscalização prévia.
O instrumento mais emblemático da ação do Tribunal de Contas é a
concessão (ou não) de visto, a qual, sendo bem sucedida, confere a
denominada eficácia financeira ao contrato. Ou seja, a possibilidade de
fazer pagamentos ao cocontratante. É um poder de fiscalização financeira
prévia, exercido, como já apontado, pela 1ª secção do Tribunal de Contas, a
qual tem igualmente ao seu dispor a declaração de conformidade.
Vejamos algumas das normas que definem ou desenvolvem o regime
da concessão do visto (todas da Lei de Organização e Processo, na versão
atualmente em vigor) :
a) artigo 45, nº 1 :”1. Os atos, contratos e demais instrumentos
sujeitos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas podem
produzir todos os seus efeitos antes do visto ou da declaração de
conformidade, exceto quanto aos pagamentos a que derem causa
e sem prejuízo do disposto nos números seguintes” ;
b) artigo 45, nº 4 : Os atos, contratos e demais instrumentos sujeitos
a fiscalização financeira prévia do Tribunal de Contas cujo valor

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

seja superior a 950.000 € não produzem quaisquer efeitos antes


do visto ou declaração de conformidade” ;
c) artigo 48 : “1. Ficam dispensados de fiscalização prévia os
contratos referidos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 46º de
valor inferior a 750.000 €, com exclusão do montante do imposto
sobre o valor acrescentado que for devido. 2. O limite referido no
número anterior, quanto ao valor global dos atos e contratos que
estejam ou aparentem estar relacionados entre si, é de 950.000 €.”

Exercícios e sua resolução :


Um Ministério enviou para a 1ª secção do Tribunal de Contas, para o exercício do poder
de fiscalização financeira prévia, um contrato de fornecimento de bens no valor de €
1.250.000. Porém, fê-lo depois de ter começado a sua execução, e de já ter pago €
500.000.
Nos termos da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, é obrigatório o
envio dos documentos demonstrativos de atos e contratos que criem despesa pública,
desde que atinjam o montante definido em cada Lei do Orçamento. A Lei de
Organização e Processo comina com aplicação de multa (no âmbito da denominada
responsabilidade sancionatória) a falta de remessa de documentos que a lei mande
remeter, conforme está na alínea b), do nº 1, do seu artigo 66. Pior ainda, como este
contrato tinha um valor superior a € 950.000, era proibida a produção de quaisquer
efeitos, e não só os financeiros(nº 4, do artigo 45, da Lei de Organização e Processo).
Como o afirma a alínea h), do nº 1, do artigo 65, da Lei de Organização e Processo :
“1. O Tribunal de Contas pode aplicar multas nos casos seguintes : (...) h) Pela
execução de atos ou contratos que não tenham sido submetidos à fiscalização prévia
quando a isso estavam legalmente sujeitos ou que tenham produzido efeitos em
violação do artigo 45º”. Refira-se, complementarmente, que a alínea l), dos mesmos
número e artigo inclui a “violação de normas legais ou regulamentares relativas à
contratação pública” entre os fundamentos para a aplicação de multas. Assim, a
competência sancionatória do Tribunal de Contas abrange o cumprimento de toda a
legislação sobre contratação pública. As multas são aplicadas a administradores,
dirigentes e funcionários (ou outros colaboradores) a título individual.

No contexto da execução de uma empreitada, com o preço contratual de € 700.000,


revelou-se necessário, para ser integrada na obra, a compra, pela entidade adjudicante,
de algum equipamento de proteção contra incêndios, no valor total de € 50.000. Ainda
se verificou a necessidade de pagar uma expropriação não prevista, que orçou em €
285.000. Seria necessário o envio do contrato de compra de equipamento para incêndios
para a 1ª secção do Tribunal de Contas, apesar do baixo valor em causa ? E a despesa
com a expropriação, impunha algum procedimento desse tipo ?

O contrato inicial estava dispensado de ser enviado para o Tribunal de Contas, dado
o seu valor ser inferior a € 750.000. O contrato de incêndio também não, porque o
valor acumulado (€ 800.000), se continha também nesse limite. Porém o da
expropriação já teria de ser enviado, porque o valor acumulado atingia, já, mais do
que € 950.000.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

9. Noção de contrato público.

A noção de contrato público resulta do disposto no nº 2, do artigo 1º, do


Código dos Contratos Públicos, cujo texto é : “2. O regime da contratação
pública estabelecido na parte II é aplicável à formação dos contratos
públicos que, independentemente da sua designação e natureza, sejam
celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código
e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação”. Deste modo, basta
para que esteja perante um contrato público a presença de uma entidade
adjudicante. A natureza do contrato não é relevante para a classificação
enquanto contrato público, e menos ainda a designação que lhe seja dada.
Coisa diferente se passa com os contratos administrativos, os quais, sendo
todos contratos públicos, obedecem a outros requisitos (classificação
expressa por lei ou natureza da relação jurídica), e têm um estatuto e regime
de execução definido perentoriamente no Título II, da Parte III, do Código
dos Contratos Públicos.

Exercícios e sua resolução :


Qual a classificação que merecem os seguintes contratos ?

Contrato de empreitada de construção de uma estrada


Contrato público e contrato administrativo, de acordo com o artigo 343 do Código dos
Contratos Públicos.

Contrato de prestação de serviços de transporte de crianças para escolas primárias


municipais
Contrato público e contrato administrativo, de acordo com o artigo 450 do Código.

Contrato de compra e venda, por parte de um Município, de um edifício em ruínas, para


o transformar em centro cultural, sendo o custo de aquisição de € 2.000.000, e o das
obras necessárias de € 6.000.000.
Este caso não é de enquadramento fácil ou evidente, porque há que escolher entre duas
interpretações : ou se considera que o essencial da relação jurídica é a compra e
venda, e não estará a adjudicação sujeita às regras do Código dos Contratos Públicos,
por efeito do disposto na alínea c), do nº 2, do seu artigo 4º ; ou, pelo contrário, que
se está, com o modelo misto em causa, a frustrar a aplicação de normas de
concorrência para a adjudicação de empreitadas de obra pública. Ver o ponto 12, infra
neste texto, sobre os “contratos excluídos”.
Uma coisa, contudo, se refira, não quanto à natureza jurídica do contrato, mas sobre
o regime do procedimento pré-contratual a aplicar. O Código dos Contratos Públicos,
muito prudentemente, não permitiu que a composição de objeto a partir de realidades
juridicamente diferentes, permitisse que não fosse aplicada uma adequada
concorrência, e transparência, na adjudicação. O nº 4, do seu artigo 32, determina :
“4. Quando o contrato for composto por prestações típicas pertencentes a um ou mais

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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contratos abrangidos, e a um ou mais contratos não abrangidos, pela parte II, aplica-
se a todo o contrato o regime correspondente da parte II, relevando para o efeito o
valor total do contrato”. Portanto, o contrato poderia não ser um contrato
administrativo, mas estava sujeito à Parte II, mesmo considerando a contratação, em
princípio, excluída.

Contrato de sociedade pela qual o Estado participa numa pessoa coletiva com o objeto
de conceber e implementar um sistema de comunicações de emergência.
O contrato de sociedade não está, naturalmente, classificado como contrato
administrativo, mesmo existindo sócios ou acionistas públicos. Mas o facto de estes
participantes existirem, faz com que este contrato seja um contrato público, nos termos
do nº 2, do artigo 1º, Código dos Contratos Públicos. Acresce, ainda, que se coloca o
problema de saber como se escolhe o sócio, ou sócios, privado(s). Ver, a título
complementar, o artigo 21, do Código dos Contratos Públicos, sobre a liberdade dos
procedimentos a adotar, no caso da celebração de contratos de sociedade, em que
participe uma entidade pública, e o n 3, do artigo 31, sobre a possibilidade de
aplicação do ajuste direto. Nos casos mais delicados, o poder político costuma cometer
um abuso de forma, aprovando por decreto-lei o regime da sociedade pública, ou
participada. A título de exemplo, veja-se o mais recente episódio da saga SIRESP,
consubstanciado no decreto-lei nº 81-A/2019, de 17 de junho.

10. Contratos administrativos e aplicação das regras do Código


dos Contratos Públicos.

O Código dos Contratos Públicos insere uma classificação expressa da vasta


maioria de contratos que regula, como contratos administrativos. Os
artigos 343 a 406 qualificam e descrevem as empreitadas de obra pública ; os
artigos 407 a 430 procedem ao mesmo exercício para as concessões de obras
e serviços públicos ; os artigos 431 a 436 para a locação de bens móveis ; os
artigos 450 a 454 para a impropriamente designada aquisição de serviços.
Impropriamente porque, em Português, os serviços não podem ser
objeto de apropriação. Logo, correta seria, por exemplo, a utilização do
conceito de contrato público de serviços. Que é a expressão utilizada na
legislação europeia.
As disposições mais importantes sobre a qualificação de contratos
administrativos constam do artigo 280, do Código dos Contratos Públicos,
muito melhorado na reforma de 2017, mas novamente alterado em 2021. O
seu teor atual é : “1. A parte III aplica-se aos contratos administrativos
entendendo-se como tal aqueles em que pelo menos uma das partes
seja um contraente público e que se integrem em qualquer uma das
seguintes categorias : a) Contratos que, por força do presente Código,
da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos
administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito
público ; b) Contratos com objeto passível de ato administrativo e

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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demais contratos sobre o exercício de poderes públicos ; c) Contratos


que confiram ao cocontratante direitos especiais sobre coisas públicas
ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público ; d)
Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a
um procedimento de formação regulado por normas de direito público
e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir,
de forma relevante, a realização das atribuições do contraente”. Refira-
se que no corpo desta disposição a lei menciona a presença de um contraente
público, e não de uma entidade adjudicante. A noção de contraente público
consta do artigo 3º, do Código dos Contratos Públicos. O nº 1, do artigo 280,
com as suas alíneas, constitui um dos acervos jurídicos mais importantes que
o Código dos Contratos Públicos insere. O corpo do artigo dissipa quaisquer
dúvidas (que tinham sido absurdamente cridas pela versão 2008, do mesmo
artigo) de que a Parte III não seria integralmente imperativa para todos os
contratos que prevê. Logo, não é matéria predominantemente supletiva,
como o preâmbulo ao decreto-lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, declarava.
Depois, deixa para a interpretação concreta o esclarecimento do âmbito de
aplicação de todas e cada uma das quatro alíneas do nº 1, do artigo 280.
Importa lembrar que o Código dos Contratos Públicos, em 2008, revogou
todas as disposições que o primeiro Código do Procedimento Administrativo,
de 1991, dedicava aos contratos administrativas. Entre as normas eliminadas,
figurava uma definição lata do que era, para efeitos substantivos, um contrato
administrativo (nº 1, do seu artigo 178), e uma lista não exaustiva de contratos
que classificava, ipso jure, como administrativos. Em consequência, desde
2008, em vez de termos um diploma de âmbito geral que dispusesse sobre o
que fosse o contrato administrativo, que, depois, teria expressões setoriais
(como o Código dos Contratos Públicos), temos um diploma setorial que se
pretende seja aplicado à generalidade dos contratos públicos e
administrativos. Esta errada escolha sistemática (porque trata invertidamente
o universo geral e o domínio do especial) é plenamente confirmada pelo nº 2,
do artigo 200, do Código do Procedimento Administrativo de 2015 : “2. São
contratos administrativos os que como tal são classificados no Código
dos Contratos Públicos ou em legislação especial”.
Significativo exemplo, seja da relevância da matéria do regime substantivo dos
contratos administrativos, seja da fragilidade das soluções normativas, é o da
determinação de um prazo tendencialmente limite para os contratos de
fornecimento de bens, constante do nº 1, do artigo 440, do Código dos
Contratos Públicos (aplicável também aos contratos públicos de serviços, por
efeito do disposto no artigo 451). “1. O prazo de vigência do contrato não
pode ser superior a três anos, incluindo quaisquer prorrogações
expressas ou tácitas do prazo de execução das prestações que
constituem o seu objeto, salvo se tal se revelar necessário ou
conveniente em função da natureza das prestações objeto do contrato

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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ou das condições da sua execução”. Que sentido faz uma afirmação de “o


prazo não pode ser superior a três anos”, quando, no seguimento do texto
legal, se diz que a mesma regra pode não ser aplicada, se não for conveniente
aplicá-la ?

Exercícios e sua resolução :


Uma empresa pública do setor da saúde desencadeou um concurso público para a
adjudicação de um contrato público, cujo conteúdo era o fornecimento de um
equipamento sofisticado de diagnóstico. Tendo dedicado um grande esforço à
caraterização técnica do equipamento que pretendia, descuidou a elaboração do
clausulado jurídico do caderno de encargos. Faltava, por exemplo, tudo quanto
respeitava às reformas de 2017 e de 2021, começando pelo regime dos trabalhos, bens
e serviços complementares. Com a evolução tecnológica, veio a estar disponível para
essa empresa pública uma significativa melhoria da prestação do equipamento, pagando
unicamente 1% mais do que o preço contratual.
Dada a redação atual do nº 1, do artigo 280, do Código dos Contratos Públicos, a falta
de reprodução, nos cadernos de encargos, do texto legal em vigor, não significa que
tal normativo se não aplique. Pelo contrário, qualquer norma cláusula que afirme o
contrário seria nula. Na hipótese presente nem isso está em causa, mas antes uma
omissão. Poder-se-ia admitir a aplicação do nº 2, do artigo 370, aplicável por força
do artigo 438, tudo do Código dos Contratos Públicos. Ou, atualmente, com o regime
especial da entrada em vigor definido na lei n´30/2021, de 21 de maio (nº 2, do seu
artigo 27), resultante da conjugação entre os artigos 313 e 370.

Um Município contratou com uma empresa distribuidora de energia elétrica um


contrato de fornecimento pelo período de três anos. Em nenhum ponto dos documentos
pré-contratuais se dizia que o contrato a celebrar seria um contrato administrativo. Mas
o caderno de encargos reproduzia, na sua maioria, soluções constantes da Parte III, do
Código dos Contratos Públicos. Tendo emergido um litígio na execução do contrato, a
empresa apresentou uma ação contra o Município, no Tribunal Administrativo e Fiscal.
E o Município defendeu-se, afirmando que o contrato era de direito privado, pelo que
esse Tribunal era materialmente incompetente para decidir.
Nos casos em que se possa suscitar dúvida sobre a competência do Tribunal, este tipo
de comportamento (seja de entes públicos, seja de privados) é muito comum, ou seja,
a parte demandada tenta sempre argumentar que o Tribunal competente é o outro ...).
Porém, tendo em conta o disposto na alínea a), parte final, do nº 1, do artigo 280, do
Código dos Contratos Públicos, o facto de a maior parte do conteúdo seguir as
disposições do Código para a execução de contratos administrativos é suficiente para
a qualificação, dado o Município ser um contraente público. Se a entidade pública não
queria uma relação deste tipo, escrevia outra coisa no caderno de encargos. Com a
apresentação da proposta, e a celebração do contrato, essa escolha inicial da entidade
pública, junta-se à vontade do contraente pública a do cocontratante. Ou seja, o
segundo aceita, objetivamente e para todos os efeitos legais, a escolha do primeiro.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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11. Para a disciplina jurídica da União Europeia, estão


unicamente em causa relações contratuais, por escrito e
onerosas. Para o Código dos Contratos Públicos, o âmbito é
mais vasto.

O nº 3, do artigo 1º, do Código dos Contratos Públicos, dispõe o seguinte :


”O presente Código é igualmente aplicável, com as necessárias
adaptações, aos procedimentos destinados à atribuição unilateral,
pelas entidades adjudicantes referidas no artigo seguinte, de quaisquer
vantagens ou benefícios, através de ato administrativo ou equiparado,
em substituição da celebração de um contrato público”. Em
contrapartida, a alínea 7), do nº 1, da diretiva 2014/24/UE, determina que “1.
Para efeitos da presente diretiva, entende-se por : (...) 5) ‘Contratos
públicos’, contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um
ou mais operadores económicos e uma ou mais autoridades
adjudicantes que tenham por objeto a execução de obras, o
fornecimento de produtos ou a prestação de serviços”. Não resta dúvida
de que o âmbito das normas nacionais é mais alargado do que as normas
reproduzidas da diretiva. O que não constitui violação das obrigações de
transposição, por parte de Portugal, mas antes uma opção legítima de
ampliar o âmbito de incidência de muitas normas do Código. Decisivo é que
a legislação nacional (o Código dos Contratos Públicos) acolhesse o espetro
da definição europeia. O que, no essencial, fez. Se, depois, aumenta o âmbito
de aplicação a outras realidades jurídicas, é, repetimos, uma pura escolha das
autoridades nacionais.
Este aspeto não impede que existam realidades jurídicas que, pela sua
natureza, sejam consideradas estranhas à contratação pública, e à sua
disciplina. Seja para efeitos nacionais, seja para efeitos do direito da União.
São os casos em que, ao invés de se procurar um adjudicatário a quem uma
entidade pública pretenda cometer o direito de firmar um contrato, o que se
quer é afirmar que qualquer entidade que preencha determinadas condições
(que podem ser muito extensas, técnica e juridicamente) pode entrar na
relação jurídica que se pretende constituir. Atualmente existem, no âmbito
dos pagamentos eletrónicos (caso da EMEL, por exemplo) muitas situações
deste tipo, em que a entidade pública aceita que o serviço possa ser prestado
por várias empresas, em simultâneo, desde que pretendam certos requisitos,
muito ao nível técnico ou regulamentar. O Tribunal de Justiça confirma que
este tipo de situação não releva para a disciplina da contratação pública
definida nas diretivas, conforme duas decisões recentes : o acórdão dado no
processo C-9/17 (Maria Tirkonen), a 1 de março de 2018, e C-410/14 (Dr
Falk Pharma), a 2 de junho de 2016. E as decisões do Tribunal de Justiça são
direito da União.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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Exercícios e sua resolução :


No âmbito da exploração de recursos naturais, um particular requereu a concessão de
exploração de depósitos minerais num determinado terreno, de sua propriedade.

A concessão de exploração de recursos naturais pode não ser um contrato (o termo


“concessão” é ambivalente, tanto podendo representar um contrato, como um ato
administrativo unilateral que confere direitos a um particular), conforme o disposto no
decreto-lei nº 88/90, de 16 de março. Mesmo tendo em conta as disposições desse
diploma, e que, nalguns casos se poderia evitar licitamente um concurso, ou
procedimento de valor público similar, há que garantir que os princípios do Código
dos Contratos Públicos sejam respeitados. E era esse cuidado, com comportamento
adequado, que era exigível à entidade pública com competência para permitir a
atividade (atualmente, a DGEG, direção-geral de energia e geologia), adaptada às
condições concretas. Veja-se a polémica atualmente em curso com a eventual
exploração das jazidas de lítio, em que há abundante informação pública a propósito.

No âmbito da realização de um censo, o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou


um anúncio convidando associações de estudantes para assegurar tarefas de inquérito
porta a porta. Os valores de remuneração eram pagos diretamente às associações,
segundo uma tabela fixa. Os grupos de estudantes tinham um número limite de
membros, e as tarefas tinham de ser efetuadas no prazo de 3 meses. O INE recebeu 20
candidaturas, e aceitou-as todas.

Esta situação não está abrangida pelo Código dos Contratos Públicos, mesmo sendo
uma relação pretendida por uma entidade adjudicante, nos termos da alínea d), do nº
1, do artigo 2º, do Código. Não há qualquer relevo em matéria de concorrência, nem
um único adjudicatário. E não serve como argumentação o facto de o novo
procedimento pré-contratual, a parceria para a inovação, poder admitir mais do que
um adjudicatário (vide nº 2, do artigo 218-D, do Código dos Contratos Públicos).
Porque aí existe concorrência efetiva antes desse passo, que não é, sequer, inevitável.
O nº 1, do artigo 5º, do Código ajuda a esta interpretação, se bem que, em rigor, este
caso (o da hipótese) esteja mais longe da contratação pública do que essa descrição
legal.

12. Os contratos excluídos.

O Código dos Contratos Públicos inclui, em parte por obrigação de


transposição das diretivas europeias sobre contratação pública, um vasto
conjunto de exceções à sua aplicação, ou à aplicação da sua Parte II. A larga
maioria delas por motivos atinentes ao respetivo objeto. Os artigos 4º, 5º, 5º-
A, 5º-B e 6º-A dispõem sobre ambas as matérias, constando do artigo 4º a
modalidade mais radical
Logo, uma adequada interpretação das normas essenciais do Código
implica, depois da verificação de que existe uma entidade adjudicante
(nos termos do artigo 2º) na relação, percorrer as disposições atrás

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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citadas, e confirmar que o caso concreto não está previsto em nenhuma


das exceções, conforme o respetivo âmbito.
Por exemplo, os contratos de trabalho, as compras e vendas de bens imóveis,
e o arrendamento por parte de entidades públicas (tudo no nº 2, do artigo 4º),
não são sequer sujeitos à Parte II do Código dos Contratos Públicos, nem ao
CCP, no seu conjunto. Mas em muitos outros casos o legislador entendeu ser
suficiente, para densificar o regime especial, desaplicar o normativo da
Parte II, estando tal expressamente cominado nas normas respetivas.
Há uma outra exceção de natureza geral, constante do nº 1, do artigo 5º, e
com o seguinte texto : “1. A parte II não é aplicável à formação de
contratos cujo objeto abranja prestações que não estão nem sejam
suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado,
designadamente em razão da sua natureza ou das suas caraterísticas,
bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da
sua formação”.

Exercícios e sua resolução :


Os seguintes casos estão, ou não, abrangidos pelas exceções consagradas no Código
dos Contratos Públicos ?
Um Município, através da sua Câmara Municipal, celebrou um contrato com uma
empresa municipal (cujo capital era exclusivamente do Município), para promover a
recolha de resíduos sólidos. O contrato foi celebrado sem ser lançado qualquer concurso
público, que fosse aberto a outras entidades, públicas ou privadas.
Este contrato está excluído de aplicação da Parte II, por efeito do disposto nº 1, do
artigo 5º-A, do Código dos Contratos Públicos.

Dois Municípios estabeleceram entre si um contrato para promoverem em conjunto o


transporte público de passageiros, recorrendo aos meios materiais e humanos de que já
dispunham. O contrato foi celebrado sem qualquer concurso público, aberto a outras
entidades, públicas ou privadas.
Com enquadramento semelhante ao dado na hipótese anterior, está excluído da
aplicação da Parte II, por efeito do disposto no nº 5, do artigo 5º-A, do Código dos
Contratos Públicos, dos procedimentos pré-contratuais.

Um português estabelecido, com grande sucesso, no estrangeiro, entendeu doar um


vasto património à Santa Casa da Misericórdia da sua terra natal. Com essa entidade
celebrou um contrato para esse fim.
Este contrato está completamente excluído, por força do disposto nas alíneas b) e c),
do nº 2, do artigo 4º, do Código dos Contratos Públicos, conforme se trate de doação
de bens móveis, ou de bens imóveis.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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O Ministério da Cultura celebrou um contrato com uma associação que promove


atividades teatrais. Nesse contrato, diz-se que será comprada pelo Estado a lotação de
uma sala onde a associação em causa apresenta realizações dramáticas, até ao montante
de € 25.000.
Aqui disfarçou-se um subsídio com a celebração de um contrato. Mas como a
qualificação jurídica não é matéria disponível, a natureza da relação em causa não
muda. É um contrato excluído da aplicação da Parte II, do Código dos Contratos
Públicos, por força do disposto na alínea c), do nº 4, do seu artigo 5º.

Para gerir o património, e as responsabilidades, de um banco comercial que foi objeto


de uma medida de resolução pelo Banco de Portugal, o Governo resolveu constituir
uma sociedade, unicamente participada pela direção-geral do Tesouro.
A direção-geral do Tesouro é um serviço da administração direta do Ministério das
Finanças, logo, uma entidade adjudicante, nos termos da alínea a), do nº 1, do artigo
2º, do Código dos Contratos Públicos. Está este contrato excluído da Parte II, nos
termos da alínea d), do nº 4, do seu artigo 5º.

No âmbito do funcionamento de uma central de compras no setor da saúde, um hospital


público celebrou um contrato, sem concurso público, para aquisição de bens.

A regulação do funcionamento das centrais de compras é feita por um numeroso


conjunto de normas que regem quer as instituições em causa, quer as relações que
estabelecem. Mas tudo se baseia na isenção de aplicação de novos procedimentos pré-
contratuais (novos, em relação àqueles que são desencadeados pelas próprias centrais,
para as quantidades totais) que é determinada pela alínea g), do nº 4, do artigo 5º, do
Código dos Contratos Públicos. Ou seja, desde que a central de compras tenha
cumprido as suas obrigações de publicidade e transparência, não se repete qualquer
procedimento pré-contratual, quando a entidade que precisa dos bens os obtém do
fornecedor com um acordo-quadro com a central de compras. A Parte II é desaplicada.

13. A contratação nos denominados setores especiais e a sua


expressão no Código dos Contratos Públicos.

Ao contrário do que ocorreu em muitos outros Estados-Membros, Portugal


optou por reunir num único diploma (o Código dos Contratos Públicos) as
normas de aplicação indistintamente do setor económico, e as dirigidas à
contratação pública nos denominados setores especiais (desde 2004, água,
energia, transportes e serviços postais). Isso é feito sobretudo através da
matéria contida nos artigos 7º a 15, ocupando todo o Título II, da Parte I.
Mas ao longo do Código existem várias disposições que prevêm a sua
aplicação aos citados setores especiais. São os casos do nº 5, do artigo 24, do
nº 2, do artigo 25, do nº 2, do artigo 26, do artigo 33, ou do nº 3, do artigo
46-A, entre outras.
Para os setores especiais, os limiares dos contratos são diferentes dos
definidos pela diretiva 2014/24/EU, e seus documentos executivos.
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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

No contexto da disciplina “Contratos Públicos” não será apreciada,


especificamente, e menos ainda em detalhe, a matéria da contratação
pública nos setores especiais. Tal não impede que, contudo, a título de
informação, seja a mesma chamada para efeitos de contextualização,
ou comparativos com o regime geral de contratação.

14. Os limiares de valor dos contratos públicos, de acordo com as


diretivas sobre contratação pública, e os respetivos diplomas
de execução.

Sempre se entendeu, no contexto da legislação europeia sobre contratação


pública, que seria completamente irrealista pretender a regulação de todas as
adjudicações de contratos públicos, independentemente do seu valor, com as
mesmas regras e a mesma publicidade. Assim já constava do artigo 7º, da
diretiva 71/305/CEE, primeira sobre coordenação de procedimentos de
adjudicação de empreitadas de obra pública, que referia 1.000.000 de unidades
de conta europeia, como nível mínimo do valor da despesa estimada, para se
aplicarem as normas dessa diretiva. Este valor subiu para 5.000.000 ecus (o ecu-
european currency unit, criado a 13 de março de 1979, era uma moeda composta
por moedas da então Comunidade, e substituiu a unidade de conta europeia)
na reforma produzida pela diretiva 89/440/CEE. Ao euro foi dado o mesmo
valor do ecu, no contexto da implementação da União Económica e Monetária
(UEM), com a moeda única.
Conforme foi sendo alargado o âmbito das normas das diretivas (para
alcançar os contratos públicos de fornecimento de bens e de prestação de
serviços), assim foram criados novos limiares, se bem que de valor muito
menor. Essa distinção ainda hoje se mantém, plenamente.
Utilizando agora exclusivamente o exemplo da diretiva 2014/24/UE, o seu
artigo 4º definiu, entre outras matérias, o limiar para os processos de
adjudicação para adjudicação de empreitadas, e dois para a adjudicação de
contratos públicos de fornecimento e de serviços, separados em função de
serem as suas entidades adjudicantes incluídas na categoria de governamentais
centrais ou de subcentrais.
Esses valores são atualizados cada dois anos, e a mais recente atualização foi
produzida pelo Regulamento Delegado (UE) 2021/1952 da Comissão, para
vigorar, por dois anos, a partir de 1 de janeiro de 2022. O resultado dessa
atualização foi o de colocar o limiar para a adjudicação das empreitadas em €
5.382.000, e os dois limiares para a adjudicação de contratos de fornecimento
e de serviços em € 140.000 e € 215.000, respetivamente para as entidades
governamentais centrais e para as subcentrais.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

São estes valores que correspondem ao que consta do artigo 474, do CCP. O
qual, muito adequadamente, mas pela primeira vez, insere uma disposição que
expressa o respeito obrigatório pelo direito da União– “5. A revisão dos
montantes dos limiares referidos nos números anteriores por ato
delegado da Comissão Europeia determina a modificação do presente
artigo e é divulgada no portal dos contratos públicos” . A atualização
destes valores, repetimos, é bianual, pelo que os atuais só são válidos até ao
final do ano de 2023.
Todos os valores são contados sem considerar o IVA, conforme o
disposto no mesmo artigo 4º, da diretiva 2014/24/EU. O mesmo surge na
disciplina nacional, constante do artigo 473, do Código dos Contratos
Públicos – “Todas as quantias previstas no presente Código, bem como
o valor do contrato, o preço base e o preço contratual, não incluem o
imposto sobre o valor acrescentado”, o que se projeta no regime de
apresentação da proposta (nº 1, do artigo 60, do Código dos Contratos
Públicos).
Uma das principais consequências de sujeição ao direito da União, por se
atingirem os limiares é o da obrigatoriedade de envio para publicação de
anúncio no Jornal Oficial da União Europeia. Assim prevê o artigo 131, sendo
reservado o artigo 130 para a divulgação de procedimentos pré-contratuais
sem necessidade de publicidade internacional.

Exercício e sua resolução :


Um município desencadeou um concurso público para adjudicação de uma empreitada
de obra pública, com o valor estimado de € 5.000.000. Não fez publicar qualquer
anúncio no JOUE (Jornal Oficial da União Europeia).
Não publicou, nem tinha de publicar, porque o valor do contrato não atingia o limiar
atualmente em vigor para as empreitadas : € 5.350.000.

15. Noção de entidade adjudicante. As diferenças entre os


números 1 e 2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos.

A noção de entidade adjudicante resulta da aplicação do disposto no artigo


2º, do Código dos Contratos Públicos. Do seu nº 1 consta uma lista, iniciada
pelo seguinte texto : “1. São entidades adjudicantes : a) o Estado ; b) As
Regiões Autónomas ; c) As autarquias locais ; d) Os institutos públicos
; e) As entidades administrativas independentes ; f) O Banco de
Portugal ; g) As fundações públicas ; h) As associações públicas ; i) As
associações de que façam parte uma ou várias das pessoas coletivas
referidas nas alíneas anteriores, desde que sejam maioritariamente
financiadas por estas. Estejam sujeitas ao seu controlo de gestão ou
tenham um órgão de administração, de direção ou de fiscalização cuja
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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

maioria dos titulares seja, direta ou indiretamente, designada pelas


mesmas”.
O nº 2 utiliza uma técnica legislativa completamente diferente, para definir
uma segunda grande categoria de entidade adjudicante, o organismo de direito
público. Resulta do seu teor que são organismos de direito público as pessoas
coletivas (tem de ser uma pessoa jurídica distinta, como primeiro requisito
obrigatório), independentemente da sua natureza ou privada, que tenham sido
criadas para satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial
ou comercial (segundo requisito obrigatório) e, como terceiro requisito, : que
sejam dominados da sua administração, gestão ou fiscalização por entidades
adjudicante ou que sejam maioritariamente financiados por entidades
adjudicantes (sejam elas do nº 1, ou do nº 2, do artigo 2º).
Em termos de produção de legislação internacional (como é uma diretiva), a
escolha de uma lista, ou de um critério (ou conjunto de critérios) não é,
principalmente, justificada por motivos técnico-jurídicos. É normalmente o
puro resultado do entendimento possível dos produtores legislativos. Quando
não se consegue o consenso para definir um critério, recorre-se à lista. Por
outro lado, são visíveis casos em que, para efeito das diretivas, algumas
organizações cairiam na qualificação de organismo de direito público, mas a
legislação nacional optou por uma classificação mais rigorosa. É o caso, em
Portugal, das associações públicas, que são entidade adjudicantes nos termos
da alínea h), do nº 1, do artigo 2º, ou dos institutos públicos, que também
caem na previsão do nº 1, pela sua alínea d). Não se trata de qualquer violação,
por Portugal, das suas obrigações de transposição, mas de uma escolha
legítima. Pode um Estado-Membro, de facto, ampliar, o âmbito de aplicação
de normas de contratação pública, desde que tal não constitua (como aqui
não parece constituir), um obstáculo injustificável às transações no contexto
do Mercado Interno, ou um desrespeito pelo princípio da não-discriminação.
Tendo em conta que aquilo que o legislador nacional pretendeu, foi
incrementar a transparência, e a melhor aplicação de dinheiros públicos, não
cremos que haja qualquer problema aqui.
Um caso muito interessante é o das empresas públicas, sejam de âmbito
nacional, seja autárquico. Não vêm mencionadas no nº 1, do artigo 2º, mas
não poderiam deixar de ser organismos de direito público, nem que seja só pelo
critério da nomeação dos titulares dos seus órgãos.
Num exercício paralelo, há que ter cuidado com a apreciação dos objetos
corporativos das empresas públicas, que não podem, para ser classificadas no
nº 2, do artigo 2º, ter finalidade comercial ou industrial. Esta apreciação do
objeto é feita com base nos critérios jurídicos da contratação pública, e não
nos do direito comercial, ou das sociedades. Aí, o contributo da jurisprudência
do Tribunal de Justiça é absolutamente decisivo.
Existem, ainda, diversas situações em que algumas entidades, e circunstâncias
especiais, resultantes de condição jurídica ou de relação contratual, são

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

tratadas como entidades adjudicantes, nos termos dos artigos 275 (contratos
subsidiados), 276 (contratos a celebrar por concessionários de obras públicas
que não sejam entidades adjudicantes) e 277 (contratos a celebrar por
entidades beneficiárias de direitos especiais ou exclusivos no exercício de
atividades de serviço público), do Código dos Contratos Públicos.
Uma nota final. Nas diretivas de 2014, passou a ser maioritariamente utilizada
a expressão “autoridade adjudicante”, em vez de “entidade adjudicante”. A lei
portuguesa, em 2017 e 2021, não acolheu essa denominação. Por isso,
optámos por manter a terminologia.

Exercícios e sua resolução :


Face ao disposto no artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos, qual a
classificação a dar às seguintes entidades ?
Ministério da Defesa Nacional
O Ministério da Defesa Nacional é Estado, conforme a alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do Código dos
Contratos Públicos. Todos os serviços tradicionais nele integrados (ramos das Forças Armadas) merecem
a mesma qualificação.

Município de Lisboa
O Município de Lisboa, enquanto autarquia local, está abrangido pela alínea c), do nº 1, do artigo 2º, do
Código dos Contratos Públicos.

Região Autónoma dos Açores


A Região Autónoma da Madeira é uma entidade adjudicante nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo
2º, do Código dos Contratos Públicos.

Secretaria Regional da Inclusão e Cidadania (Região Autónoma da Madeira)


Uma Secretaria Regional integra a Administração Pública regional. Para efeitos do Código dos Contratos
Públicos, considera-se também abrangida pela alínea b), do nº 1, do seu artigo 2º.

Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P. (ADSE)


A ADSE, nos termos do decreto-lei nº 7/2017, de 9 de janeiro, é um instituto público, designado como
tendo um regime especial e de gestão participada. Portanto, mesmo que seja autossuficiente do ponto de vista
financeiro, vivendo das contribuições dos seus beneficiários, está abrangida pela alínea d), do nº 1, do artigo
1º, do Código dos Contratos Públicos, e não pelo artigo 2º, do mesmo artigo.

Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, E.P.E.


Uma E.P.E. é uma pessoa coletiva que integra o setor empresarial do Estado. É uma empresa pública de
âmbito nacional. Não estando listada no nº 1, do artigo 2º, cai, contudo, na previsão do nº 2, nem que
fosse só pelo regime de nomeação governamental dos titulares dos seus órgãos. Está atualmente regulado
pelo decreto-lei nº 200/2012, de 27 de agosto.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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IRN-Instituto dos Registos e Notariado, I.P.


O IRN, regulado atualmente pelo decreto-lei nº 148/2012, de 12 de julho, como instituto público que é,
também está sujeito ao enquadramento, enquanto entidade adjudicante, pela alínea d), do nº 1, do artigo
2º, do Código dos Contratos Públicos.

Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)


A IP é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (decreto-lei nº 91/2015, de 29 de
maio), em que o Estado nomeia todos os titulares dos seus órgãos sociais. A sua atividade é de interesse
geral, de gestão de serviço público, não considerada de natureza comercial ou industrial. Independentemente
da construção financeira, na qual há vultuosas receitas que são da IP, é um organismo de direito público,
nos termos do nº 2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos.

Fundação ISCTE
A Fundação ISCTE é uma fundação pública com regime privado. Tudo nos termos gerais da lei nº
62/2007, de 10 de setembro e concretamente, para os seus estatutos, do decreto-lei nº 95/2009 de 27 de
abril. É uma entidade adjudicante, nos termos da alínea g), do nº 1, do artigo 2º, do Código dos Contratos
Públicos. Mesmo tendo presentes os objetivos destas fundações muito especiais, como modelo privatístico das
Universidades Públicas, tal não desencadeia a aplicação do nº 2, do artigo 2º, porque estão as fundações
públicas listadas no nº 1.

Ordem dos Advogados


A Ordem dos Advogados, cujo Estatuto mais recente foi aprovado pela lei nº 145/2015, de 9 de setembro
é uma associação pública (nº 1, do artigo 1º, do Estatuto). É, por isso, uma entidade adjudicante, nos
termos, e para os efeitos, da alínea h), do nº 1, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos. Apesar
das caraterísticas especiais destas associações públicas (há outras, de desenho jurídico diferente, mas que
também caem no nº 1, do artigo 2º), não são organismos de direito público, mas abrangidas pelo nº 1.

Direção-geral da administração da Justiça (DGAJ)


A DGAJ é um serviço simples do Ministério da Justiça, definido como “administração direta”, nos termos
da alínea d), do artigo 4º, da Lei Orgânica do Ministério da Justiça, aprovada pelo decreto-lei nº
123/2011, de 29 de dezembro. É uma entidade adjudicante, nos termos da alínea a), do nº 1, do artigo
2º, do Código dos Contratos Públicos, considerado como Estado. É esta qualificação a que, em geral, tem
de ser dada às formas simples de organizações administrativas, por vezes apelidada de “administração
direta”, com aqui sucede.

Comissão Nacional de Proteção de Dados-CNPD


A CNPD é, de acordo com o artigo 2ª da lei nº 43/2004, de 18 de agosto –“uma entidade administrativa
independente”. Por isso, é uma entidade adjudicante, nos termos da alínea e), do nº 1, do artigo 2º, do
Código dos Contratos Públicos.

Provedoria de Justiça
A Provedoria de Justiça é uma estrutura administrativa (regulada pelo decreto-lei nº 279/93, de 11 de
agosto, entretanto várias vezes alterado) que dá suporte ao Provedor de Justiça, órgão independente nos
termos do nº 3, do artigo 23, da Constituição da República. Inclui-se, enquanto entidade adjudicante, na
alínea e), do nº 1, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos. É, para esses efeitos, uma entidade
administrativa independente.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM)


Regida pelo decreto-lei nº 39/2015, de 16 de março, que aprovou os seus estatutos, tem a qualificação de
“entidade administrativa independente”, dada pelo artigo 1º desses estatutos. Sendo um regulador, deve
esta qualificação estender-se a todos os outros. Veja-se o disposto na lei nº 67/2013, de 28 de agosto (Lei-
quadro das entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos
setores privado, público e corporativo).

Banco de Portugal
É uma entidade adjudicante, nos termos da alínea f), do nº 1, do artigo 2º, do Código dos Contratos
Públicos, por aí estar diretamente mencionado nessa condição.

Fundação “O Século”
Esta organização, uma fundação constituída nos termos do código civil, não recebe verbas do Estado ou de
outras entidades adjudicante, a não ser por contrapartida de prestação de serviços, e nenhum ente público
tem poder de nomear os seus órgãos. Porém, o Município de Lisboa, por contrapartida das receitas perdidas
da antiga Feira Popular, deu de arrendamento à fundação um terreno onde se implantou um posto de
combustível, subarrendado a uma gasolineira por um preço muito mais elevado do que a autarquia recebe,
e que é o rendimento maioritário de que a Fundação “O Século” dispõe. Por isso, é um organismo de
direito público, nos termos do nº 2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos, pelo critério da
dependência de financiamento maioritário.

Empresa Municipal de Gestão e Obras do Porto


Trata-se de uma empresa do setor empresarial local, nos termos da lei nº 50/2012, de 31 de agosto. É
uma entidade adjudicante, classificável no nº 2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos, sendo,
assim, um organismo de direito público.

Federação Portuguesa de Futebol


A FPF é uma associação sem fins lucrativos, mas que, dotada da “utilidade pública desportiva”, nos
termos da decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de dezembro (na sua versão atual), igualmente assegura a
representação nacional nas competições organizadas nas federações internacionais em que está filiada. Os
seus objetivos são de interesse geral, mas isso não é suficiente para ser classificada como entidade adjudicante,
nos termos do nº 2, do artigo 2º, do CCP. Seja porque tem autonomia de gestão e os membros dos seus
órgãos sociais não são nomeados por outra entidade adjudicante, seja pela sua capacidade própria em termos
económico-financeiros. A título de curiosidade, o Tribunal de Justiça da União Europeia já teve de
interpretar (muito recentemente)o estatuto da Federação Italiana de Futebol, e concluiu no sentido de que
não era uma entidade adjudicante.

Foi criada uma associação civil temporária, especificamente para promover a realização de
um encontro de natureza religiosa e âmbito internacional. Denominou-se Comité Evento,
e a composição de todos os seus órgãos (direção e conselho de fiscalização) era definida
do mesmo modo : a) o presidente era nomeado pelo Governo, mas teria de ter o parecer
favorável das associações religiosas participantes ; os dois vogais eram nomeados um
livremente pelo Governo e o outro livremente por essas associações.
O financiamento do Comité Evento, para um custo total de € 6.000.000, era assegurado,
em 50%, pela venda de merchandising, em 25%, por dádivas dos crentes recolhidas pelas
associações, e em 25% por um subsídio do Estado

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Para estar abrangida pelo nº 2, do artigo 2º, seria necessário o cumprimento cumulativo de três requisitos
: ser uma pessoa (e era, porque uma associação civil regularmente constituída nos termos do Código Civil,
tem personalidade jurídica), ter por objeto uma atividade de interesse geral, sem caráter industrial ou
comercial (também assim era, dada a finalidade altruísta da associação) e, depois, preencher um de dois
casos : ou ser dominada gestionariamente por uma entidade adjudicante, ou ser maioritariamente financiada
por ela., ou elas. Eliminamos o último, dadas as fontes de financiamento descritas na hipótese, e centremo-
nos na questão da nomeação dos titulares dos órgãos sociais. Por um lado, há uma maioria de nomeados
pelo Governo, mas os presidentes só podem assumir com parecer favorável das associações religiosas. Por
outro, este sistema complexo esconde, na prática, que a nomeação dos presidentes é comum às duas partes.
Logo, mesmo com maioria nominal, não há qualquer intento de domínio, por parte do Estado. Portanto,
esta associação civil temporária não era um organismo de direito público, nos termos e para os efeitos do nº
2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos, por não preencher o terceiro requisito, em qualquer das
suas duas modalidades. Mas, com visto, era um caso a requerer um exercício muito cuidado, e
fundamentado, de interpretação.

16. Formação da vontade da entidade adjudicante. A lista


taxativa dos procedimentos pré-contratuais. A habilitação.

A entidade adjudicante só pode desencadear um procedimento pré-contratual


nos estritos termos definidos no Código dos Contratos Públicos, e tem de
respeitar os passos de cada um deles. E só pode desencadear uma contratação,
se aplicar um procedimento pré-contratual típico. A lista dos
procedimentos consta do nº 1, do artigo 16, nestes termos : “1. Para a
formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou
sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as
entidades adjudicantes devem adotar um dos seguintes tipos de
procedimentos : a) Ajuste direto ; b) Consulta prévia ; c) Concurso
público ; d) Concurso limitado por prévia qualificação ; e)
Procedimento por negociação ; f) Diálogo concorrencial ; g) Parceria
para a inovação.”
Com o Código dos Contratos Públicos foi individualizada a decisão de
contratar (artigo 36, muito alterado na reforma de 2017, e novamente alterado
em 2021), a qual tem de ser revogada em caso de o procedimento não se
concluir, normalmente, pela adjudicação, conforme manda o nº 1, do artigo
80. Com essa revogação, extingue-se o procedimento pré-contratual.
Quando desencadeia um dos procedimentos pré-contratuais acima referidos,
a entidade adjudicante tem de recorrer a um complexo documental que está
descrito no artigo 40, cujo texto é : “1. As peças do procedimento de
formação de contratos são as seguintes : a) No ajuste direto, o convite
à apresentação das propostas e o caderno de encargos, sem prejuízo do
disposto no artigo 128º ; b) Na consulta prévia, o convite à apresentação
de propostas e o caderno de encargos ; c) No concurso público, o
anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos ; d) No
concurso limitado por prévia qualificação, o anúncio, o programa do

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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procedimento, o convite à apresentação de propostas e o caderno de


encargos ; e) No procedimento por negociação, o anúncio, o programa
do procedimento, o convite à apresentação de propostas e o caderno
de encargos ; f)No diálogo concorrencial, o anúncio, o programa do
procedimento, a memória descritiva, o convite à apresentação de
propostas e o caderno de encargos ; g) Na parceria para a inovação, o
anúncio, o programa do procedimento, o convite à apresentação de
propostas e o caderno de encargos”. Desta singela lista se depreendem
algumas das caraterísticas distintivas entre os vários procedimentos. Antes da
reforma de 2017 o anúncio não era qualificado como uma peça do
procedimento, situação corrigida, e bem, pelo decreto-lei nº 111-B/2017, de
31 de agosto. A falta de qualquer peça do procedimento provoca a nulidade
do procedimento.
A decisão de contratar (artigo 36), já referida, implica a aprovação de todas as
peças de cada procedimento, para além da validação de outro tipo de
informação, requerido por lei, e que foi muito desenvolvida em 2017. O
cumprimento rigoroso de todo o dispositivo inerente à decisão de contratar
tem sido objeto de atenção muito próxima do Tribunal de Contas,
(nomeadamente quanto às apontadas novidades de 2017). Para a
identificação, e localização, das regras que disciplinam a evolução
obrigatória dos procedimentos pré-contratuais, os seus passos e atos
intermédios, até à decisão final, é necessário, uma vez mais, o recurso
à sistemática do Código dos Contratos Públicos, desta vez ao interior
da Parte II, sobre a contratação pública.
O Código dos Contratos Públicos utiliza uma técnica mista para a descrição
dos passos dos procedimentos : o Título II, da Parte II, é dedicado à fase de
formação do contrato (qualquer contrato e todos os contratos), e o Título III
versa sobre a tramitação procedimental, o que obriga a um exercício de vai e
vem, no interior da Parte II. Porque é da reunião de normas destes dois Títulos
que se encontra o regime concreto de cada procedimento pré-contratual.
Complementarmente, a regulação do concurso público serve de paradigma a
vários outros procedimentos, através de remissões, por vezes sucessivas. Por
isso, vamos recorrer unicamente a esse procedimento pré-contratual.
Um dos pontos basilares em que é moldada a expressão da vontade da
entidade adjudicante, tem a ver com os prazos mínimos para apresentação de
propostas. No caso do concurso público nacional, o prazo mínimo para os
fornecimentos e serviços é de seis dias, e para as empreitadas de catorze
dias (pode ser reduzido a seis dias, em caso de manifesta simplicidade dos
trabalhos), tudo no contexto do artigo 135, do Código dos Contratos Públicos.
Existe ainda a possibilidade de recorrer ao chamado concurso público
urgente, com limites, desde que exista urgência na contratação (artigo 155).
Aqui, o prazo mínimo para apresentação das propostas é vinte e quatro
horas para os fornecimentos e serviços e de setenta e duas horas, para as

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

empreitadas (segundo o disposto no artigo 158). No caso do concurso público


internacional o prazo mínimo único é de trinta dias, podendo ser reduzido a
quinze, em situação de urgência (tudo de acordo com o artigo 136).
Como facilmente se constata da lista atrás colocada, os prazos mínimos para
a apresentação de propostas, com exceção dos concursos internacionais, são
muito curtos. Um dos aspetos da reforma de 2017 foi a de reduzir, ainda mais,
tais prazos, num movimento que pode acabar por perturbar a qualidade de
elaboração das propostas, ou, mesmo, a transparência dos processos. Com
efeito, um prazo demasiado curto pode impedir, ou desencorajar, a
participação de potenciais interessados. Em sentido oposto, pode ser um
benefício injustificado de quem, por qualquer motivo, tenha uma proposta
feita (este fenómeno é especialmente importante nos casos de renovação de
prestação de serviços ou fornecimento de bens, em que quem já esteja a
desenvolver essa atividade, mais rapidamente elabora uma proposta para um
concurso que se aproxime.
A lei nº 30/2021, de 21 de maio, determinou que se deveria adjudicar um
vasto conjunto de contratos (a começar pelos cofinanciados pelos fundos
europeus) aproveitando os prazos mínimos atrás indicados.
Há igualmente exigências orgânicas para a entidade adjudicante. Para além da
referência constante aos poderes da entidade competente para a decisão de contratar,
previu-se um órgão temporário, o júri a quem cabe a execução das tarefas de
índole técnica, e de propor ao órgão competente para contratar a adjudicação
(artigos 67 a 69, do Código dos Contratos Públicos). Todos os membros do
júri têm de apresentar uma declaração de inexistência de conflitos de
interesses nos termos do anexo XIII, ao Código.
Um dos elementos essenciais, em qualquer procedimento pré-contratual é o
da denominada habilitação. A habilitação é a comprovação de que o
interessado reúne as qualidades necessárias para a execução do contrato. Não
se confunde concetualmente, apesar das normas que serão reproduzidas em
seguida, com a pura apreciação da idoneidade. Do nº 1, do artigo 80, do
Código dos Contratos Públicos, consta o seguinte texto : “1. Dos
procedimentos de formação de quaisquer contratos, o adjudicatário
deve apresentar os seguintes documentos de habilitação : a)
Declaração do anexo II ao presente Código, do qual faz parte
integrante ; b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas
situações previstas nas alíneas b), d), e) e f), do nº 1 do artigo 55º” (esta
matéria oi executada, no contexto da reforma de 2017, por um regulamento
próprio, chamado pelo nº 2, do artigo 81 : é a portaria nº 372/2017, de 14 de
dezembro). Fique desde já a menção de que não é evidente a coerência entre
as soluções europeias e o que consta do Código dos Contratos Públicos (seja
em 2008, seja em 2017). Caraterístico do modelo das diretivas (todas as que
dispuseram, desde 1971, sobre a coordenação dos procedimentos de
adjudicação) era a existência de três momentos : a) num primeiro, estava em

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

causa a verificação da idoneidade (exercício feito a contrario, pela infirmação


de que os interessados não estavam na lista de impedimentos) ; b) um
segundo, em que se apreciava a capacidade técnica, económica e financeira
dos interessados idóneos ; c) em terceiro lugar, aplicava-se o critério de
adjudicação. No Código dos Contratos Públicos não se percebe o que o
legislador quis fazer com a segunda fase. Aparentemente, estará reduzida à
verificação de cumprimento de requisitos legais nacionais quanto ao exercício
de certas atividades. Como a de construção, segundo a lei nº 41/2015, de 3
de junho, ou a de segurança privada, segundo a lei nº 46/2019, de 8 de julho,
que obrigam a que as empresas desses setores sejam titulares de específicas
autorizações administrativas.

Exercícios e sua resolução :


Uma direção-geral do Ministério do Ambiente e da Transição Energética lançou uma
consulta ao mercado para encontrar interessados na implementação e desenvolvimento
de soluções inteligentes para promover a poupança energética em edifícios públicos.
Aos interessados era pedido um preço para a conceção, e outro para a execução do
modelo proposto. Publicitou esse anúncio no portal do Ministério. Desse anúncio
constava uma breve informação sobre as caraterísticas técnicas exigidas, e afirmava-se
um valor monetário limite de investimento público nesta iniciativa.
A partir do momento em que a entidade pública anuncia que pretende estabelecer um
vínculo, que inclui um sinalagma (serviço contra preço), estamos perante um
procedimento de celebração de um contrato. Procedimento irregular, neste caso, dado
que não foi aplicado nenhum dos procedimentos previstos no artigo 16, do Código dos
Contratos Públicos.

Apesar do teor dos artigos 57 e 81, do Código dos Contratos Públicos, uma autarquia
local exigiu que para se poder concorrer à adjudicação de um contrato de empreitada,
os empreiteiros interessados tivessem de ser titulares de alvarás emitidos pelo IMPIC-
Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção. Era legal essa
exigência, que não se refere a qualidades da proposta, mas do proponente, e quando
teria o adjudicatário de provar essa titularidade ?
Era não só legal, mas também obrigatória, de acordo com o disposto nos artigos 5º a
8º, da lei nº 41/2015, de 3 de junho, que prevê um sistema em que as autorizações,
constantes dos alvarás, variem segundo o valor da obra e o tipo de trabalho. A
demonstração dessa capacidade é feita após a interpelação feita ao adjudicatário, nos
termos do artigo 81, do Código dos Contratos Públicos. Logo, num momento posterior
à seleção feita entre as propostas, o que sucede a pretexto de não exigir a todos os
concorrentes (e não só ao adjudicatário) esses elementos. Mas pode dar problemas,
conforme se constata do regime constante dos artigos 85 a 87, sobre a não entrega dos
documentos de habilitação.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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17. Os dois critérios essenciais que governam a aplicação dos


procedimentos pré-contratuais.

De acordo com a sistemática básica do Código dos Contratos Públicos,


existem dois tipos de fundamentos para a escolha dos procedimentos : o valor
estimado dos contratos e os denominados “critérios materiais” (infeliz
expressão, dado que o dinheiro não deixa de ser igualmente um “critério
material”, e dos mais relevantes). Os valores atuais, para a contratação
exclusivamente determinada pelo montante estimado da despesa, são os
seguintes :
€ 150.000, como limite para o valor do contrato de empreitada de obra
pública, que permita a adjudicação por consulta prévia : alínea c), do artigo
19, do Código dos Contratos Públicos :
€ 75.000, limite equivalente para a aplicação da consulta prévia, nos contratos
de fornecimento de bens e de prestação de serviços : alínea c), do nº 1, do
artigo 20, do Código dos Contratos Públicos ; no contexto da lei nº 30/2021,
de 21 de maio, e das suas medidas especiais de contratação pública, criou-se
uma consulta prévia simplificada com consulta mínima a cinco interessados,
que pode ser aplicada até € 750.000 para as empreitadas, ou até as limiares
constantes do artigo 474 para os bens e serviços, mas exclusivamente no
âmbito de aplicação da citada lei.
€ 30.000, limite para a adjudicação de contratos de empreitada de obra pública
por ajuste direto : alínea d), artigo 19 ;
€ 20.000, limite para a adjudicação de contratos de fornecimento de bens e de
prestação de serviços, por ajuste direto, alínea d), do nº 1, do artigo 20.
Para qualquer valor de contrato podem aplicar-se o concurso público e o
concurso limitado por prévia qualificação, que serão nacional, ou
internacionais conforme se atinjam os limiares definidos pela União Europeia
e que agora estão reproduzidos no artigo 474, do CCP. Alguns procedimentos
de (muito) menor expressão – casos do diálogo concorrencial ou da parceira
para a inovação, têm a sua aplicação determinada exclusivamente por critérios
materiais específicos. Não confundir com os “critérios materiais atrás
apontados.
Tem-se constatado uma evolução legislativa no sentido dos valores que
autorizam a aplicação do ajuste direto diminuírem em cada reforma. Em 2017,
por exemplo, introduziu-se um novo procedimento – a consulta prévia – que
recebeu os valores limite anteriormente válidos para o ajuste direto. E,
concomitantemente, como está na lista acima, por ajuste direto pelo valor da
despesa, só se pode ir até aos € 20.000 (fornecimentos e serviços) e € 30.000
(empreitadas). Em sentido oposto, vale a extensão para o ajuste direto
simplificado (no ajuste direto simplificado, paga-se contra fatura ou recibo,
sem mais passos burocráticos), que era aplicável só até € 5.000 ou € 10.000, e
agora passa para € 15.000, nos termos da lei nº 30/2021, de 21 de maio. Mas

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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só para a adjudicação dos contratos incluídos no âmbito material de aplicação


dessa lei.
Além da aplicação de procedimentos determinada pelo valor da despesa
prevista, existe, como já vimos, outro regime, que o Código dos Contratos
Públicos apelida de “critérios materiais”, Aqui, a base da raciocínio é a da
identificação de situações que justifiquem a dispensa, ou o aligeiramento, da
concorrência. Logo, menos transparência para defender, por exemplo, a
celeridade. Estas normas especiais também esclarecem quando se podem,
ou devem, aplicar outros procedimentos, que não o ajuste direto, o concurso
público ou o concurso limitado com prévia qualificação. É o caso da disciplina
de aplicação da consulta prévia (artigo 27-A), do procedimento de negociação
e do diálogo concorrencial (artigo 28) ou da parceria para a inovação (30-A).
O conjunto de normas que se dedicam à definição dos chamados “critérios
materiais” ocupam os artigos 23 a 30-A, e é bastante numeroso, em parte pela
necessidade de assegurar a transposição do disposto nas diretivas (atualmente,
as de 2014). A título de exemplo, e como paradigma do que é a contratação
em condições excecionais, vejamos o disposto na alínea c), do nº 1, do artigo
24: “1. Qualquer que seja o objeto do contrato a celebrar, pode adotar-
se o ajuste direto quando : (...) c) Na medida do estritamente
necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de
acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam
ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde
que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis
à entidade adjudicante.” Veja-se, com especial atenção os vários fatores
que a lei descreve : a) só se pode aplicar o ajuste direto na medida do
estritamente necessário ; b) por motivos de urgência; c) e essa urgência tem
de ser imperiosa ; d) tem de ser resultante de uma circunstância imprevisível
(não meramente imprevista) para a entidade adjudicante ; e) não se possam
cumprir os prazos inerentes aos demais procedimentos ; e, finalmente f) as
circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade
adjudicante. É jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União
Europeia que as normas excecionais, como as referidas, têm de ter uma
interpretação estrita. Porém, se se respeitar essa postura, este conjunto
de normas quase não terá hipótese de ser aplicado. Como os exercícios
abaixo demonstram, sem qualquer dificuldade.
Uma nota para a legislação específica de resposta à crise do Covid 19. Sem
que se perceba claramente o fundamento técnico desta opção, o artigo 1º, do
decreto-lei nº 10-A/2020, de 13 de março, mereceu o seguinte texto : “1. Para
efeitos de escolha do procedimento de ajuste direto para a celebração
de contratos de empreitada de obras públicas, de contratos de locação
ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços,
independentemente da natureza da entidade adjudicante, aplica-se o
disposto na alínea c) do nº 1, do artigo 24º, do Código dos contratos

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de


janeiro, na sua redação atual, na medida do estritamente necessário e
por motivos de urgência imperiosa”. Ou seja, eliminaram-se os requisitos
de não haver responsabilidade da entidade adjudicante, e da limitação ao
estritamente necessário. Qual a vantagem desta bizarra solução ? Mais fácil
seria remeter, pura e simplesmente, para as normas (mas todas) já existentes
no Código dos Contratos Públicos.

Exercícios e sua resolução :


Sempre que há notícias sobre grandes tremores de terra, noutros pontos do Mundo que
não em Lisboa, todos os especialistas portugueses declaram que não há sequer lugar à
pergunta sobre se acontecerá aqui, no futuro, algo de similar a 1755. Acontecerá
certamente, só que ninguém pode prever quando. Se vier a ocorrer um terramoto com
essa violência, será uma circunstância imprevisível, para efeitos da legislação sobre
contratação pública ?

E se Portugal estiver na iminência de ser invadido por outro país europeu, será imprevisível
? É que já o foi várias vezes no século XIX, com as invasões napoleónicas, e nos séculos
XVI e XVII, em que foi invadido e ocupado pelo Reino de Espanha (1580-1640), pelo que
uma invasão atual nada teria de original. Sem esquecer Aljubarrota (1385), em que o Reino
de Portugal teve de lutar pela sua sobrevivência, bem dentro de portas. Portanto, se
Portugal viesse a ser, novamente, invadido e/ou ocupado, seria muito nocivo, mas não
original.

E os trabalhos que foi necessário realizar, na Serra da Arrábida (2005 e 2006),


nomeadamente na estrada entre o limite urbano de Setúbal e a praia da Figueirinha, que
visaram impedir a queda de rocha sobre essa estrada, provocada pela erosão de um grande
incêndio, não eram antecipáveis após a ocorrência do incêndio ?

E se se repetirem as cheias em Lisboa e arredores (1967) que mataram um número ainda


hoje indeterminado de pessoas, dada a sua violência, seria uma circunstância imprevisível,
tendo em conta as razões apontadas para as consequências, como a construção em leito
de cheia ?

E os incêndios brutais de junho de outubro de 2017, quando já se conhece uma longa


história de eventos desta natureza, nas dezenas de anos anteriores, eram verdadeiramente
imprevisíveis ?

Os cinco exemplos dados atrás visam demonstrar a necessidade de, sempre, contextualizar as questões
jurídicas. Imprevisível só pode significar, para que a lei possa ter algum âmbito de aplicação relevante
ou razoável, algo que, mesmo sendo um fenómeno não desconhecido ao longo da história, seja impossível de
prever quando possa ocorrer. Porém, se estiver em causa a aplicação da alínea c), do nº 1, do artigo 24, do
Código dos Contratos Públicos, a imprevisibilidade não é o único requisito para a aplicação do ajuste
direto. Há que confirmar todos e qualquer um deles, a começar pela impossibilidade de imputar à entidade
adjudicante a responsabilidade da criação da situação excecional. Será, mesmo, na não verificação de vários
dos restantes requisitos que a situação se torne impossível de enquadrar positivamente.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Quando foi construído o Hospital de Braga, em regime de PPP, as várias entidades em


causa – parceiro privado da PPP, Município de Braga, e Governo (mesmo através da
EP-Estradas de Portugal, S.A.) empurraram, uns para os outros, a responsabilidade de
construção das vias rodoviárias de acesso. Quando, finalmente se percebeu que só a EP
estaria em condições de dar resposta eficiente a esta necessidade, tal decisão foi
assumida, quase em desespero face à ridícula situação de ter um hospital a que não se
podia chegar. Em consequência, a EP adjudicou, em ajuste direto, a empreitada. Fê-lo
em aplicação do disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 24, do Código dos Contratos
Públicos. O contrato foi enviado para a 1ª secção do Tribunal de Contas, e o visto foi
concedido, com, entre outros, os seguintes fundamentos : “5. Verifica-se urgência
imperiosa quando um procedimento necessite de ser acelerado para a conclusão de
obras públicas cuja demora originaria, para o Estado, o pagamento de elevados
encargos financeiros, tanto maiores quanto maior for o atraso verificado. 6. O
processo de construção dos acessos viários ao novo Hospital de Braga decorreu
durante vários anos, tendo existido tempo mais do que suficiente para a realização
de um procedimento concursal. 7. Enquanto processo que envolveu várias entidades,
houve falhas relevantes de gestão, coordenação e responsabilização que conduziram
à impossibilidade de desenvolver o procedimento concursal exigido. 8. Essas falhas
não podem, no caso, ser imputada à concreta entidade adjudicante, a qual, a partir
do momento em que lhe foi atribuída a responsabilidade por todo o processo, agiu
com razoável celeridade, ajustando a sua atuação ao estritamente necessário. 9
Apesar das graves falhas de coordenação, as circunstâncias do caso apontam para a
verificação concreta dos pressupostos estabelecidos na alínea c), do nº 1, do artigo
24º do Código dos Contratos Públicos, no que concerne à entidade adjudicante,
legitimando o recurso ao ajuste directo” (acórdão do plenário da 1ª secção, nº 8/2011,
de 12 de abril).
Nesta decisão do Tribunal de Contas estão presentes muitos dos elementos de
contextualização normativa do recurso ao ajuste direto. Mas não só. Com efeito, o
Tribunal de Contas considera muito relevante a posição relativa da concreta entidade
adjudicante, isto é, avaliou a sua possibilidade de ser célere, a partir do momento em
que a responsabilidade de construir os acessos. A razoabilidade (evidente) da posição
do Tribunal de Contas construiu-se, assim e também, num conceito muito limitado
do imprevisibilidade.

18. Preço base, preço contratual e valor do contrato.

O Código dos Contratos Públicos inseriu diversos conceitos próximos sobre


o objeto e o valor do contrato, conceitos com funções diferentes. Sem
prejuízo de terem sido alvo de alterações na grande reforma de 2017, o
essencial deste regime manteve-se. Mas com a lei nº 30/2021, de 21 de maio,
muito mudou. Estão em causa as seguintes disposições : “1. Para efeitos do
presente Código, o valor de contrato a celebrar é o valor máximo do
benefício económico que pode ser obtido pelo adjudicatário com a
execução de todas as prestações que constituem o seu objeto. 2. O
benefício económico referido no número anterior inclui, além do preço
a pagar pela entidade adjudicante ou por terceiros, o valor de quaisquer
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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

contraprestações a efetuar em favor do adjudicatário e ainda o valor das


vantagens que decorram diretamente para este da execução do
contrato e que possam ser configuradas como contrapartidas das
prestações que lhe incumbem” (artigo 17) ; “O preço base, que deve ser
definido pela entidade adjudicante no caderno de encargos, é o
montante máximo que a entidade se dispõe a pagar pela execução de
todas as prestações que constituem o objeto do contrato, incluindo
eventuais renovações do contrato” (artigo 47) ; “1. Para efeitos do
presente Código, entende-se por preço contratual o preço a pagar, pela
entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela
execução de todas as prestações que constituem o objeto do contrato”
(artigo 97).
O conceito de preço base há muito era conhecido na legislação sobre
contratação pública, se bem que com uma só função : a de servir para a
determinação do procedimento pré-contratual a aplicar. Desde 2008, a esta
função do preço base juntou-se outra, a de ser o limite admissível da
despesa. Por isso, na disciplina da análise das propostas consta esta
disposição, colocada na alínea d), do nº 2, do artigo 70, do Código dos
Contratos Públicos : “2. São excluídas as propostas cuja análise revele :
(...) d) Que o preço contratual seria superior ao preço base”.
Com a lei nº 30/2021, de 221 de maio, pôs-se em crise este conjunto de
soluções. Com efeito, à alínea d), do nº 2, do artigo 70, foi aditado o seguinte
texto – “(...), sem prejuízo do disposto no nº 6”. E o que diz o número 6,
do artigo 70, do Código dos Contratos Públicos ? – “6. No caso de concurso
público ou concurso limitado por prévia qualificação em que todas as
propostas tenham sido excluídas, o órgão competente para a decisão
de contratar pode, excecionalmente e por motivos de interesse público
devidamente fundamentados, adjudicar aquela que, de entre as
propostas que apenas tenham sido excluídas com fundamento na
alínea d), do nº 2 e cujo preço não exceda em mais de 20% o montante
do preço base, seja ordenada em primeiro lugar de acordo com o
critério de adjudicação, desde que : a) Essa possibilidade se encontre
prevista no programa do procedimento e a modalidade do critério de
adjudicação seja a referida na alínea a) do nº 1 do artigo 74º, b) O preço
da proposta a adjudicar respeite os limites previstos no nº 4, do artigo
47º c) A decisão de autorização da despesa já habilite ou seja revista no
sentido de habilitar a adjudicação por esse preço”.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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Exercícios e sua resolução :


Num concurso público para a adjudicação de dragagem de um rio foi conferido ao
empreiteiro o direito de comercializar as areias que retirasse. Por outro lado, estava
previsto que o adjudicatário pudesse instalar o seu estaleiro em terrenos públicos. Como
se teria de definir o valor do contrato ? E que consequências teria para a determinação
do preço base ?
Os direitos especiais previstos neste procedimento constituem uma vantagem, ou
benefício económico, que teria de ser considerado da determinação do preço base.
Porém, há que ter cautela em não duplicar os valores. Por exemplo, se a remuneração
fosse calculada já considerando o valor das areais, ou da instalação do estaleiro sem
custos, estariam cumpridas as normas aplicáveis.

Num procedimento pré-contratual visando a construção de uma ponte, previu-se que o


adjudicatário teria direito a receber diretamente da União Europeia 30% do preço total
da empreitada. Como se teria de definir o valor do contrato ? E que consequências teria
para a determinação do preço base ?
O valor em causa constitui parte do benefício económico, e tem de ser ponderado na
fixação do preço base. Porém, com a mesma cautela apontada no exemplo anterior.
Isto é, se no cálculo do preço base se optasse por colocar todo o preço, e se explicassem
separadamente as fontes de financiamento, a lei teria sido cumprida.

Num contrato para a prestação de serviços de segurança, previa-se, no respetivo


caderno de encargos, que o adjudicatário tivesse de integrar nos seus quadros dez
trabalhadores que pertenciam à anterior empresa encarregue desse tipo de serviço.
Como se teria de definir o valor do contrato ? E que consequências teria para a
determinação do preço base ?
Neste caso, a especificidade não constitui qualquer vantagem, não integrando o
conceito de “benefício económico”. É antes um ónus específico, a constar do contrato.
Para a fixação do preço base, deverá ser neutro, pois os pagamentos a fazer aos
trabalhadores deverão ser os mesmos, sejam eles oriundos da empresa anterior, ou da
nova. Mas mesmo que o não fossem, igualmente seria neutro, por afetar qualquer
concorrente.

Durante um concurso público para adjudicação de um contrato público, foi fixado o


preço base em € 300.000, mas a adjudicação foi feita a uma proposta com o valor de €
270.000.
É a condição normal da relação entre o preço base, que é o máximo da despesa
admissível. Durante o procedimento, a concorrência estabelece-se, e o preço acaba
por ser menor do que o estimado. O segundo é o preço contratual.

Num concurso público desencadeado em 2021, a entidade adjudicante previu a


possibilidade de adjudicar a um concorrente cuja proposta que excedesse até 15% o
preço base. Sem mais detalhes. Acabou por adjudicar a uma que havia excedido em
5%, e que, por isso, tinha ficado em primeiro lugar. Remetido o contrato para o Tribunal
de Contas, este recusou a concessão do visto, por falta de autorização adequada da
despesa.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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A autorização para a realização da despesa (com a previsão de aumento até 20% da


despesa, sobre o preço base), é indispensável. Logo, foi correta a negação do visto.
Porém, podem existir outros problemas, dado que a regra especial deste procedimento
era mais vasta do que o que consta do nº 6, do artigo 70, do Código dos Contratos
Públicos. Com efeito, não surgia nela a exigência de todas as propostas terem sido
excluídas.

19. Formação da vontade do cocontratante.

O cocontratante só pode participar em procedimentos pré-contratuais com


respeito absoluto pelas normas do Código dos Contratos Públicos. Desde a
sua plena entrada em vigor, isso significa não só o cumprimento dos passos
definidos na lei, mas também a utilização obrigatória dos meios
eletrónicos.
No seguimento das soluções legislativas europeias, o Código insere um
conjunto de disposições sobre impedimentos à participação em
procedimentos pré-contratuais. Está em causa a idoneidade pessoal, de
organizações, relativa igualmente ao cumprimento de contratos públicos
anteriores. O artigo 55 lista todas essas situações de impedimento, se bem
que, de modo inovatório (mas na esteira das diretivas de 2014), se prevê a
possibilidade de relevação de impedimentos (artigo 55-A), em sequência do
disposto nas normas europeias de 2014.
O interessado tem de apresentar a sua proposta nos prazos que a entidade
adjudicante determine, nos termos e limites da lei, e tem o dever de colaborar
no esclarecimento do objeto do futuro contrato, este último exercício nos
termos do artigo 50, do Código dos Contratos Públicos.
O Código dos Contratos Públicos insere, depois, um vasto conjunto de
disposições que são especificamente dirigidas à proposta (artigos 56 a 60). A
utilização de declarações de honra dominou grande parte do esforço de
desburocratização de 2008. Incompreensível é que tendo sido criado um
regime de relevação de falhas, o texto do anexo I se mantenha afirmando que
não há nenhuma situação impeditiva.
Importa, sobretudo, o que consta do nº 1, do artigo 57, do Código dos
Contratos Públicos : “1. A proposta é constituída pelos seguintes
documentos : a) Declaração do anexo I ao presente Código, do qual faz
parte integrante ; b) Documentos que, em função do objeto do contrato
a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência
pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de
acordo com os quais o concorrente se dispõe a a contratar ; c)
Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que
contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do
contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos
quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule”.
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Mas sem esquecer uma das principais novidades da legislação europeia sobre
contratação pública : o Documento Europeu Único de Contratação Pública,
cujo formulário foi aprovado pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/7
da Comissão, de 5 de janeiro de 2016, e a sua expressão normativa na reforma
de 2017. Esta consta, nomeadamente, do nº 6, do artigo 57, do Código dos
Contratos Públicos, que tem o seguinte texto : “6. Nos procedimentos com
publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, é
apresentado, em substituição da declaração do anexo I do presente
Código, o Documento Europeu da Contratação Pública”.

Exercícios e sua resolução :


Uma empresa foi envolvida num caso de corrupção, branqueamento de capitais e
financiamento do terrorismo, estando a cumprir penas de 10 anos de prisão três dos
seus administradores, por sentença transitada em julgado. Pode apresentar proposta
num concurso para adjudicação de um contrato público nacional ?
As três situações referidas de atividade criminosa estão previstas nas subalíneas ii) e
iv), da alínea h), do artigo 55. Porém, o nº 2, do artigo 55-A, conjugando os seus
números 2 e 3. Refira-se que o anexo I, ao Código dos Contratos Públicos mantém o
texto anterior à possibilidade de relevação. Logo, quem não declarar o que de lá
consta, não poderá, em princípio, participar. Porém, se estiver numa situação de
impedimento e preencher o anexo I, comete o crime de falsas declarações ... Um
magnífico exemplo de como se não deve legislar.

Uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos lançou um concurso


público internacional destinado a adjudicar um conjunto de sistemas e serviços relativos
às tecnologias da informação, estando o preço base estabelecido em € 2.000.000. Para
além de reunir as condições previstas no artigo 55, do Código dos Contratos Públicos,
era exigido, para se poder concorrer, que os potenciais interessados tivessem, nos
últimos cinco anos, dois contratos de valor mínimo unitário de € 1.500.000. Além disso,
todos os concorrentes teriam de juntar, com a sua proposta, um organograma específico
da equipa que deva executar o contrato, com a identificação do principal responsável
técnico-operacional, e todas as chefias intermédias.
Uma empresa pública, como é o caso, é uma entidade adjudicante nos termos do nº 2,
do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos. O contrato em causa, cujo objeto o
caraterizaria como de prestação de serviços, atingia um valor estimado de despesa que
obrigaria a que o concurso fosse internacional. Logo, a documentação que integrasse
a proposta seria disponibilizada no contexto da apresentação do Documento Europeu
Único da Contratação Pública, e não do anexo I, ao Código. Se se considerarem as
normas do Código sobre o conteúdo da proposta, nada existe que permita a limitação
da concorrência a interessados que tenham um perfil específico. Logo, esta segunda
era ilícita, não podendo ser utilizada na seleção pretendida.

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20. A declaração pré-contratual de erros e omissões.

A obrigatoriedade da declaração pré-contratual de erros e omissões (em


termos concetuais, diga-se que a expressão ”erros e omissões” é,
tecnicamente, errada ; com efeito, em Português, erro não se opõe a omissão,
opondo-se sim a algo correto e adequado a um determinado fim ; por outro
lado, o que se opõe a omissão é ação ; por isso, a expressão atrás citada deveria
ser “declaração pré-contratual de erros, por ação ou omissão”) foi uma das
grandes novidades do Código dos Contratos Públicos, em 2008. Em 2017 o
conceito, e seu regime, foi sujeito a uma importante alteração sistemática, com
a reunião no mesmo artigo (50), das temáticas dos esclarecimentos e da
declaração pré-contratual aqui em questão. O anterior artigo (61) foi
eliminado, sem substituição de texto. A redação atual (na qual interveio
também a lei nº 30/2021, de 21 de maio) é a seguinte, constante dos números
1 a 4, do artigo 50, que têm o seguinte texto : “1. No primeiro terço do
prazo fixado para a apresentação das propostas, os interessados podem
solicitar os esclarecimentos necessários à boa compreensão e
interpretação das peças do procedimento e, no mesmo prazo, devem
apresentar uma lista na qual identifiquem, expressa e
inequivocamente, os erros e omissões das peças do procedimento por
si detetados. 2. Para efeitos do presente Código consideram-se erros e
omissões das peças do procedimento os que digam respeito a : a)
Aspetos ou dados que se revelem desconformes com a realidade ; b)
Espécie ou quantidade de prestações estritamente necessárias à
integral execução do objeto do contrato a celebrar ; c) Condições
técnicas de execução do objeto do contrato a celebrar que o interessado
não considere exequíveis ; d) Erros e omissões do projeto de execução
que não se incluam nas alíneas anteriores” (esta última alínea fora
adicionada no tempo da troika, pelo decreto-lei nº 149/2012, de 12 de julho,
e manteve-se em 2017). 3. A lista a apresentar ao órgão competente para
a decisão de contratar deve identificar, expressa e inequivocamente, os
erros ou omissões detetados, com exceção dos referidos na alínea d) do
número anterior e daqueles que por eles apenas pudessem ser
detetados na fase de execução do contrato, atuando com a diligência
objetivamente exigível em face das circunstâncias concretas. 4. O
incumprimento do dever de identificar erros e omissões a que se
referem os números anteriores tem a consequência prevista no nº 3 do
artigo 378º”. Saliente-se que apesar das normas atrás reproduzidas estarem
muito inspiradas na contratação de empreitadas de obra pública (a referência
ao projeto de execução é disso evidência) elas aplicam-se a todo o tipo de
contratos.
Com a reforma de 2017, foi igualmente afetado o regime das consequências
da operação do sistema de declaração pré-contratual. Com efeito, aquilo que

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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agora é estabelecido como resultado da não produção de declaração


obrigatória, é a seguinte, constante do nº 4, do mesmo artigo 50 : “4. O
incumprimento do dever a que se referem os números anteriores tem a
consequência prevista no nº 3 do artigo 378º”, cujo teor se retira do
conjunto e repete, deliberadamente, dada a sua importância. O nº 3, do artigo
378 tem o seguinte texto : “3. O empreiteiro suporta metade do valor dos
trabalhos complementares de suprimento de erros e omissões cuja
deteção era exigível na fase de formação do contrato, nos termos do
artigo 50º, exceto pelos que hajam sido nessa fase identificados pelos
interessados mas não tenham sido expressamente aceites pelo dono da
obra”. Aqui está o incentivo (pela via da potencial penalização) para que os
interessados participem mesmo no processo de declaração pré-contratual, por
ação ou omissão.
Toda esta regulamentação (seja qual for a modalidade) é de índole
exclusivamente nacional, nada existindo na legislação europeia que imponha
um mecanismo jurídico deste tipo. Não é uma infidelidade de transposição,
mas não é, e nunca foi, uma consequência das normas das diretivas. Não era
em 2008, perante as diretivas de 2004, e não é em 2017 ou 2021, perante as
de 2014.

Exercícios e sua resolução :


Um município, através da sua câmara municipal, lançou um concurso público,
com um preço base de € 7.000.000, de modo a construir, de raiz, uma escola.
Durante a fase de declarações e reclamações pré-contratuais, ocorreu o seguinte :

Um interessado declarou que não encontrava, nos documentos pré-contratuais,


quaisquer elementos que pudessem descrever os arranjos exteriores, referidos
numa rubrica de “verba global”
Outro interessado chamou a atenção para o facto de estar prevista a execução
contínua da empreitada, quando era publicamente conhecido que um mercado
de rua iria realizar-se dois dias úteis em cada mês, provocando a interrupção
inevitável de trabalhos, impedindo o abastecimento do estaleiro

um terceiro interessado apresentou uma reclamação, dando conta que existia um


erro muito grosseiro nas medições, que levava à desconsideração de
quantidades nos pavimentos que seriam necessárias realizar para completar a
obra

um último interessado realçou que um dos critérios de medição das fundações


levaria a que acabariam por ser pagos como trabalhos ligeiros outros que, pelo
contrário, implicariam o envolvimento de meios consideráveis, em termos de
equipamentos e de utilização de explosivos.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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O que deveria a entidade adjudicante fazer, perante estas declarações e


reclamações ?

Vejamos, declaração por declaração, qual o enquadramento legal de cada caso.


No primeiro, há uma clara falta de elementos de descrição do objeto do futuro contrato,
o que está abrangido por qualquer das alíneas do nº 2, do artigo 50. Logo, a entidade
adjudicante deveria aceitar a reclamação, e incluir tais elementos (a utilização da
chamada “verba global” carateriza-se por colocar todo um conjunto de trabalhos num
único preço unitário, acompanhado de uma descrição sucinta do que se quer realizar
; é uma técnica a só se recorrer quando seja impossível uma identificação precisa e
detalhada de trabalhos). Como a ausência da descrição em causa não significava que
não lhe tivesse sido atribuído um valor, no orçamento do projeto, poderia não ter
consequências sobre a correção do preço base.
No segundo caso, poderia ser acolhido pela previsão da alínea a), do nº 2, do artigo
50. Com efeito, não prever as consequências da realização mensal da feira, era
desconforme à realidade. O que poderia ter numerosas consequências na execução da
empreitada. A correção era imperiosa.
No terceiro caso, se o declarante tivesse razão, estava previsto na alínea b), do nº 2.
Mas aqui a situação era mais grave quanto à manutenção do preço base, porque
faltariam qualidades que tinham de ser previstas, em correção a fazer pela entidade
adjudicante.
No quarto caso, muito frequente em cadernos de encargos elaborados por gabinetes
projetistas, poderia estar em causa a aplicação da alínea c), do nº 2. Tentar não pagar,
por esta via, aquilo que é realmente feito, é uma violação do princípio da boa-fé, e
perturba todo o estabelecimento da concorrência. Também tinha consequências sobre
o preço base.
Como decorre da resolução deste exercício, está aqui muito em causa o que deverá ser
a atitude da entidade adjudicante. O nº 6, do artigo 50, afirma que : “6. O órgão
competente para a decisão de contratar deve identificar os termos do suprimento de
cada um dos erros e omissões aceites nos termos do disposto na alínea b) do número
anterior”. Mas em nenhum ponto do Código dos Contratos Públicos se obriga uma
entidade adjudicante a alterar o preço base quando aceite a correção suscitada em
declarações pré-contratuais. E as normas que mais se aproximam disso estão no nº 2,
do artigo 64, mas sem a força que deveriam ter assumido, pois deixa à interpretação
da entidade adjudicante a decisão sobre se aceitar uma reclamação implica alterar
aspetos decisivos das peças do procedimento. Não esquecer a importância do princípio
da confiança, que, aqui, significa que os interessados em contratar devem poder
confiar no preço base, ou na sua correção.

21. A contratação interna (in-house).

Quando existam duas entidades adjudicantes numa relação contratual pode


suceder que esteja dispensada a aplicação das normas de contratação pública,
sejam as das diretivas, sejam as do Código dos Contratos Públicos. Até às
diretivas de 2014, não havia um regime geral, previsto nas diretivas, para a
denominada contratação interna (in-house). Recorrendo, como temos feito, à
diretiva 2014/24/UE, é no seu artigo 12 que se encontra a matéria que, no

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

essencial, foi transposta para o novo artigo 5º-A, do Código dos Contratos
Públicos. É nos números 1 e 5, desse artigo 5º-A, que está colocada a matéria
mais relevante, consubstanciada nas duas modalidades principais da
contratação interna (in-house). O texto em causa (que foi retocado pela lei nº
30/2021, de 21 de maio) é o seguinte : “1. A parte II não é aplicável à
formação dos contratos, independentemente do seu objeto, a celebrar
por entidades adjudicantes com uma outra entidade, quando se
verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições : a) A entidade
adjudicante exerça, direta ou indiretamente, sobre a atividade da outra
pessoa coletiva, isoladamente ou em conjunto com outras entidades
adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus
próprios serviços ; b) A entidade controlada desenvolva mais de 80%
da sua atividade no desempenho de funções que lhe foram confiadas
pela entidade adjudicante ou entidades adjudicantes que a controlam,
ou por outra ou outras entidades controladas ou aquelas entidades
adjudicantes, consoante se trate de controlo isolado ou conjunto ; c)
Não haja participação direta de capital privado na pessoa coletiva
controlada, com exceção de formas de participação de capital privado
sem poderes de controlo e sem bloqueio eventualmente exigidas por
disposições especiais, em conformidade com os Tratados da União
Europeia, e que não exerçam influência decisiva na pessoa coletiva ;
(...) 5. A parte II também não é aplicável à formação dos contratos
celebrados exclusivamente entre duas ou mais entidades adjudicantes
quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições : a) O
contrato estabelece uma cooperação entre as entidades adjudicantes,
no âmbito de tarefas públicas que lhes estão atribuídas e que
apresentam uma conexão relevante entre si ; b) A cooperação é regida
exclusivamente por considerações de interesse público ; e c) As
entidades adjudicantes não exercem no mercado livre 20% ou mais das
atividades abrangidas pelo contrato de cooperação”. A preocupação da
lei é a de caraterizar que se trata mesmo de uma relação interna à
Administração Pública, sem interferência de interesses privados, com exceção
do regime muito restritivo previsto na parte final da alínea c), do nº 1, do
artigo 5º-A. Por isso, as duas modalidades ora expressam uma relação de
domínio entre entidades adjudicantes, ora uma de pura cooperação entre
entidades públicas. Toda esta matéria deriva, em quase tudo, da jurisprudência
do Tribunal de Justiça da União Europeia, desde o acórdão dado no processo
C-107/98 (Teckal), em 18 de novembro de 1999, e seus muito importantes
desenvolvimentos, nos quase vinte anos posteriores. Por isso, recomenda-se,
muito vivamente, a consulta dos acórdãos que estão identificados na alínea
XXI), do ponto 5., deste texto.
A versão inicial do Código dos Contratos Públicos, de 2008, abordava a
contratação interna no nº 2, do seu artigo 5º (revogada a redação original em

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

2017) o qual, apesar do Tribunal de Justiça já ter reconhecido a segunda


modalidade (a de cooperação entre entidades adjudicantes), só previa a
primeira (a do domínio).
Ao contrário do que possa resultar de um conhecimento superficial da
matéria, a contratação interna está muito expandida, nomeadamente na
vertente de cooperação entre diversos níveis (central, regional e local) da
Administração Pública.

Exercício e sua resolução :


No ordenamento jurídico português, existe uma regulação para as empresas do setor
empresarial local (sobretudo composto pelas empresas municipais e intermunicipais), que
consta da lei nº 50/2012, de 31 de agosto (já sujeita a várias alterações). Nesse diploma, a
essas organizações é conferida personalidade jurídica distinta das pessoas coletivas públicas
instituidoras, e é estabelecido um regime muito limitativo quanto às atividades (atividades
de natureza mercantil são proibidas) a que se possam dedicar. Os titulares dos órgãos
sociais são escolhidos pelas entidades instituidoras. Logo, são entidades adjudicantes, assim
classificadas no nº 2, do artigo 2º, do Código dos Contratos Públicos : organismos de direito
público.
Imaginemos duas situações : a) Numa delas, uma câmara municipal decidiu celebrar um
contrato-programa com uma empresa municipal que havia constituído, contrato esse que
obrigava a empresa a realizar todo o trabalho de limpeza da via pública ; b) noutra situação,
dois municípios, através das respetivas câmaras, celebraram um protocolo de cooperação
para a gestão das estradas municipais, de modo a rendibilizar os meios, e reduzir os custos.
Para além do que já foi exposto, no número 12. sobre os contratos excluídos da contratação pública, para
efeitos do Código, importa aqui confirmar a presença de duas entidades adjudicantes em relação, em
qualquer dos casos- No primeiro, uma coberta pelo nº 1, do artigo 2º (o Município) e outra pelo número
2 (a empresa municipal), do mesmo artigo. No segundo, ambas qualificadas na alínea c), do nº 1, do artigo
2º.
A exceção do primeiro caso é prescrita pelo nº 1, do artigo 5º-A, e no segundo caso pelo nº 5, do mesmo
artigo 5º-A.
Consideram-se cumpridos os vários critérios necessários para se afirmarem as exceções apontadas. No
primeiro caso, ao Município é o único sócio, sem interesses privados diretos ou indiretos, a lei portuguesa
garante o domínio análogo ao exercido pelos seus próprios serviços e não se antecipa que a empresa municipal
exerça qualquer atividade que não em benefício do Município. No segundo caso, os motivos para o
estabelecimento da cooperação são todos de serviço público, sem qualquer atividade que não a do respetivo
objeto.

22. A adjudicação, seu critério e regime do preço


anormalmente baixo.
O Código dos Contratos Públicos contém, no seu artigo 73, uma definição
do que seja a adjudicação (atualizada em 2017 para acolher as novas soluções
europeias quanto ao princípio da contratação por lotes) – “1. A adjudicação
é o ato pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita
a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas
apresentadas. 2. Quando seja feita a adjudicação por lotes os termos do
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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

artigo 46º-A, pode existir uma decisão de adjudicação para cada lote,
podendo tais decisões ocorrer em momentos distintos”) O critério de
adjudicação, segundo o disposto no nº 1, do artigo 74, é o seguinte, segundo
a redação dada pela lei nº 30/2021, de 21 de maio) : “1 .A adjudicação é
feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais
vantajosa para a entidade adjudicante, determinada por uma das
seguintes modalidades : a) Multifator, de acordo com a qual o critério
de adjudicação é densificado por um conjunto de fatores, e eventuais
subfactores, correspondentes a diversos aspetos da execução do
contrato a celebrar ; b) Monofator, de acordo com o qual o critério de
adjudicação é densificado por um fator correspondente a um único
aspeto da execução do contrato a celebrar, designadamente o preço”.
O regime geral da adjudicação é composto pelos dois conjuntos de normas
atrás reproduzidos. Seguindo a opção europeia, existe igualmente uma
disciplina para afrontar o fenómeno do denominado “preço anormalmente
baixo”. Na verdade, e ao contrário do que seria o primeiro impulso, ou seja,
adjudicar à proposta mais barata, mostra a experiência que os mercados
públicos estão plenos de empresas que querem ter uma relação contratual
com uma entidade pública (no caso das empreitadas, frequentemente por
valores elevados), sem ter condições reais para honrar as suas propostas.
Adjudicado o contrato, começa logo um contencioso dedicado a aumentar a
remuneração, socorrendo-se de uma miríade de argumentos técnicos e
jurídicos. Além disso, sendo a contratação pública terreno de proteção da
concorrência, deverá ser concorrência real, sem dumping. Por isso, o Código
dos Contratos Públicos, inseriu, na redação da lei nº 30/2021, de 21 de maio,
mas continuando o sentido da reforma de 2017, a seguinte solução :“1. As
entidades adjudicantes podem definir, no convite ou no programa do
procedimento, as situações em que o preço ou custo de uma proposta
é considerado anormalmente baixo, devendo nesse caso indicar os
critérios que presidiram a essa definição, designadamente por
referência a preços médios obtidos em eventuais consultas
preliminares ao mercado” (artigo 71). Na versão inicial do Código, a
solução era outra. A anterior redação do nº 1, do artigo 71 determinava que
seria considerado como preço anormalmente baixo, aquele que fosse, para as
empreitadas, 40% ou mais inferior ao peço base ; para os fornecimentos e
serviços (e todos os outros contratos), 50%.
Para se compreender o funcionamento do conjunto de mecanismos que
governam a seleção qualitativa primeiro, e de aplicação do critério de
adjudicação, depois, é indispensável atentar no disposto no nº 3, do artigo 75,
do Código dos Contratos Públicos – “3. Sem prejuízo do disposto na
alínea b) do número anterior, os fatores e subfactores não podem dizer
respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades,
caraterísticas ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes”.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Da jurisprudência do Tribunal de Justiça vem a confirmação desta regra.


Numa conclusão do acórdão dado a 19 de junho de 2003 (processo C-315/01,
GAT), está afirmado o seguinte : “2) a Diretiva 93/36/CEE do Conselho,
de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de
adjudicação de contratos públicos de fornecimento, opõe-se a que, no
âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público de
fornecimento, a entidade adjudicante tenha em conta o número de
referências relativas aos produtos oferecidos pelos proponentes a
outros clientes não como critério de verificação da aptidão destes
últimos para executar o contrato em causa, mas como critério de
adjudicação do referido contrato”.
Uma das razões pela qual existe uma distinção entre apreciar um concorrente,
e avaliar a sua proposta reside na convicção, para o legislador europeu, de que
as PMEs poderiam melhor competir com as grandes empresas, se as
dimensões relativas dos dois grupos não tivessem um peso decisivo. O que
era feito através da comprovação de uma capacidade mínima. Verificada tal
capacidade, a concorrência residiria tão só nas propostas concretas.
Elemento decisivo na disciplina o critério de adjudicação é o da sua
divulgação. Não só a divulgação das suas caraterísticas gerais, mas de tudo
quanto contribua para a sua aplicação, existente à data da decisão de contratar.
É também muito comum o recurso a fórmulas de avaliação, grelhas
secundárias, métodos de trabalho para apreciar as qualidades das propostas.
Para termos um regime que verdadeiramente respeitador do princípio da
transparência (e o que consta das diretivas também não é particularmente
exigente), seria necessário que, nalguma peça do procedimento (ou, no limite,
na soma da informação constante de todas as peças do procedimento) todas
essas regras fossem dadas a conhecer, antes da apresentação das propostas.
Assim era na versão 2008 do Código dos Contratos Públicos, por efeito do
disposto então na alínea n), do nº 1, do artigo 132, sobre o conteúdo do
programa do procedimento do concurso público. Tudo destruído na reforma
de 2017, em que a nova redação dessa alínea (mesmo em conjunto com o
artigo 139) não assegura a adequada informação. Incompreensível, esta
evolução legislativa ! Se recorrermos a outra pela, o anúncio, conforme o
desenvolvido pela portaria nº 371/2017, de 14 de dezembro, previsto para o
desencadeamento de um concurso público, a escassez de exigência de
publicitação de dados relevantes para o critério de adjudicação é gritante.
Felizmente, a lei nº 30/2021, de 21 de maio, corrigiu algo destas soluções,
conforme se conclui do texto atual da alínea n), do nº 1, do artigo 132, do
CCP.
Se há caraterística da contratação pública é que o adquirente decide o que quer
comprar, mas sujeito às regras legais, e às que ele próprio produziu, para
governar o procedimento. O conjunto dos documentos pré-contratuais

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
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constituem um regulamento administrativo, de respeito obrigatório a todos


os interessados, começando pela entidade adjudicante.
Logo, o ato de adjudicação é o momento maior e final do procedimento pré-
contratual, o qual confere o direito à celebração do contrato.

Exercícios e sua resolução :


Um Município desencadeou um concurso público para adjudicação da
requalificação de uma estrada, estabelecendo a seguinte grelha de adjudicação,
para caraterizar a proposta economicamente mais vantajosa para a entidade
adjudicante :

Qualidade do plano de trabalhos, em termos de definição do modo através do


qual seria reabilitada a estrada municipal, com uma perfeita distribuição, e
encadeamento de todas as tarefas necessárias, com uma ponderação de 40% do
total
Qualidade do equipamento a utilizar na execução da obra (35%)
Experiência do diretor técnico, apresentado pelo empreiteiro, para coordenar a
execução da obra (15%)
Experiência anterior do empreiteiro na execução de obras públicas,
independentemente da sua natureza (10%)
Esta grelha mereceria, certamente, reparos, e pedidos de esclarecimento por parte da
1ª seção do Tribunal de Contas, dado a ausência nela de dois dos habituais fatores no
critério de adjudicação : o preço e o prazo. Além disso, poderiam considerar-se
aceitáveis os dois fatores constantes das alíneas b) e c), porque, apesar de dizerem
respeito a qualidades da empresa (equipamento e diretor técnico) elas são pedidas
para descrever os meios de cumprimento do futuro contrato. Mas a alínea d) é
claramente ilegal, por desrespeitar o disposto no nº 3, do artigo 75.

Aproveitando a oportunidade criada pela nova redação dos números 1 e 2, do artigo 71,
do Código dos Contratos Públicos, uma entidade adjudicante elaborou uma fórmula
que permitiria a identificação de propostas anormalmente baixas. Desencadeado o
concurso, concorreram oito empresas, sendo que os preços de duas propostas eram, pela
aplicação da fórmula, anormalmente baixas. A entidade adjudicante excluiu tais
propostas, fundamentando no resultado de aplicação da fórmula.
Segundo o disposto no nº 3, do artigo 71 (redação da lei nº 30/2021, de 21 de maio) .
“3. ”. Nos casos previstos nos números anteriores, o júri solicita previamente ao
respetivo concorrente que preste esclarecimentos, por escrito e em prazo adequado,
relativos aos elementos constitutivos relevantes da sua proposta”.
Como resulta do texto deste exercício, a exclusão foi automática, após conhecido o
resultado de aplicação da fórmula às duas propostas em questão. Comportamento
ilícito da entidade adjudicante, dado que o recurso à fórmula não poderia ir além de
indiciar que a propostas eram anormalmente baixas. Só após apresentar a questão aos
interessados, dar um prazo adequado para a resposta, recebê-la e sobre ela se
pronunciar (não aceitando, fundamentadamente, os argumentos que pudessem ser
avançados) se poderia proceder à exclusão.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Uma direção-geral desencadeou um concurso para contratação de serviços de limpeza


pelo período de quatro meses, O preço base foi fixado em € 8.000. Um concorrente
apresentou metade do valor do preço base, na sua proposta.
Mesmo que não estivesse previsto nenhum mecanismo admissível nos termos dos
números 1 e 2, do artigo 71, do Código dos Contratos Públicos, a entidade adjudicante,
se tiver elementos objetivos para tal, pode recusar-se a adjudicar um contrato a um
preço aviltado. No caso concreto, boa parte dos custos de execução do contrato seriam
a remuneração das pessoas que realizassem a limpeza. Bastava demonstrar que os €
4.000 apresentados não permitiriam cumprir a lei laboral, e os encargos fiscais e
sociais inerentes, para afastar essa empresa. Porém, nos termos do nº 3, do artigo 71,
a entidade adjudicante teria sempre de aplicar o contraditório, pedindo
esclarecimentos ao concorrente em causa. Depois de os receber, e caso os mesmos não
fossem suficientes para explicar a valor da proposta, poderia a mesma ser
desconsiderada, para efeitos de adjudicação.

23. Estatuto e execução dos contratos administrativos.

Como visto a propósito da sistemática do Código dos Contratos Públicos, a


Parte III é dedicada ao denominado “regime substantivo dos contratos
administrativos”, incluindo seja as normas essenciais caraterizadoras desses
tipos de contratos, seja as definidoras da respetiva execução. Depois, o
Código classifica um conjunto de contratos como administrativos, e inclui
normas específicas sobre a sua execução. A epígrafe do Título I repete a da
Parte III. A epígrafe do Título II é “contratos administrativos em especial”.
É fácil concluir que o mais numeroso conjunto de normas está dedicado às
empreitadas de obra pública (artigos 343 a 406). O Código inspirou-se em
soluções anteriores para as empreitadas, ou em respostas que quis trazer
inovatoriamente, generalizando a sua aplicação a todos os contratos
administrativos (que, desde 2008, e por classificação expressa, são muitos
mais, como já vimos).
Assim, o Título I, desta Parte III, deveria conter um grupo (muito alargado)
de normas que esclarecessem o essencial do regime dos contratos
administrativos, antes de concretizar a execução dos contratos
administrativos em especial. O Título II desenvolveria, em detalhe, essa
execução. Portanto, para que o Código fosse materialmente um Código (no
conceito de Marcello Caetano – “(...) diploma legislativo que reúne em
síntese as normas aplicáveis a um conjunto de relações jurídicas afins,
coordenadas sistematicamente de harmonia com certos princípios
fundamentais e segundo uma técnica uniforme” in Manual de Direito
Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 10ª edição, 1973, página 143,
seria necessária uma coerência substantiva entre a matéria do Título I e a
matéria do Título II. Infelizmente, isso não se confirma. 21 de maio, como
será visto adiante). Tudo conduziria para uma aplicação muito limitativa da

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Para se ter uma ideia sobre o que deveria ser considerado como fazendo parte
das caraterísticas gerais dos contratos administrativos, vejamos alguns temas
que são incluídos no Título I, da Parte III : eficácia do contrato (artigo 287),
execução pessoal (artigo 288) ; gestor do contrato (artigo 290-A) ;
adiantamentos do preço (artigos 292 e 293) ; caução, sua liberação e execução
(artigos 294 a 296) ; prazos máximos de pagamento (artigos 299 e 299-A) ;
revisão de preços (artigo 300) ; conformação da relação contratual (artigos
302 a 309) ; cessão da posição contratual e subcontratação (artigos 316 a 321-
A) ; incumprimento e resolução do contrato (artigos 325 a 335). A tarefa de
coordenar todas estas disposições com as que, estando colocadas no Título
II, da Parte III, disciplinam a execução dos contratos era gigantesca. Mas foi
resultado direto da opção técnico-legislativa do Código, que devotou
particular atenção ao regime dos contratos administrativos, algo que as
normas das diretivas europeias não impuseram, como é óbvio.
Existe ainda uma ligação muito próxima entre a matéria deste ponto 23., e o
que consta no ponto 24., pois que é nos denominados poderes de
conformação da relação contratual que se concentram as prerrogativas do
contraente público durante o cumprimento no disposto no vínculo
contratual.

Exercício e sua resolução :


O INEM-Instituto Nacional de Emergência Médica celebrou com a Altice um contrato
para a gestão de frota, incluindo a utilização de meios tecnológicos que assegurassem
a comunicação permanente, e densa, entre a sede do INEM e os veículos de emergência.
Durante a execução do contrato o Ministério das Finanças descativou as verbas
necessárias à aquisição de mais cinquenta ambulâncias. O INEM elaborou um adicional
ao contrato, que remeteu ao Tribunal de Contas, ampliando o objeto do contrato, e a
despesa inerente. Como sucedeu em 2014 num caso semelhante, o Tribunal declarou o
seguinte, na recusa de concessão de visto : “1. Erros de estimativa e insuficiências de
planeamento e controlo na execução de contratos de prestação de serviços vigentes
para um determinado período de tempo e com um valor máximo estimado não
constituem alteração de circunstâncias decorrente de acontecimento imprevisto, para
os efeitos do disposto no artigo 312º do Código dos Contratos Públicos”.
Este caso, que, como acima se refere, não é uma pura hipóteses académica, mostra
bem a interpretação restritiva que o Tribunal de Contas dá às normas do artigo 312,
do Código dos Contratos Públicos. Aí, o que está em causa é a aplicação de regras
previstas para uma realidade em que a entidade adjudicante domine toda a situação.
Quando essa mesma entidade pouco manda, em tempo de cativações, será justificado
o rigor aplicado ? A posição do Tribunal (que se repetiu, igualmente, na recente crise
de execução dos contratos de conservação rodoviárias corrente, posição refutada
perentoriamente pelo Ministério Público junto do Tribunal de Contas, que recusou a
penalização dos responsáveis financeiros) é, assim, pelo menos, desadequada à
verdade da situação. Não chocaria, com efeito, aceitar a aplicação da alínea b), do
artigo 312, porque o INEM, sem dinheiro, nunca poderia fazer uma estimativa séria,
ou planear fosse o que fosse. Quanto mais ver os seus gestores criticados ou
penalizados.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

24. Os poderes de conformação da relação contratual nos


contratos administrativos e a efetiva execução desses
contratos.

Do Código de Procedimento Administrativo de 1981 constava, no seu artigo


180, uma lista de prerrogativas atribuídas à parte pública do contrato
administrativo. O Código dos Contratos Públicos manteve este tipo de
solução, se bem que a enquadrando num conceito geral, que, porém, não
definiu : os poderes de conformação da relação contratual.
O artigo 302, do Código dos Contratos Públicos dispõe o seguinte : “Salvo
quando outra coisa resultar da natureza da contrato ou da lei, o
contraente público pode, nos termos do disposto no contrato e no
presente Código : a) Dirigir o modo de execução das prestações ; b)
Fiscalizar o modo de execução do contrato ; c) Modificar
unilateralmente as cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de
execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse
público, com os limites previstos no presente Código ; d) Aplicar as
sanções previstas para a inexecução do contrato ; e) Resolver
unilateralmente o contrato ; f) Ordenar a cessão da posição contratual
do cocontratante para terceiro”.
Este aparente arsenal pesado, ao dispor do contraente público, acaba por ter
um resultado prático muito limitado. Isto porque o nº 1, do artigo 307, sempre
do Código dos Contratos Públicos, estabelece : “1. Com exceção dos casos
previstos no número seguinte, as declarações do contraente público
sobre interpretação e validade do contrato ou sobre a sua execução são
meras declarações negociais, pelo que, na falta de acordo do
cocontratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos
pretendidos através do recurso à ação administrativa”. Com esta
afirmação quase imperial, o legislador teria resolvido uma questão controversa
ao longo das últimas décadas, que era a de saber se os atos praticados pela
parte pública na direção do cocontratante eram atos administrativos ou
declarações negociais. E é fácil depreender do texto do nº 1, do artigo 370,
que a regra seria a de remeter tais atos para a categoria das declarações
negociais. Com a exceção prevista no nº 2, do mesmo artigo 370 .Esperar-se-
ia, naturalmente, que o âmbito da exceção fosse modesto, ou, no limite,
menor do que o da regra. Só que não é, como se o legislador se tivesse
arrependido no nº 2, face ao que tinha afirmado no nº 1. Vejamos, então, o
que consta desse nº 2, do artigo 370 : “2. Revestem a natureza de ato
administrativo as declarações do contraente público sobre a execução
do contrato que se traduzam em : a) Ordens, diretivas ou instruções no
exercício dos poderes de direção e de fiscalização ; b) Modificação
unilateral das cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de
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com exercícios práticos

execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse


público ; c) Aplicação das sanções previstas para a inexecução do
contrato ; d) Resolução unilateral do contrato ; e) Cessão da posição
contratual do cocontratante para terceiro”. Ou seja, praticamente tudo
quanto tenha a ver com a execução do contrato aqui está, decorrente das
alíneas a) e b). Mas a perplexidade aumenta quando se constata que, neste
quadro, o legislador do Código no artigo 309 : “1. Os atos administrativos
do contraente público relativos à execução do contrato constituem
título executivo. 2. O cumprimento das obrigações determinadas pelos
atos administrativos a que se refere o número anterior não pode ser
imposto coercivamente pelo contraente público, salvo quando se trate
de atos que determinem, em geral, a resolução do contrato ou, em
especial, o sequestro e o resgate das concessões, bem como outras
situações previstas na lei”. Portanto, a descrição constante do artigo 302 é
muito enganadora, e, portanto, pode não garantir os poderes adequados à
parte pública no contrato administrativo, para que ele (ou force a levar) o
cocontratante cumpra integramente o mesmo contrato. É certo que o regime
de resolução do contrato é muito generoso para o contraente público (artigo
333) , e este tem igualmente a possibilidade de aplicar sanções contratuais
(artigo 329). Porém, o objetivo principal de uma lei como é o Código dos
Contratos Públicos deve ser o de tudo prever para facilitar a execução do
contrato e não ter um belo conjunto de soluções que todas tendem a gravar
um conflito.

Exercício e sua resolução :


Para acorrer à instalação adequada de doentes num serviço específico, e muito sensível,
de um hospital público, o Ministério da Saúde adjudicou, em ajuste direto, um contrato
de empreitada, que incluía a compra e instalação de equipamento médico sofisticado,
pelo preço contratual de € 4.500.000. O Tribunal de Contas concedeu o visto ao
contrato, dada a manifesta urgência e o interesse público envolvido, apesar do problema
da flagrante inadequação dessas instalações se arrastar há vários anos. Começada a
execução da obra, logo se estabeleceu uma disputa entre o Ministério da Saúde e o
empreiteiro, porque o projeto não era coerente entre os trabalhos de construção civil
que previa para a instalação dos principais equipamentos, e as caraterísticas desses
equipamentos. Ou seja, no entendimento do empreiteiro, seria necessário providenciar
um sistema de ar condicionado que mantivesse a temperatura para o equipamento
funcionar, que era mais complexo do que o previsto. O dono de obra deu ordem para
executar o projeto, com a realização de todos os trabalhos necessários, que não
reconheceu como complementares. O empreiteiro limitou-se a cumprir o projeto,
instalando o sistema de ar condicionado previsto originalmente, incumprindo a nova
ordem.
A ordem de execução cai na previsão da alínea a), do nº 2, do artigo 307, do Código
dos Contratos Públicos. É um ato administrativo, não uma declaração negocial, como
as que caraterizam o tráfego jurídico privado. Porém, como afirma o nº 2, do artigo
309, do Código : “2. O cumprimento das obrigações determinadas pelos atos

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administrativos a que se refere o número anterior não pode ser imposto


coercivamente pelo contraente público, salvo quando se trate de atos que
determinem, em geral, a resolução do contrato ou, em especial, o sequestro e o
resgate de concessões, bem como outras situações previstas na lei”. Em termos
práticos, o dono de obra dava a ordem, e o empreiteiro não a cumpria. Restava à
entidade pública processar judicialmente o empreiteiro, e em Tribunal se discutiria
tudo. O que, tendo em conta a descrição da razão da disputa,,talvez não conferisse
grande otimismo ao Ministério da Saúde. Entretanto, ao abrigo do artigo 329 podia
aplicar sanções que o contrato previsse para o incumprimento ; e mesmo resolver o
contrato, nos termos da alínea b), do nº 1, do artigo 333. Se o fizesse, tudo acabaria,
por certo, novamente em Tribunal. Resumindo, o dono de obra, nos termos do Código
dos Contratos Públicos, pode penalizar, pode destruir o contrato. Mas não pode
obrigar o empreiteiro, pelo menos provisoriamente, a cumprir as suas ordens.
Ironicamente, o único caso em que o dono de obra tem ao seu alcance um mecanismo
específico de pressão sobre o empreiteiro, reside na penalização monetária por
desrespeitar uma ordem de execução de trabalhos complementares, nos termos do nº
4, do artigo 372, do Código dos Contratos Públicos. Só que, como consta do texto desta
hipótese, o Ministério da Saúde recusava a existência de necessidade de trabalhos
complementares. Só de trabalhos contratuais.

25. Modificações objetivas e trabalhos, bens ou serviços


complementares.

Na sistemática do Código dos Contratos Públicos, a Parte III dedica-se ao


regime substantivo dos contratos administrativos, conforme a respetiva
epígrafe. Esta Parte, por sua vez, divide-se em dois Títulos, sendo o primeiro
para acolher as normas gerais desse regime substantivo, e o segundo para
definir regras de execução para os contratos administrativos que o CCP
recebe.
Consequentemente, existem normas de aplicação geral para as modificações
objetivas, as quais, em nosso entender, continuam a ser aplicáveis mesmo
havendo normas especiais por tipo de contrato (como o artigo 370 sobre as
empreitadas, sobre os trabalhos complementares).
Vejamos algumas das normas gerais mais relevantes :
Artigo 312 : “A modificação do contrato pode ter como fundamento : a)
Cláusulas contratuais que indiquem de forma clara, precisa e
inequívoca o âmbito e a natureza das eventuais modificações, bem
como as condições em que podem ser aplicadas ; b) A alteração
anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes tenham
fundado a decisão de contratar, desde que a exigência das obrigações
por si assumidas afete gravemente os princípios da boa fé, e não esteja
coberta pelos riscos próprios do contrato ; c) Razões de interesse
público decorrentes de necessidades novas ou de uma nova
ponderação das circunstâncias existentes”.

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SUMÁRIOS CONTRATOS PÚBLICOS
com exercícios práticos

Artigo 313 : “1. A modificação não pode nunca traduzir-se na alteração


da natureza global do contrato, considerando as prestações principais
que constituem o seu objeto. 2. (...). Os limites previstos no número
anterior não se aplicam a : a) Modificações de valor inferior aos limiares
referidos nos nºs 2, 3 e 4, do artigo 474º, consoante o caso, e inferior a
10% ou, em contratos de empreitada de obras públicas, a 15% do preço
contratual inicial ; b) Modificações que decorram de circunstâncias
que uma entidade adjudicante diligente não pudesse ter previsto,
desde que a natureza duradoura do vínculo contratual e o decurso do
tempo as justifique, e desde que o seu valor não ultrapasse 50% do
preço contratual inicial”.
Quanto às normas especiais, as mais importantes constam do artigo 370, do
CCP. São elas :
“1. São trabalhos complementares aqueles cuja espécie ou quantidade
não esteja prevista no contrato.
2. O dono da obra pode ordenar a execução de trabalhos
complementares ao empreiteiro, caso a mudança de cocontratante : a)
Não possa ser efetuada por razões técnicas, designadamente em
função da necessidade de assegurar a permutabilidade ou
interoperacionalidade com equipamentos, serviços ou instalações
existentes, e
b) Seja altamente inconveniente ou provoque um aumento
considerável de custos para o dono da obra ;
(...).
O valor dos trabalhos complementares não pode exceder, de forma
acumulada, 50% do preço contratual inicial.”

Este artigo é aplicável, com as devidas adaptações, aos contratos públicos de


fornecimento, por efeito do disposto no artigo 438, e aos contratos públicos
de serviços, nos termos do artigo 454, tudo do CCP.
O conjunto do dispositivo dos artigos 312, 313 e 370, tal como resulta da lei
nº 30/2021, de 21 de maio, representa uma brutal mudança de rumo na
tradição legislativa nacional, pelo menos desde 1990. O mais recente decreto-
lei nº 70/2022, de 7 de novembro alterou o artigo 370
As atuais possibilidades de alterar o objeto do contrato (qualquer contrato)
resultam da transposição das normas da diretiva 2014/24/UE, não sendo, por
isso, a produto da vontade do legislador nacional. Substancialmente, essas
possibilidades são incompatíveis com as funções de fiscalização financeira
asseguradas pelo Tribunal de Contas.

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Exercícios e sua resolução :

Imaginemos um projeto que se vem a revelar como gravemente insuficiente,


tão insuficiente que seria até extremamente difícil que os concorrentes
pudessem cumprir o seu dever, nos termos do artigo 50, do Código dos
Contratos Públicos. Porém, o objeto essencial do contrato não suscitava
dúvida : a construção de uma estrada, com respeito pelos parâmetros normais
das regras da arte. O dono de obra, sem ultrapassar o limite dos 50%
calculados sobre o preço contratual, ordenou a execução de todos os
trabalhos complementares que o empreiteiro lhe solicitou.
Nos termos conjugados dos artigos 313 e 370, do Código dos Contratos Públicos, o dono
de obra (anterior entidade adjudicante) tem uma grande liberdade para ordenar a execução
de trabalhos complementares. Com efeito, basta que a mudança de cocontratante (só possível
mediante novo procedimento pré-contratual) cause aumento considerável de custos e seja
tecnicamente inviável, para poder gastar até 50% do preço contratual original. Mas não só.
Nos termos do nº 3, do artigo 313, novas possibilidades se abrem. A própria dispensa de
cumprimento dos requisitos estabelecidos do nº 2, do mesmo artigo, para se aplicar o nº 3, é
disso evidente. Logo, tudo podia ser ordenado.

O teor conjugado do disposto nos artigos 312, 313, 370 e 378, do Código
dos Contratos Públicos será objeto de uma análise aprofundada, que
ocupará pelo menos 4 aulas, e onde serão resolvidos outros tantos
exercícios práticos. Aquele que consta acima é unicamente um
exemplo do sentido geral da muito livre adjudicação de trabalhos
complementares.

UNIVERSIDADE LUSÍADA LISBOA

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