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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

1.1. Liberdade de expressão

Violam a CF os atos de busca e apreensão de materiais de cunho eleitoral e a suspensão de atividades de


divulgação de ideias em universidades públicas e privadas
 Fatos: durante a eleição de 2018 houve “denúncias” de que, em universidades públicas, professores e alunos
estariam fazendo campanha eleitoral contra o então candidato Jair Bolsonaro. Diante disso, alguns juízes e TREs
proferiram decisões determinando busca e apreensão de panfletos e materiais que estariam sendo distribuídos em
tais instituições. Em algumas universidades, os materiais foram retirados por iniciativa da própria Polícia, sem que
houvesse ordem judicial. Os juízes e TREs deferiram essas ordens de busca e apreensão alegando que o art. 37 da
Lei 9.504/97 proíbe propaganda eleitoral em bens públicos (logo, em universidades públicas).
 ADPF: alegou que tais apreensões ultrapassaram os limites de fiscalização do processo eleitoral e afrontaram o
preceito fundamental da liberdade de expressão, na qual se incluem a livre manifestação do pensamento, de cátedra
e a autonomia universitária. A liberdade de cátedra (também chamada de liberdade acadêmica) é um princípio
segundo o qual o professor deve ter a liberdade de pesquisar e ensinar, ou seja, divulgar seu pensamento, arte e
saber. Por outro lado, o aluno tem também a liberdade de aprender e pesquisar, sem a imposição de censuras. A
liberdade de cátedra está prevista no art. 206, II e III. A autonomia universitária, por sua vez, está consagrada no
art. 207.
 Decisão: (i) cabimento: a ADPF por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
Poder Público. O STF entende que o conjunto de reiteradas decisões sobre determinada matéria é considerado ato
do Poder Público passível de controle pela ADPF e esta é a via correta para questionar interpretação judicial de
normas constitucionais e legais.
(ii) mérito: Os atos questionados violam os princípios constitucionais que asseguram a liberdade de manifestação
do pensamento e as garantias inerentes à autonomia universitária.
 Resumo: São inconstitucionais os atos judiciais ou administrativos que determinem ou promovam:
• o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas;
• o recolhimento de documentos (ex: panfletos);
• a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários;
• a realização de atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela
prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em
equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas.

Cabe reclamação contra decisão judicial que determina retirada de matéria jornalística de site
 Fatos: uma revista publicou uma reportagem na sua edição impressa e também no site. João, mencionado na
matéria, sentiu-se ofendido e ajuizou ação pedindo a retirada da reportagem do site, além de indenização por danos
morais. O juiz da vara cível, com base no art. 20 do CC, concedeu a tutela provisória de urgência determinando que
a empresa jornalística retirasse, de seu site, a matéria referente ao autor. Vale ressaltar que, na decisão, o juiz
afirma expressamente que não está decidindo com base na Lei de Imprensa.
 Rcl: a revista alegou que a decisão do juiz teria afrontado o entendimento do STF firmado na ADPF 130, que
declarou a não recepção da “Lei de Imprensa” pela CF. Aduziu que a decisão configura censura à atividade de
imprensa, restringe a liberdade de expressão e afronta o direito de acesso à informação, e que a imposição de
censura é desarrazoada, considerando que eventuais danos sofridos poderão ser compensados por meio de
indenização.
 Decisão: (i) cabimento: Em regra, o STF é muito restritivo em aceitar reclamações propostas contra decisões
que teriam desrespeitado acórdãos da Corte. Essa posição do STF está dentro daquilo que se chama de
“jurisprudência defensiva”. Um exemplo de “jurisprudência defensiva” é a interpretação consolidada no STF no
sentido de que não se deve adotar a teoria da transcendência dos motivos determinantes. Pela teoria da
transcendência dos motivos determinantes (efeitos irradiantes dos motivos determinantes), a ratio decidendi, ou
seja, os fundamentos determinantes da decisão do STF também teriam efeito vinculante. Ocorre que, como já dito,
o STF não acolhe esta posição e entende que, em regra, as decisões proferidas pelo STF em controle abstrato de
constitucionalidade devem ter eficácia vinculante apenas quanto à parte dispositiva do julgado. Assim, em regra,
não se admite reclamação sob a alegação de que houve violação dos fundamentos da decisão do STF 1. Essa linha
restritiva, no entanto, tem sido excepcionada em processos relacionados com a liberdade de expressão ou de

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(...) a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, “l”, da CF rechaça o cabimento de reclamação fundada na tese da
transcendência dos motivos determinantes. (...). STF. 1ª Turma. Rcl 22470 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
24/11/2017.
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imprensa. Nesses casos, o STF tem proferido inúmeras decisões admitido reclamações mesmo que a decisão
reclamada não esteja baseada no mesmo ato declarado inconstitucional em sede concentrada. A justificativa para
essa postura mais ampla está no fato de que “a liberdade de expressão ainda não se tornou uma ideia
suficientemente enraizada na cultura do Poder Judiciário de uma maneira geral. Não sem sobressalto, assiste-se à
rotineira providência de juízes e tribunais no sentido de proibirem ou suspenderem a divulgação de notícias e
opiniões, num “ativismo antiliberal” que precisa ser contido” (Min. Roberto Barroso).
(ii) mérito: (a) a liberdade de expressão ocupa lugar privilegiado: o STF entende que, diante da existência de
diversos dispositivos assegurando a liberdade de expressão, pode-se dizer que a CF conferiu uma espécie de
“prioridade” para essa garantia. Assim, embora não haja hierarquia entre direitos fundamentais, a liberdade de
expressão (aqui entendida em sentindo amplo) possui uma posição preferencial (preferred position) em relação aos
demais direitos. Isso significa que o afastamento da liberdade de expressão é excepcional, e o ônus argumentativo é
de quem sustenta o direito oposto. Como consequência disso, deve-se fazer uma análise muito rigorosa, criteriosa e
excepcional de toda e qualquer medida que tenha por objetivo restringir a liberdade de expressão. O Min. Roberto
Barroso cita 5 motivos principais pelos quais a liberdade de expressão ocupa um lugar privilegiado tanto no
ordenamento jurídico interno como nos documentos internacionais. São eles: a) a liberdade de expressão
desempenha uma função essencial para a democracia, ao assegurar um livre fluxo de informações e a formação de
um debate público robusto e irrestrito, condições essenciais para a tomada de decisões da coletividade e para o
autogoverno democrático; b) a proteção da liberdade de expressão está relacionada com a própria dignidade
humana, ao permitir que indivíduos possam exprimir de forma desinibida suas ideias, preferências e visões de
mundo, bem como terem acesso às dos demais indivíduos, fatores essenciais ao desenvolvimento da personalidade,
à autonomia e à realização existencial; c) este direito está diretamente ligado à busca da verdade. Isso porque as
ideias só possam ser consideradas ruins ou incorretas após o confronto com outras ideias; d) a liberdade de
expressão possui uma função instrumental indispensável ao gozo de outros direitos fundamentais, como o de
participar do debate público, o de reunir-se, de associar-se, e o de exercer direitos políticos, dentre outros; e) a
liberdade de expressão é garantia essencial para a preservação da cultura e da história da sociedade, por se tratar de
condição para a criação e o avanço do conhecimento e para a formação e preservação do patrimônio cultural de
uma nação.
(b) critérios para a ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade: O Min. Roberto
Barroso defende a aplicação de 8 critérios ou elementos a serem considerados na ponderação entre a liberdade de
expressão e os direitos da personalidade. São eles:
1) veracidade do fato: a notícia divulgada dever ser verdadeira. Isso porque a informação que goza de proteção
constitucional é a verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento de outrem, não constitui
direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de
critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata
de uma verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de
quem a divulga. Para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na
difusão da falsidade.
2) licitude do meio empregado na obtenção da informação: o conhecimento acerca do fato que se pretende divulgar
tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo direito. A Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em
juízo, de provas obtidas por meios ilícitos, também proíbe a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante
cometimento de um crime. Se o jornalista ou alguém empreitado pelo veículo de comunicação realizou, por
exemplo, uma interceptação telefônica clandestina, invadiu domicílio, violou o segredo de justiça em um processo
de família ou obteve uma informação mediante tortura ou grave ameaça, sua divulgação, em princípio, não será
legítima. Note-se ainda que a circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser
obtida por meios regulares e lícitos torna-a pública e, portanto, presume-se que a divulgação desse tipo de
informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos envolvidos.
3) personalidade pública ou privada da pessoa objeto da notícia: a depender se a pessoa for uma personalidade
pública ou privada, o grau de exposição é maior ou menor.
4) local do fato: deve-se analisar também se os locais dos fatos narrados são reservados ou protegidos pelo direito à
intimidade.
5) natureza do fato: deve-se analisar se os fatos divulgados possuem caráter sigiloso ou se estão relacionados com a
intimidade da pessoa.
6) existência de interesse público na divulgação em tese: presume-se, como regra geral, o interesse público na
divulgação de qualquer fato verdadeiro.
7) existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos.
8) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação: o uso abusivo da
liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o
direito de resposta, a responsabilização civil ou penal e a proibição da divulgação. Somente em hipóteses extremas
se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral
será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito
de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o caso.
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 Resumo: O STF tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em
razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial. No julgamento da
ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional
qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. A retirada de matéria de circulação
configura censura em qualquer hipótese, o que se admite apenas em situações extremas. Assim, em regra, a colisão
da liberdade de expressão com os direitos da personalidade deve ser resolvida pela retificação, pelo direito de
resposta ou pela reparação civil. Diante disso, se uma decisão judicial determina que se retire do site de uma revista
determinada matéria jornalística, esta decisão viola a orientação do STF, cabendo reclamação.

É inconstitucional norma que proíbe proselitismo em rádios comunitárias


 Fatos: A Lei 9.612/98 trata sobre o Serviço de Radiodifusão Comunitária, mais conhecida como “rádio
comunitária”. A rádio comunitária consiste na concessão outorgada pelo Governo para que fundações e associações
comunitárias desenvolvam serviços de rádio, em baixa potência e com cobertura restrita, sem fins lucrativos, com
sede na localidade de prestação do serviço. O seu art. 4º, § 1º proíbe, no âmbito da programação das emissoras de
radiodifusão comunitária, a prática de proselitismo, ou seja, a transmissão de conteúdo tendente a converter pessoas
a uma doutrina, sistema, religião, seita ou ideologia.
 ADI: esse dispositivo violaria os princípios constitucionais que permitem a liberdade de manifestação de
pensamento, consciência, crença e religião. O veto ao proselitismo é uma forma de “censura odiosa”, alegou-se.
 Decisão: a norma impugnada viola os arts. 5º, IV, VI e IX e 220. A liberdade de pensamento inclui o discurso
persuasivo, o uso de argumentos críticos, o consenso e o debate público informado e pressupõe a livre troca de
ideias e não apenas a divulgação de informações. Ademais, o art. 220 prevê, expressamente, a liberdade de
expressão sob qualquer forma, processo ou veículo. A rádio ou serviço de radiodifusão comunitária se insere nessa
hipótese.

A incitação de ódio público feita por líder religioso contra outras religiões pode configurar o crime de racismo
V. Direito Penal.

1.2. Direitos sociais: julgado de DTB.

1.3. Educação

Colégios Militares do Exército podem cobrar mensalidade dos seus alunos


 Fatos: há, em diversas partes do país, colégios mantidos e gerenciados pelo Exército Brasileiro. Tais escolas são
chamadas de “Colégios Militares”. Frise-se que os Colégios Militares atendem não apenas os filhos ou parentes de
militares, mas também civis. O aluno do Colégio Militar paga mensalidades e alguns outros valores extras para
estudar lá. Vale ressaltar que os “alunos carentes” que comprovarem essa condição ficam dispensados de fazer essa
retribuição financeira. Esses pagamentos são chamados de “contribuições”, sendo disciplinados pelos arts. 82 e 83
da Portaria 42/08 do Comandante do Exército, que aprova o Regulamento dos Colégios Militares. O Comandante
do Exército utiliza como fundamento os arts. 1º, 17 e 20 da Lei 9.786/99, que dispõe sobre o Ensino no Exército
Brasileiro. O Exército Brasileiro entende que os Colégios Militares do Exército são instituições militares
com “características próprias” (cf. o art. 1º da Lei 9.786/99) e, por isso, diferentes do sistema educacional brasileiro
comum. Em razão disso, com amparo nos arts. 1º e 20 da Lei 9.786/99, seria possível a cobrança de mensalidade.
 ADI: o PGR alegou que essa cobrança violaria, dentre outros, o art. 206, IV e o art. 208, § 1º, que determinam
que o ensino público no Brasil seja gratuito (princípio da gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais). Além
disso, alegou que esse valor exigido dos alunos seria uma espécie de tributo e que não poderia ter sido criado por
meio de Portaria, tendo assim havido ofensa ao princípio da legalidade tributária previsto no art. 150, I. Diante
disso, o PGR pediu para o STF: a) dar interpretação conforme a CF ao art. 1º da Lei 9.786/99, para o fim de
entender que a expressão “de características próprias”, contida no art. 1º, não significa que os Colégios Militares
estejam dispensados de cumprir as regras aplicáveis a todo o sistema público de ensino brasileiro, incluída a
gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais. Em outras palavras, mesmo tendo características próprias, deve-
se interpretar que os Colégios Militares devem ser gratuitos; b) dar interpretação conforme a CF ao art. 20 da Lei
9.786/99, para o fim de considerar que é proibida a cobrança de contribuição compulsória dos alunos matriculados
nos Colégios Militares; c) declarar a inconstitucionalidade, por arrastamento, dos arts. 82 e 83 da Portaria 42/08.
 Decisão: o STF julgou improcedente a ADI, pelos seguintes fundamentos:
a) Os Colégios Militares são instituições educacionais sui generis, que fazem com que elas sejam instituições
diferentes dos estabelecimentos oficiais de ensino, por razões éticas, fiscais, legais e institucionais.
b) O ensino militar tem como pressuposto a capacitação de pessoas para o exercício das funções institucionais das
Forças Armadas da República. O objetivo final é preparar quadros que possam servir às Forças Armadas. Isso
“representa importante discrímen pedagógico, o qual reverbera em toda estrutura educacional”.
c) Quando às particularidades fiscais, deve-se esclarecer que o custeio da atividade educacional militar provém do
orçamento do Ministério da Defesa e de contribuições dos usuários do serviço público, e não das ações
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orçamentárias do Ministério da Educação. Trata-se assim de um programa de ensino do Ministério da Defesa, e não
do Ministério da Educação, que continua com seus projetos de ensino geral e gratuito.
d) Quanto à legalidade, o sistema de ensino militar apresenta regime jurídico diverso dos estabelecimentos públicos
pertencentes ao sistema regular de ensino, sendo, inclusive, regime por lei própria (Lei nº 9.786/99).
e) Do ponto de vista institucional, os Colégios Militares apresentam-se como organizações militares que funcionam
como estabelecimentos de ensino de educação básica, subordinada hierarquicamente ao Exército brasileiro, por isso
chefiadas por Coronéis do Exército e com corpo docente formado prioritariamente por oficiais do Exército.
e) Não há ofensa ao princípio da gratuidade. A quota mensal escolar exigida nos Colégios Militares não representa
ofensa à regra constitucional de gratuidade do ensino público, uma vez que não há violação concreta ou potencial
ao núcleo de intangibilidade do DF à educação. Em outras palavras, tais colégios são uma fração pequena e
peculiar das instituições de ensino existentes no país e a existência de cobrança por parte deles não traz nenhum
risco à garantia do DF à educação que continua sendo prestada pelas instituições em geral.
f) A Portaria 42/08, que aprova o regulamento dos Colégios Militares, foi editada à luz da própria Constituição
Federal e da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), sendo, portanto, válida.
g) A quota mensal escolar cobrada dos alunos para o custeio das atividades do Sistema Colégio Militar do Brasil
não possui natureza tributária. Não se trata de tributo porque o ingresso no Sistema de Ensino do Exército é
facultativo e baseado em critérios meritocráticos. Assim, o vínculo jurídico do aluno com a instituição possui
natureza contratual. Vale a pena relembrar que o conceito de tributo (art. 3º do CTN), exige compulsoriedade e,
portanto, exclui de sua abrangência os valores pagos a título de contrato (ajuste de vontades).

Constitucionalidade das idades mínimas para ingresso na educação infantil e no ensino fundamental
 Fatos: a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, órgão do MEC, editou 2 Resoluções:
(i) Resolução 06/10: que estabelece a exigência de 4 anos completos até 31 de março para ingresso no primeiro ano
da educação infantil; (ii) Resolução 01/10: que exige 6 anos completos até 31 de março para ingresso no primeiro
ano do ensino fundamental.
 ADPF: o PGR pediu que as Resoluções fossem declaradas inconstitucionais, pois elas burlariam o art. 208, I,
que determina a oferta da educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade. Alegou também que as
crianças nascidas depois de 31 de março têm tratamento discriminatório, pois só poderão ingressar no ensino
infantil com 5 anos, retardando também a entrada no ensino fundamental.
 ADC: o Governador de MS ajuizou ADC em favor do art. 32, da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação), pedindo que o STF desse interpretação de que o ingresso no ensino fundamental está limitado a
crianças com 6 anos de idade completos no início do ano letivo.
 Decisão: o STF julgou procedente a ADC e improcedente a ADPF. Entendeu que são constitucionais a
exigência de idade mínima de 4 e 6 anos para ingresso, respectivamente, na educação infantil e no ensino
fundamental, e que é constitucional a fixação da data limite de 31 de março para que referidas idades estejam
completas, bem como que é constitucional a exigência de 6 anos de idade para o ingresso no ensino fundamental,
cabendo ao MEC a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário. Quanto à ADPF, o
STF considerou que as Resoluções não violam os princípios da isonomia, da proporcionalidade e do acesso à
educação, ao estabelecerem um critério único e objetivo para o ingresso nas séries iniciais da educação infantil e do
ensino fundamental. O importante é que seja assegurado ao aluno entre 4 e 17 anos o acesso à Assim, a
regulamentação questionada, relativa à transição entre as etapas de ensino, está em conformidade com o art. 208, I
e IV. Cabe ao PP desenhar as políticas educacionais, respeitadas as balizas constitucionais. O critério etário, apesar
de não ser a única solução constitucionalmente possível, insere-se no espaço de conformação do administrador,
sobretudo em razão da “expertise” do CNE e da ampla participação técnica e social no processo de edição das
resoluções, em respeito à gestão democrática do ensino público (art. 206, VI). Por fim, considerou que as regras
objetivas relativas a datas e números asseguram mais segurança jurídica. O acesso aos níveis mais elevados de
ensino (art. 208, V), segundo a capacidade de cada um, pode justificar, eventualmente, o afastamento de regras em
casos bastante excepcionais, a critério exclusivo da equipe pedagógica diretamente responsável pelo aluno, o que se
mostra consentâneo com a valorização dos profissionais da educação escolar e o apreço à pluralidade de níveis
cognitivos e comportamentais em sala de aula.

Não é possível, atualmente, o homeschooling no Brasil


 Fatos: No homeschooling a CA aprende na sua casa as matérias que os demais estudam na escola, por variados
motivos, tais como medo de que os filhos se envolvam com alguns “riscos” do ambiente escolar, tais como
violência, exposição a drogas, bullying etc; os pais possuem rígidos valores religiosos, morais ou ideológicos e
entendem que não há escolas disponíveis que possam transmitir esses mesmos valores para seus filhos; os pais
entendem que os métodos de ensino formais são ultrapassados ou inadequados; os pais desejam que seus filhos
aprendam em um ritmo mais rápido do que aquele oferecido com a grade escolar tradicional; os pais se mudam
constantemente e desejam ter uma maior flexibilidade, evitando mudanças constantes de colégios.
 Decisão: atualmente, não é possível o homeschooling no Brasil. O Min. Alexandre de Moraes explicou que a CF
veda 3 das 4 espécies mais conhecidas do ensino domiciliar: a desescolarização radical, a moderada e o ensino
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domiciliar puro. Isso porque elas afastam completamente o Estado do seu dever de participar da educação. De outra
banda, a CFnão proíbe o homeschooling, ou seja, o ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência
circunstancial. Essa modalidade pode ser estabelecida pelo CN. Assim, não existe, na CF, uma vedação absoluta ao
ensino domiciliar. A CF, apesar de não prever expressamente, não proíbe o ensino domiciliar. Ao se analisar os
dispositivos da CF que tratam sobre a família, criança, adolescente e jovem (arts. 226, 227 e 229) em conjunto com
os que cuidam da educação (arts. 205, 206 e 208) não se encontra uma proibição dessa forma de educação. Porém,
o STF decidiu que o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma regulamentação por
meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização, devendo essa lei respeitar os
mandamentos constitucionais, especialmente o art. 208, § 3º. Nesse sentido, é necessário que a lei que venha a
regulamentar o ensino domiciliar prescreva, dentre outros pontos, o que será essa “frequência”.
 Obs.: a CF estabelece princípios, preceitos e regras aplicáveis ao ensino. Isso vale para o Estado e para a
família. Assim, independentemente do ensino a ser trilhado, a CF exige alguns requisitos inafastáveis: a) a
necessidade de ensino básico obrigatório entre quatro e dezessete anos (art. 208, I); b) a existência de núcleo
mínimo curricular (art. 210); c) a observância de convivência familiar e comunitária (art. 227).
 Obs. 2: se, atualmente, os pais adotarem o “homeschooling”, eles poderão ser responsabilizados civil e até
mesmo criminalmente (art. 246 do CP). Isso porque o ordenamento jurídico, atualmente, obriga que os pais
matriculem seus filhos menores nas escolas de educação formal.

Lei estadual tratando sobre livre organização de entidades estudantis


 Fatos: lei estadual foi editada com o objetivo de assegurar, “nos estabelecimentos de ensino superior, públicos e
privados, a livre organização dos Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos
Estudantes”. Em um dos artigos, foi prevista multa pelo descumprimento aos estabelecimentos particulares de
ensino superior.
 ADI: a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino alegou que a lei trata de “diretrizes e bases da
educação nacional”, matéria que é de competência privativa da União, nos termos do art. 22, XXIV. Além disso, a
Lei violaria a autonomia universitária e a livre iniciativa privada.
 Decisão: o STF julgou parcialmente procedente a ADI para: declarar a inconstitucionalidade do art. 5º (que
previu a multa aos estabelecimentos particulares); e conferir interpretação conforme a CF aos arts. 1º a 4º,
excluindo do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensino superior.
(i) quanto aos arts. 1º a 4º: isso porque tais instituições integram o “sistema federal”, conforme preveem os arts.
209 e 211 da CF c/c os arts. 16 e 17 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Logo, a competência
para reger e disciplinar as instituições federais e as instituições particulares de ensino superior é da União, não
sendo permitido que uma lei estadual trate sobre o tema. Para as demais instituições, os arts. 1º a 4º não apresentam
qualquer inconstitucionalidade. O art. 1º assegura a livre organização dos centros e diretórios acadêmicos nos
estabelecimentos de ensino superior. No art. 2º, dispõe ser de competência exclusiva dos estudantes a definição das
formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes a sua organização. Esses dois artigos não dispõem
sobre matéria atinente a direito civil e versam apenas sobre liberdade de associação. Dessa maneira, ausente
violação à competência da União (art. 22, I). O art. 3º preceitua que os estabelecimentos de ensino devem ceder
espaço para instalações dos centros e diretórios acadêmicos e garantir: livre divulgação dos jornais e outras
publicações; participação nos conselhos universitários; acesso à metodologia da elaboração das planilhas de custos;
e acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula. O art. 4º preconiza que os espaços cedidos
devem ser preferencialmente nos prédios correspondentes aos cursos. O STF considerou que os arts. 3º e 4º não
invadem a autonomia universitária (art. 207). Ao contrário, eles estimulam e protegem os valores constitucionais de
liberdade de expressão, associação e reunião, asseguram a gestão democrática das universidades públicas e, por
conseguinte, permitem a construção de tais universidades como um espaço de reflexão, de exercício da cidadania e
de fortalecimento democrático.
(ii) quanto ao art. 5º: declarado inconstitucional. Isso porque ele prevê a aplicação de multa às instituições
particulares que não observem as regras contidas nos artigos anteriores da Lei. Com isso, a norma viola a
competência legislativa da União para dispor sobre o sistema federal, bem como a isonomia, uma vez que
estabelece multa exclusivamente em desfavor das universidades privadas.

1.4. Direito à saúde

O Poder Judiciário pode determinar que o PP forneça remédios que não estão previstos na lista do SUS
 Tese: Sim, mas desde que cumpridos 3 requisitos cumulativos:
1) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o
paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da
moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
2) Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e
3) Existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.
*Obs.: foi determinada modulação dos efeitos com base no art. 927, § 3º do CPC.
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 Direito: (i) Inexistência de violação ao princípio da separação dos Poderes: isso porque uma das tarefas
primordiais do Poder Judiciário é atuar para a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente aqueles que se
encontram previstos na CF. Assim, não há que se falar em violação ao princípio da separação dos Poderes, quando
o Poder Judiciário intervém no intuito de garantir a implementação de políticas públicas, notadamente, como no
caso em análise, em que se busca a tutela do direito à saúde. “Seria distorção pensar que o princípio da separação
dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos DFs, pudesse ser utilizado justamente como
óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes”. 
(ii) Fundamento constitucional: arts. 6º, 196 e 198, II.
(iii) Fundamento infraconstitucional: Lei 8.080/90 (Lei do SUS) – v. livro.
 1º requisito: o STJ acolhe o entendimento do Enunciado 15 da I Jornada de Direito à Saúde do CNJ 2; o laudo
médico não precisa ser assinado por médico vinculado ao SUS; o laudo médico deverá comprovar 2 circunstâncias:
1ª) Imprescindibilidade ou necessidade do medicamento pleiteado para o tratamento da doença; e 2ª) Ineficácia,
para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.
 2º requisito: não se exige comprovação de pobreza ou miserabilidade, mas, tão somente, a demonstração da
incapacidade de arcar com os custos referentes à aquisição do medicamento prescrito. Assim, não necessariamente
precisa ser pobre, desde que se demonstre que os ganhos são incompatíveis com a aquisição do medicamento.
 3º requisito: exige-se que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela ANVISA. Esta exigência
decorre de imposição legal, tendo em vista o disposto no artigo 19-T, II, da Lei 8.080/90.
 Complementação do 3º requisito após EDs: questionou-se os medicamentos off-label, que é uma expressão em
inglês que, em tradução literal, significaria “fora de indicação”. O STJ acolheu os EDs e retificou o 3º requisito.
Com relação aos medicamentos off-label, estabeleceu-se uma regra e uma exceção:
• Em regra, não é possível que o paciente exija do poder público o fornecimento de medicamento para uso off-
label; • Excepcionalmente, será possível que o paciente exija este medicamento caso esse determinado uso fora da
bula (off-label) tenha sido autorizado pela ANVISA. Ex: um paciente do SUS com Degeneração Macular
Relacionada à Idade poderia, em tese, desde que cumpridos os demais requisitos, exigir que o poder público
fornecesse a ele o “Avastin” para tratar esta enfermidade ocular, mesmo não sendo esta a finalidade do
medicamento prevista na bula.

É constitucional o ressarcimento ao SUS previsto no art. 32 da Lei 9.656/98


 Fatos: o chamado “ressarcimento ao SUS”, criado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, é uma obrigação legal das
operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas que o SUS teve ao atender uma pessoa
que seja cliente e que esteja coberta por esses planos.
 RE das operadoras de saúde: questionam a validade do art. 32 da Lei 9.656/98 sob o argumento de que a sua
participação na saúde tem caráter suplementar, uma vez que o dever primário de assegurar o acesso à saúde é
atribuído pela Constituição Federal aos entes políticos. Logo, defendem que o PP possui sim obrigação de prestar
saúde a quem procurar, não devendo os planos de saúde ser obrigados a ressarcir tais despesas. Além disso, tais
operadoras aduziram que esse art. 32 representa a instituição de uma nova fonte de custeio para a seguridade social,
o que somente poderia ocorrer por meio de lei complementar, nos termos do art. 195, § 4º, da CF.
 Decisão: o STF entendeu que o art. 32 da Lei 9.656/98 é válido. O art. 32 não representa a criação de uma nova
fonte de receitas para seguridade social, nos termos do art. 195, § 4º, da CF. Trata-se apenas de um desdobramento
do contrato firmado entre as operadoras de saúde e seus clientes. As operadoras de saúde atuam em um serviço
regulado pelo PP, devendo cumprir as condições impostas. O tratamento em hospital público não pode ser negado a
nenhuma pessoa, considerando que o acesso aos serviços de saúde no Brasil é universal (art. 196 da CF). Porém, se
o PP atende um usuário do plano de saúde, o SUS deve ser ressarcido, assim como ocorreria caso esse usuário do
plano de saúde tivesse sido atendido em um hospital particular (não conveniado ao SUS). Esse art. 32 impede o
enriquecimento ilícito das empresas de plano de saúde.

1.5. Dados obtidos com a quebra de sigilo bancário não podem ser divulgados abertamente em site oficial
 Fatos: o CN instalou uma CPI para apurar irregularidades nos Correios. A CPI determinou a quebra dos sigilos
bancário, telefônico e fiscal da empresa Skymaster. Esses dados bancário, telefônico e fiscal constaram no relatório
final da CPI. Até aí, tudo bem. O “problema” foi que esse relatório final, com os dados, foi divulgado no sítio do
Senado Federal. Diante disso, a empresa impetrou MS alegando que essa divulgação é indevida.
 Decisão: o STF concordou com o MS. Os dados obtidos por meio da quebra dos sigilos bancário, telefônico e
fiscal devem ser mantidos sob reserva. Assim, a página do Senado Federal na internet não pode divulgar os dados
obtidos por meio da quebra de sigilo determinada por CPI.

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Enunciado 15: As prescrições médicas devem consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua
Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo,
seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, posologia, modo de administração e período de tempo do
tratamento e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica.
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1.6. Direitos políticos

A vedação ao exercício de três mandatos consecutivos pelo mesmo núcleo familiar aplica-se também na hipótese
em que um dos mandatos tenha sido para suceder o eleito que foi cassado
 Fatos: em 2008, nas eleições municipais, ganhou e assumiu a Prefeitura o Sr. Mozaniel. Ocorre que o seu
mandato foi cassado e a Justiça Eleitoral determinou que o 2º colocado (Auricélio) assumisse p/ um mandato-
tampão.
• 2010-2012: o Prefeito foi o Sr. Auricélio. Duas observações: 1) era o primeiro mandato de Auricélio; 2) 6 meses
antes das eleições, Auricélio renunciou ao cargo a fim de permitir que seu cunhado (Hélio) concorresse à
Prefeitura. Auricélio estava doente e, então, preferiu abrir mão para que seu cunhado disputasse o pleito.
• Em 2012: Hélio (o cunhado do ex-Prefeito) vence a eleição para Prefeito.
• De 2013 a 2016: Hélio cumpre o mandato de Prefeito.
• Em 2016: Hélio se candidata à reeleição e vence as eleições para cumprir o mandato de 2017 a 2020. Ocorre que
o TSE, examinando a questão por meio de recurso especial eleitoral, não permitiu que Hélio fosse diplomado
porque considerou que ele não poderia ter disputado às eleições de 2016, ou seja, estava inelegível para aquele
pleito.
 Direito: O motivo da inelegibilidade seria a aplicação combinada dos §§ 5º e 7º do art. 14 da CF. A
jurisprudência, ao interpretar esses dois parágrafos, afirma que o cônjuge ou parente do chefe do Poder Executivo
(ex: cônjuge ou parente do Prefeito) só poderá concorrer para o mesmo cargo de chefe do Executivo (ex: só poderá
concorrer ao cargo de Prefeito) se forem cumpridos dois requisitos: 1) o cônjuge ou parente só pode se candidatar a
sucessão do titular quando este for reelegível; 2) o titular deverá se afastar do mandato seis meses antes das
eleições. Para o TSE, ao se fazer uma interpretação conjugada dos dispositivos, chega-se à conclusão sobre qual foi
a intenção do legislador constituinte: proibir que pessoas do mesmo núcleo familiar ocupem três mandatos
consecutivos para o mesmo cargo no Poder Executivo. Em outros termos, a CF quis proibir que o mesmo núcleo
familiar ocupasse três mandatos consecutivos de Prefeito, de Governador ou de Presidente.
 Decisão do STF: a vedação ao exercício de três mandatos consecutivos de prefeito pelo mesmo núcleo familiar
aplica-se também na hipótese em que tenha havido a convocação do segundo colocado nas eleições para o
exercício de mandato-tampão.

2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1. Não cabe ADI contra decreto regulamentar de lei: a ADI cabe contra lei ou ato normativo federal ou
estadual. Um Decreto pode ser considerado ato normativo para os fins do art. 102, I, da CF/88? Um decreto pode
ser objeto de ADI? Depende. Decreto que apenas regulamenta uma lei: NÃO. Isso porque, neste caso, esse decreto
terá natureza de ato secundário. Decreto autônomo: SIM. Cabe ADI contra decreto autônomo. O decreto autônomo
possui “coeficiente mínimo de normatividade, generalidade e abstração”, ou seja, ele retira seu fundamento de
validade diretamente da CF, não regulamentando nenhuma lei. Ele possui caráter essencialmente abstrato e
primário.

2.2. ADI contra Resolução:

Cabe ADI contra Resolução do CNMP: A Resolução do CNMP consiste em ato normativo de caráter geral e
abstrato, editado pelo Conselho no exercício de sua competência constitucional, razão pela qual constitui ato
normativo primário, sujeito a controle de constitucionalidade, por ação direta, no STF. *O mesmo entendimento
vale para Resolução do CNJ.

Cabe ADI contra Resolução do TSE: É cabível ADI contra Resolução do TSE que tenha, em seu conteúdo
material, “norma de decisão” de caráter abstrato, geral e autônomo, apta a ser apreciada pelo STF em sede de
controle abstrato de constitucionalidade. Outro precedente, de 2014, no mesmo sentido: A Resolução do TSE pode
ser impugnada no STF por meio de ADI se, a pretexto de regulamentar dispositivos legais, assumir caráter
autônomo e inovador.

2.3. ADI contra Recomendação que fixa competência


 Fatos: A Corregedoria do TJ/SP e as Corregedorias dos TRTs com jurisdição em São Paulo editaram uma
recomendação para seus membros dizendo que a competência para autorizar a participação de CAs em espetáculos
artísticos seria da Justiça do Trabalho. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT)
ajuizou ADI contra esse ato normativo.
 Decisão: a ADI foi conhecida. Por meio da dita “Recomendação”, fixou-se a competência da Justiça do
Trabalho para analisar os pedidos de autorização para crianças e adolescentes participarem em eventos de natureza
artística. Apesar de ter sido nominado como “recomendação”, o que se observa é que se trata de um verdadeiro ato
de caráter geral e abstrato definindo competência para os juízes trabalhistas. Como é um ato emanado pelas
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Corregedorias dos referidos Tribunais, é de se supor que os juízes a eles vinculados se sentirão propensos a cumpri-
las. Diante disso, o STF entendeu que essa recomendação conjunta representava um ato normativo de caráter
cogente e vinculativo que alterou o entendimento até então prevalecente no sentido de que a competência seria da
Justiça Estadual. Assim, considerou-se que esse ato inovou no ordenamento jurídico, fixando competência
jurisdicional com suposto fundamento direto nos incisos I e IX do art. 114 da CF. Esta recomendação conjunta fez,
portanto, o papel que seria próprio de lei ordinária. Logo, a ADI foi conhecida porque se considerou que tal
recomendação possuía caráter primário e autônomo.

2.4. Alteração da lei impugnada antes do julgamento da ADI

O que acontece se a lei impugnada por meio de ADI é alterada antes do julgamento da ação?
Ex,: em 1999, foi proposta uma ADI contra o art. 10 da Lei nº 9.656/98; em 2013, foi editada a Lei nº 12.880
alterando esse art. 10 da Lei nº 9.656/98; ocorre que a ADI ainda não foi julgada pelo STF; o que fazer? R.: Neste
caso, o autor da ADI deverá aditar a petição inicial demonstrando que a nova redação do dispositivo impugnado
apresenta o mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na redação original. Em outras palavras, ele informa
ao STF que houve a alteração legislativa, mas que, apesar disso, a nova redação continua contrariando a CF.
E se o autor da ADI não fizer isso? R.: Neste caso, o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido
em razão da perda superveniente do objeto (perda superveniente do interesse de agir), cf. o art. 485, VI, do CPC.

O que acontece se o ato normativo que estava sendo impugnado na ADI for revogado antes do julgamento da
ação?
Regra: haverá perda superveniente do objeto e a ADI não deverá ser conhecida (STF ADI 1203).
Exceção 1: não haverá perda do objeto e a ADI deverá ser conhecida e julgada caso fique demonstrado que houve
"fraude processual", ou seja, que a norma foi revogada de forma proposital a fim de evitar que o STF a declarasse
inconstitucional e anulasse os efeitos por ela produzidos (STF ADI 3306).
Exceção 2: não haverá perda do objeto se ficar demonstrado que o conteúdo do ato impugnado foi repetido, em sua
essência, em outro diploma normativo. Neste caso, como não houve desatualização significativa no conteúdo do
instituto, não há obstáculo para o conhecimento da ação (STF ADI 2418/DF).
Exceção 3: caso o STF tenha julgado o mérito da ação sem ter sido comunicado previamente que houve a
revogação da norma atacada. Nesta hipótese, não será possível reconhecer, após o julgamento, a prejudicialidade da
ADI já apreciada (STF, ADI 951).

2.5. Alteração do parâmetro constitucional não prejudica o conhecimento da ADI


 O que acontece se, durante a tramitação de uma ADI, ocorre a alteração do parâmetro que havia sido
invocado? Ex.: em 1998, determinado Estado aprovou uma lei prevendo que os servidores aposentados deveriam
pagar contribuição previdenciária; foi ajuizada uma ADI contra esta lei alegando que ela violou o art. 40 da CF; em
2003, antes que a ação fosse julgada, foi editada a EC 41 que alterou o art. 40 e passou a prever expressamente que
os servidores inativos poderiam pagar contribuição previdenciária. Assim, o parâmetro invocado foi modificado.
 Diante disso, o julgamento da ADI ficará prejudicado? O conhecimento da ADI NÃO fica prejudicado.
Mesmo tendo havido a alteração do parâmetro, o STF terá que examinar o mérito da ADI e verificar se a lei
impugnada violava ou não a redação do parâmetro antes da mudança efetuada. Assim, o STF terá que examinar se
aquilo que o autor afirmou na ação estava correto, se aquela lei violava a redação do parâmetro constitucional
naquela época.
 Por quê? Porque a mudança da CF não tem o condão (a força) de convalidar o vício da lei que era
inconstitucional. Se a lei era inconstitucional na época em que foi editada, a alteração superveniente não poderá
corrigi-la. Isso significa que o direito brasileiro não admite a figura da constitucionalidade superveniente.
Constitucionalidade superveniente seria, portanto, a possibilidade de uma lei ou ato normativo inconstitucional ao
tempo de sua edição se tornar constitucional a partir da promulgação de novo texto constitucional. Como já dito, a
constitucionalidade superveniente não é aceita pelo STF. Isso porque a norma inconstitucional é nula desde o seu
nascedouro, não podendo ser convalidada com a alteração do parâmetro constitucional. Adota-se o princípio da
contemporaneidade para se analisar a constitucionalidade da norma. Esse entendimento foi reafirmado agora: A
alteração do parâmetro constitucional, quando o processo ainda está em curso, não prejudica o conhecimento da
ADI. Isso para evitar situações em que uma lei que nasceu claramente inconstitucional volte a produzir, em tese,
seus efeitos. STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018 (Info 907).
 Vale ressaltar que nos casos de alteração do parâmetro o STF deverá realizar dois juízos: 1) um juízo de
constitucionalidade com relação ao parâmetro original, ou seja, verificar se a lei ou ato normativo impugnado era
constitucional (compatível com o parâmetro impugnado); 2) um juízo de recepção ou não com o novo parâmetro,
isto é, analisar se a lei ou ato normativo impugnado está de acordo com a redação atual da CF/88. Fala-se em
recepção ou não nesta segunda hipótese porque o texto constitucional que se estará comparando é posterior à lei ou
ato normativo impugnado. Foi o que ensinou o Min. Gilmar Mendes na ADI 94/RO: “nesses casos, impõe-se a
verificação da constitucionalidade do dispositivo em relação aos dois parâmetros constitucionais”.
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2.6. ABERT tem legitimidade para propor ADI


 Fundamento: art. 103, IX (entidade de classe de âmbito nacional).
 Legitimados universais e não-universais (especiais) : A jurisprudência do STF construiu a tese de que alguns dos
legitimados do art. 103 poderiam ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade questionando leis ou atos
normativos que tratassem sobre todo e qualquer assunto. Tais legitimados seriam, portanto, legitimados ativos
universais. Por outro lado, o STF afirmou que os demais legitimados, ao proporem a ADI, deveriam comprovar que
possuem legítimo interesse na ação. São, por isso, chamados de legitimados ativos especiais. Este legítimo
interesse que precisa ser demonstrado é chamado de pertinência temática.
a) Quem são os legitimados universais: • Presidente da República; • Mesa do Senado e Mesa da Câmara; •
Procurador-Geral da República; • Conselho Federal da OAB • Partido político com representação no CN.
b) Quem são os legitimados especiais: • Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF; •
Governador de Estado/DF; • Confederação sindical; • Entidade de classe de âmbito nacional.
 Pertinência temática: no caso, restou demonstrada a pertinência temática entre o objeto da ADI e o campo de
atuação da ABERT. Isso porque diversas associadas da requerente (emissoras de TV) contam com a participação
de crianças e adolescentes em suas novelas e programas. Por isso, é fundamental que elas saibam, com segurança,
qual o juízo competente, de acordo com a CF, para apreciar tais pedidos. Essa segurança jurídica é indispensável
para que as associadas da ABERT possam desempenhar adequadamente suas atividades.

2.7. Procuração com poderes específicos para o ajuizamento de ADI: o advogado que assina a petição inicial da
ADI precisa de procuração com poderes específicos. A procuração deve mencionar a lei ou ato normativo que será
impugnado na ação. Repetindo: não basta que a procuração autorize o ajuizamento de ADI, devendo indicar, de
forma específica, o ato contra o qual se insurge. Caso esse requisito não seja cumprido, a ADI não será conhecida.
Vale ressaltar, contudo, que essa exigência constitui vício sanável e que é possível a sua regularização antes que
seja reconhecida a carência da ação. STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em
6/6/2018.
Ex: uma entidade de classe de âmbito nacional contrata um escritório de advocacia para ajuizar uma ADI; na
procuração outorgada pelo presidente dessa entidade deverá constar expressamente algo como: outorga poderes
para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade no STF contra os artigos X, Y e Z, da Lei nº XXX/XXXX.

2.8. É possível celebrar acordo em ADPF


 Fatos: Planos Econômicos que fizeram a conversão dos valores depositados de forma errada (os chamados
“expurgos inflacionários”), prejudicando os poupadores, que ajuizaram inúmeras ações individuais e coletivas. A
fim de tentar reverter a situação, Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) ajuizou, no STF, a
ADPF 165. Ao longo da tramitação da ADPF, as várias associações de defesa do consumidor e dos poupadores,
que haviam ajuizado ações coletivas tratando do tema, pediram para intervir no processo na qualidade de amicus
curiae (ex: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Associação Brasileira do Consumidor, entre outras), o
que foi aceito pelo STF. Depois de quase 9 anos tramitando no STF, houve um acordo entre a CONSIF (autora da
ADPF) e as associações de defesa do consumidor/poupadores. Vale ressaltar que a AGU atuou como mediadora
desse ajuste (art. 4º da Lei nº 13.140/2015), por meio da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração
Federal. Por meio desse acordo, os bancos aceitam pagar os poupadores segundo cronograma e condições que estão
no ajuste e, em troca, os correntistas desistem das ações individuais que possuíam contra as instituições financeiras.
Além disso, as associações de defesa do consumidor comprometeram-se a peticionar nas ações civis públicas que
ingressaram requerendo a extinção do processo pela transação (art. 487, III, “b”, do CPC).
 Decisão: É possível a celebração de acordo num processo de índole objetiva, como a ADPF, desde que fique
demonstrado que há no feito um conflito intersubjetivo subjacente (implícito), que comporta solução por meio de
autocomposição. Vale ressaltar que, na homologação deste acordo, o STF não irá chancelar ou legitimar nenhuma
das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo. O STF irá apenas homologar as disposições patrimoniais
que forem combinadas e que estiverem dentro do âmbito da disponibilidade das partes. A homologação estará
apenas resolvendo um incidente processual, com vistas a conferir maior efetividade à prestação jurisdicional.
 Obs.: Existe previsão legal de que as associações autoras de ACPs possam fazer transação nessas ações? NÃO.
A LACP prevê que os órgãos públicos podem fazer acordos nas ACPs em curso, não mencionando as associações
privadas. Porém, o STF afirmou que, mesmo sem previsão normativa expressa, as associações privadas também
podem fazer acordos nas ações coletivas. Assim, a ausência de disposição normativa expressa no que concerne a
associações privadas não afasta a viabilidade do acordo. Isso porque a existência de previsão explícita unicamente
quanto aos entes públicos diz respeito ao fato de que somente podem fazer o que a lei determina, ao passo que aos
entes privados é dado fazer tudo que a lei não proíbe. Para o Min. Ricardo Lewandoswki, “não faria sentido prever
um modelo que autoriza a justiciabilidade privada de direitos e, simultaneamente, deixar de conferir aos entes
privados as mais comezinhas faculdades processuais, tais como a de firmar acordos”.
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2.9. Estado-Membro não possui legitimidade para recorrer de decisões proferidas em controle concentrado
de constitucionalidade: a legitimidade é do Governador, e não do Estado, sob pena de não conhecimento do
recurso.

2.10. Possibilidade de decretação, de ofício, da modulação dos efeitos da decisão proferida em ADI: mesmo
que o STF não conheça do recurso de EDs, p. ex., pode ele, de ofício, modular os efeitos da decisão proferida em
ADI. *Obs.: é possível a modulação dos efeitos da decisão proferida em sede de controle incidental de
constitucionalidade. Assim, não é apenas no controle abstrato que se admite a modulação.

2.11. Coexistência de ADI no TJ e ADI no STF, sendo a ADI estadual julgada primeiro
 Fatos: em uma lei estadual que violava o princípio da igualdade, foram propostas 2 ADIs: (i) ADI ajuizada pelo
PGJ no TJ, alegando que a lei violaria a Constituição Estadual e (ii) ADI ajuizada pelo PGR, no STF,
argumentando que a previsão ofenderia a CF. A primeira ação julgada foi a ADI estadual, procedente e declarou-se
que a norma impugnada era inconstitucional por violar o princípio da igualdade previsto na CE e no art. 5º, caput,
da CF. Vale ressaltar que, como o acórdão do TJ/AM analisou um dispositivo que é reproduzido também na CF,
contra esta decisão caberia RE para o STF. Ocorre que, como não foi manejado nenhum recurso, houve o trânsito
em julgado.
 Direito: chegou, então, o dia de se julgar a ADI proposta no STF. Surgiu, no entanto, uma dúvida: com a
decisão do TJ declarando a inconstitucionalidade da lei, houve a perda do objeto da ADI proposta no STF? Como a
Lei estadual já foi declarada inconstitucional, pode-se dizer que ficou prejudicado o conhecimento da ADI no STF?
NÃO. A ADI no STF não ficou prejudicada. Vamos entender o motivo.
 Coexistência de duas ADIs: coexistindo 2 ADIs, uma ajuizada perante o TJ local e outra perante o STF, o
julgamento da 1ª – estadual – só prejudica o da 2ª – do STF – se preenchidas 2 condições cumulativas: 1) se a
decisão do TJ for pela procedência da ação e 2) se a inconstitucionalidade for por incompatibilidade com preceito
da CE sem correspondência na CF. Caso o parâmetro do controle de constitucionalidade tenha correspondência na
CF, subsiste a jurisdição do STF para o controle abstrato de constitucionalidade (STF. ADI 3659/AM, j. em
13/12/18). No caso concreto, foi preenchido o requisito 1, mas não se verificou a condição 2. O fundamento para o
TJ decidir que a lei é inconstitucional foi o princípio da igualdade. Este princípio da igualdade está previsto na CE
e possui correspondência na CF. Se a decisão do TJ prejudicasse o conhecimento da ADI no STF, significaria dizer
que o STF ficou vinculado à interpretação que o TJ deu para o princípio da igualdade previsto na CF . Ocorre que a
última palavra sobre interpretação da CF pertence ao STF. Logo, seria inadmissível negar ao STF a possibilidade
de examinar o tema. Na verdade, o que o TJ deveria ter feito era suspender a ADI lá proposta a fim de aguardar o
pronunciamento do STF3. Mas, como isso não ocorreu, não pode o STF ficar limitado ao que decidiu o TJ local.
Caso contrário, seria possível que um TJ, por não suspender o trâmite de representação de inconstitucionalidade,
desse interpretação à norma de repetição obrigatória que valeria apenas para o respectivo estado-membro. Isso
porque o STF poderia conferir interpretação diversa à norma de repetição obrigatória para os demais entes da
Federação. Com esse entendimento, o STF rejeitou a alegação de prejudicialidade da ADI e julgou o mérito da ação
lá proposta.

2.12. Decisão que deixa de aplicar dispositivo de lei e cláusula de reserva de plenário
 O STF julgou procedente Rcl contra acórdão de Tribunal que negou vigência a dispositivo de lei sem que isso
tenha sido submetido ao Plenário ou Órgão Especial do Tribunal, por violação à cláusula de reserva de plenário
(art. 97). A Rcl é possível por conta da existência da SV 10.
 Se o caso em que houve violação à cláusula de plenário chegar ao STF por outro meio, p. ex., por RE, o STF
pode decretar a nulidade do acórdão de órgão fracionário do Tribunal, mas já julgar o mérito, seja em atenção ao
art. 949 do CPC, seja em atenção ao DF da duração razoável do processo.

2.13. A decisão do relator que admite ou inadmite o ingresso do amicus curiae é irrecorrível: inclusive, o art.
138 do CPC é expresso neste sentido. Argumentos:
• O art. 138 do CPC é explícito no sentido de conferir ao juiz competência discricionária para admitir ou não a
participação, no processo, de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, e de não admitir recurso
contra essa decisão.
• O art. 7º da Lei nº 9.868/99, de igual modo, é no mesmo sentido.
• O amicus curiae não é parte, mas agente colaborador. Portanto, sua intervenção é concedida como privilégio, e
não como uma questão de direito. O privilégio acaba quando a sugestão é feita.
• Assim, o amigo da Corte, como mero agente colaborador, não possui direito subjetivo de ser admitido pelo
Tribunal.

3
(...) A ocorrência de coexistência de jurisdições constitucionais estadual e nacional configura a hipótese de suspensão
prejudicial do processo de controle normativo abstrato instaurado perante o TJ local. (...) STF. ADPF 190, j. em 29/09/2016.
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• Haveria inúmeros prejuízos ao andamento dos trabalhos do STF se fosse admitida a possibilidade de recurso,
sobretudo em processos em que há um grande número de requerimentos de participação como amicus curiae.

3. COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

3.1. É inconstitucional lei estadual que, ao tratar sobre matéria de competência concorrente, simplesmente
determina a observância da lei federal
 Fatos: Lei do RS sobre as atividades realizadas com OGMs foi editada com 3 artigos: 1º dizendo que “os
aspectos ambientais e fiscalização obedecerão estritamente à legislação federal específica”, 2º dizendo que a Lei
entra em vigor no dia de sua publicação e o art. 3º que fala que ela revoga as leis em sentido contrário.
 Direito: o STF considerou a lei inconstitucional. O STF entendeu que essa lei do Estado do Rio Grande do Sul
significou uma verdadeira “renúncia” ao exercício da competência legislativa concorrente prevista no art. 24, V,
VIII e XII, da CF. Em outras palavras, o Estado abriu mão de sua competência suplementar prevista no art. 24, § 2º
da CF. O ente federado não pode se recusar a implementar as providências impostas a ele pelo legislador
constituinte. O Brasil possui uma extensa dimensão territorial e, por essa razão, é indispensável que exista um
tratamento particularizado para essa matéria, tendo em vista a diversidade biológica verificada no país. Assim, é
necessário que sejam elaboradas políticas públicas específicas à realidade local. O respeito às necessidades
regionais é uma condição de viabilidade da Federação. Em outras palavras, só há Federação com a autonomia dos
Estados-membros sendo exercida. Essa Lei foi uma lei remissiva, ou seja, ela falou o seguinte: a competência para
tratar sobre esse assunto é minha também, mas façam aí tudo o que a legislação federal determinar. Para o STF, “a
banalização de normas estaduais remissivas fragiliza a estrutura federativa descentralizada, e consagra o monopólio
da União, sem atentar para nuances locais”.

3.2. É constitucional lei estadual que obrigue plano de saúde a justificar recusa de tratamento: Essa lei
estadual tratou sobre proteção do consumidor, matéria que está dentro da competência legislativa concorrente, nos
termos do art. 24, V. Assim, a lei impugnada não disciplinou assuntos de direito civil, comercial ou política
securitária. O CDC é a norma geral editada pela União na defesa do consumidor e reconhece como direito básico
do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem (art. 6º, III). A lei atacada cumpre a função estatal de proteção ao consumo, não havendo interferência
nos contratos firmados entre as operadoras e os usuários nem representando equilíbrio atuarial das operadoras de
planos e seguros privados de assistência à saúde. Em outras palavras, as operadoras já tinham esse dever por força
do próprio CDC e a lei estadual apenas explicitou o comando.

3.3. Lei estadual que fixa piso salarial profissional violando os requisitos da LC federal 103/00: a discussão é
sobre DTB. O que é a LC 103/00: a União editou uma LC delegando para os Estados-membros e DF a competência
para editarem leis fixando o piso salarial dos profissionais. Em outras palavras, a União falou o seguinte: como a
realidade de cada Estado é diferente, eu abro mão de fixar o piso salarial nacional para os profissionais e autorizo
que cada Estado/DF edite sua própria lei prevendo o valor mínimo que os profissionais deverão receber. Porém, há
um aspecto constitucional importante:

Uma lei estadual que viola os requisitos da LC federal 103/00 é inconstitucional ou meramente ilegal? Caberia
ADI? O STF possui entendimento de que a lei estadual que extrapola, ou seja, que ultrapassa a autorização
conferida pela LC federal é considerada inconstitucional. Porque se a lei estadual/distrital ultrapassou os limites
impostos pela LC 103/2000, ela, na verdade, está, em última análise, usurpando, ou seja, apoderando-se
indevidamente da competência legislativa privativa da União prevista no art. 22, I e p. u. Assim, a extrapolação dos
limites da competência legislativa delegada pela União aos Estados e ao DF representa a usurpação de competência
legislativa da União para legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I e p. u.) e, consequentemente, a
inconstitucionalidade formal da lei delegada. A lei estadual que ultrapassa os limites da lei delegadora de
competência privativa da União é inconstitucional, por ofensa direta às regras constitucionais de repartição da
competência legislativa. Existindo LC federal autorizando os Estados-membros a legislar sobre determinada
questão específica, não pode a lei estadual ultrapassar os limites da competência delegada, pois, se tal ocorrer, o
diploma legislativo estadual incidirá diretamente no vício da inconstitucionalidade. Atuar fora dos limites da
delegação é legislar sem competência, e a usurpação da competência legislativa qualifica-se como ato de
transgressão constitucional.

3.4. Lei estadual que regule a forma de cobrança do ITCMD pela PGE não viola o CPC : o STF entendeu que
o Estado-membro não está legislando sobre Processo Civil, que é de competência privativa da União (art. 22, I). Os
dispositivos impugnados tratam sobre procedimentos, sendo isso de competência concorrente, cf. o art. 24, XI:
• PROCESSO: competência privativa da União.
• PROCEDIMENTOS em matéria processual: competência concorrente da União, Estados e DF.
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Dessa feita, em matéria de procedimento, cabe à União estabelecer as normas gerais (art. 24, § 1º) e os Estados têm
competência para suplementar, ou seja, complementar (detalhar) essas normas gerais. O CPC traz regras de
processo e também algumas normas gerais sobre procedimento. Desse modo, os Estados-membros podem legislar
sobre procedimentos naquilo que não contrariar as normas gerais da União. Se não houver normas gerais da União
tratando sobre procedimento, os Estados possuem competência legislativa plena. Assim, o STF entendeu que os
preceitos da Lei estadual são normas eminentemente procedimentais, autorizadas pelo art. 24.
A possibilidade de a PGE intervir e ser ouvida nos inventários, arrolamentos e outros feitos em nada atrapalha o
processo. Pela legislação federal, a Fazenda Pública não fica adstrita ao valor declarado no processo dos bens do
espólio. Será sempre notificada e irá instaurar procedimento administrativo para verificar se aqueles valores estão
corretos ou não. A lei estadual dispõe que será instaurado o respectivo procedimento administrativo — como
estabelece o CPC — se a Fazenda não concordar com o montante declarado ou atribuído a bem ou direito do
espólio. Por outro lado, se a Fazenda concordar com o valor nem será necessário instaurar qualquer procedimento
administrativo. Os §§ 1º e 3º do art. 10 não afrontam a divisão de competência e têm a finalidade de facilitar a
situação do contribuinte, com vistas à celeridade da prestação jurisdicional. Tais dispositivos estão inseridos
também na competência concorrente em matéria tributária (art. 24, I). O art. 28 da Lei também pode ser
considerado como norma de organização administrativa. Isso porque seu objetivo é definir qual órgão irá atuar
naquele caso (PGE).

3.5. São inconstitucionais leis estaduais ou municipais que obriguem o supermercado a manter empacotador
para as compras: o STF entendeu que viola a livre iniciativa e configura venda casada.
 Livre iniciativa: o princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1º, IV, da CF, como fundamento da RFB e
reiterado no art. 170, proíbe que sejam adotadas medidas que se destinem direta ou indiretamente à manutenção
artificial de postos de trabalho, em detrimento das reconfigurações de mercado necessárias à inovação e ao
desenvolvimento. Isso porque essa providência não é capaz de gerar riqueza para trabalhadores ou consumidores. O
modelo econômico previsto na CF é o da livre iniciativa. Nesse modelo, não cabe ao Estado decidir se vai ter ou
não empacotador nos supermercados. O Estado somente deve interferir na economia se houver fundamentos
constitucionais que legitimem essa intervenção. Isso não se verifica no caso de exigir empacotadores nos
supermercados.
 Venda casada e aumento dos preços: Se uma lei obriga os supermercados a fornecerem serviço de
empacotamento aos clientes que forem comprar os produtos, essa lei, na verdade, está indo de encontro aos
interesses dos consumidores (art. 5º, XXXII). Isso porque esse serviço de empacotamento será apenas
aparentemente gratuito. No entanto, os estabelecimentos irão repassar esse custo para o consumidor, embutindo
essa despesa no preço do produto vendido. Assim, essa medida ocasionará aumento de preços para todos os
consumidores, tanto para aqueles que querem utilizar esse serviço como também para os que não sentiam falta de
alguém para embalar os produtos comprados e que preferirem pagar menos pelo produto em vez de ter esse serviço.
Sem perceber, o que a lei faz é constituir uma verdadeira “venda casada”, considerando que o consumidor compra
o produto e, obrigatoriamente, acaba custeando o serviço de empacotamento. A venda casada é prática vedada pelo
art. 39, I, do CDC.

3.6. É constitucional lei municipal que proíba o supermercado de fiscalizar o consumidor na saída da loja,
após já ter passado pelo caixa: a justificativa foi a de que compete ao município legislar sobre assuntos de
interesse local, nos termos do art. 30, I, da CF. Assim, os Municípios podem legislar sobre proteção ao consumidor,
desde que fiquem restritos ao interesse local. Nesse sentido, há vários precedentes do STF 4. Há, inclusive, SV do
STF e do STJ: SV 38/STF: É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento
comercial; Súmula 19-STJ: A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da
União. A lei atacada está dentro da competência legislativa municipal, porque diz respeito à proteção das relações
de consumo dos seus munícipes. Ela tem por objetivo evitar o constrangimento dos particulares e de lhes
proporcionar maior conforto, haja vista que impede a dupla conferência das mercadorias e evita o enfrentamento de
várias filas.

*Obs. 1: Não existe um critério objetivo para definir, de maneira absolutamente segura, em que consiste interesse
local e quando a legislação ultrapassa isso. Assim, deve-se prestigiar a vereança local, que bem conhece a realidade
e as necessidades da comunidade.

4
1) Lei do Município de Campos do Jordão fixou tempo máximo de espera para atendimento em caixas de supermercado. 2)
Compete ao município legislar sobre medidas que propiciem segurança, conforto e rapidez aos usuários de serviços bancários,
uma vez que tratam de assuntos de interesse local. STF. 2ª Turma. ARE 747757 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgado em 24/06/2014. 3) Os Municípios detêm competência para legislar determinando a instalação de sanitários nas
agências bancárias, uma vez que essa questão é de interesse local e diz respeito às normas de proteção das relações de
consumo, posto que visa o maior conforto dos usuários daquele serviço, não se confundindo com a atividade-fim das
instituições bancárias. STF. 1ª Turma. RE 266536 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/04/2012.
13
*Obs. 2: o STJ entende que a prática da conferência indistinta de mercadorias pelos estabelecimentos comerciais,
após a consumação da venda, é em princípio lícito e tem como base o exercício do direito de vigilância e proteção
ao patrimônio, razão pela qual não constitui, por si só, prática abusiva. Se a revista dos bens adquiridos é realizada
em observância aos limites da urbanidade e civilidade, constitui mero desconforto, a que atualmente a grande
maioria dos consumidores se submete, em nome da segurança. STJ. 3ª Turma. REsp 1120113/SP, j. em
15/02/2011.

3.7. Lei estadual pode impor que as agências bancárias instalem divisórias individuais nos caixas de
atendimento: sim, pois trata-se de matéria relativa à relação de consumo e, portanto, de competência concorrente.

3.8. É inconstitucional lei estadual que obriga empresas de telefonia e de TV por assinatura a manterem
escritórios (físicos) para atendimento: a justificativa é que a União detém competência privativa para legislar
sobre “telecomunicações” (art. 22, IV). Para o STF, caso fosse adotada a interpretação de que seria “norma de
direito do consumidor”, isso acabaria tolhendo a União de exercer a sua competência de regulamentar este setor,
frustrando a teleologia dos arts. 21, XI e 22, IV da CF. Há outros precedentes do STF no mesmo sentido 5.

3.9. É inconstitucional lei estadual que obrigue a concessionária a fornecer um carro reserva ao cliente que
está aguardando o conserto do seu veículo: a justificativa é que houve, no presente caso, uma
inconstitucionalidade formal orgânica, considerando que foi violada a regra de competência para a edição desta lei.
Por quê? O Min. Roberto Barroso explicou que esta Lei estadual trata sobre direito do consumidor e que o Estado
tem competência para legislar, mas o que ocorreu no caso é que o Estado extrapolou a competência concorrente e
não apenas complementou a legislação federal. Para o STF, foram ultrapassadas as balizas impostas ao legislador
estadual para a elaboração de normas consumeristas. O Min. Ricardo Lewandowski acompanhou o entendimento
pela inconstitucionalidade formal e salientou que o Estado-membro estaria também, neste caso, legislando sobre
“contratos”, ou seja, sobre Direito Civil, de modo que invadiu a esfera privativa da União.

3.10. Viola a CF lei municipal que proíbe o transporte de animais vivos no Município: v. D. Ambiental.

3.11. É inconstitucional lei municipal que institua lotérica local:


 Fatos: o Município instituiu uma loteria em âmbito local com o objetivo de arrecadar verbas para financiar a
assistência social na cidade. Como se sabe, concurso de prognóstico consiste em premiar aquela pessoa que
consegue prever algo que irá acontecer. Ex: a Mega-Sena é um concurso de prognóstico que premia aquele que
consegue prever os seis números que serão sorteados.
 Direito: o STF considerou a lei inconstitucional, pois a competência para tratar sobre esse assunto (sistemas de
sorteios) é privativa da União, cf. o art. 22, XX (A expressão “sistema de sorteios”, constante do art. 22, XX, da
CF, abrange os jogos de azar, as loterias e similares, cf. a jurisprudência do STF). Inclusive, o STF editou SV sobre
o tema: SV 2: É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de
consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

3.12. É inconstitucional lei distrital que trate sobre a estrutura e o regime jurídico da polícia civil do DF: a
justificativa é que se trata de competência da União (há, inclusive, a SV 39).

4. PODER LEGISLATIVO

4.1. Parlamentar, mesmo sem a aprovação da Mesa Diretora, pode, na condição de cidadão, ter acesso a
informações de interesse pessoal ou coletivo dos órgãos públicos
 Fatos: um vereador formulou requerimento à Mesa Diretora da Câmara Municipal pedindo que o Poder
Legislativo municipal requisitasse do Prefeito da cidade informações e documentos relacionados com determinados
contratos assinados pelo Poder Executivo com fornecedores. Como era Vereador da oposição e a situação era
maioria, a Câmara Municipal não aprovou o pedido. Diante disso, ele requereu os dados diretamente ao chefe do
Executivo, que se negou a prestar as informações desejadas. Impetrou, então, um MS, mas o TJ negou o pedido
argumentando que a fiscalização dos atos do Poder Executivo deveria ser feita pelo Poder Legislativo como um
todo (e não isoladamente por parte de um só Vereador). O impetrante recorreu, até que a questão chegou ao STF.
 Decisão: o STF concedeu a segurança pelos seguintes motivos:
5
É inconstitucional lei estadual que obriga as operadoras de telefonia celular e os fabricantes de aparelhos celulares a
incluírem em sua propaganda advertência de que o uso excessivo de aparelhos de telefonia celular pode gerar câncer. Essa lei
viola a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações e sobre propaganda comercial (art. 22, IV e
XXIX, CF/88). STF. ADI 4761, j. em 18/08/2016. É inconstitucional lei estadual que possibilita que o cliente da empresa de
telefonia utilize, no mês subsequente, os minutos da franquia não utilizados no mês anterior. Essa lei viola a competência
privativa da União para legislar sobre telecomunicações e sobre propaganda comercial (art. 22, IV, CF/88). STF. ADI 4649, j.
em 01/07/2016.
14
(i) O Vereador, enquanto parlamentar e cidadão, tem direito de requerer diretamente do chefe do Poder Executivo
informações e documentos sobre a gestão municipal, cf. o art. 5º, XXXIII, que assegura que TODOS têm direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado. A regra geral num Estado Republicano é a da total transparência no acesso a
documentos públicos, sendo o sigilo a exceção. Inclusive, o tema foi regulamentado, em nível infraconstitucional,
pela Lei 12.527/2011, que ficou conhecida como “Lei de Acesso à Informação”.
(ii) é fato que a CF, em matéria de fiscalização, inclusive financeira, operacional e orçamentária, instituiu o
princípio da colegialidade para impessoalizar seu discurso e respeitar a separação de poderes. Para isso, estabeleceu
um protocolo mínimo de diálogo entre as instituições. O que significa isso? Quer dizer que, em regra, os atos de
fiscalização do Poder Legislativo são realizados mediante atuação do colegiado (Mesa Diretora, Plenário,
Comissões) e não pela atuação individual dos parlamentares (ex.: art. 50, caput e § 2º). Ocorre, no entanto, que o
fato de as casas legislativas, em determinadas situações, agirem de forma colegiada, por meio de seus órgãos, não
afasta, tampouco restringe, os direitos inerentes ao parlamentar como indivíduo, membro do povo, da nação. A CF
não restringe o direito do parlamentar de buscar as informações de interesse individual, público ou coletivo, nas
hipóteses em que o cidadão comum pode, solitariamente, exercer o DF. O fato de ser parlamentar não o despe de
seus direitos de cidadão.

4.2. Condenação criminal e perda do mandato eletivo de deputado federal ou senador


 O CP prevê que a pessoa condenada criminalmente perderá o cargo, função pública ou mandato eletivo que
ocupe em 2 casos: (i) quando aplicada PPL por tempo ≥ a 1 ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou
violação de dever para com a AP; b) quando for aplicada PPL por tempo > a 4 anos nos demais casos. Assim, em
caso de condenação criminal transitada em julgado, haverá a perda imediata do mandato eletivo no caso de
Vereadores, Prefeitos, Governadores e Presidente. Além do CP, a perda do mandato eletivo tem justificativa na CF.
Isso porque, para a pessoa exercer um mandato eletivo, ela precisa estar no pleno gozo de seus direitos políticos, e
o indivíduo condenado criminalmente fica com seus direitos políticos suspensos enquanto durarem os efeitos da
condenação (art. 15, III c/c art. 14, § 3º, II).
 A grande controvérsia reside no caso de condenação criminal de Deputados Federais e Senadores. A discussão
jurídica é a seguinte: Se o STF condenar criminalmente um Deputado Federal/Senador, haverá a perda automática
do mandato ou isso ainda dependerá de uma deliberação (decisão) da Câmara ou do Senado? A condenação
criminal transitada em julgado é suficiente, por si só, para acarretar a perda automática do mandato eletivo de
Deputado Federal ou de Senador? Há 3 correntes principais a respeito do tema:
1ª corrente: NÃO. Mesmo com a condenação criminal, quem decide se haverá a perda do mandato é a Câmara ou o
Senado. Para a 1ª corrente, a regra do art. 15, III não se aplica a Deputados Federais e Senadores, pois há uma
norma específica que excepciona a regra geral - o art. 55, VI e § 2º, que afirma expressamente que a perda do cargo
é decidida pela respectiva Casa legislativa. É o entendimento da 2ª Turma.
2ª corrente: SIM. Se o STF condenar o parlamentar e determinar a perda do mandato, a Câmara ou o Senado não
mais irá decidir nada e deverá apenas formalizar a perda que já foi decretada. O § 2º do art. 55 da CF não precisa
ser aplicado em todos os casos nos quais o Deputado ou Senador tenha sido condenado criminalmente, mas apenas
nas hipóteses em que a decisão condenatória não tenha decretado a perda do mandato parlamentar por não estarem
presentes os requisitos legais do art. 92, I, do CP ou se foi proferida anteriormente à expedição do diploma, com o
trânsito em julgado em momento posterior. O procedimento estabelecido no art. 55 da CF disciplina circunstâncias
em que a perda de mandato eletivo parlamentar pode ser decretada com base em juízo político. No entanto, esse
procedimento não é aplicável quando a aludida perda foi determinada em decisão do Poder Judiciário como efeito
irreversível da sentença condenatória. Nessa hipótese, não será necessária votação pela respectiva Casa. O STF já
adotou esta corrente no julgamento do “Mensalão”, mas não representa mais o entendimento da Corte.
3ª corrente: DEPENDE. Se o Deputado ou Senador for condenado a mais de 120 dias em regime fechado: a perda
do cargo será uma consequência lógica da condenação, já que o parlamentar não conseguirá cumprir o número
mínimo de dias de trabalho. Neste caso, caberá à Mesa da Câmara/Senado apenas declarar que houve a perda, nos
termos do art. 55, III e § 3º da CF. Se o Deputado ou Senador for condenado a uma pena em regime aberto ou
semiaberto: a condenação criminal não gera a perda automática do cargo. Isso porque, nos casos de condenação em
regime inicial aberto ou semiaberto, há a possibilidade de autorização de trabalho externo. Ex.: Senador Acir
Gurgacz. Logo, em tese, ele poderia ser um presidiário que sai para trabalhar como parlamentar durante o dia e
volta para o presídio à noite. O Plenário da Câmara ou do Senado irá deliberar, nos termos do art. 55, § 2º, se o
condenado deverá ou não perder o mandato. É a posição adotada pela 1ª Turma.
 Conclusão: atualmente, há divergência entre a 1ª e a 2ª T. do STF.

4.3. Possibilidade de juiz afastar vereador da função que ocupa:


 Em regra, os vereadores não têm prerrogativa de função e são julgados criminalmente por juízes de 1ª instância.
Exceção: a CE pode prever que o TJ será competente para julgar vereadores. Essa previsão da CE é válida, cf. a
jurisprudência do STF.
15
 Imagine que um vereador está respondendo a processo em 1ª instância por crimes contra a AP. O juiz poderá
aplicar medidas cautelares contra esse vereador, dentre elas a medida de afastamento de suas funções (art. 319, VI,
do CPP)? SIM. Vale ressaltar que as normas de imunidade formal previstas no art. 53, § 2º da CF para Deputados
Federais e Senadores NÃO se aplicam para os vereadores, cf. a jurisprudência do STF. Assim, é plenamente
possível que o juiz determine a aplicação de medida cautelar de afastamento das funções de vereador (e de
Presidente da Câmara Municipal), desde que o magistrado o faça fundamentadamente. Para que haja esse
afastamento das funções, é necessária autorização da Câmara dos Vereadores? NÃO. Não existe na legislação tal
exigência.
 Decisão (STJ): É possível que o Juiz de 1º grau, fundamentadamente, imponha a vereadores as medidas
cautelares de afastamento de suas funções legislativas sem necessidade de remessa à Casa respectiva para
deliberação.

4.4. É possível que a CE preveja iniciativa popular para a propositura de emenda à CE


 Fatos: A CE previu expressamente a possibilidade de apresentação de PEC à CE por meio de iniciativa popular
e foi questionada no STF por meio de ADI.
 Direito: O art. 61, § 2º, da CF admite a apresentação de PL por meio de iniciativa popular. Isso vale também
para ECs? NÃO. Isso porque o art. 60 da CF trouxe o rol de legitimados e nele não previu a iniciativa popular.
Além disso, o art. 61, § 2º é expresso ao mencionar “projeto de lei”. Porém, e quanto à CE?
 Decisão: O STF decidiu que a iniciativa popular de emenda à CE é compatível com a CF, encontrando
fundamento no art. 1º, p. u., no art. 14, II e III e no art. 49, VI, da CF. Embora a CF não autorize proposta de
iniciativa popular para emendas ao próprio texto, mas apenas para normas infraconstitucionais, não há
impedimento para que as CEs prevejam a possibilidade, ampliando a competência constante da CF. Entendeu o
STF que a CE/AP democratizou ainda mais o processo de reforma das regras constitucionais estaduais e que o fato
de não haver regra expressa semelhante na CF não faz com que a norma da CE/AP seja inconstitucional por
violação à simetria. Isso porque se, por um lado, não existe previsão expressa, por outro, não há uma proibição na
CF, devendo, então, ser considerada válida a norma estadual, pois ela aumenta os mecanismos de participação
direta do povo. Além disso, a CF prevê a possibilidade de a população ser chamada a participar por meio de
plebiscitos e referendos, de forma que não há qualquer problema em o Legislativo estadual acolher a propositura de
um tema trazido ao parlamento pelos cidadãos.

5. MEDIDAS PROVISÓRIAS

5.1. É possível editar MPs sobre meio ambiente: É possível, mas sempre veiculando normas favoráveis ao MA.
Normas que importem diminuição da proteção ao MA equilibrado só podem ser editadas por meio de lei formal,
com amplo debate parlamentar e participação da sociedade civil e dos órgão e instituições de proteção ambiental,
como forma de assegurar o direito de todos ao MA ecologicamente equilibrado. Assim, é inconstitucional a edição
de MP que importe em diminuição da proteção ao MA equilibrado, especialmente em se tratando de diminuição ou
supressão de UCs, com consequências potencialmente danosas e graves ao ecossistema protegido. A proteção ao
MA é um limite material implícito à edição de MP, ainda que não conste expressamente do rol das limitações do
art. 62, § 1º.

5.2. Interpretação do § 11 do art. 62 da CF


 Fatos: uma MP foi editada criando a possibilidade de que empresas instalassem Centros Logísticos e Industriais
Aduaneiros (CLIA), desde que autorizados pela Receita Federal. Diversas empresas fizeram o requerimento
pedindo a instalação desses Centros. Ocorre que, antes que a Receita examinasse todos os pedidos, a MP foi
rejeitada pelo Senado. O CN não editou decreto legislativo disciplinando as situações ocorridas durante o período
em que a MP vigorou (§ 3º do art. 62). Diante disso, as empresas defendiam a tese de que os requerimentos
formulados deveriam ser apreciados pela Receita Federal com base no § 11 do art. 62 (“Não editado o decreto
legislativo a que se refere o § 3º até 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia de MP, as relações jurídicas
constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”). Como se
formou um “grupo A” de empresas cujos requerimentos foram analisados e um “grupo B” de empresas com
requerimentos sem análise, as empresas do “grupo A”, visando diminuir a concorrência, ajuizaram uma ADPF,
alegando que as ações judiciais propostas pelo “grupo B” estavam tentando dar uma interpretação ilegítima aos §§
3º e 11 do art. 62 da CF.
 Decisão: (i) cabimento: É cabível ADPF para questionar interpretação judicial de norma constitucional. Em
outras palavras, cabe ADPF para dizer que a interpretação que está sendo dada pelos juízes e Tribunais a respeito
de determinado dispositivo constitucional está incorreta e, com isso, viola preceito fundamental.
(ii) mérito: o STF entendeu que os pedidos feitos durante a vigência da MP 320/06 não devem ser examinados pela
Receita. O § 11 do art. 62 da CF deve ser interpretado com cautela, não se podendo protrair indefinidamente a
vigência de MPs rejeitadas ou não apreciadas. O § 11 tem por objetivo garantir segurança jurídica àqueles que
praticaram atos embasados em MP rejeitada ou não apreciada. Isso, contudo, não pode fazer com que haja uma
16
sobreposição da vontade do Presidente da República sobre a vontade do Poder Legislativo. Se a interpretação do §
11 conduzir à ideia de que todos os efeitos da MP rejeitada ou não apreciada irão prevalecer, o que acontecerá, na
prática, é que a vontade do Chefe do Executivo, manifestada na MP, irá prevalecer ao final mesmo tendo havido
rejeição do ato normativo. No caso concreto, os pedidos formulados pelos interessados durante a vigência da MP
320/06 não foram sequer examinados. Logo, não se pode dizer que havia ato jurídico perfeito. Dessa forma, o
simples fato de ter sido feito o requerimento não significa “relação jurídica constituída”, de sorte que não se pode
invocar o § 11 para justificar a aplicação da MP rejeitada. Interpretação contrária postergaria indevidamente a
eficácia de MP já rejeitada pelo CN, e ofenderia não apenas o § 11 do art. 62 da CF, mas também o princípio da
separação dos Poderes e o princípio da segurança jurídica.

6. TRIBUNAIS DE CONTAS

6.1. Competência do TCU para fiscalizar a Fundação BB somente quanto aos recursos oriundos do BB:
 O TCU tem competência para fiscalizar o BB? SIM. O BB é SEM federal, integrando a AP federal indireta e,
portanto, está sujeito à fiscalização do TCU, nos termos do art. 71, II, da CF.
 O TCU tem competência para fiscalizar a FBB? Em regra, não deveria ter. Isso porque como se trata de uma
fundação de caráter privado, em regra, ela não está sujeita à fiscalização do TCU nem se submete aos princípios e à
legislação aplicáveis à AP. Como fundação de direito privado, a FBB está, em regra, submetida apenas à
fiscalização do Ministério Público estadual, nos termos do art. 66 do CC.
 Quando a FBB for transferir dinheiro para alguma entidade social, de pesquisa etc., precisará observar os
princípios que regem a AP (ex.: a Lei 8.666/93)? Essa transferência está sujeita à fiscalização do TCU? Depende. É
necessário analisar a natureza jurídica do recurso transferido pela FBB (se são recursos públicos ou eminentemente
privados) para que se possa aferir, com exatidão, a necessidade de submissão aos princípios norteadores da gestão
pública e, consequentemente, ao crivo do controle externo.
 A FBB não poderia ser considerada como uma fundação instituída e mantida “pelo Poder Público federal”,
atraindo sempre a fiscalização do TCU com base no art. 71, II, da CF? NÃO. Isso porque o STF entende que o BB,
apesar de integrar a AP federal, não pode ser considerado como “poder público”. Logo, a FBB consiste em
entidade privada não instituída pelo poder público.

6.2. É inconstitucional norma de CE que confira competência ao TCE para homologar os cálculos das cotas
do ICMS devidas aos Municípios
 Repartição do ICMS: Municípios têm direito a 25% do ICMS. Desses 25%: 3/4 (no mínimo) deverão ser
repartidos proporcionalmente ao volume de operações de circulação de mercadorias e de prestação de serviços
ocorridos nos Municípios. Municípios maiores, ou seja, com mais vendas e serviços, receberão mais; 1/4 (no
máximo) deverão ser repartidos conforme critérios que o Estado definir em lei estadual. Ex: receberão mais os
Municípios com maior preservação do meio ambiente, com menor IDH, com maior população etc. Assim, a cota-
parte que será repassada a cada Município depende desses cálculos.
 Fatos: a CE/AP estabeleceu que, após serem feitos os cálculos de quanto cada Município deverá receber a título
de ICMS (normalmente este cálculo é feito pela Secretaria de Fazenda), o TCE deverá homologar ou não esse
resultado. Argumentou-se que essa competência poderia ser concedida ao TCE considerando que a CF conferiu ao
TCU a competência para realizar os cálculos das quotas relacionadas com os FPEs e FPMs (art. 161, p. u. da CF).
 Decisão: o STF declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da CE/AP. Sujeitar o ato de repasse de recursos
públicos à homologação do TCE representa ofensa ao princípio da separação e da independência dos Poderes.
Como o TCE é um órgão auxiliar da Assembleia Legislativa, o STF entendeu que, condicionar o repasse das cotas-
partes dos Municípios à homologação do TCE significaria, ao fim e ao cabo, condicionar este pagamento à
ingerência da Assembleia Legislativa. Para o STF, não há semelhança entre a atividade de gerenciamento dos FPE
e dos FPMs, exercida pelo TCU com base no art. 161, p. u., com a homologação dos cálculos de quotas do ICMS
pelo TCE. Não há que se falar em simetria neste caso porque inexiste simetria entre os Fundos de Participação e
quotas de repasse de ICMS. São situações distintas. No caso do FPE e do FPM, o próprio TCU efetua os cálculos
das quotas-partes cabíveis aos entes federados à luz de estimativas demográficas fornecidas pelo IBGE. Os fundos
de participação são de natureza contábil, desprovidos de personalidade jurídica e de gerenciamento do TCU por
força da CF. Situação diversa diz respeito ao repasse obrigatório às municipalidades das verbas arrecadadas pelo
estado-membro referente ao ICMS, uma vez que não é fundo financeiro e possui relativa liberdade de conformação.
Assim, o TCE é completamente alheio ao processo de definição dos critérios das quotas, da mesma forma que o
TCU não participa dos repasses na arrecadação de tributos federais, como o IPI.

7. PODER EXECUTIVO

Imunidade do art. 51, I, e art. 86 da CF/88 não se estende para codenunciados que não sejam Presidente da
República, Vice ou Ministro de Estado
17
 O que acontece quando o Presidente comete um crime? Deverá ser analisado se o fato praticado está relacionado
com as suas funções de Presidente: 1) Se o crime praticado não estiver relacionado com as suas funções de
Presidente ou tiver sido praticado antes do início do mandato: Neste caso, enquanto durar o mandato, o Presidente
não poderá ser denunciado. Após terminar o mandato, ele irá ser denunciado e responderá o processo criminal em
1ª instância. Ex.: o Presidente da República agride a sua esposa. Ele somente irá responder por este fato quando
terminar o mandato (art. 86, § 4º). Trata-se de uma espécie de imunidade especial e temporária porque irá durar
apenas pelo período do mandato. Apesar de não haver previsão expressa, a doutrina majoritária entende que, nesta
situação, a prescrição ficará suspensa enquanto perdurar o mandato. 2) Se o crime praticado estiver relacionado
com o exercício das suas funções: O PGR irá apresentar ao STF denúncia contra o Presidente (se o PGR se
convencer que existe crime; em caso contrário, ele pedirá o arquivamento ao STF). Se o delito praticado for de
ação penal privada, é o ofendido quem deverá apresentar queixa-crime no STF.
 Depois que a denúncia ou queixa-crime chega ao STF, qual é a providência a ser adotada? O STF deverá
encaminhar a denúncia ou queixa-crime à Câmara dos Deputados para que esta Casa decida, com o quórum de 2/3,
se o STF poderá dar ou não continuidade à análise da peça acusatória. O art. 51, I, e o art. 86 conferem ao
Presidente da República (ao VP e aos Ministros de Estado), portanto, uma imunidade formal em relação ao
processo.
 Fatos: o caso Temer seguiu exatamente o que se disse acima. Porém, o relator determinou que investigados sem
foro por prerrogativa de função e que praticaram, em tese, crimes conexos aos do Presidente da República
deveriam ser processados imediatamente em 1ª instância. Em outras palavras, o STF determinou o
desmembramento dos feitos e o processo de todos aqueles que não possuem foro por prerrogativa de função deverá
ser julgado em 1ª instância mesmo antes de terminar o mandato de Temer. Os investigados recorreram ao STF.
 Decisão: o STF não acolheu a tese dos investigados de que se deveria aguardar o fim do mandato de Temer,
pois:
(i) Regras de imunidade devem ser interpretadas restritivamente (é inviável a extensão dos efeitos de tal decisão, de
natureza eminentemente política, a outras pessoas que não se encontrem investidas nos referidos cargos).
(ii) A regra é o desmembramento. Só excepcionalmente será admitido que o STF julgue pessoas sem foro privativo,
quando ficar demonstrado que o julgamento em separado possa causar prejuízo relevante à prestação jurisdicional.
(iii) Responsabilidade subjetiva: os corréus serem desde logo julgados não significa que se esteja indiretamente
julgando o Presidente da República, em contrariedade ao que decidiu a Câmara dos Deputados. Isso porque vigora
em nosso ordenamento jurídico o princípio da responsabilidade subjetiva, como corolário do Direito Penal do fato,
segundo o qual a análise da responsabilidade é de acordo com a conduta de cada indivíduo. Assim, eventual
condenação ou absolvição dos corréus não irá, necessariamente, influenciar no futuro julgamento de Temer.

Constituição estadual só pode exigir que o Prefeito (ou o Vice) peça autorização da Câmara Municipal para
viajar se a viagem for superior a 15 dias
 Fatos: A CE/AP trouxe previsão de que quaisquer afastamentos dos Prefeitos “por qualquer tempo” demandarão
autorização às Câmaras Municipais.
 Decisão: O STF julgou inconstitucional a expressão “por qualquer tempo”. Tal previsão viola o princípio da
separação dos poderes. O legislador constituinte estadual excedeu-se ao prever que a ausência do Prefeito ou do
Vice para o exterior, por qualquer tempo, deve ter prévia autorização da Câmara Municipal. Essa regra de “por
qualquer tempo” está em desacordo com o princípio da simetria. Isso porque a CF somente exige autorização do
CN se a ausência do Presidente da República for superior a 15 dias (art. 49, III). De igual modo, a CE/AP também
só exige autorização da Assembleia Legislativa se a ausência do Governador (ou do Vice) for superior a 15 dias
(art. 118, § 1º). Logo, a exigência de autorização da Câmara Municipal para que o Prefeito possa se ausentar por
períodos menores que 15 dias quebra a simetria existente em relação ao Governador.

CE pode prever que o Estado e os Municípios deverão reservar vagas para pessoas com deficiência: É
constitucional norma de CE que preveja que “o Estado e os Municípios reservarão vagas em seus respectivos
quadros de pessoal para serem preenchidas por PCDs”. Apesar de, em tese, a CE não poder dispor sobre servidores
municipais, sob pena de afronta à autonomia municipal, neste caso não há inconstitucionalidade, considerando que
se trata de mera repetição de norma da CF.

8. PODER JUDICIÁRIO

8.1. Constitucionalidade da verba “auxílio-voto”, paga aos juízes convocados para atuar nos processos de 2ª
instância do Tribunal: Foi instituído, no TJSP, o pagamento de uma verba pela atuação em 2ª instância de juízes
de 1ª instância (“auxílio-voto”). O CNJ, em procedimento de controle administrativo (PCA), considerou a verba
irregular, por suposta ofensa ao teto constitucional, e determinou a devolução dos valores recebidos pelos juízes. O
STF cassou a decisão do CNJ. No mérito: A verba paga aos juízes foi regular, considerando que baseada no art.
124 da LC 35/79 (LOMAN). Essa convocação de juízes para atuar no Tribunal é válida e não viola a CF. Como
essa convocação de juízes é válida (compatível com a CF), é natural que seja devido o pagamento de um valor
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como forma de “recomposição patrimonial dos magistrados, dado o exercício extraordinário de atribuições
transitórias desempenhadas acumuladamente com a jurisdição ordinária”. De igual modo, como se trata de uma
verba prevista em lei, fica afastada qualquer alegação de má-fé. Como a verba em questão servia para pagar os
magistrados por um serviço extraordinário, elas não estavam abrangidas pelo subsídio.

8.2. Inconstitucionalidade de norma de CE que vincula vencimentos de escrivães aos dos juízes: O STF
decidiu que essa regra é inconstitucional por violar o art. 37, XIII, que proíbe a vinculação ou equiparação de
quaisquer espécies remuneratórias de pessoal do serviço público e também por violar a iniciativa legislativa do
Poder Judiciário (art. 96, II, “b”, da CF).

8.3. O fato de o PCA instaurado no CNJ contar com um número elevado de partes interessadas não significa,
necessariamente, violação ao devido processo legal
 Fatos: foi instaurado procedimento de controle administrativo (PCA) no CNJ para apurar a regularidade de 300
serventias judiciais. O impetrante alega a nulidade do PCA pelo fato de haver um grande número de interessados
no mesmo processo, defendendo a ideia de que deveria ser um procedimento para cada parte.
 Decisão: O STF não concordou com o mandado de segurança impetrado e manteve a decisão do CNJ. O fato de
o PCA instaurado no CNJ contar com um número elevado de partes interessadas não significa, necessariamente,
violação ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. O prejuízo à defesa deve ser analisado
concretamente, à luz das especificidades do caso. No caso concreto, tendo em vista que todos os interessados foram
intimados para se manifestarem no processo e o que CNJ enfrentou de maneira detida as teses jurídicas por eles
apresentadas, não há que se falar em anulação do ato impugnado.
 Controle dos atos do CNJ pelo STF : Como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se
justifica nas hipóteses de: a) inobservância do devido processo legal; b) exorbitância das competências do
Conselho; e c) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado.
 Titulares de serventias judiciais são servidores públicos : Depende. Atualmente, há 3 espécies de titulares de
serventias judiciais: a) os titulares de serventias oficializadas, que ocupam cargo ou função pública e são
remunerados exclusivamente pelos cofres públicos; b) os titulares de serventias não estatizadas, remunerados
exclusivamente por custas e emolumentos; e c) os titulares de serventias não estatizadas, mas que são remunerados
em parte pelos cofres públicos e em parte por custas e emolumentos. O cenário acima existe porque antigamente
todas as serventias judiciais eram “não estatizadas” (“particulares”).

8.4. CNJ pode determinar que Tribunais de Justiça reduzam o adicional de férias dos magistrados para 1/3:
O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo de forma a substituir a competência
do STF. Contudo, o CNJ pode determinar a correção de ato do Tribunal local que, embora respaldado por
legislação estadual, se distancie do entendimento do STF. Assim, o CNJ pode afirmar que determinada lei ou ato
normativo é inconstitucional se esse entendimento já estiver pacificado no STF. Isso porque, neste caso, o CNJ
estará apenas aplicando uma jurisprudência, um entendimento já pacífico. As leis estaduais que preveem abono de
férias aos magistrados em percentual superior a 1/3 são inconstitucionais. Isso porque essa majoração do percentual
de férias não encontra respaldo na LOMAN, que prevê, de forma taxativa, as vantagens conferidas aos magistrados,
sendo essa a Lei que deve tratar do regime jurídico da magistratura, por força do art. 93 da CF/88. Logo, o CNJ
agiu corretamente ao determinar aos Tribunais de Justiça que pagam adicional de férias superior a 1/3 que eles
enviem projetos de lei para as Assembleias Legislativas reduzindo esse percentual.

8.5. CNJ pode avocar PAD que tramita no Tribunal se não há quórum suficiente para se atingir maioria
absoluta: O TRF condenou juiz federal à pena de aposentadoria compulsória. Ocorre que, em virtude de alguns
Desembargadores terem se averbado suspeitos, este juiz foi condenado com um quórum de maioria simples. O CNJ
reconheceu a irregularidade da proclamação do resultado e anulou o julgamento de mérito realizado pelo TRF. Isso
porque o art. 93, VIII e X, da CF exige quórum de maioria absoluta do tribunal. Ocorre que o CNJ, após anular o
julgamento de mérito realizado pelo TRF, decidiu avocar o processo administrativo para que o magistrado fosse
julgado diretamente pelo CNJ. O juiz impetrou MS contra essa avocação, mas o STF afirmou que o CNJ agiu
corretamente. A CF, expressamente, confere ao CNJ competência para, a qualquer tempo, avocar processos de
natureza disciplinar em curso contra membros do Poder Judiciário. Assim, não há óbice para que o CNJ anule o
julgamento do Tribunal e inicie lá um outro procedimento. Uma das causas legítimas de avocação de
procedimentos administrativos pelo CNJ é justamente a falta do quórum para proferir decisão administrativa por
maioria absoluta em razão de suspeição, impedimento ou falta de magistrados. O CNJ poderia ter devolvido o
processo ao TRF2, mas optou por exercer sua competência concorrente, dentro da discricionariedade conferida pela
CF, para julgar o processo e evitar novas questões de suspeição e impedimento.
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8.6. Constitucionalidade do art. 6º, I, da Resolução 146/12 do CNJ: A Resolução 146/12 do CNJ dispõe sobre o
instituto da redistribuição6 de cargos efetivos dos quadros de pessoal dos órgãos do Poder Judiciário da União. O
STF entendeu que é constitucional o art. 6º, I, da referida Resolução, que prevê o seguinte: “Art. 6º O cargo
ocupado somente poderá ser redistribuído se o servidor preencher cumulativamente os seguintes requisitos: I –
tempo mínimo de 36 meses de exercício no cargo a ser redistribuído”. O instituto da redistribuição de cargos
efetivos tem função de resguardar o interesse da AP e não visa a atender às necessidades do servidor. O prazo de 36
meses previsto no referido dispositivo coincide com o prazo estabelecido no art. 41 da CF relativo à estabilidade do
servidor público, de modo a evidenciar a razoabilidade e a proporcionalidade da resolução.

8.7. CNJ pode anular decisão do TJ que, em concurso de cartório, conferiu, na fase de títulos, pontuação
com base em interpretação contrária à Resolução do Conselho: O CNJ não pode substituir a banca
examinadora do concurso na escolha das questões, na correção de provas e nas atribuições de notas. Assim, ao
Conselho é defeso substituir o critério valorativo para escolha e correção das questões pela Banca Examinadora nos
concursos públicos. O CNJ pode, no entanto, substituir, anular ou reformar decisões da banca do concurso que
firam os princípios da razoabilidade, da igualdade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da
publicidade. Isso porque a discricionariedade da banca de concurso não se confunde com arbitrariedade. Se houver
desrespeito aos princípios constitucionais da administração pública, será possível a plena revisão da decisão pelo
Conselho. Ex: o CNJ pode anular decisão do Tribunal de Justiça que, em concurso de cartório, deu interpretação
equivocada a determinado item do edital, e conferiu pontuação indevida a certos candidatos na fase de títulos. A
pontuação conferida pela Comissão no TJ violava à Resolução do CNJ que regulamenta os concursos de cartório.
Neste caso, o CNJ atuou dentro dos limites constitucionais do controle administrativo.

9. MINISTÉRIO PÚBLICO

9.1. O art. 127 da CF assegura ao MP autonomia financeira


 Fatos: A CE do Ceará estabeleceu que o MP goza de autonomia funcional, administrativa e financeira. Previu
também que o PGJ tem competência para propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos e serviços
auxiliares e a fixação dos vencimentos dos membros e dos servidores de seus órgãos auxiliares. Tais dispositivos
foram questionados pelo Governador, que alegou que o art. 127 da CF não prevê autonomia financeira para o MP.
 Decisão: O STF entendeu que os dispositivos são constitucionais, pois, mesmo que o art. 127, § 2º, da CF não
fale em autonomia financeira, ela é sim assegurada ao MP. O § 3º do art. 127 reforça essa conclusão porque prevê
que “o MP elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”.

9.2. Inconstitucionalidade da norma de CE que equipara remuneração de Delegados a dos Promotores: O


STF decidiu que essa regra é inconstitucional por violar o art. 37, XIII, da CF, que proíbe a vinculação ou
equiparação de quaisquer espécies remuneratórias de pessoal do serviço público.

9.3. O MP pode ajuizar ACP para anular aposentadoria que lese o erário: v. em Processo Civil.

10. DEFENSORIA PÚBLICA

10.1. Defensor Público não precisa de inscrição na OAB para exercer suas funções: Os DPs NÃO precisam de
inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. O art. 3º, § 1º, da Lei 8.906/94 deve receber interpretação
conforme a CF de modo a se concluir que não se pode exigir inscrição na OAB dos membros das carreiras da DP.
O art. 4º, § 6º, da LC 80/94 afirma que a capacidade postulatória dos DPs decorre exclusivamente de sua nomeação
e posse no cargo público, devendo esse dispositivo prevalecer em relação ao Estatuto da OAB por se tratar de
previsão posterior e específica. Vale ressaltar que é válida a exigência de inscrição na OAB para os candidatos ao
concurso da DP porque tal previsão ainda permanece na Lei.

10.2. Equiparação entre DP e MP: É inconstitucional dispositivo da CE que concede aos DPs a aplicação do
regime de garantias, vencimentos, vantagens e impedimentos do MP e da PGE. Os estatutos jurídicos das carreiras
do MP e da DP foram tratados de forma diversa pelo texto constitucional originário. Ademais, a equivalência
remuneratória entre as carreiras encontra óbice no art. 37, XIII, da CF, que veda a equiparação ou vinculação
remuneratória. Obs.: o tema foi analisado tendo como parâmetro a redação originária da CF, ou seja, antes das ECs
45/04 e 80/14.

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Redistribuição é o ato por meio do qual o cargo de provimento efetivo (ocupado ou vago) é deslocado para outro órgão ou
entidade do mesmo Poder. Não confundir a redistribuição com a remoção. Na remoção, ocorre o deslocamento do servidor
enquanto que na redistribuição há o deslocamento do próprio cargo (esteja ele ocupado ou vago).
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10.3. DP pode ter acesso a procedimento instaurado pela Justiça para apurar irregularidades em unidade de
internação: v. ECA.

11. ADVOCACIA PÚBLICA

11.1. É possível a existência de Procuradoria da Assembleia Legislativa, mas este órgão ficará responsável
apenas pela defesa das prerrogativas do Poder Legislativo
 Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados/DF : só um órgão pode desempenhar as funções de
representação judicial e de consultoria jurídica nos Estados e DF e este órgão é a PGE.
 Exceções ao princípio: (i) é possível a criação de procuradorias vinculadas ao Poder Legislativo e ao Tribunal
de Contas, para a defesa de sua autonomia e independência perante os demais Poderes, hipótese em que se admite a
consultoria e assessoramento jurídico dos órgãos por parte de seus próprios procuradores; e (ii) ADCT/Art. 69.
Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas PGEs ou Advocacias-Gerais, desde que,
na data da promulgação da CF, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.
 Municípios: não existe, na CF, a figura da advocacia pública municipal. Os Municípios não têm essa obrigação
constitucional, como já decidiu o STF (porém, há uma PEC para instituí-la).
 Caso 1: a CE/Ceará previa que o Governador deveria encaminhar à ALE projetos de lei, dispondo sobre a
organização e o funcionamento da PGE e das procuradorias autárquicas. O STF decidiu que a regra é
inconstitucional. Isso porque a CF determina que a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado,
incluídas suas autarquias e fundações, deve ser feita pela PGE, nos termos do art. 132 da CF. O art. 132 da CF
consagra o chamado princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do DF
e, dessa forma, estabelece competência funcional exclusiva da PGE. A exceção prevista no art. 69 do ADCT
deixou evidente que, a partir da CF, não se permite mais a criação de órgãos jurídicos distintos da PGE, admite-se
apenas a manutenção daquelas consultorias jurídicas já existentes quando da promulgação da Carta. Trata-se de
exceção direcionada a situações concretas e do passado e, por essa razão, deve ser interpretada restritivamente,
inclusive com atenção à diferenciação entre os termos “consultoria jurídica” e “procuradoria jurídica”, uma vez que
esta última pode englobar as atividades de consultoria e representação judicial.
 Caso 2: A CE/AP trouxe previsão de Procuradoria da ALE. Foi proposta uma ADI contra esse dispositivo sob a
alegação de que ele violaria o princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados
e do DF. O STF deu interpretação conforme a CF para que dizer que: A atuação da Procuradoria da ALE deve ficar
limitada à defesa das prerrogativas inerentes ao Poder Legislativo. Em outras palavras, é possível a existência de
Procuradoria da Assembleia Legislativa, mas este órgão ficará responsável apenas pela defesa das prerrogativas do
Poder Legislativo. A representação estadual como um todo, independentemente do Poder, compete à PGE, tendo
em conta o princípio da unicidade institucional da representação judicial e da consultoria jurídica para Estados e
DF. No entanto, às vezes, há conflito entre os Poderes. Ex: o Poder Legislativo cobra do Poder Executivo o repasse
de um valor que ele entende devido e que não foi feito. Nestes casos, é possível, em tese, a propositura de ação
judicial pela Assembleia Legislativa e quem irá representar judicialmente o órgão será a Procuradoria da ALE.
 Caso 3: É vedada a atribuição de atividades de representação judicial e de consultoria ou assessoramento
jurídicos a analista administrativo da área jurídica.

11.2. É inconstitucional norma de CE que preveja a figura do “Procurador da Fazenda Estadual”: É


inconstitucional norma de CE que preveja que compete ao Governador nomear e exonerar o “Procurador da
Fazenda Estadual”. Isso porque o art. 132 da CF determina que a representação judicial e a consultoria jurídica do
Estado, incluídas suas autarquias e fundações, deve ser feita pelos “Procuradores dos Estados e do DF”. Essa
previsão do art. 132 da CF é chamada de princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica
dos Estados e do DF. Em outras palavras, só um órgão pode desempenhar esta função e se trata da PGE, que detém
essa competência funcional exclusiva. O modelo constitucional da atividade de representação judicial e consultoria
jurídica dos Estados exige a unicidade orgânica da advocacia pública estadual, incompatível com a criação de
órgãos jurídicos paralelos para o desempenho das mesmas atribuições no âmbito da AP Direta ou Indireta.

11.3. Técnico superior em Direito de autarquia estadual não pode exercer atribuições de representação
jurídica da entidade: É inconstitucional lei estadual que preveja que servidor de autarquia (no caso, era Técnico
Superior do DETRAN) será responsável por: • representar a entidade “em juízo ou fora dele nas ações em que haja
interesse da autarquia”. • praticar “todos os demais atos de natureza judicial ou contenciosa, devendo, para tanto,
exercer as suas funções profissionais e de responsabilidade técnica regidas pela OAB”. Tais previsões violam o
“princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do DF” (art. 132 da CF). A legislação impugnada,
apesar de não ter criado uma procuradoria paralela, atribuiu ao cargo de Técnico Superior do Detran/ES, com
formação em Direito, diversas funções privativas de advogado. Ao assim agir, conferiu algumas atribuições de
representação jurídica do DETRAN a pessoas estranhas aos quadros da PGE, com violação do art. 132 da CF. O
STF decidiu modular os efeitos da decisão para: • manter os cargos em questão, excluídas as atribuições judiciais
inerentes às procuradorias; • declarar a validade dos atos praticados (ex.: contestações, recursos etc.) até a data do
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julgamento, com base na teoria do funcionário de fato. *ATENÇÃO. Por outro lado, é válido que esses servidores
façam a atuação jurídica no âmbito interno da autarquia, sobretudo em atividades de compliance, tais como
conceber e formular medidas e soluções de otimização, fiscalização e auditoria (exs: interpretar textos e
instrumentos legais, elaborar pareceres sobre questões jurídicas que envolvam as atividades da entidade, elaborar
editais, contratos, convênios etc.). Essas atribuições podem sim ser exercidas pelos Técnicos Superiores do
DETRAN, sem que isso ofenda o princípio da unicidade da representação judicial. O STF entendeu que não se
pode deslocar qualquer atuação técnico-jurídica da autarquia para a PGE, porque esta não conseguirá fazer frente a
essa gama de trabalho, sob pena de ter suas atividades inviabilizadas.

12. TEMAS DIVERSOS

12.1. É constitucional a lei que extinguiu a contribuição sindical obrigatória: São compatíveis com a
Constituição Federal os dispositivos da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) que extinguiram a
obrigatoriedade da contribuição sindical e condicionaram o seu pagamento à prévia e expressa autorização dos
filiados. No âmbito formal, o STF entendeu que a Lei nº 13.467/2017 não contempla normas gerais de direito
tributário (art. 146, III, “a”, da CF). Assim, não era necessária a edição de lei complementar para tratar sobre
matéria relativa a contribuições. Também não se aplica ao caso a exigência de lei específica prevista no art. 150, §
6º, da CF, pois a norma impugnada não disciplinou nenhum dos benefícios fiscais nele mencionados, quais sejam,
subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão. Sob o ângulo
material, o STF afirmou que a CF assegura a livre associação profissional ou sindical, de modo que ninguém é
obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (art. 8º, V, da CF). O princípio constitucional da liberdade
sindical garante tanto ao trabalhador quanto ao empregador a liberdade de se associar a uma organização sindical,
passando a contribuir voluntariamente com essa representação. Não há nenhum comando na CF determinando que
a contribuição sindical é compulsória. Não se pode admitir que o texto constitucional, de um lado, consagre a
liberdade de associação, sindicalização e expressão (art. 5º, IV e XVII, e art. 8º) e, de outro, imponha uma
contribuição compulsória a todos os integrantes das categorias econômicas e profissionais.

12.2. Lei estadual pode conceder meia-entrada em eventos culturais e desportivos para menores de 21 anos:
É constitucional lei estadual que concede o desconto de 50% no valor dos ingressos em casas de diversões, praças
desportivas e similares aos jovens de até 21 anos de idade. Sob o prisma formal, o STF considerou constitucional a
lei impugnada, uma vez que tanto a União quanto os Estados e o DF podem atuar sobre o domínio econômico, por
possuírem competência concorrente para legislar sobre direito econômico, nos termos do art. 24, I, da CF. Do
ponto de vista material, também é constitucional: se de um lado a CF assegura a livre iniciativa, de outro determina
ao Estado que adote providências para garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto
(arts. 23, V; 205; 208; 215 e 217, § 3º, da CF). Na composição entre esses princípios e regras, há de ser preservado
o interesse da coletividade. Por fim, esse critério etário, ou seja, conceder meia-entrada para todo mundo que for
menor que 21 anos, é válido, pois facilita o acesso dos jovens à cultura, à educação e a atividades desportivas.

12.3. Constitucionalidade do Decreto 4.887/03 (remanescentes das comunidades dos quilombolas): O art. 68
do ADCT estabelece que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” Em 2003, foi editado o
Decreto 4.887, com o objetivo de regulamentar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O STF entendeu
que este Decreto não invadiu esfera reservada à lei. O objetivo do Decreto foi tão somente o de regular o
comportamento do Estado na implementação do comando constitucional previsto no art. 68 do ADCT. Houve o
mero exercício do poder regulamentar da Administração, nos limites estabelecidos pelo art. 84, VI, da CF. O art.
2º, caput e § 1º do Decreto 4.887/03 prevê como deve ser o critério utilizado pelo Poder Público para a
identificação dos quilombolas. O critério escolhido foi o da autoatribuição (autodefinição). O STF entendeu que a
escolha do critério desse critério não foi arbitrária, não sendo contrária à CF. O art. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto
preconiza que, na identificação, medição e demarcação das terras dos quilombolas devem ser levados em
consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O STF
afirmou que essa previsão é constitucional. Isso porque o que o Decreto está garantindo é apenas que as
comunidades envolvidas sejam ouvidas, não significando que a demarcação será feita exclusivamente com base nos
critérios indicados pelos quilombolas. O art. 13 do Decreto, por sua vez, estabelece que o INCRA poderá realizar a
desapropriação de determinadas áreas caso os territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos
quilombos estejam situados em locais pertencentes a particulares. O STF reputou válida essa previsão tendo em
vista que, em nenhum momento a CF afirma que são nulos ou extintos os títulos eventualmente incidentes sobre as
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Assim, o art. 68 do ADCT, apesar de
reconhecer um direito aos quilombolas, não invalida os títulos de propriedade eventualmente existentes, de modo
que, para que haja a regularização do registro em favor das comunidades quilombolas, exige-se a realização do
procedimento de desapropriação. Por fim, o STF não acolheu a tese de que somente poderiam ser consideradas
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terras de quilombolas aqueles que estivessem sendo ocupadas por essas comunidades na data da promulgação da
CF/88 (05/10/1988). Em outras palavras, mesmo que, na data da promulgação da CF/88, a terra não mais estivesse
sendo ocupada pelas comunidades quilombolas, é possível, em tese, que seja garantido o direito previsto no art. 68
do ADCT.

DIREITO ADMINISTRATIVO

1. PRINCÍPIOS

1.1. Nepotismo

A nomeação da esposa do prefeito como Secretária Municipal não configura, por si só, nepotismo e ato de
improbidade administrativa
 Nepotismo: significa “proteção”, “apadrinhamento”, que é dado pelo superior para um cônjuge, companheiro ou
parente seu, contratado para o cargo ou designado para a função em virtude desse vínculo. Isso ofende a moralidade.
 Não precisa de lei formal: O nepotismo é vedado em qualquer dos Poderes da República por força dos
princípios constitucionais da impessoalidade, eficiência, igualdade e moralidade, independentemente de previsão
expressa em diploma legislativo. Assim, o nepotismo não exige a edição de uma lei formal proibindo a sua prática,
pois tal vedação decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37 da CF.
 Elementos objetivos: o STF tem adotado 4 critérios objetivos nos quais haverá nepotismo:
a) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante
e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada;
b) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante;
c) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a
quem estiver subordinada; e
d) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional
sobre a autoridade nomeante.
 SV 13
 Fatos: Prefeito do Município nomeou seu cônjuge (formada em enfermagem) para o cargo de Secretária
Municipal de Assistência Social.
 Decisão do STF: A nomeação do cônjuge de prefeito para o cargo de Secretário Municipal, por se tratar de
cargo público de natureza política, por si só, não caracteriza ato de improbidade administrativa.
 Decisão 2 do STF: Em regra, a proibição da SV 13 não se aplica para cargos públicos de natureza política,
como, por exemplo, Secretário Municipal. Assim, a jurisprudência do STF, em regra, tem excepcionado a regra
sumulada e garantido a permanência de parentes de autoridades públicas em cargos políticos, sob o fundamento de
que tal prática não configura nepotismo. Exceção: poderá ficar caracterizado o nepotismo mesmo em se tratando de
cargo político caso fique demonstrada a inequívoca falta de razoabilidade na nomeação por manifesta ausência de
qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado.
 Obs.: a simples dissonância entre a área de formação e a área fim do cargo não é suficiente, por si só, para se
afirmar a inequívoca ausência de razoabilidade da nomeação.

1.2. Princípio da intranscendência subjetiva das sanções


 Súmula 615: Não pode ocorrer ou permanecer a inscrição do município em cadastros restritivos fundada em
irregularidades na gestão anterior quando, na gestão sucessora, são tomadas as providências cabíveis à reparação
dos danos eventualmente cometidos.
 Princípio da intranscendência subjetiva das sanções : não podem ser impostas sanções e restrições que superem a
dimensão estritamente pessoal do infrator e atinjam pessoas que não tenham sido as causadoras do ato ilícito. Na
jurisprudência do STF encontramos dois exemplos de aplicação desse princípio em casos envolvendo inscrição de
Estados e Municípios nos cadastros de inadimplentes da União:

- 1ª acepção: quando a irregularidade foi praticada pela gestão anterior: há julgados que dizem que se a
irregularidade no convênio foi praticada pelo gestor anterior e a gestão atual, depois que assumiu, tomou todas as
medidas para ressarcir o erário e corrigir as falhas (exs: apresentou todos os documentos ao órgão fiscalizador,
ajuizou ações de ressarcimento contra o antigo gestor etc.), neste caso, o ente não poderá ser incluído nos cadastros
de inadimplentes da União. Assim, segundo esta acepção, o princípio da intranscendência subjetiva das sanções
proíbe a aplicação de sanções às administrações atuais por atos de gestão praticados por administrações anteriores.
O STJ comunga desse entendimento e, por isso, editou a Súmula 615.
23
- 2ª acepção: quando a irregularidade foi praticada por uma entidade do Estado/Município ou pelos outros Poderes
que não o Executivo: além do caso acima explicado, diz o STF que o princípio da intranscendência subjetiva das
sanções pode ser aplicado também nas situações em que uma entidade estadual/municipal (ex: uma autarquia)
descumpriu as regras do convênio e a União inscreve não apenas essa entidade, como também o próprio ente nos
cadastros restritivos. Para o STF, também viola o princípio da intranscendência quando o Estado-membro é
incluído nos cadastros de inadimplentes da União por irregularidades praticadas pelos outros Poderes que não o
Executivo.

1.3. Sigilo das informações coletadas pelo IBGE


 Decisão do STJ: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (fundação pública federal) está legalmente
impedido de fornecer a quem quer que seja as informações individualizadas que coleta, no desempenho de suas
atribuições, para que sirvam de prova em quaisquer outros procedimentos administrativos.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1. Responsabilidade civil da concessionária que administra a rodovia por furto ocorrido em seu pátio
 Fatos: o caminhão de uma empresa transportadora foi parado na balança de pesagem na Rod. Anhanguera (SP),
quando se constatou excesso de peso. Os agentes da concessionária determinaram que o condutor estacionasse o
veículo no pátio da concessionária e, em seguida, conduziram-no até o escritório para ser autuado.
Aproximadamente 10 minutos depois, ao retornar da autuação para o caminhão, o condutor observou que o veículo
havia sido furtado.
 Decisão do STF: a PJ de D. Privado prestadora de serviço público possui responsabilidade civil em razão de
dano decorrente de crime de furto praticado em suas dependências, nos termos do art. 37, § 6º, da CF. Assim, o
STF condenou a Dersa, empresa concessionária responsável pela rodovia a indenizar a transportadora. O STF
reconheceu a responsabilidade civil da prestadora de serviço público, ao considerar que houve omissão no dever de
vigilância e falha na prestação e organização do serviço.

2.2. União não tem o dever de indenizar indústrias nacionais prejudicadas com a redução das alíquotas do II
 Fatos: O Ministério da Fazenda editou a Portaria 492/94, reduzindo de 30% para 20% a alíquota do imposto de
importação dos brinquedos em geral. Com a redução da alíquota, houve a entrada de um enorme volume de
brinquedos importados no Brasil, oriundos especialmente da China, sendo estes bem mais baratos que os nacionais.
Como resultado, várias indústrias de brinquedos no Brasil foram à falência e, mesmo as que permaneceram,
sofreram grandes prejuízos. Uma famosa indústria de brinquedos ingressou com ação contra a União afirmando
que a Portaria, apesar de ser um ato lícito, gerou prejuízos e que, portanto, o Poder Público deveria ser condenado a
indenizá-la.
 Decisão do STJ: O STJ não concordou com o pedido. Não se verifica o dever do Estado de indenizar eventuais
prejuízos financeiros do setor privado decorrentes da alteração de política econômico-tributária no caso de o ente
público não ter se comprometido, formal e previamente, por meio de determinado planejamento específico. A
referida Portaria tinha finalidade extrafiscal e a possibilidade de alteração das alíquotas do imposto de importação
decorre do próprio ordenamento jurídico, não havendo que se falar em quebra do princípio da confiança. O impacto
econômico-financeiro sobre a produção e a comercialização de mercadorias pelas sociedades empresárias causado
pela alteração da alíquota de tributos decorre do risco da atividade próprio da álea econômica de cada ramo
produtivo. Não havia direito subjetivo da indústria quanto à manutenção da alíquota do imposto de importação.

3. CONCURSOS PÚBLICOS

3.1. A candidata que esteja gestante no dia do teste físico tem o direito de fazer a prova em nova data no
futuro
 Fatos 1: candidata encontrava-se temporariamente incapacitada para realizar atividades físicas em virtude de
doença (epicondilite gotosa no cotovelo esquerdo), comprovada por atestado médico. Maria formulou requerimento
administrativo solicitando que fosse designada nova data para a realização do teste físico, o que foi indeferido pela
AP com base em uma previsão no edital que negava esta possibilidade. Diante disso, Maria impetrou MS.
 Decisão do STF: Os candidatos em concurso público NÃO têm direito à prova de segunda chamada nos testes
de aptidão física em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, salvo se
houver previsão no edital permitindo essa possibilidade. Argumentos:
• o princípio da isonomia estaria violado se a AP beneficiasse determinado indivíduo em detrimento de outro nas
mesmas condições;
• o princípio da isonomia não possibilita que o candidato tenha direito de realizar prova de segunda chamada em
concurso público por conta de situações individuais e pessoais, especialmente porque o edital estabelece tratamento
isonômico a todos os outros candidatos;
24
• além disso, a análise da presente questão não se limita ao exame do princípio da isonomia, devendo ser
considerados outros princípios envolvidos;
• o concurso público é um processo de seleção que deve ser realizado com transparência, impessoalidade, igualdade
e com o menor custo para os cofres públicos. Dessa maneira, não é razoável a movimentação de toda a máquina
estatal para privilegiar determinados candidatos que se encontrem impossibilitados de realizar alguma das etapas
do certame por motivos exclusivamente individuais;
• ao se permitir a remarcação do teste de aptidão física nessas circunstâncias, está se possibilitando que o término
do concurso seja adiado inúmeras vezes, sem limites, considerando que, naquele determinado dia marcado, algum
candidato poderia ter problemas de ordem individual, o que causaria tumulto e dispêndio desnecessário para a AP;
• assim, não é razoável que a Administração fique à mercê de situações adversas para colocar fim ao certame, de
modo a deixar os concursos em aberto por prazo indeterminado.
 Fatos 2: e no caso da gestante?
 Decisão do STF: É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à
época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público. Argumentos:
• A CF/88 protege a maternidade, a família e o planejamento familiar, de forma que a condição de gestante goza de
proteção constitucional reforçada.
• Em razão deste amparo constitucional específico, a gravidez não pode causar prejuízo às candidatas, sob pena de
malferir os princípios da isonomia e da razoabilidade.
• Não seria proporcional nem razoável exigir que a candidata colocasse a vida de seu bebê em risco, de forma
irresponsável, ao se submeter a teste físico mediante a prática de esforço incompatível com a fase gestacional.
• O não reconhecimento desse direito da mulher compromete a autoestima social e a estigmatiza.
• As mulheres têm dificuldade em se inserir no mercado de trabalho e enfrente obstáculos para alcançar postos
profissionais de maior prestígio e remuneração. Por consequência, acirra-se a desigualdade econômica, que por si
só é motivo de exclusão social.
• O STF entendeu que a situação da candidata grávida merece tratamento diferente do caso de candidatos doentes
ou que não compareceram ao teste por motivo de força maior. Assim, justifica-se fazer um  distinguishing em
relação ao que foi decidido no RE 630733/DF.
 Não há atraso no concurso: O STF afirmou que permitir à candidata gestante fazer prova em outra data não gera
atraso na conclusão do concurso público. Isso porque a AP pode continuar o certame normalmente, fazendo apenas
a reserva do número de vagas para essa situação excepcional. Se após a realização do teste de aptidão física
remarcado, a candidata conseguir a aprovação e classificação, será empossada. Caso contrário, será empossado o
candidato ou candidata remanescente na lista de classificação, em posição imediatamente subsequente.

3.2. Surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de restrição orçamentária =


direito subjetivo à nomeação
 O candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação? SIM.
 O candidato aprovado fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação? Em regra, não.
 Se o candidato foi aprovado fora do número de vagas, mas durante o prazo de validade do concurso foram
criados novos cargos, ele terá direito subjetivo à nomeação? Em regra, não.
 Imagine que a AP fez um concurso para 10 vagas, tendo nomeado e dado posse aos 10 primeiros. Alguns meses
depois são criadas 5 novas vagas. O prazo de validade do concurso ainda não expirou. Apesar disso, o Poder
Público decide fazer um 2º concurso. Os candidatos aprovados no 1º certame fora do número de vagas inicialmente
previsto poderão exigir sua nomeação? Em regra, não.
 Em suma: - REGRA: o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo durante
o prazo de validade do certame anterior não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados
fora das vagas previstas no edital.
- EXCEÇÃO: Haverá direito à nomeação se o candidato conseguir demonstrar, de forma cabal: • que existe
inequívoca necessidade de nomeação de aprovado durante o período de validade do certame; e • que está havendo
preterição arbitrária e imotivada por parte da administração ao não nomear os aprovados
 Hipóteses nas quais existirá direito subjetivo à nomeação : O STF listou as 3 hipóteses nas quais existe direito
subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público: 1) Quando a aprovação do candidato ocorrer
dentro do número de vagas dentro do edital; 2) Quando houver preterição na nomeação por não observância da
ordem de classificação; 3) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do
certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração.
 Fatos: João foi aprovado no cargo de Procurador na 20ª posição. O edital do concurso oferecia apenas 15
cargos. Assim, João foi aprovado fora do nº de vagas. Os 15 primeiros colocados tomaram posse e começaram a
exercer a função. Durante o prazo de validade do concurso, 5 Procuradores se aposentaram, ou seja, surgiram 5
novas vagas. Apesar disso, a AP não fez mais nenhuma nomeação. Quase no fim do prazo de validade do certame,
o Procurador-Geral encaminhou um expediente ao Chefe do Poder Executivo relatando a existência das 5 vagas e
afirmando que precisava de autorização para a realização de novo concurso porque a quantidade de Procuradores
estava muito abaixo do necessário para o órgão. No expediente, o Procurador-Geral afirmou que havia dotação
25
orçamentária para a nomeação desses novos Procuradores. João e os outros 4 aprovados conseguiram cópia deste
expediente e impetraram MS alegando que tinham direito de ser nomeados.
 Decisão do STJ: essa hipótese (surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de
restrição orçamentária) foi prevista pelo STF como uma hipótese na qual surge o direito subjetivo à nomeação.

3.3. A nomeação tardia de candidato aprovado em concurso não gera direito à indenização, ainda que a
demora tenha origem em erro reconhecido pela própria AP
 Fatos: o candidato teve postergada a assunção em cargo por conta de ato ilegal da AP. Ele tem direito a receber
a remuneração retroativa?
• Regra: NÃO. Não cabe indenização a servidor empossado por decisão judicial sob o argumento de que houve
demora na nomeação. Dito de outro modo, a nomeação tardia a cargo público em decorrência de decisão judicial
não gera direito à indenização.
• Exceção: será devida indenização se ficar demonstrado, no caso concreto, que o servidor não foi nomeado logo
por conta de uma situação de arbitrariedade flagrante.
 Fatos: No caso, há uma peculiaridade: o reconhecimento de que a posse do autor deveria ter se dado em
momento anterior se deu pela própria AP (e não por força de decisão judicial). Isso muda alguma coisa? O
candidato que teve postergada a assunção em cargo por conta de ato ilegal reconhecido pela própria AP tem direito
de ser indenizado?
 Decisão do STJ: não. O fato de a AP ter reconhecido o erro administrativamente não muda a situação. Assim,
deve-se aplicar o entendimento do STF. Isso porque a ratio decidendi constante do precedente do STF consagra a
compreensão de que o pagamento de remuneração e a percepção de demais vantagens por servidor público
pressupõe o efetivo exercício no cargo, sob pena de enriquecimento sem causa. Ora, se mesmo quando a
ilegalidade da nomeação tardia é declarada por provimento jurisdicional o direito à indenização é afastado pela
jurisprudência (salvo situação de arbitrariedade flagrante), não há razão para, reconhecido o erro pela própria AP,
determinar-se o pagamento de valores retroativos. Se fosse admitida essa “exceção” (pagar indenização em caso de
erro reconhecido administrativamente), isso acabaria desestimulando que a AP exercesse o seu poder-dever de
autotutela, ou seja, desencorajaria que a AP corrigisse seus próprios equívocos. Haveria, então, um estímulo à
judicialização, o que não atende ao interesse público. Por fim, cumpre ressaltar que no caso de João havia uma
dúvida razoável sobre os critérios de cálculo da nota final, razão pela qual não se pode dizer que ocorreu uma
situação de arbitrariedade flagrante, a ponto de se permitir a indenização.

3.4. Fato consumado e candidato que se aposenta no curso do processo


 Fatos: João prestou concurso para o cargo de agente de polícia e foi aprovado nas provas teóricas, tendo sido,
contudo, reprovado no exame físico. O candidato propôs mandado de segurança questionando o teste físico. O juiz
concedeu a liminar determinando a nomeação e posse de João, o que ocorreu em 2002. Em sentença, o magistrado
confirmou a liminar e julgou procedente o pedido do autor. Em 2017, o Tribunal, ao julgar a apelação, entendeu
que o teste físico realizado não continha nenhum vício. Em virtude disso, reformou a sentença. Houve trânsito em
julgado. Neste caso, João poderá permanecer no cargo com base na teoria do fato consumado, considerando que ele
já exercia a função há muitos anos?
 Decisão do STF: Não. Segundo a T. do Fato Consumado, as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do
tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e
da estabilidade das relações sociais (STJ). Assim, cf. essa posição, se uma decisão judicial autorizou determinada
situação jurídica e, após muitos anos, constatou-se que tal solução não era acertada, ainda assim não deve ser
desconstituída, para que não haja insegurança jurídica. Em suma, seria uma espécie de convalidação da situação pelo
decurso de longo prazo. A T. do Fato Consumado não é admitida pela jurisprudência no caso de posse em cargo
público por força de decisão judicial provisória. O STF já até afirmou isso em sede de recurso extraordinário com
repercussão geral.
 Fatos 2: Pedro prestou concurso para o cargo de agente de polícia e foi aprovado nas provas teóricas, tendo sido,
contudo, reprovado no exame físico. O candidato impetrou MS questionando o teste físico. O juiz concedeu a
liminar determinando a nomeação e posse de Pedro. Em sentença, o juiz confirmou a liminar e julgou procedente o
pedido do autor. Houve recurso da FP. Em 2016, antes que o recurso fosse julgado, Pedro se aposentou, por tempo
de contribuição, no cargo de agente de polícia. Em 2017, 21 anos depois de a ação ter sido proposta, o Tribunal, ao
julgar a apelação, entendeu que o teste físico realizado não continha nenhum vício. Em virtude disso, reformou a
sentença. Houve trânsito em julgado. Neste caso, Pedro, que já está aposentado, perderá a sua aposentadoria?
 Decisão: NÃO. Esse é o entendimento tanto do STJ como do STF, à luz do princípio da segurança jurídica, do
vínculo previdenciário que se consolidou e a Lei 8.112/90 não prevê cassação de aposentadoria por esse motivo 7.

7
A Lei dos Servidores Públicos federais (Lei 8.112/90), assim como as demais leis de servidores públicos dos demais entes,
preveem a cassação da aposentadoria apenas em duas hipóteses: a) demissão do servidor público (art. 134); e b) acumulação
ilegal de cargos (art. 133, § 6º). Dessa forma, não há fundamento na lei para se cassar a aposentadoria nesta hipótese.
26
4. SERVIDORES PÚBLICOS

4.1. Acumulação de cargos

Possibilidade de acumulação de cargos mesmo que a jornada semanal ultrapasse 60h


 É possível que a pessoa acumule mais de um cargo ou emprego público?
- REGRA: NÃO. A CF/88 proíbe a acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos.
- EXCEÇÕES: a própria CF/88 prevê exceções a essa regra, cf. o art. 37, XVI.
 Parecer-AGU nº GQ-145/98 e TCU Acórdão 2.133/05 : o servidor somente poderá acumular cargos se houver
compatibilidade de horário e desde que a jornada máxima não ultrapasse 60 horas semanais.
 Decisão do STF e do STJ (posição majoritária) : a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de
saúde, prevista no art. 37, XVI da CF, não se sujeita ao limite de 60 h semanais previsto em norma
infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na CF. O único requisito estabelecido para a acumulação é a
compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela AP.

Auditor Fiscal do Trabalho não pode acumular seu cargo com outro da área de saúde
 Fatos: João é Auditor Fiscal do Trabalho, com especialidade em medicina do trabalho. João foi aprovado no
concurso para exercer o cargo de Médico de um hospital federal. Surgiu, no entanto, a dúvida se seria possível ele
acumular os dois cargos com base no art. 37, XVI, “c”, da CF. Vale ressaltar que há compatibilidade de horários.
 Decisão do STJ: as funções do Auditor Fiscal do Trabalho, com especialidade em medicina do trabalho não se
relacionam diretamente à prestação de serviços médicos à população. Os Auditores Fiscais do Trabalho são agentes
do Estado que analisam as condições de trabalho, as situações das empresas, liberando estas ou fazendo-lhes
exigências de ajustes, funções que não são específicas do cargo de Médico (art. 11 da Lei 10.593/02). Assim, o fato
de haver cargo de Auditor Fiscal, com exigência de pós-graduação na área de medicina do trabalho não significa
que seus ocupantes – obrigatoriamente médicos – estejam exercendo a medicina propriamente dita. O simples fato
de se exigir essa especialização não faz com que se possa considerar a carreira de Auditor como sendo igual à de
Médico.

4.2. Concurso público

STF decide modular os efeitos de decisão que mandou afastar Delegados de Polícia do cargo por ofensa à regra
do concurso público: Em 2001, foi editada uma lei estadual criando cargos e organizando a Polícia Civil do Estado
do Amazonas. Nesta Lei foi previsto que, na estrutura da Polícia Civil, haveria cargos de Delegado de Polícia e de
Comissário de Polícia. Ainda em 2001, foi realizado um concurso público, com provas específicas para cada um
desses cargos, e os aprovados nomeados e empossados. Contudo, em 2004, houve duas leis modificando o cargo de
Comissário de Polícia. • a primeira delas afirmou que Comissário de Polícia seria autoridade policial, juntamente
com o Delegado de Polícia, equiparando a remuneração dos dois cargos. • a segunda lei, transformando o cargo de
"Comissário de Polícia" em "Delegado de Polícia". Essas duas leis foram impugnadas por meio de ADI. Em 2015,
o STF decidiu que elas são INCONSTITUCIONAIS porque representaram burla à exigência do concurso público.
As referidas leis fizeram uma espécie de ASCENSÃO FUNCIONAL dos Comissários de Polícia porque
transformaram os ocupantes desses cargos em Delegados de Polícia sem que eles tivessem feito concurso público
para tanto. No caso concreto, os Ministros entenderam que, quando o cargo de Comissário de Polícia foi criado, ele
possuía diferenças substanciais em relação ao de Delegado de Polícia, o que impediria a transformação, mesmo sob
o argumento de ser medida de racionalização administrativa. Foram opostos embargos de declaração contra a
decisão. Em 2018, o STF acolheu os embargos e aceitou modular os efeitos da decisão proferida na ADI 3415.
Além disso, o Tribunal determinou ao Estado do Amazonas que promova, no prazo máximo de 18 meses, a contar
da publicação da ata de julgamento (07/08/2018), a abertura de concurso público para o cargo de Delegado de
Polícia.

4.3. Remoção
 Conceito: Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou
sem mudança de sede (art. 36 da Lei 8.112/90). O dispositivo trata de 3 hipóteses de remoção: 1) de ofício, “no
interesse da AP” e mesmo que contra a vontade do servidor (inciso I); 2) a pedido do servidor e “a critério da AP”
(inciso II) e 3) a pedido do servidor, “independentemente do interesse da AP” (inciso III), nas estritas hipóteses das
alíneas “a”, “b” e “c”.
 Remoção para acompanhar cônjuge (art. 36, p. u., III, “a”): A Lei 8.112/90 prevê que o servidor público federal
tem direito subjetivo de ser removido para acompanhar seu cônjuge/companheiro que tiver sido removido no
interesse da AP. Ex: João e Maria, casados entre si, são servidores públicos federais lotados em Recife. João é
removido de ofício, no interesse da AP, para Porto Velho (art. 36, p. u., I da Lei nº 8.112/90). Logo, Maria tem
direito de também ser removida para Porto Velho, acompanhando seu cônjuge.
27
 Cônjuge que passou em concurso público . Se o cônjuge do servidor público for aprovado em um concurso
público e tiver que se mudar para tomar posse, este servidor terá direito à remoção prevista no art. 36, parágrafo
único, III, "a", da Lei nº 8.112/90? Ex.: Eduardo e Mônica são casados e moram em Boa Vista. Eduardo é servidor
público federal e Mônica estuda para concurso. Mônica é, então, aprovada para um cargo público federal e sua
lotação inicial é Fortaleza. Eduardo terá direito de se remover para Fortaleza para acompanhar sua esposa? NÃO.
De acordo com o art. 36, III, "a" da Lei 8.112/90, a remoção para acompanhamento de cônjuge exige prévio
deslocamento de qualquer deles no interesse da AP, inadmitindo-se qualquer outra forma de alteração de domicílio.
O STJ considera que se a pessoa tem que alterar seu domicílio em virtude da aprovação em concurso público, isso
ocorre no interesse próprio da pessoa (e não no interesse da AP). Assim, não há direito subjetivo à remoção do art.
36, III, "a", da Lei 8.112/90, considerando que a pessoa estava ciente de que iria assumir o cargo em local diverso
da residência do cônjuge.
 Cônjuge que foi removido a pedido. Pedro e Soraia, casados entre si, são servidores públicos federais lotados em
Recife. É aberta uma vaga em Salvador para o cargo de Pedro. Este concorre no concurso de remoção e consegue ser
removido para a capital baiana. Soraia terá direito de ser removida junto com Pedro, com base no art. 36, p. u., III,
“a”? O servidor que é transferido de localidade a pedido, após concorrer em concurso de remoção, gera para seu
cônjuge o direito subjetivo de também ser transferido para acompanhá-lo, independentemente do interesse da AP?
NÃO.

4.4. Transferência ex officio para outra instituição de ensino em caso de remoção de ofício do servidor
 Fatos: Paulo é servidor público federal, lotado em Recife (PE), onde faz faculdade de Medicina em uma
universidade particular. Ele é transferido, de ofício, para Rio Branco (AC).
 Direito: Em virtude dessa transferência, Paulo terá direito a uma vaga no curso de Medicina em uma universidade
em Rio Branco (AC). É o que se chama de transferência ex officio, sendo um direito assegurado pela Lei 9.536/97,
que regulamentou o p. u. do art. 49 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
- Têm direito à matrícula, em estabelecimentos de ensino congêneres, não apenas os servidores públicos como
também seus dependentes.
- Essa prerrogativa abrange servidores da AP indireta: a lei amplia o conceito de “servidor público”, pois a finalidade
da norma é o interesse público.
- Esse direito abrange também servidores estaduais e municipais: o art. 1º da Lei 9.536/97 fala apenas em “servidores
federais”. No entanto, a jurisprudência do STJ firmou entendimento de que a prerrogativa legal de transferência de
aluno ou dependente concedida a servidor público federal estende-se também a servidores estaduais e municipais, nos
casos de transferência de ofício, e entre estabelecimentos de ensino congêneres. STJ.
- Mas é possível que um servidor estadual ou municipal seja transferido ex officio? SIM. Isso é possível tanto dentro
do mesmo Estado como também (mais raramente) para outro Estado da Federação. Ex: um servidor estadual que é
transferido ex officio de um Município do interior para a capital, ou vice-versa. Ex2: um servidor do Município de
São Paulo (SP) é transferido ex officio da capital paulista para Brasília (DF), onde a AP mantém um escritório de
representação para cuidar dos assuntos municipais na capital federal.
- STJ: O filho do membro do MPT nomeado para o cargo de Desembargador Federal na vaga do quinto constitucional
tem direito de ser transferido para a Universidade do local para onde se mudou.
 Não tem direito: A prerrogativa conferida pela Lei nº 9.536/97 deve ser interpretada de forma restritiva e, portanto,
não contempla as transferências “a pedido” do próprio servidor. Assim, não se aplica quando o interessado na
transferência se deslocar para outra localidade com o objetivo de assumir: • cargo efetivo em razão de concurso
público. Ex: o pai do estudante de Medicina passou em um concurso para morar em outro Estado. • cargo
comissionado; ou • função de confiança.
 Requisito da congeneridade: • Se o servidor estudava em uma instituição pública, será matriculado em uma
instituição pública na localidade de destino.
• Se fazia o curso em uma instituição privada, sua matrícula será efetividade em uma instituição privada.
 E se a instituição congênere da localidade de destino não oferecer o curso que era feito pelo servidor em seu antigo
domicílio? Suponhamos, hipoteticamente, que, em Rio Branco, as universidades privadas lá existentes não possuem o
curso de medicina. O que fazer neste caso? Diante desses casos concretos, a jurisprudência dos TRFs e do STJ criou
uma exceção ao requisito da congeneridade. Passou-se a dizer o seguinte: se não houver curso correspondente em
estabelecimento congênere no local da nova residência ou em suas imediações, deverá ser assegurada a matrícula em
instituição não congênere. Ex.: como em Rio Branco não havia uma faculdade particular de Medicina, Paulo teria
direito a uma vaga no curso de Medicina da universidade pública. As universidades públicas questionaram essa
“exceção”, sob a alegação de que isso violaria o princípio da isonomia (art. 5º) e o direito à igualdade de condições
para o acesso à escola e à educação (art. 206, I, da CF).
 Decisão do STF: É constitucional a previsão legal que assegure, na hipótese de transferência ex officio de servidor,
a matrícula em instituição pública, se inexistir instituição congênere à de origem. Se a cidade de destino do servidor
não tem um curso congênere na rede privada, deve-se admitir a matrícula em universidade pública, sob pena de haver
uma restrição desproporcional. Exigir que a transferência se dê entre instituições de ensino congêneres praticamente
inviabiliza o direito à educação não apenas dos servidores, mas de seus dependentes, solução que viola o disposto na
28
Lei nº 9.536/97, e exclui, por completo, a fruição de um direito fundamental. Impedir a matrícula do servidor ou de
seus dependentes, em caso de transferência compulsória, quando inexistir instituição congênere no município,
possivelmente levaria ao trancamento do curso ou sua desistência. Assim, permitir a matrícula, ante a inviabilidade de
um dos direitos em confronto, não se afigura desproporcional.

4.5. Remuneração

Inconstitucionalidade de norma que equipara remuneração de servidores públicos: A CE/Ceará previa que deveria
ser assegurado “aos servidores da AP, das autarquias e das fundações, isonomia de vencimentos para cargos de
atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.” O STF
decidiu que é inconstitucional a expressão “das autarquias e das fundações”. Isso porque a equiparação remuneratória
entre servidores, a teor da redação originária do art. 39, § 1º, da CF, restringiu-se aos servidores da AP direta, não
mencionando os entes da AP indireta, como o faz a norma impugnada. Além disso, o dispositivo estadual não foi
recepcionado, em sua integralidade, pela redação atual do art. 39 da CF, na forma EC 19/1998.

Constitucionalidade de norma da CE que assegura equiparação salarial para professores com igual titulação,
respeitando-se o grau de ensino em que estiverem atuando: A CE/Ceará prevê que deverá ser assegurada isonomia
salarial para docentes em exercício, com titulação idêntica, respeitando-se o grau de ensino em que estiverem atuando.
O STF decidiu que essa regra é constitucional e que não ofende o art. 37, XIII. Isso porque não há, no caso,
equiparação salarial de carreiras distintas, considerando que se trata especificamente da carreira de magistério público
e de docentes com titulação idêntica.

Inconstitucionalidade de normas da CE que tratam sobre remuneração e direitos dos servidores públicos sem que
existam previsões semelhantes na CF: O STF entende que a CE não pode prever vantagens para os servidores
públicos, como é o caso da licença especial e de eventuais acréscimos quando da aposentadoria, salvo se isso estiver
expressamente previsto também na CF. Se a CE prevê direitos para os servidores públicos sem respaldo na CF, isso
significa uma violação à iniciativa privativa do Governador do Estado para legislar sobre servidores públicos. Trata-se
de uma manobra para “engessar” o chefe do Poder Executivo, havendo, portanto, violação à separação dos poderes.
Os dispositivos questionados tratam de remuneração e direitos de servidores públicos, os quais, não encontrando
similares na CF, somente poderiam ser veiculados por lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo.

Não é compatível com a CF/88 a norma de CE que estabelece que o servidor público inativo deverá receber
obrigatoriamente a mais do que percebia na ativa: a CE/Ceará previa que o servidor, ao se aposentar, deveria
receber, como proventos, o valor pecuniário correspondente ao padrão de vencimento imediatamente superior ao da
sua classe funcional, e, se já ocupasse o ultimo escalão, faria jus a uma gratificação adicional de 20% sobre a sua
remuneração. O STF decidiu que essa previsão não era considerada materialmente inconstitucional à época da edição
da Carta, uma vez que a superação da remuneração em atividade era tolerada na redação original da CF. Porém, essa
regra não foi recepcionada pela EC 20/98 que proibiu a superação do patamar remuneratório da atividade e a
impossibilidade de incorporação da remuneração do cargo em comissão para fins de aposentadoria (art. 40, §§ 2º e 3º,
da CF/88).

Termo inicial do adicional de insalubridade


 Fatos: João é Prof. Eng. Agrônomo da UFRGS. Em abril de 2011, por meio de Laudo Técnico Pericial, foi
constatado que suas atividades são desempenhadas sob condições insalubres. Assim, foi reconhecido
administrativamente o direito ao pagamento de adicional de insalubridade em grau médio. Ocorre que João está nessa
função desde 2009, razão pela qual requereu o pagamento retroativo dessa gratificação.
 Decisão do STJ: O termo inicial do adicional de insalubridade a que faz jus o servidor público é a data do laudo
pericial. O STJ tem reiteradamente decidido que “o pagamento do adicional de insalubridade está condicionado ao
laudo que prova efetivamente as condições insalubres a que estão submetidos os Servidores. Assim, não cabe seu
pagamento pelo período que antecedeu a perícia e a formalização do laudo comprobatório, devendo ser afastada a
possibilidade de presumir insalubridade em épocas passadas, emprestando-se efeitos retroativos a laudo pericial
atual”.

Os substitutos interinos dos cartórios extrajudiciais devem receber limitado ao teto do funcionalismo público (art.
37, XI, da CF/88)
 Serventias extrajudiciais: Apesar de serem aprovados em concurso, eles não são servidores públicos nem ocupam
cargos públicos. São considerados particulares em colaboração com o Poder Público. Os notários e registradores não
são remunerados por recursos públicos. São remunerados unicamente pelos emolumentos cobrados dos usuários dos
serviços. A CF definiu que esses serviços extrajudiciais seriam exercidos em caráter privado (art. 236).
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 Os rendimentos dos titulares de serventias extrajudiciais estão limitados ao teto do funcionalismo público (art. 37,
XI)? NÃO.
 CNJ e fiscalização dos cartórios: as serventias extrajudiciais são fiscalizadas pelo Poder Judiciário estadual,
estando vinculadas aos TJs (art. 236, § 1º da CF/88). O CNJ é o órgão correicional máximo do Poder Judiciário e, por
essa razão, fiscaliza também as serventias extrajudiciais. Existe, inclusive, previsão expressa no art. 103-B da CF/88.
 Fiscalização do CNJ em relação aos concursos públicos e a figura dos interinos : Desde 2009, o CNJ tem
intensificado a fiscalização sobre as serventias extrajudiciais a fim de verificar se os seus titulares estão na função ou
não por força de concurso público, conforme determina o art. 236 da CF/88. Em diversos casos, o Conselho
identificou titulares que assumiram a função após a CF/88, sem concurso público. Por conta disso, o CNJ afastou
diversos notários e registradores dos cartórios e determinou que os Tribunais de Justiça fizessem concurso público.
Ocorre que, enquanto tais concursos não são realizados, alguém precisa, interinamente, exercer as funções notariais e
registrais no lugar do titular que foi afastado. Assim, o titular (que estava sem concurso) é afastado e o Tribunal de
Justiça deve designar um “interino” para exercer as funções na respectiva serventia. O que fez, contudo, o CNJ:
determinou que substitutos que respondem interinamente pelas atividades da serventia estão sujeitos ao teto
remuneratório previsto no art. 37, XI, da CF/88. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil impetrou
mandado de segurança contra essa determinação do Corregedor Nacional alegando, entre outros argumentos, que os
substitutos/interinos também são particulares em colaboração com o Poder Público e, por isso, não lhes é aplicável o
teto disposto no art. 37, IX, da CF/88.
 Decisão do STF: Incide o teto remuneratório constitucional aos substitutos interinos de serventias extrajudiciais. O
titular interino não pode ser equiparado ao titular da serventia, considerando que ele não preenche os requisitos para
tanto. Assim, ele está atuando como um preposto do Poder Público e, nessa condição, deve submeter-se aos limites
remuneratórios previstos para os agentes públicos.

Reajuste geral de 28,86% e policiais rodoviários federais e O aumento de 45% concedido aos militares pela Lei nº
8.237/91 não foi uma revisão geral da remuneração, não podendo ser estendida para os servidores públicos civis:
v. livro (para concursos federais).
 Revisão geral da remuneração antes da EC 19/98 : O art. 37, X, da CF/88, antes da EC 19/98, estabelecia que a
revisão geral da remuneração dos servidores públicos civis deveria ser feita nos mesmos índices que a revisão geral da
remuneração dos militares e vice-versa. Havia uma vinculação entre eles.
 Atualmente, a regra constitucional de equiparação entre servidores civis e militares continua a mesma? NÃO . A
EC 19/98 alterou o texto constitucional e impôs duas mudanças que interessam diretamente ao tema:
1) Antes da EC 19/98, os militares eram chamados de “servidores públicos militares”, em contraposição aos
“servidores públicos civis”. Após a mudança, os militares deixaram de ser qualificados como servidores públicos e
passaram a ser chamados de “militares”. Os antigos “servidores públicos civis” agora são chamados apenas de
“servidores públicos”;
2) A redação do inciso X do art. 37 foi modificada e não mais existe essa equiparação entre os servidores públicos e
os militares. Assim, se atualmente for dado um reajuste anual para os militares maior do que para os servidores
públicos do Poder Executivo federal, estes não terão direito de pedir equiparação. O contrário também é verdadeiro.

4.6. Não devolução dos valores recebidos de boa-fé por servidor público por força de decisão liminar revogada
 Fatos: João, servidor público federal aposentado, impetrou MS pedindo que não fosse descontada de seus
proventos uma gratificação que é paga aos servidores da ativa. Na época, a jurisprudência entendia que essa
gratificação era realmente devida aos aposentados. Em razão disso, foi concedida a medida liminar e, por força dessa
decisão provisória, João passou a receber R$ 2 mil a mais todos os meses na sua aposentadoria. Essa situação durou 2
anos. Isso porque, quando o Tribunal foi julgar o mérito do mandado de segurança, a jurisprudência já havia se
alterado, passando a entender que a gratificação pedida era, de fato, exclusiva dos servidores da ativa. Assim, o
Tribunal reconheceu que João não tinha direito líquido e certo ao recebimento da gratificação, negou a segurança e
revogou a liminar outrora concedida. A União pediu, então, que João fosse condenado a devolver os valores que
recebeu ao longo dos 2 anos por força da decisão liminar que foi revogada. Segundo a FP, a devolução é imposta pelo
art. 46, § 3º da Lei nº 8.112/90.
 Decisão do STF: João não terá que devolver os valores relativos aos 2 anos que recebeu por força da medida
liminar posteriormente revogada. É desnecessária a devolução dos valores recebidos por liminar revogada, em razão
de mudança de jurisprudência. Também é descabida a restituição de valores recebidos indevidamente, circunstâncias
em que o servidor público atuou de boa-fé. Essa orientação ampara-se na confiança legítima que o beneficiário da
decisão tem no sentido de que a sua pretensão será acolhida. Assim, os princípios da boa-fé e da segurança jurídica
afastam o dever de restituição de parcelas recebidas por ordem liminar revogada.
 O STJ possui o mesmo entendimento acima exposto? NÃO. O STJ, sem enfrentar expressamente o tema referente
à mudança na jurisprudência, em regra, afirma que é devida a devolução.
 Servidor público que recebe, administrativamente, valores que, posteriormente, se mostram indevidos, é obrigado
a restituir a quantia? Cf. o STF, as quantias percebidas pelos servidores em razão de decisão administrativa dispensam
a restituição quando: a) auferidas de boa-fé; b) há ocorrência de errônea interpretação da Lei pela AP; c) ínsito o
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caráter alimentício das parcelas percebidas, e d) constatar-se o pagamento por iniciativa da AP, sem participação dos
servidores.
 Servidor que recebe indevidamente valores por meio de decisão administrativa (posição do STJ não exige esses
mesmos requisitos do STF). Se o servidor público recebe valores por força de decisão administrativa posteriormente
revogada, tal quantia poderá ser exigida de volta pela AP? NÃO.
 Servidor que recebe indevidamente valores em decorrência de erro operacional da AP: não é devida a restituição.
 Restituição à AP de proventos depositados a servidor público falecido : os herdeiros devem restituir os proventos
que, por erro operacional da AP, continuaram sendo depositados em conta de servidor público após o seu falecimento.
 Em suma:

SITUAÇÃO DEVE DEVOLVER?


1) Servidor recebe por decisão ADMINISTRATIVA depois revogada NÃO
2) Servidor que recebe indevidamente valores em decorrência de erro NÃO
operacional da Administração
3) Servidor recebe por decisão JUDICIAL não definitiva depois reformada SIM (posição do STJ)
4) Servidor recebe por decisão JUDICIAL não definitiva depois reformada (obs: NÃO (posição do STF)
a reforma da liminar foi decorrência de mudança na jurisprudência).
5) Servidor recebe por sentença TRANSITADA EM JULGADO e que NÃO
posteriormente é rescindida
6) Herdeiro que recebe indevidamente proventos do servidor aposentado depois SIM
que ele morreu

4.7. Greve

Constitucionalidade de Decreto estadual que regulamenta as providências a serem adotadas em caso de greve
 Mesmo sem haver lei, os servidores públicos podem fazer greve? SIM. O STF decidiu que, mesmo sem ter sido
ainda editada a lei de que trata o art. 37, VII, da CF, os servidores públicos podem fazer greve, devendo ser aplicadas
as leis que regulamentam a greve para os trabalhadores da iniciativa privada (Lei nº 7.701/88 e Lei nº 7.783/89).
 Quais são os requisitos para que os servidores públicos possam fazer greve? São requisitos para a deflagração de
uma greve no serviço público: a) tentativa de negociação prévia, direta e pacífica; b) frustração ou impossibilidade de
negociação ou de se estabelecer uma agenda comum; c) deflagração após decisão assemblear; d) comunicação aos
interessados, no caso, ao ente da AP a que a categoria se encontre vinculada e à população, com antecedência mínima
de 72 horas (uma vez que todo serviço público é atividade essencial); e) adesão ao movimento por meios pacíficos; e
f) a garantia de que continuarão sendo prestados os serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades dos
administrados (usuários ou destinatários dos serviços) e à sociedade.
 Caso os servidores públicos realizem greve, a Administração Pública deverá descontar da remuneração os dias em
que eles ficaram sem trabalhar?
 Regra: SIM. Em regra, a AP deve fazer o desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de
greve pelos servidores públicos.
 Exceção: não poderá ser feito o desconto se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do PP.
 Para que seja realizado o desconto dos dias não trabalhados, exige-se a instauração de processo administrativo?
NÃO, cf. decide o STJ.
 Fatos: O Governador da Bahia editou um decreto prevendo que, em caso de greve, deverão ser adotas as seguintes
providências: a) convocação dos grevistas a reassumirem seus cargos; b) instauração de processo administrativo
disciplinar; c) desconto em folha de pagamento dos dias de greve; d) contratação temporária de servidores; e)
exoneração dos ocupantes de cargo de provimento temporário e de função gratificada que participarem da greve.
 Decisão do STF: o Decreto é constitucional. Trata-se de decreto autônomo que disciplina as consequências —
estritamente administrativas — do ato de greve dos servidores públicos e as providências a serem adotadas pelos
agentes públicos no sentido de dar continuidade aos serviços públicos. A norma impugnada apenas prevê a
instauração de processo administrativo para se apurar a participação do servidor na greve e as condições em que ela se
deu, bem como o não pagamento dos dias de paralisação, o que está em consonância com a orientação fixada pelo
STF no julgamento do MI 708. É possível a contratação temporária excepcional (art. 37, IX, da CF/88) prevista no
decreto porque o Poder Público tem o dever constitucional de prestar serviços essenciais que não podem ser
interrompidos, e que a contratação, no caso, é limitada ao período de duração da greve e apenas para garantir a
continuidade dos serviços.

4.8. Os Correios têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados
 Os servidores de empresas públicas e sociedades de economia mista, admitidos por concurso público, gozam da
estabilidade do art. 41 da CF/88? NÃO. A estabilidade do art. 41 da CF/88 é conferida apenas aos servidores
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estatutários. Os agentes públicos que atuam nas empresas públicas e sociedades de economia mista são servidores
celetistas (empregados públicos). Logo, não gozam de estabilidade.
 Os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista podem ser demitidos sem motivação ? Em
2013, o STF, ao analisar um caso envolvendo um empregado dos Correios que havia sido demitido sem motivação,
decidiu que NÃO. Em outras palavras, o STF afirmou que a conduta da empresa pública foi errada e que a ECT
(Correios) tem o dever de motivar formalmente o ato de dispensa de seus empregados. Argumentos:
• Os servidores dos Correios, mesmo admitidos por concurso público, não gozam da estabilidade preconizada no art.
41 da CF. No entanto, apesar de não possuírem estabilidade, somente podem ser demitidos por meio de um
procedimento formal, assegurado ao empregado o direito ao contraditório e à ampla defesa, e ao final, esta demissão
deverá ser sempre motivada.
• A ECT submete-se a regras de direito privado, mas tais normas sofrem uma derrogação parcial (mitigação) em favor
de certas regras de direito público. Logo, o regime aplicável à ECT não é inteiramente privado.
 Inconformismo de outras EPs e SEM: Ocorre que outras empresas públicas e sociedades de economia mista que
exploram atividade econômica não se conformaram com isso dizendo que elas são diferentes dos Correios e que a
ECT recebe tratamento muito parecido com o de Fazenda Pública, tanto que goza de imunidade tributária. Assim, o
BB (sociedade de economia mista federal que explora atividade econômica) ingressou com embargos de declaração
dizendo o seguinte: olha, há uma obscuridade no acórdão. Isso porque só se discutiu a questão dos Correios e a tese
ficou muito genérica. Seria bom o STF esclarecer essa questão.
 Decisão do STF: Em 2018, o STF, ao julgar os EDs, afirmou que a referida decisão (RE 589998/PI) só se aplica
realmente para os Correios, considerando que o caso concreto envolvia um empregado da ECT. Quanto às demais
empresas públicas e sociedades de economia mista, o STF afirmou que ainda não decidiu o tema, ou seja, terá que ser
analisado caso a caso. Assim, por enquanto, essa decisão, ao menos formalmente, só se aplica para os Correios.

4.9. Guardas municipais não têm direito à aposentadoria especial


 Quem tem direito à aposentadoria especial no serviço público? Servidores que sejam portadores de deficiência (art.
40, § 4º, I). Servidores que exerçam atividades de risco (art. 40, § 4º, II). Servidores que exerçam atividades sob
condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (art. 40, § 4º, III).
 Onde estão previstos os requisitos e condições mais favoráveis? A CF exige que seja editada uma LC.
 Regulamentação dessas espécies de aposentadoria:
- Inciso I: as regras estão previstas na LC 142/13.
- Inciso III: a omissão legislativa subsiste. Porém, o STF editou a SV 33 que determina a aplicação do RGPS para esta
aposentadoria especial.
- Assim, apenas em relação à hipótese do inciso II (atividades de risco) persiste uma omissão. Diante disso, vários
servidores, individualmente ou por meio dos seus sindicatos, ingressam com Mis alegando que está havendo uma
omissão inconstitucional.
 Contra quem deverá ser proposto mandado de injunção? Em face do Presidente da República, do Presidente do
Senado e do Presidente da Câmara, logo, deverá ser impetrado perante o STF.
 O que são consideradas “atividades de risco”? O STF divide entre categorias que desempenham atividade com
risco eventual e com risco imanente (inerente) – v. livro.
- Se uma atividade é eventualmente perigosa, o legislador pode prever que os servidores que a desempenham tenham
direito à aposentadoria especial com base no art. 40, § 4º, II, da CF/88. Se o legislador não fizer isso, não haverá
omissão de sua parte porque o texto constitucional não exige. Ex: Oficiais de Justiça. Reconhecer ou não o direito à
aposentadoria especial é uma escolha da discricionariedade legislativa.
- Se uma atividade é perigosa por sua própria natureza, o legislador tem o dever de prever que os servidores que a
desempenham terão direito à aposentadoria especial com base no art. 40, § 4º, II, da CF/88. Se o legislador não fizer
isso, haverá omissão inconstitucional de sua parte porque o texto da CF/88 exige. Aqui não existe discricionariedade,
mas sim um dever do legislador. Ex: carreira policial.
 Guardas municipais: João, guarda municipal, ingressou, no STF, com mandado de injunção contra os Presidentes
da República, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados alegando que exerce atividades de risco, nos termos do
art. 40, § 4º, II, da CF/88 e que, apesar disso, até agora, não foi editada uma lei complementar nacional prevendo
aposentadoria especial para os guardas municipais. O autor argumentou, então, que estaria havendo omissão
legislativa do Presidente da República e dos Presidentes da Câmara e do Senado na regulamentação do art. 40, § 4º, II,
da CF/88, para a aposentadoria especial dos ocupantes do cargo de guarda municipal. Requereu que o pedido seja
julgado procedente no sentido de que seja concedida aposentadoria especial até que seja regulamentada lei que regerá
o assunto.
 Decisão do STF: o benefício não pode ser estendido aos guardas civis, uma vez que suas atividades precípuas não
são inequivocamente perigosas e, ainda, pelo fato de não integrarem o conjunto de órgãos de segurança pública
relacionados no art. 144, I a V. A proximidade da atividade das guardas municipais com a segurança pública é
inegável, porém, à luz do § 8º do art. 144, sua atuação é limitada, voltada à proteção do patrimônio municipal.
Conceder esse benefício por via judicial não seria prudente, pois abriria margem reivindicatória a diversas outras
classes profissionais que, assim como os guardas municipais, lidam com o risco diariamente. Ademais, cabe ao
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legislador, e não ao Judiciário, classificar as atividades profissionais como sendo ou não de risco para fins de
aposentadoria especial.
 Agentes de segurança e oficiais se justiça:
a) Os Oficiais de Justiça, no exercício de suas funções, até sofrem, eventualmente, exposição a situações de risco, mas
isso, por si só, não confere a eles o direito subjetivo à aposentadoria especial. Os Oficiais de Justiça podem até, a
depender do caso concreto, estar sujeitos a situações de risco, notadamente quando no exercício de suas funções em
áreas dominadas pela criminalidade, ou em locais marcados por conflitos fundiários. Mas, o STF entendeu que esse
risco é contingente (eventual), e não inerente ao serviço. Não se pode dizer que as funções dos Oficiais de Justiça são
perigosas (isso não está na sua essência). Elas podem ser eventualmente perigosas.
b) O mesmo pedido foi feito também pelos servidores do MPU que exercem atribuições de segurança. O pedido foi
apreciado em conjunto e o STF deu a mesma solução já explicada, ou seja, entendeu que tais servidores exercem
funções que podem ser eventualmente perigosas, mas que o perigo não é inerente à função, isto é, não são atividades
perigosas por sua própria natureza. Assim, o STF também negou o mandado de injunção impetrado por tais
servidores.

4.10. A contribuição previdenciária paga pelo servidor não deve incidir sobre parcelas que não são
incorporadas à sua aposentadoria: decidiu o STF que não incide contribuição previdenciária sobre verba não
incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, como terço de férias, serviços extraordinários,
adicional noturno e adicional de insalubridade.
 Obs.: a discussão envolvia verbas anteriores à atual redação da Lei 10.887/04, dada pela Lei 12.688/12, que
expressamente excluiu da incidência da contribuição previdenciária as verbas a título de terço de férias, serviços
extraordinários (horas extras) e adicional noturno - o adicional de insalubridade já era excluído desde a redação
originária da Lei 10.887/04.
 Regime contributivo: o regime previdenciário é contributivo e essa dimensão contributiva do sistema mostra-se
incompatível com a cobrança de qualquer verba previdenciária que não garanta ao segurado algum benefício efetivo
ou potencial ao servidor. O princípio da solidariedade não é suficiente para afastar esse aspecto, impondo ao
contribuinte uma contribuição que não lhe trará qualquer retorno. De um lado, o princípio da solidariedade afasta a
relação simétrica entre contribuição e benefício. De outro, o princípio contributivo impede a cobrança de contribuição
previdenciária sem que se confira ao segurado alguma contraprestação, efetiva ou potencial, em termos de serviços ou
benefícios. Nesse contexto, ainda que o princípio da solidariedade seja pedra angular do sistema próprio dos
servidores, não pode esvaziar seu caráter contributivo, informado pelo princípio do custo-benefício, tendo em conta a
necessidade de um sinalagma mínimo, ainda que não importe em perfeita simetria entre o que se paga e o que se
recebe. Desse modo, deve ser estabelecida a aplicação simétrica do binômio formado entre os princípios da
contributividade e da solidariedade, de forma a prestigiá-los e conjugá-los em um produto final equilibrado. Logo,
caso o Estado tenha intenção de promover um fortalecimento atuarial, poderá agravar a alíquota incidente sobre os
participantes ou até mesmo aumentar sua participação no custeio, mas não tributar sobre base não imponível.

4.11. FUNPRESP e data limite para adesão ao regime de previdência complementar


 EC 20/98: a EC 20/98 acrescentou o § 14 ao art. 40 da CF prevendo a possibilidade de a União, os Estados, o DF e
os Municípios instituírem regime de previdência complementar para seus servidores. Se for instituído esse regime
complementar, os servidores passam a receber, no regime próprio, aposentadoria e pensão com valor máximo igual ao
que é pago pelo INSS (regime geral de previdência social). O “complemento” a esse valor é pago em um plano
administrado por uma entidade privada de previdência complementar.
 EC 41/03: alterou o § 15 do art. 40 da CF, prevendo que o regime de previdência complementar do § 14 será
instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo.
 Lei 12.618/12: regulamentou os §§ 14 e 15 do art. 40 da CF. Assim, a Lei 12.618/12 instituiu o regime de
previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive para magistrados,
membros do MPU e do TCU. Além disso, a Lei autorizou a criação de 3 entidades fechadas de previdência
complementar para administrar os planos de previdência complementar dos servidores: Funpresp-Exe, Funpresp-Leg
e Funpresp-Jud.
 Como funciona? Com a instituição desse regime de previdência complementar, a União passou a garantir o
pagamento da aposentadoria do servidor até o teto do RGPS (INSS), da mesma forma que ocorre com o trabalhador
da iniciativa privada. Aquele servidor que quiser receber um valor maior que o teto do INSS quando se aposentar,
deverá filiarse, facultativamente, ao plano de previdência complementar e fazer suas contribuições com direito à
contrapartida paritária do Governo.
 Como era antes? Antes, o servidor contribuía sobre o valor que recebia (ex: 11% de R$ 30.000,00) e, quando
completava os requisitos recebia o valor da aposentadoria “cheio”, ou seja, sem essa limitação do teto do INSS.
 Em suma: temos dois regimes de aposentadoria para os servidores:
1) Aqueles que ingressaram ANTES da instituição do regime de previdência complementar: podem manter essa
forma tradicional de recebimento da aposentadoria (sem limitação ao teto do INSS). Apenas para fins didáticos,
vamos chamá-los aqui de “servidores mais antigos”;
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2) Aqueles que ingressaram DEPOIS da instituição do regime de previdência complementar: são obrigados a adotar o
novo regime de previdência. A única opção que eles vão ter é a de aderir ou não ao FunprespJud. Caso decidam não
aderir, irão receber apenas o teto do INSS. Se decidirem aderir, terão direito ao teto do INSS mais a aposentadoria
complementar do Fundo. Apenas para fins didáticos, vamos chamá-los de “servidores mais novos”.
 Os servidores que ingressaram antes da Lei 12.618/2012 podem decidir optar pelo novo regime? SIM, pelo prazo
de 24 meses. Posteriormente, com a Lei 13.328/16 reabriu-se novo prazo de 24 meses.
 Ações para prorrogar esse prazo: Muitos servidores, em especial os magistrados mais antigos, ficaram na dúvida
se valeria a pena ou não fazer a opção e passar a adotar o regime de previdência complementar. Isso porque se fala
muito na crise da Previdência e existe um receio de que, no futuro, o regime próprio de previdência social não consiga
pagar o valor “cheio” das aposentadorias. Assim, alguns defendiam que, mesmo sendo um servidor mais antigo, seria
melhor fazer essa migração porque se passaria a pagar menos contribuição previdenciária todos os meses,
considerando que o servidor seria obrigado a contribuir apenas 11% sobre o teto do INSS (e não mais 11% sobre o
valor total da remuneração recebida) e, com esse dinheiro que “sobraria” no fim do mês, o próprio servidor poderia
fazer seus investimentos privados ou, então, aderir ao Funpresp-Jud. Como havia essa dúvida, Associações de Juízes
ingressaram com uma ADI impugnando a validade do art. 1º da EC 41/03 no ponto em que alterou a redação do § 15
do art. 40 da CF e também questionando a Lei 12.618/2012. Na ação, pediram, como medida cautelar, a prorrogação
do prazo final de migração para o regime de previdência complementar até que houvesse o julgamento do mérito da
ADI.
 Decisão: o STF não acolheu o pedido. Além da ausência de plausibilidade jurídica da pretensão, não se vislumbrou
prejuízo decorrente do retardamento da decisão para os servidores que, tempestivamente, fizerem opção pelo ingresso
em regime de previdência complementar, caso o STF, no julgamento do mérito da ADI, declare a
inconstitucionalidade dos preceitos nela impugnados. Na hipótese de vir a ser assentada a inconstitucionalidade da
instituição de entidade fechada de previdência complementar de natureza pública, o cenário anterior deverá ser
restaurado, com a devida reparação dos danos causados aos servidores públicos atingidos pelas normas eventualmente
glosadas pelo STF.

4.12. Pensão por morte

Acordo de divisão da pensão por morte não altera a ordem legal de beneficiários, mas autoriza desconto pela
entidade de previdência: O acordo de partilha de pensão por morte, homologado judicialmente, não altera a ordem
legal do pensionamento8, podendo, todavia, impor ao órgão de previdência a obrigação de depositar parcela do
benefício em favor do acordante que não figura como beneficiário perante a autarquia previdenciária. Caso concreto:
companheira do servidor falecido era a única beneficiária da pensão por morte; ela fez um acordo com a mãe do de
cujus dividindo a pensão com ela; esse acordo não transforma a mãe do falecido em beneficiária da pensão (não altera
a ordem legal); no entanto, com esse ajuste, é possível exigir que a entidade previdenciária pague metade da pensão
para a beneficiária e metade para a mãe do falecido que, mesmo sem ser beneficiária legal, poderá receber o valor
porque houve um desconto autorizado pela titular do benefício.

4.13. São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de
perseguição política praticada na época da ditadura militar
 Fatos: João era servidor da ALE/PR. Em 1963, João foi demitido em razão de perseguição política na época da
ditadura militar. Em 2011, João ajuizou ação ordinária contra o Estado do Paraná pedindo a sua reintegração ao cargo,
com base no art. 8º do ADCT e na Lei 10.599/02. A PGE alegou prescrição (5 anos da publicação da Lei).
 Decisão do STJ: São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em
razão de atos de exceção praticados durante o regime militar. A CF não prevê prazo prescricional para o exercício do
direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violados
durante o período do regime de exceção. É certo que a prescrição é a regra no ordenamento jurídico. Assim, em regra,
para uma pretensão ser considerada imprescritível deverá haver um comando expresso no texto constitucional, como é
o caso do art. 37, § 5º da CF. O STJ, no entanto, excepcionalmente, afirma que, mesmo sem uma previsão expressa, é
possível considerar que as pretensões (seja indenizatória, seja reintegração no cargo) que buscam reparações
decorrentes do regime militar de exceção são imprescritíveis considerando que envolvem a concretização da
dignidade da pessoa humana. No caso de João, isso significa que: terá direito de ser reintegrado; e terá direito à
remuneração retroativa, mas limitada aos últimos 5 anos, contados para trás, tendo marco o ajuizamento. Como o
pedido foi formulado em 2011, ele terá direito à remuneração retroativa desde 2006.

4.14. VPNI: incorporação pelo subsídio e incidência do teto

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Caso fosse admitido que o acordo alterasse a ordem legal, poderia acontecer a seguinte burla às regras do sistema
previdenciário: se Maria (companheira) falecesse antes de Francisca (mãe), esta, mesmo sem ser beneficiária segundo a lei,
passaria a receber a integralidade da pensão. Assim, alguém que não era originalmente beneficiária teria se tornado pelo
simples fato de ter havido um acordo entre particulares.
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Teto remuneratório
 A quem se aplica o teto remuneratório? O teto é aplicado aos agentes públicos independentemente do tipo de
vínculo: estatutário, celetista, temporário, comissionado, político.
 O teto vale também para a AP direta e indireta?
 Agentes públicos da administração direta: SEMPRE
 Agentes públicos das autarquias e fundações: SEMPRE
 Empregados públicos das EPs e SEM: o teto só se aplica se a EP ou a SEM receber recursos da União, dos Estados,
do DF ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (art. 37, § 9º).
 Quais as parcelas incluídas nesse limite?
- Regra: o teto abrange todas as espécies remuneratórias e todas as parcelas integrantes do valor total percebido,
incluídas as vantagens pessoais ou quaisquer outras.
- Exceções: Estão fora do teto as seguintes verbas: a) parcelas de caráter indenizatório previstas em lei (§ 11 do art.
37); b) verbas que correspondam aos direitos sociais previstos no art. 7º c/c o art. 39, § 3º da CF/88, tais como 13º
salário, 1/3 constitucional de férias etc.; c) quantias recebidas pelo servidor a título de abono de permanência em
serviço (§ 19 do art. 40); d) remuneração em caso de acumulação legítima de cargos públicos.
 Os proventos recebidos pelo agente público aposentado também estão submetidos ao teto? Sim. A redação do art.
37, XI, menciona expressamente os proventos.
 EC 41/03: alterou novamente o inciso XI trazendo duas novidades importantes: 1) passou a admitir que os Estados
e Municípios instituíssem subtetos estaduais e municipais; 2) previu que, mesmo sem lei regulamentando, o teto
remuneratório deveria ser imediatamente aplicado, utilizando-se como limite o valor da remuneração recebida, na
época, pelo Ministro do STF (art. 8º da EC 41/2003).

Remuneração das pessoas que recebiam acima do teto


 Essas pessoas tiveram direito adquirido de continuar recebendo acima do teto? NÃO. O art. 9º da EC nº 41/2003
determinou que quaisquer remunerações ou proventos que estivessem sendo recebidos acima do teto deveriam ser
imediatamente reduzidos ao limite fixado, não podendo a pessoa invocar direito adquirido.
 Tal situação gerou reação das pessoas prejudicadas, que recorreram ao Poder Judiciário questionando a
constitucionalidade dessa previsão. O que decidiu o STF? Era possível aplicar imediatamente o teto previsto na EC nº
41/2003, reduzindo a remuneração de quem ganhava acima desse valor? SIM. O STF decidiu, em sede de repercussão
geral, que o teto fixado pela EC 41/03 é de eficácia imediata e todas as verbas de natureza remuneratória recebidas
pelos servidores públicos da U/E/DF/M devem se submeter a ele, ainda que adquiridas de acordo com regime legal
anterior. A aplicação imediata da EC 41/03 e a redução das remunerações acima do teto não afrontou o princípio da
irredutibilidade nem violou a garantia do direito adquirido.
 Mas isso não viola o princípio da irredutibilidade da remuneração/proventos? NÃO. Segundo o STF, a garantia da
irredutibilidade de remuneração/proventos não impede a aplicação imediata do teto. Isso porque o próprio texto
constitucional, ao tratar sobre o princípio da irredutibilidade, ressalva expressamente o inciso XI do art. 37, deixando
claro que é possível a redução da remuneração/proventos para aplicação do teto. Nesse sentido, confira o art. 37, XV,
art. 95, III e art. 128, § 5º, I, “c”.
 Não há violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito? NÃO. Segundo o STF, a cláusula da
irredutibilidade somente pode ser invocada se a remuneração que estava sendo recebida pelo servidor estava em
conformidade com a CF. Assim, os vencimentos acima do teto constitucional, ainda que com o beneplácito de
disciplinas normativas anteriores, não estão amparados pela regra da irredutibilidade. O pagamento de remunerações
superiores ao teto, além de se contrapor aos princípios da moralidade, da transparência e da austeridade na
administração dos gastos com custeio, representa gravíssima quebra da coerência hierárquica essencial à organização
do serviço público.
 Alguns servidores continuavam tentando excluir do teto as vantagens pessoais que haviam adquirido antes da EC
41/03. O que decidiu o STF? Computam-se, para efeito de observância do teto remuneratório do art. 37, XI também
os valores percebidos pelo servidor público anteriormente à vigência da EC 41/03 a título de vantagens pessoais. O
art. 37, XI, da CF/88, na redação da EC 41/2003, é expresso ao incluir as vantagens pessoais ou de qualquer outra
natureza para fins de limitação dos ganhos ao teto remuneratório do serviço público. A EC 41/03 não violou a
cláusula do direito adquirido, porque o postulado da irredutibilidade de vencimentos, desde sua redação original, já
indicava que deveria ser respeitado o teto remuneratório (art. 37, XI). Assim, a CF não só autoriza, como exige, o
cômputo, para efeito de incidência do teto, de adicionais por tempo de serviço, sexta parte, prêmio de produtividade e
gratificações, ainda que qualificados como vantagens de natureza pessoal percebidas antes do advento da EC 41/03.
 Os servidores que receberam vantagens pessoais acima do teto antes dessa decisão do STF deverão devolver os
valores? A AP poderá ingressar com ações cobrando o ressarcimento dessas quantias recebidas acima do teto a título
de vantagens pessoais? NÃO. O STF afirmou que os servidores não estão obrigados a restituir os valores
eventualmente recebidos em excesso e de boa-fé até o dia 18/11/2015 (data da decisão do STF).
35
VPNI: A Vantagem Pessoal Nominalmente Identificável (VPNI) era uma vantagem de caráter pessoal que era paga a
determinados servidores que tinham direito aos antigos quintos/décimos. Ela foi extinta. Ocorre que as pessoas que
recebiam a VPNI pretendiam continuar recebendo a quantia indefinidamente e, inclusive, acima do teto, sob o
argumento de que foram adquiridas antes de o teto ser instituído e, portanto, constituiriam direito adquirido. Essa tese
não foi acolhida pela jurisprudência, que entende que a verba que antes era paga a título de VPNI: • deve ser
absorvida pelo subsídio (o servidor que recebe subsídio não tem direito a outras parcelas remuneratórias mensais); •
deve estar sujeita ao teto, considerando que as vantagens de caráter pessoal não devem ultrapassar o teto).

5. DESAPROPRIAÇÃO

5.1. Análise da constitucionalidade da MP 2.183-56/2001, que alterou o DL 3.365/41


 Juros compensatórios na desapropriação : o juiz pode autorizar que, antes de a ação de desapropriação chegar ao
fim, o Poder Público já assuma a posse do bem desapropriado. A isso se chama de imissão provisória na posse.
Ocorre que, se o valor da indenização fixada na sentença for maior do que a quantia oferecida pelo Poder Público,
isso significa que o proprietário do bem estava certo ao questionar esse valor e que ele foi “injustamente” retirado
prematuramente da posse de seu bem. Digo “injustamente” porque o valor oferecido era menor realmente do que o
preço devido. Assim, a legislação, como forma de compensar essa perda antecipada do bem, prevê que o
expropriante deverá pagar juros compensatórios ao expropriado. Desse modo, os juros compensatórios na
desapropriação são aqueles fixados com o objetivo de compensar o proprietário em razão da ocorrência de imissão
provisória na posse.
 Qual é o termo inicial dos juros compensatórios? Na desapropriação direta, os juros compensatórios são contados
desde a data de imissão na posse. Na desapropriação indireta, os juros compensatórios incidem a partir da ocupação,
calculados sobre o valor da indenização, corrigido monetariamente (Súmula 114/STJ).
 O que decidiu o STF? O STF analisou a constitucionalidade do art. 15-A 9 do DL 3.365/41 e chegou às ss.
conclusões:

1) em relação ao “caput” do art. 15-A do DL 3.365/41:


1.a) reconheceu a constitucionalidade do percentual de juros compensatórios no patamar fixo de 6% ao ano para
remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse de seu bem – v. livro p/ histórico!
1.b) declarou a inconstitucionalidade do vocábulo “até”. Isso porque cria insegurança jurídica e institui regime de
discricionariedade injustificado. Isso porque não faz sentido a taxa de juros ser variável sem qualquer justificativa
lógica. Isso viola a determinação do texto constitucional de que o expropriado deverá receber justa indenização.
1.c) deu interpretação conforme a Constituição ao “caput” do art. 15-A, de maneira a incidir juros compensatórios
sobre a diferença entre 80% do preço ofertado em juízo pelo ente público e o valor do bem fixado na sentença. Assim,
a taxa de juros (6%) deve incidir sobre a diferença entre o valor fixado na sentença (ex.: 300) e 80% do preço
oferecido pelo Poder Público (ex.: 80% de 100 = 80). Assim, segundo o STF, os juros compensatórios seriam 6% de
220 (6% de 300-80). Repare que a decisão do STF protege o proprietário do bem desapropriado e tem por base o
seguinte raciocínio: ora, o proprietário só poderá levantar 80% do preço oferecido. É esse valor que ele ficará consigo
antes de o processo terminar. Logo, se a sentença afirma que o bem vale mais que isso, significa que ele (proprietário)
ficou durante todo o processo injustamente privado dessa quantia. Assim, os juros compensatórios devem incidir
sobre essa diferença.

2) declarou a constitucionalidade do § 1º do art. 15-A, que condiciona o pagamento dos juros compensatórios à
comprovação da “perda da renda comprovadamente sofrida pelo proprietário”;
3) declarou a constitucionalidade do § 2º do art. 15-A, afastando o pagamento de juros compensatórios quando o
imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência iguais a zero;
- Prevaleceu o voto do Min. Alexandre de Moraes, que afirmou que tais dispositivos não violam o direito de
propriedade nem vulneram o caráter justo da indenização. Isso porque é correto dizer que os juros compensatórios
destinam-se a compensar tão somente a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. A perda da
propriedade é compensada pelo valor principal, pela correção monetária e pelos juros moratórios. Em suma, os juros
compensatórios não têm a função de indenizar o valor da propriedade em si, senão o de compensar a perda da renda
decorrente da privação da posse e da exploração econômica do bem entre a data da imissão na posse pelo poder
público e transferência compulsória ao patrimônio público, que ocorre com o pagamento do preço fixado na sentença.
Em suma, os dispositivos impugnados são constitucionais e condicionam a condenação do Poder Público ao
pagamento aos juros compensatórios aos seguintes requisitos: a) ter ocorrido imissão provisória na posse do imóvel;

9
Art. 15-A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social,
inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na
sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até 6% ao ano sobre o valor da diferença
eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. (Incluído pela MP 2.183-56, de
2001)
36
b) a comprovação pelo proprietário da perda da renda sofrida pela privação da posse; c) o imóvel possuir graus de
utilização da terra e de eficiência na exploração superiores a zero.

4) declarou a constitucionalidade do § 3º do art. 15-A, estendendo as regras e restrições de pagamento dos juros
compensatórios à desapropriação indireta. Isso porque tais ações devem receber o mesmo tratamento da
desapropriação no que tange aos juros. Assim, se o Poder Público realizar o apossamento administrativo, sem acordo
administrativo ou processo judicial, os juros compensatórios são devidos, com as mesmas condicionantes dos §§1º e
2º, a contar da data do esbulho (imissão na posse).

5) declarou a inconstitucionalidade do § 4º do art. 15-A. Isso porque ele exclui indevidamente o direito aos juros
compensatórios, violando a exigência constitucional de justa indenização (art. 5º, XXIV) e o DF de propriedade (art.
5º, XXII). Como já dito, tais ações devem receber o mesmo tratamento da desapropriação no que tange aos juros.

6) declarou a constitucionalidade da estipulação de parâmetros mínimo (0,5%) e máximo (5%) para a concessão de
honorários advocatícios e a inconstitucionalidade da expressão “não podendo os honorários ultrapassar R$
151.000,00” prevista no § 1º do art. 27.
- O STF afirmou que é constitucional essa previsão de parâmetros mínimo (0,5%) e máximo (5%) para a concessão de
honorários advocatícios. Nas ações de desapropriação direta ou indireta, embora a Fazenda Pública seja parte no
processo, não terá aplicação o escalonamento previsto art. 85, §6º, do CPC no que tange aos honorários advocatícios.
Vale a regra da especialidade, cabendo ao juiz fixar nessas ações honorários no percentual entre 0,5% e 5%. Por outro
lado, o STF considerou que é inconstitucional a expressão “não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,000”.
Isso porque limitar os honorários em um determinado valor fixo (que não seja um percentual) viola o princípio da
proporcionalidade e acaba refletindo no justo preço da indenização que o expropriado deve receber (art. 5º, XXIV).
Influencia no preço da indenização porque se o advogado do expropriado não for remunerado corretamente pelo ente
expropriante, ele acabará exigindo essa diferença do seu cliente, reduzindo o valor que o expropriado teria para
receber.

5.2. Não cabimento de restituição pelo expropriado dos honorários periciais


 Procedimento da LC 76/93: O procedimento judicial da desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para
fins de reforma agrária, deverá obedecer ao contraditório especial, de rito sumário, previsto na LC 76/93.
 Despesas judiciais, honorários do advogado e do perito: são do sucumbente, assim entendido o expropriado, se o
valor da indenização for igual ou inferior ao preço oferecido, ou o expropriante, na hipótese de valor superior ao preço
oferecido (art. 19 da LC).
 Suponhamos que o expropriado foi sucumbente. Neste caso, ele terá que pagar honorários periciais aos assistentes
técnicos do INCRA e do MPF? NÃO. Os assistentes técnicos do INCRA e do MPF são servidores de carreira das
instituições. Não foram, portanto, contratados de maneira particular para a realização do acompanhamento deste
trabalho pericial.

6. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

6.1. Denúncia anônima


 Súmula 611-STJ: Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a
instauração de PAD com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à AP.
 É possível instaurar PAD com base em “denúncia anônima”? SIM, mas a jurisprudência afirma que, antes, a
autoridade deverá realizar uma investigação preliminar ou sindicância para averiguar o conteúdo e confirmar se a
“denúncia anônima” possui um mínimo de plausibilidade.
 Anonimato x princípios da AP: Por conta da vedação ao anonimato, algumas pessoas defendiam a ideia de que a
denúncia anônima seria proibida. Os Tribunais Superiores, contudo, não concordaram com essa tese. Isso porque
existem outros valores constitucionais que devem ser ponderados, ou seja, devem também ser levados em
consideração, não se podendo ter a regra do art. 5º, IV, como absoluta. O art. 37 determina que a AP deverá obedecer
aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade. Assim, tais princípios exigem que o administrador
público, ao ser informado de uma possível infração administrativa, tome providências. Essas providências devem ser
adotadas porque a AP está submetida ao poder-dever da autotutela. A autotutela obriga que o administrador público
corrija, mesmo de ofício, atos ilegais que estejam sendo praticados no âmbito da AP. Logo, mesmo a informação
tendo chegado sem identificação do remetente, o administrador público não pode ser omisso e ignorá-la, sob pena de
ele (administrador) ser responsabilizado nas esferas civil (art. 37, § 6º), penal (prevaricação - art. 319 do CP;
condescendência criminosa – art. 320 do CP), administrativa (art. 117, XV, Lei nº 8.112/90 - proceder de forma
37
desidiosa) e também por ato de improbidade (art. 11, II, Lei nº 8.429/92 - retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício).
 Lei 8.112/90: prevê dois instrumentos para a apuração das infrações administrativas praticadas pelos servidores
públicos federais: a) a sindicância e b) o processo administrativo disciplinar:
• Sindicância: quando o administrador percebe que há a necessidade de que alguns fatos sejam esclarecidos antes, ou
seja, quando ainda não há muitos elementos para se instaurar diretamente o PAD. É uma espécie de investigação
prévia.
• PAD: deve ser instaurado quando a existência do fato está plenamente caracterizada e a autoria é conhecida.
 Denúncia anônima exige prévia sindicância ou investigação prévia: é o que afirma o STJ, que, ainda, afasta o art.
14410 da Lei 8.112, dizendo que não há expressa determinação legal para que denúncias anônimas sejam ignoradas e
simplesmente arquivadas, pois a AP dispõe do poder-dever de autotutela.

6.2. CGU tem competência para aplicar pena de demissão a servidor do Poder Executivo Federal mesmo que
ele estivesse cedido para a Câmara dos Deputados: Compete ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral
da União a aplicação da penalidade de demissão a servidor do Poder Executivo Federal, independentemente de se
encontrar cedido à época dos fatos para o Poder Legislativo Federal.

Obs.: já decidiu o STJ: a instauração de PAD contra servidor efetivo cedido deve ocorrer, preferencialmente, no órgão
em que tenha sido praticada a suposta irregularidade. Por outro lado, o julgamento e a eventual aplicação de sanção só
podem ocorrer no órgão ao qual o servidor efetivo estiver vinculado. Ex: João é servidor efetivo (técnico judiciário)
do TJDFT e foi cedido para um cargo em comissão no STJ. Quando ainda estava prestando serviços no STJ, João
praticou uma infração disciplinar. A Instauração do PAD deverá ser feita preferencialmente pelo STJ. Por outro lado,
o julgamento do servidor e aplicação da sanção deverão ser realizados obrigatoriamente pelo TJDFT.

7. LITICAÇÕES

7.1. Empresa em RJ pode participar de licitação, desde que demonstre a sua viabilidade econômica
 Lei 8.666/93: a dúvida surge, porque o art. 31 da Lei não teve o texto alterado para se amoldar à LFRJ, tampouco
foi derrogado (expressamente). Assim, ainda consta na redação do dispositivo a palavra “concordata”.
 Decisão do STJ: Como o art. 31, II, da Lei 8.666 não foi alterado para substituir certidão negativa de concordata
por certidão negativa de RJ, a AP não pode exigir tal documento como condição de habilitação, haja vista a ausência
de autorização legislativa. Assim, as empresas submetidas à RJ estão dispensadas da apresentação da referida
certidão.
- O art. 31, II da Lei nº 8.666/93 é uma norma restritiva e, por isso, não admite interpretação que amplie o seu sentido.
Por força do princípio da legalidade, é vedado à Administração conferir interpretação extensiva ou restritiva de
direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa. Logo, é incabível a automática inabilitação de empresas
em recuperação judicial unicamente pela não apresentação de certidão negativa.
- A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 8.666/93 e da Lei 11.101/2005 nos leva à conclusão de que é
possível uma ponderação equilibrada entre os princípios nelas imbuídos, pois a preservação da empresa, a sua função
social e o estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez
que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. Negar à pessoa
jurídica em crise econômico-financeira o direito de participar de licitações públicas, única e exclusivamente pela
ausência de entrega da certidão negativa de recuperação judicial, vai de encontro ao sentido atribuído pelo legislador
ao instituto recuperacional.
- É necessário que se adotem providências a fim de avaliar se a empresa recuperanda participante do certame, caso
seja vencedora, tem condições de suportar os custos da execução do contrato. Significa dizer, é preciso aferir se a
empresa sujeita ao regime da Lei 11.101/05 possui aptidão econômica e financeira, conforme exige o art. 27, III, da
Lei 8.666/93.

7.2. Flexibilização da Lei 8.666/93 no “Minha Casa, Minha Vida”


 Lei 10.188/01: criou o Programa de Arrendamento Residencial. O objetivo desse Programa foi o de garantir
moradia à população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. A gestão do
Programa cabe ao Ministério das Cidades e sua operacionalização à CEF. Tendo em vista o caráter social do
programa, o legislador decidiu que as regras de licitação poderiam ser flexibilizadas.

10
Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do
denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.
38
 A flexibilização das regras de licitação, pode ser aplicado também para o programa “Minha Casa, Minha Vida” 11?
Sim, desde que se observem os princípios gerais da administração pública, isto é, aqueles previstos no art. 37 da CF e
que se consubstanciam em legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

7.3. Decreto 9.412/2018, que atualizou os valores previstos no art. 23 da Lei 8.666
 Modalidades de licitação: o art. 23 da Lei 8.666 prevê 5: I - concorrência; II - tomada de preços; III - convite; IV -
concurso; V - leilão. Obs: fora da Lei nº 8.666/93 existem ainda o pregão e a consulta.
 As 3 modalidades utilizadas para a contratação de compras e serviços são a concorrência, a tomada de preços e o
convite. Qual é o critério que define a modalidade de licitação que deverá ser utilizada? O art. 23 da Lei 8.666/93
prevê que esse critério é baseado no valor da contratação.

Modalidade Obras e serviços de engenharia Compras e serviços que não sejam


de engenharia
CONVITE Até R$ 150 mil Até R$ 80 mil
TOMADA DE PREÇOS Até R$ 1 milhão e 500 mil Até R$ 650 mil
CONCORRÊNCIA Acima de R$ 1 milhão e 500 mil Acima de R$ 650 mil

 Qual era o “problema”? Esses limites foram estipulados em 1998 pela Lei nº 9.648/98. Já havia se passado 20 anos
e os valores encontravam-se desatualizados.
 Foi aí que, cf. autorização do art. 120 da própria Lei 8.666 (portanto, não há ilegalidade na alteração do valor por
decreto12), editou-se o Decreto 9.412.

ATUALIZAÇÃO DO DECRETO 9.412/2018


Modalidade Obras e serviços de engenharia Compras e serviços que não sejam de engenharia
Antes: até 150 mil Antes: até 80 mil
CONVITE
Agora: até 330 mil Agora: até 176 mil
Antes: até 1 milhão e 500 mil Antes: até 650 mil
TOMADA DE PREÇOS
Agora: até 3 milhões e 300 mil Agora: até 1 milhão e 430 mil
Antes: acima de 1 milhão e 500 mil Antes: acima de 650 mil
CONCORRÊNCIA
Agora: acima de 3 milhões e 300 mil Agora: acima de 1 milhão e 430 mil

 Consequências: 1) Aumentam as situações nas quais o administrador público estará autorizado a utilizar a
modalidades de CONVITE e TOMADA DE PREÇOS. Assim, com a atualização do valor, houve uma ampliação dos
casos nos quais a administração pública poderá realizar modalidades menos complexas de licitação.
2) Aumenta o limite de valor (“teto”) que o administrador público tem para contratar diretamente, sem licitação – v.
livro para mais informações.
 Esse Decreto nº 9.412/2018 produz também efeitos no âmbito das APs estadual, distrital e municipal? Em outras
palavras, ele vale também para Estados, DF e Municípios? SIM, pois a L. 8.666 é norma geral.

8. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

8.1. Agentes políticos e foro por prerrogativa de função


 Crimes de responsabilidade: os agentes políticos estão sujeitos à prática de crimes de responsabilidade. Tratam-se
de infrações político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam determinados cargos públicos. Caso o agente
seja condenado por crime de responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa), mas sim sanções
político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública).
 Crimes de responsabilidade x improbidade administrativa: como nos crimes de responsabilidade as infrações são
muito próximas (parecidas) com os atos de improbidade administrativa, surgiu a tese de que, se o agente político
pudesse ser condenado por crime de responsabilidade e também improbidade administrativa, haveria bis in idem.
Assim, defendeu-se o argumento de que os agentes políticos deveriam estar sujeitos apenas e tão somente aos crimes
de responsabilidade. Essa tese prevalece atualmente? NÃO. O entendimento atual é o de que, em regra, os agentes
políticos podem sim responder por ato de improbidade administrativa. A jurisprudência chama de “duplo regime
sancionatório”, ou seja, o fato de o agente estar sujeito a: • crime de responsabilidade e • improbidade administrativa.
Inclusive, a própria CF prevê crime de responsabilidade e improbidade como institutos autônomos (v. livro).
 Por que se falou “em regra”? Há algum caso em que o agente político não responderá por improbidade
administrativa (devendo ser punido apenas por crime de responsabilidade)? SIM. O Presidente da República.
11
“Minha Casa, Minha Vida” é um programa habitacional que tem por objetivo criar mecanismos de incentivo à produção e
aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais,
para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (art. 1º da Lei nº 11.977/2009).
12
Como a produção de uma lei é bem mais demorada que a de um decreto, a intenção do legislador foi a de dinamizar esse
processo, permitindo uma atualização rápida.
39
 E quanto ao foro competente? Há foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa? NÃO.
A ação de improbidade administrativa possui natureza cível. Em outras palavras, é uma ação civil e não uma ação
penal. Em regra, somente existe foro por prerrogativa de função no caso de ações penais (e não em demandas cíveis).
 Lei 10.628/12: alterou o CPP e previu foro por prerrogativa de função para a ação de improbidade. O STF, porém,
ao julgar ADI, decidiu pela inconstitucionalidade da alteração. Em suma, como a CF não estabeleceu foro por
prerrogativa de função para as ações de improbidade administrativa, a lei ordinária assim não poderia prever. Assim,
prevaleceu que as ações de improbidade administrativa deveriam ser julgadas em 1ª instância.
 Uma única exceção: em 2008, o STF decidiu que a competência para julgar ação de improbidade administrativa
proposta contra Ministro do STF seria do próprio STF, pois haveria um desvirtuamento do sistema se um juiz de grau
inferior pudesse decretar a perda do cargo de um Ministro.

8.2. Imprescritibilidade do ressarcimento nas ações de improbidade administrativa


 Qual é o prazo prescricional para a propositura de ações de improbidade administrativa? Como regra, 5 anos. Isso
está previsto no art. 23 da Lei nº 8.429/92.
 Exceção: ressarcimento ao erário em casos de atos de improbidade praticados dolosamente A Lei 8.429/92 prevê,
em seu art. 12, uma lista de sanções que podem ser aplicadas às pessoas condenadas por ato de improbidade
administrativa. São elas: • perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente; • perda da função pública; • suspensão
dos direitos políticos; • multa civil; e • proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios; • ressarcimento integral do dano. Uma das sanções acima é imprescritível: o ressarcimento
integral do dano. O fundamento para isso está na parte final do § 5º do art. 37 da CF/88.
 Imprescritibilidade não vale para ressarcimento decorrente de outros ilícitos civis : o § 5º do art. 37 da CF/88 deve
ser lido em conjunto com o § 4º, de forma que ele se refere apenas aos casos de improbidade administrativa. Se fosse
realizada uma interpretação ampla da ressalva final contida no § 5º, isso faria com que toda e qualquer ação de
ressarcimento movida pela Fazenda Pública fosse imprescritível, o que seria desproporcional.
 Imprescritibilidade somente vale para atos de improbidade praticados com DOLO: O STF entendeu, portanto, que
as ações de ressarcimento ao erário envolvendo atos de improbidade administrativa são imprescritíveis. Mas, fez uma
“exigência” a mais que não está explícita no art. 37, § 5º da CF/88. O STF afirmou que só são imprescritíveis as ações
de ressarcimento envolvendo atos de improbidade administrativa praticados DOLOSAMENTE. Assim, se o ato de
improbidade administrativa causou prejuízo ao erário, mas foi praticado com CULPA, então, neste caso, a ação de
ressarcimento será prescritível e deverá ser proposta no prazo do art. 23 da LIA.
 E existem atos de improbidade administrativa CULPOSOS que causam prejuízo ao erário ? SIM. Isso é possível,
nos termos do art. 10 da Lei nº 8.429/92.

8.3. Novo inciso ao art. 11 da LIA: como se sabe, os hospitais particulares e demais instituições privadas de saúde
também podem prestar serviços do SUS, mas apenas em caráter complementar e somente quando a disponibilidade da
rede pública não for suficiente para atender a demanda. Nesta hipótese, deve-se haver instrumentalização por meio de
contrato ou convênio:
• convênio: é assinado entre o ente público e uma instituição privada sem fins lucrativos, quando houver interesse
comum em firmar uma parceria em prol da prestação de serviços assistenciais à saúde;
• contrato: é assinado entre o ente público e uma instituição privada, com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do
contrato for a compra de serviços de saúde.
A Lei nº 13.650/2018 inseriu um inciso no art. 11 da Lei nº 8.429/92 afirmando que a prática de transferir recursos
para instituições privadas de saúde sem prévio contrato ou convênio é ato de improbidade administrativa. A conduta
acima tipificada, mesmo antes da Lei nº 13.650/2018, já poderia ser considerada ato de improbidade administrativa,
pois os incisos dos arts. 9º, 10 e 11 trazem rol exemplificativo. A previsão, assim, reforçou a tipicidade.
Frise-se, por fim, que a conduta pode configurar um ato de improbidade administrativa mais grave. Isso porque essa
transferência de recurso sem contrato ou convênio em alguns casos não se limita a uma falha formal. Essa prática
pode gerar um real prejuízo ao erário, hipótese na qual pode se enquadrar no art. 10, XI.

9. TEMAS DIVERSOS

9.1. Organização administrativa

Legitimidade do Município para defesa dos consumidores: v. comentários de DPC.

É possível aplicar o regime de precatórios às EPs e SEM?


 Regime de precatórios: é um privilégio instituído em favor da Fazenda Pública, considerando que ela não terá que
pagar imediatamente o valor para o qual foi condenada, ganhando, assim, um "prazo" maior.
 A quem se aplica o regime de precatórios? As FPs Federal, Estaduais, Distrital e Municipais. Essa expressão
abrange:  União, Estados, DF e Municípios (administração direta);
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 autarquias;
 fundações;
 EPs prestadoras de serviço público (ex: Correios);
 SEM prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não concorrencial.
 Conclusão: 1) não se submetem ao regime de precatório as EPs dotadas de personalidade jurídica de direito
privado com patrimônio próprio e autonomia administrativa que exerçam atividade econômica sem monopólio e com
finalidade de lucro; 2) É inconstitucional determinação judicial que decreta a constrição de bens de sociedade de
economia mista prestadora de serviços públicos em regime não concorrencial, para fins de pagamento de débitos
trabalhistas. Sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial está sujeita ao regime de
precatórios (art. 100 da CF/88) e, por isso, impossibilitada de sofrer constrição judicial de seus bens, rendas e
serviços, em respeito ao princípio da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/88) e da separação funcional dos
poderes (art. 2º c/c art. 60, § 4º, III).
 Mais informações e exemplos: v. livro.

Concessionária de energia elétrica não pode cobrar a multa do art. 4º, p. u. do DL 2.432/88 dos órgãos públicos
usuários do serviço: A concessionária de fornecimento de energia elétrica não pode exigir de órgão público, usuário
do serviço, multa por inadimplemento no pagamento de fatura, fundamentada no parágrafo único do art. 4º do
Decreto-Lei nº 2.432/88. A multa prevista no parágrafo único do art. 4º do DL 2.432/88 refere-se aos contratos de
compra e venda de energia elétrica entre concessionárias de serviço público de energia elétrica, não sendo aplicada
para as relações entre a concessionária e os usuários do seu serviço, ou seja, não é uma multa a ser cobrada dos
clientes (usuários finais).

É constitucional a previsão de que a ANVISA pode proibir produtos e insumos em caso de violação da legislação
ou de risco iminente à saúde, inclusive cigarros com sabor e aroma: É constitucional o art. 7º, III e XV, da Lei nº
9.782/99, que preveem que compete à ANVISA: III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas,
as diretrizes e as ações de vigilância sanitária; XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a
distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco
iminente à saúde; Entendeu-se que tais normas consagram o poder normativo desta agência reguladora, sendo
importante instrumento para a implementação das diretrizes, finalidades, objetivos e princípios expressos na
Constituição e na legislação setorial. Além disso, o STF, após empate na votação, manteve a validade da Resolução
RDC 14/2012- ANVISA, que proíbe a comercialização no Brasil de cigarros com sabor e aroma. Esta parte do
dispositivo não possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. Significa dizer que, provavelmente, as empresas
continuarão ingressando com ações judiciais, em 1ª instância, alegando que a Resolução é inconstitucional e pedindo
a liberação da comercialização dos cigarros com aroma. Os juízes e Tribunais estarão livres para, se assim
entenderem, declararem inconstitucional a Resolução e autorizar a venda. Existem, inclusive, algumas decisões nesse
sentido e que continuam valendo.

9.2. Contratos administrativos

Contratos de franquia dos Correios celebrados sem licitação:


 Os serviços dos Correios podem ser prestados em duas formas nas agências: a) Agência própria dos Correios:
quando o serviço é explorado diretamente pela empresa pública, na forma de agência própria; b) Agência franqueada:
quando a exploração do serviço é feita por meio de particulares que assinam um contrato de franquia com os Correios.
Dessa forma, a chamada “Franquia Postal” ocorre quando é outorgada a uma pessoa jurídica de direito privado a
execução de atividades auxiliares ao serviço postal.
 Decisão do STJ: os contratos das Agências de Correios Franqueadas em vigor em 27 de novembro de 2007 que
não sejam precedidos de licitação possuem eficácia até que as novas avenças sejam firmadas, ainda que descumprido
o prazo estabelecido pelo art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 11.668/2008.

9.3. Poder de polícia

Competência do DNIT para fiscalizar trânsito nas rodovias e estradas federais: O Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes - DNIT detém competência para a fiscalização do trânsito nas rodovias e estradas
federais, podendo aplicar, em caráter não exclusivo, penalidade por infração ao CTB, consoante se extrai da
conjugada exegese dos arts. 82, § 3º, da Lei nº 10.233/2001 e 21 do CTB. Assim, a competência não é só da PRF.

Fiscalização prévia do camarão in natura: É obrigatória a prévia fiscalização do camarão in natura, ainda que na
condição de matéria-prima, antes do beneficiamento em outros Estados da Federação, podendo tal atividade ser
realizada no próprio estabelecimento rural onde se desenvolve a carcinicultura.
41
9.4. Acordo de leniência e compartilhamento de provas
 Acordo de leniência: a Lei 12.846/13 prevê a possibilidade de a pessoa jurídica que praticar ato lesivo à
administração pública celebrar um “acordo de leniência” para abrandar a sua punição. O acordo de leniência é uma
espécie de “colaboração premiada”.
 Quais são os requisitos para que o acordo seja celebrado? I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre
seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento
na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita sua participação no
ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas
expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
 A colaboração da pessoa jurídica precisa ser eficaz? SIM. É necessário que a PJ colabore efetivamente com as
investigações e com o processo e dessa colaboração deve resultar: I - a identificação dos demais envolvidos na
infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
 O MP pode celebrar acordo de leniência? Há uma polêmica sobre isso. O art. 16, § 10 da Lei 12.846/13 afirma que
“a Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do
Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.” A
posição que prevalece, contudo, é a de que, mesmo no silêncio da Lei, o Ministério Público pode sim fazer o acordo
de leniência porque isso decorre do art. 129 da CF/88.
 Cuidado para não confundir- Existe um acordo de leniência que é previsto na Lei nº 12.529/11 : “é um instrumento
de defesa da concorrência por meio do qual um ou mais agentes que praticaram infração à ordem econômica
cooperam voluntariamente com as investigações em troca de redução da pena ou até mesmo do perdão total. Trata-se
de instituto equivalente à delação premiada do direito penal".
 Fatos: Tramitava no STF um inquérito p/ apurar suposta propina que teria sido paga pela construtora
ODEBRECHT ao Deputado Federal Rodrigo Garcia, na época em que ele era Secretário Municipal na cidade de SP.
Vale ressaltar que os elementos informativos (“provas”) que constam neste inquérito foram fornecidos pela própria
ODEBRECHT, que firmou um acordo de leniência com o MPF. A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e
Social de São Paulo soube da existência desse inquérito e requereu ao STF o compartilhamento das “provas” a fim de
instruir um inquérito civil instaurado para investigar a possível prática de ato de improbidade por parte de Rodrigo
Garcia. A ODEBRECHT manifestou-se contrariamente ao compartilhamento afirmando o seguinte: a nossa empresa
celebrou um acordo de leniência com o MPF. Se o MP/SP quer ter acesso ao inteiro teor do inquérito, deverá aderir ao
acordo de leniência e, ainda assim, não poderá utilizar estas provas para ingressar com ação de improbidade em
desfavor da ODEBRECHT. Isso porque as provas fornecidas pela ODEBRECHT no acordo não podem ser utilizadas
contra ela própria.
 Decisão: o STF deferiu o pedido do MP/SP e houve o compartilhamento das provas. Porém, o STF decidi uque
tais elementos fornecidos não poderão ser utilizados contra a empresa colaboradora (ODEBRECHT). Esta ressalva
deve ser expressamente comunicada ao destinatário da prova, com a informação de que se trata de uma limitação
intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova, nos termos da Nota Técnica nº 01/2017, da 5ª Câmara de
Coordenação e Revisão do MPF. Isso porque O colaborador aceitou produzir provas contra si mesmo porque isso
ficou combinado segundo os termos do acordo de leniência celebrado com o Estado. Em outras palavras, o
colaborador concordou em confessar porque foi feito um acordo de que ele somente seria punido de acordo com
aquilo que foi combinado. Assim, a utilização de tais elementos probatórios, produzidos pelo próprio colaborador, em
seu prejuízo, de modo distinto do firmado com a acusação e homologado pelo Judiciário, é prática abusiva, que viola
o direito à não autoincriminação.
 Mas por que o STF autorizou então o compartilhamento das provas com o MP/SP para a possível ação de
improbidade? Porque o IC não investiga apenas o Deputado (na época, era Secretário), ou seja, o alvo é um indivíduo
que não é abrangido pelo acordo de leniência. Assim, o STF afirmou o seguinte: eu autorizo o compartilhamento, no
entanto, o MP/SP deverá respeitar os termos do acordo de leniência em relação à empresa colaboradora.

9.5. Plano Diretor

MPF não possui legitimidade para ajuizar ACP contra Município pedindo que sejam realizadas audiências
públicas antes do envio do projeto de Lei do Plano Diretor: O MPF é parte ilegítima para ajuizar ação civil pública
que visa à anulação da tramitação de Projeto de Lei do Plano Diretor de município, ao argumento da falta de
participação popular nos respectivos trabalhos legislativos. No caso concreto, o MPF ajuizou ACP contra o Município
de Florianópolis e a União argumentando que o Poder Executivo Municipal teria encaminhado à Câmara de
Vereadores o projeto de Lei do Plano Diretor da cidade sem a realização das necessárias audiências públicas, o que
violaria o Estatuto da Cidade. O STJ entendeu que a legitimidade para essa demanda seria do MP estadual (e não do
MPF).

Militares podem autorizar descontos de até 70% da sua remuneração para pagamento de empréstimo consignado:
As Leis nº 8.112/90 e 10.820/03 preveem que, se o servidor público civil fizer um empréstimo consignado, o limite
máximo de descontos que ele poderá autorizar que sejam feitos em sua remuneração é de 30% (mais 5% se forem
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despesas com cartão de crédito). Esse limite não se aplica para os militares. Isso porque os militares estão submetidos
a um regramento específico previsto na MP 2.215-10/2001, que permite que seja descontado até 70% da remuneração
dos militares para pagamento de empréstimos consignados. Assim, os descontos em folha, juntamente com os
descontos obrigatórios, podem alcançar o percentual de 70% das remunerações ou dos proventos brutos dos
servidores militares.

9.7. Carros dos conselhos profissionais não podem ser registrados como veículos oficiais: o § 1º do art. 120 do
CTB prevê que somente serão registrados como oficiais os veículos de propriedade da AP Direta, seja da U/E/M, de
qualquer um dos Poderes da República. Assim, mostra-se inviável que o Conselho de Fiscalização Profissional, que
possui natureza de autarquia, componente da administração indireta, registre seus veículos como oficiais.

9.8. Aplica-se a TR para contas vinculadas ao FGTS: A remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem
disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto,
ao Poder Judiciário substituir o mencionado índice.
 Declaração de inconstitucionalidade da TR para correção de condenações envolvendo a Fazenda Pública: o art. 1ºF
da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, previa que, nas condenações impostas à Fazenda Pública,
deveria incidir, como correção monetária, os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança. Desse
modo, o legislador determinou que, se o Poder Público fosse condenado a pagar uma quantia, ela deveria ser acrescida
de correção monetária e que o índice aplicado, neste caso, seria a TR – Taxa Referencial. Ocorre que o STF declarou
que essa previsão é inconstitucional. Isso porque a TR é um índice fixado ex ante, ou seja, previamente, a partir de
critérios técnicos não relacionados com a inflação considerada no período. Em outras palavras, a TR é calculada antes
de a inflação ocorrer. Assim, a remuneração da caderneta de poupança – diferentemente de qualquer outro índice
oficial de inflação – é sempre prefixada. Essa circunstância deixa claro que existe uma desvinculação entre a
remuneração da poupança e a evolução dos preços da economia, isto é, a TR não capta a variação da inflação (STF,
2013 e 2017).
 A partir dessa decisão do STF, questionaram a aplicação da TR para o FGTS : o STJ, então, fixou a tese acima.
Inclusive, há a Súmula 459/STJ: A Taxa Referencial (TR) é o índice aplicável, a título de correção monetária, aos
débitos com o FGTS recolhidos pelo empregador, mas não repassados ao fundo.

9.9. Anistiado Político

Pagamento dos valores retroativos a anistiados políticos

1 - Reconhecido o direito à anistia política (com reparação econômica), a falta de cumprimento de requisição ou
determinação de providências por parte da União, por intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos artigos
12, § 4º, e 18, caput, p. u., da Lei 10.559/02, caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo (cabível,
portanto, MS - Diferentemente de uma ação de cobrança que é proposta para o pagamento de valores atrasados, no
caso em tela temos um mandado de segurança impetrado para que seja cumprida norma editada pela própria AP
(Portaria do Ministro da Justiça). Logo, não incide no caso a proibição contida nas súmulas 269 e 271 do STF).

2 - Havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos (para
não violar o princípio da legalidade da despesa pública, previsto nos arts. 165, § 8º e 167 da CF), e não demonstrada
a ausência de disponibilidade de caixa, a União promoverá o pagamento do valor ao anistiado em 60 dias.

*Quando o Poder Judiciário determina o pagamento desses valores atrasados ao anistiado político, isso deverá ser
feito por meio de precatório (art. 100 da CF)? NÃO. O STF entende que o regime de indenização dos anistiados é
especialíssimo, inclusive tem previsão constitucional explícita no ADCT. Além disso, há outro argumento: o art. 100
trata de valores devidos pela FP em virtude de sentença judiciária. Ocorre que, no caso do mandado de segurança não
se está condenando o Poder Público ao pagamento de um determinado valor em razão de uma decisão judicial. Na
verdade, a AP já reconheceu, administrativamente, por meio da Portaria do MJ, que o autor possui direito àquele valor
decorrente da declaração de anistiado.

3 - Na ausência ou na insuficiência de disponibilidade orçamentária no exercício em curso, cumpre à União promover


sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte.

Súmula 624-STJ: É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei nº
10.559/2002 (Lei da Anistia Política).
 Fatos: João requereu e recebeu, administrativamente, a reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 (Lei
de Anistia). Ocorre que, depois disso, já em 2014, ele ajuizou ação de compensação por danos morais contra a União
pedindo indenização extrapatrimonial pelos sofrimentos que passou neste período. A pretensão está prescrita?
43
 Decisão: não. As ações de indenização por danos morais decorrentes de perseguição, tortura e prisão, por motivos
políticos, durante o regime militar, são imprescritíveis. Para esses casos, não se aplica o prazo prescricional de 5 anos
previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. É possível que o anistiado político pleiteie judicialmente indenização por
danos morais mesmo já tendo recebido administrativamente a reparação econômica da Lei nº 10.559/02? SIM. É
possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei nº 10.559/02 (Lei da Anistia
Política).

9.10. Aluno que conclui as matérias do ensino médio em escola técnica tem direito ao certificado de conclusão
do ensino médio, ainda que opte por não fazer o estágio profissionalizante: A emissão do certificado de conclusão
do ensino médio, realizado de forma integrada com o técnico, ao estudante aprovado nas disciplinas regulares
independe do estágio profissionalizante. Caso concreto: João fez o ensino médio em instituto federal de educação.
Ocorre que optou por não concluir o estágio profissionalizante. A única consequência negativa para ele vai ser não ter
direito ao certificado técnico-profissional. No entanto, não há nada que o impeça de ter direito ao certificado de
conclusão do ensino médio, considerando que efetivamente estudou e foi aprovado nas respectivas matérias. Cabe
MS. (STJ)

9.11. Pontos de entrega de gás canalizado e pagamento de royalties: A Lei 12.734/12, que alterou os arts. 48, § 3º,
e 49, § 7º, da Lei 9.478/97 e passou a considerar os pontos de entrega de gás canalizado (city gates) como instalações
de embarque e desembarque, para fins de pagamento de royalties aos municípios afetados por tais operações, não tem
eficácia retroativa (não se trata de uma lei meramente interpretativa, considerando que o entendimento
jurisprudencial era diferente daquilo que a lei passou a prever).

9.12. LINDB: v. livro.

9.13. Lei 13.726/18 (Lei da desburocratização): v. livro.

DIREITO ELEITORAL

1. Inelegibilidades

A vedação ao exercício de 3 mandatos consecutivos pelo mesmo núcleo familiar aplica-se também na hipótese
em que um dos mandatos tenha sido tampão: v. Direito Constitucional.

É aplicável a alínea “d” do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/2010 (Lei da Ficha
Limpa), a fatos anteriores a sua publicação
 Direito: Uma das alterações feitas pela Lei da Ficha Limpa na LC 64/90 foi que ela ampliou, de 3 para 8 anos, o
prazo de inelegibilidade para os casos em que o político é condenado por abuso de poder econômico ou político
(arts. 1º, I, “d” e 22, XIV). Em 2012, o STF decidiu que essa previsão, assim como todos os outros dispositivos da
Lei da Ficha Limpa são constitucionais. O STF já havia decidido também que, em respeito ao art. 16 da CF
(anualidade), a Lei só passou a valer a partir das eleições de 2012.
 Fatos: João concorreu ao cargo de Vereador e foi condenado, nos autos de representação eleitoral por abuso de
poder econômico e compra de votos por fatos ocorridos em 2004. Naquela época não havia ainda a Lei da Ficha
Limpa, de modo que a Justiça Eleitoral determinou que João ficasse inelegível por 3 anos. O processo transitou em
julgado em 2004 e João cumpriu os 3 anos de inelegibilidade. Nas eleições de 2008, já livre da inelegibilidade, ele
concorreu e foi eleito para o cargo de Vereador. Ele conseguiu concorrer porque já havia passado o prazo de 3 anos
(2004 + 3 = 2007). Nas eleições de 2012, ele tentou concorrer novamente ao mandato de Vereador, mas seu
registro foi indeferido sob o argumento de que entrou em vigor a Lei da Ficha Limpa e que aquela sua condenação
(que já transitou em julgado e que ele já cumpriu) aumentou de 3 para 8 anos. Assim, segundo a nova redação do
art. 1º, I, “d”, da LC 64/90, ele teria que ficar inelegível de 2004 até 2012. João não concordou com a decisão da
Justiça Eleitoral e recorreu ao STF alegando que a inelegibilidade constitui espécie de sanção, razão pela qual a
mudança legislativa não poderia retroagir por se tratar de lei mais grave (art. 5º, XXXVI, CF). Além disso, teria
havido ofensa à coisa julgada. Para reforçar a sua tese, argumentou que a própria LC 64/90 prevê a inelegibilidade
como sanção.
 Decisão: o STF não deu provimento ao RE de João. O STF entendeu que é possível aplicar o prazo de 8 anos de
inelegibilidade, introduzido pela LC 135/10, às condenações por abuso de poder, mesmo nos casos em que o
processo já tenha transitado em julgado quando a Lei da Ficha Limpa entrou em vigor. O fato de a condenação nos
autos de representação por abuso de poder econômico ou político haver transitado em julgado, ou mesmo haver
transcorrido o prazo da sanção de três anos, imposta por força de condenação pela Justiça Eleitoral, não afasta a
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incidência da inelegibilidade constante da alínea “d” do inciso I do art. 1º da LC 64/90, cujo prazo passou a ser de 8
anos.
 Argumentos: a) Finalidade da Lei da Ficha Limpa: proteger a probidade administrativa, a moralidade para
exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições
contra a influência do poder econômico ou do poder político. Assim, o STF tem o dever de afastar interpretações
que enfraqueçam os propósitos republicanos e moralizadores da Lei da Ficha Limpa.
b) As hipóteses de inelegibilidade não possuem caráter de sanção (ex.: art. 14, § 4º da CF, que prevê a
inelegibilidade dos analfabetos). A inelegibilidade ostenta natureza jurídica de “requisito negativo de adequação do
indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral”. Logo, as hipóteses de inelegibilidade previstas na LC 64/90
não possuem caráter sancionatório ou punitivo, mesmo no caso descrito no art. 22, XIV. Segundo o Min. Fux,
houve uma atecnia do legislador, ou seja, uma falha de técnica legislativa ao se afirmar na redação do dispositivo
que a inelegibilidade seria uma hipótese de sanção. Além disso, a natureza de um instituto jurídico não deve ser
interpretada pelo seu “rótulo legal”, mas sim a partir da análise dos efeitos jurídicos que efetivamente dele advêm.
c) Não há retroatividade máxima13, e sim uma retroatividade inautêntica (ou retrospectividade) : o Min. Luiz Fux
sustentou que, como a inelegibilidade do art. 22, XIV, da LC 64/90 não se constitui em sanção, a ampliação do
prazo nele previsto (de 3 para 8 anos) pela Lei da Ficha Limpa não representa ofensa à retroatividade máxima. Para
o STF, aplicar a Lei da Ficha Limpa para fatos ocorridos antes da sua vigência não configura uma autêntica (uma
verdadeira) retroatividade. Isso é aquilo que se pode chamar de retroatividade inautêntica (ou retrospectividade). A
retroatividade autêntica é vedada pela CF. O texto constitucional não proíbe, contudo, a retrospectividade. A
retrospectividade é parecida, mas não idêntica à retroatividade mínima.
• Retroatividade mínima: a nova lei altera as consequências jurídicas de fatos ocorridos antes da sua edição.
• Retrospectividade: a nova lei atribui novos efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos
anteriormente.
Cf. o Min. Fux: “A aplicabilidade da LC 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à
luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação
prospectiva ao direito de concorrer a cargos eletivos com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do
indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, p. ex. – estabeleceu-se em momento anterior, mas
seus efeitos perdurarão no tempo. Portanto, ainda que se considere haver atribuição de efeitos, por lei, a fatos
pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade (...) Explica-se: trata-se apenas de imposição de um novo
requisito negativo p/ que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo, que não se confunde com agravamento de
pena ou com bis in idem”.
d) Não há violação à coisa julgada: a imposição do prazo de inelegibilidade configura uma relação jurídica
continuativa, para a qual a coisa julgada opera sob a cláusula rebus sic stantibus. A decisão que reconhece a
inelegibilidade somente produzirá seus efeitos na esfera jurídico-eleitoral do condenado se este vier a formalizar
registro de candidatura em eleições vindouras. Em consequência disso, verificado o exaurimento do prazo de 3 anos,
previsto na redação originária do art. 22, XIV, por decisão transitada em julgado, é perfeitamente possível que o
legislador infraconstitucional proceda ao aumento dos prazos, o que impõe que o agente da conduta abusiva fique
inelegível por mais 5 anos, totalizando os 8 anos, sem que isso implique ofensa à coisa julgada, que se mantém
incólume.

2. Inconstitucionalidade do voto híbrido previsto no art. 59-A da Lei 9.504/97


 Fatos: em 2015, foi editada a Lei 13.165, que incluiu o art. 59-A da Lei 9.504/97 prevendo que, no dias das
eleições, após o eleitor fazer a votação eletrônica na urna (como acontece hoje em dia), a urna eletrônica deveria
imprimir o voto dado pelo eleitor e esse comprovante em papel seria depositado em uma urna tradicional. Isso serviria
para o eleitor conferir que a urna eletrônica registrou seu voto corretamente e para eventual recontagem de votos caso
houvesse alguma suspeita de fraude. Seria uma espécie de voto híbrido, sendo parte eletrônica e parte em papel.
 ADI: para a PGR, a reintrodução do voto impresso como forma de controle do processo eletrônico de votação
“caminha na contramão da proteção da garantia do anonimato do voto e significa verdadeiro retrocesso”. Ao
determinar a impressão do voto no processo de votação eletrônica, a norma legal coloca em risco o DF do cidadão ao
13
As leis (em sentido amplo) podem apresentar 3 espécies de retroatividade:
a) Retroatividade máxima (ou restitutória): Ocorre quando a lei nova retroage para atingir fatos passados sem qualquer empecilho, mesmo
que eles já estejam consumados. Se a retroatividade é máxima, a lei atinge, inclusive, direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada.
Ex.: na época da celebração do contrato, os juros de mora eram de 6% ao ano; veio uma nova lei aumentando para 12%; pela retroatividade
máxima, essa mudança produz efeitos inclusive sobre as prestações já pagas.
b) Retroatividade média: Ocorre quando a lei nova atinge efeitos pendentes de fatos praticados no passado. Ex.: na época da celebração do
contrato, os juros de mora eram de 6% a.a.; veio uma nova lei aumentando para 12%; pela retroatividade média, essa mudança produz efeitos
sobre as prestações em aberto (vencidas, mas não pagas) e sobre as prestações futuras; as prestações já pagas continuam com os juros
anteriores.
c) Retroatividade mínima (temperada ou mitigada): Ocorre quando a lei nova atinge efeitos futuros de fatos praticados no passado. Ex: na
época da celebração do contrato, os juros de mora eram de 6% a.a.; veio uma nova lei aumentando para 12%; pela retroatividade mínima,
essa mudança produz efeitos sobre as prestações futuras; as prestações já pagas e as prestações em aberto continuam com os juros anteriores.
* A lei possui, em regra, retroatividade mínima. O Poder Constituinte originário pode estabelecer a retroatividade máxima, no entanto, isso
não é permitido ao legislador infraconstitucional, salvo algumas exceções, como é o caso da lei penal mais favorável ao réu.
45
sigilo de seu voto, previsto no art. 14 da CF. Além disso, a adoção do modelo impresso provoca risco à confiabilidade
do sistema eleitoral, fragilizando o nível de segurança e eficácia da expressão da soberania nacional por meio do
sufrágio universal. Por fim, a respeito da situação das pessoas com deficiência visual e das analfabetas, que não terão
condições de conferir o voto impresso sem o auxílio de terceiros, o que, mais uma vez, importará quebra do sigilo de
voto.
 Decisão: (i) o dispositivo viola a regra constitucional que garante o voto livre e secreto. Os Ministros entenderam
que a sistemática prevista no art. 59-A permite a identificação de quem votou, isto é, a quebra do sigilo, e,
consequentemente, a diminuição da liberdade do voto. Sustentaram a falta de proporcionalidade e razoabilidade da
medida, pois impõe altos custos de implantação – estimados em mais de R$ 2 bilhões – e traz riscos para a segurança
das votações, sem haver garantia de que aumenta a segurança do sistema. Isso em um contexto em que faltam indícios
de fraude generalizada no sistema de voto eletrônico, existente desde 1996. Foi ressaltada a confiança da população
no sistema, tido como referência internacional, e no fato de que a alteração poderia, pelo contrário, minar essa
confiança.
(ii) Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, pois a CF nada dispõe a esse respeito,
observadas, entretanto, as características do voto nela previstas. No entanto, o modelo híbrido trazido pelo dispositivo
impugnado constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições
realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem.

3. Cancelamento do título do eleitor que não comparecer à revisão eleitoral


 Contextualização fática: Em 1985, a Justiça Eleitoral decidiu que os dados dos eleitores precisavam estar
registrados em um sistema informatizado. Diante disso, foi editada a Lei 7.444/85, com o objetivo de implementar o
“processamento eletrônico dos dados no alistamento eleitoral”. A lei estabeleceu que deveria ser dado um prazo para
os eleitores fazerem o recadastramento (revisão eleitoral) e que, se não o fizessem neste prazo, os seus títulos
deveriam ser cancelados (art. 3º, § 4º). A lei disse que as regras para a realização dessa revisão eleitoral deveriam ser
regulamentadas por Resolução do TSE e que o prazo para os eleitores fazerem deveria ser de, no mínimo, 30 dias. A
partir de então, as revisões eleitorais passaram a ser constantes e têm por objetivo, em última análise, evitar fraudes,
garantindo a lisura das eleições. Nesse contexto, desde 2007, o TSE fez uma série de revisões eleitorais com o
objetivo de fazer o cadastramento biométrico dos eleitores (disciplinadas pelas Resoluções 23.061/09, 23.335/11 e,
finalmente, pela Resolução/TSE 23.440/15). O prazo estimado para o término da biometria é 2022.
 Fatos: a Lei 7.444/85 determinou que os eleitores que não participassem da revisão eleitoral, teriam seus títulos
eleitorais cancelados. Essa previsão foi repetida pelas diversas Resoluções do TSE que regulamentaram as revisões
eleitorais, dentre elas a Resolução nº 23.440/15. Essa regra acima possui algumas exceções e também é permitido
que o eleitor que teve o título cancelado possa, posteriormente, fazer um novo alistamento eleitoral. Assim, não se
trata de uma “perda” definitiva do direito de votar. É possível regularizar a situação. Vale ressaltar, no entanto, que,
em anos eleitorais, essa regularização tem um prazo e, caso não seja feito até determinada data, somente poderá ser
realizada após o pleito já ter se encerrado. Ex.: para votar nas eleições de 2018, o eleitor teria que ter regularizado a
sua situação até 09/05. Se não fez isso, ficou impedido de votar em 2018, mas pode regularizar para votar em 2020.
 ADPF: o PSB alegou que as normas, ao determinarem o cancelamento dos títulos, retiraram os direitos políticos de
milhões de eleitores que não compareceram às revisões e, por isso, tiveram seus títulos cancelados. Afirmou que
houve cerca de 4 milhões de títulos cancelados. Assim, o Partido requereu que o STF declarasse que o art. 3º, § 4º, da
Lei 7.444/85 não foi recepcionado e pediu também a declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, das
Resoluções do TSE que previram o cancelamento do título do eleitor que não realizou o cadastramento biométrico
nelas previsto.
 Decisão: A ADPF foi julgada improcedente, tendo o STF decidido que o art. 3º, § 4º, da Lei 7.444/85 e as
Resoluções do TSE que trataram sobre o tema são constitucionais.
 Argumentos: (i) o voto é um componente essencial da democracia representativa. Para o exercício do voto de
maneira ordenada e segura, é indispensável que haja o alistamento eleitoral e a revisão periódica dos eleitores. A CF
exige, em seu art. 14, § 1º, o prévio alistamento eleitoral a fim de garantir que o voto seja exercido de forma legítima
pelo eleitor em idade de voto, adequadamente identificado e sem pluralidade de inscrição. Assim, o alistamento
eleitoral é uma providência que garante o voto seguro e igual para todos. Tanto o alistamento como a revisão eleitoral
possuem o mesmo propósito e, portanto, devem receber o mesmo tratamento constitucional. Se é válido condicionar o
exercício do voto ao alistamento, também é válido condicionar o exercício do voto à apresentação do título para
revisão eleitoral. (ii) O procedimento de revisão e de cancelamento é razoável, proporcional e necessário, não
havendo ofensa à soberania popular e à cidadania, à igualdade.

4. Vacância de cargos políticos

Constitucionalidade dos §§ 3º e 4º do art. 224 do Código Eleitoral


 Fatos: a Lei 13.165/15 (minirreforma eleitoral de 2015) inseriu os §§ 3º e 4º ao art. 224 do Código Eleitoral. O § 3º
previu que “a decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda
do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas
46
eleições, independentemente do número de votos anulados”. O § 4º, por sua vez, determinou que: “ A eleição a que se
refere o § 3º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será: I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de 6
meses do final do mandato; II - direta, nos demais casos”.
 ADI: Quanto ao § 3º, a alegação da PGR foi a de que a exigência de trânsito em julgado para a realização de novas
eleições seria uma espera “exagerada e desproporcional, em face da gravidade das condutas que autorizam cassação
de diploma e de mandato”. O PGR defendeu que se o TSE já tiver julgado todos os recursos sobre o tema e somente
se estiver aguardando eventual RE interposto contra a decisão, então, neste caso, deve-se autorizar a realização de
novas eleições. Isso porque o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo. Logo, não deveria impedir a
realização de novas eleições. Em outras palavras, a PGR queria que o STF julgasse inconstitucional a expressão “após
o trânsito em julgado” e que o STF fixasse a interpretação de que basta o encerramento da tramitação do processo na
Justiça Eleitoral.
Já quanto ao § 4º, a PGR alegou que viola o art. 81, caput e § 1º da CF: • art. 224, § 4º do CE: prevê que se a vacância
for nos últimos 6 meses, a eleição será indireta; • art. 81, § 1º da CF/88: estabelece que se a vacância for nos dois
últimos anos, a eleição será indireta. Desse modo, o art. 224, § 4º do CE reduziu de 2 anos para 6 meses o tempo no
qual se exige que a vacância ocorra para que a eleição seja indireta.
 Decisão: (i) quanto ao § 3º: o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado” e e
decidiu que basta a exigência de decisão final da Justiça Eleitoral. Assim, concluído o processo na Justiça Eleitoral,
pois a exigência do trânsito em julgado para a perda do mandato contraria o princípio democrático e o da soberania
popular14.
(ii) quanto ao § 4º: O STF afirmou que esse dispositivo deveria receber uma interpretação conforme a CF, de modo a
afastar do seu âmbito de incidência as situações de vacância nos cargos de Presidente e VP, bem como no de Senador.
Isso porque no caso de vacância dos cargos de Presidente, VP (art. 81) e Senador (art. 56, § 2º), a própria CF já
estabelece regras que deverão ser observadas para o seu preenchimento elas são diferentes do que preconiza o § 4º.
Assim, é compatível com a CF a aplicação do § 4º do art. 225 do CE em relação aos cargos de Governador e de
Prefeito.
 Obs.: Algumas CEs e leis orgânicas de Municípios repetem, para os Governadores e Prefeitos a mesma regra do
art. 81 da CF. Nestes casos, deverá prevalecer a previsão das CEs e LOs ou o § 4º do art. 225 do Código Eleitoral?
Depende:
a) se a vacância tiver razões eleitorais (ex.: Governador e Vice perderam o mandato por compra de votos): aplica-se o
art. 225, § 4º do Código Eleitoral;
b) se a vacância estiver fundada em razão de causas não eleitorais (ex: Governador e Vice morreram durante o
mandato): aplica-se a regra prevista nas Constituições estaduais (para os Governadores) ou nas leis orgânicas (para os
Prefeitos). Isso porque como se trata de matéria político-administrativa, tais entes possuem autonomia federativa para
legislar.

O § 3º do art. 224 do Código Eleitoral aplica-se também para eleições de Prefeitos de Municípios com menos de
200 mil eleitores e para eleições de Senadores
 ADI: O PSD alegou que a anulação de pleitos majoritários em decorrência de indeferimento de registro, cassação
de diploma ou perda de mandato de candidato eleito, independentemente do número de votos anulados, apenas
deveria incidir em eleições para as quais a CF exija maioria absoluta dos votos válidos. Assim, seria inconstitucional
aplicar este § 3º a eleições para cargos de Senador e de Prefeito de município com menos de 200 mil eleitores. Isso
porque nesses dois casos (Senador e Prefeito de cidade com menos de 200 mil eleitores) não há 2º turno de votação e
a investidura depende apenas de obtenção de maioria simples (art. 29, II e art. 46). O partido alegava que o
indeferimento de registro, cassação de diploma ou perda de mandato de candidato eleito em tais pleitos deveria
acarretar atribuição da vaga ao próximo mais votado, não sendo necessário fazer outra eleição.
 Decisão: O STF julgou a ADI improcedente. Assim, o § 3º do art. 224 do CE deve sim ser aplicado mesmo em
casos de eleições para Prefeitos de Municípios com menos de 200 mil eleitores e para Senadores. O fato de em tais
eleições não haver 2º turno não impede que o legislador imponha a realização de novas eleições. Trata-se de uma
escolha legítima e que está de acordo com o princípio da soberania popular. Desse modo, o STF adotou uma postura
de deferência ao legislador (respeito à opção legítima do legislador). Vale ressaltar, ainda, que o argumento de que
seria mais célere e menos custoso convocar o 2º colocado não se mostra suficiente para declarar a
inconstitucionalidade da previsão. Isso porque a celeridade e a economicidade cedem espaço ao princípio
democrático.
14
Normalmente o candidato eleito que é condenado pela JE interpõe sucessivos recursos. Se as novas eleições só pudessem ser realizadas
após o julgamento de todos os recursos, é muito provável que o mandato de 4 anos do Prefeito, do Governador ou do Presidente se
encerrasse sem que esse novo pleito fosse realizado. Ademais, mesmo se o condenado é afastado cautelarmente do cargo enquanto se
aguarda o trânsito em julgado, se não há novas eleições, quem assume temporariamente é o Presidente do Poder Legislativo. Ex.: Prefeito é
condenado à perda do mandato; suponhamos que a JE o afaste mesmo havendo ainda recurso pendente; pela regra do § 3º, não seria possível
a realização de nova eleição para o cargo enquanto não houvesse o trânsito em julgado; isso significa que o Presidente da Câmara Municipal
ficaria na função de Prefeito durante meses ou até mesmo anos aguardando o trânsito em julgado sem tenha sido eleito para isso. Isso
representaria violação ao princípio democrático e ao da soberania popular, pois permitiria que alguém que não foi eleito exercesse o cargo
majoritário por largo período.
47

Cuidado para não confundir: Conforme decidido na ADI 5525/DF, o § 4º do art. 224 do Código Eleitoral não se
aplica para o cargo de Senador. Assim, para Senador, incide o § 3º, mas não o § 4º do art. 224 do Código Eleitoral.

5. Infidelidade partidária
 Contextualização: mesmo não havendo uma norma expressa na lei ou na CF, o TSE e o STF, em 2007, decidiram
que a infidelidade partidária era causa de perda do mandato eletivo. Assim, se o titular do mandato eletivo, sem justa
causa, sair do partido político no qual foi eleito, ele perderá o cargo que ocupa. Como não havia lei disciplinando o
tema, o TSE editou a Resolução 22.610/07 regulamentando as hipóteses e a forma como ocorre a perda do mandato
eletivo em caso de infidelidade partidária. O art. 1º da Resolução reafirma a tese da infidelidade e prevê que o partido
político pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda do cargo eletivo caso o ocupante do mandato,
sem possuir uma justa causa, desfilie-se do partido pelo qual foi eleito. A Resolução trouxe um rol de situações que
são consideradas como "justa causa". Assim, o detentor do cargo eletivo poderia sair do partido sem perder o mandato
em 4 casos: a) se o partido em que ele se elegeu passou por um processo de incorporação ou fusão com outro partido;
b) se o detentor do cargo sai do partido pelo qual se elegeu para se filiar a um novo partido que foi recém criado; c) se
ficar provado que houve uma mudança substancial no partido ou desvio reiterado do programa partidário; d) se ficar
provado que o detentor do cargo sofre grave discriminação pessoal no partido. Vale ressaltar que o STF decidiu que
esta Resolução do TSE é constitucional, tanto do ponto de vista formal como material (ADIs 3999 e 5081).
 Lei 13.165/15: alterou a Lei nº 9.096/95, passando a tratar expressamente sobre o tema "infidelidade partidária" e
prevendo apenas 3 hipóteses: 1) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; 2) grave
discriminação política pessoal; e 3) mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo
de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. Ou
seja, a criação de novo partido não foi mais prevista como “justa causa” (letra b acima).
 Fatos: Em 15/09/15, foi criado o Partido Novo. Em 22/09/18, foi criada a Rede Sustentabilidade. Em 29/09/15, foi
criado o Partido da Mulher Brasileira. Pelas regras da Resolução 22.610/07, os políticos que quisessem, poderiam,
dentro do prazo de 30 dias, migrar para os novos partidos (Partido Novo, Rede e Partido da Mulher Brasileira) sem
perder seus mandatos. Ex.: assim que foi criada a Rede, o Deputado Federal Alessandro Molon, que era do PT,
anunciou que tinha a intenção de migrar para o novo partido. Pelas regras do TSE, se o político mudasse para o novo
partido no prazo máximo de 30 dias após a sua criação, ele não perderia o mandato. Ocorre que, uma semana depois
da criação da Rede, foi publicada e entrou em vigor a Lei 13.165/2015 (em 29/09/15), alterando a regra.
 ADI: alegou que o art. 22-A da Lei 9.096/95, inserido pela Lei 13.165/15, seria inconstitucional, pois: 1) O art. 22-
A, ao não considerar a criação de novo partido político como uma justa causa para a desfiliação partidária, viola os
princípios democrático, do pluralismo político e da livre criação de partidos. Em outras palavras, o art. 22-A não
poderia ter acabado com essa hipótese de justa causa. 2) Ainda que se considere que o art. 22-A poderia ter acabado
com essa hipótese de justa causa, ele não poderia ser aplicado para os partidos políticos que foram registrados antes da
entrada em vigor da Lei 13.165/15, e cujo prazo de 30 dias para as filiações de detentores de mandato eletivo ainda
estava transcorrendo. A Lei, ao interromper este prazo no meio violou os princípios da segurança jurídica, do direito
adquirido e da irretroatividade das normas sancionadoras.
 Decisão: Em 2015, o Min. Barroso, monocraticamente, deferiu liminar, ad referendum do Plenário, para
determinar a devolução integral do prazo de 30 dias para filiações aos partidos registrados no TSE até a data da
entrada em vigor da Lei 13.165/15. Em 09/05/2018, o Plenário do STF referendou a medida cautelar que havia sido
concedida pelo Min. Barroso. O STF entendeu que houve violação à segurança jurídica, na modalidade direito
adquirido, tanto das agremiações recém-criadas quanto dos parlamentares que pretendiam se filiar a elas. Criada a
legenda antes da vigência da lei, o partido tem o direito de receber novas filiações. O princípio da segurança jurídica
exige uma forma de transição legítima e razoável, vedada a retroação do novo regime às situações já consolidadas.
Ademais, a transferência sem perda de mandato era um direito subjetivo dos congressistas. Não pode uma lei
superveniente retirar direito que já havia sido adquirido com base na sistemática anterior. Vale ressaltar que a decisão
monocrática do Min. Barroso já exauriu seus efeitos. Ele determinou, na decisão, que os 3 partidos tivessem de volta
os 30 dias para receber filiações de parlamentares sem que estes perdessem o mandato eletivo. Este prazo, contudo,
foi contato da data em que a decisão monocrática foi proferida (novembro de 2015) e já expirou. *O argumento 1 de
inconstitucionalidade ainda não foi julgado.

6. Inconstitucionalidade da norma que permitia doações anônimas a candidatos: A parte final do § 12 do art. 28
da Lei nº 9.504/97 prevê a possibilidade de “doações ocultas” de pessoas físicas a candidatos, ou seja, sem que os
nomes dos doadores fiquem registrados na prestação de contas. Veja: "§ 12. Os valores transferidos pelos partidos
políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos
e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores."
(Incluído pela Lei 13.165/15) O STF julgou inconstitucional a expressão “sem individualização dos doadores”,
constante da parte final do dispositivo. Essa parte final do dispositivo suprime a transparência do processo eleitoral,
frustra o exercício da fiscalização pela Justiça Eleitoral e impede que o eleitor exerça, com pleno esclarecimento, seu
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direito de escolha dos representantes políticos. Isso viola os princípios republicano e democrático (art. 1º, da CF),
além de representar afronta aos postulados da moralidade e da transparência.

7. Propaganda eleitoral

É legítima a Resolução do TSE que proíbe propaganda eleitoral por meio de telemarketing
 Fatos: um Partido ajuizou ADI contra o art. 25, § 2º, da Resolução 23.404/14 do TSE. Este dispositivo proibiu que
os candidatos e partidos políticos fizessem propaganda eleitoral por meio dos serviços de “telemarketing”, ou seja,
aquelas empresas que ligam para os eleitores falando bem do candidato.
 Decisão: (i) cabimento: É cabível ADI contra Res. do TSE que tenha, em seu conteúdo material, “norma de
decisão” de caráter abstrato, geral e autônomo, apta a ser apreciada pelo STF em sede de controle abstrato de
constitucionalidade.
(ii) mérito: é constitucional a proibição da realização de propaganda eleitoral via “telemarketing", em qualquer
horário.
a) Constitucionalidade formal: O TSE possui poder normativo, podendo editar resoluções para disciplinar as eleições.
Foi o que fez neste caso, tendo sido respeitados os princípios e diretrizes previstos na legislação eleitoral em vigor.
Assim, não se pode dizer que o TSE usurpou a competência privativa da União (CN) para legislar sobre Direito
Eleitoral. Não existe lei proibindo expressamente o uso do telemarketing nas eleições. No entanto, a ausência de
previsão legal não significa seu uso indiscriminado e irrestrito, sendo importante lembrar que as novas tecnologias de
comunicação são desenvolvidas em um ritmo mais rápido do que as leis, em sentido estrito, podem acompanhar.
Assim, diante desse silêncio normativo ganha muita importância a atuação da Justiça Eleitoral por meio das
resoluções. O STF possui jurisprudência no sentido de que a individualização de restrições referentes à utilização de
instrumentos de propaganda eleitoral não depende de edição de lei formal, pois a diversificação de técnicas e
procedimentos de propaganda exigem a ação imediata e eficiente da Justiça Eleitoral.
b) Rol taxativo dos meios de propaganda permitidos: os arts. 37, § 2º e 38 da Lei 9.504/97 estabelecem um rol
taxativo das situações em que a propaganda eleitoral pode ser realizada independentemente de autorização da JE. Isso
significa que, tirando esses casos acima listados, as demais formas de divulgação só podem ocorrer mediante chancela
prévia da JE. Nesse contexto, o TSE pode se antecipar a eventuais pedidos de autorização e vedar, desde logo, o uso
do telemarketing, sem que isso caracterize usurpação de competência do CN para legislar sobre Direito Eleitoral.
c) Constitucionalidade material: A proibição contida no art. 25, § 2º da Resolução não viola os princípios
constitucionais da livre manifestação do pensamento, da liberdade política, de comunicação e de acesso à informação.
Essa vedação tem como fundamentos: • o art. 243, VI, do Código Eleitoral, que proíbe propaganda eleitoral que
“perturbe o sossego público, com algazarras e abusos de instrumentos sonoros ou sinais acústicos”; • incisos X e XI
do art. 5º, da CF, que protegem a intimidade, a vida e a inviolabilidade domiciliar do eleitor.
d) Liberdade de expressão x intimidade: No presente caso, haveria uma tensão entre a liberdade de expressão e a
intimidade, sendo que, na ponderação entre esses princípios, o direito à intimidade deve prevalecer.

São inconstitucionais dispositivos da Lei das Eleições que vedavam sátira a candidatos: O art. 45, II e III da Lei
9.504/97 prevê que, depois do prazo para a realização das convenções no ano das eleições, as emissoras de rádio e
televisão, em sua programação normal e em seu noticiário, não podem: a) usar trucagem, montagem ou outro recurso
de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou
veicular programa com esse efeito (inciso II) e b) difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido,
coligação, a seus órgãos ou representantes (segunda parte do inciso III). Os §§ 4º e 5º explicam o que se entende por
trucagem e por montagem. O STF decidiu que tais dispositivos são inconstitucionais porque representam censura
prévia. A liberdade de expressão autoriza que os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e
exteriorizem seu juízo de valor, bem como autoriza programas humorísticos, “charges” e sátiras realizados a partir de
trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma
justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. Vale ressaltar que, posteriormente,
é possível a responsabilização dos meios de comunicação e de seus agentes por eventuais informações mentirosas,
injuriosas, difamantes. O que não se pode é fazer uma censura prévia. São inconstitucionais quaisquer leis ou atos
normativos tendentes a constranger ou inibir a liberdade de expressão a partir de mecanismos de censura prévia.

8. Fundo partidário e candidaturas de mulheres: O art. 9º da Lei 13.165/15 previu o seguinte: “Nas três eleições
que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancárias específicas para este fim, no
mínimo 5% e no máximo 15% do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas
eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o
inciso V do art. 44 da Lei 9.096/95”. O STF, ao julgar uma ADI proposta contra esse dispositivo, decidiu: a) Dar
interpretação conforme a CF ao art. 9º da Lei 13.165/15, de modo a equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas
femininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, isto é, ao menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo
Partidário a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do Fundo alocado a
cada partido, para as eleições majoritárias e proporcionais, e fixar que, havendo percentual mais elevado de
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candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma
proporção. Assim, o montante de recursos para as campanhas de mulheres deve ser proporcionalmente igual ao
número de candidatas, sendo no mínimo 30%; b) Declarar a inconstitucionalidade da expressão “três”, contida no art.
9º da Lei nº 13.165/15. A previsão de recursos mínimos para as campanhas de candidatas não deve ter um prazo
determinado considerando que ela dura até que as desigualdades sejam corrigidas; c) Declarar a inconstitucionalidade,
por arrastamento, do § 5º-A e do § 7º do art. 44 da Lei nº 9.096/95, que tratam dos recursos específicos para a criação
e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

9. Compete ao TSE julgar RCED envolvendo Presidente ou Vice-Presidente da República


 Diplomação: é o ato pelo qual a JE atesta quem são os candidatos eleitos e os respectivos suplentes. A diplomação
constitui ato decisório do tribunal, ainda que de natureza administrativa. A expedição do diploma ocorre apenas após
a análise dos requisitos para sua concessão ao candidato, bem como ante a verificação da lisura do pleito.
 Competência para realizar o ato de diplomação: a) Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores: são diplomados pela Junta
Eleitoral (Juiz Eleitoral); b) Governador, Vice-Governador, Senadores, Deputados Federais e Estaduais: diplomados
pelo TER; c) Presidente da República e VP da República: diplomados pelo TSE.
 Recurso contra a diplomação (RCED): mesmo depois da diplomação, é possível que esse ato seja impugnado (art.
262, Código Eleitoral). Por meio do RCED, visa-se a cassação ou denegação do diploma em caso de: a)
inelegibilidade de cunho infraconstitucional superveniente ao requerimento de registro da candidatura; b)
inelegibilidade de natureza constitucional ou c) ausência de condições de elegibilidade. Apesar do nome, o RCED não
tem natureza jurídica de “recurso”, sendo uma ação autônoma. Esse nome existe porque o RCED foi originariamente
concebido para ser um “recurso administrativo”, mas com o passar do tempo e com a evolução jurisprudencial,
entendeu-se que se trata na verdade de uma ação autônoma, dando origem a um processo de cunho jurisdicional.
 Legitimidade ativa: a) os candidatos; b) os partidos políticos; c) as coligações; d) o MP eleitoral. Legitimidade
passiva: contra o candidato eleito diplomado e que possui algum dos vícios previstos no art. 262 do CE. Deverão
também figurar na lide, como litisconsortes passivos necessários: o vice (no caso de eleições para a chefia do Poder
Executivo); e o suplente (no caso de eleições para Senador) – Obs.: o partido político não precisa figurar no polo
passivo.
 Prazo: O RCED deve ser proposto no prazo de 3 dias, contados a partir da data da sessão de diplomação (art. 258).
 Procedimento: 1) Legitimado ativo apresenta o RCED por meio de petição subscrita por advogado. 2) Recebida a
petição, o Juiz Eleitoral (no caso de RCED proposto na Junta Eleitoral) ou o Relator do TRE sorteado (no caso de
RCED proposto no TRE) mandará intimar o “recorrido” para ciência do “recurso”, dando vista dos autos a fim de, no
prazo de 3 dias, possa oferecer razões, acompanhadas ou não de novos documentos. 3) Se o recorrido juntar novos
documentos, terá o recorrente vista dos autos por 48 horas para se manifestar sobre eles. 4) O juiz eleitoral, dentro de
48 horas, fará subir os autos ao TRE com a sua resposta e os documentos em que se fundar.
 Competência: (i) Se o RCED for contra a diplomação de Prefeito, Vice-Prefeito ou Vereador (eleições
municipais): a competência para julgar será do TRE.
(ii) Se o RCED for contra a diplomação de Governador, Vice-Governador, Senador, Deputado Federal, Deputado
Estadual/Distrital (eleições gerais federais e estaduais): a competência para julgar será do TSE.
***Vale aqui explicar uma peculiaridade: o RCED é sempre interposto na instância “inferior” a que irá julgá-lo. Ex.:
um RCED proposto contra a diplomação de um Prefeito é ajuizado na Junta Eleitoral e, depois que o Juiz Eleitoral dá
vista dos autos para a parte recorrida, ele remete os autos ao TRE para julgamento. De igual forma, se for proposto um
RCED contra diplomação de Governador, isso é ajuizado no TRE, mas depois será remetido para julgamento pelo
TSE. E no caso de RCED proposto contra diplomação de Presidente ou VP da República? De quem será a
competência para julgar RCED em eleições presidenciais? Decidiu o STF que é o TSE: O TSE é o órgão competente
para julgar os RCED nas eleições presidenciais e gerais (federais e estaduais).
***Assim, o sistema estabelecido pelo Código Eleitoral prevê que o julgamento do RCED será feito pelo órgão
jurisdicional hierarquicamente superior àquele que concedeu a diplomação. A exceção fica por conta da diplomação
para Presidente e Vice-Presidente da República. Isso porque o Presidente e o Vice são diplomados pelo TSE e é o
próprio TSE que julga eventual RCED proposto questionando esse ato.

DIREITO CIVIL

1. PARTE GERAL

1.1. Possibilidade de voltar o nome de solteira após a morte do marido


 Nome: O nome da pessoa física é um sinal (elemento de identificação) que individualiza a pessoa, fazendo com
que ela seja diferenciada dos demais membros da família e da sociedade. Prevalece no art. 16 do CC a teoria de que
o nome é um direito de personalidade.
50
 Princípio da imutabilidade relativa do nome: em regra, o nome é imutável, isto é, o nome (prenome e
sobrenome), estabelecido por ocasião do nascimento, reveste-se de definitividade, admitindo-se modificação,
excepcionalmente, nas hipóteses expressamente previstas em lei ou reconhecidas como excepcionais por decisão
judicial (art. 57, Lei 6.015/75), exigindo-se, para tanto, justo motivo e ausência de prejuízo a terceiros (REsp
1138103).
 Exceções em que a alteração do nome é permitida :
1) No 1º ano após atingir a maioridade civil (art. 56 da LRP) – processo administrativo.
2) Retificação em caso de erros (art. 110 da LRP) – processo administrativo.
3) Acréscimo ou substituição por apelidos públicos notórios (art. 58 da LRP) – processo judicial.
4) Averbação do nome abreviado, usado como firma comercial ou em atividade profissional (§ 1º do art. 57 da
LRP).
5) Enteado pode adotar o sobrenome do padrasto (§ 8º do art. 57 da LRP) – Requisitos: deve haver motivo
ponderável. O requerimento é feito ao juiz. Será averbado o nome de família do padrasto ou madrasta. É
indispensável que haja a concordância expressa do padrasto ou madrasta. Não pode haver prejuízo aos apelidos de
família do(a) enteado(a).
6) Pessoas incluídas no programa de proteção a vítimas e testemunhas (art. 57, § 7º, LRP e art. 9º da Lei 9.807/99).
7) Por via judicial, com motivo declarado, por sentença, após oitiva do MP (art. 57 da LRP) - Exs.: alterar o
prenome caso exponha seu portador ao ridículo; retificar o patronímico constante do registro para obter a
nacionalidade de outro país (o STJ já reconheceu o direito de suprimir incorreções na grafia do patronímico para
que a pessoa pudesse obter a cidadania italiana [REsp 1138103/PR]).
8) Casamento para acrescentar o sobrenome do outro (art. 1.565, § 1º, CC), ainda que após a celebração do
casamento.
Vale ressaltar, no entanto, que esse acréscimo terá que ser feito por meio da ação de retificação de registros
públicos, nos termos dos arts. 57 e 109 da LRP.
9) União estável (cf. o STJ, aplica-se o art. 1.565, § 1º do CC, por analogia). Há 2 exigências para que a pessoa
possa adotar o patronímico de seu companheiro: a) deverá existir prova documental da relação, feita por
instrumento público; b) deverá haver a anuência do companheiro cujo nome será adotado.
10) Separação/Divórcio. Regra: o nome é mantido, salvo se a pessoa que acrescentou o sobrenome de seu cônjuge
desejar retirá-lo. Exceção: só haverá a perda do sobrenome contra a vontade da pessoa que o acrescentou se
preenchidos os seguintes requisitos: 1) houver pedido expresso do cônjuge que “forneceu” o sobrenome; 2) a perda
não puder causar prejuízo à identificação do cônjuge. Ex.: Marta Suplicy; 3) a perda não puder causar prejuízo à
identificação dos filhos; 4) restar provada culpa grave por parte do cônjuge.
11) Morte do cônjuge. O cônjuge sobrevivente poderá voltar a usar o nome de solteira, excluindo o patronímico do
falecido marido? SIM. Em que pese não haver previsão legal para a retomada do nome de solteira em caso de
morte do marido (a lei somente prevê a possibilidade de o homem ou a mulher voltarem a usar o nome de solteiro
(a) em caso de divórcio), o STJ entende que isso deve ser permitido. A viuvez e o divórcio são hipóteses muito
parecidas e envolvem uma mesma razão de ser: a dissolução do vínculo conjugal. Logo, não há justificativa
plausível para que se trate de modo diferenciado as referidas situações. Assim, o dispositivo que apenas autoriza a
retomada do nome de solteiro na hipótese de divórcio deverá ser estendido também às hipóteses de dissolução do
casamento pela morte de um dos cônjuges. Impedir a retomada do nome de solteiro na hipótese de falecimento do
cônjuge implicaria em grave violação aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana após a viuvez,
especialmente no momento em que a substituição do patronímico é cada vez menos relevante no âmbito social,
quando a questão está, cada dia mais, no âmbito da autonomia da vontade e da liberdade e, ainda, quando a
manutenção do nome pode, em tese, acarretar ao cônjuge sobrevivente abalo de natureza emocional, psicológica ou
profissional, em descompasso, inclusive, com o que preveem as mais contemporâneas legislações civis.

1.2. Transgênero e mudança de nome


 Transgênero: é o indivíduo que tem características físicas sexuais distintas das características psíquicas – isto é,
tem um sexo biológico, mas se sente como se fosse do sexo oposto e espera ser reconhecido e aceito como tal
 Transexual: da mesma forma, também possui características físicas sexuais distintas das características
psíquicas. Ele também não se identifica com o seu gênero biológico. Não existe ainda uma uniformidade científica,
no entanto, segundo a posição majoritária, a diferença entre o transgênero e o transexual é a seguinte:
• transgênero: quer poder se expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto, mas não tem necessidade de
modificar sua anatomia.
• transexual: quer poder se expressar e ser reconhecido como sendo do sexo oposto e deseja modificar sua anatomia
(seu corpo) por meio da terapia hormonal e/ou da cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização).
 Identidade de gênero: significa a maneira como alguém se sente e a maneira como deseja ser reconhecida pelas
demais pessoas, independentemente do seu sexo biológico.
 Se o transexual faz a cirurgia de transgenitalização, ele poderá alterar o prenome e o sexo/gênero nos assentos
do registro civil? SIM. Essa possibilidade já foi reconhecida há muitos anos pelo STJ. Sendo realizada a retificação
do registro, os documentos serão alterados e neles não constará nenhuma menção quanto à troca do sexo.
51
 E se não foi feita a cirurgia? Também pode. O STJ decidiu que: O direito dos transexuais à retificação do
prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de
transgenitalização. O STF avançou e, de forma mais ampla, utilizou a expressão transgênero, afirmando que: Os
transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de
tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo) diretamente
no registro civil.
 Premissas da decisão do STF: 1) O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a expressão
de gênero. O respeito à identidade de gênero é uma decorrência do princípio da igualdade. 2) A identidade de
gênero é uma manifestação da própria personalidade da pessoa humana. Logo, cabe ao Estado apenas o papel de
reconhecê-la, nunca de constituí-la. Isso significa que o Estado não diz o gênero da pessoa, ele deve apenas
reconhecer o gênero que a pessoa se enxerga. 3) A pessoa não deve provar o que é, e o Estado não deve
condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. Assim, se
cabe ao Estado apenas o reconhecimento dessa identidade, ele não pode exigir ou condicionar a livre expressão da
personalidade a um procedimento médico ou laudo psicológico. A alteração dos assentos no registro público
depende apenas da livre manifestação de vontade da pessoa que visa expressar sua identidade de gênero.
 Interpretação conforme a CF e a CADH ao art. 58 da LRP (“O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a
sua substituição por apelidos públicos notórios”): assim, o STF entendeu que exigir cirurgia ou outros procedimentos
é contrário à dignidade da pessoa humana O Estado deve abster-se de interferir em condutas que não prejudicam a
terceiros e, ao mesmo tempo, buscar viabilizar as concepções e os planos de vida dos indivíduos, preservando a
neutralidade estatal. Mostra-se contrário aos princípios da dignidade da pessoa humana, da integridade física e da
autonomia da vontade condicionar o exercício do legítimo direito à identidade à realização de um procedimento
cirúrgico ou de qualquer outro meio de se atestar a identidade de uma pessoa. Inadmitir a alteração do gênero no
assento de registro civil é atitude absolutamente violadora de sua dignidade e de sua liberdade de ser, na medida em
que não reconhece sua identidade sexual, negando-lhe o pleno exercício de sua afirmação pública.
 Opinião Consultiva 24/17 da CIDH: os Estados têm a possibilidade de decidir qual é o procedimento que será
adotado para a retificação do sexo ou nos registros e documentos. No entanto, segundo a Opinão, o procedimento de
alteração adotado pelo Estado deve cumprir os seguintes requisitos: a) o procedimento deve respeitar a identidade de
gênero auto-percebida pela pessoa requerente; b) deve estar baseado unicamente no consentimento livre e informado
do solicitante sem que se exijam requisitos como certificações médicas ou psicológicas ou outros que possam resultar
irrazoáveis ou patologizantes; c) deve ser confidencial e os documentos não podem fazer remissão às eventuais
alterações; d) deve ser expedito (célere), e na medida do possível, gratuito; e e) não deve exigir a realização de
operações cirúrgicas ou hormonais. O Colegiado assentou seu entendimento nos princípios da dignidade da pessoa
humana, da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, bem como na CADH.
 A pessoa transgênera precisa de autorização judicial para essa alteração? NÃO. O STF entendeu que exigir do
transgênero a via jurisdicional para realizar essa alteração representaria limitante incompatível com a proteção que se
deve dar à identidade de gênero. O pedido de retificação é baseado unicamente no consentimento livre e informado do
solicitante, sem a necessidade de comprovar nada.

1.3. Direito ao esquecimento e resultados de sites de busca


 Direito ao esquecimento: é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico,
ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou
transtornos. Ex.: “caso Lebach”. No Brasil, possui assento constitucional e legal, considerando que é uma
consequência do direito à vida privada, intimidade e honra, assegurados pela CF (art. 5º, X) e pelo CC (art. 21).
Alguns autores também afirmam que o direito ao esquecimento é uma decorrência da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III da CF).
 Conflito entre interesses constitucionais: envolve um conflito aparente entre a liberdade de expressão/informação e
atributos individuais da pessoa humana, como a intimidade, privacidade e honra. Esse tema voltou à tona com a
Internet.
 O direito ao esquecimento aplica-se apenas a fatos ocorridos no campo penal? Não. A discussão surgiu, de fato,
nesta seara, mas foi se ampliando e, atualmente, envolve outros aspectos da vida. É o caso, p. ex., da apresentadora
Xuxa e seu filme ou Ana Paula Arósio que, mesmo tendo carreira de muito sucesso na televisão, optou por voltar ao
anonimato. Essa é, portanto, uma das expressões do direito ao esquecimento, que deve ser juridicamente assegurado.
Assim, se um veículo de comunicação tiver a ideia de fazer um especial mostrando a vida atual dela com câmeras
acompanhando seu dia-a-dia, entrevistando pessoas que a conhecia na época, mostrando lugares que atualmente
frequenta etc., poderá requerer ao Judiciário medidas que impeçam essa violação ao seu direito ao esquecimento.
 Críticas ao “direito ao esquecimento”: há diversos argumentos contrários à tese: constituiria um atentado à
liberdade de expressão e de imprensa; o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa significa
perda da própria história, o que vale dizer que o direito ao esquecimento afronta o direito à memória de toda a
sociedade; o direito ao esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos
perversos, que entraram para a história social, policial e judiciária, informações de inegável interesse público; é
absurdo imaginar que uma informação que é lícita se torne ilícita pelo simples fato de que já passou muito tempo
52
desde a sua ocorrência; quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção à
intimidade/privacidade em benefício do interesse público.
 Enunciado 531/CJF: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao
esquecimento. Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias
atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela
importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a
própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais
especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. Apesar de tais enunciados não terem força cogente,
trata-se de uma importante fonte de pesquisa e argumentação utilizada pelos profissionais do Direito.
 O STJ acolhe a tese do direito ao esquecimento? SIM. Contudo, o deferimento, ou não, do direito ao esquecimento
depende da análise do caso concreto. Como conciliar, então, o direito ao esquecimento com o direito à informação?
Deve-se analisar se existe um interesse público atual na divulgação daquela informação. Se ainda persistir, não há que
se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a publicidade daquela notícia. É o caso, p. ex., de “crimes
genuinamente históricos, quando a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável”. Por outro lado, se
não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas
notícias sobre o fato que já ficou no passado. Ademais, “os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que
deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo”.

Direito ao esquecimento e resultado das buscas nos sites de pesquisa como o Google
 Fatos: nome de uma candidata de um concurso que foi associada a uma fraude há 10 anos atrás, mas que jamais se
comprovou. Apesar disso, quando se digita o nome completo dela no Google aparecem várias menções à fraude, sem
que exista qualquer reportagem que afirme que ela foi inocentada. Diante disso, ela ajuizou ação de obrigação de fazer
contra a Google pedindo a desindexação, nos resultados das aplicações de busca mantida pela empresa, de notícias
relacionadas às suspeitas de fraude no concurso. A autora alegou que a indexação desses conteúdos causa danos à sua
dignidade e à sua privacidade e, assim, requereu a filtragem dos resultados de buscas que utilizem seu nome como
parâmetro, a fim de desvinculá-la das mencionadas reportagens, com base no “direito ao esquecimento”.
 Os buscadores da internet têm responsabilidade pelos resultados de busca apresentados? NÃO. O STJ reconhece a
impossibilidade de lhe atribuir a função de censor e a necessidade de se impor ao prejudicado o direcionamento de sua
pretensão contra os provedores de conteúdo, responsáveis pela disponibilização do conteúdo indevido na internet. Em
outras palavras, em vez de ingressar com a ação contra o Google, a pessoa prejudicada pela notícia deve propor a
demanda contra o site que a divulga (provedor de conteúdo). Essa é a REGRA GERAL.
 Qual é a razão desse entendimento? Os sites de busca são uma ferramenta para que “o usuário realize pesquisas
acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado
desejado, obtendo os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada”. O site de busca fornece,
portanto, uma espécie de índice do conteúdo disponível na internet, qualquer que seja esse conteúdo, facilitando o
acesso às informações disponíveis, livre de qualquer filtragem ou censura prévia. Os provedores de pesquisa realizam
suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à
identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente
veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de
páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de
computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. Ora, se a página possui conteúdo ilícito, cabe
ao ofendido adotar medidas para que haja a supressão da página e, com isso, automaticamente, ele não mais aparecerá
nos resultados de busca virtual dos sites de pesquisa. Foi o que decidiu o STJ no caso da ação proposta pela
apresentadora Xuxa, que ingressou com uma ação contra o Google objetivando compelir a empresa a remover do seu
site de pesquisas os resultados relativos à busca pela expressão “xuxa pedófila”.
 Circunstâncias excepcionalíssimas: Há, porém, circunstâncias excepcionais em que é necessária a intervenção
pontual do Poder Judiciário para fazer cessar o vínculo criado, nos bancos de dados dos provedores de busca, entre
dados pessoais e resultados da busca, que não guardam relevância para interesse público à informação, seja pelo
conteúdo eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo. Nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e
ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas
envolvidas sigam suas vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e
perenizado por sistemas automatizados de busca.
 Caso concreto: nos fatos acima, Laís não pretende a responsabilização civil do Google. O que ela argumenta é que
o resultado mais relevante obtido a partir da busca de seu nome, após mais de anos dos fatos, é a notícia de que
apontava que ela supostamente participou de uma fraude em concurso público, como se não houvesse nenhum
desdobramento da notícia, nem fatos novos relacionados ao seu nome. A manutenção desses resultados acaba por
retroalimentar o sistema, pois, ao realizar a busca pelo nome de Laís e se deparar com a notícia, o cliente acessará o
conteúdo – até movido por curiosidade despertada em razão da exibição do link – reforçando, no sistema
automatizado, a confirmação da relevância da página catalogada. Assim, é imprescindível a atuação pontual do Poder
Judiciário para, em casos excepcionalíssimos, quebrar a vinculação eternizada pelos sites de busca, desassociando os
dados pessoais do resultado cuja relevância se encontra superada pelo decurso do tempo. Essa é a essência do direito
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ao esquecimento: não se trata de efetivamente apagar o passado, mas de permitir que a pessoa envolvida siga sua vida
com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas
automatizados de busca. Por outro lado, aqueles que quiserem ter acesso a informações relativas a fraudes em
concurso público, não terão seu direito de acesso impedido. Esses resultados continuarão a aparecer no Google, mas
desde que a pessoa procure o nome de Laís em conjunto com fraude no concurso público. Em outras palavras, o STJ
afirmou o seguinte: o Google não precisa retirar de seus resultados as notícias de Laís relacionadas com a suposta
fraude no concurso. Mas para que esses resultados apareçam será necessário que o usuário faça uma pesquisa
específica com palavras-chaves que remetam à fraude. Por outro lado, se a pessoa digitar unicamente o nome
completo de Laís, sem qualquer outra informação, não se deve mais aparecer os resultados relacionados com este fato
desabonador que foi noticiado há muitos anos. Chegou-se, assim, a uma solução conciliadora: o STJ não determinou a
retirada do resultado do “índice” do Google; o Tribunal determinou apenas a “reordenação” do índice. Vale ressaltar
que a nova decisão do STJ neste REsp 1.660.168-RJ está em harmonia com o que foi recentemente decidido pelo
Tribunal de Justiça Europeu.

1.4. Inexistência do direito à indenização em razão da divulgação, no jornal, de imagem do cadáver morto
em via pública: o STF entendeu que o juiz assumiu o papel do jornalista e do jornal de escolher o conteúdo da
reportagem e ele próprio decidiu o que seria necessário ou não mostrar na matéria jornalística, realizando, assim,
restrição censória (censura) ao agir da imprensa. O fato noticiado existiu (é verídico) e o juiz condenou o jornal
unicamente por não ter feito o “sombreamento” da imagem divulgada e que, na sua visão, seria necessária para não
expor o cadáver. Assim, para o STF, não houve exercício irregular ou abusivo da liberdade de imprensa, que é
assegurada pela CF. A decisão das instâncias inferiores condenando o jornal vai contra a jurisprudência do STF que
garante a liberdade de informação jornalística e proíbe a censura (ADPF 130). Por isso, o STF julgou a ação
improcedente argumentando que condenar o jornal seria uma forma de censura, o que afronta a liberdade de
informação jornalística.

1.5. Homologação de acordo extrajudicial de retificação de registro civil:


 Fatos: Sandro, pensando que a criança recém-nascida era sua filha biológica, assim registrou a criança (Marcela).
Alguns anos depois, por meio de um exame de DNA feito em uma clínica particular, descobre-se que o pai biológico
da menor é, na verdade, João. Sandro (pai registral), João (pai biológico) e Marcela (representada por sua mãe Letícia)
celebraram um acordo extrajudicial de anulação de assento civil. Por meio deste instrumento, as partes acordaram que
haveria a retificação do registro civil da menor Marcela para que houvesse a substituição do nome de seu pai registral
Sandro pelo pai biológico (João), bem como a retificação do registro no que diz respeito aos respectivos avós
paternos. As partes ingressaram com pedido para que o juiz homologasse esse acordo.
 Decisão: Esse acordo não pode ser homologado pois foram descumpridos os requisitos e o procedimento previstos
na lei para essa finalidade: 1) Neste NJ, uma criança renunciou ao seu direito à filiação, transferindo essa situação
jurídica a um terceiro. 2) O NJ celebrado pelas partes teve como objeto um direito personalíssimo, sobre o qual não se
admite a transação, o que se depreende da interpretação a contrario sensu do art. 841 do CC. 3) Esse NJ não preenche
os requisitos básicos previstos no art. 104, II e III, do CC, pois se negociou objeto ILÍCITO – direitos da
personalidade de uma menor sem que tenha sido observada a forma prescrita em lei quando se trata de retificação de
registros civis. 4) Não se fez uma apuração mais aprofundada a respeito da existência de erro ou de falsidade do
registro da criança, condições indispensável para que se possa modificar o registro de nascimento, na forma do art.
1.604 do CC. 5) Em um caso desta natureza, não se pode relegar ao MP o papel de mero opinante no processo de
homologação. 6) Não se pode utilizar o exame de DNA realizado em clínica particular como meio de prova válido
para homologar o acordo extrajudicial, especialmente porque a prova pericial válida é aquela submetida ao crivo
judicial, em que se deve observar o efetivo contraditório e a ampla defesa, com a possibilidade de acompanhamento
da produção da prova por todos os atores do processo, com oportuna quesitação, diligências, participação do
assistente técnico e produção de laudos técnicos convergentes ou divergentes. 7) Deveria ter sido realizado um
estudos psicossocial para se verificar se existia ou não vínculo socioafetivo entre a criança e o pai registral.

1.6. A Súmula 403 do STJ é inaplicável para representação da imagem de pessoa como coadjuvante em
documentário que tem por objeto a história profissional de terceiro: Ação de indenização proposta por ex-goleiro
do Santos em virtude da veiculação indireta de sua imagem (por ator profissional contratado), sem prévia autorização,
em cenas do documentário “Pelé Eterno”. O autor alegou que a simples utilização não autorizada de sua imagem,
ainda que de forma indireta, geraria direito a indenização por danos morais, independentemente de efetivo prejuízo. O
STJ não concordou. A representação cênica de episódio histórico em obra audiovisual biográfica não depende da
concessão de prévia autorização de terceiros ali representados como coadjuvantes. O STF, no julgamento da ADI
4.815/DF, afirmou que é inexigível a autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou
audiovisuais bem como desnecessária a autorização de pessoas nelas retratadas como coadjuvantes. Além disso, a
Súmula 403/STJ é inaplicável às hipóteses de representação da imagem de pessoa como coadjuvante em obra
biográfica audiovisual que tem por objeto a história profissional de terceiro.
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1.7. Prescrição

Prazo prescricional na responsabilidade contratual é de 10 anos e na responsabilidade extracontratual é de 3 anos


 Responsabilidade civil extracontratual (reparação civil): 3 anos (art. 206, § 3º, V, do CC).
 Responsabilidade contratual (ilícito contratual): 10 anos (art. 205 do CC).
 Interpretação literal: todas as vezes em que o CC falou em “reparação civil”, ele tratou de casos relacionados com
a responsabilidade civil extracontratual. Quando o CC tratou sobre inadimplemento contratual (exs.: arts. 389 a 405),
ele não utilizou, em nenhum momento, a expressão “reparação civil”. Dessa forma, partindo-se de uma interpretação
literal do texto normativo, compreende-se que o termo “reparação civil” foi utilizado pelo legislador apenas quando
pretendeu se referir à responsabilidade extracontratual. Logo, o art. 206, § 3º, V, ao falar em “reparação civil”, está se
referindo tão somente à responsabilidade extracontratual.
 Interpretação com base nas diferenças entre os institutos: No D. privado brasileiro, a responsabilidade
extracontratual é historicamente tratada de modo distinto da contratual por um motivo muito simples: são fontes de
obrigações muito diferentes, com fundamentos jurídicos diversos. Essa diferença fática e jurídica impõe o tratamento
distinto do prazo prescricional, pois a violação a direito absoluto e o inadimplemento de um direito de crédito são
situações diferentes. Uma diferença, p. ex., está no grau de proximidade das partes envolvidas. Na responsabilidade
extracontratual (ex.: um atropelamento de trânsito), os sujeitos encontram-se em um grau maior de distanciamento.
Em outras palavras, as partes muitas vezes nem se conheciam antes do ato ilícito. Por outro lado, na responsabilidade
por inadimplemento contratual (descumprimento de contrato), as partes já se conheciam, havia uma relação prévia
entre elas, tanto que negociaram e fizeram um ajuste. Assim, normalmente, há um mínimo de confiança entre as
partes, e o dever de indenizar da responsabilidade contratual encontra seu fundamento na garantia da confiança
legítima entre elas.
 O Enunciado 419 do CJF está ultrapassado.

Pedido para analisar se existe mesmo o débito não pode ser considerado ato que interrompe a prescrição (art. 202,
VI, do CC): o pedido do devedor de concessão de prazo para analisar documentos com o fim de verificar a existência
de débito não tem o condão de interromper a prescrição. Para que se enquadre nesse inciso VI do art. 202, deve ter
sido praticado um ato que, de forma inequívoca (sem dúvidas), demonstre que o devedor reconheceu o direito do
credor. Assim, não serve para interromper a prescrição o ato do devedor que “(...) traduz simples possibilidade de que
tenha havido o reconhecimento”. O pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados pela ré só
poderia ser considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de receber) se este
pedido de prazo fosse para o devedor analisar o montante dos valores (quantia exata a ser paga) e não para analisar se
o serviço tinha sido ou não prestado (analisar a própria existência do débito).

2. BEM DE FAMÍLIA

2.1. Noções Gerais


 Espécies de bem de família No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família: a) bem de família
convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil); b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90).
 Bem de família legal: O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade
familiar. Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia
permanente. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como
residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim,
no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional).
 Proteção conferida ao bem de família legal: O bem de família legal é impenhorável e não responderá por
qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou
pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na Lei nº 8.009/90.
 Momento em que a impenhorabilidade deve ser arguida: Se alguém está sendo executado e é penhorado seu
bem de família, qual é o momento processual para que alegue a impenhorabilidade? O devedor deverá arguir a
impenhorabilidade do bem de família no primeiro instante em que falar nos autos após a penhora. Se o devedor não
alegar a impenhorabilidade do bem de família no momento oportuno, haverá preclusão? NÃO. A
impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, dela podendo conhecer o juízo a qualquer
momento, antes da arrematação do imóvel, desde que haja prova nos autos. Logo, mesmo que o devedor não tenha
arguido a impenhorabilidade no momento oportuno, é possível sua alegação desde que antes da arrematação do
imóvel (STJ).

2.2. Os direitos do devedor fiduciante sobre o imóvel objeto do contrato de alienação fiduciária em garantia
podem receber a proteção da impenhorabilidade do bem de família legal
 Alienação fiduciária: é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a
propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver
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àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato. O CC trata de modo genérico
sobre propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368- B. Há, porém, leis específicas que também regem o tema:
• alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;
• alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei 4.728/65 e DL 911/69. É o
caso, p. ex., de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.
Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC aplicam-se apenas de forma subsidiária.
 Alienação fiduciária de bem imóvel: o fiduciante toma dinheiro emprestado de outrem (fiduciário) e, como
garantia de que irá pagar a dívida, transfere a propriedade resolúvel de um bem imóvel para o credor, ficando este
obrigado a devolver ao devedor o bem que lhe foi alienado quando houver o adimplemento integral do débito. Como
consequência, ocorre o “desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor
indireto da coisa imóvel” (art. 23, p. u.). Resolve-se o negócio com pagamento integral da dívida garantida.
 Fatos: A celebra alienação fiduciária com o Banco B para a aquisição de um imóvel. A está pagando corretamente
as parcelas ao Banco B, mas se endivida com um terceiro. O terceiro ajuíza execução de título extrajudicial e penhora
em favor do terceiro, os direitos que A possui sobre o imóvel alienado fiduciariamente. Assim, a penhora não recaiu
sobre a propriedade do imóvel (considerando que A não a tem). A penhora recaiu tão somente sobre os direitos
obrigacionais que o devedor fiduciante possui sobre o imóvel.
 Direito: Mesmo sem previsão legal expressa, isso já era permitido na vigência do CPC/73. Agora, contudo, o art.
835, XII do CPC/15 consagrou essa possibilidade. Isso é útil ao terceiro, pois os direitos decorrentes de promessa de
compra e venda de unidade imobiliária, ou de alienação fiduciária de bem imóvel podem ser objeto de alienação –
algo comum no mercado, e que é negociado por meio de CRIs (certificado de recebíveis imobiliários), negociados em
bolsa.
 Impenhorabilidade: A alegou que o imóvel que está alienado fiduciariamente é o local onde ele mora com sua
esposa. Logo, deve ser considerado bem de família, nos termos do art. 1º da Lei 8.009/90. Sendo bem de família, é
impenhorável (art. 3º da Lei). O juiz negou a liberação da penhora alegando, entre outras razões, que o art. 1º da Lei
8.009/90 exige que o imóvel pertença ao devedor, o que não é o caso, considerando que o bem pertence ao banco. A
recorreu ao STJ.
 Decisão do STJ: o STJ entendeu que os direitos do devedor fiduciante sobre imóvel objeto de contrato de
alienação fiduciária em garantia possuem a proteção da impenhorabilidade do bem de família legal. O STJ afastou a
interpretação literal, devendo ser considerados os propósitos sociais tutelados pela Lei nº 8.009/90. Assim, levando
em consideração esses propósitos sociais, conclui-se que a Lei nº 8.009/90 tem por objetivo proteger a posse da
família sobre o imóvel utilizado para a sua moradia, ainda que não tenha o título de propriedade. Desse modo, a
exegese (interpretação) que melhor representa o objetivo da Lei é aquela que entende que a expressão “imóvel
residencial próprio” engloba a posse advinda de contrato celebrado com a finalidade de transmissão da propriedade, a
exemplo do compromisso de compra e venda ou de financiamento de imóvel para fins de moradia. Isso porque não se
pode perder de vista que a proteção abrange o imóvel em fase de aquisição, sob pena de impedir que o devedor
adquira o bem necessário à habitação da entidade familiar. No caso, trata-se de contrato de alienação fiduciária em
garantia, no qual, havendo a quitação integral da dívida, o devedor fiduciante consolidará a propriedade para si (art.
25, caput, da Lei nº 9.514/97). Assim, havendo a expectativa da aquisição do domínio, deve prevalecer a regra de
impenhorabilidade.

2.3. Exceção do inciso V do art. 3º da Lei do Bem de Família


 Hipoteca: é uma espécie de direito real de garantia, disciplinada nos arts. 1.473 a 1.505 do CC. Se a parte que deu
o bem em hipoteca não cumprir a sua obrigação, o credor poderá executar a hipoteca, hipótese na qual o imóvel dado
em garantia será alienado e o valor obtido utilizado para pagar o débito. Cf. o art. 3º, V da Lei 8.009/90, em regra, é
possível a penhora do imóvel que tiver sido oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.
 Interpretação do inciso V pelo STJ: O STJ ao interpretar esse inciso, faz a seguinte distinção:
1) Se o imóvel foi dado em garantia de uma dívida que beneficiou o casal ou entidade familiar: este bem poderá ser
penhorado. A situação se enquadra no inciso V. Ex: A toma um empréstimo junto ao banco (contrato de mútuo) a fim
de pagar a faculdade de sua filha. Ele oferece o seu apartamento em hipoteca como garantia da dívida. Se A deixar de
pagar as prestações, o banco poderá executar a hipoteca, ou seja, vender o apartamento e utilizar o dinheiro para quitar
o saldo devedor. Trata-se de situação que se enquadra no inciso V (é uma exceção à proteção do bem de família).
2) Se o imóvel foi dado em garantia de uma dívida que beneficiou um terceiro: este bem NÃO poderá ser penhorado.
A situação NÃO se enquadra no inciso V. Ex: B toma um empréstimo junto ao banco a fim de pagar tratamento
médico de seu filho. Ele precisava dar uma garantia real para o caso de não pagar as parcelas do mútuo. Como não
tinha nenhum bem para oferecer em garantia, pediu ajuda a seu amigo C. Assim, C ofereceu a sua casa em hipoteca
como garantia de uma dívida de terceiro (B). Se B não conseguir pagar as parcelas combinadas, o banco NÃO poderá
executar a hipoteca e vender a casa. Isso porque se trata de bem de família e NÃO se enquadra na exceção do inciso V
do art. 3º
Desse modo, para a jurisprudência do STJ, a exceção prevista no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/90 não se aplica aos casos
em que a hipoteca é dada como garantia de empréstimo contraído em favor de terceiro, somente quando garante
empréstimo tomado diretamente em favor do próprio devedor.
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 Se o bem de família foi dado pelo casal como garantia de dívida contraída por PJ, ele poderá ser penhorado em
caso de inadimplemento? Depende:
1) Se apenas um dos cônjuges for sócio da pessoa jurídica: em regra, o bem será impenhorável: O bem de família é
IMPENHORÁVEL quando for dado em garantia real de dívida por um dos sócios da pessoa jurídica, cabendo ao
credor o ônus da prova de que o proveito se reverteu à entidade familiar. Ex.: Lúcio e Carla são casados e moram em
um apartamento com os filhos. Lúcio é sócio da empresa LT. O outro sócio é seu amigo Tiago. A empresa LT
contraiu um empréstimo para comprar equipamentos e Lúcio deu em garantia o imóvel em que reside. Ainda que
dado em garantia de empréstimo concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel (bem de família), já que não se
pode presumir que o mútuo tenha sido concedido em benefício da família.
2) Se os cônjuges forem os únicos sócios da pessoa jurídica devedora: O bem de família é PENHORÁVEL quando os
únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos proprietários a
demonstração de que não se beneficiaram dos valores auferidos. Ex.: Sandro e Michele, casados entre si, são os dois
únicos sócios da sociedade empresária SM Comércio Ltda. A empresa SM contraiu um empréstimo junto ao banco
(contrato de mútuo). O casal deu o apartamento em que mora como garantia da dívida (garantia hipotecária). Se o
empréstimo não for pago, o banco poderá executar e penhorar o apartamento.

2.4. Exceção do inciso VII do art. 3º da Lei do Bem de Família


 O STF decidiu que o art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 é constitucional , não violando o direito à moradia (art. 6º da CF)
nem qualquer outro dispositivo da CF. O STJ, por sua vez, editou um enunciado sobre o tema: Súmula 549-STJ: É
válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.
 Impenhorabilidade em caso de locação comercial : decidiu o STF que não é penhorável o bem de família do fiador
no caso de contratos de locação comercial. Segundo o Min. Marco Aurélio, apesar de a lei não distinguir o tipo de
locação, não se pode potencializar a livre iniciativa em detrimento de um direito fundamental que é o direito à
moradia.
 Resumo: O bem de família (casa, apartamento etc.) do fiador de um contrato de locação pode ser penhorado caso o
locatário não pague os alugueis? A) Se a locação é residencial: SIM Em tese, o fiador irá perder o bem de família. É
uma exceção à impenhorabilidade do bem de família. Ex: Rui é locatário de um apartamento onde mora. João foi seu
fiador. Se Rui não pagar o aluguel, o bem de família de João pode ser penhorado
B) Se a locação é comercial: NÃO. O fiador não irá perder o bem de família. Não é exceção à impenhorabilidade do
bem de família.. Ex: Pedro é locatário de uma sala comercial, onde montou uma loja. Ricardo foi seu fiador. Mesmo
que Pedro não pague o aluguel, o bem de família de Ricardo não poderá ser penhorado.

3. OBRIGAÇÕES

3.1. Juros
 Fatos: Dr. Marcelo era advogado de Maria em uma ação por ela proposta contra a empresa X. Maria sagrou-se
vencedora. Marcelo, na condição de seu advogado, fez o levantamento do alvará judicial, mas não lhe repassou todo o
valor devido, apropriando-se de parte dos valores que ela teria direito. Diante disso, Maria constituiu outro advogado
e, em março de 2017, ingressou com ação de cobrança contra Marcelo. Vale ressaltar que Marcelo fez isso com
centenas de outros clientes, tendo sido, inclusive, alvo de operação policial deflagrada para apurar o caso. Em razão
dos fatos, o MP ajuizou ACP contra Marcelo a fim de que ele devolva todos os valores retidos ilegalmente de seus
antigos clientes. Em setembro de 2017, o juiz desta ACP, cautelarmente, determinou o bloqueio de todos os bens de
Marcelo. Em outubro de 2017, o juízo responsável pela ação proposta por Maria julgou procedente a pretensão e
condenou Marcelo a: a) ressarcir integralmente os valores sacados, acrescidos de juros de mora e correção monetária;
b) pagar indenização de R$ 10 mil a título de danos morais, acrescidos de juros de mora e correção monetária.
 Qual foi o termo inicial dos juros de mora neste caso? Da data em que Marcelo ficou indevidamente com os
valores? NÃO. Reconhecido o abuso de mandato por desacerto contratual, em razão de o advogado ter repassado
valores a menor para seu mandatário, o marco inicial dos juros moratórios é a data da citação. O termo inicial dos
juros moratórios deve ser determinado a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes. No caso,
tratando-se de mandato, a relação jurídica tem natureza contratual, sendo o termo inicial dos juros moratórios a data
da citação (art. 405 do CC).
 E o termo final dos juros de mora? O juiz determinou que os juros de mora deveriam incidir até o efetivo
pagamento.
 Recurso do réu: Marcelo recorreu contra a sentença alegando: está errado o termo final dos juros moratórios. Isso
porque todos os meus bens foram bloqueados na ACP. Essa decisão de indisponibilidade na ACP interrompe a
incidência dos juros moratórios. Como na ACP são discutidos os mesmos fatos, deve-se entender que o bloqueio que
ocorreu naquele processo representa uma forma de “depósito integral para garantia do juízo”. É como se eu tivesse
depositado em juízo todo o valor que dizem que eu devo. Ora, se houve depósito integral para garantia do juízo, não
há mais mora de minha parte. Não havendo mais mora, não há que se falar em juros de mora. Logo, se a sentença for
confirmada e eu tiver que pagar realmente a indenização, este valor terá que ser exigido de mim sem juros moratórios.
Em suma, deve-se considerar como termo final dos juros moratórios a data do bloqueio judicial ocorrido na ACP.
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 Essa tese de Marcelo foi acolhida pelo STJ? NÃO. A mera notícia de decisão judicial determinando a
indisponibilidade forçada dos bens do réu, no cerne de outro processo, com objeto e partes distintas, não possui o
condão de interromper a incidência dos juros moratórios. No caso concreto, não houve o depósito integral para
garantia do juízo espontaneamente realizado pelo réu. O que houve foi a mera notícia da indisponibilidade forçada de
seus bens, que teria sido determinada em outra ação, com outro objeto e outras partes. O aludido bloqueio patrimonial
configura medida constritiva, de natureza preventiva, que não se confunde com a sistemática do depósito judicial em
garantia e não caracteriza a satisfação voluntária da obrigação. A constrição só impede que o réu promova atos
tendentes a dilapidar seu patrimônio, causando ainda maiores prejuízos aos seus credores. Ademais, o patrimônio
bloqueado não guarda nenhuma relação direta com o crédito da autora, objeto da presente demanda, tampouco está à
sua disposição para levantamento. Assim, esse dinheiro, bloqueado em outra ação, não está à disposição de Maria.
Inexiste fundamento jurídico plausível para a interrupção da mora antes do efetivo pagamento da indenização. A
autora não pode ser prejudicada pelo fato de o réu ter praticado a mesma conduta ilícita com centenas de outras
pessoas a ponto de gerar um bloqueio judicial de seu patrimônio no âmbito de outra demanda, da qual a vítima nem
mesmo é parte. Se essa interrupção da mora fosse admitida, o réu estaria sendo beneficiado pela sua própria torpeza.
Vale ressaltar que não há nem mesmo certeza que o valor bloqueado na ACP será suficiente p/ indenizar todas as
vítimas dos ilícitos do réu.

3.2. Possibilidade de redução de ofício da cláusula penal manifestamente excessiva


 Fatos: João celebrou contrato com Pedro por meio do qual este se obrigou a pintar um quadro. Quando a obra
estivesse pronta, Pedro receberia R$ 100 mil. Pedro não entregou o quadro no prazo estipulado. Diante disso, João
ingressou com ação de obrigação de fazer, pedindo a condenação de Pedro a cumprir o contrato. Pedro contestou a
demanda sob a alegação de que não estava mais encontrando inspiração para pintar. O juiz julgou improcedente o
pedido afirmando que, por se tratar de obrigação personalíssima, não seria possível exigir o cumprimento, devendo
a questão ser resolvida pela cobrança do pagamento da cláusula penal. O contrato previa multa de 20% sobre o
valor do ajuste (R$ 20k). O juiz, contudo, entendeu que a cláusula penal era excessiva e, de ofício, reduziu-a para
R$ 10k.
 O juiz deve reduzir, de ofício, a cláusula penal contratada, por considerá-la excessiva? SIM. Constatado o
caráter manifestamente excessivo da cláusula penal contratada, o juiz deverá, independentemente de requerimento
do devedor, proceder à sua redução. A cláusula penal é fixada por meio de ajuste de vontade entre as partes. Apesar
disso, não se pode dizer que a sua fixação fique ao total e ilimitado alvedrio (arbítrio, livre vontade) dos
contratantes. O CC prevê normas de ordem pública, imperativas e cogentes, que possuem o objetivo de preservar o
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, afastando excessos que gerem enriquecimento sem causa de qualquer
uma das partes. Entre tais normas, destaca-se o art. 413 do CC. Vale ressaltar que não se trata de uma faculdade do
juiz, mas sim de um poder/dever do magistrado de coibir os excessos e os abusos que venham a colocar o devedor
em situação de inferioridade desarrazoada. Superou-se, assim, o princípio da imutabilidade absoluta da pena
estabelecida livremente entre as partes, que, à luz do código revogado, somente era mitigado em caso de
inexecução parcial da obrigação. O controle judicial da cláusula penal abusiva consiste, portanto, em uma norma de
ordem pública, que tem como objetivos concretizar o princípio da equidade (preservação da equivalência material
do pacto) e impor o paradigma da eticidade aos negócios jurídicos. Há 2 enunciados doutrinários sobre o tema:
Enunciado 356 - CJF: Nas hipóteses previstas no art. 413 do CC, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício.
Enunciado 355 - CJF: Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer
qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do CC, por se tratar de preceito de ordem pública. Ademais, importante
destacar o disposto no p. u. do art. 2.035 do CC, segundo o qual “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar
preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos”.
 A sentença não é extra petita : Como a redução da cláusula penal é uma norma de ordem pública, ela pode ser
conhecida de ofício pelo magistrado, ante sua relevância social decorrente dos escopos de preservação do equilíbrio
material dos contratos e de repressão ao enriquecimento sem causa. Logo, diante disso, não há violação ao
princípio da adstrição (o chamado vício de julgamento extra petita).

3.3. Lucro da intervenção e caso Giovanna Antonelli


 Fatos: Uma “farmácia de manipulação” utilizou o nome e a imagem da atriz Giovanna Antonelli, indevidamente
e sem a sua autorização, em propagandas de um remédio para emagrecer chamado “Detox”. Essas propagandas
foram divulgadas em sites na internet e nelas aparece a foto da atriz com uma frase embaixo entre aspas dizendo
que ela teria utilizado o remédio para perder peso depois da gravidez. Ocorre que Giovanna nunca tinha ouvido
falar no produto e não autorizou a propaganda. Diante disso, a atriz ajuizou ação de indenização contra a empresa
responsável. Na ação, a autora pediu: a) a indenização por danos morais; b) a indenização por danos materiais; e c)
a restituição de todos os benefícios econômicos que a ré obteve na venda de seus produtos (restituição do “lucro da
intervenção”).
 Decisão: todos os pedidos foram acolhidos. Houve violação e ela não precisa provar o prejuízo, cf. a Súmula
403 do STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa
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com fins econômicos ou comerciais”. Vale ressaltar que, além do dever de reparação dos danos morais e materiais
causados pela utilização não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais, nos termos da
Súmula 403-STJ, o titular do bem jurídico violado tem também o direito de exigir do violador a restituição do lucro
que este obteve às custas daquele (“lucro da intervenção”).
 Lucro da intervenção: é o “lucro obtido por aquele que, sem autorização, interfere nos direitos ou bens jurídicos
de outra pessoa e que decorre justamente desta intervenção”. Trata-se, portanto, de uma vantagem patrimonial
obtida indevidamente com base na exploração ou aproveitamento, de forma não autorizada, de um direito alheio.
Ex. um jóquei que subtrai um cavalo, contra as ordens do dono, para participar de uma corrida, e acaba saindo
vencedor. O jóquei recebe um valioso prêmio pela conquista, e retorna o cavalo ileso à baia. O dono do cavalo não
experimentou dano, pois o cavalo não estava destinado àquela corrida e, de todo modo, o animal retornou ileso. O
jóquei, por outro lado, lucrou significativamente com a prática do ato ilícito. Ainda que se considerasse que o dono
teria experimentado um dano correspondente ao aluguel do cavalo, mesmo assim o lucro obtido pelo jóquei seria
muito mais significativo do que o dano causado. Esse lucro, ou essa diferença entre o lucro e o dano, é o que se
denomina lucro da intervenção.
 Dever de restituição do lucro da intervenção : é o dever de restituir (pagar) aquilo que foi indevidamente
auferido (lucrado) às custas de outrem.
 Lucro da intervenção x princípio da reparação integral : um dos eixos da RC é o princípio da reparação integral
do dano. Ele, ao contrário do que muita gente pensa, não protege apenas a vítima, mas também o autor do ilícito.
Isso porque o princípio da reparação integral significa “reparar todo o dano, mas não mais que o dano”, ou seja,
nem menos nem além do prejuízo. Nesse ponto, surge um aparente conflito entre o lucro da intervenção e o
princípio da reparação integral do dano. Isso porque ao se aplicar o instituto do lucro da intervenção, em
determinadas hipóteses, a vantagem patrimonial obtida pela vítima superará o próprio prejuízo sofrido.
 Como a doutrina resolve isso: o dever de restituição do lucro da intervenção não é um instituto de RC, ou seja,
ele não está submetido às regras de RC (dentre elas o princípio da reparação integral). Esse dever de restituição do
lucro da intervenção existe no ordenamento jurídico com fundamento na proibição do enriquecimento sem causa
(art. 884 do CC). Se o indivíduo que praticou o lucro da intervenção não indenizar a vítima apenas pelos prejuízos
que esta sofreu, é capaz de ele ainda sair no “lucro”. Vai ter valido “a pena” violar o direito de outrem. Por outro
lado, se a vítima receber mais do que teve de prejuízo, estará sendo violado o princípio da reparação integral. Logo,
é preferível a vítima receber mais sim e justificar essa solução no princípio que veda o enriquecimento sem causa.
Essa mesma conclusão (e enquadramento) do Enunciado 620/CJF: “A obrigação de restituir o lucro da intervenção,
entendido como a vantagem patrimonial auferida a partir da exploração não autorizada de bem ou direito alheio,
fundamenta-se na vedação do enriquecimento sem causa”. É aquilo que a doutrina alemã chama de enriquecimento
por intervenção (Eingriffskondiktion). Desse modo, o dever de restituição do lucro da intervenção surge não só
como um meio de preservar a livre disposição de direitos, mas também como uma forma de inibir a prática de atos
contrários ao ordenamento jurídico naquelas hipóteses em que a reparação dos danos causados, ainda que integral,
não se mostra adequada a tal propósito. Assim, o dever de restituição do lucro da intervenção serve para dois
propósitos: • preserva a livre disposição de direitos (no caso, a atriz não queria que sua imagem fosse vinculada a
esse produto sem a sua autorização); e • atua como meio dissuasório (meio de desestimular) que a pessoa usurpe
direitos de outrem e ainda saia no lucro mesmo se condenado a indenizar.
 Cumulação de pedidos: a ação de restituição por enriquecimento sem causa tem caráter subsidiário, ou seja, só
deve ser manejada se a lei não prever outro meio (art. 886 do CC). No caso da restituição do lucro da intervenção,
como já dito, não existe outro meio, considerando que a mera ação de indenização esbarraria no limite do princípio
da reparação integral do dano. Logo, a parte, para obter a restituição do lucro da intervenção obrigatoriamente terá
que formular pedido de restituição por enriquecimento sem causa. Diante disso, o STJ afirmou: em tais casos, a
vítima deverá fazer a cumulação de ações (cumulação de pedidos). Assim, ela proporá uma ação com 2 pedidos
distintos: • pedido de reparação dos danos pela aplicação das regras da responsabilidade civil. Neste caso, a
indenização ficará limitada ao efetivo prejuízo suportado pela vítima; e • pedido de restituição do lucro da
intervenção (restituição do ganho indevidamente auferido). Este 2º pedido será baseado na vedação ao
enriquecimento sem causa e pode ultrapassar o montante do prejuízo da vítima, já que não estará vinculado ao
princípio da reparação integral. Assim, a conjugação dos 2 institutos (reparação dos danos morais e materiais +
restituição do que o réu lucrou ao associar a imagem da autora ao produto) é plenamente admitida, não sendo
obstada pela subsidiariedade da ação de enriquecimento sem causa. Isso porque a RC não tutela nada além dos
prejuízos efetivamente sofridos pela vítima do evento danoso, enquanto que o enriquecimento ilícito se encarrega
apenas de devolver o lucro obtido em decorrência da indevida intervenção no direito de imagem de outrem ao seu
verdadeiro titular.
 Para ter direito de receber a quantia por enriquecimento sem causa, é necessário que a vítima prove que sofreu
um dano? É necessária a existência de deslocamento patrimonial (dinheiro saiu da vítima e foi para o autor)? NÃO.
Para a configuração do enriquecimento sem causa por intervenção, não se faz imprescindível a existência de
deslocamento patrimonial, com o empobrecimento do titular do direito violado. No exemplo, a atriz terá direito à
restituição do lucro da intervenção mesmo sem prova de que teve algum prejuízo. Basta a demonstração de que
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houve enriquecimento indevido do interventor/violador. Nesse sentido: Enunciado 35/CJF: A expressão “se
enriquecer à custa de outrem” do art. 886 do CC não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento.
 Como é feita a quantificação do lucro da intervenção? Como definir o quanto deverá ser “devolvido” (pago) ao
titular do direito violado? Há 2 critérios que poderiam ser utilizados: a) Lucro real (enriquecimento real): é o valor
do uso do bem ou do direito que foi violado. Ex.: valor que a Giovanna Antonelli cobraria para aparecer em uma
campanha publicitária como essa. b) Lucro patrimonial (enriquecimento patrimonial): compara-se o patrimônio do
violador antes e depois. O que aumentou com a violação é o lucro da intervenção. Para a maioria da doutrina, o
critério mais adequado é o do enriquecimento patrimonial, considerando que ele é o que melhor permite acabar, de
forma específica, com o enriquecimento obtido pelo violador. Disse o STJ: “A quantificação do lucro da
intervenção deverá ser feita por meio de perícia realizada na fase de liquidação de sentença, devendo o perito
observar os seguintes critérios: a) apuração do quantum debeatur com base no denominado lucro patrimonial; b)
delimitação do cálculo ao período no qual se verificou a indevida intervenção no direito de imagem da autora; c)
aferição do grau de contribuição de cada uma das partes e d) distribuição do lucro obtido com a intervenção
proporcionalmente à contribuição de cada partícipe da relação jurídica”.

4. RESPONSABILIDADE CIVIL

As agressões praticadas por jogador contra árbitro de futebol, durante final de importante campeonato
transmitida para todo o país, podem gerar indenização por danos morais: Agressões físicas e verbais perpetradas
por jogador profissional contra árbitro de futebol, na ocasião de disputa de partida de futebol, constituem ato ilícito
indenizável na Justiça Comum, independentemente de eventual punição aplicada na esfera da Justiça Desportiva.
Caso concreto: na final do campeonato paulista de 2015, o jogador Dudu do Palmeiras, após ser expulso, empurrou
as costas do árbitro e proferiu xingamentos contra ele. Vale ressaltar que a conclusão acima exposta não é a regra,
ou seja, não é toda agressão em uma partida de futebol que gerará indenização por danos morais. O STJ entendeu,
na situação concreta, que a conduta do jogador transbordou o mínimo socialmente aceitável em partidas de futebol.
Além disso, o evento no qual as agressões foram perpetradas, final do Campeonato Paulista de Futebol, envolvendo
2 dos maiores clubes do Brasil, foi televisionado para todo o país, o que evidencia sua enorme audiência e, em
consequência, o número de pessoas que assistiram o episódio.
Obs.: Justiça Desportiva: A CF (art. 217, § 1º) e a Lei 9.615/98 (denominada “Lei Pelé”) preveem que a
competência da Justiça Desportiva limita-se a transgressões de natureza eminentemente esportivas, relativas à
disciplina e às competições desportivas. É importante esclarecer, inclusive, que, apesar do nome Justiça Desportiva,
o STJD e as demais instâncias da Justiça Desportiva não integram o Poder Judiciário. Trata-se de uma instituição
de direito privado, que tem como atribuição resolver as questões de natureza desportiva definidas no Código
Brasileiro de Justiça Desportiva. No caso, porém, o STJ entendeu que a infração praticada pelo jogador transbordou
os limites desportivos, sendo um caso “excepcionalíssimo”, razão pela qual pode ser submetido ao crivo do Poder
Judiciário Estatal. A conduta do jogador, além de transgredir as regras que norteiam as competições de futebol,
também ofendeu a honra e a imagem do árbitro.

É possível que o juiz utilize presunções e regras de experiência para a comprovação do dano moral da PJ: Não
se admite que o dano moral de PJ (ou seja, à sua honra objetiva) seja considerado como in re ipsa, sendo necessária
a comprovação nos autos do prejuízo sofrido. Apesar disso, é possível a utilização de presunções e regras de
experiência para a configuração do dano, mesmo sem prova expressa do prejuízo, o que sempre comportará a
possibilidade de contraprova pela parte ou de reavaliação pelo julgador. Ex.: caso a PJ tenha sido vítima de um
protesto indevido de cambial, há uma presunção de que ela sofreu danos morais. *Atenção: existem julgados em
sentido contrário, ou seja, dizendo que PJ pode sofrer dano moral in re ipsa. Nesse sentido: “O dano moral por uso
indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de
conduta ilícita, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do
efetivo abalo moral”. (STJ. 4ª Turma. J. em 28/11/2017).

Acidente de carro sem vítimas: danos morais devem ser provados: Os danos decorrentes de acidentes de veículos
automotores sem vítimas não caracterizam dano moral in re ipsa. Vale ressaltar, porém, que é possível a
condenação de danos morais em casos de acidente de trânsito. Trata-se de situação excepcional, em que é
necessário que a parte demonstre circunstâncias peculiares que indiquem o extrapolamento da esfera
exclusivamente patrimonial.

Atraso de voo internacional não gera dano moral in re ipsa: Considerar que o atraso do voo gera dano moral
presumido, seria dizer que, obrigatoriamente, o passageiro sofreu um abalo que maculou a sua honra e dignidade
pelo fato de a aeronave não ter partido na exata hora constante do bilhete. Não há, portanto, razoabilidade nesta
conclusão. Há, porém, casos em que pode haver sim dano. As circunstâncias do caso concreto servirão para que o
juiz analise se houve ou não o dano moral. Exs. de particularidades que devem ser analisadas: a) a real duração do
atraso; b) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; c) se foram prestadas a
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tempo e modo, informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos
inerentes à ocasião; d) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for
considerável; e) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no
destino.

É possível a indenização por danos morais em novo processo judicial em razão de descumprimento de ordem
judicial em processo anterior, mesmo que tenha sido fixada multa cominatória
 Fatos: João celebrou contrato de mútuo com o Banco “X”. Em março de 2017, o mutuário deixou de pagar as
prestações e o banco o inscreveu no cadastro de inadimplentes. Em maio de 2017, João ajuizou ação revisional de
contrato contra o banco alegando que havia cláusulas abusivas no pacto. Em junho de 2017, o juiz concedeu a
liminar determinando a retirada do nome de João do cadastro de inadimplentes, sob pena de multa diária de R$
250,00. Ocorre que, apesar de devidamente intimado, o banco não cumpriu a ordem judicial e não retirou o nome
do autor do SERASA. Diante disso, João ajuizou uma nova ação contra o banco, desta vez pedindo a indenização
por danos morais em virtude do descumprimento da ordem judicial e não retirada de seu nome do cadastro de
inadimplentes. O banco contestou a demanda afirmando que, havendo fixação de multa por descumprimento de
ordem judicial em demanda pretérita envolvendo as partes, não há como prosperar a pretensão indenizatória em
razão de descumprimento de tal provimento. Isso porque a multa fixada teria caráter compensatório e punitivo.
 Decisão: É cabível o pedido de indenização por danos morais pelo descumprimento de ordem judicial em ação
pretérita envolvendo as mesmas partes, onde foi fixada multa cominatória. A multa cominatória tem cabimento nas
hipóteses de descumprimento de ordens judiciais, sendo fixada com o objetivo de compelir a parte ao cumprimento
daquela obrigação. Por outro lado, a indenização visa a reparar o abalo moral sofrido por conta da verdadeira
agressão ou atentado contra a dignidade humana. Encontra justificativa no princípio da efetividade da tutela
jurisdicional e na necessidade de se assegurar o pronto cumprimento das decisões judiciais cominatórias.
Considerando, assim, que os institutos em questão têm natureza jurídica e finalidades distintas, é possível a
cumulação.

5. CONTRATOS

5.1. Evicção

É dever do alienante transmitir ao adquirente o direito sem vícios, de forma que se caracteriza a evicção se
existir um gravame que impede a transferência do bem
 Evicção: v. parte teórica no livro.
 Fatos: João queria vender seu carro e, para tanto, deixou o automóvel no pátio da empresa AutoSeller, que
trabalha com a intermediação de compra e venda de veículos seminovos. Rafaela foi até a empresa AutoSeller e se
interessou pelo carro de João que estava ali exposto, decidindo comprá-lo. Rafaela entregou o dinheiro, no entanto,
antes que conseguisse transferir o carro para o seu nome, houve um bloqueio judicial do veículo em razão de uma
dívida de João. Diante disso, a AutoSeller foi obrigada a ingressar com embargos de terceiro (*engloba posse)
tendo, depois de alguns meses, conseguido a liberação do bem. Ocorre que Rafaela desistiu do negócio, tendo a
AutoSeller reembolsado a antiga adquirente. Nesse cenário, a AutoSeller ingressou com ação de cobrança contra
João pedindo o ressarcimento dos danos sofridos, por intermediar a compra e venda de automóvel que foi
bloqueado por ordem judicial, impossibilitando a transferência da propriedade e ensejando a resolução do contrato
pela adquirente.
 Decisão: A ação deverá ser julgada procedente, pois houve evicção neste caso e a empresa deve ser ressarcida.
O juiz deverá determinar que as partes voltem a seu estado inicial, com a devolução do automóvel a João, a
restituição do valor a Rafaela e o ressarcimento dos danos que a AutoSeller experimentou.
 Há indenização mesmo o automóvel tendo sido, ao final, liberado? SIM. O fato de haver decisão judicial
liberando o bem não elimina o direito da empresa de ser indenizada pelos prejuízos que sofreu. Isso porque ela teve
que contratar advogado e fazer outras despesas para recuperar a posse do bem, além de ter tido que restituir os
valores que haviam sido pagos pela adquirente. Neste caso, é possível falar em evicção mesmo não tendo havido
“perda da coisa”? SIM. Tradicionalmente, fala-se que a evicção é a perda da coisa. No entanto, a Min. Nancy
Andrigui explica que a evicção não se configura apenas com a “perda da coisa” em si, mas sim com a privação de
um direito que incide sobre a coisa. Esse direito pode ser não apenas sobre a propriedade, mas também sobre a
posse. Assim, ocorre a evicção quando há privação do direito de propriedade ou de posse sobre a coisa. E essa
privação pode ser total ou parcial. A inclusão de um gravame sobre a coisa é um exemplo de privação parcial que
incide sobre o bem. O fato de ter sido constituído um gravame sobre o bem, tornando necessário o ajuizamento de
embargos de terceiro para que se pudesse obter a respectiva liberação evidencia que houve o rompimento da
sinalagmaticidade das prestações. Isso porque pelo contrato, o alienante deveria ter transmitido o bem livre de
qualquer restrição, sob pena de responder pela evicção. Em palavras mais simples, o alienante não cumpriu a sua
parte da obrigação.
61
5.2. Mútuo feneratício e descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato
 Fatos: João celebrou contrato de mútuo com um banco por meio do qual tomou emprestado R$ 100 mil, com a
obrigação de devolver a quantia principal mais juros remuneratórios. Ele pagou durante 6 meses as prestações do
empréstimo. Ocorre que o advogado de João percebeu que havia uma nulidade no contrato. Diante disso, ajuizou
uma ação declaratória de nulidade do contrato c/c repetição de indébito. Vale ressaltar que João pediu ao juiz para
condenar o banco a restituir a quantia principal cobrada indevidamente (6 parcelas) acrescida dos mesmos juros que
a instituição cobrou dele. Assim, o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês. Logo, João pediu para receber de volta
o valor acrescido de 11% ao mês.
 Decisão: o pedido de João não foi acolhido. O mutuário não terá direito de receber os valores pagos acrescidos
de juros remuneratórios no mesmo percentual que era previsto no contrato para ser cobrado pelo banco mutuante. E
o mutuário, além do principal, terá direito de receber alguma taxa de juros remuneratórios? O STJ resolveu não
decidir isso ainda neste recurso especial considerando que ainda não havia uma posição sedimentada do Tribunal a
respeito. Desse modo, a única conclusão que o STJ já firmou é a de que, em caso de repetição de indébito
envolvendo mútuo feneratício praticado por instituições financeiras mutuantes, o mutuário não terá direito de
receber de volta a quantia acrescida dos mesmos encargos que são cobrados pelos bancos. Assim, por exemplo, se
o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês, o mutuário não terá direito de receber o principal mais 11% ao mês. As
decisões judiciais que determinarem essa equivalência, serão reformadas com base nesse entendimento do STJ.
Não foi definido, contudo, ainda, o quanto o mutuário terá direito.
 Lucro da intervenção e a situação do mútuo bancário : Já vimos lucro da intervenção anteriormente. O lucro da
intervenção também pode ser vislumbrado no caso dos bancos que praticam taxas de juros bem mais altas do que a
taxa legal. A instituição financeira acaba auferindo vantagem dessa diferença de taxas, mesmo que seja obrigada a
restituir ao mutuário o indébito com base na taxa legal. Ex.: imaginemos que o banco cobrou juros de 11% ao mês.
Decretada a invalidade do contrato, o banco é condenado a restituir o mutuário acrescido dos juros legais. Ocorre
que os juros legais são bem inferiores aos juros que foram cobrados pelo banco. Assim, mesmo sendo condenado a
restituir, os bancos teriam lucrado com a operação. Poderíamos dizer que se trata do lucro da intervenção.
 Pagar a vítima toda a quantia referente ao lucro da intervenção seria uma solução correta? NÃO. Alguns podem
estar pensando que a solução seria simplesmente entregar p/ a vítima a quantia auferida como “lucro da
intervenção”. Isso não é, contudo, totalmente correto. Não se pode simplesmente determinar que a vítima receba
integralmente o lucro da intervenção, pois neste caso ela estará recebendo mais do que teria direito, considerando
que seu prejuízo foi “x” e ela estaria recebendo “x” + o lucro da intervenção. Isso contraria a função indenitária do
princípio da reparação integral. Em nosso ex., se João recebesse a quantia principal mais os juros iguais aos
cobrados pelo banco, João não estaria sendo restituído ao status quo ante. Ele estaria lucrando (e bastante) com a
restituição, pois os juros bancários são altos. No ex. do jóquei, se ele fosse condenado a pagar ao dono do cavalo o
valor integral do prêmio, essa medida seria excessiva, uma vez que a habilidade do jóquei também contribuiu para
o sucesso no torneio.

5.3. Mandato

Análise jurídica da conduta de advogado que celebrou acordo prejudicial ao cliente em virtude de ajuste espúrio
realizado com a parte contrária
 Fatos: advogado celebrou acordo prejudicial ao cliente, por meio do qual renunciou a crédito consolidado em
sentença com remota possibilidade de reversão, em virtude de ajuste espúrio realizado com a parte contrária.
 Decisão: nas ações de indenização do mandante contra o mandatário incide o prazo prescricional de 10 anos,
previsto no art. 205 do CC, por se tratar de responsabilidade proveniente de relação contratual. Neste caso, o prazo
prescricional tem início não no momento em que o acordo foi homologado, mas sim a data em que a vítima soube
que havia sido prejudicada. Isso com base na chamada teoria da actio nata. O fato de o advogado-mandatário
ostentar procuração com poderes para transigir não afasta a responsabilidade pelos prejuízos causados por culpa
sua ou de pessoa para quem substabeleceu, nos termos dos arts. 667 do CC e 32, caput, do EOAB. A
responsabilidade pelos danos decorrentes do abuso de poder pelo mandatário independe da prévia anulação judicial
do ato praticado, pois o prejuízo não decorre de eventual nulidade, mas sim da violação dos deveres subjacentes à
relação jurídica entre o advogado e o assistido.

5.4. Seguro

Seguro e doença preexistente (S. 609/STJ)


Seguro de vida e suicídio (S. 610/STJ)
É vedada a exclusão de cobertura de seguro de vida em razão da embriaguez do segurado (S. 620/STJ)
Atraso no pagamento e necessidade de comunicação prévia (S. 616/STJ)

O contratante do seguro de vida em grupo não tem direito à renovação da apólice sem a concordância da
seguradora nem pode exigir a restituição dos prêmios pagos
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 Fatos: João e outros ajuizaram ação contra a Caixa Seguradora S/A, alegando que são funcionários da CEF e,
nessa condição, firmaram com a seguradora ré contrato de seguro de vida em grupo. Afirmam que os valores
relativos aos prêmios do seguro sempre foram descontados diretamente em folha de pagamento, razão pela qual
nunca houve atraso da parte deles no cumprimento do contrato. Sustentam que o contrato chegou ao fim e que a
seguradora enviou carta aos requerentes comunicando que não possuía interesse na renovação do pacto. Vale
ressaltar que havia uma cláusula no contrato prevendo que o pacto tinha prazo determinado, sendo possível a sua
renovação automática, salvo se a seguradora ou segurado comunicasse o desinteresse nessa renovação 30 dias antes
do término da vigência. Os autores argumentaram que essa cláusula seria abusiva e que a seguradora deveria ser
obrigada a: renovar a apólice; ou restituir os prêmios pagos pelos segurados.
 Decisão: o STJ decidiu que nos contratos de seguro de vida em grupo não há direito à renovação da apólice sem
a concordância da seguradora ou à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à cobertura do risco no
período delimitado no contrato.
 Contrato de seguro de vida: é possível extrair duas características principais:
a) mutualismo das obrigações: significa que o custo do risco individual (ex.: morrer, ficar inválido etc.) será
dissolvido solidariamente entre todos os “clientes” da seguradora. Todos os contratantes do seguro pagam os
prêmios a que se obrigam, mas só uma pequena parte irá receber a indenização. Isso porque o sinistro não
acontecerá para todos. Assim, o dinheiro pago por aqueles cujo risco não se concretizou será utilizado também para
custear a indenização que será paga aos que sofreram o risco.
b) temporariedade contratual: Em regra, o contrato de seguro de vida é por prazo determinado. A temporariedade
dos contratos de seguro de vida existe pelo fato de que a seguradora precisa, periodicamente, avaliar, por meio de
cálculos atuarias, a higidez e a idoneidade do fundo formado pelas arrecadações dos segurados a fim de se ter
certeza que os recursos disponíveis serão suficientes para cobrir as indenizações. Isso é chamado de adequação
atuarial.
 Mas há a possibilidade de o contrato de seguro de vida ser vitalício? SIM. Há possibilidade de,
excepcionalmente, o contrato de seguro de vida INDIVIDUAL ser vitalício. No entanto, para que isso ocorra as
partes deverão ajustar expressamente até porque as bases contratuais serão diferenciadas tendo em vista que os
cálculos atuariais deverão observar regime financeiro próprio. O seguro de vida vitalício, ainda que expressa e
excepcionalmente possa ser assim contratado, somente admite a forma individual. Em outras palavras, não existe a
possibilidade de contrato de seguro de vida em grupo (coletivo) vitalício.
 Se o risco não se concretizar durante o prazo de vigência do contrato, não há razão p/ devolver o prêmio : Em se
tratando de contrato por prazo determinado, a obrigação da seguradora (garantir os riscos combinados previamente)
restringe-se ao período contratado. Se o risco se concretizar durante o período contratado, a seguradora será
responsável pelo pagamento da cobertura. Em contrapartida, se o risco não ocorrer durante o prazo de vigência do
contrato, não significa que tenha havido qualquer inadimplemento contratual por parte da seguradora. Logo,
mesmo que o risco não se concretize, o segurado não tem o direito de reaver os valores pagos ou sequer um
percentual destes. Se houvesse essa devolução, isso iria descaracterizar um dos pilares do contrato de seguro, que é
justamente o mutualismo. Da mesma forma, o segurado não terá como exigir da seguradora que mantenha o
vínculo contratual.
 Cláusula que permite a não-renovação é válida : Assim, a cláusula contratual que autoriza a não renovação do
contrato de seguro de vida em grupo, concedida tanto para a seguradora como para o segurado, não configura
procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. Esta cláusula encontra-se em perfeita
harmonia com o princípio do mutualismo.
 Nos contratos individuais vitalícios é possível a restituição da reserva já formada : Apenas nos contratos
individuais, desde que vitalícios ou plurianuais, há a formação de provisão matemática de benefícios a conceder,
calculada atuariamente no início do contrato, a qual possibilita a manutenção nivelada do prêmio, que permanece
inalterado mesmo com o envelhecimento do segurado e o aumento do risco. Por outro lado, em caso de resolução
dessa espécie de contrato no curso de sua vigência, cabe a restituição da reserva já formada aplicando-se a regra
estabelecida no art. 796, p. u., do CC, de modo a evitar o enriquecimento sem causa do segurador.
 Nos contratos de seguro coletivos o regime financeiro é o da repartição simples : Nos contratos de seguro
coletivos o prazo é determinado e o regime financeiro é o de repartição simples. Os prêmios arrecadados do grupo
de segurados ao longo do período de vigência do contrato destinam-se ao pagamento dos sinistros ocorridos
naquele período. Não se trata de contrato de capitalização. Quando o contrato é encerrado, não importa quantas
vezes tenha sido renovado, não há reserva matemática vinculada a cada participante e, portanto, não há direito à
renovação da apólice sem a concordância da seguradora nem à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à
cobertura do risco no período delimitado no contrato. Assim, mesmo que o segurado tenha se mantido vinculado à
apólice coletiva por décadas, não se formou uma poupança, pecúlio ou plano de previdência, que lhe garantiria, ou
a seus beneficiários, segurança na velhice. Suas contribuições (prêmio), ano a ano, esgotaram-se na cobertura dos
sinistros do grupo no período, realizadas, como já enfatizado, pelo sistema de repartição simples.

Seguradora não é obrigada a conceder indenização por invalidez total pelo simples fato de o segurado estar
recebendo aposentadoria por invalidez do INSS
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 Fatos: João fez um seguro de vida no qual estava previsto que ele teria direito de receber R$ 100k em caso de
invalidez parcial e R$ 300k na hipótese de invalidez total. Ele sofreu um acidente de carro passeando com a
família. João era gerente de uma loja e, nesta condição, era segurado obrigatório do INSS (RGPS). Em virtude do
acidente, a perícia do INSS concluiu que ele ficou inválido de forma total e permanente para o trabalho, razão pela
qual lhe foi concedida aposentadoria por invalidez. Após a recusa do pagamento na via extrajudicial, João ajuizou
ação de indenização contra a seguradora pedindo o pagamento da indenização por invalidez total. A ré, na
contestação, pediu realização de prova pericial. O juiz, porém, negou o pedido proferindo julgamento antecipado da
lide sob o argumento de que o fato de o autor estar recebendo aposentadoria por invalidez já era prova suficiente da
procedência do pedido.
 Decisão: A aposentadoria por invalidez permanente concedida pelo INSS não confere ao segurado o direito
automático de receber indenização de seguro contratado com empresa privada, sendo imprescindível a realização
de perícia médica para atestar o grau de incapacidade e o correto enquadramento na cobertura contratada. A
concessão de aposentadoria por invalidez pelo INSS não gera uma presunção absoluta da incapacidade total do
segurado, não podendo, dessa forma, vincular ou obrigar as seguradoras privadas.

5.5. Contrato de locação

A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação
possa ser oposta ao adquirente
 O que acontece se certo imóvel, que está alugado, for vendido para outra pessoa que não o locatário?
- Regra: o adquirente poderá denunciar o contrato de locação, tendo o locatário que desocupar o imóvel no prazo
máximo de 90 dias. Obs.: denunciar um contrato consiste na conduta de declarar a intenção de encerrar o pacto.
- Exceção: o contrato não poderá ser denunciado e a locação continuará em vigor se estiverem presentes os
seguintes requisitos cumulativos: a) o contrato de locação for por tempo determinado; b) o contrato de locação
contiver cláusula de vigência em caso de alienação (conhecida doutrinariamente como “cláusula de vigência” ou
“cláusula de respeito”); c) o contrato de locação estiver averbado junto à matrícula do imóvel. Nesse caso, o
adquirente, ao comprar o imóvel, já estava ciente da existência da locação e, portanto, terá que respeitar o contrato,
que irá vigorar até que termine o seu prazo.
 Contrato de locação não foi averbado, mas comprador sabia da sua existência. Nessa hipótese, o locatário
poderá se manter no imóvel mesmo contra a vontade do comprador? A locação continuará? NÃO. A averbação do
contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação possa ser oposta ao
adquirente. A cláusula de vigência, ou cláusula de respeito, representa, de algum modo, uma restrição ao direito de
propriedade. Isso porque o comprador, mesmo se tornando proprietário, ficará impedido de usar a coisa como bem
quiser, considerando que está locada. Essa restrição ao direito de propriedade somente é permitida, portanto,
porque se impõe ao adquirente por força do registro.
 Precedente peculiar do STJ: Vale ressaltar que houve um precedente do STJ em 2013 no qual se “relativizou”
essa exigência. Mas há diferença entre esse precedente peculiar e a deste caso:
• No REsp 1.269.476-SP (Info 515), o adquirente, por convenção firmada com o vendedor, se obrigou a respeitar o
contrato de locação em todos os seus termos. Assim, não se trata propriamente de afastar a necessidade de registro,
ou mesmo de ter conhecimento inequívoco da existência da cláusula de respeito, mas sim de o adquirente, por
convenção, se obrigar a respeitar o contrato locatício.
• No REsp 1269476/SP (Info 632), o adquirente não assumiu esse compromisso.

Locatário, ao ajuizar ação renovatória, deverá demonstrar a quitação tributária, sendo suficiente, para tanto, a
certidão de parcelamento fiscal: O art. 71 da Lei 8.245 afirma que a petição inicial da ação renovatória deverá ser
instruída com: (...) III - prova da quitação dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo pagamento lhe
incumbia. Diante disso, indaga-se: o locatário poderá juntar uma certidão dizendo que está devendo tributos, mas que
eles estão sendo pagos parceladamente? SIM. A certidão de parcelamento fiscal é suficiente para suprir a exigência
prevista no inciso III do art. 71 da Lei 8.245/91 para efeito do ajuizamento de ação renovatória de locação
empresarial. Partindo-se de uma interpretação sistemática e teleológica desse dispositivo, aceita-se a comprovação do
parcelamento fiscal no momento do ajuizamento da demanda, com a demonstração de sua quitação durante o
processo.

5.6. Promessa de compra e venda

Se houver o desfazimento da promessa de compra e venda, o promitente comprador terá que pagar ao proprietário
a taxa de ocupação pelo período em que esteve na posse do bem
 Fatos: João era proprietário de um apartamento e queria vendê-lo. Pedro, por sua vez, desejava comprá-lo. João e
Pedro celebraram contrato de promessa de compra e venda por meio do qual Pedro se obrigou a pagar o apartamento
em 36 parcelas. João, por outro lado, comprometeu-se a transferir o imóvel para o nome do promitente comprador tão
logo ele terminasse de pagar as prestações. Enquanto paga as prestações, Pedro já tem direito de ficar morando no
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apartamento (posse direta do bem). Pedro pagou a primeira parcela e começou a morar no apartamento. Durante 6
meses, Pedro morou no apartamento e pagou regularmente as prestações. Ocorre que Pedro descobriu que, mesmo
após pagar todas as parcelas, não iria conseguir transferir o imóvel para o seu nome porque havia uma disputa judicial
envolvendo o bem. Diante disso, Pedro ajuizou contra João pedindo o desfazimento do contrato e a devolução dos
valores pagos. João apresentou reconvenção pedindo que Pedro fosse condenado a pagar taxa de ocupação pelo
período em que morou no imóvel. Isso porque, com a devolução dos valores pagos, a posse exercida pelo promitente-
comprador sobre o imóvel se tornará gratuita, o que configuraria enriquecimento sem causa. Pedro contra argumentou
afirmando que foi o réu quem deu causa ao desfazimento do negócio, de modo que, em virtude disso, ele não teria que
pagar nada.
 Decisão: é devida a condenação ao pagamento de taxa de ocupação (aluguéis) pelo período em que o autor
permaneceu na posse do imóvel no caso de rescisão do contrato de promessa de compra e venda com o retorno das
partes ao estado anterior. A utilização do imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda enseja o
pagamento de aluguéis pelo tempo de permanência, mesmo que o contrato tenha sido rescindido por inadimplemento
do vendedor. Não importa quem tenha sido o causador do desfazimento do negócio. Isso porque o fundamento
jurídico para esse pagamento está na proibição do enriquecimento sem causa, que é previsto nos arts. 884 a 886 do
CC. É dizer, o promitente comprador deverá pagar essa taxa de ocupação não porque tenha feito algo de errado. O
pagamento de aluguéis não envolve discussão acerca da licitude ou ilicitude da conduta do ocupante. Não é uma
sanção, mas simplesmente a retribuição pelo uso de um bem que não era seu. Por esse motivo, considera-se
irrelevante questionar quem teria sido o causador do desfazimento do negócio para fins de estipulação do
ressarcimento pela ocupação.

5.7. Arbitragem

Se a parte quiser arguir a nulidade da cláusula arbitral, deverá formular esse pedido, em primeiro lugar, ao
próprio árbitro, não sendo possível que proponha diretamente ação judicial
 Fatos: a empresa 1 celebrou contrato com a empresa 2; neste contrato há uma cláusula arbitral; a empresa 2
notificou extrajudicialmente a empresa 1 cobrando o cumprimento do ajuste; a empresa 1 ajuizou ação declaratória de
falsidade alegando que a assinatura constante no contrato é falsa e, portanto, o pacto seria nulo. A petição inicial da
ação foi instruída com um laudo documentoscópico de um perito particular que atesta a falsificação. O juiz da vara
cível, para onde a ação foi distribuída, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, sob o fundamento de que a
controvérsia acerca da autenticidade da assinatura estaria sujeita exclusivamente ao juízo arbitral, por força da
cláusula arbitral. Em outras palavras, o juiz afirmou que caberia ao árbitro decidir sobre a validade do contrato
considerando que existe uma cláusula compromissória. Fundamentou sua sentença no art. 8º, p. u., da Lei nº 9.307/96.
 Decisão: a previsão contratual de convenção de arbitragem enseja o reconhecimento da competência do Juízo
arbitral para decidir com primazia sobre o Poder Judiciário as questões acerca da existência, validade e eficácia da
convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.
 O Poder Judiciário pode decretar a nulidade de cláusula arbitral (compromissória) sem que essa questão tenha sido
apreciada anteriormente pelo próprio árbitro?
- REGRA: NÃO. O art. 8º, p. u. versa sobre a aplicação do princípio da kompetenz-kompetenz (competência-
competência), isto é, compete ao próprio árbitro dizer se ele é ou não competente para conhecer aquele conflito.
Assim, se a parte está alegando que a cláusula compromissória é nula e que a questão não deve ser submetida à
arbitragem, quem primeiro deverá examinar a questão é o próprio árbitro. Vale ressaltar que não haverá prejuízo à
parte considerando que, mesmo se o árbitro entender que a cláusula é válida (e julgar a arbitragem), essa questão da
nulidade poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário em momento posterior. Isso porque, para fazer cumprir a sentença
arbitral, o credor terá que ajuizar uma execução judicial. Nesse momento, o devedor poderá se defender por meio de
embargos à execução alegando a nulidade da cláusula arbitral e, consequentemente, da sentença arbitral. Nesse
sentido é a jurisprudência do STJ.
- EXCEÇÃO: O STJ relativizou esta regra e decidiu que se a nulidade da cláusula compromissória for muito evidente,
será possível ao Poder Judiciário declarar a sua invalidade mesmo sem que este pedido tenha sido formulado, em
primeiro lugar, ao próprio árbitro. Na ementa, foi usada a expressão "compromisso arbitral patológico".

Reconhecida a coligação contratual, é possível a extensão da cláusula compromissória prevista no contrato


principal de abertura de crédito aos contratos de swap.
 Fatos: a Paranapanema S/A é uma sociedade empresária que trabalha com a produção de cobre primário. Vale
ressaltar que se trata de uma companhia com capital aberto comercializando suas ações na BMF Bovespa. A empresa
precisa ter acesso rápido a crédito caso necessitasse para fazer suas operações. Por essa razão, celebrou com o Banco
Santander um contrato de abertura de crédito no valor de R$ 200 MM. No contrato de abertura de crédito o banco se
obriga a disponibilizar determinada quantia em dinheiro para o contratante que poderá, ou não, utilizar-se desse valor
a título de empréstimo. Se o contratante utilizar, depois terá que devolver, com juros e correção monetária. Parte desse
valor emprestado pelo Banco seria pago pela empresa mediante a integralização de ações societárias da devedora
(Paranapanema) em favor do banco credor. Em suma, o banco, em vez de receber em dinheiro, seria pago com ações
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da empresa. Vale ressaltar que este contrato de abertura de crédito tinha uma cláusula compromissória.
Concomitantemente ao contrato de abertura de crédito, a empresa e o Banco celebraram também um contrato de
swap. Paranapanema e Santander fizeram um contrato de swap prevendo que se o valor das ações da Paranapanema
subisse menos que “x%” no período de 6 meses, a companhia deveria pagar um determinado valor complementar em
favor do banco. Por outro lado, se as ações subissem mais que “y%” haveria um abatimento nas prestações seguintes
do empréstimo. Com isso, o banco reduziria seu risco de ficar com um “papel” (ações da companhia) sem tanto valor.
Por outro lado, a companhia também reduziria seu risco de ter pagado com ações que valiam “x” uma dívida que
correspondia a “x” e depois essas ações passaram a valer “4x”, ou seja, ele teria, na prática, pagado 4 vezes mais. Vale
ressaltar, contudo, que este contrato de swap não tinha cláusula compromissória. O contrato de abertura de crédito não
teve qualquer problema. Por outro lado, algum tempo depois, surgiram divergências entre as contratantes quanto ao
contrato de swap. Diante disso, a Paranapanema ajuizou ação contra o banco questionando o cumprimento do contrato
de swap. O banco, por sua vez, alegou que existe uma coligação entre os dois contratos, sendo que a abertura de
crédito é o contrato principal, e o swap é o contrato dependente. Logo, a cláusula compromissória do contrato
principal (abertura de crédito) deve se estender para o contrato dependente (swap).
 Decisão: Reconhecida a coligação contratual, é possível a extensão da cláusula compromissória prevista no
contrato principal de abertura de crédito aos contratos de swap.
 Contratos coligados: são aqueles que, embora distintos, estão ligados por uma cláusula acessória, implícita ou
explícita. Nos contratos coligados, as partes celebram uma pluralidade de negócios jurídicos tendo por desiderato um
conjunto econômico, criando entre eles efetiva dependência. Nesse sistema, o contrato reputado como sendo o
principal determina as regras que deverão ser seguidas pelos demais instrumentos negociais que a este se ajustam.
Nessa ordem de ideias, a cláusula compromissória prevista no contrato principal pode ser estendida para o contrato de
swap, considerando que estão vinculados a uma única operação econômica. Soma-se a isso a incidência do princípio
da gravitação jurídica (o acessório segue o principal).

5.8. Parceria rural

Falecimento do parceiro outorgante não extingue o contrato de parceria rural


 Fatos: João celebrou contrato de parceria agrícola com Pedro. João (parceiro outorgante) é proprietário de um
imóvel rural e o cedeu para que Pedro (parceiro outorgado) nele plantasse lavouras de arroz. Ao final de cada colheita,
deveria haver uma prestação de contas, sendo que 50% da produção ficaria com o parceiro outorgante e 50% com o
parceiro outorgado. O prazo do contrato era de 10 anos. Vale ressaltar que o contrato de parceria agrícola (parceria
rural) é regido pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), pela Lei 4.947/66 e pelo Decreto 59.566/66 (que os
regulamenta). 2 anos depois da assinatura, João (parceiro outorgante) faleceu. Os três filhos de João (herdeiros)
passaram a ser proprietários, em condomínio, do referido imóvel rural. Como não tinham interesse na manutenção do
contrato, os filhos notificaram extrajudicialmente Pedro para que desocupasse o imóvel. Na notificação, os herdeiros
afirmaram que, com a morte de João, extinguiu-se a parceria rural, nos termos do art. 23 do Decreto nº 59.566/6615.
 Decisão: Conforme se verifica pela redação do art. 23, o direito de retomada dos sucessores deve obedecer aos
demais preceitos estabelecidos no Decreto 59.566/66. Desse modo, devemos analisar o que o Decreto fala sobre o
direito de retomada. O art. 22, § 2º, do Decreto afirma que se o arrendador quiser retomar o imóvel, deverá notificar o
arrendatário no prazo de até 6 meses antes do vencimento do contrato. Se o arrendador tiver requerido a retomada,
quando chegar a data do vencimento, o contrato será extinto, não tendo o arrendatário direito à renovação. O STJ
entendeu que esse prazo também deverá ser observado no caso dos sucessores causa mortis (herdeiros), já que o art.
23 (que trata sobre a sucessão causa mortis) fala em “obediência aos preceitos deste Decreto”. Assim, o que a morte
do parceiro outorgante gera é o direito de seus herdeiros requererem a retomada do imóvel nas mesmas hipóteses que
o arrendador teria caso ainda estivesse vivo e respeitado o prazo do contrato. No caso de alienação do imóvel rural, o
Estatuto da Terra, em seu art. 92, § 5º, e o Decreto 59.566/66, no art. 15, estabelecem que não há interrupção do
contrato de parceria agrícola, ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante. Essa orientação
também se aplica à hipótese de transmissão do imóvel em virtude do falecimento do outorgante. A proteção ao
trabalhador rural é o vetor interpretativo do Estatuto da Terra. Assim, o direito de retomada somente poderá ser
exercido no final do prazo contratual e não no momento da sucessão, ou quando encerrada a partilha.

A aposição da cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade em ato de liberalidade não importa,


automaticamente, na cláusula de inalienabilidade:
 Fatos: João doou para Raquel um imóvel. Ocorre a doação foi feita com as cláusulas de incomunicabilidade e
impenhorabilidade. Após o falecimento de João, Raquel vendeu o imóvel para Pedro, já tendo, inclusive, recebido o
preço da venda. Ocorre que não conseguiu transferir o domínio porque o cartório de Registro de Imóveis exige a
baixa dos gravames (cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade) para efetuar a transmissão da propriedade.
Na interpretação do cartório, a presença dos gravames de impenhorabilidade e incomunicabilidade importa,
15
Art. 23. Se por sucessão causa mortis o imóvel rural for partilhado entre vários herdeiros, qualquer deles poderá exercer o direito de
retomada, de sua parte, com obediência aos preceitos deste Decreto; todavia é assegurado ao arrendatário o direito à renovação do contrato,
quanto às partes dos herdeiros não interessados na retomada.
66
automaticamente, também na impossibilidade de alienação, a teor do disposto no art. 1.911 do CC. Diante disso,
Raquel ajuizou procedimento especial de jurisdição voluntária pedindo o cancelamento dos gravames instituídos
sobre imóvel. Isso porque, como o doador já está morto, tais cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade
somente podem ser retiradas com autorização judicial. No procedimento instaurado, Raquel explicou o seguinte: • a
intenção do doador não foi de me impedir de vender o imóvel. Tanto isso é verdade que não existe cláusula de
inalienabilidade. • a cláusula de impenhorabilidade foi inserida para fazer com que o imóvel ficasse livre de dívidas
minhas (donatária); • a cláusula de incomunicabilidade, por sua vez, foi aposta para impedir que, se eu casasse,
houvesse a comunhão desse bem com meu eventual cônjuge; • requereu, então, a procedência do pedido a fim de que
fossem cancelados os gravames, com a consequente anotação na matrícula do bem perante o registro imobiliário
competente.
 Decisão: O STJ autorizou o cancelamento dos gravames e disse que o imóvel gravado exclusivamente com as
cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade não é inalienável. O art. 1.911 do CC estabelece: “A cláusula de
inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade”. A
melhor interpretação deste art. 1.911 nos permite chegar a quatro conclusões:
a) há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade, a critério do doador/instituidor. Em outras palavras, o doador/instituidor pode impor só uma, só
duas ou as três cláusulas.
b) uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, ex vi lege (por força de lei), automaticamente, a
impenhorabilidade e a incomunicabilidade. Assim, se tiver sido imposta cláusula de inalienabilidade ao imóvel, isso
significa que ele, obrigatoriamente, será também impenhorável e incomunicável.
c) a inserção exclusiva da proibição de não penhorar e/ou não comunicar não gera a presunção da inalienabilidade. A
aposição da cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade em ato de liberalidade não importa,
automaticamente, na cláusula de inalienabilidade.
d) a instituição autônoma da impenhorabilidade, por si só, não pressupõe a incomunicabilidade e vice-versa.
 Informações complementares: A jurisprudência entende que estas cláusulas não são absolutas e podem ser
afastadas, mediante decisão judicial, em determinadas hipóteses. Ex. 1: a restrição pode ser afastada, no interesse do
proprietário (dignidade do beneficiário), se estiver causando prejuízo aos seus legítimos interesses. É o caso do
proprietário que está passando por dificuldades financeiras e precisa do dinheiro decorrente da venda do imóvel.
Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. J. em 07/04/11. Ex. 2: a cláusula de impenhorabilidade pode ser afastada para o
pagamento de taxa condominial oriunda do próprio bem, por força do princípio da função social da propriedade. STJ.
4ª Turma. J. em 07/08/2012.

Se o devedor de empréstimo consignado morrer, a dívida continua existindo


 Empréstimo consignado: Uma prática muito comum entre os servidores públicos são os chamados “empréstimos
consignados”. O servidor público vai ao banco e consegue um empréstimo de forma mais fácil, rápida e com taxas de
juros menores, pois aceita que as parcelas de pagamento do mútuo sejam descontadas diretamente da sua
remuneração.
 Fatos: João era servidor público e contraiu um empréstimo consignado. O mutuário vinha pagando normalmente
as parcelas. Ocorre que ele faleceu. Diante disso, o espólio de João ingressou com ação contra o banco pedindo que
fosse reconhecida a extinção da dívida em razão da morte do consignante. O espólio argumentou que a Lei nº
1.046/50 regulamenta a consignação em folha de pagamento, sendo que ela prevê, em seu art. 16, que, ocorrido o
falecimento do consignante, ficará extinta a dívida.
 Decisão: O STJ não concordou com o espólio. O falecimento do consignante não extingue a dívida decorrente de
contrato de crédito consignado em folha de pagamento. STJ. 3ª Turma. J. em 05/06/18. A partir da leitura dos arts. 3º
e 4º da Lei 1.046/50 chega-se à conclusão de que este diploma sobre a consignação em folha de pagamento é voltado
aos servidores públicos civis e militares. Ocorre que o STJ entende que, com a edição da Lei 8.112/90, foi revogada a
Lei 1.046/50. Isso porque a Lei 8.112/90 disciplinou a consignação em pagamento envolvendo servidores públicos
federais. Houve, portanto, a ab-rogação tácita ou indireta da Lei 1.046/50, na medida em que a Lei 8.112/90 tratou,
inteiramente, da matéria contida naquela. A Lei 8.112/90 não trouxe nenhum dispositivo semelhante ao art. 16 da Lei
1.046/50. Logo, conclui-se que, com a edição da Lei nº 8.112/90, acabou a regra que autorizava a extinção da dívida
em razão da morte do consignante. A Lei 10.820/2003 regula a consignação em folha de pagamento dos empregados
regidos pela CLT e dos titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do RGPS (INSS). Assim como na Lei
8.112/90, não há na Lei 10.820/2003 a previsão de que a morte do consignante extinga a dívida por ele contraída.

6. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Equipamento de monitoramento do veículo acoplado no caminhão é considerado pertença e, por isso, como regra,
não segue a sorte do principal
 Fatos: A empresa “Transpor” celebrou com o Banco “X” contrato de financiamento com garantia de alienação
fiduciária para a compra de um caminhão no valor de R$ 120 mil. Ocorre que, no curso do contrato, a empresa
fiduciante deixou de pagar as parcelas. O Banco enviou notificação extrajudicial para a “Transpor” informando que
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ela se encontrava em débito (Súmula 72-STJ), mas esta não fez a purgação da mora. Diante disso, a instituição
financeira ingressou com ação de busca e apreensão requerendo a entrega do bem, conforme autoriza o art. 3º do DL
911/69. O juiz concedeu a liminar e o automóvel saiu da posse da “Transpor” e foi entregue ao Banco. O DL 911/69
prevê que, após a execução da liminar, ou seja, depois da apreensão do bem, o devedor tem a possibilidade de
apresentar uma resposta (uma espécie de contestação). Em sua resposta, a “Transpor” informou o seguinte: realmente
estou devendo e não tenho condições de continuar a pagar as prestações. Pode ficar com o caminhão. No entanto,
depois que celebrei o contrato com o banco e comprei o veículo, eu instalei nele um “equipamento de monitoramento
(rastreamento)”. Esse equipamento serve para que a empresa, de forma remota, possa fazer o acompanhamento do
local onde está o veículo, informando se ele está parado ou em movimento e a velocidade que está sendo empregada.
Com isso, a empresa pode controlar a segurança e a assiduidade dos seus motoristas. A empresa informou que esse
aparelho de monitoramento não vem com o veículo e que ela desejava retirá-lo para utilizá-lo em outro caminhão que
ela pretende comprar no futuro. O banco contra argumentou afirmando que este aparelho é um bem acessório e que os
bens acessórios seguem a sorte do principal (princípio da gravitação jurídica). Assim, como a posse e a propriedade
do veículo (bem principal) consolidou-se em nome da instituição financeira, ela também adquiriu os bens acessórios
que estão no carro.
 Decisão: A empresa “Transpor” terá direito de retirar o aparelho do veículo, mesmo sendo um bem acessório. Ele
não segue a sorte do principal, porque este equipamento é qualificado como sendo uma pertença. A pertença é uma
espécie peculiar de bem acessório que, em regra, não segue a sorte do principal (exs.: aparelho de ar condicionado,
telefone do escritório, elevadores, bombas de água, instalações elétricas, estátuas, espelhos, tapetes, máquinas da
fábrica, tratores, instrumentos agrícolas etc.).
 Pertenças são bens acessórios sui generis: As pertenças têm como objetivo dar uma maior qualidade, utilidade ou
vantagem a um bem principal. Por isso, as pertenças são classificadas como bens acessórios. No entanto, são bens
acessórios sui generis porque mantêm sua individualidade e autonomia, não se incorporando no bem principal. Assim,
a pertença, em regra, não é alcançada pelo negócio jurídico que envolver o bem principal, a não ser que haja
imposição legal, expressa manifestação das partes ou decorrer das circunstâncias do caso concreto. Trata-se de
exceção à regra de que o acessório segue o principal. Isso está previsto expressamente no art. 94 do CC.
 Outro caso semelhante: Havendo adaptação de veículo, em momento posterior à celebração do pacto fiduciário,
com aparelhos para direção por deficiente físico, o devedor fiduciante tem direito a retirá-los quando houver o
descumprimento do pacto e a consequente busca e apreensão do bem. STJ. 4ª Turma. J. em 18/10/2016.

O credor fiduciário somente responde pelas dívidas condominiais após a imissão na posse
 Fatos: João celebrou com o banco um contrato de alienação fiduciária para a compra de seu imóvel residencial.
João comprometeu-se a pagar a dívida em 180 prestações. Ocorre que, por dificuldades financeiras, o
mutuário/fiduciante tornou-se inadimplente. Quando o fiduciante não paga a dívida, a lei afirma que ocorre a
consolidação da propriedade em nome do fiduciário. Nesse sentido, é o que prevê o art. 26 da Lei 9.514/97. Vale
ressaltar que, em caso de atraso no pagamento, a Lei exige que o credor/fiduciário requeira que o Oficial do
Registro de Imóveis faça a notificação extrajudicial do devedor/fiduciante (seu representante ou procurador) para
pagar a dívida em 15 dias. Trata-se da notificação com o fim de fazer a constituição do devedor em mora.
Decorrido o prazo de 15 dias sem que o devedor tenha feito a purgação da mora, o CRI irá fazer uma certidão disso
e, em seguida, averbará, na matrícula do imóvel, que houve a consolidação da propriedade em nome do
fiduciário/credor. Frise-se que, antes da averbação, o credor terá que pagar o imposto de transmissão inter vivos e,
se for o caso, do laudêmio.
 Se o imóvel era parte de um condomínio edilício (ex: um apartamento), como o fiduciante estava com
dificuldades financeiras, é muito comum que ele também estivesse em atraso com o pagamento das cotas
condominiais. Como fica a situação do condomínio neste caso? É possível que o condomínio cobre do fiduciário
(“banco”) as despesas condominiais que o fiduciante deixou e que se referem a um período anterior à consolidação
da propriedade? NÃO.
• Despesas condominiais referentes a período anterior à imissão na posse: devem ser cobradas do devedor
fiduciante. O credor fiduciário (“banco”) não pode ser obrigada a pagar.
• Despesas condominiais referente a período posterior à imissão: são de responsabilidade do credor fiduciário.
O tema é disciplinado expressamente pelo § 8º do art. 27 da Lei 9.514/97. Cuidado com isso porque, como
aprendemos que as contribuições condominiais são obrigações propter rem, a tendência é raciocinar de forma
diferente do que foi explicado acima. No entanto, houve uma opção expressa da Lei em proteger o credor
fiduciário, livrando-os dos débitos anteriores à imissão na posse. Essa mesma previsão foi inserida no CC em 2014.
 Decisão do STJ: A responsabilidade do credor fiduciário pelo pagamento das despesas condominiais dá-se
quando da consolidação de sua propriedade plena quanto ao bem dado em garantia, ou seja, quando de sua imissão
na posse do imóvel.
 Considerando que os condomínios não podem cobrar do banco, o que eles podem fazer para garantirem seu
direito e receberem essas quantias? Uma dica para os condomínios é a de executar o devedor fiduciante e requerer
ao juízo a penhora dos direitos que este devedor fiduciante tiver sobre o contrato. Nesse caso, o condomínio
exequente irá se sub-rogar nos direitos do devedor fiduciante. Isso significa o que? Quando o banco alienar o
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imóvel, irá utilizar o produto da venda para satisfazer o seu crédito. O restante teria que devolver ao devedor
fiduciante. Ocorre que o condomínio já terá feito a penhora deste eventual crédito e, assim, ele receberá esse valor
(que seria do fiduciante) para pagar as dívidas condominiais.

7. DIREITOS REAIS

7.1. Posse

Ocupação indevida de bem público (S. 619/STJ)

7.2. Usucapião

É possível o reconhecimento da usucapião de imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da ação
 Fatos: Em março de 2017, João ajuizou ação pedindo o reconhecimento de usucapião especial urbana (art. 1.240).
Afirmou que não tem o título de propriedade dessa área, mas lá mora há 5 anos sem oposição de ninguém. Vale
ressaltar também que ele não tem outro imóvel, seja urbano, seja rural. Em abril de 2017, o proprietário apresentou
contestação pedindo a improcedência da demanda. Foram ouvidas testemunhas. As testemunhas e as provas
documentais atestaram que João reside no imóvel desde setembro de 2012, ou seja, quando o autor deu entrada na
ação (março de 2017), ainda não havia mais de 5 anos de posse. Em novembro de 2017, os autos foram conclusos ao
juiz para sentença.
 Decisão: É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no
curso da demanda. Isso porque o CPC autoriza que o juiz examine e leve em consideração na sentença fatos ocorridos
após a instauração da demanda (art. 493 do CPC). A decisão deve refletir o estado de fato e de direito existente no
momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido (STJ).
 Mas o proprietário apresentou contestação antes de o autor completar o prazo necessário para a usucapião. Isso não
pode ser considerado como uma “oposição” (art. 1.240 do CC) para fins de impedir a constituição do prazo de
usucapião? NÃO. O STJ entende que a contestação apresentada pelo réu não impede o transcurso do lapso temporal.
Essa peça defensiva não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas
apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião. A contagem do tempo para usucapião somente
seria interrompida se o proprietário conseguisse reaver a posse.

Ausência de citação dos confinantes gera nulidade relativa


 Em uma ação de usucapião, o autor deve pedir a citação de quem? • o indivíduo em nome do qual se encontra
registrado o imóvel, ou seja, o “proprietário” do imóvel, segundo o cartório de registro de imóveis; • os proprietários
ou possuidores dos imóveis confinantes, isto é, os vizinhos que fazem fronteira com o imóvel que se almeja na ação.
Em se tratando de casa, em geral, são três confinantes: o vizinho da esquerda, o da direita e o vizinho de trás (S.
391/STF); • a citação, por edital, de eventuais interessados (art. 259, I, do CPC). Obs.: mesmo que o indivíduo (autor
da ação) não esteja mais na posse do imóvel, ainda assim ele poderá ter direito à usucapião desde que tenha
preenchidos todos os requisitos para a constituição do direito antes de perder a posse. Neste caso, o autor deverá pedir
a citação também do atual possuidor do imóvel. Ademais, o autor deverá requerer a manifestação dos representantes
da FP da U, E e M.
 No CPC há previsão expressa de citação dos confinantes? SIM. Essa obrigatoriedade encontra-se no art. 246, § 3º
e pode ser assim resumida: • Regra: na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente. •
Exceção: quando a ação tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, tal citação é dispensada.
 Por que os confinantes têm que ser citados na ação de usucapião? Qual é a razão de o CPC trazer essa exigência?
Por 2 razões: 1) os confinantes podem trazer informações úteis ao deslinde do processo; 2) a depender do caso
concreto, o confinante pode ter que defender os limites de sua propriedade. Ex.: o autor afirma que a fazenda objeto
da usucapião termina depois do córrego; o confinante contesta e comprova que a área do córrego já está dentro de sua
propriedade.
 E o que acontece caso não haja a citação dos confinantes? Haverá nulidade absoluta do processo? NÃO.
 Decisão do STJ: apesar de amplamente recomendável, a falta de citação dos confinantes não acarretará, por si, ou
seja, obrigatoriamente, a nulidade da sentença que declara a usucapião. Não há que se falar em nulidade absoluta, no
caso. Como já dito, o principal intento da citação dos confinantes do imóvel usucapiendo é o de delimitar a área
usucapienda, evitando, assim, eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos. Assim, apesar da relevância da
participação dos confinantes (e respectivos cônjuges) na ação de usucapião, o que se conclui é que a ausência de
citação dos referidos confinantes gera apenas nulidade relativa, de forma que somente invalidará a sentença caso fique
demonstrado efetivo prejuízo ao confinante não citado.
 E o que acontece caso não haja a citação do proprietário do imóvel (e seu cônjuge)? Neste caso, o vício é mais
grave. A sentença de usucapião proferida sem a citação do proprietário e seu cônjuge será considerada absolutamente
ineficaz, inutiliter data, tratando-se de nulidade insanável.
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Pessoa jurídica brasileira, mesmo que tenha seu capital social controlado por estrangeiros, pode adquirir imóvel
rural no Brasil, inclusive por meio de usucapião, mas, para isso, precisará cumprir as regras da Lei 5.709/71: É
juridicamente possível a usucapião de imóveis rurais por pessoa jurídica brasileira com capital majoritariamente
controlado por estrangeiros, desde que observadas as mesmas condicionantes para a aquisição originária de terras
rurais por pessoas estrangeiras - sejam naturais, jurídicas ou equiparadas.

7.3. Condomínio

Condôminos podem ser chamados a responder pelas dívidas do condomínio, sendo permitida, inclusive, a
penhora do apartamento que é bem de família
 Fatos: um pedestre foi ferido por conta de um pedaço da fachada que nele caiu. Essa vítima terá que propor a
ação contra o condomínio. O juiz julgou procedente a ação e condenou o condomínio a pagar R$ 180k. João iniciou
o cumprimento de sentença. Como não foram encontrados bens em nome do condomínio, pediu o redirecionamento
da execução contra os condôminos e o juiz determinou a penhora dos apartamentos, no limite de cada cota parte. A
dívida era de R$ 180k e o juiz determinou que cada apartamento deveria ficar penhorado na proporção de R$ 30k.
 Isso é possível? É possível que os condôminos sejam chamados a pagar a indenização que foi reconhecida como
sendo uma obrigação do condomínio? SIM. Cada condômino é obrigado a concorrer para o pagamento das
despesas e encargos suportados pelo condomínio, na proporção de sua quota-parte, conforme preveem o art. 1.315
do CC e o art. 12 da Lei 4.591/64. Trata-se daquilo que o Min. Salomão chamou de “solidariedade condominial”,
para que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio Condomínio, impedindo a ruptura de sua
estabilidade econômico-financeira, o que poderia provocar dano considerável aos demais comunheiros (REsp
1247020/DF, DJe 11/11/15). Vale ainda mencionar o art. 938 do CC e o Enunciado 557/CJF.
 O art. 1.315 fala apenas em “despesas de conservação : Porém, a doutrina e a jurisprudência interpretam essa
expressão de forma ampla, incluindo as destinadas a obras ou inovações aprovadas pela assembleia de condôminos
(v.g., ampliação da garagem, instalação de portão eletrônico, construção de salão de festas etc.). Inclui, ainda,
outros títulos, como a responsabilidade por indenizações, tributos, seguros etc.
 Imagine que esse acidente aconteceu em 2014. Em 2016, Teobaldo comprou, de Carlos Eduardo, um
apartamento no “Prédio Azul” e passou a morar neste local. Em 2017, foi prolatada a sentença condenando o
condomínio a indenizar João. Teobaldo poderá se isentar do pagamento alegando que não pode ser
responsabilizado por fatos ocorridos antes da compra, ou seja, em uma época na qual a propriedade do imóvel era
de outra pessoa (Carlos Eduardo)? NÃO. As dívidas condominiais são classificadas como obrigações propter rem.
Por isso, responde pela obrigação de pagar tais dívidas, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a
unidade, não importando que os débitos sejam anteriores à aquisição do imóvel. É o que determina o art. 1.345 do
CC.
 Os condôminos não figuravam como devedores na sentença (título executivo). Além disso, os condôminos não
eram partes na execução (cumprimento de sentença). Mesmo assim, é possível redirecionar contra eles a execução
e determinar a penhora dos seus apartamentos? SIM. Como o condomínio é um ente despersonalizado, a decisão
que determina o redirecionamento da execução contra os titulares das unidades não viola a autonomia patrimonial
nem significa desconsideração da personalidade jurídica. Assim, para que os condôminos sejam chamados a
responder pela dívida, basta que a execução contra o condomínio tenha sido frustrada. Esse redirecionamento da
execução, contudo, exige cautela, pois o condomínio, embora não tenha sido dotado de personalidade jurídica,
possui capacidade processual, devendo figurar no polo passivo da execução, como regra. A inclusão dos
condôminos no polo passivo, portanto, é medida excepcional, que somente deve ser admitida após esgotadas as
possibilidades de se satisfazer o crédito contra o condomínio. Assim, em regra, a execução deve ser direcionada
contra o condomínio e a penhora deve recair preferencialmente sobre as reservas financeiras do condomínio. No
entanto, se elas se mostrarem insuficientes, deve o patrimônio dos condôminos suportar os ônus da execução.
 O condômino poderá invocar a impenhorabilidade do bem de família para desconstituir essa penhora incidente
sobre seu imóvel? Essa tese seria acolhida? NÃO. Como se sabe, em regra, o bem de família legal é impenhorável
e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída
pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. No entanto, o art. 3º da Lei nº
8.009/90 traz uma lista de exceções a essa regra, ou seja, situações nas quais será permitida a penhora do bem de
família. Uma das exceções está no inciso IV, que diz “taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar”.

Ação de cobrança de débitos condominiais proposta contra o arrendatário


 Fatos: A empresa LM é proprietária de uma unidade comercial em um edifício empresarial. Em outras palavras,
a empresa LM é proprietária de uma sala para fins comerciais localizada neste edifício. A empresa LM arrendou
esta unidade comercial para a empresa RC vestuário, que montou uma loja no local. Vale ressaltar que todas as
unidades comerciais desse edifício devem pagar taxa condominial para a administradora que gerencia as áreas
comuns. Faz três meses que a empresa LM não paga essa taxa condominial. Diante disso, o condomínio ingressou
com ação de cobrança contra a empresa LM e contra a empresa RC vestuário, em litisconsórcio passivo. A empresa
RC vestuário contestou a demanda afirmando que não é parte legítima para figurar no polo passivo da ação de
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cobrança, considerando que a responsabilidade pelas despesas condominiais é do proprietário (no caso, a empresa
LM).
 Decisão: A ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta contra o arrendatário do imóvel. As
despesas condominiais constituem-se em obrigações “propter rem” e são de responsabilidade não apenas daquele
que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária. As cotas condominiais podem ser também de
responsabilidade da pessoa que, mesmo sem ser proprietária, é titular de um dos aspectos da propriedade, tais como
a posse, o gozo ou a fruição, desde que esta tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio. No caso
concreto, a empresa RC, embora não seja a proprietária do ponto comercial, é arrendatária, exercendo a posse
direta sobre o imóvel. É ela, inclusive, quem usufrui dos serviços prestados pelo condomínio, não sendo razoável
que não possa ser demandada para o pagamento das despesas condominiais em atraso. Assim, a ação de cobrança
de débitos condominiais pode ser proposta contra qualquer um daqueles que tenha uma relação jurídica vinculada
ao imóvel, o que mais prontamente possa cumprir com a obrigação. Obs.: apesar disso, não se pode falar que há
solidariedade!

7.4. Lei 13.777/18 (Lei de multipropriedade): v. livro.

7.5. Compromisso de compra e venda

É juridicamente possível o pedido de alienação judicial de imóvel objeto de compromisso de compra e venda
 Fatos: casal ainda está pagando as parcelas de contrato de compromisso de compra e venda e se separa. Diante
disso, João ajuizou contra Maria uma ação de alienação judicial do bem e extinção de condomínio. O que pediu
João? Para vender em juízo o apartamento e dividir o dinheiro entre eles. O juiz, porém, extinguiu o processo sem
resolução do mérito por impossibilidade jurídica do pedido. Alegou que, nos termos do art. 1.275 do CC, a
alienação é causa de perda de propriedade e que João e Maria não têm a propriedade do apartamento em questão.
Isso porque o imóvel foi objeto de compromisso de compra e venda e o casal não terminou de pagar as prestações.
 Agiu corretamente o juiz? NÃO. Um pedido é juridicamente impossível quando existe uma proibição legal, ou
seja, algum dispositivo que veda que a parte faça aquela pretensão em juízo. Ocorre que não há, no ordenamento
jurídico vigente, nenhuma proibição expressa ou implícita para que se formule o pedido de alienação judicial de
bem objeto de compromisso de compra e venda. No caso concreto, por exemplo, a incorporadora (promitente-
vendedora) poderia, em tese, autorizar a alienação judicial pretendida por João a fim de que eles pagassem as
prestações que faltam e, em seguida, o casal dividisse o dinheiro que sobrou. No exemplo dado, como ainda havia
prestações em aberto e, como não houve concordância expressa da promitente-vendedora, o que deveria o juiz ter
feito era julgar o pedido improcedente, extinguindo o processo com resolução do mérito. O “equívoco” do
magistrado foi considerar que existe impossibilidade jurídica do pedido.

7.6. Incorporação imobiliária

É de 10 anos o prazo prescricional para ação do adquirente contra a incorporadora pedindo o pagamento da
multa do art. 35, § 5º, da Lei 4.591/64: O incorporador só se acha habilitado a negociar unidades autônomas do
empreendimento imobiliário depois que registrar, no CRI, os documentos elencados no art. 32 da Lei 4.591/64.
Descumprida essa exigência legal, impõe-se a aplicação da multa do art. 35, § 5º, da mesma lei. É decenal o prazo
prescricional aplicável à ação do adquirente contra a incorporadora que visa a cobrança da multa prevista no art. 35,
§ 5º, da Lei 4.591/64. Fundamento: art. 205 do CC. Não se aplica o art. 27 do CDC porque este dispositivo é
restrito às ações que busquem a reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço e essa situação não
se enquadra como fato do produto ou serviço (não se trata de acidente de consumo).

L. 13.786: dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária: livro.

7.7. Hipoteca

Interesse de agir do credor hipotecário de que o imóvel dado em garantia seja construído de acordo com os
padrões de qualidade previstos no contrato de compra e venda:
 Fatos: João celebrou contrato de compra e venda de um terreno em um loteamento. O contrato foi celebrado
entre João e a sociedade empresária Constrói Ltda. Ocorre que neste contrato de compra e venda havia ainda um
pacto adjeto (contrato acessório) de mútuo feneratício com garantia hipotecária, que foi firmado entre João e a
sociedade empresária Habitac. Por força deste pacto adjeto, João recebeu da Habitac um empréstimo para adquirir
o imóvel e, como garantia de que iria pagar a dívida, deu o bem em hipoteca. A ideia deste loteamento era a de que
todas as casas ali construídas fossem parecidas e mantivessem uma qualidade mínima. Assim, no contrato havia
cláusulas dizendo os padrões que deveriam ser respeitados no momento da construção (ex.: construção toda em
alvenaria, fachada com mármore, etc.). João construiu a sua casa no loteamento, mas não respeitou os padrões
previstos no contrato no estilo da fachada e nos materiais empregados. Diante disso, a empresa Habitac ajuizou
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ação de obrigação de fazer contra João pedindo que ele fosse condenado a reformar a casa a fim de deixá-la dentro
dos padrões previstos no contrato. João suscitou a falta de interesse de agir da Habitac.
 Decisão: o STJ afirmou credor hipotecário tem interesse de agir para propor ação em face do mutuário visando
ao cumprimento de cláusula contratual que determina a observância dos padrões construtivos do loteamento. O art.
1.474 do CC estabelece que a hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Por
outro lado, o art. 1.425, I, do CC estabelece que a dívida se considera vencida: se, deteriorando-se, ou depreciando-
se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir. Como vimos,
se o devedor não pagar a dívida, o bem dado em hipoteca será alienado. Logo, o credor hipotecário tem interesse
em que o imóvel seja construído de acordo com os padrões estabelecidos para o loteamento a fim de que ele se
mantenha valioso e, em caso de inadimplemento, possa ser vendido por um bom preço, pagando a dívida.

8. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL

8.1. A ação de divórcio não pode, em regra, ser ajuizada por curador provisório
 Fatos: João e Maria eram casados, porém não vivem mais juntos há um bom tempo. João mora com seu irmão
Pedro. João sofreu um AVC e ficou sem poder exprimir sua vontade. Diante disso, Pedro ajuizou ação de
interdição em favor de seu irmão João (art. 747, II, do CPC). O juiz entendeu que estava presente a urgência e
nomeou Pedro como curador provisório do interditando. Pedro (curador provisório), representando seu irmão João,
ajuizou ação de divórcio contra Maria pedindo a dissolução da sociedade conjugal. Maria contestou a ação
alegando que a ação não poderia ter sido proposta pelo curador provisório.
 Decisão: O que o STJ decidiu:
• a ação em que se pleiteia a dissolução do vínculo conjugal, por possuir natureza personalíssima, deve ser ajuizada,
em regra, pelo próprio cônjuge;
• excepcionalmente, admite-se a representação processual do cônjuge por curador (ascendente ou irmão). Em
outras palavras, excepcionalmente, admite-se que o divórcio seja ajuizado por curador.
• como se trata de possibilidade excepcional, a regra que autoriza terceiros a ajuizarem a ação de dissolução de
vínculo conjugal deverá ser interpretada restritivamente, limitando-se a sua incidência apenas à hipótese de curatela
definitiva. Em outras palavras, quando se admitir que curador proponha o divórcio, deve-se tomar a cautela de se
exigir que seja curador definitivo (curatela definitiva). Assim, em regra, somente se admite que o curador definitivo
ingresse com a ação de divórcio.
• em situações ainda mais excepcionais, poderá o curador provisório ajuizar a ação de dissolução do vínculo
conjugal em representação do cônjuge potencialmente incapaz, desde que expressa e previamente autorizado pelo
juiz, após a oitiva do MP, como orientam o art. 749, p. u., do CPC e o art. 87 do EPCD.

8.2. O simples fato de a mulher ter sido revel na ação de divórcio não significa que o pedido de retirada do
patronímico do ex-marido de seu nome tenha que ser deferido
 Fatos: João da Silva Maier casou-se com Gabriela Ferreira. Gabriela adotou o patronímico de João e passou a se
chamar Gabriela Ferreira Maier. O relacionamento chegou ao fim e João ajuizou ação de divórcio contra Gabriela
pedindo: a) que fosse decretado o divórcio; b) que Gabriela fosse condenada a retirar o patronímico “Maier” de seu
nome. Gabriela foi devidamente citada, mas não respondeu a ação. O juiz julgou o pedido parcialmente procedente
decretando o divórcio, mas mantendo o sobrenome da ré.
 Decisão: o STJ concordou com o juiz. A revelia em ação de divórcio na qual se pretende, também, a exclusão
do patronímico adotado por ocasião do casamento não significa concordância tácita com a modificação do nome
civil:
• o fato de o réu ter sido revel não significa, necessariamente, que o juiz tenha que acolher o pedido do autor;
• o nome é considerado direito indisponível, tendo em vista ser direito da personalidade;
• para que houvesse a retirada do sobrenome, seria necessária a manifestação expressa da vontade da mulher;
• a utilização do sobrenome do ex-marido por mais de 30 trinta anos demonstra que há tempo ele está incorporado
ao nome dela, de modo que não mais se pode retirá-lo, sem que cause evidente prejuízo p/ a sua identificação.
 Obs.: a doutrina civilista critica o art. 1.578 do CC em virtude de ele admitir, ainda que excepcionalmente, a
possibilidade de o “cônjuge declarado culpado” perder o direito de usar o sobrenome do outro. Para os autores, não
há mais sentido algum discutir-se culpa nas relações matrimoniais e de união estável e, segundo a posição
doutrinária, o cônjuge deve ter direito de permanecer com o sobrenome do outro em qualquer hipótese, salvo se ele
mesmo optar por não querer mais. Gostaria que você soubesse desse posicionamento doutrinário para fins de
provas discursivas e oral, no entanto, o texto do Código está em vigor e deverá ser assinalado como correto em
questões objetivas.

8.3. Mesmo já havendo um acordo homologado sobre a partilha de bens, é possível que seja feito um novo
ajuste posteriormente: A coisa julgada material formada em virtude de acordo celebrado por partes maiores e
capazes, versando sobre a partilha de bens imóveis privados e disponíveis e que fora homologado judicialmente por
ocasião de divórcio consensual, não impede que haja um novo acordo sobre o destino dos referidos bens.
72

8.4. União Estável

Partilha de prêmio da loteria mesmo que se trate de relacionamento regulado pelo regime da separação
obrigatória (art. 1.641, II, CC)
 Fatos: Em 2012, João, 70 anos de idade, passou a viver em união estável com Carla. Em 2015, João ganhou R$
2 MM na MegaSena. Alguns dias depois, João decidiu terminar o relacionamento. Em razão disso, Carla ajuizou
ação de reconhecimento e dissolução de união estável pedindo o pagamento de pensão alimentícia e a partilha dos
bens, dentre os quais o prêmio da loteria. João alegou que não tinha que dividir o patrimônio considerando que,
quando a união estável teve início, ele possuía mais de 70 anos de idade, de forma que o regime patrimonial que
regulou a relação dos dois foi o regime legal da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, II, do CC.
 Essa regra do art. 1.641, II, do CC fala em “casamento”. É possível estendê-la também para a união estável?
SIM. O STJ possui alguns julgados afirmando que essa regra específica do casamento deve ser estendida à união
estável.
 Havendo dissolução de UE regida pelo regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC), como
deve ser feita a partilha dos bens? Deverão ser partilhados apenas os bens adquiridos onerosamente na constância
da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição (STJ. 2ª Seção. J. em 26/08/2015).
Assim, Carla terá direito à meação dos bens adquiridos durante a UE, desde que comprovado o esforço comum.
 E quanto ao prêmio da loteria, ela terá direito? SIM. Segundo o art. 1.660, II do CC, a loteria ingressa na
comunhão sob a rubrica de “bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa
anterior”.
 Mas João era maior de 70. Mesmo assim, o prêmio da loteria irá ser objeto de partilha? SIM, por 4 razões:
1) Trata-se de bem comum, que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de cada
um, pouco importando se houve ou não despesa do outro consorte. A própria redação afirma, expressamente, que
“os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior”, são comuns.
2) Foi o próprio legislador quem estabeleceu a referida comunicabilidade.
3) A comunicabilidade é a regra, que admite exceções, a depender do regime de bens, sendo que aquele de
separação legal do septuagenário é diverso do regime de separação convencional, tendo recebido mitigação
reconhecida pela jurisprudência do STF e do STJ, sendo, em verdade, uma mescla de regimes.
4) A partilha dos referidos ganhos com a loteria não ofende o objetivo da lei, pois o prêmio foi ganho durante a
relação, não havendo falar em matrimônio (UE) realizado por interesse. Não se sabia que ele iria ganhar o prêmio.

No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que
comprovado o esforço comum para sua aquisição: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os
adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Esse esforço
comum não pode ser presumido. Deve ser comprovado. O regime de separação legal de bens (também chamado de
separação obrigatória de bens) é aquele previsto no art. 1.641 do CC.
 Esse “esforço comum” pode ser presumido? NÃO. O esforço comum deve ser comprovado. Quando o STJ fala
“desde que comprovado o esforço comum”, ele está dizendo que não se pode presumir. Deve ser provado pelo
cônjuge supostamente prejudicado.
 Se houvesse presunção do esforço comum o regime da separação obrigatória não existiria na prática : Se fosse
adotada a ideia de que o esforço comum deve ser presumido isso levaria à ineficácia do regime da separação
obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, o interessado teria que fazer prova negativa,
comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem.
Isso faria com que fosse praticamente impossível a separação dos aquestos.
 A exigência de comprovação do esforço comum é mais consentânea com os fins da separação legal : O
entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum,
parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente adotado no CC, pois
prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e
relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser
partilhado com a dissolução da união (prova positiva).
 Súmula 377 do STF: O STF possui uma súmula antiga sobre o tema (editada em 1964): No regime de separação
legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
 Essa súmula 377 do STF permanece válida? SIM. No entanto, ela deve ser interpretada da seguinte forma: “No
regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, desde que
comprovado o esforço comum para sua aquisição. O que foi explicado acima vale também para a UE? SIM. O STJ
possui alguns julgados afirmando que essas regras sobre separação legal devem ser aplicadas também no caso de
união estável.
 Separação LEGAL (obrigatória) ≠ Separação ABSOLUTA
73
- Separação LEGAL (OBRIGATÓRIA): Separação LEGAL (obrigatória) é aquela prevista nas hipóteses do art.
1.641 do CC. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento,
desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Aplica-se a Súmula 377 do STF.
- Separação ABSOLUTA: Separação ABSOLUTA é a separação convencional, ou seja, estipulada voluntariamente
pelas partes (art. 1.687 do CC). Na separação absoluta (convencional), não há comunicação dos bens adquiridos na
constância do casamento. Assim, somente haverá separação absoluta (incomunicável) na separação convencional.
Não se aplica a Súmula 377 do STF.

8.6. Ao fim de um casamento ou união estável, é possível que o juiz reconheça o direito de visita a animal de
estimação adquirido durante a constância do relacionamento: Na dissolução de entidade familiar, é possível o
reconhecimento do direito de visita a animal de estimação adquirido na constância da união, demonstrada a relação
de afeto com o animal. Na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de
estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a
depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do
ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.

8.7. Situações nas quais o magistrado deverá decretar a prestação de contas pelo cônjuge curador
 Teoria: v. livro.
 Fatos: João era casado com Luiza desde 1973, sob o regime da comunhão total de bens. Em julho de 2012, João
sofreu um AVC e ficou sem poder exprimir sua vontade. Diante disso, foi instaurado processo judicial de interdição,
tendo João sido interditado. O juiz nomeou Luiza (cônjuge de João) como curadora. Esta interdição durou de 2012 até
2015, quando João conseguiu ter uma ótima recuperação, voltando a falar e exprimir livremente a sua vontade. Ocorre
que o relacionamento do casal não foi mais o mesmo, tendo surgido diversas brigas e acusações mútuas. Em 2016,
divorciaram-se. Em 2017, João ajuizou ação de prestação de contas (ação de exigir contas) em face de Luiza alegando
que a ré, no período em que exerceu a curatela (de 2012 a 2015) teria dilapidado seu patrimônio, consumindo o valor
por ele recebido de verbas rescisórias em ação trabalhista, indenização dos seguros por invalidez, benefícios do INSS
e de sua previdência complementar. Contestação Luiza contestou a demanda alegando que não é obrigada a prestar
contas. Isso porque no período em que exerceu a curatela, ainda era casada com o autor pelo regime da comunhão
universal de bens, de forma que não há motivos para a prestação de contas, considerando que ela também era
proprietária dos bens.
 Decisão: o juiz deverá determinar a prestação de contas. Isso porque aquele que for nomeado “curador” tem o
dever legal de prestação de contas de sua administração, haja vista que está na posse de bens do interdito (arts. 1.755,
1.774 e 1.781 do CC). Nos termos do art. 1.757 c/c o art. 1.774, em regra, o curador deverá prestar contas: • a cada
biênio (a cada dois anos); • quando, por qualquer motivo, deixar o exercício da curadoria; ou • a qualquer tempo, se
assim o juiz determinar. Logo, a prestação de contas deverá ser periódica. Existe, contudo, uma exceção a essa
prestação de contas periódica: o curador que for cônjuge casado no regime da comunhão universal (art. 1.783 do CC).
 Exceção do art. 1.783 do CC: o art. 1.783 do CC prevê o seguinte: “Art. 1.783. Quando o curador for o cônjuge e o
regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação
judicial”. De qualquer modo, o próprio CC estabelece que, havendo determinação judicial, estará o cônjuge curador
obrigado a prestar contas. O STJ identificou duas situações nas quais o juiz deverá determinar a prestação de contas:
1) no caso dos bens comuns, se houver indício ou dúvida de malversação por parte do curador. Assim, ainda que se
trate de casamento sob o regime da comunhão de bens, diante do interesse prevalente do curatelado, havendo qualquer
indício ou dúvida de malversação dos bens o magistrado poderá e, na verdade, deverá decretar a prestação de contas
pelo cônjuge curador, resguardando o interesse do curatelado.
2) no caso de bens excluídos da comunhão (bens incomunicáveis). No casamento, mesmo aquele sob o regime da
comunhão universal, existem determinados bens que estão excluídos da comunhão (são bens incomunicáveis). É o
caso, por exemplo, dos bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade (art. 1.668, I, do CC). No que
diz respeito a esses bens, previstos no art. 1.668, o curador deverá sempre prestar contas, salvo situações excepcionais.
Isso porque o cônjuge, mesmo casado sob o regime da comunhão universal, não tem direito, em princípio, sobre tais
bens, não havendo razão, portanto, para se aplicar a regra de exclusão da primeira parte do art. 1.783 do CC.
 Em suma: O magistrado poderá decretar a prestação de contas pelo cônjuge curador, resguardando o interesse
prevalente do curatelado e a proteção especial do interdito quando: a) houver qualquer indício ou dúvida de
malversação dos bens do incapaz, com a periclitação de prejuízo ou desvio de seu patrimônio, no caso de bens
comuns; e b) se tratarem de bens incomunicáveis, excluídos da comunhão, ressalvadas situações excepcionais.

9. PARENTESCO E PROTEÇÃO DOS FILHOS

9.1. Necessidade de consentimento do indivíduo maior de 18 anos para que possa ser reconhecido como filho
 Fatos: Lucas é filho biológico de Francisca e Pedro. Ocorre que Lucas, desde que tinha 2 anos, foi criado por
Maria em razão do precoce falecimento de Francisca e Pedro. Perante a sociedade, o trabalho, os amigos, a escola
etc., Lucas sempre foi conhecido como sendo filho de Maria. Lucas, que era oficial do Exército, faleceu aos 30
74
anos, sem deixar filhos ou esposa. Maria foi orientada no sentido de que ela poderia receber pensão por morte
decorrente do falecimento de seu filho socioafetivo Lucas. Isso porque o direito, atualmente, reconhece efeitos
jurídicos para a filiação socioafetiva. No entanto, para isso, Maria deveria ingressar com uma ação de
reconhecimento de filiação post mortem. Diante disso, Maria ingressou com ação de reconhecimento judicial de
maternidade socioafetiva pedindo para ser declarada como mãe de Lucas.
 Decisão: essa ação não teve êxito. Isso porque o STJ entendeu que seria indispensável a manifestação de
vontade de Lucas (suposto filho) e, como ele está morto, o pedido deveria ser julgado improcedente.
 Maternidade socioafetiva possui proteção do ordenamento jurídico : A socioafetividade é contemplada pelo art.
1.593 do CC. Ao falar em “outra origem”, o legislador permite que a paternidade/maternidade seja reconhecida
com base em outras fontes que não apenas a relação de sangue. Logo, permite a paternidade/maternidade com base
no afeto. Assim, a paternidade/maternidade socioafetiva é uma forma de parentesco civil. Nesse sentido, é o En.
256.
 Quais são os requisitos para que se reconheça a filiação socioafetiva? Para que seja reconhecida a filiação
socioafetiva, é necessário que fiquem demonstradas duas circunstâncias bem definidas: a) vontade clara e
inequívoca do apontado pai ou mãe socioafetivo de ser reconhecido(a), voluntária e juridicamente, como tal
(demonstração de carinho, afeto, amor); e b) configuração da denominada “posse de estado de filho”,
compreendida pela doutrina como a presença (não concomitante) de tractatus (tratamento, de parte à parte, como
pai/mãe e filho); nomen (a pessoa traz consigo o nome do apontado pai/mãe); e fama (reconhecimento pela família
e pela comunidade de relação de filiação), que naturalmente deve apresentar-se de forma sólida e duradoura. STJ.
3ª Turma. J. em 21/10/2014.
 É possível o reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva mesmo após a morte do genitor (post
mortem)? SIM. É possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem, ou seja, mesmo após a
morte do suposto pai/mãe socioafetivo. Em outras palavras, é possível que o suposto filho ingresse com ação
pedindo para ser reconhecido como filho socioafetivo do pai ou mãe que já faleceu. STJ. 3ª Turma. J. em
12/4/2016.
 Por que, no caso analisado, a ação de Maria foi julgada improcedente ? Porque o filho (Lucas) não deu seu
consentimento antes de morrer.
 Consentimento do(a) filho(a) é indispensável : • Se este filho for menor de 18 anos: NÃO. Pode reconhecer sem
o consentimento do filho, mas depois que este completar 18 anos, terá até 4 anos para questionar esse
reconhecimento. • Se este filho for maior de 18 anos: SIM. Será indispensável o consentimento do filho. É o que
determina o art. 1.614. Não havia dúvidas de que o relacionamento entre Maria e Lucas desenvolveu-se como mãe
e filho, na base do puro e fraterno afeto, ternura e amor. Apesar disso, não se pode, sem o consentimento do
pretenso filho – que é impossível no caso concreto –, reconhecer a existência da maternidade socioafetiva pleiteada
por Maria, sob pena de se promover um injustificado ataque à memória e à imagem póstuma de Lucas e também de
sua genitora biológica.

9.2. Discussão sobre a possibilidade de o filho ajuizar ação de exigir contas em relação aos valores recebidos
pelos pais em nome do menor: O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens
dos filhos (usufruto legal), bem como têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade, nos
termos do art. 1.689, I e II, do CC. Por isso, em regra, não existe o dever de prestar contas acerca dos valores
recebidos pelos pais em nome do menor, durante o exercício do poder familiar. Isso porque há presunção de que as
verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de
alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros. Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação de
prestação de contas pelo filho, sempre que a causa de pedir estiver fundada na suspeita de abuso de direito no
exercício desse poder. Assim, a ação de prestação de contas ajuizada pelo filho em desfavor dos pais é possível
quando a causa de pedir estiver relacionada com suposto abuso do direito ao usufruto legal e à administração dos
bens dos filhos.

10. ALIMENTOS

10.1. O valor recebido pelo alimentante (devedor) a título de participação nos lucros e resultados deve ser
incorporado à prestação alimentar devida? Em suma, toda vez que o devedor receber participação nos lucros e
resultados, o valor da pensão deverá ser, automaticamente, pago a mais?
- 1ª corrente: NÃO. Os valores recebidos a título de participação nos lucros e resultados não se incorporam à verba
alimentar devida ao menor. É a posição da 3ª Turma do STJ.
- 2ª corrente: SIM. As parcelas percebidas a título de participação nos lucros configuram rendimento, devendo
integrar a base de cálculo da pensão fixada em percentual, uma vez que o conceito de rendimentos é amplo,
especialmente para fins de cálculo de alimentos. É a corrente adotada pela 4ª Turma do STJ.

10.2. É possível a fixação de alimentos em valores ou em percentuais diferentes entre os filhos? Em regra, não
deverá haver diferença no valor ou no percentual dos alimentos destinados a prole, pois se presume que, em tese, os
75
filhos - indistintamente - possuem as mesmas demandas vitais, tenham as mesmas condições dignas de
sobrevivência e igual acesso às necessidades mais elementares da pessoa humana. A igualdade entre os filhos,
todavia, não tem natureza absoluta e inflexível, de modo que é admissível a fixação de alimentos em valor ou
percentual distinto entre os filhos se demonstrada a existência de necessidades diferenciadas entre eles ou, ainda, de
capacidades contributivas diferenciadas dos genitores. Exemplo: João possui dois filhos, com mulheres diferentes.
Para o filho 1, paga 20% de seu salário e para o filho 2, 15%. O STJ admitiu que essas pensões sejam em valores
diferentes porque a capacidade financeira da mãe do filho 2 é muito maior do que a genitora do filho 1.

10.3. Dedução das despesas pagas in natura


 Fatos: O juiz condenou João a pagar, todos os meses, R$ 2.000,00 de pensão em favor de seu filho Lucas.
Alguns meses depois, João começou a pagar também o aluguel, o condomínio e o IPTU do apartamento onde
Lucas mora com a sua mãe. Tais despesas chegam a R$ 1.200,00. Em outras palavras, João estava pagando R$
3.200,00, sendo R$ 2.000,00 em espécie e R$ 1.200,00 in natura. Vale ressaltar que esses R$ 1.200,00 não estavam
previstos na sentença que o condenou a pagar os alimentos. João começou a ter dificuldades para arcar com todas
essas despesas. Ele continuou pagando o aluguel, condomínio e IPTU, mas passou a atrasar o pagamento dos R$
2.000,00 que estava obrigado. Depois de 4 meses sem pagar os R$ 2.000,00, Lucas, representado por sua mãe,
ajuizou execução cobrando os R$ 8.000,00 acrescidos de juros e correção monetária. Em sua defesa, o executado
alegou que arcou, durante todo o período do débito exigido, com o pagamento do aluguel, taxa de condomínio e
IPTU do imóvel onde o exequente reside com a mãe. Diante disso, pediu para compensar (deduzir) esse valor que
ele pagou in natura da quantia que ele deveria pagar em espécie. O exequente refutou o pedido afirmando que o
executado pagou o aluguel porque quis e que essa mera liberalidade não pode influenciar na dívida. O exequente
invocou, ainda, o art. 1.707 do CC.
 Decisão: É possível, em sede de execução de alimentos, a dedução na pensão alimentícia fixada exclusivamente
em pecúnia das despesas pagas "in natura", com o consentimento do credor, referentes a aluguel, condomínio e
IPTU do imóvel onde residia o exequente.
 Mas e o art. 1.707 do CC? Segundo o STJ, o objetivo desse art. 1.707 é o de evitar que o credor, ao ser obrigado
a compensar, fique sem recursos para poder suprir suas necessidades básicas (STJ. 3ª Turma. J. 18/02/2009). Por
essa razão, em regra, não se admite a compensação de alimentos fixados em pecúnia com aqueles pagos in natura.
Em regra, se o devedor pagou de forma diferente da estipulada pelo juízo, isso deve ser entendido como mera
liberalidade (STJ. 4ª Turma. DJe 12/11/2014).
 Art. 1.707 do CC não é absoluto : nesse sentido, já decidiu o STJ: (...) Esta Corte tem manifestado que a
obrigação de o devedor de alimentos cumpri-la em conformidade com o fixado em sentença, sem possibilidade de
compensar alimentos arbitrado em espécie com parcelas pagas in natura, pode ser flexibilizada para afastar o
enriquecimento indevido de uma das partes. (...) STJ. 4ª Turma. J. em 16/05/2017.
 Custeio direto de despesas alimentares : Se o devedor custeou despesas de natureza alimentar (exs.: educação,
habitação e saúde), mesmo sem que isso estivesse no título judicial, neste caso não se pode considerar que houve
uma mera liberalidade do alimentante. Houve sim o cumprimento efetivo, ainda que parcial, da obrigação
alimentar, com o atendimento de necessidades essenciais do alimentado que, certamente, teriam de ser suportadas
pela pensão mensal fixada em pecúnia. Ora, se o pai paga o colégio do filho, p. ex., isso deve sim ser abatido
porque é intuitivo que o dinheiro da pensão serviria necessariamente para custear essa despesa. Frise-se que, no
âmbito das relações de família, é comum a realização de acordos informais entre os pais do alimentado, alterando-
se a forma de pagamento da pensão fixada em juízo e passando o alimentante a realizar o pagamento direto de
algumas obrigações alimentares.

10.4. Não cabe embargos de terceiro para rediscutir sentença de exoneração de alimentos que não garante à
ex-esposa o direito de acrescer
 Fatos: João e Maria, casados, tiveram um filho (Vitor). Após anos, o relacionamento chegou ao fim. No
divórcio, foi feito um acordo a respeito dos alimentos. Ficou combinado que João pagaria, a título de alimentos à
Maria e ao Vitor (16 anos), a quantia correspondente a 30% de seus vencimentos líquidos. Quando Vitor concluiu a
faculdade, João ajuizou ação de exoneração contra ele pedindo para deixar de pagar a pensão alimentícia ao filho.
O juiz proferiu sentença deferindo o pedido. O magistrado entendeu que metade do que João pagava (15%)
pertencia a Vitor e a outra metade (15%) era de Maria. Assim, o juiz determinou que a empresa onde João trabalha
passe a descontar agora apenas 15% dos vencimentos (referentes à pensão de Maria). Maria apresentou embargos
de terceiro contra essa decisão. Alegou que deveria ter sido citada para essa ação de exoneração proposta por João.
Isso porque, segundo argumentou, o acordo celebrado no passado teria fixado uma verba alimentícia única para a
entidade familiar, tendo em vista que não houve a indicação precisa dos respectivos quinhões. Em outras palavras,
ela disse que no acordo não havia a indicação de que 15% era de Vitor e os outros 15% de Maria. Isso foi uma
criação do juiz, sem respaldo no acordo. Logo, Maria defendeu, nos embargos de terceiro, que ela teria direito de
acrescer, ou seja, teria direito de passar a receber a parte de Vitor. Assim, pediu para que esse direito fosse
reconhecido.
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 Decisão do STJ: Os embargos de terceiro não são cabíveis para o fim de declarar, em sede de ação de
exoneração de alimentos, a natureza familiar da prestação alimentícia, de forma a alterar a relação jurídica posta e
discutida na demanda principal.
 Não cabe para rediscutir a lide do processo principal : Nos embargos de terceiro não se permite discutir a lide do
processo principal. O escopo dos embargos de terceiro é tão somente o de liberar bens de terceiros que estão sendo
ilegitimamente objeto de ações alheias. No caso concreto, a embargante procurou rediscutir a sentença de
exoneração de alimentos como se os embargos de terceiro fossem um recurso, pedindo para que se declarasse a
natureza familiar e indivisível dos alimentos. Vale ressaltar que a sentença proferida não afeta o direito da autora
(ex-esposa) de continuar a perceber alimentos. Assim, fica evidente que, na verdade, o que ela pretendia com os
embargos era rediscutir algo que não foi declarado à época da lide principal: a natureza familiar da obrigação
alimentar.

10.5. Em ação de alimentos, quando se trata de credor com plena capacidade processual, cabe
exclusivamente a ele provocar a integração posterior no polo passivo
 Fatos: Lucas, 17 anos, é emancipado e mora sozinho em SP, onde faz faculdade. Seus pais são divorciados e
cada um mora em uma cidade diferente no interior do Estado. Lucas ajuizou ação de alimentos contra o pai. Ao
contestar, o genitor, dentre outras alegações, pediu o chamamento ao processo da mãe de Lucas, argumentando que
ela também pode pagar alimentos considerando que é jovem, economicamente ativa e apta a complementar o valor
necessário para a subsistência do filho. O pedido do genitor foi fundamentado no art. 1.698 do CC (“Se o parente,
que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados
a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na
proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar
a lide”).
 O pedido do pai deverá ser acolhido? O juiz deverá determinar, a requerimento do réu, o chamamento ao
processo da mãe do autor? NÃO.
 Natureza da obrigação do art. 1.698 : A doutrina majoritária, ao interpretar o art. 1.698, tem dito que a obrigação
alimentar não é solidaria, mas sim divisível, alegando que não há disposição legal que autorize a cobrança integral
do valor de só um dos codevedores, que arcam apenas com a cota que puder prestar, no limite de suas
possibilidades.
 Se todos os devedores previstos no art. 1.698 não estiverem na lide, como é possível “chama-los” para participar
do processo? Há 4 correntes: 1ª) trata-se de intervenção de terceiro anômala ou atípica, suscetível de instauração
por provocação de quaisquer das partes (Daniel Amorim). 2ª) consiste em litisconsórcio facultativo ulterior simples
e, como tal, de iniciativa privativa do autor da ação e credor dos alimentos (Cahali, de Flávio Tartuce e de Fredie
Didier Jr.). 3ª) representa hipótese de litisconsórcio necessário (Rolf Madaleno). 4ª) cuida-se de uma hipótese
adicional de chamamento ao processo (Cássio Scarpinella Bueno).
 Qual foi a corrente adotada pelo STJ? 2ª corrente (litisconsórcio facultativo ulterior simples). Trata-se, contudo,
de litisconsórcio com uma particularidade: a formação dessa singular espécie de litisconsórcio não ocorre somente
por iniciativa exclusiva do autor, mas também por provocação do réu ou do MP, quando o credor dos alimentos for
incapaz. Desse modo, o art. 1.698 do CC é um litisconsórcio facultativo ulterior simples que pode ser formado: •
por iniciativa do autor; • por provocação do réu; • por provocação do MP (quando envolver incapaz).
 Mas por que não foi admitido, no caso concreto, a provocação do réu (pai de Lucas) para que a genitora também
participasse da lide? Porque o se tratava de credor de alimentos com plena capacidade processual, hipótese em que
cabe exclusivamente a ele provocar a integração posterior no polo passivo. Se o autor (credor) não quis fazer isso,
essa sua inércia deve ser interpretada como concordância tácita com os alimentos que puderem ser prestados pelo
réu por ele indicado na petição inicial, sem prejuízo de eventual e futuro ajuizamento de ação autônoma de
alimentos em face dos demais coobrigados. O credor dos alimentos é menor emancipado, possui capacidade
processual plena e optou livremente por ajuizar a ação somente em face do genitor, cabendo a ele, com
exclusividade, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia em fazê-lo ser interpretada
como a abdicação, ao menos neste momento, da quota-parte que lhe seria devida pela genitora coobrigada, sem
prejuízo de eventualmente ajuizar, no futuro, ação de alimentos autônoma em face da genitora.
 Em síntese, em relação aos legitimados para provocar a integração do polo passivo, é possível concluir que :
a) Nas hipóteses em que o credor de alimentos reúna plena capacidade processual, cabe a ele, exclusivamente,
provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita
com os alimentos que puderem ser prestados pelo demandado;
b) Se o autor ajuizou a ação por meio de representante processual, ou seja, o credor de alimentos é incapaz, a
integração posterior do polo passivo pode ser promovida pelo réu (devedor) ou pelo MP.
 Qual é o momento processual adequado para a integração do polo passivo?
• Autor: deverá requerer em sua réplica à contestação;
• Réu: deverá requerer na contestação;
• MP: após a prática dos referidos atos processuais pelas partes.
77
Obs.: Não é possível a ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em
homenagem ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo.

10.6. Efeitos as sentença de redução, majoração ou exoneração dos alimentos: v. súmulas.

10.7. Prisão civil

Possibilidade de converter a execução sob o rito da prisão civil promovida em desfavor dos avós em execução
para penhora e expropriação de bens
 Fatos: João e Maria são avós paternos de Lucas, criança com 7 anos. Eles fizeram um acordo homologado
judicialmente no qual se obrigaram a pagar R$ 2 mil por mês, a título de pensão alimentícia, em favor do neto.
Ocorre que João e Maria deixaram de pagar a pensão e, em razão disso, Lucas, representado por sua mãe, ingressou
com execução de alimentos sob o rito do art. 528 do CPC pedindo a prisão civil dos devedores (seus avós). O juiz
mandou intimar os executados pessoalmente para, em 3 dias: a) pagarem o débito; b) provarem que já o fizeram
(provarem que já pagaram a dívida); ou c) justificarem a impossibilidade de efetuá-lo (provarem que não têm
condições de pagar). Os avós afirmaram que não possuem condições de pagar em dinheiro o débito e ofereceram
um terreno como forma de quitar a dívida. O exequente, contudo, negou a proposta.
 Será possível acolher o pedido dos avós, evitando-se a prisão? SIM. A responsabilidade dos avós na prestação
de alimentos (obrigação alimentar avoenga) possui as características da complementaridade e da subsidiariedade.
Assim, para estender a obrigação alimentar aos avós e bisavós, deve-se demonstrar fortemente que os genitores
estão absolutamente impossibilitados de prestar os alimentos de forma suficiente. O fato de os avós terem assumido
uma obrigação de natureza complementar de forma espontânea não significa dizer que, em caso de
inadimplemento, a execução deverá obrigatoriamente seguir o rito estabelecido para o cumprimento das obrigações
alimentares devidas pelos genitores, que são, em última análise, os responsáveis originários pela prestação dos
alimentos necessários aos menores. Não há dúvida de que o inadimplemento causou transtornos ao menor; mas,
sopesando-se os prejuízos que seriam causados na hipótese de manutenção do decreto prisional dos idosos, conclui-
se que a solução mais adequada à espécie é autorizar a conversão da execução para o rito da penhora e da
expropriação, o que, a um só tempo, homenageia o princípio da menor onerosidade da execução (art. 805 do CPC)
e o da máxima utilidade da execução.

O juiz não pode liberar o devedor de alimentos da prisão alegando que ele pagou quase toda a dívida e que,
portanto, deve ser aplicada a teoria do adimplemento substancial
 Fatos: João estava devendo R$ 4 mil de pensão alimentícia a seu filho Lucas. Diante disso, Lucas ajuizou
execução de alimentos sob o rito do art. 528 do CPC. O juiz decretou, então, a prisão civil do devedor. O advogado
de João conseguiu reunir R$ 3.800,00 com familiares de seu cliente e depositou a quantia em juízo. O causídico
requereu a liberdade do devedor pedindo a aplicação da teoria do adimplemento substancial, argumentando que o
executado cumpriu 95% da obrigação e que, portanto, esses 5% restantes poderiam ser exigidos por meio de outras
medidas executivas, não sendo razoável manter-se a prisão.
 Teoria do adimplemento substancial: v. livro.
 Decisão: A teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares,
revelandose inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar. A teoria tem
aplicação restrita ao âmbito do direito contratual, não tendo incidência, portanto, nos vínculos jurídicos familiares.
A obrigação alimentar diz respeito a bem jurídico indisponível, intimamente ligado à subsistência do alimentando.
A relevância desses alimentos é tão grande que o legislador constituinte previu como hipótese na qual cabe prisão
civil, o que demonstra que se trata de uma dívida diferente das demais. Esse entendimento se justifica porque os
alimentos impostos por decisão judicial guardam consigo a presunção de que o valor econômico neles contido
traduz o mínimo existencial do alimentando, de modo que a subtração de qualquer parcela dessa quantia pode
ensejar severos prejuízos a sua própria manutenção. Além disso, o julgamento sobre a cogitada irrelevância do
inadimplemento da obrigação não se prende ao exame exclusivo do critério quantitativo, sendo também necessário
avaliar sua importância para satisfazer as necessidades do credor alimentar. Ora, a subtração de um pequeno
percentual pode mesmo ser insignificante para um determinado alimentando, mas possivelmente não para outro,
mais necessitado. Tem-se que o critério quantitativo não é suficiente nem exclusivo para a caracterização do
adimplemento substancial.

É possível a aplicação do art. 528, § 7º do CPC/2015 para execuções iniciadas na vigência do antigo CPC
 Fatos: Em 2015, Lucas ajuizou execução de alimentos sob o rito do art. 733 do CPC/73 pedindo a prisão civil
do seu pai, devedor. Em 2016, já sob a vigência do NCPC, o juiz determinou a prisão civil do executado,
fundamentando sua decisão no art. 528, § 7º do NCPC, que preconiza que o débito alimentar que autoriza a prisão
civil do alimentante é o que compreende até as 3 prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se
vencerem no curso do processo. O devedor impetrou HC alegando, dentre outros argumentos, que a decisão não
poderia ter aplicado o art. 528, § 7º do NCPC considerando que a execução teve início com o CPC anterior.
78
 O argumento do executado foi acolhido pelo STJ? NÃO. É possível a aplicação imediata do art. 528, § 7º, pois
ele apenas positivou o entendimento contido na S. 309/STJ, de 2006, de modo que a regra vigente à época do início
da execução de alimentos já era a mesma. Ainda que assim não fosse, a teoria do isolamento dos atos processuais,
adotada nos arts. 14 e 1.046 do NCPC, determina que a nova lei processual deverá ser aplicada imediatamente,
respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas, não havendo, na hipótese, retroação
da lei nova sob qualquer ótica e, assim, inexistente a violação de qualquer regra de direito intertemporal.

11. SUCESSÕES

11. 1. Sucessão de companheiro

Se o falecido deixou apenas companheira (sem ascendentes ou descendentes), ela herdará a totalidade da
herança
 Fatos: João e Maria viviam em união estável há mais de 20 anos. João faleceu. Vale ressaltar que os pais e avós
de João já eram falecidos e que ele não teve filhos. Em outras palavras, João morreu sem deixar descendentes e
ascendentes. João era muito rico e deixou um grande patrimônio. Pedro, irmão de João, ingressou com um pedido
no juízo do inventário requerendo 2/3 da herança deixada pelo seu colateral, com base no que prevê o art. 1.790,
III, do CC: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá
direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor
da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes
sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança”.
 O pedido de Pedro deverá ser aceito? NÃO. Pedro não tem direito à herança. Mas como não tem direito? E o
art. 1.790, III, do CC? O art. 1.790 não é válido. O STF entendeu que este artigo é inconstitucional e que, portanto,
não deve ser aplicado. O art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola:
• o princípio da igualdade que deve existir entre casamento e união estável;
• a dignidade da pessoa humana;
• o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e
• o princípio da vedação ao retrocesso.
 Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras
que deverão ser aplicadas para a partilha dos bens de João? A união estável deve receber o mesmo tratamento
conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro (como foi o caso de João),
deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no
art. 1.829 do CC. Em outras palavras, mesmo João e Maria sendo companheiros (união estável), devem ser
aplicadas as regras de sucessão como se eles fossem casados. Pelas regras do art. 1.829, se o falecido morreu sem
deixar descendentes (filhos, netos etc.) ou ascendentes (pais, avós etc.), o cônjuge/companheiro terá direito à
totalidade da herança, sem ter que repartir nada com os demais parentes colaterais (como irmãos, tios, sobrinhos
etc.). Isso significa dizer que, como João deixou companheira, a situação se amolda ao inciso III do art. 1.829 do
CC. Diante disso, Pedro (irmão do falecido, portanto, colateral) não terá direito a nada, salvo se não houvesse
companheira, considerando que, neste caso, o fato se enquadraria no inciso IV do art. 1.829.
 Obs.: no art. 1.845 há o rol dos herdeiros necessários e nele não consta o companheiro sobrevivente. Pode-se
afirmar que, pela decisão do STF, o companheiro sobrevivente é agora herdeiro necessário? Não, pois o STF ainda
não se manifestou a respeito (embora a doutrina majoritária assim defenda).

11.2. Direito real de habitação

O cônjuge/companheiro sobrevivente possui direito real de habitação mesmo que seja proprietário de outros
bens
 Direito real de habitação (art. 1.831): “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao
imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”. Ex.: João era
casado com Maria. Faleceu, deixando 4 filhos e, como herança, um único apartamento, que estava em seu nome e
onde morava com a esposa. Nesse caso, Maria terá direito real de habitação sobre esse imóvel.
 O que significa isso? A pessoa que tem direito real de habitação poderá residir no imóvel. Logo, mesmo
havendo 4 filhos como herdeiros, Maria é quem terá direito de ficar residindo no apartamento. O direito real de
habitação tem por objetivo garantir o DF à moradia (art. 6º da CF) e o postulado da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III da CF).
 Recai sobre o imóvel destinado à residência da família : O cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação
sobre o imóvel em que residia o casal, desde que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no
momento da abertura da sucessão (STJ, j. em 2013).
79
 O que significa “desde que seja o único daquela natureza a inventariar”? Se o cônjuge/companheiro
sobrevivente tiver outros imóveis, ele fiará impedido de ter direito real de habitação? NÃO. Essa interpretação não
é correta. O que prevalece é o seguinte: O cônjuge ou companheiro sobrevivente possui direito real de habitação
mesmo que seja proprietário de outros bens. O reconhecimento do direito real de habitação, a que se refere o art.
1.831 do CC, não pressupõe a inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente. O
que esse trecho quer dizer é que, dentro do acervo hereditário deixado pelo falecido, não pode haver mais de um
imóvel destinado a fins residenciais.
 Relativização dessa exigência: “(...) desde que seja o único daquela natureza a inventariar” : Essa relativização é
feita para permitir que o cônjuge/companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia com
o(a) falecido(a). Isso se justifica não apenas como uma forma de concretizar o direito constitucional à moradia, mas
também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e
psicológico estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não
somente residência, mas um lar. Assim, o cônjuge ou companheiro sobrevivente possui direito real de habitação
mesmo que seja proprietário de outros bens. Por duas razões:
1) a correta interpretação é a de que a parte final do art. 1.831 está se referindo apenas aos bens deixados pelo
morto. Assim, dentro do acervo hereditário deixado pelo falecido, não poderia haver mais de um imóvel destinado
a fins residenciais;
2) mesmo essa intepretação exposta no item 1 é relativizada e há julgados do STJ e autores que defendem que ela
deve ser ignorada em prol de razões de ordem humanitária e social, tendo em vista o apego emocional do
cônjuge/companheiro sobrevivente em relação a este lar.
 O regime de bens do casamento interfere no reconhecimento do direito real de habitação? NÃO.
 O fato de o cônjuge falecido ter tido filhos com outra mulher interfere no direito real de habitação da esposa
sobrevivente? NÃO.
 Até quando dura o direito real de habitação? O titular do direito real de habitação poderá, se quiser, morar no
imóvel até a sua morte. Trata-se, portanto, de um direito vitalício.
 Se o cônjuge sobrevivente casar novamente, ele continuará tendo direito real de habitação? SIM (posição
majoritária). Isso porque o CC/1916 previa que o direito real de habitação seria extinto caso o cônjuge sobrevivente
deixasse de ser viúvo, ou seja, caso se casasse ou iniciasse uma união estável (art. 1.611, § 2º). Como o CC não
repetiu essa regra, entende-se que houve um silêncio eloquente e que não mais existe causa de extinção do direito
real de habitação em caso de novo casamento ou união estável.
 O direito real de habitação precisa ser inscrito no registro imobiliário? NÃO. O direito real de habitação em
favor do cônjuge sobrevivente se dá ex vi legis, ou seja, por força de lei, dispensando registro no cartório
imobiliário, já que guarda estreita relação com o direito de família (STJ).
 Existe direito real de habitação no caso da morte de companheiro (união estável)? SIM.
 O art. 1.831 do CC fala apenas em cônjuge. Qual é o fundamento para estender o direito real de habitação
também aos companheiros? Esse dispositivo deverá ser interpretado cf. a regra contida no art. 226, § 3º, da CF, que
reconhece a união estável como entidade familiar. Assim, deve-se buscar uma interpretação que garanta à pessoa
que viva em união estável os mesmos direitos que ela teria caso fosse casada. O art. 226, § 3º da CF é uma norma
de inclusão, sendo contrária ao seu espírito a tentativa de lhe extrair efeitos discriminatórios entre cônjuge e
companheiro.
 Lei 9.278/96: outro fundamento pelo qual o direito real de habitação poderia ser concedido aos companheiros é
a Lei 9.278/96, que concede esse direito à união estável. Mas a Lei 9.278/96 ainda persiste? Ainda está em vigor
mesmo com o CC? SIM. O CC não revogou as disposições constantes da Lei 9.278/96, subsistindo a norma que
confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente diante da omissão do CC em disciplinar tal matéria
em relação aos conviventes em união estável, consoante o princípio da especialidade (STJ).
 A companheira sobrevivente faz jus ao direito real de habitação (art. 1.831 do CC) sobre o imóvel no qual
convivia com o companheiro falecido, ainda que tenha adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido
do seguro de vida do de cujus: Ex.: João vivia em união estável com Maria. Faleceu, deixando 4 filhos e, como
herança, um apartamento, que estava em seu nome e onde ele morava com a companheira. Ademais, João deixou
um seguro de vida em que sua companheira figurava como beneficiária da apólice, tendo ela, portanto, recebido R$
300k de indenização da seguradora. Com o dinheiro, Maria comprou uma casa, que aluga para terceiros. Maria
continuará tendo direito real de habitação sobre o apartamento. O fato de a companheira ter adquirido outro imóvel
residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do de cujus não tem o condão de excluí-la do direito real
de habitação referente ao imóvel em que residia com seu companheiro ao tempo da abertura da sucessão, pois,
segundo o art. 794 do CC, no seguro de vida, para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas
do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. Dessa forma, se o dinheiro do seguro não se
insere no patrimônio do de cujus, não há falar em restrição ao direito real de habitação, porque o imóvel adquirido
pela companheira sobrevivente não faz parte dos bens a inventariar.

11.3. Inventário
80
Citação dos herdeiros por correio com AR
 Fatos: João faleceu e deixou 17 herdeiros. A viúva ingressou com ação de inventário na vara de sucessões de
BH. Na inicial foram indicados todos os herdeiros, com os respectivos endereços. Ocorre que alguns herdeiros
moram em Municípios do interior do Estado. O juiz determinou a citação por edital dos herdeiros que não residem
em BH.
 Agiu corretamente o juiz? Essa citação foi válida? NÃO. Todos os herdeiros foram detalhadamente
identificados na petição inicial tendo a inventariante informado, de modo preciso, seus respectivos endereços.
Desse modo, não há motivo para fazer a citação por edital. Tais herdeiros deveriam ter sido citados por carta com
aviso de recebimento. Vale ressaltar que também seria indevida a citação desses herdeiros por meio de oficial de
justiça, considerando que esta providência acarretaria prejuízo à celeridade do processo.
 CPC/15: Vale ressaltar que o presente julgado foi proferido com base no CPC/1973. No entanto, penso que a
solução seria a mesma com o CPC/15. O art. 626, § 1º do CPC/15 prevê expressamente a citação dos herdeiros por
correio, com aviso de recebimento. Além disso, o legislador determinou também a publicação de edital para avisar
outros eventuais interessados (credores, cessionários etc.). Desse modo, o sistema atual é o seguinte: Citação pelo
correio do cônjuge/companheiro, herdeiros e legatários + publicação de edital.

Averbação das modificações realizadas em imóveis como condição para o inventário


 Inventário: é o processo instaurado com o objetivo de se apurar quais foram os bens deixados pelo falecido e,
após isso, realizar a partilha entre os herdeiros (revisão – pp. 558-560).
 Fatos: João faleceu e deixou 3 herdeiros: Maria, a esposa supérstite e dois filhos. Maria ajuizou ação de
inventário pedindo a arrecadação e partilha dos bens. O juiz nomeou Maria como inventariante (art. 617, I, do
CPC). A inventariante apresentou em juízo a relação dos bens deixados pelo falecido (art. 620, IV, do CPC). O juiz
percebeu que, dentre esses bens deixados como herança, havia um terreno no qual João, antes de morrer, construiu
pequenos apartamentos e boxes de garagem para alugar. O problema é que João fez essas acessões no imóvel, mas
não realizou a averbação perante o respectivo CRI. Essa providência era obrigatória. Isso porque a LRP determina
a averbação das alterações realizadas em bens imóveis, na forma do art. 167, II, “4”, e do art. 169. Percebendo essa
situação, o juiz proferiu decisão interlocutória determinando que o inventário só poderia prosseguir depois de a
inventariante providenciar a referida averbação. “Enquanto a inventariante não providenciar isso, o inventário
ficará suspenso”, afirmou o magistrado. A inventariante recorreu contra a decisão afirmando que ela violava o livre
acesso à Justiça.
 Agiu corretamente o magistrado? É possível determinar a suspensão do processamento de uma ação de
inventário até que a inventariante providencie a averbação das edificações perante o Registro de Imóveis? SIM. É
legítima a decisão judicial que determina a averbação, no respectivo registro, das modificações realizadas em bens
imóveis submetidos à partilha como condição de procedibilidade da ação de inventário. A imposição de
determinadas restrições ao exercício do DF de acesso à justiça pelo jurisdicionado é admissível desde que o
elemento condicionante seja razoável. A imposição judicial para que sejam regularizados os bens imóveis que
pertenciam ao falecido para que, apenas a partir deste ato, seja dado adequado desfecho à ação de inventário, é uma
“condicionante razoável”. Frise-se que a exigência imposta pelo juiz possui, inclusive, uma importância de ordem
prática. Isso porque senão seria difícil (ou até impossível) a avaliação, precificação, divisão ou até mesmo a
alienação do imóvel em questão antes de ele ser regularizado.

Possibilidade de a parte já ingressar direto na via ordinária por entender que o juízo do inventário não é
competente para a demanda
 Fatos: João faleceu e deixou dois filhos como herdeiros (Guilherme e Sarah). Foi aberto inventário judicial na
vara de sucessões. Guilherme entendeu que sua irmã (Sarah) havia dilapidado o dinheiro do pai no período em que
estava cuidando dele, nos últimos momentos de vida do patriarca. Diante disso, Guilherme ajuizou, na vara cível,
uma ação de exigir contas contra Sarah. Ao ser citada na ação de exigir contas, Sarah arguiu a incompetência da
vara cível afirmando que há um processo de inventário tramitando na vara de sucessões e que este juízo é que seria
competente para decidir o tema. Sarah argumentou que o art. 612 do CPC é um comando destinado ao magistrado e
que somente ele é que pode decidir se remete ou não o tema para as vias ordinárias, não podendo a parte, desde
logo, propor diretamente ação autônoma. Assim, para Sarah, Guilherme deveria ter feito o pedido de prestação de
contas no juízo do inventário e, se este entendesse que o tema exigiria mais provas, remeteria as partes para as vias
ordinárias.
 Decisão: o STJ não acolheu o argumento de Sarah. O fato de a parte, vislumbrando desde logo a necessidade de
uma atividade instrutória diferenciada e ampla, propor ação autônoma em juízo distinto do inventário não acarreta
nulidade de nenhuma espécie. Trata-se, ao contrário, de medida que atende aos princípios da celeridade e da
economia processual. O art. 612 do CPC não proíbe a parte de buscar, pelas vias ordinárias, o acolhimento de
pretensão incompatível com o rito do inventário. O que esse artigo diz é apenas que, se a parte fizer um pedido que
envolva uma questão de alta indagação no juízo do inventário, deverá o magistrado remetê-la às vias ordinárias.
Não está dito, todavia, que está excluída a possibilidade de a parte deduzir a sua pretensão de modo autônomo,
inclusive porque o juízo cível também deve examinar a sua própria competência, sendo-lhe lícito, por exemplo,
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reconhecer que a questão a ele submetida não era de alta indagação e que, em razão disso, a competência era do
juízo universal do inventário. Admitir a tese defendida por Sarah significa dizer que a parte, mesmo ciente da
complexidade da controvérsia e da necessidade de ampla instrução, estaria obrigada a deduzir a sua pretensão
perante o juízo incompetente apenas para ter uma resposta negativa e, somente então, ingressar com a ação no juízo
correto. Trata-se de raciocínio que fere os princípios da razoável duração do processo, da celeridade, e da economia
processual.

11.4. Colação

O cálculo do valor de colação dos bens doados deverá ser feito tendo como critério o tempo da liberalidade ou
da abertura da sucessão?
 Colação: revisão (v. livro).
 Fatos: Pedro, viúvo, possuía três filhos. Em 2010, o patrimônio total de Pedro era de R$ 1 milhão. Neste ano,
Pedro doou um apartamento para Lucas, seu filho caçula. Vale ressaltar que, segundo o mercado imobiliário da
época, o apartamento doado custava R$ 700 mil. Em 2014, Pedro morreu. Será aberto um inventário para tratar
sobre a partilha dos bens de Pedro e Lucas deverá “trazer à colação” o apartamento que lhe foi doado. O que
significa isso, na prática? Ele deverá informar no inventário que recebeu essa doação. Essa providência é necessária
para se analisar se a doação feita pelo indivíduo extrapolou ou não a parte disponível da herança, ou seja, a parte
que ele poderia doar (metade de seus bens). Lucas trouxe o bem à colação, ou seja, informou ao juiz do inventário
que seu pai, em vida, havia lhe doado um apartamento de R$ 700 mil. Vale ressaltar, no entanto, que houve uma
melhoria no bairro e o apartamento doado atualmente vale, no mercado imobiliário, R$ 1 milhão. Diante disso,
surgiu um impasse quanto ao valor do bem que deveria ser considerado no inventário: Lucas queria que se
considerasse como sendo R$ 700 mil. Para tanto, ele fundamentou seu pedido no art. 2.004 do CC. Os demais
herdeiros, por outro lado, afirmavam que se deve considerar o valor do apartamento no momento da morte do pai,
ou seja, R$ 1 milhão. Utilizaram como base legal o art. 1.014, p. u., do CPC/73.
 Decisão: O STJ decidiu que deveria ser utilizado o valor calculado no momento da doação (acrescido de
correção monetária). Havia uma antinomia entre o art. 2.004 do CC e o art. 1.014, parágrafo único, do CPC/1973.
Diante disso, o STJ decidiu que deveria ser adotada a regra do CC, considerando que este diploma civil foi editado
em 2002 e, portanto, teria revogado o CPC/1973. Dessa forma, o STJ, com base no art. 2.004 do CC/2002, afirmou
que o valor de colação dos bens deverá ser aquele atribuído ao tempo da doação. Atenção: apesar de não haver
previsão expressa no art. 2.004, o STJ afirmou que o valor dos bens deverá ser corrigido monetariamente até a data
da abertura da sucessão. Assim, o valor de colação dos bens doados deverá ser aquele atribuído ao tempo da
liberalidade (tempo da doação) + correção monetária até a data da abertura da sucessão.
 Nova polêmica: CPC/2015: cf. visto acima, o principal fundamento do STJ para afastar a regra do CPC/73
(cálculo ao tempo da morte) e aplicar o CC/02 (cálculo ao tempo da liberalidade) foi o de que o CC/02, mais
recente, teria revogado o CPC/73 nesta parte. Ocorre que o art. 639 do CPC/15 repetiu, em linhas gerais, a mesma
regra do CPC/73. Diante disso, não se pode afirmar que a conclusão do STJ no REsp 1.166.568-SP seria a mesma
caso a morte tivesse ocorrido agora, ou seja, sob a vigência do CPC/15. Isso porque este diploma é posterior ao
CC/02 e, pelo menos sob o critério cronológico, teria prevalência em relação ao Código Civil.

DIREITO DO CONSUMIDOR

1. CONCEITO DE CONSUMIDOR

1.1. Aplica-se o CDC aos empreendimentos habitacionais promovidos por sociedades cooperativas (S. 602/STJ)

1.2. Limitação do direito à indenização em viagens internacionais: o STJ passou a acompanhar o entendimento
do STF de que prevalecem as Convenções internacionais de Varsóvia e Montreal, que determinam a indenização
tarifada em caso de transporte internacional, sobre o CDC, que garante ao consumidor o princípio da reparação
integral do dano. Por que prevalecem as Convenções? Porque a CF determinou que, em matéria de transporte
internacional, deveriam ser aplicadas as normas previstas em tratados internacionais.
 3 importantes observações: 1) as Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporte
internacional (art. 178 da CF/88). Em caso de transporte nacional, aplica-se o CDC;
2) as Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na hipótese de extravio de bagagem,
mas também em outras questões envolvendo o transporte aéreo internacional.
3) a limitação indenizatória prevista nas Convenções abrange apenas a reparação por danos materiais, não se
aplicando para indenizações por danos morais (o STF também discutiu apenas o dano material).
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1.3. Contrato de conta-corrente mantida entre corretora de Bitcoin e instituição financeira: não se aplica o
CDC: v. D. Empresarial.

2. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO

2.1. Corpo estranho em alimento industrializado: o STJ diverge:


(i) 3ª e 4ª T.: Só haverá condenação por danos morais se o consumidor engolir o objeto estranho. Isso porque
referida situação não configura desrespeito à dignidade da pessoa humana, desprezo à saúde pública ou mesmo
descaso para com a segurança alimentar. A ausência de ingestão de produto impróprio para o consumo configura,
em regra, hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta eventual pretensão indenizatória
moral.
(ii) 3ª T. (outras composições): Haverá danos morais ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo. Isso porque
há ofensa ao DF à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. O simples ato de
“levar à boca” o alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua
ingestão. A disponibilização de produto considerado impróprio para consumo em virtude da presença de objeto
estranho no seu interior afeta a segurança que rege as relações consumeristas na medida que expõe o consumidor a
risco de lesão à sua saúde e segurança e, portanto, dá direito à compensação por dano moral.

2.2. Bancorbrás responde por acidente de consumo ocorrido em hotel conveniado:


 Bancorbrás: é uma empresa privada que presta um serviço chamado de “Clube de Turismo Banrcorbrás”. Por
meio dele, o cliente paga um valor mensal (ex: R$ 200) e, depois de um ano, pode utilizar 7 diárias em um dos
milhares de hotéis que a Bancorbrás tem convênio, no Brasil e no exterior. É a chamada “rede conveniada”.
 Decisão do STJ: A Bancorbrás é parte legítima para figurar no polo passivo de ação indenizatória de dano moral
decorrente de defeito do serviço prestado por hotel integrante de sua rede conveniada.
 Fato do serviço + responsabilidade objetiva + solidariedade entre todos os integrantes da cadeia do
fornecimento
 Bancorbrás não é mera intermediadora : O caso, portanto, não pode ser tratado como culpa exclusiva de terceiro,
pois o hotel conveniado integra a cadeia de consumo referente ao serviço introduzido no mercado pela Bancorbrás.
Os prestadores de serviço de hospedagem credenciados funcionam como verdadeiros prepostos ou representantes
autônomos da Bancorbrás, o que atrai a incidência do art. 34 do CDC. Deste modo, é de se reconhecer a
legitimidade passiva ad causam da Bancorbrás para responder por defeito do serviço de hotel conveniado.

2.3. Alteração do transporte aéreo para terrestre e ocorrência de roubo: dever de indenizar
 Fatos: João comprou uma passagem de ônibus de Campinas (SP) para São Paulo (SP). Durante o trajeto, o
coletivo foi parado por ladrões, que roubaram e agrediram os passageiros.
 Direito de receber indenização? NÃO. A jurisprudência do STJ entende que o roubo dentro de ônibus configura
hipótese de fortuito externo, por se tratar de fato de terceiro inteiramente independente ao transporte em si,
afastando-se, com isso, a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados aos passageiros.
 Fatos 2: Pedro comprou uma passagem aérea de Brasília (DF) para São José do Rio Preto (SP). Ocorre que a
companhia cancelou o voo e, em vez de disponibilizar outro avião para transportar os passageiros, ofereceu o
transporte para o mesmo trecho mediante ônibus. Pedro tinha um compromisso urgente em São José do Rio Preto
(SP) e, por essa razão, preferiu aceitar realizar o transporte terrestre. Ocorre que, no percurso, o ônibus foi parado
por ladrões, que roubaram e agrediram os passageiros, dentre eles Pedro. Diante disso, Pedro ajuizou ação de
indenização por danos morais e materiais contra a companhia aérea. A ré contestou a demanda afirmando que é
pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que o roubo ocorrido em ônibus constitui-se como fortuito
externo, sendo, portanto, causa excludente do dever de indenizar.
 Direito de receber indenização? Sim. Há uma peculiaridade que faz com que a companhia tenha
responsabilidade civil. Pedro firmou com a empresa um contrato de transporte AÉREO, modalidade que, além de
implicar uma maior comodidade e celeridade em relação à via terrestre, revela-se também muito mais segura,
fatores que justificam, inclusive, o valor mais elevado da passagem. A possibilidade de ocorrer um roubo cometido
com arma de fogo dentro de um avião é praticamente nula. Por outro lado, tem sido cada dia mais comum a
ocorrência de assaltos em ônibus. Dessa forma, a partir do momento em que a empresa altera, de forma unilateral, a
modalidade de transporte aéreo contratada pelo rodoviário, ela passou a assumir todos os riscos daí advindos.
Assim, pode-se dizer que a alteração substancial e unilateral do contrato firmado – de transporte aéreo para terrestre
-, sem dúvida alguma, acabou criando uma situação favorável à ação de terceiros, não podendo a transportadora
agora, após a criação efetiva do risco de ocorrência de roubo contra os passageiros, valer-se da excludente do
fortuito externo para se eximir da responsabilidade. Por esse motivo, também NÃO é possível invocar o art. 14, §
3º, II, do CDC, pois não se verificou culpa exclusiva de terceiro, em virtude da concorrência da transportadora para
o resultado lesivo.
Obs.: e se Pedro tivesse ajuizado ação contra a empresa de transporte rodoviário, ele teria êxito? Não! V. acima.
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2.4. Concessionária de transporte ferroviário deve pagar indenização à passageira que sofreu assédio sexual
praticado por outro usuário no interior do trem? O STJ está dividido sobre o tema:
• 3ª Turma do STJ: SIM: A concessionária de transporte ferroviário pode responder por dano moral sofrido por
passageira, vítima de assédio sexual, praticado por outro usuário no interior do trem. STJ. 3ª Turma.
• 4ª Turma do STJ: NÃO. A concessionária de transporte ferroviário não responde por ato ilícito cometido por
terceiro e estranho ao contrato de transporte. STJ. 4ª Turma. *V. livro

2.5. A lanchonete tem o dever de indenizar o consumidor que sofreu roubo armado na fila do drive-trhu
 Existe dever de indenizar em caso de roubo mediante uso de arma de fogo?
- Regra: NÃO. Em caso de roubo mediante uso de arma de fogo, em regra, não há dever de indenizar, ainda que no
âmbito da responsabilidade civil objetiva. Isso porque se trata de fato inevitável e irresistível, acarretando uma
impossibilidade quase absoluta de não ocorrência do dano.
- Exceções: a) serviços que, em sua natureza, envolvem risco à segurança. Aqui o risco é um evento previsível. Ex:
atividades bancárias.
b) quando há exploração econômica direta da atividade. Ex: estacionamentos pagos.
c) quando, em troca dos benefícios financeiros indiretos, o fornecedor assume, ainda que implicitamente, o dever
de lealdade e segurança. Ex: estacionamentos gratuitos de shoppings e hipermercados.
d), quando o empreendedor acaba atraindo para si tal responsabilidade. Ex: se o fornecedor divulga essa segurança
em oferta ou publicidade.
 Súmula 130: A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em
seu estacionamento.
-A Súmula fala em dano ou furto. Assim, em regra, não se aplica para roubo. Em regra, roubo é fortuito externo e,
portanto, excludente de indenizar. Ex: não se aplica a Súmula 130 do STJ em caso de roubo de cliente de
lanchonete fast-food, se o fato ocorreu no estacionamento externo e gratuito por ela oferecido.
- Situações nas quais o STJ afirmou que a Súmula 130 deve ser aplicada em caso de roubo, ou seja, mesmo
havendo roubo, a empresa deverá indenizar:
• em se tratando de shopping centers, é devida a indenização mesmo em caso de tentativa de roubo armado;
• em caso de roubo ocorrido em estacionamento pago (empresas de estacionamento pago);
• quando o estacionamento era de um grande shopping center ou de uma rede de hipermercado.
 O roubo ocorrido em drive-thru pode ser considerado fortuito interno ou externo? Fortuito interno. O drive-thru
é uma forma de atendimento ou de serviço diferenciado de fornecimento de mercadorias em que o estabelecimento
comercial disponibiliza a seus clientes a opção de aquisição de produtos sem que tenham de sair do automóvel. O
consumidor é atendido e servido ao “passar” com o veículo pelo restaurante, mais precisamente em área contígua à
loja. A rede de restaurantes, ao disponibilizar o serviço de drive-thru aos seus clientes, atrai para si a obrigação de
indenizá-los por eventuais danos causados, não havendo que se falar em rompimento do nexo causal. Em troca dos
benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, a lanchonete assumiu o
dever implícito de lealdade e segurança, incidindo, aí, o princípio da confiança. Trata-se, portanto, da exceção
prevista na letra “c” explicada no quadro acima. Importante assinalar que o sistema drive thru não é apenas uma
comodidade adicional ou um fator a mais de atração de clientela. É também um elemento essencial de viabilidade
da atividade empresarial exercida, sendo o modus operandi do serviço.
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2.6. Prazo prescricional para ação de indenização em caso de furto de joia empenhada: A parte celebrou
contrato de mútuo com a instituição financeira e deu uma joia em penhor como garantia do débito. Ocorre que a
joia foi furtada de dentro do banco. Diante disso, o devedor (mutuário) terá que pleitear indenização pelos prejuízos
sofridos com o furto, sendo de 5 anos o prazo prescricional para essa ação de ressarcimento. O furto das joias,
objeto do penhor, constitui falha do serviço prestado pela instituição financeira, devendo incidir o prazo
prescricional de 5 anos para a ação de indenização, conforme previsto no art. 27 do CDC.
Obs. 1: O furto ocorrido deve ser entendido como fortuito interno, inerente à atividade explorada pelo banco.
Assim, a instituição financeira é responsável por furtos ou mesmo roubos em seus cofres.
Obs. 2: Essa cláusula que limita o valor da indenização é válida? NÃO. O STJ entende que essa cláusula é nula.

3. RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO

3.1. Dever do comerciante de receber e enviar os aparelhos viciados p/ a assistência técnica ou para o
fabricante
Se o produto que o consumidor comprou apresenta um vício, ele tem o direito de ter esse vício sanado no prazo de
30 dias (CDC, art. 18, §1º). Para tanto, o consumidor pode escolher p/ quem levará o produto a fim de ser
consertado: a) para o comerciante;
b) para a assistência técnica ou
c) para o fabricante.
Em outras palavras, cabe ao consumidor a escolha para exercer seu direito de ter sanado o vício do produto em 30
dias: levar o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante.
Justificativa: O consumidor já teve a frustração de ter adquirido um produto que apresentou vício. Não é razoável
que, além disso, ele tenha que ter o desgaste de procurar onde é a assistência técnica, agendar uma visita e ir até o
local levar o produto. Deve-se facilitar a situação do consumidor e, por isso, o mais correto é que ele tenha a opção
de escolher para quem irá encaminhar o produto com vício. A responsabilidade da loja (comerciante) decorre da
solidariedade passiva imposta pelo microssistema do CDC a todos os fornecedores integrantes da cadeia de
consumo para a reparação dos vícios que os produtos alienados ao consumidor final venham apresentar. Impedir
que o consumidor retorne ao comerciante para que ele encaminhe o produto para que o fabricante repare o vício
representa lhe impor dificuldades ao exercício de seu direito de possuir um bem que sirva aos seus propósitos. O
comerciante tem muito mais acesso ao fabricante do bem danificado por ele comercializado do que o consumidor.

3.2. Prazo prescricional em caso de vício de qualidade e de quantidade em imóvel adquirido por consumidor
 Fatos: imóvel comprado na planta que foi entregue com vício de quantidade (menor tamanho) e de qualidade
(piso com material de menor qualidade ao previsto no contrato). Consumidor ajuizou ação indenizatória por danos
materiais contra a construtora. Na contestação, a construtora alegou que a situação narrada configuraria “vício do
produto” e que teria havido a decadência do direito de o consumidor reclamar, já que o prazo máximo seria de 90
dias, com base no art. 26, II, do CDC.
 Decisão: O art. 26 do CDC não trata sobre o prazo que o consumidor tem para ajuizar ação de indenização. O
prazo decadencial do art. 26 é o prazo que o consumidor possui para exigir uma das alternativas previstas no art. 20
do CDC: a) reexecução dos serviços; b) restituição da quantia paga; c) abatimento proporcional do preço. Quando a
pretensão do consumidor é de natureza indenizatória, não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente
condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição. E qual é este prazo de prescrição? O CDC não tem um dispositivo
que trata especificamente sobre o prazo prescricional para indenização decorrente de inadimplemento contratual.
Diante dessa lacuna, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC.
Obs.: Por que não se aplica o prazo de 5 anos do art. 27 do CDC? Porque o caso em tela envolve vício do produto e
o art. 27 do CDC trata apenas sobre fato do produto.

4. PLANO DE SAÚDE

4.1. Não se aplica o CDC ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão (S.
608/STJ)

4.2. Plano de saúde não pode negar tratamento prescrito por médico sob o fundamento de que sua utilização
está fora das indicações descritas na bula (uso off-label)
 Fatos: João encontra-se com câncer no cérebro. O médico prescreveu que ele fizesse tratamento quimioterápico
com um medicamento chamado “Temodal”. Mas, o plano de saúde não autorizou o tratamento, sob a justificativa
de que, segundo a bula do “Temodal”, registrada na ANVISA, este medicamento é destinado para outros tipos de
câncer, não havendo indicação expressa de que ele sirva também para o câncer de cérebro. Em outras palavras, o
médico determinou a realização de tratamento com base em uso off-label de medicamento, portanto, em tratamento
experimental. Logo, o plano estaria desobrigado de custeá-lo cf. a Lei 9.656/98.
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 Decisão do STJ: A operadora de plano de saúde não pode negar o fornecimento de tratamento prescrito pelo
médico sob o pretexto de que a sua utilização em favor do paciente está fora das indicações descritas na
bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label). Argumentos:
- Médico é o responsável pela decisão terapêutica. Autorizar que a operadora negue a cobertura de tratamento sob a
justificativa de que a doença do paciente não está contida nas indicações da bula representa inegável ingerência na
ciência médica, em odioso e inaceitável prejuízo do paciente enfermo. As enfermidades devem ser tratadas de
acordo com o entendimento médico-científico que prevalece no atual estado da ciência. Ocorre que a entidade
responsável pela definição do que constitui um tratamento experimental ou de recomendável eficácia clínica é o
Conselho Federal de Medicina (e não o plano de saúde). Nesse sentido, é o art. 7º da Lei nº 12.842/2013.
- Correta interpretação do art. 10, I, da Lei 9.656/98: quando o art. 10, I, da Lei 9.656/98 fala em tratamento de
caráter experimental, o que ele está querendo dizer é aquele tratamento clínico ou cirúrgico incompatível com as
normas de controle sanitário ou, ainda, aquele não reconhecido como eficaz pela comunidade científica.
- Desvantagem exagerada: a ingerência da operadora, além de não ter fundamento na Lei 9.656/98, consiste em
ação injusta e abusiva na relação contratual, e coloca o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, do
CDC).
- Dano moral: a recusa do plano de saúde gera abalo psicológico ao paciente e prejuízos à saúde já debilitada.

4.3. É legítima a recusa do plano de saúde em custear medicação importada não nacionalizada, ou seja, sem
registro vigente na ANVISA
 Os planos de saúde não são obrigados a fornecer medicamentos não nacionalizados : a Lei 9.656/98 prevê, em
seu art. 10, V, que os planos de saúde estão dispensados de fornecer “medicamentos importados não
nacionalizados”. Segundo a ANS, “medicamento importado não nacionalizado” é aquele produzido fora do
território nacional e sem registro vigente na ANVISA.
 É papel da ANVISA verificar a possibilidade de comercialização de medicamentos .
 Lei 6.360/76: exige o registro na ANVISA.
 Outras fontes: Recomendação do CNJ, Jornada de Direito à Sáude e precedente do STF.
 Infração sanitária e até crime (art. 273 do CP)
 Decisão do STJ: As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado
pela ANVISA.

4.4. Não é abusiva a cláusula de coparticipação para internação superior a 30 dias decorrentes de
transtornos psiquiátricos
 Fatos: João é cliente do plano de saúde ACEM. No contrato assinado, há uma cláusula dizendo que, se o usuário
ficar internado por mais de 30 dias p/ tratamento de transtornos psiquiátricos, 50% do valor das despesas
hospitalares e honorários médicos de internação para tratamento psiquiátrico deverão ser custeados pelo paciente e,
os outros 50%, pelo plano. Na linguagem dos planos, isso é chamado de coparticipação do usuário. João ajuizou
ação contra o plano alegando que esta cláusula seria abusiva, considerando que acarreta desvantagem exagerada do
consumidor frente à operadora de plano de saúde, devendo ser considerada nula de pleno direito, com base no art.
51, IV do CDC.
 Decisão do STJ: Não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente contratada e informada ao
consumidor para a hipótese de internação superior a 30 dias decorrentes de transtornos psiquiátricos. Não há
abusividade porque o objetivo dessa cobrança é manter o equilíbrio entre as prestações e contraprestações que
envolvem a gestão dos custos dos contratos de planos de saúde.
 Espécies de planos de saúde: a) integrais (completos): quando só se exige uma mensalidade fixa do contratante,
mas quando este necessita de algum atendimento médico ou hospitalar, não terá que pagar mais nada;
b) coparticipativos: são aqueles em que o plano de saúde cobra uma mensalidade reduzida. Mas, para o contratante
utilizar algum serviço médico ou hospitalar, ele terá que pagar um percentual dos custos do procedimento e o plano
arca com o restante. A Lei 9.656/98 permite planos coparticipativos.
 Sistema de coparticipação reduz valor das mensalidades e estimula a prudência : além de proporcionar
mensalidades mais módicas, o sistema é uma medida que inibe condutas descuidadas e pródigas do usuário, visto
que o uso indiscriminado de procedimentos, consultas e exames afetará negativamente o seu patrimônio. Por essa
razão, a coparticipação é conhecida como um “fator de moderação”, servindo como um estímulo para o usuário não
use os serviços médicos e hospitais de forma desenfreada, ou seja, serve para que ele os utilize com “moderação”.
 Limites aos planos coparticipativos : É proibida a cláusula de coparticipação em dois casos: 1) quando preveja o
financiamento integral do procedimento por parte do usuário; 2) quando representar fator restritor severo ao acesso
aos serviços.
 Plano coparticipativo e internação: no caso de internação, a Resolução do CONSU determina que: • é possível a
cláusula de coparticipação; • essa cláusula de coparticipação não poderá, em regra, ser fixada em percentuais (o
contrato deverá prever valores prefixados a fim de não surpreender o contratante). • no caso de tratamentos
específicos em saúde mental, é possível que a cláusula de coparticipação seja fixada em percentuais.
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4.5. A S. 302/STJ se aplica à segmentação hospitalar (e não à ambulatorial)
 S. 302: É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do
segurado. 
 Atendimento ambulatorial: não está abarcado pela súmula. Assim, é lícito que o plano de saúde preveja cláusula
de limitação no atendimento ambulatorial (que é mais simples e anterior à internação).

4.6. Direito de o ex-empregado continuar beneficiário em plano de saúde coletivo empresarial


 Fatos: A foi demitido sem justa causa e deseja continuar no plano de saúde com as mesmas condições de
cobertura assistencial que gozava. Para tanto, ele se compromete a pagar R$ 200,00/mês (sua parte e a do antigo
empregador).
 Direito: ele possui esse direito? SIM. Tal possibilidade encontra-se prevista na Lei 9.656/98, devendo-se atender
3 exigências: a) durante o vínculo empregatício, ele contribuía para o pagamento do plano; b) ele foi demitido sem
justa causa; c) ele se compromete a assumir o pagamento integral das parcelas. O trabalhador terá direito de
continuar com o plano de saúde por um tempo máximo de 24 meses, cf. prevê o § 1º do art. 30 da Lei. Se antes de
completar os 24 meses, o consumidor for admitido em um novo emprego, também perderá o direito de continuar
com as mesmas condições no plano de saúde (§ 5º do art. 30).
 Fatos 2: João era empregado de um banco e possuía plano de saúde oferecido aos funcionários da instituição. O
custeio do plano era mantido integralmente pelo empregador, ou seja, todos os meses o banco pagava R$ 200,00
para manutenção do plano de saúde e João não precisava arcar com nada. Vale ressaltar, contudo, que o plano de
saúde era regido pelo sistema de coparticipação, ou seja, sempre que João iria se submeter a uma consulta ou
tratamento, o plano pagava 70% e ele deveria arcar com os 30% restantes. João foi demitido sem justa causa e
deseja continuar no plano de saúde com as mesmas condições de cobertura assistencial que gozava. Para tanto, ele
se compromete a pagar mensalmente R$ 200,00 que eram pagos pelo antigo empregador.
 Direito: Ele possui esse direito? NÃO. Isso porque o art. 30 da Lei afirma que o ex-empregado só tem direito de
manter o plano de saúde se, durante o contrato de trabalho, ele contribuía para o pagamento do plano.
 João alegou que contribuía para o plano de saúde, considerando que o plano era do tipo coparticipação, de
forma que todas as vezes que usava, ele tinha que pagar uma parte do tratamento. Essa tese foi aceita? A
coparticipação pode ser considerada como contribuição do ex-empregado para os fins do art. 30 da Lei 9.656/98?
NÃO. O § 6º do art. 30 é expresso ao negar essa possibilidade. Para os fins do caput do art. 30 da Lei 9.656/98,
contribuir para o plano de saúde significa pagar uma mensalidade, independentemente de se estar usufruindo dos
serviços de assistência médica. A coparticipação tem a finalidade não de contribuir para o custeio do plano, mas
sim servir como um estímulo para o usuário não use os serviços médicos e hospitais de forma desenfreada, ou seja,
serve para que ele os utilize com moderação (é um “fator de moderação”).
 Essas mesmas regras acima expostas valem também para o empregado que tinha o plano de saúde da empresa,
mas teve seu contrato extinto porque se aposentou? SIM, porém, existem algumas peculiaridades relacionadas com
o tempo mínimo em que ele deve ter contribuído.

4.7. O art. 31 da Lei 9.656/98 assegura que os aposentados paguem os mesmos preços praticados aos
funcionários em atividade, acrescido dos reajustes legais: O “pagamento integral” previsto no art. 31 da Lei nº
9.656/98 deve corresponder ao valor da contribuição do ex-empregado, enquanto vigente seu contrato de trabalho,
e da parte antes subsidiada por sua ex-empregadora, pelos preços praticados aos funcionários em atividade,
acrescido dos reajustes legais. Vale ressaltar que o mesmo preço que os funcionários da ativa estiverem pagando é
aquele que o trabalhador aposentado também deverá pagar. Assim, se na ativa os funcionários estão pagando R$
200,00 mensais e a empresa está subsidiando R$ 200,00, isso significa que não se poderá exigir do trabalhador
aposentado que pague R$ 500,00. Impor ao aposentado preços diferenciados dos funcionários ativos esvaziaria, por
completo, o sentido protetivo do usuário do plano de saúde coletivo que extingue seu contrato de trabalho.
Importante destacar, por fim, que, se houver um reajuste legal dos preços cobrados dos funcionários da ativa, o
trabalhador aposentado também terá que arcar com esse aumento. Assim, não é possível que haja dois planos de
saúde com condições diferenciadas: um para os empregados ativos e outro destinado aos empregados inativos. Isso
violaria o art. 31 da Lei nº 9.656/98.

4.8. Plano de saúde coletivo que mais se assemelha a um contrato individual e impossibilidade de rescisão
unilateral imotivada: Não é válida a rescisão unilateral imotivada de plano de saúde coletivo empresarial por parte
da operadora em face de microempresa com apenas dois beneficiários. No caso concreto, havia um contrato
coletivo atípico e que, portanto, merecia receber tratamento como se fosse um contrato de plano de saúde
individual. Isso porque a pessoa jurídica contratante é uma microempresa e são apenas dois os beneficiários do
contrato, sendo eles hipossuficientes frente à operadora do plano de saúde. No contrato de plano de saúde
individual é vedada a rescisão unilateral, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade.
 Modalidades de plano de saúde: O art. 16, VII, da Lei nº 9.656/98 prevê que existem três modalidades de planos
de saúde: a) individual ou familiar; b) coletivo empresarial e c) coletivo por adesão (contratado por pessoas
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jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, como conselhos, sindicatos, cooperativas e associações
profissionais).
 Rescisão do contrato: (i) coletivo: autoriza-se que a operadora do plano de saúde faça a rescisão unilateral e
imotivada do contrato coletivo, desde que: a) o contrato contenha cláusula expressa prevendo a possibilidade de
rescisão unilateral; b) o contrato esteja em vigência por período de pelo menos 12 meses; c) haja a prévia
notificação da rescisão com antecedência mínima de 60 dias.
(ii) individual: a própria L. 9.656/98 reservou um tratamento mais restritivo para eventual rescisão – “salvo por
fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12
meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o 50º dia de
inadimplência”.

5. PROTEÇÃO CONTRATUAL

5.1. Para que haja compartilhamento de dados do consumidor, é necessária a sua autorização expressa: É
abusiva e ilegal cláusula prevista em contrato de prestação de serviços de cartão de crédito que autoriza o banco
contratante a compartilhar dados dos consumidores com outras entidades financeiras ou mantenedoras de cadastros
positivos e negativos de consumidores, sem que seja dada opção de discordar daquele compartilhamento.

5.2. TV por assinatura e cobrança pelo ponto adicional: É lícita a conduta da prestadora de serviço que em
período anterior à Resolução da ANATEL nº 528, de 17 de abril de 2009, efetuava cobranças pelo aluguel de
equipamento adicional e ponto extra de TV por assinatura. Depois da Resolução, tal prática não é mais lícita, pois
entende-se que o contrato celebrado já dá direito ao consumidor de ter, em sua casa, o sinal da TV a cabo. Logo,
não haveria motivo para a empresa cobrar quantias a mais por cada ponto existente. Obs.: Vale ressaltar, no
entanto, que, mesmo após a Resolução 528/2009, é permitido que a empresa cobre pelo aluguel do equipamento
(conversor ou decodificador) necessário ao uso do ponto extra. Não se pode exigir do fornecedor que disponibilize
gratuitamente equipamentos de sua propriedade, em número de unidades correspondente aos pontos extras
desejados pelo consumidor, deixando de empregar aqueles decodificadores em negócios com outros consumidores.

5.3. O consumidor paga uma multa para a operadora do cartão de crédito caso atrase as parcelas, não se
podendo querer aplicar essa mesma multa, com base no equilíbrio contratual, para a empresa que vende os
produtos pela internet: Em compras realizadas na internet, o fato de o consumidor ser penalizado com a
obrigação de arcar com multa moratória, prevista no contrato com a financeira, quando atrasa o pagamento de suas
faturas de cartão de crédito não autoriza a imposição, por sentença coletiva, de cláusula penal ao fornecedor de
bens móveis, nos casos de atraso na entrega da mercadoria e na demora de restituição do valor pago quando do
exercício do direito do arrependimento.
Obs.: demonstrou-se serem 2 contratos diferentes: um contrato de compra e venda celebrado entre o consumidor e
a Kalunga; e um contrato de cartão de crédito firmado entre o consumidor e a operadora do cartão.

5.4. É válida a cláusula que autoriza o desconto em conta-corrente para pagamento das prestações do
contrato de empréstimo, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário
 Fatos: A é correntista do Banco Santander. Ele fez contrato de mútuo feneratício com o banco e tomou
emprestado R$ 40k. Segundo restou combinado no contrato, as prestações do empréstimo seriam descontadas
diretamente de sua conta bancária. Vale ressaltar que a conta bancária que A mantém na instituição financeira é
uma CC “comum”, na qual ele realiza movimentações diversas e, além disso, recebe sua remuneração. Não se trata,
portanto, de “conta-salário” constituída exclusivamente para receber vencimentos. A conta de A estava sem
dinheiro e, por isso, o banco, durante dois meses, não conseguiu fazer o desconto das parcelas. Foi então que A
recebeu uma quantia que estava aguardando de seu pai e, quando o numerário “caiu” na conta, o banco descontou
os dois meses em atraso do empréstimo. A ajuizou ação questionando essa medida e afirmando que o desconto foi
indevido e que afrontou a S. 603 do STJ, cuja redação era a seguinte: “É vedado ao banco mutuante reter, em
qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum)
contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial
consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de
percentual”.
 O banco poderia ter feito isso? SIM. É possível que haja pactuação para que, em CC comum (sem se tratar de
conta-salário) haja a celebração de mútuo em condições especiais para permitir o débito direto na conta das
parcelas contratadas. Vale ressaltar que o correntista pode, a qualquer momento, revogar a autorização para o
débito em conta, desde que não decorram de obrigações referentes a operações de crédito contratadas com o
próprio banco.
 Situação acima é diferente de desconto irretratável e irrevogável em folha : o contrato não se trata de
consignação em folha de pagamento. Na consignação em folha, antes mesmo de a pessoa receber sua
remuneração/proventos, já há o desconto da quantia, o que é efetuado pelo próprio órgão ou entidade pagadora. Em
88
outros termos, há um desconto direto no salário, remuneração ou aposentadoria, com a participação do
empregador/órgão público.
 Cancelamento da Súmula 603: O STJ entendeu que a redação dada à súmula não foi a mais adequada e que ela
estava gerando interpretações equivocadas. O que a S. 603 desejou proibir foi que, existindo o débito, ainda que o
correntista tivesse autorizado, o Banco pudesse fazer o cálculo do que é devido e, sem autorização judicial,
invadisse o patrimônio bancário do consumidor e satisfizesse o seu crédito. Apesar disso, os Juízes e TJs estavam
entendendo que a súmula proibia todo e qualquer desconto relacionado com um contrato de mútuo bancário.

5.5. A Lei 9.656/98 é constitucional, mas não pode ser aplicada para contratos celebrados antes da sua
vigência

5.6. É abusiva a prática da companhia aérea que cancela automaticamente o voo de volta em razão de “no
show” na ida
 Atende a interesse meramente comercial da empresa : Essa prática tem por finalidade exclusiva, ou ao menos
primordial, possibilitar que a companhia possa fazer nova comercialização do assento da aeronave, atendendo,
portanto, a interesses essencialmente comerciais da empresa, promovendo a obtenção de maior de lucro, a partir da
dupla venda. Tal conduta, embora justificável do ponto de vista econômico e empresarial, configura prática
abusiva, considerando que afronta direitos básicos do consumidor, tais como a vedação ao enriquecimento ilícito, a
falta de razoabilidade nas sanções impostas e, ainda, a deficiência na informação sobre os produtos e serviços
prestados.
 Enriquecimento ilícito: Quando o consumidor adquire uma viagem de ida e volta, na verdade, ele compra dois
bilhetes aéreos de passagem. Tanto é assim que o preço pago por apenas um bilhete é, naturalmente, inferior ao
valor do contrato de transporte envolvendo o trajeto de ida e retorno, o que demonstra que a majoração do preço se
deve, justamente, à autonomia dos trechos contratados. O cancelamento da passagem de volta pela empresa aérea
significa a frustração da utilização de um serviço pelo qual o consumidor pagou. Trata-se de inadimplemento
desmotivado por parte da companhia aérea. Não bastasse isso, o cancelamento unilateral arbitrário faz surgir para o
consumidor novo dispêndio financeiro, dada a necessidade de retornar a seu local de origem, seja por qual meio de
transporte for.
 Falta de razoabilidade nas sanções previstas
 Violação ao princípio da transparência
 Não importa que a ANAC permita essa prática : Como se sabe, a normatização realizada pela ANAC possui
natureza administrativa, capaz de vincular aqueles que exercem a atividade sujeita à regulação técnica. No entanto,
essa regulamentação não está isenta de controle por parte do Poder Judiciário, em razão do disposto no art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal, que dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito. Assim, as agências reguladoras não podem editar atos arbitrários ou desarrazoados, já que estão
sujeitas ao controle jurisdicional. Há, então, uma “discricionariedade vigiada”.

5.7. Compra e venda de imóveis

Atraso na entrega do imóvel e lucros cessantes


 Cabem danos morais se a construtora/incorporadora descumprir o prazo de entrega do imóvel? Em regra, não.
Mas, em situações excepcionais é possível haver a condenação em danos morais, desde que devidamente
comprovada a ocorrência de uma significativa e anormal violação a direito da personalidade do adquirente (STJ) –
exs.: atraso muito grande na entrega do imóvel (no caso concreto, foram 2 anos de atraso); atraso na entrega que
gerou o adiamento do casamento dos adquirentes, que já estavam com data marcada.
 E os danos materiais, são devidos em caso de atraso? SIM. O atraso na entrega do imóvel objeto de contrato de
promessa de compra e venda acarreta a condenação da construtora/imobiliária ao pagamento de: • dano emergente
(que precisa ser provado); e • lucros cessantes (valor dos alugueis do imóvel; são danos materiais presumidos). A
jurisprudência considera que, havendo atraso, os lucros cessantes devem ser calculados como sendo o valor do
aluguel do imóvel atrasado. Isso porque: • o adquirente está morando em um imóvel alugado, enquanto aguarda o
seu. Neste caso, ele está perdendo “dinheiro” pagando aluguel em virtude do atraso; ou • o adquirente não está
morando de aluguel e comprou o novo imóvel apenas como investimento. Neste caso, ele também está perdendo
“dinheiro” porque,se o imóvel tivesse sido entregue no prazo, ele estaria alugando para alguém e aferindo renda
com isso. Em suma, em um ou no outro caso, o adquirente deixa de ganhar dinheiro (“deixa ter um lucro”) porque
houve atraso na entrega do imóvel. Para o STJ, essa “perda de dinheiro” (lucros cessantes) é óbvia e, portanto, deve
ser presumida, salvo se a construtora/incorporadora provar algo em sentido contrário (o que é muito difícil de
acontecer).
 Obs.: vale ressaltar que somente se considera o atraso quando a construtora não entrega o apartamento no prazo
previsto no contrato, sendo válida a previsão que estipula a chamada cláusula de tolerância.

Termo inicial do prazo prescricional da pretensão de restituição de comissão de corretagem


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 Contrato de corretagem: v. livro.
 Transferência ao promitente-comprador a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem : o STJ
fixou tese de que “É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a
comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de
incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o
destaque do valor da comissão de corretagem”. Em suma, a cláusula que transfere a obrigação de pagar a comissão
para o consumidor é, a princípio, lícita, mas o promitente-vendedor, na fase pré-negocial, deverá informar, de
forma clara e precisa, que haverá esta transferência.
 Discussão judicial sobre a abusividade da comissão de corretagem :
a) Legitimidade passiva: incorporadora. A incorporadora, na condição de promitente-vendedora, tem legitimidade
passiva “ad causam” para responder a demanda em que é pleiteada pelo promitente-comprador a restituição dos
valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, alegando-se prática
abusiva na transferência desses encargos ao consumidor.
b) Prazo prescricional: prescreve em 3 anos a pretensão de restituição dos valores pagos a título de comissão de
corretagem. Para o STJ, trata-se de uma ação de ressarcimento com fundamento na vedação ao enriquecimento sem
causa, devendo, portanto, ser aplicado o art. 206, § 3º, IV, do CC.
c) Termo inicial: é a data do efetivo pagamento (não é a data da assinatura do contrato). E se o pagamento for
parcelado? Para o STJ, se o pagamento da comissão de corretagem foi parcelado, o prazo prescricional é contado
da última parcela paga, ou seja, da data em que o adquirente terminou de pagar (data do desembolso total). Dessa
forma, na demanda em que se pretende a restituição dos valores pagos parceladamente a título de comissão de
corretagem, o termo inicial do prazo prescricional deve ser a data da contraprestação total (global), já que não se
pode pleitear a devolução daquilo que ainda não foi pago no seu todo. Em outras palavras, só começa a contar o
prazo prescricional depois que o adquirente terminou de pagar a comissão de corretagem.

Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária mesmo no


programa Minha Casa Minha Vida: Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária,
é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de
corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que
previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de
corretagem.

5.8. É possível o corte da energia elétrica por fraude no medidor, desde que cumpridos alguns requisitos
 A relação entre a concessionária de energia elétrica e o consumidor final é uma relação de consumo e aplica-se
o CDC. O fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço público essencial. Os serviços essenciais são
contínuos e, em regra, não podem ser interrompidos.
 É possível o “corte” no serviço de energia elétrica em virtude de inadimplemento do consumidor? SIM. Mas,
isso será feito com base em determinados critérios, a depender da natureza da dívida. A jurisprudência classifica
esses débitos em três grupos: 1) débitos decorrentes do consumo regular (atraso normal de pagamento); 2) débitos
relacionados com recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária e; 3) débitos relacionados com
recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor (fraude do medidor).

1) Consumo regular: a suspensão no fornecimento é permitida mesmo que o corte no serviço atinja um órgão ou
entidade que preste serviços públicos à população. Observações:
1.a) Não se admite o corte para débitos antigos (consolidados);
1.b) A obrigação de pagar a conta de energia elétrica é de natureza pessoal (não é propter rem).

2) Recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária: “reparação de consumo não faturado” é uma
expressão utilizada pela concessionária para representar uma determinada quantidade de energia elétrica que foi
fornecida e utilizada pelo consumidor, mas que, apesar disso, não foi registrada corretamente. Isso significa que
existe um débito deste consumidor para com a concessionária. Esse fato pode ter ocorrido por dois motivos
principais: a) falha da concessionária (ex: medidor instalado estava com “defeito”); ou b) por fraude no medidor
(vulgo “gato”). No caso de recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária, essa situação somente
é descoberta depois de um tempo, ou seja, depois que a conta do mês “fechou”. Logo, são débitos pretéritos. E,
nestes casos, o STJ entende que não é possível o corte do serviço. A concessionária deverá exigir os seus créditos
pelas “vias ordinárias de cobrança”.

3) Recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor (corte administrativo por fraude no
medidor): é possível o corte da energia elétrica nos casos de dívidas decorrentes de fraude no medidor? Sim, mas
desde que cumpridos os seguintes requisitos:
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3.1) a responsabilidade do consumidor pela fraude deverá ser devidamente apurada, conforme procedimento
estipulado pela ANEEL (agência reguladora), assegurando-se ampla defesa e contraditório. Em outras palavras, a
suposta fraude no medidor de consumo de energia não poderá ser apurada unilateralmente pela concessionária.
3.2) deverá ser concedido um aviso prévio ao consumidor;
3.3) a suspensão administrativa do fornecimento do serviço deve ser possibilitada quando não forem pagos débitos
relativos aos últimos 90 dias da apuração da fraude, sem prejuízo do uso das vias judiciais ordinárias de cobrança.
Isso porque o reconhecimento da possibilidade de corte do serviço de energia elétrica pelas concessionárias deve
ter limite temporal de apuração retroativa. Ex: ficou comprovado que João fraudou o medidor de energia elétrica há
1 ano e que, portanto, durante os últimos 12 meses pagou a menos do que deveria. A concessionária poderá
determinar o corte do serviço e só religará a energia se o consumidor pagar a dívida. Mas, para religar não se exige
o pagamento dos 12 meses, mas apenas dos últimos 90 dias. Assim, se João pagar os últimos 90 dias, a
concessionária deverá religar a energia. Os outros 9 meses que faltaram deverão ser cobrados pela concessionária
pelas vias ordinárias.
3.4) deve ser fixado prazo razoável de, no máximo, 90 dias após o vencimento da fatura de recuperação de
consumo, para que a concessionária possa suspender o serviço.

Outros entendimentos jurisprudenciais que são importantes sobre o tema:


 É legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais por razões de ordem técnica ou de segurança
das instalações, desde que precedido de notificação.
 É ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica quando puder afetar o direito à saúde e à integridade
física do usuário.
 É legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando inadimplente pessoa jurídica de
direito público, desde que precedido de notificação e a interrupção não atinja as unidades prestadoras de serviços
indispensáveis à população.
 É ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando inadimplente unidade de saúde, uma
vez que prevalecem os interesses de proteção à vida e à saúde.
 É ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais por débitos de usuário anterior, em razão da
natureza pessoal da dívida.
 É ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica em razão de débito irrisório, por configurar abuso de
direito e ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sendo cabível a indenização ao consumidor
por danos morais.
 O corte no fornecimento de energia elétrica somente pode recair sobre o imóvel que originou o débito, e não
sobre outra unidade de consumo do usuário inadimplente (ilegalidade do chamado “corte cruzado”).

6. BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES

6.1. Qual é o termo inicial do prazo máximo de 5 anos que o nome de devedor pode ficar inscrito em órgão
de proteção ao crédito?
 Se o consumidor está inadimplente, o fornecedor poderá incluí-lo em cadastros de proteção ao crédito? SIM.
 Qual o cuidado prévio a ser tomado? A abertura de qualquer cadastro, registro e dados pessoais ou de consumo
referentes ao consumidor deverá ser comunicada por escrito a ele (§ 2º do art. 43 do CDC). Logo, o Órgão de
Proteção ao Crédito deverá notificar o devedor antes de proceder à inscrição (S. 359/STJ). Assim, é ilegal e sempre
deve ser cancelada a inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito realizada sem a prévia
notificação exigida pelo art. 43, § 2º do CDC, além de dar ensejo à indenização por danos morais, a ser paga pelo
órgão.
 O credor (fornecedor) deverá também pagar indenização por danos morais pelo fato de o consumidor ter sido
negativado sem notificação prévia? NÃO. O credor não é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de
indenização por danos morais decorrentes da inscrição em cadastros de inadimplentes sem prévia comunicação.
Mas, a situação será diferente se o consumidor for negativado por conta de uma dívida que não existia realmente
(dívida irregular). Nesse caso, o fornecedor é quem será responsabilizado.
 Para que haja a condenação em dano moral, é necessário que seja provado o prejuízo sofrido pelo consumidor?
NÃO. A indenização por danos morais decorre da simples ausência de prévia notificação, circunstância que se
mostra suficiente à caracterização do dano moral. Não há necessidade da prova do prejuízo sofrido. Trata-se de
dano moral in re ipsa, no qual o prejuízo é presumido. E no caso de dano material? Para que haja condenação por
danos materiais, é indispensável a prova dos prejuízos sofridos.
 Como é comprovada essa notificação prévia? Exige-se prova de que o consumidor tenha efetivamente recebido
a notificação? NÃO. Basta que seja provado que foi enviada uma correspondência ao endereço do consumidor
notificando-o quanto à inscrição de seu nome no respectivo cadastro, sendo desnecessário AR (S. 404-STJ).
 Se o consumidor possui uma negativação anterior legítima e sofre uma nova anotação, porém desta vez ele não
é notificado previamente, este consumidor terá direito de ser indenizado por causa desta segunda? NÃO, ele terá
direito apenas de pedir o cancelamento da segunda anotação feita sem notificá-lo (S. 385-STJ).
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 Se o consumidor, após ser regularmente comunicado, ajuíza uma ação para impedir ou retirar seu nome do
cadastro negativo alegando que o débito não existe, o juiz poderá conceder tutela provisória deferindo esse pedido?
Segundo o STJ, isso só será deferido se, cumulativamente: • a ação for fundada em questionamento integral ou
parcial do débito; • houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em
jurisprudência consolidada do STF ou STJ; • houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução
fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. A simples discussão judicial da dívida não é suficiente para obstar a
negativação do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes.
 Existe um prazo máximo no qual o nome do devedor pode ficar negativado? SIM. Os cadastros e bancos de
dados não poderão conter informações negativas do consumidor referentes a período superior a 5 anos (art. 43, § 1º
do CDC). Passado esse prazo, o próprio órgão de cadastro deve retirar a anotação negativa, independentemente de
como esteja a situação da dívida (não importa se ainda está sendo cobrada em juízo ou se ainda não foi prescrita) –
S. 323.
 Qual é o termo inicial deste prazo de 5 anos? O que interessa é a data do vencimento da dívida, começando a
contar o prazo de 5 anos no 1º dia seguinte à data de vencimento. Trata-se da interpretação que mais se coaduna ao
espírito do CDC e com a função dos bancos de dados de inadimplentes de refletir com fidelidade a situação
financeira dos devedores. A contagem do prazo deve tomar por base a data do fato gerador da informação
depreciadora.
 Se o devedor paga a dívida, a quem caberá informar o SPC ou a SERASA dessa situação para que seja retirado
o nome do devedor? Cumpre ao CREDOR (e não ao devedor) providenciar o cancelamento da anotação negativa
do nome do devedor em cadastro de proteção ao crédito, quando paga a dívida.
 Qual é o prazo que tem o credor para retirar (dar baixa) do nome do devedor no cadastro negativo? O prazo é de
5 dias úteis a contar da data do efetivo pagamento. O STJ construiu este prazo por meio de aplicação analógica do
art. 43, § 3º do CDC.
 O que acontece se o credor não retirar o nome do devedor do cadastro no prazo de 5 dias? A manutenção do
registro do nome do devedor em cadastro de inadimplentes após esse prazo impõe ao credor o pagamento de
indenização por dano moral, independentemente de comprovação do abalo sofrido.

6.2. Informações no SPC/SERASA sobre protestos: além das comunicações feitas pelos comerciantes, o
SERASA e o SPC também alimentam seus bancos de dados com informações que eles buscam dos cartórios de
protesto. Porém, o STJ exige que esses órgãos devem obrigatoriamente: 1) inserir também na anotação negativa a
informação sobre o prazo de vencimento da dívida; 2) controlar esse prazo do vencimento para que nenhum
protesto fique ali registrado: • além do prazo prescricional específico para a cobrança daquele crédito (§ 5º do art.
43 do CDC); ou • por mais de 5 anos contados do vencimento (§ 1º do art. 43). Ex: imagine que tenha sido
protestada uma letra de câmbio; o prazo prescricional contra o aceitante é de 3 anos; logo, esse título não pode ficar
no SPC/SERASA mais do que 3 anos (§ 5º do art. 43 do CDC). Por outro lado, ainda que o prazo prescricional seja
maior que 5 anos, esse será o prazo máximo que a anotação poderá ficar no banco de dados (§ 1º do art. 43).
Assim, o art. 43 do CDC, como reflexo do princípio da veracidade, estabeleceu dois limites temporais objetivos
para que a informação negativa a respeito do consumidor permaneça nos bancos de dados: a) o prazo genérico de 5
anos, do § 1º; e b) o prazo específico da ação de cobrança, do § 5º. Isso era chamado por Ada Pelegrini Grinover de
“temporalidade dual”, de modo que, violado qualquer deles, a informação arquivada é contaminada por inexatidão
temporal. O prazo genérico de 5 anos é o máximo permitido para que uma informação fique arquivada no cadastro
de proteção ao crédito, e não o mínimo, já que o prazo específico prescricional da dívida pode ser ainda menor,
como no exemplo da letra de câmbio acima.

6.3. Dispensa de prévia notificação no caso de inserção no SPC/SERASA de informação sobre protesto de
título: É dispensada a prévia comunicação do devedor se o órgão de restrição ao crédito (exs.: SPC, SERASA)
estiver apenas reproduzindo informação negativa que conste de registro público (exs.: anotações de protestos que
constem do Tabelionato de Protesto, anotações de execução fiscal que sejam divulgadas no Diário Oficial).

7. OUTROS TEMAS

7.1. A inobservância do dever de informar e de obter o consentimento informado do paciente viola o direito
à autodeterminação e caracteriza responsabilidade extracontratual
 Fatos: João sofreu traumatismo craniano, ficando com sequelas neurológicas (tremores no braço direito). O
neurocirurgião que o atendeu recomendou a realização de uma cirurgia na cabeça, a fim de melhorar a função
cerebral do paciente. João foi submetido à cirurgia. No entanto, em vez de melhorar, ele piorou bastante, perdendo
a capacidade de andar. Diante disso, foi ajuizada ação de indenização por danos morais contra o hospital e o
médico. O principal fundamento da ação não foi eventual erro médico, mas sim ausência de informação. O autor
comprovou que o médico não explicou que a cirurgia que seria realizada era extremamente arriscada e que havia
uma alta probabilidade de apresentar sequelas, como de fato ocorreu. Ao contrário, o médico teria dito que era uma
intervenção simples, com anestesia local e duração máxima de 2 horas.
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 Decisão do STJ: há responsabilidade civil neste caso.
 Relação jurídica médico-paciente : pode ser considerada como uma “locação de serviços sui generis”. O
profissional, além da obrigação de prestar os serviços médicos, tem também diversos deveres extrapatrimoniais
considerados essenciais para a natureza deste contrato.
 Dever de informação: Um desses deveres do médico é justamente o dever de informação. Assim, o profissional
deve explicar ao paciente (ou seu representante legal), de forma muito clara, quais são os riscos do tratamento, as
vantagens e desvantagens, as técnicas que serão empregadas, os prognósticos (“previsões”) e todas as demais
informações que sejam necessárias e úteis. Esse dever de informação existe, dentre outras razões, para permitir que
o paciente (ou seu representante legal) possa decidir livremente se deseja ou não executar aquele procedimento.
Excepcionalmente, o médico pode deixar de dar algumas informações ao paciente nos casos em que o fornecimento
dessa informação possa gerar algum dano, normalmente em seu estado psíquico. Vale ressaltar, no entanto, que,
nestes casos, o médico continua sendo obrigado a fornecer tais informações ao representante legal do paciente. O
direito à informação confere ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação
ao produto ou serviço sejam de fato atingidas. Trata-se do chamado “consentimento informado ou vontade
qualificada”. O consentimento informado é uma decorrência da: • dignidade da pessoa humana; e • do princípio da
autonomia privada. Assim, pode-se dizer que o consentimento informado é uma manifestação do DF de
autodeterminação do paciente, decorrente da CF, do CDC e do Código de Ética Médica, sem contar normas
internacionais.
 De quem é o ônus de provar o consentimento informado? Do médico ou do hospital. Para a doutrina, é do
médico ou do hospital o ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de esclarecer e obter o consentimento
informado do paciente. Assim, havendo dúvida, deve-se entender que o médico não deu as informações necessárias
ao paciente. Vale ressaltar que isso não significa que a responsabilidade dos médicos seja objetiva. Não o é. Em
regra, a responsabilidade dos médicos é subjetiva (art. 14, § 4º do CDC). Porém, a responsabilidade subjetiva do
médico não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC,
devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis.
 O consentimento informado deve ser feito por escrito? Não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma
norma que exija que o médico ou hospital recolha o consentimento escrito do paciente, expresso em um documento
assinado. Apesar disso, a doutrina recomenda, de modo muito enfático, que o médico tome essa providência. Isso
porque, como visto acima, é do médico o ônus de provar o consentimento informado.
 Consentimento específico: além de escrito, é importante que o consentimento do paciente seja específico. Um
consentimento genérico (chamado de blanket consent) não é suficiente, devendo ser feito de forma específica para
aquele tratamento claramente individualizado.
 Conclusão: O dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância
caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil . A indenização, nesses casos, é devida pela
privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os
riscos e vantagens de determinado tratamento que, ao final, lhe causou danos que poderiam não ter sido causados
caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente.

7.2. Há solidariedade entre as empresas integrantes de um consórcio quanto às obrigações consumeristas,


desde que relacionadas com a atividade do consórcio: Como regra geral, as sociedades consorciadas apenas se
obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção
de solidariedade, de acordo com o disposto no art. 278, § 1º, da Lei nº 6.404/76. Essa regra, no entanto, não é
absoluta. Há solidariedade entre as sociedades consorciadas em relação às obrigações derivadas de relação de
consumo desde que essas obrigações guardem correlação com a esfera de atividade do consórcio. Existe previsão
nesse sentido no art. 28, § 3º do CDC, que preconiza: “as sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis
pelas obrigações decorrentes deste código”.

7.3. Legitimidade do MP para defesa coletiva dos consumidores: O MP. possui legitimidade ativa para postular
em juízo a defesa de direitos transindividuais de consumidores que celebram contratos de compra e venda de
imóveis com cláusulas pretensamente abusivas.
- Vale a pena relembrar: Súmula 601-STJ: O MP tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.
- V. livro para revisão.

DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL

Modulação dos efeitos em ADI que julgou inconstitucional lei estadual que destinava custas da habilitação do
casamento para os juízes de paz
 Fatos: Em 1990, o Estado de Minas Gerais editou uma lei determinando que as custas cobradas nos processos de
habilitação de casamento fossem destinadas ao juiz de paz.
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 Direito: a lei é inconstitucional, pois possui vícios formal e material.
a) Formal: a norma era inconstitucional porque o projeto que deu origem à lei foi iniciado pelo Governador do
Estado. Como essa lei trata sobre um serviço auxiliar do Poder Judiciário (celebração de casamentos, habilitação
etc), a iniciativa teria que ter sido do Tribunal de Justiça, conforme prevê o art. 96, II, “b”, da CF/88.
b) Material: e o juiz de paz deve ser remunerado pelos cofres públicos e não pelos noivos. “Já se foi o tempo em
que o servidor tinha participação no que deveria ser arrecadado pelo Estado. Nós tivemos a situação dos fiscais.
Acabou na nossa Administração Pública essa forma de se partilhar algo que deve ser recolhido aos cofres
públicos”, afirmou o Min. Marco Aurélio. Interessante ressaltar que o STF entendeu que se aplica aos juízes de paz
a vedação prevista no art. 95, parágrafo único, II, da CF/88.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

1. ATO INFRACIONAL

(Revisar pelo livro: importante!)

2. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

2.1. Noções gerais

Quais são as medidas socioeducativas que implicam privação de liberdade? Semiliberdade; e Internação.
- Semiliberdade (art. 120 do ECA): o adolescente realiza atividades externas durante o dia, sob supervisão de
equipe multidisciplinar, e fica recolhido à noite. O regime de semiliberdade pode ser determinado como medida
inicial imposta pelo juiz ao adolescente infrator, ou como forma de transição p/ o meio aberto (uma espécie de
“progressão”).
- Internação (arts. 121 e 122 do ECA): Por esse regime, o adolescente fica recolhido na unidade de internação. A
internação constitui medida privativa da liberdade e se sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Pode ser permitida a realização de atividades externas,
a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. A medida não comporta
prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada
seis meses. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. Se o interno completar 21
anos, deverá ser obrigatoriamente liberado, encerrando o regime de internação.
- O juiz somente pode aplicar a medida de internação ao adolescente infrator nas hipóteses taxativamente previstas
no art. 122 do ECA, pois a segregação do adolescente é medida de exceção, devendo ser aplicada e mantida
somente quando evidenciada sua necessidade, em observância ao espírito do Estatuto, que visa à reintegração do
menor à sociedade (STJ, HC 213778). O STF comunga do mesmo entendimento e possui diversos precedentes
afirmando que a imposição de medida socioeducativa de internação deve ser aplicada apenas quando não houver
outra medida adequada e desde que presentes os requisitos do art. 122 do ECA (HC 125016). Assim, quando for
aplicada a internação, o magistrado deverá adotar uma fundamentação idônea que apresente justificativas concretas
para a escolha dessa medida socioeducativa.

2.2. Impossibilidade de privação da liberdade pela prática do art. 28 da LD: Não é possível aplicar nenhuma
medida socioeducativa que prive a liberdade do adolescente (internação ou semiliberdade) caso ele tenha praticado
um ato infracional análogo ao delito do art. 28 da LD. Isso porque o art. 28 da LD não prevê a possibilidade de
penas privativas de liberdade caso um adulto cometa esse crime. Ora, se nem mesmo a pessoa maior de idade
poderá ser presa por conta da prática do art. 28 da LD, com maior razão não se pode impor a restrição da liberdade
para o adolescente que incidir nessa conduta. Logo, se o adolescente praticar um ato infracional equiparado ao art.
28 da LD, somente poderá receber: Medidas protetivas (arts. 101, I a VI, do ECA); Advertência (art. 115);
Prestação de serviços à comunidade (art. 117); Liberdade assistida (art. 118).

2.3. Internação e gravidade abstrata do ato infracional: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si
só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente (Súmula
492/STJ) – v. livro.

2.4. Internação no caso de reiteração de atos infracionais graves: cf. o art. 122, II do ECA, a aplicação da
medida de internação pode ocorrer no caso de “reiteração no cometimento de outras infrações graves”. Ao se
interpretar essa expressão, foi construída a tese de que, para se enquadrar na hipótese do inciso II, o adolescente
94
deveria ter cometido, no mínimo, 3 infrações graves. Assim, somente no terceiro ato infracional grave (após ter
praticado outros dois anteriores) é que o adolescente receberia a medida de internação.

A jurisprudência acolhe esse critério? NÃO mais. Atualmente, tanto o STF como o STJ entendem que, para se
configurar a “reiteração na prática de atos infracionais graves” (art. 122, II) não se exige a prática de, no mínimo,
três infrações dessa natureza. Não existe fundamento legal para essa exigência. A exigência de no mínimo 3
infrações foi adotada durante muitos anos pela jurisprudência como forma de “abrandar” a aplicação do ECA, mas
esse entendimento está atualmente superado. Em suma, o que vigora atualmente: “O ECA não estipulou um
número mínimo de atos infracionais graves para justificar a internação do menor infrator com fulcro no art. 122,
II, do ECA (reiteração no cometimento de outras infrações graves). Logo, cabe ao magistrado analisar as
peculiaridades de cada caso e as condições específicas do adolescente a fim de aplicar ou não a internação. Está
superado o entendimento de que a internação com base nesse dispositivo somente seria permitida com a prática de
no mínimo 3 infrações. STJ. 5ª Turma. HC 332.440/SP, j. em 24/11/2015 e STJ. 6ª T. HC 347.434, j. em
27/9/2016.

2.5. Superveniência da maioridade penal: adolescente de 17 anos e 11 meses praticou ato infracional equiparado
a roubo. Porém, quando chegou o momento de proferir a sentença, o juiz percebe que, em virtude da demora do
processo, ele está agora com 19 anos.

Diante disso, surgiu a dúvida: é possível que João continue sendo julgado pelo juízo da Vara de Infância e
Adolescência mesmo já tendo atingido a maioridade penal (18 anos)? É possível que o magistrado aplique
alguma medida socioeducativa em relação a João mesmo ele já sendo adulto (maior de 18 anos)? SIM. A
medida socioeducativa pode ser aplicada ao indivíduo maior de 18 anos, desde que o ato infracional tenha sido
praticado antes, ou seja, quando ele ainda era adolescente. A superveniência da maioridade penal não interfere na
apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o
adolescente ter completado 18 anos durante o curso do processo onde se apura o ato infracional não interfere na
sentença. O juiz poderá aplicar normalmente a medida socioeducativa.

Outra situação: Pedro, com 17 anos de idade, recebeu medida socioeducativa de internação pela prática de ato
infracional. Ele está cumprindo medida em uma unidade de internação de adolescentes infratores. Ocorre que
Pedro completou 18 anos. Ele pode continuar cumprindo a internação? SIM. A superveniência da maioridade
penal não interfere na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o adolescente
ter completado 18 anos durante o cumprimento da medida socioeducativa não faz com que essa execução tenha que
ser encerrada. Ela continuará normalmente até que o Juiz entenda que a medida já cumpriu a sua finalidade ou até
que o indivíduo complete 21 anos. Se o interno completar 21 anos, deverá ser obrigatoriamente liberado,
encerrando o regime de internação.

Mas o ECA pode ser aplicado para maiores de 18 anos? Existe possibilidade legal para isso? SIM. Essa
autorização encontra-se prevista no art. 2º, p. u. e no art. 121, § 5º do ECA.

O art. 121, § 5º dispõe sobre a internação. Essa possibilidade de o indivíduo cumprir medida mesmo até os 21
anos vale para a medida de semiliberdade? SIM. Existe previsão expressa afirmando que as regras da internação,
incluindo o art. 121, § 5º, podem ser aplicadas, no que couber, à medida de semiliberdade.

O ECA, ao tratar sobre a liberdade assistida, não traz um dispositivo como esse do art. 120, § 2º acima
transcrito. Em razão disso, vários doutrinadores sustentaram que, para a liberdade assistida, o cumprimento
deveria ficar restrito até os 18 anos por ausência de previsão legal. Essa tese prevaleceu? NÃO. A jurisprudência
entendeu que, mesmo sem regra expressa, deve ser permitido o cumprimento da liberdade assistida até os 21 anos,
assim como ocorre com a internação e a semiliberdade. Não há qualquer fundamento jurídico ou lógico que
autorize uma diferença de tratamento. Isso porque a internação e a semiliberdade são medidas mais gravosas que a
liberdade assistida. Desse modo, seria ilógico considerar que é possível a incidência das medidas mais gravosas e,
ao mesmo tempo, proibida a aplicação das mais brandas. Assim, o STJ possui o entendimento pacífico de que o art.
121, § 5º do ECA admite a possibilidade da extensão do cumprimento da medida socioeducativa até os 21 anos de
idade, abarcando qualquer que seja a medida imposta ao adolescente.

Posição do STF: O STF possui o mesmo entendimento manifestado na Súmula 605 do STJ16.

16
O disposto no § 5º do art. 121 da Lei 8.069/1990, além de não revogado pelo art. 5º do CC, é aplicável à medida socioeducativa de
semiliberdade, conforme determinação expressa do art. 120, § 2º, do ECA. Em consequência, se o paciente, à época do fato, ainda não tinha
alcançado a maioridade penal, nada impede que ele seja submetido à semiliberdade, ainda que, atualmente, tenha mais de dezoito anos, uma
vez que a liberação compulsória só ocorre aos vinte e um. STF. 2ª Turma. HC 94939, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 14/10/2008.
95
2.6. (In)aplicabilidade do art. 942 do CPC/15

A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de apelação não unânime em processo no qual se apura
a prática de ato infracional por adolescente?

5ª Turma do STJ: SIM.


Admite-se a incidência do art. 942 do CPC/2015 para complementar o julgamento da apelação julgada por maioria
nos procedimentos relativos ao estatuto do menor. STJ. 5ª turma. AgRg no REsp 1.673.215-RJ, j. em 17/05/2018.
Por quê? O art. 198 do ECA diz que, nos procedimentos de competência da Justiça da Infância e da Juventude,
inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, deve-se adotar o sistema recursal previsto no CPC.
Como o sistema recursal do CPC prevê a técnica de complementação do julgamento (art. 942), isso deverá ser
também aplicado para os recursos do ECA.

6ª Turma do STJ: DEPENDE.


• Se a decisão não unânime foi favorável ao adolescente infrator: não se deve aplicar o art. 942 do CPC/2015.
• Se a decisão não unânime foi contrária ao adolescente infrator: deve-se aplicar o art. 942. É inaplicável a técnica
de julgamento prevista no artigo 942 do CPC/2015 nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude
quando a decisão não unânime for favorável ao adolescente. STJ. 6ª Turma. REsp 1.694.248-RJ, j. em 03/05/2018.
Por quê? Realmente o sistema recursal do CPC deve ser aplicado para os procedimentos da Justiça da Infância e da
Juventude. Isso está expressamente previsto no art. 198 do ECA. Ocorre que ao menor infrator devem ser
assegurados os mesmos direitos de que gozam os maiores de 18 anos que forem réus em processo criminal. Por
mais que a medida socioeducativa não seja considerada “pena”, ela possui, indiscutivelmente, uma natureza
sancionatória. Se for aplicado o art. 942 do CPC em uma apelação não unânime que tenha sido favorável ao
adolescente infrator (ex.: o Tribunal rejeitou a medida socioeducativa), isso significa que esse adolescente terá um
tratamento mais gravoso do que os réus maiores de 18 anos possuem no processo penal. No processo penal, se a
apelação for favorável ao réu, não se aplica o art. 942 do CPC nem caberão os embargos infringentes do art. 609 do
CPP. Isso porque os embargos infringentes somente são cabíveis na hipótese de o julgamento por maioria ter sido
contrário ao réu. Em outras palavras, os embargos infringentes são um recurso exclusivo da defesa. Ora, se não
cabem embargos infringentes do art. 609 do CPP quando o acórdão não unânime foi favorável ao réu, com maior
razão também não se pode admitir a técnica do art. 942 do CPC se o acórdão não unânime foi favorável ao
adolescente infrator.

2.7. Atos infracionais pretéritos podem ser utilizados como fundamento para decretação/manutenção da
prisão preventiva?

João, 19 anos, está respondendo a processo criminal por roubo. Quando era adolescente, João cumpriu medida
socioeducativa por homicídio. No momento da condenação, o juiz poderá considerar esse ato infracional para
fins de reincidência ou de maus antecedentes? NÃO. Atos infracionais não podem ser considerados maus
antecedentes para a elevação da pena-base e muito menos servem para configurar reincidência (STJ. 5ª Turma. HC
289.098/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 20/05/2014).

João, 19 anos, está respondendo a processo criminal por roubo. Quando era adolescente, cumpriu medida
socioeducativa por homicídio. O juiz, ao decretar a prisão preventiva do réu, poderá mencionar a prática desse
ato infracional como um dos fundamentos para a custódia cautelar? Havia divergência entre as Turmas do STJ,
mas o tema agora restou pacificado. A resposta é SIM. A prática de atos infracionais anteriores serve para justificar
a decretação ou manutenção da prisão preventiva como garantia da ordem pública, considerando que indicam que a
personalidade do agente é voltada à criminalidade, havendo fundado receio de reiteração.
STJ. 5ª Turma. RHC 47.671-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 18/12/2014 (Info 554).
STJ. 3ª Seção. RHC 63.855-MG, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/05/2016.

O Min. Rogério Schietti Cruz ressalvou, porém, que não é qualquer ato infracional, em qualquer circunstância, que
pode ser utilizado para caracterizar a periculosidade e justificar a prisão antes da sentença. Para tanto, foram
estabelecidos alguns critérios (condições). Para saber se o ato infracional é idôneo ou não para ser levado em
consideração no momento da decretação/manutenção da prisão preventiva, a autoridade judicial deverá examinar
três condições: a) a gravidade específica do ato infracional cometido (independentemente de equivaler a crime
considerado em abstrato como grave); b) o tempo decorrido entre o ato infracional e o crime em razão do qual é
decretada a preventiva; e c) a comprovação efetiva da ocorrência do ato infracional.

Atos infracionais não são antecedentes criminais, mas podem ser valorados: Os atos infracionais não podem ser
considerados como antecedentes penais já que ato infracional não é crime e medida socioeducativa não é pena.
Apesar disso, os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para
96
fins cautelares. A avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se examine todo o seu histórico de vida,
em especial o seu comportamento perante a comunidade. Logo, os atos infracionais praticados não servem como
antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência, mas não podem ser ignorados, devendo ser analisados
para se aferir se existe risco à garantia da ordem pública com a liberdade do acusado.

Proteção do art. 143 do ECA só vale enquanto a pessoa for menor de 18 anos
O art. 143 do ECA prevê que "é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam
respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional". Contudo, segundo entende o STJ,
essa proteção estatal prevista no ECA é voltada ao adolescente infrator somente enquanto ele estiver nessa
condição. Assim, a partir do momento em que se torna imputável deixa de haver o óbice.

Decisão cautelar do STF: O STF ainda não enfrentou o tema em seu colegiado, mas existe ao menos uma decisão
monocrática recente na qual o Min. Luiz Fux afirmou que é possível utilizar atos infracionais pretéritos como
fundamento para a prisão preventiva. Veja: "(...) A prevalecer o argumento de que a prática de atos infracionais na
menoridade não se comunica com a vida criminal adulta, ter-se-á que admitir o absurdo de que o agente poderá
reiterar na prática criminosa logo após adquirir a maioridade, sem que se lhe recaia a possibilidade de ser preso
preventivamente. A possibilidade real de reiteração delituosa constitui, fora de dúvida, base empírica subsumível à
hipótese legal da garantia da ordem pública. (...)" (STF. RHC 134121 MC, j. em 20/04/2016)

3. OUTROS TEMAS

3.1. Competência da Vara de Violência Doméstica para decidir guarda de criança e autorização para viagem
se a causa de pedir estiver relacionada com a violência praticada contra a genitora

A Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher possui competência para decidir
esses pedidos no presente caso? SIM. A Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher
possui competência para o julgamento de pedido incidental de natureza civil, relacionado à autorização para
viagem ao exterior e guarda unilateral do infante, na hipótese em que a causa de pedir de tal pretensão consistir na
prática de violência doméstica e familiar contra a genitora. STJ. 3ª Turma. REsp 1.550.166-DF, j. em 21/11/17.

O art. 14 da Lei nº 11.340/2006 prevê uma competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Dessa forma, os Juizados de Violência Doméstica possuem
competência para as ações de natureza civil que tenham por causa de pedir a prática de violência doméstica e
familiar contra a mulher. O propósito conferido pela Lei 11.340/06 foi o de outorgar ao mesmo magistrado o
conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe avaliar as repercussões
jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Isso tem por objetivo
facilitar o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, conferindo-lhe uma maior
proteção. Assim, para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou
Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil, é imprescindível que a causa de pedir da ação consista
justamente na prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher. Dessa forma, para o estabelecimento da
competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil
(notadamente, as relacionadas ao Direito de Família), é necessário que a ação decorra (tenha por fundamento) da
prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher. É necessário ainda que, no momento do ajuizamento da
ação de natureza cível, a vítima esteja em situação de violência doméstica e familiar, fazendo com que ela tenha
direito, pelo menos em tese, às medidas protetivas expressamente previstas na Lei 11.340/06. Na hipótese dos
autos, a competência para o exame da referida pretensão é da Vara Especializada, na medida em que o pedido
relacionado ao interesse da criança deu-se em plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a
neutralizar a situação de violência doméstica.

3.2. Compete à Justiça Estadual (e não à Justiça do Trabalho) autorizar trabalho artístico de CAs

É permitido que uma criança ou adolescente “trabalhe” em um filme, novela, peça de teatro etc.? É possível a
participação de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos? SIM. A doutrina e a jurisprudência entendem
que é possível o trabalho de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos, mesmo antes da idade mínima
prevista no art. 7º, XXXIII, da CF/88. Um dos fundamentos para isso está no artigo 8º, 1, da Convenção 138 da
OIT, que autoriza a participação de crianças e adolescentes em “representações artísticas”.

Exige-se alguma autorização especial para isso? SIM. O ECA exige um pronunciamento judicial para esses casos.

*Sempre se entendeu que a competência para esse ato era da Vara da Infância e Juventude (Justiça Estadual). Até
mesmo porque é essa a redação expressa do art. 146 do ECA. Ocorre que, em 2004, com a EC 45, surgiu uma nova
97
tese a respeito do tema. Isso porque esta Emenda ampliou o rol de competências do art. 114 da CF e parcela da
doutrina e jurisprudência passou a defender que a competência para autorizar a participação de crianças e
adolescentes em “representações artísticas” seria agora da Justiça do Trabalho, com base no art. 114, I e IX, da CF.

O STF concordou com esta tese? NÃO. O STF, ao julgar medida cautelar na ADI 5326/DF, decidiu que: Compete
à Justiça Comum Estadual (juízo da infância e juventude) apreciar os pedidos de alvará visando a participação de
CAs em representações artísticas. STF. Plenário. ADI 5326/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 27/9/18.

Natureza cível da cognição (ausência de discussão quanto à relação de trabalho)


No § 1º do art. 149 estão listados os fatores que o juiz deverá levar em consideração para conferir a referida
autorização. Ao se analisar tais fatores, percebe-se que o juiz faz uma cognição de “natureza cível”, não havendo
exame de “relação de trabalho”. Assim, o art. 114, I e IX, da CF, que estabelece a competência da Justiça do
Trabalho, não alcança os casos de pedido de autorização para participação de CAs em eventos artísticos,
considerando que não há, no caso, conflito atinente a relação de trabalho. Vale ressaltar que esse é também o
entendimento do STJ.

3.3. Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco

A “adoção à brasileira” é permitida? NÃO. Formalmente, esta conduta é até mesmo prevista como crime pelo CP.
Vale ressaltar, entretanto, que, na prática, dificilmente alguém é condenado ou recebe pena por conta desse delito.
Isso porque, no caso concreto, poderá o juiz reconhecer a existência de erro de proibição ou, então, aplicar o perdão
judicial previsto no parágrafo único do art. 242 do CP. É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta
porque, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode ela
ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças.

É necessário estudo psicossocial para que haja perda do poder familiar da mãe biológica em razão da suposta
entrega da filha para adoção irregular? SIM. A destituição do poder familiar da mãe biológica e do pai registral
de Júlia se deu em razão da ocorrência da denominada “adoção à brasileira”, pois não ficou comprovado que a
criança seria fruto da relação de Francisca com Pedro. Nesse caso, era indispensável a realização de estudo
psicossocial e de avaliação psicológica dos envolvidos na lide. O estudo psicossocial é peça informativa
extremamente útil ao juiz para aferir a possível existência de uma situação de risco para o menor e balizar eventual
pedido de aplicação de alguma medida protetiva à criança ou ao adolescente. Não se pode retirar a criança do local
da casa da família onde ela convive e levá-la a um abrigo institucional sem que exista prova de que ela estivesse em
situação de risco, sendo esta uma medida drástica e excepcional. Por se tratar de medida extrema, a perda do poder
familiar somente é cabível após esgotadas todas as possibilidades de manutenção da criança no seio da família
natural (art. 19 do ECA), pressupondo a existência de um procedimento contraditório, no qual deve ser apurado se
a medida efetivamente atende o melhor interesse da criança ou do adolescente. Por cautela e prudência, antes da
análise meritória pelo juiz da causa, deveria ter sido realizado um estudo psicossocial nos requeridos e na criança,
de modo a verificar a atual situação em que ela se encontrava, se efetivamente estava em situação de perigo e,
principalmente a efetiva possibilidade, apesar dos indícios de prática da “adoção à brasileira”, de se preservarem os
deveres inerentes ao poder familiar. Cabe ressaltar que a comprovação da prática de “adoção à brasileira” tem por
consequência, em regra, a possibilidade de condenação penal e a nulidade do registro civil do adotado, mas não
enseja a destituição do poder familiar por parte da mãe biológica que também figura no registro.

3.4. A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é suficiente para afastar a multa
pecuniária prevista no art. 249 do ECA

Apuração das infrações administrativas: o ECA prevê, em seus arts. 245 a 258-C, infrações administrativas.
Interessante explicar que, apesar de serem infrações administrativas, elas são apuradas por meio de procedimento
conduzido pelo Juiz da VIJ, na forma do art. 194 do ECA (v. procedimento no livro – importante).

Imagine agora a seguinte situação hipotética: O Conselho Tutelar encontrou uma criança de 5 anos em estado de
absoluta desnutrição e abanono. A menina estava sozinha em casa porque a mãe havia saído. Essa situação foi
relatada ao MP. O Promotor de Justiça ingressou, então, na vara da infância e juventude, com “representação civil
por infração administrativa” afirmando que a mãe da criança praticou a conduta descrita no art. 249 do ECA e
pedindo a sua condenação. A DP, que fez a assistência jurídica da mãe, alegou que não se deve aplicar a multa
pecuniária, tendo em vista que ficou comprovado que esta família vive em situação de extrema hipossuficiência
financeira e vulnerabilidade familiar. Assim, de nada adiantaria a aplicação da sanção.

A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? NÃO. A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é
suficiente para afastar a multa pecuniária prevista no art. 249 do ECA. A sanção pecuniária prevista no art. 249 do
98
ECA, embora topologicamente distante do art. 129, deve ser interpretada em conjunto com aquele rol. A infração
do art. 249, além de um cunho essencialmente sancionatório, possui também caráter preventivo, coercitivo e
disciplinador. Em última análise, o objetivo é que tais condutas não mais se repitam, a bem dos filhos. Diante disso,
em prol do melhor interesse da criança ou do adolescente, a jurisprudência até admite que, por meio de decisão
judicial fundamentada, o magistrado deixe de aplicar a sanção pecuniária do art. 249 e, em seu lugar, faça incidir
outras medidas mais adequadas e eficazes para a situação específica.

Isso não significa, contudo, que a multa deverá ser sempre excluída em caso de hipossuficiência financeira ou
vulnerabilidade familiar. Em outras palavras, a situação econômica não deve ser o parâmetro determinante para
eventual exclusão da multa, devendo-se analisar principalmente se a medida aplicada servirá efetivamente para
prevenir e inibir a repetição das condutas censuradas. Daí porque, embora se reconheça que a regra do art. 249 do
ECA não possui incidência e aplicabilidade absoluta, podendo ser sopesada com as demais medidas previstas no
art. 129 do mesmo Estatuto, é preciso concluir que a simples exclusão da multa, pelo simples fato de haver
pobreza, não é a providência mais adequada. Assim, no caso concreto, o STJ determinou a incidência da multa. No
entanto, fixou-a em apenas 1 salário mínimo, ou seja, abaixo do limite previsto no art. 249 do ECA.

3.5. Defensoria pode ter acesso a procedimento instaurado pela Justiça para apurar irregularidades em
unidade de internação

Imagine a seguinte situação hipotética: “o Juiz da Vara de Infância e Juventude recebeu notícia de que na unidade
de internação X estariam ocorrendo violações aos direitos dos adolescentes. Em razão disso, o magistrado instaurou
procedimento verificatório a fim de fazer uma correição na unidade para apurar tais fatos, inclusive com inspeção
judicial. Vale ressaltar que as entidades de internação devem ser constantemente fiscalizadas pelo Judiciário,
conforme prevê o art. 95 do ECA. O art. 191 do ECA prevê que, havendo alguma irregularidade, deverá ser
instaurado procedimento para apuração dos fatos. A DP pediu para intervir e ter acesso aos autos do procedimento
verificatório a fim de que pudesse velar pelos interesses e direitos fundamentais dos adolescentes ali internados. O
magistrado negou o pedido sob o argumento de que a DP não está elencada nos arts. 95 e 191 do ECA.

Agiu corretamente o juiz? NÃO. É verdade que os arts. 95 e 191 do ECA não mencionam a Defensoria Pública.
Apesar disso, esta Instituição possui sim a atribuição para fiscalizar as unidades de internação. Essa competência da
DP pode ser extraída da CF e da LC 80/94. Por fim, vale a pena lembrar que o art. 128 da LC 80/94 elenca, como
prerrogativa dos membros da DP dos Estados: • ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias,
ressalvadas as vedações legais; e • examinar, em qualquer repartição pública, autos de flagrantes, inquéritos e
processos, assegurada a obtenção de cópias e podendo tomar apontamentos.

Ausência de previsão da DP nos arts. 95 e 191 do ECA tem razões históricas: O ECA foi editado em 1990, época
em que a DP ainda não era conhecida e estruturada. A Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94), por
exemplo, só foi editada em 1994, ou seja, 4 anos depois. Desse modo, o ECA, por óbvio, não poderia ter previsto o
poder fiscalizatório de uma instituição cuja Lei Orgânica ainda não havia sido editada.

3.6. Reconhecimento de dano moral coletivo por conta de programa de televisão que divulga testes de DNA
tratando o tema de forma jocosa e depreciativa: A conduta de emissora de televisão que exibe quadro que,
potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes
configura lesão ao direito transindividual da coletividade e dá ensejo à indenização por dano moral coletivo. Caso
concreto: existia um programa de TV local no qual o apresentador abria ao vivo testes de DNA e acabava expondo
as crianças e adolescentes ao ridículo, especialmente quando o resultado do exame era negativo. As crianças e
adolescentes não participavam do programa, apenas seus pais. No entanto, o apresentador utilizava expressões
jocosas e depreciativas em relação à concepção dos menores.

Obs.: Danos morais coletivos X danos sociais

Dano social não é sinônimo de dano moral coletivo. O dano social é, portanto, uma nova espécie de dano reparável,
que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente
reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade. Alguns exemplos dados por Junqueira de Azevedo: o
pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho.
Tais condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de chuva,
problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de florestas por conta da
queda do balão etc. Diante da prática dessas condutas socialmente reprováveis, o juiz deverá condenar o agente a
pagar uma indenização de caráter punitivo, dissuasório ou didático, a título de dano social. Cf. explica Flávio
Tartuce, os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um
99
fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do
juiz.

Na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado um enunciado reconhecendo a existência dos danos
sociais: Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou
imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos
legitimados para propor ações coletivas.

DIREITO EMPRESARIAL

1. PROPRIEDADE IMATERIAL

1.1. Danos materiais e morais em caso de uso indevido de marca


 Direito de ser indenizada por danos materiais : A jurisprudência do STJ entende que há presunção da ocorrência
de prejuízos materiais quando se constata o uso indevido da marca, pois a própria violação do direito é tida como
capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular. O uso indevido da marca provoca desvio de clientela e
confusão entre as empresas, acarretando indiscutivelmente dano material. A própria LPI (Lei 9.279/96) presume a
existência dos danos materiais, sendo decorrência natural da contrafação e da violação da concorrência do mercado
A norma, inclusive, estabelece critérios específicos para se melhor alcançar o quantum debeatur. Cf. se verifica de
seus arts. 208, 209 e 210, a norma, em nenhum momento, condiciona a reparação à efetiva demonstração do dano.
 Direito de ser indenizada por danos morais
a) PJ pode sofrer dano moral? SIM (Súmula 227-STJ). A PJ é possuidora de bens extrapatrimoniais. Cf. previsto no
art. 52 do CC, apesar de despida de direitos ligados à personalidade humana (saúde, integridade física e psíquica), a
pessoa jurídica é titular de direitos da personalidade, tais como à tutela ao nome, à marca, à imagem, à reputação, à
honra (objetiva), à intimidade (como nos segredos industriais), à liberdade de ação etc.
b) No caso de uso indevido de marca, o dano moral precisa ser provado? NÃO. O tema ainda não é pacífico no
STJ, mas prevalece que o dano moral decorre automaticamente da constatação do uso indevido da marca. Por sua
natureza de bem imaterial, é ínsito que haja prejuízo moral à pessoa jurídica quando se constata o uso indevido da
marca. Isso porque, obrigatoriamente, a reputação, a credibilidade e a imagem da empresa acabam sendo atingidas
perante todo o mercado (clientes, fornecedores, sócios, acionistas e comunidade em geral), além de haver o
comprometimento do prestígio e da qualidade dos produtos ou serviços ofertados, caracterizando evidente violação
de seus direitos, bens e interesses extrapatrimoniais. Assim, o dano moral por uso indevido da marca é aferível in re
ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita - contrafação -,
revelando-se desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo
moral.

1.2. Ações envolvendo trade dress e nulidade de registro de marca


 Proteção ao conjunto-imagem (trade dress) : consiste no conjunto de elementos distintivos que caracterizam um
produto, um serviço ou um estabelecimento comercial fazendo com que o mercado consumidor os identifique. Ao
contrário de outros países, no Brasil ainda não existe uma legislação que proteja, de forma específica, as violações
ao trade dress. Apesar disso, a jurisprudência tem protegido os titulares das marcas copiadas. Na verdade, é
possível dizer que a proteção ao trade dress decorre do art. 5º, XXIX, da CF, que estabelece que a lei assegurará
aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações
industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos. Ex.: Em um caso
concreto, o TJSP entendeu que uma empresa cuja marca era “Uai in box” teria violado a trade dress da “China in
box”. Além do nome parecido, a empresa “Uai in box” também oferecia comida em delivery com pacotes iguais
aos da “China in box”.
 Competência: De quem é a competência para julgar ação na qual o autor alega que está sendo desrespeitada a
sua As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas
afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de
competência da Justiça Estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal.
 Por outro lado, de quem é a competência para julgar ação na qual se requer a nulidade de uma marca registrada
no INPI, pedindo-se ainda a cessação de seu uso? Justiça Federal. Isso porque, nesta situação, haverá interesse
jurídico do INPI na demanda, considerando que foi a autarquia que concedeu o registro, incidindo, portanto, na
hipótese do art. 109, I, da CF/88. No mesmo sentido, prevê a Lei nº 9.279/96.

2. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

2.1. Quórum para exclusão judicial do sócio majoritário não inclui as suas quotas
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 Dissolução parcial da sociedade, direito de retirada e exclusão de sócio : v. livro.
 Exclusão do sócio majoritário: se o sócio que se pretende excluir da sociedade tiver a maioria do capital social,
não se conseguirá exclui-lo extrajudicialmente. Isso porque, diferentemente do que ocorre na exclusão de sócio
minoritário, não se terá uma deliberação da maioria dos sócios (maioria do capital social). Diante disso, para a
exclusão do sócio majoritário, será necessária a propositura de uma ação judicial, conforme prevê o art. 1.030 do
CC.
 O que significa essa expressão “mediante iniciativa da maioria dos demais sócios” prevista no art. 1.030 do CC?
No cálculo dessa maioria deve-se incluir as quotas do sócio “acusado”? Claro que não. A lei é explícita ao falar em
maioria dos demais sócios. Consideram-se apenas as quotas dos demais sócios, excluídas aquelas pertencentes ao
sócio que se pretende excluir. Isso porque o art. 1.030 é a oportunidade que a legislação confere aos sócios
minoritários de excluírem o sócio majoritário. Se as quotas do sócio majoritário fossem incluídas no cálculo, ele
nunca poderia ser excluído porque sempre deteria a maioria. Ex.: Determinada sociedade limitada é formada por
quatro sócios: João (possui 60% do capital social), Pedro (20%), Augusto (10%) e Ricardo (10%). João está
descumprindo suas obrigações sociais e colocando em risco a continuidade da sociedade. Pedro e Augusto querem
excluir João da sociedade. Ricardo não concorda e defende a permanência. Pedro e Augusto possuem menos da
metade do capital social. Logo, não conseguirão a exclusão extrajudicial do sócio João, nos termos do art. 1.085 do
CC. Contudo, poderão deliberar pelo ajuizamento de ação pedindo a exclusão judicial do sócio majoritário,
conforme autoriza o art. 1.030 do CC. Neste caso, Pedro e Augusto, ao decidirem pleitear a exclusão judicial de
João, terão atendido o quórum exigido pelo art. 1.030. Isso porque a maioria será contada a partir da participação
dos 40%, isto é, o restante dos demais sócios, uma vez excluída a participação daquele que se quer que seja
excluído.
 Decisão do STJ: O STJ reafirmou essa forma de cálculo e decidiu que: O quórum deliberativo para exclusão
judicial do sócio majoritário por falta grave no cumprimento de suas obrigações deve levar em conta a maioria do
capital social de sociedade limitada, excluindo-se do cálculo o sócio que se pretende jubilar.

2.2. A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), atual BM&F BOVESPA, não responde
pelos prejuízos causados pela venda indevida de ações mediante uso de procuração falsa: A Companhia
Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde civilmente pelos prejuízos decorrentes
da negociação de ações mobiliárias mediante uso de procuração pública falsa que não lhe foi apresentada. Constitui
responsabilidade do agente de custódia (corretoras de valores) fiscalizar a regularidade das procurações
apresentadas para transferência de valores mobiliários.

2.3. Prescrição em caso de ação de exigir contas pelo pagamento de dividendos e outros rendimentos
 Fatos: João é titular de ações nominativas da sociedade anônima “BGG S/A”. João entende que a BGG não lhe
pagou os dividendos, os juros sobre capital próprio e os demais rendimentos corretamente nos últimos 6 anos. Em
razão disso, João quer ajuizar ação de exigir contas contra a empresa, nos termos do art. 550 do CPC, exigindo a
prestação das contas dos últimos 6 anos. Surgiu, no entanto, a dúvida a respeito do prazo prescricional.
 Há previsão expressa de um prazo para a ação de exigir contas? Não. Não há um prazo prescricional específico
para o ajuizamento da ação de exigir contas, o que atrai, de modo geral, a aplicação do prazo residual de 10 anos,
constante do art. 205 do CC.
 Prazo para cobrança de dividendos é de 3 anos e, portanto, interfere no prazo para exigir contas: o titular ações
de uma SA possui o prazo prescricional de 3 anos para exigir o pagamento dos dividendos. Isso está previsto no art.
287, II, da LSA. Esse dispositivo legal dispõe sobre a ação de cobrança de dividendos. Não trata expressamente a
respeito da pretensão de exigir contas. Porém, não se pode deixar de reconhecer que a pretensão do acionista de
exigir contas da companhia não se exaure na sua simples prestação, pois se destina, em última análise, à apuração
do saldo de dividendos e, caso existente, também à sua satisfação. Em outras palavras, sendo de 3 anos o prazo
prescricional de cobrança dos dividendos, também deve ser de 3 anos o prazo prescricional para o ajuizamento da
ação de exigir contas. Isso porque o objetivo final do autor é o de receber o saldo que ele entende que pode existir.
Seria inútil que se permitisse que o autor ajuizasse ação pedindo a prestação de contas dos últimos 6 anos, por
exemplo, e, constatada a existência de um saldo (porque os pagamentos não foram feitos corretamente), esse
mesmo autor só tivesse direito de cobrar os valores dos últimos 3 anos. A ação de exigir contas deve se revelar útil,
a um só tempo, à pretensão de exigir contas e, caso apurado crédito existente em favor do demandante, também à
sua satisfação. A ação de exigir contas não serve apenas para tirar uma “dúvida” pessoal do autor sem que isso
tenha reflexos jurídicos.

2.4. Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a
ação de complementação de ações
 Serviços de telefonia antes da privatização: antes da privatização, o serviço de telefonia era muito ruim, caro e a
área de abrangência era pequena. Para poder ter direito ao serviço de telefonia, o consumidor tinha que comprar
uma linha. Para isso, pagava antecipadamente e entrava em uma lista de espera que poderia durar meses até chegar
a sua vez. Além disso, como na época não havia recursos públicos suficientes para a expansão da rede, as empresas
101
de telefonia obrigavam os usuários dos serviços a serem seus financiadores. Assim, o consumidor, para ter o direito
de adquirir o uso de um terminal telefônico, tinha que assinar um contrato de adesão por meio do qual era obrigado
a comprar ações da empresa de telefonia. Em outras palavras, para ter acesso ao serviço de telefonia, o usuário
tinha que adquirir uma participação acionária na companhia. Por isso, você já deve ter ouvido algumas pessoas
mais antigas falarem que tinham ações da TELERJ, da TELESP etc.
 Ação de complementação de ações : ante o cenário acima, diversas pessoas que adquiriram ações das
companhias telefônicas e receberam menos do que seria devido ingressaram com demandas judiciais pedindo a
complementação das ações. Dessa forma, quando você ouvir falar em “ação de complementação de ações da
empresa de telefonia”, nada mais é do que a demanda judicial proposta pela pessoa que pagou para ter direito a um
determinado número de ações da companhia telefônica, mas, apesar disso, recebeu menos do que seria devido. Por
isso, a pessoa ingressa com o processo judicial pedindo a complementação das ações ou, subsidiariamente, o
recebimento de indenização por perdas e danos.
 Companhias cindendas e sucessoras da Telebrás Em 1998, a fim de potencializar a privativatização, a Telebrás
foi cindida em 12 empresas: 3 de telefonia fixa, 1 de longa distância, e 8 de telefonia móvel. A Telebrás continuou
existindo, com apenas 1,25% de seu patrimônio. Existe até hoje.
 A ação de complementação de ações deverá ser proposta contra quem? Quem tem legitimidade p/ figurar no
polo passivo dessa ação na qual se busca efetivar a obrigação de emitir, subscrever e integralizar ações
(complementação de ações) em favor do consumidor de serviço de telefonia, titular de contrato de participação
financeira? O STJ definiu que: Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou
sucessoras destas), para a ação de complementação de ações, na hipótese em que as ações originárias tenham sido
emitidas pela Telebrás.

2.5. Ação de regresso proposta pela empresa cindida contra a empresa resultante da cisão : Cabe ação de
regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente societárias suportada exclusivamente
por empresa cindida contra empresa resultante da cisão parcial, observando-se a proporção do patrimônio recebido.
Ex: a Tele Sudeste surgiu a partir da cisão parcial da Telebrás (a Tele Sudeste é 2,42% do patrimônio original da
Telebrás); determinado banco propôs ação contra a Telebrás e a Tele Sudeste cobrando uma quantia decorrente de
uma obrigação de debênture (obrigação societária) anterior à cisão; ambas foram condenadas a pagar o valor total
de R$ 5 milhões; a Telebrás cumpriu o julgado e quitou integralmente a dívida; em seguida, a Telebrás ajuizou
ação regressiva contra a Tele Sudeste cobrando 2,42% do valor pago pela condenação judicial.

2.6. Não se aplica o critério do balancete mensal (Súmula 371 do STJ) para os contratos de participação
financeira celebrados na modalidade PCT: O critério do balancete mensal, previsto na Súmula 371 do STJ, é
inaplicável aos contratos de participação financeira em empresa de telefonia celebrados na modalidade Planta
Comunitária de Telefonia - PCT. Súmula 371-STJ: Nos contratos de participação financeira para aquisição de linha
telefônica, o valor patrimonial da ação (VPA) é apurado com base no balancete do mês da integralização.

3. CONTRATOS EMPRESARIAIS

3.1. Em shopping center que funcione como condomínio é permitido que a convenção do condomínio preveja
que a área comum será explorada por apenas alguns condôminos (lojistas):
 Modalidades de shopping center: a) Shopping center típico: todos os espaços são locados. Não possui
condomínio.
b) Shopping center vendido: existem vários proprietários das unidades autônomas, que formam um condomínio
comercial. Essas unidades autônomas (espaços) são vendidos ou locados. Trata-se de um condomínio comercial,
mas com características típicas de shopping, como mix, publicidade conjunta e normas de funcionamento com
horários preestabelecidos. Neste modelo existe, portanto, uma convenção de condomínio que rege o shopping e,
normalmente, é escolhido um síndico.
c) Centro comercial: mero aglomerado de lojas, sem um sistema organizado de funcionamento.
 A convenção de condomínio pode atribuir direito de uso exclusivo de áreas comuns a um ou mais condôminos?
Essa previsão da convenção de condomínio, em princípio, é válida? SIM. O condomínio que funciona como um
shopping center possui peculiaridades que o distingue de um condomínio edilício comum. No condomínio que
funciona como um shopping, o condômino (lojista), apesar de proprietário de uma unidade autônoma, sofre
algumas restrições, contratualmente acertadas, aosseus direitos de condômino. As limitações atingem,
especialmente, a autonomia, já que terá que se utilizar do imóvel exatamente para a finalidade específica para a
qual foi adquirido, observando, quanto à utilização, as mesmas regras impostas a todos os demais lojistas. Outra
diferença está justamente nas áreas comuns. Nada impede que, quando da constituição do empreendimento, em
decisão assemblear ou por meio de cláusulas de convenção de condomínio e demais normais gerais
complementares, seja limitada à propriedade adquirida pelos lojistas ao espaço interno. Assim, é possível que se
estabeleça que as áreas comuns irão pertencer a uma ou algumas empresas (e não a todos os lojistas).
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3.2. Banco que, após notificar a corretora de Bitcoin, decide encerrar contrato de conta-corrente com a
empresa não pratica ato que configure abuso de direito
 Fatos: a empresa “Mercado Bitcoin” precisa, obrigatoriamente, de um conta bancária tradicional para realizar
sua atividade econômica, tendo em vista que recebe dinheiro em moeda tradicional em troca de Bitcoins. Durante
meses, a empresa utilizou para isso uma conta bancária no Itaú. Ocorre que, determinado dia, o Banco Itaú enviou
uma notificação extrajudicial para a “Mercado Bitcoin” informando que sua conta bancária seria encerrada dentro
de 30 dias em razão de “desinteresse comercial”, ou seja, a instituição financeira comunicou que não mais tinha
interesse comercial em ter a empresa como cliente. Diante disso, a “Mercado Bitcoins” ingressou contra o Banco
Itaú S.A. com ação de obrigação de fazer pedindo para que o banco mantenha a conta-corrente encerrada. A autora
argumentou que o encerramento da conta configurou prática abusiva e ato ilícito por parte do banco, violando o art.
39, IX, do CDC, além do configurar abuso de direito (art. 187 do CC).
 Pode ser aplicado, no caso, o CDC para esta relação jurídica? NÃO. A empresa corretora de Bitcoin que celebra
contrato de conta-corrente com o banco para o exercício de suas atividades não pode ser considerada consumidora.
Não se trata de uma relação de consumo. A empresa desenvolve a atividade econômica de intermediação de
compra e venda de Bitcoins. Para realizar essa atividade econômica, utiliza o serviço de conta-bancária oferecido
pelo banco. Assim, a utilização desse serviço bancário (abertura de conta-corrente) tem o propósito de incrementar
sua atividade produtiva de intermediação, não se caracterizando, portanto, como relação jurídica de consumo, mas
sim de insumo. Em outras palavras, o serviço bancário de conta-corrente é utilizado como implemento de sua
atividade empresarial, não se destinando, pois, ao seu consumo final. Logo, não se aplicam as normas protetivas do
CDC.
 Vários bancos têm se negado a fornecer serviço de conta-corrente para as corretoras de Bitcoins. São acusadas
de fazer isso para evitar o crescimento das criptomoedas, o que poderia produzir impacto no faturamento das
instituições financeiras. Os bancos, ao negarem esse serviço, praticam ato ilícito? A conduta do Banco Itaú, que
encerrou a conta-bancária da “Mercado Bitcoin”, foi considerada, pelo STJ, como prática comercial abusiva? NÃO.
O encerramento de conta-corrente usada na comercialização de criptomoedas, observada a prévia e regular
notificação, não configura prática comercial abusiva ou exercício abusivo do direito.
 Fundamento: isso porque O art. 12 da Res. BACEN/CMN 2.025/93 permite que o banco ou o cliente,
livremente, encerrem o contrato de conta-corrente, observada apenas a necessidade de, previamente, fazer a
comunicação do outro. Vale ressaltar que, mesmo em se tratando de relação de consumo, o STJ possui precedentes
dizendo que o banco pode encerrar a conta-bancária do cliente sem que isso configure prática abusiva, não se
aplicando a regra do art. 39, IX, do CDC aos bancos. Desse modo, é legítima, sob o aspecto institucional, a recusa
da instituição financeira em manter o contrato de conta-corrente, utilizado como insumo pela corretora de Bitcoins,
no desenvolvimento da atividade empresarial. De igual modo, sob o aspecto mercadológico, também se afigura
legítima a recusa em manter a contratação. Como a atividade empresarial da corretora de Bitcoins concorre com as
atividades da instituição financeira, não se pode dizer que a recusa do banco em fornecer o serviço a ela seja
abusiva. Não há, em princípio, abuso de direito porque se trata de proteção dos interesses comerciais da instituição.

4. PROTESTO

4.1. Não cabem danos morais se houve protesto de cheque prescrito, mas cuja dívida ainda poderia ser
cobrada por outros meios
 Protesto e cheque: v. livro para revisão.
 Fatos: João emitiu um cheque em favor da empresa “A”. A empresa tentou efetuar o saque da quantia, mas não
havia fundos disponíveis. 1 ano depois, ou seja, quando o cheque já estava prescrito, a empresa “A” levou este
título para protesto. João ingressou, então, com ação declaratória de nulidade de protesto de título c/c pedido de
indenização por danos morais contra a empresa “A” alegando que ela levou a protesto um cheque prescrito.
 É possível o protesto do cheque contra o emitente mesmo após ter se passado o prazo de apresentação? SIM. É
legítimo o protesto de cheque efetuado contra o emitente depois do prazo de apresentação, desde que não escoado o
prazo prescricional relativo à ação cambial de execução.
 Mas o art. 48 da Lei 7.357/85 afirma que o protesto do cheque deve ocorrer durante o prazo de apresentação.
Veja: “Art. 48 O protesto ou as declarações do artigo anterior devem fazer-se no lugar de pagamento ou do
domicílio do emitente, antes da expiração do prazo de apresentação.” E agora? O STJ afirma que a exigência
imposta no art. 48 de que o protesto ocorra antes de expirado o prazo de apresentação do cheque só vale para o
protesto necessário, isto é, aquele feito contra os coobrigados, para o exercício do direito de regresso, e não em
relação ao emitente do título. Em outras palavras, o art. 48 da Lei nº 7.357/85 trata apenas da possibilidade de
cobrança dos eventuais devedores indiretos (coobrigados), mas não do devedor principal (emitente). O protesto
pode ser feito contra o emitente mesmo após o prazo de apresentação, desde que o cheque ainda não esteja
prescrito.
 Prazo de apresentação do cheque: 30 dias, se ele for da mesma praça do pagamento ou 60 dias, se de praça
diferente.
103
 Prazo prescricional para a execução do cheque: 6 meses, contados a partir do momento em que termina o prazo
de apresentação do cheque.
 Caso concreto: o juiz deverá determinar o cancelamento do protesto? SIM. Em nosso exemplo, o protesto foi
indevido considerando que realizado com a indicação do emitente como devedor, mas feito após o prazo
prescricional do cheque.
 E quanto aos danos morais? João (devedor) deverá ser indenizado por danos morais? NÃO. Isso porque o
cheque, apesar de estar prescrito, ainda poderia ser cobrado por outros meios. No âmbito do protesto irregular de
título de crédito, o reconhecimento do dano moral está diretamente relacionado com a ideia do abalo de crédito
causado pela publicidade do ato notarial que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de “mau pagador”
perante a praça. Se houve um protesto irregular (porque o cheque está prescrito), mas há ainda outras vias
alternativas para a cobrança da dívida, entende-se que esse protesto indevido não gerou um abalo no crédito do
devedor, considerando que o emitente do título permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no
pagamento. Com efeito, aquele que, efetivamente, insere-se na condição de devedor, estando em atraso no
pagamento de dívida regularmente por si assumida, passível de cobrança por meios outros que não a execução, não
pode se sentir moralmente ofendido pelo protesto, mesmo sendo ele extemporâneo. No caso concreto, mesmo
estando o cheque prescrito, a empresa ainda tinha, à sua disposição, 3 ações judiciais possíveis. Assim, embora
indevido o protesto, João permanecia na condição de devedor inadimplente, razão pela qual não está caracterizado
abalo de crédito apto a ensejar a caracterização de dano moral indenizável.
 Quais ações? 1) Ação de enriquecimento sem causa (“ação de locupletamento”): prevista no art. 61 da Lei do
Cheque. Essa ação tem o prazo de 2 anos, contados do dia em que se consumar a prescrição da ação executiva.
2) Ação de cobrança (ação causal): art. 62 da Lei. O prazo é de 5 anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, CC.
3) Ação monitória.

4.2. Credor que havia protestado o título tem o dever de fornecer carta de anuência para cancelamento do
protesto, mas para isso precisa haver um pedido do devedor
 Protesto: v. as informações gerais no livro.
 Após o pagamento do título protestado, o credor que foi pago tem a responsabilidade de retirar o protesto
lavrado? NÃO. Após a quitação da dívida, incumbe ao DEVEDOR providenciar o cancelamento do protesto, salvo
se foi combinado o contrário entre ele e o credor. Segundo o STJ, a Lei 9.492/97 não impõe ao credor o dever de
retirar o protesto (inteligência do art. 26, que diz “qualquer interessado”).
 Esse entendimento vale mesmo que se trate de uma relação de consumo, ou seja, que o devedor seja um
consumidor e o credor um fornecedor? SIM.
 A solução jurídica acima aplica-se também no caso de inscrição em cadastros de inadimplentes? NÃO, cf. já
visto.
 Fatos: sujeito pagou a dívida protestada, mas, como o Banco não retirou o protesto lavrado, ele permaneceu sem
conseguir crédito no mercado. O seu advogado lhe disse que ele deve levar até o cartório a “carta de anuência” do
banco. Carta de anuência é um documento no qual o credor declara que o título de crédito que havia sido protestado
já foi pago e que, portanto, ele não se opõe ao cancelamento do protesto. O sujeito, então, disse: quando eu paguei
o débito, o banco deveria ter me enviado por correio essa carta de anuência. Eles falharam comigo. Quero
processar. Assim, ajuizou ação de indenização por danos morais contra o banco argumentando que houve
negligência do banco em não lhe enviar automaticamente o documento que ela necessitava (“carta de anuência”)
para dar baixa no protesto.
 Direito: o STJ não concordou com o pedido. Não há como impor tacitamente ao credor o dever de enviar, sem
provocação, o documento hábil ao cancelamento do legítimo protesto. O credor tem o inequívoco dever de fornecer
o documento hábil ao cancelamento do protesto, mas para isso precisa ser previamente provocado. Situação
diferente seria se o banco, mesmo após o pagamento, recusasse ou dificultasse o fornecimento da declaração. Aí
haveria ato ilícito passível de indenização.

5. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL

5.1. Se a parte já tem um título executivo, não precisa ir para a arbitragem mesmo que o contrato contenha
cláusula compromissória
 Fatos: A Metálica forneceu uma grande quantidade de peças para a Volk, que emitiu uma duplicata no valor de
R$ 1 milhão. Ocorre que a Volk não pagou a duplicata. A credora fez, então, o protesto deste título de crédito, mas,
apesar disso, a devedora permaneceu inadimplente. Diante disso, a Metálica formulou pedido de falência da
sociedade empresária Volk, fundamentando o pleito no art. 94, I, da LFRJ. Vale ressaltar que o pedido de falência
por impontualidade foi fundamentado na duplicata protestada e acompanhada de documentos que comprovaram a
entrega das mercadorias. Citada, a Volk alegou que, no contrato celebrado, há cláusula compromissória, ou seja,
houve a eleição de foro arbitral. Logo, antes de pedir a falência, a Metálica deveria ter instaurado o juízo arbitral.
Como não o fez, o processo falimentar deve ser extinto, sem resolução do mérito, com base no art. 485, VII, do
CPC.
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 Decisão do STJ: não concordou com a Volk. No caso concreto, contudo, a questão envolve título executivo
inadimplido (duplicata protestada). Havendo título executivo não pago, só resta ao credor dois caminhos úteis: •
ingressar com uma execução individual; • formular pedido de falência, com fundamento no art. 94, I, da LFRJ, que
ostenta natureza de execução coletiva. Assim, na hipótese de pretensão amparada em título de natureza executiva, o
direito que assiste ao credor somente pode ser exercido mediante provocação do Judiciário. Isso porque o árbitro
não possui poderes de natureza executiva. Não pode penhorar bens, determinar a alienação judicial etc. Logo, todos
os atos de natureza expropriatória dependem do juízo estatal para serem efetivados. Desse modo, deve-se admitir
que a cláusula compromissória possa conviver com a natureza executiva do título. Não é razoável exigir que o
credor seja obrigado a iniciar uma arbitragem para obter juízo de certeza sobre uma dívida que, no seu entender, já
consta do título executivo extrajudicial, bastando, realmente, iniciar a execução forçada.
 Resumo: A existência de cláusula compromissória não afeta a executividade do título de crédito inadimplido e
não impede a deflagração do procedimento falimentar, fundamentado no art. 94, I, da Lei nº 11.101/2005.

5.2. Contribuição previdenciária reconhecida por juiz trabalhista pode ser habilitada na falência sem CDA
 Fatos: Em uma reclamação trabalhista proposta por João (empregado) contra a empresa “A”, o juiz trabalhista
condenou a empregadora a pagar as verbas trabalhistas e também as contribuições previdenciárias que incidiam
sobre. As verbas trabalhistas são devidas ao empregado. Já as contribuições previdenciárias são verbas que
deveriam ter sido recolhidas pela empresa e revertidas ao INSS. Assim, são créditos que a empresa deverá pagar ao
INSS.
 Falência: Caso a empresa não pague as verbas trabalhistas e as contribuições previdenciárias, a providência
normal que deveria ser adotada pelo juiz trabalhista seria a execução de tais quantias. Ocorre que essa sociedade
empresária encontra-se em processo de falência. Logo, não poderá haver execução no juízo trabalhista, pois isso
terá que ser feito no juízo universal da falência. Assim, em caso de empresas que estejam em processo de falência,
a Justiça do Trabalho será competente para a ação de conhecimento (onde será apurado se existe débito e o seu
valor) e o juízo da falência será responsável pela cobrança de tais quantias apuradas (STJ).
 Habilitação dos créditos: o empregado e o INSS deverão levar ao juízo da falência esses créditos que foram
reconhecidos no processo trabalhista. Esse procedimento é chamado de “habilitação de créditos” (art. 9º da LFRJ).
 Fatos 2: o INSS propôs, no juízo falimentar, a habilitação de seu crédito referente às contribuições
previdenciárias. O juízo falimentar indeferiu a habilitação do crédito previdenciário, sob o argumento de que a
Fazenda Pública deveria ter inscrito em dívida ativa o valor da condenação imposta pelo juízo trabalhista e ter
apresentado a CDA. Em outras palavras, o juiz da falência entendeu que o INSS não poderia habilitar na falência a
própria sentença trabalhista, sendo indispensável uma providência anterior, qual seja, a inscrição desse débito em
dívida ativa.
 Decisão do STJ: o juiz da falência não agiu corretamente. As contribuições previdenciárias são consideradas
como uma espécie de tributo. Em regra, os tributos que são devidos e não foram pagos pelo sujeito passivo devem
ser objeto de “lançamento tributário”, procedimento a ser realizado pelo Fisco. Após o lançamento, esse débito
tributário será inscrito em dívida ativa, gerando uma CDA, instante em que se torna um crédito tributário que
poderá ser exigido judicialmente pela FP. Assim, em regra, é necessário o lançamento para que haja a constituição
do crédito tributário. Ocorre que, no caso das contribuições previdenciárias que forem reconhecidas pela Justiça do
Trabalho, não será necessário que com relação a elas haja um lançamento tributário a ser realizado pelo Fisco. Dito
de outra forma, as contribuições previdenciárias que forem apuradas pelo juiz trabalhista não precisam de novo
lançamento tributário para serem executadas. É a própria sentença que é executada pela Justiça do Trabalho e não o
tradicional crédito constituído pela via administrativa do lançamento tributário. Isso ocorre por força de
mandamento constitucional (art. 114, VIII da CF). A partir disso, o STJ conclui que o crédito tributário poderá
decorrer:
• do lançamento na via administrativa (hipótese tradicional, regulada pelo CTN); ou
• da sentença da Justiça do Trabalho que reconhecer a existência de contribuições previdenciárias devidas (hipótese
excepcional, trazida pelo art. 114, VIII, da CF). Desse modo, como as contribuições previdenciárias já foram
reconhecidas na sentença pelo juiz trabalhista, já houve a constituição do crédito tributário, sendo desnecessário
que haja um procedimento administrativo de lançamento tributário. Isso já é suprido pela sentença trabalhista.

5.3. Competência para julgar demandas cíveis com pedidos ilíquidos contra massa falida:
 Acepções de massa falida: a) subjetiva (massa passiva): É o conjunto dos credores do falido. Trata-se de um
ente despersonalizado (não possui personalidade jurídica). Apesar disso, é sujeito de direito, podendo praticar atos,
inclusive processuais, para a defesa dos interesses dos credores. A massa falida pode atuar a “favor” ou “contra” a
sociedade empresária falida; b) Massa falida OBJETIVA (massa ativa): é o conjunto dos bens do falido que foram
arrecadados no processo falimentar.
 Fatos: A “Rodo Ltda” era responsável pelo transporte coletivo (ônibus) no Município de Guarulhos. João foi
atropelado por um ônibus da “Rodo Ltda” e ficou inválido. Antes que João pudesse ingressar com qualquer medida
contra a causadora do acidente, o juízo da 1ª Vara de Falências decretou a falência da sociedade empresária “Rodo
Ltda.”. João quer agora ajuizar uma ação de indenização por danos morais contra a massa falida da “Rodo Ltda”
105
em litisconsórcio passivo com o Município de Guarulhos. Vale ressaltar que a ação na qual se busca indenização
por danos morais é considerada como uma demanda cível com pedido ilíquido, pois cabe ao magistrado avaliar a
existência do evento danoso, bem como determinar a extensão e o valor da reparação para o caso concreto. João
ajuizou a referida ação na 1ª Vara de Falências afirmando ser este o juízo universal para demandas contra a massa
falida. O Município contestou a demanda afirmando que a ação deveria ter sido proposta na Vara da Fazenda
Pública municipal, considerando que a lei de organização judiciária afirma que esta é vara cível competente para
julgar as demandas propostas contra o Município.
 Decisão: o STJ acolheu a tese do Município. Com a decretação da falência, instaura-se o chamado juízo
universal da falência. Isso significa que, em regra, todas as ações que envolvem o devedor falido deverão ser
julgadas pelo juízo que decretou a falência. Isso é chamado de vis attractiva ou aptidão atrativa do juízo falimentar,
estando prevista no art. 76 da LFRJ. A universalidade do juízo falimentar, contudo, não é absoluta. Há exceções.
Uma dessas exceções diz respeito às ações que demandem quantia ilíquida, cf. o art. 6º, § 1º da LFRJ. Assim, as
ações que estiverem cobrando quantia ilíquida não precisam tramitar no juízo universal da falência, podendo
continuar ou serem propostas no juízo cível competente segundo as leis de organização judiciária.
 O que são ações que demandam quantia ilíquida? A expressão usada pela lei não é clara e deve ser interpretada
como abrangendo as ações de conhecimento, nas quais se discute a existência ou o valor de certos créditos.
 O art. 6º, §1º, fala em “prosseguimento”, dando a entender que a ação já havia sido proposta antes da falência.
Se a ação cobrando quantia ilíquida for proposta depois da falência, também será uma exceção ao juízo universal?
Sim. A ação de indenização por danos morais se enquadra no conceito de “ação que demandar quantia ilíquida”?
Sim.

5.4. Valores depositados em banco por conta de contrato de trust podem ser arrecadados no caso de falência
da instituição financeira
 Trust, natureza jurídica, ausência de previsão no direito brasileiro : v. livro.
 Fatos: A empresa “A1” ganhou o leilão p/ administrar uma importante rodovia em SP. Como ela precisava fazer
investimentos milionários de infraestrutura, decidiu captar dinheiro com outras empresas. Assim, a empresa “A1”
(concessionária da rodovia estadual) celebrou com a empresa “B2” um contrato de financiamento a ser amortizado
(pago em prestações) com vinculação de receita das praças de pedágio. Em outras palavras, a empresa “B2”
emprestou alguns milhões de reais para a empresa “A1” e esta se comprometeu a pagar com o dinheiro que
receberia do pedágio da rodovia. Para operacionalizar esse contrato e conferir maiores garantias ao mutuante
(“B2”), as partes pactuaram que a receita do pedágio seria depositada em um banco interveniente (no caso, o Banco
Santos), que ficaria responsável por administrar essas receitas com o propósito de amortizar o financiamento, como
num contrato de “trust”. Identificando os personagens deste trust:
• Instituidor (settlor): A1 (concessionária que confiou a administração das receitas ao Banco Santos).
• Administrador (trustee ou fiduciário): Banco Santos.
• Beneficiário: B2.
Ocorre que, na vigência do contrato, foi decretada a falência do Banco Santos. Daí o juízo da falência arrecadou o
saldo existente nesta conta em favor da massa falida. Diante desse fato, a A1 apresentou requerimento ao juízo da
falência pedindo a restituição dos valores. A empresa “A1” afirmou que essa conta constituiria patrimônio de
afetação, de sorte que deveria ser aplicada a regra do art. 119, IX. Invocou também a incidência do entendimento
exposto na Súmula 417 do STF: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido
em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.
 Decisão: Não é cabível a restituição de quantia em dinheiro que se encontra depositada em conta corrente de
banco falido, em razão de contrato de trust.
- Valores depositados no banco são arrecadados em caso de falência da instituição financeira: se um banco vai à
falência, os valores depositados nas contas bancárias são considerados bens de titularidade da instituição financeira
e serão arrecadados para pagamento das dívidas.
- Trust não pode ser considerado patrimônio de afetação: o art. 119, IX, da LFRJ afirma que os “patrimônios de
afetação” não serão arrecadados pela massa falida. No entanto, esse mesmo dispositivo diz que tais “patrimônios de
afetação” deverão obedecer ao “disposto na legislação respectiva”. Diante disso, a doutrina e a jurisprudência
entendem que somente os patrimônios de afetação previstos expressamente na legislação estão sujeitos a essa
proteção normativa. Em outras palavras, os patrimônios de afetação referidos no art. 119, IX, da LFRJ são apenas
os que tenham previsão legal, não se podendo aplicar essa previsão por analogia para o trust. Alguns exemplos de
patrimônios de afetação previstos atualmente no ordenamento jurídico pátrio: herança, massa falida, securitização
de créditos imobiliários, incorporação imobiliária, fundos e investimento imobiliário.
- Trust não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro e os depósitos realizados no Banco Santos passaram a
pertencer à instituição financeira.
- Conclusão: O que as empresas “A1” e “B2” terão que fazer agora é se habilitarem no quadro geral de credores.
106
5.5. Na antiga Lei de Falência, os créditos tributários eram pagos antes dos encargos da massa: Os encargos
da massa não preferem os créditos tributários nas falências processadas sob a égide do Decreto-Lei nº 7.661/1945.
Em outras palavras, na antiga Lei de Falência, os créditos tributários eram pagos antes dos encargos da massa.
Obs.: e na atual Lei, como funciona? A Lei nº 11.101/2005 não mais utilizou essa expressão “encargos da massa”.
Na atual Lei de Falências, as dívidas assumidas pela massa falida ao longo do processo, ou seja, depois de
decretada a quebra, são chamadas de “créditos extraconcursais” e estão listados no art. 84. Assim, na Lei nº
11.101/2005, nós temos: • Créditos concursais: são as dívidas do falido que devem ser pagas na ordem do art. 83. •
Créditos extraconcursais: são dívidas da massa falida e que devem ser pagas antes dos créditos concursais. Estão
previstos no art. 84. Em outras palavras, primeiro devem ser pagos os créditos extraconcursais e, depois, os
concursais. Os créditos extraconcursais são pagos antes dos concursais porque são dívidas que surgem depois de ter
sido decretada a falência e em decorrência dela. Em regra, são débitos que nascem para que o processo de falência
possa ser realizado. Caso fossem pagos após os demais créditos, a massa falida teria muita dificuldade de conseguir
levar em frente o procedimento da falência. Assim, os serviços prestados à massa falida após a decretação da
falência são créditos extraconcursais, que devem ser satisfeitos antes, inclusive, dos trabalhistas, à exceção do que
dispõe o art. 151.

5.6. O edital com a relação dos credores do falido (art. 7º, § 2º da LFRJ) deve ser obrigatoriamente
publicado na imprensa oficial: É imprescindível a publicação na imprensa oficial do edital previsto no art. 7º, §
2º, da LFRJ. Assim, a Lei não permite que a publicação seja feita exclusivamente no jornal. Fundamento: art. 191
da LFRJ. A leitura do caput do art. 191 revela que as publicações devem ser sempre feitas na imprensa oficial,
devendo ser, preferencialmente, feitas também mediante publicação em jornal ou revista de circulação se as
possibilidades financeiras do devedor ou da massa falida assim comportarem. Obs.: o art. 7º, § 2º trata sobre o
edital contendo a relação feita pelo administrador judicial dos credores do falido.

5.7. É cabível a interposição de agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias em processo
falimentar e recuperacional: Existem algumas hipóteses em que a própria LFRJ fala que cabe agravo. Essas
situações trazidas pela LFRJ continuam existindo e não foram afetadas pelo NCPC, tendo em vista que são
previsões de lei específica. Para o STJ, o mesmo raciocínio que inspirou a permissão do agravo de instrumento para
o processo de execução e para o processo de inventário, deve ser aplicado para a aplicação deste recurso ao
processo falimentar e recuperacional. Assim, o STJ determinou que o p. u. do art. 1.015 do CPC deveria ser
interpretado extensivamente para abranger também as decisões interlocutórias proferidas nos processos de falência
e recuperação judicial.

5.8. Crédito derivado de fato ocorrido antes da recuperação judicial


 Fatos: Em janeiro de 2017, Lucas consumiu leite estragado comprado no Supermercado BR. Em fevereiro de
2017, ele ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Supermercado. Ocorre que a referida empresa
vinha enfrentando realmente sérias dificuldades econômicas e, em setembro de 2017, ingressou com pedido de
recuperação judicial, que foi aceito. Em outubro de 2017, o juiz julgou o pedido de Lucas procedente e condenou a
empresa a pagar R$ 50 mil ao consumidor. Houve o trânsito em julgado. Assim, Lucas ingressou com pedido de
habilitação de seu crédito no processo de recuperação judicial. No entanto, o juiz da recuperação judicial não
aceitou o pedido sob a alegação de que o crédito do consumidor se constituiu com a sentença, o que ocorreu em
data posterior ao ajuizamento da recuperação judicial. Assim, para o magistrado, o crédito de Lucas não está sujeito
à recuperação judicial, conforme prevê o art. 49 da LFRJ.
 Decisão: Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Realmente, por força do art. 49 da LFRJ, os créditos
posteriores ao pedido de recuperação judicial não se submetem aos seus efeitos. O crédito de Lucas decorreu do ato
ilícito praticado pelo Supermercado, fato ocorrido antes do pedido de recuperação judicial. A constituição de um
crédito pressupõe a existência de um vínculo jurídico entre as partes e não se encontra condicionada a uma decisão
judicial. Em outras palavras, o crédito surge antes da sentença, que apenas declara a existência do crédito. Assim,
tratando-se de vínculo jurídico decorrente de evento que causou dano ao consumidor, a constituição do crédito
correspondente não se dá com a prolação da decisão judicial que o reconhece e o quantifica, mas com a própria
ocorrência daquele evento. O sujeito prejudicado (em nosso exemplo, Lucas) assume a posição de credor da
reparação civil derivada de ato lesivo contra ele intentado desde sua prática, e não com a declaração judicial de sua
ocorrência. Tanto é assim que, nas hipóteses de responsabilidade civil extracontratual, o marco inicial de fluência
dos juros decorrentes da mora do devedor são contados da data do evento danoso (Súmula 54/STJ).

5.9. Conceito de bem de capital para os fins do art. 49, § 3º da LFRJ: a lei embora tenha excluído
expressamente dos efeitos da recuperação judicial o crédito de titular da posição de proprietário fiduciário de bens
imóveis ou móveis, acentuou que os “bens de capital”, objeto de garantia fiduciária, essenciais ao desenvolvimento
da atividade empresarial, permanecem na posse da recuperanda durante o stay period. A conceituação de “bem de
capital”, referido na parte final do § 3º do art. 49 da LRF, há de ser objetiva. Assim, “bem de capital” é o bem
corpóreo (móvel ou imóvel) usado no processo produtivo da empresa recuperanda e que não seja perecível nem
107
consumível. Em suma: 1) REGRA: estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do
pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos (art. 49, caput). Devem obedecer ao plano de recuperação e
as ações ficam suspensas.
2) EXCEÇÃO: os créditos de alienação fiduciária não estão sujeitos à recuperação judicial e as ações relacionadas
com tais créditos podem continuar a ser propostas (§ 3º do art. 49). Aqui o Banco “comemora” porque seu crédito
está fora da recuperação judicial.
3) EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO (volta para regra): se a garantia da alienação fiduciária for o imóvel que funciona o
estabelecimento do devedor ou forem bens de capital (bens móveis) essenciais à atividade empresarial da sociedade
em recuperação judicial, nesse caso, mesmo sendo crédito de alienação fiduciária, deverá ficar sujeita aos efeitos da
recuperação judicial. Aqui o Banco “lamenta” porque seu crédito deverá ficar sujeito à recuperação judicial.
Prevalece o princípio da preservação da empresa, impondo restrição temporária ao proprietário fiduciário (ex:
banco) em relação a bem de capital que se revele indispensável à manutenção do desenvolvimento da atividade
econômica exercida pela empresa recuperanda.

5.10. Ação de indenização por danos morais contra empresa em recuperação judicial
 Fatos: João foi ofendido e maltratado pelo motorista da empresa de ônibus “Viplan”. Em razão disso, ajuizou
ação de indenização por danos morais que foi julgada procedente, condenando a pagar R$ 5 mil. O credor requereu
o cumprimento de sentença, o que estava tramitando na 6ª VC. Ocorre que a Viplan ingressou com pedido de
recuperação judicial. O juiz da Vara de Falência deferiu o pedido de recuperação judicial. Diante disso, o juiz da 6ª
VC decidiu suspender o processo de cumprimento de sentença, nos termos do art. 6º, § 4º da LFRJ. Depois de
alguns anos de tramitação, o Juiz da Vara de Falência entendeu que estavam cumpridas as obrigações e decretou,
por sentença, o encerramento da recuperação judicial (art. 63 da LFRJ). Um dos credores, contudo, não concordou
e apelou contra a sentença. Foi o tempo que o advogado de João lembrou do processo e pediu ao Juiz da 6ª VC que
retomasse o cumprimento de sentença, pedido que foi acolhido pelo magistrado. A Viplan, porém, recorreu contra
a decisão do Juiz da 6ª VC alegando que não se mostra plausível a retomada das execuções individuais após o mero
decurso do prazo de 180 dias, sob pena de violação ao princípio da continuidade da empresa. Argumentou que o
cumprimento de sentença deverá permanecer suspenso até a conclusão final da recuperação judicial.
 Decisão do STJ: Agiu corretamente o juiz da 6ª Vara Cível? SIM. O STJ possui precedentes nos quais já
admitiu que os processos permaneçam suspensos mesmo depois do decurso do prazo de 180 dias previsto no art. 6º,
§ 4º LFRJ. Todavia, não se pode admitir prorrogação genérica e indiscriminada do prazo de suspensão do art. 6º, §
4º para todo e qualquer processo relacionado à empresa recuperanda, sendo sempre necessário analisar as
circunstâncias do caso concreto. No caso concreto, além de se ter esgotado o prazo de 180 dias, percebe-se que o
próprio processo de recuperação judicial já havia se encerrado (ainda que pendente recurso). Logo, não havia
qualquer motivo para se manter suspenso o cumprimento de sentença. Não seria razoável que João tivesse que
continuar com sua execução suspensa, especialmente porque: • seu crédito é muito pequeno se comparada ao porte
econômico da empresa; e • passou-se um grande tempo desde o ajuizamento da ação, o que afronta o princípio da
efetividade da jurisdição.

6. DUPLICATA SOB A FORMA ESCRITURAL (LEI 13.775/18): V. livro!

7. DIREITO ECONÔMICO

A retenção de mercadoria importada até o pagamento dos direitos antidumping não viola o enunciado da
Súmula 323 do STF (Magistratura Federal)
 Dumping
 Direitos antidumping: No Brasil, foi editada a Lei nº 9.019/95, que dispõe sobre a aplicação em nosso país dos
direitos previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios. Esta Lei prevê que
o Governo brasileiro, ao perceber que determinada mercadoria está entrando em nosso país com o objetivo de fazer
dumping, deverá exigir, para que haja o desembaraço aduaneiro, o pagamento de um valor que corresponda ao
percentual da margem de dumping que está sendo praticado ou dos incentivos que o Governo estrangeiro está
dando para aquele exportador. Assim, a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) investiga possíveis dumpings e,
se constatar que está ocorrendo, instaura um processo administrativo e calcula o quanto de “desconto” artificial a
empresa estrangeira está fornecendo. Depois disso, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) se reúne e pode
decidir que o Brasil irá cobrar essa diferença para que a mercadoria entre em nosso país. Com isso, a CAMEX
garante que o preço praticado seja justo, evitando que a indústria nacional quebre e que, em médio ou longo prazo,
o próprio consumidor brasileiro seja prejudicado. Assim, o importador pagará o imposto de importação, o imposto
sobre produtos industrializados (se for o caso) e mais os direitos antidumping. Em outras palavras, os direitos
antidumping consistem em um valor a mais (fora os tributos) que terá que ser pago pelo importador em virtude de
estar trazendo para o país uma mercadoria que está sendo vendida pela empresa no exterior abaixo do preço de
custo.
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 Se os direitos antidumping não forem pagos, o importador ficará impedido de realizar o desembaraço aduaneiro
e retirar as mercadorias? SIM. É o que preconiza o art. 7º da Lei nº 9.019/95.
 Fatos: A empresa “XXX” importou produtos químicos da China. Ocorre que o Governo brasileiro aplicou
direito antidumping para esses produtos importados da China. Isso significa que a empresa, além dos tributos
decorrentes da importação, terá que pagar os direitos antidumping. Como as mercadorias já estavam no Brasil, elas
ficaram retidas pela RF, que não concluiu o desembaraço aduaneiro. Assim, a empresa impetrou mandado de
segurança pedindo a liberação das mercadorias sob o argumento de que esta retenção representaria “sanção
política”, o que é vedado pela S. 323/STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para
pagamento de tributos.
 Decisão: não houve violação à Súmula 323/STF. O pagamento dos direitos antidumping representa condição p/
a importação dos produtos. Logo, a não liberação da mercadoria em caso de não pagamento dos direitos de
antidumping não representa sanção política e não viola a súmula 323 do STF. Isso porque, neste caso, não há
apreensão das mercadorias, mas tão somente a sua retenção enquanto se aguarda o desembaraço aduaneiro. A
retenção das mercadorias trazidas para o Brasil e a exigência de recolhimento dos tributos e multa é um
procedimento que integra a operação de importação. Assim, a quitação dos direitos antidumping é requisito para a
perfectibilização do processo de importação, sem o qual não pode ser autorizado o despacho aduaneiro. Não houve,
portanto, no presente caso, apreensão de mercadorias por parte da autoridade alfandegária. O que ocorreu foi a
recusa de se fazer o desembaraço aduaneiro dos produtos advindos da República Popular da China pela falta de
pagamento dos direitos antidumping. Não há como liberar pura e simplesmente as mercadorias sem qualquer
garantia.

DIREITO AMBIENTAL

1. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DEGRADAÇÃO AMBIENTAL (V. Súmulas)

2. CÓDIGO FLORESTAL

2.1. Análise da constitucionalidade do NCF: foram ajuizadas 5 ações discutindo a constitucionalidade desta lei:
uma ADC e 4 ADIs. O STF realizou o julgamento conjunto dessas ações.
 Inconstitucionalidade das expressões “gestão de resíduos” e “instalações necessárias à realização de
competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais”, contidas no art. 3º, VIII, b. O conceito de “utilidade
público” é utilizado em diversas partes do NCF com a finalidade de excetuar a proteção às APPs e áreas de uso
restrito, isto é, em casos de utilidade pública seria possível a “mitigação” da proteção ambiental. Porém, o STF
entendeu que não se pode aceitar que um Estado, “ao qual é imposta constitucionalmente a defesa e preservação do
MA, conceba a gestão de resíduos (construção de aterros sanitários) e o lazer como hipóteses de intervenção e
supressão de vegetação em áreas de preservação permanente e em áreas de uso restrito”.
 Deve-se dar interpretação conforme a CF ao art. 3º, VIII e IX, de modo a se condicionar a intervenção
excepcional em APP, por interesse social ou utilidade pública, à inexistência de alternativa técnica e/ou locacional
à atividade proposta. Como já dito, em casos de utilidade pública ou interesse social, seria possível a “mitigação”
da proteção ambiental. A intervenção em APPs deve ser excepcional, a fim de evitar o comprometimento das
funções ecológicas de tais áreas. Diante disso, o STF afirmou que essa previsão do art. 3º, VIII e IX, é
constitucional, mas que a interpretação a ser dada é a de que somente pode haver intervenção em APP em casos
excepcionais e desde que comprovada a inexistência de alternativa técnica e/ou locacional à atividade proposta.
 Deve-se dar interpretação conforme a CF ao art. 3º, XVII e ao art. 4º, IV, para fixar a interpretação de que os
entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram APP. A definição de nascente envolve
perenidade (característica do que é perene = duradouro). Ocorre que o STF afirmou que não se pode negar proteção
também aos entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes. Assim, a interpretação deve ser a de que os
entornos das nascentes e dos olhos d´água, mesmo que intermitentes, também configuram APP.
 São inconstitucionais as expressões “demarcadas” e “tituladas”, contidas no art. 3º, p. u . O NCF, em diversos
dispositivos, estabelece um tratamento diferenciado para a “pequena propriedade ou posse rural familiar”. Esse art.
3º, p. u., confere o mesmo tratamento diferenciado às terras indígenas demarcadas e demais áreas tituladas de
povos e comunidades tradicionais. O STF declarou a inconstitucionalidade das expressões “demarcadas” e
“tituladas”, de forma que tais terras e áreas poderão receber o tratamento diferenciado mesmo sem demarcação e
titulação. Isso porque a titulação do território das comunidades tradicionais e dos povos indígenas representa uma
mera “formalidade”, de caráter declaratório (e não constitutivo). Em outras palavras, mesmo sem demarcação ou
titulação, tais territórios já existem e devem receber tratamento diferenciado independentemente dessas
formalidades. A exclusão dessas palavras foi, portanto, para beneficiar os povos indígenas e as comunidades
tradicionais.
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 Deve-se dar interpretação conforme a CF ao art. 48, § 2º, para permitir compensação apenas entre áreas com
identidade ecológica. CRA é a sigla para Cota de Reserva Ambiental. A compensação da Reserva Legal é um
mecanismo previsto no Código Florestal segundo o qual o proprietário ou possuidor que não estiver cumprindo os
percentuais de Reserva Legal em sua propriedade poderá regularizar a situação adquirindo (comprando) CRAs.
Quem tem uma propriedade que cumpre os percentuais de Reserva Legal e possui vegetação excedente (“a mais”
do que exige a lei) pode emitir CRA e quem tem déficit de Reserva Legal pode compensá-lo comprando CRA. O
NCF adotou o critério do bioma para fins de compensação da Reserva Legal. Assim, o § 2º do art. 48 previu que a
CRA pode ser utilizada para compensar Reserva Legal de imóvel situado no mesmo bioma da área à qual o título
está vinculado. Em outras palavras, o proprietário que quiser adquirir CRA deverá comprar de imóveis rurais
situados no “mesmo bioma”. O STF entendeu que a aquisição de uma área no mesmo bioma é insuficiente como
mecanismo de compensação. Isso porque pode acontecer de, dentro de um mesmo bioma, existir uma alta
heterogeneidade de formações vegetais. Assim, pela redação legal, o proprietário poderia, dentro de um mesmo
bioma, “compensar” áreas com formações vegetais completamente diferentes, já que, como dito, existe essa grande
heterogeneidade. Assim, o STF acolheu os argumentos técnicos no sentido de que as compensações devem ser
realizadas somente em áreas ecologicamente equivalentes, considerando-se não apenas o mesmo bioma, mas
também as diferenças de composição de espécies e estrutura dos ecossistemas que ocorrem dentro de cada bioma.
Em outras palavras, não basta que a área seja do mesmo bioma, é necessário também que haja identidade ecológica
entre elas.
 Deve-se dar interpretação conforme a CF ao art. 59, §§ 4º e 5º, de modo a afastar, no decurso da execução dos
termos de compromissos subscritos nos programas de regularização ambiental, o risco de decadência ou prescrição,
seja dos ilícitos ambientais praticados antes de 22.7.2008, seja das sanções deles decorrentes, aplicando-se
extensivamente o disposto no § 1º do art. 60 da Lei 12.651/12, segundo o qual “a prescrição ficará interrompida
durante o período de suspensão da pretensão punitiva”. O art. 59, §4º e 5º conferiu uma espécie de anistia aos
proprietários que cometeram ilícitos ambientais relacionados com a supressão irregular de vegetação em APPs, de
Reserva Legal e de uso restrito, desde que cumpridos alguns requisitos. O STF afirmou que esses dispositivos são
válidos, mas que se deve evitar a prescrição e a decadência. Assim, deve-se dar interpretação conforme a CF ao art.
59, §§ 4º e 5º, de modo que, durante a execução dos termos de compromissos subscritos nos programas de
regularização ambiental, não corra o prazo de decadência ou prescrição. Aplica-se aqui a mesma solução prevista
no § 1º do art. 60 do NCF.
 Argumentos invocados pelo STF para a declaração de constitucionalidade dos demais dispositivos : (i) Meio
ambiente como direito e dever; (ii) Homem é parte indissociável do meio ambiente; (iii) Homem é produto (e não
proprietário) do meio ambiente; (iv) Políticas ambientais devem estar em harmonia com o mercado de trabalho e
com o desenvolvimento social; (v) A proteção ambiental deve conviver com a tutela do desenvolvimento; (vi)
Proteção ambiental não significa ausência completa de impacto do homem na natureza; (vii) Princípio da vedação
ao retrocesso não está acima do princípio democrático.

2.2. APPs: É inconstitucional lei estadual prevendo que é possível a supressão de vegetal em APP para a realização de
“pequenas construções com área máxima de 190 m², utilizadas exclusivamente para lazer”. Essa lei possui vícios de
inconstitucionalidade formal e material. Há inconstitucionalidade formal porque o NCF (lei federal que prevê as
normas gerais sobre o tema, nos termos do art. 24, § 1º, da CF) não permite a instalação em APP de qualquer tipo de
edificação com finalidade meramente recreativa. Assim, o legislador estadual previu uma regra que vai de encontro à
proteção fixada pelo legislador federal. Existe também inconstitucionalidade material porque houve um excesso e
abuso da lei estadual ao relativizar a proteção constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cujo
titular é a coletividade, em face do direito de lazer individual. O lazer estimulado pelo dispositivo privilegia um
restrito grupo de beneficiários - os proprietários de imóveis localizados às margens de cursos d’água - e, por outro
lado, prejudica a coletividade, que arcará com as consequências negativas provenientes da intervenção humana no
meio ambiente. Vale ressaltar que os proprietários dispõem de todo o restante do imóvel para promover atividades
relacionadas ao bem-estar, fazendo-se dispensável, portanto, que as construções sejam erigidas nas APPs. Nada
impede, p. ex., que essas casas sejam construídas fora das áreas especialmente protegidas, que constituem tão somente
uma fração da propriedade.

3. É inconstitucional a redução de unidade de conservação por meio de MP: É inconstitucional a redução ou a


supressão de espaços territoriais especialmente protegidos, como é o caso das unidades de conservação, por meio de
medida provisória. Isso viola o art. 225, § 1º, III, da CF. Assim, a redução ou supressão de unidade de conservação
somente é permitida mediante lei em sentido formal. A medida provisória possui força de lei, mas o art. 225, § 1º, III,
da CF exige lei em sentido estrito. A proteção ao meio ambiente é um limite material implícito à edição de medida
provisória, ainda que não conste expressamente do elenco das limitações previstas no art. 62, § 1º, da CF.
 Argumentos: (i) MP pode ser utilizada para ampliar, mas não para reduzir espaços de proteção ambiental; (ii) Art.
225, § 1º, III, da CF exige lei em sentido formal; (iii) ausência de urgência; (iv) Proibição de retrocesso.
 Obs.: o STF julgou procedente a ADI, mas sem pronunciamento de nulidade. Por que? Porque os efeitos da MP,
convertida em lei, já se concretizaram. Com a redução do tamanho das UCs, foram instaladas usinas no local,
110
empreendimentos que já estão em funcionamento. Assim, houve um alagamento irreversível das áreas desafetadas e a
execução dos empreendimentos hidrelétricos já não permite a invalidação dos efeitos produzidos, dada a
impossibilidade material de reversão ao status quo ante. O STF considerou, portanto, que havia uma situação de fato
irreversível e que não se poderia determinar a retirada dessas usinas de lá. Ficou, então, assentado que, daqui para a
frente (ou seja, a partir desse julgamento), quaisquer outras medidas no sentido de desafetação ou diminuição de áreas
de proteção ambiental haverão de cumprir o que a CF exige. Dessa forma, é como se o STF tivesse dito o seguinte:
neste caso concreto, não iremos anular os efeitos produzidos pela MP porque se tornaram irreversíveis. No entanto,
fica assentado que é inconstitucional a edição de futuras medidas provisórias que reduzam a proteção ao meio
ambiente.

4. COMPETÊNCIA

4.1. Viola a CF/88 lei municipal que proíbe o transporte de animais vivos no Município: Viola a CF lei municipal
que proíbe o trânsito de veículos, sejam eles motorizados ou não, transportando cargas vivas nas áreas urbanas e de
expansão urbana do Município. Essa lei municipal invade a competência da União. O Município, ao inviabilizar o
transporte de gado vivo na área urbana e de expansão urbana de seu território, transgrediu a competência da União,
que já estabeleceu, à exaustão, diretrizes para a política agropecuária, o que inclui o transporte de animais vivos e sua
fiscalização. Ademais, sob a justificativa de criar mecanismo legislativo de proteção aos animais, o legislador
municipal impôs restrição desproporcional. Esta desproporcionalidade fica evidente quando se verifica que a
legislação federal já prevê uma série de instrumentos para garantir, de um lado, a qualidade dos produtos destinados
ao consumo pela população e, de outro, a existência digna e a ausência de sofrimento dos animais, tanto no transporte
quanto no seu abate. Obs.: tratou-se de ADPF por ser norma municipal. Obs. 2: no julgado, a Min. Rosa Weber
afirmou que poderiam ser considerados preceitos fundamentais: •a separação e independência entre os Poderes; •o
princípio da igualdade; •o princípio federativo; •a garantia de continuidade dos serviços públicos; •os princípios e
regras do sistema orçamentário (art. 167, VI e X, da CF) •o regime de repartição de receitas tributárias (arts. 34, V e
158, III e IV; 159, §§ 3º e 4º; e 160 da CF; •a garantia de pagamentos devidos pela Fazenda Pública em ordem
cronológica de apresentação de precatórios (art. 100 da CF).

4.2. É inconstitucional lei estadual que exige prévia autorização da ALE para que os órgãos do SISNAMA
possam celebrar instrumentos de cooperação no Estado: É inconstitucional, por violar o princípio da separação
dos poderes, lei estadual que exige autorização prévia do Poder Legislativo estadual (Assembleia Legislativa) para
que sejam firmados instrumentos de cooperação pelos órgãos componentes do SISNAMA. Também é
inconstitucional lei estadual que afirme que Fundação estadual de proteção do meio ambiente só poderá transferir
responsabilidades ou atribuições para outros órgãos componentes do SISNAMA se houver aprovação prévia da
Assembleia Legislativa.

4.3. Lei estadual tratando sobre OGMs: já visto em D. Constitucional.

5. SANÇÕES

Apreensão de veículo utilizado no carregamento de madeira sem autorização: O art. 2º, § 6º, inc. VIII, do Decreto
3.179/99 (redação original), quando permite a liberação de veículos e embarcações mediante pagamento de multa, não
é compatível com o que dispõe o art. 25, § 4º, da Lei 9.605/98; entretanto, não há ilegalidade quando o referido
dispositivo regulamentar admite a instituição do depositário fiel na figura do proprietário do bem apreendido por
ocasião de infração nos casos em que é apresentada defesa administrativa - anote-se que não se está defendendo a
simplória liberação do veículo, mas a devolução com a instituição de depósito (e os consectários legais que daí
advêm), observado, entretanto, que a liberação só poderá ocorrer caso o veículo ou a embarcação estejam regulares na
forma das legislações de regência (CTB, p. ex.).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

1. COMPETÊNCIA

1.1. Competência para a ação proposta por ex-empregado para continuar no plano de saúde de autogestão
que era oferecido pela empresa
 Plano de saúde de autogestão: v. consumidor.
 Competência: Compete à Justiça Comum Estadual o julgamento de demanda com natureza predominantemente
civil entre ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa e operadoras de plano de saúde na modalidade
autogestão vinculadas ao empregador.
111
- A relação jurídica mantida entre o usuário do plano de saúde e a entidade de autogestão empresarial não é apenas
uma derivação da relação de emprego.
- Em virtude da autonomia jurídica, as ações originadas de controvérsias entre usuário de plano de saúde coletivo e
entidade de autogestão (empresarial, instituída ou associativa) não se adequam ao ramo do Direito do Trabalho,
tampouco podem ser inseridas em “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” (art. 114, IX, da CF),
sendo, pois, predominante o caráter civil da relação entre os litigantes, mesmo porque, como visto, a assistência
médica não integra o contrato de trabalho.

1.2. Complementação de pensão proposta por pensionista das antigas ferrovias do Estado de São Paulo:
Compete à Justiça Comum (e não à Justiça do Trabalho) julgar as ações propostas por ferroviários pensionistas e
aposentados das antigas ferrovias do Estado de São Paulo, que foram absorvidas pela Ferrovia Paulista S/A,
sucedida pela extinta Rede Ferroviária Federal, com vistas à complementação de suas pensões e aposentadorias em
face da União. O STF entendeu que esta é uma causa oriunda de uma relação estatutária. Assim, não há relação de
trabalho que justifique a competência da Justiça laboral.

1.3. Competência da Justiça comum para julgar incidência de contribuição previdenciária relacionada com
complementação de proventos
 “Complementação de proventos”/“complementação de aposentadoria” : é a quantia paga pela entidade de
previdência privada como aposentadoria à pessoa que participa da previdência complementar.
 Fatos: João foi admitido como empregado da Fepasa, uma antiga SEM integrante do Governo de SP. Por força
do contrato de trabalho, os empregados dessa empresa estatal tinham direito à aposentadoria suplementar ao valor
pago pelo INSS no momento em que o trabalhador viesse a se aposentar. Segundo o contrato, esta complementação
seria feita por meio de plano de previdência privada fechado, administrado por uma Fundação (entidade de
previdência privada) ligada à empresa. João se aposentou e estava recebendo normalmente a sua aposentadoria
complementar. Porém, em 2003, SP editou uma LC instituindo a contribuição para o custeio do regime
previdenciário local, com base na alteração trazida na CF pela EC 41/03. Com isso, a AP paulista passou a
descontar 11% do valor da complementação da aposentadoria dos ex-empregados da Fepasa, os quais, por sua vez,
questionaram a cobrança na Justiça do Trabalho, pedindo a não incidência da contribuição social.
 Decisão: Compete à justiça comum (e não à Justiça do Trabalho) o julgamento de conflito de interesses a
envolver a incidência de contribuição previdenciária, considerada a complementação de proventos. A discussão em
tela tem natureza tributária, o que atrai a competência da Justiça comum, uma vez que no caso não se discutem
verbas de natureza trabalhista, mas a incidência de contribuição social. Assim, tais ações discutem se é válido ou
não o poder do Estado de tributar a complementação de aposentadoria. João e os demais antigos empregados da
sociedade de economia mista passaram a receber menos proventos, no entanto, isso não foi por conta do contrato
de trabalho, mas sim pela incidência do tributo, cabendo, portanto, à justiça comum estadual a solução do conflito.

2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS

2.1. Os honorários advocatícios contratuais não se incluem nas despesas processuais do art. 82, § 2º, do CPC:
O § 2º do art. 82 do CPC/2015 prevê que: “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que
antecipou”. O sucumbente deve arcar também com os honorários contratuais que foram pagos pela parte
vencedora? Não. O vencido deverá pagar apenas os honorários sucumbenciais. Os honorários advocatícios
contratuais não se incluem nas despesas processuais do art. 82, § 2º
 Despesas processuais: trata-se de expressão genérica, que abrange três espécies:
a) custas: taxa paga como forma de contraprestação pelo serviço jurisdicional que é prestado pelo Estado-juiz;
b) emolumentos: taxa paga pelo usuário do serviço como contraprestação pelos atos praticados pela serventia
(“cartório”) não estatizada (as serventias não estatizadas não são remuneradas pelos cofres públicos, mas pelas
partes);
c) despesas em sentido estrito: valor pago para remunerar profissionais que são convocados pela Justiça para
auxiliar nas atividades inerentes à prestação jurisdicional. Exs: honorários do perito, despesas com o transporte do
Oficial de justiça prestado por terceiros (ex: empresa de ônibus, táxi etc.).
 Fundamento: O fundamento para a condenação do vencido ao pagamento dessas despesas está em evitar que o
vencedor seja compelido a arcar com os gastos de um processo para cuja formação não deu causa. Em poucas
palavras: aquele que vence não deve sofrer prejuízo por causa do processo. Tal fundamento está umbilicalmente
ligado ao princípio da sucumbência.
 Gastos endoprocessuais: a jurisprudência interpreta que tais despesas se limitam aos gastos endoprocessuais, ou
seja, aqueles necessários à formação, desenvolvimento e extinção do processo. Os gastos extraprocessuais –
aqueles realizados fora do processo –, ainda que assumidos em razão dele, não se incluem dentre aquelas despesas
às quais faz alusão o art. 82, § 2º do CPC, motivo pelo qual nelas não estão contidos os honorários contratuais,
convencionados entre o advogado e o seu cliente, mesmo quando este vence a demanda.
112
2.2. Configura supressão de instância o STJ fixar diretamente os honorários advocatícios que haviam sido
estipulados erroneamente com base no CPC/73:
- Configura supressão de grau de jurisdição o arbitramento no STJ de honorários de sucumbência com base no
CPC/15, na hipótese em que as instâncias ordinárias utilizaram equivocadamente o CPC/73 para a sua fixação. Ex.:
TJ fixou honorários advocatícios com base no CPC/73, mesmo tendo o acórdão sido prolatado após o CPC/15; no
Resp, o STJ deverá reformar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao TJ para que esta Corte faça
um novo julgamento da apelação e analise os honorários advocatícios de sucumbência com base no CPC/15.
- Se a sentença foi prolatada a partir do dia 18/03/2016, deverão ser aplicadas as regras do CPC/2015 a respeito dos
honorários advocatícios ainda que a ação tenha sido ajuizada antes do NCPC. Isso porque os honorários
advocatícios nascem contemporaneamente à sentença e não preexistem à propositura da demanda. A sentença é o
marco para delimitação do regime jurídico aplicável à fixação de honorários advocatícios, revelando-se incorreto
seu arbitramento, com fundamento no CPC/73, posteriormente à 18/03/16 (data da entrada em vigor da novel
legislação).

2.3. Execução de honorários sucumbenciais e fracionamento: havia divergência entre a 1ª e a 2ª T. Em 2019, o


STF pacificou o entendimento de que não é possível fracionar o crédito de honorários advocatícios em
litisconsórcio ativo facultativo simples em execução contra a FP por frustrar o regime do precatório.

2.4. Mesmo que o dispositivo da sentença mencione apenas a condenação em custas processuais, é possível
incluir a cobrança dos honorários periciais: A sentença transitou em julgado condenando a parte a pagar "custas
processuais", sem falar sobre os honorários periciais. É possível que esses honorários periciais sejam cobrados da
parte sucumbente mesmo não tendo sido expressamente mencionados na sentença? SIM. É adequada a inclusão dos
honorários periciais em conta de liquidação mesmo quando o dispositivo de sentença com trânsito em julgado
condena o vencido, genericamente, ao pagamento de custas processuais.
- Realmente, custas e despesas processuais não são expressões sinônimas. Existe diferença entre elas. Despesas
processuais são todos os gastos necessários que têm que ser realizados pelos participantes no processo para que este
se instaure, desenvolva e chegue ao final. Assim, a expressão “despesas processuais” é gênero, abrangendo 3
espécies (v. acima). Contudo, o STJ afirma que a interpretação a ser dada tem que superar o apego ao formalismo.
O processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito. Se a parte ganhou a
causa, ou seja, teve seu pedido julgado procedente, ela não pode ser obrigada a arcar com as custas ou despesas de
um processo para cuja formação não deu causa. Aquele que vence não deve sofrer prejuízo por causa do processo.
Assim, surpreender o vencedor da demanda com a obrigação de arcar com os honorários periciais apenas e tão
somente porque a sentença condenava o vencido ao pagamento de “custas”, e não “despesas”, representa medida
contrária ao princípio da sucumbência e até mesmo à própria noção da máxima eficiência da tutela jurisdicional
justa.

3. OUTROS TEMAS

3.1. Gratuidade da justiça: o estrangeiro residente no Brasil sempre teve direito à gratuidade da justiça (desde a L.
1.060/50). Porém, não o tinha o estrangeiro não residente no Brasil. Ocorre que, com o NCPC (art. 98), a
gratuidade da justiça passou a poder ser concedida a estrangeiro não residente no Brasil.

3.2. Não há motivo p/ ser citada a sociedade empresária se todos os sócios fazem parte do processo como
parte
 Fatos: João, Pedro e Tiago eram sócios em uma sociedade empresária chamada JPT Ltda. João ajuizou ação de
cobrança contra os sócios Pedro e Tiago pedindo o pagamento de valores auferidos pela sociedade e que não teriam
sido repassados a ele. O juiz julgou o pedido procedente e condenou os réus a pagarem R$ 500k em favor do autor.
Os réus recorreram alegando a ilegitimidade passiva. Afirmaram que somente a sociedade empresária é responsável
e devedora primitiva da obrigação de distribuir lucros e dividendos auferidos. Pediu, portanto, a nulidade do
processo.
 Decisão: o STJ não concordou com a tese dos réus. Embora o autor não tenha requerido a dissolução parcial da
sociedade, é certo que ao formular pedido de cobrança de distribuição de lucros e dividendos, ele pretende
promover a dissolução da sociedade e a apuração de haveres. Apuração de haveres é o procedimento por meio do
qual se calcula o valor devido ao sócio que deixa a sociedade (art. 1.031 do CC e art. 599, III, do CPC/15).
 Se todos os sócios já integram a lide, os interesses da sociedade empresária estão representados : cf. a sistemática
prevista pelo CPC/15, na hipótese de dissolução parcial da com apuração de haveres a sociedade não precisa ser
citada se todos os seus sócios o forem. Ora, se não é necessária a citação da sociedade para dissolução parcial com
apuração de haveres, não haveria motivo para reconhecer o litisconsórcio passivo na hipótese de simples cobrança
de valores quando todos os sócios foram citados, como no caso. Como a sociedade fica sujeita aos efeitos da
decisão que tem apenas as partes como sócios, não haveria razão para anular o feito, sem qualquer prejuízo à
sociedade.
113
 Princípio da instrumentalidade das formas e pas de nullité sans grief

3.3. Caução do art. 83 do CPC


 Caução para as despesas: é a prevista no art. 83 p/ o autor da ação judicial reside no exterior ou se muda para
fora do país durante a tramitação do processo, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito.
 Hipóteses de cispensa da caução: estão previstas no § 1º. O legislador não conferiu margem de
discricionariedade ao magistrado para que dispense a prestação da caução com base em critérios subjetivos - como,
por exemplo, a plausibilidade do direito em que se funda a ação - porque não se trata de faculdade, mas de
imposição legal.
 Dispensa da caução quando isso representar obstáculo de acesso à jurisdição : As hipóteses de dispensa da
caução estão previstas no dispositivo do CPC acima transcrito. A doutrina, no entanto, afirma que, além desses
casos, é possível que o juiz dispense a caução, excepcionalmente, desde que fique demonstrado, com provas, que a
sua exigência irá obstaculizar o acesso à jurisdição. O STJ também já decidiu nesse mesmo sentido.
 Sociedade estrangeira devidamente representada no Brasil : O STJ decidiu que a sociedade estrangeira que
propuser ação judicial não precisará prestar caução se ela estiver devidamente representada no Brasil. Em outras
palavras, é desnecessário o depósito de caução em caso de ação proposta por empresa estrangeira com
representação no Brasil. Ex: MSC Mediterranean Shipping Company S.A., empresa estrangeira, ajuizou, na justiça
brasileira, uma ação de cobrança. O STJ afirmou que não se deveria exigir caução para a propositura da demanda,
considerando que a autora, apesar de estrangeira, possuía uma agência de representação no Brasil (a MSC
Mediterranean do Brasil Ltda.). Em primeiro lugar, deve-se chamar atenção para o fato de que, segundo o art. 21, I
e p. u., do CPC/2015: considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que tiver agência, filial ou
sucursal aqui em nosso país. Logo, seria possível dizer que a empresa estrangeira com representação no Brasil seria
domiciliada aqui. Além disso, deve-se ressaltar outro ponto: O objetivo principal do legislador, ao instituir essa
caução do art. 83, foi o de evitar que se a empresa estrangeira perdesse a ação proposta, não houvesse condições de
exigir dela o pagamento dos encargos decorrentes da sucumbência. Ocorre que não há motivos para se ter esse
receio se a empresa estrangeira tem representação no Brasil. Isso porque, caso ela não pague os encargos, será
possível demandá-la em nosso país, conforme autoriza o art. 75, X, do CPC/15 e a S. 363 do STF. Assim, a MSC
Mediterranean deve ser considerada uma sociedade empresarial domiciliada no Brasil e a sua agência
representante, a MSC Mediterranean do Brasil, poderá responder diretamente, caso seja vencida na demanda, por
eventuais encargos decorrentes de sucumbência.

3.4. É admissível a emenda à inicial para a substituição de executado pelo seu espólio, em execução ajuizada
em face de devedor falecido antes do ajuizamento da ação: Se a ação é proposta contra indivíduo que já estava
morto, o juiz não deverá determinar a habilitação, a sucessão ou a substituição processual. De igual modo, o
processo não deve ser suspenso para habilitação de sucessores. Isso porque tais institutos são aplicáveis apenas para
as hipóteses em que há o falecimento da parte no curso do processo judicial. O correto enquadramento jurídico
desta situação é de ilegitimidade passiva, devendo ser facultado ao autor, diante da ausência de ato citatório válido,
emendar a petição inicial para regularizar o polo passivo, dirigindo a sua pretensão ao espólio. Ex: em 04/04/2018,
o Banco ajuizou execução de título extrajudicial contra João. A tentativa de citação, todavia, foi infrutífera, tendo
em vista que João havia falecido em 04/03/2018, ou seja, um mês antes. Diante disso, o juiz deverá permitir que o
exequente faça a emenda da petição inicial para a substituição do executado falecido pelo seu espólio.
- Importante recordar que o espólio responde pelas dívidas do falecido, nos termos do art. 796 do CPC/15.
- A quem caberá a representação judicial do espólio? Depende:
• se já houver sido ajuizada a ação de inventário e já houver inventariante compromissado: a representação judicial
do espólio será de responsabilidade do inventariante;
• por outro lado, caso ainda não tenha sido ajuizada a ação de inventário ou, mesmo que proposta, ainda não haja
inventariante devidamente compromissado: a representação judicial do espólio será de responsabilidade do
administrador provisório.

3.5. Índice de juros e correção monetária aplicados para condenações contra a FP: v. livro (muito importante).

3.6. Necessidade de esgotamento das instâncias para alegar violação à decisão do STF que decidiu pela
constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93
 ADC 16: a inadimplência do contratado com relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere
para a AP a responsabilidade por seu pagamento. Essa é a regra expressa no art. 71, § 1º, da L. 8.666. Esse
dispositivo foi declarado constitucional pelo STF no julgamento da ADC 16.
 RE 76093: Como o STF declarou que o art. 71, § 1º da Lei nº 8.666/93 é constitucional, a Justiça do Trabalho
não poderia deixar de aplicar esse dispositivo. Porém, a intenção era continuar condenando o Poder Público. Diante
disso, o TST criou a seguinte interpretação do art. 71, § 1º: • Em regra, a inadimplência do contratado, com
referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à AP a responsabilidade por seu pagamento
(art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93). • Exceção: a AP terá responsabilidade subsidiária se ficar demonstrada a sua culpa
114
"in vigilando", ou seja, somente será responsabilidade se ficar comprovado que o Poder Público deixou de
fiscalizar se a empresa estava cumprindo pontualmente suas obrigações trabalhistas, fiscais e comerciais. O STF
não concordou com o posicionamento do TST e editou a seguinte tese em repercussão geral, reafirmando que
deveria ser aplicado o art. 71, § 1º da Lei nº 8.666/93.
 Imagine que o STF decide no julgamento de uma ADI que determinada lei é constitucional ou inconstitucional.
Caso outro órgão jurisdicional decida de forma diferente, é possível que o interessado proponha reclamação no STF
contra essa decisão? SIM. Isso porque as decisões do STF proferidas em controle abstrato de constitucionalidade
(ADI, ADC, ADPF) produzem eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante. Além disso, há previsão
expressa no CPC (art. 988, III).
 Suponha agora que o STF decide no julgamento de um RE envolvendo "A" e "B" que determinada lei é
constitucional ou inconstitucional. Caso outro órgão jurisdicional, em um processo relativo a "C" e "D", decida de
forma diferente, é possível que o interessado proponha reclamação no STF contra essa decisão? NÃO. Isso porque
as decisões do STF proferidas em controle difuso de constitucionalidade, como no caso do recurso extraordinário,
produzem efeitos apenas para as partes envolvidas no processo (eficácia inter partes).
 E se a decisão do STF que julgou constitucional a lei tiver sido proferida em recurso extraordinário submetido à
sistemática da repercussão geral, neste caso ela terá eficácia vinculante? É cabível reclamação caso uma decisão de
outro órgão jurisdicional tenha descumprido decisão proferida pelo STF em repercussão geral? Com o novo CPC
existe previsão expressa de reclamação, exigindo, no entanto, que, antes, a parte esgote as instâncias ordinárias.
Veja, portanto, que no caso de repercussão geral tem uma diferença: é necessário que, antes da reclamação, a parte
interessada esgote todos os recursos previstos nas instâncias ordinárias. Em suma:
• Descumpriu decisão do STF proferida em ADI, ADC, ADPF: cabe reclamação mesmo que a decisão “rebelde”
seja de 1ª instância. Não se exige o esgotamento de instâncias.
• Descumpriu decisão do STF proferida em recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral: cabe
reclamação, mas exige-se o esgotamento das instâncias ordinárias (art. 988, § 5º, II, do CPC/2015).
 Fatos: O Juiz do Trabalho profere sentença condenando o Estado-membro a pagar encargos trabalhistas de um
empregado terceirizado que prestava serviços ao PP. Em outras palavras, o magistrado transferiu ao PP contratante
a responsabilidade pelos encargos trabalhistas dos empregados da empresa contratada pelo Estado. A FP propôs
reclamação ao STF contra esta sentença alegando que ela violou a decisão da Corte na ADC 16.
 Decisão: O STF não conheceu da reclamação. A decisão do STF no RE 760931 substituiu a eficácia vinculante
da tese firmada na ADC 16. Isso significa dizer que a partir de 02/05/2017 (data da publicação da ata do
julgamento do RE 760931) é inviável propor reclamação com fundamento em afronta ao julgado da ADC 16. Em
outras palavras, depois do RE 760931, o Poder Público não pode mais ajuizar reclamação alegando violação à
ADC 16.
 O que isso significa, na prática? Agora, a FP terá que esgotar as instâncias ordinárias para ajuizar reclamação .
Isso porque, como vimos, Rcl contra decisão em RE exige esgotamento das instâncias ordinárias, ao contrário de
reclamação contra decisão em ADC. Perceba, portanto, que para o STF foi um ótimo negócio ter “substituído” a
eficácia da decisão da ADC pela decisão no RE, considerando que o PP terá que interpor uma série de recursos
para poder ajuizar a reclamação, diminuindo o número de novos processos no STF.

3.7. A decisão judicial homologatória de acordo entre as partes é impugnável por meio de ação anulatória: A
decisão judicial homologatória de acordo entre as partes é impugnável por meio de ação anulatória (art. 966, § 4º,
do CPC/2015; art. 486 do CPC/1973). Não cabe ação rescisória neste caso. Se a parte propôs ação rescisória, não é
possível que o Tribunal receba esta demanda como ação anulatória aplicando o princípio da fungibilidade. Isso
porque só se aplica o princípio da fungibilidade para recursos (e ação anulatória e a ação rescisória não são
recursos) – as únicas exceções são os interditos possessórios.
Obs.: O CPC/15 pôs fim de vez a essa dúvida. Isso porque o NCPC não trouxe uma hipótese de rescisória
semelhante à que havia no art. 485, VIII, do CPC/73 (“houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou
transação, em que se baseou a sentença”). Em outras palavras, não existe, no NCPC, um dispositivo parecido com o
art. 485, VIII, do CPC/73. Logo, na égide do CPC/15, não há mais qualquer discussão: a decisão judicial que
homologar acordo entre as partes, sem qualquer dúvida, somente pode ser impugnada mediante ação anulatória.

3.8. Técnica de ampliação do colegiado


 Revisão: v. livro.
 Como ocorre a continuidade do julgamento na hipótese em que houve uma parte unânime e outra não unânime?
Ex: no julgamento de uma apelação contra sentença que havia negado integralmente a indenização, a Câmara Cível
entendeu de forma unânime (3x0) que houve danos materiais e por maioria (2x1) que não ocorreram danos morais.
Foram então convocados dois Desembargadores para a continuidade do julgamento ampliado (art. 742). Esses dois
novos Desembargadores que chegaram poderão votar também sobre a parte unânime (danos materiais) ou ficarão
restritos ao capítulo não unânime (danos morais)? Poderão analisar de forma ampla, ou seja, tanto a parte unânime
como não unânime. Foi o que decidiu o STJ: O colegiado formado com a convocação dos novos julgadores (art.
942) poderá analisar de forma ampla todo o conteúdo das razões recursais, não se limitando à matéria sobre a qual
115
houve originalmente divergência. Constatada a ausência de unanimidade no resultado da apelação, é obrigatória a
aplicação do art. 942, sendo que o julgamento não se encerra até o pronunciamento pelo colegiado estendido, ou
seja, inexiste a lavratura de acórdão parcial de mérito. Os novos julgadores convocados não ficam restritos aos
capítulos ou pontos sobre os quais houve inicialmente divergência, cabendo-lhes a apreciação da integralidade do
recurso. O prosseguimento do julgamento com quórum ampliado em caso de divergência tem por objetivo a
qualificação do debate, assegurando-se a oportunidade para a análise aprofundada das teses jurídicas contrapostas e
das questões fáticas controvertidas, com vistas a criar e manter uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e
coerente.
 A técnica do art. 942 do CPC vale só p/ a apelação? NÃO. Além da apelação, a técnica de julgamento prevista
no art. 942 aplica-se também para o julgamento não unânime proferido em: a) ação rescisória, quando o resultado
for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição
previsto no regimento interno; b) agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar
parcialmente o mérito.
 Assim como ocorria com os embargos infringentes, para a aplicação da técnica de julgamento do art. 942 do
CPC exige-se que a sentença tenha sido reformada? Não. A técnica do julgamento ampliado vale também para
sentença mantida por decisão não unânime. A forma de julgamento prevista no art. 942 do CPC não se configura
como espécie recursal nova, porque seu emprego será automático e obrigatório, cf. indicado pela expressão “o
julgamento terá prosseguimento”, no caput do dispositivo, faltando-lhe, assim, a voluntariedade e por não haver
previsão legal para a sua existência (taxatividade).
 Situações nas quais não se aplicará a técnica de julgamento do art. 942: I - ao IAC e ao IRDR; II - da remessa
necessária; III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.
 A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de rescisão apenas parcial do julgado rescindendo? SIM.
En. 63/CJF: A técnica de que trata o art. 942, § 3º, I, do CPC aplica-se à hipótese de rescisão parcial do julgado.
 A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no julgamento de apelação em processo de MS? SIM. En.
62/CJF: Aplica-se a técnica prevista no art. 942 do CPC no julgamento de recurso de apelação interposto em MS.
 A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada nos Juizados Especiais? NÃO. É a posição da doutrina
majoritária: En. 552-FPPC: Não se aplica a técnica de ampliação do colegiado em caso de julgamento não unânime
no âmbito dos Juizados Especiais.

4. RECURSOS E AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO

4.1. Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido
 Se os advogados dos litisconsortes forem diferentes, mas pertencerem ao mesmo escritório de advocacia, ainda
assim eles terão direito ao prazo em dobro? NÃO.
 Persiste o prazo em dobro mesmo na hipótese de os litisconsortes serem marido e mulher? SIM, considerando
que a Lei não faz qualquer ressalva quanto a isso, exigindo apenas que tenham diferentes procuradores.
 Esse prazo em dobro vale apenas na 1ª instância? NÃO. O benefício abrange também as instâncias recursais.
 Imagine que são dois réus em litisconsórcio (João e Pedro), representados por advogados diferentes, de
escritórios distintos. Ocorre que apenas um deles (João) apresentou defesa, sendo Pedro revel. João continuará
tendo prazo em dobro para as demais manifestações nos autos? NÃO. Cessa a contagem do prazo em dobro se,
havendo apenas 2 réus, é oferecida defesa por apenas um deles (art. 229, § 1º do CPC 2015).
 O benefício do prazo em dobro para os litisconsortes vale para processos eletrônicos? NÃO.
 Fatos: oão ajuizou ação contra Pedro e Tiago. Vale ressaltar que Pedro e Tiago possuíam advogados distintos,
de escritórios de advocacia diferentes. Importante também esclarecer que os autos eram físicos (processo físico).
Durante a tramitação, o juiz reconheceu que Pedro e Tiago tinham prazo em dobro, nos termos do art. 229 do
CPC/15. Na sentença, o juiz julgou o pedido procedente quanto a Pedro, condenando-o a pagar determinada
quantia ao autor. Por outro lado, o magistrado julgado a demanda improcedente quanto a Tiago. Desse modo, dos
dois litisconsortes passivos, apenas um foi sucumbente. Tiago, obviamente, ficou satisfeito e não recorreu. Pedro
interpôs apelação. Ocorre que o advogado de Pedro já estava acostumado a ter prazo em dobro e, por isso,
imaginou que o prazo da apelação seria também em dobro (ou seja, 30 dias). Por isso, o recurso foi interposto no
20º dia do prazo.
 Decisão: a apelação não será conhecida. É inaplicável a contagem do prazo recursal em dobro quando apenas
um dos litisconsortes com procuradores distintos sucumbe. Nesse sentido existe, inclusive, uma súmula do STF,
cujo entendimento continua válido com o CPC/15: Súmula 641-STF: Não se conta em dobro o prazo para recorrer,
quando só um dos litisconsortes haja sucumbido

4.2. Agravo de Instrumento

O rol do art. 1.015 do CPC/15 é de taxatividade mitigada: v. livro.


116
É possível interpor agravo de instrumento contra decisão que não concede efeito suspensivo aos embargos à
execução: em que pese o inciso X do art. 1.015 dizer “concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo
aos embargos à execução”, o STJ decidiu que é admissível a interposição de AI contra decisão que não concede
efeito suspensivo aos embargos à execução.

O AI não pode ser utilizado como meio de impugnação de toda e qualquer decisão interlocutória proferida no
processo de execução
 Fatos: No curso do processo de execução movido por João contra a União, o juiz federal proferiu decisão na
qual determinou o envio dos autos ao contador judicial para elaboração de cálculos. Nesta decisão, o magistrado
determinou que o contador utilizasse os índices de juros e correção monetária previstos no “Manual de Cálculos da
Justiça Federal” para fins de atualização do valor devido. A União entende que os índices estabelecidos no Manual
de Cálculos lhe são desfavoráveis e, por isso, interpôs agravo de instrumento contra a decisão. A recorrente
fundamentou o cabimento do AI no p. u. do art. 1.015 do CPC.
 Direito: não cabe o AI neste caso. Para otimizar o CPC, o p. u. do art. 1.015 deve ser interpretado
restritivamente. Assim, não se deve admitir o agravo de instrumento como meio de impugnação de toda e qualquer
decisão interlocutória proferida no processo de execução. Se isso for admitido irá prejudicar a celeridade que se
espera do trâmite processual. Se a cada decisão proferida pelo juiz na execução for possível um AI para o Tribunal,
haverá uma drástica diminuição na efetividade do processo. Segundo entendeu o Min. Herman Benjamin, não há
motivo para se admitir o agravo de instrumento contra esta decisão considerando que, como consignado na
Exposição de Motivos do CPC, “todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na Apelação”.
Assim sendo, para o Ministro, o novo diploma processual postergou o momento de sua impugnação.

É cabível a interposição de AI contra todas as decisões interlocutória em processo falimentar e recuperacional:


v. empresarial.

4.3. Recurso extraordinário

O RE pressupõe a existência de causa, decidida em única ou última instância por órgão do Poder Judiciário, no
exercício de função jurisdicional: Não cabe RE contra decisão do TST que julga PAD instaurado contra
magistrado trabalhista. Compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as “causas” decididas em única ou
última instância (art. 102, III, da CF). O vocábulo “causa” referido no art. 102, III da CF só abrange processos
judiciais, razão pela qual é incabível a interposição de recursos extraordinários contra acórdãos proferidos pelos
Tribunais em processos administrativos, inclusive aqueles de natureza disciplinar instaurados contra magistrados.

4.4. Necessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão proferida pelo Tribunal de
origem que inadmite o REsp: A decisão de inadmissibilidade do recurso especial não é formada por capítulos
autônomos, mas por um único dispositivo, o que exige sua impugnação total. Em outros termos, o agravante deve
atacar, de forma específica, TODOS os fundamentos da decisão que, na origem, inadmitiu o REsp.
Obs.: Cuidado com a parte final do art. 1.042 do CPC/15: o art. 1.042 do CPC/15 veda o cabimento do agravo
contra decisão do Tribunal a quo que inadmitir o REsp, com base na aplicação do entendimento consagrado no
julgamento de recurso repetitivo. Neste caso, será cabível apenas agravo interno para o Tribunal de origem, nos
termos do art. 1.030, § 2º, do CPC/15.

4.5. Multa do § 2º do art. 557 do CPC/73 (§ 4º do art. 1.021 do CPC/15) e Fazenda Pública:
 O Relator negou seguimento ao AI e a União interpôs um agravo interno manifestamente infundado (“abusivo”)
contra a decisão que negou seguimento ao AI. Se o órgão colegiado do Tribunal considerar que o agravo interno
(antigamente chamado de “agravo regimental”) interposto é manifestamente inadmissível ou infundado, ele
aplicará ao recorrente duas sanções: (i) condenará o agravante a pagar ao agravado uma MULTA; (ii) condicionará
o DEPÓSITO do valor da multa em juízo para que futuros recursos sejam recebidos. Qual é o valor dessa multa?
• CPC/1973: entre 1% e 10% do valor corrigido da causa;
• CPC/2015: entre 1% e 5% do valor atualizado da causa.
 Para a aplicação da multa, exige-se que a decisão do Tribunal tenha sido unânime?
• CPC/1973: NÃO. Não era necessário.
• CPC/2015: SIM. A aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC exige votação unânime.
 A MULTA prevista para o agravante que interpuser recurso manifestamente inadmissível ou improcedente
aplica-se também para a Fazenda Pública? A sanção explicada no item "8.1" acima aplica-se também ao Poder
Público? SIM. Tanto no CPC/73 como no CPC/15.
 A legislação prevê uma 2ª punição, qual seja, exige o DEPÓSITO do valor da multa em juízo para que futuros
recursos sejam recebidos. Essa sanção explicada no item "8.2" acima aplica-se também para a Fazenda Pública?
117
• CPC/73: SIM. O STF também decidiu assim: É requisito de admissibilidade para interposição de recurso
extraordinário o recolhimento de multa imposta ao recorrente no Tribunal “a quo”, com base no art. 557, § 2º, do
CPC/73, exigência que se impõe inclusive à Fazenda Pública.
• CPC/2015: NÃO. O § 5º do art. 1.021 do CPC/15 afirma expressamente que não se exige da Fazenda Pública o
depósito prévio do valor da multa, podendo este pagamento ser feito ao final

4.6. Embargos infringentes: eram cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada se
manifestava nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença. Isso
porque o voto proferido nos embargos de declaração passa a integrar o voto da decisão embargada.

Acórdão que, no julgamento de agravo de instrumento, por maioria de voto, reforma decisão interlocutória para
reconhecer que determinado bem é impenhorável: Nos processos ainda regidos pelo CPC/73, são cabíveis
embargos infringentes contra acórdão que, em julgamento de agravo de instrumento, por maioria de votos, reforma
decisão interlocutória para reconhecer a impenhorabilidade de bem, nos termos da Lei nº 8.009/90.

4.7. Sentença proferida com base no entendimento vigente do STF e que, após o trânsito em julgado, houve
mudança de posição. Cabe rescisória? Se a sentença foi proferida com base na jurisprudência do STF vigente à
época e, posteriormente, esse entendimento foi alterado, não se pode dizer que essa decisão impugnada tenha
violado literal disposição de lei para fins da ação rescisória prevista no art. 485, V, do CPC/73. Desse modo, não
cabe ação rescisória em face de acórdão que, à época de sua prolação, estava em conformidade com a
jurisprudência predominante do STF.
- Súmula 343-STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
- Obs.: o julgado envolvia um caso concreto ocorrido na vigência do CPC/1973. Não se sabe se o entendimento
seria o mesmo se o fato tivesse ocorrido na égide do CPC/2015. Isso por conta da nova previsão de ação rescisória
contida no § 15 do art. 525 do CPC/2015.
- Alteração posterior de jurisprudência pelo STF não legitima o pedido rescisório: Em consonância com o instituto
da prospective overruling, a mudança jurisprudencial deve ter eficácia ex nunc, porque, do contrário, surpreende
quem obedecia à jurisprudência daquele momento. Ao lado do prestígio do precedente, há o prestígio da segurança
jurídica, princípio segundo o qual a jurisprudência não pode causar uma surpresa ao jurisdicionado a partir de
modificação do panorama jurídico.
- Prospective overruling: é uma técnica segundo a qual “os tribunais, ao mudarem suas regras jurisprudenciais,
podem, por razões de segurança jurídica (boa-fé e confiança legítima), aplicar a nova orientação apenas para os
casos futuros”. O CPC/15 trouxe previsão expressa da possibilidade da modulação dos efeitos da superação (art.
927, § 3º).

5. EXECUÇÃO

5.1. Qual é o recurso cabível contra o pronunciamento que julga a impugnação ao cumprimento de
sentença?
 O início da fase de cumprimento da sentença pode ser feito de ofício pelo juiz? NÃO, só a requerimento do
exequente. Requerido o início do cumprimento de sentença, o juiz deverá determinar a intimação do devedor p/
pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias. Não ocorrendo pagamento voluntário neste prazo, o débito será
acrescido de multa de 10% e, também, de honorários de advogado de 10% (art. 523, § 1º, do CPC/15).
 Esse prazo de 15 dias, previsto no art. 523 do CPC 2015 (art. 475-J do CP 1973), é contado a partir de quando?
Da intimação do devedor para pagar. Não basta que o devedor já tenha sido intimado anteriormente da sentença
que o condenou. Para começar o prazo de 15 dias para pagamento, é necessária nova intimação. Assim, a multa de
10% depende de nova intimação prévia do devedor. A forma dessa intimação está prevista no art. 513 do
CPC/2015.
 Na fase de cumprimento de sentença existe alguma forma de “defesa” do devedor? João poderá apresentar
alguma defesa? SIM. A defesa típica do devedor executado no cumprimento de sentença é a chamada impugnação.
 Para que o devedor apresente impugnação, é indispensável a garantia do juízo, ou seja, é necessário que haja
penhora, depósito ou caução? NÃO. A impugnação independe de prévia garantia do juízo.
 Qual é o prazo para a apresentação da impugnação? 15 dias. O prazo de 15 dias para impugnação inicia-se
imediatamente após acabar o prazo de 15 dias que o executado tinha para fazer o pagamento voluntário (art. 525,
caput). Não é necessária nova intimação. Acabou um prazo, começa o outro.
 Fatos: Na impugnação, o executado alegou nulidade da citação e que, na fase de conhecimento, o processo
correu à sua revelia (art. 525, §1º, I, do CPC/15). O juiz julgou procedente a impugnação e extinguiu o
cumprimento de sentença. O autor interpôs AI contra esta decisão, fundamentando o recurso no art. 1.015, p. u. do
CPC.
118
 Decisão: o credor não agiu corretamente. O recurso cabível contra a decisão que julga a impugnação ao
cumprimento de sentença é o seguinte:
1) Se na decisão que julgou a impugnação o juiz não extinguiu a execução: cabe AI.
2) Se na decisão que julgou a impugnação o juiz extinguiu a execução: cabe apelação.

Em suma: 1) Se o juiz rejeita a impugnação: cabe agravo de instrumento (porque a execução irá prosseguir);
2) Se o juiz acolhe a impugnação, poderá caber agravo de instrumento ou apelação.
2.1) Se o juiz acolhe a impugnação, mas não extingue a execução (ex: apenas reduz o valor que estava excessivo):
caberá agravo de instrumento;
2.2 ) Se o juiz acolhe a impugnação e extingue a execução (ex: falta de citação): caberá apelação.

5.2. O prazo para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dobro no caso de
litisconsortes com procuradores distintos (art. 229 do CPC): Em regra, o prazo para cumprimento voluntário da
sentença é de 15 dias úteis (art. 523 do CPC). Se os devedores forem litisconsortes com diferentes procuradores, de
escritórios de advocacia distintos, este prazo de pagamento deverá ser contado em dobro, cf. o art. 229 do CPC,
desde que o processo seja físico. Assim, o prazo comum para cumprimento voluntário de sentença deverá ser
computado em dobro (ou seja, em 30 dias úteis) no caso de litisconsortes com procuradores distintos, em autos
físicos.
Obs.: O cumprimento voluntário da sentença possui natureza dúplice. Cuida-se de ato a ser praticado pela própria
parte, mas a fluência do prazo para pagamento inicia-se com a intimação do advogado pela imprensa oficial, o que
impõe ônus ao patrono, qual seja, o dever de comunicar o devedor do desfecho desfavorável da demanda,
alertando-o das consequências jurídicas da ausência do cumprimento voluntário. Assim, uma vez constatada a
hipótese prevista no art. 229 do CPC/15 (litisconsortes com procuradores de escritórios diferentes), o prazo comum
para pagamento espontâneo deverá ser computado em dobro, ou seja, será de 30 dias úteis.

5.3. A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/15 NÃO entra no cálculo dos honorários
advocatícios: a base de cálculo sobre a qual incidem os honorários advocatícios devidos em cumprimento de
sentença é o valor da dívida (quantia fixada em sentença ou na liquidação), acrescido das custas processuais, se
houver, sem a inclusão da multa de 10% pelo descumprimento da obrigação dentro do prazo legal (art. 523, § 1º, do
CPC/15). A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/15 NÃO entra no cálculo dos honorários advocatícios.
A multa de 10% do art. 523, § 1º, do CPC/2015 não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios. Os 10%
dos honorários advocatícios deverão incidir apenas sobre o valor do débito principal. Relembre o que diz o § 1º do
art. 523: Art. 523 (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa
de dez por cento e, também, de honorários de advogado de 10%.

Obs.: Ocorrido o pagamento tempestivo, porém parcial, da dívida executada, incide, à espécie, o § 2º do art. 523 do
CPC/15, devendo incidir a multa de dez por cento e os honorários advocatícios (no mesmo percentual) tão somente
sobre o valor remanescente a ser pago por qualquer dos litisconsortes.

5.4. Mesmo que o contrato com a escola particular esteja apenas no nome da mãe, o pai também responderá
solidariamente pelas dívidas: A execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares de
filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos
contratuais que deram origem à dívida. Ex: mãe assina contrato com a escola e termo de confissão de dívida se
comprometendo a pagar as mensalidades; em caso de atraso, a escola poderá ingressar com execução tanto contra a
mãe (legitimidade passiva ordinária) como contra o pai do aluno (legitimidade passiva extraordinária),
considerando que existe uma solidariedade legal do casal quanto às despesas com a educação do filho (arts. 1.643 e
1.644 do CC).
Obs.: E se os pais estiverem separados/divorciados ou nunca tenham sido casados, ainda assim teria legitimidade
para figurar na execução? SIM. Por força do poder familiar.

5.5. Contrato eletrônico de mútuo com assinatura digital é título executivo extrajudicial
 Fatos: João vai até a agência bancária, conversa com o gerente e toma emprestado R$ 20 mil. Para tomar o
dinheiro emprestado, contudo, João teve que assinar um contrato de mútuo comprometendo-se a devolver o
dinheiro em 6 meses, acrescido de juros e correção monetária. Esse contrato foi assinado por João e por duas
testemunhas.
 Caso João não pague o empréstimo, esse contrato poderá ser executado? O contrato de mútuo constituise em
título executivo extrajudicial? SIM. O contrato de mútuo, desde que assinado pelo devedor e por 2 testemunhas,
constitui-se em título executivo extrajudicial. É o que prevê o art. 784, III, do CPC/15.
 Informações sobre as 2 testemunhas:
 A assinatura das 2 testemunhas é considerada como “requisito extrínseco à substância do ato”.
119
 Seu objetivo é o de aferir a existência e a validade do negócio jurídico. O intuito foi o de permitir que, se
houvesse alguma alegação de nulidade do negócio, as testemunhas pudessem ser ouvidas para certificar a
existência ou não de vício na formação do instrumento, a ocorrência e a veracidade do ato, com isenção e sem
preconceitos.
 Vale ressaltar que as pessoas que assinam são “testemunhas instrumentárias”, ou seja, elas apenas expressam a
regularidade formal do instrumento particular, mas não precisam saber a respeito do conteúdo do negócio jurídico.
 Em razão disso, a ausência de alguma testemunha ou a sua incapacidade, por si só, não ensejam a invalidade do
contrato ou do documento, mas apenas a inviabilidade do título para fins de execução, pela ausência de formalidade
exigida em lei.
 Assim, em regra, não havendo a assinatura das 2 testemunhas, o contrato continua sendo válido, mas não poderá
ser considerado como título executivo extrajudicial.
 Algumas vezes a parte alega algum “problema” com a assinatura da testemunha, mas não aponta nenhum vício de
consentimento ou falsidade documental. Só alega algum “vício” da testemunha. Ex: a testemunha do contrato foi o
advogado de uma das partes contratantes. Isso não pode, considerando que a testemunha deverá ser alguém
desinteressado no contrato. No entanto, se a parte alega apenas isso, mas não questiona a validade do ajuste, este
contrato continua sendo título executivo extrajudicial (STJ. 4ª Turma. J. 13/06/2017).
 Da mesma forma, ainda que não se consiga ler direito o nome das testemunhas no contrato, isso é considerado
mera irregularidade e não retira a força executiva do título, salvo se houver alguma alegação de nulidade (STJ. 3ª
Turma).
 Sem a assinatura das 2 testemunhas, é possível que o contrato seja considerado título executivo extrajudicial?
• Em regra, p/ que o instrumento particular sirva como título executivo, é necessário ser assinado por 2
testemunhas.
• Excepcionalmente, mesmo sem essas duas assinaturas, é possível que o contrato continue sendo título executivo
se houver outras provas que comprovem a avença.
 As testemunhas precisam presenciar as partes assinando o contrato? Todo mundo tem que assinar no mesmo
momento? NÃO.
 Apenas a título de curiosidade: contrato de locação não precisa das 2 testemunhas O contrato de locação não
precisa estar assinado por 2 testemunhas para servir como título executivo extrajudicial.

 E se esse contrato for eletrônico? Ex: Pedro celebra contrato de mútuo com uma instituição financeira; ocorre
que o negócio é todo feito por meio de uma página na internet; não há papel; e a assinatura de mutuário também é
digital. Esse contrato pode ser considerado título executivo extrajudicial? SIM.
 Mas sendo o contrato eletrônico, como fica a exigência da assinatura de 2 testemunhas? O contrato eletrônico,
em face de suas particularidades, por regra, tendo em conta a sua celebração à distância e eletronicamente, não trará
a indicação de testemunhas. Isso, contudo, não afasta a sua executividade, desde que haja outros meios de se
comprovar a sua existência e validade. Um ex. é o contrato eletrônico c/ assinatura digital certificada por
autoridade certificadora. Assim, se o contrato eletrônico tiver sido submetido a uma certificação eletrônica,
utilizando-se a assinatura digital devidamente aferida por autoridade certificadora, mostra-se desnecessária a
assinatura das testemunhas.
 Assinatura eletrônica é o mesmo que assinatura digital? Não. A relação é de gênero e espécie. A assinatura
digital é uma das espécies de assinatura eletrônica. Assinatura digital é aquela que utiliza um certificado digital,
geralmente um token, que foi certificado por uma autoridade certificadora. Exemplo de assinatura eletrônica que
não é assinatura digital: o indivíduo assina o documento em um tablet ou celular que tenha tela touchscreen.

5.6. Análise de HC impetrado contra decisão do juiz que, na execução de título extrajudicial, determinou a
suspensão do passaporte e da CNH do executado
 Fatos: A Escola Integral Ltda. ingressou com execução de título extrajudicial (duplicata) contra João cobrando
uma dívida de R$ 20 mil, referente ao contrato de prestação de serviços educacionais. O executado foi citado p/
pagar a dívida no prazo de 3 dias, contado da citação (art. 829 do CPC). O devedor, contudo, não efetuou o
pagamento. Diante disso, o juiz, a requerimento da exequente, determinou a suspensão do passaporte e da carteira
nacional de habilitação (CNH) do executado. O executado impetrou HC contra esta decisão afirmando que ela seria
ilegal e que violaria a sua liberdade de locomoção.
 Decisão: o juiz não agiu corretamente.
 Caberia HC neste caso? Em regra, não. Em regra, não se admite a utilização de habeas corpus como substituto
de recurso próprio, ou seja, se cabia um recurso para impugnar a decisão, não se pode aceitar que a parte
prejudicada impetre um HC. Exceção: se, no caso concreto, a decisão impugnada for flagrantemente ilegal, gerando
prejuízo à liberdade do paciente, o Tribunal deverá conceder o HC de ofício.
*No caso concreto, o STJ entendeu que a parte não deveria ter ingressado com habeas corpus considerando que
havia um recurso cabível contra o ato (AI). No entanto, apesar disso, os Ministros consideraram que a decisão era
manifestamente ilegal e, por isso, o habeas corpus deveria ser concedido de ofício.
120
 Em tese, a apreensão de PASSAPORTE representa um cerceamento à liberdade de locomoção? Cabe HC neste
caso? SIM. O remédio constitucional do HC é via processual adequada para que se avalie constrangimento ilegal
no acautelamento de passaporte de investigados ou condenados penalmente. O acautelamento de passaporte é
medida que limita a liberdade de locomoção, razão pela qual pode, no caso concreto, significar constrangimento
ilegal e arbitrário, sendo o HC via processual adequada para essa análise. Isso vale não apenas para decisões
criminais como também cíveis.
 Em tese, a apreensão de CNH representa um cerceamento à liberdade de locomoção? Cabe HC neste caso? Não.
A suspensão da CNH não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular. Isso porque mesmo com a decretação da
medida, o sujeito continua com a liberdade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como
condutor do veículo. Logo, não cabe habeas corpus contra decisão que determina a apreensão de CNH.
 Efetividade do processo e princípio do resultado na execução : O inciso IV do art. 139 do CPC/2015 representou
uma importante novidade do Código e que teve por objetivo dar mais efetividade ao processo.
 Atipicidade das medidas executivas : Esse dispositivo representa a adoção, pelo CPC, de um modelo de
atipicidade das medidas executivas. O que isso quer dizer? As medidas que o juiz pode determinar para a execução
dos comandos judiciais não precisam estar expressamente previstas na lei, podendo o magistrado impor outras
medidas que não estão listadas no Código.
 Ditames constitucionais devem ser respeitados: A busca pela efetividade jurisdicional, apesar de ser incentivada,
não pode, porém, permitir que sejam tomadas medidas judiciais que afrontem os ditames constitucionais. Assim, só
será permitida a implementação de medidas executivas atípicas: que sejam “não discricionárias” (isto é, as medidas
tomadas não podem ser autoritárias) e que restrinjam de forma razoável (proporcional) os direitos individuais.
 Medida foi desproporcional e não razoável : No caso concreto acima exposto, o STJ considerou que deveria
conceder a ordem no habeas corpus e determinar a restituição do PASSAPORTE ao executado. Isso porque se
entendeu que a medida coercitiva imposta foi ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir
e vir de forma desproporcional e não razoável. Ainda que o CPC/15 tenha admitido a imposição de medidas
coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que no topo do ordenamento jurídico está a Constituição Federal,
que protege de maneira especial o direito de ir e vir, em seu art. 5º, XV. Logo, quanto ao passaporte, o STJ
entendeu que a decisão foi ilegal e determinou a restituição. No que tange à CNH, o STJ não conheceu do habeas
corpus, tendo em vista que a retenção deste documento não gera restrição à liberdade de locomoção. É possível que
a retenção de CNH por parte do juiz na execução também seja considerada ilegal, especialmente em se tratando de
devedor que trabalha dirigindo. No entanto, para isso, é necessário que a parte prejudicada impugne a decisão por
meio dos recursos próprios.
 Fundamentação: Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e
sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios
executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual.
 Em suma: Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de
execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de
forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de
satisfação, a medida não se comprova necessária.
 A decisão acima explicada significa que o STJ NÃO admite a retenção de passaporte como medida executiva
atípica do art. 139, IV, do CPC? Sempre que essa medida for imposta, o STJ irá declarar a decisão ilegal? NÃO.
Não se pode generalizar. A decisão acima explicada levou em consideração as circunstâncias do caso concreto, não
se podendo afirmar que o STJ tenha essa posição de forma geral. O juiz poderá eventualmente decretar a retenção
do passaporte do executado desde que: • seja obedecido o contraditório e • a decisão proferida seja fundamentada e
adequada, demonstrando-se a proporcionalidade dessa medida para o caso concreto. Vale ressaltar que o tema
ainda é polêmico e que, em outro julgado, também de 2018, em uma situação muito parecida, a 3ª T. manteve
decisão que determinou a retenção do passaporte do devedor.

5.7. Constitucionalidade do art. 741 do CPC/73 (art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 1417; e art. 535, § 5º do CPC/15)
 Foi proposta ADI contra o p. u. do art. 741 do CPC/73 sob o argumento de que ele violaria o instituto da coisa
julgada, protegido pelo art. 5º, XXXVI, da CF. Essa tese foi aceita pelo STF? NÃO.
 Coisa julgada tem limites impostos pelo legislador : O instituto da coisa julgada, embora tenha proteção na CF,
deve ser conformado (regulamentado) pelo legislador ordinário, a quem é dada a faculdade de estabelecer limites
objetivos e subjetivos. Em outras palavras, a coisa julgada não é um instituto absoluto. Assim, a lei pode indicar
situações em que o instituto deve ceder lugar a postulados, princípios ou bens de mesma hierarquia e que também
são protegidos pela CF.
17
Art. 525, § 1º Na impugnação, o executado poderá alegar: (...) III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da
obrigação; (...) § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação
reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF, ou fundado
em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo STF como incompatível com a CF, em controle de
constitucionalidade concentrado ou difuso. (...) § 14. A decisão do STF referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em
julgado da decisão exequenda.
121
 Vícios da sentença que autorizam a inexigibilidade/inexequibilidade : é necessário que a sentença tenha
incorrido em algum dos seguintes vícios:
a) sentença que aplicou uma lei que havia sido declarada inconstitucional pelo STF;
b) sentença que aplicou a lei para uma situação considerada inconstitucional (STF afirmou que a lei é
constitucional, mas que não poderia ser aplicada para determinada situação, sob pena de, aí sim, ser
inconstitucional);
c) sentença que aplicou a lei com um sentido (uma interpretação) inconstitucional (STF conferiu interpretação
conforme para determinada lei e a sentença contrariou esta interpretação dada);
d) sentença que decidiu que determinada lei é inconstitucional, mas o STF já a havia declarado constitucional.
 Para que se possa reconhecer a inexigibilidade/inexequibilidade do título executivo, é necessário que o
pronunciamento do STF sobre a questão seja anterior ao título executivo? SIM, a decisão do STF precisa ter sido
proferida antes do título executivo. Tais dispositivos somente podem ser aplicados quando o órgão julgador,
mesmo já havendo decisão do STF sobre o tema, decide em sentido contrário ao que o Supremo tinha decidido. A
sentença já deve ter nascido contrária ao entendimento do STF. O vício na sentença deve ser um "defeito genético",
ou seja, já nasceu com ela. Ex: em 2012, o STF decidiu que a lei X é inconstitucional; em 2013, o juiz julga a causa
aplicando a lei X; mesmo se esta decisão transitar em julgado, o título executivo será inexigível porque aplicou lei
já considerada inconstitucional pelo STF. Essa exigência passou a ser prevista de forma expressa no art. 525, § 14
do CPC/15.
 E se a sentença transitou em julgado aplicando a lei X e só depois de algum tempo o STF declarou que essa lei é
inconstitucional? O CPC/15 inovou e previu, expressamente, que, se a decisão do STF declarando inconstitucional
a norma foi superveniente (posterior) ao trânsito em julgado da sentença exequenda, caberá ação rescisória, com
prazo contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF.

5.8. Alienação judicial dos bens penhorados


 Revisão de execução: v. livro.
 Fatos: João (credor) ingressou com cumprimento de sentença contra Pedro (devedor). Pedro não pagou o débito
voluntariamente e o juiz determinou a penhora de um apartamento que está em seu nome. O magistrado determinou
a intimação de João para que se manifestasse sobre seu interesse na adjudicação do bem penhorado e, caso não o
tivesse, informasse as providências necessárias para que efetuasse, por conta própria, a alienação particular dos
bens, na forma do art. 879, I, do CPC/15. João respondeu dizendo que não tinha interesse na adjudicação e que
também não desejava fazer a alienação particular do bem. Assim, requereu a alienação judicial do apartamento em
hasta pública, na forma do art. 879, II. O juiz indeferiu o pedido afirmando que, não ocorrendo a adjudicação, é
obrigatório que o credor-exequente tente fazer a alienação do bem penhorado por iniciativa particular. Só se não
tiver êxito é que poderia ser feita a alienação judicial (antiga hasta pública). O credor recorreu contra a decisão
alegando que a alienação por iniciativa particular é uma faculdade do credor-exequente, sendo descabida sua
imposição pelo juiz.
 Decisão: o juiz não agiu corretamente. Analisando o texto do CPC, conclui-se que, não havendo interesse do
exequente na adjudicação do bem penhorado, abre-se a possibilidade de que a alienação do bem constrito seja feita
por iniciativa do próprio credor (alienação por iniciativa particular). Realmente existe uma ordem de preferência
nas formas de expropriação previstas no CPC. Vale ressaltar, contudo, que esta ordem de preferência não é
absoluta. Assim, é possível que o credor escolha forma de expropriação fora da ordem listada no CPC, de acordo
com as particularidades relacionadas ao bem ou ao próprio credor. Isso porque a execução deve ser realizada no
interesse do exequente, conforme preconiza o art. 797 do CPC/15.

5.9. Os valores recebidos pelo beneficiário como indenização do seguro de vida são impenhoráveis, mas até o
limite de 40 salários mínimos
 Fatos: João fez um seguro de vida. Assim, todos os meses ele pagava determinada quantia à seguradora (o
chamado “prêmio”) e, em caso de sua morte, a seguradora pagaria uma indenização no valor de R$ 100k em favor
de sua esposa Maria (beneficiária). João faleceu e a seguradora depositou os R$ 100k na conta corrente de Maria.
Ocorre que Maria era ré em um processo de execução e o juiz determinou a penhora on line dos R$ 100k. A
executada pediu a liberação da quantia alegando que a verba seria impenhorável, nos termos do art. 833, VI, do
CPC/15.
 Decisão: O STJ adotou uma posição intermediária e afirmou que os valores deixados a título de seguro de vida
são impenhoráveis, mas até o limite de 40 salários mínimos, aplicando-se por analogia o art. 833, X, do CPC/15.
 Argumentos: (i) Caráter alimentar: O direito do beneficiário do seguro de vida deve prevalecer sobre o direito
do credor, de modo a preservar o mínimo necessário à sua sobrevivência. Isso porque a finalidade do seguro de
vida é proporcionar um rendimento a alguém, não o deixando à míngua de recursos. Assim, essa quantia é
impenhorável e isso ocorre em virtude do caráter alimentar do benefício.
(ii) Necessidade de pagamento dos credores: Vale ressaltar, contudo, que também se deve garantir a efetividade do
pagamento dos credores. As verbas alimentares são consideradas impenhoráveis a fim de garantir a sobrevivência
digna do devedor. No entanto, essas verbas alimentares não podem ser muito altas considerando que o objetivo da
122
impenhorabilidade não é o de fazer com que o devedor tenha um padrão de vida acima das suas condições, às
custas do devedor. Assim, esse valor de 40 salários mínimos corresponde ao critério que o próprio legislador
estabeleceu como sendo o montante que considera razoável e suficiente para assegurar uma vida digna. A quantia
que exceder esses 40 salários mínimos poderá ser utilizada para saldar os débitos dos credores do beneficiário do
seguro. Essa analogia pode ser feita porque a natureza alimentar da indenização recebida com o seguro de vida se
assemelha às verbas salariais do art. 833, IV, do CPC/15, que destaca serem impenhoráveis “as quantias recebidas
por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família”.

5.10. Requisitos para a impenhorabilidade da pequena propriedade rural


 Fatos: O filho de João resolveu fazer faculdade na capital. Para custear as despesas, João tomou um empréstimo
bancário e, como garantia do pagamento, assinou nota promissória no valor de R$ 20 mil. O devedor não efetuou o
pagamento na data do vencimento, razão pela qual o banco ingressou com execução de título extrajudicial, tendo
sido penhorada uma chácara (imóvel rural) que está em nome de João. O executado alegou que o imóvel em
questão é impenhorável, considerando que se trata de pequena propriedade rural onde pratica agricultura
juntamente com a mulher e os filhos. Invocou, para tanto, o art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC. O
banco refutou a tese de João apresentando dois argumentos:
1) a dívida foi contraída para interesses particulares (e não para promover a atividade produtiva desenvolvida no
imóvel). Logo, como o débito não tem relação com o imóvel, não gera a sua impenhorabilidade;
2) João e a sua família não moram na chácara que foi penhorada. Eles residem em uma casa alugada, que fica na
vila a alguns minutos do imóvel rural. Assim, incidiria a hipótese do art. 4º, § 2º, da Lei 8.009/90.
 A 1ª tese do exequente foi aceita pelo STJ? NÃO. A pequena propriedade rural é impenhorável mesmo que a
dívida executada não seja oriunda da atividade produtiva do imóvel. Mas o art. 5º, XXVI, da CF/88 fala que “a
pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora
para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva (...)”. Essa parte grifada não exige que os débitos
sejam relacionados com as atividades desenvolvidas no imóvel rural? NÃO. O STJ afirma que essa interpretação
literal não pode ser feita, já que isso: • não garantiria a máxima efetividade que deve ser dada ao mandamento
constitucional; • conferiria proteção deficiente ao DF tutelado. A correta interpretação do dispositivo é, portanto, a
seguinte: a CF não permite a penhora da pequena propriedade rural mesmo que o devedor tenha dado o imóvel em
garantia de dívidas contraídas para assegurar a sua atividade produtiva. Logo, com mais razão, esse imóvel também
é impenhorável com relação a débitos de outra natureza, ou seja, não necessariamente relacionados com a atividade
produtiva da propriedade rural. Essa interpretação do art. 5º, XXVI, da CF foi adotada pelo legislador
infraconstitucional, tanto que o CPC/73 e o CPC/15 não exigem, para conferir a impenhorabilidade, que os débitos
sejam oriundos da atividade produtiva do imóvel. Conclui-se, portanto, que, nos termos dos arts. 5º, XXVII, c/c o
art. 649, VIII, do CPC/73 (art. 833, VIII, do CPC/15), a proteção da impenhorabilidade da pequena propriedade
rural trabalhada pela entidade familiar, como DF que é, não se restringe às dividas relacionadas à atividade
produtiva.
 A 2ª tese do exequente foi aceita pelo STJ? Também NÃO. A pequena propriedade rural é impenhorável, nos
termos do art. 5º, XXVI, da CF e do art. 833, VIII, do CPC, mesmo que o imóvel não sirva de moradia ao
executado e à sua família.
- Impenhorabilidade do art. 833, VIII, do CPC não é o mesmo que a impenhorabilidade do bem de família rural:
tanto a impenhorabilidade do art. 833, VIII, do CPC como a impenhorabilidade do bem de família rural estão
relacionadas com o princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo-se ao executado a preservação de um
patrimônio mínimo, do qual lhe seja possível extrair condições dignas de subsistência. Apesar disso, são institutos
diferentes com fundamentos diferentes:
• impenhorabilidade do art. 833, VIII, do CPC: tem por objetivo assegurar o direito, também fundamental, de
acesso aos meios geradores de renda, no caso, o imóvel rural, de onde a família do trabalhador rural, por meio do
labor agrícola, obtém seu sustento;
• impenhorabilidade do bem de família rural: destina-se a garantir o direito fundamental à moradia. O art. 4º, § 2º,
da Lei 8.009/90 trata sobre bem de família rural (e não sobre a impenhorabilidade da pequena propriedade rural).
 Requisitos: assim, para que o imóvel rural seja impenhorável, nos termos do art. 5º, XXVI, da CF e do art. 833,
VIII, do CPC, é necessário que cumpra apenas dois requisitos cumulativos: 1) seja enquadrado como pequena
propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e 2) seja trabalhado pela família.

5.11. Pacto de impenhorabilidade não pode ser oposto a terceiro


 Fatos: João foi condenado a pagar R$ 20 mil em favor de Pedro. O credor iniciou o cumprimento de sentença e
o juiz determinou a penhora de um título patrimonial que João possui no “Iate Clube”, avaliado em R$ 15k. O
devedor impugnou o cumprimento de sentença alegando que esse título é impenhorável, conforme prevê o Estatuto
Social do Iate Clube. Assim, o executado argumentou que este título é impenhorável, nos termos do art. 833, I, do
CPC (“São impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução”).
 Decisão: o pacto de impenhorabilidade de título patrimonial contido explicitamente em estatuto social de clube
desportivo não pode ser oposto contra exequente/credor não sócio. A parte final do art. 833, I realmente prevê que
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atos voluntários declarem a impenhorabilidade de determinados bens, afastando-os de eventual execução. Permite-
se, assim, a celebração do pacto de impenhorabilidade. No entanto, esse pacto de impenhorabilidade fica limitado
às partes que o convencionaram, não podendo envolver terceiros que não anuíram. Se assim não fosse, particulares
poderiam celebrar convenções de impenhorabilidade com o intuito de prejudicar a satisfação do crédito de
terceiros.

5.12. Análise da impenhorabilidade prevista no art. 649, IV do CPC/73 (art. 833, IV, do CPC/15): O art. 649,
IV, do CP/73 previa que as verbas de natureza salarial do executado eram impenhoráveis. O § 2º do art. 649 previa
uma exceção explícita e dizia que era possível a penhora da verba salarial do devedor para pagamento de prestação
alimentícia. O STJ, interpretando esse dispositivo, afirmou que é possível a penhora das verbas salariais do devedor
para pagamento de outras dívidas, além da prestação alimentícia, desde que essa penhora preserve um valor que
seja suficiente para o devedor e sua família continuarem vivendo com dignidade. Nas palavras do STJ: a regra geral
da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. do devedor (art. 649, IV do CPC/73) (art. 833, IV do
CPC/15), também pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à
dignidade do devedor e de sua família. Ex: Flávio recebe salário de R$ 30 mil por mês. Ricardo ajuizou execução
contra Flávio. O juiz determinou a penhora de 30% do salário de Flávio, todos os meses, até que a dívida que está
sendo executada seja paga. O STJ entendeu que essa penhora é válida e que não violou o art. 649, IV, do CPC/73.
 Em suma:
• Regra: os salários, vencimentos, proventos de aposentadoria etc. são, como regra geral, impenhoráveis.
• Exceção explícita: dívidas de prestação alimentícia (§ 2º do art. 649 do CPC/1973).
• Exceção implícita: é permitida a penhora para outras dívidas, desde que a quantia bloqueada se revele razoável
em relação à remuneração por recebida pelo executado, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e
de sua família.
 Argumentos: credor também tem direito à tutela jurisdicional efetiva; executado tem que agir com boa-fé;
impenhorabilidade total e absoluta das verbas salariais é desproporcional.

5.13. Possibilidade de o juízo da execução cível determinar penhora no rosto dos autos de crédito da
execução trabalhista caso o reclamante tenha falecido
 Processo 1: João ajuizou execução, na Justiça Estadual (comum), contra Pedro cobrando R$ 15k. Tentou-se a
penhora de bens do devedor, mas não se encontrou nada. No curso da execução, Pedro faleceu. O exequente
requereu a habilitação dos sucessores do falecido, nos termos do art. 687 do CPC.
 Processo 2 (execução trabalhista) : paralelamente ao processo 1, estava tramitando um outro processo. A
situação deste 2º processo era a seguinte: Pedro foi demitido, sem justa causa, da empresa Zeus. Como a empresa
não pagou corretamente suas verbas rescisórias, ele ingressou com reclamação trabalhista contra a empregadora. O
juiz trabalhista condenou a empresa a pagar R$ 20k em favor de Pedro. Iniciou-se a execução trabalhista. Ocorre
que, no curso do processo, Pedro faleceu. Diante disso, os sucessores do falecido requereram sua habilitação no
processo, nos termos do art. 688, II. O juiz trabalhista, por meio de uma penhora on line, havia conseguido
penhorar R$ 50 mil que estavam depositados na conta da empresa executada. O dinheiro ficou à disposição do
juízo trabalhista, mas ele ainda não foi transferido para os herdeiros de Pedro.
 Penhora no rosto dos autos18: João soube que há essa execução trabalhista que havia sido proposta por Pedro
contra a Zeus. Soube também que foi penhorado esse dinheiro e que a quantia se encontra à disposição do juízo
trabalhista, mas que ainda não foi transferida para os herdeiros. Com essa informação, João pediu ao juiz da
execução cível que penhore, no rosto dos autos da execução trabalhista, R$ 15 mil dos R$ 50 mil que a Justiça do
Trabalho conseguiu penhorar. O juiz da execução cível autorizou a penhora e comunicou a decisão ao juiz da
execução trabalhista. Os herdeiros de Pedro recorreram contra esta decisão do juiz da execução cível alegando que
os valores que o juiz da execução cível penhorou no rosto do processo trabalhista são verbas salariais e que,
portanto, são impenhoráveis, nos termos do art. 833, IV, do CPC/15.
 Decisão: O STJ afirmou que a decisão do juiz da execução cível foi proferida com base em uma medida cautelar
de tutela provisória com o objetivo de preservar os valores a fim de que a análise do crédito seja posteriormente
feita no inventário, quando, então, se poderá discutir-se a quantia é impenhorável ou não. Assim, o dinheiro
arrecadado deverá ser levado para partilha no juízo do inventário e ali deverá ser feita a análise da qualidade do
crédito e dos valores percebidos a título de herança. No juízo do inventário, o magistrado deverá sopesar o direito

18
A penhora no rosto dos autos é aquela que recai sobre um eventual direito do executado que ainda está sendo discutido em
outro processo judicial. Em outras palavras, o executado do processo 1 está pleiteando um crédito no processo 2. Logo, o juiz
do processo 1 pode determinar a penhora no rosto dos autos deste crédito do processo 2. A penhora no rosto dos autos é
disciplinada pelo art. 860 do CPC. Segundo Daniel Assumpção Neves, “essa espécie de penhora se presta a dar ciência ao juízo
da demanda em que se discute o direito, evitando-se a entrega do produto de alienação de bem penhorado diretamente ao
vencedor da ação, considerando-se que esse crédito já está penhorado em outra demanda judicial”. Essa expressão “no rosto
dos autos” era mencionada expressamente pelo art. 674 do CPC/1973, mas não foi repetida pelo art. 860 do CPC/2015. Apesar
disso, essa nomenclatura continua a ser utilizada pela doutrina e jurisprudência.
124
dos herdeiros de receberem as verbas trabalhistas como herança e o direito do credor do falecido de ver seu crédito
satisfeito.

5.14. Incidem juros da mora entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório
 Fatos: João ajuizou ação de cobrança contra a Fazenda Pública. Foi prolatada sentença condenando o Poder
Público a pagar R$ 300 mil. Essa sentença transitou em julgado em 04/04/2016. Em 10/04/2016, o credor pediu ao
juiz, nos termos do art. 534 do CPC, o cumprimento de sentença, apresentando o cálculo da dívida atualizada.
Segundo entende o STF, a partir do momento em que forem apresentados os cálculos, começa a incidir juros da
mora contra a Fazenda Pública: Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos
cálculos e a da requisição de pequeno valor (RPV) ou do precatório.
 O que acontece a agora? A Fazenda Pública poderá impugnar ou não o cumprimento de sentença. Suponhamos
que o Poder Público não impugnou. Neste caso, deverá ser expedido, por intermédio do Presidente do Tribunal,
precatório em favor do exequente. Neste caso, o juízo da execução elabora o precatório e o encaminha ao
Presidente do Tribunal. Este, por sua vez, irá expedir o precatório, ou seja, repassá-lo ao ente devedor para que seja
incluído no orçamento. Assim, deverá haver a incidência dos juros da mora referente ao período de 10/04/2016
(data da realização dos cálculos) e a data do precatório.
 Existe um prazo para que o ente pague o precatório? SIM. Os pagamentos requisitados até 01/07 de cada ano
deverão ser pagos até o final do exercício do ano seguinte. Isso está previsto no § 5º do art. 100 da CF/88. Em
nosso exemplo: o precatório foi apresentado pelo Presidente do Tribunal em 30/05/2016; logo, ele deverá ser pago
pelo Poder Público até o dia 31/12/2017 (último dia do ano seguinte). Abrindo um parêntese: se o precatório tiver
valor muito alto (valor superior a 15% do montante dos demais precatórios apresentados até o dia 01/07 do
respectivo ano), então, neste caso, deverá ser pago 15% do valor deste precatório até o dia 31/12 do ano seguinte e
o restante em parcelas iguais nos 5 anos subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária. A CF/88
permite também que o credor faça um acordo com o Poder Público (§ 20 do art. 100 da CF/88, incluído pela EC
94/2016).
 Período de suspensão dos juros moratórios: entre o dia 01/07 de um ano até o dia 31/12 do ano seguinte (em
nosso exemplo: de 01/07/2016 até 31/12/2017), não haverá incidência de juros de mora porque o STF entende que
esse foi o prazo normal que a CF/88 deu para o Poder Público pagar seus precatórios, não havendo razão para que a
Fazenda Pública tenha que pagar juros referentes a esse interregno. Existe, inclusive, uma súmula vinculante sobre
o tema: SV 17-STF: Durante o período previsto no parágrafo 1º (obs.: atual § 5º) do artigo 100 da CF, não incidem
juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos. Obs.: neste período, não há incidência de juros
moratórios, mas deverá ser paga correção monetária, conforme prevê a parte final do § 5º do art. 100.
 E se passar o dia 31/12 e o ente devedor não efetuar o pagamento do precatório, neste caso, voltará a incidir
juros de mora? Em nosso exemplo, se passar o dia 31/12/2017, começa novamente a incidir juros moratórios? SIM.
Isso porque terá se esgotado o prazo dado pela CF para que o ente devedor pague o precatório. Logo, o ente
encontra-se em mora. Assim, por exemplo, se o precatório foi inscrito até o dia 01/07/2016, este precatório deverá
ser pago até o dia 31/12/2017. Se o pagamento for realizado neste período, não haverá incidência de juros de mora
porque não houve inadimplemento por parte da FP. No entanto, se passar o dia 31/12/2017 sem pagamento, haverá
a incidência de juros moratórios, que serão computados a partir de 01/01/2018 até a data em que ocorrer a quitação
do precatório.
Obs.: como estes juros moratórios não estavam previstos no precatório, considerando que se presumia que ele seria
pago na data fixada pela CF (até o dia 31/12), para que o credor receba o valor dos juros, será necessária a
expedição de um precatório complementar. Depois que o precatório está expedido, não se pode acrescentar novos
valores a ele.
 Voltando ao nosso exemplo:
- Sentença transitada em julgado: 04/04/2016.
- Início dos juros moratórios: 10/04/2016 (data da realização dos cálculos).
- Dia em que o precatório foi apresentado para pagamento: 30/05/2016.
- Suspensão dos juros moratórios: 01/07/2016 (SV 17-STF).
- Prazo máximo para a Fazenda Pública pagar: 31/12/2017 (§ 5º do art. 100 da CF/88).
- Se a Fazenda não pagar até o prazo máximo: voltam a correr os juros moratórios a partir de 01/01/2018.
Repare, portanto, que o entendimento do STF definido no RE 579431/RS não invalida a SV 17 porque o que foi
decidido neste recurso é um período anterior ao de que trata a súmula.
 Observação final complementar: a SV 17 foi editada em 29/10/2009 e continua sendo atualmente aplicada pelo
STF. Contudo, tem crescido entre os Ministros a ideia de que esta súmula foi superada pelo § 12 do art. 100 da
CF/88, acrescentado pela EC 62, de 10/12/2009, ou seja, posteriormente à edição do enunciado. Para muitos
Ministros, o § 12 determina a incidência de juros moratórios independentemente do período. Em provas de
concurso, a SV 17 continua válida, devendo ser assinalada como correta. Somente se manifeste sobre esta crítica ao
enunciado caso você seja expressamente indagado acerca disso, como no caso de uma prova oral, p. ex.
125
5.15. Os Estados-membros/DF e Municípios podem fixar valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT
(RPV), desde que respeitado o princípio da proporcionalidade
 Quanto é “pequeno valor” para os fins do § 3º do art. 100? Este quantum poderá ser estabelecido por cada ente
federado (União, Estado, DF, Município) por meio de leis específicas, conforme prevê o § 4º do art. 100.
 União: pequeno valor equivale a 60 salários mínimos (art. 17, § 1º, da Lei nº 10.259/2001).
 E se o ente federado não editar a lei prevendo o quantum do “pequeno valor”? Nesse caso, segundo o art. 87 do
ADCT da CF/88, para os entes que não editarem suas leis, serão adotados, como “pequeno valor” os seguintes
montantes: I - 40 salários mínimos para Estados e para o DF; II - 30 salários mínimos para Municípios.
 RPV: Nas hipóteses de “pequeno valor”, o pagamento é feito por meio de requisição de pequeno valor (RPV),
que se trata de uma ordem expedida pelo juiz à autoridade da FP responsável para pagamento da quantia devida.
 Fatos: Rondônia editou lei estadual (Lei nº 1.788/2007) prevendo que, naquele Estado, as obrigações
consideradas como de pequeno valor seriam aquelas de até 10 salários-mínimos. Essa lei foi “boa” ou “ruim” para
os credores (exequentes) do Estado? “Ruim”. A Lei Estadual 1.788/2007 reduziu de 40 para 10 salários-mínimos o
crédito decorrente de sentença judicial transitada em julgado a ser pago por meio de RPV.
 Decisão: Essa previsão da Lei estadual nº 1.788/2007 é válida? De acordo com o STF, sim.
 E o Estado pode fixar qualquer valor? Ex.: SP pode fixar 5 salários-mínimos como sendo pequeno valor para
fins de RPV? NÃO. Os Estados/DF e Municípios, ao editarem as suas leis definindo o que seja “pequeno valor”,
deverão ter como critério a sua capacidade econômica, respeitado o princípio da proporcionalidade. A fixação de 5
salários-mínimos como sendo pequeno valor para um Estado rico como São Paulo seria uma ofensa ao princípio da
proporcionalidade. No caso concreto, entendeu-se que Rondônia atendeu o princípio da proporcionalidade ao
reduzir esse teto para 10 salários-mínimos considerando que é um dos Estados que menos arrecada na Federação,
com um IDH de 0,69. Vale ressaltar que nenhum ente pode fixar como pequeno valor quantia inferior ao valor do
maior benefício do regime geral da previdência social (“teto do INSS”). Em 2018, o “teto do INSS” foi de R$
5.645,80.
 Uma última pergunta: os Estados/DF e Municípios podem editar leis fixando quantias superiores aos limites do
art. 87 do ADCT? Ex: São Paulo pode editar uma lei dizendo que “pequeno valor” naquele Estado, para fins de
RPV, corresponde a 60 salários-mínimos? SIM. Os Estados/DF e Municípios podem fixar limites inferiores ou
superiores àqueles que estão previstos no art. 87 do ADCT. Na prática, porém, será muito difícil que um Estado
amplie o limite do art. 87 porque, em tese, ele prejudica suas finanças considerando que terá mais débitos a serem
pagos por RPV.

6. EXECUÇÃO FISCAL

V. livro!

7. MANDADO DE SEGURANÇA

7.1. Requisitos da teoria da encampação (S. 628/STJ)


 S. 628-STJ: A teoria da encampação é aplicada no mandado de segurança quando presentes, cumulativamente,
os seguintes requisitos: a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que
ordenou a prática do ato impugnado; b) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e c) ausência
de modificação de competência estabelecida na CF.

7.2. É desnecessária a oitiva do MP se o tribunal já tiver jurisprudência consolidada sobre o tema discutido :
Em regra, é indispensável a intimação do Ministério Público para opinar nos processos de mandado de segurança,
conforme previsto no art. 12 da Lei nº 12.016/2009. No entanto, a oitiva do Ministério Público é desnecessária
quando se tratar de controvérsia acerca da qual o tribunal já tenha firmado jurisprudência. Assim, não há qualquer
vício na ausência de remessa dos autos ao Parquet que enseje nulidade processual se já houver posicionamento
sólido do Tribunal. Nesses casos, é legítima a apreciação de pronto pelo relator.

7.3. Não cabe MS para declarar lei ou ato normativo inconstitucional: O mandado de segurança não é o
instrumento processual adequado para o controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos. Vale
ressaltar, no entanto, que é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade em MS (isto é, como causa de
pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal).

7.4. Nas hipóteses de MS no STJ envolvendo anistia política, só é possível a inclusão de juros e correção
monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido: já se viu o cabimento desse MS na
parte de D. Administrativo.
 Fatos: O STJ julgou procedente o mandado de segurança impetrado por João. João ingressou, então, com
cumprimento de sentença pedindo o pagamento dos valores reconhecidos no MS. Até aí, tudo bem. Sem qualquer
polêmica. O “problema” foi que João pediu o pagamento não apenas da dívida principal, mas também dos juros de
126
mora e correção monetária. A União impugnou o cumprimento de sentença alegando que o acordão (título
executivo judicial) não previu o pagamento de juros de mora e correção monetária. Logo, não é possível a sua
cobrança agora na fase executiva. O autor (exequente) refutou a impugnação da União argumentando o seguinte: os
juros e correção monetária são pedidos implícitos.
 Decisão: Nos casos de anistia política, em sede de mandado de segurança, só é possível a inclusão de juros de
mora e correção monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido.
 Pedido implícito não é igual à condenação implícita : realmente, os juros de mora e a correção monetárias são
considerados como pedidos implícitos. Isso está previsto no art. 491 do CPC/15. Em suma, o pedido implícito
compõe o mérito da questão controvertida, razão pela qual cabe à decisão defini-lo, independentemente de constar
expressamente da postulação. Contudo, não se pode confundir pedido implícito com condenação implícita. Com
base na doutrina de Araken de Assis, Fredie Didier menciona que: “não se permite a condenação implícita: o
magistrado deve examinar expressamente o pedido implícito”. Ex.: é certo que os honorários de advogado
constituem pedido implícito, por força do art. 322, § 1º, do CPC/15. Assim, podem ser fixados na decisão,
independentemente de pedido expresso. Entretanto, permanecendo omissa a decisão (ainda que os honorários
tenham sido objeto da postulação) e ocorrendo o trânsito em julgado, não é possível a inclusão dessa verba na fase
executiva, havendo a necessidade de ajuizamento de ação autônoma para fins de definição e cobrança dos
honorários (art. 85, § 18, do CPC/15). Cumpre esclarecer que sobre o ponto omisso na decisão transitada em
julgado, no que concerne ao pedido, não se opera a preclusão ou eficácia preclusiva. Assim, é possível que a
postulação ocorra em nova demanda.
 Decisão do STF: Cerca de um mês antes deste julgado do STJ, o STF havia decidido em sentido aparentemente
oposto. O STJ, no entanto, disse que esse julgado do STF não estava em sentido contrário ao seu, considerando que
o STF teria analisado a questão sob o ponto de vista da fase cognitiva e o STJ na fase de execução.

7.5. Lei 13.676/2018 permite a sustentação oral no julgamento do pedido de liminar em mandado de
segurança de competência originária dos Tribunais: Desse modo, agora sempre caberá sustentação oral no
julgamento do processo de mandado de segurança no Tribunal, seja na sessão para julgar o mérito do MS, seja na
sessão designada para julgar o pedido liminar.

8. PROCESSO COLETIVO

8.1. INQUÉRITO CIVIL - O art. 9º-A da Res. 23/2007, incluído pela Res. 126/2015, é constitucional: A Res.
23/07-CNMP disciplina, no âmbito do MP, a instauração e tramitação do IC. A Res. 126/15-CNMP alterou a Res.
23/2007 e determinou que, se após instaurar o IC ou o procedimento preparatório, o membro que o preside concluir
ser atribuição de outro MP, deverá submeter sua decisão ao referendo do órgão de revisão competente, no prazo de
3 dias. O STF considerou que esta previsão é constitucional. Tratando-se de divergência interna entre órgãos do
MP cumpre ao próprio MP decidir quem terá a atribuição para conduzir a investigação. O CNMP possui atribuição
constitucional para fazer o controle da atuação administrativa do MP (art. 130-A, da CF). O STF entendeu que essa
Resolução se insere no campo da estruturação administrativa da instituição. Não viola, portanto, o princípio da
independência funcional e da unidade, insculpidos no § 1º do art. 127 da CF. Além disso, o STF entendeu que não
compete ao Poder Judiciário envolver-se na gestão interna do MP, cabendo, no caso, um juízo de autocontenção.
*Qual é esse “órgão de revisão competente”?
- No caso do MPE: é o Conselho Superior do Ministério Público estadual (art. 30 da Lei nº 8.625/93).
- No caso do MPF: é a Câmara de Coordenação e Revisão (art. 171, IV, da LC 75/93).

8.2. Associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para ajuizar ACP discutindo DPVAT
 DPVAT: O DPVAT é um seguro obrigatório contra danos pessoais causados por veículos automotores de via
terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não. Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos
pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em via terrestre, tem direito a receber a indenização
do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos
herdeiros. Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os
herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente. O DPVAT
não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais.
 Custeio das indenizações pagas pelo DPVAT : Os proprietários de veículos automotores, é um seguro
obrigatório. Assim, sempre que o proprietário do veículo paga o IPVA, está pagando também, na mesma guia, um
valor cobrado a título de DPVAT. P/ o STJ: a natureza jurídica do DPVAT é a de um contrato legal, de cunho
social.
 Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o valor pago pela
seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário? Sim. A pessoa poderá ajuizar uma ação de cobrança
contra a seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT.
 Fatos: Uma associação chamada “Movimento das donas de casa e consumidores de Minas Gerais” ajuizou ação
civil pública contra a “Sul América Seguros” alegando que esta seguradora, quando vai pagar as indenizações do
127
DPVAT, não tem adotado os critérios corretos para o cálculo dos valores, de forma que tem pagado menos do que
os beneficiários teriam direito. A seguradora alegou que a autora seria parte ilegítima para a causa. Isso porque o
estatuto desta associação prevê que a sua finalidade é a defesa dos consumidores e a relação jurídica dos
beneficiários com as seguradoras do DPVAT não é de consumo. Logo, o pedido formulado pela associação não
teria relação com a sua finalidade estatutária.
 Decisão: A tese da seguradora foi aceita pelo STJ? SIM. Uma associação que tenha fins específicos de proteção
ao consumidor não possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar
interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT.
- DPVAT não é uma relação de consumo.
- Associação tem por finalidade a defesa do consumidor.

8.3. Legitimidade do MP

Súmula 601/STJ: já visto em D. do Consumidor.

Legitimidade do MP para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos


 O MP pode ajuizar uma ação pedindo tratamento de saúde ou entrega de medicamento em favor de uma só
pessoa? SIM. O MP possui legitimidade para a defesa de direitos individuais indisponíveis, conforme previsão
expressa no art. 127 da CF e no art. 1º da Lei 8.625/93.
 O pedido para tratamento médico ou para a entrega de medicamento em favor de uma pessoa é uma demanda
que envolve direito individual INDISPONÍVEL? SIM. O direito à saúde é um direito indisponível. Isso porque está
relacionado com o próprio direito à vida. Assim, o MP detém legitimidade ad causam para pleitear tratamento de
saúde ou fornecimento de medicamento a beneficiários individualizados, por força do disposto no art. 1º da Lei
8.625/93, que incumbiu ao Parquet a defesa dos direitos individuais indisponíveis.
 O MP, nestes casos, não estaria “pegando o lugar” da advocacia privada e da DP? NÃO, cf. já decidiu o STF.

O MP pode ajuizar ACP para anular aposentadoria que lesão ao erário: O MP tem legitimidade para ajuizar
ação civil pública que vise anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público.
Ao ajuizar ação coletiva para a tutela do erário, o MP não age como representante da entidade pública, e sim como
substituto processual de uma coletividade indeterminada, qual seja, a sociedade como um todo. Isso porque a
sociedade é titular do direito à boa administração do patrimônio público. O MP é titular do direito à boa
administração do patrimônio público, da mesma forma que qualquer cidadão pode ajuizar ação popular com o
mesmo objetivo (art. 5º, LXXIII, da CF/88).

8.4. Legitimidade do Município para defesa dos consumidores


 Fatos: O Município de Brusque (SC) ajuizou ação civil pública contra o HSBC Bank Brasil S.A. alegando que
seria ilegal uma tarifa bancária denominada “renovação de cadastro” que estava sendo cobrada das contas
bancárias. O banco contestou a demanda alegando, entre outros argumentos, que o Município não tem legitimidade
ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de uma
tarifa bancária.
 Decisão: Município tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos
consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias.
 Pertinência temática e representatividade adequada dos entes políticos : No caso de ACP proposta por ente
político, a pertinência temática ou representatividade adequada são presumidas. Isso porque não há dúvidas de que
os entes políticos possuem, dentre suas finalidades institucionais, a defesa coletiva dos consumidores. Trata-se,
inclusive, de um comando constitucional (art. 5º, XXXII). Aliás, no que se refere especificamente à defesa de
interesses individuais homogêneos dos consumidores, o Município é o ente político que terá maior contato com as
eventuais lesões cometidas contra esses interesses, pois, “por certo, será no Município que esses fatos ensejadores
da ação civil pública se farão sentir com maior intensidade [...] em face da proximidade, da imediatidade entre ele e
seus munícipes”.

8.5. É possível que as associações privadas façam transação em ACP: sim, nos termos do art. 487, III, b do
CPC, cf. decidiu o STF.

8.6. A S. 345/STJ continua válida mesmo com o art. 85, § 7º do CPC


 Fatos: A associação dos servidores públicos federais do Ministério da Saúde ajuizou ação coletiva contra a
União pedindo que fosse reconhecida e paga determinada gratificação devida à classe. A ação foi julgada
procedente condenando, de forma genérica, a União a pagar a referida gratificação. Houve trânsito em julgado.
João é servidor público federal do Ministério da Saúde e filiado à referida associação. Diante disso, ele propôs
execução individual cobrando o pagamento das verbas relacionadas com a aludida gratificação. A União não
apresentou embargos à execução, ou seja, não se opôs ao pagamento dos valores a João.
128
 Além do montante principal, a União terá que pagar honorários advocatícios? SIM. Mas a União não
embargou... mesmo assim, ela terá que pagar? SIM. Esse é o teor da Súmula 345-STJ: São devidos honorários
advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que
não embargadas.
 Mas e a regra do art. 1º-D da Lei nº 9.494/97 (“Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública
nas execuções não embargadas”)? O art. 1º-D da Lei nº 9.494/97 não está em confronto com a Súmula 345-STJ? O
STJ entende que a execução INDIVIDUAL destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória
genérica, proferida em ação civil COLETIVA, não é uma “execução comum”. Isso porque essa execução
individual possui uma elevada carga cognitiva, considerando que nela:
• além de ser realizada a individualização e a liquidação do valor devido (definição do quantum debeatur);
• irá ser decidido se o exequente é ou não o titular do direito material reconhecido na ação coletiva.
Em outras palavras, trata-se de uma execução na qual se irá discutir se o exequente é ou não titular do crédito, algo
que não se debate em uma execução “comum”, “tradicional”.
 Súmula 345-STJ e art. 1º-D da Lei 9.494/97 convivem, cada um disciplinando uma situação diferente : Desse
modo, é preciso distinguir as duas situações:
• Súmula 345-STJ: aplica-se para as execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas. Nelas serão
devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública, ainda que esta não tenha apresentado embargos à execução;
• Art. 1º-D da Lei nº 9.494/97: destina-se às execuções típicas do CPC, não se aplicando à peculiar execução da
sentença proferida em ação civil coletiva.
 Art. 85, § 7º, do CPC/15: a polêmica a respeito da validade ou não da Súmula 345-STJ foi reacendida com o
CPC/15. Isso porque ele trouxe, de forma genérica, a seguinte regra: Art. 85. (...) § 7º Não serão devidos honorários
no cumprimento de sentença contra a FP que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.
 A Súmula 345 do STJ perdeu validade com a entrada em vigor do § 7º do art. 85 do CPC/15? NÃO. O STJ
entende que a súmula continua válida mesmo após o CPC/15. Para o STJ, não houve mudança no ordenamento
jurídico, uma vez que o art. 85, § 7º, do CPC/2015 reproduz basicamente o teor normativo contido no art. 1º-D da
Lei 9.494/97, dispositivo que foi analisado quando da edição da súmula. Conforme já explicado, o procedimento de
cumprimento individual de sentença coletiva não pode receber o mesmo tratamento pertinente a um procedimento
de cumprimento comum, uma vez que traz consigo a discussão de uma nova relação jurídica. A sentença coletiva
gera um título judicial genérico, no qual não estão definidas a certeza e a liquidez do direito de cada titular do
crédito a ser executado, atributos que somente poderiam ser identificados e dimensionados mediante a propositura
de execuções individuais, nas quais seriam expostas as peculiaridades de cada demandante, o que implica
complexidade diferenciada no processo executório, a qual persiste mesmo que não tenham sido ajuizados embargos
à execução.
 Apenas para que você entenda melhor (não é tecnicamente correto afirmar isso na prova) : na execução
individual (cumprimento individual) de sentença proferida em ação coletiva, o advogado do exequente (credor) terá
mais “trabalho” do que em uma execução comum (cumprimento comum). Isso porque ele terá que demonstrar que
seu cliente tem direito ao crédito que foi discutido no processo de conhecimento. Assim, como essa comprovação
terá que ser obrigatoriamente feita, são devidos honorários advocatícios mesmo que a Fazenda Pública não
apresente impugnação a esse cumprimento de sentença.
 Tese do STJ: O art. 85, § 7º, do CPC/2015 não afasta a aplicação do entendimento consolidado na Súmula 345
do STJ, de modo que são devidos honorários advocatícios nos procedimentos individuais de cumprimento de
sentença decorrente de ação coletiva, ainda que não impugnados e promovidos em litisconsórcio.

9. PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

9.1. Conversão da ação reintegratória em indenizatória


 Fatos: Em 1990, invasores de baixa renda ocuparam um terreno enorme de João. O proprietário ingressou com
ação de reintegração de posse, tendo sido deferida liminar em 1991. Ocorre que o mandado não foi cumprido em
virtude inicialmente da propositura de inúmeros incidentes processuais e, em seguida, pela ausência de força
policial p/ sua efetivação. Diante da demora para resolver o imbróglio, o Município e o Estado construíram uma
infraestrutura no local para permitir a moradia dos invasores, fazendo ruas e construindo instalações para órgãos
públicos atenderem a população. O juiz constatou, então, que já não era mais possível devolver a posse do terreno
ao proprietário em virtude de a situação das famílias estar consolidada. Por isso, ele decidiu converter, de ofício, a
ação reintegratória em indenizatória (desapropriação indireta), determinando a emenda da inicial, a fim de
promover a citação do Município e do Estado para apresentar contestação e, em consequência, incluí-los no polo
passivo da demanda.
 Decisão: A ação possessória pode ser convertida em indenizatória (desapropriação indireta) - ainda que ausente
pedido explícito nesse sentido - a fim de assegurar tutela alternativa equivalente ao particular, quando a invasão
coletiva consolidada inviabilizar o cumprimento do mandado reintegratório pelo município.
- A conversão operada no caso não configura julgamento ultra petita ou extra petita, ainda que não haja pedido
explícito nesse sentido, diante da impossibilidade de devolução da posse ao autor.
129
- Não há se falar em violação ao princípio da congruência, devendo ser aplicada à espécie a teoria da substanciação,
segundo a qual apenas os fatos vinculam o julgador, que poderá atribuir-lhes a qualificação jurídica que entender
adequada ao acolhimento ou à rejeição do pedido.
- O caso se amolda ao art. 1.228, §§ 4º e 5º, do CC, que trata da desapropriação judicial, chamada também por
alguns doutrinadores de desapropriação por posse-trabalho ou de desapropriação judicial indireta, cujo instituto
autoriza o magistrado, sem intervenção prévia de outros Poderes, a declarar a perda do imóvel reivindicado pelo
particular em favor de considerável número de pessoas que, na posse ininterrupta de extensa área, por mais de
cinco anos, houverem realizado obras e serviços de interesse social e econômico relevante.
- Vale ressaltar que, em regra, o STJ entende que o simples fato de o Estado e o Município terem feito obras de
infraestrutura no local não significa que eles passam a ter responsabilidade pela invasão ou que esta conduta
configure desapropriação indireta. No entanto, no caso concreto, a situação é um pouco diferente. Isso porque ficou
comprovado que os danos causados ao proprietário do imóvel decorreram de atos omissivos e comissivos da
administração pública, tendo em conta que deixou de fornecer a força policial necessária para o cumprimento
domandado reintegratório, ainda na fase inicial da invasão, permanecendo omissa quanto ao surgimento de novas
habitações irregulares, além de ter realizado obras de infraestrutura no local, com o objetivo de garantir a função
social da propriedade, circunstâncias que ocasionaram o desenvolvimento urbano da área e a desapropriação direta
de parte do bem. Assim, o Município e o Estado são sujeitos passivos legítimos da indenização prevista no art.
1.228, § 5º, do CC/2002, visto que os possuidores, por serem hipossuficientes, não podem arcar com o
ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo proprietário do imóvel.

9.2. Ainda existe a ação autônoma de exibição de documentos ou coisas no CPC/2015


 Fatos: João teve seu nome inscrito no cadastro de inadimplentes por indicação do Banco “X”, que informou ao
SPC que ele estaria devendo determinada quantia à instituição financeira. Quando soube da inscrição, João
solicitou do banco, extrajudicialmente, acesso ao contrato que gerou o suposto débito. A instituição financeira,
contudo, não apresentou o contrato. Diante disso, João propôs “ação autônoma de exibição de documentos” em
face do Banco. Na demanda, o autor pediu a exibição do suposto contrato que originou a dívida. A sentença
extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, por carência de ação, pela falta de interesse-adequação. O juiz
entendeu que, com a entrada em vigor do NCPC, a exibição de documentos ou coisas passou a ser prevista
expressamente apenas em caráter incidental, no curso do processo em andamento, nos termos dos arts. 396 a 404
do NCPC.
 Decisão: o juiz não agiu corretamente. O CPC/15 não acabou com a ação autônoma de exibição de documentos
ou coisas. Admite-se o ajuizamento de ação autônoma para a exibição de documento, com base nos arts. 381 e 396
e seguintes do CPC, ou até mesmo pelo procedimento comum, previsto nos arts. 318 e seguintes do CPC.
Apresentado o documento (suposto contrato), o autor definirá se ajuizará ou não ação de conhecimento. Trata-se,
portanto, de ação autônoma de exibição, sendo medida adequada para o objetivo buscado.

9.3. Não é cabível a reconvenção apresentada em embargos de terceiro, sob a égide do CPC/73
 E sob a égide do CPC/2015? Na vigência do CPC/15, é possível a apresentação de reconvenção em embargos de
terceiro? O Min. Relator Ricardo Villas Bôas Cueva afirmou o seguinte em seu voto:(...) anote-se que o CPC/15,
alterando profundamente a sistemática anterior, passou a prever, além da possibilidade de reconvenção e
contestação em peça única (artigo 343), a adoção do procedimento comum após a fase de contestação nos
embargos de terceiro (artigo 679), o que certamente reascenderá a discussão em torno do cabimento da
reconvenção nas demandas ajuizadas sob a égide do novo diploma”.

9.4. Ação de consignação em pagamento: revisão (v. livro).

Se ficar comprovada a insuficiência do depósito, a ação deve ser julgada improcedente: Em ação consignatória, a
insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o
pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional.

Legitimidade do banco de ajuizar ação de consignação em pagamento para pagar dívida que foi gerada contra
cliente em virtude de falha bancária: A instituição financeira possui legitimidade p/ ajuizar ação de consignação
em pagamento visando quitar débito de cliente decorrente de título de crédito protestado por falha no serviço
bancário.

9.5. Ação de exigir contas: É cabível a propositura de ação de prestação de contas para apuração de eventual saldo,
e sua posterior execução, decorrente de contrato relacional firmado entre administradora de consórcios e empresa
responsável pela oferta das quotas consorciais a consumidores. Caso concreto: a empresa 1 celebrou contrato com a
empresa 2, por meio do qual a empresa 1 organizaria e administraria um consórcio e a empresa 2 ficaria
responsável por oferecer e comercializar as quotas consorciais aos consumidores. Vale ressaltar que, depois que o
consumidor firmava o contrato, ele deveria efetuar os pagamentos das prestações diretamente para a empresa 1. A
130
empresa 2 seria remunerada com um percentual dos pagamentos. Ao se analisar o ajuste celebrado, percebe-se que
se trata de relação contratual que configura típico contrato de agência, previsto no art. 710 do CC. No contrato de
agência, tanto uma parte como a outra possuem o dever de prestar contas: O vínculo contratual colaborativo
originado do contrato de agência importa na administração recíproca de interesses das partes contratantes,
viabilizando a utilização da ação da prestação de contas e impondo a cada uma das partes o dever de prestar contas
a outra. Vale ressaltar, por fim, que, mesmo que a empresa 1 já tenha, extrajudicialmente, prestado contas para a
empresa 2, ainda assim persiste o interesse de agir de propor a ação. Isso porque a apresentação extrajudicial e
voluntária das contas não prejudica o interesse processual da promotora de vendas, na hipótese de não serem elas
recebidas como boas, ou seja, caso ela não tenha concordado com os valores demonstrados.

9.6. A prova de quitação dos tributos relacionados com a transmissão patrimonial aos sucessores não é
condição necessária para a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação
 Tributos que devem ser “analisados” em uma sucessão causa mortis : a sucessão causa mortis,
independentemente do procedimento processual adotado, abrange:
1) os tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas (esses tributos compõem o passivo patrimonial deixado
pelo de cujus – suas “dívidas”); e
2) constitui FG dos tributos incidentes sobre a transmissão do patrimônio propriamente dita, dentre eles o ITCM.
 A prova de quitação dos tributos relacionados com a transmissão patrimonial aos sucessores (item 2 acima) é
condição necessária prévia para a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação?
- CPC/73: SIM
- CPC/15: NÃO. O CPC/2015, em seu art. 659, § 2º, trouxe uma significativa mudança normativa no tocante ao
procedimento de arrolamento sumário ao deixar de condicionar a entrega dos formais de partilha ou da carta de
adjudicação à prévia quitação dos tributos concernentes à transmissão patrimonial aos sucessores. De acordo com o
CPC/15, no caso de arrolamento sumário, a partilha amigável será homologada de plano pelo juiz e, transitada em
julgado a sentença, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e rendas por ele abrangidos. Somente após, será
o Fisco intimado para lançamento administrativo do ITCM e de outros tributos porventura incidentes. Assim,
verifica-se que a homologação da partilha amigável pelo juiz, no procedimento de arrolamento sumário, não se
condiciona à prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas.
 Isso significa que no arrolamento sumário é possível homologar a partilha mesmo sem a quitação dos tributos
relativos aos bens do espólio e às suas rendas? NÃO. Não é isso. Em relação ao CPC/73, o NCPC apenas
desvinculou o encerramento do processo de arrolamento sumário à quitação dos tributos gerados com a transmissão
propriamente dita, permitindo que, com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, sejam
expedidos desde logo os respectivos formais ou a carta de adjudicação. Contudo, essa inovação normativa do § 2º
do art. 659 do CPC/2015 em nada altera a condição estabelecida no art. 192 do CTN, de modo que, no arrolamento
sumário, o magistrado deve exigir a comprovação de quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas
rendas para homologar a partilha e, na sequência, com o trânsito em julgado, expedir os títulos de transferência de
domínio e encerrar o processo, independentemente do pagamento do imposto de transmissão. Assim, para que haja
a homologação da partilha, mesmo no caso de arrolamento sumário, continua sendo indispensável que haja a prévia
quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas. Essa exigência, como já dito, tem como
fundamento o art. 192 do CTN, que continua em vigor e deve ser interpretado em conjunto com o art. 659, § 2º do
CPC. Desse modo, segundo o que dispõe o art. 192 do CTN, a comprovação da quitação dos tributos referentes aos
bens do espólio e às suas rendas é condição sine qua non (indispensável) para que o magistrado proceda a
homologação da partilha.

9.7. Tribunal de Justiça não pode editar provimento fixando prazo para a propositura da ação de
restauração de autos: Tribunal de Justiça não tem competência para, por meio de provimento da respectiva
Corregedoria, estabelecer prazo para a propositura de ação de restauração de autos. Caso concreto: houve um
incêndio no fórum de Poção de Pedras (MA) e os autos queimaram. Diante disso, a Corregedoria do TJ/MA editou
um provimento fixando um prazo para que as partes requeressem a restauração dos autos, sob pena de serem
obrigadas a propor novamente a ação principal. O STJ não concordou e afirmou que o TJ não poderia ter editado
essa norma. Ao estabelecer prazo para a propositura da ação de restauração de autos com a apresentação dos
documentos necessários, o TJ/MA editou uma verdadeira norma sobre processo civil (norma processual), cuja
competência legislativa foi atribuída privativamente à União (art. 22, I, CF/88).

10. JUIZADOS ESPECIAIS

10.1. Ação proposta por associação de moradores cobrando taxa de manutenção de loteamento
 O JEC detém competência? SIM, cf. o art. 3º, II da L. 9.099 (o qual, por sua vez, refere-se ao art. 275, II, b do
CPC/73). Vale ressaltar que, mesmo o CPC/73 tendo sido revogado, essa relação prevista no art. 275, II, b ainda é
utilizada para definir a competência dos Juizados Especiais, por força do art. 1.063 do CPC. Assim, o condomínio
possui legitimidade p/ ajuizar ação de cobrança de débitos condominiais no Juizado Especial, sendo de
131
competência do Juizado julgar esta demanda. E no caso de se tratar de associação de moradores? O STJ disse o
seguinte: são situações diferentes, porém, apresentam muita semelhança, de forma que se pode aplicar o mesmo
raciocínio jurídico p/ fins de fixação de competência.
 Essa associação de moradores terá êxito quanto ao mérito? Não. Segundo o STJ, as taxas de manutenção criadas
por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram.

10.2. Lei 13.728/18: novo art. 12-A da Lei 9.099/95, que estabelece a contagem dos prazos em dias úteis nos
Juizados Especiais

DIREITO PENAL

1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

É possível aplicar o princípio da insignificância em favor de um réu reincidente ou que já responda a outros
inquéritos ou ações penais (= contumácia do agente)?
 Jurisprudência: A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além
da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente,
elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. A reincidência não impede, por si só, que o juiz
da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto. Na hipótese de o juiz da
causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações
em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral,
em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, "c", do CP no caso concreto, com base no
princípio da proporcionalidade. STF. Plenário. J. em 03/08/15 e repetido no STF. 1ª T. J. em 28.08.2018.
 Fatos: João foi denunciado por tentar furtar do galinheiro da vítima um galo, quatro galinhas caipiras, uma
galinha garnizé e três quilos de feijão, bens avaliados em pouco mais de cem reais. Nas instâncias inferiores, o
princípio da insignificância foi negado pelo fato de o réu já responder a outra ação penal por furto.
 Decisão: o STF, contudo, decidiu conceder o benefício e absolver o acusado: “Em regra, a habitualidade delitiva
específica (ou seja, o fato de o réu já responder a outra ação penal pelo mesmo delito) é um parâmetro (critério) que
afasta o princípio da insignificância mesmo em se tratando de bem de reduzido valor. Excepcionalmente, no
entanto, as peculiaridades do caso concreto podem justificar o afastamento dessa regra e a aplicação do princípio,
com base na ideia da proporcionalidade. É o caso, p. ex., do furto de um galo, quatro galinhas caipiras, uma galinha
garnizé e três quilos de feijão, bens avaliados em pouco mais de cem reais. O valor dos bens é inexpressivo e não
houve emprego de violência. Enfim, é caso de mínima ofensividade, ausência de periculosidade social, reduzido
grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão jurídica. Mesmo que conste em desfavor do réu outra ação
penal instaurada por igual conduta, ainda em trâmite, a hipótese é de típico crime famélico A excepcionalidade
também se justifica por se tratar de hipossuficiente. Não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho do
Estado-polícia e do Estado-juiz movimente-se no sentido de atribuir relevância a estas situações. STF. 2ª Turma. J.
em 14/8/18.
 Assim, não há uma regra geral e absoluta para a aplicação do princípio da insignificância em favor de
reincidentes ou réus que já possuam outras ações penais. No Info 910, p. ex., foi noticiado um julgado no qual o
STF negou a aplicação do referido princípio tendo como principal fundamento a circunstância de o réu ser
reincidente.

STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, como o réu era reincidente, em vez de absolvê-lo, o
Tribunal utilizou esse reconhecimento para conceder a pena restritiva de direitos, afastando o óbice do art. 44,
II, do CP
 Fatos: Antônio foi denunciado por tentar furtar quatro frascos de xampu de um supermercado, bens avaliados
em R$ 31,20. O réu foi condenado pelo art. 155 c/c art. 14, II, do CP a uma pena de 8 meses de reclusão. Foi
aplicado o regime inicial semiaberto e negada a substituição por pena restritiva de direitos. A defesa impetrou
habeas corpus pedindo a absolvição do condenado com base na aplicação do princípio da insignificância. O
“problema” é que Antônio é reincidente (já possuía uma condenação anterior por furto).
 Decisão: A 1ª Turma do STF adotou uma posição “intermediária”. Como o réu era reincidente em crimes
patrimoniais, o STF decidiu que não se poderia aplicar o princípio da insignificância para absolver o agente. Mas,
apesar disso, o STF concedeu HC de ofício para que a PPL imposta ao condenado seja substituída por PRDs. O
ponto interessante foi o seguinte: pela teoria tradicional, o reconhecimento do princípio da insignificância gera a
absolvição do réu pela atipicidade material. Em outras palavras, o agente não responde por nada. Fica livre. No
caso concreto, contudo, o STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, em vez de absolver o agente, utilizou
esse reconhecimento para conceder a substituição da PPL por PRD, afastando o óbice do art. 44, II, do CP. Desse
modo, o princípio da insignificância pode ser utilizado em alguns casos para não absolver o agente, mas conceder a
ele benefício penal, como por exemplo, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos,
132
mesmo havendo óbice legal. Situação parecida já havia sido reconhecida pelo Plenário do STF no julgado de 2015.
O Min. Alexandre de Moraes afirmou que, em pequenas comunidades, a substituição da pena privativa de liberdade
por medida restritiva de direito, a permitir que as pessoas vejam onde está sendo cumprida, tem valor simbólico e
pedagógico maior do que a fixação do regime semiaberto ou aberto.

É possível aplicar o princípio da insignificância em caso de furto qualificado?


 Fatos: Ex1: réu, em conjunto com outra pessoa, furtou dois sabonetes líquidos avaliados em R$ 40. O STF
negou o princípio da insignificância em razão de ele ter praticado o crime em concurso de agentes, o que
caracteriza furto qualificado, nos termos do art. 155, § 4º, IV, do CP (HC 123.533/SP). Ex2: réu furtou 15 bombons
avaliados em R$ 30. O STF negou o princípio da insignificância em razão de ele ter praticado o crime com
rompimento de obstáculo e mediante escalada, o que caracteriza furto qualificado, nos termos do art. 155, § 4º, I e
II, do CP (HC 123.533/SP).
 Argumentos:  Ao analisar se deverá ser aplicado ou não o princípio da insignificância, é preciso que o Poder
Judiciário avalie as consequências jurídicas e sociais que irão decorrer desse fato.
 Negar a tipicidade a condutas como essa acima exposta significaria afirmar que, do ponto de vista penal, essa
conduta seria lícita, o que não é verdade.
 Vale ressaltar que a vítima, em tese, poderia pleitear uma indenização do agente pelos prejuízos que sofreu. No
entanto, isso, na prática, seria inviável (seria uma possibilidade meramente formal), já que dificilmente alguém
entraria com ação judicial pleiteando um valor tão baixo diante dos custos e do trabalho que essa pessoa teria.
 Sendo assim, se o agente não for punido na esfera penal, ele ficará sem punição alguma, considerando que, como
já dito, a parte lesada raramente ingressa com ação de indenização contra o autor do fato.
 A inação do Estado em punir o infrator que comete crimes considerados insignificantes poderia estimular que a
vítima fizesse justiça privada (“justiça com as próprias mãos”). Assim, a pretexto de favorecer o agente, a
imunização de sua conduta pelo Estado o deixaria exposto a uma situação com repercussões imprevisíveis e mais
graves.
 Desse modo, o julgador, ao analisar a insignificância como requisito negativo da tipicidade, especialmente em se
tratando de crimes contra o patrimônio, deve fazer um juízo (uma avaliação) muito mais abrangente, não podendo
ficar restrito a apenas examinar o resultado da conduta do agente.
 O julgador deverá investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, traduzido pela ausência de
periculosidade social, pela mínima ofensividade e pela ausência de reprovabilidade, de modo a impedir que a
vontade do legislador que editou o crime seja desvirtuada.
 O legislador previu algumas situações em que ele próprio considerou serem de menor importância (ex: art. 155, §
2º do CP). Para que se considere o fato insignificante a ponto de se conduzir à atipicidade da conduta, é necessário
ir além da irrelevância penal prevista em lei.
 Decisão do STJ de 2016:  Como regra, a aplicação do princípio da insignificância tem sido rechaçada nas
hipóteses de furto qualificado, tendo em vista que tal circunstância denota, em tese, maior ofensividade e
reprovabilidade da conduta. Deve-se, todavia, considerar as circunstâncias peculiares de cada caso concreto, de
maneira a verificar se, diante do quadro completo do delito, a conduta do agente representa maior reprovabilidade a
desautorizar a aplicação do princípio da insignificância.

Requisito subjetivo para a aplicação do princípio: o STJ construiu a tese de que, para a aplicação do princípio da
insignificância, além do aspecto objetivo, deve estar presente também o requisito subjetivo. Para o requisito
subjetivo estar presente, o réu não poderá ser um criminoso habitual: “Para a aplicação do princípio da
insignificância aos crimes de descaminho, devem ser preenchidos dois requisitos: a) objetivo: o valor dos tributos
não pagos deve ser inferior a 10 mil reais (para o STJ) ou 20 mil reais (para o STF); b) subjetivo: o agente não pode
se tratar de criminoso habitual. Assim, a reiterada omissão no pagamento do tributo devido nas importações de
mercadorias de procedência estrangeira impede a incidência do princípio da insignificância em caso de persecução
penal por crime de descaminho (art. 334 do CP), ainda que o valor do tributo suprimido não ultrapasse o limite
previsto para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda Nacional”. STJ. 6ª T. J. em 20/5/14.

É possível a aplicação do princípio da insignificância para atos infracionais? Sim, cf. posição pacífica do STF e
do STJ, desde que verificados os requisitos necessários para a configuração do delito de bagatela (HC 112400).

Princípio da insignificância e trânsito em julgado: o princípio pode ser reconhecido mesmo após o trânsito em
julgado da sentença condenatória (HC 95570).

Princípio da insignificância e prisão em flagrante: v. livro (pág. 960).

Princípio da insignificância e infração bagatelar imprópria: v. livro (pág. 960).


133
1.1. Crimes nos quais a jurisprudência reconhece a aplicação do princípio

1) Furto: aplica-se o princípio em determinadas circunstâncias (pág. 961). Furto qualificado: em regra, não se
aplica (pág. 962). Obs.: ver a diferença entre furto insignificante e furto de pequeno valor (pág. 962).

2) Crimes contra a ordem tributária previstos na Lei 8.137/90 e no descaminho (art. 334 do CP): aplica-se o
princípio. – Há limite máximo de valor para que possa ser aplicado o princípio da insignificância nos crimes
tributários? SIM. - Qual é o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários?
Tradicionalmente, esse valor era de 10 mil reais. Assim, se o montante do tributo que deixou de ser pago era igual
ou inferior a 10 mil reais, não havia crime tributário, aplicando-se o princípio da insignificância.
- Qual era o parâmetro para se chegar a esse valor? Esse valor foi fixado pela jurisprudência tendo como base o art.
20 da Lei 10.522/2002, que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou
inferior a R$ 10.000,00. Segundo a jurisprudência, não há sentido lógico permitir que alguém seja processado
criminalmente pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer será cobrado no âmbito administrativo-
tributário. Nesse caso, o direito penal deixaria de ser a ultima ratio.
- Esse valor de 10 mil reais permanece ainda hoje? NÃO. Recentemente, foi publicada a Portaria MF nº 75, de
29/03/2012, na qual o Ministro da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções
fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00”. Diante
desse aumento produzido pela Portaria, começou a ser defendida a tese de que o novo parâmetro para análise da
insignificância penal nos crimes tributários passou de 10 mil reais (de acordo com o art. 20 da Lei n. 10.522/2002)
para 20 mil reais (com base na Portaria MF 75).
- A jurisprudência acolheu essa tese? STF: SIM, de imediato. Para o STF, o fato de as Portarias 75 e 130/2012 do
Ministério da Fazenda terem aumentado o patamar de 10 mil reais para 20 mil reais produz efeitos penais. Logo, o
novo valor máximo para fins de aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários passou a ser de 20
mil reais. STJ: relutou durante anos para aceitar a tese. O STJ, durante anos, ficou decidindo que o valor de 20 mil
reais, estabelecido pela Portaria MF nº 75/12 como limite mínimo para a execução de débitos contra a União, não
poderia ser considerado para efeitos penais (não deveria ser utilizado como novo patamar de insignificância). O
Tribunal apontava dois argumentos principais: i) a opção da autoridade fazendária sobre o que deve ou não ser
objeto de execução fiscal não pode ter a força de subordinar o exercício da jurisdição penal; ii) não é possível
majorar o parâmetro previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002 por meio de uma portaria do Ministro da Fazenda. A
portaria emanada do Poder Executivo não possui força normativa passível de revogar ou modificar lei em sentido
estrito. Porém, O STJ, vendo que as suas decisões estavam sendo reformadas pelo STF, decidiu alinhar-se à
posição do Supremo e passou a também entender que o limite para a aplicação do princípio da insignificância nos
crimes tributários e no descaminho subiu realmente para R$ 20 mil.
- Esse valor deve ser calculado quando? No momento da sentença, ele deve ser atualizado com juros e correção
monetária para saber se passa do teto de R$ 20 mil? NÃO. Para se verificar a insignificância da conduta, deve-se
levar em consideração o valor do crédito tributário apurado originalmente no procedimento de lançamento. Assim,
os juros, a correção monetária e eventuais multas de ofício que incidem sobre o crédito tributário quando ele é
cobrado em execução fiscal não devem ser considerados para fins de cálculo do princípio da insignificância (STJ).
- Para o STF, é possível aplicar o novo limite (de 20 mil reais) mesmo que o fato tenha ocorrido antes da Portaria
75/2012? SIM. Para o STF, o limite imposto por essa portaria (20 mil reais) pode ser aplicado de forma retroativa
para fatos anteriores à sua edição considerando que se trata de norma mais benéfica.
- Esse valor é considerado insignificante tanto no caso de crimes envolvendo tributos federais, como também
estaduais e municipais? NÃO. Esse parâmetro vale, a princípio, apenas para os crimes que se relacionam a tributos
federais, considerando que é baseado no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, que trata dos tributos federais. Assim, esse
é o valor que a União considera insignificante. Para fins de crimes de sonegação fiscal que envolvam tributos
estaduais ou municipais, deve ser analisado se há lei estadual ou municipal dispensando a execução fiscal no caso
de tributos abaixo de determinado valor. Esse será o parâmetro para a insignificância (STJ).

3) Descaminho: aplica-se, inclusive, com base nas explicações e critérios acima. O STJ, porém, afirma que devem
ser preenchidos dois requisitos:  objetivo: valor inferior a R$ 10 mil (STJ) ou R$ 20 mil (STF);  subjetivo: em
regra, o agente não pode se tratar de criminoso habitual (reiteração criminosa). Segundo afirmou o STJ, o princípio
da insignificância é verdadeiro benefício na esfera penal, razão pela qual não há como deixar de se analisar o
passado criminoso do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes pelo mesmo autor, os
quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Imprescindível, assim, o efetivo exame das circunstâncias
objetivas e subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele que reitera e reincide não faz jus a benesses
jurídicas. Assim, agente que reiteradamente comete descaminho poderá ser beneficiado com o princípio da
insignificância?
• Regra: NÃO. Em regra, não se aplica o princípio da insignificância para o agente que praticou descaminho se
ficar demonstrada a sua reiteração criminosa (criminoso habitual).
134
• Exceção: o julgador poderá aplicar o referido princípio se, analisando as peculiaridades do caso concreto,
entender que a medida é socialmente recomendável.

4) Apropriação indébita previdenciária: aplica-se, nos mesmos moldes em que é aplicada ao crime de descaminho.

5) Crimes ambientais: aplica-se, devendo, no entanto, ser feita uma análise rigorosa, considerando que o bem
jurídico protegido é de natureza difusa e protegido constitucionalmente.

6) “Flanelinha” e exercício da profissão sem registro no órgão competente: cf. o art. 1º da L. 6.242/75, o exercício
da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores (“flanelinha”) depende de registro na
Delegacia Regional do Trabalho competente. Diante disso, caso a pessoa exerça a profissão de “flanelinha” sem
estar registrado na Superintendência Regional do Trabalho, ela poderá ser denunciada pela prática da contravenção
prevista no art. 47 da LCP? NÃO. O STF entende que se aplica, à hipótese, o princípio da insignificância, devendo
ser reconhecida a atipicidade material do comportamento do agente. Há mínima ofensividade e reduzida
reprovabilidade da conduta e a falta de registro no órgão competente não atinge, de forma significativa, o bem
jurídico penalmente protegido. Se há algum ilícito, este não é penal, mas apenas de caráter administrativo.
1.2. Crimes nos quais a jurisprudência rejeita a aplicação do princípio
1) Lesão corporal (STJ).
2) Roubo (STF e STJ).
3) Tráfico de drogas (STJ)
4) Moeda falsa (STJ)
5) Outros crimes envolvendo fé pública - ex.: delito de falsificação de documento público (STF).
6) Contrabando, especialmente porque se trata de crime pluriofensivo (STF e STJ). Vale ressaltar, no entanto, que o
STJ possui alguns precedentes admitindo, de forma excepcional, a aplicação deste princípio para o caso de
contrabando de pequena quantidade de medicamento para uso próprio.
7) Estelionato contra o INSS, sob o argumento de que esse tipo de conduta contribui negativamente com o déficit
da Previdência (STF e STJ).
8) Estelionato envolvendo FGTS, sob o argumento de conduta dotada de acentuado grau de reprovabilidade (STF).
9) Estelionato envolvendo o seguro-desemprego, sob o argumento de que se trata de bem protegido a partir do
interesse público (STF).
10) Violação de direito autoral, sob o argumento de que causa prejuízos à indústria fonográfica brasileira, aos
comerciantes legalmente instituídos e ao Fisco (STJ).
11) Posse ou porte de arma de munição, por se tratarem de crime de perigo abstrato, sendo irrelevante inquirir a
quantidade de munição apreendida (STJ). Essa é a regra geral, porém, o STF, em alguns casos, tem reconhecido o
princípio da insignificância para o crime de porte ilegal de munição.
12) Delitos praticados em violência doméstica, dada a relevância penal da conduta. Vale ressaltar que o fato de o
casal ter se reconciliado não significa atipicidade material da conduta ou desnecessidade de pena.
13) Crimes militares: trata-se de tema polêmico, mas a posição majoritária é no sentido de que não se aplica, sob
pena de afronta à autoridade, hierarquia e disciplina, bens jurídicos cuja preservação é importante para o regular
funcionamento das instituições militares. O caso mais comum e que é provável que seja cobrado em prova é o
crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar. Mesmo em reduzida
quantidade, o STF decidiu que não se aplica o princípio da insignificância.

1.3. Crimes nos quais há divergência na jurisprudência


1) Crimes cometidos por Prefeitos (STF entende possível, mas o STJ não).
2) Porte de droga para consumo pessoal (STF tem alguns julgados admitindo a aplicação, mas o STJ diz que não se
aplica).
3) Crimes contra a AP: no STJ, prevalece que não se aplica, o que foi inclusive sumulado (Súmula 599). Há,
porém, uma exceção: admite-se o princípio ao crime de descaminho, que está inserido no Título XI do CP. No STF,
há até mesmo para outras hipóteses além do descaminho. Segundo o entendimento que prevalece no STF, a prática
de crime contra a AP, por si só, não inviabiliza a aplicação do princípio, devendo haver uma análise do caso
concreto para se examinar se incide ou não.
4) Manter rádio comunitária clandestina: STJ: NÃO. É inaplicável o princípio da insignificância ao delito previsto
no art. 183 da Lei 9.472/97, nas hipóteses de exploração irregular ou clandestina de rádio comunitária, mesmo que
ela seja de baixa potência, uma vez que se trata de delito formal de perigo abstrato, que dispensa a comprovação de
qualquer dano (resultado) ou do perigo, presumindo-se este absolutamente pela lei. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma.
J. em 14/02/2017. STF: SIM, é possível, em situações excepcionais, o reconhecimento do princípio da
insignificância desde que a rádio clandestina opere em baixa frequência, em localidades afastadas dos grandes
centros e em situações nas quais ficou demonstrada a inexistência de lesividade. STF. 2ª Turma. J. em 7/2/2017.
5) Crime previsto no art. 34 da L. 9.605/98 (LCA): não se aplica à pesca em período proibido (STF). A
jurisprudência aplica o princípio da insignificância para o crime de pesca ilegal? Essa resposta envolve três
135
afirmações: 1) A jurisprudência entende que, em tese, é possível aplicar o princípio da insignificância para crimes
ambientais. 2) Na prática, a esmagadora maioria dos julgados do STF e STJ nega a incidência do princípio da
insignificância para o delito do art. 34 da Lei 9.605/98. 3) Apesar de não ser comum, a jurisprudência já
reconheceu a aplicação do princípio da insignificância para o delito do art. 34. Se a pessoa é flagrada sem nenhum
peixe, mas portando consigo equipamentos de pesca, em um local onde esta atividade é proibida, ela poderá ser
absolvida do delito do art. 34 da LCA com base no princípio da insignificância? A 2ª Turma do STF possui
decisões conflitantes sobre o tema.

2. TEMAS DA PARTE GERAL

2.1. Continuidade delitiva


 P/ o reconhecimento do crime continuado, são necessários 4 requisitos: 1) pluralidade de condutas (prática de 2
ou mais condutas subsequentes e autônomas); 2) pluralidade de crimes da mesma espécie (prática de dois ou mais
crimes iguais); 3) condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução, entre outras; 4) unidade de
desígnio.
 Quanto ao item 2 (“Pluralidade de crimes da mesma espécie”), o agente deve praticar 2 ou mais crimes da
mesma espécie. Segundo o STJ e o STF, quando o CP fala em crimes da mesma espécie, ele exige que sejam
crimes previstos no mesmo tipo penal, protegendo igual bem jurídico. Desse modo, para que seja reconhecida a
continuidade delitiva, é necessário que o agente pratique dois ou mais crimes idênticos (ex.: quatro furtos simples
consumados e um tentado). Se a pessoa comete um furto e depois um roubo, não há continuidade delitiva. Se a
pessoa pratica um roubo simples e, em seguida, um latrocínio, igualmente, não haverá crime continuado. Para que
haja continuidade, repita-se, é indispensável que os crimes sejam previstos no mesmo dispositivo legal e protejam o
mesmo bem jurídico. Importante. Também não se reconhece continuidade delitiva entre roubo e latrocínio.

2.2. Prescrição

Interpretação do art. 112 do CP: Se o MP não recorreu contra a sentença condenatória, tendo havido apenas
recurso da defesa, qual deverá ser o termo inicial da prescrição da pretensão executiva? O início do prazo da
prescrição executória deve ser o momento em que ocorre o trânsito em julgado para o MP? Ou o início do prazo
deverá ser o instante em que se dá o trânsito em julgado para ambas as partes, ou seja, tanto para a acusação como
para a defesa?
• Posicionamento pacífico do STJ: o termo inicial da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em
julgado da sentença condenatória para a acusação, ainda que a defesa tenha recorrido e que se esteja aguardando o
julgamento desse recurso. Aplica-se a interpretação literal do art. 112, I, do CP, considerando que ela é mais
benéfica ao condenado.
• Entendimento da 1ª Turma do STF: o início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando a
pretensão executória pode ser exercida. Se o Estado não pode executar a pena, não se pode dizer que o prazo
prescricional já está correndo. Assim, mesmo que tenha havido trânsito em julgado para a acusação, se o Estado
ainda não pode executar a pena (ex.: está pendente uma apelação da defesa), não teve ainda início a contagem do
prazo para a prescrição executória. É preciso fazer uma interpretação sistemática do art. 112, I, do CP. Vale
ressaltar que, com o novo entendimento do STF admitindo a execução provisória da pena, para essa 2ª corrente
(Min. Roberto Barroso) o termo inicial da prescrição executória será a data do julgamento do processo em 2ª
instância. Isso porque se estiver pendente apenas recurso especial ou extraordinário, será possível a execução
provisória da pena. Logo, já poderia ser iniciada a contagem do prazo prescricional.
*Atenção: essa discussão era bastante relevante entre 2009 e 2016, quando a tese majoritária no STF era que a
prisão só ocorreria com o trânsito em julgado da sentença condenatória, pois o art. 112, I do CP fazia com que:
• se o réu fosse condenado, a defesa recorresse e o MP não, esse condenado não podia iniciar o cumprimento da
pena enquanto estivesse pendente o recurso;
• apesar disso, pela redação literal do art. 112, I, do CP, já começava a correr o prazo da prescrição executória.

Cartório que não certificou o dia do recebimento da sentença


 O que significa “publicação da sentença” para os fins do art. 117, IV, do CP? Quando a sentença é considerada
publicada? No dia em que ela é divulgada na imprensa oficial? NÃO. O CPP prevê quando a sentença é publicada:
Art. 389. A sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a
em livro especialmente destinado a esse fim.
 “Em mão do escrivão”: o que significa isso? “Em mão do escrivão” significa quando a sentença sai do gabinete
do juiz e é entregue ao escrivão ou diretor de secretaria, sendo isso consignado nos autos por termo e registrado em
um livro especial. Normalmente, é o mesmo dia em que a sentença é assinada ou um dia depois no máximo a
depender do volume de trabalho no cartório.
 Publicação da sentença não se confunde com intimação da sentença :
136
• Publicação: a publicação é o ato de tornar pública a decisão, e daí em diante, imutável por seu próprio prolator.
Isso ocorre quando a sentença é entregue “em mão do escrivão”, ou seja, quando é assinada pelo juiz e entregue na
Secretaria da Vara para os procedimentos cabíveis. Nesse momento, a sentença é pública. A publicidade da
sentença se mostra como requisito indispensável à própria existência do ato. Trata-se de um autêntico ato
processual.
• Intimação: a intimação é o ato de formalmente dar ciência, de maneira específica às partes acerca do julgado.
 Tese da defesa: A defesa alegou que não existe, nos autos, uma informação dizendo expressamente quando
ocorreu a publicação da sentença, ou seja, quando ela foi entregue “em mão do escrivão”. Logo, essa omissão do
cartório em certificar o dia da entrega da sentença não pode prejudicar o réu, devendo-se considerar que a sentença
foi publicada no mesmo dia da intimação. Em outras palavras, a defesa afirmou o seguinte: eu sei que publicação é
diferente de intimação. No entanto, como não há data de publicação certificada nos autos, a única solução é
considerar que isso aconteceu no dia da intimação. Assim, entre a data do recebimento da denúncia (28/09/2010) e
a data da publicação da sentença (30/09/2014) passaram-se mais de 4 anos. Logo, houve prescrição.
 Resposta do MP: O MP não concordou com o pedido da defesa e argumentou que o dia em que houve o
lançamento de movimentação dos autos na internet pode ser considerado como data em que os autos foram
entregues em mão para o escrivão. Logo, pode-se considerar o dia 26/09/2014 como sendo a data de publicação da
sentença. Assim, entre a data do recebimento da denúncia (28/09/2010) e a data da movimentação dos autos na
internet (26/09/2014) não se passaram mais de 4 anos. Logo, não houve prescrição. A questão chegou ao STJ.
 Decisão: a tese escolhida foi a da defesa. A publicação da sentença é ato complexo que somente se aperfeiçoa
com a realização de três providências cartorárias: 1) o recebimento da sentença pelo escrivão; 2) a lavratura nos
autos do respectivo termo; e 3) o registro em livro especialmente destinado para esse fim. No caso concreto, as
formalidades não foram adequadamente cumpridas. Isso porque não houve lavratura do termo nem registro em
livro especial. O que existe é, apenas e tão somente, o lançamento do andamento processual “Mandado
Expeçasentença”, registrado junto ao sistema eletrônico de gerenciamento de processos (eJUD) do Tribunal. Para o
STJ, esse registro na internet não pode ser caracterizado como ato processual. Trata-se apenas de uma facilidade
oferecida aos jurisdicionados para que possam acompanhar com maior comodidade o andamento dos feitos
judiciais. Assim, o simples registro de movimentação dos autos físicos na internet possui um cunho meramente
informativo (não vinculativo) e que não gera qualquer efeito legal. Como via de consequência, sob a ótica do
direito penal, esse registro na internet não possui o condão de interromper o lapso prescricional, na forma do art.
117, IV, do CP. Portanto, em havendo dúvida resultante da omissão do cartório em certificar a data de recebimento
da sentença, deve-se considerar como data de publicação o primeiro ato que demonstrou, de maneira incontestável,
a ciência da sentença pelas partes (e não a data do mero lançamento de movimentação dos autos na internet).
Assim, não tendo sido cumpridos os requisitos elencados no art. 389 do CPP, não se pode considerar que a
prescrição tenha sido interrompida.

2.3. Penas Restritivas de Direito

Juiz não deve decretar o arresto dos bens do condenado como forma de cumprimento forçado da prestação
pecuniária (PRD)
 Fatos: João foi condenado a pena de 3 anos de reclusão pela prática do crime de falsidade ideológica (art. 299
do CP). Na sentença, o juiz substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: a) prestação de
serviços à comunidade; b) prestação pecuniária no valor total de R$ 100 mil, montante a ser pago parceladamente
em 36 prestações mensais. O MP afirmou que o prazo para cumprimento da prestação pecuniária é muito longo (36
meses) e que haveria o risco de o condenado não pagar. Diante disso, o MP pediu ao juiz que decretasse o arresto
dos bens do sentenciado, ou seja, eles ficariam indisponíveis para venda.
 Decisão: o pedido do MP não deverá ser deferido. Descumprimento da PRD gera a reconversão em PPL (art.
44, § 4º do CP). Desse modo, a legislação previu uma consequência específica para o caso de descumprimento da
pena restritiva de direitos. Isso significa que, se o réu não pagar a prestação pecuniária, a medida a ser adotada pelo
juiz não é a alienação dos bens do condenado para pagamento da dívida, mas sim o “retorno” da PPL. Logo, não
faz sentido decretar o arresto dos bens do condenado considerando que, mesmo que ele descumpra a prestação
pecuniária (espécie de pena restritiva de direitos), não haverá uma execução (cobrança judicial) da quantia. O que
terá que ser feito é a conversão dessa PRD em PPL.

2.4. Execução da pena de multa: O MP possui legitimidade para propor a cobrança de multa decorrente de
sentença penal condenatória transitada em julgado, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda
Pública. Quem executa a pena de multa?
• Prioritariamente: o Ministério Público, na vara de execução penal, aplicando-se a LEP.
• Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias após ser devidamente intimado: a Fazenda Pública irá
executar, na vara de execuções fiscais, aplicando-se a Lei nº 6.830/80.
 Procedimento: Agora, com a decisão do STF, o juiz deverá intimar o MP e o MP irá propor a execução da multa
na vara de execução penal. Caso o MP, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90
137
dias, o juiz da execução criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou
estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a observância do rito
da Lei 6.830/80. Obs: se João tivesse sido condenado pela Justiça Federal, quem iria ingressar com a execução
seria prioritariamente o MPF e, apenas subsidiariamente, a União, por intermédio da Procuradoria da Fazenda
Nacional.
 O que acontece com o entendimento do STJ manifestado na Súmula 521? Fica superado e a súmula será
cancelada. Isso porque a decisão do STF foi proferida em ação direta de inconstitucionalidade, possuindo, portanto,
eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 102, § 2º, da CF).

2.5. Regime inicial: João, reincidente, foi condenado a uma pena de 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime inicial
fechado, pela prática do crime de furto simples (art. 155, caput, do CP). A defesa postulou a aplicação do regime
aberto com base no princípio da insignificância, considerado o objeto furtado ter sido apenas uma garrafa de licor.
O STF decidiu impor o regime semiaberto. Entendeu-se que, de um lado, o regime fechado deve ser afastado. Por
outro, não se pode conferir o regime aberto para um condenado reincidente, uma vez que isso poderia se tornar um
incentivo à criminalidade, ainda mais em cidades menores, onde o furto é, via de regra, perpetrado no mesmo
estabelecimento. A reincidência delitiva do paciente, que praticou o quinto furto em pequeno município, eleva a
gravidade subjetiva de sua conduta.

3. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO


3.1. Furto

Sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a consumação do furto
 Dentre as teorias, foi adotada no Brasil a que diz que o art. 17 do CP adotou a teoria absolutamente idôneos.
 Fatos: João ingressa em um supermercado e, na seção de eletrônicos, subtrai para si um celular que estava na
prateleira. Ele não percebeu, contudo, que acima deste setor havia uma câmera por meio da qual o segurança do
estabelecimento monitorava os consumidores, tendo este percebido a conduta de João. Quando estava na saída do
supermercado com o celular no bolso, João foi parado pelo segurança do estabelecimento, que lhe deu voz de
prisão e chamou a PM, que o levou até a Delegacia. João foi denunciado pela prática de tentativa de furto. A defesa
alegou a tese do crime impossível por ineficácia absoluta do meio: como existia uma câmera acima da prateleira,
não haveria nenhuma chance de o réu conseguir furtar o objeto sem ser visto. O cometimento do crime seria
impossível porque o meio por ele escolhido (furtar um celular que era vigiado por uma câmera) foi absolutamente
ineficaz.
 A tese da defesa é aceita pela jurisprudência? O simples fato de o estabelecimento contar com sistema de
segurança ou vigilância eletrônica (câmera) já é suficiente para caracterizar o crime impossível? NÃO. A existência
de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no
interior de estabelecimento comercial. No caso de furto praticado no interior de estabelecimento comercial
(supermercado, p. ex.) equipado com câmeras e segurança, a jurisprudência entende que, embora esses mecanismos
de vigilância tenham por objetivo evitar a ocorrência de furtos, sua eficiência apenas MINIMIZA as perdas dos
comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto (por completo), a ocorrência de furtos nestes locais.
Existem muitas variáveis que podem fazer com que, mesmo havendo o equipamento, ainda assim o agente tenha
êxito na conduta. Exs.: o equipamento pode falhar, o vigilante pode estar desatento e não ter visto a câmera no
momento da subtração, o agente pode sair rapidamente da loja sem que haja tempo de ser parado etc. É certo que,
na maioria dos casos, o agente não conseguirá consumar a subtração do produto por causa das câmeras; no entanto,
sempre haverá o risco de que, mesmo com todos esses cuidados, o crime aconteça. Desse modo, concluindo: na
hipótese aqui analisada, não podemos falar em ABSOLUTA ineficácia do meio. O que se tem, no caso, é a
inidoneidade RELATIVA do meio. Em outras palavras, o meio escolhido pelo agente é relativamente ineficaz,
visto que existe sim uma possibilidade (ainda que pequena) de o delito se consumar. Sendo assim, se a ineficácia
do meio deu-se apenas de forma relativa, não é possível o reconhecimento do instituto do crime impossível,
previsto no art. 17.
 A decisão foi proferida pelo STF. Mas, o STJ já editou Súmula 567-STJ: Sistema de vigilância realizado por
monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não
torna impossível a configuração do crime de furto.

Furto de “cofrinho” contendo R$ 4,80 de uma instituição de combate ao câncer, mediante induzimento de filho
de 9 anos
 Fatos: Vânia estava com seu filho de 9 anos na Associação dos Voluntários de Combate ao Câncer, uma
associação civil sem fins lucrativos. Vânia viu um “cofrinho” de moedas em cima da mesa. Ela, então, falou para o
seu filho pegar o “cofrinho” sem que ninguém visse e o colocasse na sua bolsa. O filho fez isso. O fato, contudo,
foi presenciado pela voluntária que trabalha na associação. Assim, quando Vânia e o filho estavam saindo foram
abordadas pela diretora da associação. O caso foi levado à autoridade policial e Vânia denunciada por furto. Em sua
defesa ela invocou o princípio da insignificância considerando que dentro do “cofrinho” havia apenas R$ 4,80.
138
 Decisão: o STJ refutou a tese. O STJ entendeu que, no caso concreto, não se podia falar em mínima
ofensividade nem havia reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Isso porque para conseguir a
subtração do bem, a ré induziu que seu próprio filho fosse pegar o objeto. Além disso, o crime foi praticado contra
uma instituição sem fins lucrativos que dá amparo a crianças com câncer. Ainda que irrelevante a lesão pecuniária
provocada, porque inexpressivo o valor do bem, a repulsa social do comportamento é evidente.

O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) antes do oferecimento da
denúncia é causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.684/2003?
 Fatos: João foi preso em flagrante e denunciado em razão da prática do crime de furto de energia elétrica (art.
155, § 3º do CP). Antes do recebimento da denúncia, João pagou toda a dívida cobrada pela concessionária de
energia elétrica referente aos meses em que houve “gato”. Em razão disso, a defesa pediu a extinção da
punibilidade, com base no art. 9º da Lei nº 10.684/2003.
 Lei nº 12.382/2011: Em 2011, foi editada a Lei 12.382, que alterou o art. 83 da Lei 9.430/96 e passou a dispor
sobre os efeitos do parcelamento e do pagamento dos créditos tributários no processo penal. O art. 9º da Lei
10.684/2003 e o art. 83 da Lei 9.430/96 mencionam os crimes aos quais são aplicadas suas regras: • arts. 1º e 2º da
Lei nº 8.137/90; • art. 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária); • Art. 337-A do CP (sonegação de
contribuição previdenciária). Repare, portanto, que o furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) não está listado
nessas duas leis.
 Mesmo sem o furto de energia elétrica estar previsto, não é possível aplicar essas regras por analogia em favor
do réu? O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) antes do oferecimento da
denúncia é causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.684/2003?
6ª Turma do STJ: SIM O valor fixado como contraprestação de serviços públicos essenciais como a energia elétrica
e a água, conquanto não seja tributo, possui natureza jurídica de preço público, aplicando-se, por analogia, as
causas extintivas da punibilidade previstas para os crimes tributários. STJ. 6ª Turma. J. em 26/09/2017.
5ª Turma do STJ: NÃO O furto de energia elétrica não pode receber o mesmo tratamento dado aos crimes
tributários, considerando serem diversos os bens jurídicos tutelados e, ainda, tendo em vista que a natureza jurídica
da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, é de tarifa ou preço
público, não possui caráter tributário, em relação ao qual a legislação é expressa e taxativa. Nos crimes
patrimoniais existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena, qual seja, o instituto do
arrependimento posterior, previsto no art. 16 do CP.

3.2. Roubo

Abolitio Criminis promovida pela Lei 13.654/18 no roubo praticado com “arma branca”: v. livro.

3.3. Lei 13.654/2018: Furto e roubo envolvendo explosão de caixas eletrônicos: v. livro.

4. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

4.1. Somente ocorre o delito do art. 229 do CP se houver exploração sexual, ou seja, violação à dignidade sexual
 Fatos: João era proprietário de um bar e restaurante denominado “Tesouro”. O agente, pretendendo aumentar a
clientela e auferir maiores lucros, convidou mulheres de cidades próximas para se prostituírem no local. Para tanto,
acertou com elas que forneceria hospedagem e alimentação em troca da realização de programas sexuais com clientes
do estabelecimento. Cf. ficou combinado, quando os clientes chegassem ao local as garotas os convenceriam a pagar
bebidas, que eram vendidas por doses e em valores superiores ao de mercado. Em seguida, essas mulheres acertariam
com os clientes a realização de programa sexual num dos quartos do local, mediante o pagamento de valor ao dono do
estabelecimento. Ao fim, a mulher ficaria com o valor correspondente ao programa enquanto o denunciado ganharia
com a venda das bebidas e com o aluguel dos quartos. Diante desses fatos, o MP ofereceu denúncia contra João pela
prática do crime previsto no art. 229 do CP.
 Decisão: o STJ entendeu que não houve crime. Argumentos:
1) A finalidade específica e exclusiva do local deve ser a exploração sexual;
2) É necessário o tolhimento à liberdade da pessoa. Isso porque agora o tipo penal do art. 229 do CP fala em
“exploração sexual”. Segundo entendeu a 6ª Turma, somente ocorre exploração sexual, para os fins do art. 229 do CP,
quando houve uma violação à dignidade sexual, um cerceamento à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia
carnal.
3) Punir a conduta de manter um local onde as pessoas possam se prostituir com segurança gera mais riscos e perigos:
o Brasil não pune a prostituição em si, de modo que não se deve impedir que pessoas maiores de idade disponham de
um lugar para o exercício voluntário dessa atividade sexual. A única exigência é que as pessoas que estão se
prostituindo não estejam sendo “exploradas”. Proibir esses locais onde a pessoa possa se prostituir com segurança, em
última análise, significa lançar tais pessoas às mais diversas situações de risco e vulnerabilidade, expondo-as aos
perigos da rua.
139
 Resumo: Mesmo após as alterações legislativas introduzidas pela Lei 12.015/09, a conduta consistente em manter
Casa de Prostituição segue sendo crime tipificado no art. 229 do CP. Todavia, com a novel legislação, passou-se a
exigir a “exploração sexual” como elemento normativo do tipo, de modo que a conduta consistente em manter casa
para fins libidinosos, por si só, não mais caracteriza crime, sendo necessário, para a configuração do delito, que haja
exploração sexual, assim entendida como a violação à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia carnal. Não
se tratando de estabelecimento voltado exclusivamente para a prática de mercancia sexual, tampouco havendo notícia
de envolvimento de menores de idade, nem comprovação de que o réu tirava proveito, auferindo lucros da atividade
sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das
pessoas, não há falar em fato típico a ser punido na seara penal. Não se trata do crime do art. 229 do CP.

4.2. Ação penal


 Após a Lei 13.718/18: a ação penal é sempre pública incondicionada p/ todos os crimes contra a dignidade sexual.
Mesmo que o art. 225 do CP fale apenas nos Capítulos I e II do Título VI, com base no art. 100 do CP, chega-se à
conclusão de que todos os crimes contra a dignidade sexual envolvem ação penal pública incondicionada.
 Em 1984, quando a regra era a de que se tratava de ação penal privada, o STF editou uma súmula afirmando que
no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada (Súmula 608). Com a
edição da Lei 12.015/2009, a maioria da doutrina defendeu a ideia de que esta súmula teria sido superada. Isso porque
o caput do art. 225 do CP falava que a regra geral no estupro era a ação pública condicionada. Ao tratar sobre as
exceções nas quais o crime será de ação pública incondicionada, o p. u. do art. 225 não falava em estupro com
violência real. Logo, p/ os autores, teria havido omissão voluntária do legislador. Mas, a 1ª T. do STF não acatou esta
tese (J. em 27/2/18).
 Vale ressaltar que é dispensável a ocorrência de lesões corporais para a caracterização da violência real nos crimes
de estupro. Em outras palavras, mesmo que a violência praticada pelo agressor não deixe marcas, não gere lesões
corporais na vítima, ainda assim a ação será pública incondicionada. Foi o que decidiu a 2ª T. do STF recentemente:
“Nos termos da Súmula 608 do STF, no crime de estupro praticado mediante violência real, a ação é pública
incondicionada. O entendimento dessa súmula pode ser aplicado independentemente da existência da ocorrência de
lesões corporais nas vítimas de estupro. A violência real se caracteriza não apenas nas situações em que se verificam
lesões corporais, mas sempre que é empregada força física contra a vítima, cerceando-lhe a liberdade de agir
segundo a sua vontade. Assim, se os atos foram praticados sob grave ameaça, com imobilização de vítimas, uso de
força física e, em alguns casos, com mulheres sedadas, trata-se de crime de estupro que se enquadra na Súmula 608
do STF e que, portanto, a ação é pública incondicionada” (J. em 05/06/18).
 A Lei 13.718/18 retirou qualquer dúvida que ainda poderia existir e, portanto, a Súmula 608 continua válida, em
que pese ser atualmente inútil.
 Por que a ação penal nos crimes sexuais (que são delitos graves e abomináveis) eram, em regra, de ação penal
pública condicionada à representação? Para evitar o strepitus judicii do processo (“o escândalo decorrente do
julgamento”) e a revitimização (sofrimento continuado ou repetido da vítima ao ter que relembrar os fatos).

4.3. Lei 13.718/18: importantes mudanças nos crimes sexuais: v. livro.


1) Inserção de novo crime: importunação sexual.
2) Novo crime: divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia
3) Alteração no crime de estupro de vulnerável
4) Nova causa de aumento de pena para os estupros coletivo e corretivo (art. 226 do CP).
5) Novas causas de aumento de pena para os crimes contra a dignidade sexual (art. 234-A do CP).
6) Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual.

4.4. Lei 13.772/18: crime de registro não autorizado da intimidade sexual: v. livro (art. 216-B do CP).

5. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

5.1. Contrabando/Descaminho – Competência da Justiça Federal: v. Processo Penal.

5.2. Conceito de funcionário público para fins penais

Diretor de organização social é considerado funcionário público por equiparação para fins penais
 Revisão: v. livro.
 Fatos: O “Instituto de Solidariedade” é uma organização social que celebrou contrato de gestão com a AP do
DF. João é diretor do Instituto. A referida OS recebeu R$ 300k do Governo do DF para prestar serviços de
assistência social a pessoas carentes. Ocorre que João desviou parte dessa quantia em proveito próprio. Diante
disso, o MP denunciou o agente pela prática de peculato-desvio, delito tipificado no art. 312 do CP. Segundo o MP,
João deveria ser considerado funcionário público por equiparação, nos termos do art. 327, § 1º do CP. A defesa do
réu refutou essa afirmação e alegou que João não poderia ser enquadrado no art. 327, § 1º, porque ele era diretor
140
em um instituto que possui natureza jurídica de “organização social” e as organizações sociais não fazem parte da
AP nem podem ser consideradas entidades paraestatais. Para a defesa, o conceito de entidade paraestatal deve ser
interpretado conforme o art. 84, § 1º, da Lei 8.666/93, o qual não inclui as organizações sociais.
 Decisão: o STF acolheu a argumentação do MP. O STF, adotando lição da Prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
entendeu que as organizações sociais que celebram contratos de gestão devem ser consideradas “entidades
paraestatais”. Mas e o art. 84, § 1º, da Lei 8.666/93? Não importa para nada aqui. O art. 84, § 1º, da Lei nº 8.666/93
tem influência, ou seja, repercute no âmbito administrativo, mas não constitui parâmetro interpretativo para os crimes
definidos no CP. Para os crimes funcionais, o CP traz uma regra específica no art. 327. Vale ressaltar que o legislador
fez questão de fornecer, no CP, um conceito mais amplo do que o utilizado no D. Administrativo. Assim, o conceito
de funcionário público previsto no art. 327 do CP não se confunde com as definições próprias do direito
administrativo. O caput do dispositivo, que serve como referencial interpretativo dos parágrafos, estabelece que o
conceito de funcionário público agasalhado pelo estatuto é “para os efeitos penais”. Além disso, o título é mais
abrangente do que o geralmente adotado no âmbito do direito administrativo, pois abarca funções temporárias e não
remuneradas. Trata-se, portanto, de um conceito instrumental concebido pelo legislador unicamente para fins de
aplicação da lei penal. A figura equiparada do § 1º é ainda mais ampla. Considera-se funcionário público, para fins
penais, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade parestatal. Recebe igualmente essa qualificação “quem
trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da AP”. Os
requisitos não são cumulativos, e sim, disjuntivos. Isso quer dizer que a acusação não precisa comprovar que a
entidade paraestatal executa atividade típica da AP.
 O art. 327, § 1º, é exemplo de norma penal em branco? NÃO. O art. 327, tanto no caput como no § 1º, não pode
ser considerado como norma penal em branco. Não é necessário buscar seu complemento em outro ato normativo. Na
verdade, o art. 327 do CP é uma norma interpretativa.
 São considerados “funcionários públicos” para fins penais : Diretor de organização social; Administrador de
Loteria; Advogados dativos; Médico de hospital particular credenciado/conveniado ao SUS (após a Lei 9.983/00);
Estagiário de órgão ou entidade públicos. Cuidado: Depositário judicial NÃO é considerado funcionário público
Depositário judicial não é funcionário público para fins penais, porque não ocupa cargo público, mas a ele é atribuído
um munus, pelo juízo, em razão do fato de que determinados bens ficam sob sua guarda e zelo. STJ. 6ª Turma. J. em
13/03/18.

5.3. Depositário judicial que vende os bens não pratica peculato


 Fatos: A FP estadual ingressou com execução fiscal contra a empresa JC Calçados. Foram penhorados 200 pares
de sapatos, avaliados em R$ 10k. O juiz da execução determinou que João (sócio) deveria ficar como depositário
judicial desses sapatos. Alguns meses depois o juiz expediu mandado de constatação e reavaliação dos bens (sapatos).
O oficial de justiça certificou ser inviável o cumprimento da determinação judicial porque o estabelecimento
comercial encontrava-se fechado. Houve, então, determinação judicial para que João apresentasse os bens penhorados
ou o dinheiro correspondente. Ele informou que os havia vendido. Interrogado no IP, João declarou que vendeu os
pares de calçados porque ele necessitava de dinheiro para pagar seus funcionários. Assim, o MP denunciou João pela
prática do crime de peculato (art. 312). Segundo o MP, João, na condição de depositário judicial, é um “auxiliar do
juízo” (art. 149 do CPC), devendo, portanto, ser considerado como funcionário público para os fins penais, nos termos
do art. 327.
 Decisão: o STJ não acolheu a tese do MP. Comete peculato o funcionário público que se apropria de bem móvel
de que tem a posse em razão do cargo. A definição legal de cargo público é fornecida pela Lei nº 8.112/90. O
depositário judicial não ocupa cargo criado por lei, não recebe vencimento nem tem vínculo estatutário. Trata-se de
uma pessoa que, embora tenha que exercer uma função no interesse público do processo judicial, é estranha aos
quadros da justiça e, pois, sem ocupar qualquer cargo público, exerce um encargo por designação do juiz (munus
público). Não ocupa, de igual modo, emprego público nem função pública. É, na verdade, um auxiliar do juízo que
fica com o encargo de cuidar de bem litigioso. Desse modo, a conduta não se enquadra na figura típica do art. 312 do
CP, porque não há funcionário público, para fins penais, nos termos do art. 327 do CP, em razão da ausência da
ocupação de cargo público.
 Obs.: o STJ decidiu apenas que a conduta do depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o
crime de peculato, pois não é funcionário público e não ocupa cargo público. No entanto, a depender das
peculiaridades do caso concreto, a conduta pode configurar, em tese, os tipos penais dos arts. 168, § 1º, II, 171 ou 179
do CP.
 Responsabilização civil do depositário: No âmbito cível, o depositário infiel poderá ser responsabilidade pelas
perdas e danos que causou. No entanto, este ressarcimento deverá ser feito em processo autônomo, não podendo
ocorrer dentro da própria execução fiscal onde o depósito foi originalmente decretado.

5.4. Corrupção passiva não exige a comprovação de que a vantagem indevida esteja vinculada à prática de
“ato de ofício” por parte do funcionário público
 Fatos: Gilberto era funcionário da “Avitation Ltda.”, uma empresa privada concessionária do uso de área destinada
a carga e descarga de aeronaves no Aeroporto Internacional de São Paulo. Gilberto trabalhava no local controlando as
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cargas que vinham nas aeronaves. Housseim, fugindo das autoridades do Líbano, fugiu daquele país em um avião de
carga e chegou no Aeroporto de São Paulo. Ele foi encontrado por Gilberto, tendo oferecido ao brasileiro R$ 1 mil
para que ele o ajudasse a ingressar no país, sem ser visto pela PF. Gilberto aceitou a proposta, mas foi flagrado pelas
câmeras do aeroporto e preso pela PF. O MPF denunciou Gilberto pela prática de corrupção passiva, delito tipificado
no art. 312 do CP e Housseim pela prática de corrupção ativa (art. 333 do CP). O juiz absolveu os réus sob o
argumento de que Gilberto não detinha competência para permitir a entrada de estrangeiro, circunstância que excluiria
os crimes. O magistrado afirmou que controlar a entrada dos estrangeiros no Brasil não era um “ato de ofício” de
Gilberto e, portanto, faltou um elemento objetivo dos tipos acima descritos.
 Decisão: o STJ concordou com o juiz em relação a Husseim, mas não em relação a Gilberto.
 Corrupção passiva não exige que o ato que o agente prometeu praticar esteja dentro de suas competências formais:
Ao se ler o art. 317 do CP percebe-se que o agente deve ter solicitado ou recebido a vantagem “em razão” da sua
função. Isso não significa, contudo, que o ato que ele prometeu praticar deve estar dentro das competências formais
do agente. Assim, para a configuração do delito de corrupção passiva exige-se apenas que haja um nexo causal entre a
oferta (ou promessa) de vantagem indevida e a função pública exercida. Em outras palavras, o agente recebeu “em
razão” da função que ele exerce. No entanto, não é necessário que o ato esperado pelo agente esteja dentro das
competências formais do agente.
 Exigência de “ato de ofício” aparece apenas para o crime de corrupção ativa : a expressão “ato de ofício” aparece
apenas no caput do art. 333 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção ativa, e não no caput do art.
317 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção passiva. Ao contrário, no que se refere a corrupção
passiva, a expressão “ato de ofício” figura apenas na majorante do art. 317, § 1º, do CP e na modalidade privilegiada
do § 2º do mesmo dispositivo, o que reforça a ideia de que o caput do art. 317 do CP não exige ato de ofício.
 Não foi atecnia do legislador, mas sim opção legislativa : no caso de crime de corrupção passiva (art. 317 do CP), o
legislador não praticou uma atecnia, ou falou menos do que desejava. Houve, na verdade, uma nítida opção legislativa
direcionada a ampliar a abrangência da incriminação por corrupção passiva, quando comparada ao tipo de corrupção
ativa, a fim de potencializar a proteção ao aspecto moral do bem jurídico protegido (a probidade da AP). Assim, “Para
a aptidão de imputação de corrupção passiva, não é necessária a descrição de um específico ato de ofício, bastando
uma vinculação causal entre as vantagens indevidas e as atribuições do funcionário público, passando este a atuar não
mais em prol do interesse público, mas em favor de seus interesses pessoais” (STF).
 Conclusões: 1ª) não tem razão o MP quando pleiteia a condenação de Housseim, pois o tipo penal a ele imputado,
de fato, exige que a vantagem indevida seja oferecida ou prometida para determinar que funcionário público pratique,
omita ou retarde ato de ofício, isto é, que está dentro de suas atribuições funcionais formais. Como Gilberto não tinha
competência para realizar controle imigratório no Aeroporto Internacional de São Paulo/SP, Housseim não ofereceu
nem prometeu vantagem indevida a funcionário público para que ele praticasse “ato de ofício”; 2ª) tem razão o MP
quando pleiteia a condenação de Gilberto.
 Mas, para condenar por corrupção passiva não se exige que também se condene pela corrupção ativa? NÃO.
Prevalece o entendimento de que, via de regra, os crimes de corrupção passiva e ativa, por estarem previstos em tipos
penais distintos e autônomos, são independentes, de modo que a comprovação de um deles não pressupõe a do outro.

5.5. O pagamento integral do imposto sonegado extingue apenas a punibilidade da sonegação fiscal, mas não
influencia no delito de corrupção ativa que foi praticado em conjunto pelo agente
 Fatos: João, sócio de uma empresa, ofereceu e pagou vantagem pecuniária (propina) ao fiscal de tributos para que
pudesse recolher um valor menor de imposto do que era realmente devido. Assim, em vez de pagar R$ 400 mil de
imposto, João pagou apenas R$ 100 mil. Para fazer isso, João prestou declaração falsa e o fiscal, mesmo sabendo que
era inverídica, aceitou como se fosse verdadeira. Esse fato foi descoberto pela Administração Tributária que, após
apurar os tributos realmente devidos, encaminhou notícia crime ao MP. Em tese, os crimes praticados por João foram:
corrupção ativa (art. 333 do CP) e sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90). Ocorre que, Antes que a denúncia
fosse oferecida pelo MP, João correu e pagou a diferença do imposto devido, ou seja, os R$ 300 mil mais multa, juros
e correção monetária.
 O pagamento do tributo gera algum efeito penal com relação ao delito de sonegação fiscal? SIM. O pagamento
integral do débito fiscal realizado pelo agente é causa de extinção de sua punibilidade, conforme prevê a Lei
10.684/03.
 O pagamento do tributo gera também a extinção da punibilidade com relação ao crime de corrupção ativa? NÃO.
O art. 9º da Lei nº 10.684/2003 menciona os crimes aos quais são aplicadas suas regras: • arts. 1º e 2º da Lei nº
8.137/90; • art. 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária); • Art. 337-A do CP (sonegação de contribuição
previdenciária). Repare, portanto, que a corrupção ativa (art. 333 do CP) não está listado nessas duas leis. Isso porque
o objetivo do legislador, ao fixar essa extinção de punibilidade pelo pagamento, é o de arrecadar. Os crimes tributários
(delitos fiscais) são utilizados pelo Estado como uma forma de cobrança. Trata-se de um modo de estimular que o
sonegador pague o tributo devido, sob a “ameaça” do processo criminal.
 Mesmo sem a corrupção ativa estar prevista, não é possível aplicar essa regra por analogia em favor do réu? NÃO.
São delitos totalmente distintos, com bem jurídicos tutelados igualmente diversos. A extinção da punibilidade dos
crimes de cunho fiscal, pelo pagamento do tributo é justificado porque assim se estará protegendo a ordem tributária e
142
garantindo a efetividade da arrecadação estatal. Em outros termos, o Fisco vai receber aquilo que lhe devem. Por
outro lado, no crime de corrupção ativa, o bem jurídico tutelado é o normal funcionamento e o prestígio da AP. Nesse
sentido, oferecer a funcionário público vantagem ilícita para que cobre menos tributo é, em tese, conduta de maior
reprovabilidade e não merece, por isso mesmo, benefício de extinção da punibilidade. Aceitar a extinção da
punibilidade para a corrupção ativa subverteria a ordem da AP e estimularia o mesmo comportamento de outros
agentes públicos. O mero pagamento do tributo devido não tem a força de apagar a agressão feita à AP com o crime
de corrupção ativa.

5.6. Pratica corrupção passiva o Deputado que concede apoio político à permanência de Diretor da
Petrobrás em troca do recebimento de propina: Deputado Federal integrava a cúpula de um partido de
sustentação do governo federal. Como importante figura partidária, ele exercia pressão política junto à Presidência
da República a fim de que Paulo Roberto Costa fosse mantido como Diretor de Abastecimento da Petrobrás. Como
“contraprestação” por esse apoio, o Deputado recebia dinheiro do referido Diretor, quantia essa oriunda de
contratos ilegais celebrados pela Petrobrás. O STF entendeu que esta conduta se enquadra no crime de corrupção
passiva (art. 317 do CP).
 Explicação: O regime presidencialista brasileiro confere aos parlamentares um poder que vai além da elaboração e
votação de lei e outros atos normativos. Os parlamentares possuem intensa participação nas decisões de governo,
inclusive por meio da indicação de cargos no Poder Executivo. Essa dinâmica é própria do sistema presidencialista
brasileiro, que exige uma coalizão para viabilizar a governabilidade. Trata-se do chamado “presidencialismo de
coalizão”. Não se pode esquecer, contudo, que a CF atribui ao CN competência para fiscalizar e controlar os atos do
Poder Executivo, incluídos os da AP Indireta (art. 49, X, da CF/88). Vale lembrar, inclusive, que o CN possui poderes
próprios de autoridade judicial quando instituídas comissões parlamentares de inquérito para apuração de fatos
determinados (art. 58, § 3º). Ademais, para evitar conflitos de interesses, os Deputados e Senadores são proibidos de:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de
economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas
uniformes; e b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad
nutum", nas entidades constantes da alínea anterior. Isso demonstra que os parlamentares devem manter
independência em relação ao Poder Executivo para o exercício de suas atribuições. Nesse contexto, se um parlamentar
recebe vantagens indevidas em troca de sustentação política a um diretor da Petrobrás, isso significa evidente omissão
em sua função de fiscalizar a lisura dos atos do Poder Executivo. O exercício ilegítimo da atividade parlamentar,
mesmo num governo de coalizão, é apto a caracterizar o crime de corrupção passiva. Esse tipo penal tutela a
moralidade administrativa e tem por finalidade coibir e reprimir a mercancia da função pública, cujo exercício deve
ser pautado exclusivamente pelo interesse público. O STF afastou o argumento da defesa de que se estaria
“criminalizando a atividade político-partidária”. Não é nada disso. A atividade política continua sendo permitida,
sendo lícito que partidos políticos apoiem determinada pessoa para os cargos de destaque do governo (exs:
ministérios, diretorias etc.). O que se está punindo, neste caso, são atos que transbordaram os limites do exercício
legítimo do mandato, ou seja, puniu-se um Deputado que recebia propina para dar sustentação política a um Diretor
de estatal.
 Lavagem de dinheiro: o STF entendeu que o Deputado praticou a lavagem pelo fato de ter recebido a propina em
depósitos bancários fracionados, em valores que não atingem os limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à
comunicação compulsória dessas operações. Ex.: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo
depósito acima de R$ 20 mil deveria ser comunicado ao COAF; diante disso, o Deputado recebia depósitos periódicos
de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o crime de lavagem. Trata-se de uma forma de
ocultação da origem e da localização da vantagem pecuniária recebida pela prática do crime anterior. Além disso, a
apresentação de informações falsas em declarações de ajuste anual de imposto de renda foi uma forma de tentar dar
um ar de licitude a patrimônio oriundo de práticas delituosas.

6. OUTROS CRIMES DO CÓDIGO PENAL

6.1. Homicídio

Motivo torpe e feminicídio: inexistência de bis in idem


 Natureza da qualificadora: para o STJ, a qualificadora do feminicídio é de natureza OBJETIVA. A justificativa
apresentada para isso está no fato de que tal qualificadora “incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do
seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita,
assim o animus do agente não é objeto de análise”.
 É possível que o agente seja condenado pelas qualificadoras do motivo torpe e também pelo feminicídio? É
possível a incidência das duas qualificadoras em um caso concreto? SIM. Não caracteriza bis in idem o
reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher
em situação de violência doméstica e familiar. Isso se dá porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem objetiva
- vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita enquanto que a
143
torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o
delito (ex.: ciúme).

Lei 13.771/18: altera as majorantes do feminicídio: v. livro (especialmente trechos grifados).

O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo
eventual
 O que isso quer dizer? Nem todo mundo que, dirigindo embriagado, causar a morte de outra pessoa, terá que
responder por homicídio doloso (dolo eventual). Não há uma correlação obrigatória, automática, entre embriaguez
ao volante e dolo eventual. A embriaguez ao volante é uma circunstância negativa que deve ser levada em
consideração no momento de se analisar se o réu agiu ou não com dolo eventual. No entanto, não se pode
estabelecer como premissa que qualquer sempre haverá dolo eventual nesse caso. Desse modo, não existe uma
presunção de que o condutor que mata alguém no trânsito praticou o crime com dolo eventual.
 Embriaguez ao volante + outros elementos = dolo eventual : para que fique configurado o dolo eventual, além da
embriaguez ao volante é necessário que haja outros elementos nos autos de que o condutor estivesse dirigindo de
forma a assumir o risco de provocar acidente sem se importar com eventual resultado fatal de seu comportamento.
Ex1: condutor, além de embriagado, dirigia o automóvel em velocidade muito acima do permitido. Ex2: condutor,
além de embriagado, dirigia o automóvel, propositalmente, em zigue-zague na pista ou fazendo sucessivas
ultrapassagens perigosas. Ex3: recentemente, o STF decidiu que configura dolo eventual o caso do condutor
embriagado que entrou na contramão e atingiu uma motocicleta, causando a morte da vítima. Enfim, além da
embriaguez, deve haver um plus, isto é, uma circunstância a mais que caracterize o dolo eventual.

O juiz, no fim da 1ª fase do procedimento, pode desclassificar a conduta do réu que dirigia o carro embriagado
para homicídio culposo ou isso seria uma forma de usurpar do Júri a competência para decidir o tema (art. 5º,
XXXVIII, “d”, da CF)? Chegando um caso de homicídio causado por condutor embriagado, o juiz deverá
obrigatoriamente pronunciar o réu para que o Tribunal do Júri decida se houve dolo eventual ou culpa
consciente? O juiz pode desclassificar sim. Ele não é obrigado a remeter para o Plenário do Júri e isso não viola o
art. 5º, XXXVIII, “d”, da CF/88. A primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri tem o objetivo
principal de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da
acusação (iudicium accusationis) funciona, assim, como um filtro pelo qual somente passam as acusações
fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). Não é uma
tarefa fácil distinguir, na prática, o que seja dolo eventual ou culpa consciente, especialmente em homicídios
causados na direção de automóvel. Isso porque é sempre muito difícil ter certeza sobre o elemento anímico que
move a conduta do agente. Se essa dificuldade existe para o julgador togado, “que emite juízos técnicos apoiados
em séculos de estudos das ciências penais, o que se pode esperar de um julgamento realizado por pessoas que não
possuem esse saber e que julgam a partir de suas íntimas convicções, sem explicitação dos fundamentos e razões
que definem seus julgamentos?”. Se o legislador criou um procedimento bifásico para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida, em que a primeira fase se encerra com uma avaliação técnica, empreendida por um juiz
togado, o qual se socorre da dogmática penal e da prova dos autos, e mediante devida fundamentação, não se pode,
então, desprezar esse “filtro de proteção para o acusado” e submetê-lo ao julgamento popular sem que se façam
presentes as condições necessárias e suficientes para tanto.

Dirigir alcoolizado na contramão: reconhecimento de dolo eventual: Verifica-se a existência de dolo eventual no
ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na contramão. Esse é, portanto, um caso
específico que evidencia a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual. O condutor assumiu o risco ou, no
mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte de outrem.

6.2. Injúria

Esposa tem legitimidade para propor queixa-crime contra autor de postagem que sugere relação extraconjugal
do marido: A esposa tem legitimidade para propor queixa-crime contra autor de mensagem que insinua que o seu
marido tem uma relação extraconjugal com outro homem. Se alguém alega que um indivíduo casado mantém
relação homossexual extraconjugal com outro homem, a esposa deste indivíduo tem legitimidade para ajuizar
queixa-crime por injúria, alegando que também é ofendida. Caso concreto: Roberto insinuou que Weverton teria
um relacionamento homossexual extraconjugal com outro homem. A mulher de Weverton tem legitimidade para
ajuizar queixa-crime contra Roberto pela prática do crime de injúria.
Obs.: Não é uma questão de substituição processual: Importante esclarecer que a mulher não está substituindo o
Deputado Federal ao propor a ação penal. Ela está ajuizando em nome próprio porque ela se sentiu ofendida pela
insinuação de que seu marido formaria um casal com outra pessoa. A imputação por injúria ocorre quando a pessoa
se sente ofendida em sua honra subjetiva, ou seja, o que os ofendidos pensam de si. Se ela tem razão ou não ao se
144
sentir ofendida é uma questão de mérito a ser decidida na ação penal. Negar a legitimidade para propor a queixa-
crime seria impedir que se possa discutir os limites da honra subjetiva.

6.3. Apropriação indébita previdenciária e a L. 13.606/18: acrescentou o § 4º ao art. 168-A do CP: “A faculdade
prevista no § 3º deste artigo não se aplica aos casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos
acessórios, seja superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de
suas execuções fiscais”. Assim, em caso de parcelamento de contribuições previdenciárias cujo valor seja superior
ao estabelecido administrativamente como sendo o mínimo para ajuizamento de suas execuções fiscais, será
vedado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar só a pena de multa, mesmo se o agente for primário e de bons
antecedentes.

6.4. Desacato: O crime de desacato é compatível com a CF e com o CADH. A figura penal do desacato não tolhe o
direito à liberdade de expressão, não retirando da cidadania o direito à livre manifestação, desde que exercida nos
limites de marcos civilizatórios bem definidos, punindo-se os excessos (STF). Desacatar funcionário público no
exercício da função ou em razão dela continua a ser crime, cf. previsto no art. 331 do CP (STJ. 3ª Seção).
1) Desacato não viola a liberdade de expressão
2) Descriminalizar o desacato não traria benefícios porque o fato constituiria injúria
3) Corte IDH admite que excessos na liberdade de expressão sejam punidos.
4) Desacato não é incompatível com o Pacto de São José da Costa Rica
5) Direito à liberdade de expressão não é absoluto
6) Vale ressaltar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável pelo julgamento de situações
concretas de abusos e violações de direitos humanos, tem, reiteradamente, decidido contrariamente ao
entendimento da Comissão de Direitos Humanos, estabelecendo que o direito penal pode sim punir condutas
excessivas no exercício da liberdade de expressão.
7) Desacato não tolhe a liberdade de expressão
8) Não se aplica a teoria da adequação social
6.5. Descaminho: O descaminho é crime tributário FORMAL. Logo, para que seja proposta ação penal por
descaminho não é necessária a prévia constituição definitiva do crédito tributário. Não se aplica a SV 24 do STF 19.
O crime se consuma com a simples conduta de iludir o Estado quanto ao pagamento dos tributos devidos quando da
importação ou exportação de mercadorias (STJ e STF). É dispensada a existência de procedimento administrativo
fiscal com a posterior constituição do crédito tributário para a configuração do crime de descaminho (art. 334 do
CP), tendo em conta sua natureza formal (STF).

6.6. Petrechos para falsificação de moeda

Para tipificar o crime do art. 291 do CP, basta que o agente detenha a posse de petrechos destinados à
falsificação de moeda, sendo prescindível que o maquinário seja de uso exclusivo para esse fim
 Punição de atos preparatórios: As condutas previstas no art. 291 poderiam ser consideradas como atos
preparatórios do crime de moeda falsa, delito tipificado no art. 289 do CP. Ocorre que, em regra, atos preparatórios
não são punidos criminalmente. Diante disso, o legislador resolveu punir esses atos preparatórios da moeda falsa
como um crime autônomo e, por isso, criou essa figura típica do art. 291. O objetivo, portanto, foi o de evitar que o
agente chegue a iniciar a execução do crime de moeda falsa, motivo pelo qual há quem o chame de autêntico “crime
obstáculo”.
 Especialmente destinado é diferente de exclusivamente destinado: O tipo penal fala em maquinismo, aparelho ou
instrumento “especialmente destinado à falsificação de moeda”. A doutrina e a jurisprudência ensinam que essa
expressão não exige que o maquinismo, o aparelho ou o instrumento encontrado seja, exclusivamente, voltado para a
falsificação de moeda. Em outras palavras, o aparelho que for encontrado serve para outras finalidades e também pode
servir para a falsificação de moeda. É o caso de uma impressora. Não se pode dizer que se trata de uma máquina que
sirva exclusivamente para falsificar papel-moeda, mas ela pode sim servir para caracterizar este delito caso fique
comprovado que o agente a tinha para essa especial destinação. O STJ decidiu no mesmo sentido ao manter a
condenação pelo art. 291 do CP contra determinados réus que foram encontrados com uma grande quantidade de
computadores e impressoras “normais”, mas que pelas circunstâncias do caso concreto indicaram que estavam
sendo utilizadas para a falsificação de moeda.
 Responsabilidade penal caso o agente falsifique a moeda: Se o agente que possui o aparelho destinado à
falsificação da moeda o utiliza e efetivamente cria uma cédula falsa, ele responderá pelo crime do art. 291 em
concurso com o delito de moeda falsa (art. 289 do CP)? 1ª corrente: SIM. O agente deve ser responsabilizado pelo
crime de pretrechos para falsificação de moeda (art. 291) em concurso material com o delito de moeda falsa (art. 289
do CP). É a posição do próprio Masson e do Rogério Greco. Trata-se da corrente majoritária. 2ª corrente: NÃO.

19
Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da
Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
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Incide o princípio da consunção, resultando na absorção do crime-meio (art. 291) pelo crime-fim, que é o de moeda
falsa (art. 289).
 Competência: A competência para processar e julgar este delito é da Justiça Federal porque foi violado um serviço
de interesse federal (art. 109, IV, da CF/88), controlado pelo Banco Central, que é uma autarquia federal.

7. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

7.1. Venda premiada (compra premiada)


 Fatos: João, proprietário de uma empresa que vende eletrodomésticos e motocicletas, ofereceu para Laura o
seguinte negócio: ela entraria para um grupo de pessoas que todos os meses paga R$ 200,00; a cada mês, uma pessoa
desse grupo é sorteada; o sorteado ganha, então, uma motocicleta Honda NX Bros 150 e não precisa mais pagar nada;
por outro lado, a pessoa, enquanto não for sorteada, fica obrigada a continuar pagando as prestações mensais. Laura
aceitou a proposta e ficou pagando todos os meses o valor ajustado.
 Esta operação foi realizada em diversas cidades do interior do Brasil e ficou conhecida como “venda premiada” ou
“compra premiada”. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, em seu site, alertou a
população a respeito desta prática, que também é chamada de “pirâmide”. Trata-se, na verdade, da simulação de um
consórcio. As empresas envolvidas nestas operações exigiam que os clientes pagassem parcelas mensais e prometiam
a realização de sorteios mensais dos bens objeto desse negócio (ex: motos). Quem era sorteado, recebia a moto e
deixava de pagar a dívida e outro consumidor era inserido no grupo. Essa sistemática configura a chamada “pirâmide
financeira”, que é proibida e considerada crime. Vale ressaltar que há uma pirâmide financeira porque não existe um
patrimônio garantidor por parte das empresas e o dinheiro que é utilizado para comprar os bens (exs: as motos)
depende sempre da entrada de novos consumidores. Em determinado momento, essa entrada de novos consumidores
acaba ou diminuiu e falta dinheiro para comprar os bens para aquelas pessoas que já estão pagando as mensalidades
há algum tempo.
 Qual foi o crime praticado por João? Qual é o crime cometido pelo indivíduo que organiza essa “venda
premiada”? Esta conduta configura o delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86 (crime contra o sistema financeiro). Quem
desempenha a atividade de “consórcio” é equiparado à instituição financeira. Justamente por isso, o STF entende que
a pessoa que faz funcionar consórcio sem autorização legal pratica o delito do art. 16.
 Compra premiada é uma simulação de consórcio: A compra premiada possui uma diferença em relação ao
consórcio “puro” (“real”, “tradicional”): no consórcio puro, a pessoa, mesmo sendo contemplada, continua pagando
as prestações mensais até o fim do contrato. Na compra premiada, a pessoa sorteada fica desobrigada de pagar as
demais parcelas. No entanto, mesmo não se caracterizando como um consórcio puro, a compra premiada é um
simulacro de consórcio, considerando que capta e administra recurso de terceiros. Logo, esta conduta se enquadra no
tipo penal previsto no art. 16 da Lei nº 7492/86. Logo, o agente que faz a “compra premiada” faz uma espécie de
simulação de consórcio. Ocorre que quem faz consórcio é equiparado à instituição financeira. Consequentemente,
quem faz “compra premiada”, faz operar, sem autorização, uma instituição financeira.
 De quem é a competência para julgar o crime do art. 16 da Lei nº 7.492/86? Justiça Federal. Compete à Justiça
Federal julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional previstos na Lei nº 7.492/86.

7.2. Dólar-cabo
 Definição: v. livro (é o que fazem os doleiros).
 A prática de dólar-cabo é crime? SIM. A prática de dólar-cabo configura o crime de evasão de dividas, previsto no
art. 22, p. u., 1ª parte, da Lei nº 7.492/86.
 Definição de dólar-cabo invertido: v. livro.
 Vimos acima que o dólar-cabo “tradicional” configura o crime do art. 22 da Lei 7.492/86. E o dólar-cabo
invertido? É possível enquadrar estar conduta no mesmo tipo penal? NÃO. A conduta não se amolda a esse tipo
penal. Veja o que disse o Min. Gilmar Mendes: “A operação de dólar-cabo invertido, que consistiria em efetuar
operação de câmbio não autorizada com o fim de promover a internalização de capital estrangeiro, não se enquadra na
evasão de divisas, na forma do caput do art. 22. Além disso, não há que se cogitar de seu enquadramento no tipo do
parágrafo único do art. 22, uma vez que não podemos presumir que a internalização decorra de valores depositados no
exterior e não declarados à autoridade financeira no Brasil. Ainda, cabe lembrar que, o crime de “manter depósitos
não declarados” no exterior só se perfectibiliza se o dinheiro estivesse depositado no exterior na virada do ano e não
fosse declarado ao Banco Central no ano seguinte, e nada disso consta do decreto de prisão.” (STF. 2ª Turma. J. em
4/9/18). Vale ressaltar, no entanto, que, a depender do caso concreto, esta conduta pode configurar lavagem de
dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98).

8. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

9. LEI MARIA DA PENHA (LEI 13.340/06)

9.1. Descumprimento de medida protetiva, prisão preventiva e contravenção penal


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 Fatos: João, por ciúmes, torceu o braço e puxou o cabelo de sua esposa Laura. Como tais condutas não geraram
lesões corporais, entende-se que João praticou vias de fato contra a vítima. Vias de fato é uma contravenção penal
tipificada no art. 21 do DL 3.688/41. A juíza deferiu algumas medidas protetivas de urgência, dentre elas que João
mantivesse distância mínima de 500 metros de Laura e não tentasse nenhum contato com ela por qualquer meio de
comunicação (art. 22, III, “a” e “b”). Passadas duas semanas, João descumpriu a medida protetiva e foi até a casa de
Laura. A mulher informou este fato à juíza, que decretou a prisão preventiva de João, com base no art. 313, III, do
CPP.
 Agiu corretamente a juíza? NÃO. Se você reparar novamente na redação do inciso III do art. 313 do CPP, ele fala
em CRIME, ou seja, será admitida a decretação da prisão preventiva “se o crime envolver violência doméstica e
familiar contra a mulher”. No caso concreto, o agente não praticou crime, mas sim contravenção penal. Como se trata
de norma que permite a prisão do agente, não se pode conferir a este dispositivo uma interpretação extensiva que se
afaste da interpretação literal. Assim, por mais condenável que tenha sido o ato praticado pelo agente contra a sua
esposa e, por mais que seja reprovável o fato de ele descumprir a medida protetiva, o certo é que não há previsão legal
que autorize a prisão preventiva contra autor de uma contravenção penal. Decretar a prisão preventiva nesta hipótese
representa ofensa ao princípio da legalidade estrita.
 Obs.: é possível que o caso acima seja julgado de forma diversa por força do art. 24-A inserido pela Lei 13.641/18.

9.2. Comentários ao novo tipo penal do art. 24-A da Lei Maria da Penha: importantíssimo (v. livro).

9.3. Fixação do valor mínimo para reparação dos danos prevista no art. 387, IV do CPP: O STJ analisou a
aplicação do art. 387, IV, do CPP nas sentenças proferidas em casos de violência contra a mulher praticados no
âmbito doméstico e familiar. Vejamos as principais conclusões:

O art. 387, IV, do CPP trata apenas de prejuízos materiais ou ele também poderá ser utilizado para danos morais?
O juiz, na sentença criminal, poderá condenar o réu a pagar indenização à vítima por danos morais? SIM. O art.
387, IV, do CPP abrange tanto danos materiais como morais. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma, julgado em 9/8/2016. Isso
porque o art. 387, IV, não limita a indenização apenas aos danos materiais e a legislação penal deve sempre priorizar
o ressarcimento da vítima em relação a todos os prejuízos sofridos.

Para que seja fixado o valor da reparação, deverá haver pedido expresso e formal do MP ou do ofendido? SIM.
Para que seja fixado, na sentença, o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387, IV, do CPP),
é necessário que haja pedido expresso e formal, feito pelo parquet ou pelo ofendido, a fim de que seja oportunizado ao
réu o contraditório e sob pena de violação ao princípio da ampla defesa (STJ. 6ª Turma. J. em 22/03/2018).

É necessário que o MP ou o ofendido, ao fazer o pedido, apontem o valor líquido e certo pretendido? NÃO. Não é
necessário que o Ministério Público ou a vítima quantifique o valor mínimo que pretende ver fixado. Basta que seja
pedida a fixação de valor mínimo a título de reparação do dano causado pelo crime, sem necessidade de mencionar
uma quantia líquida e certa. Assim, p. ex., basta que o MP diga: juiz, fixe a quantia mínima de que trata o art. 387, IV.

Para a fixação do valor da reparação, é necessária a produção de provas dos prejuízos sofridos?
DANOS MATERIAIS: SIM. Em caso de danos materiais, o juiz somente poderá fixar a indenização se existirem
provas nos autos que demonstrem os prejuízos sofridos pela vítima em decorrência do crime.
DANOS MORAIS: NÃO. Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é
possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral independentemente de instrução probatória.
O dano moral é, portanto, considerado como in re ipsa.

10. LEI DE DROGAS (LEI 13.343/06)

10.1. Atipicidade da importação de pequena quantidade de sementes de maconha


 Fatos: João, por meio de um site da internet, importou da Holanda para o Brasil 26 frutos aquênios, popularmente
conhecidos como “sementes” de maconha (cannabis sativa linneu). Quando as sementes chegaram ao Brasil, via
postal, o pacote foi inspecionado pelo setor de Alfândega da Receita Federal no aeroporto, que descobriu seu
conteúdo por meio da máquina de raio-X e avisou a PF. Assim, João foi denunciado pelo MPF pela prática de tráfico
transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei 11.343/06). O Procurador da República argumentou que, pela
grande quantidade de sementes encomendadas e pela própria palavra do denunciado, restou demonstrado que ele
pretendia iniciar uma plantação de cannabis sativa (maconha) em seu quintal. Houve crime neste caso? Prevalece que
não.
 Sementes de maconha não têm THC: Os frutos aquênios da cannabis sativa linneu não apresentam na sua
composição o THC. A planta da cannabis sativa linneu está prevista na lista “E” da Portaria SVS/MS 344/1998.
Ocorre que essa Portaria prevê apenas a planta como sendo droga (e não a sua semente). Assim, a semente de
maconha não pode ser considerada droga.
147
 O § 1º do art. 33 da LD prevê que também é crime a importação de “matéria-prima” ou “insumo” destinado à
preparação de drogas. A semente de maconha poderia ser considerada como “matériaprima” ou “insumo” destinado à
preparação de drogas? Também não. A semente de maconha não pode ser considerada matéria-prima ou insumo
destinado à preparação de drogas. Isso porque ela não é um “ingrediente” para a confecção de drogas. Não se faz
droga misturando a semente de maconha com qualquer coisa. Dito de outro modo: não se prepara droga com semente
de maconha. Isso porque a semente de maconha não tem substância psicoativa (ela não tem nada em sua composição
que atue no sistema nervoso central gerando euforia, mudança de humor, prazer etc.). Desse modo, a semente da
cannabis sativa não é, em si, droga (não está listada na Portaria) e também não pode ser considerada matéria-prima ou
insumo destinado à preparação de droga ilícita.
 Mas é possível que o indivíduo plante a semente de maconha e que daí nasça a planta da cannabis sativa linneu...
A planta tem THC (substância psicoativa proibida)... É verdade. Pode ser que o indivíduo germine a semente, que isso
vire uma muda, que ele cultive a muda e que se torne a planta da maconha. Porém, a mera importação da semente não
é crime algum porque configuraria, no máximo, mero ato preparatório da figura típica prevista no § 1º do art. 28 da
LD.
 A importação das sementes não poderia configurar a tentativa da prática do crime do art. 28, § 1º da LD?
Particularmente, penso que não. Isso porque, como já dito, o agente não iniciou nenhuma conduta executória dos
verbos previstos no tipo penal (semear, cultivar ou colher). No entanto, ainda que se considere que se iniciou a
execução e que ele não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, não há razão para a instauração
de processo penal. O preceito secundário do art. 28 da LD prevê como sanções penais: I - advertência sobre os efeitos
das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo. Logo, como não é prevista PPL para esta conduta, é inviável a aplicação da regra da tentativa do art. 14, II,
do CP.
 A conduta pode ser considerada contrabando (art. 334-A do CP)? Existe divergência sobre o tema. O contrabando
consiste na importação de mercadoria proibida (art. 334-A do CP). A importação de sementes desprovidas de
inscrição no Registro Nacional de Cultivares é proibida pelo art. 34 da Lei 10.711/03. A semente de cannabis sativa
não consta da lista do Registro Nacional de Cultivares, não podendo, portanto, ser importada, salvo para tratamentos
de saúde (Portaria RDC/ANVISA nº 66/16). No entanto, há vários julgados que defendem que não se deve condenar o
réu porque não há, neste caso, lesão ao bem jurídico tutelado pela norma prevista no art. 334-A do CP. Isso porque,
dada a pequena quantidade e a natureza das sementes, considera-se que não há ofensa aos bens jurídicos protegidos
pelo delito de contrabando (proteção da saúde, da moralidade administrativa e da ordem pública). Por outro lado, há
julgados afirmando que é contrabando, mas que deveria ser aplicado, in casu, excepcionalmente, o princípio da
insignificância.
 Posição do MPF: a importação de sementes de maconha pela via postal, em pequenas quantidades, não deve gerar
denúncia, ante a configuração da prática do delito do art. 334-A, e, neste, a incidência do princípio da insignificância.
 Qual é a posição do STJ sobre o tema? O STJ está dividido sobre se configura ou não crime de tráfico de drogas,
por enquanto: 5ª Turma: SIM 6ª Turma: NÃO.
 STF: há uma decisão recente da 2ª T. afirmando que não há crime (os Ministros divergem sobre o fundamento):
“Não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de maconha” (STF. J. em 11/9/18).

10.2. A condenação pelo art. 28 da LD NÃO configura reincidência


 Reincidência: v. quadro extremamente didático do livro (importantíssimo!)
 Tese de que o art. 28 não seria crime: Assim que a LD foi editada, LFG defendeu a tese de que o porte/posse de
droga para consumo pessoal havia deixado de ser crime. Em outras palavras, LFG sustentou que o art. 28 não traria a
definição de crime já que ele não prevê pena privativa de liberdade nem multa. Logo, estaria “fora” do conceito de
crime trazido pela Lei de Introdução ao Código Penal (DL 3.914/41).
 O STF aceitou essa tese? NÃO. O STF decidiu que o art. 28 da LD, mesmo sem prever pena privativa de
liberdade, continua definindo conduta criminosa. Assim, não houve uma descriminalização da conduta (abolitio
criminis), mas sim uma despenalização. A despenalização ocorre quando o legislador prevê sanções alternativas para
o crime que não sejam penas privativas de liberdade.
 Se uma pessoa é condenada, com trânsito em julgado, pelo delito de porte de drogas para consumo próprio e
depois pratica outro delito, ele será considerado reincidente na dosimetria desse segundo crime? NÃO. A condenação
por porte de drogas para consumo próprio NÃO gera reincidência. Mas você não acabou de dizer que o art. 28 da LD
é crime...? Sim. O art. 28 da LD é crime, no entanto, para o STJ, mesmo sendo crime, não gera reincidência. Por quê?
O STJ apresenta a seguinte linha de argumentação:
- a condenação anterior por contravenção penal não gera reincidência. Isso porque o art. 63 do CP é expresso ao se
referir à pratica de “novo crime”;
- a contravenção é punida com prisão simples e/ou multa (art. 5º, do DL 3688/41);
- o art. 28 da LD é punido apenas com “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à
comunidade” e “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Em nenhuma hipótese, a
prática do crime do art. 28 da LD poderá gerar condenação que leve à prisão;
148
- desse modo, comparando a pena das contravenções penais com a do crime do art. 28 da LD, chega-se à conclusão de
que as penas previstas para as contravenções são mais gravosas (mais duras) do que as sanções cominadas para o art.
28 da LD. Diante disso, se as sanções do art. 28 da LD são menos graves que a das contravenções, não se mostra
proporcional considerar que o art. 28 da LD gera reincidência se a contravenção penal não tem esse efeito negativo.
 Discussão sobre a constitucionalidade do art. 28 da LD: O STJ utilizou, ainda, um outro argumento: ele afirmou
que a constitucionalidade do art. 28 da LD será decidida em breve pelo STF no RE 635.659 e que existem alguns
Ministros que já se manifestaram dizendo que este tipo penal seria inconstitucional por violar a intimidade e a vida
privada.

10.3. Súmula 607 do STJ: A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da LD) configura-se com a
prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras.
*Outra Súmula relevante: Súmula 528: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior
pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.

10.4. Não incide a causa de aumento de pena do art. 40, III, da LD se o crime foi praticado em dia e horário no
qual a escola estava fechada e não havia pessoas lá
 Razão de ser da agravante: A aplicação da causa de aumento de pena prevista no artigo 40, III, da LD, tem como
objetivo punir com mais rigor a comercialização de drogas em determinados locais onde se verifique uma maior
aglomeração de pessoas, de modo a facilitar a disseminação da mercancia, tais como escolas, hospitais, teatros,
unidades de tratamento de dependentes, entre outros.
 Situação 1: Ricardo é preso vendendo droga em um beco que fica a 240m da escola pública do bairro. O
Ministério Público denuncia Ricardo pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a causa de
aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração foi cometida nas imediações de uma escola. A
defesa questionou a incidência da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que não houve
comprovação de que o réu se utilizou daquele local com maior concentração de pessoas para potencializar a
disseminação da droga. Além disso, a venda não foi feita para nenhum aluno, funcionário ou frequentador da escola.
A tese da defesa foi acolhida na situação 1? NÃO. A prática do delito de tráfico de drogas nas proximidades de
estabelecimentos de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/06) enseja a aplicação da majorante, sendo desnecessária a
prova de que o ilícito visava atingir os frequentadores desse local (STJ). Justamente por essa razão, o STJ entende que
esta causa de aumento de pena tem natureza objetiva, de forma que não importa a intenção do agente.
 Situação 2: João, viciado em droga, liga para Pedro, traficante, pedindo para comprar cocaína. Eles combinam de
se encontrar no domingo, às 2h da madrugada, em frente à escola pública existente no bairro. No momento em que o
traficante está entregando o entorpecente, aparece a viatura da polícia e efetua a prisão em flagrante do agente. O
Ministério Público denuncia Pedro pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a causa de
aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração foi cometida nas imediações de uma escola. A
defesa questionou a incidência da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que a mera proximidade
da escola não basta para configurar a referida majorante, mesmo porque, pelo dia e horário do crime, o
estabelecimento de ensino encontrava-se fechado.
 A questão chegou até o STJ. Afinal de contas, neste caso concreto, deve incidir ou não a causa de aumento de pena
do art. 40, III? NÃO. Não incide a causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso III, da LD, se a prática de
narcotraficância ocorrer em dia e horário em que não facilite a prática criminosa e a disseminação de drogas em área
de maior aglomeração de pessoas (STJ). No caso concreto, o crime foi praticado durante a madrugada, em um
domingo, ou seja, em horário em que obviamente a escola não estava em funcionamento. Assim, a proximidade da
escola foi um elemento meramente circunstancial, sem qualquer relação real e efetiva com a traficância realizada pelo
acusado. Ainda que se trate de majorante de cunho precipuamente objetivo - ou seja, não é necessário demonstrar que
o acusado pretendesse atingir as pessoas (notadamente alunos) do estabelecimento de ensino, mas apenas beneficiar-
se de sua proximidade - também não se pode, por outro lado, esquecer de uma interpretação teleológica da norma em
tela. Ora, o aumento de pena imposto àquele que trafica nas dependências ou imediações de estabelecimento de
ensino justifica-se nos benefícios advindos ao agente com a mercancia nas proximidades de tal estabelecimento,
diante da maior circulação de pessoas e da possibilidade de se atingir os frequentadores do local. Essa conclusão não
retira o caráter objetivo da majorante, pois continua sendo desnecessária a demonstração de que o acusado tivesse o
dolo de atingir aquele público específico. Mas é preciso que o cometimento do tráfico naquele local (ou seja, nas
proximidades da escola) represente um proveito ilícito maior ao agente, maximizando o risco exposto àqueles que
frequentam a escola (alunos, pais, professores, funcionários etc).

10.5. Decisão que reconhece detração penal analógica virtual não serve para fins de reincidência
 Fatos: Em 2010, João foi preso em flagrante com uma pequena porção de droga. O flagrante foi lavrado como
sendo tráfico de drogas (art. 33 da LD). João foi denunciado e permaneceu preso durante todo o processo, que durou 6
meses. Ao fim do processo, o juiz proferiu sentença desclassificando o delito de tráfico para o crime de porte de
substância entorpecente para consumo próprio (art. 28 da LD). Na própria sentença, o magistrado declarou a extinção
da punibilidade do réu alegando que o art. 28 não prevê pena privativa de liberdade e que o condenado já ficou 6
149
meses preso. Logo, na visão do juiz, o réu não tem mais nada a cumprir. Não houve recurso do MP ou da defesa e este
primeiro processo transitou em julgado.
 Detração penal analógica virtual: Veja que o juiz utiliza uma interessante nomenclatura: detração penal analógica
virtual. O que é isso?
Detração: a detração penal ocorre quando o juiz desconta da pena ou da medida de segurança aplicada ao réu o tempo
que ele ficou preso antes do trânsito em julgado (prisão provisória ou administrativa) ou o tempo em que ficou
internado em hospital de custódia (medida de segurança).
Analógica: o juiz afirmou que a detração que ele estava fazendo era “analógica” porque o art. 28 não prevê pena
privativa de liberdade. Logo, o magistrado utilizou-se da analogia para descontar o tempo que o réu ficou preso
preventivamente mesmo o art. 28 não cominando pena de prisão. Em outras palavras, o juiz utilizou-se da analogia
para descontar uma situação que não estava prevista na lei (abater o tempo em que o réu ficou preso mesmo o art. 28
não prevendo pena de prisão).
Virtual: além disso, a detração foi virtual porque o juiz descontou o tempo que o réu ficou preso cautelarmente
mesmo sem condenar o acusado. É como se ele dissesse o seguinte: eu nem vou condenálo pelo art. 28 porque já
reconheço que não há interesse processual nisso.
 Segundo fato: Em 2012, João é preso novamente com uma quantidade maior de droga em um local conhecido
como boca-de-fumo. Ele foi denunciado e, ao final, condenado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da LD). Na
sentença, o magistrado considerou que João seria reincidente pelo fato de ter cometido o primeiro crime (aquele de
2010) que expliquei acima. Por conta dessa reincidência, o juiz deixou de aplicar o benefício do art. 33, § 4º, da LD
(tráfico privilegiado). A defesa recorreu alegando que a sentença proferida no primeiro processo e que extinguiu a
punibilidade por levar em conta o tempo de prisão provisória do acusado não teria o condão de gerar a reincidência
para o segundo processo. Em outras palavras, a defesa argumentou que a sentença do primeiro processo não foi
condenatória, mas sim extintiva da punibilidade. O TJ não concordou com o recurso da defesa. Segundo o TJ, o juiz
do primeiro processo extinguiu a punibilidade pelo cumprimento da pena. A extinção da punibilidade pelo
cumprimento da pena não afasta os efeitos secundários da sanção penal. Logo, se a pessoa praticar um novo delito,
será considerada reincidente por força da primeira condenação. A defesa não se conformou com a decisão do TJ e
conseguiu levar o caso até o STJ.
 Decisão do STJ: Não se pode reconhecer a reincidência com base em único processo anterior em desfavor do réu,
no qual - após desclassificar o delito de tráfico para porte de substância entorpecente para consumo próprio - o juízo
extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria mais que suficiente para compensar
eventual condenação. Ao contrário do que afirmou o TJ, a decisão do juiz no primeiro processo não foi uma decisão
extintiva da punibilidade pelo cumprimento da pena. No primeiro processo, o juiz proferiu uma decisão extinguindo a
punibilidade alegando que houve o “exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva”. É como se o juiz
tivesse dito: não se pode mais punir o réu porque a prisão cautelar a que ele ficou submetido já foi desproporcional e,
em razão disso, houve o esgotamento da pretensão punitiva. Assim, não se pode dizer que a sentença do primeiro
processo tenha natureza condenatória considerando que ela apenas reconheceu, ainda que implicitamente, que houve
desproporção na adoção de medida acautelatória constritiva.
 Réu ficou sem direito à transação penal no primeiro processo : Vale ressaltar, por fim, que poderia ter sido
permitida a realização de transação penal em favor do réu no primeiro processo. Isso só não foi concedido porque o
juiz reconheceu uma solução mais favorável ao acusado, em razão de ele ter ficado preso preventivamente durante
longo tempo, fazendo com que o juiz optasse pela extinção da punibilidade. Assim, se o réu tivesse celebrado
transação penal, ele não seria considerado reincidente neste segundo processo, considerando que a transação penal
não gera maus antecedentes nem reincidência. Desse modo, um segundo argumento que “reforça” a tese da defesa
está no fato de que o réu teria direito à transação penal, situação na qual não haveria dúvidas sobre a inexistência de
reincidência.

11. OUTROS TEMAS DA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE

11.1. Crimes eleitorais

Para configurar o delito de calúnia eleitoral, é necessária a comprovação da lesividade da conduta e, se o suposto
atingido afirma não ter se ofendido, não há prova da materialidade: O comitê de campanha do candidato Ronaldo
foi arrombado e de lá furtados dois computadores. Em entrevista concedida a um jornal, Ronaldo teria afirmado que o
maior suspeito do crime era o governo. Em razão das declarações, o MP eleitoral ofereceu denúncia contra Ronaldo
pela prática de calúnia eleitoral (art. 324 do CE), figurando como suposta vítima Teotônio, Governador e candidato a
reeleição. O réu se defendeu alegando que apenas emitiu opinião sobre o ocorrido e que não citou o nome do
Governador. Vale ressaltar que Teotônio (suposta vítima) afirmou que não se sentiu pessoalmente ofendido. Diante
disso, o STF absolveu o réu afirmando que, para configurar o delito de calúnia é necessária a comprovação da
lesividade da conduta e que, como o suposto atingido afirma não ter se ofendido com as declarações, não há prova da
materialidade da conduta delituosa.
150
Candidato que omite, na prestação de contas, recursos utilizados em sua campanha eleitoral: Candidato que omite,
na prestação de contas apresentada à JE, recursos utilizados em sua campanha eleitoral, pratica o crime do art. 350 do
CE. Vale ressaltar que o delito de falsidade ideológica é crime formal. Não exige, portanto, o recolhimento do
material não declarado. Caso concreto: Paulo era candidato a Deputado Federal. A empresa de Paulo pagou R$ 168k
de materiais gráficos para a campanha, mas o candidato não declarou tais despesas na prestação de contas apresentada
à JE.

11.2. Racismo

Palestra proferida por Bolsonaro com críticas aos quilombolas e estrangeiros não configurou racismo: O então
Deputado Federal Jair Bolsonaro proferiu palestra no auditório de determinado clube e ali fez críticas e comentários
negativos a respeito dos quilombolas e também de povos estrangeiros. No trecho mais questionado de sua palestra, ele
afirmou: “Eu fui em um quilombola em El Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete
arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano
gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista,
você compra arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por metade do preço vendido em outra cidade vizinha.
Por que? Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada com nada.” O STF entendeu que a conduta de
Bolsonaro não configurou o crime de racismo (art. 20 da Lei nº 7.716/89). As palavras por ele proferidas estão dentro
da liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV, da CF/88, além de também estarem cobertas pela imunidade
parlamentar (art. 53 da CF/88). O objetivo de seu discurso não foi o de repressão, dominação, supressão ou
eliminação dos quilombolas ou dos estrangeiros. O pronunciamento do parlamentar estava vinculado ao contexto de
demarcação e proveito econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da
liberdade de expressão. Além disso, as manifestações de Bolsonaro estavam relacionadas com a sua função de
parlamentar. Inclusive, o convite para a palestra se deu em razão do exercício do cargo de Deputado Federal a fim de
dar a sua visão geopolítica e econômica do País. Assim, havia uma vinculação das manifestações apresentadas na
palestra com os pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados, de sorte que incide a imunidade
parlamentar.

A incitação de ódio público feita por líder religioso contra outras religiões pode configurar o crime de racismo
 Fatos: Tiago, pastor de uma determinada igreja evangélica, publicou, em seu blog, vídeos e posts de conteúdo
religioso nos quais ofendeu líderes e seguidores de outras crenças religiosas diversas da sua (católica, judaica, espírita,
islâmica, umbandista etc.), pregando inclusive o fim de algumas delas e imputando fatos ofensivos aos seus devotos e
sacerdotes. O pastor afirmou, por exemplo, que os seguidores dessas outras crenças “sofrem” e “padecem”, sendo
“estuprados”, “violentados” e “destruídos” por seguirem “caminhos de podridão”. Utilizou expressões como “religião
assassina”, “líderes assassinos”, “prostituta católica”, “prostituta espiritual” e “pilantragem”. Tiago vinculou, ainda,
de forma pejorativa, tais religiões à adoração ao diabo. Diante disso, ele foi denunciado e condenado pela prática do
crime previsto no art. 20, §2º, da Lei 7.716/81. A defesa de Tiago interpôs uma série de recursos até que o caso
chegou ao STF. No STF, alegou a atipicidade da conduta. Segundo a defesa, a condenação ideológica de outras
crenças é inerente à prática religiosa, e se trataria de exercício de uma garantia constitucionalmente assegurada.
 Decisão: o STF manteve a condenação. A incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e
seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão.
 Hate Speech
 Situação deve ser analisada com base no caso concreto: Assim, podemos concluir que é possível a condenação de
um líder religioso pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei 7.716/81) em caso de discursos de ódio público contra
outras denominações religiosas e seus seguidores. Vale ressaltar, no entanto, que essa condenação dependerá do caso
concreto, ou seja, das palavras que foram proferidas e da intenção do líder religioso de suprimir ou reduzir a
dignidade daquele que é diferente de si. Desse modo, não é qualquer crítica de um líder religioso a outras religiões
que configurará o crime de racismo. Nesse sentido, recentemente o STF absolveu um líder religioso dessa imputação
por falta de dolo: “Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se
converterem à sua religião. Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as
religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo. Só haverá racismo se o
discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da
dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente
superior pregar que tem o dever de ajudar os "inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e
de salvação espiritual e, neste caso não haverá conduta criminosa. Na situação concreta, o STF entendeu que o réu
apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve
tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é
inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria
indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente,
elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo”.
151
11.3. Lei Geral de Telecomunicações (S. 606/STJ)

11.4. O art. 305 do CTB é constitucional e não viola o princípio da não autoincriminação: A regra que prevê o
crime do art. 305 do CTB é constitucional, posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao
silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade. Argumentos:
1) Flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação: De fato, a CF/88 prevê, como uma decorrência da
ampla defesa, o direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere). De igual modo, o Pacto de San José da
Costa Rica também assegura esse direito aos acusados. No entanto, para o STF, é “admissível a flexibilização do
princípio da vedação à autoincriminação proporcionada pela opção do legislador de criminalizar a conduta de fugir do
local do acidente”. O legislador, ao exigir que o agente envolvido no acidente continue no local do fato até que sejam
feitos os procedimentos de identificação das pessoas e do sinistro, “não afeta o núcleo irredutível” do direito
fundamental à não autoincriminação. O direito à não autoincriminação preconiza que jamais se pode obrigar o
investigado ou réu a agir ativamente na produção de prova contra si próprio. Ocorre que o tipo penal do art. 305 do
CTB apenas obriga a permanência do agente no local para garantir a identificação dos envolvidos no sinistro e o
devido registro da ocorrência pela autoridade competente. Assim, ele não viola o núcleo da garantia de não
autoincriminação.

2) Obriga-se o condutor a permanecer no local, mas não a “assumir a culpa” (continua “garantido o direito ao
silêncio”): O art. 305 do CTB exige que o agente permaneça no local do acidente e se identifique perante a autoridade
de trânsito. Mas o tipo penal não obriga que o condutor assuma eventual responsabilidade cível ou penal. Se ele
permanecer no local e negar que tenha culpa, não incide o crime do art. 305 do CTB. Vale ressaltar, inclusive, que o
condutor, após sua identificação pela autoridade de trânsito, pode optar por permanecer em silêncio quanto à dinâmica
do acidente e não prestar nenhum esclarecimento sobre como ocorreu o sinistro. Em suma, depois de se identificar,
pode exercer seu direito ao silêncio, que não significará confissão nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa
(art. 186, parágrafo único, do CPP).

3) Princípio da proporcionalidade: Eventual declaração de inconstitucionalidade da conduta tipificada no art. 305 do


CTB, em nome de uma leitura absoluta e irrestrita do princípio da vedação à autoincriminação, caracterizaria afronta
ao princípio constitucional da proporcionalidade em sua dimensão que proíbe a proteção deficiente. Desse modo, o
princípio que veda a não autoincriminação pode ser relativizado pelo legislador, considerando que, segundo a teoria
geral dos direitos fundamentais, havendo conflito entre dois princípios, é necessário um juízo de ponderação. Assim
ocorre, por exemplo, com os postulados da proibição de excesso e da vedação à proteção insuficiente.

4) Fragilização da tutela penal: A criação de empecilhos à responsabilização penal do condutor que foge do local do
acidente fragiliza a tutela penal do Estado e deixa descoberto o bem jurídico que o referido crime deveria proteger.
Além disso, indiretamente, deixa sem proteção direitos fundamentais que um trânsito seguro busca preservar, dentre
eles o direito à vida.

5) Negar a vontade do Parlamento: Descriminalizar o crime de fuga significaria efetivamente negar a vontade do
Parlamento. Essa conduta é criminalizada porque a Constituição promete, em nome do povo, uma sociedade justa e
solidária, o que não poderia ser garantido caso afastada a juridicidade de uma conduta de quem abandona o local do
acidente para fugir à responsabilidade penal e civil.

6) Convenção de Trânsito de Viena: Importante mencionar que existe uma norma de direito internacional que abona
(avaliza) essa opção feita pelo legislador no art. 305 do CTB. Trata-se da Convenção de Trânsito de Viena,
promulgada pelo Decreto 86.714/1981. Esta Convenção prevê que o condutor e demais envolvidos em caso de
acidente devem comunicar a sua identidade, caso isso seja exigido (artigo 31).

7) Precedente do STF na análise do art. 307 do CP (falsa identidade): o STF já tem um precedente análogo. Isso
porque o STF reconheceu que o art. 307 do CP é constitucional e não viola o princípio que veda a autoincriminação.

8) Mesmo no caso de condutas ativas do acusado/investigado têm sido admitidas flexibilizações: O direito do
investigado de não realizar condutas ativas que importem na introdução de informações ao processo também
comporta níveis de flexibilização, muito embora a regra geral seja a da sua vedação. A jurisprudência do STF,
historicamente, adotava uma postura restrita quanto à admissibilidade das intervenções corporais. Contudo, na linha
do que se visualiza no cenário internacional, o STF, gradativamente, iniciou uma caminhada em sentido oposto. Um
precedente exemplificativo desse processo é a Rcl 2.040/DF, na qual se decidiu que a autoridade jurisdicional poderia
autorizar a realização de exame de DNA em material colhido de gestante mesmo sem sua autorização, tendo em vista
o objetivo de investigar possível crime de estupro.
152
9) Se o agente fugiu com medo de eventuais agressões ou para cuidar de um ferimento sofrido, não haverá crime
(“hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade”): Vale ressaltar, por fim, que o abandono do local do
acidente pode ser legitimado em caso de eventual risco de agressões que o condutor possa vir a sofrer por parte dos
populares presentes ou ainda caso ele esteja ferido e precise se deslocar imediatamente em busca de atendimento
médico. Para o Min. Lewandowski, nos casos concretos em que houver perigo de vida do causador do evento caso
permaneça no local do acidente, o juiz poderá aferir a exclusão da antijuridicidade da conduta, tal como a legítima
defesa ou o estado de necessidade. Já para o Min. Alexandre de Moraes, essas situações realmente não configuram
crime, mas por outra razão: atipicidade. Segundo o Ministro, esses casos representam condutas atípicas, uma etapa
anterior à excludente de ilicitude, porque o tipo penal exige que o condutor do veículo se afaste do local do crime
“para fugir à responsabilidade penal ou civil”. Havendo necessidade de o agente evadir-se pelas circunstâncias
apresentadas, não ocorre dolo específico do tipo.

11.5. Crimes da lei de licitações

Crime do art. 89 da Lei de Licitações


 Elemento subjetivo Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93,
exigese o especial fim de agir, consistente na intenção específica de lesar o erário ou obter vantagem indevida. Exige-
se descumprimento de formalidades mais violação aos princípios da AP.
 O tipo penal previsto no art. 89 não criminaliza o mero fato de o administrador público ter descumprido
formalidades. Para que haja o crime, é necessário que, além do descumprimento das formalidades, também se
verifique que ocorreu, no caso concreto, a violação de princípios cardeais (fundamentais) da AP. Se houve apenas
irregularidades pontuais relacionadas com a burocracia estatal, isso não deve, por si só, gerar a criminalização da
conduta. Assim, para que ocorra o crime, é necessária uma ofensa ao bem jurídico tutelado, que é o procedimento
licitatório. Sem isso, não há tipicidade material.
 Decisão amparada em pareceres técnicos e jurídicos: Não haverá crime se a decisão do administrador de deixar de
instaurar licitação para a contratação de determinado serviço foi amparada por argumentos previstos em pareceres
(técnicos e jurídicos) que atenderam aos requisitos legais, fornecendo justificativas plausíveis sobre a escolha do
executante e do preço cobrado e não houver indícios de conluio entre o gestor e os pareceristas com o objetivo de
fraudar o procedimento de contratação direta.

Ausência do crime do art. 89 em conduta de Secretário de Estado que compra, sem licitação, livros didáticos
escolhidos por equipe técnica, de fornecedor exclusivo, sem sobrepreço: Não comete o crime do art. 89 da Lei nº
8.666/93 Secretária de Educação que faz contratação direta, com base em inexigibilidade de licitação (art. 25, I), de
livros didáticos para a rede pública de ensino, livros esses que foram escolhidos por equipe técnica formada por
pedagogos, sem a sua interferência. Vale ressaltar que havia comprovação, por meio de carta de exclusividade emitida
por entidade do setor, de que a empresa contratada era a única fornecedora dos livros na região. Além disso, não
houve demonstração de sobrepreço. Diante dessas circunstâncias, o STF absolveu a ré por ausência de “dolo
específico” (elemento subjetivo especial).

11.6. Lei dos Crimes Ambientais

Assinatura de TAC não impede processo penal: A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão
ambiental não impede a instauração de ação penal. Isso porque vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da
independência das instâncias penal e administrativa.

Delito do art. 54 da Lei 9.605/98 é formal: O delito previsto na primeira parte do art. 54 da Lei nº 9.605/98 possui
natureza formal, sendo suficiente a potencialidade de dano à saúde humana para configuração da conduta delitiva, não
se exigindo, portanto, a realização de perícia. Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que
resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora. Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa.

11.7. A prática do delito de tortura-castigo (vingativa ou intimidatória), previsto no art. 1º, II, da Lei nº
9.455/97, é crime próprio: Há um vínculo preexistente, de natureza pública, entre o agente ativo e o agente passivo
do crime. Logo, o delito até pode ser perpetrado por um particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação
de cuidado, proteção ou vigilância), seja em virtude da lei ou de outra relação jurídica.

11.8. Lavagem de dinheiro


 Simples fato de ter recebido a propina em espécie não configura lavagem de dinheiro O mero recebimento de
valores em dinheiro não tipifica o delito de lavagem, seja quando recebido pelo próprio agente público, seja quando
recebido por interposta pessoa. STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/5/2018 (Info
904).
153
 Recebimento de propina em depósitos bancários fracionados pode configurar lavagem Pratica lavagem de dinheiro
o sujeito que recebe propina por meio de depósitos bancários fracionados, em valores que não atingem os limites
estabelecidos pelas autoridades monetárias à comunicação compulsória dessas operações. Ex: suponhamos que, na
época, a autoridade bancária dizia que todo depósito acima de R$ 20 mil deveria ser comunicado ao COAF; diante
disso, um Deputado recebia depósitos periódicos de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o
crime de lavagem. Trata-se de uma forma de ocultação da origem e da localização da vantagem pecuniária recebida
pela prática do crime antecedente.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

1. COMPETÊNCIA

1.1. Justiça Federal x Justiça Estadual

Crime cometido no exterior e cuja extradição tenha sido negada: competência da Justiça Federal
 Fatos: brasileiro nato praticou crime no exterior e retornou ao Brasil, razão pela qual o pedido de sua extradição
foi negado. Além disso, há previsão específica no Tratado de Extradição firmado entre o Governo da RFB e o
Governo do outro País, que prevê que se não for possível a extradição do indivíduo pelo fato de ele ser nacional do
Estado requerido, então, neste caso, o infrator deverá ser julgado pelo juízo competente do país, em conformidade
com a sua lei, pelos fatos que fundamentaram o pedido de extradição.
 Decisão: o STJ decidiu que, neste caso, a competência é da Justiça Federal. Segundo dispõem os arts. 21, I, e
84, VII e VIII, da CF, compete à União manter relações com Estados estrangeiros e cumprir os tratados firmado.
Desse modo, a União possui compromissos internacionais com a apuração criminal (persecutio criminis) em caso
de delitos praticados por brasileiro no exterior e no qual este infrator esteja agora no Brasil e não possa ser
extraditado, devendo responder em nosso país pelo crime cometido lá fora. Há, portanto, interesse da União, que
justifica a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF.
 Já houve decisão diversa do STF : O cometimento de crime por brasileiro no exterior, por si só, não atrai a
competência da Justiça Federal, sendo neutra, para tal fim, a prática de atos preparatórios no território nacional.
STF. 1ª Turma. HC 105461/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/3/2016.

Justiça Federal é competente para julgar venda de cigarro importado, permitido pela ANVISA, desacompanhada
de nota fiscal e sem comprovação de pagamento do imposto de importação
 Fatos: um camelô vende cigarros do Paraguai, que são aprovados pela ANVISA e podem ser importados e
comercializados no Brasil, desde que cumpridas as obrigações tributárias. O camelô, no entanto, não possuía nota
fiscal dos cigarros apreendidos em sua posse. Ele confessou que adquiriu os cigarros de um rapaz que também mora
em Belo Horizonte e fornece mercadorias para os camelôs.
 Crime, em tese, praticado: Descaminho, na figura equiparada prevista no art. 334, § 1º, IV, do CP (descaminho por
assimilação) – v. livro para informações adicionais sobre o crime de descaminho e sua diferença para o crime de
contrabando (págs. 1.152 a 1.154).
 Competência: Compete à Justiça Federal processar e julgar a conduta de expor à venda cigarros de importação
permitida pela ANVISA, sem nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação. Como o
descaminho tutela prioritariamente interesses da União, é de se reconhecer a competência da Justiça Federal para
conduzir o inquérito policial e, eventualmente, caso seja oferecida denúncia, julgar a ação penal, aplicando-se o
disposto na Súmula 151-STJ: A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho
define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.
 Tese declinatória invocada pela defesa: a fim de afastar a competência da Justiça Federal, alegou-se que não houve
transnacionalidade na conduta do agente. O STJ, porém, rejeitou essa tese. O simples fato do produto mantido em
depósito ter origem estrangeira é suficiente, por si só, para atrair a competência da JF. Os crimes de contrabando e de
descaminho tutelam prioritariamente interesse da União porque a ela compete privativamente definir os produtos que
não podem ingressar no país, além de exercer a fiscalização aduaneira e de fronteira (arts. 21, XXII e 22, VIII, da CF).
Ademais, os impostos exigidos para a entrada de mercadorias no país são tributos de competência da União.

Compete à Justiça Federal julgar os crimes de violação de direito autoral e contra a lei de software relacionados
com o card sharing
 Fatos: João é líder de uma organização criminosa que “vende” clandestinamente sinal de TV por assinatura. O
modus operandi da organização criminosa é o seguinte: João assina uma conta de TV paga (ex: NET). Após a
assinatura, ele irá receber um receptor com um cartão dentro. Neste cartão constam os dados necessários para que ele
possa assistir todos os canais do plano contratado. Ocorre que João liga esse aparelho em um computador que lê os
dados do cartão e os repassa para os seus “clientes”, que poderão também assistir à TV por assinatura em suas casas
154
como se tivessem um cartão original. Essa atividade é chamada de “card sharing”. Em uma tradução literal,
significaria algo como “compartilhamento de cartão”. Vale ressaltar que os dados desses cartões são criptografados e
que há uma “quebra” das chaves criptográficas, muitas vezes feita pela internet por especialistas que estão em outras
partes do mundo. No caso de João, a “quebra” das chaves criptográficas dos cartões é feita por crackers situados na
Ásia e Leste Europeu, que enviam, via internet, a João os dados desbloqueados e que são repassados aos clientes.
 Crime: prevalece que a prática de “card sharing” é crime. Ainda não há julgado dos Tribunais Superiores
definindo com segurança qual a tipificação legal para esta conduta, no entanto, prevalece que há sim crime. •
Violação de direito autoral (art. 184 do CP). • Crime da Lei de Software (Lei 9.609/98); • Em um caso no qual o
agente montou uma espécie de TV clandestina na qual transmitia ilegalmente a programação de outras televisões e
também uma programação própria, o STJ entendeu que a conduta se amoldava mais ao art. 183 da Lei 9.472/99 • Há
julgados do STJ afirmando que haveria o crime de furto (porém, não envolviam o “card sharing” e o STF tem decisão
em sentido contrário.
 Competência: Justiça Federal, com base no art. 109, V da CF. Elementos:
a) Previsão do fato como crime no Brasil: A conduta de compartilhar, de forma ilícita, sinal de TV por assinatura por
meio de serviços de “card sharing” configura os crimes de violação de direito autoral e contra a lei de software.
b) Compromisso de combater este crime assumido pelo Brasil em tratado ou convenção internacional: O Brasil é
signatário da Convenção de Berna, integrada ao ordenamento jurídico nacional através do Decreto nº 75.699/75, e
reiterada na Organização Mundial do Comércio – OMC por acordos como o TRIPS, incorporado pelo Decreto nº
1355/94, com a previsão dos princípios de proteção aos direitos dos criadores. Diversos outros tratados e convenções
multilaterais foram assinados pelo Brasil, fixando garantias aos patrimônios autorais e culturais.
c) Relação de internacionalidade: O terceiro requisito constitucional é de tratar-se de crime à distância, com parcela
do crime no Brasil e outra parcela do iter criminis fora do país. Este requisito também está presente. No “card
sharing” as chaves criptográficas são quebradas por intermédio de especialistas situados em outras partes do mundo.
Verifica-se, nesse contexto, que tais crimes ultrapassam as fronteiras nacionais. Vale ressaltar, ainda, que os aparelhos
decodificadores utilizados para a transmissão do sinal de TV são fabricados na China ou na Coréia e não possuem
selo indicativo de licença do órgão fiscalizatório ou agência reguladora. Com efeito, a simples instalação e utilização
desses equipamentos, sem a devida autorização da ANATEL, por si só, caracteriza conduta capaz de representar
efetivo comprometimento a serviço público relacionado à atividade tecnológica, o que evidencia o interesse jurídico
da referida Agência, justificando, também por este motivo, a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109,
I, da CF.

Compete à Justiça Federal conceder medida protetiva em favor de mulher ameaçada por exnamorado que mora
nos EUA e faz as ameaças por meio do Facebook
 Fatos: Gabriela morou nos EUA, onde namorou. Foi ameaçada pelo namorado. Mesmo voltando ao Brasil, a
agonia não teve fim, pois ele ficou enviou mensagens no Facebook ameaçando-a e dizendo que iria até o Brasil matá-
la. Ela procurou a Delegacia da Mulher e a Delegada formulou pedido de medida protetiva de urgência.
 Decisão: Compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de
ameaça contra a mulher cometido por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu
resultado ocorrer no Brasil.
 Justificativa: (i) trata-se de crime à distância, pois encontra-se o suposto autor das ameaças em território
estrangeiro, de modo que as ameaças foram praticadas nos EUA, mas a suposta vítima teria tomado conhecimento do
seu teor no Brasil; (ii) O crime de ameaça contra mulheres é previsto em tratado ou convenção internacional? Não.
Entretanto, o STF, ao analisar os crimes de pedofilia na Internet, já decidiu entendendo que o crime não precisa estar
previsto em tratado ou convenção internacional. Basta que o Brasil tenha se comprometido a combater essa prática
descrita no tratado ou convenção internacional. Aplica-se, assim, o art. 109, V da CF.

Compete à Justiça Estadual a execução de MS imposta a militar licenciado: vide Processo Penal Militar.

1.2. Restrição do foro por prerrogativa de função e suas consequências (QO na AP 937)
 Conceito de foro por prerrogativa de função: Trata-se de uma prerrogativa prevista pela CF, segundo a qual as
pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções só serão processadas e julgadas criminalmente (não engloba processos
cíveis) por determinados Tribunais. Justificativa: entende-se que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem
cargos/funções importantes, só podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos
colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário. Por isso, tecnicamente, não se trata de um privilégio.
 Previsão: em regra, só a CF pode prever casos de foro por prerrogativa de função. Porém, excepcionalmente, o art.
125, caput e § 1º, da CF autorizam que as CEs prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função nos TJs, ou seja,
situações nas quais determinadas autoridades serão julgadas originariamente pelo TJ. Vale ressaltar, no entanto, que a
previsão da CE só será válida se respeitar o princípio da simetria com a CF. Isso significa que a autoridade estadual
que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que
tenha foro por prerrogativa de função na CF. Exemplos de autoridades que dependem da CE (algumas CEs preveem
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que a competência para julgar os crimes por elas praticados é do TJ): • Vice-governadores; • Vereadores. Se a CE não
trouxer nenhuma regra, tais autoridades serão julgadas em 1ª instância.
 Disfuncionalidade: Cf. explica o Min. Luís Roberto Barroso, a CF prevê que um conjunto amplíssimo de agentes
públicos responda por crimes comuns perante tribunais. Estima-se que cerca de 37 mil autoridades detenham a
prerrogativa no país. Não há, no Direito Comparado, nenhuma democracia consolidada que consagre a prerrogativa
de foro com abrangência comparável à brasileira. Este modelo amplo de foro por prerrogativa de função
tradicionalmente acarreta duas consequências graves e indesejáveis para a justiça e para o STF: 1ª) Afasta o STF do
seu verdadeiro papel, que é o de Suprema Corte, e não o de tribunal criminal de 1º grau. 2ª) Contribui para a
ineficiência do sistema de justiça criminal. Além disso, as autoridades com foro por prerrogativa de função no STF
ficam sujeitas a julgamento por uma única instância, em desrespeito ao duplo grau de jurisdição, indo de encontro a
TIDH que o Brasil é signatário.
 Jurisprudência antiga: o direito ao foro por prerrogativa de função iniciava-se com a diplomação do Deputado ou
Senador e só se encerrava com o término do mandato. Assim, se determinado indivíduo estivesse respondendo a uma
ação penal em 1ª instância, caso ele fosse eleito Deputado, no mesmo dia da sua diplomação cessaria a competência
do juízo de 1ª instância e o processo criminal deveria ser remetido ao STF para ali ser julgado.
 Nova jurisprudência: 1) Redução teleológica do foro: Na origem, a prerrogativa de foro tinha como fundamento a
necessidade de assegurar a independência de órgãos e o livre exercício de cargos constitucionalmente relevantes.
Entendia-se que a atribuição da competência originária para o julgamento dos ocupantes de tais cargos a tribunais de
maior hierarquia evitaria ou reduziria a utilização política do processo penal contra titulares de mandato eletivo ou
altas autoridades, em prejuízo do desempenho de suas funções. Assim, o foro privilegiado foi pensado p/ ser um
instrumento destinado a garantir o livre exercício de certas funções públicas, e não para acobertar a pessoa ocupante
do cargo. Por essa razão, não faz sentido estendê-lo aos crimes cometidos antes da investidura nesse cargo e aos que,
cometidos após a investidura, sejam estranhos ao exercício de suas funções. Se o foro por prerrogativa de função for
amplo e envolver qualquer crime (ex.: um acidente de trânsito), ele se torna um privilégio pessoal que não está
relacionado com a proteção do cargo. Além disso, a existência do foro por prerrogativa de função representa uma
exceção ao princípio republicano e ao princípio da igualdade. Tais princípios, contudo, gozam de preferência
axiológica em relação às demais disposições constitucionais. Daí a necessidade de que normas constitucionais que
excepcionem esses princípios – como aquelas que introduzem o foro por prerrogativa de função - sejam interpretadas
sempre restritivamente. Assim, necessária uma redução teleológica do escopo das competências originárias do STF
pela via interpretativa. Conclusão: “As normas da CF que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função
devem ser interpretadas restritivamente, aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o
exercício do cargo e em razão dele. Assim, p. ex., se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser diplomado como
Deputado Federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instância, mesmo ocupando
o cargo de parlamentar federal. Ademais, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no mandato, se
o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado. Foi fixada,
portanto, a seguinte tese: O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício
do cargo e relacionados às funções desempenhadas”.
2) Momento da fixação definitiva da competência do STF: Se o parlamentar federal está respondendo a uma ação
penal no STF e, antes de ser julgado, ele deixe de ocupar o cargo (exs.: renunciou, não se reelegeu etc.), cessa o foro
por prerrogativa de função e o processo deverá ser remetido para julgamento em 1ª instância? O STF decidiu
estabelecer uma regra para situações como essa: • Se o réu deixou de ocupar o cargo antes de a instrução terminar:
cessa a competência do STF e o processo deve ser remetido para a 1ª instância. • Se o réu deixou de ocupar o cargo
depois de a instrução se encerrar: o STF permanece sendo competente para julgar a ação penal. Assim, o STF
estabeleceu um marco temporal a partir do qual a competência para processar e julgar ações penais – seja do STF ou
de qualquer outro órgão jurisdicional – não será mais afetada em razão de o agente deixar o cargo que ocupava,
qualquer que seja o motivo (exs.: renúncia, não reeleição, eleição para cargo diverso). Por que foi necessário
estabelecer este limite temporal? Porque era comum haver um constante deslocamento da competência das ações
penais de competência originária do STF (um verdadeiro “sobe-e-desce” processual). Quando se considera encerrada
a instrução, para os fins acima explicados? Considera-se encerrada a instrução processual com a publicação do
despacho de intimação para apresentação de alegações finais. Por que se escolheu esse critério do encerramento da
instrução? Por três razões: 1ª) Trata-se de um marco temporal objetivo, de fácil aferição, e que deixa pouca margem
de manipulação para os investigados e réus e afasta a discricionariedade da decisão dos tribunais de declínio de
competência; 2ª) Este critério privilegia o princípio da identidade física do juiz, ao valorizar o contato do magistrado
julgador com as provas produzidas na ação penal; 3ª) Já existia precedente do STF adotando este marco temporal.
Tese fixada quanto à 2ª proposição: “Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de
intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais
afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o
motivo”.
 Consequência para investigações: se o crime foi praticado antes da diplomação ou se o crime foi praticado depois
da diplomação (durante o exercício do cargo), mas o delito não tem relação com as funções desempenhadas (ex.:
homicídio culposo no trânsito), a investigação pode ser feita pela Polícia (Civil ou Federal) ou MP. Não há
156
necessidade de autorização do STF e as medidas cautelares são deferidas pelo juízo de 1ª instância (ex.: quebra de
sigilo). Porém, se o crime foi praticado depois da diplomação (durante o exercício do cargo) e o delito está
relacionado com as funções desempenhadas (ex.: corrupção passiva), a investigação será feita pela Polícia Federal e
PGR, com supervisão judicial do STF, havendo necessidade de autorização do STF para o início das investigações.
 Extensão: o STF entendeu que essa nova jurisprudência vale para outros casos de foro por prerrogativa de função,
no caso, para Ministros de Estado. O STJ, através do mesmo raciocínio, também decidiu que a restrição do foro deve
alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais.
 Exceção: por outro lado, o STJ entendeu que a nova jurisprudência não se aplica para desembargador do TJ: Os
Desembargadores dos TJs continuam sendo julgados pelo STJ mesmo que o crime não esteja relacionado com as suas
funções. Assim, o STJ continua sendo competente para julgar quaisquer crimes imputados a Desembargadores, não
apenas os que tenham relação com o exercício do cargo. Isso porque o STJ entendeu que haveria um risco à
imparcialidade caso o juiz de 1º instância julgasse um Desembargador (autoridade que, sob o aspecto administrativo,
está em uma posição hierarquicamente superior ao juiz). Duvidas: 1) Essa mesma exceção poderá ser aplicada para os
membros dos TRFs (“Desembargadores Federais), para os membros dos TRTs (“Desembargadores Federais do
Trabalho”) e para os membros dos TREs? 2) Essa mesma exceção poderá ser aplicada para os membros dos TRFs
(“Desembargadores Federais), para os membros do MPU que oficiem perante tribunais (e que estão listados no art.
105, I, “a”, da CF)? 3) Se o crime praticado pelo Desembargador do Tribunal de Justiça for um “crime federal” (delito
de competência da Justiça Federal), ele poderia ser julgado pelo Juiz Federal de 1ª instância, considerando que eles
não mantêm qualquer vinculação entre si, já que não fazem parte do mesmo Tribunal?

A prerrogativa de foro de membro do MP é preservada quando a possível participação deste em conduta criminosa
é comunicada com celeridade ao PGJ: Se uma pessoa sem foro por prerrogativa está sendo interceptada por decisão
do juiz de 1º grau e ela liga para uma autoridade com foro (ex.: Promotor de Justiça), a gravação desta conversa não é
ilícita. Isso porque se trata de encontro fortuito de provas (encontro fortuito de crimes, serendipidade ou crime
achado). Se após essa ligação, o Delegado ainda demora três dias para comunicar o fato às autoridades competentes
para apurara a conduta do Promotor, este tempo não é considerado excessivo, tendo em vista a dinâmica que envolve
as interceptações telefônicas. Assim, o STF decidiu que a prerrogativa de foro de membro do MP é preservada
quando a possível participação deste em conduta criminosa é comunicada com celeridade ao PGJ. Tais gravações, por
serem lícitas, podem servir como fundamento para que o CNMP aplique sanção de aposentadoria compulsória a este
Promotor.

1.3. Regras para a aplicação da decisão do STF na AP 937 QO/RJ aos processos em curso no STF: (i) Com a
decisão proferida pelo STF, em 03/05/18, na AP 937 QO/RJ, todos os inquéritos e processos criminais que estavam
tramitando no STF envolvendo crimes não relacionados com o cargo ou com a função desempenhada pela autoridade,
foram remetidos para serem julgados em 1ª instância. (ii) O entendimento acima não se aplica caso a instrução já
tenha se encerrado. Em outras palavras, se a instrução processual já havia terminado, mantém-se a competência do
STF para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que o processo apure um crime que
não está relacionado com o cargo ou com a função desempenhada. Isso porque o STF definiu, como 2ª tese, que “após
o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar
outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.

1.4. Busca e apreensão ordenada contra o marido da Senadora, mas cujo cumprimento ocorreu no imóvel
funcional onde ambos residem: deve-se observar as regras de foro privativo: Paulo Bernardo era investigado e o
juiz de 1º grau determinou, contra ele, busca e apreensão. Ocorre que Paulo Bernardo residia com a sua esposa, a
Senadora Gleisi Hoffmann, em um imóvel funcional cedido pelo Senado. Desse modo, a busca e apreensão foi
realizada neste imóvel funcional. O STF entendeu que esta prova foi ilícita (art. 5º, LVI, da CF) e determinou a sua
inutilização e o desentranhamento dos autos de todas as provas obtidas por meio da referida diligência. O STF
entendeu que a ordem judicial de busca e apreensão foi ampla e vaga, sem prévia individualização dos bens que
seriam de titularidade da Senadora e daqueles que pertenciam ao seu marido. Diante disso, o STF entendeu que o juiz,
ao dar essa ordem genérica, acabou por também determinar medida de investigação contra a própria Senadora. Logo,
como ela tinha foro por prerrogativa de função no STF (art. 102, I, “b”, da CF), só o STF poderia ter ordenado
qualquer medida de investigação contra a parlamentar federal. Isso significa que o juiz de 1ª instância usurpou uma
competência que era do STF. Reconheceu, por conseguinte, a ilicitude da prova obtida (art. 5º, LVI, da CF) e de
outras diretamente dela derivadas.

1.5. Competência para julgar caixa 2 conexo com corrupção passiva e lavagem de dinheiro
 Fatos: João praticou as seguintes condutas: a) recebeu R$ 500 mil de propina de uma empresa para praticar atos
ilícitos como agente público; b) recebeu R$ 300 mil de doações eleitorais, por meio de caixa 2, durante sua campanha
para Governador; c) ocultou a origem dos R$ 500 mil de propina simulando ganhos com a venda de gado.
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 Crimes cometidos em tese: a) corrupção passiva (art. 317 do CP); b) falsidade ideológica (art. 350 do Código
Eleitoral); c) lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98). Vale ressaltar que todos os crimes praticados são
conexos.
 Competência: Justiça eleitoral. Competirá à Justiça Eleitoral julgar todos os delitos. No concurso entre a jurisdição
penal comum e a especial (como a eleitoral), prevalecerá esta na hipótese de conexão entre um delito eleitoral e uma
infração penal comum. O fundamento para isso está no art. 35, II, do Código Eleitoral e no art. 78, IV, do CPP.

2. PRISÃO E OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES

2.1. Decisão proferida em audiência de custódia reconhecendo a atipicidade do fato não faz coisa julgada
 Audiência de custódia: é o direito que a pessoa presa possui de ser levada, sem demora (CNJ adotou o máximo de
24h), à presença de um juiz, que irá analisar se os DFs dessa pessoa foram respeitados (ex.: se não houve tortura), se a
prisão em flagrante foi legal ou se deve ser relaxada (art. 310, I, do CPP) e se a prisão cautelar (antes do trânsito em
julgado) deve ser decretada (art. 310, II) ou se o preso poderá receber a liberdade provisória (art. 310, III) ou medida
cautelar diversa da prisão (art. 319). É prevista na CADH, mas não com esse nome. Há quem chame de audiência de
apresentação. Apesar de existir um projeto de lei tramitando no CN, ela ainda não foi regulamentada por lei no Brasil.
Diante desse cenário, e a fim de dar concretude à previsão da CADH, o CNJ, no fim de 2015, aprovou a Resolução
213/2015, que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas.
 Participantes: A audiência de custódia será realizada na presença do MP e da DP, caso a pessoa detida não possua
defensor constituído. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante
a audiência de custódia. Se a pessoa presa em flagrante delito constituir advogado até o término da lavratura do auto
de prisão em flagrante, o Delegado de polícia deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns, tais como correio
eletrônico, telefone ou mensagem de texto, para que compareça à audiência de custódia.
 Deveres do Juiz: 1) esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões que analisará; 2) assegurar
que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à
integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito; 3) dar ciência sobre seu
direito de permanecer em silêncio; 4) questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos
direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor
público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares; 5) indagar sobre as circunstâncias de
sua prisão ou apreensão; 6) perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da
apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências
cabíveis; 7) verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em
que: a) não tiver sido realizado; b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tratos
referir-se a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial; 8)
abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos
objeto do auto de prisão em flagrante; 9) adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; 10)
averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da
pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química,
para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a
imposição de medida cautelar.
 Procedimento: Após o juiz ouvir a pessoa presa, deverá conceder a palavra ao MP e depois à defesa técnica, para
que estes façam reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito
dos fatos que possam constituir eventual imputação. Após concluir a oitiva do flagranteado, pode: 1) determinar o
relaxamento da prisão em flagrante (caso entenda que a prisão foi ilegal); 2) conceder liberdade provisória (com ou
sem medida cautelar diversa da prisão); 3) decretar a prisão preventiva, caso estejam presentes os pressupostos do art.
312 do CPP; 4) decretar outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa.
 Fatos: o juiz de plantão decidiu pelo relaxamento da prisão por entender que a conduta praticada pelo flagranteado
seria atípica. O MP poderia ter recorrido (cabe RESE, nos termos do art. 581, V, do CPP), mas não o fez. Meses
depois, o MP apresentou denúncia, que foi recebida. O réu, então, impetrou HC para trancar a ação penal, alegando
que teria havido coisa julgada que estaria sendo violada pela decisão de recebimento da denúncia.
 Decisão: indeferido o HC. Na audiência de custódia é feito apenas um juízo preliminar acerca da legitimidade da
prisão em flagrante, analisando se é caso de eventual relaxamento, decretação da prisão preventiva ou concessão de
liberdade provisória. Assim, a decisão proferida na audiência de custódia não é uma decisão de mérito para efeito de
coisa julgada. Ademais, a atipicidade da conduta apontada pelo juiz plantonista, em sede de audiência de custódia, foi
utilizada apenas como fundamento para o relaxamento da prisão. Porém, o juiz plantonista não possuía competência
para determinar o arquivamento dos autos, pois sua atuação estava limitada à análise da regularidade da prisão. A
atuação do Judiciário nesta fase se justifica apenas p/ proteger direitos e garantias do custodiado. Qualquer
consideração feita sobre eventual tipicidade da conduta não produz efeito de coisa julgada, não havendo prolação de
sentença.

2.2. Descumprimento de medida protetiva, prisão preventiva e contravenção penal: v. Direito Penal.
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2.3. Prisão domiciliar para gestantes, puérperas, mães de crianças e mães de pessoas com deficiência
 Prisão domiciliar do CPP x da LEP: no CPP, a prisão domiciliar é uma medida cautelar que substitui a prisão
preventiva pelo recolhimento da pessoa em sua residência. Já na LEP, é medida de execução penal (cumprimento da
pena) na própria residência. As hipóteses também são diferentes (v. arts. 317 e 318 do CPP e o art. 117 da LEP).
 Alterações promovidas pela Lei 13.257/16: agora basta que a investigada ou ré esteja grávida para ter direito à
prisão domiciliar - não mais se exige tempo mínimo de gravidez nem que haja risco à saúde da mulher ou do feto.
Além disso, 2 hipóteses novas foram incluídas: mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos; e homem, caso
seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos de idade incompletos. Ocorre que, como a lei diz que
o “juiz poderá”, havia divergência sobre se a medida era obrigatória e facultativa – a maioria da doutrina e dos
julgados do STJ diziam que era facultativa e o juiz deveria analisar, em cada caso concreto, se a prisão domiciliar
seria suficiente.
 HC Coletivo: impetrado no STF pedindo que a Corte reconhecesse, de forma ampla e geral, que as presas grávidas
ou com filhos menores de 12 anos possuem direito à prisão domiciliar.
 Decisão: (i) conhecimento do HC:
a) Cabimento: 1) Como a ação coletiva é um dos únicos instrumentos capazes de garantir o acesso à justiça dos
grupos mais vulneráveis socioeconomicamente. Nesse sentido, o STF tem admitido com maior amplitude a utilização
da ADPF e do MI coletivo. O HC, por sua vez, se presta a salvaguardar a liberdade. Assim, se o bem jurídico
ofendido é o direito de ir e vir, quer pessoal, quer de um grupo determinado de pessoas, o instrumento processual para
resgatá-lo é o HC, individual ou coletivo. Para o STF, apesar de não haver previsão expressa no ordenamento jurídico,
há 2 dispositivos legais que, indiretamente, revelam a possibilidade de HC coletivo: o art. 654, § 2º e o art. 580,
ambos do CPP20.
2) A CF prevê que o MS é cabível quando não for o caso de HC (art. 5º, LXIX). Há, portanto, uma equivalência entre
esses 2 remédios constitucionais. A CF prevê a existência do MS coletivo (art. 5º, LXX). Por dedução, pode-se
reconhecer a possibilidade do habeas corpus coletivo.
3) O pedido formulado no HC coletivo até poderia, em tese, ser conseguido com uma decisão em ADPF. Mas, o rol
de legitimados da ADPF é mais restrito. Assim, a existência de outras ferramentas disponíveis para suscitar a defesa
coletiva de direitos não deve obstar o conhecimento desta ação. Como o acesso à justiça, sobretudo de mulheres
presas e pobres, é muito difícil em virtude de sua notória deficiência, o Poder Judiciário não pode negar que os vários
segmentos da sociedade civil façam a sua defesa com os mecanismos que dispõem.
4) Um dos argumentos contrários à impetração do HC coletivo era o de que ele beneficiaria um universo de mulheres
indeterminadas ou indetermináveis. Esse argumento foi refutado pelo STF em virtude do fato de que os autores da
ação apresentaram listas contendo nomes e demais dados de inúmeras mulheres presas preventivamente e que se
encontram nesta situação (grávidas ou com filhos de até 12 anos).
5) Competência do STF: Porque muitas das decisões que não concederam a prisão domiciliar para as gestantes e mães
de filhos de até 12 anos foram proferidas pelo STJ e a competência para julgar habeas corpus contra acórdãos do STJ
é do STF. Além disso, era fundamental uma decisão de âmbito nacional do STF para garantir maior isonomia às
partes envolvidas, para permitir que lesões a direitos potenciais ou atuais sejam sanadas com mais celeridade e para
descongestionar o acervo de processos em trâmite no país. Essas razões, somadas ao reconhecimento do estado de
coisas inconstitucional do sistema prisional, bem assim à existência de decisões dissonantes sobre o alcance da
redação do art. 318, IV e V, do CPP, impõem o reconhecimento da competência do STF para o julgamento do writ,
sobretudo tendo em conta a relevância constitucional da matéria.
6) Legitimidade: Diante da inexistência de regramento legal, o STF entendeu que se deve aplicar, por analogia, o art.
12 da Lei 13.300/16, que trata sobre os legitimados para propor MI coletivo. Assim, possuem legitimidade para
impetrar HC coletivo: 1) o MP; 2) o partido político com representação no CN; 3) a organização sindical, entidade de
classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 ano (caso dos autos); 4) a DP.
b) Mérito: 1) Grave deficiência estrutural no sistema carcerário; 2) “Cultura do encarceramento”; 3) O Brasil não tem
conseguido garantir sequer o bem-estar de gestantes e mães que estão soltas; 4) Legislação prevê direitos às mulheres
presas que não estão sendo assegurados; 5) Documentos internacionais que asseguram direitos às pessoas sob custódia
do Estado; 6) Direitos dos filhos também são desrespeitados. Tudo isso para se determinar os parâmetros para a
aplicação dos incisos IV e V do art. 318 do CPP:
REGRA: Em regra, deve ser concedida prisão domiciliar para todas as mulheres presas que sejam gestantes,
puérperas (que deram à luz há pouco tempo), mães de crianças ou mães de PCD.
EXCEÇÕES: Não deve ser autorizada a prisão domiciliar se: 1) a mulher tiver praticado crime mediante violência ou
grave ameaça; 2) a mulher tiver praticado crime contra seus descendentes (filhos e/ou netos); 3) em outras situações
excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. Obs.: o
raciocínio acima explicado vale também para adolescentes que tenham praticado atos infracionais.
20
O art. 654, § 2º estabelece que compete aos juízes e tribunais expedir ordem de HC de ofício. O art. 580 do CPP, por sua vez, permite que
a ordem concedida em determinado HC seja estendida para todos que se encontram na mesma situação. Assim, conclui-se que os juízes ou
Tribunais podem estender para todos que se encontrem na mesma situação a ordem de HC concedida individualmente em favor de uma
pessoa.
159
Outras questões: (i) a regra e as exceções acima explicadas também valem para a reincidente; (ii) se o juiz entender
que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações, poderá substituí-la por medidas
alternativas arroladas no art. 319 do CPP; (iii) em regra, basta a palavra da mãe, mas, excepcionalmente, em caso de
dúvida, o juiz poderá requisitar a elaboração de laudo social; (iv) os juízes, durante a realização das audiências de
custódia, já deverão adotar as diretrizes acima explicadas, concedendo, em regra, a prisão domiciliar; (v) os juízes e
Tribunais deverão, de ofício, conceder a prisão domiciliar às mulheres que se enquadrem nos incisos IV e V do art.
318 do CPP; (vi) o STF, com o objetivo de se proteger do grande número de Rcl que receberia, afirmou
expressamente que, “nas hipóteses de descumprimento da presente decisão, a ferramenta a ser utilizada é o recurso, e
não a Rcl”.

Obs.: Custos vulnerabilis: significa “guardiã dos vulneráveis”. Segundo a tese da DP, em todo e qualquer processo
onde se discuta interesses dos vulneráveis seria possível a intervenção da DP, independentemente de haver ou não
advogado particular constituído. Quando a DP atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre não
como representante da parte em juízo, mas sim como protetor dos interesses dos necessitados em geral. Na seara das
execuções penais, a DP argumenta que, desde 2010, existe previsão expressa na LEP autorizando a intervenção da
Instituição como custos vulnerabilis. No âmbito cível, especificamente no caso das ações possessórias, o art. 554, §
1º do CPC é exemplo de intervenção custos vulnerabilis. Vale ressaltar que as duas previsões acima são
exemplificativas, admitindo-se a intervenção defensoral como custos vulnerabilis em outras hipóteses. A DP defende,
inclusive, que essa intervenção pode ocorrer mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim
vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica. É o caso, por exemplo, dos consumidores, das CAs, dos
idosos, dos indígenas etc. A intervenção da DP tem o objetivo de trazer para os autos argumentos, documentos e
outras informações que reflitam o ponto de vista das pessoas vulneráveis, permitindo que o juiz ou tribunal tenha mais
subsídios para decidir a causa. É uma atuação da Defensoria Pública para que a voz dos vulneráveis seja amplificada.
Observe-se, porém, que a tese institucional da DP é a de que não se trata de amicus curiae, havendo as seguintes
diferenças:

Amicus curiae Custos vulnerabilis


Pode ser qualquer pessoa natural ou jurídica, órgão ou Somente a Defensoria Pública pode intervir
entidade especializada, com representatividade adequada. como custos vulnerabilis.
Em regra, admite-se a sua intervenção em qualquer tipo de Admite-se a intervenção do custos vulnerabilis em
processo, desde que: a) a causa tenha relevância; e b) a qualquer processo no qual estejam sendo discutidos
pessoa tenha capacidade de oferecer contribuição ao interesses de vulneráveis.
processo.
Em regra, não pode recorrer. Exceção 1: oposição de EDs O custos vulnerabilis pode interpor qualquer
(art. 138, § 1º do CPC). Exceção 2: recorrer da decisão que espécie de recurso.
julgar o IRDR (art. 138, § 3º do CPC).

No HC coletivo analisado, várias DPs ingressaram com pedidos para intervir como custos vulnerabilis.
Subsidiariamente, pediram a intervenção como amicus curiae. O que o STF decidiu? O Min. Relator,
monocraticamente, admitiu a intervenção das DPs na qualidade de amicus curiae, mas não enfrentou a temática
do custos vulnerabilis. Desse modo, pelo menos por enquanto, não houve ainda a adoção expressa da figura do custos
vulnerabilis pelo STF.

2.4. Lei 13.769/18: Positivou no CPP o entendimento manifestado pelo STF. A principal diferença foi que o
legislador não incluiu a exceção número 3. Além disso, na exceção 2 não falou em descendentes, mas sim em filho ou
dependente.
 Questiona-se: a exceção 3 ainda é possível? Aqui temos o ponto mais polêmico da novidade legislativa. Teria sido
um silêncio eloquente do legislador com o objetivo de superar, neste ponto, o entendimento do STF sobre o tema ou
representaria uma simples omissão? Particularmente, penso que a exceção 3 continua existindo. Isso porque ela foi
fixada pelo STF não por conta da interpretação da lei, mas sim com base em uma verdadeira construção (criação)
jurisprudencial. As 3 exceções não eram previstas em nenhum lugar. Logo, parece-me que o fato de o legislador não
ter encampado expressamente essa exceção 3 não significa que ela não exista. O legislador não tem condições de
prever todas as hipóteses excepcionais, sendo justificável que o juiz, diante de um caso concreto, identifique que a
concessão da prisão domiciliar ameaçará a garantia da ordem pública/econômica, a conveniência da instrução
criminal ou que irá colocar em risco a aplicação da lei penal.
 A Lei previu também: que o Juiz poderá aplicar outras medidas cautelares em conjunto com a prisão domiciliar
(art. 318-B) e que o Juiz não deverá aplicar a prisão domiciliar se for o caso de liberdade provisória.
 Comprovação: a comprovação da gravidez é realizada por meio de exame, sendo razoável a sua dispensa em casos
notórios. A da filiação é feita pela certidão de nascimento ou pela cédula de identidade da criança. A comprovação da
condição de PCD é feita por laudo/atestado médico ou por outro documento idôneo (ex.: sentença de curatela).
160
 Responsável: O art. 318-A fala que deverá ser concedida a prisão domiciliar para a mulher que for “responsável”
por crianças ou PCDs. A expressão “responsável” é ampla e abrange, portanto, não apenas casos de guarda, tutela ou
curatela, mas também outras hipóteses nas quais a mulher seja a única que cuidava da criança ou da PCD. Ex.: a
mulher presa era a única parente próxima de sua irmã, PCD, sendo a custodiada a responsável por todos os cuidados.
 Guarda efetiva: A lei não exige que a mulher tenha a guarda efetiva da criança. Assim, em tese, mesmo que o pai
possua a guarda unilateral da criança, ainda assim, pelo texto do artigo, haveria direito à prisão domiciliar. Veremos
como os Tribunais irão interpretar essa questão e se exigirão a guarda efetiva como condição para a concessão da
medida. Algo, contudo, me parece certo: se ficar constatada a suspensão ou destituição do poder familiar por outros
motivos que não a prisão, a mulher não terá direito à prisão domiciliar com base no art. 318-A do CPP.
 Reincidente: a regra e as exceções acima explicadas também valem para a reincidente.
 Reserva de jurisdição: A substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar é uma competência exclusiva do
juiz, cf. prevê expressamente o caput do art. 318 do CPP. Assim, caso o Delegado lavre o auto de prisão em flagrante
de uma mulher grávida, ele deverá mantê-la presa (em uma acomodação condigna) e encaminhar o auto de prisão em
flagrante ao juiz ressaltando que se trata de flagranteada gestante a fim de que delibere acerca da prisão domiciliar.
 Alterações na progressão de regime: a Lei também trouxe novas regras sobre execução da pena envolvendo
gestante ou mulher que for mãe ou responsável por crianças ou PCD, prevendo regras mais brandas (“progressão
especial”), cf. se vê do art. 112, § 3º da LEP. O § 4º, contudo, faz uma ressalva e prevê que, se a mulher for
condenada por novo crime doloso; ou praticar falta grave, ela perderá o direito de se beneficiar com os requisitos
diferenciados do § 3º.
 Pena por crime hediondo: A Lei 13.769/2018 alterou expressamente a Lei 8.072/90 para dizer que também no caso
de crimes hediondos, devem ser aplicados os requisitos abrandados do § 3º do art. 112 da LEP.

2.5. Prisão domiciliar humanitária: O art. 318, II, do CPP é chamado de prisão domiciliar humanitária. Em um caso
concreto, o STF entendeu que deveria conceder prisão humanitária ao réu tendo em vista o alto risco de saúde, a
grande possibilidade de desenvolver infecções no cárcere e a impossibilidade de tratamento médico adequado na
unidade prisional ou em estabelecimento hospitalar — tudo demostrado satisfatoriamente no laudo pericial.
Considerou-se que a concessão da medida era necessária para preservar a integridade física e moral do paciente, em
respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

2.6. Fundamentação da prisão preventiva

É ilegal a decisão judicial que, ao decretar a prisão preventiva, descreve a conduta do paciente de forma genérica e
imprecisa
 Fatos: No RJ, havia uma organização criminosa comandada pelo ex-Governador do Estado e que foi responsável
por desvios milionários dos cofres públicos. Por meio de colaborações premiadas, o MPF descobriu que grande parte
da propina desviada pela organização criminosa foi remetida para o exterior, principalmente por meio de doleiros.
Antônio era um desses doleiros. Em maio de 2018, o Juiz Federal decretou a sua prisão preventiva, após
representação do MPF, para garantir da ordem pública e por conveniência da instrução criminal. Irresignada, a defesa
impetrou HC no TRF da 2ª Região postulando, em síntese, a concessão de liberdade provisória. O TRF negou o
pedido. A defesa impetrou, então, HC contra a decisão no STJ. No STJ, o Ministro Relator negou o pedido de liminar
formulado. Diante disso, a defesa impetrou HC no STF contra essa decisão monocrática do Ministro do STJ.
 A defesa já pode impetrar novo HC contra a decisão monocrática do Ministro do STJ, agora para o STF ? Em
regra, não. Há, nesse sentido, até a Súmula 691-STF. Não cabe porque não se exauriu a apreciação do tema no STJ.
Assim, em regra, esse HC não será conhecido com fundamento na falta de exaurimento da jurisdição do STJ e por
inobservância ao princípio da colegialidade. O exaurimento da instância antecedente é, como regra, pressuposto para
ensejar a competência do STF. EXCEÇÃO: A Súmula 691 pode ser afastada, contudo, em casos excepcionais,
quando a decisão atacada se mostrar teratológica, flagrantemente ilegal, abusiva ou manifestamente contrária à
jurisprudência do STF.
 Decisão: o STF entendeu que a decisão do Juiz Federal era flagrantemente ilegal e que, por isso, deveria ser
conhecido o HC e concedida a ordem, pois:
• O art. 312 do CPP exige a prova da existência do crime. Mas, o decreto prisional descreve, de forma genérica e
imprecisa, a conduta do paciente e não deixa claro, em nenhum momento, os delitos a ele imputáveis e que
justificariam a prisão preventiva.
• A liberdade de um indivíduo suspeito da prática de infração penal somente pode sofrer restrições se houver decisão
judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos, e não apenas em hipóteses ou conjecturas, na
gravidade do crime ou em razão de seu caráter hediondo.
• O juiz pode dispor de outras medidas cautelares de natureza pessoal, diversas da prisão, e deve escolher aquela mais
ajustada às peculiaridades da espécie, de modo a tutelar o meio social, mas também dar, mesmo que cautelarmente,
resposta justa e proporcional ao mal supostamente causado pelo acusado.
• No caso concreto, entendeu-se que o perigo que a liberdade do paciente representa à ordem pública ou à aplicação
da lei penal pode ser mitigado por medidas cautelares menos gravosas do que a prisão.
161
• Além disso, os fatos imputados ao paciente ocorreram há alguns anos (2011 a 2014), não havendo razão para, agora,
ser decretada a prisão preventiva.
Diante disso, o STF concedeu o HC ao paciente determinando a substituição da sua prisão preventiva por medidas
cautelares diversas da prisão, na forma do art. 319 do CPP.

Liberdade provisória para preso em flagrante com pequena quantidade de maconha


 O caso chegou ao STF via HC. O que acontece se há empate no julgamento de um HC, p. ex., porque um Ministro
estava ausente? Em caso de empate, prevalece o pedido formulado em favor do paciente.
 Seria possível o Presidente da Turma proferir voto de desempate? Não. Cf. explica o Min. Celso de Mello:
“Tratando-se de matéria penal, o empate somente pode beneficiar aquele que sofre a persecução estatal, de tal modo
que, em não havendo maioria em sentido contrário, o empate importará, necessariamente, em respeito à presunção
constitucional de inocência (CF, art. 5º, LVII) (...) em rejeição da denúncia, ou, então, em absolvição, ou, na hipótese
de “habeas corpus”, em concessão do próprio “writ” constitucional. (...) A norma regimental que confere ao
Presidente do Plenário ou ao Presidente de cada uma das Turmas o voto de qualidade não pode nem deve incidir na
hipótese de empate que eventualmente se registre em julgamentos penais, como sucede na espécie. E a razão é
simples: mera norma de índole regimental jamais poderá prevalecer, em situação de antinomia, sobre o texto
normativo da CF”.
 Decisão: Deve ser concedida a liberdade provisória a réu primário preso preventivamente sob a imputação de
tráfico de drogas por ter sido encontrado com 887,89 g de maconha e R$ 1.730,00. O STF considerou genéricas as
razões da segregação cautelar do réu. Além disso, reconheceu como de pouca nocividade a substância entorpecente
apreendida (maconha). Reputou que a prisão de jovens pelo tráfico de pequena quantidade de maconha é mais
gravosa do que a eventual permanência em liberdade, pois serão fatalmente cooptados ou contaminados por uma
criminalidade mais grave ao ingressarem no ambiente carcerário.

2.7. Medidas cautelares

Não existe razão para reter o passaporte de agente diplomático que responde a processo penal no Brasil se ele goza
de imunidade de execução
 Princípio da territorialidade temperada/mitigada: cf. o art. 5º do CP, aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de
convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
 Imunidades diplomáticas: O Brasil assinou um tratado internacional assegurando imunidade de jurisdição penal
aos diplomatas, agentes diplomáticos e funcionários das OIs.
 Imunidade de jurisdição e imunidade de execução: no âmbito penal, a imunidade diplomática pode ser dividida em
2 espécies: a) imunidade de jurisdição cognitiva: impede que o agente diplomático seja julgado pelo crime que
cometeu no Brasil; b) imunidade de execução penal: impede que o BR execute a sanção penal que o agente
diplomático recebeu.
 Renúncia: O destinatário da imunidade não pode renunciá-la. Isso porque ela é conferida em razão do cargo (e não
da pessoa). Por outro lado, o Estado de origem do agente diplomático (chamado de Estado acreditante) poderá
renunciar a imunidade dos seus agentes diplomáticos. Desse modo, o agente diplomático não responderá, no Brasil,
pelo crime que cometer aqui, salvo se o Estado que ele representa (Estado acreditante) renunciar à imunidade.
 Fatos: agente diplomático da Espanha praticou homicídio no Brasil e a Espanha remeteu uma Nota Verbal ao
Ministério de Relações Exteriores indicando a renúncia da imunidade de jurisdição (cognitiva) do agente diplomático.
No entanto, a Espanha fez menção expressa ao fato de que esta renúncia não representaria de nenhuma maneira
renúncia à imunidade de execução. Diante dessa autorização, o agente foi denunciado pelo MP e responde a ação
penal aqui no Brasil. O juiz impôs ao réu a medida cautelar prevista no art. 319, IV, do CPP, proibindo-o de sair do
Brasil sem autorização judicial, determinando a retenção de seu passaporte. O juiz fundamentou a sua decisão no
perigo de fuga, o que representaria risco à aplicação da lei penal.
 Agiu corretamente o juiz? NÃO. Embora a jurisdição brasileira seja competente para o processo de conhecimento,
não será aqui que o réu irá cumprir eventual pena, caso seja condenado (persiste a imunidade de execução). Logo, não
se mostra necessária e adequada a imposição de medida cautelar de proibição de se ausentar do país considerando que
esta providência tem por objetivo garantir a aplicação da lei penal. Ocorre que a lei penal não será executada no
Brasil.

3. PROVAS

3.1. Inconstitucionalidade da condução coercitiva para interrogatório


 Condução coercitiva do investigado/réu para interrogatório: é a ordem judicial, materializada em um mandado, por
meio do qual a polícia fica autorizada a levar o investigado, compulsoriamente, para a Delegacia (ou outro lugar
escolhido) a fim de que ali ele seja interrogado, no dia e horário escolhidos pela autoridade policial. Em geral, o
objetivo idealizado para a condução coercitiva é que o órgão de investigação criminal atue com o “fator surpresa”,
fazendo com que o investigado preste suas declarações no interrogatório sem ter tido muito tempo para refletir
162
naquilo que irá responder e sem ter tido a oportunidade de conversar com os outros investigados ou ainda de conhecer
quais os outros elementos informativos que a polícia já dispõe contra ele. Por isso, normalmente, o mandado de
condução coercitiva é cumprido logo no início do dia, por volta das 6h, ao mesmo tempo em relação a todos os
investigados naquela operação. A polícia chega à residência do investigado, explica o mandado, pede que ele se vista
e já segue com ele imediatamente para a Delegacia, onde já há um Delegado esperando para conduzir o interrogatório.
Vale ressaltar que, na condução coercitiva, o investigado é obrigado a comparecer à Delegacia, mas lá poderá
permanecer em silêncio e não responder a qualquer das perguntas formuladas. Importante destacar também que o
investigado, durante o interrogatório, poderá se fazer acompanhar por advogado ou DP. Cf. Vladimir Aras: “A
condução coercitiva autônoma – que não depende de prévia intimação da pessoa conduzida – pode ser decretada pelo
juiz criminal competente, quando não cabível a prisão preventiva (arts. 312 e 313), ou quando desnecessária ou
excessiva a prisão temporária, sempre que for indispensável reter por algumas horas o suspeito, a vítima ou uma
testemunha, para obter elementos probatórios fundamentais para a elucidação da autoria e/ou da materialidade do fato
tido como ilícito. Em regra, para viabilizar a condução coercitiva será necessário demonstrar que estão presentes os
requisitos para a decretação da prisão temporária, mas sem a limitação do rol fechado do art. 1º da Lei 7.960/89. A
medida de condução debaixo de vara justifica-se em virtude da necessidade de acautelar a coleta probatória durante a
deflagração de uma determinada operação policial ou permitir a conclusão de uma certa investigação criminal
urgente. Diante das circunstâncias do caso concreto, a prisão temporária pode ser substituída por outra medida menos
gravosa, a partir do poder geral de cautela do Poder Judiciário, previsto no art. 798 do CPC e aplicável ao processo
penal com base no art. 3º do CPP. Tal medida cautelar extranumerária ao rol do art. 319 do CPP reduz a coerção do
Estado sobre o indivíduo, limitando-a ao tempo estritamente necessário para a preservação probatória, durante a fase
executiva da persecução policial.
 Fundamentos jurídicos da condução coercitiva: trata-se de uma restrição temporária da liberdade e que
corresponde a uma medida bem menos gravosa que a prisão. Além disso, se o juiz pode decretar a prisão (medida
mais grave), significa que ele poderia também decretar a condução coercitiva (menos drástica). Trata-se de uma
medida deferida pelo juiz com base em seu poder geral de cautela. Como fundamento legal que respaldaria a
condução coercitiva, alguns invocavam também o art. 260 do CPP. O raciocínio era: a polícia convida, na hora, o
investigado a acompanha-lo até a Delegacia para interrogatório. Caso o investigado se recuse a ir, estaria configurada
a hipótese do art. 260 do CPP, podendo ser efetivada a condução coercitiva.
 ADPF: alegou-se que as decisões proferidas no Brasil deferindo condução coercitiva violam diversos direitos e
garantias constitucionais. Assim, sustentou que o art. 260 do CPP não teria sido recepcionado pela CF.
 Direito à não autoincriminação: o STF entendeu que não viola. Isso porque o conduzido, ao chegar na Delegacia, é
informado de que possui direito ao silêncio. O conduzido também goza do direito de se fazer acompanhar por
advogado (art. 7º, XXI, do EOAB). Assim, só há potencial autoincriminação se o interrogado optar por falar, mesmo
após advertido do direito ao silêncio. Nessas condições, haverá uma opção suficientemente informada. Vale ressaltar
que o direito ao silêncio, como o próprio nome indica, é um direito (e não um dever). A palavra do acusado pode ser
essencial à defesa. A versão do imputado pode elucidar os fatos e dissipar suspeitas. Não raro, é a partir do
interrogatório que se descobre que o investigado é, em verdade, a vítima. Não por acaso, a legislação consagra o
direito do réu de manifestar-se pessoalmente sobre as suspeitas que contra ele pairam. Cabe à defesa decidir por falar
ou calar. Submeter o investigado a interrogatório não é, por si só, uma violação ao direito à não autoincriminação.
 Direito ao tempo necessário à preparação da defesa : trata-se de uma decorrência das garantias constitucionais do
devido processo legal e à ampla defesa. No curso da ação penal, o direito ao tempo necessário à preparação da defesa
é conferido com generosidade pela legislação processual em vigor. Tanto isso é verdade que o interrogatório é a
última providência da instrução. Essa ordem deve ser respeitada em todas as ações penais, mesmo em procedimentos
especiais cuja regência preveja em contrário (STF). A condução coercitiva viola o direito ao tempo necessário à
preparação da defesa? NÃO. Na investigação, não há uma acusação formada. O investigado não tem o ônus de
preparar defesa, na medida em que não está enfrentando uma acusação. Durante o inquérito, o investigado até pode
intervir nas investigações, dando sua versão dos fatos, oferecendo razões etc. Mas essa intervenção não equivale a
uma defesa. Não há ampla defesa no inquérito policial. Logo, não há que se falar em prazo de preparação para o IP.
Pelo contrário, no curso da investigação, a regra é que o interrogatório seja realizado tão logo quanto o possível. O
CPP afirma que a autoridade policial deverá ouvir o suspeito “logo que tiver conhecimento da infração” (art. 6º, V).
Se houver prisão em flagrante, o interrogatório faz parte do auto respectivo (art. 304 do CPP). Ou seja, será tomado
poucas horas após a captura. De um modo geral, o investigado preso é interrogado logo após a prisão. A prontidão na
realização do interrogatório é compatível com os direitos da defesa e com os objetivos da investigação criminal.
Frequentemente, o tempo é essencial para o sucesso das apurações. A conjugação da inquirição de testemunhas,
vítimas e suspeitos com a colheita de outras provas é vital para que os fatos sejam revelados. Por conta da necessária
velocidade das apurações, de um modo geral, regras de delimitação de tempo e de lugar dos atos processuais não se
aplicam ao inquérito policial. Não há sequer direito subjetivo ao interrogatório policial. O MP pode denunciar pessoa
que em momento algum foi tratada como suspeita pela autoridade policial. O desconforto do investigado com o
momento do interrogatório é eficazmente contrabalanceado pelo direito ao silêncio e pelo direito a apresentar razões
por intermédio de advogado (art. 7º, XXI, do EOAB). Assim, a condução coercitiva não se traduz em violação, ainda
que potencial, ao direito ao prazo necessário para preparação da defesa.
163
 Direito ao devido processo legal: alegou-se que a condução coercitiva não estaria prevista expressamente no CPP e
seria decretada com base em um poder geral de cautela do juiz. Ocorre que, para o autor da ADPF, o processo penal
não admite poder geral de cautela e o juiz só poderia decretar medidas processuais típicas, ou seja, expressamente
previstas na lei. O STF afirmou o seguinte: a possibilidade de o juiz conceder ou não medidas cautelares atípicas no
processo penal é um tema controvertido e o STF não irá, neste momento, definir uma posição sobre o tema (porém, o
Min. Celso de Mello afirmou que, diante do postulado constitucional da legalidade estrita em matéria processual
penal, inexiste, no processo penal, o poder geral de cautela dos juízes). A condução coercitiva não é uma medida
completamente atípica. Isso porque o art. 260 do CPP admite a condução coercitiva, muito embora mencione a prévia
intimação. Ou seja, há base legal para restringir a liberdade do imputado, forçando-o a comparecer ao ato processual.
Há previsão legal de condução coercitiva. O problema estaria na inobservância do rito legal, considerando que os
juízes têm decretado a condução coercitiva mesmo sem o investigado manifestar qualquer recusa. Assim, a questão
aqui não envolve discutir se seria possível a concessão de medidas cautelares atípicas, mas sim a possibilidade de se
afastar o rito legal previsto para a sua produção (art. 260 do CPP). Assim, não se pode falar que a condução coercitiva
viole o devido processo legal por se tratar de medida cautelar atípica.
 Direito à imparcialidade, à paridade de armas e à ampla defesa : o STF também não concordou com este
argumento.
Na fase de investigação, o juiz atua como garantidor de liberdades. É do sistema constitucional que algumas medidas
sejam requeridas a um juiz mesmo antes da instauração da relação processual. Várias dessas medidas são
expressamente mencionadas na CF, como busca domiciliar (art. 5º, XI), interceptação telefônica (art. 5º, XII), prisão
(art. 5º, LXI). A imparcialidade não é violada pela atuação do juiz. Pelo contrário, é a imparcialidade do juiz que
garante a liberdade contra intromissões indevidas. Ao deferir uma medida interventiva, o juiz está aplicando a lei. Não
há nisso violação ao equilíbrio das partes na relação processual. Assim, o argumento da violação à imparcialidade e da
paridade de armas não se sustenta. A CF ampliou o direito de defesa, assegurando aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
No curso do IP, na medida em que não se tem ainda processo contraditório em sentido estrito, o direito à ampla defesa
é assegurado, essencialmente, pelo direito à assistência de advogado (art. 5º, LXIII, CF). Esse direito aumenta de
dimensão no curso da ação penal, no qual a assistência do advogado é obrigatória (art. 261 do CPP). Convém registrar
que uma alteração na Lei, ocorrida em 2016, passou a prever como direito do advogado “assistir a seus clientes
investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou
depoimento” – art. 7º, XXI, da Lei 8.906/94, introduzido pela Lei nº 13.245/2016. O direito à ampla defesa, no que
aplicável ao interrogatório, é garantido pelo direito à assistência do advogado, associado ao direito ao silêncio. A
condução coercitiva não afasta esse direito.
 Direito à liberdade de locomoção: o STF entendeu que a condução coercitiva viola a liberdade de locomoção. A
CF consagra o direito à liberdade de locomoção de forma genérica, ao enunciar o direito à liberdade, a ser restringido
apenas sob observância do devido processo legal, e, de forma específica, ao estabelecer regras estritas sobre a prisão.
A CF também enfatiza a liberdade de locomoção ao consagrar a ação especial de HC como remédio contra restrições
e ameaças ilegais. A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de
locomoção. O investigado ou réu é capturado e levado sob custódia ao local da inquirição. Há clara interferência na
liberdade de locomoção, ainda que por um período breve.
 Presunção de não culpabilidade: a restrição temporária da liberdade mediante condução sob custódia por forças
policiais em vias públicas não é o tratamento que se deve dar a uma pessoa inocente. Na condução coercitiva o
investigado conduzido é claramente tratado como culpado. Logo, a condução coercitiva viola esse princípio.
 Dignidade da pessoa humana: para o Min. Gilmar Mendes, o investigado ou réu é conduzido coercitivamente
como uma forma de demonstração de sua submissão à força do Estado acusador. Não há finalidade instrutória clara,
na medida em que o arguido não é obrigado a declarar, ou mesmo a se fazer presente ao interrogatório. Desse modo, a
condução coercitiva desrespeita a dignidade da pessoa humana.
 Validade das restrições: o direito de ausência ao interrogatório : Restrições à liberdade de locomoção e o
tratamento pontual de investigados como culpados são aceitáveis, desde que proporcionais. A liberdade de locomoção
não é um direito absoluto. Pode ser restringido, inclusive por atos administrativos. Assim, p. ex., o controle de trânsito
fronteiriço, o controle de entrada em imóveis públicos de uso especial, a interdição de prédios privados em caso de
descumprimento de obrigações de segurança, a interdição de vias públicas para obras, o semáforo e o pedágio. A não
culpabilidade tampouco é um direito absoluto. O ordenamento jurídico dispõe de uma infinidade de medidas que
representam tratamento desfavorável ao investigado ou ao acusado. Exs.: prisão processual, medidas cautelares
diversas da prisão, medidas assecuratórias, medidas investigativas invasivas, etc. Importa definir se a interferência
representada pela condução coercitiva é, ou não, legítima. A condução coercitiva no inquérito tem uma finalidade
lícita – acelerar as investigações. No entanto, poderia perfeitamente ser substituída por medidas menos gravosas. P.
ex., em vez de conduzido, o investigado poderia ser simplesmente intimado a comparecer de pronto à repartição
pública, caso tenha interesse em ser interrogado. Talvez o ato processual pudesse ser marcado no próprio dia, na
medida em que o CPP não prevê anterioridade mínima para intimações. Na melhor das hipóteses para a defesa,
aplicar-se-ia o prazo mínimo de 48 horas previsto no art. 218, § 2º, do CPC, por analogia. Parece seguro afirmar que,
na maior parte das investigações, esse prazo seria satisfatório ao interesse da agilidade das apurações. Assim, o STF
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concluiu que a condução coercitiva para interrogatório é incompatível com a CF. A expressão “para o interrogatório”
do art. 260 do CPP não foi recepcionada.
 A condução coercitiva para o interrogatório é uma medida ilegítima, tenha havido ou não prévia intimação: a
condução coercitiva é ilegítima mesmo que o investigado tenha sido previamente intimado para comparecer à
Delegacia para interrogatório e tenha se recusado. Assim, mesmo que seja obedecida rigorosamente a cautela do art.
260, ainda assim a condução coercitiva para interrogatório será indevida. Isso porque a CF e os tratados
internacionais, ao preverem o direito do investigado ao silêncio, asseguram também a ele, como decorrência, o direito
de ausência ao interrogatório.
Ora, se o investigado não é obrigado a falar no interrogatório, ele também não pode ser obrigado a comparecer ao
interrogatório. Pode-se dizer, portanto, que existe um direito de ausência do investigado ao interrogatório. O direito de
ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva.
 Condução coercitiva pode ser adotada para outras hipóteses : Para que a condução coercitiva seja legítima, ela deve
destinar-se à prática de um ato ao qual a pessoa tem o dever de comparecer, ou, ao menos, que possa ser
legitimamente obrigada a comparecer. Ex. 1: condução coercitiva quando houver dúvida sobre a identidade civil do
investigado. Ex. 2: condução coercitiva para fazer a qualificação do investigado (1ª fase do interrogatório), pois o
acusado não tem direito ao silêncio a respeito. Para a 2ª parte do interrogatório (o interrogatório sobre os fatos – art.
187, § 2º do CPP) não se admite a condução coercitiva.
 Prisão não pode ser utilizada para interrogatório: a condução coercitiva é uma medida menos gravosa que a prisão
temporária e que a prisão preventiva. A questão, entretanto, é que realizar o interrogatório não é uma finalidade
legítima para a prisão preventiva ou temporária. A consagração do direito ao silêncio impede a prisão
preventiva/temporária para interrogatório, na medida em que o imputado não é obrigado a falar. Por isso, a condução
coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não
culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua
incompatibilidade com a CF.
 Sanções: caso seja determinada a condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tal conduta
poderá ensejar: a) a responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade que determinou; b) a
ilicitude das provas obtidas; c) a responsabilidade civil do Estado.
 Condução coercitiva de investigados e réus: Importante esclarecer que o julgado acima tratou apenas da condução
coercitiva de investigados e réus à presença da autoridade policial ou judicial para serem interrogados. Assim, não foi
analisada a condução de outras pessoas como testemunhas, ou mesmo de investigados ou réus para atos diversos do
interrogatório, como o reconhecimento de pessoas ou coisas. Isso significa que, a princípio essas outras espécies de
condução coercitiva continuam sendo permitidas.

3.2. Interrogatório como último ato da instrução


 Momento do interrogatório: Antes de 2008, o interrogatório era o 1º ato da instrução. O indivíduo era citado p/ ser
interrogado (prevalecia a ideia de que o interrogatório era um “meio de prova”). Depois dele eram realizados os
demais atos de instrução. Com a edição da Lei 11.719/08, o CPP foi alterado e o interrogatório passou a ser o último
ato da instrução probatória. Isso reforçou a ideia de que o interrogatório possui natureza jurídica de meio de defesa.
 Leis especiais: a Lei 11.719/08 alterou formalmente apenas o CPP. Isso significa que algumas outras leis especiais
extravagantes continuaram prevendo que o interrogatório seria realizado no início da instrução probatória (LD,
CPPM, procedimentos originários dos tribunais – Lei 8.038/90 e L. 8.666/93).
 O que é mais favorável ao réu: ser interrogado antes ou depois da oitiva das testemunhas? Depois. Isso porque,
após o acusado ouvir o relato trazido pelas testemunhas, poderá decidir a versão dos fatos que irá apresentar. Se, p.
ex., avaliar que nenhuma testemunha o apontou como o autor do crime, poderá sustentar a negativa de autoria ou
optar pelo direito ao silêncio. Ao contrário, se entender que as testemunhas foram sólidas em incriminá-lo, terá como
opção viável confessar e obter a atenuação da pena. Dessa feita, a regra do art. 400 do CPP é mais favorável ao réu do
que a previsão das leis especiais acima listadas. Diante dessa constatação, e pelo fato de a Lei 11.719 ser posterior,
surgiu uma corrente na doutrina defendendo que a previsão do interrogatório como 1º ato nas leis extravagantes foi
também derrogada (ainda que não expressamente). Logo, o interrogatório deveria ser considerado como o último ato
da audiência de instrução em todo e qualquer processo penal. Essa tese foi acolhida pela jurisprudência? SIM. A
exigência de realização do interrogatório ao final da instrução criminal, conforme o art. 400 do CPP é aplicável: aos
processos penais militares; aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação
especial (ex.: LD e L. 8.038/90), cf. decidiu o STF, e que posteriormente foi acompanhado pelo STJ.

3.3. Indeferimento de todas as testemunhas da defesa sob o argumento de que seriam protelatórias:
constrangimento ilegal
 Fatos: Ao apresentar RA, o réu arrolou uma série de testemunhas de seu interesse. O juiz proferiu despacho
determinando a intimação da defesa para que explicitasse as razões para a oitiva de cada uma das testemunhas
arroladas. A defesa apresentou petição afirmando que a determinação do juiz não tem previsão legal e que, em razão
disso, não apresentaria qualquer justificativa. Ao fim, reiterou o pedido para intimação das testemunhas. O juiz,
fundamentando sua decisão no § 1º do art. 400 do CPP, indeferiu a oitiva das testemunhas, argumentando que as
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pessoas arroladas não têm qualquer vinculação com os fatos criminosos imputados ao réu, o que leva a crer que o
pedido para oitiva dessas testemunhas é um ato meramente procrastinatório, com o único objetivo de retardar o
processo com diligências desnecessárias. Diante disso, a defesa impetrou sucessivos HC, até que a questão chegou ao
STF.
 Decisão: O direito à prova é expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica, que não pode ser,
arbitrariamente, negada ao réu. O princípio do livre convencimento motivado autoriza que o juiz indefira as provas
consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Mas, no caso concreto, não se trata do indeferimento de 1 ou
2 testemunhas, mas de todas elas, o que se afigura inadmissível em um Estado Democrático de Direito, em que a
ampla defesa é garantia constitucional de todos os acusados. O STF entendeu que a decisão do juiz extrapolou os
limites do razoável, especialmente se levado em consideração que a medida extrema foi tomada no estágio inicial do
processo (RA) e a motivação para tanto foi baseada na impressão pessoal do magistrado de que o requerimento seria
protelatório, já que as testemunhas não teriam, em tese, vinculação com os fatos criminosos imputados ao réu.

3.4. “Denúncia anônima”, quebra de sigilo e renovação das interceptações


 Denúncia anônima: ocorre quando alguém, sem se identificar, relata para as autoridades (ex.: Delegado, MP etc.)
que determinada pessoa praticou um crime (ex.: "disk-denúncia"). O termo "denúncia anônima" não é tecnicamente
correto porque em processo penal denúncia é o nome dado à peça inaugural da ação penal proposta pelo MP. Assim, a
doutrina prefere falar em "delação apócrifa", "notícia anônima" ou "notitia criminis inqualificada".
 É possível decretar medida de busca e apreensão com base unicamente em “denúncia anônima”? NÃO. A medida
de busca e apreensão representa uma restrição ao direito à intimidade. Logo, para ser decretada, é necessário que haja
indícios mais robustos que uma simples notícia anônima.
 É possível decretar interceptação telefônica com base unicamente em “denúncia anônima”? NÃO, cf. interpretação
do art. 2º da Lei 9.296/96. Assim, a doutrina defende que a interceptação telefônica deverá ser considerada a ultima
ratio, ou seja, trata-se de prova subsidiária. Tendo como fundamento esse dispositivo legal, STF e STJ entendem que
é ilegal que a interceptação telefônica seja determinada apenas com base em “denúncia anônima”. Isso seria uma
grave interferência na esfera privada da pessoa, sem que houvesse justificativa idônea para isso.
 É possível a propositura de ação penal com base unicamente em “denúncia anônima”? NÃO. A propositura de
ação penal exige indícios de autoria e prova de materialidade.
 É possível instaurar investigação criminal (inquérito policial, investigação pelo MP etc.) com base em “denúncia
anônima”? SIM, mas a jurisprudência afirma que, antes, a autoridade deverá realizar uma investigação prévia para
confirmar se a "denúncia anônima" possui um mínimo de plausibilidade. Segundo o STF, não é possível desprezar a
utilidade, pois em um mundo no qual o crime torna-se cada vez mais complexo e organizado, é natural que a pessoa
comum tenha receio de se expor ao comunicar a ocorrência de delito. Daí a admissibilidade de notícias crimes
anônimas.
 Procedimento a ser adotado pelo delegado em caso de “denúncia anônima”: 1) Realizar investigações preliminares
para confirmar a credibilidade da “denúncia”; 2) Sendo confirmado que a “denúncia anônima” possui credibilidade
(aparência mínima de procedência), instaura-se IP ou PIC; 3) Instaurado o IP ou o PIC, a autoridade policial ou o MP
deverá buscar outros meios de prova que não a interceptação telefônica (como visto, esta é a ultima ratio). Se houver
indícios concretos contra os investigados, mas a interceptação se revelar imprescindível para provar o crime, poderá
ser requerida a quebra do sigilo telefônico ao juiz.
 É possível a prorrogação da interceptação por mais de uma vez? SIM, é plenamente possível. A jurisprudência do
STF e do STJ consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas, desde
que devidamente fundamentadas pelo juízo competente em relação à necessidade do prosseguimento das
investigações, especialmente quando o caso for complexo e a prova indispensável. Entende-se que a redação deste art.
5º da Lei 9.296 foi mal elaborada e que, quando fala em “renovável por igual tempo” não está limitando a
possibilidade de renovações sucessivas, mas tão somente dizendo que as renovações não poderão exceder, cada uma
delas, o prazo de 15 dias. De igual modo, a expressão “uma vez”, presente no dispositivo legal, deve ser entendida
como sinônima de “desde que”, não significando que a renovação da interceptação só ocorre “1 (uma) vez”.

3.5. Acesso às conversas do WA pela autoridade policial e (in)validade da prova

Delegado que acessa conversas do WhatsApp do flagranteado sem prévia autorização judicial
 Fatos: João foi preso em flagrante por tráfico de drogas. A polícia apreendeu seu telefone celular. Como não havia
senha no aparelho, o Delegado abriu o WA e verificou as conversas de João. As mensagens comprovaram que ele
realmente negociava drogas e, o pior, que havia praticado diversos outros crimes, dentre eles ameaça e homicídio.
Tais mensagens foram transcritas pelo escrivão e juntadas ao IP em forma de certidão. A autoridade fundamentou tais
diligências no art. 6º, II, III e VII, do CPP. Posteriormente, tais elementos informativos serviram de base para que o
MP oferecesse denúncia contra João pela prática de uma série de crimes. A defesa, contudo, alegou que tais elementos
informativos são nulos. Segundo argumentou o advogado do réu, após a apreensão do celular, sem qualquer
autorização, a polícia teria que ter requerido ao juízo autorização para consultar o conteúdo do aparelho. Diante disso,
requereu que as "provas" colhidas fossem declaradas nulas e desentranhadas do processo.
166
 Decisão: na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável ordem judicial p/ a
apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que
compreende igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática
e telemática. Outro precedente em sentido semelhante: Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas
pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no WA presentes no celular do suposto autor de
fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante.

Delegado que acessa conversas do WA da vítima morta com autorização da esposa do falecido
 Fatos: João matou Pedro, crime que não foi presenciado por ninguém. A polícia começou a investigar o caso e a
esposa de Pedro entregou ao Delegado o telefone celular do marido falecido. O Delegado abriu o WA e percebeu que
Pedro manteve uma ríspida conversa com João e que eles combinaram de se encontrar no local onde a vítima foi
encontrada morta. A partir dessa conversa, a polícia conseguiu desvendar o crime e chegar a outros elementos
informativos que comprovaram que João foi o autor do homicídio. João foi denunciado e impetrou HC alegando que
o acesso do Delegado de Polícia às conversas no WA da vítima foi ilegal, considerando que realizada sem prévia
autorização judicial. Pediu, ainda, que a nulidade dessa prova fosse estendida para as demais provas obtidas a partir
dela, por força da teoria dos frutos da árvore envenenada, de acordo com o que prevê o art. 5º, LVI, da CF.
 Decisão: não há ilegalidade na perícia de celular pela polícia, sem prévia autorização judicial, na hipótese em que
seu proprietário - a vítima - foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa.
 Acesso ao celular do investigado X acesso ao celular da vítima: Os precedentes do STJ que reconheceram a
ilegalidade da prova envolviam acesso às conversas do WA no celular do investigado. Aqui, a leitura das conversas
ocorreu no celular da vítima, tendo o aparelho sido entregue voluntariamente pela esposa do falecido. Assim, no 2º
caso, não há prova ilícita, considerando que não houve uma violação à intimidade do investigado, titular de garantias
no processo penal. Na 2ª situação, o detentor do direito ao sigilo estava morto. Não havia mais sigilo algum a proteger
o titular daquele direito e a sua esposa, totalmente interessada no esclarecimento dos fatos, entregou o celular à Polícia
com o objetivo de elucidar os fatos. Logo, não havia necessidade de uma ordem judicial porque, no processo penal, o
que se protege são os interesses do acusado. Seria irrazoável e impróprio proteger-se a intimidade de quem foi vítima
do homicídio, sendo que a finalidade da investigação é esclarecer o homicídio e punir quem foi o responsável.

Acesso ao WA de celular coletado em busca e apreensão


 Fatos: A estava sendo investigado pela suposta prática de tráfico de drogas. O juiz decretou medida de busca e
apreensão na casa de A, autorizando que fossem apreendidos “instrumentos utilizados na prática de crime ou
destinados a fim delituoso; objetos necessários à prova de infração, além de permitir a colheita de outros elementos de
convicção”. Durante as diligências, foram encontras drogas, balanças de precisão e dois celulares, tendo tudo isso sido
apreendido. Augusto, que estava no local, foi preso em flagrante. O Delegado acessou o WA dos celulares e descobriu
inúmeras conversas de A negociando drogas e determinando a morte de inimigos. A defesa impetrou HC alegando
que o Delegado somente poderia ter acessado o WA de A com uma nova autorização judicial, razão pela qual essa
prova seria ilícita.
 Decisão: Se o telefone celular foi apreendido em busca e apreensão determinada por decisão judicial, não há óbice
para que a autoridade policial acesse o conteúdo armazenado no aparelho, inclusive as conversas do WA. Para a
análise e a utilização desses dados armazenados no celular não é necessária nova autorização judicial. A ordem de
busca e apreensão determinada já é suficiente para permitir o acesso aos dados dos aparelhos celulares apreendidos.

É nula decisão judicial que autoriza o espelhamento do WA para que a Polícia acompanhe as conversas do
suspeito pelo WA Web
 WhatsApp Web: faz o espelhamento das conversas realizadas pelo WA.
 Fatos: João estava sendo investigado pela polícia. Havia fortes indícios de que ele comandava uma organização
criminosa e que enviava as ordens de execução dos delitos por meio do WA. Foi, então, que o Delegado teve a
seguinte ideia: vamos apreender o celular de João, conectá-lo ao computador da Polícia por meio do WA e, assim,
monitorar as mensagens que ele trocar. Com isso, reuniremos provas de que ele está praticando diversos crimes.
Diante disso, ele formulou representação ao juiz explicando a diligência pretendida e pedindo autorização judicial
para: 1) apreender o celular do investigado; 2) conectá-lo ao WA; 3) fazer o monitoramento das conversas que o
investigado travar com outras pessoas. O juiz autorizou as medidas. De posse da autorização judicial, a polícia
abordou João, fez a sua condução até a Delegacia e lá apreendeu o celular do suspeito por alguns minutos. Sem que
João soubesse, o Delegado fez o espelhamento do aplicativo com o WA no computador da Delegacia. O Delegado
selecionou a opção “Mantenha-me conectado” no WA, de forma que, mesmo após o celular ser devolvido, a
sincronização continuaria. Feito isso, a autoridade policial devolveu o aparelho a João e o liberou. Com a
sincronização, a Polícia teve acesso a todas as conversas pretéritas, além de ficar acompanhando os novos diálogos.
Isso permitiu com que se reunissem inúmeros elementos informativos contra o investigado. Após, foi deflagrada
operação policial e João foi preso e denunciado. A defesa de João impetrou HC alegando que a decisão do juiz que
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autorizou a apreensão do celular e o espelhamento seria ilegal e que, portanto, seriam nulas todas as provas
decorrentes dessa medida.
 Decisão: O STJ concordou com a defesa. Para o Tribunal, não existe autorização no ordenamento jurídico para a
realização desta medida. Por isso, as provas são inválidas.
 Mas não se pode fazer uma analogia entre essa medida e a interceptação telefônica? NÃO. Isso por 3 razões:
1) Na interceptação telefônica, o investigador de polícia atua como mero observador de conversas empreendidas
por terceiros. Não há possibilidade de o investigador interferir ou alterar as conversas. Já no espelhamento via WA
Web, o investigador de polícia tem a possibilidade de atuar como participante tanto das conversas que vêm a ser
realizadas quanto das conversas que já estão registradas no aparelho celular, pois tem o poder, conferido pela
própria plataforma online, de interagir nos diálogos mediante envio de novas mensagens a qualquer contato
presente no celular e exclusão, com total liberdade, e sem deixar vestígios, de qualquer mensagem passada,
presente ou, se for o caso, futura. Problema disso: O investigador, em tese, poderia apagar mensagens ou mandar
novas sem deixar nenhum vestígio de que foi ele. Isso porque o WA utiliza criptografia end-to-end, de forma que
esses registros não ficam armazenados em nenhum servidor. Logo, admitir essa espécie de prova seria conferir uma
presunção absoluta de que todos os atos dos investigadores seriam legítimos, considerando que o suspeito não teria
como provar, p. ex., que não enviou aquela determinada mensagem e que ela teria sido “plantada” pelo policial.
2) A interceptação telefônica tem como objeto a escuta de conversas realizadas apenas depois da autorização
judicial (ex nunc). Já o espelhamento via WA Web permite que o investigador de polícia tenha acesso amplo e
irrestrito a toda e qualquer comunicação realizada antes da mencionada autorização, operando efeitos retroativos
(ex tunc). Problema disso: Em termos técnico-jurídicos, o espelhamento seria um tipo híbrido de obtenção de prova
consistente, a um só tempo, em interceptação telefônica (quanto às conversas ex nunc) e em quebra de sigilo de
email (quanto às conversas ex tunc). Não há, todavia, ao menos por agora, previsão legal de um tal meio de
obtenção de prova híbrido. 3) A interceptação telefônica é operacionalizada sem a necessidade simultânea de busca
pessoal ou domiciliar para apreensão de aparelho telefônico. Já o espelhamento via WA Web depende da
abordagem do indivíduo ou do vasculhamento de sua residência, com apreensão de seu aparelho telefônico por
breve período de tempo e posterior devolução desacompanhada de qualquer menção, por parte do Delegado, de que
foi realizado o espelhamento. Problema disso: Esse procedimento não está regulado pela Lei 9.296/96 nem por
qualquer outra norma.
 Diferente do acesso às conversas já registradas ou do acesso aos e-mails : o espelhamento do WA é diferente de
outras 2 providências que são consideradas válidas quando há autorização judicial: 1) Autorização para
interceptação de conversas mantidas por e-mail; e 2) Autorização judicial para a obtenção, sem espelhamento, de
conversas já registradas no aplicativo WA, com o propósito de periciar seu conteúdo.

3.6. Possibilidade de utilizar os dados da RF para instruir processo penal


 Fatos: Samuel era sócio administrador de uma empresa. A RF instaurou procedimento fiscal contra a sociedade
empresária sob a suspeita de que estaria havendo sonegação de tributos. No curso do procedimento, a RF, sem
ordem judicial, requisitou diretamente do banco os extratos bancários da empresa, fundamentando sua requisição
no art. 6º da LC 105/01. De posse dos extratos, o Fisco constatou que realmente houve sonegação de tributos e, por
conta disso, autuou a PJ e fez a constituição definitiva do crédito tributário. Além disso, a RF encaminhou cópia
integral do processo administrativo-fiscal, inclusive dos extratos bancários, e o MPF, com base nesses elementos
informativos (“provas emprestadas”), denunciou Samuel como incurso no art. 1º, I, da Lei 8.137/90. Ao se
defender, Samuel sustentou a ilicitude da "prova" colhida (extratos bancários), alegando que teria havido uma
quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. Desse modo, essa "prova" não poderia ser utilizada no processo
penal.
 Decisão: Cf. já decidiram STF e STJ, não é necessária prévia autorização judicial para que a RF compartilhe
com o MP dados bancários do contribuinte que ela obteve mediante requisição direta dos bancos. Os dados do
contribuinte que a RF obteve das instituições bancárias mediante requisição direta (sem intervenção do Poder
Judiciário, com base nos arts. 5º e 6º da LC 105/01), podem ser compartilhados, também sem autorização judicial,
com o MP, para serem utilizados como prova emprestada no processo penal. Isso porque o STF decidiu que são
constitucionais os arts. 5º e 6º da LC 105/01, que permitem o acesso direto da RF à movimentação financeira dos
contribuintes. Este entendimento do STF deve ser estendido também para a esfera criminal. É lícito o
compartilhamento promovido pela RF dos dados bancários por ela obtidos a partir de permissivo legal, com a
Polícia e com o MP, ao término do procedimento administrativo fiscal, quando verificada a prática, em tese, de
infração penal. Pelo contrário, há, inclusive, obrigação legal de fazer a notícia crime (art. 83 da Lei 9.430/96 e art.
1º, §3º, IV da LC 105/01).

3.7. Colaboração premiada

Possibilidade de acordo de colaboração premiada ser celebrado por Delegado de Polícia


 Parte teórica: v. livro (págs. 1.234 a 1.239).
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 O que diz a Lei: SIM. A Lei 12.850/13 afirma que, se for feito durante o IP, o acordo de colaboração premiada
pode ser celebrado entre o Delegado de Polícia e o investigado, ou seja, a autoridade policial tem legitimidade para
celebrar acordo de colaboração premiada, bastando que haja uma manifestação (parecer) do MP.
 O que queria o PGR: NÃO. Para o PGR, isso violaria os princípios do devido processo legal e da moralidade.
Ofenderiam também a titularidade da ação penal pública conferida ao MP pela CF (art. 129, I), a exclusividade do
exercício de funções do MP por membros legalmente investidos na carreira (art. 129, § 2º, 1ª parte) e a função
constitucional da polícia como órgão de segurança pública (art. 144, os §§ 1º e 4º).
 O que decidiu o STF: SIM. O STF considerou que são constitucionais os trechos dos §§ 2º e 6º do art. 4º da Lei
12.850/13 que preveem a possibilidade de o Delegado de Polícia celebrar acordo de colaboração premiada.
 §2º: confere ao Delegado, exclusivamente no curso do inquérito policial, a faculdade de representar ao juiz,
ouvido o MP, pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não haja sido previsto na
proposta inicial. Trata-se de nova hipótese de perdão judicial. O Min. Marco Aurélio entendeu que a possibilidade
de o Delegado propor ao juiz o perdão judicial não é um assunto que esteja diretamente relacionado com o modelo
acusatório. Não há, portanto, ofensa ao art. 129, I, da CF. Essa possibilidade está sim relacionada com o “direito de
punir do Estado”. Embora o MP seja o titular da ação penal de iniciativa pública, ele não é o titular do direito de
punir. O direito de punir é uma manifestação do Poder Judiciário. A representação pelo perdão judicial, feita pelo
Delegado, por conta da colaboração premiada, não impede que o MP ofereça denúncia contra o investigado. Ocorre
que, uma vez comprovada a eficácia do acordo, o juiz irá extinguir a punibilidade do delator.
 § 6º: ele não afasta a participação do MP no acordo de colaboração premiada, ainda que ocorrido entre o
Delegado, o investigado e o defensor, não se podendo cogitar da afronta à titularidade da ação penal. A
legitimidade do Delegado para realizar as tratativas de colaboração premiada desburocratiza o instituto, sem
importar ofensa a regras atinentes ao EDD, uma vez que o acordo ainda será submetido à apreciação do MP e à
homologação pelo Poder Judiciário.
 Definir os benefícios que serão propostos não afeta a titularidade da ação penal : definir quais benefícios serão
propostos não se confunde com a propositura ou não da ação penal. Assim, “o argumento segundo o qual é
privativa do MP a legitimidade para oferecer e negociar acordos de colaboração premiada, considerada a
titularidade exclusiva da ação penal pública, não encontra amparo constitucional”. Não se pode centralizar no MP
todos os papéis do sistema de persecução criminal, atuando o Órgão como investigador – obtenção do material
destinado a provar determinado fato –, acusador – titular da ação penal – e julgador – estabelecendo penas, regimes
e multas a vincularem o Juízo –, em desequilíbrio da balança da igualdade de armas. Assim, não é indispensável a
presença do MP desde o início e em todas as fases de elaboração de acordos de delação premiada. De igual forma,
o parecer do MP sobre o acordo celebrado pelo Delegado com o investigado não é obrigatório nem vinculante.
 Controle externo: há previsão específica da manifestação do MP em todos os acordos entabulados no âmbito da
polícia judiciária, garantindo-se, com isso, o devido controle externo da atividade policial já ocorrida e, se for o
caso, adoção de providências e objeções.
 Supremacia do interesse público: faz com que o debate constitucional não seja pautado por interesses
corporativos, mas por argumentos normativos acerca do desempenho das instituições no combate à criminalidade.
A atuação conjunta, a cooperação entre órgãos de investigação e de persecução penal, é de relevância maior.

Competência p/ homologação do acordo de colaboração premiada se o delatado tiver foro por prerrogativa de
função
 Fatos: Luiz e outras pessoas foram presas preventivamente, investigados por crimes contra a AP. Luiz negociou
com o MP e firmou acordo de colaboração premiada, tendo mencionado em suas declarações que os valores
desviados dos cofres públicos seriam destinados ao Governador. O juiz homologou o acordo de colaboração
premiada. Após o acordo, as declarações do colaborador foram enviadas para o STJ, que instaurou inquérito para
apurar a conduta do Governador. Quando soube do fato, o Governador peticionou ao STJ alegando que houve
violação à sua competência. O reclamante afirmou que, diante da menção feita à pessoa do Governador, os autos
deveriam ter sido encaminhados ao STJ antes do acordo de colaboração ser assinado. Assim, alegou que a
negociação do acordo não poderia ter sido feita pelo MP e que a homologação não poderia ter sido realizada pelo
juiz de 1º grau. Ao final, o reclamante requereu que fosse reconhecida a usurpação de competência e,
consequentemente, declarada a nulidade de todos os atos praticados. O STJ não concordou com a tese e o
Governador recorreu ao STF.
 Decisão: o STF concedeu a ordem. Para o STF, houve usurpação de atribuição da PGR e de competência do
STJ, o que teria acarretado a nulidade das provas que derivaram, ou seja, das provas que surgiram a partir das
declarações do colaborador. Cf. o art. 4º, § 7º da Lei 12.850/13, o acordo de colaboração premiada deve ser
remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade. Muito
embora a lei fale apenas em “juiz”, é possível que a homologação da colaboração premiada seja da competência de
tribunal, nos casos em que o delator ou os delatados possuem foro por prerrogativa de função. Com efeito, o
colaborador admite seus próprios delitos e delata outros crimes. Assim, quanto à prerrogativa de função, será
competente o juízo mais graduado, observadas as prerrogativas de função do delator e dos delatados.
169
Como vimos acima, após a instauração do inquérito no STJ, a defesa do Governador impugnou a utilização das
declarações do colaborador. Delatado possui legitimidade para impugnar o acordo de colaboração premiada?
• Em regra, não. O STF entende que o delatado não tem legitimidade para impugnar o acordo de colaboração
premiada, por se tratar de NJ personalíssimo. O delatado vai exercer seu contraditório e ampla defesa, ou seja, irá
ter a oportunidade de se defender das imputações na ação penal que for ajuizada contra ele. O que ele não pode é
buscar anular o acordo de colaboração premiada.
• Exceção: É possível que o delatado faça impugnação se o acordo violou as regras constitucionais de prerrogativa
de foro. Assim, ainda que seja negada ao delatado a possibilidade de impugnar o acordo, esse entendimento não se
aplica em caso de homologação sem respeito à prerrogativa de foro. Neste caso, o que se tem é uma hipótese de
ineficácia do acordo em relação à autoridade delatada (p. ex., o Governador). Assim, os atos de colaboração
premiada decorrentes do acordo não são eficazes para ele porque foi homologado com usurpação de competência
do STJ. Por essa razão, as provas devem ser excluídas do inquérito. Tento em vista que a instauração se deu com
base exclusivamente nos atos de colaboração, o inquérito deve ser trancado.

3.8. Não há óbice ao compartilhamento de delação premiada, desde que haja delimitação dos fatos
 Fatos: Ricardo Saud, ex-executivo do Grupo J&F, celebrou, com o MPF, um termo de colaboração premiada.
Como a colaboração delatava a prática de crimes que, em tese, teriam sido praticados por autoridades com foro no
STF, foi o próprio STF quem fez a homologação. O MPSC pediu compartilhamento de trecho da colaboração para
apuração de eventual ato de improbidade administrativa que teria sido praticado pelo Governador. Ocorre que havia
dois “problemas”: 1) Como este trecho da delação não envolvia autoridades com foro privativo no STF, o STF já
tinha declinado a competência e remetido as declarações de Saud para o STJ. 2) No acordo de colaboração
premiada, já ficaram estabelecidas as sanções a que Saud estaria sujeito. Assim, se ele fosse denunciado também
por improbidade, estaria recebendo uma punição não prevista no acordo.
 O STF tem competência para analisar esse pedido? SIM. Ainda que remetido a outros órgãos do Judiciário para
apuração dos fatos delatados, o juízo que homologou o acordo de colaboração premiada continua sendo competente
para analisar os pedidos de compartilhamento dos termos de depoimentos prestados no âmbito da colaboração.
 É possível o compartilhamento? SIM. É admissível o compartilhamento dos termos de declaração do
colaborador premiado para serem utilizados, como prova emprestada, a fim de subsidiar apurações em outras
esferas. Assim, havendo delimitação dos fatos, não há nada que impeça o compartilhamento dos depoimentos com
o MP estadual a fim de que o órgão possa investigar a prática de eventual ato de improbidade administrativa por
parte de agente público. Vale ressaltar, porém, que o compartilhamento dos termos de depoimentos prestados no
âmbito de colaboração premiada deve respeitar as balizas do acordo homologado em juízo. Em outras palavras, o
pedido de compartilhamento deve respeitar os termos do acordo.
 Provas não podem ser utilizadas contra o colaborador : Assim, as provas obtidas com o acordo de colaboração
premiada podem ser compartilhadas com outros órgãos e autoridades públicas nacionais e até estrangeiras. Tais
provas podem ser utilizadas por tais autoridades para fins cíveis, fiscais, administrativos e até mesmo criminais. No
entanto, tais provas NÃO podem ser utilizadas contra os próprios colaboradores para produzir punições além
daquelas pactuadas no acordo. Em outras palavras, no acordo de colaboração premiada, o colaborador confessou a
prática de ilícitos e apresentou provas contra outras pessoas que também participaram dos fatos. No próprio acordo
já ficaram acertadas as sanções a que ele irá se submeter. Se uma outra autoridade (ex: MP/SC) pede para utilizar
tais provas, isso pode ser autorizado, mas tais elementos fornecidos não poderão ser utilizados contra o
colaborador. Esta ressalva deve ser expressamente comunicada ao destinatário da prova, com a informação de que
se trata de uma limitação intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova, nos termos da Nota Técnica nº
01/2017, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. Por que funciona assim? O colaborador aceitou
produzir provas contra si mesmo porque isso ficou combinado segundo os termos do acordo de colaboração
premiada celebrado com o Estado. Em outras palavras, o colaborador concordou em confessar porque foi feito um
acordo de que ele somente seria punido de acordo com aquilo que foi combinado. Assim, a utilização de tais
elementos probatórios, produzidos pelo próprio colaborador, em seu prejuízo, de modo distinto do firmado com a
acusação e homologado pelo Judiciário, é prática abusiva, que viola o direito à não autoincriminação.

3.9. Interceptação telefônica

É inconstitucional Resolução do CNJ que proíbe o juiz de prorrogar a interceptação telefônica durante o
plantão judiciário ou durante o recesso do fim de ano: A Resolução 59/2008 do CNJ disciplina e uniformiza o
procedimento de interceptação de comunicações telefônicas e de sistemas de informática e telemática nos órgãos
jurisdicionais do Judiciário. Foi proposta uma ADI contra esse ato normativo. O STF decidiu que essa Resolução é
constitucional, com exceção do § 1º do art. 13, que prevê o seguinte: “§ 1º Não será admitido pedido de
prorrogação de prazo de medida cautelar de interceptação de comunicação telefônica, telemática ou de informática
durante o plantão judiciário, ressalvada a hipótese de risco iminente e grave à integridade ou à vida de terceiros,
bem como durante o Plantão de Recesso previsto artigo 62 da Lei 5.010/66”. Em relação ao § 1º do art. 13 da
Resolução 59/2008, o CNJ extrapolou sua competência normativa, adentrando em seara que lhe é imprópria. Essa
170
previsão violou: a) a competência dos Estados para editar suas leis de organização judiciária (art. 125, § 1º, da CF);
b) a competência legislativa na União para a edição de normas processuais (art. 22, I); c) a norma constante do art.
5º, XXXV, da CF, no que respeita à inafastabilidade da jurisdição.

Constitucionalidade da Resolução 36/2009-CNMP: É constitucional a Resolução 36/2009 do CNMP, que dispõe


sobre o pedido e a utilização de interceptações telefônicas, no âmbito do Ministério Público, nos termos da Lei nº
9.296/96. A norma foi editada no exercício das atribuições previstas diretamente no art. 130-A, § 2º, I e II, da
CF/88. A Resolução apenas regulamentou questões administrativas e disciplinares relacionadas ao procedimento de
interceptação telefônica, sem adentrar em matéria de direito penal, processual ou relativa a nulidades. Não foram
criados novos “requisitos formais de validade” das interceptações. Tanto isso é verdade que a inobservância dos
preceitos contidos na resolução não constitui causa de nulidade, mas sim motivo para a instauração de
procedimento administrativo disciplinar contra o agente público infrator, pois consistem em regras ligadas aos
deveres funcionais de sigilo na atuação ministerial. A independência funcional do MP foi preservada. A resolução
não impõe uma linha de atuação ministerial, apenas promove a padronização formal mínima dos ritos adotados nos
procedimentos relacionados a interceptações telefônicas, em consonância com as regras previstas na Lei nº
9.296/96.

4. TRIBUNAL DO JÚRI

4.1. Validade das alegações finais feitas nos debates orais e ausência de inovação dos fatos no plenário: A
defesa sustentava a nulidade absoluta do processo, em razão da ausência das alegações finais por abandono da
causa pelo advogado. Sustentava, também, a violação ao devido processo legal, diante da modificação da tese
acusatória em plenário, sem que tivesse sido oportunizado o exercício do contraditório. O STF entendeu não ter
ocorrido nulidade processual, tendo em vista que, na audiência de instrução, a defesa técnica postulou a
impronúncia. Além disso, afirmou haver correlação entre o que foi arguido pelo Estado-acusador em plenário e a
pronúncia. Em outras palavras, o MP pediu a condenação do réu justamente pelos fatos que constavam na
pronúncia.

4.2. É possível a pronúncia do acusado baseada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase
inquisitorial?
• NÃO. Haverá violação ao art. 155 do CPP. Além disso, muito embora a análise aprofundada seja feita somente
pelo Júri, não se pode admitir, em um EDD, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório
judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. STJ. 5ª Turma. AgRg no
REsp 1.740.921-GO, j. em 06/11/18. STJ. 6ª Turma. HC 341.072/RS, j. em 19/4/16.
• SIM. É possível admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que
isso represente afronta ao art. 155. Embora a vedação imposta no art. 155 se aplique a qualquer procedimento
penal, inclusive dos do Júri, não se pode perder de vista o objetivo da decisão de pronúncia não é o de condenar,
mas apenas o de encerrar o juízo de admissibilidade da acusação (iudicium accusationis). Na pronúncia opera o
princípio in dubio pro societate, porque é a favor da sociedade que se resolvem as dúvidas quanto à prova, pelo
Juízo natural da causa. Constitui a pronúncia, portanto, juízo fundado de suspeita, que apenas e tão somente admite
a acusação. Não profere juízo de certeza, necessário para a condenação, motivo pelo qual a vedação expressa do
art. 155 do CPP não se aplica à referida decisão. STJ. 5ª Turma. HC 435.977/RS, j. em 15/05/2018. STJ. 6ª Turma.
REsp 1458386/PA, j. em 04/10/2018. Obs.: prevalece, no STJ, a segunda posição, ou seja, de que é possível a
pronúncia.

4.3. Jurado que fala “é um crime” durante a sessão de julgamento viola o dever de incomunicabilidade,
acarretando a nulidade absoluta da condenação: Deve ser declarado nulo o júri em que membro do conselho de
sentença afirma a existência de crime em plena fala da acusação. Caso concreto: durante os debates no Plenário do
Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça estava em pé na frente dos jurados apresentando seus argumentos. Em
determinado momento, o Promotor fez uma pergunta retórica: “aí, então, senhores jurados, eu pergunto a Vossas
Excelências: qual foi a conduta que o réu aqui presente praticou?” Uma das juradas acabou “soltando” a seguinte
resposta: “é um crime”. O juiz presidente do Júri imediatamente a advertiu dizendo: por favor, a senhora não pode
se manifestar. O advogado, contudo, na mesma hora requereu ao magistrado que consignasse este fato na ata de
julgamento. O juiz decidiu que não houve quebra da incomunicabilidade e seguiu com o julgamento. O réu foi
condenado e a defesa recorreu alegando, entre outros argumentos, que houve nulidade do julgamento por quebra da
incomunicabilidade dos jurados. O STJ anulou o júri. Obs.: v. teoria do Júri no livro (págs. 1.254 a 1.257).

4.4. Sustentação oral em tempo reduzido: Diante das peculiaridades do Tribunal do Júri, o fato de ter havido
sustentação oral em plenário por tempo reduzido não caracteriza, necessariamente, a deficiência de defesa técnica.
STJ. 6ª Turma. HC 365.008-PB, j. em 17/04/18. Obs.: há decisão reconhecendo a ocorrência de nulidade pelo
171
simples fato de a sustentação oral ter sido feita em poucos minutos. No entanto, entendo que a posição majoritária é
no sentido que isso não conduz, obrigatoriamente, à nulidade, conforme decidido no HC 365.008-PB.

4.5. Soberania relativa do Júri e Reformatio in pejus: Se a condenação proferida pelo júri foi anulada pelo
Tribunal em recurso exclusivo da defesa, isso significa que deverá ser realizado um novo júri, mas, em caso de
nova condenação, a pena imposta neste 2º julgamento não poderá ser superior àquela fixada na sentença do 1º júri.
Em outras palavras, se apenas o réu recorreu contra a sentença que o condenou e o Tribunal decidiu anular a
sentença, determinando que outra seja prolatada, esta nova sentença, se também for condenatória, não pode ter uma
pena superior à que foi aplicada na 1ª. Isso é chamado de princípio da ne reformatio in pejus indireta, que tem
aplicação também no Tribunal do Júri. A soberania do veredicto dos jurados (art. 5º, XXXVIII, “c”, da CF) não
autoriza a reformatio in pejus indireta. *Atenção: Se o MP também recorreu para aumentar a pena, será possível
que a reprimenda do novo júri seja maior que a do primeiro. Obs.: v. teoria (págs. 1.259 a 1.262).

4.6. Condenação pelo Tribunal do Júri e execução provisória da pena: Em caso de condenação pelo Tribunal
do Júri, é possível a execução provisória da pena mesmo antes de o Tribunal julgar a apelação interposta pela
defesa? 1ª corrente: SIM. É possível a execução da condenação pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri,
independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso, em face do princípio da soberania dos
veredictos. Assim, nas condenações pelo Tribunal do Júri não é necessário aguardar julgamento de recurso em
segundo grau de jurisdição para a execução da pena. STF. 1ª Turma. HC 140449/RJ e HC 118770 ED, ambos j. em
2018.
2ª corrente: NÃO. Não é possível a execução provisória da pena em face de decisão do júri sem que haja o
exaurimento em grau recursal das instâncias ordinárias, sob pena de macular o princípio constitucional da
presunção de inocência. A execução provisória da pena somente é admitida se o recurso pendente de julgamento
não tiver efeito suspensivo. STF. 2ª Turma. HC 136223, j. em 25/04/2017. STJ. 5ª Turma. HC 438088, j. em
24/05/2018.
*não há o esgotamento da jurisdição nas instâncias ordinárias antes do julgamento da apelação pelo Tribunal de 2ª
instância. Além disso, entende-se que, mesmo na esfera do Júri, o Tribunal em sede de apelação, nas hipóteses do
art. 593, III, do CPP, pode: reconhecer eventual nulidade posterior à pronúncia; proclamar que a decisão soberana é
manifestamente contrária às provas dos autos; retificar a sentença do juiz-presidente, quando for contrária à lei ou
divergir das respostas dos jurados aos quesitos; e pode, ainda, corrigir eventual equívoco no procedimento de
individualização da pena. Assim, em que pese não seja possível a modificação da decisão dos jurados, como
absolver o réu ou reconhecer/afastar qualificadora, por exemplo, em razão da soberania do veredicto, é certo que
esse controle revisional pode ter repercussão direta no que foi decidido em primeiro grau, seja submetendo o réu a
novo julgamento, seja alterando aspectos da sentença que são da competência do juiz-presidente. Por fim,
considera-se que a soberania dos veredictos não é absoluta e convive em harmonia com o sistema recursal
desenhado pelo CPP. Em outros termos, o fato de o tribunal, no julgamento de apelação contra decisão do Tribunal
do Júri, não estar legitimado a efetuar o juízo rescisório, em nada influencia nem tampouco implica na execução
imediata da sentença condenatória, pois permanece intacta a sua competência para efetuar o juízo rescindente e
determinar, se for o caso, um novo julgamento.

5. TEMAS DIVERSOS

5.1. Arquivamento, de ofício, de inquérito: O STF pode, de ofício, arquivar inquérito quando verificar que,
mesmo após terem sido feitas diligências de investigação e terem sido descumpridos os prazos para a instrução do
inquérito, não foram reunidos indícios mínimos de autoria ou materialidade (art. 231, § 4º, “e”, do RISTF). A
pendência de investigação, por prazo irrazoável, sem amparo em suspeita contundente, ofende o direito à razoável
duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Caso concreto:
tramitava, no STF, um inquérito para apurar suposto delito praticado por Deputado Federal. O Ministro Relator já
havia autorizado a realização de diversas diligências investigatórias, além de ter aceitado a prorrogação do prazo de
conclusão das investigações. Apesar disso, não foram reunidos indícios mínimos de autoria e materialidade. Com o
fim do foro por prerrogativa de função para este Deputado, a PGR requereu a remessa dos autos à 1ª instância. O
STF, contudo, negou o pedido e arquivou o inquérito, de ofício, alegando que já foram tentadas diversas diligências
investigatórias e, mesmo assim, sem êxito. Logo, a declinação de competência para a 1ª instância a fim de que lá
sejam continuadas as investigações seria uma medida fadada ao insucesso e representaria apenas protelar o
inevitável.
 Essa decisão ofende o sistema acusatório e o art. 129, I, da CF, que confere ao MP a titularidade da ação penal
pública? Ao se arquivar, de ofício, um inquérito policial, viola-se a atribuição conferida pela CF ao MP de decidir
se oferece ou não a denúncia? NÃO. “Nessas hipóteses excepcionais, não obstante nosso sistema acusatório
consagrar constitucionalmente a titularidade privativa da ação penal ao MP (CF, art. 129, I), a quem compete
decidir pelo oferecimento da denúncia ou solicitação de arquivamento do inquérito ou peças de informação, é dever
do Poder Judiciário exercer sua “atividade de supervisão judicial”, fazendo cessar toda e qualquer ilegal coação por
172
parte do Estado-acusador, quando o Parquet insiste em manter procedimento investigatório mesmo ausentes
indícios de autoria e materialidade das infrações penais imputadas (...) A manutenção da investigação criminal sem
justa causa, ainda que em fase de inquérito, constitui injusto e grave constrangimento aos investigados (...)”.
 A decisão que determina o arquivamento de ofício viola o art. 28 do CPP? NÃO. O art. 28 do CPP não é óbice
ao arquivamento de inquérito, de ofício, pelo magistrado. O art. 28 do CPP se limita a impedir que, pedido o
arquivamento pelo MP e confirmado este entendimento no âmbito do próprio MP, possa o juiz se negar a deferi-lo.
No entanto, não obriga o Juiz a só proceder ao arquivamento quando este for expressamente requerido pelo MP,
seja porque cabe ao juiz o controle de legalidade do procedimento de investigação; seja porque o Judiciário, no
exercício de suas funções típicas, não se submete à autoridade de quem esteja sob sua jurisdição.
 Transitoriedade do inquérito: Apesar de não ter sido mencionada expressamente, os julgados acima reforçam a
ideia de que uma das características do inquérito é a de que se trata de um procedimento temporário.
 Essa possibilidade de arquivamento de ofício existe apenas para o STF? Um magistrado de 1ª instância poderá
promover, de ofício, o arquivamento do inquérito policial? No julgamento do Inq 4420/DF não houve uma resposta
expressa a pergunta. O STJ, contudo, possui precedentes em sentido contrário.

Obs.: em outro caso parecido com o acima explicado, o STF determinou o retorno dos autos ao MP a fim de que
apresente os indícios contra o investigado: Em 2016, foi instaurado inquérito no STF para apurar crimes de
corrupção passiva (art. 317 do CP) e de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei 9.613/98) que teriam sido praticados
por Aécio Neves. O Delegado de Polícia Federal concluiu as investigações, opinando, no relatório policial, pelo
arquivamento do inquérito sob a alegação de que não foram reunidos indícios contra o investigado. A Procuradoria-
Geral da República afirmou que, após a manifestação do Delegado, surgiram novos indícios e que, portanto, as
investigações deveriam continuar. Afirmou, contudo, que o STF deveria remeter os autos à 1ª instância para que as
investigações continuassem lá, tendo em vista que os delitos praticados por Aécio Neves teriam sido praticados
fora do cargo de parlamentar federal, não havendo competência do STF. O STF determinou o retorno dos autos à
PGR para que ela conclua as diligências ainda pendentes de execução, no prazo de 60 dias, e que depois apresente
manifestação conclusiva nos autos, apontando concretamente os novos elementos de prova a serem considerados.
De posse de manifestação mais objetiva da PGR, com provas suficientes para eventual continuidade das
investigações, o STF poderá avaliar se é mesmo o caso de arquivamento ou se a investigação deve prosseguir e em
que condições.

5.2. Comentários à Lei 13.642/18: nova atribuição da PF para investigar crimes que difundem conteúdo
misógino pela internet
 Atribuições da PF: em regra, a PF é responsável pela investigação dos crimes que são de competência da Justiça
Federal. Isso porque uma das principais funções da PF é exercer, com exclusividade, as funções de polícia
judiciária da União. No entanto, a PF investiga também outros delitos que não são de competência da Justiça
Federal, como se vê do art. 144, § 1º, I da CF: “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim
como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei”.
 Crimes que tenham repercussão interestadual ou internacional : a PF tem atribuição para investigar crimes que
tenham repercussão interestadual ou internacional e exijam repressão uniforme. A CF afirma que a relação desses
crimes deverá ser prevista em lei – a Lei 10.446/02, cuja ementa é a seguinte: “Dispõe sobre infrações penais de
repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do §
1º do art. 144 da CF”. No caso dos delitos previstos em seu art. 1º, não importa se eles serão ou não julgados pela
Justiça Federal. A atribuição para investigá-los poderá ser da PF independentemente disso. Assim, quando houver
repercussão interestadual/internacional que exija repressão uniforme, a PF poderá investigar certas infrações
penais21.
Obs.: a Polícia Federal irá investigá-los sem prejuízo da responsabilidade das Polícias Militares e Civis dos
Estados, ou seja, tais órgãos de segurança pública também poderão contribuir com as investigações.
 Fora essa lista, a PF poderá investigar outros crimes? SIM. A lista do art. 1º da Lei 10.446/02 é exemplificativa.
Assim, o Departamento de PF poderá investigar outras infrações penais que não estejam nesta lista, desde que:
• tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça;
21
I – Sequestro e cárcere privado (art. 148, do CP) e extorsão mediante sequestro (art. 159), se: o agente foi impelido por motivação política
ou quando o crime foi praticado em razão da função pública exercida pela vítima;
II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei 8.137/90);
III – crimes em que haja violação a direitos humanos que o Brasil se comprometeu a reprimir em tratados internacionais;
IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver
indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação;
V – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet,
depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do CP);
VI – furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da
atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação.
173
• a infração tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme.
Essa autorização mais genérica está prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.446/2002.
 O que fez a Lei 13.642/18? Acrescentou mais um inciso ao art. 1º da Lei prevendo novas hipóteses de crimes
que poderão ser investigados pela PF: VII – quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de
computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às
mulheres. Assim, a partir de agora existe previsão expressa de que a Polícia Federal poderá investigar os crimes
praticados pela internet que envolvam a divulgação de mensagens, imagens, sons, vídeos ou quaisquer outros
conteúdos misóginos. Conteúdo misógino é aquele que propaga o ódio ou a aversão às mulheres. *Atenção: esses
crimes do art. 1º, VII acima referidos continuam sendo, em regra, de competência da Justiça ESTADUAL. Apenas
a INVESTIGAÇÃO de tais delitos é que passou para a esfera federal. Assim, a Polícia Federal realiza o inquérito
policial e depois o remete para o Promotor de Justiça e Juiz de Direito que irão dar início e prosseguimento no
processo penal.

5.3. Investigação defensiva


 A investigação de crimes no Brasil é uma atividade exclusiva dos órgãos públicos (polícia, MP, TCs, etc.)?
NÃO. Não existe uma determinação de que somente o Poder Público possa apurar crimes. A imprensa, os órgãos
sindicais, a OAB, as ONGs e até mesmo a defesa do investigado também podem investigar infrações penais.
Qualquer pessoa (física ou jurídica) pode investigar delitos, até mesmo porque a segurança pública é
“responsabilidade de todos” (art. 144 da CF). Obviamente que a investigação realizada por particulares não goza
dos atributos inerentes aos atos estatais, como a imperatividade, nem da mesma força probante, devendo ser
analisada com extremo critério, não sendo suficiente, por si só, para o decreto condenatório (art. 155 do CPP). Mas,
isso não permite concluir que tais elementos colhidos em uma investigação particular sejam ilícitos ou ilegítimos,
salvo se violarem a lei ou a CF.
 Investigação criminal defensiva : pode ser conceituada como a possibilidade de o investigado, acusado ou
mesmo condenado realizar diligências a fim de conseguir elementos informativos ("provas") de que não houve
crime ou de que ele não foi o seu autor. Apesar de ser mais comum durante a fase do inquérito policial, nada
impede que a investigação criminal defensiva ocorra também na fase judicial e mesmo após a sentença penal
condenatória considerando a possibilidade de revisão criminal. Obviamente, a investigação criminal defensiva
deverá respeitar a lei e a Constituição, não podendo ser adotadas diligências que violem a ordem jurídica ou
direitos fundamentais. Ex: não é possível a realização de uma interceptação telefônica. O projeto do novo CPP
(Projeto de Lei nº 156/2009) prevê, expressamente, o instituto da “investigação criminal defensiva”.
 Lei 13.432/17: dispôs sobre o exercício da profissão de detetive particular. Considera-se detetive particular "o
profissional que, habitualmente, por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial, planeje e execute
coleta de dados e informações de natureza não criminal, com conhecimento técnico e utilizando recursos e meios
tecnológicos permitidos, visando ao esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante." (art. 2º).
 O detetive particular pode colaborar formalmente com a investigação conduzida pelo Delegado no IP? SIM.
Essa possibilidade foi expressamente prevista no art. 5º da Lei 13.432/17. Frise, porém, que esta participação
somente ocorrerá se a autoridade policial expressamente concordar. Assim, como o responsável é o Delegado de
Polícia (art. 2º, § 1º, da Lei 12.830/13), ele tem o poder de rejeitar a participação formal do detetive particular no
IP.
 O detetive particular pode acompanhar o Delegado ou investigadores nas diligências realizadas? Ex.: participar
de uma busca e apreensão? NÃO. A Lei nº 13.432/2017 afirma que, mesmo quando for admitida a colaboração do
detetive particular na investigação policial, ainda assim ele não poderá participar das diligências policiais.
 Se o Delegado não autorizar a colaboração do detetive, mesmo assim este poderá realizar, fora do inquérito
policial, diligências investigativas a pedido da defesa? Penso que sim. O art. 5º da Lei 13.432 refere-se à
autorização do Delegado para que o detetive particular colabore formalmente com o inquérito policial. No entanto,
ainda que o Delegado rejeite esta participação por entendê-la desnecessária ou impertinente, ele não pode impedir
que o investigado realize investigação defensiva utilizando-se dos serviços de um detetive particular. A
investigação criminal defensiva, desde que respeitado o ordenamento jurídico, é possível independentemente de
autorização do Delegado, do MP, do Judiciário ou de quem quer seja. Isso porque essa atividade é uma
consequência da ampla defesa e do contraditório, garantias constitucionais asseguradas a todo e qualquer
investigado. Em outras palavras, pelo fato de o investigado poder se defender amplamente, ele tem o direito de
buscar "provas" de sua inocência.
 Provimento da OAB: em 2018, o Conselho Federal da OAB aprovou o Provimento 188/18 que “regulamenta o
exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligência investigatórias para instrução em
procedimentos administrativos e judiciais”.

5.4. Princípio do in dubio pro societate: A doutrina mais moderna critica a existência desse princípio afirmando
que ele é contrário às garantias conferidas ao réu. Apesar disso, a jurisprudência continua aplicando esse princípio
em duas fases: 1) No momento do recebimento da denúncia (STF e STJ); 2) Na decisão de pronúncia no
procedimento do Tribunal do Júri (STF, em que pese decisão de 2019 da 2ª Turma, e STJ). E na análise da autoria e
174
materialidade durante prolação da sentença (sem ser Tribunal do Júri), adota-se aqui também o princípio do in
dubio pro societate? NÃO. Nesta fase, adota-se o princípio do in dubio pro reo. A insuficiência de provas conduz à
absolvição, nos termos do art. 386, VII, do CPP.

5.5. Nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica e dispensa de procuração


 Exige-se que a parte outorgue procuração para que o Núcleo de Prática Jurídica atue em favor do réu no
processo criminal? SIM. Em regra, o advogado integrante do Núcleo de Prática Jurídica não está dispensado de
apresentar procuração, por ausência de previsão legal. Neste ponto, não há equiparação com a Defensoria Pública.
A Defensoria Pública, por força de lei expressa, pode atuar na defesa de seus assistidos mesmo sem procuração. No
caso dos Núcleos de Prática Jurídica, embora prestem relevantes serviços, não existe previsão legal semelhante. Por
essa razão, seus poderes de representação em juízo dependem necessariamente de procuração. O Núcleo de Prática
Jurídica, por não se tratar de entidade de direito público, precisa apresentar instrumento de mandato para
comprovar que o réu hipossuficiente escolheu seu defensor, em consonância com o princípio da confiança.
 É possível que a procuração seja outorgada para o Núcleo de Prática Jurídica? Ex.: em vez de outorgar a
Procuração para o Professor advogado, João poderia conferir o mandato para o Núcleo de Prática Jurídica? NÃO.
A procuração não pode ser outorgada para o Núcleo de Prática Jurídica O Núcleo de Prática Jurídica não possui
capacidade para receber nomeação ou mandato. É necessário que, na procuração, seja especificado o advogado a
quem são atribuídos os poderes de representação (STJ. 6ª Turma. DJe 19/03/2013).
 E se fosse uma nomeação judicial, haveria necessidade de procuração? Ex.: o juiz nomeou o advogado Rui
Salgado, Professor do Núcleo de Prática Jurídica, para fazer a defesa do réu no plenário do Tribunal do Júri. Além
desta nomeação, será necessário que o réu outorgue uma procuração? NÃO. A nomeação judicial de Núcleo de
Prática Jurídica para patrocinar a defesa de réu dispensa a juntada de procuração. Isso porque, neste caso, não há
uma atuação provocada pelo assistido, mas sim o exercício de um munus público por determinação judicial. STJ. 3ª
Seção. J. em 11/04/18. Além disso, não se mostra razoável a exigência de procuração porque na maioria das vezes,
em caso de nomeação judicial, não há um contato prévio do advogado com o acusado. A exigência de procuração
acarretaria gravosos prejuízos à defesa da população necessitada, inviabilizando o acesso à Justiça.

5.6. Empate no julgamento de ação penal no STF: esse entendimento vale também para o julgamento de EDs
opostos contra o acórdão que julgou a ação penal? SIM, aplicando-se a decisão mais favorável ao réu.

5.7. Havendo duas sentenças condenatórias envolvendo fatos idênticos, qual delas deverá prevalecer?
 Havendo 2 sentenças condenatórias envolvendo fatos idênticos, deverá ser anulada a 2ª delas? Não. A tese do
MP não foi acolhida. Havendo 2 sentenças condenatórias envolvendo fatos idênticos, a 2ª delas não será
necessariamente aquela a ser anulada. Diante do trânsito em julgado de 2 sentenças condenatórias contra o mesmo
réu, por fatos idênticos, deve prevalecer o critério mais favorável em detrimento do critério temporal (de
precedência). Isso em homenagem aos princípios do favor rei e favor libertatis.
 E se essa duplicidade de condenações tivesse sido descoberta antes do trânsito em julgado? Ex.: tramitam 2
ações penais contra o acusado referentes aos mesmos fatos; nas duas, o réu foi condenado, mas ainda não houve
trânsito em julgado. O que fazer nesta situação? O STJ possui precedente dizendo que deverá prevalecer a 1ª ação
penal ajuizada, sendo anulada a ação penal ajuizada por último.
 O que o STF pensa a respeito? Há um precedente antigo da 1ª T. do STF em sentido contrário, ou seja,
sustentando que, em caso de dupla sentença transitada em julgado, deverá ser anulada a 2ª, prevalecendo a 1ª. Isso
porque o 2º processo nasceu de forma indevida considerando que já existia o primeiro. Logo, a instauração do 2º
processo violou a litispendência (se o 1º feito ainda estava em curso) ou a coisa julgada (se o 1º processo já havia
encerrado).

5.8. O acusado que responde a outro processo não tem direito à suspensão condicional do processo
 SCP: é um instituto despenalizador, oferecido pelo MP ou querelante ao acusado que tenha sido denunciado por
crime cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano e que não esteja sendo processado ou não tenha sido
condenado por outro crime, desde que presentes os demais requisitos que autorizariam o sursis penal (art. 77 do
CP). A SCP está prevista no art. 89 da Lei 9.099. No entanto, vale ressaltar que não se aplica apenas aos processos
do JECRIM (infrações de menor potencial ofensivo), mas sim em todos aqueles cuja pena mínima seja igual ou
inferior a 1 ano, podendo, portanto, a pena máxima ser superior a 2 anos.
 Como vimos acima, se o réu estiver sendo processado por outro crime (mesmo ainda sem condenação) já não
terá direito ao benefício da suspensão condicional. Indaga-se: essa proibição é inconstitucional pelo princípio da
presunção de inocência? NÃO. É constitucional a norma do art. 89 da Lei 9.099/95 (STF). Trata-se de benefício
despenalizador que prestigia aquele indivíduo que não responde a nenhum outro processo, não havendo, nesta
vedação, por si só, uma violação ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF).

6. NULIDADES
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6.1. Não é permitido o ingresso na residência do indivíduo pelo simples fato de haver denúncias anônimas e
ele ter fugido da polícia
 Fatos: Os policiais se deslocaram para região para verificar “denúncias anônimas” do “disque denúncia”, de que
estaria sendo praticado tráfico de drogas. Ao chegarem no local, viram que João correu quando avistou a polícia.
Os policiais perseguiram João e entraram na casa para onde ele correu. Ao revistarem a residência, encontraram
várias drogas. João foi preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da LD). O MP ofereceu
denúncia na qual sustentou que a prisão foi legal considerando que o crime de tráfico de drogas é permanente
quando praticado nas modalidades “ter em depósito” e “guardar”. Dessa forma, João estava em flagrante delito
sendo permitido o ingresso na residência sem autorização, conforme previsto no art. 5º, XI, da CF.
 Flagrante delito: havendo flagrante delito, é possível ingressar na casa mesmo sem consentimento do morador,
seja de dia ou de noite. É o caso do tráfico de drogas. Diversos verbos do art. 33 da LD fazem com que este delito
seja permanente. Assim, se a casa do traficante funciona como boca-de-fumo, onde ele armazena e vende drogas, a
todo momento estará ocorrendo o crime, considerando que ele está praticando os verbos “ter em depósito” e
“guardar”. Diante disso, havendo suspeitas de que existe droga em determinada casa, será possível que os policiais
invadam a residência mesmo sem ordem judicial e ainda que contra o consentimento do morador? SIM. No
entanto, no caso concreto, devem existir fundadas razões que indiquem que ali está sendo cometido um crime
(flagrante delito). Essas razões que motivaram a invasão forçada deverão ser posteriormente expostas pela
autoridade, sob pena de ela responder nos âmbitos disciplinar, civil e penal e os atos praticados poderão ser
anulados. O STF possui uma tese fixada sobre o tema: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é
lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”,
que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil
e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados”. STF. Plenário. RE 603616/RO, j. em
5/11/15 (repercussão geral).
 Decisão do STJ: entendeu que o ingresso na residência de João foi ilegal. Em que pese eventual boa-fé dos
policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Os
policiais procederam à abordagem de João tão somente com base em denúncias anônimas recebidas por meio de
canal telefônico. Não havia, contudo, referência a prévia investigação policial para verificar a possível veracidade
das informações recebidas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência
de tráfico naquele local. Ainda, o fato de haverem avistado o investigado João empreender fuga não poderia, de
igual forma, justificar a invasão da residência considerando que os policiais não viram se ele estava na posse de
substância entorpecente, tendo havido a perseguição pelo simples fato de ele ter corrido. Assim, como decorrência
da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão da
droga após a invasão desautorizada do domicílio do réu.

6.2. O simples fato de o juiz ser “duro” no interrogatório não implica quebra da imparcialidade : No caso, a
juíza, durante o interrogatório no plenário do júri, agiu com extrema firmeza, sendo até um pouco rude com o réu.
O STJ entendeu, contudo, que isso não é motivo para imputar à magistrada a pecha da falta de imparcialidade. O
juiz não é mero espectador do julgamento e tem, não só o direito, mas o dever (art. 497 do CPP) de conduzi-lo e, ao
interrogar a ré, não há notícia de que tenha tratado de alguma prova ou emitido qualquer opinião sobre elementos
colhidos na instrução ou na própria sessão do Júri, isto sim, causa plausível de quebra da parcialidade. A quebra da
imparcialidade tem de estar atrelada a alguma conduta do magistrado que possa desequilibrar a balança do
contraditório, ou seja, favorecer, para qualquer dos lados, a atuação das partes. Tema correlato: A utilização de
termos mais fortes e expressivos na sentença penal condenatória — como “bandido travestido de empresário” e
“delinquente de colarinho branco” — não configura, por si só, situação apta a comprovar a ocorrência de quebra da
imparcialidade do magistrado. STJ. 5ª Turma. REsp 1.315.619-RJ, j. em 15/8/13.

6.3. É nula a sentença proferida de forma oral e degravada parcialmente sem o registro das razões de
decidir: O art. 405 do CPP possibilita o registro dos termos da audiência de instrução em meio audiovisual. Tal
regra, que foi inserida no CPP pela Lei 11.719/08, tem 2 objetivos: 1) abreviar o tempo de realização do ato,
considerando que não será necessário reduzir a termo todos os depoimentos; 2) possibilitar o registro fiel da íntegra
do ato, com imagem e som, em vez da simples escrita, permitindo ver as expressões não verbais das testemunhas,
vítima e réu. O art. 405 do CPP não autoriza, contudo, que a sentença seja proferida oralmente, sem ser escrita.
Assim, ainda persiste a exigência de que a sentença seja reduzida a termo (assuma forma escrita), nos termos do
art. 388 do CPP. A busca da celeridade na prestação jurisdicional não dispensa a forma escrita da sentença. No
caso, ainda que parte da sentença tenha sido escrita (dosimetria e dispositivo), houve nulidade porque não foram
transcritas as razões de decidir.
Obs.: Uma pergunta correlata: as oitivas das testemunhas, vítima e réu e as alegações finais do MP e da defesa, se
forem feitas oralmente, precisam ser transcritas? Há necessidade de degravação? NÃO. Não há necessidade de
degravação no caso de depoimentos colhidos por gravação audiovisual, cabendo ao interessado promovê-la, a suas
expensas e com sua estrutura, se assim o desejar, ficando vedado requerer ou determinar tal providência ao Juízo de
176
primeiro grau. STJ. 5ª Turma. J. em 08/03/16. O registro audiovisual de depoimentos colhidos em audiência
dispensa sua degravação, salvo comprovada demonstração de sua necessidade. STJ. 6ª Turma. J. em 30/06/16.

6.4. Havendo mais de um advogado constituído, não há nulidade na intimação de apenas um deles que, no
entanto, já estava morto, mas cujo falecimento não foi comunicado ao juízo: Não há nulidade se o réu possui
mais de um advogado constituído nos autos e a intimação para a sessão de julgamento ocorre em nome de apenas
um dos causídicos que, no entanto, já havia falecido, mas cuja morte não tinha sido comunicada ao Tribunal. Vale
ressaltar que, neste caso, não havia pedido da defesa para que todos os advogados fossem intimados ou para que
constasse o nome de um causídico em específico nas publicações. Assim, estando o réu representado por mais de
um advogado, basta, em regra, que a intimação seja realizada em nome de um deles para a validade dos atos
processuais, salvo quando houver requerimento expresso para que as publicações sejam feitas de forma diversa.
(STJ e STF). Cumpre esclarecer, no entanto, que, se, no processo estivesse atuando apenas um advogado, neste
caso, haveria nulidade: A intimação do julgamento da apelação em nome do advogado falecido do réu, único
causídico constituído nos autos, configura cerceamento de defesa apto a ensejar a nulidade absoluta, já que
impossibilitou a interposição de recurso pela defesa (STJ).

6.5. Promotor de Justiça que passa a atuar no processo decorrente de desmembramento oriundo do TJ está
livre para alterar a denúncia anteriormente oferecida pelo PGJ: A PGR ofereceu denúncia contra Paulo e
outros réus perante o STJ. Este Tribunal desmembrou o feito e ficou com o processo apenas da autoridade com foro
no STJ, declinando da competência para que o TJ julgasse os demais. O PGJ (que atua no TJ) ratificou a denúncia.
Ocorre que o TJ também decidiu desmembrar o feito e ficou com o processo apenas da autoridade com foro no TJ,
declinando da competência para que o juízo de 1ª instância julgasse os demais corréus. O processo de Paulo, que
não tinha foro privativo, foi remetido para a 1ª instância. O Promotor de Justiça que atua na 1ª instância decidiu não
ratificar a peça acusatória, oferecendo nova denúncia incluindo, inclusive, novos réus. A defesa alegou que o
Promotor não poderia ter alterado a denúncia. O STF entendeu que o membro do MP agiu corretamente e que não
há qualquer nulidade neste caso. É possível o aditamento da denúncia a qualquer tempo antes da sentença final,
garantidos o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, especialmente quando a inicial ainda não
tenha sido sequer recebida originariamente pelo juízo competente, como ocorreu no caso concreto. O membro do
MP possui total liberdade na formação de seu convencimento (opinio delicti). Assim, a sua atuação não pode ser
restringida ou ficar vinculada às conclusões jurídicas que o outro membro do MP chegou, mesmo que este atue em
uma instância superior. Em outras palavras, o Promotor de Justiça que passou a ter atribuição para atuar no caso
não está vinculado às conclusões do PGJ que estava anteriormente funcionando no processo. Desse modo, é
irrelevante que outros membros do MP com atribuição para atuar em instância superior, em virtude da análise dos
mesmos fatos, tenham, anteriormente, oferecido denúncia de diferente teor em face do réu, uma vez que, cf. ficou
reconhecido pelo STJ e pelo TJDFT, a competência para o processo criminal era da 1ª instância, de forma que o
promotor natural do caso era o Promotor de Justiça que atua na 1ª instância. Portanto, o fato de o promotor natural
— aquele com atribuição para atuar na 1ª instância — não se encontrar tecnicamente subordinado e apresentar
entendimento jurídico diverso, afasta qualquer alegação de nulidade decorrente de alteração do teor da peça
acusatória oferecida contra o réu Paulo.
Obs.: O princípio da independência funcional está diretamente atrelado à atividade finalística desenvolvida pelos
membros do MP, gravitando em torno das garantias: a) de uma atuação livre no plano técnico-jurídico, isto é, sem
qualquer subordinação a eventuais recomendações exaradas pelos órgãos superiores da instituição; e b) de não
poderem ser responsabilizados pelos atos praticados no estrito exercício de suas funções.

7. RECURSOS

7.1. Tempestividade do recurso interposto antes da decisão recorrida ter sido publicada: Não é extemporâneo
recurso interposto antes da publicação do acórdão. Sob o ângulo da oportunidade, a publicação do acórdão
impugnado é elemento neutro, podendo a parte, ciente da decisão proferida, protocolar o recurso. Assim p. ex.,
admite-se a interposição de EDs oferecidos antes da publicação do acórdão embargado e dentro do prazo recursal
(STF).

7.2. MP não tem direito a prazo em dobro no processo penal:


 Qual é o recurso que a parte prejudicada poderá interpor contra a decisão do Ministro Relator do STF ou STJ
que, monocraticamente, decide de forma contrária aos seus interesses no processo de natureza criminal? AgRg.
 Qual é o prazo deste agravo em processos de natureza criminal? Com a entrada em vigor do CPC/15, surgiu
dúvida. Porém, o STF e o STJ adotaram a corrente de que o prazo do AgRg nos processos de natureza criminal que
tramitam nestes Tribunais continua sendo de 5 dias.
 O CPC/15 previu que os prazos devem ser contados somente em dias úteis (art. 219). Esta regra vale também
para o AgRg nos processos criminais? NÃO. Não se aplica o art. 219 do CPC/15 (que prevê a contagem dos prazos
177
em dias úteis) considerando que existe regra específica no processo penal determinando que todos os prazos serão
contínuos, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado (art. 798 do CPP).
 No processo PENAL, o MP e a DP possuem algum benefício de prazo?
• MP: NÃO. Em matéria penal, o MP não goza da prerrogativa da contagem dos prazos recursais em dobro (STJ).
• DP: SIM. Também em matéria penal, são contados em dobro todos os prazos da DP (STJ).
*No processo CIVIL, o MP e a DP possuem o benefício de prazo em dobro (arts. 180 e 186 do CPC/15).

7.3. Sustentação oral do MP pode discordar do parecer oferecido por outro membro do Parquet: A
sustentação oral do representante do MP que diverge do parecer juntado ao processo, com posterior ratificação, não
viola a ampla defesa (STF). O papel do MP como custos legis não se confunde com o de órgão acusador, podendo
opinar pela absolvição do réu, por exemplo, ainda que o recurso tenha sido da defesa. De igual forma, o membro do
MP que atua no caso não está vinculado ao parecer proferido, gozando de independência funcional.

7.4. Não cabimento de MS para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal (S. 604/STJ)

7.5. Caso de emendatio libelli em 2ª instância


 Fatos: João foi denunciado pelo crime de gestão fraudulenta (art. 4º, caput, da Lei 7.492/86), tendo sido
condenado a uma pena de 4 anos de reclusão. O MPF não recorreu da decisão. A defesa, por outro lado, interpôs
recurso ao TRF pedindo unicamente a absolvição do réu. O TRF, no recurso exclusivo da defesa, entendeu que
estavam provadas a autoria e materialidade, mas que a classificação jurídica dos fatos melhor se amoldava aos arts.
16 e 22, p. u., da Lei 7.492/86. Em outras palavras, o TRF reclassificou a tipificação. Apesar disso, o TRF manteve
a pena em 4 anos de reclusão. A defesa recorreu contra a decisão do TRF alegando que não pediu a reclassificação
da imputação, mas sim a absolvição. Assim, argumenta que teria havido reformatio in pejus.
 Decisão: Não há qualquer nulidade no acórdão do TRF. Houve, no presente caso, emendatio libelli. É possível a
realização de emendatio libelli em 2ª instância no julgamento de recurso exclusivo da defesa, desde que não gere
reformatio in pejus, nos termos do art. 617 do CPP. Como a pena foi mantida pelo TRF, não houve prejuízo ao réu.
 Princípio da correlação ou congruência: a sentença não poderá condenar o acusado por fatos não narrados na
denúncia ou queixa, sob pena de incorrer em decisão ultra ou extra petita, sendo isso causa de nulidade absoluta.
 Reclassificação jurídica não ofende o princípio da congruência: No processo penal, o acusado se defende dos
fatos que lhe são atribuídos na denúncia ou queixa, e não da capitulação legal. Assim, não há violação ao princípio
da correlação se o magistrado, na sentença, sem modificar a descrição fática, aplicar uma tipificação legal diferente
daquela requerida pela acusação. Nesse caso, ocorre a emendatio libelli (art. 383 do CPP), isto é, quando o juiz, ao
condenar ou pronunciar o réu, altera a definição jurídica (a capitulação do tipo penal) do fato narrado na peça
acusatória, mas sem acrescentar qualquer circunstância ou elementar que já não esteja descrita na denúncia ou
queixa.
 É possível a emendatio libelli em 2º grau de jurisdição? SIM. É possível que o tribunal, no julgamento de um
recurso contra a sentença, faça emendatio libelli, desde que não ocorra reformatio in pejus.
* Cuidado para não confundir com a mutatio: a mutatio libelli ocorre quando, no curso da instrução processual,
surge prova de alguma elementar ou circunstância que não havia sido narrada expressamente na denúncia ou
queixa. Está prevista no art. 384 do CPP. Não é possível a realização de mutatio libelli em 2ª instância, porque se o
Tribunal, em grau de recurso, apreciasse um fato não valorado pelo juiz, haveria supressão de instância. Nesse
sentido é a Súmula 453-STF: Não se aplicam à 2ª instância o art. 384 e p. u. do CPP, que possibilitam dar nova
definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente,
na denúncia ou queixa.

7.6. Inexistência de reformatio in pejus na manutenção da condenação, mas com base em fundamentos
diversos da sentença: Em recurso exclusivo da defesa, o Tribunal não pode complementar a sentença para
acrescentar fatos que possam repercutir negativamente no âmbito da dosimetria da pena (STF). Se o Tribunal
fizesse isso, haveria a chamada reformatio in pejus. Vale ressaltar, no entanto, que não caracteriza “reformatio in
pejus” a decisão de tribunal de justiça que, ao julgar recurso de apelação exclusivo da defesa, mantém a reprimenda
aplicada pelo magistrado de primeiro grau, porém com fundamentos diversos daqueles adotados na sentença.
-Ex. 1: O réu foi condenado e apelou para o TJ. O MP não recorreu. No recurso, a defesa questionou os parâmetros
utilizados na dosimetria da pena. O TJ manteve a condenação e a pena imposta, mas o TJ falou que um dos
aspectos não deveria ser considerado como “conduta social” (como fez o juiz), sendo mais adequado classificar a
circunstância como “personalidade” do agente. Assim, o TJ manteve a reprimenda fixada, mas com fundamento
diferente do que foi adotado na sentença, o que não configura reformatio in pejus. STF. 1ª Turma. J. em 10/2/2015.
-Ex. 2: Elton foi condenado pela prática de roubo majorado. Na 1ª fase da dosimetria, o juiz fixou a pena-base em 6
anos e 6 meses. Para o juiz, há 3 circunstâncias judiciais que devem ser valoradas negativamente: • a culpabilidade
• os antecedentes criminais e • as consequências do delito. O MP não recorreu. A defesa, por seu turno, interpôs
apelação alegando, dentre outros argumentos, que a dosimetria feita pelo juiz foi errada. O TJ concordou em parte
com a defesa e disse o seguinte: • culpabilidade: o juiz acertou e deve realmente ser valorada negativamente. •
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antecedentes: o juiz errou. Isso porque ele não poderia ter considerado como maus antecedentes uma condenação
que ainda não transitou em jugado. Logo, essa consideração negativa deverá ser excluída. • consequências do
delito: o juiz acertou e deve ser mantida. O TJ considerou também que as circunstâncias do crime, apesar de o juiz
não ter dito nada, deveriam ser reputadas negativas. Assim, o TJ falou o seguinte: vou retirar os antecedentes como
uma circunstância negativa. Em compensação, eu estou incluindo uma nova como negativa, qual seja, as
consequências do crime. Assim, como continuam 3 circunstâncias negativas, mantenho a pena-base em 6 anos e 6
meses de reclusão.

7.7. Embargos infringentes contra decisões do STF


 Embargos infringentes no CPP : contra acórdãos do TJ e do TRF (art. 609, p. u.). Os embargos infringentes no
CPP são: um recurso exclusivo da defesa, interposto contra acórdãos do TJ ou TRF que tenham julgado apelação,
RESE ou agravo em execução, sendo o resultado do julgamento contrário ao réu e proferido por maioria de votos
sendo a divergência entre os Desembargadores quanto ao mérito da ação penal. Prazo: 10 dias.
 Não cabem embargos infringentes no TJ ou TRF contra decisões proferidas no julgamento de : HC; e revisão
criminal. Também não cabem embargos infringentes em ações de competência originária do TJ ou TRF.
 Divergência parcial: Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.
Ex.: os Desembargadores, julgando a apelação interposta, condenaram, por unanimidade, o réu. Quanto à
dosimetria da pena, houve divergência. Quanto à condenação, a defesa não poderá opor embargos infringentes,
sendo este recurso restrito à discussão da pena imposta.
 Embargos infringentes x embargos de nulidade : O art. 609 prevê 2 recursos: embargos infringentes e embargos
de nulidade. Os dois são praticamente idênticos, havendo uma única diferença:
- Embargos infringentes: São cabíveis quando a divergência no acórdão for sobre matéria de mérito.
- Embargos de nulidade: São cabíveis quando a divergência no acórdão for sobre matéria de nulidade processual.
 Embargos infringentes contra decisões do STJ : o CPP só prevê os embargos infringentes contra decisão de 2ª
instância proferida contra o réu: TJ e TRF. Logo, interpretando esse dispositivo, a doutrina e a jurisprudência
afirmam que não cabem embargos infringentes contra decisões do STJ.
 Cabem embargos infringentes no STF? SIM, pois o RISTF afirma que são cabíveis embargos infringentes
contra decisão do Plenário do STF que tiver julgado procedente a ação penal se houve, no mínimo, 4 votos
divergentes (art. 333, I e p. u.). Em outras palavras, se o Plenário do STF condenou algum réu e houve pelo menos
4 Ministros que votaram a favor dele, o Regimento Interno afirma que serão cabíveis embargos infringentes.
 Mas os recursos não devem ser previstos em lei? É válido que os embargos infringentes sejam previstos apenas
no Regimento Interno do STF? SIM. Isso porque o regimento interno do STF possui força de lei (foi assim
recepcionado pela CF). Vale ressaltar que, no julgamento do Mensalão, o STF entendeu que os embargos
infringentes continuam existindo no Regimento Interno, que não foi revogado.
 E se a decisão for de Turma do STF? Imagine que o réu foi condenado, por maioria de votos, pela 1ª Turma do
STF. Seria possível, em tal situação, que ele interpusesse embargos infringentes a serem julgados pelo Plenário?
SIM. Qual é o “problema”? O RISTF afirma que cabem embargos infringentes se houve, no mínimo, 4 votos
divergentes e a Turma, no STF, é composta por apenas 5 Ministros. Logo, é impossível que 4 Ministros fiquem
vencidos. Diante dessa situação, qual foi a interpretação construída pelo STF com base na analogia e nos princípios
gerais do direito? Deve ser admitida a interposição de embargos infringentes contra decisão condenatória proferida
em sede de ação penal de competência originária das Turmas do STF. Como o quórum da Turma é reduzido, o
requisito de cabimento desse recurso é a existência de apenas 2 votos minoritários. Assim, cabem embargos
infringentes contra decisão proferida por Turma do STF se 2 Ministros votaram para absolver o condenado.
 O que é voto absolutório em sentido próprio? Significa que o Ministro deve ter expressado juízo de
improcedência da pretensão executória. Se o Ministro votou, por exemplo, para que seja reconhecida uma nulidade
processual, por mais que isso seja favorável ao réu, não é considerado como voto absolutório.
 Por que o STF fez toda essa “construção” para permitir embargos infringentes contra as decisões da Turma? Por
que o RI/STF só prevê embargos infringentes contra decisões do Plenário do STF? Porque na época em que o
Regimento Interno foi editado, somente o Plenário do STF julgava ações penais originárias. Naquela época, não era
permitido que Turma do STF julgasse ação penal originariamente. Logo, não havia motivo para o Regimento
Interno falar em embargos infringentes contra decisões proferidas por Turma.
 E se a Turma estiver incompleta? Excepcionalmente, se a Turma, ao condenar o réu, estiver com quórum
incompleto, será possível o cabimento dos embargos mesmo que tenha havido apenas 1 voto absolutório. A solução
aqui passa pela aplicação da chamada técnica das distinções, conhecida como distinguishing, que permite distinguir
as circunstâncias particulares de um caso concreto para o efeito de não subordiná-lo aos precedentes, mantendo-se,
contudo, firme a jurisprudência já consolidada. Em palavras mais simples, significa dizer: a regra geral é esta que
foi exposta no precedente, no entanto, existem peculiaridades no caso concreto que permitem que seja feita uma
distinção e uma não aplicação do precedente que, no entanto, continua válido. Assim, o caso concreto impõe
distinguishing (distinção), a permitir os embargos infringentes mesmo com apenas 1 voto absolutório em sentido
próprio. Essa distinção pode ser feita porque o quórum na sessão estava incompleto. A Turma contava com 4
ministros e a exigência de 2 votos conduziria a um empate (2x2), de forma que o empate levaria à absolvição do
179
acusado. Dessa maneira, excepcionalmente, o Tribunal admitiu os embargos infringentes mesmo tendo havido
apenas 1 voto absolutório no julgamento da Turma. Isso porque o réu não pode ser prejudicado pela ausência do
quórum completo.

8. HC, REVISÃO CRIMINAL E RECLAMAÇÃO

8.1. É cabível HC para questionar a imposição de medidas cautelares diversas da prisão: O HC deve ser
admitido para impugnar medidas criminais que, embora diversas da prisão, afetem interesses não patrimoniais
importantes da pessoa física. Se, por um lado, essas medidas são menos gravosas do que a prisão, por outro, são
também onerosas ao investigado/réu. Além disso, se essas medidas forem descumpridas, podem ser convertidas em
prisão processual, de forma que existe o risco à liberdade de locomoção. Caso fechada a porta do “habeas corpus”,
restaria o mandado de segurança. Nos processos em primeira instância, talvez fosse suficiente para conferir
proteção judicial recursal efetiva ao alvo da medida cautelar. No entanto, naqueles de competência originária de
tribunal, confundem-se, na mesma instância, as competências para decretá-la e para analisar a respectiva ação de
impugnação. Isso, na prática, esvazia a possibilidade de impugná-la em tempo hábil.

8.2. Relator pode determinar, de forma discricionária, que HC seja julgado pelo Plenário do STF (e não pela
Turma): A competência para julgar determinados habeas corpus é de uma das duas Turmas do STF (e não do
Plenário). Ex: HC contra decisão do STJ, em regra, é de competência de uma das Turmas do STF. O Ministro
Relator do HC no STF, em vez de submetê-lo à Turma, pode levá-lo para ser julgado pelo Plenário? SIM. Essa
possibilidade encontra-se prevista no art. 6º, II, “c” e no art. 21, XI, do RI/STF. Para fazer isso, o Relator precisa
fundamentar essa remessa? É necessário que o Relator apresente uma justificativa para que o caso seja levado ao
Plenário? NÃO. É possível a remessa de habeas corpus ao Plenário do STF, pelo relator, de forma discricionária,
com fundamento no art. 6º, II, “c” e no art. 21, XI, do RI/STF, que tem força de lei.
 Princípio do juízo natural: O STF afirmou que essa afetação ao Plenário não viola o princípio do juízo natural
considerando que o Plenário do STF é que seria, em tese, o órgão naturalmente competente para julgar todas as
causas da Corte, havendo essa divisão em Turmas apenas para se conseguir manter uma funcionalidade.

8.3. É possível a impetração de HC coletivo: já visto.

8.4. Em regra, não cabe HC contra decisão transitada em julgado: há exceção: se houver ilegalidade flagrante,
o Tribunal pode conceder o HC de ofício.

8.5. A superveniência da sentença condenatória faz com que o habeas corpus impetrado anteriormente fique
prejudicado: A superveniência de sentença condenatória que mantém a prisão preventiva prejudica a análise do
HC impetrado contra o título originário da custódia. Se, após o HC ser impetrado contra a prisão preventiva, o juiz
ou Tribunal prolata sentença/acórdão condenatório e mantém a prisão anteriormente decretada, haverá uma
alteração do título prisional e, portanto, o HC impetrado contra prisão antes do julgamento não deverá ser
conhecido.
 Possibilidade de concessão de HC de ofício : O tema acima tem importância teórica, mas pouca relevância
prática. Isso porque o fato de o Tribunal reconhecer que o HC não deve ser conhecido, não impede que seja
concedida a ordem de ofício. Isto é, o Tribunal reconhece que o writ impetrado está prejudicado (não deve ser
conhecido) e, apesar disso, pode determinar, de ofício, a liberdade do paciente se verificar ilegalidade flagrante ou
teratologia.

8.6. Não cabe recurso contra a decisão do Min. Relator que, motivadamente, defere ou indefere liminar em
HC: assim, eventual interposição de AgRg não terá êxito.

9. EXECUÇÃO PENAL

9.1. STF mantém seu entendimento de que é possível a execução provisória da pena: O STF, ao julgar HC
impetrado pelo ex-Presidente Lula, decidiu manter o seu entendimento e reafirmar que é possível a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário. A execução provisória da pena não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência.

9.2. Súmula 715 do STF continua sendo válida:


 Qual é a razão de existência do art. 75 do CP, que prevê o prazo máximo de 30 anos para o cumprimento de
pena? Se não existisse um limite de cumprimento de pena, ou seja, se não existisse o art. 75 do CP, haveria, na
prática, a possibilidade de prisão de caráter perpétuo, o que é vedado pela CF/88 (art. 5º, XLVII). Isso porque
qualquer condenação muito alta (80, 90, 100 anos etc.) significaria que o indivíduo passaria, obrigatoriamente, o
restante de toda a sua vida no cárcere.
180
 Progressão de regime: o cumprimento de 1/6 da pena será computado considerando-se o limite máximo previsto
no art. 75 do CP (30 anos) ou a pena total aplicada (em nosso exemplo, 90 anos)? João terá direito de progredir
depois de cumprir 5 anos (1/6 de 30) ou após cumprir 15 anos (1/6 de 90)? A progressão de regime deverá
considerar o total da pena aplicada (e não o limite do art. 75 do CP). Assim, em nosso exemplo, João terá direito de
progredir após 15 anos de cumprimento de pena em regime fechado. Esse é o entendimento sumulado do STF:
Súmula 715-STF: A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75
do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou
regime mais favorável de execução. O STF reafirmou a validade da Súmula 715.

9.3. Unificação das penas não é considerado como sendo a data-base para a concessão de novos benefícios da
execução penal
 Fatos 1: Em 04/04/10, João praticou o crime A. Em 05/05/11, João praticou o crime B. Em 2012, João foi
condenado a 6 anos pelo crime A, tendo recebido o regime inicial semiaberto. Não houve recurso, tendo ocorrido o
trânsito em julgado em 06/06/12, iniciando-se a execução penal. Em 2013, João, após cumprir 1/6 da pena, foi para
o regime aberto. Ocorre que, em 2014, sobreveio a condenação pelo crime B, tendo ele recebido a pena de 2 anos.
Houve trânsito em julgado em 07/07/14. Diante disso, o juiz unificou as duas penas: 4 anos que faltavam para
cumprir a pena do crime A + 2 anos do crime B. João já estava no regime aberto, mas, como a pena unificada
somou 6 anos, ele teve que regredir para o regime semiaberto. A data-base para a concessão dos benefícios da
execução penal (ex.: progressão) era 06/06/12 (trânsito em julgado do crime A). Indaga-se: com a unificação das
penas, essa data-base foi alterada? A data-base passou a ser o dia do trânsito em julgado do crime B? NÃO. A
unificação das penas não altera a data-base para a concessão de novos benefícios da execução penal. Isso porque a
LEP não prevê essa alteração, devendo ser considerado todo o tempo que o apenado já cumpriu de pena, ou seja,
todo o tempo em que ele já ficou preso. A alteração da data-base para concessão de novos benefícios executórios,
em razão da unificação das penas, não encontra respaldo legal. Assim, no exemplo, ao se calcular o prazo para que
João obtenha nova progressão de regime, deverá ser levado em consideração todo o período em que ele está preso,
ou seja, desde 06/06/12. Assim, ele irá cumprir o requisito objetivo ao completar 1/6 da pena unificada contado
desde 06/06/12.
 Fatos 2: Em 04/04/10, Pedro praticou o crime A. Em 2012, Pedro foi condenado a 6 anos pelo crime A, tendo
recebido o regime inicial semiaberto. Não houve recurso, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 06/06/12,
iniciando-se a execução penal. Em 2013, Pedro, após cumprir 1/6 da pena, foi para o regime aberto. Em 05/05/14,
Pedro praticou o crime B. O processo pelo segundo delito (crime B) ainda está tramitando. Mesmo assim, isso irá
interferir na execução penal relativa ao crime A. Haverá a regressão do sentenciado, na forma do art. 118, I, da
LEP. Vale ressaltar que, para que haja a regressão com fundamento neste art. 118, I, da LEP não é necessário o
trânsito em julgado quanto ao novo crime cometido, bastando a sua prática. Este é o entendimento pacífico do STF
e do STJ. (Súmula 526-STJ). Assim, imagine que, em 07/07/14, mesmo antes de haver condenação pelo crime B, o
juiz já determinou que Pedro sofra a regressão de regime. Vale ressaltar que, com o cometimento do novo crime, há
prática de falta grave, o que significa a interrupção do prazo para a progressão de regime, nos termos da súmula
534 do STJ (Súmula 534-STJ). Em 08/08/2015, Pedro é condenado pelo crime B a uma pena de 4 anos, havendo
trânsito em julgado. A data-base para a nova progressão em favor de Pedro era 05/05/2014 (data do cometimento
da falta grave). Indaga-se: com a unificação das penas, essa data-base foi alterada? A data-base passou a ser o dia
do trânsito em julgado do crime B (08/08/2015)? NÃO. A unificação das penas não altera a data-base para a
concessão de novos benefícios da execução penal. A LEP não prevê essa alteração. A alteração da data-base para
concessão de novos benefícios executórios, em razão da unificação das penas, não encontra respaldo legal.
 Conclusão: o período de cumprimento de pena desde a última prisão ou desde a última infração disciplinar não
pode ser desconsiderado, seja por delito ocorrido antes do início da execução da pena, seja por crime praticado
depois e já apontado como falta grave. Assim, no exemplo acima, ao se calcular o prazo para que Pedro obtenha
nova progressão de regime, deverá ser levado em consideração todo o período em que ele está preso desde a prática
da falta grave (07/07/14 – data em que houve a interrupção por força de lei). Assim, ele irá cumprir o requisito
objetivo ao completar 1/6 da pena unificada contado desde 07/07/14.
 A unificação das penas não gera nova alteração na data-base, seja o novo crime anterior ou posterior ao início
da execução da pena: se o crime foi anterior ao início da execução (fatos 1), a superveniência do trânsito em
julgado da condenação enseja apenas a adequação da pena e o ajuste do regime, observando-se a detração e a
remição, ou seja, o apenado não perde o tempo de pena cumprido. O tempo de pena efetivamente cumprido deve
ser levado em consideração p/ a concessão de benefícios da execução, não havendo se falar, portanto, em novo
marco interruptivo. Assim, caso o crime cometido no curso da execução tenha sido registrado como infração
disciplinar, seus efeitos já repercutiram no bojo do cumprimento da pena, pois, segundo a jurisprudência
consolidada do STJ, a prática de falta grave interrompe a data-base para concessão de novos benefícios executórios,
à exceção do livramento condicional, da comutação de penas e do indulto. Assim, a superveniência do trânsito em
julgado da sentença condenatória não poderia servir de parâmetro para análise do mérito do apenado, sob pena de
flagrante bis in idem. De igual forma, se o crime foi praticado após o início da execução (fatos 2), a superveniência
do trânsito em julgado da condenação também só pode ensejar a adequação da pena e o ajuste do regime. Isso
181
porque a prática de crime durante a execução da pena é considerada falta grave, o que acarreta a regressão de
regime de cumprimento da pena e a interrupção do prazo para obtenção dos benefícios da execução, fixando-se,
nesse momento, a nova data-base. A superveniência do trânsito em julgado não pode ser novo marco interruptivo,
sob pena de um mesmo fato repercutir duas vezes sobre a execução, sem que haja justificativa plausível, em
evidente excesso de execução. O delito praticado antes do início da execução da pena não constitui parâmetro
idôneo de avaliação do mérito do apenado, porquanto evento anterior ao início do resgate das reprimendas impostas
não desmerece hodiernamente o comportamento do sentenciado. As condenações por fatos pretéritos não se
prestam a macular a avaliação do comportamento do sentenciado.
 Havendo nova condenação, há unificação das penas, mas sem alteração da data-base para os novos benefícios : Se
o reeducando está cumprindo pena e surge uma nova condenação, haverá a soma ou unificação das penas. É o que
prevê o art. 111, p. u. Não há, porém, previsão legal de que o simples fato de ter havido a unificação das penas
signifique que deverá haver alteração da data-base para novos benefícios. Não há determinação legal nesse sentido.
Assim, haverá a unificação, mas s/ nova interrupção do tempo necessário p/ a obtenção de progressão de regime, p.
ex.

9.4. O juiz da execução criminal tem a faculdade de requisitar o exame criminológico e utilizá-lo como
fundamento da decisão que julga o pedido de progressão
 Fatos: João cumpre pena em regime fechado. A defesa de João ingressou com requerimento de progressão para
o regime semiaberto. O juiz da VEP afirmou que, antes de decidir sobre o pedido, entendia necessária a realização
de exame criminológico - Despacho: “Quanto ao requisito subjetivo, a hipótese autoriza a realização de exame
criminológico (social, psicológico e psiquiátrico) p/ avaliar a personalidade do reeducando, sua periculosidade,
eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes graves (homicídio)”. A defesa ingressou com
reclamação no STF alegando que a decisão do magistrado viola a SV 26: “Para efeito de progressão de regime de
cumprimento de pena, por crime hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de marco de 2007, o juiz da
execução, ante a inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 8.072/90, aplicará o artigo 112 da LEP, na
redação original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do
benefício podendo determinar para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”. Na
reclamação, a defesa alega que o juiz, como praxe, solicita a realização do exame criminológico antes de examinar
os requerimentos de progressão de regime dos presos condenados por crimes graves. Além disso, ele sempre
utiliza, nos diversos casos, texto semelhante para fundamentar a necessidade do exame, o que fere o princípio da
individualização da pena. Desse modo, para a defesa, o juiz, ao agir assim, ofende a SV 26.
 O que é exame criminológico? Trata-se de um exame - feito no condenado - por um profissional - com o
objetivo de verificar - se este apenado tem aptidão física e psíquica para progredir de regime. /
 O exame criminológico ainda hoje existe? SIM. O art. 112 da LEP, em sua redação original, exigia, como
condição para a progressão de regime e concessão de livramento condicional, que o condenado se submetesse a
exame criminológico. Em outras palavras, o exame criminológico era obrigatório. A Lei 10.792/03 alterou esse art.
112 e deixou de exigir a submissão do reeducando ao referido exame criminológico. No entanto, o exame
criminológico ainda poderá ser realizado se o juiz, de forma fundamentada e excepcional, entender que a perícia é
absolutamente necessária para a formação de seu convencimento. Em suma, a Lei nº 10.792/2003 não dispensou,
mas apenas tornou facultativa a realização do exame criminológico, que ainda poderá ser feito para a aferição da
personalidade e do grau de periculosidade do sentenciado.
 Decisão: O STF considerou que a decisão reclamada está em consonância com a jurisprudência. Isso porque o
STF entende que o juiz da execução criminal tem a faculdade de requisitar o exame criminológico e utilizá-lo como
fundamento da decisão que julga o pedido de progressão.
 Utilização de textos semelhantes é prática normal : O STF afirmou, ainda, que a utilização de textos semelhantes
em despachos e decisões proferidas em procedimentos idênticos não viola o princípio da individualização da pena
nem gera nulidade por falta de fundamentação quando o conteúdo tratar de especificidades do caso concreto sob
análise. Em suma: Nada impede que o magistrado das execuções criminais, facultativamente, requisite o exame
criminológico e o utilize como fundamento da decisão que julga o pedido de progressão.

9.5. A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento
da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar
 Fatos: João foi condenado à pena de 5 anos de reclusão, tendo o juiz fixado o regime semiaberto. Ocorre que, no
momento de cumprir a pena, verificou-se que não havia no local estabelecimento destinado ao regime semiaberto
que atendesse todos os requisitos da LEP.
 Poderá cumprir a pena no regime fechado enquanto não há vagas no semiaberto? NÃO. A falta de
estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. STF.
Plenário. RE 641.320/RS, j. em 11/5/2016 (repercussão geral). A manutenção do condenado em regime mais
gravoso do que é devido caracteriza-se como “excesso de execução”, havendo, no caso, violação ao direito do
apenado. Vale ressaltar que não é possível “relativizar” esse direito do condenado com base em argumentos ligados
à manutenção da segurança pública. A proteção à integridade da pessoa e ao seu patrimônio contra agressões
182
injustas está na raiz da própria ideia de Estado Constitucional. A execução de penas corporais em nome da
segurança pública só se justifica se for feita com observância da estrita legalidade. Permitir que o Estado execute a
pena de forma excessiva é negar não só o princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados
(art. 1º, III, da CF). Por mais grave que seja o crime, a condenação não retira a humanidade da pessoa condenada.
Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos, os condenados não se tornam simples objetos de direito
(art. 5º, XLIX, da CF).
 Diante disso, o juiz deverá conceder, imediatamente, a prisão domiciliar em favor de João ? Também NÃO. A
concessão da prisão domiciliar não é a primeira opção nestes casos. O juiz deverá tentar resolver a situação por
meio de outras providências antes de conceder a prisão domiciliar.
 O que fazer em caso de déficit (falta) de vagas no estabelecimento adequado? Havendo “déficit” de vagas, deve
ser determinada: 1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; 2) a liberdade eletronicamente
monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; 3) o
cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progrida ao regime aberto. Objetivo das
medidas acima é o de que surjam novas vagas nos regimes semiaberto e aberto. As vagas nos regimes semiaberto e
aberto não são inexistentes, são insuficientes. Assim, de um modo geral, a falta de vagas decorre do fato de que já
há um sentenciado ocupando o lugar. Assim, o STF determinou, como alternativa para resolver o problema,
antecipar a saída de sentenciados que já estão no regime semiaberto ou aberto, abrindo vaga para aquele que acaba
de progredir.
 E se a ausência de vaga for no regime aberto? Neste caso, o Juiz deverá conceder a um preso que está no regime
aberto a possibilidade de cumprir o restante da pena não mais no regime aberto (pena privativa de liberdade), mas
sim por meio de pena restritiva de direitos e/ou estudo.
 Benefícios devem ser concedidos aos detentos que estão mais próximos de progredir ou de acabar a pena Vale
ressaltar que os apenados que serão beneficiados com a saída antecipada ou com as penas alternativas deverão ser
escolhidos com base em critérios isonômicos. Assim, tais benefícios deverão ser deferidos aos sentenciados que
satisfaçam os requisitos subjetivos (bom comportamento) e que estejam mais próximos de satisfazer o requisito
objetivo, ou seja, aqueles que estão mais próximos de progredir ou de encerrar a pena. Para isso, o STF determinou
que o CNJ faça um "Cadastro Nacional de Presos", com as informações sobre a execução penal de cada um deles.
Isso permitirá verificar os apenados com expectativa de progredir ou de encerrar a pena no menor tempo e, em
consequência, organizar a fila de saída com observação da igualdade.
 Por que o STF afirma que a prisão domiciliar não pode ser a primeira opção, devendo-se adotar as medidas
acima propostas? Segundo o STF, a prisão domiciliar apresenta vários inconvenientes, que irei aqui resumir: 1º)
Para ter esse benefício, cabe ao condenado providenciar uma casa, na qual vai ser acolhido. Nem sempre ele tem
meios para manter essa residência. Nem sempre tem uma família que o acolha. 2º) O recolhimento domiciliar puro
e simples, em tempo integral, gera dificuldades de caráter econômico e social. O sentenciado passa a necessitar de
terceiros para satisfazer todas as suas necessidades – comida, vestuário, lazer. De certa forma, há uma transferência
da punição para a família, que terá que fazer todas as atividades externas do sentenciado. Surge a necessidade de
constante comunicação com os órgãos de execução da pena, para controlar saídas indispensáveis – atendimento
médico, manutenção da casa etc. 3º) Existe uma dificuldade grande de fiscalização se o apenado está realmente
cumprindo a restrição imposta. 4º) A prisão domiciliar pura e simples não garante a ressocialização porque é
extremamente difícil para o apenado conseguir um emprego no qual ele trabalhe apenas em casa.
 SV 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime
prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

9.6. Remição pelo trabalho antes do início da execução da pena


 Fatos 1: Em 2015, João ficou preso durante 3 meses pela prática do crime A. Durante esse período, João
trabalhou todos os dias na unidade prisional. Em 2016, João foi absolvido do delito A. Em 2017, João praticou o
crime B, tendo sido condenado a 6 anos de reclusão. Iniciou-se a execução penal quanto ao crime B. João não
poderá ser beneficiado pelo instituto da remição quanto a este período em que ele trabalhou ao estar preso em 2015.
Isso porque o STJ não admite a remição por trabalho executado em momento anterior à prática do delito referente à
pena a ser remida.
 Fatos 2: Em 2015, João praticou o crime A, respondendo o processo em liberdade. Em 2016, João cometeu o
crime B e, por conta deste segundo delito, ficou preso durante 3 meses. Durante esse período, João trabalhou todos
os dias na unidade prisional. Em 2017, João foi absolvido do delito B. Em 2018, João foi condenado pela prática do
crime A, recebendo 6 anos de reclusão. Iniciou-se a execução penal quanto ao crime A. Neste 2º ex., João poderá
aproveitar o tempo que ficou preso quanto ao crime B para ser beneficiado com a remição relativa ao período. Isso
porque o trabalho em questão foi realizado em momento posterior (2016) à prática do delito cuja condenação se
executa (crime A praticado em 2015). Assim, ainda que o trabalho tenha sido realizado antes do início da execução
penal, será possível a remição da pena porque o delito que está sendo agora executado foi praticado antes do
trabalho exercido. Não interessa, portanto, se o trabalho foi realizado antes ou depois do início da execução penal
(início do cumprimento da pena). O que interessa analisar é se o trabalho foi realizado antes ou depois do
cometimento do crime no qual se quer aproveitar a remição.
183
• Se o trabalho foi realizado ANTES do crime: não será possível a remição na execução penal deste delito.
• Se o trabalho foi realizado APÓS o crime: será sim possível a remição na execução penal deste delito.
 Por que não se admite a remição se o trabalho foi realizado antes do crime? Porque a jurisprudência entende que
se isso fosse possível, haveria um estímulo à criminalidade. Seria como se o réu fizesse uma “poupança” de dias a
serem remidos a fim de que ele pudesse utilizar, no futuro, nos crimes que ainda viesse a cometer. Seria como dar
ao réu uma “carta branca” para cometer outro crime já que ele teria esse “crédito” para descontar de uma futura
condenação.
 Mesmo raciocínio do caso da detração : O entendimento acima é o mesmo que é adotado para o caso da
detração.
 O que fazer com esse tempo que o indivíduo ficou preso indevidamente e que não poderá ser utilizado para
detração e/ou remição? A pessoa poderá ajuizar ação de indenização contra o Estado, nos termos do art. 5º, LXXV,
da CF, aplicável analogicamente: o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar
preso além do tempo fixado na sentença.

9.7. Não é possível a remição ficta da pena


 Remição ficta ou automática: O trabalho e o estudo são direitos do preso, conforme prevê o art. 41, II e VI, da
LEP. Na verdade, o trabalho possui uma natureza híbrida considerando que, além de ser um direito, é também um
dever do apenado (art. 31). Além disso, o trabalho e o estudo são muito interessantes para o apenado considerando
que ele poderá diminuir o tempo de cumprimento da pena por meio do instituto da remição. Ocorre que, na prática,
a maioria das unidades prisionais não oferece oportunidades para que o preso trabalhe ou estude. Diante desse
cenário, surgiu a seguinte tese: o Estado deve oferecer aos presos oportunidades de trabalho e estudo. Com isso, o
apenado pode se ressocializar e ter direito à remição. Nos presídios onde isso não é oferecido, pode-se dizer que o
Poder Público está sendo omisso em seu dever. Ocorre que os presos não podem ser prejudicados pela omissão do
Estado. Logo, se a unidade prisional não oferece condições de trabalho ou estudo para os presos, deve-se
considerar, de forma ficta, que estes presos estão trabalhando e, portanto, deve-se conceder a eles a remição mesmo
sem o efetivo trabalho. Assim, a defesa pede que os presos sejam beneficiados com a remição da pena, na
proporção de 3 dias encarcerados por 1, até o efetivo oferecimento de trabalho ou de estudo.
 A remição ficta é aceita pelos Tribunais Superiores? NÃO. Não se admite a remição ficta da pena. Embora o
Estado tenha o dever de prover trabalho aos internos que desejem laborar, reconhecer a remição ficta da pena, nesse
caso, faria com que todas as pessoas do sistema prisional obtivessem o benefício, fato que causaria substancial
mudança na política pública do sistema carcerário, além de invadir a esfera do Poder Executivo. O instituto da
remição exige, necessariamente, a prática de atividade laboral ou educacional. Trata-se de reconhecimento pelo
Estado do direito à diminuição da pena em virtude de trabalho efetuado pelo detento. Não sendo realizado trabalho,
estudo ou leitura, não há que se falar em direito à remição (STF e STJ).
 Outra acepção de remição ficta : Alguns advogados e DP defendem outra possibilidade de remição ficta. Ela
ocorreria quando a unidade prisional apresentar condições insalubres, superlotação etc. Assim, se o presídio estiver
em tais condições, o preso teria também direito à remição ficta como forma de compensar essa violação aos seus
direitos. Esta tese também não é acolhida pelo STF e STJ. Em caso de condições insalubres, os presos possuem
direito de serem indenizados pecuniariamente pelo Estado, mas não terão direito à remição ficta.

9.8. Livramento condicional e Súmula 617 do STF: v. livros.

9.9. Impossibilidade de transferência do apenado para outro Estado da Federação sob a alegação de que
estaria recebendo tratamento privilegiado
 Fatos: Sérgio Cabral, ex-Governador do Rio de Janeiro, estava preso em um presídio na capital fluminense. O
Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba e o Juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, em decisão conjunta,
determinaram a transferência de Cabral para uma unidade prisional de Curitiba (PR), sob o argumento de que o réu
estaria gozando de regalias indevidas no presídio do Rio de Janeiro. A defesa de Cabral impetrou HC contra esta
decisão. No writ, o impetrante alegou que as supostas regalias não ocorreram e que o paciente deveria permanecer
preso na unidade prisional do Rio de Janeiro a fim de ficar próximo de seus familiares.
 Decisão: O HC impetrado foi acolhido pelo STF, pois é inviável a remoção de apenado para outro Estado com
fundamento em suposto tratamento privilegiado. Apenas razões excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas
poderiam legitimar essa medida.
 Violação ao devido processo legal : Antes de ter sido determinada a remoção do apenado, ele deveria ter sido
ouvido, não havendo razões para se negar o contraditório prévio neste caso considerando que a transferência não
era urgente. Houve, portanto, violação do art. 282, § 3º do CPP. Além disso, a decisão judicial foi tomada sem que
tenha sido sequer instaurado procedimento disciplinar para apurar o comportamento carcerário do réu. Assim, para
o STF, não houve respeito ao devido processo legal e a garantia do contraditório, previstos no art. 5º, LIV e LV, da
CF.
 Uso de algemas: O Min. Gilmar Mendes ressaltou em seu voto que Sérgio Cabral foi exibido às câmeras de
televisão algemado por pés e mãos, durante o transporte, a despeito de sua aparente passividade, o que teria violado
184
a SV 11. O uso infundado de algemas é causa de “nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere”, nos
termos do enunciado sumular. Ou seja, tal irregularidade seria suficiente para invalidar a transferência.
 Assistência da família ao preso: Vale ressaltar que é permanência do custodiado no Estado onde residem seus
familiares está de acordo com a CF, que assegura ao preso o direito à assistência da família. No mesmo sentido é a
LEP. Assim, apenas razões excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas autorizariam uma transferência para
outra unidade da federação.
 O STJ também entende que “a transferência para distante localidade, com afastamento do preso de sua família,
exige especial motivação.” (STJ. 6ª Turma. RHC 93.825/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/04/2018).

9.10. Pessoa que havia recebido MS, mas que, no recurso, teve extinta a punibilidade por prescrição não
pode permanecer internada no hospital de custódia
 Qual é o prazo máximo de duração das MS?
a) Posição do STF: 30 anos. O STF tem julgados afirmando que a medida de segurança deverá obedecer a um
prazo máximo de 30 anos, fazendo uma analogia ao art. 75 do CP, e considerando que a CF veda penas de caráter
perpétuo.
b) Posição do STJ: máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. Súmula 527-STJ: O tempo de
duração da MS não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. Ex.:
João, inimputável, pratica fato previsto como furto simples (art. 155, caput, do CP); o juiz aplica a ele MS de
internação; após 4 anos cumprindo medida de segurança, o magistrado deverá determinar a desinternação de João,
considerando que foi atingido o máximo da pena abstratamente cominada para o furto (“reclusão, de um a quatro
anos, e multa”). A conclusão do STJ é baseada nos princípios da isonomia e proporcionalidade (proibição de
excesso). Não se pode tratar de forma mais gravosa o infrator inimputável quando comparado ao imputável. Ora, se
o imputável somente poderia ficar cumprindo a pena até o máximo previsto na lei para aquele tipo penal, é justo
que essa mesma regra seja aplicada àquele que recebeu medida de segurança.
 Fatos: João foi denunciado pela prática de homicídio. No curso do processo foi constatado que João era
inimputável e, em razão disso, o juiz proferiu sentença de absolvição imprópria, aplicando-lhe medida de segurança
de internação. A defesa recorreu contra a sentença para o Tribunal de Justiça. Apesar disso, João, por força de
decisão cautelar proferida pelo juiz na sentença, já iniciou o cumprimento da medida de segurança no hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP) enquanto aguarda o julgamento da apelação. Dois anos depois, o TJ
julga a apelação e reconhece que houve a prescrição da pretensão punitiva, declarando a extinção da punibilidade.
Mesmo com a extinção da sentença, João continuou internado no hospital de custódia sob o argumento de que se
trata de pessoa perigosa. Houve, portanto, uma espécie de interdição civil.
 Essa decisão de manter João no hospital de custódia foi acertada? NÃO. O hospital de custódia é um
estabelecimento destinado àqueles que cumprem medida de segurança, resposta penal oferecida às pessoas que
apresentam diagnóstico psiquiátrico e tenham praticado crime. Vale ressaltar, inclusive, que a LEP inclui os
hospitais de custódia no rol dos “estabelecimentos penais”. Extinta a punibilidade em decorrência do
reconhecimento da prescrição, como foi o caso, não há que falar em aplicação de pena nem de medida de
segurança. A manutenção do paciente em HCTP significaria que ele estaria cumprindo MS mesmo tendo sido
extinta a punibilidade.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

1.1. Civil que furta arma de soldado da Aeronáutica dentro de estabelecimento militar: crime militar:
Compete à Justiça Militar processar e julgar o crime de furto, praticado por civil, de patrimônio que, sob
administração militar, encontra-se nas dependências desta. Caso concreto: civil furtou, dentro de estabelecimento
militar, pistola que estava na posse de soldado da Aeronáutica. Fundamento: art. 9º, III, “a”, do CPM.

1.2. Configuração de crime militar e licenciamento: Na configuração de crime militar observa-se a data do
evento delituoso, considerado neutro o fato de o autor estar licenciado. STF. Plenário. J. em 26/6/2018 (Info 908).
O fato de o paciente não mais integrar as fileiras das Forças Armadas não tem qualquer relevância sobre o
prosseguimento da ação penal pelo delito tipicamente militar de abandono do posto, visto que ele, no tempo do
crime, era militar da ativa. STF. 2ª Turma. HC 130793, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 02/08/2016.

1.3. Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado : isso porque
ele é militar licenciado, não fazendo mais parte do serviço ativo da corporação. Em outras palavras, ele é
atualmente um civil. Em que pese o art. 62 do CPM falar em “pena” e o réu ter sofrido a imposição de uma MS, o
raciocínio é o mesmo. A execução da medida de segurança será realizada em estabelecimento estadual,
considerando que não existem estabelecimentos penais federais próprios para essa finalidade. Logo, aplica-se a
185
Súmula 192-STJ: Compete ao juízo das execuções penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados
pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual.

3.1. É possível aplicar a agravante do art. 70, II, “l” do CPM ao crime de concussão (art. 305)
 Fatos: João, policial militar, estava fazendo uma blitz de rotina quando parou o veículo de Pedro. Ao revistar o
carro, João encontrou droga no automóvel. Diante disso, João exigiu R$ 500 de Pedro para liberá-lo. O fato foi
descoberto e o militar foi denunciado pela prática do crime de concussão (art. 305 do CPM). Além disso, o
Ministério Público pediu a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 70, II, “L” do CPM. A defesa
do réu alegou, dentre outros argumentos, que a agravante do art. 70, II, “l”, não pode ser imputada para o crime de
concussão considerando que este delito sempre é praticado “em serviço”. Em outras palavras, o cometimento da
concussão durante o exercício da atividade seria algo inerente ao próprio tipo penal, ou seja, seria algo lógico e
sempre necessário. Dessa forma, seria inaplicável a agravante prevista no art. 70, II, “l”, do Código Penal Militar
(estando em serviço), sob pena de bis in idem. O STJ acolhe essa tese defensiva? Há bis in idem neste caso? NÃO.
 Mesmo não estando em serviço, o agente pode praticar concussão : Pela leitura do art. 305 do CPM, constata-se
que o agente “estar em serviço” não é uma elementar do crime. Dito de outra forma: para que se configure o delito
de concussão, não é necessário que o agente esteja em serviço. Mesmo não estando em serviço, o agente pode
praticar este crime. O legislador, ao descrever a conduta, explicita que o crime se caracteriza ainda que o agente
esteja fora da função ou até antes de assumi-la. Assim, o crime pode se configurar mesmo que a exigência seja feita
por agente que ainda não tenha, por questões circunstanciais, a atribuição de praticar o ato que ensejou a
intimidação da vítima.
 Art. 70, II, “l” exige que o agente esteja em “serviço de escala”: A agravante genérica prevista no art. 70, II, "l", do
CPM ("estando de serviço") diz respeito ao efetivo desempenho das atividades relacionadas com a função policial
militar, assim como daquelas atividades ligadas ao cumprimento de ordens emanadas de autoridade competente ou de
disposições regulamentares características da rotina militar. Há, na ideia referente à expressão contida no art. 70, II,
"l", do CPM, um caráter dinâmico, específico e prático, que é percebido pelo comportamento exteriorizado do agente
por meio da realização de atos concretos inerentes às suas atribuições em um dado momento. A expressão “em
serviço”, que também não deve ser confundida com situação de expediente regulamentar, insere-se na hipótese de
militar submetido à designação de tarefas não compreendidas dentro do expediente normal, mas prestadas em escala
especial.

DIREITO TRIBUTÁRIO

1. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

1.1. As Caixas de Assistência de Advogados gozam de imunidade tributária recíproca


 Imunidade tributária recíproca: revisão. Obs.: empresas concessionárias de serviço público não gozam de
imunidade tributária recíproca, considerando que são empresas privadas que desempenham tais atividades em busca
do lucro.
 Natureza jurídica da OAB
 OAB e imunidade tributária: a OAB goza de imunidade tributária recíproca, mesmo não sendo uma autarquia?
SIM. É pacífico o entendimento de que a OAB goza de imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF).
Isso porque ela desempenha atividade própria de Estado.
 Órgãos da OAB: a OAB possui, em sua estrutura interna, alguns “órgãos” (obs.: a palavra “´órgãos” é utilizada
pelo art. 45 da Lei 8.906/94): I - o Conselho Federal; II - os Conselhos Seccionais; III - as Subseções; IV - as
Caixas de Assistência dos Advogados. Caixas de Assistência dos Advogados é um “órgão” integrante da estrutura
da OAB, mas que possui personalidade jurídica própria (a OAB é uma PJ e, a Caixa, outra) e a sua finalidade
principal é prestar assistência aos advogados inscritos no respectivo no Conselho Seccional (art. 62 da Lei
8.906/94).
 Serviços sociais para os advogados : plano de saúde, convênios com lojas e restaurantes, realização de eventos
para os advogados, livrarias com preços reduzidos para os advogados etc.
 As Caixas de Assistência dos Advogados também gozam de imunidade tributária recíproca? O STF decidiu que
sim. Como já explicado, a OAB possui finalidades institucionais e corporativas: • finalidades institucionais:
defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos etc.; • finalidades
corporativas: defender os interesses da classe dos advogados. Uma parte dessas finalidades corporativas é
desempenhada pelas Caixas de Assistência. Para o STF, ambas as atividades devem receber o mesmo tratamento de
direito público. Logo, entende-se que as Caixas de Assistências dos Advogados prestam serviço público delegado e
possuem status jurídico de ente público. Frise-se, ainda, que elas não exploram atividades econômicas em sentido
estrito com intuito lucrativo. Diante disso, as Caixas de Assistência dos Advogados devem gozar da imunidade
186
recíproca prevista no art. 150, VI, “a”, do Texto Constitucional, tendo em vista a impossibilidade de se conceder
tratamento tributário diferenciado a órgãos da OAB, de acordo com as finalidades que lhe são atribuídas por lei.

1.2. Os imóveis vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR) estão sujeitos ao regime de
imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88)
 Programa de arrendamento residencial (PAR): o Governo Federal, por meio da Lei 10.188/01, lançou um
programa habitacional chamado de “Programa de Arrendamento Residencial” (PAR), com o objetivo de conferir
moradia para a população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. A gestão
do Programa cabe ao Ministério das Cidades e sua operacionalização à Caixa Econômica Federal (CEF). Como a
União não poderia gerir esse programa por meio de sua Administração Direta, ela outorgou essa tarefa à CEF,
braço instrumental do programa. Vale ressaltar, no entanto, que não há exploração de atividade econômica, mas
sim a prestação de serviço público, uma vez que se trata de atividade constitucionalmente atribuída à União e cuja
operacionalização foi delegada, por lei, a empresa pública federal, visando à consecução de direito fundamental. A
Caixa Econômica Federal fica responsável tanto pela aquisição como pela construção dos imóveis, que são
arrendados por pessoas de baixa renda que pagam prestações mensais e têm, ao final do contrato, a opção de
comprar o imóvel.
 Fundo (FAR): A Lei 10.188/01 determinou que a CEF deveria criar um fundo financeiro privado com o objetivo
de separar o patrimônio e os valores que seriam utilizados para a realização do Programa (art. 2º).
 A União participa, com recursos, para a formação deste fundo? SIM. O patrimônio desse fundo é constituído: I
– pelos bens e direitos adquiridos pela CEF no âmbito do PAR; II – pelos recursos advindos da integralização de
cotas.
 A CEF, normalmente, ou seja, em suas atividades normais não relacionadas com o PAR, goza de imunidade
tributária recíproca? NÃO. Isso porque a CEF é uma empresa pública que explora atividade econômica.
 Fatos: A CEF adquiriu um imóvel para utilizá-lo no PAR. O Município de São Vicente exigiu que a CEF
pagasse IPTU em relação a esse imóvel. A CEF explicou que o referido imóvel pertence ao PAR e, portanto, é de
propriedade da União, sendo abrangido pela imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF). Em outras
palavras, este bem imóvel está mantido sob a propriedade fiduciária da CEF, mas não se comunica com o
patrimônio desta empresa pública. Isso porque este bem integra o PAR, criado e mantido pela União, nos termos da
Lei 10.188/01. O Município não concordou com o argumento e afirmou que a CEF, como empresa pública
exploradora de atividade econômica, deve pagar os impostos, não gozando de imunidade tributária recíproca.
 Existe imunidade tributária em relação a esse imóvel? Os imóveis vinculados ao PAR estão sujeitos ao regime
de imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88)? SIM. O STF entendeu que os fatores subjetivo e
finalístico que justificam a imunidade estão presentes no presente caso. O reconhecimento da imunidade na
presente situação não implica qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio econômico. A imunidade aqui irá
auxiliar a União a efetivar um dos mais importantes direitos sociais, qual seja, o direito à moraria, previsto no art.
6º da CF, ajudando a cumprir um dos objetivos fundamentais da República: erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF). Vale ressaltar que o reconhecimento da
imunidade recíproca na hipótese não trará um desequilíbrio na concorrência.
- CEF é mera administradora do programa
- Prestação de serviço público pela CEF
- Eventual saldo positivo é, ao final, revertido em favor da União
- Tais imóveis não pertencem definitivamente à CEF
 Não confundir com o RE 594015 : “a imunidade recíproca, do art. 150, VI, a, da CF, não se estende a empresa
privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos.
Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município” (STF, 2017, com RG). No julgamento do RE,
o STF fixou a tese de que a imunidade recíproca não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público
quando esta explorar atividade econômica com fins lucrativos. Esse precedente não se aplica à presente hipótese
porque, quanto ao PAR, a concessão da imunidade não irá gerar qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio
econômico ou à livre iniciativa. Isso porque não há atividade comercial sendo desenvolvida no âmbito do PAR.

1.3. O maquinário para impressão de livros não goza de imunidade tributária


 Imunidade cultural: v. livro para revisão. Exemplos dessa imunidade: quando o livro sai da gráfica, não paga IPI;
quando é vendido pela livraria, não paga ICMS; quando é importado, não paga Imposto de Importação.
 Estão fora da imunidade cultural: pelo fato da imunidade cultural não ser subjetiva, e sim objetiva, a gráfica, a
livraria e o importador pagarão IR por conta da renda que obtiverem. Isso porque as pessoas (sujeitos) que
trabalham com livros, jornais, periódicos etc. não gozam de imunidade. De igual forma, não é qualquer bem que
goza da imunidade, mas tão-somente os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Assim, por
exemplo, a imunidade não abrange: • os carros da editora/jornal (deverão pagar IPVA); • os imóveis da
editora/jornal (deverão pagar IPTU).
 O conteúdo do jornal, da revista ou do periódico influencia no reconhecimento da imunidade? O Fisco pode
cobrar o imposto se a revista não tiver “conteúdo cultural”? NÃO. Não importa o conteúdo do livro, jornal ou
187
periódico. Assim, um livro sobre piadas, um álbum de figurinhas ou uma revista pornográfica gozam da mesma
imunidade que um compêndio sobre Medicina ou História. Em suma, todo livro, revista ou periódico é imune,
considerando que a CF não estabeleceu esta distinção, não podendo ela ser feita pelo intérprete.
 Imunidade incondicionada: a norma constitucional que prevê a imunidade cultural é dotada de eficácia plena e
aplicabilidade imediata, não precisando de lei para regulamentá-la. Por essa razão, é classificada como uma
imunidade incondicionada (não depende do preenchimento de nenhuma condição prevista em lei, bastando ser
livro, jornal, periódico ou o papel destinado à sua impressão).
 Conceito de livros: o conceito de livro deve ser utilizado em sentido amplo. Assim, incluem-se aqui os manuais
técnicos e as apostilas (STF).
 Livros veiculados em formato digital (e-books) estão abrangidos pela imunidade? SIM. A imunidade prevista no
art. 150, VI, “d” da CF alcança o livro digital (“e-book”), tese fixada pelo STF sob a sistemática da repercussão
geral.
 Os “e-readers”, ou seja, aparelhos eletrônicos utilizados exclusivamente para ler livros digitais também gozam
da imunidade tributária? Ex: um Kindle (Amazon), Lev (Saraiva), Kobo (Livraria Cultura) também estariam
protegidos pela imunidade tributária? SIM.
 Imagine que o livro digital está contido dentro de um CD-Rom, sendo assim vendido para o público. Esse CD-
Rom gozará de imunidade tributária? SIM.
 A imunidade tributária alcança também o audiolivro (“áudio book”) ? SIM.
 Componentes eletrônicos que compõem o material didático . Imagine a seguinte situação: determinada editora
comercializa fascículos (uma espécie de apostila) nas quais ensina como montar computadores. O consumidor que
compra esses fascículos recebe também, dentro deles, pequenos componentes eletrônicos para que ele possa
aplicar, na prática, aquilo que está lendo na apostila. Quando a editora vai adquirir esses componentes eletrônicos
para colocar nos fascículos, tais bens serão também imunes? SIM. A parte impressa (fascículos) e o material
demonstrativo (componentes eletrônicos) formam um conjunto com o qual se ensina como montar as placas de
computadores. O STF apreciou o caso sob a sistemática da repercussão geral e fixou a tese neste sentido.
 Jornais: os jornais gozam de imunidade, mesmo que contenham publicidade em seu corpo (anúncios,
classificados etc.), considerando que isso constitui fonte de renda necessária para continuar a difusão da cultura.
Contudo, algumas vezes, junto com o jornal vêm alguns folhetos separados contendo publicidade de
supermercados, lojas etc. Tais encartes publicitários não são parte integrante (indissociável) do jornal e não se
destinam à difusão da cultura (possuem finalidade apenas comercial), razão pela qual NÃO gozam de imunidade
(RE 213.094/ES).
 Papel: o papel utilizado para a impressão de livros, jornais e periódicos também é imune. Não importa o tipo e a
qualidade do papel. Basta que ele seja utilizado para a produção de livros, jornais e periódicos.
 Filmes e papeis fotográficos: a imunidade pode abranger filmes e papeis fotográficos (S. 657/STF: A imunidade
do art. 150, VI, “d”, da CF abrange os filmes e papeis fotográficos necessários à publicação de jornais e
periódicos).
 Chapas de impressão: NÃO são imunes. A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "d," da CF deve ser
interpretada finalisticamente à promoção da cultura e restritivamente no tocante ao objeto, na medida em que
alcança somente os insumos assimiláveis ao papel.
 Listas telefônicas: são imunes A edição de listas telefônicas goza de imunidade tributária prevista no art. 150,
VI, "d", da CF. A imunidade tributária prevista em prol de livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua
impressão, ostenta caráter objetivo e amplo, alcançando publicações veiculadoras de informações genéricas ou
específicas, ainda que desprovidas de caráter noticioso, discursivo, literário, poético ou filosófico.
 Papel para propaganda: não é imune : os veículos de comunicação de natureza propagandística de índole
eminentemente comercial e o papel utilizado na confecção da propaganda não estão abrangidos pela imunidade
definida no art. 150, VI, "d", da CF, pois não atendem aos conceitos constitucionais de livro, jornal ou periódico
contidos nessa norma.
 Serviços de distribuição de livros, jornais e periódicos : NÃO são imunes. A jurisprudência do STF é firme no
sentido de que a distribuição de periódicos, revistas, publicações, jornais e livros não está abrangida pela imunidade
tributária da alínea “d” do inciso VI do art. 150 da CF.
 Serviços de composição gráfica: NÃO são imunes. Segundo o STF, as prestadoras de serviços de composição
gráfica, que realizam serviços por encomenda de empresas jornalísticas ou editoras de livros não estão abrangidas
pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da CF. As empresas que fazem composição gráfica para
editoras, jornais etc. são meras prestadoras de serviço e, por isso, a elas não se aplica a imunidade tributária.
 O maquinário para impressão de livros goza de imunidade tributária? NÃO. A imunidade tributária prevista no
art. 150, VI, “d”, da CF, não abarca o maquinário utilizado no processo de produção de livros, jornais e periódicos.
A imunidade tributária visa à garantia e efetivação da livre manifestação do pensamento, da cultura e da produção
cultural, científica e artística. Assim, é extensível a qualquer material assimilável a papel utilizado no processo de
impressão e à própria tinta especial para jornal, mas não é aplicável aos equipamentos do parque gráfico, que não
são assimiláveis ao papel de impressão, por não guardarem relação direta com a finalidade constitucional do art.
150, VI, “d”, da CF.
188

1.4. Mesmo que a entidade remetente dos valores para o exterior seja imune, ainda assim terá que pagar o
IRRF previsto no art. 11 do DL 401/68 (Concursos federais): O art. 11 do DL 401/68 prevê que “está sujeito ao
desconto do IR na fonte o valor dos juros remetidos para o exterior devidos em razão da compra de bens a prazo”.
Vale ressaltar que o contribuinte do IR previsto neste art. 11 é o vendedor (beneficiário dos valores residente no
exterior). O remetente dos juros (e que deve pagar o imposto de renda retido na fonte - IRRF) é o sujeito passivo
responsável por substituição, enquadrando-se nos conceitos previstos nos arts. 121, p. u., II, e 128 do CTN.
Importante esclarecer que, se o adquirente do bem (e que está remetendo o dinheiro para o exterior) for uma
entidade imune, mesmo assim terá que fazer o recolhimento do IRRF. Ex: entidade beneficente de assistência
social adquire, a prazo, uma máquina de uma empresa do exterior; ao remeter os valores para essa empresa, deverá
reter, na fonte, o IR sobre os juros; mesmo esta entidade sendo imune, ela deverá pagar o imposto de renda retido
na fonte na condição de responsável por substituição. A imunidade tributária não afeta a relação de
responsabilidade tributária ou de substituição e não exonera o responsável tributário ou o substituto. Assim, em
suma: a imunidade tributária de entidade beneficente de assistência social não a exonera do dever de, na condição
de responsável por substituição, reter o imposto de renda sobre juros remetidos ao exterior na compra de bens a
prazo, na forma do art. 11 do Decreto-Lei 401/68.

1.5. Apresentação anual de relatório das atividades exercidas pela entidade beneficente não era requisito
para o gozo da imunidade tributária
 Imunidade para entidades beneficentes de assistência social : a CF conferiu imunidade p/ as entidades
beneficentes de assistência social afirmando que elas estão dispensadas de pagar contribuições para a seguridade
social (art. 195 (...) § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”). O § 7º do art. 195 da CF traz 2 requisitos para
o gozo desta imunidade:
1) que se trate de pessoa jurídica que desempenhe atividades beneficentes de assistência social. Obs: a assistência
social é tratada no art. 203 da CF/88. O STF, contudo, confere um sentido mais amplo ao e afirma que os objetivos
da assistência social elencados nos incisos do art. 203 podem ser conseguidos também por meio de serviços de
saúde e educação. Assim, se a entidade prestar serviços de saúde ou educação também poderá, em tese, ser
classificada como de “assistência social”.
2) que esta entidade atenda a parâmetros previstos na lei.
 A lei a que se refere o § 7º é LC ou LO? COMPLEMENTAR. Esse assunto era extremamente polêmico na
doutrina e na jurisprudência, mas o STF apreciou o tema sob a sistemática da repercussão geral e fixou a seguinte
tese: Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em LC (STF. J. em 23/02/2017, com
repercussão geral). As imunidades tributárias são classificadas juridicamente como “limitações constitucionais ao
poder de tributar” e a CF exige que este tema seja tratado por meio de lei complementar, pois o § 7º do art. 195
deve ser interpretado em conjunto com o art. 146, II. Assim, a CF exigiu sim LC, mas não diretamente no § 7º do
art. 195 e sim na previsão geral do art. 146, II. Além disso, o STF afirmou que a imunidade de contribuições sociais
serve não apenas a propósitos fiscais, mas também para a realização dos objetivos fundamentais da República,
como a construção de uma sociedade solidária e voltada para a erradicação da pobreza. Logo, esta espécie de
imunidade não pode ficar à mercê da vontade transitória de governos. As regras para gozar dessa imunidade devem
ser respeitadas por todos os governos, não sendo, portanto, correto que o regime jurídico das entidades beneficentes
fique sujeito a flutuações legislativas constantes, muitas vezes influenciadas pela vontade de arrecadar. Assim, um
tema tão sensível como esse não pode ser tratado por lei ordinário ou medida provisória. Assim, diante da
relevância das imunidades de contribuições sociais para a concretização de uma política de Estado voltada à
promoção do mínimo existencial, deve incidir nesse caso a reserva legal qualificada prevista no art. 146, II, da CF
(lei complementar).
 Existe alguma lei que preveja os requisitos que deverão ser atendidos pela entidade para gozar da imunidade de
que trata o § 7º do art. 195 da CF? SIM. Os requisitos legais exigidos na parte final do § 7º, enquanto não editada
nova LC sobre a matéria, são somente aqueles previstos no art. 14 do CTN. Assim, para gozarem da imunidade, as
entidades devem obedecer às seguintes condições: a) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de
suas rendas, a qualquer título; b) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais; c) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades
capazes de assegurar sua exatidão.
 Art. 55 da Lei 8.212/91: previa requisitos para que as entidades beneficentes de assistência social pudessem
gozar da imunidade tributária do § 7º do art. 195 da CF. A segunda parte do inciso V do art. 55 exigia, como
requisito para a imunidade, que a entidade beneficente apresentasse, anualmente, relatório circunstanciado de suas
atividades. Vale ressaltar que, posteriormente, esse art. 55 foi revogado pela Lei 12.101/09.
 Essa exigência presente na 2ª parte do inciso V do art. 55 podia ser considerada como uma exigência válida para
que as entidades beneficentes gozassem de imunidade tributária? A apresentação anual de relatório circunstanciado
de atividades era uma exigência válida para que as entidades beneficentes pudessem gozar da imunidade tributária?
NÃO. Como já explicado, os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em LC. A 2ª parte do art.
189
55, V, da Lei 8.212/91 extrapolou os requisitos estabelecidos no art. 14 do CTN. Logo, essa apresentação de
relatório das atividades, por não estar prevista em lei complementar, não pode ser considerada como uma exigência
válida para que a entidade goze da imunidade tributária. Essa exigência de que as entidades apresentassem esse
relatório de atividades pode, no máximo, ser considerada como uma obrigação tributária acessória, mas não pode
ser reputada como exigência para gozo da imunidade tributária porque não estava prevista em lei complementar.

1.6. Natureza declaratória do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS): S. 612/STJ.

2. TEMAS DIVERSOS

2.1. Notificação do auto de infração, fim do prazo decadencial e início do lapso prescricional: S. 622/STJ

2.2. Prazo prescricional e tributo declarado inconstitucional: Caso concreto: STF decidiu que determinada
contribuição tributária era inconstitucional. Não houve modulação dos efeitos. Contribuinte ajuizou ação pedindo a
repetição do indébito, ou seja, a restituição dos valores pagos. O debate envolve o prazo prescricional para essa
pretensão. No momento em que o contribuinte ajuizou a ação, o entendimento do STJ era no sentido de que o prazo
prescricional tinha início a partir da data da declaração de inconstitucionalidade da exação pelo STF no controle
concentrado, ou de resolução do Senado Federal, no controle difuso. Ocorre que, durante o curso da ação, o STJ
promoveu revisão abrupta de sua jurisprudência para considerar que, nos tributos sujeitos a lançamento por
homologação, o transcurso do prazo prescricional ocorre a partir do recolhimento indevido, independentemente da
data da decisão do STF ou da Res. do SF. Com a aplicação do novo entendimento do STJ, o contribuinte – que já
estava com a sua ação em curso – teria seu pedido rejeitado por força da prescrição. O STF, contudo, não
concordou com a aplicação imediata do novo entendimento do STJ aos processos em curso. Para o Supremo, isso
representa retroação da regra de contagem do prazo prescricional às pretensões já ajuizadas, em afronta ao
princípio da segurança jurídica e aos postulados da lealdade, da boa-fé e da confiança legítima, sobre os quais se
assenta o próprio Estado Democrático de Direito. A modificação na jurisprudência em matéria de prescrição não
pode retroagir para considerar prescrita pretensão que não o era à época do ajuizamento da ação, em respeito ao
posicionamento anteriormente consolidado. Toda inflexão jurisprudencial que importe restrição a direitos dos
cidadãos deve observar certa regra de transição para produção de seus efeitos, levando em consideração os
comportamentos então tidos como legítimos, porquanto praticados em conformidade com a orientação
prevalecente, em homenagem aos valores e princípios constitucionais.

2.3. Parcelamento tributário

Os requisitos para o parcelamento devem ser fixados em lei específica e atos infralegais não poderão impor
condições não previstas nesta lei

 Depois de o crédito tributário ser constituído, ainda assim poderá haver algum “problema” com ele? SIM.
Existem três opções para o crédito tributário constituído. Assim, ele poderá ser: a) inscrito em dívida ativa e
cobrado do devedor mediante execução fiscal; b) suspenso (art. 151 do CTN); c) extinto (art. 156 do CTN).
 Suspensão do crédito tributário : as hipóteses de suspensão do crédito tributário estão elencadas no CTN. Uma
das situações que gera a suspensão do crédito tributário é o parcelamento da dívida (inciso VI). O parcelamento é
uma forma de suspensão do crédito tributário, ou seja, enquanto o parcelamento estiver ativo (vigente), o Fisco não
poderá dar início nem continuar a execução fiscal contra o devedor. • Se o devedor descumprir as condições do
parcelamento, este será revogado e o crédito tributário poderá ser cobrado. • Se o devedor cumprir integralmente as
condições do parcelamento pagando toda a dívida, haverá a extinção do crédito tributário.
 Exigência de lei: o art. 155-A do CTN prevê que “o parcelamento será concedido na forma e condição
estabelecidas em lei específica”. Essa lei específica deve ser editada por cada ente da Federação. Assim, p. ex., a
União deve editar uma lei para tratar sobre os débitos tributários federais, o Estado de São Paulo uma para dispor
sobre o parcelamento dos tributos estaduais, o Município de Vitória (ES) para os tributos municipais e assim por
diante. Cada ente político deve editar a sua própria lei, devendo, obviamente, respeitar as normas gerais que são
previstas no CTN. Essa lei deverá estabelecer as regras do parcelamento Vale ressaltar que a lei de que trata o caput
do art. 155-A deverá estabelecer os requisitos para que o contribuinte possa aderir ao parcelamento, prevendo ainda
o número máximo de parcelas em que a dívida pode ser dividida e os prazos para pagamento. O art. 153 do CTN,
que é aplicado subsidiariamente ao parcelamento, prevê que a lei deverá estabelecer os seguintes requisitos:
a) o prazo de duração do benefício;
b) as condições de concessão;
c) os tributos a que se aplica;
d) o número de prestações e seus vencimentos;
e) as garantias que devem ser fornecidas pelo beneficiado.
190
 Fatos: a União editou a Lei 10.522/02 permitindo o parcelamento de tributos federais. A PGFN e RF editaram
uma portaria com o objetivo de regulamentar o parcelamento previsto nesta Lei. Trata-se da Portaria Conjunta
PGFN/RFB 15/09. Até aí, tudo bem. O problema foi que essa portaria previu que somente poderia ser concedido o
parcelamento simplificado para o pagamento dos débitos cujo valor fosse igual ou inferior a R$ 1 MM. A empresa
PITONGA S/A possuía um débito de 2 milhões e queria aderir ao parcelamento, tendo isso sido negado com base
na Portaria. Diante disso, ela impetrou mandado de segurança alegando que a exigência da Portaria seria ilegal.
 Decisão do STJ: As condições para a concessão de parcelamento tributário devem estrita observância ao
princípio da legalidade. Logo, não é possível que atos infralegais imponham condições não previstas na lei de
regência do benefício. Os arts. 11 e 13 da Lei 10.522/02 até delegaram algumas atribuições para o Ministro da
Fazenda, como, por exemplo, a fixação do valor da parcela mínima e a apresentação de garantias. No entanto, não
houve delegação da lei para que atos infralegais estipulassem limite financeiro máximo do crédito tributário para a
sua inclusão no parcelamento. Desse modo, a referida Portaria incidiu em vício de legalidade ao estipular
condições não previstas na lei de regência do parcelamento.

Parcelamento de débitos considerados isoladamente (art. 1º, § 2º, da Lei 11.941/09): O contribuinte pode optar
pelo parcelamento de débitos considerados isoladamente, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 11.941/09, ainda que
relativos a uma mesma CDA, não sendo possível o parcelamento de uma fração de competência ou período de
apuração (STJ) – concursos federais e pouca relevância.

2.4. Repetição de indébito: S. 625/STJ

2.5. Possibilidade de compensação dos créditos de AITP com débitos de tributos federais: Os créditos tributários
provenientes do Adicional de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso - AITP, reconhecidos judicialmente,
podem ser compensados com outros débitos tributários federais administrados pela Secretaria da Receita Federal,
nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/96 (baixa relevância).

2.6. Impossibilidade de sanções políticas


 Fatos: a sociedade empresária Cenco Comércio Ltda. possui débitos de ICMS inscritos em dívida ativa. Por
força desses débitos, a Secretaria de Fazenda do Estado de Sergipe alterou a situação cadastral da empresa para
“inapta”. Como consequência por estar classificada como “inapta”, a empresa passou a receber um tratamento
tributário diferenciado por parte do Estado, com obrigações tributárias mais rigorosas e regras mais difíceis para a
utilização da sistemática da substituição tributária.
 Essa conduta do Estado-membro foi lícita? NÃO. Cobrança do tributo por vias oblíquas (sanções políticas) A
Fazenda Pública deverá cobrar os tributos em débito mediante os meios judiciais (execução fiscal) ou extrajudiciais
(lançamento tributário, protesto de CDA) legalmente previstos. O Fisco possui, portanto, instrumentos legais para
satisfazer seus créditos. Justamente por isso, a AP não pode proceder à cobrança do tributo por meios indiretos,
impedindo, cerceando ou dificultando a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte devedor. Quando isso
ocorre, a jurisprudência afirma que o Poder Público aplicou “sanções políticas”, ou seja, formas “enviesadas de
constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário” (STF ADI 173). Exs.:
apreensão de mercadorias, não liberação de documentos, interdição de estabelecimentos. A cobrança do tributo por
vias oblíquas (sanções políticas) é rechaçada por quatro súmulas do STF e STJ 22. Desse modo, a orientação
jurisprudencial do STF e do STJ é a de que o Estado não pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela
utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício da atividade econômica, para
constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso, estando o ente público vinculado ao procedimento
de execução fiscal para a cobrança de seus créditos, no qual é assegurado ao devedor o devido processo legal. No
caso concreto, ficou evidente que a inscrição da empresa no rol de contribuintes considerados inaptos pelo fisco de
Sergipe configura um meio de coerção indireta para cobrança dos débitos inscritos na dívida ativa, pois implica
tratamento tributário diferenciado que dificulta o exercício da atividade econômica, sendo assim clara a sanção
política, não admitida pela CF.

3. IMPOSTO DE RENDA

3.1. Valor recebido pelo jogador a título de “direito de arena” sujeita-se ao IRPF
 Direito de arena: a Lei 9.615/98 prevê normas gerais sobre desporto. Essa norma é conhecida como “Lei Pelé”,
em virtude de o anteprojeto dela ter sido elaborado na época em que o ex-jogador Pelé era Ministro do Esporte. O
22
Súmula 70-STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547-STF: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias
nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
S. 127-STJ: É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi
notificado.
191
art. 42 desta Lei estabelece que: “Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na
prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a
retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que
participem”. O direito de arena é como se fosse o “pagamento” pelo fato de as emissoras de comunicação estarem
mostrando a imagem do “time” (entidade desportiva) e dos jogadores na “arena” disputando a competição. O
direito de arena pertence às entidades de prática desportiva, mas elas têm que repassar 5% da receita do direito de
arena para os sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais
participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil (art. 42, § 1º).
 Exceção ao direito de imagem: “O direito de imagem é amplo e pertence por inteiro ao seu titular. Abre-se,
porém, uma exceção ao atleta que participa de um espetáculo, reservando-se um percentual maior para a
remuneração das entidades esportivas, que afinal são as que organizam, investem e remuneram p/ garantir o êxito
do empreendimento” (STJ).
 Os atletas profissionais devem pagar IR com relação ao valor que recebem a título de direito de arena ? SIM
(STJ).
- Acréscimo patrimonial: o direito de arena é um rendimento extra que o esportista participante do espetáculo
desportivo recebe, possuindo, portanto, nítido conteúdo de acréscimo patrimonial. Frise-se que só fará jus à parcela
relativa ao direito de arena o esportista profissional que mantiver relação laboral com a entidade de prática
desportiva, formalizada em contrato de trabalho. Assim, conclui-se que a verba em questão retribui e decorre da
própria existência do contrato de trabalho, remunerando e acrescendo os ganhos do atleta em contrapartida pela
autorização dada para o uso da sua imagem.
- Não se trata de verba de caráter indenizatório: não se pode dizer que o direito de arena possui caráter
indenizatório. Isso porque não há dano ou lesão passível de reparação econômica. A rigor, o atleta profissional é
pago, antecipadamente, mediante repasse do valor do direito de arena, em retribuição a uma prestação consistente
na cessão dos seus elementos audiovisuais, indefinidamente vinculados a determinado espetáculo esportivo, cuja
exibição pode, ou não, protrair-se no tempo. O esportista profissional, portanto, é remunerado, previamente, para
abdicar da exclusividade do exercício de um direito disponível, nos termos pactuados.

3.2. Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL
 IRPJ: tem como sua base de cálculo o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos
tributáveis (art. 44 do CTN).
 CSLL: é a sigla para Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. A base de cálculo dessa contribuição “é o
valor do resultado do exercício, antes da provisão para o IR” (art. 2º da Lei 7.689/88). Desse modo, a base de
cálculo da CSLL também é o lucro, mas apurado antes da provisão para o IRPJ.
 Crédito presumido de ICMS: trata-se de um incentivo concedido pela legislação por meio do que se concede um
crédito ao contribuinte para que ele pague menos ICMS. Assim, se a empresa contribuinte cumprir determinados
requisitos previstos na legislação, ela poderá ter direito a esse “crédito”, pagando menos ICMS. Desse modo, pode-
se concluir que a concessão de crédito presumido de ICMS possui natureza jurídica de incentivo fiscal.
 O crédito presumido de ICMS, por representar, indiretamente, um lucro para a pessoa jurídica, deverá ser
incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL? NÃO. Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo
do IRPJ e da CSLL (STJ). A CF possui diversos dispositivos que preveem medidas de incentivo fiscal com o
objetivo de reduzir desigualdades regionais, alavancar o desenvolvimento social e econômico do país, inclusive
mediante desoneração ou diminuição da carga tributária. A outorga de crédito presumido de ICMS insere-se nesse
contexto, devendo ser instituída por legislação local específica do ente federativo tributante. Não se pode
considerar o crédito presumido como lucro da empresa, para fins de tributação do IRPJ e da CSLL, sob pena de
admitirmos a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no
exercício de sua competência tributária, outorgou. Essa interpretação faria com que houvesse o esvaziamento ou a
redução do incentivo fiscal que foi legitimamente outorgado pelo Estado-membro. Isso porque se, por um lado, a
empresa pagaria menos ICMS, por outro, teria que pagar mais IRPJ e CSLL. O art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF,
atribuiu aos Estados-membros e ao DF a competência para instituir o ICMS - e, por consequência, outorgar
isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de LC. A concessão de incentivo por Estado-
membro, observados os requisitos legais, configura, portanto, instrumento legítimo de política fiscal para
materialização dessa autonomia consagrada pelo modelo federativo. Nesse caminho, a tributação pela União de
valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à
cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.
 Inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS : à semelhança do caso
acima, entendeu o Plenário do STF, em RE com repercussão geral, que o valor de ICMS não se incorpora ao
patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos.

3.3. A parcela decorrente do INCC integra a receita bruta da imobiliária que vendeu o imóvel; logo, é possível
inclui-la na base de cálculo do lucro presumido para fins de incidência do IRPJ (concurso federal)
192
 INCC: é a sigla para “Índice Nacional de Construção Civil”. Trata-se de um índice que é utilizado para fazer a
correção do valor do imóvel objeto de financiamento enquanto a obra está em execução. Foi criado e é atualizado
pela Fundação Getúlio Vargas. Todos os meses é publicado o INCC e ele demonstra as mudanças que ocorreram
nos preços dos materiais de construção e da mão de obra no setor imobiliário. Assim, por exemplo, se os preços
desses bens e serviços aumentaram no mês, o INCC será um percentual alto; se o aumento foi pequeno, o
percentual também será pequeno. Como dito acima, o INCC é o índice utilizado para corrigir o valor que falta para
o adquirente pagar enquanto o imóvel está sendo construído. Ex: João fez um contrato de promessa de compra e
venda para adquirir um apartamento na planta; o preço do apartamento é de R$ 300 mil; João paga R$ 200 mil de
entrada e financia os R$ 100 mil diretamente com a construtora, pagando parcelas todos os meses; o saldo devedor
será corrigido pelo percentual do INCC; imagine que, no 1º mês, o INCC foi de 0,30%; significa que o saldo
devedor, que era de R$ 100 mil, passará para R$ 100.300,00. Dessa forma, a construtora irá “ganhar” todos os
meses esse valor do INCC.
 Decisão do STJ: a parcela decorrente do INCC integra a receita bruta decorrente da venda do bem imóvel, sendo
possível o seu acréscimo à base de cálculo do lucro presumido para fins de incidência do IR. Isso significa que a
Receita Federal não pode cobrar o valor recebido pelas imobiliárias a título de INCC como se fosse “receita
financeira”, tributada em separado. Esses valores vão fazer parte da receita bruta decorrente da venda do bem
imóvel.

3.4. Isenção do IR do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88: S. 627/STJ.

3.5. Ganho de capital obtido com a venda de imóvel residencial é isento de IR se ele for utilizado para
pagamento de parcelas de outro imóvel residencial comprado anteriormente
 Art. 39 da Lei 11.196/05: prevê uma hipótese de isenção de IR: “Art. 39. Fica isento do imposto de renda o
ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no
prazo de 180 dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis
residenciais localizados no País”. Ex.: João comprou seu apartamento por R$ 3 milhões; dois anos depois, vendeu
este imóvel por R$ 4 milhões, tendo “lucrado” R$ 1 milhão com o negócio. Diz-se que seu ganho de capital foi de
R$ 1 milhão. Em princípio, João teria que pagar IR sobre esse ganho de capital. Ocorre que o art. 39 acima
transcrito garante uma isenção do imposto caso ele utilize este valor recebido para adquirir outro imóvel
residencial.
 Fatos: Em janeiro de 2016, Pedro comprou uma casa por R$ 3 milhões. Em julho de 2017, Pedro vendeu a casa
por R$ 4 milhões. Dessa forma, ele teve um ganho de capital de R$ 1 milhão. Em agosto de 2017, Pedro utilizou
R$ 400 mil (ou seja, parte do produto obtido com a venda) para quitar o financiamento habitacional de um
apartamento que estava pagando parceladamente há 5 anos. Pedro, na declaração de imposto de renda, informou
que os R$ 400 mil que recebeu de ganho de capital com a venda da casa seriam isentos do IR. Diante disso,
recolheu o imposto de renda apenas sobre R$ 600 mil, isto é, sobre o montante não utilizado para quitar o
financiamento. A Receita Federal, contudo, não concordou e afirmou que, para ter direito à isenção do IR, Pedro
deveria ter utilizado todo o dinheiro (R$ 1 milhão) para a compra do imóvel residencial (apartamento). Além disso,
a compra do imóvel residencial deveria ter sido posterior à data do ganho de capital. No caso de Pedro, foi o
contrário, pois primeiro ele já estava pagando o apartamento e depois teve o ganho de capital com a venda da casa,
utilizando o dinheiro para terminar de pagar o financiamento. O Fisco sustentou que existe expressa vedação à
pretensão de Pedro no art. 2º, § 11, I, da Instrução Normativa-SRF n. 599/2005, que regulamentou a isenção legal.
 Pedro tem direito à isenção nesse caso ? SIM. Da leitura do art. 39 da Lei 11.196/05, podem ser extraídos os
requisitos necessários para a concessão da isenção: a) tratar-se de pessoa física residente no País; b) alienação de
imóveis residenciais situados em território nacional; e c) aplicação do produto da venda no prazo de 180 dias na
aquisição de outro imóvel residencial no País O STJ entende que o art. 2º, §11, I, da IN-SRF 599/05 é ilegal e que a
isenção do art. 39 da Lei 11.196/05 se aplica mesmo que o dinheiro obtido seja utilizado para pagar as prestações
de um imóvel residencial que o contribuinte já possuía e que estava quitando parceladamente. A restrição imposta
pela instrução normativa da Receita Federal torna a aplicação do art. 39 da Lei 11.196/05 quase que impossível. A
grande maioria das aquisições imobiliárias das pessoas físicas é feita mediante contratos de financiamento de longo
prazo (até trinta anos). Isso porque o mais comum é que as pessoas não tenham liquidez para adquirir um imóvel à
vista. Além disso, pessoa física geralmente adquire o "segundo imóvel" ainda "na planta" (em construção), o que
dificulta a alienação anterior do "primeiro imóvel", já que é necessário ter onde morar. A regra então é que a
aquisição do "segundo imóvel" se dê antes da alienação do "primeiro imóvel". Sendo assim, a finalidade do art. 39
da Lei 11.196/05 é mais bem alcançada quando se permite que o produto da venda do imóvel residencial anterior
seja empregado, dentro do prazo de 180, na aquisição de outro imóvel residencial, compreendendo dentro deste
conceito de aquisição também a quitação do débito remanescente do imóvel já adquirido ou de parcelas do
financiamento em curso firmado anteriormente. Ademais, se você observar a redação do art. 39, verá que ele exige
apenas a aplicação do "produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País". Não existe uma
exigência do momento em que deve ocorrer esta aquisição. Não há qualquer registro na Lei de que as aquisições de
que ela fala sejam somente aquelas cujos contratos ocorreram depois da venda do primeiro imóvel residencial. Em
193
outras palavras, a L. 11.196/05 não faz qualquer exigência cronológica quanto à aquisição do imóvel residencial
nem exclui da isenção a quitação ou amortização de financiamento, desde que seja respeitado o prazo de 180 dias e
seja recolhido o IR sobre o valor não utilizado na aquisição. Aliás, a lei nem poderia dizer isso, pois, como já
descrevemos, destoaria da realidade do mercado imobiliário para pessoas físicas que se faz com contratos a prazo,
financiamentos, e o início da aquisição do segundo imóvel antes mesmo da realização da venda do primeiro. Desse
modo, conforme já explicado, o art. 2º, § 11, inciso I, da IN SRF 599/05, ao restringir a fruição do incentivo fiscal
com exigência de requisito não previsto em lei, afronta o art. 39, § 2º, da Lei 11.196/05, padecendo, portanto, de
ilegalidade.

4. OUTROS IMPOSTOS FEDERAIS

4.1. Não deve incidir IPI sobre a venda de produtos, na hipótese de roubo ou furto da mercadoria antes da sua
entrega ao comprador
 Fato gerador do IPI: cf. o art. 46 do CTN, o IPI possui três fatos geradores: I - o desembaraço aduaneiro do
produto industrializado, quando de procedência estrangeira; II - a saída do produto industrializado do
estabelecimento industrial ou equiparado a industrial; III - a arrematação do produto industrializado, quando
apreendido ou abandonado e levado a leilão.
 Fatos: a “Souza Cruz”, indústria de tabaco, produziu 2 mil cigarros e os vendeu para o distribuidor “BB”. O
caminhão saiu da fábrica levando os cigarros que seriam entregues na distribuidora. Ocorre que o veículo foi
abordado por assaltantes armados que roubaram toda a carga. Apesar disso, a RF fez o lançamento tributário
cobrando o IPI referente aos 2 mil cigarros produzidos. A empresa ingressou, então, com ação ordinária pedindo a
anulação do lançamento e, consequentemente, do crédito tributário ao argumento de que não houve o fato gerador.
 Decisão: Na hipótese em que ocorrer roubo/furto da mercadoria após a sua saída do estabelecimento do
fabricante não se configura o evento ensejador de incidência do IPI. Não deve incidir IPI sobre a venda de
produtos, na hipótese de roubo ou furto da mercadoria, antes da entrega ao comprador. Isso porque, neste caso,
como não foi concluída a operação mercantil, não ficou configurado o fato gerador.

4.2. Selo para controle de recolhimento de IPI não pode ser cobrado do contribuinte (concursos federais)
 STF: é incompatível com a CF o art. 3º do Decreto-Lei 1.437/75, que autorizava que o Fisco exigisse do
contribuinte o ressarcimento pelo custo dos selos do IPI. Assim, o selo para controle de recolhimento de IPI não
pode ser cobrado do contribuinte, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária (art. 150, I, da CF). Nas
palavras do STF: “Ante o princípio da legalidade estrita, surge inconstitucional o artigo 3º do DL 1.437/75 no que
transferida a agente do Estado – Ministro da Fazenda – a definição do ressarcimento de custo e demais encargos
relativos ao selo especial previsto, sob o ângulo da gratuidade, no artigo 46 da Lei 4.502/64”.
 STJ: É inexigível o ressarcimento de custos e demais encargos pelo fornecimento de selos de controle de IPI,
instituído pelo DL 1.437/1975, que, embora denominado ressarcimento prévio, é tributo da espécie Taxa de Poder
de Polícia, de modo que há vício de forma na instituição desse tributo por norma infralegal, excluídos os fatos
geradores ocorridos após a vigência da Lei 12.995/14.

4.3. Cessionário de crédito-prêmio de IPI não pode suceder o cedente em execução contra a União (concursos
federais): Não é possível a sucessão processual em razão de cessão de crédito de título judicial, referente a crédito-
prêmio de IPI, com a finalidade de oportunizar a compensação tributária pela cessionária (STJ).

4.4. Progressividade das alíquotas do ITR


 ITR: revisão.
 Alíquotas: a menor alíquota do ITR é de 0,03% e a maior é de 20%. As alíquotas do ITR devem ser
progressivas, com o objetivo de desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, nos termos do art. 153, §
4º, da CF.
 Progressividade do ITR: a Lei 9.393/96 estabeleceu que a progressividade do ITR deveria levar em
consideração dois critérios, a serem apreciados conjuntamente: 1) o grau de utilização da terra (quanto mais
improdutiva, maiores as alíquotas); e 2) a área da propriedade rural (quanto maior a área, maiores as alíquotas).
Ocorre que o art. 153, § 4º, I, da CF previu apenas o critério da produtividade, não falando nada sobre a
possibilidade de o ITR ser progressivo também em função da área do imóvel. Diante disso, surgiu uma corrente
defendendo que a L. 9.393/96, ao estabelecer a progressividade em razão da área do imóvel, seria inconstitucional
por violar o art. 153, § 4º, I, da CF.
 Essa tese foi acolhida pelo STF? A Lei 9.393/96 violou a CF ao prever alíquotas progressivas em função do
grau de utilização da propriedade e também em razão da área do imóvel? NÃO. O STF não concordou com a tese e
decidiu que: É constitucional a progressividade das alíquotas do ITR previstas na Lei nº 9.393/96 e que leva em
consideração, de maneira conjugada, o grau de utilização (GU) e a área do imóvel. Essa progressividade é
compatível com o art. 153, § 4º, I, da CF, seja na sua redação atual, seja na redação originária, ou seja, antes da EC
42/2003. Mesmo no período anterior à EC 42/2003, era possível a instituição da progressividade em relação às
194
alíquotas do ITR. A Lei nº 9.393/96 estabeleceu que a progressividade das alíquotas do ITR deveria levar em
consideração não só o grau de utilização da terra (GU), como também a área do imóvel, tendo em vista que tais
critérios não são isolados, mas sim conjugados. Assim, quanto maior for o território rural e menor o seu
aproveitamento, maior será a alíquota de ITR. Essa sistemática potencializa a função extrafiscal do ITR e
desestimula a manutenção de propriedade improdutiva.
 Mas o ITR é um imposto real... mesmo assim ele pode ser progressivo? Mesmo não sendo um imposto pessoal,
o ITR pode ser progressivo? SIM. Para o STF, é irrelevante se um imposto é real ou pessoal para fins de verificar
se ele pode ou não se sujeitar à técnica da progressividade. O § 1º do art. 145 da CF não proíbe que os impostos
reais sejam progressivos.

5. ICMS

5.1. É devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente
se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida
 ICMS: revisão (v. livro).
 Substituição tributária para a frente (progressiva): a substituição tributária progressiva, também chamada de
substituição tributária para a frente ou subsequente, é uma técnica de arrecadação de alguns impostos, em especial
o ICMS. Na substituição tributária para a frente, a lei prevê que o tributo deverá ser recolhido antes mesmo que
ocorra o fato gerador. Desse modo, primeiro há o recolhimento do imposto e, em um momento posterior, ocorre o
fato gerador. Diz-se, então, que o fato gerador é presumido porque haverá o pagamento do tributo sem se ter
certeza de que ele irá acontecer. A substituição tributária progressiva é prevista na própria CF (art. 150, § 7º).
 E se o fato gerador presumido não ocorrer? Ex: a refinaria pagou o imposto relacionado com as vendas futuras
na qualidade de responsável tributário; suponhamos, no entanto, que houve um acidente no distribuidor e ele
perdeu toda a gasolina que revenderia; logo, o FG que se presumiu que ocorreria não aconteceu, apesar de o
imposto já ter sido pago. O que fazer neste caso? A CF/88 determina expressamente que, se o fato gerador
presumido não se realizar, a AP deverá restituir a quantia paga, de forma imediata e preferencial (art. 150, § 7º).
 E se o fato gerador presumido ocorrer, mas com um valor diverso do que foi presumido e calculado? Ex: a
refinaria pagou o imposto relacionado com as vendas futuras na qualidade de responsável tributário; suponhamos
que o imposto foi calculado presumindo que o distribuidor venderia o combustível por R$ 1,00 o litro, mas, na
realidade, diante de uma crise no mercado, ele só conseguiu vender por R$ 0,70; logo, a base de cálculo do imposto
(valor da mercadoria efetivamente vendida) foi inferior àquela que havia sido presumida; diante disso, na prática,
pagou-se um valor de imposto maior do que o que seria realmente devido. O que fazer neste caso? Haverá direito à
restituição do valor pago a mais de imposto? SIM. O STF decidiu que: “É devida a restituição da diferença do
ICMS pago a mais, no regime de substituição tributária para a frente, se a base de cálculo efetiva da operação for
inferior à presumida”. A substituição tributária, prevista no art. 150, § 7º, da CF/88, tem como fundamento o
princípio da praticidade. Por meio desta técnica, o Estado consegue comodidade, economicidade e eficiência na
execução administrativa das leis tributárias. No entanto, a praticidade tributária encontra freio nos princípios da
igualdade, capacidade contributiva e vedação do confisco, bem como na arquitetura de neutralidade fiscal do
ICMS. Desse modo, é papel do Poder Judiciário tutelar situações que extrapolem o limite da razoabilidade, como é
o caso em tela, no qual o contribuinte paga um valor maior do que efetivamente devido, tendo, portanto, direito de
ser restituído. Para o Min. Edson Fachin, a tributação não pode se transformar em uma ficção jurídica, em uma
presunção absoluta (juris et de jure) na qual o fato gerador presumido assuma um caráter definitivo e sejam
desprezadas as variações decorrentes do processo econômico. Não permitir a restituição nestes casos representaria
injustiça fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, fundado em legítimas expectativas emanadas de
uma relação de confiança e justeza entre Fisco e contribuinte. Desse modo, a restituição do excesso atende ao
princípio que veda o enriquecimento sem causa, haja vista a não ocorrência da materialidade presumida do tributo.
 E o STJ? O STJ passou a acompanhar o STF em decisão de 2018.

5.2. Responsabilidade pelo pagamento da diferença de alíquota caso tenha havido tredestinação da
mercadoria
 Fatos: A Coopersucar, situada em SP, vendeu álcool hidratado para a empresa “C2”. Pelo contrato, a mercadoria
teria como destino a cidade de Salvador (BA). Também de acordo com o contrato, a venda seria com cláusula FOB
(Free on Board). Isso significa que a obrigação da vendedora (Coopersucar) era apenas a de entregar a mercadoria
para a transportadora escolhida e contratada pela empresa compradora. Neste momento, ocorre a tradição e encerra-
se a responsabilidade contratual da vendedora. A partir daí todas as despesas e riscos correm por conta da
compradora.
 Recolhimento do ICMS e alíquotas aplicáveis : a Coopersucar estava vendendo mercadoria. Logo, tinha que
pagar ICMS (um dos fatos geradores do ICMS é a circulação de mercadorias). O ICMS possui alíquotas diferentes
caso a venda seja para dentro do Estado ou se for para um comprador situado em Estado diferente do vendedor. No
primeiro caso, o vendedor terá que pagar, ao Estado de origem, a alíquota interna. Na segunda hipótese, o vendedor
paga, ao Estado de origem, a alíquota interestadual e o comprador paga, ao Estado de destino, a diferença entre a
195
alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual. Isso está previsto no art. 155, § 2º, VII e VIII, da
CF. Em nosso exemplo, como a venda era para outro Estado, a empresa vendedora foi obrigada a recolher a
alíquota interestadual do ICMS, que era de 7%. Se a Coopersucar tivesse vendido para dentro do Estado de São
Paulo, ela teria que recolher a alíquota interna de ICMS, que era de 25%.
 Mercadoria não foi entregue em Salvador (BA) : a Coopersucar entregou a mercadoria para a transportadora
contratada pela empresa “C2”. Apesar disso, não consta que a carga tenha sido entregue em Salvador (BA). Com
isso, na prática, não houve comercialização interestadual, tendo a mercadoria permanecido no Estado de SP. Diante
disso, o Fisco paulista autuou a Copersucar dizendo o seguinte: você pagou alíquota interestadual de 7%
considerando que informou que a venda era para outro Estado; no entanto, isso não aconteceu; logo, terá que pagar
a diferença da alíquota interna (25% - 7% = 18%) mais multa e juros.
 Argumentos da empresa vendedora: a empresa vendedora argumentou que: • vendeu as mercadorias à empresa
C2, que constava como habilitada em todos os cadastros públicos; • a empresa C2 ficou responsável pelo transporte
(cláusula FOB); • adotou todas as cautelas antes de fechar a operação (recebeu pedido de compra, pagamento
antecipado e identificado, ordens de carregamento etc); • emitiu a nota fiscal tendo como destinatária empresa
situada em outro Estado; • não poderia seguir a carga durante seu transporte até o destino final; • por tudo isso, não
poderia ser punida pela constatação posterior de que a empresa compradora não era idônea e possivelmente desviou
a carga para outro destino, com a participação da transportadora.
 Os argumentos da empresa vendedora foram acolhidos pelo STJ? SIM. A empresa vendedora de boa-fé que
evidencie a regularidade da operação interestadual realizada com cláusula FOB (Free on Board) não pode ser
objetivamente responsabilizada pelo pagamento do diferencial de alíquota de ICMS em razão de a mercadoria não
ter chegado ao destino declarado na nota fiscal. A empresa vendedora adotou as cautelas de praxe e emitiu a nota
fiscal com o destino correto, de forma que agiu de boa-fé, não podendo ser responsabilizada objetivamente pelo
pagamento do diferencial de alíquota de ICMS em razão de a mercadoria não ter chegado ao destino declarado.
Vale ressaltar que a vendedora não tinha obrigação de fiscalizar o itinerário da carga. O CTN determina que as
convenções particulares não vinculam o Fisco no que tange à responsabilidade pelo pagamento dos tributos (art.
123 do CTN). Apesar disso, deve-se levar em consideração que o negócio jurídico foi realizado com a cláusula
FOB, de sorte que a responsabilidade do frete ficou a cargo do comprador, não se podendo obrigar o vendedor de
boa-fé a perseguir o itinerário da mercadoria, considerando que essa tarefa é privativa do poder de polícia exercido
pela autoridade fiscal e, por isso, indelegável. Importante esclarecer que, a despeito da regularidade da
documentação, o Fisco pode tentar comprovar que a empresa vendedora intencionalmente participou de eventual
fraude para burlar a fiscalização, concorrendo para a tredestinação da mercadoria (mediante simulação da operação,
p. ex.). Neste caso, sendo feita essa prova, a empresa vendedora poderá ser responsabilizada pelo pagamento dos
tributos que deixaram de ser oportunamente recolhidos. A responsabilidade por infração (art. 136 do CTN) não
alcança o vendedor de boa-fé, pois sua configuração exige que o Fisco identifique o agente ou responsável pela
tredestinação, não sendo possível atribuir sujeição passiva por mera presunção, competindo à autoridade fiscal, de
acordo com os arts. 116 e 142 do CTN, espelhar o princípio da realidade no ato de lançamento, expondo os motivos
determinantes que a levaram à identificação do fato gerador e o respectivo responsável tributário. As grandes
empresas vendedoras, como as indústrias, realizam uma grande quantidade de operações interestaduais, com
inúmeros compradores sediados em diversas unidades da Federação, de modo que não se mostra razoável atribuir
às empresas vendedoras um novo ônus tributário relacionado com a efetiva entrega das mercadorias nos destinos
informados pelos compradores, especialmente quando o negócio é feito com a cláusula FOB, em que o frete se dá
por conta e risco do comprador. Pensar de maneira diferente, para reconhecer a responsabilidade objetiva das
empresas vendedoras de boa-fé, representa, na prática, impor mais um ônus financeiro a esse empresário, que
injustamente passará a ser garantidor da Administração para cobrir prejuízos na realidade provocados por infrações
cometidas por outras empresas.

5.3. Não incidência de ICMS sobre operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE :
pouco relevante (v. livro, qualquer coisa).

5.4. É possível a descaracterização do leasing se o prazo de vigência do arrendamento não respeitar a


vigência mínima estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado
 O que é o leasing? O arrendamento mercantil (também chamado de leasing) é uma espécie de contrato de
locação no qual o locatário tem a possibilidade de, ao final do prazo do ajuste, comprar o bem, pagando uma
quantia chamada de valor residual garantido (VRG). O arrendamento mercantil, segundo definição do p. u. do art.
1º da Lei 6.099/74, constitui “negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e
pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos
pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta”. A Lei nº 6.099/74 dispõe sobre
o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil.
 Opções do arrendatário: ao final do leasing, o arrendatário terá três opções: • renovar a locação, prorrogando o
contrato; • não renovar a locação, encerrando o contrato; • pagar o valor residual e, com isso, comprar o bem
alugado. Ex.: “A” faz um contrato de leasing com a empresa “B” para arrendamento de um veículo 0km pelo prazo
196
de 5 anos. Logo, “A” pagará todos os meses um valor a título de aluguel e poderá usar o carro. A principal
diferença para uma locação comum é que “A”, ao final do prazo do contrato, poderá pagar o valor residual e ficar
definitivamente com o automóvel. Obs.: é comum, na prática, que o contrato já estabeleça que o valor residual será
diluído nas prestações do aluguel. Assim, o contrato prevê que o arrendatário já declara que deseja comprar o bem
e, todos os meses, junto ao valor do aluguel, ocorre também o pagamento do valor residual de forma parcelada.
Como dito, isso é extremamente frequente, especialmente no caso de leasing financeiro. No entanto, nem sempre
isso ocorre. O STJ considera legítima essa prática? SIM. Trata-se de entendimento sumulado do STJ (S. 293).
 Modalidades de leasing

 O que é o leasing internacional (arrendamento mercantil internacional)? Ocorre quando uma empresa situada no
Brasil celebra contrato de leasing com um arrendador para trazer ao país um bem fabricado no exterior.
 Há incidência de ICMS no caso de leasing internacional? O STF definiu que:
- REGRA: NÃO. Em regra, não incide o ICMS importação na operação de arrendamento mercantil internacional,
pois no leasing não há, necessariamente, a transferência de titularidade do bem. Em outras palavras, pode haver ou
não a compra. Assim, não incide o imposto se existe a possibilidade de o bem ser restituído ao proprietário e o
arrendatário não efetuar a opção de compra.
- EXCEÇÃO: incidirá ICMS importação se ficar demonstrado que houve a antecipação da opção de compra. Isso
ocorre quando não existe a possibilidade de o bem ser restituído ao proprietário, seja por circunstâncias naturais
(físicas), seja porque se trata de insumo.
Assim, pode-se dizer que, em regra, o ICMS não incide sobre as operações de arrendamento mercantil de coisas
móveis. Isso porque, para a ocorrência do fato gerador do ICMS, é necessária a efetiva circulação da mercadoria,
com a necessária transferência da sua titularidade. No leasing não ocorre a transferência da titularidade. Exceção:
haverá incidência de ICMS no leasing caso a sua natureza fique descaracterizada. Assim, se a operação de leasing
ficar descaracterizada, mostra-se legítima a cobrança do ICMS por parte do Fisco estadual.
 Quando o contrato de leasing fica descaracterizado? O STJ possui julgados dizendo que o contrato de
arrendamento mercantil (leasing) só poderá ser descaracterizado caso ocorra uma das situações jurídicas previstas
nos seguintes artigos da Lei 6.099/74: • Art. 2º; • Art. 9º; • Art. 11, § 1º; • Art. 14; • Art. 23.
 Hipótese do art. 23: “Art. 23. Fica o CMN autorizado a: a) expedir normas que visem a estabelecer mecanismos
reguladores das atividades previstas nesta Lei, inclusive excluir modalidades de operações do tratamento nela
previsto e limitar ou proibir sua prática por determinadas categorias de pessoas físicas ou jurídicas”. Assim, o
197
Conselho Monetário Nacional possui autorização para expedir normas regulamentadoras acerca da atividade de
arrendamento mercantil, sendo possível, inclusive, a exclusão ou limitação de modalidades de operação.
 Prazos mínimos de vigência do leasing: nesse contexto, o BC publicou a Res. 2.309/96, que previu, no art. 8º de
seu anexo, que os contratos de arrendamento mercantil deveriam obedecer prazos mínimos de vigência, estipulados
de acordo com a vida útil do bem arrendado Em outras palavras, a Resolução disse o seguinte: se o bem arrendado
tiver vida útil superior a 5 anos, o contrato de leasing deverá ter vigência de, no mínimo, 3 anos. Se o bem tiver
vida útil superior a 5 anos e o contrato de leasing deste bem tiver vigência menor que 3 anos, terá sido descumprida
a Resolução e, consequentemente, estará descaracterizado o contrato de leasing. Deixa de ser leasing por
descumprir a regulamentação sobre o tema.
 Fatos: Determinada empresa celebrou contrato de arrendamento mercantil tendo como objeto uma
“pácarregadeira” (espécie de trator): Uma pá-carregadeira possui vida útil bem superior a 5 anos. Apesar disso, o
contrato celebrado pela empresa previa que o arrendamento mercantil teria duração de 24 meses (2 anos). Diante
disso, o Fisco estadual entendeu que estava descaracterizado o leasing e cobrou o ICMS.
 Decisão: o STJ considerou que a postura do Fisco foi legítima: É possível a descaracterização do contrato de
leasing se o prazo de vigência do acordo celebrado não respeitar a vigência mínima estabelecida de acordo com a
vida útil do bem arrendado. Nos termos do art. 8º do anexo da Res. 2.309/96 e art. 23 da Lei 6.099/74, o prazo
mínimo de vigência do contrato de arrendamento mercantil financeiro é de (i) dois anos, quando se tratar de bem
com vida útil igual ou inferior a cinco anos, e (ii) de três anos, se o bem arrendado tiver vida útil superior a cinco
anos. Caso concreto: o bem arrendado (pá-escavadeira) possui vida útil superior a cinco anos. Apesar disso, o
ajuste previa o arrendamento pelo prazo de apenas dois anos. Logo, foi desrespeitada a Resolução, ficando
descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil. Ficando descaracterizado o leasing, é possível cobrar ICMS
sobre esta operação.

6. IMPOSTOS MUNICIPAIS

6.1. Termo inicial do prazo prescricional em caso de IPTU


 Fatos: João é proprietário de um imóvel urbano. Logo, ele é contribuinte de IPTU. O IPTU é um imposto sujeito
a lançamento de ofício. O lançamento de ofício (ou direto) é aquele no qual o Fisco, sem a ajuda do contribuinte,
calcula o valor do imposto devido e cobra do sujeito passivo. A Administração tributária já possui, de antemão, os
elementos informativos para realizar a constituição do crédito tributário, não dependendo de nenhuma providência
do contribuinte para isso. Em outras palavras, o próprio Fisco, sozinho, já calcula quanto o contribuinte deverá
pagar e apenas o avisa: pague este valor de imposto até o dia XX.
 Notificação do lançamento: após o Fisco realizar o lançamento, ele precisa comunicar que fez isso ao sujeito
passivo para que este possa pagar o tributo ou impugná-lo, caso não concorde com o que está sendo cobrado.
 Forma de notificação do contribuinte : o CTN não prevê a forma como o contribuinte deverá ser notificado de
que houve o lançamento de ofício e de que ele deverá pagar o tributo. Diante dessa lacuna, a jurisprudência entende
que a legislação que rege cada tributo poderá disciplinar o meio idôneo para essa notificação. No caso do IPTU, por
exemplo, a maioria das leis municipais prevê que a notificação ocorre mediante o envio de uma correspondência ao
sujeito passivo. Esse procedimento é considerado legítimo: Súmula 397-STJ: O contribuinte do IPTU é notificado
do lançamento pelo envio do carnê ao seu endereço.
 Alguns Municípios, no início do ano, divulgam um calendário informando os proprietários dos imóveis urbanos
que deverão efetuar o pagamento do IPTU em determinada data. Este modo de notificação é válido ? SIM. O envio
do carnê é apenas uma modalidade, que não exclui outras eventualmente mais convenientes para a Adm., como é o
caso da divulgação de um calendário de pagamento, com instruções para os contribuintes fazerem o pagamento.
 Qual é a principal função da notificação do contribuinte do IPTU ? A notificação do contribuinte p/ o
recolhimento do IPTU perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário. Isto é, com a notificação do
contribuinte para o recolhimento da exação (pagamento do tributo) ocorre a constituição definitiva do crédito
tributário.
 Fatos 2: Em 10/01/12, João recebeu, por correio, o carnê do IPTU relativo a este imóvel. Neste momento, João
foi notificado de que o Fisco municipal fez o lançamento do imposto. Dia de vencimento: no carnê do IPTU, havia
2 opções de pagamento: • à vista (com desconto de 15%), que deveria ser pago até 05/02/12; ou • parceladamente,
em 10 parcelas, sendo que a última era para o dia 05/11/12. Esse parcelamento é oferecido ao contribuinte sem que
ele tenha pedido. Não houve requerimento. Já chegou no carnê essa possibilidade para todos. Por isso, é chamado
pela jurisprudência de “parcelamento de ofício”, ou seja, por iniciativa da própria Administração Tributária.
 Se o contribuinte não pagar, o que o Fisco deverá fazer? Deverá ajuizar uma execução fiscal cobrando o crédito
tributário. Existe um prazo para que o Fisco ajuíze essa execução fiscal? SIM. Ele possui o prazo prescricional de 5
anos. Passado esse prazo, ocorre a prescrição, nos termos do art. 174 do CTN.
 Fatos 3: João não pagou o IPTU.
 Quando iniciou a contagem do prazo prescricional para que o Fisco ajuíze a execução cobrando o imposto não
pago? Esse prazo se iniciou em 06/02/2012 (um dia após a data estipulada para pagamento da cota única). O STJ
definiu a seguinte tese: O termo inicial do prazo prescricional da cobrança judicial do IPTU inicia-se no dia
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seguinte à data estipulada para o vencimento da exação. No caso, por se tratar de lançamento de ofício, o prazo
prescricional de cinco anos para que a Fazenda Pública realize a cobrança judicial de seu crédito tributário começa
a fluir somente após o vencimento do prazo estabelecido pela lei local para o vencimento da exação (pagamento
voluntário pelo contribuinte). Isso porque, embora o crédito já esteja constituído com o recebimento do carnê pelo
contribuinte, a Fazenda ainda não pode executar considerando que a lei deu ao contribuinte um prazo para
pagamento voluntário. Ex: João recebeu o carnê dia 10/01/2012; já está constituído o crédito tributário; ocorre que
o Fisco ainda não pode executar o crédito; isso porque a data de vencimento do IPTU (conforme legislação local) é
dia 05/02/2012; logo, antes de esgotado esse prazo para pagamento voluntário, não começou a ser contado o prazo
prescricional. A pretensão executória surge, portanto, somente a partir do dia seguinte ao vencimento estabelecido
no carnê encaminhado ao endereço do contribuinte ou da data de vencimento fixada em lei local e amplamente
divulgada através de calendário de pagamento.
 Releitura do art. 174 do CTN pelo STJ: o dispositivo diz que prescreve em 5 anos, “contados da data da sua
constituição definitiva”. Para o STJ, a constituição definitiva do IPTU ocorre com a notificação do contribuinte
para pagamento. Desse modo, se fossemos utilizar a redação literal do art. 174, o prazo prescricional teria início na
data da notificação do sujeito passivo (constituição definitiva). Ex: no dia em que ele recebeu o carnê de pagamento
ou na data em que foi divulgado o calendário de pagamentos. Ocorre que o STJ fez uma releitura dessa parte final
do dispositivo e decidiu que o prazo prescricional deverá ser contado a partir do dia seguinte à data estipulada
como vencimento do imposto. O STJ decidiu assim porque, antes de passar a data do vencimento do tributo, o
Fisco ainda não poderá executar o contribuinte, que ainda nem pode ser considerado devedor. Até o último dia
estabelecido para o vencimento, é assegurado ao contribuinte realizar o recolhimento voluntário, sem qualquer
outro ônus, por meio das agências bancárias autorizadas ou até mesmo pela internet, ficando em mora tão somente
a partir do dia seguinte. Desse modo, tem-se que a pretensão executória da Fazenda Pública (actio nata) somente
surge no dia seguinte à data estipulada para o vencimento do tributo. Assim, o STJ “corrige” a parte final do art.
174, que deve ser lido da seguinte forma: a ação para a cobrança do crédito tributário decorrente de IPTU prescreve
em cinco anos, contados do dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação.
 Como os Municípios geralmente oferecem esse parcelamento, no caso do IPTU teremos duas datas de
vencimento: a do pagamento à vista e a do pagamento parcelado. Qual delas deverá ser considerada? Quando se
inicia a contagem do prazo prescricional para que o Fisco ajuíze a execução cobrando o imposto não pago? Em
nosso exemplo, esse prazo se iniciou em 06/02/2012 (um dia após a data estipulada para pagamento da cota única)
ou o se iniciou em 06/11/2012 (um dia depois de terminado o prazo para pagamento parcelado)? O Fisco defendeu
a tese de que, durante o prazo oferecido para parcelamento, não estaria correndo a prescrição. Segundo argumentou
o Fisco, o parcelamento é uma forma de suspensão do crédito tributário, ou seja, enquanto o parcelamento estiver
ativo (vigente), o Fisco não poderá dar início à execução fiscal contra o devedor. Logo, não pode estar sendo
contado o prazo prescricional. O Município disse que deveria ser aplicado o inciso I ou o inciso VI do art. 151 do
CTN.
 A tese do Fisco foi acolhida pelo STJ? NÃO. O STJ definiu a tese de que o parcelamento de ofício da dívida
tributária não configura causa interruptiva da contagem da prescrição. O “parcelamento de ofício” não tem o
condão de suspender o prazo prescricional para a cobrança do IPTU, estendendo-o por mais dez meses além do
vencimento da parcela única ou da primeira cota. A moratória é a dilação do prazo para pagamento por convenção
das partes. Dessa forma, a moratória pressupõe um acordo entre credor e devedor, estabelecendo datas diferentes
das previstas originalmente em lei para pagamento do tributo. Além disso, pressupõe a edição de uma lei para tratar
da situação. O parcelamento é uma hipótese de moratória e, por isso, também está submetida à reserva legal (art.
97, VI do CTN). A liberalidade do Fisco em conceder ao contribuinte a opção de pagamento à vista (cota única) ou
parcelado (10 cotas), independente de sua anuência prévia, não configura as hipóteses de suspensão do crédito
tributário previstas no art. 151, I e VI do CTN (moratória ou parcelamento), tampouco causa de interrupção da
prescrição, a qual exige o reconhecimento da dívida por parte do contribuinte (art. 174, p. u., IV do CTN). Com
efeito, não houve adesão a qualquer hipótese de parcelamento por parte do contribuinte ou reconhecimento de
débito. Na verdade, o contribuinte do IPTU manteve-se inerte e sua inércia não pode ser interpretada como adesão
automática à moratória ou parcelamento, passível de suspender a exigibilidade do crédito tributário. O contribuinte
não pode ser despido da autonomia de sua vontade, em decorrência de uma opção unilateral do Estado, que resolve
lhe conceder a opção de efetuar o pagamento em cotas parceladas. Se a Fazenda Pública municipal entende que é
mais conveniente oferecer opções parceladas para pagamento do IPTU, ao tempo em que oferta ao contribuinte a
possibilidade de quitação em cota única, com descontos que variam de 10 a 15% do crédito tributário constituído, o
faz dentro de uma política fiscal, por mera liberalidade, o que não induz a conclusão de que houve moratória ou
parcelamento.

6.2. Incidência do IPTU na área urbanizável ou de expansão urbana: S. 626/STJ.

6.3. Ilegitimidade do locatário para discutir o IPTU com o Município: S. 614/STJ.

6.4. Incide ISS sobre serviço de proteção ao crédito oferecido por sindicato ou CDL aos seus associados?
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 Fatos: o Sindicato dos Comerciantes de Santos oferece aos lojistas da cidade, mediante pagamento, serviços de
proteção ao crédito. Funciona assim: o comerciante/lojista pode pedir à entidade sindical informações sobre a
situação creditícia dos clientes que tenham anteriormente comprado mercadorias de seus associados. Além disso, o
sindicato faz também a cobrança dos consumidores que estão devendo os lojistas, enviando cartas, telefonando etc.
Em contrapartida, os associados pagam um valor para o sindicato. O Município entendeu que esse serviço é fato
gerador de ISS e exigiu da entidade sindical o pagamento do imposto. O sindicato questionou a cobrança alegando
que não tem objetivo de lucro e que os valores recebidos são apenas para ressarcir as despesas.
 Incide ISS sobre serviço de consulta a cadastros de proteção ao crédito prestado por sindicato ou por câmara de
dirigentes lojistas, entidades sem fins lucrativos, em favor de seus associados? O STJ está dividido:
- 1ª T.: SIM. O ISS incide sobre os serviços de proteção ao crédito, ainda que prestados por entidade sindical a seus
associados.
- 2ª T.: NÃO A Câmara de Dirigentes Lojistas é uma associação cujos serviços destinam-se a atender seus próprios
sócios, os diretores de lojas, sem objetivo de lucro, mas visando a realização de seus objetivos, tal como previsto
em seu estatuto. Assim, como o CDL realiza suas atividades sem fins lucrativos não está sujeito à incidência do
ISS.

7. CONTRIBUIÇÕES

7.1. A CSLL é constitucional (concursos federais): é constitucional a CSLL, instituída pela Lei 7.689/88, sendo
também constitucionais as majorações de alíquotas efetivadas pela Lei nº 7.856/89, por obedecerem à anterioridade
nonagesimal. Por sua vez, a ampliação da base de cálculo, conforme o art. 1º, II, da Lei 7.988/89, a fim de se
compatibilizar com a anterioridade nonagesimal, só pode ser efetivada a partir do ano base de 1990.

7.2. O valor pago a título de ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS/PASEP e COFINS
 Fatos: a empresa "XX" (vendedora de mercadorias) é contribuinte de PIS/COFINS. Com as mercadorias
vendidas em maio, o total das receitas auferidas pela empresa no mês foi R$ 100 mil. O fisco cobrou o PIS/PASEP
e COFINS com base nesse valor (alíquota x 100 mil = tributo devido). A empresa não concordou e afirmou que dos
R$ 100 mil que ela recebeu, ficou apenas com R$ 75 mil, considerando que R$ 25 mil foram repassados ao Estado-
membro a título de pagamento de ICMS. Em suma, para a empresa, a quantia paga a título de ICMS não pode ser
incluída na base de cálculo do PIS/PASEP e COFINS.
 A tese da empresa foi acolhida pelo STF ? SIM. O ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da
COFINS. A inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições sociais leva ao inaceitável
entendimento de que os sujeitos passivos desses tributos faturariam ICMS, o que não ocorre. O ICMS apenas
circula pela contabilidade da empresa, ou seja, tais valores entram no caixa (em razão do preço total pago pelo
consumidor), mas não pertencem ao sujeito passivo, já que ele irá repassar ao Fisco. Em outras palavras, o
montante de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte porque tais valores são destinados aos cofres
públicos dos Estados ou do DF. Assim, a parcela correspondente ao ICMS pago não tem natureza de faturamento
(nem mesmo de receita), mas de simples ingresso de caixa. Por isso, não pode compor a base de cálculo da
contribuição para o PIS ou a COFINS.

7.3. É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF 247/02 e 404/04: julgado
que só interessa para quem estuda Direito Tributário de forma muito profunda para a área federal.

7.4. É legítima a majoração de alíquota do Finsocial devido por empresa exclusivamente prestadora de
serviços: Se uma empresa se autoqualificou como prestadora de serviços, a ela deverá ser aplicada a majoração de
alíquota estabelecida para o cálculo da contribuição ao Finsocial (baixa relevância).

7.5. Constitucionalidade da contribuição adicional de 2,5% sobre a folha de salários para as instituições
financeiras (Lei 7.787/89): É constitucional a contribuição adicional de 2,5% sobre a folha de salários instituída
para as instituições financeiras e assemelhadas pelo art. 3º, § 2º, da Lei 7.787/89, ainda que considerado o período
anterior à EC 20/98.

7.6. Instituições financeiras e majoração de alíquota da COFINS: julgado que só interessa para os concursos
que exigem COFINS de forma mais aprofundada - É constitucional a majoração diferenciada de alíquotas em
relação às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou a receita de instituições financeiras ou de
entidades a elas legalmente equiparáveis.

7.7. PIS e alteração da base de cálculo para instituição financeira: julgado não relevante para fins de concurso
público - São constitucionais a alíquota e a base de cálculo da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS),
previstas no art. 72, V, do ADCT, destinada à composição do Fundo Social de Emergência (FSE), nas redações da
200
EC Revisional 1/1994 e das ECs 10/96 e 17/97, observados os princípios da anterioridade nonagesimal e da
irretroatividade tributária.

7.8. É válida a cobrança da contribuição para o PASEP das empresas estatais, ao passo que as empresas
privadas recolhem para o PIS, tributo patrimonialmente menos gravoso: Não ofende o art. 173, § 1º, II, da CF
a escolha legislativa de reputar não equivalente a situação das empresas privadas com relação às sociedades de
economia mista, às empresas públicas e suas respectivas subsidiárias exploradoras de atividade econômica, para
fins de submissão ao regime tributário das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), à luz dos princípios da igualdade tributária e
da seletividade no financiamento da Seguridade Social.

7.9. Não deve haver modulação de efeitos na decisão que declarou que a contribuição social do empregador
rural sobre a receita bruta é constitucional: É constitucional formal e materialmente a contribuição social do
empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/01, incidente sobre a receita bruta obtida com a
comercialização de sua produção. O STF rejeitou os EDs opostos contra esta decisão e declarou que o
entendimento deve ser mantido mesmo após a edição da Resolução 15/2017 do Senado Federal. Além disso, o STF
entendeu que não deveria haver modulação dos efeitos da decisão.

8. DIREITO FINANCEIRO

8.1. É inconstitucional norma estadual que destina recursos do Fundo de Participação dos Estados para um
determinado fundo de desenvolvimento econômico
 Fundo de Participação dos Estados (FPE) : o IR e o IPI são dois tributos federais. Apesar disso, o legislador
constituinte determinou que parte da arrecadação desses dois impostos deveria ser repassada aos Estados a fim de
auxiliar na manutenção desses entes. Assim, um percentual dos valores arrecadados com o IR e com o IPI deverão
ser repassados ao FPE. Isso está previsto no art. 159, I, “a”, da CF. Obs: o FPE é um instrumento contábil utilizado
para facilitar o repasse, permitindo uma melhor organização dos valores para que depois eles sejam repartidos entre
os Estados. Para fins didáticos, você pode imaginar o FPE como sendo uma conta bancária onde o dinheiro é
depositado para depois ser dividido entre os Estados, segundo critérios previstos na legislação.
 Fatos: A CE/RJ criou um “Fundo de Desenvolvimento Econômico”, direcionado ao apoio e estímulo a projetos
de investimentos industriais prioritários no Estado. O problema foi que a CE previu que, no mínimo, 10% dos
recursos recebidos pelo RJ e provenientes do FPE (art. 159, I, “a”, da CF) deveriam ser destinados para esse Fundo
de Desenvolvimento Econômico. Isto é, existem recursos que o Estado recebe como transferências obrigatórias da
União. A CE disse que parte desses recursos tem destino certo: para um Fundo de Desenvolvimento Econômico.
 Essa previsão da CE é válida? É compatível com a CF? NÃO. O STF entendeu que essa previsão viola o
princípio da não-afetação dos impostos, previsto no art. 167, IV, da CF. Obs.: alguns autores criticam a
nomenclatura “princípio”, afirmando que se trata, na verdade, de uma “regra”. Porém, é mais comum ainda
encontrarmos nos livros a menção feita a “princípio”.
 Razão de ser: Leandro Paulsen explica que “a razão dessa vedação é resguardar a iniciativa do Poder Executivo,
que, do contrário, poderia ficar absolutamente amarrado a destinações previamente estabelecidas por lei e, com
isso, inviabilizado de apresentar proposta orçamentária apta à realização do programa de governo aprovado nas
urnas”. Em outras palavras, os impostos devem servir para custear o programa do governante eleito. Se a
arrecadação dos impostos ficar vinculada a despesas específicas, o governo eleito não terá liberdade para definir as
suas prioridades.
 Só se refere a impostos: a vedação do art. 167, IV, da CF “diz respeito apenas a impostos, porque esta espécie
tributária é vocacionada a angariar receitas para as despesas públicas em geral. As demais espécies tributárias têm a
sua receita necessariamente afetada, mas não a qualquer órgão ou despesa, e sim ao que deu suporte a sua
instituição. A contribuição de melhoria será afetada ao custeio da obra; a taxa, à manutenção do serviço ou
atividade de polícia; a contribuição especial, à finalidade para a qual foi instituída; o empréstimo compulsório,
também à finalidade que autorizou sua cobrança”.
 Exceções: o princípio da não-afetação (ou não vinculação) preconiza que é proibida a vinculação da receita de
impostos a órgão, fundo ou despesa. Esse princípio (ou regra), contudo, não é absoluto e a própria CF prevê
exceções. Vale ressaltar que as exceções elencadas no inciso IV do art. 167 são taxativas (numerus clausus), não
admitindo outras hipóteses de vinculação.
Exceções ao princípio:
• Repartição constitucional dos impostos;
• Destinação de recursos para a saúde;
• Destinação de recursos para o desenvolvimento do ensino;
• Destinação de recursos para a atividade de administração tributária;
• Prestação de garantias para: i) operações de crédito por antecipação de receita; ii) a União (garantia e
contragarantia); e iii) pagamento de débitos para com esta.
201
 Voltando ao caso concreto: O STF entendeu que a norma da CE/RJ afronta o art. 167, IV da CF, pois se trata de
“verba carimbada”, com destinação vinculada, que não poderia ter finalidade alterada por meio da legislação
estadual.

DIREITO INTERNACIONAL
1. EXTRADIÇÃO

1.1. Se a vítima do sequestro não foi encontrada, o prazo prescricional não começou a correr
 Fatos: Gonzales, argentino, foi condenado na Argentina pelo fato de ter sequestrado opositores do regime
militar no ano de 1983, época em que era oficial das Forças Armadas. As vítimas dos crimes nunca foram
encontradas. Ocorre que o réu está morando no Brasil, razão pela qual o Governo da Argentina requereu a sua
extradição para lá. A defesa alegou que os delitos supostamente praticados estão prescritos, o que impede a
extradição por faltar o requisito da dupla punibilidade, previsto art. 82, VI, da Lei de Migração. O Governo da
Argentina, contudo, havia levantado dois argumentos para afastar a prescrição: 1º) os delitos praticados por
Gonzales seriam imprescritíveis em virtude de serem previstos pela legislação da Argentina como de crimes de
"lesa-humanidade" (ou “crimes contra a humanidade”); 2º) o crime de sequestro é permanente e a prescrição ainda
não teria começado a correr.
 A 1ª tese do Estado requerente foi acolhida pelo STF ? NÃO.
 Em que consistem os crimes de lesa-humanidade? A definição dos crimes de lesa-humanidade, também
chamados de crimes contra a humanidade, pode ser encontrada no Estatuto de Roma, promulgado pelo Decreto
4.388/02.
 Crimes de lesa-humanidade e imprescritibilidade
 Crimes de lesa-humanidade não são imprescritíveis no Brasil
 Não se aplica ao Brasil a imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade
 Não se aplica o art. 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (“Uma parte não pode invocar as
disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”): O Brasil, ao negar a extradição
com base no fato de o delito estar prescrito segundo a lei brasileira, violou o art. 27 da Convenção de Viena sobre
Direito dos Tratados? NÃO. O próprio Tratado de Extradição Brasil-Argentina proíbe a concessão da extradição
“quando a ação ou a pena já estiver prescrita, segundo as leis do Estado requerente ou requerido” (art. III, c). Desse
modo, o Brasil não está descumprindo o tratado com base em uma lei interna. Ao contrário, ele está aplicando
fielmente o tratado ao exigir o requisito da dupla tipicidade.
 A 2ª tese do Estado requerente foi acolhida pelo STF ? SIM. Com relação ao crime de sequestro, é possível
considerar que se trata de crime ainda em curso, uma vez que as vítimas de Gonzales continuam desaparecidas.

1.2. Cabe pedido de extensão da extradição caso se descubra outro delito que tenha sido praticado pelo
extraditando antes da extradição e que não tenha sido mencionado no pedido original: O estrangeiro que
estava no Brasil e foi extraditado para outro país somente pode ser julgado ou cumprir pena no estrangeiro pelo
crime contido no pedido de extradição. Se o extraditando havia cometido outro crime antes do pedido de
extradição, não poderá, em regra, responder por tais delitos se não constou expressamente no pedido de extradição.
A isso se dá o nome de “princípio da especialidade”. Ex.: a Alemanha pediu ao Brasil a extradição do alemão
mencionando o crime 1; logo, em regra, o réu somente poderá responder por este delito; se havia um crime 2,
praticado antes do pedido de extradição, o governo brasileiro deveria ter mencionado expressamente não apenas o
crime 1, como também o 2. Para que o réu responda pelo crime 2, o governo alemão deverá formular ao Estado
estrangeiro um pedido de extensão da autorização da extradição. Isso é chamado de “extradição supletiva”. No caso
concreto, o STF autorizou o pedido de extensão. É possível o pedido de extensão ou de ampliação nas hipóteses em
que já deferida a extradição, desde que observadas as formalidades em respeito ao direito do súdito estrangeiro
(dupla tipicidade, inexistência de prescrição e demais requisitos).

2. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA E CONCESSÃO DE EXEQUATUR

2.1. Para que a sentença estrangeira seja homologada no Brasil é necessário que ela esteja eficaz no país de
origem: MUDANÇA DE ENTENDIMENTO
 Homologação de sentença estrangeira: v. livro (revisão).
 Para que a sentença estrangeira seja homologada no Brasil, é necessário que ela tenha transitado em julgado no
exterior? O trânsito em julgado é um requisito para a homologação da sentença estrangeira? NÃO mais. Segundo o
art. 216-D, III, do RISTJ, para que a sentença estrangeira possa ser homologada no Brasil exige-se que ela tenha
transitado em julgado. Ocorre que o STJ decidiu que esse inciso III do art. 216-D do RISTJ foi tacitamente
revogado pelo NCPC. Isso porque o NCPC previu os requisitos para a homologação da sentença estrangeira e, em
vez de exigir o trânsito em julgado, afirmou que basta que a sentença estrangeira seja eficaz no país de origem.
202
Confira: “Art. 963. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão: (...) III - ser eficaz no país em
que foi proferida”. Assim, cf. entendeu o STJ, o NCPC, ao exigir que a sentença estrangeira seja apenas “eficaz” no
país em que foi proferida, teria deixado de exigir o trânsito em julgado. Essa é a posição também de parcela
significativa da doutrina. Se este entendimento prevalecer realmente no STJ, fica superada a Súmula 420 do STF:
Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado
 Em suma: Com a entrada em vigor do CPC/2015, tornou-se necessário que a sentença estrangeira esteja eficaz
no país de origem para sua homologação no Brasil. O art. 963, III, do NCPC, não mais exige que a decisão judicial
que se pretende homologar tenha transitado em julgado, mas apenas que ela seja eficaz em seu país de origem,
tendo sido tacitamente revogado o art. 216-D, III, do RISTJ.

2.2. A ausência de jurisdição brasileira conduz necessariamente à falta de interesse processual na


homologação de provimento estrangeiro: Ex.: Juan, cidadão equatoriano, ajuizou, no Equador, ação de
indenização contra uma empresa norte-americana. A justiça equatoriana condenou a empresa a pagar indenização
em favor do autor. Juan ingressou, então, com pedido de homologação desta sentença estrangeira no Brasil. Vale
ressaltar que Juan não tem domicílio no Estado brasileiro. Neste caso concreto, a sentença não envolve partes
brasileiras ou domiciliadas no país, tampouco a lide originária se refere a fatos ocorridos no Brasil, nem a sentença
homologanda impôs qualquer obrigação a ser cumprida em território nacional. Assim, a ausência de jurisdição
brasileira conduz necessariamente à falta de interesse processual do requerente.

2.3. Não cabe renúncia em processo de homologação de sentença estrangeira


 Fatos: Juan, cidadão equatoriano, ajuizou, no Equador, ação de indenização contra Chevron Corporation,
empresa norte-americana. A justiça equatoriana condenou a empresa a pagar indenização em favor do autor. Juan
ingressou, então, com pedido de homologação desta sentença estrangeira no Brasil. Antes que o pedido fosse
julgado pelo STJ, Juan apresentou petição requerendo a renúncia da homologação da sentença estrangeira. Vale
ressaltar que a Chevron já havia sido citada e apresentado contestação. O Ministro Relator intimou a Chevron para
que se manifestasse sobre o pedido de Juan e a requerida afirmou que não cabia renúncia no presente caso e que ela
era contrária ao requerimento, desejando que a homologação fosse apreciada pelo STJ.
 O pedido de renúncia formulado por Juan deve ser acolhido? NÃO. A homologação consiste em “ato formal de
órgão nacional a que se subordina a aquisição de eficácia pela sentença estrangeira”. A homologação é, portanto,
apenas um pressuposto de eficácia da decisão alienígena (estrangeira) no território nacional. Homologa-se a
decisão estrangeira a fim de permitir a sua posterior execução. Desse modo, a homologação de sentença estrangeira
tem caráter meramente processual, sem correlação direta com o direito material veiculado na ação original. A
renúncia, ao contrário da desistência, implica a impossibilidade de repropositura da ação, uma vez que a parte
dispõe (abdica) do próprio direito material em que se funda a ação. Desse modo, não se pode renunciar no
procedimento de homologação de sentença estrangeira porque não se está discutindo a existência do direito
material.
 E Juan poderia pedir a desistência do processo de homologação da sentença estrangeira ? SIM. Seria, em tese,
possível a desistência do processo homologatório. Vale ressaltar, no entanto, que, como a requerida já havia sido
citada, para que houvesse a desistência era necessária a sua concordância. É o que prevê o art. 485, § 4º do CPC.

2.4. Possibilidade de concessão de exequatur por decisão monocrática do Ministro do STJ


 Fatos: Germano tem domicílio em São Paulo (SP). A empresa OLP, com sede na Inglaterra, ingressou com ação
de cobrança contra Germano, na Justiça inglesa. A Justiça da Inglaterra expediu uma carta rogatória para ser
cumprida no Brasil com o objetivo de fazer a citação de Germano para responder a ação.
 Como esta determinação judicial da Justiça inglesa é cumprida no Brasil ? Exige-se alguma providência? SIM. É
necessário um exequatur.
 Execução de carta rogatória : carta rogatória é um instrumento de cooperação jurídica internacional por meio do
qual uma autoridade judiciária de um Estado estrangeiro solicita que o Poder Judiciário de outro país pratique
determinado ato processual em seu território. Ex: um juiz de Berlim (Alemanha) expede uma carta rogatória para
que seja ouvida uma testemunha residente em Manaus (Brasil). Neste caso, ela é chamada de carta rogatória
passiva (a ser cumprida no Brasil). Se o juiz brasileiro é quem tivesse expedido a carta rogatória, seria denominada
de ativa. A carta rogatória passiva, em regra, antes de ser cumprida no Brasil, precisa receber um exequatur, que é
exarado pelo STJ (art. 105, I, i, da CF). Por meio do exequatur, o STJ verifica se o ato processual solicitado pela
autoridade judiciária estrangeira é compatível com o ordenamento brasileiro. Caso seja, o Tribunal concede o
exequatur, que significa “cumpra-se”. Desse modo, após o exequatur concedido pelo STJ à carta rogatória, esta irá
ser cumprida por um juiz federal.
 Voltando ao nosso caso concreto : Chegando o pedido no STJ, foi sorteado um Ministro Relator. Este, de forma
monocrática, concedeu o exequatur da carta rogatória e determinou a citação de Germano. Germano não concordou
e interpôs, para a Corte Especial, agravo interno contra esta decisão. No agravo, o interessado alegou que houve
error in procedendo, uma vez que o exequatur não poderia ter sido decidido monocraticamente pelo Ministro
203
Relator. A Corte Especial afirmou que o Relator poderia ter decidido monocraticamente e manteve a concessão do
exequatur. Contra esta decisão da Corte Especial, Germano interpôs recurso extraordinário.
 O STF manteve a decisão? SIM. A carta rogatória em questão tinha como objeto tão somente permitir a citação
do interessado para conhecimento dos termos da ação que tramita na justiça de outro país, dando-lhe oportunidade
de oferecer defesa. O ato, portanto, é desprovido de qualquer caráter executivo. O STJ, com fundamento no art.
216-T de seu Regimento Interno, vem concedendo, por meio de decisões monocráticas, exequatur a cartas
rogatórias destinadas à citação em território brasileiro das partes interessadas para que tomem conhecimento de
ações que tramitam na Justiça rogante, facultando-lhes, consequentemente, a apresentação de defesa. O STF
entendeu que não há qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade nesta prática.
 Não houve ofensa à soberania nacional, à dignidade da pessoa humana ou à ordem pública : o STJ, ao examinar
se deve ou não conceder exequatur, exerce apenas um juízo delibatório, limitando-se à análise dos requisitos
formais previstos na LINDB, no CPC e no Regimento Interno do STJ. Assim, o STJ não faz o exame do mérito do
ato processual, salvo se houver ofensa à soberania nacional, à dignidade da pessoa humana ou à ordem pública, o
que não ocorreu no caso.
 Argumento de que houve ofensa ao princípio da colegialidade ficou superado : o fato de a referida carta
rogatória ter sido apreciada por decisão singular do Ministro Relator não torna o ato nulo porque ele foi
referendado, no julgamento do agravo, pela Corte Especial do STJ, em observância ao princípio da colegialidade. O
STF entende que eventual violação do princípio da colegialidade fica superada a partir do momento em que a parte
interessada apresenta agravo interno e o colegiado confirma a decisão monocrática. Isso porque o colegiado ratifica
e substitui a decisão unipessoal.
 Deve-se evitar formalidades desnecessárias que impeçam o seu cumprimento, em atenção aos princípios da
celeridade e da razoável duração do processo. A prestação jurisdicional deve se adequar à atual conjuntura, visando
a uma maior cooperação entre os sistemas jurídicos internacionais e a uma maior efetividade das medidas judiciais.

3. HIPOTECA NAVAL

3.1. É reconhecida a eficácia, no BR, de hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da


embarcação
 Fatos: o Banco BTG ajuizou execução de título extrajudicial contra a empresa OSX. Na execução foi penhorado
um navio de propriedade da executada e que está atracado no Brasil. Ocorre que, um ano antes desta execução, o
navio já havia sido hipotecado na Libéria, em favor da empresa Nordic. Vale ressaltar que este navio é de
nacionalidade liberiana e esta hipoteca encontra-se registrada na Libéria. A Nordic interveio na execução
requerendo seu direito de preferência (prelação) hipotecária em caso de alienação. Em outras palavras, ela afirmou
o seguinte: se o navio for alienado, primeiro eu terei que ser paga e somente o que sobrar poderá ser destinado ao
exequente. O exequente insurgiu-se contra o pedido alegando que essa hipoteca não seria eficaz no Brasil.
 O debate jurídico, portanto, é o seguinte: essa hipoteca tem eficácia aqui no Brasil ? SIM. Deve ser reconhecida
a eficácia, no Brasil, de hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da embarcação.
 O navio é um bem móvel. Mesmo assim ele está sujeito à hipoteca ? SIM. As grandes embarcações e aeronaves,
embora efetivamente sejam bens móveis pelo critério físico, no plano jurídico, em vista de sua importância
econômica e com o objetivo de conferir maior segurança jurídica, estão sujeitas à hipoteca.
 Regulamentação: a hipoteca de navios se encontra disciplinada pelo art. 278 do Dec. 18.871/1929, que
promulga a Convenção de Direito Internacional Privado de Havana (Código Bustamante), e pelos arts. 12 a 14 da
Lei 7.652/88, que dispõem sobre o registro de propriedade marítima.
 Hipoteca marítima tem efeitos extraterritoriais : a Convenção de Direito Internacional Privado de Havana
(Código Bustamante) estabelece que a hipoteca marítima e os privilégios e garantias de caráter real, constituídos de
acordo com a lei do pavilhão (lei da bandeira do navio), têm efeitos extraterritoriais, até nos países cuja legislação
não conheça ou não regule essa hipoteca ou esses privilégios.
 Essa hipoteca marítima deveria ter sido registrada também no Brasil? NÃO. Não cabe o registro, no Brasil, da
hipoteca da embarcação de bandeira de outro país, pertencente à sociedade empresária estrangeira. Com efeito, na
leitura da Lei 7.652/88 (que dispõe sobre o registro de propriedade marítima) e dos demais diplomas internos, nota-
se um claro cuidado do legislador em não estabelecer disposição que confronte com as convenções internacionais a
que o Estado aderiu, respeitando-se a soberania dos países em que estão registrados os navios e respectivas
hipotecas, de modo a fornecer segurança jurídica aos proprietários e detentores de direitos sobre embarcações. O
registro hipotecário é ato de soberania do Estado da nacionalidade da embarcação, estando sob sua jurisdição as
respectivas questões administrativas.
 Negar eficácia à hipoteca marítima internacional violas as convenções internacionais : assim, diante de tudo que
foi exposto, conclui-se que negar eficácia à hipoteca seria desrespeitar diversas convenções internacionais, gerando
insegurança jurídica, com possíveis restrições e aumento de custo para o afretamento de embarcações usadas no
BR.

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