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DIREITO CONSTITUCIONAL
Cabe reclamação contra decisão judicial que determina retirada de matéria jornalística de site
Fatos: uma revista publicou uma reportagem na sua edição impressa e também no site. João, mencionado na
matéria, sentiu-se ofendido e ajuizou ação pedindo a retirada da reportagem do site, além de indenização por danos
morais. O juiz da vara cível, com base no art. 20 do CC, concedeu a tutela provisória de urgência determinando que
a empresa jornalística retirasse, de seu site, a matéria referente ao autor. Vale ressaltar que, na decisão, o juiz
afirma expressamente que não está decidindo com base na Lei de Imprensa.
Rcl: a revista alegou que a decisão do juiz teria afrontado o entendimento do STF firmado na ADPF 130, que
declarou a não recepção da “Lei de Imprensa” pela CF. Aduziu que a decisão configura censura à atividade de
imprensa, restringe a liberdade de expressão e afronta o direito de acesso à informação, e que a imposição de
censura é desarrazoada, considerando que eventuais danos sofridos poderão ser compensados por meio de
indenização.
Decisão: (i) cabimento: Em regra, o STF é muito restritivo em aceitar reclamações propostas contra decisões
que teriam desrespeitado acórdãos da Corte. Essa posição do STF está dentro daquilo que se chama de
“jurisprudência defensiva”. Um exemplo de “jurisprudência defensiva” é a interpretação consolidada no STF no
sentido de que não se deve adotar a teoria da transcendência dos motivos determinantes. Pela teoria da
transcendência dos motivos determinantes (efeitos irradiantes dos motivos determinantes), a ratio decidendi, ou
seja, os fundamentos determinantes da decisão do STF também teriam efeito vinculante. Ocorre que, como já dito,
o STF não acolhe esta posição e entende que, em regra, as decisões proferidas pelo STF em controle abstrato de
constitucionalidade devem ter eficácia vinculante apenas quanto à parte dispositiva do julgado. Assim, em regra,
não se admite reclamação sob a alegação de que houve violação dos fundamentos da decisão do STF 1. Essa linha
restritiva, no entanto, tem sido excepcionada em processos relacionados com a liberdade de expressão ou de
1
(...) a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, “l”, da CF rechaça o cabimento de reclamação fundada na tese da
transcendência dos motivos determinantes. (...). STF. 1ª Turma. Rcl 22470 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
24/11/2017.
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imprensa. Nesses casos, o STF tem proferido inúmeras decisões admitido reclamações mesmo que a decisão
reclamada não esteja baseada no mesmo ato declarado inconstitucional em sede concentrada. A justificativa para
essa postura mais ampla está no fato de que “a liberdade de expressão ainda não se tornou uma ideia
suficientemente enraizada na cultura do Poder Judiciário de uma maneira geral. Não sem sobressalto, assiste-se à
rotineira providência de juízes e tribunais no sentido de proibirem ou suspenderem a divulgação de notícias e
opiniões, num “ativismo antiliberal” que precisa ser contido” (Min. Roberto Barroso).
(ii) mérito: (a) a liberdade de expressão ocupa lugar privilegiado: o STF entende que, diante da existência de
diversos dispositivos assegurando a liberdade de expressão, pode-se dizer que a CF conferiu uma espécie de
“prioridade” para essa garantia. Assim, embora não haja hierarquia entre direitos fundamentais, a liberdade de
expressão (aqui entendida em sentindo amplo) possui uma posição preferencial (preferred position) em relação aos
demais direitos. Isso significa que o afastamento da liberdade de expressão é excepcional, e o ônus argumentativo é
de quem sustenta o direito oposto. Como consequência disso, deve-se fazer uma análise muito rigorosa, criteriosa e
excepcional de toda e qualquer medida que tenha por objetivo restringir a liberdade de expressão. O Min. Roberto
Barroso cita 5 motivos principais pelos quais a liberdade de expressão ocupa um lugar privilegiado tanto no
ordenamento jurídico interno como nos documentos internacionais. São eles: a) a liberdade de expressão
desempenha uma função essencial para a democracia, ao assegurar um livre fluxo de informações e a formação de
um debate público robusto e irrestrito, condições essenciais para a tomada de decisões da coletividade e para o
autogoverno democrático; b) a proteção da liberdade de expressão está relacionada com a própria dignidade
humana, ao permitir que indivíduos possam exprimir de forma desinibida suas ideias, preferências e visões de
mundo, bem como terem acesso às dos demais indivíduos, fatores essenciais ao desenvolvimento da personalidade,
à autonomia e à realização existencial; c) este direito está diretamente ligado à busca da verdade. Isso porque as
ideias só possam ser consideradas ruins ou incorretas após o confronto com outras ideias; d) a liberdade de
expressão possui uma função instrumental indispensável ao gozo de outros direitos fundamentais, como o de
participar do debate público, o de reunir-se, de associar-se, e o de exercer direitos políticos, dentre outros; e) a
liberdade de expressão é garantia essencial para a preservação da cultura e da história da sociedade, por se tratar de
condição para a criação e o avanço do conhecimento e para a formação e preservação do patrimônio cultural de
uma nação.
(b) critérios para a ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade: O Min. Roberto
Barroso defende a aplicação de 8 critérios ou elementos a serem considerados na ponderação entre a liberdade de
expressão e os direitos da personalidade. São eles:
1) veracidade do fato: a notícia divulgada dever ser verdadeira. Isso porque a informação que goza de proteção
constitucional é a verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento de outrem, não constitui
direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de
critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata
de uma verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de
quem a divulga. Para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na
difusão da falsidade.
2) licitude do meio empregado na obtenção da informação: o conhecimento acerca do fato que se pretende divulgar
tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo direito. A Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em
juízo, de provas obtidas por meios ilícitos, também proíbe a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante
cometimento de um crime. Se o jornalista ou alguém empreitado pelo veículo de comunicação realizou, por
exemplo, uma interceptação telefônica clandestina, invadiu domicílio, violou o segredo de justiça em um processo
de família ou obteve uma informação mediante tortura ou grave ameaça, sua divulgação, em princípio, não será
legítima. Note-se ainda que a circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser
obtida por meios regulares e lícitos torna-a pública e, portanto, presume-se que a divulgação desse tipo de
informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos envolvidos.
3) personalidade pública ou privada da pessoa objeto da notícia: a depender se a pessoa for uma personalidade
pública ou privada, o grau de exposição é maior ou menor.
4) local do fato: deve-se analisar também se os locais dos fatos narrados são reservados ou protegidos pelo direito à
intimidade.
5) natureza do fato: deve-se analisar se os fatos divulgados possuem caráter sigiloso ou se estão relacionados com a
intimidade da pessoa.
6) existência de interesse público na divulgação em tese: presume-se, como regra geral, o interesse público na
divulgação de qualquer fato verdadeiro.
7) existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos.
8) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação: o uso abusivo da
liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o
direito de resposta, a responsabilização civil ou penal e a proibição da divulgação. Somente em hipóteses extremas
se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral
será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito
de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o caso.
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Resumo: O STF tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em
razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial. No julgamento da
ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional
qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. A retirada de matéria de circulação
configura censura em qualquer hipótese, o que se admite apenas em situações extremas. Assim, em regra, a colisão
da liberdade de expressão com os direitos da personalidade deve ser resolvida pela retificação, pelo direito de
resposta ou pela reparação civil. Diante disso, se uma decisão judicial determina que se retire do site de uma revista
determinada matéria jornalística, esta decisão viola a orientação do STF, cabendo reclamação.
A incitação de ódio público feita por líder religioso contra outras religiões pode configurar o crime de racismo
V. Direito Penal.
1.3. Educação
Constitucionalidade das idades mínimas para ingresso na educação infantil e no ensino fundamental
Fatos: a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, órgão do MEC, editou 2 Resoluções:
(i) Resolução 06/10: que estabelece a exigência de 4 anos completos até 31 de março para ingresso no primeiro ano
da educação infantil; (ii) Resolução 01/10: que exige 6 anos completos até 31 de março para ingresso no primeiro
ano do ensino fundamental.
ADPF: o PGR pediu que as Resoluções fossem declaradas inconstitucionais, pois elas burlariam o art. 208, I,
que determina a oferta da educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade. Alegou também que as
crianças nascidas depois de 31 de março têm tratamento discriminatório, pois só poderão ingressar no ensino
infantil com 5 anos, retardando também a entrada no ensino fundamental.
ADC: o Governador de MS ajuizou ADC em favor do art. 32, da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação), pedindo que o STF desse interpretação de que o ingresso no ensino fundamental está limitado a
crianças com 6 anos de idade completos no início do ano letivo.
Decisão: o STF julgou procedente a ADC e improcedente a ADPF. Entendeu que são constitucionais a
exigência de idade mínima de 4 e 6 anos para ingresso, respectivamente, na educação infantil e no ensino
fundamental, e que é constitucional a fixação da data limite de 31 de março para que referidas idades estejam
completas, bem como que é constitucional a exigência de 6 anos de idade para o ingresso no ensino fundamental,
cabendo ao MEC a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário. Quanto à ADPF, o
STF considerou que as Resoluções não violam os princípios da isonomia, da proporcionalidade e do acesso à
educação, ao estabelecerem um critério único e objetivo para o ingresso nas séries iniciais da educação infantil e do
ensino fundamental. O importante é que seja assegurado ao aluno entre 4 e 17 anos o acesso à Assim, a
regulamentação questionada, relativa à transição entre as etapas de ensino, está em conformidade com o art. 208, I
e IV. Cabe ao PP desenhar as políticas educacionais, respeitadas as balizas constitucionais. O critério etário, apesar
de não ser a única solução constitucionalmente possível, insere-se no espaço de conformação do administrador,
sobretudo em razão da “expertise” do CNE e da ampla participação técnica e social no processo de edição das
resoluções, em respeito à gestão democrática do ensino público (art. 206, VI). Por fim, considerou que as regras
objetivas relativas a datas e números asseguram mais segurança jurídica. O acesso aos níveis mais elevados de
ensino (art. 208, V), segundo a capacidade de cada um, pode justificar, eventualmente, o afastamento de regras em
casos bastante excepcionais, a critério exclusivo da equipe pedagógica diretamente responsável pelo aluno, o que se
mostra consentâneo com a valorização dos profissionais da educação escolar e o apreço à pluralidade de níveis
cognitivos e comportamentais em sala de aula.
O Poder Judiciário pode determinar que o PP forneça remédios que não estão previstos na lista do SUS
Tese: Sim, mas desde que cumpridos 3 requisitos cumulativos:
1) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o
paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da
moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
2) Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e
3) Existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.
*Obs.: foi determinada modulação dos efeitos com base no art. 927, § 3º do CPC.
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Direito: (i) Inexistência de violação ao princípio da separação dos Poderes: isso porque uma das tarefas
primordiais do Poder Judiciário é atuar para a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente aqueles que se
encontram previstos na CF. Assim, não há que se falar em violação ao princípio da separação dos Poderes, quando
o Poder Judiciário intervém no intuito de garantir a implementação de políticas públicas, notadamente, como no
caso em análise, em que se busca a tutela do direito à saúde. “Seria distorção pensar que o princípio da separação
dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos DFs, pudesse ser utilizado justamente como
óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes”.
(ii) Fundamento constitucional: arts. 6º, 196 e 198, II.
(iii) Fundamento infraconstitucional: Lei 8.080/90 (Lei do SUS) – v. livro.
1º requisito: o STJ acolhe o entendimento do Enunciado 15 da I Jornada de Direito à Saúde do CNJ 2; o laudo
médico não precisa ser assinado por médico vinculado ao SUS; o laudo médico deverá comprovar 2 circunstâncias:
1ª) Imprescindibilidade ou necessidade do medicamento pleiteado para o tratamento da doença; e 2ª) Ineficácia,
para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.
2º requisito: não se exige comprovação de pobreza ou miserabilidade, mas, tão somente, a demonstração da
incapacidade de arcar com os custos referentes à aquisição do medicamento prescrito. Assim, não necessariamente
precisa ser pobre, desde que se demonstre que os ganhos são incompatíveis com a aquisição do medicamento.
3º requisito: exige-se que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela ANVISA. Esta exigência
decorre de imposição legal, tendo em vista o disposto no artigo 19-T, II, da Lei 8.080/90.
Complementação do 3º requisito após EDs: questionou-se os medicamentos off-label, que é uma expressão em
inglês que, em tradução literal, significaria “fora de indicação”. O STJ acolheu os EDs e retificou o 3º requisito.
Com relação aos medicamentos off-label, estabeleceu-se uma regra e uma exceção:
• Em regra, não é possível que o paciente exija do poder público o fornecimento de medicamento para uso off-
label; • Excepcionalmente, será possível que o paciente exija este medicamento caso esse determinado uso fora da
bula (off-label) tenha sido autorizado pela ANVISA. Ex: um paciente do SUS com Degeneração Macular
Relacionada à Idade poderia, em tese, desde que cumpridos os demais requisitos, exigir que o poder público
fornecesse a ele o “Avastin” para tratar esta enfermidade ocular, mesmo não sendo esta a finalidade do
medicamento prevista na bula.
1.5. Dados obtidos com a quebra de sigilo bancário não podem ser divulgados abertamente em site oficial
Fatos: o CN instalou uma CPI para apurar irregularidades nos Correios. A CPI determinou a quebra dos sigilos
bancário, telefônico e fiscal da empresa Skymaster. Esses dados bancário, telefônico e fiscal constaram no relatório
final da CPI. Até aí, tudo bem. O “problema” foi que esse relatório final, com os dados, foi divulgado no sítio do
Senado Federal. Diante disso, a empresa impetrou MS alegando que essa divulgação é indevida.
Decisão: o STF concordou com o MS. Os dados obtidos por meio da quebra dos sigilos bancário, telefônico e
fiscal devem ser mantidos sob reserva. Assim, a página do Senado Federal na internet não pode divulgar os dados
obtidos por meio da quebra de sigilo determinada por CPI.
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Enunciado 15: As prescrições médicas devem consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua
Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo,
seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, posologia, modo de administração e período de tempo do
tratamento e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica.
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1.6. Direitos políticos
A vedação ao exercício de três mandatos consecutivos pelo mesmo núcleo familiar aplica-se também na hipótese
em que um dos mandatos tenha sido para suceder o eleito que foi cassado
Fatos: em 2008, nas eleições municipais, ganhou e assumiu a Prefeitura o Sr. Mozaniel. Ocorre que o seu
mandato foi cassado e a Justiça Eleitoral determinou que o 2º colocado (Auricélio) assumisse p/ um mandato-
tampão.
• 2010-2012: o Prefeito foi o Sr. Auricélio. Duas observações: 1) era o primeiro mandato de Auricélio; 2) 6 meses
antes das eleições, Auricélio renunciou ao cargo a fim de permitir que seu cunhado (Hélio) concorresse à
Prefeitura. Auricélio estava doente e, então, preferiu abrir mão para que seu cunhado disputasse o pleito.
• Em 2012: Hélio (o cunhado do ex-Prefeito) vence a eleição para Prefeito.
• De 2013 a 2016: Hélio cumpre o mandato de Prefeito.
• Em 2016: Hélio se candidata à reeleição e vence as eleições para cumprir o mandato de 2017 a 2020. Ocorre que
o TSE, examinando a questão por meio de recurso especial eleitoral, não permitiu que Hélio fosse diplomado
porque considerou que ele não poderia ter disputado às eleições de 2016, ou seja, estava inelegível para aquele
pleito.
Direito: O motivo da inelegibilidade seria a aplicação combinada dos §§ 5º e 7º do art. 14 da CF. A
jurisprudência, ao interpretar esses dois parágrafos, afirma que o cônjuge ou parente do chefe do Poder Executivo
(ex: cônjuge ou parente do Prefeito) só poderá concorrer para o mesmo cargo de chefe do Executivo (ex: só poderá
concorrer ao cargo de Prefeito) se forem cumpridos dois requisitos: 1) o cônjuge ou parente só pode se candidatar a
sucessão do titular quando este for reelegível; 2) o titular deverá se afastar do mandato seis meses antes das
eleições. Para o TSE, ao se fazer uma interpretação conjugada dos dispositivos, chega-se à conclusão sobre qual foi
a intenção do legislador constituinte: proibir que pessoas do mesmo núcleo familiar ocupem três mandatos
consecutivos para o mesmo cargo no Poder Executivo. Em outros termos, a CF quis proibir que o mesmo núcleo
familiar ocupasse três mandatos consecutivos de Prefeito, de Governador ou de Presidente.
Decisão do STF: a vedação ao exercício de três mandatos consecutivos de prefeito pelo mesmo núcleo familiar
aplica-se também na hipótese em que tenha havido a convocação do segundo colocado nas eleições para o
exercício de mandato-tampão.
2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
2.1. Não cabe ADI contra decreto regulamentar de lei: a ADI cabe contra lei ou ato normativo federal ou
estadual. Um Decreto pode ser considerado ato normativo para os fins do art. 102, I, da CF/88? Um decreto pode
ser objeto de ADI? Depende. Decreto que apenas regulamenta uma lei: NÃO. Isso porque, neste caso, esse decreto
terá natureza de ato secundário. Decreto autônomo: SIM. Cabe ADI contra decreto autônomo. O decreto autônomo
possui “coeficiente mínimo de normatividade, generalidade e abstração”, ou seja, ele retira seu fundamento de
validade diretamente da CF, não regulamentando nenhuma lei. Ele possui caráter essencialmente abstrato e
primário.
Cabe ADI contra Resolução do CNMP: A Resolução do CNMP consiste em ato normativo de caráter geral e
abstrato, editado pelo Conselho no exercício de sua competência constitucional, razão pela qual constitui ato
normativo primário, sujeito a controle de constitucionalidade, por ação direta, no STF. *O mesmo entendimento
vale para Resolução do CNJ.
Cabe ADI contra Resolução do TSE: É cabível ADI contra Resolução do TSE que tenha, em seu conteúdo
material, “norma de decisão” de caráter abstrato, geral e autônomo, apta a ser apreciada pelo STF em sede de
controle abstrato de constitucionalidade. Outro precedente, de 2014, no mesmo sentido: A Resolução do TSE pode
ser impugnada no STF por meio de ADI se, a pretexto de regulamentar dispositivos legais, assumir caráter
autônomo e inovador.
O que acontece se a lei impugnada por meio de ADI é alterada antes do julgamento da ação?
Ex,: em 1999, foi proposta uma ADI contra o art. 10 da Lei nº 9.656/98; em 2013, foi editada a Lei nº 12.880
alterando esse art. 10 da Lei nº 9.656/98; ocorre que a ADI ainda não foi julgada pelo STF; o que fazer? R.: Neste
caso, o autor da ADI deverá aditar a petição inicial demonstrando que a nova redação do dispositivo impugnado
apresenta o mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na redação original. Em outras palavras, ele informa
ao STF que houve a alteração legislativa, mas que, apesar disso, a nova redação continua contrariando a CF.
E se o autor da ADI não fizer isso? R.: Neste caso, o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido
em razão da perda superveniente do objeto (perda superveniente do interesse de agir), cf. o art. 485, VI, do CPC.
O que acontece se o ato normativo que estava sendo impugnado na ADI for revogado antes do julgamento da
ação?
Regra: haverá perda superveniente do objeto e a ADI não deverá ser conhecida (STF ADI 1203).
Exceção 1: não haverá perda do objeto e a ADI deverá ser conhecida e julgada caso fique demonstrado que houve
"fraude processual", ou seja, que a norma foi revogada de forma proposital a fim de evitar que o STF a declarasse
inconstitucional e anulasse os efeitos por ela produzidos (STF ADI 3306).
Exceção 2: não haverá perda do objeto se ficar demonstrado que o conteúdo do ato impugnado foi repetido, em sua
essência, em outro diploma normativo. Neste caso, como não houve desatualização significativa no conteúdo do
instituto, não há obstáculo para o conhecimento da ação (STF ADI 2418/DF).
Exceção 3: caso o STF tenha julgado o mérito da ação sem ter sido comunicado previamente que houve a
revogação da norma atacada. Nesta hipótese, não será possível reconhecer, após o julgamento, a prejudicialidade da
ADI já apreciada (STF, ADI 951).
2.7. Procuração com poderes específicos para o ajuizamento de ADI: o advogado que assina a petição inicial da
ADI precisa de procuração com poderes específicos. A procuração deve mencionar a lei ou ato normativo que será
impugnado na ação. Repetindo: não basta que a procuração autorize o ajuizamento de ADI, devendo indicar, de
forma específica, o ato contra o qual se insurge. Caso esse requisito não seja cumprido, a ADI não será conhecida.
Vale ressaltar, contudo, que essa exigência constitui vício sanável e que é possível a sua regularização antes que
seja reconhecida a carência da ação. STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em
6/6/2018.
Ex: uma entidade de classe de âmbito nacional contrata um escritório de advocacia para ajuizar uma ADI; na
procuração outorgada pelo presidente dessa entidade deverá constar expressamente algo como: outorga poderes
para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade no STF contra os artigos X, Y e Z, da Lei nº XXX/XXXX.
2.10. Possibilidade de decretação, de ofício, da modulação dos efeitos da decisão proferida em ADI: mesmo
que o STF não conheça do recurso de EDs, p. ex., pode ele, de ofício, modular os efeitos da decisão proferida em
ADI. *Obs.: é possível a modulação dos efeitos da decisão proferida em sede de controle incidental de
constitucionalidade. Assim, não é apenas no controle abstrato que se admite a modulação.
2.11. Coexistência de ADI no TJ e ADI no STF, sendo a ADI estadual julgada primeiro
Fatos: em uma lei estadual que violava o princípio da igualdade, foram propostas 2 ADIs: (i) ADI ajuizada pelo
PGJ no TJ, alegando que a lei violaria a Constituição Estadual e (ii) ADI ajuizada pelo PGR, no STF,
argumentando que a previsão ofenderia a CF. A primeira ação julgada foi a ADI estadual, procedente e declarou-se
que a norma impugnada era inconstitucional por violar o princípio da igualdade previsto na CE e no art. 5º, caput,
da CF. Vale ressaltar que, como o acórdão do TJ/AM analisou um dispositivo que é reproduzido também na CF,
contra esta decisão caberia RE para o STF. Ocorre que, como não foi manejado nenhum recurso, houve o trânsito
em julgado.
Direito: chegou, então, o dia de se julgar a ADI proposta no STF. Surgiu, no entanto, uma dúvida: com a
decisão do TJ declarando a inconstitucionalidade da lei, houve a perda do objeto da ADI proposta no STF? Como a
Lei estadual já foi declarada inconstitucional, pode-se dizer que ficou prejudicado o conhecimento da ADI no STF?
NÃO. A ADI no STF não ficou prejudicada. Vamos entender o motivo.
Coexistência de duas ADIs: coexistindo 2 ADIs, uma ajuizada perante o TJ local e outra perante o STF, o
julgamento da 1ª – estadual – só prejudica o da 2ª – do STF – se preenchidas 2 condições cumulativas: 1) se a
decisão do TJ for pela procedência da ação e 2) se a inconstitucionalidade for por incompatibilidade com preceito
da CE sem correspondência na CF. Caso o parâmetro do controle de constitucionalidade tenha correspondência na
CF, subsiste a jurisdição do STF para o controle abstrato de constitucionalidade (STF. ADI 3659/AM, j. em
13/12/18). No caso concreto, foi preenchido o requisito 1, mas não se verificou a condição 2. O fundamento para o
TJ decidir que a lei é inconstitucional foi o princípio da igualdade. Este princípio da igualdade está previsto na CE
e possui correspondência na CF. Se a decisão do TJ prejudicasse o conhecimento da ADI no STF, significaria dizer
que o STF ficou vinculado à interpretação que o TJ deu para o princípio da igualdade previsto na CF . Ocorre que a
última palavra sobre interpretação da CF pertence ao STF. Logo, seria inadmissível negar ao STF a possibilidade
de examinar o tema. Na verdade, o que o TJ deveria ter feito era suspender a ADI lá proposta a fim de aguardar o
pronunciamento do STF3. Mas, como isso não ocorreu, não pode o STF ficar limitado ao que decidiu o TJ local.
Caso contrário, seria possível que um TJ, por não suspender o trâmite de representação de inconstitucionalidade,
desse interpretação à norma de repetição obrigatória que valeria apenas para o respectivo estado-membro. Isso
porque o STF poderia conferir interpretação diversa à norma de repetição obrigatória para os demais entes da
Federação. Com esse entendimento, o STF rejeitou a alegação de prejudicialidade da ADI e julgou o mérito da ação
lá proposta.
2.12. Decisão que deixa de aplicar dispositivo de lei e cláusula de reserva de plenário
O STF julgou procedente Rcl contra acórdão de Tribunal que negou vigência a dispositivo de lei sem que isso
tenha sido submetido ao Plenário ou Órgão Especial do Tribunal, por violação à cláusula de reserva de plenário
(art. 97). A Rcl é possível por conta da existência da SV 10.
Se o caso em que houve violação à cláusula de plenário chegar ao STF por outro meio, p. ex., por RE, o STF
pode decretar a nulidade do acórdão de órgão fracionário do Tribunal, mas já julgar o mérito, seja em atenção ao
art. 949 do CPC, seja em atenção ao DF da duração razoável do processo.
2.13. A decisão do relator que admite ou inadmite o ingresso do amicus curiae é irrecorrível: inclusive, o art.
138 do CPC é expresso neste sentido. Argumentos:
• O art. 138 do CPC é explícito no sentido de conferir ao juiz competência discricionária para admitir ou não a
participação, no processo, de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, e de não admitir recurso
contra essa decisão.
• O art. 7º da Lei nº 9.868/99, de igual modo, é no mesmo sentido.
• O amicus curiae não é parte, mas agente colaborador. Portanto, sua intervenção é concedida como privilégio, e
não como uma questão de direito. O privilégio acaba quando a sugestão é feita.
• Assim, o amigo da Corte, como mero agente colaborador, não possui direito subjetivo de ser admitido pelo
Tribunal.
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(...) A ocorrência de coexistência de jurisdições constitucionais estadual e nacional configura a hipótese de suspensão
prejudicial do processo de controle normativo abstrato instaurado perante o TJ local. (...) STF. ADPF 190, j. em 29/09/2016.
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• Haveria inúmeros prejuízos ao andamento dos trabalhos do STF se fosse admitida a possibilidade de recurso,
sobretudo em processos em que há um grande número de requerimentos de participação como amicus curiae.
3. COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS
3.1. É inconstitucional lei estadual que, ao tratar sobre matéria de competência concorrente, simplesmente
determina a observância da lei federal
Fatos: Lei do RS sobre as atividades realizadas com OGMs foi editada com 3 artigos: 1º dizendo que “os
aspectos ambientais e fiscalização obedecerão estritamente à legislação federal específica”, 2º dizendo que a Lei
entra em vigor no dia de sua publicação e o art. 3º que fala que ela revoga as leis em sentido contrário.
Direito: o STF considerou a lei inconstitucional. O STF entendeu que essa lei do Estado do Rio Grande do Sul
significou uma verdadeira “renúncia” ao exercício da competência legislativa concorrente prevista no art. 24, V,
VIII e XII, da CF. Em outras palavras, o Estado abriu mão de sua competência suplementar prevista no art. 24, § 2º
da CF. O ente federado não pode se recusar a implementar as providências impostas a ele pelo legislador
constituinte. O Brasil possui uma extensa dimensão territorial e, por essa razão, é indispensável que exista um
tratamento particularizado para essa matéria, tendo em vista a diversidade biológica verificada no país. Assim, é
necessário que sejam elaboradas políticas públicas específicas à realidade local. O respeito às necessidades
regionais é uma condição de viabilidade da Federação. Em outras palavras, só há Federação com a autonomia dos
Estados-membros sendo exercida. Essa Lei foi uma lei remissiva, ou seja, ela falou o seguinte: a competência para
tratar sobre esse assunto é minha também, mas façam aí tudo o que a legislação federal determinar. Para o STF, “a
banalização de normas estaduais remissivas fragiliza a estrutura federativa descentralizada, e consagra o monopólio
da União, sem atentar para nuances locais”.
3.2. É constitucional lei estadual que obrigue plano de saúde a justificar recusa de tratamento: Essa lei
estadual tratou sobre proteção do consumidor, matéria que está dentro da competência legislativa concorrente, nos
termos do art. 24, V. Assim, a lei impugnada não disciplinou assuntos de direito civil, comercial ou política
securitária. O CDC é a norma geral editada pela União na defesa do consumidor e reconhece como direito básico
do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem (art. 6º, III). A lei atacada cumpre a função estatal de proteção ao consumo, não havendo interferência
nos contratos firmados entre as operadoras e os usuários nem representando equilíbrio atuarial das operadoras de
planos e seguros privados de assistência à saúde. Em outras palavras, as operadoras já tinham esse dever por força
do próprio CDC e a lei estadual apenas explicitou o comando.
3.3. Lei estadual que fixa piso salarial profissional violando os requisitos da LC federal 103/00: a discussão é
sobre DTB. O que é a LC 103/00: a União editou uma LC delegando para os Estados-membros e DF a competência
para editarem leis fixando o piso salarial dos profissionais. Em outras palavras, a União falou o seguinte: como a
realidade de cada Estado é diferente, eu abro mão de fixar o piso salarial nacional para os profissionais e autorizo
que cada Estado/DF edite sua própria lei prevendo o valor mínimo que os profissionais deverão receber. Porém, há
um aspecto constitucional importante:
Uma lei estadual que viola os requisitos da LC federal 103/00 é inconstitucional ou meramente ilegal? Caberia
ADI? O STF possui entendimento de que a lei estadual que extrapola, ou seja, que ultrapassa a autorização
conferida pela LC federal é considerada inconstitucional. Porque se a lei estadual/distrital ultrapassou os limites
impostos pela LC 103/2000, ela, na verdade, está, em última análise, usurpando, ou seja, apoderando-se
indevidamente da competência legislativa privativa da União prevista no art. 22, I e p. u. Assim, a extrapolação dos
limites da competência legislativa delegada pela União aos Estados e ao DF representa a usurpação de competência
legislativa da União para legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I e p. u.) e, consequentemente, a
inconstitucionalidade formal da lei delegada. A lei estadual que ultrapassa os limites da lei delegadora de
competência privativa da União é inconstitucional, por ofensa direta às regras constitucionais de repartição da
competência legislativa. Existindo LC federal autorizando os Estados-membros a legislar sobre determinada
questão específica, não pode a lei estadual ultrapassar os limites da competência delegada, pois, se tal ocorrer, o
diploma legislativo estadual incidirá diretamente no vício da inconstitucionalidade. Atuar fora dos limites da
delegação é legislar sem competência, e a usurpação da competência legislativa qualifica-se como ato de
transgressão constitucional.
3.4. Lei estadual que regule a forma de cobrança do ITCMD pela PGE não viola o CPC : o STF entendeu que
o Estado-membro não está legislando sobre Processo Civil, que é de competência privativa da União (art. 22, I). Os
dispositivos impugnados tratam sobre procedimentos, sendo isso de competência concorrente, cf. o art. 24, XI:
• PROCESSO: competência privativa da União.
• PROCEDIMENTOS em matéria processual: competência concorrente da União, Estados e DF.
12
Dessa feita, em matéria de procedimento, cabe à União estabelecer as normas gerais (art. 24, § 1º) e os Estados têm
competência para suplementar, ou seja, complementar (detalhar) essas normas gerais. O CPC traz regras de
processo e também algumas normas gerais sobre procedimento. Desse modo, os Estados-membros podem legislar
sobre procedimentos naquilo que não contrariar as normas gerais da União. Se não houver normas gerais da União
tratando sobre procedimento, os Estados possuem competência legislativa plena. Assim, o STF entendeu que os
preceitos da Lei estadual são normas eminentemente procedimentais, autorizadas pelo art. 24.
A possibilidade de a PGE intervir e ser ouvida nos inventários, arrolamentos e outros feitos em nada atrapalha o
processo. Pela legislação federal, a Fazenda Pública não fica adstrita ao valor declarado no processo dos bens do
espólio. Será sempre notificada e irá instaurar procedimento administrativo para verificar se aqueles valores estão
corretos ou não. A lei estadual dispõe que será instaurado o respectivo procedimento administrativo — como
estabelece o CPC — se a Fazenda não concordar com o montante declarado ou atribuído a bem ou direito do
espólio. Por outro lado, se a Fazenda concordar com o valor nem será necessário instaurar qualquer procedimento
administrativo. Os §§ 1º e 3º do art. 10 não afrontam a divisão de competência e têm a finalidade de facilitar a
situação do contribuinte, com vistas à celeridade da prestação jurisdicional. Tais dispositivos estão inseridos
também na competência concorrente em matéria tributária (art. 24, I). O art. 28 da Lei também pode ser
considerado como norma de organização administrativa. Isso porque seu objetivo é definir qual órgão irá atuar
naquele caso (PGE).
3.5. São inconstitucionais leis estaduais ou municipais que obriguem o supermercado a manter empacotador
para as compras: o STF entendeu que viola a livre iniciativa e configura venda casada.
Livre iniciativa: o princípio da livre iniciativa, previsto no art. 1º, IV, da CF, como fundamento da RFB e
reiterado no art. 170, proíbe que sejam adotadas medidas que se destinem direta ou indiretamente à manutenção
artificial de postos de trabalho, em detrimento das reconfigurações de mercado necessárias à inovação e ao
desenvolvimento. Isso porque essa providência não é capaz de gerar riqueza para trabalhadores ou consumidores. O
modelo econômico previsto na CF é o da livre iniciativa. Nesse modelo, não cabe ao Estado decidir se vai ter ou
não empacotador nos supermercados. O Estado somente deve interferir na economia se houver fundamentos
constitucionais que legitimem essa intervenção. Isso não se verifica no caso de exigir empacotadores nos
supermercados.
Venda casada e aumento dos preços: Se uma lei obriga os supermercados a fornecerem serviço de
empacotamento aos clientes que forem comprar os produtos, essa lei, na verdade, está indo de encontro aos
interesses dos consumidores (art. 5º, XXXII). Isso porque esse serviço de empacotamento será apenas
aparentemente gratuito. No entanto, os estabelecimentos irão repassar esse custo para o consumidor, embutindo
essa despesa no preço do produto vendido. Assim, essa medida ocasionará aumento de preços para todos os
consumidores, tanto para aqueles que querem utilizar esse serviço como também para os que não sentiam falta de
alguém para embalar os produtos comprados e que preferirem pagar menos pelo produto em vez de ter esse serviço.
Sem perceber, o que a lei faz é constituir uma verdadeira “venda casada”, considerando que o consumidor compra
o produto e, obrigatoriamente, acaba custeando o serviço de empacotamento. A venda casada é prática vedada pelo
art. 39, I, do CDC.
3.6. É constitucional lei municipal que proíba o supermercado de fiscalizar o consumidor na saída da loja,
após já ter passado pelo caixa: a justificativa foi a de que compete ao município legislar sobre assuntos de
interesse local, nos termos do art. 30, I, da CF. Assim, os Municípios podem legislar sobre proteção ao consumidor,
desde que fiquem restritos ao interesse local. Nesse sentido, há vários precedentes do STF 4. Há, inclusive, SV do
STF e do STJ: SV 38/STF: É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento
comercial; Súmula 19-STJ: A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da
União. A lei atacada está dentro da competência legislativa municipal, porque diz respeito à proteção das relações
de consumo dos seus munícipes. Ela tem por objetivo evitar o constrangimento dos particulares e de lhes
proporcionar maior conforto, haja vista que impede a dupla conferência das mercadorias e evita o enfrentamento de
várias filas.
*Obs. 1: Não existe um critério objetivo para definir, de maneira absolutamente segura, em que consiste interesse
local e quando a legislação ultrapassa isso. Assim, deve-se prestigiar a vereança local, que bem conhece a realidade
e as necessidades da comunidade.
4
1) Lei do Município de Campos do Jordão fixou tempo máximo de espera para atendimento em caixas de supermercado. 2)
Compete ao município legislar sobre medidas que propiciem segurança, conforto e rapidez aos usuários de serviços bancários,
uma vez que tratam de assuntos de interesse local. STF. 2ª Turma. ARE 747757 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgado em 24/06/2014. 3) Os Municípios detêm competência para legislar determinando a instalação de sanitários nas
agências bancárias, uma vez que essa questão é de interesse local e diz respeito às normas de proteção das relações de
consumo, posto que visa o maior conforto dos usuários daquele serviço, não se confundindo com a atividade-fim das
instituições bancárias. STF. 1ª Turma. RE 266536 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/04/2012.
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*Obs. 2: o STJ entende que a prática da conferência indistinta de mercadorias pelos estabelecimentos comerciais,
após a consumação da venda, é em princípio lícito e tem como base o exercício do direito de vigilância e proteção
ao patrimônio, razão pela qual não constitui, por si só, prática abusiva. Se a revista dos bens adquiridos é realizada
em observância aos limites da urbanidade e civilidade, constitui mero desconforto, a que atualmente a grande
maioria dos consumidores se submete, em nome da segurança. STJ. 3ª Turma. REsp 1120113/SP, j. em
15/02/2011.
3.7. Lei estadual pode impor que as agências bancárias instalem divisórias individuais nos caixas de
atendimento: sim, pois trata-se de matéria relativa à relação de consumo e, portanto, de competência concorrente.
3.8. É inconstitucional lei estadual que obriga empresas de telefonia e de TV por assinatura a manterem
escritórios (físicos) para atendimento: a justificativa é que a União detém competência privativa para legislar
sobre “telecomunicações” (art. 22, IV). Para o STF, caso fosse adotada a interpretação de que seria “norma de
direito do consumidor”, isso acabaria tolhendo a União de exercer a sua competência de regulamentar este setor,
frustrando a teleologia dos arts. 21, XI e 22, IV da CF. Há outros precedentes do STF no mesmo sentido 5.
3.9. É inconstitucional lei estadual que obrigue a concessionária a fornecer um carro reserva ao cliente que
está aguardando o conserto do seu veículo: a justificativa é que houve, no presente caso, uma
inconstitucionalidade formal orgânica, considerando que foi violada a regra de competência para a edição desta lei.
Por quê? O Min. Roberto Barroso explicou que esta Lei estadual trata sobre direito do consumidor e que o Estado
tem competência para legislar, mas o que ocorreu no caso é que o Estado extrapolou a competência concorrente e
não apenas complementou a legislação federal. Para o STF, foram ultrapassadas as balizas impostas ao legislador
estadual para a elaboração de normas consumeristas. O Min. Ricardo Lewandowski acompanhou o entendimento
pela inconstitucionalidade formal e salientou que o Estado-membro estaria também, neste caso, legislando sobre
“contratos”, ou seja, sobre Direito Civil, de modo que invadiu a esfera privativa da União.
3.10. Viola a CF lei municipal que proíbe o transporte de animais vivos no Município: v. D. Ambiental.
3.12. É inconstitucional lei distrital que trate sobre a estrutura e o regime jurídico da polícia civil do DF: a
justificativa é que se trata de competência da União (há, inclusive, a SV 39).
4. PODER LEGISLATIVO
4.1. Parlamentar, mesmo sem a aprovação da Mesa Diretora, pode, na condição de cidadão, ter acesso a
informações de interesse pessoal ou coletivo dos órgãos públicos
Fatos: um vereador formulou requerimento à Mesa Diretora da Câmara Municipal pedindo que o Poder
Legislativo municipal requisitasse do Prefeito da cidade informações e documentos relacionados com determinados
contratos assinados pelo Poder Executivo com fornecedores. Como era Vereador da oposição e a situação era
maioria, a Câmara Municipal não aprovou o pedido. Diante disso, ele requereu os dados diretamente ao chefe do
Executivo, que se negou a prestar as informações desejadas. Impetrou, então, um MS, mas o TJ negou o pedido
argumentando que a fiscalização dos atos do Poder Executivo deveria ser feita pelo Poder Legislativo como um
todo (e não isoladamente por parte de um só Vereador). O impetrante recorreu, até que a questão chegou ao STF.
Decisão: o STF concedeu a segurança pelos seguintes motivos:
5
É inconstitucional lei estadual que obriga as operadoras de telefonia celular e os fabricantes de aparelhos celulares a
incluírem em sua propaganda advertência de que o uso excessivo de aparelhos de telefonia celular pode gerar câncer. Essa lei
viola a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações e sobre propaganda comercial (art. 22, IV e
XXIX, CF/88). STF. ADI 4761, j. em 18/08/2016. É inconstitucional lei estadual que possibilita que o cliente da empresa de
telefonia utilize, no mês subsequente, os minutos da franquia não utilizados no mês anterior. Essa lei viola a competência
privativa da União para legislar sobre telecomunicações e sobre propaganda comercial (art. 22, IV, CF/88). STF. ADI 4649, j.
em 01/07/2016.
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(i) O Vereador, enquanto parlamentar e cidadão, tem direito de requerer diretamente do chefe do Poder Executivo
informações e documentos sobre a gestão municipal, cf. o art. 5º, XXXIII, que assegura que TODOS têm direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado. A regra geral num Estado Republicano é a da total transparência no acesso a
documentos públicos, sendo o sigilo a exceção. Inclusive, o tema foi regulamentado, em nível infraconstitucional,
pela Lei 12.527/2011, que ficou conhecida como “Lei de Acesso à Informação”.
(ii) é fato que a CF, em matéria de fiscalização, inclusive financeira, operacional e orçamentária, instituiu o
princípio da colegialidade para impessoalizar seu discurso e respeitar a separação de poderes. Para isso, estabeleceu
um protocolo mínimo de diálogo entre as instituições. O que significa isso? Quer dizer que, em regra, os atos de
fiscalização do Poder Legislativo são realizados mediante atuação do colegiado (Mesa Diretora, Plenário,
Comissões) e não pela atuação individual dos parlamentares (ex.: art. 50, caput e § 2º). Ocorre, no entanto, que o
fato de as casas legislativas, em determinadas situações, agirem de forma colegiada, por meio de seus órgãos, não
afasta, tampouco restringe, os direitos inerentes ao parlamentar como indivíduo, membro do povo, da nação. A CF
não restringe o direito do parlamentar de buscar as informações de interesse individual, público ou coletivo, nas
hipóteses em que o cidadão comum pode, solitariamente, exercer o DF. O fato de ser parlamentar não o despe de
seus direitos de cidadão.
5. MEDIDAS PROVISÓRIAS
5.1. É possível editar MPs sobre meio ambiente: É possível, mas sempre veiculando normas favoráveis ao MA.
Normas que importem diminuição da proteção ao MA equilibrado só podem ser editadas por meio de lei formal,
com amplo debate parlamentar e participação da sociedade civil e dos órgão e instituições de proteção ambiental,
como forma de assegurar o direito de todos ao MA ecologicamente equilibrado. Assim, é inconstitucional a edição
de MP que importe em diminuição da proteção ao MA equilibrado, especialmente em se tratando de diminuição ou
supressão de UCs, com consequências potencialmente danosas e graves ao ecossistema protegido. A proteção ao
MA é um limite material implícito à edição de MP, ainda que não conste expressamente do rol das limitações do
art. 62, § 1º.
6. TRIBUNAIS DE CONTAS
6.1. Competência do TCU para fiscalizar a Fundação BB somente quanto aos recursos oriundos do BB:
O TCU tem competência para fiscalizar o BB? SIM. O BB é SEM federal, integrando a AP federal indireta e,
portanto, está sujeito à fiscalização do TCU, nos termos do art. 71, II, da CF.
O TCU tem competência para fiscalizar a FBB? Em regra, não deveria ter. Isso porque como se trata de uma
fundação de caráter privado, em regra, ela não está sujeita à fiscalização do TCU nem se submete aos princípios e à
legislação aplicáveis à AP. Como fundação de direito privado, a FBB está, em regra, submetida apenas à
fiscalização do Ministério Público estadual, nos termos do art. 66 do CC.
Quando a FBB for transferir dinheiro para alguma entidade social, de pesquisa etc., precisará observar os
princípios que regem a AP (ex.: a Lei 8.666/93)? Essa transferência está sujeita à fiscalização do TCU? Depende. É
necessário analisar a natureza jurídica do recurso transferido pela FBB (se são recursos públicos ou eminentemente
privados) para que se possa aferir, com exatidão, a necessidade de submissão aos princípios norteadores da gestão
pública e, consequentemente, ao crivo do controle externo.
A FBB não poderia ser considerada como uma fundação instituída e mantida “pelo Poder Público federal”,
atraindo sempre a fiscalização do TCU com base no art. 71, II, da CF? NÃO. Isso porque o STF entende que o BB,
apesar de integrar a AP federal, não pode ser considerado como “poder público”. Logo, a FBB consiste em
entidade privada não instituída pelo poder público.
6.2. É inconstitucional norma de CE que confira competência ao TCE para homologar os cálculos das cotas
do ICMS devidas aos Municípios
Repartição do ICMS: Municípios têm direito a 25% do ICMS. Desses 25%: 3/4 (no mínimo) deverão ser
repartidos proporcionalmente ao volume de operações de circulação de mercadorias e de prestação de serviços
ocorridos nos Municípios. Municípios maiores, ou seja, com mais vendas e serviços, receberão mais; 1/4 (no
máximo) deverão ser repartidos conforme critérios que o Estado definir em lei estadual. Ex: receberão mais os
Municípios com maior preservação do meio ambiente, com menor IDH, com maior população etc. Assim, a cota-
parte que será repassada a cada Município depende desses cálculos.
Fatos: a CE/AP estabeleceu que, após serem feitos os cálculos de quanto cada Município deverá receber a título
de ICMS (normalmente este cálculo é feito pela Secretaria de Fazenda), o TCE deverá homologar ou não esse
resultado. Argumentou-se que essa competência poderia ser concedida ao TCE considerando que a CF conferiu ao
TCU a competência para realizar os cálculos das quotas relacionadas com os FPEs e FPMs (art. 161, p. u. da CF).
Decisão: o STF declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da CE/AP. Sujeitar o ato de repasse de recursos
públicos à homologação do TCE representa ofensa ao princípio da separação e da independência dos Poderes.
Como o TCE é um órgão auxiliar da Assembleia Legislativa, o STF entendeu que, condicionar o repasse das cotas-
partes dos Municípios à homologação do TCE significaria, ao fim e ao cabo, condicionar este pagamento à
ingerência da Assembleia Legislativa. Para o STF, não há semelhança entre a atividade de gerenciamento dos FPE
e dos FPMs, exercida pelo TCU com base no art. 161, p. u., com a homologação dos cálculos de quotas do ICMS
pelo TCE. Não há que se falar em simetria neste caso porque inexiste simetria entre os Fundos de Participação e
quotas de repasse de ICMS. São situações distintas. No caso do FPE e do FPM, o próprio TCU efetua os cálculos
das quotas-partes cabíveis aos entes federados à luz de estimativas demográficas fornecidas pelo IBGE. Os fundos
de participação são de natureza contábil, desprovidos de personalidade jurídica e de gerenciamento do TCU por
força da CF. Situação diversa diz respeito ao repasse obrigatório às municipalidades das verbas arrecadadas pelo
estado-membro referente ao ICMS, uma vez que não é fundo financeiro e possui relativa liberdade de conformação.
Assim, o TCE é completamente alheio ao processo de definição dos critérios das quotas, da mesma forma que o
TCU não participa dos repasses na arrecadação de tributos federais, como o IPI.
7. PODER EXECUTIVO
Imunidade do art. 51, I, e art. 86 da CF/88 não se estende para codenunciados que não sejam Presidente da
República, Vice ou Ministro de Estado
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O que acontece quando o Presidente comete um crime? Deverá ser analisado se o fato praticado está relacionado
com as suas funções de Presidente: 1) Se o crime praticado não estiver relacionado com as suas funções de
Presidente ou tiver sido praticado antes do início do mandato: Neste caso, enquanto durar o mandato, o Presidente
não poderá ser denunciado. Após terminar o mandato, ele irá ser denunciado e responderá o processo criminal em
1ª instância. Ex.: o Presidente da República agride a sua esposa. Ele somente irá responder por este fato quando
terminar o mandato (art. 86, § 4º). Trata-se de uma espécie de imunidade especial e temporária porque irá durar
apenas pelo período do mandato. Apesar de não haver previsão expressa, a doutrina majoritária entende que, nesta
situação, a prescrição ficará suspensa enquanto perdurar o mandato. 2) Se o crime praticado estiver relacionado
com o exercício das suas funções: O PGR irá apresentar ao STF denúncia contra o Presidente (se o PGR se
convencer que existe crime; em caso contrário, ele pedirá o arquivamento ao STF). Se o delito praticado for de
ação penal privada, é o ofendido quem deverá apresentar queixa-crime no STF.
Depois que a denúncia ou queixa-crime chega ao STF, qual é a providência a ser adotada? O STF deverá
encaminhar a denúncia ou queixa-crime à Câmara dos Deputados para que esta Casa decida, com o quórum de 2/3,
se o STF poderá dar ou não continuidade à análise da peça acusatória. O art. 51, I, e o art. 86 conferem ao
Presidente da República (ao VP e aos Ministros de Estado), portanto, uma imunidade formal em relação ao
processo.
Fatos: o caso Temer seguiu exatamente o que se disse acima. Porém, o relator determinou que investigados sem
foro por prerrogativa de função e que praticaram, em tese, crimes conexos aos do Presidente da República
deveriam ser processados imediatamente em 1ª instância. Em outras palavras, o STF determinou o
desmembramento dos feitos e o processo de todos aqueles que não possuem foro por prerrogativa de função deverá
ser julgado em 1ª instância mesmo antes de terminar o mandato de Temer. Os investigados recorreram ao STF.
Decisão: o STF não acolheu a tese dos investigados de que se deveria aguardar o fim do mandato de Temer,
pois:
(i) Regras de imunidade devem ser interpretadas restritivamente (é inviável a extensão dos efeitos de tal decisão, de
natureza eminentemente política, a outras pessoas que não se encontrem investidas nos referidos cargos).
(ii) A regra é o desmembramento. Só excepcionalmente será admitido que o STF julgue pessoas sem foro privativo,
quando ficar demonstrado que o julgamento em separado possa causar prejuízo relevante à prestação jurisdicional.
(iii) Responsabilidade subjetiva: os corréus serem desde logo julgados não significa que se esteja indiretamente
julgando o Presidente da República, em contrariedade ao que decidiu a Câmara dos Deputados. Isso porque vigora
em nosso ordenamento jurídico o princípio da responsabilidade subjetiva, como corolário do Direito Penal do fato,
segundo o qual a análise da responsabilidade é de acordo com a conduta de cada indivíduo. Assim, eventual
condenação ou absolvição dos corréus não irá, necessariamente, influenciar no futuro julgamento de Temer.
Constituição estadual só pode exigir que o Prefeito (ou o Vice) peça autorização da Câmara Municipal para
viajar se a viagem for superior a 15 dias
Fatos: A CE/AP trouxe previsão de que quaisquer afastamentos dos Prefeitos “por qualquer tempo” demandarão
autorização às Câmaras Municipais.
Decisão: O STF julgou inconstitucional a expressão “por qualquer tempo”. Tal previsão viola o princípio da
separação dos poderes. O legislador constituinte estadual excedeu-se ao prever que a ausência do Prefeito ou do
Vice para o exterior, por qualquer tempo, deve ter prévia autorização da Câmara Municipal. Essa regra de “por
qualquer tempo” está em desacordo com o princípio da simetria. Isso porque a CF somente exige autorização do
CN se a ausência do Presidente da República for superior a 15 dias (art. 49, III). De igual modo, a CE/AP também
só exige autorização da Assembleia Legislativa se a ausência do Governador (ou do Vice) for superior a 15 dias
(art. 118, § 1º). Logo, a exigência de autorização da Câmara Municipal para que o Prefeito possa se ausentar por
períodos menores que 15 dias quebra a simetria existente em relação ao Governador.
CE pode prever que o Estado e os Municípios deverão reservar vagas para pessoas com deficiência: É
constitucional norma de CE que preveja que “o Estado e os Municípios reservarão vagas em seus respectivos
quadros de pessoal para serem preenchidas por PCDs”. Apesar de, em tese, a CE não poder dispor sobre servidores
municipais, sob pena de afronta à autonomia municipal, neste caso não há inconstitucionalidade, considerando que
se trata de mera repetição de norma da CF.
8. PODER JUDICIÁRIO
8.1. Constitucionalidade da verba “auxílio-voto”, paga aos juízes convocados para atuar nos processos de 2ª
instância do Tribunal: Foi instituído, no TJSP, o pagamento de uma verba pela atuação em 2ª instância de juízes
de 1ª instância (“auxílio-voto”). O CNJ, em procedimento de controle administrativo (PCA), considerou a verba
irregular, por suposta ofensa ao teto constitucional, e determinou a devolução dos valores recebidos pelos juízes. O
STF cassou a decisão do CNJ. No mérito: A verba paga aos juízes foi regular, considerando que baseada no art.
124 da LC 35/79 (LOMAN). Essa convocação de juízes para atuar no Tribunal é válida e não viola a CF. Como
essa convocação de juízes é válida (compatível com a CF), é natural que seja devido o pagamento de um valor
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como forma de “recomposição patrimonial dos magistrados, dado o exercício extraordinário de atribuições
transitórias desempenhadas acumuladamente com a jurisdição ordinária”. De igual modo, como se trata de uma
verba prevista em lei, fica afastada qualquer alegação de má-fé. Como a verba em questão servia para pagar os
magistrados por um serviço extraordinário, elas não estavam abrangidas pelo subsídio.
8.2. Inconstitucionalidade de norma de CE que vincula vencimentos de escrivães aos dos juízes: O STF
decidiu que essa regra é inconstitucional por violar o art. 37, XIII, que proíbe a vinculação ou equiparação de
quaisquer espécies remuneratórias de pessoal do serviço público e também por violar a iniciativa legislativa do
Poder Judiciário (art. 96, II, “b”, da CF).
8.3. O fato de o PCA instaurado no CNJ contar com um número elevado de partes interessadas não significa,
necessariamente, violação ao devido processo legal
Fatos: foi instaurado procedimento de controle administrativo (PCA) no CNJ para apurar a regularidade de 300
serventias judiciais. O impetrante alega a nulidade do PCA pelo fato de haver um grande número de interessados
no mesmo processo, defendendo a ideia de que deveria ser um procedimento para cada parte.
Decisão: O STF não concordou com o mandado de segurança impetrado e manteve a decisão do CNJ. O fato de
o PCA instaurado no CNJ contar com um número elevado de partes interessadas não significa, necessariamente,
violação ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. O prejuízo à defesa deve ser analisado
concretamente, à luz das especificidades do caso. No caso concreto, tendo em vista que todos os interessados foram
intimados para se manifestarem no processo e o que CNJ enfrentou de maneira detida as teses jurídicas por eles
apresentadas, não há que se falar em anulação do ato impugnado.
Controle dos atos do CNJ pelo STF : Como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se
justifica nas hipóteses de: a) inobservância do devido processo legal; b) exorbitância das competências do
Conselho; e c) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado.
Titulares de serventias judiciais são servidores públicos : Depende. Atualmente, há 3 espécies de titulares de
serventias judiciais: a) os titulares de serventias oficializadas, que ocupam cargo ou função pública e são
remunerados exclusivamente pelos cofres públicos; b) os titulares de serventias não estatizadas, remunerados
exclusivamente por custas e emolumentos; e c) os titulares de serventias não estatizadas, mas que são remunerados
em parte pelos cofres públicos e em parte por custas e emolumentos. O cenário acima existe porque antigamente
todas as serventias judiciais eram “não estatizadas” (“particulares”).
8.4. CNJ pode determinar que Tribunais de Justiça reduzam o adicional de férias dos magistrados para 1/3:
O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo de forma a substituir a competência
do STF. Contudo, o CNJ pode determinar a correção de ato do Tribunal local que, embora respaldado por
legislação estadual, se distancie do entendimento do STF. Assim, o CNJ pode afirmar que determinada lei ou ato
normativo é inconstitucional se esse entendimento já estiver pacificado no STF. Isso porque, neste caso, o CNJ
estará apenas aplicando uma jurisprudência, um entendimento já pacífico. As leis estaduais que preveem abono de
férias aos magistrados em percentual superior a 1/3 são inconstitucionais. Isso porque essa majoração do percentual
de férias não encontra respaldo na LOMAN, que prevê, de forma taxativa, as vantagens conferidas aos magistrados,
sendo essa a Lei que deve tratar do regime jurídico da magistratura, por força do art. 93 da CF/88. Logo, o CNJ
agiu corretamente ao determinar aos Tribunais de Justiça que pagam adicional de férias superior a 1/3 que eles
enviem projetos de lei para as Assembleias Legislativas reduzindo esse percentual.
8.5. CNJ pode avocar PAD que tramita no Tribunal se não há quórum suficiente para se atingir maioria
absoluta: O TRF condenou juiz federal à pena de aposentadoria compulsória. Ocorre que, em virtude de alguns
Desembargadores terem se averbado suspeitos, este juiz foi condenado com um quórum de maioria simples. O CNJ
reconheceu a irregularidade da proclamação do resultado e anulou o julgamento de mérito realizado pelo TRF. Isso
porque o art. 93, VIII e X, da CF exige quórum de maioria absoluta do tribunal. Ocorre que o CNJ, após anular o
julgamento de mérito realizado pelo TRF, decidiu avocar o processo administrativo para que o magistrado fosse
julgado diretamente pelo CNJ. O juiz impetrou MS contra essa avocação, mas o STF afirmou que o CNJ agiu
corretamente. A CF, expressamente, confere ao CNJ competência para, a qualquer tempo, avocar processos de
natureza disciplinar em curso contra membros do Poder Judiciário. Assim, não há óbice para que o CNJ anule o
julgamento do Tribunal e inicie lá um outro procedimento. Uma das causas legítimas de avocação de
procedimentos administrativos pelo CNJ é justamente a falta do quórum para proferir decisão administrativa por
maioria absoluta em razão de suspeição, impedimento ou falta de magistrados. O CNJ poderia ter devolvido o
processo ao TRF2, mas optou por exercer sua competência concorrente, dentro da discricionariedade conferida pela
CF, para julgar o processo e evitar novas questões de suspeição e impedimento.
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8.6. Constitucionalidade do art. 6º, I, da Resolução 146/12 do CNJ: A Resolução 146/12 do CNJ dispõe sobre o
instituto da redistribuição6 de cargos efetivos dos quadros de pessoal dos órgãos do Poder Judiciário da União. O
STF entendeu que é constitucional o art. 6º, I, da referida Resolução, que prevê o seguinte: “Art. 6º O cargo
ocupado somente poderá ser redistribuído se o servidor preencher cumulativamente os seguintes requisitos: I –
tempo mínimo de 36 meses de exercício no cargo a ser redistribuído”. O instituto da redistribuição de cargos
efetivos tem função de resguardar o interesse da AP e não visa a atender às necessidades do servidor. O prazo de 36
meses previsto no referido dispositivo coincide com o prazo estabelecido no art. 41 da CF relativo à estabilidade do
servidor público, de modo a evidenciar a razoabilidade e a proporcionalidade da resolução.
8.7. CNJ pode anular decisão do TJ que, em concurso de cartório, conferiu, na fase de títulos, pontuação
com base em interpretação contrária à Resolução do Conselho: O CNJ não pode substituir a banca
examinadora do concurso na escolha das questões, na correção de provas e nas atribuições de notas. Assim, ao
Conselho é defeso substituir o critério valorativo para escolha e correção das questões pela Banca Examinadora nos
concursos públicos. O CNJ pode, no entanto, substituir, anular ou reformar decisões da banca do concurso que
firam os princípios da razoabilidade, da igualdade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da
publicidade. Isso porque a discricionariedade da banca de concurso não se confunde com arbitrariedade. Se houver
desrespeito aos princípios constitucionais da administração pública, será possível a plena revisão da decisão pelo
Conselho. Ex: o CNJ pode anular decisão do Tribunal de Justiça que, em concurso de cartório, deu interpretação
equivocada a determinado item do edital, e conferiu pontuação indevida a certos candidatos na fase de títulos. A
pontuação conferida pela Comissão no TJ violava à Resolução do CNJ que regulamenta os concursos de cartório.
Neste caso, o CNJ atuou dentro dos limites constitucionais do controle administrativo.
9. MINISTÉRIO PÚBLICO
9.3. O MP pode ajuizar ACP para anular aposentadoria que lese o erário: v. em Processo Civil.
10.1. Defensor Público não precisa de inscrição na OAB para exercer suas funções: Os DPs NÃO precisam de
inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. O art. 3º, § 1º, da Lei 8.906/94 deve receber interpretação
conforme a CF de modo a se concluir que não se pode exigir inscrição na OAB dos membros das carreiras da DP.
O art. 4º, § 6º, da LC 80/94 afirma que a capacidade postulatória dos DPs decorre exclusivamente de sua nomeação
e posse no cargo público, devendo esse dispositivo prevalecer em relação ao Estatuto da OAB por se tratar de
previsão posterior e específica. Vale ressaltar que é válida a exigência de inscrição na OAB para os candidatos ao
concurso da DP porque tal previsão ainda permanece na Lei.
10.2. Equiparação entre DP e MP: É inconstitucional dispositivo da CE que concede aos DPs a aplicação do
regime de garantias, vencimentos, vantagens e impedimentos do MP e da PGE. Os estatutos jurídicos das carreiras
do MP e da DP foram tratados de forma diversa pelo texto constitucional originário. Ademais, a equivalência
remuneratória entre as carreiras encontra óbice no art. 37, XIII, da CF, que veda a equiparação ou vinculação
remuneratória. Obs.: o tema foi analisado tendo como parâmetro a redação originária da CF, ou seja, antes das ECs
45/04 e 80/14.
6
Redistribuição é o ato por meio do qual o cargo de provimento efetivo (ocupado ou vago) é deslocado para outro órgão ou
entidade do mesmo Poder. Não confundir a redistribuição com a remoção. Na remoção, ocorre o deslocamento do servidor
enquanto que na redistribuição há o deslocamento do próprio cargo (esteja ele ocupado ou vago).
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10.3. DP pode ter acesso a procedimento instaurado pela Justiça para apurar irregularidades em unidade de
internação: v. ECA.
11.1. É possível a existência de Procuradoria da Assembleia Legislativa, mas este órgão ficará responsável
apenas pela defesa das prerrogativas do Poder Legislativo
Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados/DF : só um órgão pode desempenhar as funções de
representação judicial e de consultoria jurídica nos Estados e DF e este órgão é a PGE.
Exceções ao princípio: (i) é possível a criação de procuradorias vinculadas ao Poder Legislativo e ao Tribunal
de Contas, para a defesa de sua autonomia e independência perante os demais Poderes, hipótese em que se admite a
consultoria e assessoramento jurídico dos órgãos por parte de seus próprios procuradores; e (ii) ADCT/Art. 69.
Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas PGEs ou Advocacias-Gerais, desde que,
na data da promulgação da CF, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.
Municípios: não existe, na CF, a figura da advocacia pública municipal. Os Municípios não têm essa obrigação
constitucional, como já decidiu o STF (porém, há uma PEC para instituí-la).
Caso 1: a CE/Ceará previa que o Governador deveria encaminhar à ALE projetos de lei, dispondo sobre a
organização e o funcionamento da PGE e das procuradorias autárquicas. O STF decidiu que a regra é
inconstitucional. Isso porque a CF determina que a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado,
incluídas suas autarquias e fundações, deve ser feita pela PGE, nos termos do art. 132 da CF. O art. 132 da CF
consagra o chamado princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do DF
e, dessa forma, estabelece competência funcional exclusiva da PGE. A exceção prevista no art. 69 do ADCT
deixou evidente que, a partir da CF, não se permite mais a criação de órgãos jurídicos distintos da PGE, admite-se
apenas a manutenção daquelas consultorias jurídicas já existentes quando da promulgação da Carta. Trata-se de
exceção direcionada a situações concretas e do passado e, por essa razão, deve ser interpretada restritivamente,
inclusive com atenção à diferenciação entre os termos “consultoria jurídica” e “procuradoria jurídica”, uma vez que
esta última pode englobar as atividades de consultoria e representação judicial.
Caso 2: A CE/AP trouxe previsão de Procuradoria da ALE. Foi proposta uma ADI contra esse dispositivo sob a
alegação de que ele violaria o princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados
e do DF. O STF deu interpretação conforme a CF para que dizer que: A atuação da Procuradoria da ALE deve ficar
limitada à defesa das prerrogativas inerentes ao Poder Legislativo. Em outras palavras, é possível a existência de
Procuradoria da Assembleia Legislativa, mas este órgão ficará responsável apenas pela defesa das prerrogativas do
Poder Legislativo. A representação estadual como um todo, independentemente do Poder, compete à PGE, tendo
em conta o princípio da unicidade institucional da representação judicial e da consultoria jurídica para Estados e
DF. No entanto, às vezes, há conflito entre os Poderes. Ex: o Poder Legislativo cobra do Poder Executivo o repasse
de um valor que ele entende devido e que não foi feito. Nestes casos, é possível, em tese, a propositura de ação
judicial pela Assembleia Legislativa e quem irá representar judicialmente o órgão será a Procuradoria da ALE.
Caso 3: É vedada a atribuição de atividades de representação judicial e de consultoria ou assessoramento
jurídicos a analista administrativo da área jurídica.
11.3. Técnico superior em Direito de autarquia estadual não pode exercer atribuições de representação
jurídica da entidade: É inconstitucional lei estadual que preveja que servidor de autarquia (no caso, era Técnico
Superior do DETRAN) será responsável por: • representar a entidade “em juízo ou fora dele nas ações em que haja
interesse da autarquia”. • praticar “todos os demais atos de natureza judicial ou contenciosa, devendo, para tanto,
exercer as suas funções profissionais e de responsabilidade técnica regidas pela OAB”. Tais previsões violam o
“princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do DF” (art. 132 da CF). A legislação impugnada,
apesar de não ter criado uma procuradoria paralela, atribuiu ao cargo de Técnico Superior do Detran/ES, com
formação em Direito, diversas funções privativas de advogado. Ao assim agir, conferiu algumas atribuições de
representação jurídica do DETRAN a pessoas estranhas aos quadros da PGE, com violação do art. 132 da CF. O
STF decidiu modular os efeitos da decisão para: • manter os cargos em questão, excluídas as atribuições judiciais
inerentes às procuradorias; • declarar a validade dos atos praticados (ex.: contestações, recursos etc.) até a data do
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julgamento, com base na teoria do funcionário de fato. *ATENÇÃO. Por outro lado, é válido que esses servidores
façam a atuação jurídica no âmbito interno da autarquia, sobretudo em atividades de compliance, tais como
conceber e formular medidas e soluções de otimização, fiscalização e auditoria (exs: interpretar textos e
instrumentos legais, elaborar pareceres sobre questões jurídicas que envolvam as atividades da entidade, elaborar
editais, contratos, convênios etc.). Essas atribuições podem sim ser exercidas pelos Técnicos Superiores do
DETRAN, sem que isso ofenda o princípio da unicidade da representação judicial. O STF entendeu que não se
pode deslocar qualquer atuação técnico-jurídica da autarquia para a PGE, porque esta não conseguirá fazer frente a
essa gama de trabalho, sob pena de ter suas atividades inviabilizadas.
12.1. É constitucional a lei que extinguiu a contribuição sindical obrigatória: São compatíveis com a
Constituição Federal os dispositivos da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) que extinguiram a
obrigatoriedade da contribuição sindical e condicionaram o seu pagamento à prévia e expressa autorização dos
filiados. No âmbito formal, o STF entendeu que a Lei nº 13.467/2017 não contempla normas gerais de direito
tributário (art. 146, III, “a”, da CF). Assim, não era necessária a edição de lei complementar para tratar sobre
matéria relativa a contribuições. Também não se aplica ao caso a exigência de lei específica prevista no art. 150, §
6º, da CF, pois a norma impugnada não disciplinou nenhum dos benefícios fiscais nele mencionados, quais sejam,
subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão. Sob o ângulo
material, o STF afirmou que a CF assegura a livre associação profissional ou sindical, de modo que ninguém é
obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (art. 8º, V, da CF). O princípio constitucional da liberdade
sindical garante tanto ao trabalhador quanto ao empregador a liberdade de se associar a uma organização sindical,
passando a contribuir voluntariamente com essa representação. Não há nenhum comando na CF determinando que
a contribuição sindical é compulsória. Não se pode admitir que o texto constitucional, de um lado, consagre a
liberdade de associação, sindicalização e expressão (art. 5º, IV e XVII, e art. 8º) e, de outro, imponha uma
contribuição compulsória a todos os integrantes das categorias econômicas e profissionais.
12.2. Lei estadual pode conceder meia-entrada em eventos culturais e desportivos para menores de 21 anos:
É constitucional lei estadual que concede o desconto de 50% no valor dos ingressos em casas de diversões, praças
desportivas e similares aos jovens de até 21 anos de idade. Sob o prisma formal, o STF considerou constitucional a
lei impugnada, uma vez que tanto a União quanto os Estados e o DF podem atuar sobre o domínio econômico, por
possuírem competência concorrente para legislar sobre direito econômico, nos termos do art. 24, I, da CF. Do
ponto de vista material, também é constitucional: se de um lado a CF assegura a livre iniciativa, de outro determina
ao Estado que adote providências para garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto
(arts. 23, V; 205; 208; 215 e 217, § 3º, da CF). Na composição entre esses princípios e regras, há de ser preservado
o interesse da coletividade. Por fim, esse critério etário, ou seja, conceder meia-entrada para todo mundo que for
menor que 21 anos, é válido, pois facilita o acesso dos jovens à cultura, à educação e a atividades desportivas.
12.3. Constitucionalidade do Decreto 4.887/03 (remanescentes das comunidades dos quilombolas): O art. 68
do ADCT estabelece que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” Em 2003, foi editado o
Decreto 4.887, com o objetivo de regulamentar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O STF entendeu
que este Decreto não invadiu esfera reservada à lei. O objetivo do Decreto foi tão somente o de regular o
comportamento do Estado na implementação do comando constitucional previsto no art. 68 do ADCT. Houve o
mero exercício do poder regulamentar da Administração, nos limites estabelecidos pelo art. 84, VI, da CF. O art.
2º, caput e § 1º do Decreto 4.887/03 prevê como deve ser o critério utilizado pelo Poder Público para a
identificação dos quilombolas. O critério escolhido foi o da autoatribuição (autodefinição). O STF entendeu que a
escolha do critério desse critério não foi arbitrária, não sendo contrária à CF. O art. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto
preconiza que, na identificação, medição e demarcação das terras dos quilombolas devem ser levados em
consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O STF
afirmou que essa previsão é constitucional. Isso porque o que o Decreto está garantindo é apenas que as
comunidades envolvidas sejam ouvidas, não significando que a demarcação será feita exclusivamente com base nos
critérios indicados pelos quilombolas. O art. 13 do Decreto, por sua vez, estabelece que o INCRA poderá realizar a
desapropriação de determinadas áreas caso os territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos
quilombos estejam situados em locais pertencentes a particulares. O STF reputou válida essa previsão tendo em
vista que, em nenhum momento a CF afirma que são nulos ou extintos os títulos eventualmente incidentes sobre as
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Assim, o art. 68 do ADCT, apesar de
reconhecer um direito aos quilombolas, não invalida os títulos de propriedade eventualmente existentes, de modo
que, para que haja a regularização do registro em favor das comunidades quilombolas, exige-se a realização do
procedimento de desapropriação. Por fim, o STF não acolheu a tese de que somente poderiam ser consideradas
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terras de quilombolas aqueles que estivessem sendo ocupadas por essas comunidades na data da promulgação da
CF/88 (05/10/1988). Em outras palavras, mesmo que, na data da promulgação da CF/88, a terra não mais estivesse
sendo ocupada pelas comunidades quilombolas, é possível, em tese, que seja garantido o direito previsto no art. 68
do ADCT.
DIREITO ADMINISTRATIVO
1. PRINCÍPIOS
1.1. Nepotismo
A nomeação da esposa do prefeito como Secretária Municipal não configura, por si só, nepotismo e ato de
improbidade administrativa
Nepotismo: significa “proteção”, “apadrinhamento”, que é dado pelo superior para um cônjuge, companheiro ou
parente seu, contratado para o cargo ou designado para a função em virtude desse vínculo. Isso ofende a moralidade.
Não precisa de lei formal: O nepotismo é vedado em qualquer dos Poderes da República por força dos
princípios constitucionais da impessoalidade, eficiência, igualdade e moralidade, independentemente de previsão
expressa em diploma legislativo. Assim, o nepotismo não exige a edição de uma lei formal proibindo a sua prática,
pois tal vedação decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37 da CF.
Elementos objetivos: o STF tem adotado 4 critérios objetivos nos quais haverá nepotismo:
a) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante
e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada;
b) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante;
c) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a
quem estiver subordinada; e
d) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional
sobre a autoridade nomeante.
SV 13
Fatos: Prefeito do Município nomeou seu cônjuge (formada em enfermagem) para o cargo de Secretária
Municipal de Assistência Social.
Decisão do STF: A nomeação do cônjuge de prefeito para o cargo de Secretário Municipal, por se tratar de
cargo público de natureza política, por si só, não caracteriza ato de improbidade administrativa.
Decisão 2 do STF: Em regra, a proibição da SV 13 não se aplica para cargos públicos de natureza política,
como, por exemplo, Secretário Municipal. Assim, a jurisprudência do STF, em regra, tem excepcionado a regra
sumulada e garantido a permanência de parentes de autoridades públicas em cargos políticos, sob o fundamento de
que tal prática não configura nepotismo. Exceção: poderá ficar caracterizado o nepotismo mesmo em se tratando de
cargo político caso fique demonstrada a inequívoca falta de razoabilidade na nomeação por manifesta ausência de
qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado.
Obs.: a simples dissonância entre a área de formação e a área fim do cargo não é suficiente, por si só, para se
afirmar a inequívoca ausência de razoabilidade da nomeação.
- 1ª acepção: quando a irregularidade foi praticada pela gestão anterior: há julgados que dizem que se a
irregularidade no convênio foi praticada pelo gestor anterior e a gestão atual, depois que assumiu, tomou todas as
medidas para ressarcir o erário e corrigir as falhas (exs: apresentou todos os documentos ao órgão fiscalizador,
ajuizou ações de ressarcimento contra o antigo gestor etc.), neste caso, o ente não poderá ser incluído nos cadastros
de inadimplentes da União. Assim, segundo esta acepção, o princípio da intranscendência subjetiva das sanções
proíbe a aplicação de sanções às administrações atuais por atos de gestão praticados por administrações anteriores.
O STJ comunga desse entendimento e, por isso, editou a Súmula 615.
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- 2ª acepção: quando a irregularidade foi praticada por uma entidade do Estado/Município ou pelos outros Poderes
que não o Executivo: além do caso acima explicado, diz o STF que o princípio da intranscendência subjetiva das
sanções pode ser aplicado também nas situações em que uma entidade estadual/municipal (ex: uma autarquia)
descumpriu as regras do convênio e a União inscreve não apenas essa entidade, como também o próprio ente nos
cadastros restritivos. Para o STF, também viola o princípio da intranscendência quando o Estado-membro é
incluído nos cadastros de inadimplentes da União por irregularidades praticadas pelos outros Poderes que não o
Executivo.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1. Responsabilidade civil da concessionária que administra a rodovia por furto ocorrido em seu pátio
Fatos: o caminhão de uma empresa transportadora foi parado na balança de pesagem na Rod. Anhanguera (SP),
quando se constatou excesso de peso. Os agentes da concessionária determinaram que o condutor estacionasse o
veículo no pátio da concessionária e, em seguida, conduziram-no até o escritório para ser autuado.
Aproximadamente 10 minutos depois, ao retornar da autuação para o caminhão, o condutor observou que o veículo
havia sido furtado.
Decisão do STF: a PJ de D. Privado prestadora de serviço público possui responsabilidade civil em razão de
dano decorrente de crime de furto praticado em suas dependências, nos termos do art. 37, § 6º, da CF. Assim, o
STF condenou a Dersa, empresa concessionária responsável pela rodovia a indenizar a transportadora. O STF
reconheceu a responsabilidade civil da prestadora de serviço público, ao considerar que houve omissão no dever de
vigilância e falha na prestação e organização do serviço.
2.2. União não tem o dever de indenizar indústrias nacionais prejudicadas com a redução das alíquotas do II
Fatos: O Ministério da Fazenda editou a Portaria 492/94, reduzindo de 30% para 20% a alíquota do imposto de
importação dos brinquedos em geral. Com a redução da alíquota, houve a entrada de um enorme volume de
brinquedos importados no Brasil, oriundos especialmente da China, sendo estes bem mais baratos que os nacionais.
Como resultado, várias indústrias de brinquedos no Brasil foram à falência e, mesmo as que permaneceram,
sofreram grandes prejuízos. Uma famosa indústria de brinquedos ingressou com ação contra a União afirmando
que a Portaria, apesar de ser um ato lícito, gerou prejuízos e que, portanto, o Poder Público deveria ser condenado a
indenizá-la.
Decisão do STJ: O STJ não concordou com o pedido. Não se verifica o dever do Estado de indenizar eventuais
prejuízos financeiros do setor privado decorrentes da alteração de política econômico-tributária no caso de o ente
público não ter se comprometido, formal e previamente, por meio de determinado planejamento específico. A
referida Portaria tinha finalidade extrafiscal e a possibilidade de alteração das alíquotas do imposto de importação
decorre do próprio ordenamento jurídico, não havendo que se falar em quebra do princípio da confiança. O impacto
econômico-financeiro sobre a produção e a comercialização de mercadorias pelas sociedades empresárias causado
pela alteração da alíquota de tributos decorre do risco da atividade próprio da álea econômica de cada ramo
produtivo. Não havia direito subjetivo da indústria quanto à manutenção da alíquota do imposto de importação.
3. CONCURSOS PÚBLICOS
3.1. A candidata que esteja gestante no dia do teste físico tem o direito de fazer a prova em nova data no
futuro
Fatos 1: candidata encontrava-se temporariamente incapacitada para realizar atividades físicas em virtude de
doença (epicondilite gotosa no cotovelo esquerdo), comprovada por atestado médico. Maria formulou requerimento
administrativo solicitando que fosse designada nova data para a realização do teste físico, o que foi indeferido pela
AP com base em uma previsão no edital que negava esta possibilidade. Diante disso, Maria impetrou MS.
Decisão do STF: Os candidatos em concurso público NÃO têm direito à prova de segunda chamada nos testes
de aptidão física em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, salvo se
houver previsão no edital permitindo essa possibilidade. Argumentos:
• o princípio da isonomia estaria violado se a AP beneficiasse determinado indivíduo em detrimento de outro nas
mesmas condições;
• o princípio da isonomia não possibilita que o candidato tenha direito de realizar prova de segunda chamada em
concurso público por conta de situações individuais e pessoais, especialmente porque o edital estabelece tratamento
isonômico a todos os outros candidatos;
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• além disso, a análise da presente questão não se limita ao exame do princípio da isonomia, devendo ser
considerados outros princípios envolvidos;
• o concurso público é um processo de seleção que deve ser realizado com transparência, impessoalidade, igualdade
e com o menor custo para os cofres públicos. Dessa maneira, não é razoável a movimentação de toda a máquina
estatal para privilegiar determinados candidatos que se encontrem impossibilitados de realizar alguma das etapas
do certame por motivos exclusivamente individuais;
• ao se permitir a remarcação do teste de aptidão física nessas circunstâncias, está se possibilitando que o término
do concurso seja adiado inúmeras vezes, sem limites, considerando que, naquele determinado dia marcado, algum
candidato poderia ter problemas de ordem individual, o que causaria tumulto e dispêndio desnecessário para a AP;
• assim, não é razoável que a Administração fique à mercê de situações adversas para colocar fim ao certame, de
modo a deixar os concursos em aberto por prazo indeterminado.
Fatos 2: e no caso da gestante?
Decisão do STF: É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à
época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público. Argumentos:
• A CF/88 protege a maternidade, a família e o planejamento familiar, de forma que a condição de gestante goza de
proteção constitucional reforçada.
• Em razão deste amparo constitucional específico, a gravidez não pode causar prejuízo às candidatas, sob pena de
malferir os princípios da isonomia e da razoabilidade.
• Não seria proporcional nem razoável exigir que a candidata colocasse a vida de seu bebê em risco, de forma
irresponsável, ao se submeter a teste físico mediante a prática de esforço incompatível com a fase gestacional.
• O não reconhecimento desse direito da mulher compromete a autoestima social e a estigmatiza.
• As mulheres têm dificuldade em se inserir no mercado de trabalho e enfrente obstáculos para alcançar postos
profissionais de maior prestígio e remuneração. Por consequência, acirra-se a desigualdade econômica, que por si
só é motivo de exclusão social.
• O STF entendeu que a situação da candidata grávida merece tratamento diferente do caso de candidatos doentes
ou que não compareceram ao teste por motivo de força maior. Assim, justifica-se fazer um distinguishing em
relação ao que foi decidido no RE 630733/DF.
Não há atraso no concurso: O STF afirmou que permitir à candidata gestante fazer prova em outra data não gera
atraso na conclusão do concurso público. Isso porque a AP pode continuar o certame normalmente, fazendo apenas
a reserva do número de vagas para essa situação excepcional. Se após a realização do teste de aptidão física
remarcado, a candidata conseguir a aprovação e classificação, será empossada. Caso contrário, será empossado o
candidato ou candidata remanescente na lista de classificação, em posição imediatamente subsequente.
3.3. A nomeação tardia de candidato aprovado em concurso não gera direito à indenização, ainda que a
demora tenha origem em erro reconhecido pela própria AP
Fatos: o candidato teve postergada a assunção em cargo por conta de ato ilegal da AP. Ele tem direito a receber
a remuneração retroativa?
• Regra: NÃO. Não cabe indenização a servidor empossado por decisão judicial sob o argumento de que houve
demora na nomeação. Dito de outro modo, a nomeação tardia a cargo público em decorrência de decisão judicial
não gera direito à indenização.
• Exceção: será devida indenização se ficar demonstrado, no caso concreto, que o servidor não foi nomeado logo
por conta de uma situação de arbitrariedade flagrante.
Fatos: No caso, há uma peculiaridade: o reconhecimento de que a posse do autor deveria ter se dado em
momento anterior se deu pela própria AP (e não por força de decisão judicial). Isso muda alguma coisa? O
candidato que teve postergada a assunção em cargo por conta de ato ilegal reconhecido pela própria AP tem direito
de ser indenizado?
Decisão do STJ: não. O fato de a AP ter reconhecido o erro administrativamente não muda a situação. Assim,
deve-se aplicar o entendimento do STF. Isso porque a ratio decidendi constante do precedente do STF consagra a
compreensão de que o pagamento de remuneração e a percepção de demais vantagens por servidor público
pressupõe o efetivo exercício no cargo, sob pena de enriquecimento sem causa. Ora, se mesmo quando a
ilegalidade da nomeação tardia é declarada por provimento jurisdicional o direito à indenização é afastado pela
jurisprudência (salvo situação de arbitrariedade flagrante), não há razão para, reconhecido o erro pela própria AP,
determinar-se o pagamento de valores retroativos. Se fosse admitida essa “exceção” (pagar indenização em caso de
erro reconhecido administrativamente), isso acabaria desestimulando que a AP exercesse o seu poder-dever de
autotutela, ou seja, desencorajaria que a AP corrigisse seus próprios equívocos. Haveria, então, um estímulo à
judicialização, o que não atende ao interesse público. Por fim, cumpre ressaltar que no caso de João havia uma
dúvida razoável sobre os critérios de cálculo da nota final, razão pela qual não se pode dizer que ocorreu uma
situação de arbitrariedade flagrante, a ponto de se permitir a indenização.
7
A Lei dos Servidores Públicos federais (Lei 8.112/90), assim como as demais leis de servidores públicos dos demais entes,
preveem a cassação da aposentadoria apenas em duas hipóteses: a) demissão do servidor público (art. 134); e b) acumulação
ilegal de cargos (art. 133, § 6º). Dessa forma, não há fundamento na lei para se cassar a aposentadoria nesta hipótese.
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4. SERVIDORES PÚBLICOS
Auditor Fiscal do Trabalho não pode acumular seu cargo com outro da área de saúde
Fatos: João é Auditor Fiscal do Trabalho, com especialidade em medicina do trabalho. João foi aprovado no
concurso para exercer o cargo de Médico de um hospital federal. Surgiu, no entanto, a dúvida se seria possível ele
acumular os dois cargos com base no art. 37, XVI, “c”, da CF. Vale ressaltar que há compatibilidade de horários.
Decisão do STJ: as funções do Auditor Fiscal do Trabalho, com especialidade em medicina do trabalho não se
relacionam diretamente à prestação de serviços médicos à população. Os Auditores Fiscais do Trabalho são agentes
do Estado que analisam as condições de trabalho, as situações das empresas, liberando estas ou fazendo-lhes
exigências de ajustes, funções que não são específicas do cargo de Médico (art. 11 da Lei 10.593/02). Assim, o fato
de haver cargo de Auditor Fiscal, com exigência de pós-graduação na área de medicina do trabalho não significa
que seus ocupantes – obrigatoriamente médicos – estejam exercendo a medicina propriamente dita. O simples fato
de se exigir essa especialização não faz com que se possa considerar a carreira de Auditor como sendo igual à de
Médico.
STF decide modular os efeitos de decisão que mandou afastar Delegados de Polícia do cargo por ofensa à regra
do concurso público: Em 2001, foi editada uma lei estadual criando cargos e organizando a Polícia Civil do Estado
do Amazonas. Nesta Lei foi previsto que, na estrutura da Polícia Civil, haveria cargos de Delegado de Polícia e de
Comissário de Polícia. Ainda em 2001, foi realizado um concurso público, com provas específicas para cada um
desses cargos, e os aprovados nomeados e empossados. Contudo, em 2004, houve duas leis modificando o cargo de
Comissário de Polícia. • a primeira delas afirmou que Comissário de Polícia seria autoridade policial, juntamente
com o Delegado de Polícia, equiparando a remuneração dos dois cargos. • a segunda lei, transformando o cargo de
"Comissário de Polícia" em "Delegado de Polícia". Essas duas leis foram impugnadas por meio de ADI. Em 2015,
o STF decidiu que elas são INCONSTITUCIONAIS porque representaram burla à exigência do concurso público.
As referidas leis fizeram uma espécie de ASCENSÃO FUNCIONAL dos Comissários de Polícia porque
transformaram os ocupantes desses cargos em Delegados de Polícia sem que eles tivessem feito concurso público
para tanto. No caso concreto, os Ministros entenderam que, quando o cargo de Comissário de Polícia foi criado, ele
possuía diferenças substanciais em relação ao de Delegado de Polícia, o que impediria a transformação, mesmo sob
o argumento de ser medida de racionalização administrativa. Foram opostos embargos de declaração contra a
decisão. Em 2018, o STF acolheu os embargos e aceitou modular os efeitos da decisão proferida na ADI 3415.
Além disso, o Tribunal determinou ao Estado do Amazonas que promova, no prazo máximo de 18 meses, a contar
da publicação da ata de julgamento (07/08/2018), a abertura de concurso público para o cargo de Delegado de
Polícia.
4.3. Remoção
Conceito: Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou
sem mudança de sede (art. 36 da Lei 8.112/90). O dispositivo trata de 3 hipóteses de remoção: 1) de ofício, “no
interesse da AP” e mesmo que contra a vontade do servidor (inciso I); 2) a pedido do servidor e “a critério da AP”
(inciso II) e 3) a pedido do servidor, “independentemente do interesse da AP” (inciso III), nas estritas hipóteses das
alíneas “a”, “b” e “c”.
Remoção para acompanhar cônjuge (art. 36, p. u., III, “a”): A Lei 8.112/90 prevê que o servidor público federal
tem direito subjetivo de ser removido para acompanhar seu cônjuge/companheiro que tiver sido removido no
interesse da AP. Ex: João e Maria, casados entre si, são servidores públicos federais lotados em Recife. João é
removido de ofício, no interesse da AP, para Porto Velho (art. 36, p. u., I da Lei nº 8.112/90). Logo, Maria tem
direito de também ser removida para Porto Velho, acompanhando seu cônjuge.
27
Cônjuge que passou em concurso público . Se o cônjuge do servidor público for aprovado em um concurso
público e tiver que se mudar para tomar posse, este servidor terá direito à remoção prevista no art. 36, parágrafo
único, III, "a", da Lei nº 8.112/90? Ex.: Eduardo e Mônica são casados e moram em Boa Vista. Eduardo é servidor
público federal e Mônica estuda para concurso. Mônica é, então, aprovada para um cargo público federal e sua
lotação inicial é Fortaleza. Eduardo terá direito de se remover para Fortaleza para acompanhar sua esposa? NÃO.
De acordo com o art. 36, III, "a" da Lei 8.112/90, a remoção para acompanhamento de cônjuge exige prévio
deslocamento de qualquer deles no interesse da AP, inadmitindo-se qualquer outra forma de alteração de domicílio.
O STJ considera que se a pessoa tem que alterar seu domicílio em virtude da aprovação em concurso público, isso
ocorre no interesse próprio da pessoa (e não no interesse da AP). Assim, não há direito subjetivo à remoção do art.
36, III, "a", da Lei 8.112/90, considerando que a pessoa estava ciente de que iria assumir o cargo em local diverso
da residência do cônjuge.
Cônjuge que foi removido a pedido. Pedro e Soraia, casados entre si, são servidores públicos federais lotados em
Recife. É aberta uma vaga em Salvador para o cargo de Pedro. Este concorre no concurso de remoção e consegue ser
removido para a capital baiana. Soraia terá direito de ser removida junto com Pedro, com base no art. 36, p. u., III,
“a”? O servidor que é transferido de localidade a pedido, após concorrer em concurso de remoção, gera para seu
cônjuge o direito subjetivo de também ser transferido para acompanhá-lo, independentemente do interesse da AP?
NÃO.
4.4. Transferência ex officio para outra instituição de ensino em caso de remoção de ofício do servidor
Fatos: Paulo é servidor público federal, lotado em Recife (PE), onde faz faculdade de Medicina em uma
universidade particular. Ele é transferido, de ofício, para Rio Branco (AC).
Direito: Em virtude dessa transferência, Paulo terá direito a uma vaga no curso de Medicina em uma universidade
em Rio Branco (AC). É o que se chama de transferência ex officio, sendo um direito assegurado pela Lei 9.536/97,
que regulamentou o p. u. do art. 49 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
- Têm direito à matrícula, em estabelecimentos de ensino congêneres, não apenas os servidores públicos como
também seus dependentes.
- Essa prerrogativa abrange servidores da AP indireta: a lei amplia o conceito de “servidor público”, pois a finalidade
da norma é o interesse público.
- Esse direito abrange também servidores estaduais e municipais: o art. 1º da Lei 9.536/97 fala apenas em “servidores
federais”. No entanto, a jurisprudência do STJ firmou entendimento de que a prerrogativa legal de transferência de
aluno ou dependente concedida a servidor público federal estende-se também a servidores estaduais e municipais, nos
casos de transferência de ofício, e entre estabelecimentos de ensino congêneres. STJ.
- Mas é possível que um servidor estadual ou municipal seja transferido ex officio? SIM. Isso é possível tanto dentro
do mesmo Estado como também (mais raramente) para outro Estado da Federação. Ex: um servidor estadual que é
transferido ex officio de um Município do interior para a capital, ou vice-versa. Ex2: um servidor do Município de
São Paulo (SP) é transferido ex officio da capital paulista para Brasília (DF), onde a AP mantém um escritório de
representação para cuidar dos assuntos municipais na capital federal.
- STJ: O filho do membro do MPT nomeado para o cargo de Desembargador Federal na vaga do quinto constitucional
tem direito de ser transferido para a Universidade do local para onde se mudou.
Não tem direito: A prerrogativa conferida pela Lei nº 9.536/97 deve ser interpretada de forma restritiva e, portanto,
não contempla as transferências “a pedido” do próprio servidor. Assim, não se aplica quando o interessado na
transferência se deslocar para outra localidade com o objetivo de assumir: • cargo efetivo em razão de concurso
público. Ex: o pai do estudante de Medicina passou em um concurso para morar em outro Estado. • cargo
comissionado; ou • função de confiança.
Requisito da congeneridade: • Se o servidor estudava em uma instituição pública, será matriculado em uma
instituição pública na localidade de destino.
• Se fazia o curso em uma instituição privada, sua matrícula será efetividade em uma instituição privada.
E se a instituição congênere da localidade de destino não oferecer o curso que era feito pelo servidor em seu antigo
domicílio? Suponhamos, hipoteticamente, que, em Rio Branco, as universidades privadas lá existentes não possuem o
curso de medicina. O que fazer neste caso? Diante desses casos concretos, a jurisprudência dos TRFs e do STJ criou
uma exceção ao requisito da congeneridade. Passou-se a dizer o seguinte: se não houver curso correspondente em
estabelecimento congênere no local da nova residência ou em suas imediações, deverá ser assegurada a matrícula em
instituição não congênere. Ex.: como em Rio Branco não havia uma faculdade particular de Medicina, Paulo teria
direito a uma vaga no curso de Medicina da universidade pública. As universidades públicas questionaram essa
“exceção”, sob a alegação de que isso violaria o princípio da isonomia (art. 5º) e o direito à igualdade de condições
para o acesso à escola e à educação (art. 206, I, da CF).
Decisão do STF: É constitucional a previsão legal que assegure, na hipótese de transferência ex officio de servidor,
a matrícula em instituição pública, se inexistir instituição congênere à de origem. Se a cidade de destino do servidor
não tem um curso congênere na rede privada, deve-se admitir a matrícula em universidade pública, sob pena de haver
uma restrição desproporcional. Exigir que a transferência se dê entre instituições de ensino congêneres praticamente
inviabiliza o direito à educação não apenas dos servidores, mas de seus dependentes, solução que viola o disposto na
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Lei nº 9.536/97, e exclui, por completo, a fruição de um direito fundamental. Impedir a matrícula do servidor ou de
seus dependentes, em caso de transferência compulsória, quando inexistir instituição congênere no município,
possivelmente levaria ao trancamento do curso ou sua desistência. Assim, permitir a matrícula, ante a inviabilidade de
um dos direitos em confronto, não se afigura desproporcional.
4.5. Remuneração
Inconstitucionalidade de norma que equipara remuneração de servidores públicos: A CE/Ceará previa que deveria
ser assegurado “aos servidores da AP, das autarquias e das fundações, isonomia de vencimentos para cargos de
atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.” O STF
decidiu que é inconstitucional a expressão “das autarquias e das fundações”. Isso porque a equiparação remuneratória
entre servidores, a teor da redação originária do art. 39, § 1º, da CF, restringiu-se aos servidores da AP direta, não
mencionando os entes da AP indireta, como o faz a norma impugnada. Além disso, o dispositivo estadual não foi
recepcionado, em sua integralidade, pela redação atual do art. 39 da CF, na forma EC 19/1998.
Constitucionalidade de norma da CE que assegura equiparação salarial para professores com igual titulação,
respeitando-se o grau de ensino em que estiverem atuando: A CE/Ceará prevê que deverá ser assegurada isonomia
salarial para docentes em exercício, com titulação idêntica, respeitando-se o grau de ensino em que estiverem atuando.
O STF decidiu que essa regra é constitucional e que não ofende o art. 37, XIII. Isso porque não há, no caso,
equiparação salarial de carreiras distintas, considerando que se trata especificamente da carreira de magistério público
e de docentes com titulação idêntica.
Inconstitucionalidade de normas da CE que tratam sobre remuneração e direitos dos servidores públicos sem que
existam previsões semelhantes na CF: O STF entende que a CE não pode prever vantagens para os servidores
públicos, como é o caso da licença especial e de eventuais acréscimos quando da aposentadoria, salvo se isso estiver
expressamente previsto também na CF. Se a CE prevê direitos para os servidores públicos sem respaldo na CF, isso
significa uma violação à iniciativa privativa do Governador do Estado para legislar sobre servidores públicos. Trata-se
de uma manobra para “engessar” o chefe do Poder Executivo, havendo, portanto, violação à separação dos poderes.
Os dispositivos questionados tratam de remuneração e direitos de servidores públicos, os quais, não encontrando
similares na CF, somente poderiam ser veiculados por lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo.
Não é compatível com a CF/88 a norma de CE que estabelece que o servidor público inativo deverá receber
obrigatoriamente a mais do que percebia na ativa: a CE/Ceará previa que o servidor, ao se aposentar, deveria
receber, como proventos, o valor pecuniário correspondente ao padrão de vencimento imediatamente superior ao da
sua classe funcional, e, se já ocupasse o ultimo escalão, faria jus a uma gratificação adicional de 20% sobre a sua
remuneração. O STF decidiu que essa previsão não era considerada materialmente inconstitucional à época da edição
da Carta, uma vez que a superação da remuneração em atividade era tolerada na redação original da CF. Porém, essa
regra não foi recepcionada pela EC 20/98 que proibiu a superação do patamar remuneratório da atividade e a
impossibilidade de incorporação da remuneração do cargo em comissão para fins de aposentadoria (art. 40, §§ 2º e 3º,
da CF/88).
Os substitutos interinos dos cartórios extrajudiciais devem receber limitado ao teto do funcionalismo público (art.
37, XI, da CF/88)
Serventias extrajudiciais: Apesar de serem aprovados em concurso, eles não são servidores públicos nem ocupam
cargos públicos. São considerados particulares em colaboração com o Poder Público. Os notários e registradores não
são remunerados por recursos públicos. São remunerados unicamente pelos emolumentos cobrados dos usuários dos
serviços. A CF definiu que esses serviços extrajudiciais seriam exercidos em caráter privado (art. 236).
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Os rendimentos dos titulares de serventias extrajudiciais estão limitados ao teto do funcionalismo público (art. 37,
XI)? NÃO.
CNJ e fiscalização dos cartórios: as serventias extrajudiciais são fiscalizadas pelo Poder Judiciário estadual,
estando vinculadas aos TJs (art. 236, § 1º da CF/88). O CNJ é o órgão correicional máximo do Poder Judiciário e, por
essa razão, fiscaliza também as serventias extrajudiciais. Existe, inclusive, previsão expressa no art. 103-B da CF/88.
Fiscalização do CNJ em relação aos concursos públicos e a figura dos interinos : Desde 2009, o CNJ tem
intensificado a fiscalização sobre as serventias extrajudiciais a fim de verificar se os seus titulares estão na função ou
não por força de concurso público, conforme determina o art. 236 da CF/88. Em diversos casos, o Conselho
identificou titulares que assumiram a função após a CF/88, sem concurso público. Por conta disso, o CNJ afastou
diversos notários e registradores dos cartórios e determinou que os Tribunais de Justiça fizessem concurso público.
Ocorre que, enquanto tais concursos não são realizados, alguém precisa, interinamente, exercer as funções notariais e
registrais no lugar do titular que foi afastado. Assim, o titular (que estava sem concurso) é afastado e o Tribunal de
Justiça deve designar um “interino” para exercer as funções na respectiva serventia. O que fez, contudo, o CNJ:
determinou que substitutos que respondem interinamente pelas atividades da serventia estão sujeitos ao teto
remuneratório previsto no art. 37, XI, da CF/88. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil impetrou
mandado de segurança contra essa determinação do Corregedor Nacional alegando, entre outros argumentos, que os
substitutos/interinos também são particulares em colaboração com o Poder Público e, por isso, não lhes é aplicável o
teto disposto no art. 37, IX, da CF/88.
Decisão do STF: Incide o teto remuneratório constitucional aos substitutos interinos de serventias extrajudiciais. O
titular interino não pode ser equiparado ao titular da serventia, considerando que ele não preenche os requisitos para
tanto. Assim, ele está atuando como um preposto do Poder Público e, nessa condição, deve submeter-se aos limites
remuneratórios previstos para os agentes públicos.
Reajuste geral de 28,86% e policiais rodoviários federais e O aumento de 45% concedido aos militares pela Lei nº
8.237/91 não foi uma revisão geral da remuneração, não podendo ser estendida para os servidores públicos civis:
v. livro (para concursos federais).
Revisão geral da remuneração antes da EC 19/98 : O art. 37, X, da CF/88, antes da EC 19/98, estabelecia que a
revisão geral da remuneração dos servidores públicos civis deveria ser feita nos mesmos índices que a revisão geral da
remuneração dos militares e vice-versa. Havia uma vinculação entre eles.
Atualmente, a regra constitucional de equiparação entre servidores civis e militares continua a mesma? NÃO . A
EC 19/98 alterou o texto constitucional e impôs duas mudanças que interessam diretamente ao tema:
1) Antes da EC 19/98, os militares eram chamados de “servidores públicos militares”, em contraposição aos
“servidores públicos civis”. Após a mudança, os militares deixaram de ser qualificados como servidores públicos e
passaram a ser chamados de “militares”. Os antigos “servidores públicos civis” agora são chamados apenas de
“servidores públicos”;
2) A redação do inciso X do art. 37 foi modificada e não mais existe essa equiparação entre os servidores públicos e
os militares. Assim, se atualmente for dado um reajuste anual para os militares maior do que para os servidores
públicos do Poder Executivo federal, estes não terão direito de pedir equiparação. O contrário também é verdadeiro.
4.6. Não devolução dos valores recebidos de boa-fé por servidor público por força de decisão liminar revogada
Fatos: João, servidor público federal aposentado, impetrou MS pedindo que não fosse descontada de seus
proventos uma gratificação que é paga aos servidores da ativa. Na época, a jurisprudência entendia que essa
gratificação era realmente devida aos aposentados. Em razão disso, foi concedida a medida liminar e, por força dessa
decisão provisória, João passou a receber R$ 2 mil a mais todos os meses na sua aposentadoria. Essa situação durou 2
anos. Isso porque, quando o Tribunal foi julgar o mérito do mandado de segurança, a jurisprudência já havia se
alterado, passando a entender que a gratificação pedida era, de fato, exclusiva dos servidores da ativa. Assim, o
Tribunal reconheceu que João não tinha direito líquido e certo ao recebimento da gratificação, negou a segurança e
revogou a liminar outrora concedida. A União pediu, então, que João fosse condenado a devolver os valores que
recebeu ao longo dos 2 anos por força da decisão liminar que foi revogada. Segundo a FP, a devolução é imposta pelo
art. 46, § 3º da Lei nº 8.112/90.
Decisão do STF: João não terá que devolver os valores relativos aos 2 anos que recebeu por força da medida
liminar posteriormente revogada. É desnecessária a devolução dos valores recebidos por liminar revogada, em razão
de mudança de jurisprudência. Também é descabida a restituição de valores recebidos indevidamente, circunstâncias
em que o servidor público atuou de boa-fé. Essa orientação ampara-se na confiança legítima que o beneficiário da
decisão tem no sentido de que a sua pretensão será acolhida. Assim, os princípios da boa-fé e da segurança jurídica
afastam o dever de restituição de parcelas recebidas por ordem liminar revogada.
O STJ possui o mesmo entendimento acima exposto? NÃO. O STJ, sem enfrentar expressamente o tema referente
à mudança na jurisprudência, em regra, afirma que é devida a devolução.
Servidor público que recebe, administrativamente, valores que, posteriormente, se mostram indevidos, é obrigado
a restituir a quantia? Cf. o STF, as quantias percebidas pelos servidores em razão de decisão administrativa dispensam
a restituição quando: a) auferidas de boa-fé; b) há ocorrência de errônea interpretação da Lei pela AP; c) ínsito o
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caráter alimentício das parcelas percebidas, e d) constatar-se o pagamento por iniciativa da AP, sem participação dos
servidores.
Servidor que recebe indevidamente valores por meio de decisão administrativa (posição do STJ não exige esses
mesmos requisitos do STF). Se o servidor público recebe valores por força de decisão administrativa posteriormente
revogada, tal quantia poderá ser exigida de volta pela AP? NÃO.
Servidor que recebe indevidamente valores em decorrência de erro operacional da AP: não é devida a restituição.
Restituição à AP de proventos depositados a servidor público falecido : os herdeiros devem restituir os proventos
que, por erro operacional da AP, continuaram sendo depositados em conta de servidor público após o seu falecimento.
Em suma:
4.7. Greve
Constitucionalidade de Decreto estadual que regulamenta as providências a serem adotadas em caso de greve
Mesmo sem haver lei, os servidores públicos podem fazer greve? SIM. O STF decidiu que, mesmo sem ter sido
ainda editada a lei de que trata o art. 37, VII, da CF, os servidores públicos podem fazer greve, devendo ser aplicadas
as leis que regulamentam a greve para os trabalhadores da iniciativa privada (Lei nº 7.701/88 e Lei nº 7.783/89).
Quais são os requisitos para que os servidores públicos possam fazer greve? São requisitos para a deflagração de
uma greve no serviço público: a) tentativa de negociação prévia, direta e pacífica; b) frustração ou impossibilidade de
negociação ou de se estabelecer uma agenda comum; c) deflagração após decisão assemblear; d) comunicação aos
interessados, no caso, ao ente da AP a que a categoria se encontre vinculada e à população, com antecedência mínima
de 72 horas (uma vez que todo serviço público é atividade essencial); e) adesão ao movimento por meios pacíficos; e
f) a garantia de que continuarão sendo prestados os serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades dos
administrados (usuários ou destinatários dos serviços) e à sociedade.
Caso os servidores públicos realizem greve, a Administração Pública deverá descontar da remuneração os dias em
que eles ficaram sem trabalhar?
Regra: SIM. Em regra, a AP deve fazer o desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de
greve pelos servidores públicos.
Exceção: não poderá ser feito o desconto se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do PP.
Para que seja realizado o desconto dos dias não trabalhados, exige-se a instauração de processo administrativo?
NÃO, cf. decide o STJ.
Fatos: O Governador da Bahia editou um decreto prevendo que, em caso de greve, deverão ser adotas as seguintes
providências: a) convocação dos grevistas a reassumirem seus cargos; b) instauração de processo administrativo
disciplinar; c) desconto em folha de pagamento dos dias de greve; d) contratação temporária de servidores; e)
exoneração dos ocupantes de cargo de provimento temporário e de função gratificada que participarem da greve.
Decisão do STF: o Decreto é constitucional. Trata-se de decreto autônomo que disciplina as consequências —
estritamente administrativas — do ato de greve dos servidores públicos e as providências a serem adotadas pelos
agentes públicos no sentido de dar continuidade aos serviços públicos. A norma impugnada apenas prevê a
instauração de processo administrativo para se apurar a participação do servidor na greve e as condições em que ela se
deu, bem como o não pagamento dos dias de paralisação, o que está em consonância com a orientação fixada pelo
STF no julgamento do MI 708. É possível a contratação temporária excepcional (art. 37, IX, da CF/88) prevista no
decreto porque o Poder Público tem o dever constitucional de prestar serviços essenciais que não podem ser
interrompidos, e que a contratação, no caso, é limitada ao período de duração da greve e apenas para garantir a
continuidade dos serviços.
4.8. Os Correios têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados
Os servidores de empresas públicas e sociedades de economia mista, admitidos por concurso público, gozam da
estabilidade do art. 41 da CF/88? NÃO. A estabilidade do art. 41 da CF/88 é conferida apenas aos servidores
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estatutários. Os agentes públicos que atuam nas empresas públicas e sociedades de economia mista são servidores
celetistas (empregados públicos). Logo, não gozam de estabilidade.
Os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista podem ser demitidos sem motivação ? Em
2013, o STF, ao analisar um caso envolvendo um empregado dos Correios que havia sido demitido sem motivação,
decidiu que NÃO. Em outras palavras, o STF afirmou que a conduta da empresa pública foi errada e que a ECT
(Correios) tem o dever de motivar formalmente o ato de dispensa de seus empregados. Argumentos:
• Os servidores dos Correios, mesmo admitidos por concurso público, não gozam da estabilidade preconizada no art.
41 da CF. No entanto, apesar de não possuírem estabilidade, somente podem ser demitidos por meio de um
procedimento formal, assegurado ao empregado o direito ao contraditório e à ampla defesa, e ao final, esta demissão
deverá ser sempre motivada.
• A ECT submete-se a regras de direito privado, mas tais normas sofrem uma derrogação parcial (mitigação) em favor
de certas regras de direito público. Logo, o regime aplicável à ECT não é inteiramente privado.
Inconformismo de outras EPs e SEM: Ocorre que outras empresas públicas e sociedades de economia mista que
exploram atividade econômica não se conformaram com isso dizendo que elas são diferentes dos Correios e que a
ECT recebe tratamento muito parecido com o de Fazenda Pública, tanto que goza de imunidade tributária. Assim, o
BB (sociedade de economia mista federal que explora atividade econômica) ingressou com embargos de declaração
dizendo o seguinte: olha, há uma obscuridade no acórdão. Isso porque só se discutiu a questão dos Correios e a tese
ficou muito genérica. Seria bom o STF esclarecer essa questão.
Decisão do STF: Em 2018, o STF, ao julgar os EDs, afirmou que a referida decisão (RE 589998/PI) só se aplica
realmente para os Correios, considerando que o caso concreto envolvia um empregado da ECT. Quanto às demais
empresas públicas e sociedades de economia mista, o STF afirmou que ainda não decidiu o tema, ou seja, terá que ser
analisado caso a caso. Assim, por enquanto, essa decisão, ao menos formalmente, só se aplica para os Correios.
4.10. A contribuição previdenciária paga pelo servidor não deve incidir sobre parcelas que não são
incorporadas à sua aposentadoria: decidiu o STF que não incide contribuição previdenciária sobre verba não
incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, como terço de férias, serviços extraordinários,
adicional noturno e adicional de insalubridade.
Obs.: a discussão envolvia verbas anteriores à atual redação da Lei 10.887/04, dada pela Lei 12.688/12, que
expressamente excluiu da incidência da contribuição previdenciária as verbas a título de terço de férias, serviços
extraordinários (horas extras) e adicional noturno - o adicional de insalubridade já era excluído desde a redação
originária da Lei 10.887/04.
Regime contributivo: o regime previdenciário é contributivo e essa dimensão contributiva do sistema mostra-se
incompatível com a cobrança de qualquer verba previdenciária que não garanta ao segurado algum benefício efetivo
ou potencial ao servidor. O princípio da solidariedade não é suficiente para afastar esse aspecto, impondo ao
contribuinte uma contribuição que não lhe trará qualquer retorno. De um lado, o princípio da solidariedade afasta a
relação simétrica entre contribuição e benefício. De outro, o princípio contributivo impede a cobrança de contribuição
previdenciária sem que se confira ao segurado alguma contraprestação, efetiva ou potencial, em termos de serviços ou
benefícios. Nesse contexto, ainda que o princípio da solidariedade seja pedra angular do sistema próprio dos
servidores, não pode esvaziar seu caráter contributivo, informado pelo princípio do custo-benefício, tendo em conta a
necessidade de um sinalagma mínimo, ainda que não importe em perfeita simetria entre o que se paga e o que se
recebe. Desse modo, deve ser estabelecida a aplicação simétrica do binômio formado entre os princípios da
contributividade e da solidariedade, de forma a prestigiá-los e conjugá-los em um produto final equilibrado. Logo,
caso o Estado tenha intenção de promover um fortalecimento atuarial, poderá agravar a alíquota incidente sobre os
participantes ou até mesmo aumentar sua participação no custeio, mas não tributar sobre base não imponível.
Acordo de divisão da pensão por morte não altera a ordem legal de beneficiários, mas autoriza desconto pela
entidade de previdência: O acordo de partilha de pensão por morte, homologado judicialmente, não altera a ordem
legal do pensionamento8, podendo, todavia, impor ao órgão de previdência a obrigação de depositar parcela do
benefício em favor do acordante que não figura como beneficiário perante a autarquia previdenciária. Caso concreto:
companheira do servidor falecido era a única beneficiária da pensão por morte; ela fez um acordo com a mãe do de
cujus dividindo a pensão com ela; esse acordo não transforma a mãe do falecido em beneficiária da pensão (não altera
a ordem legal); no entanto, com esse ajuste, é possível exigir que a entidade previdenciária pague metade da pensão
para a beneficiária e metade para a mãe do falecido que, mesmo sem ser beneficiária legal, poderá receber o valor
porque houve um desconto autorizado pela titular do benefício.
4.13. São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de
perseguição política praticada na época da ditadura militar
Fatos: João era servidor da ALE/PR. Em 1963, João foi demitido em razão de perseguição política na época da
ditadura militar. Em 2011, João ajuizou ação ordinária contra o Estado do Paraná pedindo a sua reintegração ao cargo,
com base no art. 8º do ADCT e na Lei 10.599/02. A PGE alegou prescrição (5 anos da publicação da Lei).
Decisão do STJ: São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em
razão de atos de exceção praticados durante o regime militar. A CF não prevê prazo prescricional para o exercício do
direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violados
durante o período do regime de exceção. É certo que a prescrição é a regra no ordenamento jurídico. Assim, em regra,
para uma pretensão ser considerada imprescritível deverá haver um comando expresso no texto constitucional, como é
o caso do art. 37, § 5º da CF. O STJ, no entanto, excepcionalmente, afirma que, mesmo sem uma previsão expressa, é
possível considerar que as pretensões (seja indenizatória, seja reintegração no cargo) que buscam reparações
decorrentes do regime militar de exceção são imprescritíveis considerando que envolvem a concretização da
dignidade da pessoa humana. No caso de João, isso significa que: terá direito de ser reintegrado; e terá direito à
remuneração retroativa, mas limitada aos últimos 5 anos, contados para trás, tendo marco o ajuizamento. Como o
pedido foi formulado em 2011, ele terá direito à remuneração retroativa desde 2006.
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Caso fosse admitido que o acordo alterasse a ordem legal, poderia acontecer a seguinte burla às regras do sistema
previdenciário: se Maria (companheira) falecesse antes de Francisca (mãe), esta, mesmo sem ser beneficiária segundo a lei,
passaria a receber a integralidade da pensão. Assim, alguém que não era originalmente beneficiária teria se tornado pelo
simples fato de ter havido um acordo entre particulares.
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Teto remuneratório
A quem se aplica o teto remuneratório? O teto é aplicado aos agentes públicos independentemente do tipo de
vínculo: estatutário, celetista, temporário, comissionado, político.
O teto vale também para a AP direta e indireta?
Agentes públicos da administração direta: SEMPRE
Agentes públicos das autarquias e fundações: SEMPRE
Empregados públicos das EPs e SEM: o teto só se aplica se a EP ou a SEM receber recursos da União, dos Estados,
do DF ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (art. 37, § 9º).
Quais as parcelas incluídas nesse limite?
- Regra: o teto abrange todas as espécies remuneratórias e todas as parcelas integrantes do valor total percebido,
incluídas as vantagens pessoais ou quaisquer outras.
- Exceções: Estão fora do teto as seguintes verbas: a) parcelas de caráter indenizatório previstas em lei (§ 11 do art.
37); b) verbas que correspondam aos direitos sociais previstos no art. 7º c/c o art. 39, § 3º da CF/88, tais como 13º
salário, 1/3 constitucional de férias etc.; c) quantias recebidas pelo servidor a título de abono de permanência em
serviço (§ 19 do art. 40); d) remuneração em caso de acumulação legítima de cargos públicos.
Os proventos recebidos pelo agente público aposentado também estão submetidos ao teto? Sim. A redação do art.
37, XI, menciona expressamente os proventos.
EC 41/03: alterou novamente o inciso XI trazendo duas novidades importantes: 1) passou a admitir que os Estados
e Municípios instituíssem subtetos estaduais e municipais; 2) previu que, mesmo sem lei regulamentando, o teto
remuneratório deveria ser imediatamente aplicado, utilizando-se como limite o valor da remuneração recebida, na
época, pelo Ministro do STF (art. 8º da EC 41/2003).
5. DESAPROPRIAÇÃO
2) declarou a constitucionalidade do § 1º do art. 15-A, que condiciona o pagamento dos juros compensatórios à
comprovação da “perda da renda comprovadamente sofrida pelo proprietário”;
3) declarou a constitucionalidade do § 2º do art. 15-A, afastando o pagamento de juros compensatórios quando o
imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência iguais a zero;
- Prevaleceu o voto do Min. Alexandre de Moraes, que afirmou que tais dispositivos não violam o direito de
propriedade nem vulneram o caráter justo da indenização. Isso porque é correto dizer que os juros compensatórios
destinam-se a compensar tão somente a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. A perda da
propriedade é compensada pelo valor principal, pela correção monetária e pelos juros moratórios. Em suma, os juros
compensatórios não têm a função de indenizar o valor da propriedade em si, senão o de compensar a perda da renda
decorrente da privação da posse e da exploração econômica do bem entre a data da imissão na posse pelo poder
público e transferência compulsória ao patrimônio público, que ocorre com o pagamento do preço fixado na sentença.
Em suma, os dispositivos impugnados são constitucionais e condicionam a condenação do Poder Público ao
pagamento aos juros compensatórios aos seguintes requisitos: a) ter ocorrido imissão provisória na posse do imóvel;
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Art. 15-A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social,
inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na
sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até 6% ao ano sobre o valor da diferença
eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. (Incluído pela MP 2.183-56, de
2001)
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b) a comprovação pelo proprietário da perda da renda sofrida pela privação da posse; c) o imóvel possuir graus de
utilização da terra e de eficiência na exploração superiores a zero.
4) declarou a constitucionalidade do § 3º do art. 15-A, estendendo as regras e restrições de pagamento dos juros
compensatórios à desapropriação indireta. Isso porque tais ações devem receber o mesmo tratamento da
desapropriação no que tange aos juros. Assim, se o Poder Público realizar o apossamento administrativo, sem acordo
administrativo ou processo judicial, os juros compensatórios são devidos, com as mesmas condicionantes dos §§1º e
2º, a contar da data do esbulho (imissão na posse).
5) declarou a inconstitucionalidade do § 4º do art. 15-A. Isso porque ele exclui indevidamente o direito aos juros
compensatórios, violando a exigência constitucional de justa indenização (art. 5º, XXIV) e o DF de propriedade (art.
5º, XXII). Como já dito, tais ações devem receber o mesmo tratamento da desapropriação no que tange aos juros.
6) declarou a constitucionalidade da estipulação de parâmetros mínimo (0,5%) e máximo (5%) para a concessão de
honorários advocatícios e a inconstitucionalidade da expressão “não podendo os honorários ultrapassar R$
151.000,00” prevista no § 1º do art. 27.
- O STF afirmou que é constitucional essa previsão de parâmetros mínimo (0,5%) e máximo (5%) para a concessão de
honorários advocatícios. Nas ações de desapropriação direta ou indireta, embora a Fazenda Pública seja parte no
processo, não terá aplicação o escalonamento previsto art. 85, §6º, do CPC no que tange aos honorários advocatícios.
Vale a regra da especialidade, cabendo ao juiz fixar nessas ações honorários no percentual entre 0,5% e 5%. Por outro
lado, o STF considerou que é inconstitucional a expressão “não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,000”.
Isso porque limitar os honorários em um determinado valor fixo (que não seja um percentual) viola o princípio da
proporcionalidade e acaba refletindo no justo preço da indenização que o expropriado deve receber (art. 5º, XXIV).
Influencia no preço da indenização porque se o advogado do expropriado não for remunerado corretamente pelo ente
expropriante, ele acabará exigindo essa diferença do seu cliente, reduzindo o valor que o expropriado teria para
receber.
6.2. CGU tem competência para aplicar pena de demissão a servidor do Poder Executivo Federal mesmo que
ele estivesse cedido para a Câmara dos Deputados: Compete ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral
da União a aplicação da penalidade de demissão a servidor do Poder Executivo Federal, independentemente de se
encontrar cedido à época dos fatos para o Poder Legislativo Federal.
Obs.: já decidiu o STJ: a instauração de PAD contra servidor efetivo cedido deve ocorrer, preferencialmente, no órgão
em que tenha sido praticada a suposta irregularidade. Por outro lado, o julgamento e a eventual aplicação de sanção só
podem ocorrer no órgão ao qual o servidor efetivo estiver vinculado. Ex: João é servidor efetivo (técnico judiciário)
do TJDFT e foi cedido para um cargo em comissão no STJ. Quando ainda estava prestando serviços no STJ, João
praticou uma infração disciplinar. A Instauração do PAD deverá ser feita preferencialmente pelo STJ. Por outro lado,
o julgamento do servidor e aplicação da sanção deverão ser realizados obrigatoriamente pelo TJDFT.
7. LITICAÇÕES
7.1. Empresa em RJ pode participar de licitação, desde que demonstre a sua viabilidade econômica
Lei 8.666/93: a dúvida surge, porque o art. 31 da Lei não teve o texto alterado para se amoldar à LFRJ, tampouco
foi derrogado (expressamente). Assim, ainda consta na redação do dispositivo a palavra “concordata”.
Decisão do STJ: Como o art. 31, II, da Lei 8.666 não foi alterado para substituir certidão negativa de concordata
por certidão negativa de RJ, a AP não pode exigir tal documento como condição de habilitação, haja vista a ausência
de autorização legislativa. Assim, as empresas submetidas à RJ estão dispensadas da apresentação da referida
certidão.
- O art. 31, II da Lei nº 8.666/93 é uma norma restritiva e, por isso, não admite interpretação que amplie o seu sentido.
Por força do princípio da legalidade, é vedado à Administração conferir interpretação extensiva ou restritiva de
direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa. Logo, é incabível a automática inabilitação de empresas
em recuperação judicial unicamente pela não apresentação de certidão negativa.
- A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 8.666/93 e da Lei 11.101/2005 nos leva à conclusão de que é
possível uma ponderação equilibrada entre os princípios nelas imbuídos, pois a preservação da empresa, a sua função
social e o estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez
que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. Negar à pessoa
jurídica em crise econômico-financeira o direito de participar de licitações públicas, única e exclusivamente pela
ausência de entrega da certidão negativa de recuperação judicial, vai de encontro ao sentido atribuído pelo legislador
ao instituto recuperacional.
- É necessário que se adotem providências a fim de avaliar se a empresa recuperanda participante do certame, caso
seja vencedora, tem condições de suportar os custos da execução do contrato. Significa dizer, é preciso aferir se a
empresa sujeita ao regime da Lei 11.101/05 possui aptidão econômica e financeira, conforme exige o art. 27, III, da
Lei 8.666/93.
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Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do
denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.
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A flexibilização das regras de licitação, pode ser aplicado também para o programa “Minha Casa, Minha Vida” 11?
Sim, desde que se observem os princípios gerais da administração pública, isto é, aqueles previstos no art. 37 da CF e
que se consubstanciam em legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
7.3. Decreto 9.412/2018, que atualizou os valores previstos no art. 23 da Lei 8.666
Modalidades de licitação: o art. 23 da Lei 8.666 prevê 5: I - concorrência; II - tomada de preços; III - convite; IV -
concurso; V - leilão. Obs: fora da Lei nº 8.666/93 existem ainda o pregão e a consulta.
As 3 modalidades utilizadas para a contratação de compras e serviços são a concorrência, a tomada de preços e o
convite. Qual é o critério que define a modalidade de licitação que deverá ser utilizada? O art. 23 da Lei 8.666/93
prevê que esse critério é baseado no valor da contratação.
Qual era o “problema”? Esses limites foram estipulados em 1998 pela Lei nº 9.648/98. Já havia se passado 20 anos
e os valores encontravam-se desatualizados.
Foi aí que, cf. autorização do art. 120 da própria Lei 8.666 (portanto, não há ilegalidade na alteração do valor por
decreto12), editou-se o Decreto 9.412.
Consequências: 1) Aumentam as situações nas quais o administrador público estará autorizado a utilizar a
modalidades de CONVITE e TOMADA DE PREÇOS. Assim, com a atualização do valor, houve uma ampliação dos
casos nos quais a administração pública poderá realizar modalidades menos complexas de licitação.
2) Aumenta o limite de valor (“teto”) que o administrador público tem para contratar diretamente, sem licitação – v.
livro para mais informações.
Esse Decreto nº 9.412/2018 produz também efeitos no âmbito das APs estadual, distrital e municipal? Em outras
palavras, ele vale também para Estados, DF e Municípios? SIM, pois a L. 8.666 é norma geral.
8. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
8.3. Novo inciso ao art. 11 da LIA: como se sabe, os hospitais particulares e demais instituições privadas de saúde
também podem prestar serviços do SUS, mas apenas em caráter complementar e somente quando a disponibilidade da
rede pública não for suficiente para atender a demanda. Nesta hipótese, deve-se haver instrumentalização por meio de
contrato ou convênio:
• convênio: é assinado entre o ente público e uma instituição privada sem fins lucrativos, quando houver interesse
comum em firmar uma parceria em prol da prestação de serviços assistenciais à saúde;
• contrato: é assinado entre o ente público e uma instituição privada, com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do
contrato for a compra de serviços de saúde.
A Lei nº 13.650/2018 inseriu um inciso no art. 11 da Lei nº 8.429/92 afirmando que a prática de transferir recursos
para instituições privadas de saúde sem prévio contrato ou convênio é ato de improbidade administrativa. A conduta
acima tipificada, mesmo antes da Lei nº 13.650/2018, já poderia ser considerada ato de improbidade administrativa,
pois os incisos dos arts. 9º, 10 e 11 trazem rol exemplificativo. A previsão, assim, reforçou a tipicidade.
Frise-se, por fim, que a conduta pode configurar um ato de improbidade administrativa mais grave. Isso porque essa
transferência de recurso sem contrato ou convênio em alguns casos não se limita a uma falha formal. Essa prática
pode gerar um real prejuízo ao erário, hipótese na qual pode se enquadrar no art. 10, XI.
9. TEMAS DIVERSOS
Concessionária de energia elétrica não pode cobrar a multa do art. 4º, p. u. do DL 2.432/88 dos órgãos públicos
usuários do serviço: A concessionária de fornecimento de energia elétrica não pode exigir de órgão público, usuário
do serviço, multa por inadimplemento no pagamento de fatura, fundamentada no parágrafo único do art. 4º do
Decreto-Lei nº 2.432/88. A multa prevista no parágrafo único do art. 4º do DL 2.432/88 refere-se aos contratos de
compra e venda de energia elétrica entre concessionárias de serviço público de energia elétrica, não sendo aplicada
para as relações entre a concessionária e os usuários do seu serviço, ou seja, não é uma multa a ser cobrada dos
clientes (usuários finais).
É constitucional a previsão de que a ANVISA pode proibir produtos e insumos em caso de violação da legislação
ou de risco iminente à saúde, inclusive cigarros com sabor e aroma: É constitucional o art. 7º, III e XV, da Lei nº
9.782/99, que preveem que compete à ANVISA: III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas,
as diretrizes e as ações de vigilância sanitária; XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a
distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco
iminente à saúde; Entendeu-se que tais normas consagram o poder normativo desta agência reguladora, sendo
importante instrumento para a implementação das diretrizes, finalidades, objetivos e princípios expressos na
Constituição e na legislação setorial. Além disso, o STF, após empate na votação, manteve a validade da Resolução
RDC 14/2012- ANVISA, que proíbe a comercialização no Brasil de cigarros com sabor e aroma. Esta parte do
dispositivo não possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. Significa dizer que, provavelmente, as empresas
continuarão ingressando com ações judiciais, em 1ª instância, alegando que a Resolução é inconstitucional e pedindo
a liberação da comercialização dos cigarros com aroma. Os juízes e Tribunais estarão livres para, se assim
entenderem, declararem inconstitucional a Resolução e autorizar a venda. Existem, inclusive, algumas decisões nesse
sentido e que continuam valendo.
Competência do DNIT para fiscalizar trânsito nas rodovias e estradas federais: O Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes - DNIT detém competência para a fiscalização do trânsito nas rodovias e estradas
federais, podendo aplicar, em caráter não exclusivo, penalidade por infração ao CTB, consoante se extrai da
conjugada exegese dos arts. 82, § 3º, da Lei nº 10.233/2001 e 21 do CTB. Assim, a competência não é só da PRF.
Fiscalização prévia do camarão in natura: É obrigatória a prévia fiscalização do camarão in natura, ainda que na
condição de matéria-prima, antes do beneficiamento em outros Estados da Federação, podendo tal atividade ser
realizada no próprio estabelecimento rural onde se desenvolve a carcinicultura.
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9.4. Acordo de leniência e compartilhamento de provas
Acordo de leniência: a Lei 12.846/13 prevê a possibilidade de a pessoa jurídica que praticar ato lesivo à
administração pública celebrar um “acordo de leniência” para abrandar a sua punição. O acordo de leniência é uma
espécie de “colaboração premiada”.
Quais são os requisitos para que o acordo seja celebrado? I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre
seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento
na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita sua participação no
ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas
expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
A colaboração da pessoa jurídica precisa ser eficaz? SIM. É necessário que a PJ colabore efetivamente com as
investigações e com o processo e dessa colaboração deve resultar: I - a identificação dos demais envolvidos na
infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
O MP pode celebrar acordo de leniência? Há uma polêmica sobre isso. O art. 16, § 10 da Lei 12.846/13 afirma que
“a Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do
Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.” A
posição que prevalece, contudo, é a de que, mesmo no silêncio da Lei, o Ministério Público pode sim fazer o acordo
de leniência porque isso decorre do art. 129 da CF/88.
Cuidado para não confundir- Existe um acordo de leniência que é previsto na Lei nº 12.529/11 : “é um instrumento
de defesa da concorrência por meio do qual um ou mais agentes que praticaram infração à ordem econômica
cooperam voluntariamente com as investigações em troca de redução da pena ou até mesmo do perdão total. Trata-se
de instituto equivalente à delação premiada do direito penal".
Fatos: Tramitava no STF um inquérito p/ apurar suposta propina que teria sido paga pela construtora
ODEBRECHT ao Deputado Federal Rodrigo Garcia, na época em que ele era Secretário Municipal na cidade de SP.
Vale ressaltar que os elementos informativos (“provas”) que constam neste inquérito foram fornecidos pela própria
ODEBRECHT, que firmou um acordo de leniência com o MPF. A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e
Social de São Paulo soube da existência desse inquérito e requereu ao STF o compartilhamento das “provas” a fim de
instruir um inquérito civil instaurado para investigar a possível prática de ato de improbidade por parte de Rodrigo
Garcia. A ODEBRECHT manifestou-se contrariamente ao compartilhamento afirmando o seguinte: a nossa empresa
celebrou um acordo de leniência com o MPF. Se o MP/SP quer ter acesso ao inteiro teor do inquérito, deverá aderir ao
acordo de leniência e, ainda assim, não poderá utilizar estas provas para ingressar com ação de improbidade em
desfavor da ODEBRECHT. Isso porque as provas fornecidas pela ODEBRECHT no acordo não podem ser utilizadas
contra ela própria.
Decisão: o STF deferiu o pedido do MP/SP e houve o compartilhamento das provas. Porém, o STF decidi uque
tais elementos fornecidos não poderão ser utilizados contra a empresa colaboradora (ODEBRECHT). Esta ressalva
deve ser expressamente comunicada ao destinatário da prova, com a informação de que se trata de uma limitação
intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova, nos termos da Nota Técnica nº 01/2017, da 5ª Câmara de
Coordenação e Revisão do MPF. Isso porque O colaborador aceitou produzir provas contra si mesmo porque isso
ficou combinado segundo os termos do acordo de leniência celebrado com o Estado. Em outras palavras, o
colaborador concordou em confessar porque foi feito um acordo de que ele somente seria punido de acordo com
aquilo que foi combinado. Assim, a utilização de tais elementos probatórios, produzidos pelo próprio colaborador, em
seu prejuízo, de modo distinto do firmado com a acusação e homologado pelo Judiciário, é prática abusiva, que viola
o direito à não autoincriminação.
Mas por que o STF autorizou então o compartilhamento das provas com o MP/SP para a possível ação de
improbidade? Porque o IC não investiga apenas o Deputado (na época, era Secretário), ou seja, o alvo é um indivíduo
que não é abrangido pelo acordo de leniência. Assim, o STF afirmou o seguinte: eu autorizo o compartilhamento, no
entanto, o MP/SP deverá respeitar os termos do acordo de leniência em relação à empresa colaboradora.
MPF não possui legitimidade para ajuizar ACP contra Município pedindo que sejam realizadas audiências
públicas antes do envio do projeto de Lei do Plano Diretor: O MPF é parte ilegítima para ajuizar ação civil pública
que visa à anulação da tramitação de Projeto de Lei do Plano Diretor de município, ao argumento da falta de
participação popular nos respectivos trabalhos legislativos. No caso concreto, o MPF ajuizou ACP contra o Município
de Florianópolis e a União argumentando que o Poder Executivo Municipal teria encaminhado à Câmara de
Vereadores o projeto de Lei do Plano Diretor da cidade sem a realização das necessárias audiências públicas, o que
violaria o Estatuto da Cidade. O STJ entendeu que a legitimidade para essa demanda seria do MP estadual (e não do
MPF).
Militares podem autorizar descontos de até 70% da sua remuneração para pagamento de empréstimo consignado:
As Leis nº 8.112/90 e 10.820/03 preveem que, se o servidor público civil fizer um empréstimo consignado, o limite
máximo de descontos que ele poderá autorizar que sejam feitos em sua remuneração é de 30% (mais 5% se forem
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despesas com cartão de crédito). Esse limite não se aplica para os militares. Isso porque os militares estão submetidos
a um regramento específico previsto na MP 2.215-10/2001, que permite que seja descontado até 70% da remuneração
dos militares para pagamento de empréstimos consignados. Assim, os descontos em folha, juntamente com os
descontos obrigatórios, podem alcançar o percentual de 70% das remunerações ou dos proventos brutos dos
servidores militares.
9.7. Carros dos conselhos profissionais não podem ser registrados como veículos oficiais: o § 1º do art. 120 do
CTB prevê que somente serão registrados como oficiais os veículos de propriedade da AP Direta, seja da U/E/M, de
qualquer um dos Poderes da República. Assim, mostra-se inviável que o Conselho de Fiscalização Profissional, que
possui natureza de autarquia, componente da administração indireta, registre seus veículos como oficiais.
9.8. Aplica-se a TR para contas vinculadas ao FGTS: A remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem
disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto,
ao Poder Judiciário substituir o mencionado índice.
Declaração de inconstitucionalidade da TR para correção de condenações envolvendo a Fazenda Pública: o art. 1ºF
da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, previa que, nas condenações impostas à Fazenda Pública,
deveria incidir, como correção monetária, os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança. Desse
modo, o legislador determinou que, se o Poder Público fosse condenado a pagar uma quantia, ela deveria ser acrescida
de correção monetária e que o índice aplicado, neste caso, seria a TR – Taxa Referencial. Ocorre que o STF declarou
que essa previsão é inconstitucional. Isso porque a TR é um índice fixado ex ante, ou seja, previamente, a partir de
critérios técnicos não relacionados com a inflação considerada no período. Em outras palavras, a TR é calculada antes
de a inflação ocorrer. Assim, a remuneração da caderneta de poupança – diferentemente de qualquer outro índice
oficial de inflação – é sempre prefixada. Essa circunstância deixa claro que existe uma desvinculação entre a
remuneração da poupança e a evolução dos preços da economia, isto é, a TR não capta a variação da inflação (STF,
2013 e 2017).
A partir dessa decisão do STF, questionaram a aplicação da TR para o FGTS : o STJ, então, fixou a tese acima.
Inclusive, há a Súmula 459/STJ: A Taxa Referencial (TR) é o índice aplicável, a título de correção monetária, aos
débitos com o FGTS recolhidos pelo empregador, mas não repassados ao fundo.
1 - Reconhecido o direito à anistia política (com reparação econômica), a falta de cumprimento de requisição ou
determinação de providências por parte da União, por intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos artigos
12, § 4º, e 18, caput, p. u., da Lei 10.559/02, caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo (cabível,
portanto, MS - Diferentemente de uma ação de cobrança que é proposta para o pagamento de valores atrasados, no
caso em tela temos um mandado de segurança impetrado para que seja cumprida norma editada pela própria AP
(Portaria do Ministro da Justiça). Logo, não incide no caso a proibição contida nas súmulas 269 e 271 do STF).
2 - Havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos (para
não violar o princípio da legalidade da despesa pública, previsto nos arts. 165, § 8º e 167 da CF), e não demonstrada
a ausência de disponibilidade de caixa, a União promoverá o pagamento do valor ao anistiado em 60 dias.
*Quando o Poder Judiciário determina o pagamento desses valores atrasados ao anistiado político, isso deverá ser
feito por meio de precatório (art. 100 da CF)? NÃO. O STF entende que o regime de indenização dos anistiados é
especialíssimo, inclusive tem previsão constitucional explícita no ADCT. Além disso, há outro argumento: o art. 100
trata de valores devidos pela FP em virtude de sentença judiciária. Ocorre que, no caso do mandado de segurança não
se está condenando o Poder Público ao pagamento de um determinado valor em razão de uma decisão judicial. Na
verdade, a AP já reconheceu, administrativamente, por meio da Portaria do MJ, que o autor possui direito àquele valor
decorrente da declaração de anistiado.
Súmula 624-STJ: É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei nº
10.559/2002 (Lei da Anistia Política).
Fatos: João requereu e recebeu, administrativamente, a reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 (Lei
de Anistia). Ocorre que, depois disso, já em 2014, ele ajuizou ação de compensação por danos morais contra a União
pedindo indenização extrapatrimonial pelos sofrimentos que passou neste período. A pretensão está prescrita?
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Decisão: não. As ações de indenização por danos morais decorrentes de perseguição, tortura e prisão, por motivos
políticos, durante o regime militar, são imprescritíveis. Para esses casos, não se aplica o prazo prescricional de 5 anos
previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. É possível que o anistiado político pleiteie judicialmente indenização por
danos morais mesmo já tendo recebido administrativamente a reparação econômica da Lei nº 10.559/02? SIM. É
possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei nº 10.559/02 (Lei da Anistia
Política).
9.10. Aluno que conclui as matérias do ensino médio em escola técnica tem direito ao certificado de conclusão
do ensino médio, ainda que opte por não fazer o estágio profissionalizante: A emissão do certificado de conclusão
do ensino médio, realizado de forma integrada com o técnico, ao estudante aprovado nas disciplinas regulares
independe do estágio profissionalizante. Caso concreto: João fez o ensino médio em instituto federal de educação.
Ocorre que optou por não concluir o estágio profissionalizante. A única consequência negativa para ele vai ser não ter
direito ao certificado técnico-profissional. No entanto, não há nada que o impeça de ter direito ao certificado de
conclusão do ensino médio, considerando que efetivamente estudou e foi aprovado nas respectivas matérias. Cabe
MS. (STJ)
9.11. Pontos de entrega de gás canalizado e pagamento de royalties: A Lei 12.734/12, que alterou os arts. 48, § 3º,
e 49, § 7º, da Lei 9.478/97 e passou a considerar os pontos de entrega de gás canalizado (city gates) como instalações
de embarque e desembarque, para fins de pagamento de royalties aos municípios afetados por tais operações, não tem
eficácia retroativa (não se trata de uma lei meramente interpretativa, considerando que o entendimento
jurisprudencial era diferente daquilo que a lei passou a prever).
DIREITO ELEITORAL
1. Inelegibilidades
A vedação ao exercício de 3 mandatos consecutivos pelo mesmo núcleo familiar aplica-se também na hipótese
em que um dos mandatos tenha sido tampão: v. Direito Constitucional.
É aplicável a alínea “d” do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/2010 (Lei da Ficha
Limpa), a fatos anteriores a sua publicação
Direito: Uma das alterações feitas pela Lei da Ficha Limpa na LC 64/90 foi que ela ampliou, de 3 para 8 anos, o
prazo de inelegibilidade para os casos em que o político é condenado por abuso de poder econômico ou político
(arts. 1º, I, “d” e 22, XIV). Em 2012, o STF decidiu que essa previsão, assim como todos os outros dispositivos da
Lei da Ficha Limpa são constitucionais. O STF já havia decidido também que, em respeito ao art. 16 da CF
(anualidade), a Lei só passou a valer a partir das eleições de 2012.
Fatos: João concorreu ao cargo de Vereador e foi condenado, nos autos de representação eleitoral por abuso de
poder econômico e compra de votos por fatos ocorridos em 2004. Naquela época não havia ainda a Lei da Ficha
Limpa, de modo que a Justiça Eleitoral determinou que João ficasse inelegível por 3 anos. O processo transitou em
julgado em 2004 e João cumpriu os 3 anos de inelegibilidade. Nas eleições de 2008, já livre da inelegibilidade, ele
concorreu e foi eleito para o cargo de Vereador. Ele conseguiu concorrer porque já havia passado o prazo de 3 anos
(2004 + 3 = 2007). Nas eleições de 2012, ele tentou concorrer novamente ao mandato de Vereador, mas seu
registro foi indeferido sob o argumento de que entrou em vigor a Lei da Ficha Limpa e que aquela sua condenação
(que já transitou em julgado e que ele já cumpriu) aumentou de 3 para 8 anos. Assim, segundo a nova redação do
art. 1º, I, “d”, da LC 64/90, ele teria que ficar inelegível de 2004 até 2012. João não concordou com a decisão da
Justiça Eleitoral e recorreu ao STF alegando que a inelegibilidade constitui espécie de sanção, razão pela qual a
mudança legislativa não poderia retroagir por se tratar de lei mais grave (art. 5º, XXXVI, CF). Além disso, teria
havido ofensa à coisa julgada. Para reforçar a sua tese, argumentou que a própria LC 64/90 prevê a inelegibilidade
como sanção.
Decisão: o STF não deu provimento ao RE de João. O STF entendeu que é possível aplicar o prazo de 8 anos de
inelegibilidade, introduzido pela LC 135/10, às condenações por abuso de poder, mesmo nos casos em que o
processo já tenha transitado em julgado quando a Lei da Ficha Limpa entrou em vigor. O fato de a condenação nos
autos de representação por abuso de poder econômico ou político haver transitado em julgado, ou mesmo haver
transcorrido o prazo da sanção de três anos, imposta por força de condenação pela Justiça Eleitoral, não afasta a
44
incidência da inelegibilidade constante da alínea “d” do inciso I do art. 1º da LC 64/90, cujo prazo passou a ser de 8
anos.
Argumentos: a) Finalidade da Lei da Ficha Limpa: proteger a probidade administrativa, a moralidade para
exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições
contra a influência do poder econômico ou do poder político. Assim, o STF tem o dever de afastar interpretações
que enfraqueçam os propósitos republicanos e moralizadores da Lei da Ficha Limpa.
b) As hipóteses de inelegibilidade não possuem caráter de sanção (ex.: art. 14, § 4º da CF, que prevê a
inelegibilidade dos analfabetos). A inelegibilidade ostenta natureza jurídica de “requisito negativo de adequação do
indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral”. Logo, as hipóteses de inelegibilidade previstas na LC 64/90
não possuem caráter sancionatório ou punitivo, mesmo no caso descrito no art. 22, XIV. Segundo o Min. Fux,
houve uma atecnia do legislador, ou seja, uma falha de técnica legislativa ao se afirmar na redação do dispositivo
que a inelegibilidade seria uma hipótese de sanção. Além disso, a natureza de um instituto jurídico não deve ser
interpretada pelo seu “rótulo legal”, mas sim a partir da análise dos efeitos jurídicos que efetivamente dele advêm.
c) Não há retroatividade máxima13, e sim uma retroatividade inautêntica (ou retrospectividade) : o Min. Luiz Fux
sustentou que, como a inelegibilidade do art. 22, XIV, da LC 64/90 não se constitui em sanção, a ampliação do
prazo nele previsto (de 3 para 8 anos) pela Lei da Ficha Limpa não representa ofensa à retroatividade máxima. Para
o STF, aplicar a Lei da Ficha Limpa para fatos ocorridos antes da sua vigência não configura uma autêntica (uma
verdadeira) retroatividade. Isso é aquilo que se pode chamar de retroatividade inautêntica (ou retrospectividade). A
retroatividade autêntica é vedada pela CF. O texto constitucional não proíbe, contudo, a retrospectividade. A
retrospectividade é parecida, mas não idêntica à retroatividade mínima.
• Retroatividade mínima: a nova lei altera as consequências jurídicas de fatos ocorridos antes da sua edição.
• Retrospectividade: a nova lei atribui novos efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos
anteriormente.
Cf. o Min. Fux: “A aplicabilidade da LC 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à
luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação
prospectiva ao direito de concorrer a cargos eletivos com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do
indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, p. ex. – estabeleceu-se em momento anterior, mas
seus efeitos perdurarão no tempo. Portanto, ainda que se considere haver atribuição de efeitos, por lei, a fatos
pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade (...) Explica-se: trata-se apenas de imposição de um novo
requisito negativo p/ que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo, que não se confunde com agravamento de
pena ou com bis in idem”.
d) Não há violação à coisa julgada: a imposição do prazo de inelegibilidade configura uma relação jurídica
continuativa, para a qual a coisa julgada opera sob a cláusula rebus sic stantibus. A decisão que reconhece a
inelegibilidade somente produzirá seus efeitos na esfera jurídico-eleitoral do condenado se este vier a formalizar
registro de candidatura em eleições vindouras. Em consequência disso, verificado o exaurimento do prazo de 3 anos,
previsto na redação originária do art. 22, XIV, por decisão transitada em julgado, é perfeitamente possível que o
legislador infraconstitucional proceda ao aumento dos prazos, o que impõe que o agente da conduta abusiva fique
inelegível por mais 5 anos, totalizando os 8 anos, sem que isso implique ofensa à coisa julgada, que se mantém
incólume.
O § 3º do art. 224 do Código Eleitoral aplica-se também para eleições de Prefeitos de Municípios com menos de
200 mil eleitores e para eleições de Senadores
ADI: O PSD alegou que a anulação de pleitos majoritários em decorrência de indeferimento de registro, cassação
de diploma ou perda de mandato de candidato eleito, independentemente do número de votos anulados, apenas
deveria incidir em eleições para as quais a CF exija maioria absoluta dos votos válidos. Assim, seria inconstitucional
aplicar este § 3º a eleições para cargos de Senador e de Prefeito de município com menos de 200 mil eleitores. Isso
porque nesses dois casos (Senador e Prefeito de cidade com menos de 200 mil eleitores) não há 2º turno de votação e
a investidura depende apenas de obtenção de maioria simples (art. 29, II e art. 46). O partido alegava que o
indeferimento de registro, cassação de diploma ou perda de mandato de candidato eleito em tais pleitos deveria
acarretar atribuição da vaga ao próximo mais votado, não sendo necessário fazer outra eleição.
Decisão: O STF julgou a ADI improcedente. Assim, o § 3º do art. 224 do CE deve sim ser aplicado mesmo em
casos de eleições para Prefeitos de Municípios com menos de 200 mil eleitores e para Senadores. O fato de em tais
eleições não haver 2º turno não impede que o legislador imponha a realização de novas eleições. Trata-se de uma
escolha legítima e que está de acordo com o princípio da soberania popular. Desse modo, o STF adotou uma postura
de deferência ao legislador (respeito à opção legítima do legislador). Vale ressaltar, ainda, que o argumento de que
seria mais célere e menos custoso convocar o 2º colocado não se mostra suficiente para declarar a
inconstitucionalidade da previsão. Isso porque a celeridade e a economicidade cedem espaço ao princípio
democrático.
14
Normalmente o candidato eleito que é condenado pela JE interpõe sucessivos recursos. Se as novas eleições só pudessem ser realizadas
após o julgamento de todos os recursos, é muito provável que o mandato de 4 anos do Prefeito, do Governador ou do Presidente se
encerrasse sem que esse novo pleito fosse realizado. Ademais, mesmo se o condenado é afastado cautelarmente do cargo enquanto se
aguarda o trânsito em julgado, se não há novas eleições, quem assume temporariamente é o Presidente do Poder Legislativo. Ex.: Prefeito é
condenado à perda do mandato; suponhamos que a JE o afaste mesmo havendo ainda recurso pendente; pela regra do § 3º, não seria possível
a realização de nova eleição para o cargo enquanto não houvesse o trânsito em julgado; isso significa que o Presidente da Câmara Municipal
ficaria na função de Prefeito durante meses ou até mesmo anos aguardando o trânsito em julgado sem tenha sido eleito para isso. Isso
representaria violação ao princípio democrático e ao da soberania popular, pois permitiria que alguém que não foi eleito exercesse o cargo
majoritário por largo período.
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Cuidado para não confundir: Conforme decidido na ADI 5525/DF, o § 4º do art. 224 do Código Eleitoral não se
aplica para o cargo de Senador. Assim, para Senador, incide o § 3º, mas não o § 4º do art. 224 do Código Eleitoral.
5. Infidelidade partidária
Contextualização: mesmo não havendo uma norma expressa na lei ou na CF, o TSE e o STF, em 2007, decidiram
que a infidelidade partidária era causa de perda do mandato eletivo. Assim, se o titular do mandato eletivo, sem justa
causa, sair do partido político no qual foi eleito, ele perderá o cargo que ocupa. Como não havia lei disciplinando o
tema, o TSE editou a Resolução 22.610/07 regulamentando as hipóteses e a forma como ocorre a perda do mandato
eletivo em caso de infidelidade partidária. O art. 1º da Resolução reafirma a tese da infidelidade e prevê que o partido
político pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda do cargo eletivo caso o ocupante do mandato,
sem possuir uma justa causa, desfilie-se do partido pelo qual foi eleito. A Resolução trouxe um rol de situações que
são consideradas como "justa causa". Assim, o detentor do cargo eletivo poderia sair do partido sem perder o mandato
em 4 casos: a) se o partido em que ele se elegeu passou por um processo de incorporação ou fusão com outro partido;
b) se o detentor do cargo sai do partido pelo qual se elegeu para se filiar a um novo partido que foi recém criado; c) se
ficar provado que houve uma mudança substancial no partido ou desvio reiterado do programa partidário; d) se ficar
provado que o detentor do cargo sofre grave discriminação pessoal no partido. Vale ressaltar que o STF decidiu que
esta Resolução do TSE é constitucional, tanto do ponto de vista formal como material (ADIs 3999 e 5081).
Lei 13.165/15: alterou a Lei nº 9.096/95, passando a tratar expressamente sobre o tema "infidelidade partidária" e
prevendo apenas 3 hipóteses: 1) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; 2) grave
discriminação política pessoal; e 3) mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo
de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. Ou
seja, a criação de novo partido não foi mais prevista como “justa causa” (letra b acima).
Fatos: Em 15/09/15, foi criado o Partido Novo. Em 22/09/18, foi criada a Rede Sustentabilidade. Em 29/09/15, foi
criado o Partido da Mulher Brasileira. Pelas regras da Resolução 22.610/07, os políticos que quisessem, poderiam,
dentro do prazo de 30 dias, migrar para os novos partidos (Partido Novo, Rede e Partido da Mulher Brasileira) sem
perder seus mandatos. Ex.: assim que foi criada a Rede, o Deputado Federal Alessandro Molon, que era do PT,
anunciou que tinha a intenção de migrar para o novo partido. Pelas regras do TSE, se o político mudasse para o novo
partido no prazo máximo de 30 dias após a sua criação, ele não perderia o mandato. Ocorre que, uma semana depois
da criação da Rede, foi publicada e entrou em vigor a Lei 13.165/2015 (em 29/09/15), alterando a regra.
ADI: alegou que o art. 22-A da Lei 9.096/95, inserido pela Lei 13.165/15, seria inconstitucional, pois: 1) O art. 22-
A, ao não considerar a criação de novo partido político como uma justa causa para a desfiliação partidária, viola os
princípios democrático, do pluralismo político e da livre criação de partidos. Em outras palavras, o art. 22-A não
poderia ter acabado com essa hipótese de justa causa. 2) Ainda que se considere que o art. 22-A poderia ter acabado
com essa hipótese de justa causa, ele não poderia ser aplicado para os partidos políticos que foram registrados antes da
entrada em vigor da Lei 13.165/15, e cujo prazo de 30 dias para as filiações de detentores de mandato eletivo ainda
estava transcorrendo. A Lei, ao interromper este prazo no meio violou os princípios da segurança jurídica, do direito
adquirido e da irretroatividade das normas sancionadoras.
Decisão: Em 2015, o Min. Barroso, monocraticamente, deferiu liminar, ad referendum do Plenário, para
determinar a devolução integral do prazo de 30 dias para filiações aos partidos registrados no TSE até a data da
entrada em vigor da Lei 13.165/15. Em 09/05/2018, o Plenário do STF referendou a medida cautelar que havia sido
concedida pelo Min. Barroso. O STF entendeu que houve violação à segurança jurídica, na modalidade direito
adquirido, tanto das agremiações recém-criadas quanto dos parlamentares que pretendiam se filiar a elas. Criada a
legenda antes da vigência da lei, o partido tem o direito de receber novas filiações. O princípio da segurança jurídica
exige uma forma de transição legítima e razoável, vedada a retroação do novo regime às situações já consolidadas.
Ademais, a transferência sem perda de mandato era um direito subjetivo dos congressistas. Não pode uma lei
superveniente retirar direito que já havia sido adquirido com base na sistemática anterior. Vale ressaltar que a decisão
monocrática do Min. Barroso já exauriu seus efeitos. Ele determinou, na decisão, que os 3 partidos tivessem de volta
os 30 dias para receber filiações de parlamentares sem que estes perdessem o mandato eletivo. Este prazo, contudo,
foi contato da data em que a decisão monocrática foi proferida (novembro de 2015) e já expirou. *O argumento 1 de
inconstitucionalidade ainda não foi julgado.
6. Inconstitucionalidade da norma que permitia doações anônimas a candidatos: A parte final do § 12 do art. 28
da Lei nº 9.504/97 prevê a possibilidade de “doações ocultas” de pessoas físicas a candidatos, ou seja, sem que os
nomes dos doadores fiquem registrados na prestação de contas. Veja: "§ 12. Os valores transferidos pelos partidos
políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos
e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores."
(Incluído pela Lei 13.165/15) O STF julgou inconstitucional a expressão “sem individualização dos doadores”,
constante da parte final do dispositivo. Essa parte final do dispositivo suprime a transparência do processo eleitoral,
frustra o exercício da fiscalização pela Justiça Eleitoral e impede que o eleitor exerça, com pleno esclarecimento, seu
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direito de escolha dos representantes políticos. Isso viola os princípios republicano e democrático (art. 1º, da CF),
além de representar afronta aos postulados da moralidade e da transparência.
7. Propaganda eleitoral
É legítima a Resolução do TSE que proíbe propaganda eleitoral por meio de telemarketing
Fatos: um Partido ajuizou ADI contra o art. 25, § 2º, da Resolução 23.404/14 do TSE. Este dispositivo proibiu que
os candidatos e partidos políticos fizessem propaganda eleitoral por meio dos serviços de “telemarketing”, ou seja,
aquelas empresas que ligam para os eleitores falando bem do candidato.
Decisão: (i) cabimento: É cabível ADI contra Res. do TSE que tenha, em seu conteúdo material, “norma de
decisão” de caráter abstrato, geral e autônomo, apta a ser apreciada pelo STF em sede de controle abstrato de
constitucionalidade.
(ii) mérito: é constitucional a proibição da realização de propaganda eleitoral via “telemarketing", em qualquer
horário.
a) Constitucionalidade formal: O TSE possui poder normativo, podendo editar resoluções para disciplinar as eleições.
Foi o que fez neste caso, tendo sido respeitados os princípios e diretrizes previstos na legislação eleitoral em vigor.
Assim, não se pode dizer que o TSE usurpou a competência privativa da União (CN) para legislar sobre Direito
Eleitoral. Não existe lei proibindo expressamente o uso do telemarketing nas eleições. No entanto, a ausência de
previsão legal não significa seu uso indiscriminado e irrestrito, sendo importante lembrar que as novas tecnologias de
comunicação são desenvolvidas em um ritmo mais rápido do que as leis, em sentido estrito, podem acompanhar.
Assim, diante desse silêncio normativo ganha muita importância a atuação da Justiça Eleitoral por meio das
resoluções. O STF possui jurisprudência no sentido de que a individualização de restrições referentes à utilização de
instrumentos de propaganda eleitoral não depende de edição de lei formal, pois a diversificação de técnicas e
procedimentos de propaganda exigem a ação imediata e eficiente da Justiça Eleitoral.
b) Rol taxativo dos meios de propaganda permitidos: os arts. 37, § 2º e 38 da Lei 9.504/97 estabelecem um rol
taxativo das situações em que a propaganda eleitoral pode ser realizada independentemente de autorização da JE. Isso
significa que, tirando esses casos acima listados, as demais formas de divulgação só podem ocorrer mediante chancela
prévia da JE. Nesse contexto, o TSE pode se antecipar a eventuais pedidos de autorização e vedar, desde logo, o uso
do telemarketing, sem que isso caracterize usurpação de competência do CN para legislar sobre Direito Eleitoral.
c) Constitucionalidade material: A proibição contida no art. 25, § 2º da Resolução não viola os princípios
constitucionais da livre manifestação do pensamento, da liberdade política, de comunicação e de acesso à informação.
Essa vedação tem como fundamentos: • o art. 243, VI, do Código Eleitoral, que proíbe propaganda eleitoral que
“perturbe o sossego público, com algazarras e abusos de instrumentos sonoros ou sinais acústicos”; • incisos X e XI
do art. 5º, da CF, que protegem a intimidade, a vida e a inviolabilidade domiciliar do eleitor.
d) Liberdade de expressão x intimidade: No presente caso, haveria uma tensão entre a liberdade de expressão e a
intimidade, sendo que, na ponderação entre esses princípios, o direito à intimidade deve prevalecer.
São inconstitucionais dispositivos da Lei das Eleições que vedavam sátira a candidatos: O art. 45, II e III da Lei
9.504/97 prevê que, depois do prazo para a realização das convenções no ano das eleições, as emissoras de rádio e
televisão, em sua programação normal e em seu noticiário, não podem: a) usar trucagem, montagem ou outro recurso
de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou
veicular programa com esse efeito (inciso II) e b) difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido,
coligação, a seus órgãos ou representantes (segunda parte do inciso III). Os §§ 4º e 5º explicam o que se entende por
trucagem e por montagem. O STF decidiu que tais dispositivos são inconstitucionais porque representam censura
prévia. A liberdade de expressão autoriza que os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e
exteriorizem seu juízo de valor, bem como autoriza programas humorísticos, “charges” e sátiras realizados a partir de
trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma
justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. Vale ressaltar que, posteriormente,
é possível a responsabilização dos meios de comunicação e de seus agentes por eventuais informações mentirosas,
injuriosas, difamantes. O que não se pode é fazer uma censura prévia. São inconstitucionais quaisquer leis ou atos
normativos tendentes a constranger ou inibir a liberdade de expressão a partir de mecanismos de censura prévia.
8. Fundo partidário e candidaturas de mulheres: O art. 9º da Lei 13.165/15 previu o seguinte: “Nas três eleições
que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancárias específicas para este fim, no
mínimo 5% e no máximo 15% do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas
eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o
inciso V do art. 44 da Lei 9.096/95”. O STF, ao julgar uma ADI proposta contra esse dispositivo, decidiu: a) Dar
interpretação conforme a CF ao art. 9º da Lei 13.165/15, de modo a equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas
femininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, isto é, ao menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo
Partidário a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do Fundo alocado a
cada partido, para as eleições majoritárias e proporcionais, e fixar que, havendo percentual mais elevado de
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candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma
proporção. Assim, o montante de recursos para as campanhas de mulheres deve ser proporcionalmente igual ao
número de candidatas, sendo no mínimo 30%; b) Declarar a inconstitucionalidade da expressão “três”, contida no art.
9º da Lei nº 13.165/15. A previsão de recursos mínimos para as campanhas de candidatas não deve ter um prazo
determinado considerando que ela dura até que as desigualdades sejam corrigidas; c) Declarar a inconstitucionalidade,
por arrastamento, do § 5º-A e do § 7º do art. 44 da Lei nº 9.096/95, que tratam dos recursos específicos para a criação
e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.
DIREITO CIVIL
1. PARTE GERAL
Direito ao esquecimento e resultado das buscas nos sites de pesquisa como o Google
Fatos: nome de uma candidata de um concurso que foi associada a uma fraude há 10 anos atrás, mas que jamais se
comprovou. Apesar disso, quando se digita o nome completo dela no Google aparecem várias menções à fraude, sem
que exista qualquer reportagem que afirme que ela foi inocentada. Diante disso, ela ajuizou ação de obrigação de fazer
contra a Google pedindo a desindexação, nos resultados das aplicações de busca mantida pela empresa, de notícias
relacionadas às suspeitas de fraude no concurso. A autora alegou que a indexação desses conteúdos causa danos à sua
dignidade e à sua privacidade e, assim, requereu a filtragem dos resultados de buscas que utilizem seu nome como
parâmetro, a fim de desvinculá-la das mencionadas reportagens, com base no “direito ao esquecimento”.
Os buscadores da internet têm responsabilidade pelos resultados de busca apresentados? NÃO. O STJ reconhece a
impossibilidade de lhe atribuir a função de censor e a necessidade de se impor ao prejudicado o direcionamento de sua
pretensão contra os provedores de conteúdo, responsáveis pela disponibilização do conteúdo indevido na internet. Em
outras palavras, em vez de ingressar com a ação contra o Google, a pessoa prejudicada pela notícia deve propor a
demanda contra o site que a divulga (provedor de conteúdo). Essa é a REGRA GERAL.
Qual é a razão desse entendimento? Os sites de busca são uma ferramenta para que “o usuário realize pesquisas
acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado
desejado, obtendo os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada”. O site de busca fornece,
portanto, uma espécie de índice do conteúdo disponível na internet, qualquer que seja esse conteúdo, facilitando o
acesso às informações disponíveis, livre de qualquer filtragem ou censura prévia. Os provedores de pesquisa realizam
suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à
identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente
veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de
páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de
computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. Ora, se a página possui conteúdo ilícito, cabe
ao ofendido adotar medidas para que haja a supressão da página e, com isso, automaticamente, ele não mais aparecerá
nos resultados de busca virtual dos sites de pesquisa. Foi o que decidiu o STJ no caso da ação proposta pela
apresentadora Xuxa, que ingressou com uma ação contra o Google objetivando compelir a empresa a remover do seu
site de pesquisas os resultados relativos à busca pela expressão “xuxa pedófila”.
Circunstâncias excepcionalíssimas: Há, porém, circunstâncias excepcionais em que é necessária a intervenção
pontual do Poder Judiciário para fazer cessar o vínculo criado, nos bancos de dados dos provedores de busca, entre
dados pessoais e resultados da busca, que não guardam relevância para interesse público à informação, seja pelo
conteúdo eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo. Nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e
ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas
envolvidas sigam suas vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e
perenizado por sistemas automatizados de busca.
Caso concreto: nos fatos acima, Laís não pretende a responsabilização civil do Google. O que ela argumenta é que
o resultado mais relevante obtido a partir da busca de seu nome, após mais de anos dos fatos, é a notícia de que
apontava que ela supostamente participou de uma fraude em concurso público, como se não houvesse nenhum
desdobramento da notícia, nem fatos novos relacionados ao seu nome. A manutenção desses resultados acaba por
retroalimentar o sistema, pois, ao realizar a busca pelo nome de Laís e se deparar com a notícia, o cliente acessará o
conteúdo – até movido por curiosidade despertada em razão da exibição do link – reforçando, no sistema
automatizado, a confirmação da relevância da página catalogada. Assim, é imprescindível a atuação pontual do Poder
Judiciário para, em casos excepcionalíssimos, quebrar a vinculação eternizada pelos sites de busca, desassociando os
dados pessoais do resultado cuja relevância se encontra superada pelo decurso do tempo. Essa é a essência do direito
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ao esquecimento: não se trata de efetivamente apagar o passado, mas de permitir que a pessoa envolvida siga sua vida
com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas
automatizados de busca. Por outro lado, aqueles que quiserem ter acesso a informações relativas a fraudes em
concurso público, não terão seu direito de acesso impedido. Esses resultados continuarão a aparecer no Google, mas
desde que a pessoa procure o nome de Laís em conjunto com fraude no concurso público. Em outras palavras, o STJ
afirmou o seguinte: o Google não precisa retirar de seus resultados as notícias de Laís relacionadas com a suposta
fraude no concurso. Mas para que esses resultados apareçam será necessário que o usuário faça uma pesquisa
específica com palavras-chaves que remetam à fraude. Por outro lado, se a pessoa digitar unicamente o nome
completo de Laís, sem qualquer outra informação, não se deve mais aparecer os resultados relacionados com este fato
desabonador que foi noticiado há muitos anos. Chegou-se, assim, a uma solução conciliadora: o STJ não determinou a
retirada do resultado do “índice” do Google; o Tribunal determinou apenas a “reordenação” do índice. Vale ressaltar
que a nova decisão do STJ neste REsp 1.660.168-RJ está em harmonia com o que foi recentemente decidido pelo
Tribunal de Justiça Europeu.
1.4. Inexistência do direito à indenização em razão da divulgação, no jornal, de imagem do cadáver morto
em via pública: o STF entendeu que o juiz assumiu o papel do jornalista e do jornal de escolher o conteúdo da
reportagem e ele próprio decidiu o que seria necessário ou não mostrar na matéria jornalística, realizando, assim,
restrição censória (censura) ao agir da imprensa. O fato noticiado existiu (é verídico) e o juiz condenou o jornal
unicamente por não ter feito o “sombreamento” da imagem divulgada e que, na sua visão, seria necessária para não
expor o cadáver. Assim, para o STF, não houve exercício irregular ou abusivo da liberdade de imprensa, que é
assegurada pela CF. A decisão das instâncias inferiores condenando o jornal vai contra a jurisprudência do STF que
garante a liberdade de informação jornalística e proíbe a censura (ADPF 130). Por isso, o STF julgou a ação
improcedente argumentando que condenar o jornal seria uma forma de censura, o que afronta a liberdade de
informação jornalística.
1.6. A Súmula 403 do STJ é inaplicável para representação da imagem de pessoa como coadjuvante em
documentário que tem por objeto a história profissional de terceiro: Ação de indenização proposta por ex-goleiro
do Santos em virtude da veiculação indireta de sua imagem (por ator profissional contratado), sem prévia autorização,
em cenas do documentário “Pelé Eterno”. O autor alegou que a simples utilização não autorizada de sua imagem,
ainda que de forma indireta, geraria direito a indenização por danos morais, independentemente de efetivo prejuízo. O
STJ não concordou. A representação cênica de episódio histórico em obra audiovisual biográfica não depende da
concessão de prévia autorização de terceiros ali representados como coadjuvantes. O STF, no julgamento da ADI
4.815/DF, afirmou que é inexigível a autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou
audiovisuais bem como desnecessária a autorização de pessoas nelas retratadas como coadjuvantes. Além disso, a
Súmula 403/STJ é inaplicável às hipóteses de representação da imagem de pessoa como coadjuvante em obra
biográfica audiovisual que tem por objeto a história profissional de terceiro.
54
1.7. Prescrição
Pedido para analisar se existe mesmo o débito não pode ser considerado ato que interrompe a prescrição (art. 202,
VI, do CC): o pedido do devedor de concessão de prazo para analisar documentos com o fim de verificar a existência
de débito não tem o condão de interromper a prescrição. Para que se enquadre nesse inciso VI do art. 202, deve ter
sido praticado um ato que, de forma inequívoca (sem dúvidas), demonstre que o devedor reconheceu o direito do
credor. Assim, não serve para interromper a prescrição o ato do devedor que “(...) traduz simples possibilidade de que
tenha havido o reconhecimento”. O pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados pela ré só
poderia ser considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de receber) se este
pedido de prazo fosse para o devedor analisar o montante dos valores (quantia exata a ser paga) e não para analisar se
o serviço tinha sido ou não prestado (analisar a própria existência do débito).
2. BEM DE FAMÍLIA
2.2. Os direitos do devedor fiduciante sobre o imóvel objeto do contrato de alienação fiduciária em garantia
podem receber a proteção da impenhorabilidade do bem de família legal
Alienação fiduciária: é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a
propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver
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àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato. O CC trata de modo genérico
sobre propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368- B. Há, porém, leis específicas que também regem o tema:
• alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;
• alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei 4.728/65 e DL 911/69. É o
caso, p. ex., de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.
Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC aplicam-se apenas de forma subsidiária.
Alienação fiduciária de bem imóvel: o fiduciante toma dinheiro emprestado de outrem (fiduciário) e, como
garantia de que irá pagar a dívida, transfere a propriedade resolúvel de um bem imóvel para o credor, ficando este
obrigado a devolver ao devedor o bem que lhe foi alienado quando houver o adimplemento integral do débito. Como
consequência, ocorre o “desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor
indireto da coisa imóvel” (art. 23, p. u.). Resolve-se o negócio com pagamento integral da dívida garantida.
Fatos: A celebra alienação fiduciária com o Banco B para a aquisição de um imóvel. A está pagando corretamente
as parcelas ao Banco B, mas se endivida com um terceiro. O terceiro ajuíza execução de título extrajudicial e penhora
em favor do terceiro, os direitos que A possui sobre o imóvel alienado fiduciariamente. Assim, a penhora não recaiu
sobre a propriedade do imóvel (considerando que A não a tem). A penhora recaiu tão somente sobre os direitos
obrigacionais que o devedor fiduciante possui sobre o imóvel.
Direito: Mesmo sem previsão legal expressa, isso já era permitido na vigência do CPC/73. Agora, contudo, o art.
835, XII do CPC/15 consagrou essa possibilidade. Isso é útil ao terceiro, pois os direitos decorrentes de promessa de
compra e venda de unidade imobiliária, ou de alienação fiduciária de bem imóvel podem ser objeto de alienação –
algo comum no mercado, e que é negociado por meio de CRIs (certificado de recebíveis imobiliários), negociados em
bolsa.
Impenhorabilidade: A alegou que o imóvel que está alienado fiduciariamente é o local onde ele mora com sua
esposa. Logo, deve ser considerado bem de família, nos termos do art. 1º da Lei 8.009/90. Sendo bem de família, é
impenhorável (art. 3º da Lei). O juiz negou a liberação da penhora alegando, entre outras razões, que o art. 1º da Lei
8.009/90 exige que o imóvel pertença ao devedor, o que não é o caso, considerando que o bem pertence ao banco. A
recorreu ao STJ.
Decisão do STJ: o STJ entendeu que os direitos do devedor fiduciante sobre imóvel objeto de contrato de
alienação fiduciária em garantia possuem a proteção da impenhorabilidade do bem de família legal. O STJ afastou a
interpretação literal, devendo ser considerados os propósitos sociais tutelados pela Lei nº 8.009/90. Assim, levando
em consideração esses propósitos sociais, conclui-se que a Lei nº 8.009/90 tem por objetivo proteger a posse da
família sobre o imóvel utilizado para a sua moradia, ainda que não tenha o título de propriedade. Desse modo, a
exegese (interpretação) que melhor representa o objetivo da Lei é aquela que entende que a expressão “imóvel
residencial próprio” engloba a posse advinda de contrato celebrado com a finalidade de transmissão da propriedade, a
exemplo do compromisso de compra e venda ou de financiamento de imóvel para fins de moradia. Isso porque não se
pode perder de vista que a proteção abrange o imóvel em fase de aquisição, sob pena de impedir que o devedor
adquira o bem necessário à habitação da entidade familiar. No caso, trata-se de contrato de alienação fiduciária em
garantia, no qual, havendo a quitação integral da dívida, o devedor fiduciante consolidará a propriedade para si (art.
25, caput, da Lei nº 9.514/97). Assim, havendo a expectativa da aquisição do domínio, deve prevalecer a regra de
impenhorabilidade.
3. OBRIGAÇÕES
3.1. Juros
Fatos: Dr. Marcelo era advogado de Maria em uma ação por ela proposta contra a empresa X. Maria sagrou-se
vencedora. Marcelo, na condição de seu advogado, fez o levantamento do alvará judicial, mas não lhe repassou todo o
valor devido, apropriando-se de parte dos valores que ela teria direito. Diante disso, Maria constituiu outro advogado
e, em março de 2017, ingressou com ação de cobrança contra Marcelo. Vale ressaltar que Marcelo fez isso com
centenas de outros clientes, tendo sido, inclusive, alvo de operação policial deflagrada para apurar o caso. Em razão
dos fatos, o MP ajuizou ACP contra Marcelo a fim de que ele devolva todos os valores retidos ilegalmente de seus
antigos clientes. Em setembro de 2017, o juiz desta ACP, cautelarmente, determinou o bloqueio de todos os bens de
Marcelo. Em outubro de 2017, o juízo responsável pela ação proposta por Maria julgou procedente a pretensão e
condenou Marcelo a: a) ressarcir integralmente os valores sacados, acrescidos de juros de mora e correção monetária;
b) pagar indenização de R$ 10 mil a título de danos morais, acrescidos de juros de mora e correção monetária.
Qual foi o termo inicial dos juros de mora neste caso? Da data em que Marcelo ficou indevidamente com os
valores? NÃO. Reconhecido o abuso de mandato por desacerto contratual, em razão de o advogado ter repassado
valores a menor para seu mandatário, o marco inicial dos juros moratórios é a data da citação. O termo inicial dos
juros moratórios deve ser determinado a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes. No caso,
tratando-se de mandato, a relação jurídica tem natureza contratual, sendo o termo inicial dos juros moratórios a data
da citação (art. 405 do CC).
E o termo final dos juros de mora? O juiz determinou que os juros de mora deveriam incidir até o efetivo
pagamento.
Recurso do réu: Marcelo recorreu contra a sentença alegando: está errado o termo final dos juros moratórios. Isso
porque todos os meus bens foram bloqueados na ACP. Essa decisão de indisponibilidade na ACP interrompe a
incidência dos juros moratórios. Como na ACP são discutidos os mesmos fatos, deve-se entender que o bloqueio que
ocorreu naquele processo representa uma forma de “depósito integral para garantia do juízo”. É como se eu tivesse
depositado em juízo todo o valor que dizem que eu devo. Ora, se houve depósito integral para garantia do juízo, não
há mais mora de minha parte. Não havendo mais mora, não há que se falar em juros de mora. Logo, se a sentença for
confirmada e eu tiver que pagar realmente a indenização, este valor terá que ser exigido de mim sem juros moratórios.
Em suma, deve-se considerar como termo final dos juros moratórios a data do bloqueio judicial ocorrido na ACP.
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Essa tese de Marcelo foi acolhida pelo STJ? NÃO. A mera notícia de decisão judicial determinando a
indisponibilidade forçada dos bens do réu, no cerne de outro processo, com objeto e partes distintas, não possui o
condão de interromper a incidência dos juros moratórios. No caso concreto, não houve o depósito integral para
garantia do juízo espontaneamente realizado pelo réu. O que houve foi a mera notícia da indisponibilidade forçada de
seus bens, que teria sido determinada em outra ação, com outro objeto e outras partes. O aludido bloqueio patrimonial
configura medida constritiva, de natureza preventiva, que não se confunde com a sistemática do depósito judicial em
garantia e não caracteriza a satisfação voluntária da obrigação. A constrição só impede que o réu promova atos
tendentes a dilapidar seu patrimônio, causando ainda maiores prejuízos aos seus credores. Ademais, o patrimônio
bloqueado não guarda nenhuma relação direta com o crédito da autora, objeto da presente demanda, tampouco está à
sua disposição para levantamento. Assim, esse dinheiro, bloqueado em outra ação, não está à disposição de Maria.
Inexiste fundamento jurídico plausível para a interrupção da mora antes do efetivo pagamento da indenização. A
autora não pode ser prejudicada pelo fato de o réu ter praticado a mesma conduta ilícita com centenas de outras
pessoas a ponto de gerar um bloqueio judicial de seu patrimônio no âmbito de outra demanda, da qual a vítima nem
mesmo é parte. Se essa interrupção da mora fosse admitida, o réu estaria sendo beneficiado pela sua própria torpeza.
Vale ressaltar que não há nem mesmo certeza que o valor bloqueado na ACP será suficiente p/ indenizar todas as
vítimas dos ilícitos do réu.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL
As agressões praticadas por jogador contra árbitro de futebol, durante final de importante campeonato
transmitida para todo o país, podem gerar indenização por danos morais: Agressões físicas e verbais perpetradas
por jogador profissional contra árbitro de futebol, na ocasião de disputa de partida de futebol, constituem ato ilícito
indenizável na Justiça Comum, independentemente de eventual punição aplicada na esfera da Justiça Desportiva.
Caso concreto: na final do campeonato paulista de 2015, o jogador Dudu do Palmeiras, após ser expulso, empurrou
as costas do árbitro e proferiu xingamentos contra ele. Vale ressaltar que a conclusão acima exposta não é a regra,
ou seja, não é toda agressão em uma partida de futebol que gerará indenização por danos morais. O STJ entendeu,
na situação concreta, que a conduta do jogador transbordou o mínimo socialmente aceitável em partidas de futebol.
Além disso, o evento no qual as agressões foram perpetradas, final do Campeonato Paulista de Futebol, envolvendo
2 dos maiores clubes do Brasil, foi televisionado para todo o país, o que evidencia sua enorme audiência e, em
consequência, o número de pessoas que assistiram o episódio.
Obs.: Justiça Desportiva: A CF (art. 217, § 1º) e a Lei 9.615/98 (denominada “Lei Pelé”) preveem que a
competência da Justiça Desportiva limita-se a transgressões de natureza eminentemente esportivas, relativas à
disciplina e às competições desportivas. É importante esclarecer, inclusive, que, apesar do nome Justiça Desportiva,
o STJD e as demais instâncias da Justiça Desportiva não integram o Poder Judiciário. Trata-se de uma instituição
de direito privado, que tem como atribuição resolver as questões de natureza desportiva definidas no Código
Brasileiro de Justiça Desportiva. No caso, porém, o STJ entendeu que a infração praticada pelo jogador transbordou
os limites desportivos, sendo um caso “excepcionalíssimo”, razão pela qual pode ser submetido ao crivo do Poder
Judiciário Estatal. A conduta do jogador, além de transgredir as regras que norteiam as competições de futebol,
também ofendeu a honra e a imagem do árbitro.
É possível que o juiz utilize presunções e regras de experiência para a comprovação do dano moral da PJ: Não
se admite que o dano moral de PJ (ou seja, à sua honra objetiva) seja considerado como in re ipsa, sendo necessária
a comprovação nos autos do prejuízo sofrido. Apesar disso, é possível a utilização de presunções e regras de
experiência para a configuração do dano, mesmo sem prova expressa do prejuízo, o que sempre comportará a
possibilidade de contraprova pela parte ou de reavaliação pelo julgador. Ex.: caso a PJ tenha sido vítima de um
protesto indevido de cambial, há uma presunção de que ela sofreu danos morais. *Atenção: existem julgados em
sentido contrário, ou seja, dizendo que PJ pode sofrer dano moral in re ipsa. Nesse sentido: “O dano moral por uso
indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de
conduta ilícita, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do
efetivo abalo moral”. (STJ. 4ª Turma. J. em 28/11/2017).
Acidente de carro sem vítimas: danos morais devem ser provados: Os danos decorrentes de acidentes de veículos
automotores sem vítimas não caracterizam dano moral in re ipsa. Vale ressaltar, porém, que é possível a
condenação de danos morais em casos de acidente de trânsito. Trata-se de situação excepcional, em que é
necessário que a parte demonstre circunstâncias peculiares que indiquem o extrapolamento da esfera
exclusivamente patrimonial.
Atraso de voo internacional não gera dano moral in re ipsa: Considerar que o atraso do voo gera dano moral
presumido, seria dizer que, obrigatoriamente, o passageiro sofreu um abalo que maculou a sua honra e dignidade
pelo fato de a aeronave não ter partido na exata hora constante do bilhete. Não há, portanto, razoabilidade nesta
conclusão. Há, porém, casos em que pode haver sim dano. As circunstâncias do caso concreto servirão para que o
juiz analise se houve ou não o dano moral. Exs. de particularidades que devem ser analisadas: a) a real duração do
atraso; b) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; c) se foram prestadas a
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tempo e modo, informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos
inerentes à ocasião; d) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem, etc.) quando o atraso for
considerável; e) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no
destino.
É possível a indenização por danos morais em novo processo judicial em razão de descumprimento de ordem
judicial em processo anterior, mesmo que tenha sido fixada multa cominatória
Fatos: João celebrou contrato de mútuo com o Banco “X”. Em março de 2017, o mutuário deixou de pagar as
prestações e o banco o inscreveu no cadastro de inadimplentes. Em maio de 2017, João ajuizou ação revisional de
contrato contra o banco alegando que havia cláusulas abusivas no pacto. Em junho de 2017, o juiz concedeu a
liminar determinando a retirada do nome de João do cadastro de inadimplentes, sob pena de multa diária de R$
250,00. Ocorre que, apesar de devidamente intimado, o banco não cumpriu a ordem judicial e não retirou o nome
do autor do SERASA. Diante disso, João ajuizou uma nova ação contra o banco, desta vez pedindo a indenização
por danos morais em virtude do descumprimento da ordem judicial e não retirada de seu nome do cadastro de
inadimplentes. O banco contestou a demanda afirmando que, havendo fixação de multa por descumprimento de
ordem judicial em demanda pretérita envolvendo as partes, não há como prosperar a pretensão indenizatória em
razão de descumprimento de tal provimento. Isso porque a multa fixada teria caráter compensatório e punitivo.
Decisão: É cabível o pedido de indenização por danos morais pelo descumprimento de ordem judicial em ação
pretérita envolvendo as mesmas partes, onde foi fixada multa cominatória. A multa cominatória tem cabimento nas
hipóteses de descumprimento de ordens judiciais, sendo fixada com o objetivo de compelir a parte ao cumprimento
daquela obrigação. Por outro lado, a indenização visa a reparar o abalo moral sofrido por conta da verdadeira
agressão ou atentado contra a dignidade humana. Encontra justificativa no princípio da efetividade da tutela
jurisdicional e na necessidade de se assegurar o pronto cumprimento das decisões judiciais cominatórias.
Considerando, assim, que os institutos em questão têm natureza jurídica e finalidades distintas, é possível a
cumulação.
5. CONTRATOS
5.1. Evicção
É dever do alienante transmitir ao adquirente o direito sem vícios, de forma que se caracteriza a evicção se
existir um gravame que impede a transferência do bem
Evicção: v. parte teórica no livro.
Fatos: João queria vender seu carro e, para tanto, deixou o automóvel no pátio da empresa AutoSeller, que
trabalha com a intermediação de compra e venda de veículos seminovos. Rafaela foi até a empresa AutoSeller e se
interessou pelo carro de João que estava ali exposto, decidindo comprá-lo. Rafaela entregou o dinheiro, no entanto,
antes que conseguisse transferir o carro para o seu nome, houve um bloqueio judicial do veículo em razão de uma
dívida de João. Diante disso, a AutoSeller foi obrigada a ingressar com embargos de terceiro (*engloba posse)
tendo, depois de alguns meses, conseguido a liberação do bem. Ocorre que Rafaela desistiu do negócio, tendo a
AutoSeller reembolsado a antiga adquirente. Nesse cenário, a AutoSeller ingressou com ação de cobrança contra
João pedindo o ressarcimento dos danos sofridos, por intermediar a compra e venda de automóvel que foi
bloqueado por ordem judicial, impossibilitando a transferência da propriedade e ensejando a resolução do contrato
pela adquirente.
Decisão: A ação deverá ser julgada procedente, pois houve evicção neste caso e a empresa deve ser ressarcida.
O juiz deverá determinar que as partes voltem a seu estado inicial, com a devolução do automóvel a João, a
restituição do valor a Rafaela e o ressarcimento dos danos que a AutoSeller experimentou.
Há indenização mesmo o automóvel tendo sido, ao final, liberado? SIM. O fato de haver decisão judicial
liberando o bem não elimina o direito da empresa de ser indenizada pelos prejuízos que sofreu. Isso porque ela teve
que contratar advogado e fazer outras despesas para recuperar a posse do bem, além de ter tido que restituir os
valores que haviam sido pagos pela adquirente. Neste caso, é possível falar em evicção mesmo não tendo havido
“perda da coisa”? SIM. Tradicionalmente, fala-se que a evicção é a perda da coisa. No entanto, a Min. Nancy
Andrigui explica que a evicção não se configura apenas com a “perda da coisa” em si, mas sim com a privação de
um direito que incide sobre a coisa. Esse direito pode ser não apenas sobre a propriedade, mas também sobre a
posse. Assim, ocorre a evicção quando há privação do direito de propriedade ou de posse sobre a coisa. E essa
privação pode ser total ou parcial. A inclusão de um gravame sobre a coisa é um exemplo de privação parcial que
incide sobre o bem. O fato de ter sido constituído um gravame sobre o bem, tornando necessário o ajuizamento de
embargos de terceiro para que se pudesse obter a respectiva liberação evidencia que houve o rompimento da
sinalagmaticidade das prestações. Isso porque pelo contrato, o alienante deveria ter transmitido o bem livre de
qualquer restrição, sob pena de responder pela evicção. Em palavras mais simples, o alienante não cumpriu a sua
parte da obrigação.
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5.2. Mútuo feneratício e descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato
Fatos: João celebrou contrato de mútuo com um banco por meio do qual tomou emprestado R$ 100 mil, com a
obrigação de devolver a quantia principal mais juros remuneratórios. Ele pagou durante 6 meses as prestações do
empréstimo. Ocorre que o advogado de João percebeu que havia uma nulidade no contrato. Diante disso, ajuizou
uma ação declaratória de nulidade do contrato c/c repetição de indébito. Vale ressaltar que João pediu ao juiz para
condenar o banco a restituir a quantia principal cobrada indevidamente (6 parcelas) acrescida dos mesmos juros que
a instituição cobrou dele. Assim, o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês. Logo, João pediu para receber de volta
o valor acrescido de 11% ao mês.
Decisão: o pedido de João não foi acolhido. O mutuário não terá direito de receber os valores pagos acrescidos
de juros remuneratórios no mesmo percentual que era previsto no contrato para ser cobrado pelo banco mutuante. E
o mutuário, além do principal, terá direito de receber alguma taxa de juros remuneratórios? O STJ resolveu não
decidir isso ainda neste recurso especial considerando que ainda não havia uma posição sedimentada do Tribunal a
respeito. Desse modo, a única conclusão que o STJ já firmou é a de que, em caso de repetição de indébito
envolvendo mútuo feneratício praticado por instituições financeiras mutuantes, o mutuário não terá direito de
receber de volta a quantia acrescida dos mesmos encargos que são cobrados pelos bancos. Assim, por exemplo, se
o banco cobrou uma taxa de 11% ao mês, o mutuário não terá direito de receber o principal mais 11% ao mês. As
decisões judiciais que determinarem essa equivalência, serão reformadas com base nesse entendimento do STJ.
Não foi definido, contudo, ainda, o quanto o mutuário terá direito.
Lucro da intervenção e a situação do mútuo bancário : Já vimos lucro da intervenção anteriormente. O lucro da
intervenção também pode ser vislumbrado no caso dos bancos que praticam taxas de juros bem mais altas do que a
taxa legal. A instituição financeira acaba auferindo vantagem dessa diferença de taxas, mesmo que seja obrigada a
restituir ao mutuário o indébito com base na taxa legal. Ex.: imaginemos que o banco cobrou juros de 11% ao mês.
Decretada a invalidade do contrato, o banco é condenado a restituir o mutuário acrescido dos juros legais. Ocorre
que os juros legais são bem inferiores aos juros que foram cobrados pelo banco. Assim, mesmo sendo condenado a
restituir, os bancos teriam lucrado com a operação. Poderíamos dizer que se trata do lucro da intervenção.
Pagar a vítima toda a quantia referente ao lucro da intervenção seria uma solução correta? NÃO. Alguns podem
estar pensando que a solução seria simplesmente entregar p/ a vítima a quantia auferida como “lucro da
intervenção”. Isso não é, contudo, totalmente correto. Não se pode simplesmente determinar que a vítima receba
integralmente o lucro da intervenção, pois neste caso ela estará recebendo mais do que teria direito, considerando
que seu prejuízo foi “x” e ela estaria recebendo “x” + o lucro da intervenção. Isso contraria a função indenitária do
princípio da reparação integral. Em nosso ex., se João recebesse a quantia principal mais os juros iguais aos
cobrados pelo banco, João não estaria sendo restituído ao status quo ante. Ele estaria lucrando (e bastante) com a
restituição, pois os juros bancários são altos. No ex. do jóquei, se ele fosse condenado a pagar ao dono do cavalo o
valor integral do prêmio, essa medida seria excessiva, uma vez que a habilidade do jóquei também contribuiu para
o sucesso no torneio.
5.3. Mandato
Análise jurídica da conduta de advogado que celebrou acordo prejudicial ao cliente em virtude de ajuste espúrio
realizado com a parte contrária
Fatos: advogado celebrou acordo prejudicial ao cliente, por meio do qual renunciou a crédito consolidado em
sentença com remota possibilidade de reversão, em virtude de ajuste espúrio realizado com a parte contrária.
Decisão: nas ações de indenização do mandante contra o mandatário incide o prazo prescricional de 10 anos,
previsto no art. 205 do CC, por se tratar de responsabilidade proveniente de relação contratual. Neste caso, o prazo
prescricional tem início não no momento em que o acordo foi homologado, mas sim a data em que a vítima soube
que havia sido prejudicada. Isso com base na chamada teoria da actio nata. O fato de o advogado-mandatário
ostentar procuração com poderes para transigir não afasta a responsabilidade pelos prejuízos causados por culpa
sua ou de pessoa para quem substabeleceu, nos termos dos arts. 667 do CC e 32, caput, do EOAB. A
responsabilidade pelos danos decorrentes do abuso de poder pelo mandatário independe da prévia anulação judicial
do ato praticado, pois o prejuízo não decorre de eventual nulidade, mas sim da violação dos deveres subjacentes à
relação jurídica entre o advogado e o assistido.
5.4. Seguro
O contratante do seguro de vida em grupo não tem direito à renovação da apólice sem a concordância da
seguradora nem pode exigir a restituição dos prêmios pagos
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Fatos: João e outros ajuizaram ação contra a Caixa Seguradora S/A, alegando que são funcionários da CEF e,
nessa condição, firmaram com a seguradora ré contrato de seguro de vida em grupo. Afirmam que os valores
relativos aos prêmios do seguro sempre foram descontados diretamente em folha de pagamento, razão pela qual
nunca houve atraso da parte deles no cumprimento do contrato. Sustentam que o contrato chegou ao fim e que a
seguradora enviou carta aos requerentes comunicando que não possuía interesse na renovação do pacto. Vale
ressaltar que havia uma cláusula no contrato prevendo que o pacto tinha prazo determinado, sendo possível a sua
renovação automática, salvo se a seguradora ou segurado comunicasse o desinteresse nessa renovação 30 dias antes
do término da vigência. Os autores argumentaram que essa cláusula seria abusiva e que a seguradora deveria ser
obrigada a: renovar a apólice; ou restituir os prêmios pagos pelos segurados.
Decisão: o STJ decidiu que nos contratos de seguro de vida em grupo não há direito à renovação da apólice sem
a concordância da seguradora ou à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à cobertura do risco no
período delimitado no contrato.
Contrato de seguro de vida: é possível extrair duas características principais:
a) mutualismo das obrigações: significa que o custo do risco individual (ex.: morrer, ficar inválido etc.) será
dissolvido solidariamente entre todos os “clientes” da seguradora. Todos os contratantes do seguro pagam os
prêmios a que se obrigam, mas só uma pequena parte irá receber a indenização. Isso porque o sinistro não
acontecerá para todos. Assim, o dinheiro pago por aqueles cujo risco não se concretizou será utilizado também para
custear a indenização que será paga aos que sofreram o risco.
b) temporariedade contratual: Em regra, o contrato de seguro de vida é por prazo determinado. A temporariedade
dos contratos de seguro de vida existe pelo fato de que a seguradora precisa, periodicamente, avaliar, por meio de
cálculos atuarias, a higidez e a idoneidade do fundo formado pelas arrecadações dos segurados a fim de se ter
certeza que os recursos disponíveis serão suficientes para cobrir as indenizações. Isso é chamado de adequação
atuarial.
Mas há a possibilidade de o contrato de seguro de vida ser vitalício? SIM. Há possibilidade de,
excepcionalmente, o contrato de seguro de vida INDIVIDUAL ser vitalício. No entanto, para que isso ocorra as
partes deverão ajustar expressamente até porque as bases contratuais serão diferenciadas tendo em vista que os
cálculos atuariais deverão observar regime financeiro próprio. O seguro de vida vitalício, ainda que expressa e
excepcionalmente possa ser assim contratado, somente admite a forma individual. Em outras palavras, não existe a
possibilidade de contrato de seguro de vida em grupo (coletivo) vitalício.
Se o risco não se concretizar durante o prazo de vigência do contrato, não há razão p/ devolver o prêmio : Em se
tratando de contrato por prazo determinado, a obrigação da seguradora (garantir os riscos combinados previamente)
restringe-se ao período contratado. Se o risco se concretizar durante o período contratado, a seguradora será
responsável pelo pagamento da cobertura. Em contrapartida, se o risco não ocorrer durante o prazo de vigência do
contrato, não significa que tenha havido qualquer inadimplemento contratual por parte da seguradora. Logo,
mesmo que o risco não se concretize, o segurado não tem o direito de reaver os valores pagos ou sequer um
percentual destes. Se houvesse essa devolução, isso iria descaracterizar um dos pilares do contrato de seguro, que é
justamente o mutualismo. Da mesma forma, o segurado não terá como exigir da seguradora que mantenha o
vínculo contratual.
Cláusula que permite a não-renovação é válida : Assim, a cláusula contratual que autoriza a não renovação do
contrato de seguro de vida em grupo, concedida tanto para a seguradora como para o segurado, não configura
procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. Esta cláusula encontra-se em perfeita
harmonia com o princípio do mutualismo.
Nos contratos individuais vitalícios é possível a restituição da reserva já formada : Apenas nos contratos
individuais, desde que vitalícios ou plurianuais, há a formação de provisão matemática de benefícios a conceder,
calculada atuariamente no início do contrato, a qual possibilita a manutenção nivelada do prêmio, que permanece
inalterado mesmo com o envelhecimento do segurado e o aumento do risco. Por outro lado, em caso de resolução
dessa espécie de contrato no curso de sua vigência, cabe a restituição da reserva já formada aplicando-se a regra
estabelecida no art. 796, p. u., do CC, de modo a evitar o enriquecimento sem causa do segurador.
Nos contratos de seguro coletivos o regime financeiro é o da repartição simples : Nos contratos de seguro
coletivos o prazo é determinado e o regime financeiro é o de repartição simples. Os prêmios arrecadados do grupo
de segurados ao longo do período de vigência do contrato destinam-se ao pagamento dos sinistros ocorridos
naquele período. Não se trata de contrato de capitalização. Quando o contrato é encerrado, não importa quantas
vezes tenha sido renovado, não há reserva matemática vinculada a cada participante e, portanto, não há direito à
renovação da apólice sem a concordância da seguradora nem à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à
cobertura do risco no período delimitado no contrato. Assim, mesmo que o segurado tenha se mantido vinculado à
apólice coletiva por décadas, não se formou uma poupança, pecúlio ou plano de previdência, que lhe garantiria, ou
a seus beneficiários, segurança na velhice. Suas contribuições (prêmio), ano a ano, esgotaram-se na cobertura dos
sinistros do grupo no período, realizadas, como já enfatizado, pelo sistema de repartição simples.
Seguradora não é obrigada a conceder indenização por invalidez total pelo simples fato de o segurado estar
recebendo aposentadoria por invalidez do INSS
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Fatos: João fez um seguro de vida no qual estava previsto que ele teria direito de receber R$ 100k em caso de
invalidez parcial e R$ 300k na hipótese de invalidez total. Ele sofreu um acidente de carro passeando com a
família. João era gerente de uma loja e, nesta condição, era segurado obrigatório do INSS (RGPS). Em virtude do
acidente, a perícia do INSS concluiu que ele ficou inválido de forma total e permanente para o trabalho, razão pela
qual lhe foi concedida aposentadoria por invalidez. Após a recusa do pagamento na via extrajudicial, João ajuizou
ação de indenização contra a seguradora pedindo o pagamento da indenização por invalidez total. A ré, na
contestação, pediu realização de prova pericial. O juiz, porém, negou o pedido proferindo julgamento antecipado da
lide sob o argumento de que o fato de o autor estar recebendo aposentadoria por invalidez já era prova suficiente da
procedência do pedido.
Decisão: A aposentadoria por invalidez permanente concedida pelo INSS não confere ao segurado o direito
automático de receber indenização de seguro contratado com empresa privada, sendo imprescindível a realização
de perícia médica para atestar o grau de incapacidade e o correto enquadramento na cobertura contratada. A
concessão de aposentadoria por invalidez pelo INSS não gera uma presunção absoluta da incapacidade total do
segurado, não podendo, dessa forma, vincular ou obrigar as seguradoras privadas.
A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação
possa ser oposta ao adquirente
O que acontece se certo imóvel, que está alugado, for vendido para outra pessoa que não o locatário?
- Regra: o adquirente poderá denunciar o contrato de locação, tendo o locatário que desocupar o imóvel no prazo
máximo de 90 dias. Obs.: denunciar um contrato consiste na conduta de declarar a intenção de encerrar o pacto.
- Exceção: o contrato não poderá ser denunciado e a locação continuará em vigor se estiverem presentes os
seguintes requisitos cumulativos: a) o contrato de locação for por tempo determinado; b) o contrato de locação
contiver cláusula de vigência em caso de alienação (conhecida doutrinariamente como “cláusula de vigência” ou
“cláusula de respeito”); c) o contrato de locação estiver averbado junto à matrícula do imóvel. Nesse caso, o
adquirente, ao comprar o imóvel, já estava ciente da existência da locação e, portanto, terá que respeitar o contrato,
que irá vigorar até que termine o seu prazo.
Contrato de locação não foi averbado, mas comprador sabia da sua existência. Nessa hipótese, o locatário
poderá se manter no imóvel mesmo contra a vontade do comprador? A locação continuará? NÃO. A averbação do
contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação possa ser oposta ao
adquirente. A cláusula de vigência, ou cláusula de respeito, representa, de algum modo, uma restrição ao direito de
propriedade. Isso porque o comprador, mesmo se tornando proprietário, ficará impedido de usar a coisa como bem
quiser, considerando que está locada. Essa restrição ao direito de propriedade somente é permitida, portanto,
porque se impõe ao adquirente por força do registro.
Precedente peculiar do STJ: Vale ressaltar que houve um precedente do STJ em 2013 no qual se “relativizou”
essa exigência. Mas há diferença entre esse precedente peculiar e a deste caso:
• No REsp 1.269.476-SP (Info 515), o adquirente, por convenção firmada com o vendedor, se obrigou a respeitar o
contrato de locação em todos os seus termos. Assim, não se trata propriamente de afastar a necessidade de registro,
ou mesmo de ter conhecimento inequívoco da existência da cláusula de respeito, mas sim de o adquirente, por
convenção, se obrigar a respeitar o contrato locatício.
• No REsp 1269476/SP (Info 632), o adquirente não assumiu esse compromisso.
Locatário, ao ajuizar ação renovatória, deverá demonstrar a quitação tributária, sendo suficiente, para tanto, a
certidão de parcelamento fiscal: O art. 71 da Lei 8.245 afirma que a petição inicial da ação renovatória deverá ser
instruída com: (...) III - prova da quitação dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo pagamento lhe
incumbia. Diante disso, indaga-se: o locatário poderá juntar uma certidão dizendo que está devendo tributos, mas que
eles estão sendo pagos parceladamente? SIM. A certidão de parcelamento fiscal é suficiente para suprir a exigência
prevista no inciso III do art. 71 da Lei 8.245/91 para efeito do ajuizamento de ação renovatória de locação
empresarial. Partindo-se de uma interpretação sistemática e teleológica desse dispositivo, aceita-se a comprovação do
parcelamento fiscal no momento do ajuizamento da demanda, com a demonstração de sua quitação durante o
processo.
Se houver o desfazimento da promessa de compra e venda, o promitente comprador terá que pagar ao proprietário
a taxa de ocupação pelo período em que esteve na posse do bem
Fatos: João era proprietário de um apartamento e queria vendê-lo. Pedro, por sua vez, desejava comprá-lo. João e
Pedro celebraram contrato de promessa de compra e venda por meio do qual Pedro se obrigou a pagar o apartamento
em 36 parcelas. João, por outro lado, comprometeu-se a transferir o imóvel para o nome do promitente comprador tão
logo ele terminasse de pagar as prestações. Enquanto paga as prestações, Pedro já tem direito de ficar morando no
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apartamento (posse direta do bem). Pedro pagou a primeira parcela e começou a morar no apartamento. Durante 6
meses, Pedro morou no apartamento e pagou regularmente as prestações. Ocorre que Pedro descobriu que, mesmo
após pagar todas as parcelas, não iria conseguir transferir o imóvel para o seu nome porque havia uma disputa judicial
envolvendo o bem. Diante disso, Pedro ajuizou contra João pedindo o desfazimento do contrato e a devolução dos
valores pagos. João apresentou reconvenção pedindo que Pedro fosse condenado a pagar taxa de ocupação pelo
período em que morou no imóvel. Isso porque, com a devolução dos valores pagos, a posse exercida pelo promitente-
comprador sobre o imóvel se tornará gratuita, o que configuraria enriquecimento sem causa. Pedro contra argumentou
afirmando que foi o réu quem deu causa ao desfazimento do negócio, de modo que, em virtude disso, ele não teria que
pagar nada.
Decisão: é devida a condenação ao pagamento de taxa de ocupação (aluguéis) pelo período em que o autor
permaneceu na posse do imóvel no caso de rescisão do contrato de promessa de compra e venda com o retorno das
partes ao estado anterior. A utilização do imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda enseja o
pagamento de aluguéis pelo tempo de permanência, mesmo que o contrato tenha sido rescindido por inadimplemento
do vendedor. Não importa quem tenha sido o causador do desfazimento do negócio. Isso porque o fundamento
jurídico para esse pagamento está na proibição do enriquecimento sem causa, que é previsto nos arts. 884 a 886 do
CC. É dizer, o promitente comprador deverá pagar essa taxa de ocupação não porque tenha feito algo de errado. O
pagamento de aluguéis não envolve discussão acerca da licitude ou ilicitude da conduta do ocupante. Não é uma
sanção, mas simplesmente a retribuição pelo uso de um bem que não era seu. Por esse motivo, considera-se
irrelevante questionar quem teria sido o causador do desfazimento do negócio para fins de estipulação do
ressarcimento pela ocupação.
5.7. Arbitragem
Se a parte quiser arguir a nulidade da cláusula arbitral, deverá formular esse pedido, em primeiro lugar, ao
próprio árbitro, não sendo possível que proponha diretamente ação judicial
Fatos: a empresa 1 celebrou contrato com a empresa 2; neste contrato há uma cláusula arbitral; a empresa 2
notificou extrajudicialmente a empresa 1 cobrando o cumprimento do ajuste; a empresa 1 ajuizou ação declaratória de
falsidade alegando que a assinatura constante no contrato é falsa e, portanto, o pacto seria nulo. A petição inicial da
ação foi instruída com um laudo documentoscópico de um perito particular que atesta a falsificação. O juiz da vara
cível, para onde a ação foi distribuída, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, sob o fundamento de que a
controvérsia acerca da autenticidade da assinatura estaria sujeita exclusivamente ao juízo arbitral, por força da
cláusula arbitral. Em outras palavras, o juiz afirmou que caberia ao árbitro decidir sobre a validade do contrato
considerando que existe uma cláusula compromissória. Fundamentou sua sentença no art. 8º, p. u., da Lei nº 9.307/96.
Decisão: a previsão contratual de convenção de arbitragem enseja o reconhecimento da competência do Juízo
arbitral para decidir com primazia sobre o Poder Judiciário as questões acerca da existência, validade e eficácia da
convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.
O Poder Judiciário pode decretar a nulidade de cláusula arbitral (compromissória) sem que essa questão tenha sido
apreciada anteriormente pelo próprio árbitro?
- REGRA: NÃO. O art. 8º, p. u. versa sobre a aplicação do princípio da kompetenz-kompetenz (competência-
competência), isto é, compete ao próprio árbitro dizer se ele é ou não competente para conhecer aquele conflito.
Assim, se a parte está alegando que a cláusula compromissória é nula e que a questão não deve ser submetida à
arbitragem, quem primeiro deverá examinar a questão é o próprio árbitro. Vale ressaltar que não haverá prejuízo à
parte considerando que, mesmo se o árbitro entender que a cláusula é válida (e julgar a arbitragem), essa questão da
nulidade poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário em momento posterior. Isso porque, para fazer cumprir a sentença
arbitral, o credor terá que ajuizar uma execução judicial. Nesse momento, o devedor poderá se defender por meio de
embargos à execução alegando a nulidade da cláusula arbitral e, consequentemente, da sentença arbitral. Nesse
sentido é a jurisprudência do STJ.
- EXCEÇÃO: O STJ relativizou esta regra e decidiu que se a nulidade da cláusula compromissória for muito evidente,
será possível ao Poder Judiciário declarar a sua invalidade mesmo sem que este pedido tenha sido formulado, em
primeiro lugar, ao próprio árbitro. Na ementa, foi usada a expressão "compromisso arbitral patológico".
6. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Equipamento de monitoramento do veículo acoplado no caminhão é considerado pertença e, por isso, como regra,
não segue a sorte do principal
Fatos: A empresa “Transpor” celebrou com o Banco “X” contrato de financiamento com garantia de alienação
fiduciária para a compra de um caminhão no valor de R$ 120 mil. Ocorre que, no curso do contrato, a empresa
fiduciante deixou de pagar as parcelas. O Banco enviou notificação extrajudicial para a “Transpor” informando que
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ela se encontrava em débito (Súmula 72-STJ), mas esta não fez a purgação da mora. Diante disso, a instituição
financeira ingressou com ação de busca e apreensão requerendo a entrega do bem, conforme autoriza o art. 3º do DL
911/69. O juiz concedeu a liminar e o automóvel saiu da posse da “Transpor” e foi entregue ao Banco. O DL 911/69
prevê que, após a execução da liminar, ou seja, depois da apreensão do bem, o devedor tem a possibilidade de
apresentar uma resposta (uma espécie de contestação). Em sua resposta, a “Transpor” informou o seguinte: realmente
estou devendo e não tenho condições de continuar a pagar as prestações. Pode ficar com o caminhão. No entanto,
depois que celebrei o contrato com o banco e comprei o veículo, eu instalei nele um “equipamento de monitoramento
(rastreamento)”. Esse equipamento serve para que a empresa, de forma remota, possa fazer o acompanhamento do
local onde está o veículo, informando se ele está parado ou em movimento e a velocidade que está sendo empregada.
Com isso, a empresa pode controlar a segurança e a assiduidade dos seus motoristas. A empresa informou que esse
aparelho de monitoramento não vem com o veículo e que ela desejava retirá-lo para utilizá-lo em outro caminhão que
ela pretende comprar no futuro. O banco contra argumentou afirmando que este aparelho é um bem acessório e que os
bens acessórios seguem a sorte do principal (princípio da gravitação jurídica). Assim, como a posse e a propriedade
do veículo (bem principal) consolidou-se em nome da instituição financeira, ela também adquiriu os bens acessórios
que estão no carro.
Decisão: A empresa “Transpor” terá direito de retirar o aparelho do veículo, mesmo sendo um bem acessório. Ele
não segue a sorte do principal, porque este equipamento é qualificado como sendo uma pertença. A pertença é uma
espécie peculiar de bem acessório que, em regra, não segue a sorte do principal (exs.: aparelho de ar condicionado,
telefone do escritório, elevadores, bombas de água, instalações elétricas, estátuas, espelhos, tapetes, máquinas da
fábrica, tratores, instrumentos agrícolas etc.).
Pertenças são bens acessórios sui generis: As pertenças têm como objetivo dar uma maior qualidade, utilidade ou
vantagem a um bem principal. Por isso, as pertenças são classificadas como bens acessórios. No entanto, são bens
acessórios sui generis porque mantêm sua individualidade e autonomia, não se incorporando no bem principal. Assim,
a pertença, em regra, não é alcançada pelo negócio jurídico que envolver o bem principal, a não ser que haja
imposição legal, expressa manifestação das partes ou decorrer das circunstâncias do caso concreto. Trata-se de
exceção à regra de que o acessório segue o principal. Isso está previsto expressamente no art. 94 do CC.
Outro caso semelhante: Havendo adaptação de veículo, em momento posterior à celebração do pacto fiduciário,
com aparelhos para direção por deficiente físico, o devedor fiduciante tem direito a retirá-los quando houver o
descumprimento do pacto e a consequente busca e apreensão do bem. STJ. 4ª Turma. J. em 18/10/2016.
O credor fiduciário somente responde pelas dívidas condominiais após a imissão na posse
Fatos: João celebrou com o banco um contrato de alienação fiduciária para a compra de seu imóvel residencial.
João comprometeu-se a pagar a dívida em 180 prestações. Ocorre que, por dificuldades financeiras, o
mutuário/fiduciante tornou-se inadimplente. Quando o fiduciante não paga a dívida, a lei afirma que ocorre a
consolidação da propriedade em nome do fiduciário. Nesse sentido, é o que prevê o art. 26 da Lei 9.514/97. Vale
ressaltar que, em caso de atraso no pagamento, a Lei exige que o credor/fiduciário requeira que o Oficial do
Registro de Imóveis faça a notificação extrajudicial do devedor/fiduciante (seu representante ou procurador) para
pagar a dívida em 15 dias. Trata-se da notificação com o fim de fazer a constituição do devedor em mora.
Decorrido o prazo de 15 dias sem que o devedor tenha feito a purgação da mora, o CRI irá fazer uma certidão disso
e, em seguida, averbará, na matrícula do imóvel, que houve a consolidação da propriedade em nome do
fiduciário/credor. Frise-se que, antes da averbação, o credor terá que pagar o imposto de transmissão inter vivos e,
se for o caso, do laudêmio.
Se o imóvel era parte de um condomínio edilício (ex: um apartamento), como o fiduciante estava com
dificuldades financeiras, é muito comum que ele também estivesse em atraso com o pagamento das cotas
condominiais. Como fica a situação do condomínio neste caso? É possível que o condomínio cobre do fiduciário
(“banco”) as despesas condominiais que o fiduciante deixou e que se referem a um período anterior à consolidação
da propriedade? NÃO.
• Despesas condominiais referentes a período anterior à imissão na posse: devem ser cobradas do devedor
fiduciante. O credor fiduciário (“banco”) não pode ser obrigada a pagar.
• Despesas condominiais referente a período posterior à imissão: são de responsabilidade do credor fiduciário.
O tema é disciplinado expressamente pelo § 8º do art. 27 da Lei 9.514/97. Cuidado com isso porque, como
aprendemos que as contribuições condominiais são obrigações propter rem, a tendência é raciocinar de forma
diferente do que foi explicado acima. No entanto, houve uma opção expressa da Lei em proteger o credor
fiduciário, livrando-os dos débitos anteriores à imissão na posse. Essa mesma previsão foi inserida no CC em 2014.
Decisão do STJ: A responsabilidade do credor fiduciário pelo pagamento das despesas condominiais dá-se
quando da consolidação de sua propriedade plena quanto ao bem dado em garantia, ou seja, quando de sua imissão
na posse do imóvel.
Considerando que os condomínios não podem cobrar do banco, o que eles podem fazer para garantirem seu
direito e receberem essas quantias? Uma dica para os condomínios é a de executar o devedor fiduciante e requerer
ao juízo a penhora dos direitos que este devedor fiduciante tiver sobre o contrato. Nesse caso, o condomínio
exequente irá se sub-rogar nos direitos do devedor fiduciante. Isso significa o que? Quando o banco alienar o
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imóvel, irá utilizar o produto da venda para satisfazer o seu crédito. O restante teria que devolver ao devedor
fiduciante. Ocorre que o condomínio já terá feito a penhora deste eventual crédito e, assim, ele receberá esse valor
(que seria do fiduciante) para pagar as dívidas condominiais.
7. DIREITOS REAIS
7.1. Posse
7.2. Usucapião
É possível o reconhecimento da usucapião de imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da ação
Fatos: Em março de 2017, João ajuizou ação pedindo o reconhecimento de usucapião especial urbana (art. 1.240).
Afirmou que não tem o título de propriedade dessa área, mas lá mora há 5 anos sem oposição de ninguém. Vale
ressaltar também que ele não tem outro imóvel, seja urbano, seja rural. Em abril de 2017, o proprietário apresentou
contestação pedindo a improcedência da demanda. Foram ouvidas testemunhas. As testemunhas e as provas
documentais atestaram que João reside no imóvel desde setembro de 2012, ou seja, quando o autor deu entrada na
ação (março de 2017), ainda não havia mais de 5 anos de posse. Em novembro de 2017, os autos foram conclusos ao
juiz para sentença.
Decisão: É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no
curso da demanda. Isso porque o CPC autoriza que o juiz examine e leve em consideração na sentença fatos ocorridos
após a instauração da demanda (art. 493 do CPC). A decisão deve refletir o estado de fato e de direito existente no
momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido (STJ).
Mas o proprietário apresentou contestação antes de o autor completar o prazo necessário para a usucapião. Isso não
pode ser considerado como uma “oposição” (art. 1.240 do CC) para fins de impedir a constituição do prazo de
usucapião? NÃO. O STJ entende que a contestação apresentada pelo réu não impede o transcurso do lapso temporal.
Essa peça defensiva não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas
apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião. A contagem do tempo para usucapião somente
seria interrompida se o proprietário conseguisse reaver a posse.
7.3. Condomínio
Condôminos podem ser chamados a responder pelas dívidas do condomínio, sendo permitida, inclusive, a
penhora do apartamento que é bem de família
Fatos: um pedestre foi ferido por conta de um pedaço da fachada que nele caiu. Essa vítima terá que propor a
ação contra o condomínio. O juiz julgou procedente a ação e condenou o condomínio a pagar R$ 180k. João iniciou
o cumprimento de sentença. Como não foram encontrados bens em nome do condomínio, pediu o redirecionamento
da execução contra os condôminos e o juiz determinou a penhora dos apartamentos, no limite de cada cota parte. A
dívida era de R$ 180k e o juiz determinou que cada apartamento deveria ficar penhorado na proporção de R$ 30k.
Isso é possível? É possível que os condôminos sejam chamados a pagar a indenização que foi reconhecida como
sendo uma obrigação do condomínio? SIM. Cada condômino é obrigado a concorrer para o pagamento das
despesas e encargos suportados pelo condomínio, na proporção de sua quota-parte, conforme preveem o art. 1.315
do CC e o art. 12 da Lei 4.591/64. Trata-se daquilo que o Min. Salomão chamou de “solidariedade condominial”,
para que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio Condomínio, impedindo a ruptura de sua
estabilidade econômico-financeira, o que poderia provocar dano considerável aos demais comunheiros (REsp
1247020/DF, DJe 11/11/15). Vale ainda mencionar o art. 938 do CC e o Enunciado 557/CJF.
O art. 1.315 fala apenas em “despesas de conservação : Porém, a doutrina e a jurisprudência interpretam essa
expressão de forma ampla, incluindo as destinadas a obras ou inovações aprovadas pela assembleia de condôminos
(v.g., ampliação da garagem, instalação de portão eletrônico, construção de salão de festas etc.). Inclui, ainda,
outros títulos, como a responsabilidade por indenizações, tributos, seguros etc.
Imagine que esse acidente aconteceu em 2014. Em 2016, Teobaldo comprou, de Carlos Eduardo, um
apartamento no “Prédio Azul” e passou a morar neste local. Em 2017, foi prolatada a sentença condenando o
condomínio a indenizar João. Teobaldo poderá se isentar do pagamento alegando que não pode ser
responsabilizado por fatos ocorridos antes da compra, ou seja, em uma época na qual a propriedade do imóvel era
de outra pessoa (Carlos Eduardo)? NÃO. As dívidas condominiais são classificadas como obrigações propter rem.
Por isso, responde pela obrigação de pagar tais dívidas, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a
unidade, não importando que os débitos sejam anteriores à aquisição do imóvel. É o que determina o art. 1.345 do
CC.
Os condôminos não figuravam como devedores na sentença (título executivo). Além disso, os condôminos não
eram partes na execução (cumprimento de sentença). Mesmo assim, é possível redirecionar contra eles a execução
e determinar a penhora dos seus apartamentos? SIM. Como o condomínio é um ente despersonalizado, a decisão
que determina o redirecionamento da execução contra os titulares das unidades não viola a autonomia patrimonial
nem significa desconsideração da personalidade jurídica. Assim, para que os condôminos sejam chamados a
responder pela dívida, basta que a execução contra o condomínio tenha sido frustrada. Esse redirecionamento da
execução, contudo, exige cautela, pois o condomínio, embora não tenha sido dotado de personalidade jurídica,
possui capacidade processual, devendo figurar no polo passivo da execução, como regra. A inclusão dos
condôminos no polo passivo, portanto, é medida excepcional, que somente deve ser admitida após esgotadas as
possibilidades de se satisfazer o crédito contra o condomínio. Assim, em regra, a execução deve ser direcionada
contra o condomínio e a penhora deve recair preferencialmente sobre as reservas financeiras do condomínio. No
entanto, se elas se mostrarem insuficientes, deve o patrimônio dos condôminos suportar os ônus da execução.
O condômino poderá invocar a impenhorabilidade do bem de família para desconstituir essa penhora incidente
sobre seu imóvel? Essa tese seria acolhida? NÃO. Como se sabe, em regra, o bem de família legal é impenhorável
e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída
pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. No entanto, o art. 3º da Lei nº
8.009/90 traz uma lista de exceções a essa regra, ou seja, situações nas quais será permitida a penhora do bem de
família. Uma das exceções está no inciso IV, que diz “taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar”.
É juridicamente possível o pedido de alienação judicial de imóvel objeto de compromisso de compra e venda
Fatos: casal ainda está pagando as parcelas de contrato de compromisso de compra e venda e se separa. Diante
disso, João ajuizou contra Maria uma ação de alienação judicial do bem e extinção de condomínio. O que pediu
João? Para vender em juízo o apartamento e dividir o dinheiro entre eles. O juiz, porém, extinguiu o processo sem
resolução do mérito por impossibilidade jurídica do pedido. Alegou que, nos termos do art. 1.275 do CC, a
alienação é causa de perda de propriedade e que João e Maria não têm a propriedade do apartamento em questão.
Isso porque o imóvel foi objeto de compromisso de compra e venda e o casal não terminou de pagar as prestações.
Agiu corretamente o juiz? NÃO. Um pedido é juridicamente impossível quando existe uma proibição legal, ou
seja, algum dispositivo que veda que a parte faça aquela pretensão em juízo. Ocorre que não há, no ordenamento
jurídico vigente, nenhuma proibição expressa ou implícita para que se formule o pedido de alienação judicial de
bem objeto de compromisso de compra e venda. No caso concreto, por exemplo, a incorporadora (promitente-
vendedora) poderia, em tese, autorizar a alienação judicial pretendida por João a fim de que eles pagassem as
prestações que faltam e, em seguida, o casal dividisse o dinheiro que sobrou. No exemplo dado, como ainda havia
prestações em aberto e, como não houve concordância expressa da promitente-vendedora, o que deveria o juiz ter
feito era julgar o pedido improcedente, extinguindo o processo com resolução do mérito. O “equívoco” do
magistrado foi considerar que existe impossibilidade jurídica do pedido.
É de 10 anos o prazo prescricional para ação do adquirente contra a incorporadora pedindo o pagamento da
multa do art. 35, § 5º, da Lei 4.591/64: O incorporador só se acha habilitado a negociar unidades autônomas do
empreendimento imobiliário depois que registrar, no CRI, os documentos elencados no art. 32 da Lei 4.591/64.
Descumprida essa exigência legal, impõe-se a aplicação da multa do art. 35, § 5º, da mesma lei. É decenal o prazo
prescricional aplicável à ação do adquirente contra a incorporadora que visa a cobrança da multa prevista no art. 35,
§ 5º, da Lei 4.591/64. Fundamento: art. 205 do CC. Não se aplica o art. 27 do CDC porque este dispositivo é
restrito às ações que busquem a reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço e essa situação não
se enquadra como fato do produto ou serviço (não se trata de acidente de consumo).
L. 13.786: dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária: livro.
7.7. Hipoteca
Interesse de agir do credor hipotecário de que o imóvel dado em garantia seja construído de acordo com os
padrões de qualidade previstos no contrato de compra e venda:
Fatos: João celebrou contrato de compra e venda de um terreno em um loteamento. O contrato foi celebrado
entre João e a sociedade empresária Constrói Ltda. Ocorre que neste contrato de compra e venda havia ainda um
pacto adjeto (contrato acessório) de mútuo feneratício com garantia hipotecária, que foi firmado entre João e a
sociedade empresária Habitac. Por força deste pacto adjeto, João recebeu da Habitac um empréstimo para adquirir
o imóvel e, como garantia de que iria pagar a dívida, deu o bem em hipoteca. A ideia deste loteamento era a de que
todas as casas ali construídas fossem parecidas e mantivessem uma qualidade mínima. Assim, no contrato havia
cláusulas dizendo os padrões que deveriam ser respeitados no momento da construção (ex.: construção toda em
alvenaria, fachada com mármore, etc.). João construiu a sua casa no loteamento, mas não respeitou os padrões
previstos no contrato no estilo da fachada e nos materiais empregados. Diante disso, a empresa Habitac ajuizou
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ação de obrigação de fazer contra João pedindo que ele fosse condenado a reformar a casa a fim de deixá-la dentro
dos padrões previstos no contrato. João suscitou a falta de interesse de agir da Habitac.
Decisão: o STJ afirmou credor hipotecário tem interesse de agir para propor ação em face do mutuário visando
ao cumprimento de cláusula contratual que determina a observância dos padrões construtivos do loteamento. O art.
1.474 do CC estabelece que a hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Por
outro lado, o art. 1.425, I, do CC estabelece que a dívida se considera vencida: se, deteriorando-se, ou depreciando-
se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir. Como vimos,
se o devedor não pagar a dívida, o bem dado em hipoteca será alienado. Logo, o credor hipotecário tem interesse
em que o imóvel seja construído de acordo com os padrões estabelecidos para o loteamento a fim de que ele se
mantenha valioso e, em caso de inadimplemento, possa ser vendido por um bom preço, pagando a dívida.
8.1. A ação de divórcio não pode, em regra, ser ajuizada por curador provisório
Fatos: João e Maria eram casados, porém não vivem mais juntos há um bom tempo. João mora com seu irmão
Pedro. João sofreu um AVC e ficou sem poder exprimir sua vontade. Diante disso, Pedro ajuizou ação de
interdição em favor de seu irmão João (art. 747, II, do CPC). O juiz entendeu que estava presente a urgência e
nomeou Pedro como curador provisório do interditando. Pedro (curador provisório), representando seu irmão João,
ajuizou ação de divórcio contra Maria pedindo a dissolução da sociedade conjugal. Maria contestou a ação
alegando que a ação não poderia ter sido proposta pelo curador provisório.
Decisão: O que o STJ decidiu:
• a ação em que se pleiteia a dissolução do vínculo conjugal, por possuir natureza personalíssima, deve ser ajuizada,
em regra, pelo próprio cônjuge;
• excepcionalmente, admite-se a representação processual do cônjuge por curador (ascendente ou irmão). Em
outras palavras, excepcionalmente, admite-se que o divórcio seja ajuizado por curador.
• como se trata de possibilidade excepcional, a regra que autoriza terceiros a ajuizarem a ação de dissolução de
vínculo conjugal deverá ser interpretada restritivamente, limitando-se a sua incidência apenas à hipótese de curatela
definitiva. Em outras palavras, quando se admitir que curador proponha o divórcio, deve-se tomar a cautela de se
exigir que seja curador definitivo (curatela definitiva). Assim, em regra, somente se admite que o curador definitivo
ingresse com a ação de divórcio.
• em situações ainda mais excepcionais, poderá o curador provisório ajuizar a ação de dissolução do vínculo
conjugal em representação do cônjuge potencialmente incapaz, desde que expressa e previamente autorizado pelo
juiz, após a oitiva do MP, como orientam o art. 749, p. u., do CPC e o art. 87 do EPCD.
8.2. O simples fato de a mulher ter sido revel na ação de divórcio não significa que o pedido de retirada do
patronímico do ex-marido de seu nome tenha que ser deferido
Fatos: João da Silva Maier casou-se com Gabriela Ferreira. Gabriela adotou o patronímico de João e passou a se
chamar Gabriela Ferreira Maier. O relacionamento chegou ao fim e João ajuizou ação de divórcio contra Gabriela
pedindo: a) que fosse decretado o divórcio; b) que Gabriela fosse condenada a retirar o patronímico “Maier” de seu
nome. Gabriela foi devidamente citada, mas não respondeu a ação. O juiz julgou o pedido parcialmente procedente
decretando o divórcio, mas mantendo o sobrenome da ré.
Decisão: o STJ concordou com o juiz. A revelia em ação de divórcio na qual se pretende, também, a exclusão
do patronímico adotado por ocasião do casamento não significa concordância tácita com a modificação do nome
civil:
• o fato de o réu ter sido revel não significa, necessariamente, que o juiz tenha que acolher o pedido do autor;
• o nome é considerado direito indisponível, tendo em vista ser direito da personalidade;
• para que houvesse a retirada do sobrenome, seria necessária a manifestação expressa da vontade da mulher;
• a utilização do sobrenome do ex-marido por mais de 30 trinta anos demonstra que há tempo ele está incorporado
ao nome dela, de modo que não mais se pode retirá-lo, sem que cause evidente prejuízo p/ a sua identificação.
Obs.: a doutrina civilista critica o art. 1.578 do CC em virtude de ele admitir, ainda que excepcionalmente, a
possibilidade de o “cônjuge declarado culpado” perder o direito de usar o sobrenome do outro. Para os autores, não
há mais sentido algum discutir-se culpa nas relações matrimoniais e de união estável e, segundo a posição
doutrinária, o cônjuge deve ter direito de permanecer com o sobrenome do outro em qualquer hipótese, salvo se ele
mesmo optar por não querer mais. Gostaria que você soubesse desse posicionamento doutrinário para fins de
provas discursivas e oral, no entanto, o texto do Código está em vigor e deverá ser assinalado como correto em
questões objetivas.
8.3. Mesmo já havendo um acordo homologado sobre a partilha de bens, é possível que seja feito um novo
ajuste posteriormente: A coisa julgada material formada em virtude de acordo celebrado por partes maiores e
capazes, versando sobre a partilha de bens imóveis privados e disponíveis e que fora homologado judicialmente por
ocasião de divórcio consensual, não impede que haja um novo acordo sobre o destino dos referidos bens.
72
Partilha de prêmio da loteria mesmo que se trate de relacionamento regulado pelo regime da separação
obrigatória (art. 1.641, II, CC)
Fatos: Em 2012, João, 70 anos de idade, passou a viver em união estável com Carla. Em 2015, João ganhou R$
2 MM na MegaSena. Alguns dias depois, João decidiu terminar o relacionamento. Em razão disso, Carla ajuizou
ação de reconhecimento e dissolução de união estável pedindo o pagamento de pensão alimentícia e a partilha dos
bens, dentre os quais o prêmio da loteria. João alegou que não tinha que dividir o patrimônio considerando que,
quando a união estável teve início, ele possuía mais de 70 anos de idade, de forma que o regime patrimonial que
regulou a relação dos dois foi o regime legal da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, II, do CC.
Essa regra do art. 1.641, II, do CC fala em “casamento”. É possível estendê-la também para a união estável?
SIM. O STJ possui alguns julgados afirmando que essa regra específica do casamento deve ser estendida à união
estável.
Havendo dissolução de UE regida pelo regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC), como
deve ser feita a partilha dos bens? Deverão ser partilhados apenas os bens adquiridos onerosamente na constância
da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição (STJ. 2ª Seção. J. em 26/08/2015).
Assim, Carla terá direito à meação dos bens adquiridos durante a UE, desde que comprovado o esforço comum.
E quanto ao prêmio da loteria, ela terá direito? SIM. Segundo o art. 1.660, II do CC, a loteria ingressa na
comunhão sob a rubrica de “bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa
anterior”.
Mas João era maior de 70. Mesmo assim, o prêmio da loteria irá ser objeto de partilha? SIM, por 4 razões:
1) Trata-se de bem comum, que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de cada
um, pouco importando se houve ou não despesa do outro consorte. A própria redação afirma, expressamente, que
“os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior”, são comuns.
2) Foi o próprio legislador quem estabeleceu a referida comunicabilidade.
3) A comunicabilidade é a regra, que admite exceções, a depender do regime de bens, sendo que aquele de
separação legal do septuagenário é diverso do regime de separação convencional, tendo recebido mitigação
reconhecida pela jurisprudência do STF e do STJ, sendo, em verdade, uma mescla de regimes.
4) A partilha dos referidos ganhos com a loteria não ofende o objetivo da lei, pois o prêmio foi ganho durante a
relação, não havendo falar em matrimônio (UE) realizado por interesse. Não se sabia que ele iria ganhar o prêmio.
No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que
comprovado o esforço comum para sua aquisição: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os
adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Esse esforço
comum não pode ser presumido. Deve ser comprovado. O regime de separação legal de bens (também chamado de
separação obrigatória de bens) é aquele previsto no art. 1.641 do CC.
Esse “esforço comum” pode ser presumido? NÃO. O esforço comum deve ser comprovado. Quando o STJ fala
“desde que comprovado o esforço comum”, ele está dizendo que não se pode presumir. Deve ser provado pelo
cônjuge supostamente prejudicado.
Se houvesse presunção do esforço comum o regime da separação obrigatória não existiria na prática : Se fosse
adotada a ideia de que o esforço comum deve ser presumido isso levaria à ineficácia do regime da separação
obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, o interessado teria que fazer prova negativa,
comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem.
Isso faria com que fosse praticamente impossível a separação dos aquestos.
A exigência de comprovação do esforço comum é mais consentânea com os fins da separação legal : O
entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum,
parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente adotado no CC, pois
prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e
relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser
partilhado com a dissolução da união (prova positiva).
Súmula 377 do STF: O STF possui uma súmula antiga sobre o tema (editada em 1964): No regime de separação
legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
Essa súmula 377 do STF permanece válida? SIM. No entanto, ela deve ser interpretada da seguinte forma: “No
regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, desde que
comprovado o esforço comum para sua aquisição. O que foi explicado acima vale também para a UE? SIM. O STJ
possui alguns julgados afirmando que essas regras sobre separação legal devem ser aplicadas também no caso de
união estável.
Separação LEGAL (obrigatória) ≠ Separação ABSOLUTA
73
- Separação LEGAL (OBRIGATÓRIA): Separação LEGAL (obrigatória) é aquela prevista nas hipóteses do art.
1.641 do CC. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento,
desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Aplica-se a Súmula 377 do STF.
- Separação ABSOLUTA: Separação ABSOLUTA é a separação convencional, ou seja, estipulada voluntariamente
pelas partes (art. 1.687 do CC). Na separação absoluta (convencional), não há comunicação dos bens adquiridos na
constância do casamento. Assim, somente haverá separação absoluta (incomunicável) na separação convencional.
Não se aplica a Súmula 377 do STF.
8.6. Ao fim de um casamento ou união estável, é possível que o juiz reconheça o direito de visita a animal de
estimação adquirido durante a constância do relacionamento: Na dissolução de entidade familiar, é possível o
reconhecimento do direito de visita a animal de estimação adquirido na constância da união, demonstrada a relação
de afeto com o animal. Na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de
estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a
depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do
ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.
8.7. Situações nas quais o magistrado deverá decretar a prestação de contas pelo cônjuge curador
Teoria: v. livro.
Fatos: João era casado com Luiza desde 1973, sob o regime da comunhão total de bens. Em julho de 2012, João
sofreu um AVC e ficou sem poder exprimir sua vontade. Diante disso, foi instaurado processo judicial de interdição,
tendo João sido interditado. O juiz nomeou Luiza (cônjuge de João) como curadora. Esta interdição durou de 2012 até
2015, quando João conseguiu ter uma ótima recuperação, voltando a falar e exprimir livremente a sua vontade. Ocorre
que o relacionamento do casal não foi mais o mesmo, tendo surgido diversas brigas e acusações mútuas. Em 2016,
divorciaram-se. Em 2017, João ajuizou ação de prestação de contas (ação de exigir contas) em face de Luiza alegando
que a ré, no período em que exerceu a curatela (de 2012 a 2015) teria dilapidado seu patrimônio, consumindo o valor
por ele recebido de verbas rescisórias em ação trabalhista, indenização dos seguros por invalidez, benefícios do INSS
e de sua previdência complementar. Contestação Luiza contestou a demanda alegando que não é obrigada a prestar
contas. Isso porque no período em que exerceu a curatela, ainda era casada com o autor pelo regime da comunhão
universal de bens, de forma que não há motivos para a prestação de contas, considerando que ela também era
proprietária dos bens.
Decisão: o juiz deverá determinar a prestação de contas. Isso porque aquele que for nomeado “curador” tem o
dever legal de prestação de contas de sua administração, haja vista que está na posse de bens do interdito (arts. 1.755,
1.774 e 1.781 do CC). Nos termos do art. 1.757 c/c o art. 1.774, em regra, o curador deverá prestar contas: • a cada
biênio (a cada dois anos); • quando, por qualquer motivo, deixar o exercício da curadoria; ou • a qualquer tempo, se
assim o juiz determinar. Logo, a prestação de contas deverá ser periódica. Existe, contudo, uma exceção a essa
prestação de contas periódica: o curador que for cônjuge casado no regime da comunhão universal (art. 1.783 do CC).
Exceção do art. 1.783 do CC: o art. 1.783 do CC prevê o seguinte: “Art. 1.783. Quando o curador for o cônjuge e o
regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação
judicial”. De qualquer modo, o próprio CC estabelece que, havendo determinação judicial, estará o cônjuge curador
obrigado a prestar contas. O STJ identificou duas situações nas quais o juiz deverá determinar a prestação de contas:
1) no caso dos bens comuns, se houver indício ou dúvida de malversação por parte do curador. Assim, ainda que se
trate de casamento sob o regime da comunhão de bens, diante do interesse prevalente do curatelado, havendo qualquer
indício ou dúvida de malversação dos bens o magistrado poderá e, na verdade, deverá decretar a prestação de contas
pelo cônjuge curador, resguardando o interesse do curatelado.
2) no caso de bens excluídos da comunhão (bens incomunicáveis). No casamento, mesmo aquele sob o regime da
comunhão universal, existem determinados bens que estão excluídos da comunhão (são bens incomunicáveis). É o
caso, por exemplo, dos bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade (art. 1.668, I, do CC). No que
diz respeito a esses bens, previstos no art. 1.668, o curador deverá sempre prestar contas, salvo situações excepcionais.
Isso porque o cônjuge, mesmo casado sob o regime da comunhão universal, não tem direito, em princípio, sobre tais
bens, não havendo razão, portanto, para se aplicar a regra de exclusão da primeira parte do art. 1.783 do CC.
Em suma: O magistrado poderá decretar a prestação de contas pelo cônjuge curador, resguardando o interesse
prevalente do curatelado e a proteção especial do interdito quando: a) houver qualquer indício ou dúvida de
malversação dos bens do incapaz, com a periclitação de prejuízo ou desvio de seu patrimônio, no caso de bens
comuns; e b) se tratarem de bens incomunicáveis, excluídos da comunhão, ressalvadas situações excepcionais.
9.1. Necessidade de consentimento do indivíduo maior de 18 anos para que possa ser reconhecido como filho
Fatos: Lucas é filho biológico de Francisca e Pedro. Ocorre que Lucas, desde que tinha 2 anos, foi criado por
Maria em razão do precoce falecimento de Francisca e Pedro. Perante a sociedade, o trabalho, os amigos, a escola
etc., Lucas sempre foi conhecido como sendo filho de Maria. Lucas, que era oficial do Exército, faleceu aos 30
74
anos, sem deixar filhos ou esposa. Maria foi orientada no sentido de que ela poderia receber pensão por morte
decorrente do falecimento de seu filho socioafetivo Lucas. Isso porque o direito, atualmente, reconhece efeitos
jurídicos para a filiação socioafetiva. No entanto, para isso, Maria deveria ingressar com uma ação de
reconhecimento de filiação post mortem. Diante disso, Maria ingressou com ação de reconhecimento judicial de
maternidade socioafetiva pedindo para ser declarada como mãe de Lucas.
Decisão: essa ação não teve êxito. Isso porque o STJ entendeu que seria indispensável a manifestação de
vontade de Lucas (suposto filho) e, como ele está morto, o pedido deveria ser julgado improcedente.
Maternidade socioafetiva possui proteção do ordenamento jurídico : A socioafetividade é contemplada pelo art.
1.593 do CC. Ao falar em “outra origem”, o legislador permite que a paternidade/maternidade seja reconhecida
com base em outras fontes que não apenas a relação de sangue. Logo, permite a paternidade/maternidade com base
no afeto. Assim, a paternidade/maternidade socioafetiva é uma forma de parentesco civil. Nesse sentido, é o En.
256.
Quais são os requisitos para que se reconheça a filiação socioafetiva? Para que seja reconhecida a filiação
socioafetiva, é necessário que fiquem demonstradas duas circunstâncias bem definidas: a) vontade clara e
inequívoca do apontado pai ou mãe socioafetivo de ser reconhecido(a), voluntária e juridicamente, como tal
(demonstração de carinho, afeto, amor); e b) configuração da denominada “posse de estado de filho”,
compreendida pela doutrina como a presença (não concomitante) de tractatus (tratamento, de parte à parte, como
pai/mãe e filho); nomen (a pessoa traz consigo o nome do apontado pai/mãe); e fama (reconhecimento pela família
e pela comunidade de relação de filiação), que naturalmente deve apresentar-se de forma sólida e duradoura. STJ.
3ª Turma. J. em 21/10/2014.
É possível o reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva mesmo após a morte do genitor (post
mortem)? SIM. É possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem, ou seja, mesmo após a
morte do suposto pai/mãe socioafetivo. Em outras palavras, é possível que o suposto filho ingresse com ação
pedindo para ser reconhecido como filho socioafetivo do pai ou mãe que já faleceu. STJ. 3ª Turma. J. em
12/4/2016.
Por que, no caso analisado, a ação de Maria foi julgada improcedente ? Porque o filho (Lucas) não deu seu
consentimento antes de morrer.
Consentimento do(a) filho(a) é indispensável : • Se este filho for menor de 18 anos: NÃO. Pode reconhecer sem
o consentimento do filho, mas depois que este completar 18 anos, terá até 4 anos para questionar esse
reconhecimento. • Se este filho for maior de 18 anos: SIM. Será indispensável o consentimento do filho. É o que
determina o art. 1.614. Não havia dúvidas de que o relacionamento entre Maria e Lucas desenvolveu-se como mãe
e filho, na base do puro e fraterno afeto, ternura e amor. Apesar disso, não se pode, sem o consentimento do
pretenso filho – que é impossível no caso concreto –, reconhecer a existência da maternidade socioafetiva pleiteada
por Maria, sob pena de se promover um injustificado ataque à memória e à imagem póstuma de Lucas e também de
sua genitora biológica.
9.2. Discussão sobre a possibilidade de o filho ajuizar ação de exigir contas em relação aos valores recebidos
pelos pais em nome do menor: O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens
dos filhos (usufruto legal), bem como têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade, nos
termos do art. 1.689, I e II, do CC. Por isso, em regra, não existe o dever de prestar contas acerca dos valores
recebidos pelos pais em nome do menor, durante o exercício do poder familiar. Isso porque há presunção de que as
verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de
alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros. Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação de
prestação de contas pelo filho, sempre que a causa de pedir estiver fundada na suspeita de abuso de direito no
exercício desse poder. Assim, a ação de prestação de contas ajuizada pelo filho em desfavor dos pais é possível
quando a causa de pedir estiver relacionada com suposto abuso do direito ao usufruto legal e à administração dos
bens dos filhos.
10. ALIMENTOS
10.1. O valor recebido pelo alimentante (devedor) a título de participação nos lucros e resultados deve ser
incorporado à prestação alimentar devida? Em suma, toda vez que o devedor receber participação nos lucros e
resultados, o valor da pensão deverá ser, automaticamente, pago a mais?
- 1ª corrente: NÃO. Os valores recebidos a título de participação nos lucros e resultados não se incorporam à verba
alimentar devida ao menor. É a posição da 3ª Turma do STJ.
- 2ª corrente: SIM. As parcelas percebidas a título de participação nos lucros configuram rendimento, devendo
integrar a base de cálculo da pensão fixada em percentual, uma vez que o conceito de rendimentos é amplo,
especialmente para fins de cálculo de alimentos. É a corrente adotada pela 4ª Turma do STJ.
10.2. É possível a fixação de alimentos em valores ou em percentuais diferentes entre os filhos? Em regra, não
deverá haver diferença no valor ou no percentual dos alimentos destinados a prole, pois se presume que, em tese, os
75
filhos - indistintamente - possuem as mesmas demandas vitais, tenham as mesmas condições dignas de
sobrevivência e igual acesso às necessidades mais elementares da pessoa humana. A igualdade entre os filhos,
todavia, não tem natureza absoluta e inflexível, de modo que é admissível a fixação de alimentos em valor ou
percentual distinto entre os filhos se demonstrada a existência de necessidades diferenciadas entre eles ou, ainda, de
capacidades contributivas diferenciadas dos genitores. Exemplo: João possui dois filhos, com mulheres diferentes.
Para o filho 1, paga 20% de seu salário e para o filho 2, 15%. O STJ admitiu que essas pensões sejam em valores
diferentes porque a capacidade financeira da mãe do filho 2 é muito maior do que a genitora do filho 1.
10.4. Não cabe embargos de terceiro para rediscutir sentença de exoneração de alimentos que não garante à
ex-esposa o direito de acrescer
Fatos: João e Maria, casados, tiveram um filho (Vitor). Após anos, o relacionamento chegou ao fim. No
divórcio, foi feito um acordo a respeito dos alimentos. Ficou combinado que João pagaria, a título de alimentos à
Maria e ao Vitor (16 anos), a quantia correspondente a 30% de seus vencimentos líquidos. Quando Vitor concluiu a
faculdade, João ajuizou ação de exoneração contra ele pedindo para deixar de pagar a pensão alimentícia ao filho.
O juiz proferiu sentença deferindo o pedido. O magistrado entendeu que metade do que João pagava (15%)
pertencia a Vitor e a outra metade (15%) era de Maria. Assim, o juiz determinou que a empresa onde João trabalha
passe a descontar agora apenas 15% dos vencimentos (referentes à pensão de Maria). Maria apresentou embargos
de terceiro contra essa decisão. Alegou que deveria ter sido citada para essa ação de exoneração proposta por João.
Isso porque, segundo argumentou, o acordo celebrado no passado teria fixado uma verba alimentícia única para a
entidade familiar, tendo em vista que não houve a indicação precisa dos respectivos quinhões. Em outras palavras,
ela disse que no acordo não havia a indicação de que 15% era de Vitor e os outros 15% de Maria. Isso foi uma
criação do juiz, sem respaldo no acordo. Logo, Maria defendeu, nos embargos de terceiro, que ela teria direito de
acrescer, ou seja, teria direito de passar a receber a parte de Vitor. Assim, pediu para que esse direito fosse
reconhecido.
76
Decisão do STJ: Os embargos de terceiro não são cabíveis para o fim de declarar, em sede de ação de
exoneração de alimentos, a natureza familiar da prestação alimentícia, de forma a alterar a relação jurídica posta e
discutida na demanda principal.
Não cabe para rediscutir a lide do processo principal : Nos embargos de terceiro não se permite discutir a lide do
processo principal. O escopo dos embargos de terceiro é tão somente o de liberar bens de terceiros que estão sendo
ilegitimamente objeto de ações alheias. No caso concreto, a embargante procurou rediscutir a sentença de
exoneração de alimentos como se os embargos de terceiro fossem um recurso, pedindo para que se declarasse a
natureza familiar e indivisível dos alimentos. Vale ressaltar que a sentença proferida não afeta o direito da autora
(ex-esposa) de continuar a perceber alimentos. Assim, fica evidente que, na verdade, o que ela pretendia com os
embargos era rediscutir algo que não foi declarado à época da lide principal: a natureza familiar da obrigação
alimentar.
10.5. Em ação de alimentos, quando se trata de credor com plena capacidade processual, cabe
exclusivamente a ele provocar a integração posterior no polo passivo
Fatos: Lucas, 17 anos, é emancipado e mora sozinho em SP, onde faz faculdade. Seus pais são divorciados e
cada um mora em uma cidade diferente no interior do Estado. Lucas ajuizou ação de alimentos contra o pai. Ao
contestar, o genitor, dentre outras alegações, pediu o chamamento ao processo da mãe de Lucas, argumentando que
ela também pode pagar alimentos considerando que é jovem, economicamente ativa e apta a complementar o valor
necessário para a subsistência do filho. O pedido do genitor foi fundamentado no art. 1.698 do CC (“Se o parente,
que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados
a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na
proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar
a lide”).
O pedido do pai deverá ser acolhido? O juiz deverá determinar, a requerimento do réu, o chamamento ao
processo da mãe do autor? NÃO.
Natureza da obrigação do art. 1.698 : A doutrina majoritária, ao interpretar o art. 1.698, tem dito que a obrigação
alimentar não é solidaria, mas sim divisível, alegando que não há disposição legal que autorize a cobrança integral
do valor de só um dos codevedores, que arcam apenas com a cota que puder prestar, no limite de suas
possibilidades.
Se todos os devedores previstos no art. 1.698 não estiverem na lide, como é possível “chama-los” para participar
do processo? Há 4 correntes: 1ª) trata-se de intervenção de terceiro anômala ou atípica, suscetível de instauração
por provocação de quaisquer das partes (Daniel Amorim). 2ª) consiste em litisconsórcio facultativo ulterior simples
e, como tal, de iniciativa privativa do autor da ação e credor dos alimentos (Cahali, de Flávio Tartuce e de Fredie
Didier Jr.). 3ª) representa hipótese de litisconsórcio necessário (Rolf Madaleno). 4ª) cuida-se de uma hipótese
adicional de chamamento ao processo (Cássio Scarpinella Bueno).
Qual foi a corrente adotada pelo STJ? 2ª corrente (litisconsórcio facultativo ulterior simples). Trata-se, contudo,
de litisconsórcio com uma particularidade: a formação dessa singular espécie de litisconsórcio não ocorre somente
por iniciativa exclusiva do autor, mas também por provocação do réu ou do MP, quando o credor dos alimentos for
incapaz. Desse modo, o art. 1.698 do CC é um litisconsórcio facultativo ulterior simples que pode ser formado: •
por iniciativa do autor; • por provocação do réu; • por provocação do MP (quando envolver incapaz).
Mas por que não foi admitido, no caso concreto, a provocação do réu (pai de Lucas) para que a genitora também
participasse da lide? Porque o se tratava de credor de alimentos com plena capacidade processual, hipótese em que
cabe exclusivamente a ele provocar a integração posterior no polo passivo. Se o autor (credor) não quis fazer isso,
essa sua inércia deve ser interpretada como concordância tácita com os alimentos que puderem ser prestados pelo
réu por ele indicado na petição inicial, sem prejuízo de eventual e futuro ajuizamento de ação autônoma de
alimentos em face dos demais coobrigados. O credor dos alimentos é menor emancipado, possui capacidade
processual plena e optou livremente por ajuizar a ação somente em face do genitor, cabendo a ele, com
exclusividade, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia em fazê-lo ser interpretada
como a abdicação, ao menos neste momento, da quota-parte que lhe seria devida pela genitora coobrigada, sem
prejuízo de eventualmente ajuizar, no futuro, ação de alimentos autônoma em face da genitora.
Em síntese, em relação aos legitimados para provocar a integração do polo passivo, é possível concluir que :
a) Nas hipóteses em que o credor de alimentos reúna plena capacidade processual, cabe a ele, exclusivamente,
provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita
com os alimentos que puderem ser prestados pelo demandado;
b) Se o autor ajuizou a ação por meio de representante processual, ou seja, o credor de alimentos é incapaz, a
integração posterior do polo passivo pode ser promovida pelo réu (devedor) ou pelo MP.
Qual é o momento processual adequado para a integração do polo passivo?
• Autor: deverá requerer em sua réplica à contestação;
• Réu: deverá requerer na contestação;
• MP: após a prática dos referidos atos processuais pelas partes.
77
Obs.: Não é possível a ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em
homenagem ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo.
Possibilidade de converter a execução sob o rito da prisão civil promovida em desfavor dos avós em execução
para penhora e expropriação de bens
Fatos: João e Maria são avós paternos de Lucas, criança com 7 anos. Eles fizeram um acordo homologado
judicialmente no qual se obrigaram a pagar R$ 2 mil por mês, a título de pensão alimentícia, em favor do neto.
Ocorre que João e Maria deixaram de pagar a pensão e, em razão disso, Lucas, representado por sua mãe, ingressou
com execução de alimentos sob o rito do art. 528 do CPC pedindo a prisão civil dos devedores (seus avós). O juiz
mandou intimar os executados pessoalmente para, em 3 dias: a) pagarem o débito; b) provarem que já o fizeram
(provarem que já pagaram a dívida); ou c) justificarem a impossibilidade de efetuá-lo (provarem que não têm
condições de pagar). Os avós afirmaram que não possuem condições de pagar em dinheiro o débito e ofereceram
um terreno como forma de quitar a dívida. O exequente, contudo, negou a proposta.
Será possível acolher o pedido dos avós, evitando-se a prisão? SIM. A responsabilidade dos avós na prestação
de alimentos (obrigação alimentar avoenga) possui as características da complementaridade e da subsidiariedade.
Assim, para estender a obrigação alimentar aos avós e bisavós, deve-se demonstrar fortemente que os genitores
estão absolutamente impossibilitados de prestar os alimentos de forma suficiente. O fato de os avós terem assumido
uma obrigação de natureza complementar de forma espontânea não significa dizer que, em caso de
inadimplemento, a execução deverá obrigatoriamente seguir o rito estabelecido para o cumprimento das obrigações
alimentares devidas pelos genitores, que são, em última análise, os responsáveis originários pela prestação dos
alimentos necessários aos menores. Não há dúvida de que o inadimplemento causou transtornos ao menor; mas,
sopesando-se os prejuízos que seriam causados na hipótese de manutenção do decreto prisional dos idosos, conclui-
se que a solução mais adequada à espécie é autorizar a conversão da execução para o rito da penhora e da
expropriação, o que, a um só tempo, homenageia o princípio da menor onerosidade da execução (art. 805 do CPC)
e o da máxima utilidade da execução.
O juiz não pode liberar o devedor de alimentos da prisão alegando que ele pagou quase toda a dívida e que,
portanto, deve ser aplicada a teoria do adimplemento substancial
Fatos: João estava devendo R$ 4 mil de pensão alimentícia a seu filho Lucas. Diante disso, Lucas ajuizou
execução de alimentos sob o rito do art. 528 do CPC. O juiz decretou, então, a prisão civil do devedor. O advogado
de João conseguiu reunir R$ 3.800,00 com familiares de seu cliente e depositou a quantia em juízo. O causídico
requereu a liberdade do devedor pedindo a aplicação da teoria do adimplemento substancial, argumentando que o
executado cumpriu 95% da obrigação e que, portanto, esses 5% restantes poderiam ser exigidos por meio de outras
medidas executivas, não sendo razoável manter-se a prisão.
Teoria do adimplemento substancial: v. livro.
Decisão: A teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares,
revelandose inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar. A teoria tem
aplicação restrita ao âmbito do direito contratual, não tendo incidência, portanto, nos vínculos jurídicos familiares.
A obrigação alimentar diz respeito a bem jurídico indisponível, intimamente ligado à subsistência do alimentando.
A relevância desses alimentos é tão grande que o legislador constituinte previu como hipótese na qual cabe prisão
civil, o que demonstra que se trata de uma dívida diferente das demais. Esse entendimento se justifica porque os
alimentos impostos por decisão judicial guardam consigo a presunção de que o valor econômico neles contido
traduz o mínimo existencial do alimentando, de modo que a subtração de qualquer parcela dessa quantia pode
ensejar severos prejuízos a sua própria manutenção. Além disso, o julgamento sobre a cogitada irrelevância do
inadimplemento da obrigação não se prende ao exame exclusivo do critério quantitativo, sendo também necessário
avaliar sua importância para satisfazer as necessidades do credor alimentar. Ora, a subtração de um pequeno
percentual pode mesmo ser insignificante para um determinado alimentando, mas possivelmente não para outro,
mais necessitado. Tem-se que o critério quantitativo não é suficiente nem exclusivo para a caracterização do
adimplemento substancial.
É possível a aplicação do art. 528, § 7º do CPC/2015 para execuções iniciadas na vigência do antigo CPC
Fatos: Em 2015, Lucas ajuizou execução de alimentos sob o rito do art. 733 do CPC/73 pedindo a prisão civil
do seu pai, devedor. Em 2016, já sob a vigência do NCPC, o juiz determinou a prisão civil do executado,
fundamentando sua decisão no art. 528, § 7º do NCPC, que preconiza que o débito alimentar que autoriza a prisão
civil do alimentante é o que compreende até as 3 prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se
vencerem no curso do processo. O devedor impetrou HC alegando, dentre outros argumentos, que a decisão não
poderia ter aplicado o art. 528, § 7º do NCPC considerando que a execução teve início com o CPC anterior.
78
O argumento do executado foi acolhido pelo STJ? NÃO. É possível a aplicação imediata do art. 528, § 7º, pois
ele apenas positivou o entendimento contido na S. 309/STJ, de 2006, de modo que a regra vigente à época do início
da execução de alimentos já era a mesma. Ainda que assim não fosse, a teoria do isolamento dos atos processuais,
adotada nos arts. 14 e 1.046 do NCPC, determina que a nova lei processual deverá ser aplicada imediatamente,
respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas, não havendo, na hipótese, retroação
da lei nova sob qualquer ótica e, assim, inexistente a violação de qualquer regra de direito intertemporal.
11. SUCESSÕES
Se o falecido deixou apenas companheira (sem ascendentes ou descendentes), ela herdará a totalidade da
herança
Fatos: João e Maria viviam em união estável há mais de 20 anos. João faleceu. Vale ressaltar que os pais e avós
de João já eram falecidos e que ele não teve filhos. Em outras palavras, João morreu sem deixar descendentes e
ascendentes. João era muito rico e deixou um grande patrimônio. Pedro, irmão de João, ingressou com um pedido
no juízo do inventário requerendo 2/3 da herança deixada pelo seu colateral, com base no que prevê o art. 1.790,
III, do CC: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá
direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor
da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes
sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança”.
O pedido de Pedro deverá ser aceito? NÃO. Pedro não tem direito à herança. Mas como não tem direito? E o
art. 1.790, III, do CC? O art. 1.790 não é válido. O STF entendeu que este artigo é inconstitucional e que, portanto,
não deve ser aplicado. O art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola:
• o princípio da igualdade que deve existir entre casamento e união estável;
• a dignidade da pessoa humana;
• o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e
• o princípio da vedação ao retrocesso.
Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras
que deverão ser aplicadas para a partilha dos bens de João? A união estável deve receber o mesmo tratamento
conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro (como foi o caso de João),
deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no
art. 1.829 do CC. Em outras palavras, mesmo João e Maria sendo companheiros (união estável), devem ser
aplicadas as regras de sucessão como se eles fossem casados. Pelas regras do art. 1.829, se o falecido morreu sem
deixar descendentes (filhos, netos etc.) ou ascendentes (pais, avós etc.), o cônjuge/companheiro terá direito à
totalidade da herança, sem ter que repartir nada com os demais parentes colaterais (como irmãos, tios, sobrinhos
etc.). Isso significa dizer que, como João deixou companheira, a situação se amolda ao inciso III do art. 1.829 do
CC. Diante disso, Pedro (irmão do falecido, portanto, colateral) não terá direito a nada, salvo se não houvesse
companheira, considerando que, neste caso, o fato se enquadraria no inciso IV do art. 1.829.
Obs.: no art. 1.845 há o rol dos herdeiros necessários e nele não consta o companheiro sobrevivente. Pode-se
afirmar que, pela decisão do STF, o companheiro sobrevivente é agora herdeiro necessário? Não, pois o STF ainda
não se manifestou a respeito (embora a doutrina majoritária assim defenda).
O cônjuge/companheiro sobrevivente possui direito real de habitação mesmo que seja proprietário de outros
bens
Direito real de habitação (art. 1.831): “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao
imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”. Ex.: João era
casado com Maria. Faleceu, deixando 4 filhos e, como herança, um único apartamento, que estava em seu nome e
onde morava com a esposa. Nesse caso, Maria terá direito real de habitação sobre esse imóvel.
O que significa isso? A pessoa que tem direito real de habitação poderá residir no imóvel. Logo, mesmo
havendo 4 filhos como herdeiros, Maria é quem terá direito de ficar residindo no apartamento. O direito real de
habitação tem por objetivo garantir o DF à moradia (art. 6º da CF) e o postulado da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III da CF).
Recai sobre o imóvel destinado à residência da família : O cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação
sobre o imóvel em que residia o casal, desde que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no
momento da abertura da sucessão (STJ, j. em 2013).
79
O que significa “desde que seja o único daquela natureza a inventariar”? Se o cônjuge/companheiro
sobrevivente tiver outros imóveis, ele fiará impedido de ter direito real de habitação? NÃO. Essa interpretação não
é correta. O que prevalece é o seguinte: O cônjuge ou companheiro sobrevivente possui direito real de habitação
mesmo que seja proprietário de outros bens. O reconhecimento do direito real de habitação, a que se refere o art.
1.831 do CC, não pressupõe a inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente. O
que esse trecho quer dizer é que, dentro do acervo hereditário deixado pelo falecido, não pode haver mais de um
imóvel destinado a fins residenciais.
Relativização dessa exigência: “(...) desde que seja o único daquela natureza a inventariar” : Essa relativização é
feita para permitir que o cônjuge/companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia com
o(a) falecido(a). Isso se justifica não apenas como uma forma de concretizar o direito constitucional à moradia, mas
também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e
psicológico estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não
somente residência, mas um lar. Assim, o cônjuge ou companheiro sobrevivente possui direito real de habitação
mesmo que seja proprietário de outros bens. Por duas razões:
1) a correta interpretação é a de que a parte final do art. 1.831 está se referindo apenas aos bens deixados pelo
morto. Assim, dentro do acervo hereditário deixado pelo falecido, não poderia haver mais de um imóvel destinado
a fins residenciais;
2) mesmo essa intepretação exposta no item 1 é relativizada e há julgados do STJ e autores que defendem que ela
deve ser ignorada em prol de razões de ordem humanitária e social, tendo em vista o apego emocional do
cônjuge/companheiro sobrevivente em relação a este lar.
O regime de bens do casamento interfere no reconhecimento do direito real de habitação? NÃO.
O fato de o cônjuge falecido ter tido filhos com outra mulher interfere no direito real de habitação da esposa
sobrevivente? NÃO.
Até quando dura o direito real de habitação? O titular do direito real de habitação poderá, se quiser, morar no
imóvel até a sua morte. Trata-se, portanto, de um direito vitalício.
Se o cônjuge sobrevivente casar novamente, ele continuará tendo direito real de habitação? SIM (posição
majoritária). Isso porque o CC/1916 previa que o direito real de habitação seria extinto caso o cônjuge sobrevivente
deixasse de ser viúvo, ou seja, caso se casasse ou iniciasse uma união estável (art. 1.611, § 2º). Como o CC não
repetiu essa regra, entende-se que houve um silêncio eloquente e que não mais existe causa de extinção do direito
real de habitação em caso de novo casamento ou união estável.
O direito real de habitação precisa ser inscrito no registro imobiliário? NÃO. O direito real de habitação em
favor do cônjuge sobrevivente se dá ex vi legis, ou seja, por força de lei, dispensando registro no cartório
imobiliário, já que guarda estreita relação com o direito de família (STJ).
Existe direito real de habitação no caso da morte de companheiro (união estável)? SIM.
O art. 1.831 do CC fala apenas em cônjuge. Qual é o fundamento para estender o direito real de habitação
também aos companheiros? Esse dispositivo deverá ser interpretado cf. a regra contida no art. 226, § 3º, da CF, que
reconhece a união estável como entidade familiar. Assim, deve-se buscar uma interpretação que garanta à pessoa
que viva em união estável os mesmos direitos que ela teria caso fosse casada. O art. 226, § 3º da CF é uma norma
de inclusão, sendo contrária ao seu espírito a tentativa de lhe extrair efeitos discriminatórios entre cônjuge e
companheiro.
Lei 9.278/96: outro fundamento pelo qual o direito real de habitação poderia ser concedido aos companheiros é
a Lei 9.278/96, que concede esse direito à união estável. Mas a Lei 9.278/96 ainda persiste? Ainda está em vigor
mesmo com o CC? SIM. O CC não revogou as disposições constantes da Lei 9.278/96, subsistindo a norma que
confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente diante da omissão do CC em disciplinar tal matéria
em relação aos conviventes em união estável, consoante o princípio da especialidade (STJ).
A companheira sobrevivente faz jus ao direito real de habitação (art. 1.831 do CC) sobre o imóvel no qual
convivia com o companheiro falecido, ainda que tenha adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido
do seguro de vida do de cujus: Ex.: João vivia em união estável com Maria. Faleceu, deixando 4 filhos e, como
herança, um apartamento, que estava em seu nome e onde ele morava com a companheira. Ademais, João deixou
um seguro de vida em que sua companheira figurava como beneficiária da apólice, tendo ela, portanto, recebido R$
300k de indenização da seguradora. Com o dinheiro, Maria comprou uma casa, que aluga para terceiros. Maria
continuará tendo direito real de habitação sobre o apartamento. O fato de a companheira ter adquirido outro imóvel
residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do de cujus não tem o condão de excluí-la do direito real
de habitação referente ao imóvel em que residia com seu companheiro ao tempo da abertura da sucessão, pois,
segundo o art. 794 do CC, no seguro de vida, para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas
do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. Dessa forma, se o dinheiro do seguro não se
insere no patrimônio do de cujus, não há falar em restrição ao direito real de habitação, porque o imóvel adquirido
pela companheira sobrevivente não faz parte dos bens a inventariar.
11.3. Inventário
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Citação dos herdeiros por correio com AR
Fatos: João faleceu e deixou 17 herdeiros. A viúva ingressou com ação de inventário na vara de sucessões de
BH. Na inicial foram indicados todos os herdeiros, com os respectivos endereços. Ocorre que alguns herdeiros
moram em Municípios do interior do Estado. O juiz determinou a citação por edital dos herdeiros que não residem
em BH.
Agiu corretamente o juiz? Essa citação foi válida? NÃO. Todos os herdeiros foram detalhadamente
identificados na petição inicial tendo a inventariante informado, de modo preciso, seus respectivos endereços.
Desse modo, não há motivo para fazer a citação por edital. Tais herdeiros deveriam ter sido citados por carta com
aviso de recebimento. Vale ressaltar que também seria indevida a citação desses herdeiros por meio de oficial de
justiça, considerando que esta providência acarretaria prejuízo à celeridade do processo.
CPC/15: Vale ressaltar que o presente julgado foi proferido com base no CPC/1973. No entanto, penso que a
solução seria a mesma com o CPC/15. O art. 626, § 1º do CPC/15 prevê expressamente a citação dos herdeiros por
correio, com aviso de recebimento. Além disso, o legislador determinou também a publicação de edital para avisar
outros eventuais interessados (credores, cessionários etc.). Desse modo, o sistema atual é o seguinte: Citação pelo
correio do cônjuge/companheiro, herdeiros e legatários + publicação de edital.
Possibilidade de a parte já ingressar direto na via ordinária por entender que o juízo do inventário não é
competente para a demanda
Fatos: João faleceu e deixou dois filhos como herdeiros (Guilherme e Sarah). Foi aberto inventário judicial na
vara de sucessões. Guilherme entendeu que sua irmã (Sarah) havia dilapidado o dinheiro do pai no período em que
estava cuidando dele, nos últimos momentos de vida do patriarca. Diante disso, Guilherme ajuizou, na vara cível,
uma ação de exigir contas contra Sarah. Ao ser citada na ação de exigir contas, Sarah arguiu a incompetência da
vara cível afirmando que há um processo de inventário tramitando na vara de sucessões e que este juízo é que seria
competente para decidir o tema. Sarah argumentou que o art. 612 do CPC é um comando destinado ao magistrado e
que somente ele é que pode decidir se remete ou não o tema para as vias ordinárias, não podendo a parte, desde
logo, propor diretamente ação autônoma. Assim, para Sarah, Guilherme deveria ter feito o pedido de prestação de
contas no juízo do inventário e, se este entendesse que o tema exigiria mais provas, remeteria as partes para as vias
ordinárias.
Decisão: o STJ não acolheu o argumento de Sarah. O fato de a parte, vislumbrando desde logo a necessidade de
uma atividade instrutória diferenciada e ampla, propor ação autônoma em juízo distinto do inventário não acarreta
nulidade de nenhuma espécie. Trata-se, ao contrário, de medida que atende aos princípios da celeridade e da
economia processual. O art. 612 do CPC não proíbe a parte de buscar, pelas vias ordinárias, o acolhimento de
pretensão incompatível com o rito do inventário. O que esse artigo diz é apenas que, se a parte fizer um pedido que
envolva uma questão de alta indagação no juízo do inventário, deverá o magistrado remetê-la às vias ordinárias.
Não está dito, todavia, que está excluída a possibilidade de a parte deduzir a sua pretensão de modo autônomo,
inclusive porque o juízo cível também deve examinar a sua própria competência, sendo-lhe lícito, por exemplo,
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reconhecer que a questão a ele submetida não era de alta indagação e que, em razão disso, a competência era do
juízo universal do inventário. Admitir a tese defendida por Sarah significa dizer que a parte, mesmo ciente da
complexidade da controvérsia e da necessidade de ampla instrução, estaria obrigada a deduzir a sua pretensão
perante o juízo incompetente apenas para ter uma resposta negativa e, somente então, ingressar com a ação no juízo
correto. Trata-se de raciocínio que fere os princípios da razoável duração do processo, da celeridade, e da economia
processual.
11.4. Colação
O cálculo do valor de colação dos bens doados deverá ser feito tendo como critério o tempo da liberalidade ou
da abertura da sucessão?
Colação: revisão (v. livro).
Fatos: Pedro, viúvo, possuía três filhos. Em 2010, o patrimônio total de Pedro era de R$ 1 milhão. Neste ano,
Pedro doou um apartamento para Lucas, seu filho caçula. Vale ressaltar que, segundo o mercado imobiliário da
época, o apartamento doado custava R$ 700 mil. Em 2014, Pedro morreu. Será aberto um inventário para tratar
sobre a partilha dos bens de Pedro e Lucas deverá “trazer à colação” o apartamento que lhe foi doado. O que
significa isso, na prática? Ele deverá informar no inventário que recebeu essa doação. Essa providência é necessária
para se analisar se a doação feita pelo indivíduo extrapolou ou não a parte disponível da herança, ou seja, a parte
que ele poderia doar (metade de seus bens). Lucas trouxe o bem à colação, ou seja, informou ao juiz do inventário
que seu pai, em vida, havia lhe doado um apartamento de R$ 700 mil. Vale ressaltar, no entanto, que houve uma
melhoria no bairro e o apartamento doado atualmente vale, no mercado imobiliário, R$ 1 milhão. Diante disso,
surgiu um impasse quanto ao valor do bem que deveria ser considerado no inventário: Lucas queria que se
considerasse como sendo R$ 700 mil. Para tanto, ele fundamentou seu pedido no art. 2.004 do CC. Os demais
herdeiros, por outro lado, afirmavam que se deve considerar o valor do apartamento no momento da morte do pai,
ou seja, R$ 1 milhão. Utilizaram como base legal o art. 1.014, p. u., do CPC/73.
Decisão: O STJ decidiu que deveria ser utilizado o valor calculado no momento da doação (acrescido de
correção monetária). Havia uma antinomia entre o art. 2.004 do CC e o art. 1.014, parágrafo único, do CPC/1973.
Diante disso, o STJ decidiu que deveria ser adotada a regra do CC, considerando que este diploma civil foi editado
em 2002 e, portanto, teria revogado o CPC/1973. Dessa forma, o STJ, com base no art. 2.004 do CC/2002, afirmou
que o valor de colação dos bens deverá ser aquele atribuído ao tempo da doação. Atenção: apesar de não haver
previsão expressa no art. 2.004, o STJ afirmou que o valor dos bens deverá ser corrigido monetariamente até a data
da abertura da sucessão. Assim, o valor de colação dos bens doados deverá ser aquele atribuído ao tempo da
liberalidade (tempo da doação) + correção monetária até a data da abertura da sucessão.
Nova polêmica: CPC/2015: cf. visto acima, o principal fundamento do STJ para afastar a regra do CPC/73
(cálculo ao tempo da morte) e aplicar o CC/02 (cálculo ao tempo da liberalidade) foi o de que o CC/02, mais
recente, teria revogado o CPC/73 nesta parte. Ocorre que o art. 639 do CPC/15 repetiu, em linhas gerais, a mesma
regra do CPC/73. Diante disso, não se pode afirmar que a conclusão do STJ no REsp 1.166.568-SP seria a mesma
caso a morte tivesse ocorrido agora, ou seja, sob a vigência do CPC/15. Isso porque este diploma é posterior ao
CC/02 e, pelo menos sob o critério cronológico, teria prevalência em relação ao Código Civil.
DIREITO DO CONSUMIDOR
1. CONCEITO DE CONSUMIDOR
1.1. Aplica-se o CDC aos empreendimentos habitacionais promovidos por sociedades cooperativas (S. 602/STJ)
1.2. Limitação do direito à indenização em viagens internacionais: o STJ passou a acompanhar o entendimento
do STF de que prevalecem as Convenções internacionais de Varsóvia e Montreal, que determinam a indenização
tarifada em caso de transporte internacional, sobre o CDC, que garante ao consumidor o princípio da reparação
integral do dano. Por que prevalecem as Convenções? Porque a CF determinou que, em matéria de transporte
internacional, deveriam ser aplicadas as normas previstas em tratados internacionais.
3 importantes observações: 1) as Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporte
internacional (art. 178 da CF/88). Em caso de transporte nacional, aplica-se o CDC;
2) as Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na hipótese de extravio de bagagem,
mas também em outras questões envolvendo o transporte aéreo internacional.
3) a limitação indenizatória prevista nas Convenções abrange apenas a reparação por danos materiais, não se
aplicando para indenizações por danos morais (o STF também discutiu apenas o dano material).
82
1.3. Contrato de conta-corrente mantida entre corretora de Bitcoin e instituição financeira: não se aplica o
CDC: v. D. Empresarial.
2.3. Alteração do transporte aéreo para terrestre e ocorrência de roubo: dever de indenizar
Fatos: João comprou uma passagem de ônibus de Campinas (SP) para São Paulo (SP). Durante o trajeto, o
coletivo foi parado por ladrões, que roubaram e agrediram os passageiros.
Direito de receber indenização? NÃO. A jurisprudência do STJ entende que o roubo dentro de ônibus configura
hipótese de fortuito externo, por se tratar de fato de terceiro inteiramente independente ao transporte em si,
afastando-se, com isso, a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados aos passageiros.
Fatos 2: Pedro comprou uma passagem aérea de Brasília (DF) para São José do Rio Preto (SP). Ocorre que a
companhia cancelou o voo e, em vez de disponibilizar outro avião para transportar os passageiros, ofereceu o
transporte para o mesmo trecho mediante ônibus. Pedro tinha um compromisso urgente em São José do Rio Preto
(SP) e, por essa razão, preferiu aceitar realizar o transporte terrestre. Ocorre que, no percurso, o ônibus foi parado
por ladrões, que roubaram e agrediram os passageiros, dentre eles Pedro. Diante disso, Pedro ajuizou ação de
indenização por danos morais e materiais contra a companhia aérea. A ré contestou a demanda afirmando que é
pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que o roubo ocorrido em ônibus constitui-se como fortuito
externo, sendo, portanto, causa excludente do dever de indenizar.
Direito de receber indenização? Sim. Há uma peculiaridade que faz com que a companhia tenha
responsabilidade civil. Pedro firmou com a empresa um contrato de transporte AÉREO, modalidade que, além de
implicar uma maior comodidade e celeridade em relação à via terrestre, revela-se também muito mais segura,
fatores que justificam, inclusive, o valor mais elevado da passagem. A possibilidade de ocorrer um roubo cometido
com arma de fogo dentro de um avião é praticamente nula. Por outro lado, tem sido cada dia mais comum a
ocorrência de assaltos em ônibus. Dessa forma, a partir do momento em que a empresa altera, de forma unilateral, a
modalidade de transporte aéreo contratada pelo rodoviário, ela passou a assumir todos os riscos daí advindos.
Assim, pode-se dizer que a alteração substancial e unilateral do contrato firmado – de transporte aéreo para terrestre
-, sem dúvida alguma, acabou criando uma situação favorável à ação de terceiros, não podendo a transportadora
agora, após a criação efetiva do risco de ocorrência de roubo contra os passageiros, valer-se da excludente do
fortuito externo para se eximir da responsabilidade. Por esse motivo, também NÃO é possível invocar o art. 14, §
3º, II, do CDC, pois não se verificou culpa exclusiva de terceiro, em virtude da concorrência da transportadora para
o resultado lesivo.
Obs.: e se Pedro tivesse ajuizado ação contra a empresa de transporte rodoviário, ele teria êxito? Não! V. acima.
83
2.4. Concessionária de transporte ferroviário deve pagar indenização à passageira que sofreu assédio sexual
praticado por outro usuário no interior do trem? O STJ está dividido sobre o tema:
• 3ª Turma do STJ: SIM: A concessionária de transporte ferroviário pode responder por dano moral sofrido por
passageira, vítima de assédio sexual, praticado por outro usuário no interior do trem. STJ. 3ª Turma.
• 4ª Turma do STJ: NÃO. A concessionária de transporte ferroviário não responde por ato ilícito cometido por
terceiro e estranho ao contrato de transporte. STJ. 4ª Turma. *V. livro
2.5. A lanchonete tem o dever de indenizar o consumidor que sofreu roubo armado na fila do drive-trhu
Existe dever de indenizar em caso de roubo mediante uso de arma de fogo?
- Regra: NÃO. Em caso de roubo mediante uso de arma de fogo, em regra, não há dever de indenizar, ainda que no
âmbito da responsabilidade civil objetiva. Isso porque se trata de fato inevitável e irresistível, acarretando uma
impossibilidade quase absoluta de não ocorrência do dano.
- Exceções: a) serviços que, em sua natureza, envolvem risco à segurança. Aqui o risco é um evento previsível. Ex:
atividades bancárias.
b) quando há exploração econômica direta da atividade. Ex: estacionamentos pagos.
c) quando, em troca dos benefícios financeiros indiretos, o fornecedor assume, ainda que implicitamente, o dever
de lealdade e segurança. Ex: estacionamentos gratuitos de shoppings e hipermercados.
d), quando o empreendedor acaba atraindo para si tal responsabilidade. Ex: se o fornecedor divulga essa segurança
em oferta ou publicidade.
Súmula 130: A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em
seu estacionamento.
-A Súmula fala em dano ou furto. Assim, em regra, não se aplica para roubo. Em regra, roubo é fortuito externo e,
portanto, excludente de indenizar. Ex: não se aplica a Súmula 130 do STJ em caso de roubo de cliente de
lanchonete fast-food, se o fato ocorreu no estacionamento externo e gratuito por ela oferecido.
- Situações nas quais o STJ afirmou que a Súmula 130 deve ser aplicada em caso de roubo, ou seja, mesmo
havendo roubo, a empresa deverá indenizar:
• em se tratando de shopping centers, é devida a indenização mesmo em caso de tentativa de roubo armado;
• em caso de roubo ocorrido em estacionamento pago (empresas de estacionamento pago);
• quando o estacionamento era de um grande shopping center ou de uma rede de hipermercado.
O roubo ocorrido em drive-thru pode ser considerado fortuito interno ou externo? Fortuito interno. O drive-thru
é uma forma de atendimento ou de serviço diferenciado de fornecimento de mercadorias em que o estabelecimento
comercial disponibiliza a seus clientes a opção de aquisição de produtos sem que tenham de sair do automóvel. O
consumidor é atendido e servido ao “passar” com o veículo pelo restaurante, mais precisamente em área contígua à
loja. A rede de restaurantes, ao disponibilizar o serviço de drive-thru aos seus clientes, atrai para si a obrigação de
indenizá-los por eventuais danos causados, não havendo que se falar em rompimento do nexo causal. Em troca dos
benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, a lanchonete assumiu o
dever implícito de lealdade e segurança, incidindo, aí, o princípio da confiança. Trata-se, portanto, da exceção
prevista na letra “c” explicada no quadro acima. Importante assinalar que o sistema drive thru não é apenas uma
comodidade adicional ou um fator a mais de atração de clientela. É também um elemento essencial de viabilidade
da atividade empresarial exercida, sendo o modus operandi do serviço.
84
2.6. Prazo prescricional para ação de indenização em caso de furto de joia empenhada: A parte celebrou
contrato de mútuo com a instituição financeira e deu uma joia em penhor como garantia do débito. Ocorre que a
joia foi furtada de dentro do banco. Diante disso, o devedor (mutuário) terá que pleitear indenização pelos prejuízos
sofridos com o furto, sendo de 5 anos o prazo prescricional para essa ação de ressarcimento. O furto das joias,
objeto do penhor, constitui falha do serviço prestado pela instituição financeira, devendo incidir o prazo
prescricional de 5 anos para a ação de indenização, conforme previsto no art. 27 do CDC.
Obs. 1: O furto ocorrido deve ser entendido como fortuito interno, inerente à atividade explorada pelo banco.
Assim, a instituição financeira é responsável por furtos ou mesmo roubos em seus cofres.
Obs. 2: Essa cláusula que limita o valor da indenização é válida? NÃO. O STJ entende que essa cláusula é nula.
3.1. Dever do comerciante de receber e enviar os aparelhos viciados p/ a assistência técnica ou para o
fabricante
Se o produto que o consumidor comprou apresenta um vício, ele tem o direito de ter esse vício sanado no prazo de
30 dias (CDC, art. 18, §1º). Para tanto, o consumidor pode escolher p/ quem levará o produto a fim de ser
consertado: a) para o comerciante;
b) para a assistência técnica ou
c) para o fabricante.
Em outras palavras, cabe ao consumidor a escolha para exercer seu direito de ter sanado o vício do produto em 30
dias: levar o produto ao comerciante, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante.
Justificativa: O consumidor já teve a frustração de ter adquirido um produto que apresentou vício. Não é razoável
que, além disso, ele tenha que ter o desgaste de procurar onde é a assistência técnica, agendar uma visita e ir até o
local levar o produto. Deve-se facilitar a situação do consumidor e, por isso, o mais correto é que ele tenha a opção
de escolher para quem irá encaminhar o produto com vício. A responsabilidade da loja (comerciante) decorre da
solidariedade passiva imposta pelo microssistema do CDC a todos os fornecedores integrantes da cadeia de
consumo para a reparação dos vícios que os produtos alienados ao consumidor final venham apresentar. Impedir
que o consumidor retorne ao comerciante para que ele encaminhe o produto para que o fabricante repare o vício
representa lhe impor dificuldades ao exercício de seu direito de possuir um bem que sirva aos seus propósitos. O
comerciante tem muito mais acesso ao fabricante do bem danificado por ele comercializado do que o consumidor.
3.2. Prazo prescricional em caso de vício de qualidade e de quantidade em imóvel adquirido por consumidor
Fatos: imóvel comprado na planta que foi entregue com vício de quantidade (menor tamanho) e de qualidade
(piso com material de menor qualidade ao previsto no contrato). Consumidor ajuizou ação indenizatória por danos
materiais contra a construtora. Na contestação, a construtora alegou que a situação narrada configuraria “vício do
produto” e que teria havido a decadência do direito de o consumidor reclamar, já que o prazo máximo seria de 90
dias, com base no art. 26, II, do CDC.
Decisão: O art. 26 do CDC não trata sobre o prazo que o consumidor tem para ajuizar ação de indenização. O
prazo decadencial do art. 26 é o prazo que o consumidor possui para exigir uma das alternativas previstas no art. 20
do CDC: a) reexecução dos serviços; b) restituição da quantia paga; c) abatimento proporcional do preço. Quando a
pretensão do consumidor é de natureza indenizatória, não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente
condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição. E qual é este prazo de prescrição? O CDC não tem um dispositivo
que trata especificamente sobre o prazo prescricional para indenização decorrente de inadimplemento contratual.
Diante dessa lacuna, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC.
Obs.: Por que não se aplica o prazo de 5 anos do art. 27 do CDC? Porque o caso em tela envolve vício do produto e
o art. 27 do CDC trata apenas sobre fato do produto.
4. PLANO DE SAÚDE
4.1. Não se aplica o CDC ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão (S.
608/STJ)
4.2. Plano de saúde não pode negar tratamento prescrito por médico sob o fundamento de que sua utilização
está fora das indicações descritas na bula (uso off-label)
Fatos: João encontra-se com câncer no cérebro. O médico prescreveu que ele fizesse tratamento quimioterápico
com um medicamento chamado “Temodal”. Mas, o plano de saúde não autorizou o tratamento, sob a justificativa
de que, segundo a bula do “Temodal”, registrada na ANVISA, este medicamento é destinado para outros tipos de
câncer, não havendo indicação expressa de que ele sirva também para o câncer de cérebro. Em outras palavras, o
médico determinou a realização de tratamento com base em uso off-label de medicamento, portanto, em tratamento
experimental. Logo, o plano estaria desobrigado de custeá-lo cf. a Lei 9.656/98.
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Decisão do STJ: A operadora de plano de saúde não pode negar o fornecimento de tratamento prescrito pelo
médico sob o pretexto de que a sua utilização em favor do paciente está fora das indicações descritas na
bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label). Argumentos:
- Médico é o responsável pela decisão terapêutica. Autorizar que a operadora negue a cobertura de tratamento sob a
justificativa de que a doença do paciente não está contida nas indicações da bula representa inegável ingerência na
ciência médica, em odioso e inaceitável prejuízo do paciente enfermo. As enfermidades devem ser tratadas de
acordo com o entendimento médico-científico que prevalece no atual estado da ciência. Ocorre que a entidade
responsável pela definição do que constitui um tratamento experimental ou de recomendável eficácia clínica é o
Conselho Federal de Medicina (e não o plano de saúde). Nesse sentido, é o art. 7º da Lei nº 12.842/2013.
- Correta interpretação do art. 10, I, da Lei 9.656/98: quando o art. 10, I, da Lei 9.656/98 fala em tratamento de
caráter experimental, o que ele está querendo dizer é aquele tratamento clínico ou cirúrgico incompatível com as
normas de controle sanitário ou, ainda, aquele não reconhecido como eficaz pela comunidade científica.
- Desvantagem exagerada: a ingerência da operadora, além de não ter fundamento na Lei 9.656/98, consiste em
ação injusta e abusiva na relação contratual, e coloca o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, do
CDC).
- Dano moral: a recusa do plano de saúde gera abalo psicológico ao paciente e prejuízos à saúde já debilitada.
4.3. É legítima a recusa do plano de saúde em custear medicação importada não nacionalizada, ou seja, sem
registro vigente na ANVISA
Os planos de saúde não são obrigados a fornecer medicamentos não nacionalizados : a Lei 9.656/98 prevê, em
seu art. 10, V, que os planos de saúde estão dispensados de fornecer “medicamentos importados não
nacionalizados”. Segundo a ANS, “medicamento importado não nacionalizado” é aquele produzido fora do
território nacional e sem registro vigente na ANVISA.
É papel da ANVISA verificar a possibilidade de comercialização de medicamentos .
Lei 6.360/76: exige o registro na ANVISA.
Outras fontes: Recomendação do CNJ, Jornada de Direito à Sáude e precedente do STF.
Infração sanitária e até crime (art. 273 do CP)
Decisão do STJ: As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado
pela ANVISA.
4.4. Não é abusiva a cláusula de coparticipação para internação superior a 30 dias decorrentes de
transtornos psiquiátricos
Fatos: João é cliente do plano de saúde ACEM. No contrato assinado, há uma cláusula dizendo que, se o usuário
ficar internado por mais de 30 dias p/ tratamento de transtornos psiquiátricos, 50% do valor das despesas
hospitalares e honorários médicos de internação para tratamento psiquiátrico deverão ser custeados pelo paciente e,
os outros 50%, pelo plano. Na linguagem dos planos, isso é chamado de coparticipação do usuário. João ajuizou
ação contra o plano alegando que esta cláusula seria abusiva, considerando que acarreta desvantagem exagerada do
consumidor frente à operadora de plano de saúde, devendo ser considerada nula de pleno direito, com base no art.
51, IV do CDC.
Decisão do STJ: Não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente contratada e informada ao
consumidor para a hipótese de internação superior a 30 dias decorrentes de transtornos psiquiátricos. Não há
abusividade porque o objetivo dessa cobrança é manter o equilíbrio entre as prestações e contraprestações que
envolvem a gestão dos custos dos contratos de planos de saúde.
Espécies de planos de saúde: a) integrais (completos): quando só se exige uma mensalidade fixa do contratante,
mas quando este necessita de algum atendimento médico ou hospitalar, não terá que pagar mais nada;
b) coparticipativos: são aqueles em que o plano de saúde cobra uma mensalidade reduzida. Mas, para o contratante
utilizar algum serviço médico ou hospitalar, ele terá que pagar um percentual dos custos do procedimento e o plano
arca com o restante. A Lei 9.656/98 permite planos coparticipativos.
Sistema de coparticipação reduz valor das mensalidades e estimula a prudência : além de proporcionar
mensalidades mais módicas, o sistema é uma medida que inibe condutas descuidadas e pródigas do usuário, visto
que o uso indiscriminado de procedimentos, consultas e exames afetará negativamente o seu patrimônio. Por essa
razão, a coparticipação é conhecida como um “fator de moderação”, servindo como um estímulo para o usuário não
use os serviços médicos e hospitais de forma desenfreada, ou seja, serve para que ele os utilize com “moderação”.
Limites aos planos coparticipativos : É proibida a cláusula de coparticipação em dois casos: 1) quando preveja o
financiamento integral do procedimento por parte do usuário; 2) quando representar fator restritor severo ao acesso
aos serviços.
Plano coparticipativo e internação: no caso de internação, a Resolução do CONSU determina que: • é possível a
cláusula de coparticipação; • essa cláusula de coparticipação não poderá, em regra, ser fixada em percentuais (o
contrato deverá prever valores prefixados a fim de não surpreender o contratante). • no caso de tratamentos
específicos em saúde mental, é possível que a cláusula de coparticipação seja fixada em percentuais.
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4.5. A S. 302/STJ se aplica à segmentação hospitalar (e não à ambulatorial)
S. 302: É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do
segurado.
Atendimento ambulatorial: não está abarcado pela súmula. Assim, é lícito que o plano de saúde preveja cláusula
de limitação no atendimento ambulatorial (que é mais simples e anterior à internação).
4.7. O art. 31 da Lei 9.656/98 assegura que os aposentados paguem os mesmos preços praticados aos
funcionários em atividade, acrescido dos reajustes legais: O “pagamento integral” previsto no art. 31 da Lei nº
9.656/98 deve corresponder ao valor da contribuição do ex-empregado, enquanto vigente seu contrato de trabalho,
e da parte antes subsidiada por sua ex-empregadora, pelos preços praticados aos funcionários em atividade,
acrescido dos reajustes legais. Vale ressaltar que o mesmo preço que os funcionários da ativa estiverem pagando é
aquele que o trabalhador aposentado também deverá pagar. Assim, se na ativa os funcionários estão pagando R$
200,00 mensais e a empresa está subsidiando R$ 200,00, isso significa que não se poderá exigir do trabalhador
aposentado que pague R$ 500,00. Impor ao aposentado preços diferenciados dos funcionários ativos esvaziaria, por
completo, o sentido protetivo do usuário do plano de saúde coletivo que extingue seu contrato de trabalho.
Importante destacar, por fim, que, se houver um reajuste legal dos preços cobrados dos funcionários da ativa, o
trabalhador aposentado também terá que arcar com esse aumento. Assim, não é possível que haja dois planos de
saúde com condições diferenciadas: um para os empregados ativos e outro destinado aos empregados inativos. Isso
violaria o art. 31 da Lei nº 9.656/98.
4.8. Plano de saúde coletivo que mais se assemelha a um contrato individual e impossibilidade de rescisão
unilateral imotivada: Não é válida a rescisão unilateral imotivada de plano de saúde coletivo empresarial por parte
da operadora em face de microempresa com apenas dois beneficiários. No caso concreto, havia um contrato
coletivo atípico e que, portanto, merecia receber tratamento como se fosse um contrato de plano de saúde
individual. Isso porque a pessoa jurídica contratante é uma microempresa e são apenas dois os beneficiários do
contrato, sendo eles hipossuficientes frente à operadora do plano de saúde. No contrato de plano de saúde
individual é vedada a rescisão unilateral, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade.
Modalidades de plano de saúde: O art. 16, VII, da Lei nº 9.656/98 prevê que existem três modalidades de planos
de saúde: a) individual ou familiar; b) coletivo empresarial e c) coletivo por adesão (contratado por pessoas
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jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, como conselhos, sindicatos, cooperativas e associações
profissionais).
Rescisão do contrato: (i) coletivo: autoriza-se que a operadora do plano de saúde faça a rescisão unilateral e
imotivada do contrato coletivo, desde que: a) o contrato contenha cláusula expressa prevendo a possibilidade de
rescisão unilateral; b) o contrato esteja em vigência por período de pelo menos 12 meses; c) haja a prévia
notificação da rescisão com antecedência mínima de 60 dias.
(ii) individual: a própria L. 9.656/98 reservou um tratamento mais restritivo para eventual rescisão – “salvo por
fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12
meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o 50º dia de
inadimplência”.
5. PROTEÇÃO CONTRATUAL
5.1. Para que haja compartilhamento de dados do consumidor, é necessária a sua autorização expressa: É
abusiva e ilegal cláusula prevista em contrato de prestação de serviços de cartão de crédito que autoriza o banco
contratante a compartilhar dados dos consumidores com outras entidades financeiras ou mantenedoras de cadastros
positivos e negativos de consumidores, sem que seja dada opção de discordar daquele compartilhamento.
5.2. TV por assinatura e cobrança pelo ponto adicional: É lícita a conduta da prestadora de serviço que em
período anterior à Resolução da ANATEL nº 528, de 17 de abril de 2009, efetuava cobranças pelo aluguel de
equipamento adicional e ponto extra de TV por assinatura. Depois da Resolução, tal prática não é mais lícita, pois
entende-se que o contrato celebrado já dá direito ao consumidor de ter, em sua casa, o sinal da TV a cabo. Logo,
não haveria motivo para a empresa cobrar quantias a mais por cada ponto existente. Obs.: Vale ressaltar, no
entanto, que, mesmo após a Resolução 528/2009, é permitido que a empresa cobre pelo aluguel do equipamento
(conversor ou decodificador) necessário ao uso do ponto extra. Não se pode exigir do fornecedor que disponibilize
gratuitamente equipamentos de sua propriedade, em número de unidades correspondente aos pontos extras
desejados pelo consumidor, deixando de empregar aqueles decodificadores em negócios com outros consumidores.
5.3. O consumidor paga uma multa para a operadora do cartão de crédito caso atrase as parcelas, não se
podendo querer aplicar essa mesma multa, com base no equilíbrio contratual, para a empresa que vende os
produtos pela internet: Em compras realizadas na internet, o fato de o consumidor ser penalizado com a
obrigação de arcar com multa moratória, prevista no contrato com a financeira, quando atrasa o pagamento de suas
faturas de cartão de crédito não autoriza a imposição, por sentença coletiva, de cláusula penal ao fornecedor de
bens móveis, nos casos de atraso na entrega da mercadoria e na demora de restituição do valor pago quando do
exercício do direito do arrependimento.
Obs.: demonstrou-se serem 2 contratos diferentes: um contrato de compra e venda celebrado entre o consumidor e
a Kalunga; e um contrato de cartão de crédito firmado entre o consumidor e a operadora do cartão.
5.4. É válida a cláusula que autoriza o desconto em conta-corrente para pagamento das prestações do
contrato de empréstimo, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário
Fatos: A é correntista do Banco Santander. Ele fez contrato de mútuo feneratício com o banco e tomou
emprestado R$ 40k. Segundo restou combinado no contrato, as prestações do empréstimo seriam descontadas
diretamente de sua conta bancária. Vale ressaltar que a conta bancária que A mantém na instituição financeira é
uma CC “comum”, na qual ele realiza movimentações diversas e, além disso, recebe sua remuneração. Não se trata,
portanto, de “conta-salário” constituída exclusivamente para receber vencimentos. A conta de A estava sem
dinheiro e, por isso, o banco, durante dois meses, não conseguiu fazer o desconto das parcelas. Foi então que A
recebeu uma quantia que estava aguardando de seu pai e, quando o numerário “caiu” na conta, o banco descontou
os dois meses em atraso do empréstimo. A ajuizou ação questionando essa medida e afirmando que o desconto foi
indevido e que afrontou a S. 603 do STJ, cuja redação era a seguinte: “É vedado ao banco mutuante reter, em
qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum)
contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial
consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de
percentual”.
O banco poderia ter feito isso? SIM. É possível que haja pactuação para que, em CC comum (sem se tratar de
conta-salário) haja a celebração de mútuo em condições especiais para permitir o débito direto na conta das
parcelas contratadas. Vale ressaltar que o correntista pode, a qualquer momento, revogar a autorização para o
débito em conta, desde que não decorram de obrigações referentes a operações de crédito contratadas com o
próprio banco.
Situação acima é diferente de desconto irretratável e irrevogável em folha : o contrato não se trata de
consignação em folha de pagamento. Na consignação em folha, antes mesmo de a pessoa receber sua
remuneração/proventos, já há o desconto da quantia, o que é efetuado pelo próprio órgão ou entidade pagadora. Em
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outros termos, há um desconto direto no salário, remuneração ou aposentadoria, com a participação do
empregador/órgão público.
Cancelamento da Súmula 603: O STJ entendeu que a redação dada à súmula não foi a mais adequada e que ela
estava gerando interpretações equivocadas. O que a S. 603 desejou proibir foi que, existindo o débito, ainda que o
correntista tivesse autorizado, o Banco pudesse fazer o cálculo do que é devido e, sem autorização judicial,
invadisse o patrimônio bancário do consumidor e satisfizesse o seu crédito. Apesar disso, os Juízes e TJs estavam
entendendo que a súmula proibia todo e qualquer desconto relacionado com um contrato de mútuo bancário.
5.5. A Lei 9.656/98 é constitucional, mas não pode ser aplicada para contratos celebrados antes da sua
vigência
5.6. É abusiva a prática da companhia aérea que cancela automaticamente o voo de volta em razão de “no
show” na ida
Atende a interesse meramente comercial da empresa : Essa prática tem por finalidade exclusiva, ou ao menos
primordial, possibilitar que a companhia possa fazer nova comercialização do assento da aeronave, atendendo,
portanto, a interesses essencialmente comerciais da empresa, promovendo a obtenção de maior de lucro, a partir da
dupla venda. Tal conduta, embora justificável do ponto de vista econômico e empresarial, configura prática
abusiva, considerando que afronta direitos básicos do consumidor, tais como a vedação ao enriquecimento ilícito, a
falta de razoabilidade nas sanções impostas e, ainda, a deficiência na informação sobre os produtos e serviços
prestados.
Enriquecimento ilícito: Quando o consumidor adquire uma viagem de ida e volta, na verdade, ele compra dois
bilhetes aéreos de passagem. Tanto é assim que o preço pago por apenas um bilhete é, naturalmente, inferior ao
valor do contrato de transporte envolvendo o trajeto de ida e retorno, o que demonstra que a majoração do preço se
deve, justamente, à autonomia dos trechos contratados. O cancelamento da passagem de volta pela empresa aérea
significa a frustração da utilização de um serviço pelo qual o consumidor pagou. Trata-se de inadimplemento
desmotivado por parte da companhia aérea. Não bastasse isso, o cancelamento unilateral arbitrário faz surgir para o
consumidor novo dispêndio financeiro, dada a necessidade de retornar a seu local de origem, seja por qual meio de
transporte for.
Falta de razoabilidade nas sanções previstas
Violação ao princípio da transparência
Não importa que a ANAC permita essa prática : Como se sabe, a normatização realizada pela ANAC possui
natureza administrativa, capaz de vincular aqueles que exercem a atividade sujeita à regulação técnica. No entanto,
essa regulamentação não está isenta de controle por parte do Poder Judiciário, em razão do disposto no art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal, que dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito. Assim, as agências reguladoras não podem editar atos arbitrários ou desarrazoados, já que estão
sujeitas ao controle jurisdicional. Há, então, uma “discricionariedade vigiada”.
5.8. É possível o corte da energia elétrica por fraude no medidor, desde que cumpridos alguns requisitos
A relação entre a concessionária de energia elétrica e o consumidor final é uma relação de consumo e aplica-se
o CDC. O fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço público essencial. Os serviços essenciais são
contínuos e, em regra, não podem ser interrompidos.
É possível o “corte” no serviço de energia elétrica em virtude de inadimplemento do consumidor? SIM. Mas,
isso será feito com base em determinados critérios, a depender da natureza da dívida. A jurisprudência classifica
esses débitos em três grupos: 1) débitos decorrentes do consumo regular (atraso normal de pagamento); 2) débitos
relacionados com recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária e; 3) débitos relacionados com
recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor (fraude do medidor).
1) Consumo regular: a suspensão no fornecimento é permitida mesmo que o corte no serviço atinja um órgão ou
entidade que preste serviços públicos à população. Observações:
1.a) Não se admite o corte para débitos antigos (consolidados);
1.b) A obrigação de pagar a conta de energia elétrica é de natureza pessoal (não é propter rem).
2) Recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária: “reparação de consumo não faturado” é uma
expressão utilizada pela concessionária para representar uma determinada quantidade de energia elétrica que foi
fornecida e utilizada pelo consumidor, mas que, apesar disso, não foi registrada corretamente. Isso significa que
existe um débito deste consumidor para com a concessionária. Esse fato pode ter ocorrido por dois motivos
principais: a) falha da concessionária (ex: medidor instalado estava com “defeito”); ou b) por fraude no medidor
(vulgo “gato”). No caso de recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária, essa situação somente
é descoberta depois de um tempo, ou seja, depois que a conta do mês “fechou”. Logo, são débitos pretéritos. E,
nestes casos, o STJ entende que não é possível o corte do serviço. A concessionária deverá exigir os seus créditos
pelas “vias ordinárias de cobrança”.
3) Recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor (corte administrativo por fraude no
medidor): é possível o corte da energia elétrica nos casos de dívidas decorrentes de fraude no medidor? Sim, mas
desde que cumpridos os seguintes requisitos:
90
3.1) a responsabilidade do consumidor pela fraude deverá ser devidamente apurada, conforme procedimento
estipulado pela ANEEL (agência reguladora), assegurando-se ampla defesa e contraditório. Em outras palavras, a
suposta fraude no medidor de consumo de energia não poderá ser apurada unilateralmente pela concessionária.
3.2) deverá ser concedido um aviso prévio ao consumidor;
3.3) a suspensão administrativa do fornecimento do serviço deve ser possibilitada quando não forem pagos débitos
relativos aos últimos 90 dias da apuração da fraude, sem prejuízo do uso das vias judiciais ordinárias de cobrança.
Isso porque o reconhecimento da possibilidade de corte do serviço de energia elétrica pelas concessionárias deve
ter limite temporal de apuração retroativa. Ex: ficou comprovado que João fraudou o medidor de energia elétrica há
1 ano e que, portanto, durante os últimos 12 meses pagou a menos do que deveria. A concessionária poderá
determinar o corte do serviço e só religará a energia se o consumidor pagar a dívida. Mas, para religar não se exige
o pagamento dos 12 meses, mas apenas dos últimos 90 dias. Assim, se João pagar os últimos 90 dias, a
concessionária deverá religar a energia. Os outros 9 meses que faltaram deverão ser cobrados pela concessionária
pelas vias ordinárias.
3.4) deve ser fixado prazo razoável de, no máximo, 90 dias após o vencimento da fatura de recuperação de
consumo, para que a concessionária possa suspender o serviço.
6.1. Qual é o termo inicial do prazo máximo de 5 anos que o nome de devedor pode ficar inscrito em órgão
de proteção ao crédito?
Se o consumidor está inadimplente, o fornecedor poderá incluí-lo em cadastros de proteção ao crédito? SIM.
Qual o cuidado prévio a ser tomado? A abertura de qualquer cadastro, registro e dados pessoais ou de consumo
referentes ao consumidor deverá ser comunicada por escrito a ele (§ 2º do art. 43 do CDC). Logo, o Órgão de
Proteção ao Crédito deverá notificar o devedor antes de proceder à inscrição (S. 359/STJ). Assim, é ilegal e sempre
deve ser cancelada a inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito realizada sem a prévia
notificação exigida pelo art. 43, § 2º do CDC, além de dar ensejo à indenização por danos morais, a ser paga pelo
órgão.
O credor (fornecedor) deverá também pagar indenização por danos morais pelo fato de o consumidor ter sido
negativado sem notificação prévia? NÃO. O credor não é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de
indenização por danos morais decorrentes da inscrição em cadastros de inadimplentes sem prévia comunicação.
Mas, a situação será diferente se o consumidor for negativado por conta de uma dívida que não existia realmente
(dívida irregular). Nesse caso, o fornecedor é quem será responsabilizado.
Para que haja a condenação em dano moral, é necessário que seja provado o prejuízo sofrido pelo consumidor?
NÃO. A indenização por danos morais decorre da simples ausência de prévia notificação, circunstância que se
mostra suficiente à caracterização do dano moral. Não há necessidade da prova do prejuízo sofrido. Trata-se de
dano moral in re ipsa, no qual o prejuízo é presumido. E no caso de dano material? Para que haja condenação por
danos materiais, é indispensável a prova dos prejuízos sofridos.
Como é comprovada essa notificação prévia? Exige-se prova de que o consumidor tenha efetivamente recebido
a notificação? NÃO. Basta que seja provado que foi enviada uma correspondência ao endereço do consumidor
notificando-o quanto à inscrição de seu nome no respectivo cadastro, sendo desnecessário AR (S. 404-STJ).
Se o consumidor possui uma negativação anterior legítima e sofre uma nova anotação, porém desta vez ele não
é notificado previamente, este consumidor terá direito de ser indenizado por causa desta segunda? NÃO, ele terá
direito apenas de pedir o cancelamento da segunda anotação feita sem notificá-lo (S. 385-STJ).
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Se o consumidor, após ser regularmente comunicado, ajuíza uma ação para impedir ou retirar seu nome do
cadastro negativo alegando que o débito não existe, o juiz poderá conceder tutela provisória deferindo esse pedido?
Segundo o STJ, isso só será deferido se, cumulativamente: • a ação for fundada em questionamento integral ou
parcial do débito; • houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em
jurisprudência consolidada do STF ou STJ; • houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução
fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. A simples discussão judicial da dívida não é suficiente para obstar a
negativação do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes.
Existe um prazo máximo no qual o nome do devedor pode ficar negativado? SIM. Os cadastros e bancos de
dados não poderão conter informações negativas do consumidor referentes a período superior a 5 anos (art. 43, § 1º
do CDC). Passado esse prazo, o próprio órgão de cadastro deve retirar a anotação negativa, independentemente de
como esteja a situação da dívida (não importa se ainda está sendo cobrada em juízo ou se ainda não foi prescrita) –
S. 323.
Qual é o termo inicial deste prazo de 5 anos? O que interessa é a data do vencimento da dívida, começando a
contar o prazo de 5 anos no 1º dia seguinte à data de vencimento. Trata-se da interpretação que mais se coaduna ao
espírito do CDC e com a função dos bancos de dados de inadimplentes de refletir com fidelidade a situação
financeira dos devedores. A contagem do prazo deve tomar por base a data do fato gerador da informação
depreciadora.
Se o devedor paga a dívida, a quem caberá informar o SPC ou a SERASA dessa situação para que seja retirado
o nome do devedor? Cumpre ao CREDOR (e não ao devedor) providenciar o cancelamento da anotação negativa
do nome do devedor em cadastro de proteção ao crédito, quando paga a dívida.
Qual é o prazo que tem o credor para retirar (dar baixa) do nome do devedor no cadastro negativo? O prazo é de
5 dias úteis a contar da data do efetivo pagamento. O STJ construiu este prazo por meio de aplicação analógica do
art. 43, § 3º do CDC.
O que acontece se o credor não retirar o nome do devedor do cadastro no prazo de 5 dias? A manutenção do
registro do nome do devedor em cadastro de inadimplentes após esse prazo impõe ao credor o pagamento de
indenização por dano moral, independentemente de comprovação do abalo sofrido.
6.2. Informações no SPC/SERASA sobre protestos: além das comunicações feitas pelos comerciantes, o
SERASA e o SPC também alimentam seus bancos de dados com informações que eles buscam dos cartórios de
protesto. Porém, o STJ exige que esses órgãos devem obrigatoriamente: 1) inserir também na anotação negativa a
informação sobre o prazo de vencimento da dívida; 2) controlar esse prazo do vencimento para que nenhum
protesto fique ali registrado: • além do prazo prescricional específico para a cobrança daquele crédito (§ 5º do art.
43 do CDC); ou • por mais de 5 anos contados do vencimento (§ 1º do art. 43). Ex: imagine que tenha sido
protestada uma letra de câmbio; o prazo prescricional contra o aceitante é de 3 anos; logo, esse título não pode ficar
no SPC/SERASA mais do que 3 anos (§ 5º do art. 43 do CDC). Por outro lado, ainda que o prazo prescricional seja
maior que 5 anos, esse será o prazo máximo que a anotação poderá ficar no banco de dados (§ 1º do art. 43).
Assim, o art. 43 do CDC, como reflexo do princípio da veracidade, estabeleceu dois limites temporais objetivos
para que a informação negativa a respeito do consumidor permaneça nos bancos de dados: a) o prazo genérico de 5
anos, do § 1º; e b) o prazo específico da ação de cobrança, do § 5º. Isso era chamado por Ada Pelegrini Grinover de
“temporalidade dual”, de modo que, violado qualquer deles, a informação arquivada é contaminada por inexatidão
temporal. O prazo genérico de 5 anos é o máximo permitido para que uma informação fique arquivada no cadastro
de proteção ao crédito, e não o mínimo, já que o prazo específico prescricional da dívida pode ser ainda menor,
como no exemplo da letra de câmbio acima.
6.3. Dispensa de prévia notificação no caso de inserção no SPC/SERASA de informação sobre protesto de
título: É dispensada a prévia comunicação do devedor se o órgão de restrição ao crédito (exs.: SPC, SERASA)
estiver apenas reproduzindo informação negativa que conste de registro público (exs.: anotações de protestos que
constem do Tabelionato de Protesto, anotações de execução fiscal que sejam divulgadas no Diário Oficial).
7. OUTROS TEMAS
7.1. A inobservância do dever de informar e de obter o consentimento informado do paciente viola o direito
à autodeterminação e caracteriza responsabilidade extracontratual
Fatos: João sofreu traumatismo craniano, ficando com sequelas neurológicas (tremores no braço direito). O
neurocirurgião que o atendeu recomendou a realização de uma cirurgia na cabeça, a fim de melhorar a função
cerebral do paciente. João foi submetido à cirurgia. No entanto, em vez de melhorar, ele piorou bastante, perdendo
a capacidade de andar. Diante disso, foi ajuizada ação de indenização por danos morais contra o hospital e o
médico. O principal fundamento da ação não foi eventual erro médico, mas sim ausência de informação. O autor
comprovou que o médico não explicou que a cirurgia que seria realizada era extremamente arriscada e que havia
uma alta probabilidade de apresentar sequelas, como de fato ocorreu. Ao contrário, o médico teria dito que era uma
intervenção simples, com anestesia local e duração máxima de 2 horas.
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Decisão do STJ: há responsabilidade civil neste caso.
Relação jurídica médico-paciente : pode ser considerada como uma “locação de serviços sui generis”. O
profissional, além da obrigação de prestar os serviços médicos, tem também diversos deveres extrapatrimoniais
considerados essenciais para a natureza deste contrato.
Dever de informação: Um desses deveres do médico é justamente o dever de informação. Assim, o profissional
deve explicar ao paciente (ou seu representante legal), de forma muito clara, quais são os riscos do tratamento, as
vantagens e desvantagens, as técnicas que serão empregadas, os prognósticos (“previsões”) e todas as demais
informações que sejam necessárias e úteis. Esse dever de informação existe, dentre outras razões, para permitir que
o paciente (ou seu representante legal) possa decidir livremente se deseja ou não executar aquele procedimento.
Excepcionalmente, o médico pode deixar de dar algumas informações ao paciente nos casos em que o fornecimento
dessa informação possa gerar algum dano, normalmente em seu estado psíquico. Vale ressaltar, no entanto, que,
nestes casos, o médico continua sendo obrigado a fornecer tais informações ao representante legal do paciente. O
direito à informação confere ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação
ao produto ou serviço sejam de fato atingidas. Trata-se do chamado “consentimento informado ou vontade
qualificada”. O consentimento informado é uma decorrência da: • dignidade da pessoa humana; e • do princípio da
autonomia privada. Assim, pode-se dizer que o consentimento informado é uma manifestação do DF de
autodeterminação do paciente, decorrente da CF, do CDC e do Código de Ética Médica, sem contar normas
internacionais.
De quem é o ônus de provar o consentimento informado? Do médico ou do hospital. Para a doutrina, é do
médico ou do hospital o ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de esclarecer e obter o consentimento
informado do paciente. Assim, havendo dúvida, deve-se entender que o médico não deu as informações necessárias
ao paciente. Vale ressaltar que isso não significa que a responsabilidade dos médicos seja objetiva. Não o é. Em
regra, a responsabilidade dos médicos é subjetiva (art. 14, § 4º do CDC). Porém, a responsabilidade subjetiva do
médico não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC,
devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis.
O consentimento informado deve ser feito por escrito? Não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma
norma que exija que o médico ou hospital recolha o consentimento escrito do paciente, expresso em um documento
assinado. Apesar disso, a doutrina recomenda, de modo muito enfático, que o médico tome essa providência. Isso
porque, como visto acima, é do médico o ônus de provar o consentimento informado.
Consentimento específico: além de escrito, é importante que o consentimento do paciente seja específico. Um
consentimento genérico (chamado de blanket consent) não é suficiente, devendo ser feito de forma específica para
aquele tratamento claramente individualizado.
Conclusão: O dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância
caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil . A indenização, nesses casos, é devida pela
privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os
riscos e vantagens de determinado tratamento que, ao final, lhe causou danos que poderiam não ter sido causados
caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente.
7.3. Legitimidade do MP para defesa coletiva dos consumidores: O MP. possui legitimidade ativa para postular
em juízo a defesa de direitos transindividuais de consumidores que celebram contratos de compra e venda de
imóveis com cláusulas pretensamente abusivas.
- Vale a pena relembrar: Súmula 601-STJ: O MP tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.
- V. livro para revisão.
Modulação dos efeitos em ADI que julgou inconstitucional lei estadual que destinava custas da habilitação do
casamento para os juízes de paz
Fatos: Em 1990, o Estado de Minas Gerais editou uma lei determinando que as custas cobradas nos processos de
habilitação de casamento fossem destinadas ao juiz de paz.
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Direito: a lei é inconstitucional, pois possui vícios formal e material.
a) Formal: a norma era inconstitucional porque o projeto que deu origem à lei foi iniciado pelo Governador do
Estado. Como essa lei trata sobre um serviço auxiliar do Poder Judiciário (celebração de casamentos, habilitação
etc), a iniciativa teria que ter sido do Tribunal de Justiça, conforme prevê o art. 96, II, “b”, da CF/88.
b) Material: e o juiz de paz deve ser remunerado pelos cofres públicos e não pelos noivos. “Já se foi o tempo em
que o servidor tinha participação no que deveria ser arrecadado pelo Estado. Nós tivemos a situação dos fiscais.
Acabou na nossa Administração Pública essa forma de se partilhar algo que deve ser recolhido aos cofres
públicos”, afirmou o Min. Marco Aurélio. Interessante ressaltar que o STF entendeu que se aplica aos juízes de paz
a vedação prevista no art. 95, parágrafo único, II, da CF/88.
1. ATO INFRACIONAL
2. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Quais são as medidas socioeducativas que implicam privação de liberdade? Semiliberdade; e Internação.
- Semiliberdade (art. 120 do ECA): o adolescente realiza atividades externas durante o dia, sob supervisão de
equipe multidisciplinar, e fica recolhido à noite. O regime de semiliberdade pode ser determinado como medida
inicial imposta pelo juiz ao adolescente infrator, ou como forma de transição p/ o meio aberto (uma espécie de
“progressão”).
- Internação (arts. 121 e 122 do ECA): Por esse regime, o adolescente fica recolhido na unidade de internação. A
internação constitui medida privativa da liberdade e se sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Pode ser permitida a realização de atividades externas,
a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. A medida não comporta
prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada
seis meses. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. Se o interno completar 21
anos, deverá ser obrigatoriamente liberado, encerrando o regime de internação.
- O juiz somente pode aplicar a medida de internação ao adolescente infrator nas hipóteses taxativamente previstas
no art. 122 do ECA, pois a segregação do adolescente é medida de exceção, devendo ser aplicada e mantida
somente quando evidenciada sua necessidade, em observância ao espírito do Estatuto, que visa à reintegração do
menor à sociedade (STJ, HC 213778). O STF comunga do mesmo entendimento e possui diversos precedentes
afirmando que a imposição de medida socioeducativa de internação deve ser aplicada apenas quando não houver
outra medida adequada e desde que presentes os requisitos do art. 122 do ECA (HC 125016). Assim, quando for
aplicada a internação, o magistrado deverá adotar uma fundamentação idônea que apresente justificativas concretas
para a escolha dessa medida socioeducativa.
2.2. Impossibilidade de privação da liberdade pela prática do art. 28 da LD: Não é possível aplicar nenhuma
medida socioeducativa que prive a liberdade do adolescente (internação ou semiliberdade) caso ele tenha praticado
um ato infracional análogo ao delito do art. 28 da LD. Isso porque o art. 28 da LD não prevê a possibilidade de
penas privativas de liberdade caso um adulto cometa esse crime. Ora, se nem mesmo a pessoa maior de idade
poderá ser presa por conta da prática do art. 28 da LD, com maior razão não se pode impor a restrição da liberdade
para o adolescente que incidir nessa conduta. Logo, se o adolescente praticar um ato infracional equiparado ao art.
28 da LD, somente poderá receber: Medidas protetivas (arts. 101, I a VI, do ECA); Advertência (art. 115);
Prestação de serviços à comunidade (art. 117); Liberdade assistida (art. 118).
2.3. Internação e gravidade abstrata do ato infracional: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si
só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente (Súmula
492/STJ) – v. livro.
2.4. Internação no caso de reiteração de atos infracionais graves: cf. o art. 122, II do ECA, a aplicação da
medida de internação pode ocorrer no caso de “reiteração no cometimento de outras infrações graves”. Ao se
interpretar essa expressão, foi construída a tese de que, para se enquadrar na hipótese do inciso II, o adolescente
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deveria ter cometido, no mínimo, 3 infrações graves. Assim, somente no terceiro ato infracional grave (após ter
praticado outros dois anteriores) é que o adolescente receberia a medida de internação.
A jurisprudência acolhe esse critério? NÃO mais. Atualmente, tanto o STF como o STJ entendem que, para se
configurar a “reiteração na prática de atos infracionais graves” (art. 122, II) não se exige a prática de, no mínimo,
três infrações dessa natureza. Não existe fundamento legal para essa exigência. A exigência de no mínimo 3
infrações foi adotada durante muitos anos pela jurisprudência como forma de “abrandar” a aplicação do ECA, mas
esse entendimento está atualmente superado. Em suma, o que vigora atualmente: “O ECA não estipulou um
número mínimo de atos infracionais graves para justificar a internação do menor infrator com fulcro no art. 122,
II, do ECA (reiteração no cometimento de outras infrações graves). Logo, cabe ao magistrado analisar as
peculiaridades de cada caso e as condições específicas do adolescente a fim de aplicar ou não a internação. Está
superado o entendimento de que a internação com base nesse dispositivo somente seria permitida com a prática de
no mínimo 3 infrações. STJ. 5ª Turma. HC 332.440/SP, j. em 24/11/2015 e STJ. 6ª T. HC 347.434, j. em
27/9/2016.
2.5. Superveniência da maioridade penal: adolescente de 17 anos e 11 meses praticou ato infracional equiparado
a roubo. Porém, quando chegou o momento de proferir a sentença, o juiz percebe que, em virtude da demora do
processo, ele está agora com 19 anos.
Diante disso, surgiu a dúvida: é possível que João continue sendo julgado pelo juízo da Vara de Infância e
Adolescência mesmo já tendo atingido a maioridade penal (18 anos)? É possível que o magistrado aplique
alguma medida socioeducativa em relação a João mesmo ele já sendo adulto (maior de 18 anos)? SIM. A
medida socioeducativa pode ser aplicada ao indivíduo maior de 18 anos, desde que o ato infracional tenha sido
praticado antes, ou seja, quando ele ainda era adolescente. A superveniência da maioridade penal não interfere na
apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o
adolescente ter completado 18 anos durante o curso do processo onde se apura o ato infracional não interfere na
sentença. O juiz poderá aplicar normalmente a medida socioeducativa.
Outra situação: Pedro, com 17 anos de idade, recebeu medida socioeducativa de internação pela prática de ato
infracional. Ele está cumprindo medida em uma unidade de internação de adolescentes infratores. Ocorre que
Pedro completou 18 anos. Ele pode continuar cumprindo a internação? SIM. A superveniência da maioridade
penal não interfere na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o adolescente
ter completado 18 anos durante o cumprimento da medida socioeducativa não faz com que essa execução tenha que
ser encerrada. Ela continuará normalmente até que o Juiz entenda que a medida já cumpriu a sua finalidade ou até
que o indivíduo complete 21 anos. Se o interno completar 21 anos, deverá ser obrigatoriamente liberado,
encerrando o regime de internação.
Mas o ECA pode ser aplicado para maiores de 18 anos? Existe possibilidade legal para isso? SIM. Essa
autorização encontra-se prevista no art. 2º, p. u. e no art. 121, § 5º do ECA.
O art. 121, § 5º dispõe sobre a internação. Essa possibilidade de o indivíduo cumprir medida mesmo até os 21
anos vale para a medida de semiliberdade? SIM. Existe previsão expressa afirmando que as regras da internação,
incluindo o art. 121, § 5º, podem ser aplicadas, no que couber, à medida de semiliberdade.
O ECA, ao tratar sobre a liberdade assistida, não traz um dispositivo como esse do art. 120, § 2º acima
transcrito. Em razão disso, vários doutrinadores sustentaram que, para a liberdade assistida, o cumprimento
deveria ficar restrito até os 18 anos por ausência de previsão legal. Essa tese prevaleceu? NÃO. A jurisprudência
entendeu que, mesmo sem regra expressa, deve ser permitido o cumprimento da liberdade assistida até os 21 anos,
assim como ocorre com a internação e a semiliberdade. Não há qualquer fundamento jurídico ou lógico que
autorize uma diferença de tratamento. Isso porque a internação e a semiliberdade são medidas mais gravosas que a
liberdade assistida. Desse modo, seria ilógico considerar que é possível a incidência das medidas mais gravosas e,
ao mesmo tempo, proibida a aplicação das mais brandas. Assim, o STJ possui o entendimento pacífico de que o art.
121, § 5º do ECA admite a possibilidade da extensão do cumprimento da medida socioeducativa até os 21 anos de
idade, abarcando qualquer que seja a medida imposta ao adolescente.
Posição do STF: O STF possui o mesmo entendimento manifestado na Súmula 605 do STJ16.
16
O disposto no § 5º do art. 121 da Lei 8.069/1990, além de não revogado pelo art. 5º do CC, é aplicável à medida socioeducativa de
semiliberdade, conforme determinação expressa do art. 120, § 2º, do ECA. Em consequência, se o paciente, à época do fato, ainda não tinha
alcançado a maioridade penal, nada impede que ele seja submetido à semiliberdade, ainda que, atualmente, tenha mais de dezoito anos, uma
vez que a liberação compulsória só ocorre aos vinte e um. STF. 2ª Turma. HC 94939, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 14/10/2008.
95
2.6. (In)aplicabilidade do art. 942 do CPC/15
A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de apelação não unânime em processo no qual se apura
a prática de ato infracional por adolescente?
2.7. Atos infracionais pretéritos podem ser utilizados como fundamento para decretação/manutenção da
prisão preventiva?
João, 19 anos, está respondendo a processo criminal por roubo. Quando era adolescente, João cumpriu medida
socioeducativa por homicídio. No momento da condenação, o juiz poderá considerar esse ato infracional para
fins de reincidência ou de maus antecedentes? NÃO. Atos infracionais não podem ser considerados maus
antecedentes para a elevação da pena-base e muito menos servem para configurar reincidência (STJ. 5ª Turma. HC
289.098/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 20/05/2014).
João, 19 anos, está respondendo a processo criminal por roubo. Quando era adolescente, cumpriu medida
socioeducativa por homicídio. O juiz, ao decretar a prisão preventiva do réu, poderá mencionar a prática desse
ato infracional como um dos fundamentos para a custódia cautelar? Havia divergência entre as Turmas do STJ,
mas o tema agora restou pacificado. A resposta é SIM. A prática de atos infracionais anteriores serve para justificar
a decretação ou manutenção da prisão preventiva como garantia da ordem pública, considerando que indicam que a
personalidade do agente é voltada à criminalidade, havendo fundado receio de reiteração.
STJ. 5ª Turma. RHC 47.671-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 18/12/2014 (Info 554).
STJ. 3ª Seção. RHC 63.855-MG, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/05/2016.
O Min. Rogério Schietti Cruz ressalvou, porém, que não é qualquer ato infracional, em qualquer circunstância, que
pode ser utilizado para caracterizar a periculosidade e justificar a prisão antes da sentença. Para tanto, foram
estabelecidos alguns critérios (condições). Para saber se o ato infracional é idôneo ou não para ser levado em
consideração no momento da decretação/manutenção da prisão preventiva, a autoridade judicial deverá examinar
três condições: a) a gravidade específica do ato infracional cometido (independentemente de equivaler a crime
considerado em abstrato como grave); b) o tempo decorrido entre o ato infracional e o crime em razão do qual é
decretada a preventiva; e c) a comprovação efetiva da ocorrência do ato infracional.
Atos infracionais não são antecedentes criminais, mas podem ser valorados: Os atos infracionais não podem ser
considerados como antecedentes penais já que ato infracional não é crime e medida socioeducativa não é pena.
Apesar disso, os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para
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fins cautelares. A avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se examine todo o seu histórico de vida,
em especial o seu comportamento perante a comunidade. Logo, os atos infracionais praticados não servem como
antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência, mas não podem ser ignorados, devendo ser analisados
para se aferir se existe risco à garantia da ordem pública com a liberdade do acusado.
Proteção do art. 143 do ECA só vale enquanto a pessoa for menor de 18 anos
O art. 143 do ECA prevê que "é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam
respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional". Contudo, segundo entende o STJ,
essa proteção estatal prevista no ECA é voltada ao adolescente infrator somente enquanto ele estiver nessa
condição. Assim, a partir do momento em que se torna imputável deixa de haver o óbice.
Decisão cautelar do STF: O STF ainda não enfrentou o tema em seu colegiado, mas existe ao menos uma decisão
monocrática recente na qual o Min. Luiz Fux afirmou que é possível utilizar atos infracionais pretéritos como
fundamento para a prisão preventiva. Veja: "(...) A prevalecer o argumento de que a prática de atos infracionais na
menoridade não se comunica com a vida criminal adulta, ter-se-á que admitir o absurdo de que o agente poderá
reiterar na prática criminosa logo após adquirir a maioridade, sem que se lhe recaia a possibilidade de ser preso
preventivamente. A possibilidade real de reiteração delituosa constitui, fora de dúvida, base empírica subsumível à
hipótese legal da garantia da ordem pública. (...)" (STF. RHC 134121 MC, j. em 20/04/2016)
3. OUTROS TEMAS
3.1. Competência da Vara de Violência Doméstica para decidir guarda de criança e autorização para viagem
se a causa de pedir estiver relacionada com a violência praticada contra a genitora
A Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher possui competência para decidir
esses pedidos no presente caso? SIM. A Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher
possui competência para o julgamento de pedido incidental de natureza civil, relacionado à autorização para
viagem ao exterior e guarda unilateral do infante, na hipótese em que a causa de pedir de tal pretensão consistir na
prática de violência doméstica e familiar contra a genitora. STJ. 3ª Turma. REsp 1.550.166-DF, j. em 21/11/17.
O art. 14 da Lei nº 11.340/2006 prevê uma competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Dessa forma, os Juizados de Violência Doméstica possuem
competência para as ações de natureza civil que tenham por causa de pedir a prática de violência doméstica e
familiar contra a mulher. O propósito conferido pela Lei 11.340/06 foi o de outorgar ao mesmo magistrado o
conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe avaliar as repercussões
jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Isso tem por objetivo
facilitar o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, conferindo-lhe uma maior
proteção. Assim, para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou
Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil, é imprescindível que a causa de pedir da ação consista
justamente na prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher. Dessa forma, para o estabelecimento da
competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil
(notadamente, as relacionadas ao Direito de Família), é necessário que a ação decorra (tenha por fundamento) da
prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher. É necessário ainda que, no momento do ajuizamento da
ação de natureza cível, a vítima esteja em situação de violência doméstica e familiar, fazendo com que ela tenha
direito, pelo menos em tese, às medidas protetivas expressamente previstas na Lei 11.340/06. Na hipótese dos
autos, a competência para o exame da referida pretensão é da Vara Especializada, na medida em que o pedido
relacionado ao interesse da criança deu-se em plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a
neutralizar a situação de violência doméstica.
3.2. Compete à Justiça Estadual (e não à Justiça do Trabalho) autorizar trabalho artístico de CAs
É permitido que uma criança ou adolescente “trabalhe” em um filme, novela, peça de teatro etc.? É possível a
participação de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos? SIM. A doutrina e a jurisprudência entendem
que é possível o trabalho de crianças e adolescentes em espetáculos artísticos, mesmo antes da idade mínima
prevista no art. 7º, XXXIII, da CF/88. Um dos fundamentos para isso está no artigo 8º, 1, da Convenção 138 da
OIT, que autoriza a participação de crianças e adolescentes em “representações artísticas”.
Exige-se alguma autorização especial para isso? SIM. O ECA exige um pronunciamento judicial para esses casos.
*Sempre se entendeu que a competência para esse ato era da Vara da Infância e Juventude (Justiça Estadual). Até
mesmo porque é essa a redação expressa do art. 146 do ECA. Ocorre que, em 2004, com a EC 45, surgiu uma nova
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tese a respeito do tema. Isso porque esta Emenda ampliou o rol de competências do art. 114 da CF e parcela da
doutrina e jurisprudência passou a defender que a competência para autorizar a participação de crianças e
adolescentes em “representações artísticas” seria agora da Justiça do Trabalho, com base no art. 114, I e IX, da CF.
O STF concordou com esta tese? NÃO. O STF, ao julgar medida cautelar na ADI 5326/DF, decidiu que: Compete
à Justiça Comum Estadual (juízo da infância e juventude) apreciar os pedidos de alvará visando a participação de
CAs em representações artísticas. STF. Plenário. ADI 5326/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 27/9/18.
A “adoção à brasileira” é permitida? NÃO. Formalmente, esta conduta é até mesmo prevista como crime pelo CP.
Vale ressaltar, entretanto, que, na prática, dificilmente alguém é condenado ou recebe pena por conta desse delito.
Isso porque, no caso concreto, poderá o juiz reconhecer a existência de erro de proibição ou, então, aplicar o perdão
judicial previsto no parágrafo único do art. 242 do CP. É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta
porque, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode ela
ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças.
É necessário estudo psicossocial para que haja perda do poder familiar da mãe biológica em razão da suposta
entrega da filha para adoção irregular? SIM. A destituição do poder familiar da mãe biológica e do pai registral
de Júlia se deu em razão da ocorrência da denominada “adoção à brasileira”, pois não ficou comprovado que a
criança seria fruto da relação de Francisca com Pedro. Nesse caso, era indispensável a realização de estudo
psicossocial e de avaliação psicológica dos envolvidos na lide. O estudo psicossocial é peça informativa
extremamente útil ao juiz para aferir a possível existência de uma situação de risco para o menor e balizar eventual
pedido de aplicação de alguma medida protetiva à criança ou ao adolescente. Não se pode retirar a criança do local
da casa da família onde ela convive e levá-la a um abrigo institucional sem que exista prova de que ela estivesse em
situação de risco, sendo esta uma medida drástica e excepcional. Por se tratar de medida extrema, a perda do poder
familiar somente é cabível após esgotadas todas as possibilidades de manutenção da criança no seio da família
natural (art. 19 do ECA), pressupondo a existência de um procedimento contraditório, no qual deve ser apurado se
a medida efetivamente atende o melhor interesse da criança ou do adolescente. Por cautela e prudência, antes da
análise meritória pelo juiz da causa, deveria ter sido realizado um estudo psicossocial nos requeridos e na criança,
de modo a verificar a atual situação em que ela se encontrava, se efetivamente estava em situação de perigo e,
principalmente a efetiva possibilidade, apesar dos indícios de prática da “adoção à brasileira”, de se preservarem os
deveres inerentes ao poder familiar. Cabe ressaltar que a comprovação da prática de “adoção à brasileira” tem por
consequência, em regra, a possibilidade de condenação penal e a nulidade do registro civil do adotado, mas não
enseja a destituição do poder familiar por parte da mãe biológica que também figura no registro.
3.4. A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é suficiente para afastar a multa
pecuniária prevista no art. 249 do ECA
Apuração das infrações administrativas: o ECA prevê, em seus arts. 245 a 258-C, infrações administrativas.
Interessante explicar que, apesar de serem infrações administrativas, elas são apuradas por meio de procedimento
conduzido pelo Juiz da VIJ, na forma do art. 194 do ECA (v. procedimento no livro – importante).
Imagine agora a seguinte situação hipotética: O Conselho Tutelar encontrou uma criança de 5 anos em estado de
absoluta desnutrição e abanono. A menina estava sozinha em casa porque a mãe havia saído. Essa situação foi
relatada ao MP. O Promotor de Justiça ingressou, então, na vara da infância e juventude, com “representação civil
por infração administrativa” afirmando que a mãe da criança praticou a conduta descrita no art. 249 do ECA e
pedindo a sua condenação. A DP, que fez a assistência jurídica da mãe, alegou que não se deve aplicar a multa
pecuniária, tendo em vista que ficou comprovado que esta família vive em situação de extrema hipossuficiência
financeira e vulnerabilidade familiar. Assim, de nada adiantaria a aplicação da sanção.
A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? NÃO. A hipossuficiência financeira ou a vulnerabilidade familiar não é
suficiente para afastar a multa pecuniária prevista no art. 249 do ECA. A sanção pecuniária prevista no art. 249 do
98
ECA, embora topologicamente distante do art. 129, deve ser interpretada em conjunto com aquele rol. A infração
do art. 249, além de um cunho essencialmente sancionatório, possui também caráter preventivo, coercitivo e
disciplinador. Em última análise, o objetivo é que tais condutas não mais se repitam, a bem dos filhos. Diante disso,
em prol do melhor interesse da criança ou do adolescente, a jurisprudência até admite que, por meio de decisão
judicial fundamentada, o magistrado deixe de aplicar a sanção pecuniária do art. 249 e, em seu lugar, faça incidir
outras medidas mais adequadas e eficazes para a situação específica.
Isso não significa, contudo, que a multa deverá ser sempre excluída em caso de hipossuficiência financeira ou
vulnerabilidade familiar. Em outras palavras, a situação econômica não deve ser o parâmetro determinante para
eventual exclusão da multa, devendo-se analisar principalmente se a medida aplicada servirá efetivamente para
prevenir e inibir a repetição das condutas censuradas. Daí porque, embora se reconheça que a regra do art. 249 do
ECA não possui incidência e aplicabilidade absoluta, podendo ser sopesada com as demais medidas previstas no
art. 129 do mesmo Estatuto, é preciso concluir que a simples exclusão da multa, pelo simples fato de haver
pobreza, não é a providência mais adequada. Assim, no caso concreto, o STJ determinou a incidência da multa. No
entanto, fixou-a em apenas 1 salário mínimo, ou seja, abaixo do limite previsto no art. 249 do ECA.
3.5. Defensoria pode ter acesso a procedimento instaurado pela Justiça para apurar irregularidades em
unidade de internação
Imagine a seguinte situação hipotética: “o Juiz da Vara de Infância e Juventude recebeu notícia de que na unidade
de internação X estariam ocorrendo violações aos direitos dos adolescentes. Em razão disso, o magistrado instaurou
procedimento verificatório a fim de fazer uma correição na unidade para apurar tais fatos, inclusive com inspeção
judicial. Vale ressaltar que as entidades de internação devem ser constantemente fiscalizadas pelo Judiciário,
conforme prevê o art. 95 do ECA. O art. 191 do ECA prevê que, havendo alguma irregularidade, deverá ser
instaurado procedimento para apuração dos fatos. A DP pediu para intervir e ter acesso aos autos do procedimento
verificatório a fim de que pudesse velar pelos interesses e direitos fundamentais dos adolescentes ali internados. O
magistrado negou o pedido sob o argumento de que a DP não está elencada nos arts. 95 e 191 do ECA.
Agiu corretamente o juiz? NÃO. É verdade que os arts. 95 e 191 do ECA não mencionam a Defensoria Pública.
Apesar disso, esta Instituição possui sim a atribuição para fiscalizar as unidades de internação. Essa competência da
DP pode ser extraída da CF e da LC 80/94. Por fim, vale a pena lembrar que o art. 128 da LC 80/94 elenca, como
prerrogativa dos membros da DP dos Estados: • ter vista pessoal dos processos fora dos cartórios e secretarias,
ressalvadas as vedações legais; e • examinar, em qualquer repartição pública, autos de flagrantes, inquéritos e
processos, assegurada a obtenção de cópias e podendo tomar apontamentos.
Ausência de previsão da DP nos arts. 95 e 191 do ECA tem razões históricas: O ECA foi editado em 1990, época
em que a DP ainda não era conhecida e estruturada. A Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94), por
exemplo, só foi editada em 1994, ou seja, 4 anos depois. Desse modo, o ECA, por óbvio, não poderia ter previsto o
poder fiscalizatório de uma instituição cuja Lei Orgânica ainda não havia sido editada.
3.6. Reconhecimento de dano moral coletivo por conta de programa de televisão que divulga testes de DNA
tratando o tema de forma jocosa e depreciativa: A conduta de emissora de televisão que exibe quadro que,
potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes
configura lesão ao direito transindividual da coletividade e dá ensejo à indenização por dano moral coletivo. Caso
concreto: existia um programa de TV local no qual o apresentador abria ao vivo testes de DNA e acabava expondo
as crianças e adolescentes ao ridículo, especialmente quando o resultado do exame era negativo. As crianças e
adolescentes não participavam do programa, apenas seus pais. No entanto, o apresentador utilizava expressões
jocosas e depreciativas em relação à concepção dos menores.
Dano social não é sinônimo de dano moral coletivo. O dano social é, portanto, uma nova espécie de dano reparável,
que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente
reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade. Alguns exemplos dados por Junqueira de Azevedo: o
pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho.
Tais condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de chuva,
problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de florestas por conta da
queda do balão etc. Diante da prática dessas condutas socialmente reprováveis, o juiz deverá condenar o agente a
pagar uma indenização de caráter punitivo, dissuasório ou didático, a título de dano social. Cf. explica Flávio
Tartuce, os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um
99
fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do
juiz.
Na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado um enunciado reconhecendo a existência dos danos
sociais: Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou
imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos
legitimados para propor ações coletivas.
DIREITO EMPRESARIAL
1. PROPRIEDADE IMATERIAL
2. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
2.1. Quórum para exclusão judicial do sócio majoritário não inclui as suas quotas
100
Dissolução parcial da sociedade, direito de retirada e exclusão de sócio : v. livro.
Exclusão do sócio majoritário: se o sócio que se pretende excluir da sociedade tiver a maioria do capital social,
não se conseguirá exclui-lo extrajudicialmente. Isso porque, diferentemente do que ocorre na exclusão de sócio
minoritário, não se terá uma deliberação da maioria dos sócios (maioria do capital social). Diante disso, para a
exclusão do sócio majoritário, será necessária a propositura de uma ação judicial, conforme prevê o art. 1.030 do
CC.
O que significa essa expressão “mediante iniciativa da maioria dos demais sócios” prevista no art. 1.030 do CC?
No cálculo dessa maioria deve-se incluir as quotas do sócio “acusado”? Claro que não. A lei é explícita ao falar em
maioria dos demais sócios. Consideram-se apenas as quotas dos demais sócios, excluídas aquelas pertencentes ao
sócio que se pretende excluir. Isso porque o art. 1.030 é a oportunidade que a legislação confere aos sócios
minoritários de excluírem o sócio majoritário. Se as quotas do sócio majoritário fossem incluídas no cálculo, ele
nunca poderia ser excluído porque sempre deteria a maioria. Ex.: Determinada sociedade limitada é formada por
quatro sócios: João (possui 60% do capital social), Pedro (20%), Augusto (10%) e Ricardo (10%). João está
descumprindo suas obrigações sociais e colocando em risco a continuidade da sociedade. Pedro e Augusto querem
excluir João da sociedade. Ricardo não concorda e defende a permanência. Pedro e Augusto possuem menos da
metade do capital social. Logo, não conseguirão a exclusão extrajudicial do sócio João, nos termos do art. 1.085 do
CC. Contudo, poderão deliberar pelo ajuizamento de ação pedindo a exclusão judicial do sócio majoritário,
conforme autoriza o art. 1.030 do CC. Neste caso, Pedro e Augusto, ao decidirem pleitear a exclusão judicial de
João, terão atendido o quórum exigido pelo art. 1.030. Isso porque a maioria será contada a partir da participação
dos 40%, isto é, o restante dos demais sócios, uma vez excluída a participação daquele que se quer que seja
excluído.
Decisão do STJ: O STJ reafirmou essa forma de cálculo e decidiu que: O quórum deliberativo para exclusão
judicial do sócio majoritário por falta grave no cumprimento de suas obrigações deve levar em conta a maioria do
capital social de sociedade limitada, excluindo-se do cálculo o sócio que se pretende jubilar.
2.2. A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), atual BM&F BOVESPA, não responde
pelos prejuízos causados pela venda indevida de ações mediante uso de procuração falsa: A Companhia
Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde civilmente pelos prejuízos decorrentes
da negociação de ações mobiliárias mediante uso de procuração pública falsa que não lhe foi apresentada. Constitui
responsabilidade do agente de custódia (corretoras de valores) fiscalizar a regularidade das procurações
apresentadas para transferência de valores mobiliários.
2.3. Prescrição em caso de ação de exigir contas pelo pagamento de dividendos e outros rendimentos
Fatos: João é titular de ações nominativas da sociedade anônima “BGG S/A”. João entende que a BGG não lhe
pagou os dividendos, os juros sobre capital próprio e os demais rendimentos corretamente nos últimos 6 anos. Em
razão disso, João quer ajuizar ação de exigir contas contra a empresa, nos termos do art. 550 do CPC, exigindo a
prestação das contas dos últimos 6 anos. Surgiu, no entanto, a dúvida a respeito do prazo prescricional.
Há previsão expressa de um prazo para a ação de exigir contas? Não. Não há um prazo prescricional específico
para o ajuizamento da ação de exigir contas, o que atrai, de modo geral, a aplicação do prazo residual de 10 anos,
constante do art. 205 do CC.
Prazo para cobrança de dividendos é de 3 anos e, portanto, interfere no prazo para exigir contas: o titular ações
de uma SA possui o prazo prescricional de 3 anos para exigir o pagamento dos dividendos. Isso está previsto no art.
287, II, da LSA. Esse dispositivo legal dispõe sobre a ação de cobrança de dividendos. Não trata expressamente a
respeito da pretensão de exigir contas. Porém, não se pode deixar de reconhecer que a pretensão do acionista de
exigir contas da companhia não se exaure na sua simples prestação, pois se destina, em última análise, à apuração
do saldo de dividendos e, caso existente, também à sua satisfação. Em outras palavras, sendo de 3 anos o prazo
prescricional de cobrança dos dividendos, também deve ser de 3 anos o prazo prescricional para o ajuizamento da
ação de exigir contas. Isso porque o objetivo final do autor é o de receber o saldo que ele entende que pode existir.
Seria inútil que se permitisse que o autor ajuizasse ação pedindo a prestação de contas dos últimos 6 anos, por
exemplo, e, constatada a existência de um saldo (porque os pagamentos não foram feitos corretamente), esse
mesmo autor só tivesse direito de cobrar os valores dos últimos 3 anos. A ação de exigir contas deve se revelar útil,
a um só tempo, à pretensão de exigir contas e, caso apurado crédito existente em favor do demandante, também à
sua satisfação. A ação de exigir contas não serve apenas para tirar uma “dúvida” pessoal do autor sem que isso
tenha reflexos jurídicos.
2.4. Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a
ação de complementação de ações
Serviços de telefonia antes da privatização: antes da privatização, o serviço de telefonia era muito ruim, caro e a
área de abrangência era pequena. Para poder ter direito ao serviço de telefonia, o consumidor tinha que comprar
uma linha. Para isso, pagava antecipadamente e entrava em uma lista de espera que poderia durar meses até chegar
a sua vez. Além disso, como na época não havia recursos públicos suficientes para a expansão da rede, as empresas
101
de telefonia obrigavam os usuários dos serviços a serem seus financiadores. Assim, o consumidor, para ter o direito
de adquirir o uso de um terminal telefônico, tinha que assinar um contrato de adesão por meio do qual era obrigado
a comprar ações da empresa de telefonia. Em outras palavras, para ter acesso ao serviço de telefonia, o usuário
tinha que adquirir uma participação acionária na companhia. Por isso, você já deve ter ouvido algumas pessoas
mais antigas falarem que tinham ações da TELERJ, da TELESP etc.
Ação de complementação de ações : ante o cenário acima, diversas pessoas que adquiriram ações das
companhias telefônicas e receberam menos do que seria devido ingressaram com demandas judiciais pedindo a
complementação das ações. Dessa forma, quando você ouvir falar em “ação de complementação de ações da
empresa de telefonia”, nada mais é do que a demanda judicial proposta pela pessoa que pagou para ter direito a um
determinado número de ações da companhia telefônica, mas, apesar disso, recebeu menos do que seria devido. Por
isso, a pessoa ingressa com o processo judicial pedindo a complementação das ações ou, subsidiariamente, o
recebimento de indenização por perdas e danos.
Companhias cindendas e sucessoras da Telebrás Em 1998, a fim de potencializar a privativatização, a Telebrás
foi cindida em 12 empresas: 3 de telefonia fixa, 1 de longa distância, e 8 de telefonia móvel. A Telebrás continuou
existindo, com apenas 1,25% de seu patrimônio. Existe até hoje.
A ação de complementação de ações deverá ser proposta contra quem? Quem tem legitimidade p/ figurar no
polo passivo dessa ação na qual se busca efetivar a obrigação de emitir, subscrever e integralizar ações
(complementação de ações) em favor do consumidor de serviço de telefonia, titular de contrato de participação
financeira? O STJ definiu que: Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou
sucessoras destas), para a ação de complementação de ações, na hipótese em que as ações originárias tenham sido
emitidas pela Telebrás.
2.5. Ação de regresso proposta pela empresa cindida contra a empresa resultante da cisão : Cabe ação de
regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente societárias suportada exclusivamente
por empresa cindida contra empresa resultante da cisão parcial, observando-se a proporção do patrimônio recebido.
Ex: a Tele Sudeste surgiu a partir da cisão parcial da Telebrás (a Tele Sudeste é 2,42% do patrimônio original da
Telebrás); determinado banco propôs ação contra a Telebrás e a Tele Sudeste cobrando uma quantia decorrente de
uma obrigação de debênture (obrigação societária) anterior à cisão; ambas foram condenadas a pagar o valor total
de R$ 5 milhões; a Telebrás cumpriu o julgado e quitou integralmente a dívida; em seguida, a Telebrás ajuizou
ação regressiva contra a Tele Sudeste cobrando 2,42% do valor pago pela condenação judicial.
2.6. Não se aplica o critério do balancete mensal (Súmula 371 do STJ) para os contratos de participação
financeira celebrados na modalidade PCT: O critério do balancete mensal, previsto na Súmula 371 do STJ, é
inaplicável aos contratos de participação financeira em empresa de telefonia celebrados na modalidade Planta
Comunitária de Telefonia - PCT. Súmula 371-STJ: Nos contratos de participação financeira para aquisição de linha
telefônica, o valor patrimonial da ação (VPA) é apurado com base no balancete do mês da integralização.
3. CONTRATOS EMPRESARIAIS
3.1. Em shopping center que funcione como condomínio é permitido que a convenção do condomínio preveja
que a área comum será explorada por apenas alguns condôminos (lojistas):
Modalidades de shopping center: a) Shopping center típico: todos os espaços são locados. Não possui
condomínio.
b) Shopping center vendido: existem vários proprietários das unidades autônomas, que formam um condomínio
comercial. Essas unidades autônomas (espaços) são vendidos ou locados. Trata-se de um condomínio comercial,
mas com características típicas de shopping, como mix, publicidade conjunta e normas de funcionamento com
horários preestabelecidos. Neste modelo existe, portanto, uma convenção de condomínio que rege o shopping e,
normalmente, é escolhido um síndico.
c) Centro comercial: mero aglomerado de lojas, sem um sistema organizado de funcionamento.
A convenção de condomínio pode atribuir direito de uso exclusivo de áreas comuns a um ou mais condôminos?
Essa previsão da convenção de condomínio, em princípio, é válida? SIM. O condomínio que funciona como um
shopping center possui peculiaridades que o distingue de um condomínio edilício comum. No condomínio que
funciona como um shopping, o condômino (lojista), apesar de proprietário de uma unidade autônoma, sofre
algumas restrições, contratualmente acertadas, aosseus direitos de condômino. As limitações atingem,
especialmente, a autonomia, já que terá que se utilizar do imóvel exatamente para a finalidade específica para a
qual foi adquirido, observando, quanto à utilização, as mesmas regras impostas a todos os demais lojistas. Outra
diferença está justamente nas áreas comuns. Nada impede que, quando da constituição do empreendimento, em
decisão assemblear ou por meio de cláusulas de convenção de condomínio e demais normais gerais
complementares, seja limitada à propriedade adquirida pelos lojistas ao espaço interno. Assim, é possível que se
estabeleça que as áreas comuns irão pertencer a uma ou algumas empresas (e não a todos os lojistas).
102
3.2. Banco que, após notificar a corretora de Bitcoin, decide encerrar contrato de conta-corrente com a
empresa não pratica ato que configure abuso de direito
Fatos: a empresa “Mercado Bitcoin” precisa, obrigatoriamente, de um conta bancária tradicional para realizar
sua atividade econômica, tendo em vista que recebe dinheiro em moeda tradicional em troca de Bitcoins. Durante
meses, a empresa utilizou para isso uma conta bancária no Itaú. Ocorre que, determinado dia, o Banco Itaú enviou
uma notificação extrajudicial para a “Mercado Bitcoin” informando que sua conta bancária seria encerrada dentro
de 30 dias em razão de “desinteresse comercial”, ou seja, a instituição financeira comunicou que não mais tinha
interesse comercial em ter a empresa como cliente. Diante disso, a “Mercado Bitcoins” ingressou contra o Banco
Itaú S.A. com ação de obrigação de fazer pedindo para que o banco mantenha a conta-corrente encerrada. A autora
argumentou que o encerramento da conta configurou prática abusiva e ato ilícito por parte do banco, violando o art.
39, IX, do CDC, além do configurar abuso de direito (art. 187 do CC).
Pode ser aplicado, no caso, o CDC para esta relação jurídica? NÃO. A empresa corretora de Bitcoin que celebra
contrato de conta-corrente com o banco para o exercício de suas atividades não pode ser considerada consumidora.
Não se trata de uma relação de consumo. A empresa desenvolve a atividade econômica de intermediação de
compra e venda de Bitcoins. Para realizar essa atividade econômica, utiliza o serviço de conta-bancária oferecido
pelo banco. Assim, a utilização desse serviço bancário (abertura de conta-corrente) tem o propósito de incrementar
sua atividade produtiva de intermediação, não se caracterizando, portanto, como relação jurídica de consumo, mas
sim de insumo. Em outras palavras, o serviço bancário de conta-corrente é utilizado como implemento de sua
atividade empresarial, não se destinando, pois, ao seu consumo final. Logo, não se aplicam as normas protetivas do
CDC.
Vários bancos têm se negado a fornecer serviço de conta-corrente para as corretoras de Bitcoins. São acusadas
de fazer isso para evitar o crescimento das criptomoedas, o que poderia produzir impacto no faturamento das
instituições financeiras. Os bancos, ao negarem esse serviço, praticam ato ilícito? A conduta do Banco Itaú, que
encerrou a conta-bancária da “Mercado Bitcoin”, foi considerada, pelo STJ, como prática comercial abusiva? NÃO.
O encerramento de conta-corrente usada na comercialização de criptomoedas, observada a prévia e regular
notificação, não configura prática comercial abusiva ou exercício abusivo do direito.
Fundamento: isso porque O art. 12 da Res. BACEN/CMN 2.025/93 permite que o banco ou o cliente,
livremente, encerrem o contrato de conta-corrente, observada apenas a necessidade de, previamente, fazer a
comunicação do outro. Vale ressaltar que, mesmo em se tratando de relação de consumo, o STJ possui precedentes
dizendo que o banco pode encerrar a conta-bancária do cliente sem que isso configure prática abusiva, não se
aplicando a regra do art. 39, IX, do CDC aos bancos. Desse modo, é legítima, sob o aspecto institucional, a recusa
da instituição financeira em manter o contrato de conta-corrente, utilizado como insumo pela corretora de Bitcoins,
no desenvolvimento da atividade empresarial. De igual modo, sob o aspecto mercadológico, também se afigura
legítima a recusa em manter a contratação. Como a atividade empresarial da corretora de Bitcoins concorre com as
atividades da instituição financeira, não se pode dizer que a recusa do banco em fornecer o serviço a ela seja
abusiva. Não há, em princípio, abuso de direito porque se trata de proteção dos interesses comerciais da instituição.
4. PROTESTO
4.1. Não cabem danos morais se houve protesto de cheque prescrito, mas cuja dívida ainda poderia ser
cobrada por outros meios
Protesto e cheque: v. livro para revisão.
Fatos: João emitiu um cheque em favor da empresa “A”. A empresa tentou efetuar o saque da quantia, mas não
havia fundos disponíveis. 1 ano depois, ou seja, quando o cheque já estava prescrito, a empresa “A” levou este
título para protesto. João ingressou, então, com ação declaratória de nulidade de protesto de título c/c pedido de
indenização por danos morais contra a empresa “A” alegando que ela levou a protesto um cheque prescrito.
É possível o protesto do cheque contra o emitente mesmo após ter se passado o prazo de apresentação? SIM. É
legítimo o protesto de cheque efetuado contra o emitente depois do prazo de apresentação, desde que não escoado o
prazo prescricional relativo à ação cambial de execução.
Mas o art. 48 da Lei 7.357/85 afirma que o protesto do cheque deve ocorrer durante o prazo de apresentação.
Veja: “Art. 48 O protesto ou as declarações do artigo anterior devem fazer-se no lugar de pagamento ou do
domicílio do emitente, antes da expiração do prazo de apresentação.” E agora? O STJ afirma que a exigência
imposta no art. 48 de que o protesto ocorra antes de expirado o prazo de apresentação do cheque só vale para o
protesto necessário, isto é, aquele feito contra os coobrigados, para o exercício do direito de regresso, e não em
relação ao emitente do título. Em outras palavras, o art. 48 da Lei nº 7.357/85 trata apenas da possibilidade de
cobrança dos eventuais devedores indiretos (coobrigados), mas não do devedor principal (emitente). O protesto
pode ser feito contra o emitente mesmo após o prazo de apresentação, desde que o cheque ainda não esteja
prescrito.
Prazo de apresentação do cheque: 30 dias, se ele for da mesma praça do pagamento ou 60 dias, se de praça
diferente.
103
Prazo prescricional para a execução do cheque: 6 meses, contados a partir do momento em que termina o prazo
de apresentação do cheque.
Caso concreto: o juiz deverá determinar o cancelamento do protesto? SIM. Em nosso exemplo, o protesto foi
indevido considerando que realizado com a indicação do emitente como devedor, mas feito após o prazo
prescricional do cheque.
E quanto aos danos morais? João (devedor) deverá ser indenizado por danos morais? NÃO. Isso porque o
cheque, apesar de estar prescrito, ainda poderia ser cobrado por outros meios. No âmbito do protesto irregular de
título de crédito, o reconhecimento do dano moral está diretamente relacionado com a ideia do abalo de crédito
causado pela publicidade do ato notarial que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de “mau pagador”
perante a praça. Se houve um protesto irregular (porque o cheque está prescrito), mas há ainda outras vias
alternativas para a cobrança da dívida, entende-se que esse protesto indevido não gerou um abalo no crédito do
devedor, considerando que o emitente do título permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no
pagamento. Com efeito, aquele que, efetivamente, insere-se na condição de devedor, estando em atraso no
pagamento de dívida regularmente por si assumida, passível de cobrança por meios outros que não a execução, não
pode se sentir moralmente ofendido pelo protesto, mesmo sendo ele extemporâneo. No caso concreto, mesmo
estando o cheque prescrito, a empresa ainda tinha, à sua disposição, 3 ações judiciais possíveis. Assim, embora
indevido o protesto, João permanecia na condição de devedor inadimplente, razão pela qual não está caracterizado
abalo de crédito apto a ensejar a caracterização de dano moral indenizável.
Quais ações? 1) Ação de enriquecimento sem causa (“ação de locupletamento”): prevista no art. 61 da Lei do
Cheque. Essa ação tem o prazo de 2 anos, contados do dia em que se consumar a prescrição da ação executiva.
2) Ação de cobrança (ação causal): art. 62 da Lei. O prazo é de 5 anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, CC.
3) Ação monitória.
4.2. Credor que havia protestado o título tem o dever de fornecer carta de anuência para cancelamento do
protesto, mas para isso precisa haver um pedido do devedor
Protesto: v. as informações gerais no livro.
Após o pagamento do título protestado, o credor que foi pago tem a responsabilidade de retirar o protesto
lavrado? NÃO. Após a quitação da dívida, incumbe ao DEVEDOR providenciar o cancelamento do protesto, salvo
se foi combinado o contrário entre ele e o credor. Segundo o STJ, a Lei 9.492/97 não impõe ao credor o dever de
retirar o protesto (inteligência do art. 26, que diz “qualquer interessado”).
Esse entendimento vale mesmo que se trate de uma relação de consumo, ou seja, que o devedor seja um
consumidor e o credor um fornecedor? SIM.
A solução jurídica acima aplica-se também no caso de inscrição em cadastros de inadimplentes? NÃO, cf. já
visto.
Fatos: sujeito pagou a dívida protestada, mas, como o Banco não retirou o protesto lavrado, ele permaneceu sem
conseguir crédito no mercado. O seu advogado lhe disse que ele deve levar até o cartório a “carta de anuência” do
banco. Carta de anuência é um documento no qual o credor declara que o título de crédito que havia sido protestado
já foi pago e que, portanto, ele não se opõe ao cancelamento do protesto. O sujeito, então, disse: quando eu paguei
o débito, o banco deveria ter me enviado por correio essa carta de anuência. Eles falharam comigo. Quero
processar. Assim, ajuizou ação de indenização por danos morais contra o banco argumentando que houve
negligência do banco em não lhe enviar automaticamente o documento que ela necessitava (“carta de anuência”)
para dar baixa no protesto.
Direito: o STJ não concordou com o pedido. Não há como impor tacitamente ao credor o dever de enviar, sem
provocação, o documento hábil ao cancelamento do legítimo protesto. O credor tem o inequívoco dever de fornecer
o documento hábil ao cancelamento do protesto, mas para isso precisa ser previamente provocado. Situação
diferente seria se o banco, mesmo após o pagamento, recusasse ou dificultasse o fornecimento da declaração. Aí
haveria ato ilícito passível de indenização.
5.1. Se a parte já tem um título executivo, não precisa ir para a arbitragem mesmo que o contrato contenha
cláusula compromissória
Fatos: A Metálica forneceu uma grande quantidade de peças para a Volk, que emitiu uma duplicata no valor de
R$ 1 milhão. Ocorre que a Volk não pagou a duplicata. A credora fez, então, o protesto deste título de crédito, mas,
apesar disso, a devedora permaneceu inadimplente. Diante disso, a Metálica formulou pedido de falência da
sociedade empresária Volk, fundamentando o pleito no art. 94, I, da LFRJ. Vale ressaltar que o pedido de falência
por impontualidade foi fundamentado na duplicata protestada e acompanhada de documentos que comprovaram a
entrega das mercadorias. Citada, a Volk alegou que, no contrato celebrado, há cláusula compromissória, ou seja,
houve a eleição de foro arbitral. Logo, antes de pedir a falência, a Metálica deveria ter instaurado o juízo arbitral.
Como não o fez, o processo falimentar deve ser extinto, sem resolução do mérito, com base no art. 485, VII, do
CPC.
104
Decisão do STJ: não concordou com a Volk. No caso concreto, contudo, a questão envolve título executivo
inadimplido (duplicata protestada). Havendo título executivo não pago, só resta ao credor dois caminhos úteis: •
ingressar com uma execução individual; • formular pedido de falência, com fundamento no art. 94, I, da LFRJ, que
ostenta natureza de execução coletiva. Assim, na hipótese de pretensão amparada em título de natureza executiva, o
direito que assiste ao credor somente pode ser exercido mediante provocação do Judiciário. Isso porque o árbitro
não possui poderes de natureza executiva. Não pode penhorar bens, determinar a alienação judicial etc. Logo, todos
os atos de natureza expropriatória dependem do juízo estatal para serem efetivados. Desse modo, deve-se admitir
que a cláusula compromissória possa conviver com a natureza executiva do título. Não é razoável exigir que o
credor seja obrigado a iniciar uma arbitragem para obter juízo de certeza sobre uma dívida que, no seu entender, já
consta do título executivo extrajudicial, bastando, realmente, iniciar a execução forçada.
Resumo: A existência de cláusula compromissória não afeta a executividade do título de crédito inadimplido e
não impede a deflagração do procedimento falimentar, fundamentado no art. 94, I, da Lei nº 11.101/2005.
5.2. Contribuição previdenciária reconhecida por juiz trabalhista pode ser habilitada na falência sem CDA
Fatos: Em uma reclamação trabalhista proposta por João (empregado) contra a empresa “A”, o juiz trabalhista
condenou a empregadora a pagar as verbas trabalhistas e também as contribuições previdenciárias que incidiam
sobre. As verbas trabalhistas são devidas ao empregado. Já as contribuições previdenciárias são verbas que
deveriam ter sido recolhidas pela empresa e revertidas ao INSS. Assim, são créditos que a empresa deverá pagar ao
INSS.
Falência: Caso a empresa não pague as verbas trabalhistas e as contribuições previdenciárias, a providência
normal que deveria ser adotada pelo juiz trabalhista seria a execução de tais quantias. Ocorre que essa sociedade
empresária encontra-se em processo de falência. Logo, não poderá haver execução no juízo trabalhista, pois isso
terá que ser feito no juízo universal da falência. Assim, em caso de empresas que estejam em processo de falência,
a Justiça do Trabalho será competente para a ação de conhecimento (onde será apurado se existe débito e o seu
valor) e o juízo da falência será responsável pela cobrança de tais quantias apuradas (STJ).
Habilitação dos créditos: o empregado e o INSS deverão levar ao juízo da falência esses créditos que foram
reconhecidos no processo trabalhista. Esse procedimento é chamado de “habilitação de créditos” (art. 9º da LFRJ).
Fatos 2: o INSS propôs, no juízo falimentar, a habilitação de seu crédito referente às contribuições
previdenciárias. O juízo falimentar indeferiu a habilitação do crédito previdenciário, sob o argumento de que a
Fazenda Pública deveria ter inscrito em dívida ativa o valor da condenação imposta pelo juízo trabalhista e ter
apresentado a CDA. Em outras palavras, o juiz da falência entendeu que o INSS não poderia habilitar na falência a
própria sentença trabalhista, sendo indispensável uma providência anterior, qual seja, a inscrição desse débito em
dívida ativa.
Decisão do STJ: o juiz da falência não agiu corretamente. As contribuições previdenciárias são consideradas
como uma espécie de tributo. Em regra, os tributos que são devidos e não foram pagos pelo sujeito passivo devem
ser objeto de “lançamento tributário”, procedimento a ser realizado pelo Fisco. Após o lançamento, esse débito
tributário será inscrito em dívida ativa, gerando uma CDA, instante em que se torna um crédito tributário que
poderá ser exigido judicialmente pela FP. Assim, em regra, é necessário o lançamento para que haja a constituição
do crédito tributário. Ocorre que, no caso das contribuições previdenciárias que forem reconhecidas pela Justiça do
Trabalho, não será necessário que com relação a elas haja um lançamento tributário a ser realizado pelo Fisco. Dito
de outra forma, as contribuições previdenciárias que forem apuradas pelo juiz trabalhista não precisam de novo
lançamento tributário para serem executadas. É a própria sentença que é executada pela Justiça do Trabalho e não o
tradicional crédito constituído pela via administrativa do lançamento tributário. Isso ocorre por força de
mandamento constitucional (art. 114, VIII da CF). A partir disso, o STJ conclui que o crédito tributário poderá
decorrer:
• do lançamento na via administrativa (hipótese tradicional, regulada pelo CTN); ou
• da sentença da Justiça do Trabalho que reconhecer a existência de contribuições previdenciárias devidas (hipótese
excepcional, trazida pelo art. 114, VIII, da CF). Desse modo, como as contribuições previdenciárias já foram
reconhecidas na sentença pelo juiz trabalhista, já houve a constituição do crédito tributário, sendo desnecessário
que haja um procedimento administrativo de lançamento tributário. Isso já é suprido pela sentença trabalhista.
5.3. Competência para julgar demandas cíveis com pedidos ilíquidos contra massa falida:
Acepções de massa falida: a) subjetiva (massa passiva): É o conjunto dos credores do falido. Trata-se de um
ente despersonalizado (não possui personalidade jurídica). Apesar disso, é sujeito de direito, podendo praticar atos,
inclusive processuais, para a defesa dos interesses dos credores. A massa falida pode atuar a “favor” ou “contra” a
sociedade empresária falida; b) Massa falida OBJETIVA (massa ativa): é o conjunto dos bens do falido que foram
arrecadados no processo falimentar.
Fatos: A “Rodo Ltda” era responsável pelo transporte coletivo (ônibus) no Município de Guarulhos. João foi
atropelado por um ônibus da “Rodo Ltda” e ficou inválido. Antes que João pudesse ingressar com qualquer medida
contra a causadora do acidente, o juízo da 1ª Vara de Falências decretou a falência da sociedade empresária “Rodo
Ltda.”. João quer agora ajuizar uma ação de indenização por danos morais contra a massa falida da “Rodo Ltda”
105
em litisconsórcio passivo com o Município de Guarulhos. Vale ressaltar que a ação na qual se busca indenização
por danos morais é considerada como uma demanda cível com pedido ilíquido, pois cabe ao magistrado avaliar a
existência do evento danoso, bem como determinar a extensão e o valor da reparação para o caso concreto. João
ajuizou a referida ação na 1ª Vara de Falências afirmando ser este o juízo universal para demandas contra a massa
falida. O Município contestou a demanda afirmando que a ação deveria ter sido proposta na Vara da Fazenda
Pública municipal, considerando que a lei de organização judiciária afirma que esta é vara cível competente para
julgar as demandas propostas contra o Município.
Decisão: o STJ acolheu a tese do Município. Com a decretação da falência, instaura-se o chamado juízo
universal da falência. Isso significa que, em regra, todas as ações que envolvem o devedor falido deverão ser
julgadas pelo juízo que decretou a falência. Isso é chamado de vis attractiva ou aptidão atrativa do juízo falimentar,
estando prevista no art. 76 da LFRJ. A universalidade do juízo falimentar, contudo, não é absoluta. Há exceções.
Uma dessas exceções diz respeito às ações que demandem quantia ilíquida, cf. o art. 6º, § 1º da LFRJ. Assim, as
ações que estiverem cobrando quantia ilíquida não precisam tramitar no juízo universal da falência, podendo
continuar ou serem propostas no juízo cível competente segundo as leis de organização judiciária.
O que são ações que demandam quantia ilíquida? A expressão usada pela lei não é clara e deve ser interpretada
como abrangendo as ações de conhecimento, nas quais se discute a existência ou o valor de certos créditos.
O art. 6º, §1º, fala em “prosseguimento”, dando a entender que a ação já havia sido proposta antes da falência.
Se a ação cobrando quantia ilíquida for proposta depois da falência, também será uma exceção ao juízo universal?
Sim. A ação de indenização por danos morais se enquadra no conceito de “ação que demandar quantia ilíquida”?
Sim.
5.4. Valores depositados em banco por conta de contrato de trust podem ser arrecadados no caso de falência
da instituição financeira
Trust, natureza jurídica, ausência de previsão no direito brasileiro : v. livro.
Fatos: A empresa “A1” ganhou o leilão p/ administrar uma importante rodovia em SP. Como ela precisava fazer
investimentos milionários de infraestrutura, decidiu captar dinheiro com outras empresas. Assim, a empresa “A1”
(concessionária da rodovia estadual) celebrou com a empresa “B2” um contrato de financiamento a ser amortizado
(pago em prestações) com vinculação de receita das praças de pedágio. Em outras palavras, a empresa “B2”
emprestou alguns milhões de reais para a empresa “A1” e esta se comprometeu a pagar com o dinheiro que
receberia do pedágio da rodovia. Para operacionalizar esse contrato e conferir maiores garantias ao mutuante
(“B2”), as partes pactuaram que a receita do pedágio seria depositada em um banco interveniente (no caso, o Banco
Santos), que ficaria responsável por administrar essas receitas com o propósito de amortizar o financiamento, como
num contrato de “trust”. Identificando os personagens deste trust:
• Instituidor (settlor): A1 (concessionária que confiou a administração das receitas ao Banco Santos).
• Administrador (trustee ou fiduciário): Banco Santos.
• Beneficiário: B2.
Ocorre que, na vigência do contrato, foi decretada a falência do Banco Santos. Daí o juízo da falência arrecadou o
saldo existente nesta conta em favor da massa falida. Diante desse fato, a A1 apresentou requerimento ao juízo da
falência pedindo a restituição dos valores. A empresa “A1” afirmou que essa conta constituiria patrimônio de
afetação, de sorte que deveria ser aplicada a regra do art. 119, IX. Invocou também a incidência do entendimento
exposto na Súmula 417 do STF: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido
em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.
Decisão: Não é cabível a restituição de quantia em dinheiro que se encontra depositada em conta corrente de
banco falido, em razão de contrato de trust.
- Valores depositados no banco são arrecadados em caso de falência da instituição financeira: se um banco vai à
falência, os valores depositados nas contas bancárias são considerados bens de titularidade da instituição financeira
e serão arrecadados para pagamento das dívidas.
- Trust não pode ser considerado patrimônio de afetação: o art. 119, IX, da LFRJ afirma que os “patrimônios de
afetação” não serão arrecadados pela massa falida. No entanto, esse mesmo dispositivo diz que tais “patrimônios de
afetação” deverão obedecer ao “disposto na legislação respectiva”. Diante disso, a doutrina e a jurisprudência
entendem que somente os patrimônios de afetação previstos expressamente na legislação estão sujeitos a essa
proteção normativa. Em outras palavras, os patrimônios de afetação referidos no art. 119, IX, da LFRJ são apenas
os que tenham previsão legal, não se podendo aplicar essa previsão por analogia para o trust. Alguns exemplos de
patrimônios de afetação previstos atualmente no ordenamento jurídico pátrio: herança, massa falida, securitização
de créditos imobiliários, incorporação imobiliária, fundos e investimento imobiliário.
- Trust não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro e os depósitos realizados no Banco Santos passaram a
pertencer à instituição financeira.
- Conclusão: O que as empresas “A1” e “B2” terão que fazer agora é se habilitarem no quadro geral de credores.
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5.5. Na antiga Lei de Falência, os créditos tributários eram pagos antes dos encargos da massa: Os encargos
da massa não preferem os créditos tributários nas falências processadas sob a égide do Decreto-Lei nº 7.661/1945.
Em outras palavras, na antiga Lei de Falência, os créditos tributários eram pagos antes dos encargos da massa.
Obs.: e na atual Lei, como funciona? A Lei nº 11.101/2005 não mais utilizou essa expressão “encargos da massa”.
Na atual Lei de Falências, as dívidas assumidas pela massa falida ao longo do processo, ou seja, depois de
decretada a quebra, são chamadas de “créditos extraconcursais” e estão listados no art. 84. Assim, na Lei nº
11.101/2005, nós temos: • Créditos concursais: são as dívidas do falido que devem ser pagas na ordem do art. 83. •
Créditos extraconcursais: são dívidas da massa falida e que devem ser pagas antes dos créditos concursais. Estão
previstos no art. 84. Em outras palavras, primeiro devem ser pagos os créditos extraconcursais e, depois, os
concursais. Os créditos extraconcursais são pagos antes dos concursais porque são dívidas que surgem depois de ter
sido decretada a falência e em decorrência dela. Em regra, são débitos que nascem para que o processo de falência
possa ser realizado. Caso fossem pagos após os demais créditos, a massa falida teria muita dificuldade de conseguir
levar em frente o procedimento da falência. Assim, os serviços prestados à massa falida após a decretação da
falência são créditos extraconcursais, que devem ser satisfeitos antes, inclusive, dos trabalhistas, à exceção do que
dispõe o art. 151.
5.6. O edital com a relação dos credores do falido (art. 7º, § 2º da LFRJ) deve ser obrigatoriamente
publicado na imprensa oficial: É imprescindível a publicação na imprensa oficial do edital previsto no art. 7º, §
2º, da LFRJ. Assim, a Lei não permite que a publicação seja feita exclusivamente no jornal. Fundamento: art. 191
da LFRJ. A leitura do caput do art. 191 revela que as publicações devem ser sempre feitas na imprensa oficial,
devendo ser, preferencialmente, feitas também mediante publicação em jornal ou revista de circulação se as
possibilidades financeiras do devedor ou da massa falida assim comportarem. Obs.: o art. 7º, § 2º trata sobre o
edital contendo a relação feita pelo administrador judicial dos credores do falido.
5.7. É cabível a interposição de agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias em processo
falimentar e recuperacional: Existem algumas hipóteses em que a própria LFRJ fala que cabe agravo. Essas
situações trazidas pela LFRJ continuam existindo e não foram afetadas pelo NCPC, tendo em vista que são
previsões de lei específica. Para o STJ, o mesmo raciocínio que inspirou a permissão do agravo de instrumento para
o processo de execução e para o processo de inventário, deve ser aplicado para a aplicação deste recurso ao
processo falimentar e recuperacional. Assim, o STJ determinou que o p. u. do art. 1.015 do CPC deveria ser
interpretado extensivamente para abranger também as decisões interlocutórias proferidas nos processos de falência
e recuperação judicial.
5.9. Conceito de bem de capital para os fins do art. 49, § 3º da LFRJ: a lei embora tenha excluído
expressamente dos efeitos da recuperação judicial o crédito de titular da posição de proprietário fiduciário de bens
imóveis ou móveis, acentuou que os “bens de capital”, objeto de garantia fiduciária, essenciais ao desenvolvimento
da atividade empresarial, permanecem na posse da recuperanda durante o stay period. A conceituação de “bem de
capital”, referido na parte final do § 3º do art. 49 da LRF, há de ser objetiva. Assim, “bem de capital” é o bem
corpóreo (móvel ou imóvel) usado no processo produtivo da empresa recuperanda e que não seja perecível nem
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consumível. Em suma: 1) REGRA: estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do
pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos (art. 49, caput). Devem obedecer ao plano de recuperação e
as ações ficam suspensas.
2) EXCEÇÃO: os créditos de alienação fiduciária não estão sujeitos à recuperação judicial e as ações relacionadas
com tais créditos podem continuar a ser propostas (§ 3º do art. 49). Aqui o Banco “comemora” porque seu crédito
está fora da recuperação judicial.
3) EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO (volta para regra): se a garantia da alienação fiduciária for o imóvel que funciona o
estabelecimento do devedor ou forem bens de capital (bens móveis) essenciais à atividade empresarial da sociedade
em recuperação judicial, nesse caso, mesmo sendo crédito de alienação fiduciária, deverá ficar sujeita aos efeitos da
recuperação judicial. Aqui o Banco “lamenta” porque seu crédito deverá ficar sujeito à recuperação judicial.
Prevalece o princípio da preservação da empresa, impondo restrição temporária ao proprietário fiduciário (ex:
banco) em relação a bem de capital que se revele indispensável à manutenção do desenvolvimento da atividade
econômica exercida pela empresa recuperanda.
5.10. Ação de indenização por danos morais contra empresa em recuperação judicial
Fatos: João foi ofendido e maltratado pelo motorista da empresa de ônibus “Viplan”. Em razão disso, ajuizou
ação de indenização por danos morais que foi julgada procedente, condenando a pagar R$ 5 mil. O credor requereu
o cumprimento de sentença, o que estava tramitando na 6ª VC. Ocorre que a Viplan ingressou com pedido de
recuperação judicial. O juiz da Vara de Falência deferiu o pedido de recuperação judicial. Diante disso, o juiz da 6ª
VC decidiu suspender o processo de cumprimento de sentença, nos termos do art. 6º, § 4º da LFRJ. Depois de
alguns anos de tramitação, o Juiz da Vara de Falência entendeu que estavam cumpridas as obrigações e decretou,
por sentença, o encerramento da recuperação judicial (art. 63 da LFRJ). Um dos credores, contudo, não concordou
e apelou contra a sentença. Foi o tempo que o advogado de João lembrou do processo e pediu ao Juiz da 6ª VC que
retomasse o cumprimento de sentença, pedido que foi acolhido pelo magistrado. A Viplan, porém, recorreu contra
a decisão do Juiz da 6ª VC alegando que não se mostra plausível a retomada das execuções individuais após o mero
decurso do prazo de 180 dias, sob pena de violação ao princípio da continuidade da empresa. Argumentou que o
cumprimento de sentença deverá permanecer suspenso até a conclusão final da recuperação judicial.
Decisão do STJ: Agiu corretamente o juiz da 6ª Vara Cível? SIM. O STJ possui precedentes nos quais já
admitiu que os processos permaneçam suspensos mesmo depois do decurso do prazo de 180 dias previsto no art. 6º,
§ 4º LFRJ. Todavia, não se pode admitir prorrogação genérica e indiscriminada do prazo de suspensão do art. 6º, §
4º para todo e qualquer processo relacionado à empresa recuperanda, sendo sempre necessário analisar as
circunstâncias do caso concreto. No caso concreto, além de se ter esgotado o prazo de 180 dias, percebe-se que o
próprio processo de recuperação judicial já havia se encerrado (ainda que pendente recurso). Logo, não havia
qualquer motivo para se manter suspenso o cumprimento de sentença. Não seria razoável que João tivesse que
continuar com sua execução suspensa, especialmente porque: • seu crédito é muito pequeno se comparada ao porte
econômico da empresa; e • passou-se um grande tempo desde o ajuizamento da ação, o que afronta o princípio da
efetividade da jurisdição.
7. DIREITO ECONÔMICO
A retenção de mercadoria importada até o pagamento dos direitos antidumping não viola o enunciado da
Súmula 323 do STF (Magistratura Federal)
Dumping
Direitos antidumping: No Brasil, foi editada a Lei nº 9.019/95, que dispõe sobre a aplicação em nosso país dos
direitos previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios. Esta Lei prevê que
o Governo brasileiro, ao perceber que determinada mercadoria está entrando em nosso país com o objetivo de fazer
dumping, deverá exigir, para que haja o desembaraço aduaneiro, o pagamento de um valor que corresponda ao
percentual da margem de dumping que está sendo praticado ou dos incentivos que o Governo estrangeiro está
dando para aquele exportador. Assim, a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) investiga possíveis dumpings e,
se constatar que está ocorrendo, instaura um processo administrativo e calcula o quanto de “desconto” artificial a
empresa estrangeira está fornecendo. Depois disso, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) se reúne e pode
decidir que o Brasil irá cobrar essa diferença para que a mercadoria entre em nosso país. Com isso, a CAMEX
garante que o preço praticado seja justo, evitando que a indústria nacional quebre e que, em médio ou longo prazo,
o próprio consumidor brasileiro seja prejudicado. Assim, o importador pagará o imposto de importação, o imposto
sobre produtos industrializados (se for o caso) e mais os direitos antidumping. Em outras palavras, os direitos
antidumping consistem em um valor a mais (fora os tributos) que terá que ser pago pelo importador em virtude de
estar trazendo para o país uma mercadoria que está sendo vendida pela empresa no exterior abaixo do preço de
custo.
108
Se os direitos antidumping não forem pagos, o importador ficará impedido de realizar o desembaraço aduaneiro
e retirar as mercadorias? SIM. É o que preconiza o art. 7º da Lei nº 9.019/95.
Fatos: A empresa “XXX” importou produtos químicos da China. Ocorre que o Governo brasileiro aplicou
direito antidumping para esses produtos importados da China. Isso significa que a empresa, além dos tributos
decorrentes da importação, terá que pagar os direitos antidumping. Como as mercadorias já estavam no Brasil, elas
ficaram retidas pela RF, que não concluiu o desembaraço aduaneiro. Assim, a empresa impetrou mandado de
segurança pedindo a liberação das mercadorias sob o argumento de que esta retenção representaria “sanção
política”, o que é vedado pela S. 323/STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para
pagamento de tributos.
Decisão: não houve violação à Súmula 323/STF. O pagamento dos direitos antidumping representa condição p/
a importação dos produtos. Logo, a não liberação da mercadoria em caso de não pagamento dos direitos de
antidumping não representa sanção política e não viola a súmula 323 do STF. Isso porque, neste caso, não há
apreensão das mercadorias, mas tão somente a sua retenção enquanto se aguarda o desembaraço aduaneiro. A
retenção das mercadorias trazidas para o Brasil e a exigência de recolhimento dos tributos e multa é um
procedimento que integra a operação de importação. Assim, a quitação dos direitos antidumping é requisito para a
perfectibilização do processo de importação, sem o qual não pode ser autorizado o despacho aduaneiro. Não houve,
portanto, no presente caso, apreensão de mercadorias por parte da autoridade alfandegária. O que ocorreu foi a
recusa de se fazer o desembaraço aduaneiro dos produtos advindos da República Popular da China pela falta de
pagamento dos direitos antidumping. Não há como liberar pura e simplesmente as mercadorias sem qualquer
garantia.
DIREITO AMBIENTAL
2. CÓDIGO FLORESTAL
2.1. Análise da constitucionalidade do NCF: foram ajuizadas 5 ações discutindo a constitucionalidade desta lei:
uma ADC e 4 ADIs. O STF realizou o julgamento conjunto dessas ações.
Inconstitucionalidade das expressões “gestão de resíduos” e “instalações necessárias à realização de
competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais”, contidas no art. 3º, VIII, b. O conceito de “utilidade
público” é utilizado em diversas partes do NCF com a finalidade de excetuar a proteção às APPs e áreas de uso
restrito, isto é, em casos de utilidade pública seria possível a “mitigação” da proteção ambiental. Porém, o STF
entendeu que não se pode aceitar que um Estado, “ao qual é imposta constitucionalmente a defesa e preservação do
MA, conceba a gestão de resíduos (construção de aterros sanitários) e o lazer como hipóteses de intervenção e
supressão de vegetação em áreas de preservação permanente e em áreas de uso restrito”.
Deve-se dar interpretação conforme a CF ao art. 3º, VIII e IX, de modo a se condicionar a intervenção
excepcional em APP, por interesse social ou utilidade pública, à inexistência de alternativa técnica e/ou locacional
à atividade proposta. Como já dito, em casos de utilidade pública ou interesse social, seria possível a “mitigação”
da proteção ambiental. A intervenção em APPs deve ser excepcional, a fim de evitar o comprometimento das
funções ecológicas de tais áreas. Diante disso, o STF afirmou que essa previsão do art. 3º, VIII e IX, é
constitucional, mas que a interpretação a ser dada é a de que somente pode haver intervenção em APP em casos
excepcionais e desde que comprovada a inexistência de alternativa técnica e/ou locacional à atividade proposta.
Deve-se dar interpretação conforme a CF ao art. 3º, XVII e ao art. 4º, IV, para fixar a interpretação de que os
entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram APP. A definição de nascente envolve
perenidade (característica do que é perene = duradouro). Ocorre que o STF afirmou que não se pode negar proteção
também aos entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes. Assim, a interpretação deve ser a de que os
entornos das nascentes e dos olhos d´água, mesmo que intermitentes, também configuram APP.
São inconstitucionais as expressões “demarcadas” e “tituladas”, contidas no art. 3º, p. u . O NCF, em diversos
dispositivos, estabelece um tratamento diferenciado para a “pequena propriedade ou posse rural familiar”. Esse art.
3º, p. u., confere o mesmo tratamento diferenciado às terras indígenas demarcadas e demais áreas tituladas de
povos e comunidades tradicionais. O STF declarou a inconstitucionalidade das expressões “demarcadas” e
“tituladas”, de forma que tais terras e áreas poderão receber o tratamento diferenciado mesmo sem demarcação e
titulação. Isso porque a titulação do território das comunidades tradicionais e dos povos indígenas representa uma
mera “formalidade”, de caráter declaratório (e não constitutivo). Em outras palavras, mesmo sem demarcação ou
titulação, tais territórios já existem e devem receber tratamento diferenciado independentemente dessas
formalidades. A exclusão dessas palavras foi, portanto, para beneficiar os povos indígenas e as comunidades
tradicionais.
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Deve-se dar interpretação conforme a CF ao art. 48, § 2º, para permitir compensação apenas entre áreas com
identidade ecológica. CRA é a sigla para Cota de Reserva Ambiental. A compensação da Reserva Legal é um
mecanismo previsto no Código Florestal segundo o qual o proprietário ou possuidor que não estiver cumprindo os
percentuais de Reserva Legal em sua propriedade poderá regularizar a situação adquirindo (comprando) CRAs.
Quem tem uma propriedade que cumpre os percentuais de Reserva Legal e possui vegetação excedente (“a mais”
do que exige a lei) pode emitir CRA e quem tem déficit de Reserva Legal pode compensá-lo comprando CRA. O
NCF adotou o critério do bioma para fins de compensação da Reserva Legal. Assim, o § 2º do art. 48 previu que a
CRA pode ser utilizada para compensar Reserva Legal de imóvel situado no mesmo bioma da área à qual o título
está vinculado. Em outras palavras, o proprietário que quiser adquirir CRA deverá comprar de imóveis rurais
situados no “mesmo bioma”. O STF entendeu que a aquisição de uma área no mesmo bioma é insuficiente como
mecanismo de compensação. Isso porque pode acontecer de, dentro de um mesmo bioma, existir uma alta
heterogeneidade de formações vegetais. Assim, pela redação legal, o proprietário poderia, dentro de um mesmo
bioma, “compensar” áreas com formações vegetais completamente diferentes, já que, como dito, existe essa grande
heterogeneidade. Assim, o STF acolheu os argumentos técnicos no sentido de que as compensações devem ser
realizadas somente em áreas ecologicamente equivalentes, considerando-se não apenas o mesmo bioma, mas
também as diferenças de composição de espécies e estrutura dos ecossistemas que ocorrem dentro de cada bioma.
Em outras palavras, não basta que a área seja do mesmo bioma, é necessário também que haja identidade ecológica
entre elas.
Deve-se dar interpretação conforme a CF ao art. 59, §§ 4º e 5º, de modo a afastar, no decurso da execução dos
termos de compromissos subscritos nos programas de regularização ambiental, o risco de decadência ou prescrição,
seja dos ilícitos ambientais praticados antes de 22.7.2008, seja das sanções deles decorrentes, aplicando-se
extensivamente o disposto no § 1º do art. 60 da Lei 12.651/12, segundo o qual “a prescrição ficará interrompida
durante o período de suspensão da pretensão punitiva”. O art. 59, §4º e 5º conferiu uma espécie de anistia aos
proprietários que cometeram ilícitos ambientais relacionados com a supressão irregular de vegetação em APPs, de
Reserva Legal e de uso restrito, desde que cumpridos alguns requisitos. O STF afirmou que esses dispositivos são
válidos, mas que se deve evitar a prescrição e a decadência. Assim, deve-se dar interpretação conforme a CF ao art.
59, §§ 4º e 5º, de modo que, durante a execução dos termos de compromissos subscritos nos programas de
regularização ambiental, não corra o prazo de decadência ou prescrição. Aplica-se aqui a mesma solução prevista
no § 1º do art. 60 do NCF.
Argumentos invocados pelo STF para a declaração de constitucionalidade dos demais dispositivos : (i) Meio
ambiente como direito e dever; (ii) Homem é parte indissociável do meio ambiente; (iii) Homem é produto (e não
proprietário) do meio ambiente; (iv) Políticas ambientais devem estar em harmonia com o mercado de trabalho e
com o desenvolvimento social; (v) A proteção ambiental deve conviver com a tutela do desenvolvimento; (vi)
Proteção ambiental não significa ausência completa de impacto do homem na natureza; (vii) Princípio da vedação
ao retrocesso não está acima do princípio democrático.
2.2. APPs: É inconstitucional lei estadual prevendo que é possível a supressão de vegetal em APP para a realização de
“pequenas construções com área máxima de 190 m², utilizadas exclusivamente para lazer”. Essa lei possui vícios de
inconstitucionalidade formal e material. Há inconstitucionalidade formal porque o NCF (lei federal que prevê as
normas gerais sobre o tema, nos termos do art. 24, § 1º, da CF) não permite a instalação em APP de qualquer tipo de
edificação com finalidade meramente recreativa. Assim, o legislador estadual previu uma regra que vai de encontro à
proteção fixada pelo legislador federal. Existe também inconstitucionalidade material porque houve um excesso e
abuso da lei estadual ao relativizar a proteção constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cujo
titular é a coletividade, em face do direito de lazer individual. O lazer estimulado pelo dispositivo privilegia um
restrito grupo de beneficiários - os proprietários de imóveis localizados às margens de cursos d’água - e, por outro
lado, prejudica a coletividade, que arcará com as consequências negativas provenientes da intervenção humana no
meio ambiente. Vale ressaltar que os proprietários dispõem de todo o restante do imóvel para promover atividades
relacionadas ao bem-estar, fazendo-se dispensável, portanto, que as construções sejam erigidas nas APPs. Nada
impede, p. ex., que essas casas sejam construídas fora das áreas especialmente protegidas, que constituem tão somente
uma fração da propriedade.
4. COMPETÊNCIA
4.1. Viola a CF/88 lei municipal que proíbe o transporte de animais vivos no Município: Viola a CF lei municipal
que proíbe o trânsito de veículos, sejam eles motorizados ou não, transportando cargas vivas nas áreas urbanas e de
expansão urbana do Município. Essa lei municipal invade a competência da União. O Município, ao inviabilizar o
transporte de gado vivo na área urbana e de expansão urbana de seu território, transgrediu a competência da União,
que já estabeleceu, à exaustão, diretrizes para a política agropecuária, o que inclui o transporte de animais vivos e sua
fiscalização. Ademais, sob a justificativa de criar mecanismo legislativo de proteção aos animais, o legislador
municipal impôs restrição desproporcional. Esta desproporcionalidade fica evidente quando se verifica que a
legislação federal já prevê uma série de instrumentos para garantir, de um lado, a qualidade dos produtos destinados
ao consumo pela população e, de outro, a existência digna e a ausência de sofrimento dos animais, tanto no transporte
quanto no seu abate. Obs.: tratou-se de ADPF por ser norma municipal. Obs. 2: no julgado, a Min. Rosa Weber
afirmou que poderiam ser considerados preceitos fundamentais: •a separação e independência entre os Poderes; •o
princípio da igualdade; •o princípio federativo; •a garantia de continuidade dos serviços públicos; •os princípios e
regras do sistema orçamentário (art. 167, VI e X, da CF) •o regime de repartição de receitas tributárias (arts. 34, V e
158, III e IV; 159, §§ 3º e 4º; e 160 da CF; •a garantia de pagamentos devidos pela Fazenda Pública em ordem
cronológica de apresentação de precatórios (art. 100 da CF).
4.2. É inconstitucional lei estadual que exige prévia autorização da ALE para que os órgãos do SISNAMA
possam celebrar instrumentos de cooperação no Estado: É inconstitucional, por violar o princípio da separação
dos poderes, lei estadual que exige autorização prévia do Poder Legislativo estadual (Assembleia Legislativa) para
que sejam firmados instrumentos de cooperação pelos órgãos componentes do SISNAMA. Também é
inconstitucional lei estadual que afirme que Fundação estadual de proteção do meio ambiente só poderá transferir
responsabilidades ou atribuições para outros órgãos componentes do SISNAMA se houver aprovação prévia da
Assembleia Legislativa.
5. SANÇÕES
Apreensão de veículo utilizado no carregamento de madeira sem autorização: O art. 2º, § 6º, inc. VIII, do Decreto
3.179/99 (redação original), quando permite a liberação de veículos e embarcações mediante pagamento de multa, não
é compatível com o que dispõe o art. 25, § 4º, da Lei 9.605/98; entretanto, não há ilegalidade quando o referido
dispositivo regulamentar admite a instituição do depositário fiel na figura do proprietário do bem apreendido por
ocasião de infração nos casos em que é apresentada defesa administrativa - anote-se que não se está defendendo a
simplória liberação do veículo, mas a devolução com a instituição de depósito (e os consectários legais que daí
advêm), observado, entretanto, que a liberação só poderá ocorrer caso o veículo ou a embarcação estejam regulares na
forma das legislações de regência (CTB, p. ex.).
1. COMPETÊNCIA
1.1. Competência para a ação proposta por ex-empregado para continuar no plano de saúde de autogestão
que era oferecido pela empresa
Plano de saúde de autogestão: v. consumidor.
Competência: Compete à Justiça Comum Estadual o julgamento de demanda com natureza predominantemente
civil entre ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa e operadoras de plano de saúde na modalidade
autogestão vinculadas ao empregador.
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- A relação jurídica mantida entre o usuário do plano de saúde e a entidade de autogestão empresarial não é apenas
uma derivação da relação de emprego.
- Em virtude da autonomia jurídica, as ações originadas de controvérsias entre usuário de plano de saúde coletivo e
entidade de autogestão (empresarial, instituída ou associativa) não se adequam ao ramo do Direito do Trabalho,
tampouco podem ser inseridas em “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” (art. 114, IX, da CF),
sendo, pois, predominante o caráter civil da relação entre os litigantes, mesmo porque, como visto, a assistência
médica não integra o contrato de trabalho.
1.2. Complementação de pensão proposta por pensionista das antigas ferrovias do Estado de São Paulo:
Compete à Justiça Comum (e não à Justiça do Trabalho) julgar as ações propostas por ferroviários pensionistas e
aposentados das antigas ferrovias do Estado de São Paulo, que foram absorvidas pela Ferrovia Paulista S/A,
sucedida pela extinta Rede Ferroviária Federal, com vistas à complementação de suas pensões e aposentadorias em
face da União. O STF entendeu que esta é uma causa oriunda de uma relação estatutária. Assim, não há relação de
trabalho que justifique a competência da Justiça laboral.
1.3. Competência da Justiça comum para julgar incidência de contribuição previdenciária relacionada com
complementação de proventos
“Complementação de proventos”/“complementação de aposentadoria” : é a quantia paga pela entidade de
previdência privada como aposentadoria à pessoa que participa da previdência complementar.
Fatos: João foi admitido como empregado da Fepasa, uma antiga SEM integrante do Governo de SP. Por força
do contrato de trabalho, os empregados dessa empresa estatal tinham direito à aposentadoria suplementar ao valor
pago pelo INSS no momento em que o trabalhador viesse a se aposentar. Segundo o contrato, esta complementação
seria feita por meio de plano de previdência privada fechado, administrado por uma Fundação (entidade de
previdência privada) ligada à empresa. João se aposentou e estava recebendo normalmente a sua aposentadoria
complementar. Porém, em 2003, SP editou uma LC instituindo a contribuição para o custeio do regime
previdenciário local, com base na alteração trazida na CF pela EC 41/03. Com isso, a AP paulista passou a
descontar 11% do valor da complementação da aposentadoria dos ex-empregados da Fepasa, os quais, por sua vez,
questionaram a cobrança na Justiça do Trabalho, pedindo a não incidência da contribuição social.
Decisão: Compete à justiça comum (e não à Justiça do Trabalho) o julgamento de conflito de interesses a
envolver a incidência de contribuição previdenciária, considerada a complementação de proventos. A discussão em
tela tem natureza tributária, o que atrai a competência da Justiça comum, uma vez que no caso não se discutem
verbas de natureza trabalhista, mas a incidência de contribuição social. Assim, tais ações discutem se é válido ou
não o poder do Estado de tributar a complementação de aposentadoria. João e os demais antigos empregados da
sociedade de economia mista passaram a receber menos proventos, no entanto, isso não foi por conta do contrato
de trabalho, mas sim pela incidência do tributo, cabendo, portanto, à justiça comum estadual a solução do conflito.
2.1. Os honorários advocatícios contratuais não se incluem nas despesas processuais do art. 82, § 2º, do CPC:
O § 2º do art. 82 do CPC/2015 prevê que: “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que
antecipou”. O sucumbente deve arcar também com os honorários contratuais que foram pagos pela parte
vencedora? Não. O vencido deverá pagar apenas os honorários sucumbenciais. Os honorários advocatícios
contratuais não se incluem nas despesas processuais do art. 82, § 2º
Despesas processuais: trata-se de expressão genérica, que abrange três espécies:
a) custas: taxa paga como forma de contraprestação pelo serviço jurisdicional que é prestado pelo Estado-juiz;
b) emolumentos: taxa paga pelo usuário do serviço como contraprestação pelos atos praticados pela serventia
(“cartório”) não estatizada (as serventias não estatizadas não são remuneradas pelos cofres públicos, mas pelas
partes);
c) despesas em sentido estrito: valor pago para remunerar profissionais que são convocados pela Justiça para
auxiliar nas atividades inerentes à prestação jurisdicional. Exs: honorários do perito, despesas com o transporte do
Oficial de justiça prestado por terceiros (ex: empresa de ônibus, táxi etc.).
Fundamento: O fundamento para a condenação do vencido ao pagamento dessas despesas está em evitar que o
vencedor seja compelido a arcar com os gastos de um processo para cuja formação não deu causa. Em poucas
palavras: aquele que vence não deve sofrer prejuízo por causa do processo. Tal fundamento está umbilicalmente
ligado ao princípio da sucumbência.
Gastos endoprocessuais: a jurisprudência interpreta que tais despesas se limitam aos gastos endoprocessuais, ou
seja, aqueles necessários à formação, desenvolvimento e extinção do processo. Os gastos extraprocessuais –
aqueles realizados fora do processo –, ainda que assumidos em razão dele, não se incluem dentre aquelas despesas
às quais faz alusão o art. 82, § 2º do CPC, motivo pelo qual nelas não estão contidos os honorários contratuais,
convencionados entre o advogado e o seu cliente, mesmo quando este vence a demanda.
112
2.2. Configura supressão de instância o STJ fixar diretamente os honorários advocatícios que haviam sido
estipulados erroneamente com base no CPC/73:
- Configura supressão de grau de jurisdição o arbitramento no STJ de honorários de sucumbência com base no
CPC/15, na hipótese em que as instâncias ordinárias utilizaram equivocadamente o CPC/73 para a sua fixação. Ex.:
TJ fixou honorários advocatícios com base no CPC/73, mesmo tendo o acórdão sido prolatado após o CPC/15; no
Resp, o STJ deverá reformar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao TJ para que esta Corte faça
um novo julgamento da apelação e analise os honorários advocatícios de sucumbência com base no CPC/15.
- Se a sentença foi prolatada a partir do dia 18/03/2016, deverão ser aplicadas as regras do CPC/2015 a respeito dos
honorários advocatícios ainda que a ação tenha sido ajuizada antes do NCPC. Isso porque os honorários
advocatícios nascem contemporaneamente à sentença e não preexistem à propositura da demanda. A sentença é o
marco para delimitação do regime jurídico aplicável à fixação de honorários advocatícios, revelando-se incorreto
seu arbitramento, com fundamento no CPC/73, posteriormente à 18/03/16 (data da entrada em vigor da novel
legislação).
2.4. Mesmo que o dispositivo da sentença mencione apenas a condenação em custas processuais, é possível
incluir a cobrança dos honorários periciais: A sentença transitou em julgado condenando a parte a pagar "custas
processuais", sem falar sobre os honorários periciais. É possível que esses honorários periciais sejam cobrados da
parte sucumbente mesmo não tendo sido expressamente mencionados na sentença? SIM. É adequada a inclusão dos
honorários periciais em conta de liquidação mesmo quando o dispositivo de sentença com trânsito em julgado
condena o vencido, genericamente, ao pagamento de custas processuais.
- Realmente, custas e despesas processuais não são expressões sinônimas. Existe diferença entre elas. Despesas
processuais são todos os gastos necessários que têm que ser realizados pelos participantes no processo para que este
se instaure, desenvolva e chegue ao final. Assim, a expressão “despesas processuais” é gênero, abrangendo 3
espécies (v. acima). Contudo, o STJ afirma que a interpretação a ser dada tem que superar o apego ao formalismo.
O processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito. Se a parte ganhou a
causa, ou seja, teve seu pedido julgado procedente, ela não pode ser obrigada a arcar com as custas ou despesas de
um processo para cuja formação não deu causa. Aquele que vence não deve sofrer prejuízo por causa do processo.
Assim, surpreender o vencedor da demanda com a obrigação de arcar com os honorários periciais apenas e tão
somente porque a sentença condenava o vencido ao pagamento de “custas”, e não “despesas”, representa medida
contrária ao princípio da sucumbência e até mesmo à própria noção da máxima eficiência da tutela jurisdicional
justa.
3. OUTROS TEMAS
3.1. Gratuidade da justiça: o estrangeiro residente no Brasil sempre teve direito à gratuidade da justiça (desde a L.
1.060/50). Porém, não o tinha o estrangeiro não residente no Brasil. Ocorre que, com o NCPC (art. 98), a
gratuidade da justiça passou a poder ser concedida a estrangeiro não residente no Brasil.
3.2. Não há motivo p/ ser citada a sociedade empresária se todos os sócios fazem parte do processo como
parte
Fatos: João, Pedro e Tiago eram sócios em uma sociedade empresária chamada JPT Ltda. João ajuizou ação de
cobrança contra os sócios Pedro e Tiago pedindo o pagamento de valores auferidos pela sociedade e que não teriam
sido repassados a ele. O juiz julgou o pedido procedente e condenou os réus a pagarem R$ 500k em favor do autor.
Os réus recorreram alegando a ilegitimidade passiva. Afirmaram que somente a sociedade empresária é responsável
e devedora primitiva da obrigação de distribuir lucros e dividendos auferidos. Pediu, portanto, a nulidade do
processo.
Decisão: o STJ não concordou com a tese dos réus. Embora o autor não tenha requerido a dissolução parcial da
sociedade, é certo que ao formular pedido de cobrança de distribuição de lucros e dividendos, ele pretende
promover a dissolução da sociedade e a apuração de haveres. Apuração de haveres é o procedimento por meio do
qual se calcula o valor devido ao sócio que deixa a sociedade (art. 1.031 do CC e art. 599, III, do CPC/15).
Se todos os sócios já integram a lide, os interesses da sociedade empresária estão representados : cf. a sistemática
prevista pelo CPC/15, na hipótese de dissolução parcial da com apuração de haveres a sociedade não precisa ser
citada se todos os seus sócios o forem. Ora, se não é necessária a citação da sociedade para dissolução parcial com
apuração de haveres, não haveria motivo para reconhecer o litisconsórcio passivo na hipótese de simples cobrança
de valores quando todos os sócios foram citados, como no caso. Como a sociedade fica sujeita aos efeitos da
decisão que tem apenas as partes como sócios, não haveria razão para anular o feito, sem qualquer prejuízo à
sociedade.
113
Princípio da instrumentalidade das formas e pas de nullité sans grief
3.4. É admissível a emenda à inicial para a substituição de executado pelo seu espólio, em execução ajuizada
em face de devedor falecido antes do ajuizamento da ação: Se a ação é proposta contra indivíduo que já estava
morto, o juiz não deverá determinar a habilitação, a sucessão ou a substituição processual. De igual modo, o
processo não deve ser suspenso para habilitação de sucessores. Isso porque tais institutos são aplicáveis apenas para
as hipóteses em que há o falecimento da parte no curso do processo judicial. O correto enquadramento jurídico
desta situação é de ilegitimidade passiva, devendo ser facultado ao autor, diante da ausência de ato citatório válido,
emendar a petição inicial para regularizar o polo passivo, dirigindo a sua pretensão ao espólio. Ex: em 04/04/2018,
o Banco ajuizou execução de título extrajudicial contra João. A tentativa de citação, todavia, foi infrutífera, tendo
em vista que João havia falecido em 04/03/2018, ou seja, um mês antes. Diante disso, o juiz deverá permitir que o
exequente faça a emenda da petição inicial para a substituição do executado falecido pelo seu espólio.
- Importante recordar que o espólio responde pelas dívidas do falecido, nos termos do art. 796 do CPC/15.
- A quem caberá a representação judicial do espólio? Depende:
• se já houver sido ajuizada a ação de inventário e já houver inventariante compromissado: a representação judicial
do espólio será de responsabilidade do inventariante;
• por outro lado, caso ainda não tenha sido ajuizada a ação de inventário ou, mesmo que proposta, ainda não haja
inventariante devidamente compromissado: a representação judicial do espólio será de responsabilidade do
administrador provisório.
3.5. Índice de juros e correção monetária aplicados para condenações contra a FP: v. livro (muito importante).
3.6. Necessidade de esgotamento das instâncias para alegar violação à decisão do STF que decidiu pela
constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93
ADC 16: a inadimplência do contratado com relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere
para a AP a responsabilidade por seu pagamento. Essa é a regra expressa no art. 71, § 1º, da L. 8.666. Esse
dispositivo foi declarado constitucional pelo STF no julgamento da ADC 16.
RE 76093: Como o STF declarou que o art. 71, § 1º da Lei nº 8.666/93 é constitucional, a Justiça do Trabalho
não poderia deixar de aplicar esse dispositivo. Porém, a intenção era continuar condenando o Poder Público. Diante
disso, o TST criou a seguinte interpretação do art. 71, § 1º: • Em regra, a inadimplência do contratado, com
referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à AP a responsabilidade por seu pagamento
(art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93). • Exceção: a AP terá responsabilidade subsidiária se ficar demonstrada a sua culpa
114
"in vigilando", ou seja, somente será responsabilidade se ficar comprovado que o Poder Público deixou de
fiscalizar se a empresa estava cumprindo pontualmente suas obrigações trabalhistas, fiscais e comerciais. O STF
não concordou com o posicionamento do TST e editou a seguinte tese em repercussão geral, reafirmando que
deveria ser aplicado o art. 71, § 1º da Lei nº 8.666/93.
Imagine que o STF decide no julgamento de uma ADI que determinada lei é constitucional ou inconstitucional.
Caso outro órgão jurisdicional decida de forma diferente, é possível que o interessado proponha reclamação no STF
contra essa decisão? SIM. Isso porque as decisões do STF proferidas em controle abstrato de constitucionalidade
(ADI, ADC, ADPF) produzem eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante. Além disso, há previsão
expressa no CPC (art. 988, III).
Suponha agora que o STF decide no julgamento de um RE envolvendo "A" e "B" que determinada lei é
constitucional ou inconstitucional. Caso outro órgão jurisdicional, em um processo relativo a "C" e "D", decida de
forma diferente, é possível que o interessado proponha reclamação no STF contra essa decisão? NÃO. Isso porque
as decisões do STF proferidas em controle difuso de constitucionalidade, como no caso do recurso extraordinário,
produzem efeitos apenas para as partes envolvidas no processo (eficácia inter partes).
E se a decisão do STF que julgou constitucional a lei tiver sido proferida em recurso extraordinário submetido à
sistemática da repercussão geral, neste caso ela terá eficácia vinculante? É cabível reclamação caso uma decisão de
outro órgão jurisdicional tenha descumprido decisão proferida pelo STF em repercussão geral? Com o novo CPC
existe previsão expressa de reclamação, exigindo, no entanto, que, antes, a parte esgote as instâncias ordinárias.
Veja, portanto, que no caso de repercussão geral tem uma diferença: é necessário que, antes da reclamação, a parte
interessada esgote todos os recursos previstos nas instâncias ordinárias. Em suma:
• Descumpriu decisão do STF proferida em ADI, ADC, ADPF: cabe reclamação mesmo que a decisão “rebelde”
seja de 1ª instância. Não se exige o esgotamento de instâncias.
• Descumpriu decisão do STF proferida em recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral: cabe
reclamação, mas exige-se o esgotamento das instâncias ordinárias (art. 988, § 5º, II, do CPC/2015).
Fatos: O Juiz do Trabalho profere sentença condenando o Estado-membro a pagar encargos trabalhistas de um
empregado terceirizado que prestava serviços ao PP. Em outras palavras, o magistrado transferiu ao PP contratante
a responsabilidade pelos encargos trabalhistas dos empregados da empresa contratada pelo Estado. A FP propôs
reclamação ao STF contra esta sentença alegando que ela violou a decisão da Corte na ADC 16.
Decisão: O STF não conheceu da reclamação. A decisão do STF no RE 760931 substituiu a eficácia vinculante
da tese firmada na ADC 16. Isso significa dizer que a partir de 02/05/2017 (data da publicação da ata do
julgamento do RE 760931) é inviável propor reclamação com fundamento em afronta ao julgado da ADC 16. Em
outras palavras, depois do RE 760931, o Poder Público não pode mais ajuizar reclamação alegando violação à
ADC 16.
O que isso significa, na prática? Agora, a FP terá que esgotar as instâncias ordinárias para ajuizar reclamação .
Isso porque, como vimos, Rcl contra decisão em RE exige esgotamento das instâncias ordinárias, ao contrário de
reclamação contra decisão em ADC. Perceba, portanto, que para o STF foi um ótimo negócio ter “substituído” a
eficácia da decisão da ADC pela decisão no RE, considerando que o PP terá que interpor uma série de recursos
para poder ajuizar a reclamação, diminuindo o número de novos processos no STF.
3.7. A decisão judicial homologatória de acordo entre as partes é impugnável por meio de ação anulatória: A
decisão judicial homologatória de acordo entre as partes é impugnável por meio de ação anulatória (art. 966, § 4º,
do CPC/2015; art. 486 do CPC/1973). Não cabe ação rescisória neste caso. Se a parte propôs ação rescisória, não é
possível que o Tribunal receba esta demanda como ação anulatória aplicando o princípio da fungibilidade. Isso
porque só se aplica o princípio da fungibilidade para recursos (e ação anulatória e a ação rescisória não são
recursos) – as únicas exceções são os interditos possessórios.
Obs.: O CPC/15 pôs fim de vez a essa dúvida. Isso porque o NCPC não trouxe uma hipótese de rescisória
semelhante à que havia no art. 485, VIII, do CPC/73 (“houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou
transação, em que se baseou a sentença”). Em outras palavras, não existe, no NCPC, um dispositivo parecido com o
art. 485, VIII, do CPC/73. Logo, na égide do CPC/15, não há mais qualquer discussão: a decisão judicial que
homologar acordo entre as partes, sem qualquer dúvida, somente pode ser impugnada mediante ação anulatória.
4.1. Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido
Se os advogados dos litisconsortes forem diferentes, mas pertencerem ao mesmo escritório de advocacia, ainda
assim eles terão direito ao prazo em dobro? NÃO.
Persiste o prazo em dobro mesmo na hipótese de os litisconsortes serem marido e mulher? SIM, considerando
que a Lei não faz qualquer ressalva quanto a isso, exigindo apenas que tenham diferentes procuradores.
Esse prazo em dobro vale apenas na 1ª instância? NÃO. O benefício abrange também as instâncias recursais.
Imagine que são dois réus em litisconsórcio (João e Pedro), representados por advogados diferentes, de
escritórios distintos. Ocorre que apenas um deles (João) apresentou defesa, sendo Pedro revel. João continuará
tendo prazo em dobro para as demais manifestações nos autos? NÃO. Cessa a contagem do prazo em dobro se,
havendo apenas 2 réus, é oferecida defesa por apenas um deles (art. 229, § 1º do CPC 2015).
O benefício do prazo em dobro para os litisconsortes vale para processos eletrônicos? NÃO.
Fatos: oão ajuizou ação contra Pedro e Tiago. Vale ressaltar que Pedro e Tiago possuíam advogados distintos,
de escritórios de advocacia diferentes. Importante também esclarecer que os autos eram físicos (processo físico).
Durante a tramitação, o juiz reconheceu que Pedro e Tiago tinham prazo em dobro, nos termos do art. 229 do
CPC/15. Na sentença, o juiz julgou o pedido procedente quanto a Pedro, condenando-o a pagar determinada
quantia ao autor. Por outro lado, o magistrado julgado a demanda improcedente quanto a Tiago. Desse modo, dos
dois litisconsortes passivos, apenas um foi sucumbente. Tiago, obviamente, ficou satisfeito e não recorreu. Pedro
interpôs apelação. Ocorre que o advogado de Pedro já estava acostumado a ter prazo em dobro e, por isso,
imaginou que o prazo da apelação seria também em dobro (ou seja, 30 dias). Por isso, o recurso foi interposto no
20º dia do prazo.
Decisão: a apelação não será conhecida. É inaplicável a contagem do prazo recursal em dobro quando apenas
um dos litisconsortes com procuradores distintos sucumbe. Nesse sentido existe, inclusive, uma súmula do STF,
cujo entendimento continua válido com o CPC/15: Súmula 641-STF: Não se conta em dobro o prazo para recorrer,
quando só um dos litisconsortes haja sucumbido
O AI não pode ser utilizado como meio de impugnação de toda e qualquer decisão interlocutória proferida no
processo de execução
Fatos: No curso do processo de execução movido por João contra a União, o juiz federal proferiu decisão na
qual determinou o envio dos autos ao contador judicial para elaboração de cálculos. Nesta decisão, o magistrado
determinou que o contador utilizasse os índices de juros e correção monetária previstos no “Manual de Cálculos da
Justiça Federal” para fins de atualização do valor devido. A União entende que os índices estabelecidos no Manual
de Cálculos lhe são desfavoráveis e, por isso, interpôs agravo de instrumento contra a decisão. A recorrente
fundamentou o cabimento do AI no p. u. do art. 1.015 do CPC.
Direito: não cabe o AI neste caso. Para otimizar o CPC, o p. u. do art. 1.015 deve ser interpretado
restritivamente. Assim, não se deve admitir o agravo de instrumento como meio de impugnação de toda e qualquer
decisão interlocutória proferida no processo de execução. Se isso for admitido irá prejudicar a celeridade que se
espera do trâmite processual. Se a cada decisão proferida pelo juiz na execução for possível um AI para o Tribunal,
haverá uma drástica diminuição na efetividade do processo. Segundo entendeu o Min. Herman Benjamin, não há
motivo para se admitir o agravo de instrumento contra esta decisão considerando que, como consignado na
Exposição de Motivos do CPC, “todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na Apelação”.
Assim sendo, para o Ministro, o novo diploma processual postergou o momento de sua impugnação.
O RE pressupõe a existência de causa, decidida em única ou última instância por órgão do Poder Judiciário, no
exercício de função jurisdicional: Não cabe RE contra decisão do TST que julga PAD instaurado contra
magistrado trabalhista. Compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as “causas” decididas em única ou
última instância (art. 102, III, da CF). O vocábulo “causa” referido no art. 102, III da CF só abrange processos
judiciais, razão pela qual é incabível a interposição de recursos extraordinários contra acórdãos proferidos pelos
Tribunais em processos administrativos, inclusive aqueles de natureza disciplinar instaurados contra magistrados.
4.4. Necessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão proferida pelo Tribunal de
origem que inadmite o REsp: A decisão de inadmissibilidade do recurso especial não é formada por capítulos
autônomos, mas por um único dispositivo, o que exige sua impugnação total. Em outros termos, o agravante deve
atacar, de forma específica, TODOS os fundamentos da decisão que, na origem, inadmitiu o REsp.
Obs.: Cuidado com a parte final do art. 1.042 do CPC/15: o art. 1.042 do CPC/15 veda o cabimento do agravo
contra decisão do Tribunal a quo que inadmitir o REsp, com base na aplicação do entendimento consagrado no
julgamento de recurso repetitivo. Neste caso, será cabível apenas agravo interno para o Tribunal de origem, nos
termos do art. 1.030, § 2º, do CPC/15.
4.5. Multa do § 2º do art. 557 do CPC/73 (§ 4º do art. 1.021 do CPC/15) e Fazenda Pública:
O Relator negou seguimento ao AI e a União interpôs um agravo interno manifestamente infundado (“abusivo”)
contra a decisão que negou seguimento ao AI. Se o órgão colegiado do Tribunal considerar que o agravo interno
(antigamente chamado de “agravo regimental”) interposto é manifestamente inadmissível ou infundado, ele
aplicará ao recorrente duas sanções: (i) condenará o agravante a pagar ao agravado uma MULTA; (ii) condicionará
o DEPÓSITO do valor da multa em juízo para que futuros recursos sejam recebidos. Qual é o valor dessa multa?
• CPC/1973: entre 1% e 10% do valor corrigido da causa;
• CPC/2015: entre 1% e 5% do valor atualizado da causa.
Para a aplicação da multa, exige-se que a decisão do Tribunal tenha sido unânime?
• CPC/1973: NÃO. Não era necessário.
• CPC/2015: SIM. A aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC exige votação unânime.
A MULTA prevista para o agravante que interpuser recurso manifestamente inadmissível ou improcedente
aplica-se também para a Fazenda Pública? A sanção explicada no item "8.1" acima aplica-se também ao Poder
Público? SIM. Tanto no CPC/73 como no CPC/15.
A legislação prevê uma 2ª punição, qual seja, exige o DEPÓSITO do valor da multa em juízo para que futuros
recursos sejam recebidos. Essa sanção explicada no item "8.2" acima aplica-se também para a Fazenda Pública?
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• CPC/73: SIM. O STF também decidiu assim: É requisito de admissibilidade para interposição de recurso
extraordinário o recolhimento de multa imposta ao recorrente no Tribunal “a quo”, com base no art. 557, § 2º, do
CPC/73, exigência que se impõe inclusive à Fazenda Pública.
• CPC/2015: NÃO. O § 5º do art. 1.021 do CPC/15 afirma expressamente que não se exige da Fazenda Pública o
depósito prévio do valor da multa, podendo este pagamento ser feito ao final
4.6. Embargos infringentes: eram cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada se
manifestava nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença. Isso
porque o voto proferido nos embargos de declaração passa a integrar o voto da decisão embargada.
Acórdão que, no julgamento de agravo de instrumento, por maioria de voto, reforma decisão interlocutória para
reconhecer que determinado bem é impenhorável: Nos processos ainda regidos pelo CPC/73, são cabíveis
embargos infringentes contra acórdão que, em julgamento de agravo de instrumento, por maioria de votos, reforma
decisão interlocutória para reconhecer a impenhorabilidade de bem, nos termos da Lei nº 8.009/90.
4.7. Sentença proferida com base no entendimento vigente do STF e que, após o trânsito em julgado, houve
mudança de posição. Cabe rescisória? Se a sentença foi proferida com base na jurisprudência do STF vigente à
época e, posteriormente, esse entendimento foi alterado, não se pode dizer que essa decisão impugnada tenha
violado literal disposição de lei para fins da ação rescisória prevista no art. 485, V, do CPC/73. Desse modo, não
cabe ação rescisória em face de acórdão que, à época de sua prolação, estava em conformidade com a
jurisprudência predominante do STF.
- Súmula 343-STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
- Obs.: o julgado envolvia um caso concreto ocorrido na vigência do CPC/1973. Não se sabe se o entendimento
seria o mesmo se o fato tivesse ocorrido na égide do CPC/2015. Isso por conta da nova previsão de ação rescisória
contida no § 15 do art. 525 do CPC/2015.
- Alteração posterior de jurisprudência pelo STF não legitima o pedido rescisório: Em consonância com o instituto
da prospective overruling, a mudança jurisprudencial deve ter eficácia ex nunc, porque, do contrário, surpreende
quem obedecia à jurisprudência daquele momento. Ao lado do prestígio do precedente, há o prestígio da segurança
jurídica, princípio segundo o qual a jurisprudência não pode causar uma surpresa ao jurisdicionado a partir de
modificação do panorama jurídico.
- Prospective overruling: é uma técnica segundo a qual “os tribunais, ao mudarem suas regras jurisprudenciais,
podem, por razões de segurança jurídica (boa-fé e confiança legítima), aplicar a nova orientação apenas para os
casos futuros”. O CPC/15 trouxe previsão expressa da possibilidade da modulação dos efeitos da superação (art.
927, § 3º).
5. EXECUÇÃO
5.1. Qual é o recurso cabível contra o pronunciamento que julga a impugnação ao cumprimento de
sentença?
O início da fase de cumprimento da sentença pode ser feito de ofício pelo juiz? NÃO, só a requerimento do
exequente. Requerido o início do cumprimento de sentença, o juiz deverá determinar a intimação do devedor p/
pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias. Não ocorrendo pagamento voluntário neste prazo, o débito será
acrescido de multa de 10% e, também, de honorários de advogado de 10% (art. 523, § 1º, do CPC/15).
Esse prazo de 15 dias, previsto no art. 523 do CPC 2015 (art. 475-J do CP 1973), é contado a partir de quando?
Da intimação do devedor para pagar. Não basta que o devedor já tenha sido intimado anteriormente da sentença
que o condenou. Para começar o prazo de 15 dias para pagamento, é necessária nova intimação. Assim, a multa de
10% depende de nova intimação prévia do devedor. A forma dessa intimação está prevista no art. 513 do
CPC/2015.
Na fase de cumprimento de sentença existe alguma forma de “defesa” do devedor? João poderá apresentar
alguma defesa? SIM. A defesa típica do devedor executado no cumprimento de sentença é a chamada impugnação.
Para que o devedor apresente impugnação, é indispensável a garantia do juízo, ou seja, é necessário que haja
penhora, depósito ou caução? NÃO. A impugnação independe de prévia garantia do juízo.
Qual é o prazo para a apresentação da impugnação? 15 dias. O prazo de 15 dias para impugnação inicia-se
imediatamente após acabar o prazo de 15 dias que o executado tinha para fazer o pagamento voluntário (art. 525,
caput). Não é necessária nova intimação. Acabou um prazo, começa o outro.
Fatos: Na impugnação, o executado alegou nulidade da citação e que, na fase de conhecimento, o processo
correu à sua revelia (art. 525, §1º, I, do CPC/15). O juiz julgou procedente a impugnação e extinguiu o
cumprimento de sentença. O autor interpôs AI contra esta decisão, fundamentando o recurso no art. 1.015, p. u. do
CPC.
118
Decisão: o credor não agiu corretamente. O recurso cabível contra a decisão que julga a impugnação ao
cumprimento de sentença é o seguinte:
1) Se na decisão que julgou a impugnação o juiz não extinguiu a execução: cabe AI.
2) Se na decisão que julgou a impugnação o juiz extinguiu a execução: cabe apelação.
Em suma: 1) Se o juiz rejeita a impugnação: cabe agravo de instrumento (porque a execução irá prosseguir);
2) Se o juiz acolhe a impugnação, poderá caber agravo de instrumento ou apelação.
2.1) Se o juiz acolhe a impugnação, mas não extingue a execução (ex: apenas reduz o valor que estava excessivo):
caberá agravo de instrumento;
2.2 ) Se o juiz acolhe a impugnação e extingue a execução (ex: falta de citação): caberá apelação.
5.2. O prazo para cumprimento voluntário de sentença deverá ser computado em dobro no caso de
litisconsortes com procuradores distintos (art. 229 do CPC): Em regra, o prazo para cumprimento voluntário da
sentença é de 15 dias úteis (art. 523 do CPC). Se os devedores forem litisconsortes com diferentes procuradores, de
escritórios de advocacia distintos, este prazo de pagamento deverá ser contado em dobro, cf. o art. 229 do CPC,
desde que o processo seja físico. Assim, o prazo comum para cumprimento voluntário de sentença deverá ser
computado em dobro (ou seja, em 30 dias úteis) no caso de litisconsortes com procuradores distintos, em autos
físicos.
Obs.: O cumprimento voluntário da sentença possui natureza dúplice. Cuida-se de ato a ser praticado pela própria
parte, mas a fluência do prazo para pagamento inicia-se com a intimação do advogado pela imprensa oficial, o que
impõe ônus ao patrono, qual seja, o dever de comunicar o devedor do desfecho desfavorável da demanda,
alertando-o das consequências jurídicas da ausência do cumprimento voluntário. Assim, uma vez constatada a
hipótese prevista no art. 229 do CPC/15 (litisconsortes com procuradores de escritórios diferentes), o prazo comum
para pagamento espontâneo deverá ser computado em dobro, ou seja, será de 30 dias úteis.
5.3. A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/15 NÃO entra no cálculo dos honorários
advocatícios: a base de cálculo sobre a qual incidem os honorários advocatícios devidos em cumprimento de
sentença é o valor da dívida (quantia fixada em sentença ou na liquidação), acrescido das custas processuais, se
houver, sem a inclusão da multa de 10% pelo descumprimento da obrigação dentro do prazo legal (art. 523, § 1º, do
CPC/15). A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC/15 NÃO entra no cálculo dos honorários advocatícios.
A multa de 10% do art. 523, § 1º, do CPC/2015 não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios. Os 10%
dos honorários advocatícios deverão incidir apenas sobre o valor do débito principal. Relembre o que diz o § 1º do
art. 523: Art. 523 (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa
de dez por cento e, também, de honorários de advogado de 10%.
Obs.: Ocorrido o pagamento tempestivo, porém parcial, da dívida executada, incide, à espécie, o § 2º do art. 523 do
CPC/15, devendo incidir a multa de dez por cento e os honorários advocatícios (no mesmo percentual) tão somente
sobre o valor remanescente a ser pago por qualquer dos litisconsortes.
5.4. Mesmo que o contrato com a escola particular esteja apenas no nome da mãe, o pai também responderá
solidariamente pelas dívidas: A execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares de
filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos
contratuais que deram origem à dívida. Ex: mãe assina contrato com a escola e termo de confissão de dívida se
comprometendo a pagar as mensalidades; em caso de atraso, a escola poderá ingressar com execução tanto contra a
mãe (legitimidade passiva ordinária) como contra o pai do aluno (legitimidade passiva extraordinária),
considerando que existe uma solidariedade legal do casal quanto às despesas com a educação do filho (arts. 1.643 e
1.644 do CC).
Obs.: E se os pais estiverem separados/divorciados ou nunca tenham sido casados, ainda assim teria legitimidade
para figurar na execução? SIM. Por força do poder familiar.
5.5. Contrato eletrônico de mútuo com assinatura digital é título executivo extrajudicial
Fatos: João vai até a agência bancária, conversa com o gerente e toma emprestado R$ 20 mil. Para tomar o
dinheiro emprestado, contudo, João teve que assinar um contrato de mútuo comprometendo-se a devolver o
dinheiro em 6 meses, acrescido de juros e correção monetária. Esse contrato foi assinado por João e por duas
testemunhas.
Caso João não pague o empréstimo, esse contrato poderá ser executado? O contrato de mútuo constituise em
título executivo extrajudicial? SIM. O contrato de mútuo, desde que assinado pelo devedor e por 2 testemunhas,
constitui-se em título executivo extrajudicial. É o que prevê o art. 784, III, do CPC/15.
Informações sobre as 2 testemunhas:
A assinatura das 2 testemunhas é considerada como “requisito extrínseco à substância do ato”.
119
Seu objetivo é o de aferir a existência e a validade do negócio jurídico. O intuito foi o de permitir que, se
houvesse alguma alegação de nulidade do negócio, as testemunhas pudessem ser ouvidas para certificar a
existência ou não de vício na formação do instrumento, a ocorrência e a veracidade do ato, com isenção e sem
preconceitos.
Vale ressaltar que as pessoas que assinam são “testemunhas instrumentárias”, ou seja, elas apenas expressam a
regularidade formal do instrumento particular, mas não precisam saber a respeito do conteúdo do negócio jurídico.
Em razão disso, a ausência de alguma testemunha ou a sua incapacidade, por si só, não ensejam a invalidade do
contrato ou do documento, mas apenas a inviabilidade do título para fins de execução, pela ausência de formalidade
exigida em lei.
Assim, em regra, não havendo a assinatura das 2 testemunhas, o contrato continua sendo válido, mas não poderá
ser considerado como título executivo extrajudicial.
Algumas vezes a parte alega algum “problema” com a assinatura da testemunha, mas não aponta nenhum vício de
consentimento ou falsidade documental. Só alega algum “vício” da testemunha. Ex: a testemunha do contrato foi o
advogado de uma das partes contratantes. Isso não pode, considerando que a testemunha deverá ser alguém
desinteressado no contrato. No entanto, se a parte alega apenas isso, mas não questiona a validade do ajuste, este
contrato continua sendo título executivo extrajudicial (STJ. 4ª Turma. J. 13/06/2017).
Da mesma forma, ainda que não se consiga ler direito o nome das testemunhas no contrato, isso é considerado
mera irregularidade e não retira a força executiva do título, salvo se houver alguma alegação de nulidade (STJ. 3ª
Turma).
Sem a assinatura das 2 testemunhas, é possível que o contrato seja considerado título executivo extrajudicial?
• Em regra, p/ que o instrumento particular sirva como título executivo, é necessário ser assinado por 2
testemunhas.
• Excepcionalmente, mesmo sem essas duas assinaturas, é possível que o contrato continue sendo título executivo
se houver outras provas que comprovem a avença.
As testemunhas precisam presenciar as partes assinando o contrato? Todo mundo tem que assinar no mesmo
momento? NÃO.
Apenas a título de curiosidade: contrato de locação não precisa das 2 testemunhas O contrato de locação não
precisa estar assinado por 2 testemunhas para servir como título executivo extrajudicial.
E se esse contrato for eletrônico? Ex: Pedro celebra contrato de mútuo com uma instituição financeira; ocorre
que o negócio é todo feito por meio de uma página na internet; não há papel; e a assinatura de mutuário também é
digital. Esse contrato pode ser considerado título executivo extrajudicial? SIM.
Mas sendo o contrato eletrônico, como fica a exigência da assinatura de 2 testemunhas? O contrato eletrônico,
em face de suas particularidades, por regra, tendo em conta a sua celebração à distância e eletronicamente, não trará
a indicação de testemunhas. Isso, contudo, não afasta a sua executividade, desde que haja outros meios de se
comprovar a sua existência e validade. Um ex. é o contrato eletrônico c/ assinatura digital certificada por
autoridade certificadora. Assim, se o contrato eletrônico tiver sido submetido a uma certificação eletrônica,
utilizando-se a assinatura digital devidamente aferida por autoridade certificadora, mostra-se desnecessária a
assinatura das testemunhas.
Assinatura eletrônica é o mesmo que assinatura digital? Não. A relação é de gênero e espécie. A assinatura
digital é uma das espécies de assinatura eletrônica. Assinatura digital é aquela que utiliza um certificado digital,
geralmente um token, que foi certificado por uma autoridade certificadora. Exemplo de assinatura eletrônica que
não é assinatura digital: o indivíduo assina o documento em um tablet ou celular que tenha tela touchscreen.
5.6. Análise de HC impetrado contra decisão do juiz que, na execução de título extrajudicial, determinou a
suspensão do passaporte e da CNH do executado
Fatos: A Escola Integral Ltda. ingressou com execução de título extrajudicial (duplicata) contra João cobrando
uma dívida de R$ 20 mil, referente ao contrato de prestação de serviços educacionais. O executado foi citado p/
pagar a dívida no prazo de 3 dias, contado da citação (art. 829 do CPC). O devedor, contudo, não efetuou o
pagamento. Diante disso, o juiz, a requerimento da exequente, determinou a suspensão do passaporte e da carteira
nacional de habilitação (CNH) do executado. O executado impetrou HC contra esta decisão afirmando que ela seria
ilegal e que violaria a sua liberdade de locomoção.
Decisão: o juiz não agiu corretamente.
Caberia HC neste caso? Em regra, não. Em regra, não se admite a utilização de habeas corpus como substituto
de recurso próprio, ou seja, se cabia um recurso para impugnar a decisão, não se pode aceitar que a parte
prejudicada impetre um HC. Exceção: se, no caso concreto, a decisão impugnada for flagrantemente ilegal, gerando
prejuízo à liberdade do paciente, o Tribunal deverá conceder o HC de ofício.
*No caso concreto, o STJ entendeu que a parte não deveria ter ingressado com habeas corpus considerando que
havia um recurso cabível contra o ato (AI). No entanto, apesar disso, os Ministros consideraram que a decisão era
manifestamente ilegal e, por isso, o habeas corpus deveria ser concedido de ofício.
120
Em tese, a apreensão de PASSAPORTE representa um cerceamento à liberdade de locomoção? Cabe HC neste
caso? SIM. O remédio constitucional do HC é via processual adequada para que se avalie constrangimento ilegal
no acautelamento de passaporte de investigados ou condenados penalmente. O acautelamento de passaporte é
medida que limita a liberdade de locomoção, razão pela qual pode, no caso concreto, significar constrangimento
ilegal e arbitrário, sendo o HC via processual adequada para essa análise. Isso vale não apenas para decisões
criminais como também cíveis.
Em tese, a apreensão de CNH representa um cerceamento à liberdade de locomoção? Cabe HC neste caso? Não.
A suspensão da CNH não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular. Isso porque mesmo com a decretação da
medida, o sujeito continua com a liberdade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como
condutor do veículo. Logo, não cabe habeas corpus contra decisão que determina a apreensão de CNH.
Efetividade do processo e princípio do resultado na execução : O inciso IV do art. 139 do CPC/2015 representou
uma importante novidade do Código e que teve por objetivo dar mais efetividade ao processo.
Atipicidade das medidas executivas : Esse dispositivo representa a adoção, pelo CPC, de um modelo de
atipicidade das medidas executivas. O que isso quer dizer? As medidas que o juiz pode determinar para a execução
dos comandos judiciais não precisam estar expressamente previstas na lei, podendo o magistrado impor outras
medidas que não estão listadas no Código.
Ditames constitucionais devem ser respeitados: A busca pela efetividade jurisdicional, apesar de ser incentivada,
não pode, porém, permitir que sejam tomadas medidas judiciais que afrontem os ditames constitucionais. Assim, só
será permitida a implementação de medidas executivas atípicas: que sejam “não discricionárias” (isto é, as medidas
tomadas não podem ser autoritárias) e que restrinjam de forma razoável (proporcional) os direitos individuais.
Medida foi desproporcional e não razoável : No caso concreto acima exposto, o STJ considerou que deveria
conceder a ordem no habeas corpus e determinar a restituição do PASSAPORTE ao executado. Isso porque se
entendeu que a medida coercitiva imposta foi ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir
e vir de forma desproporcional e não razoável. Ainda que o CPC/15 tenha admitido a imposição de medidas
coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que no topo do ordenamento jurídico está a Constituição Federal,
que protege de maneira especial o direito de ir e vir, em seu art. 5º, XV. Logo, quanto ao passaporte, o STJ
entendeu que a decisão foi ilegal e determinou a restituição. No que tange à CNH, o STJ não conheceu do habeas
corpus, tendo em vista que a retenção deste documento não gera restrição à liberdade de locomoção. É possível que
a retenção de CNH por parte do juiz na execução também seja considerada ilegal, especialmente em se tratando de
devedor que trabalha dirigindo. No entanto, para isso, é necessário que a parte prejudicada impugne a decisão por
meio dos recursos próprios.
Fundamentação: Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e
sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios
executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual.
Em suma: Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de
execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de
forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de
satisfação, a medida não se comprova necessária.
A decisão acima explicada significa que o STJ NÃO admite a retenção de passaporte como medida executiva
atípica do art. 139, IV, do CPC? Sempre que essa medida for imposta, o STJ irá declarar a decisão ilegal? NÃO.
Não se pode generalizar. A decisão acima explicada levou em consideração as circunstâncias do caso concreto, não
se podendo afirmar que o STJ tenha essa posição de forma geral. O juiz poderá eventualmente decretar a retenção
do passaporte do executado desde que: • seja obedecido o contraditório e • a decisão proferida seja fundamentada e
adequada, demonstrando-se a proporcionalidade dessa medida para o caso concreto. Vale ressaltar que o tema
ainda é polêmico e que, em outro julgado, também de 2018, em uma situação muito parecida, a 3ª T. manteve
decisão que determinou a retenção do passaporte do devedor.
5.7. Constitucionalidade do art. 741 do CPC/73 (art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 1417; e art. 535, § 5º do CPC/15)
Foi proposta ADI contra o p. u. do art. 741 do CPC/73 sob o argumento de que ele violaria o instituto da coisa
julgada, protegido pelo art. 5º, XXXVI, da CF. Essa tese foi aceita pelo STF? NÃO.
Coisa julgada tem limites impostos pelo legislador : O instituto da coisa julgada, embora tenha proteção na CF,
deve ser conformado (regulamentado) pelo legislador ordinário, a quem é dada a faculdade de estabelecer limites
objetivos e subjetivos. Em outras palavras, a coisa julgada não é um instituto absoluto. Assim, a lei pode indicar
situações em que o instituto deve ceder lugar a postulados, princípios ou bens de mesma hierarquia e que também
são protegidos pela CF.
17
Art. 525, § 1º Na impugnação, o executado poderá alegar: (...) III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da
obrigação; (...) § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação
reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF, ou fundado
em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo STF como incompatível com a CF, em controle de
constitucionalidade concentrado ou difuso. (...) § 14. A decisão do STF referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em
julgado da decisão exequenda.
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Vícios da sentença que autorizam a inexigibilidade/inexequibilidade : é necessário que a sentença tenha
incorrido em algum dos seguintes vícios:
a) sentença que aplicou uma lei que havia sido declarada inconstitucional pelo STF;
b) sentença que aplicou a lei para uma situação considerada inconstitucional (STF afirmou que a lei é
constitucional, mas que não poderia ser aplicada para determinada situação, sob pena de, aí sim, ser
inconstitucional);
c) sentença que aplicou a lei com um sentido (uma interpretação) inconstitucional (STF conferiu interpretação
conforme para determinada lei e a sentença contrariou esta interpretação dada);
d) sentença que decidiu que determinada lei é inconstitucional, mas o STF já a havia declarado constitucional.
Para que se possa reconhecer a inexigibilidade/inexequibilidade do título executivo, é necessário que o
pronunciamento do STF sobre a questão seja anterior ao título executivo? SIM, a decisão do STF precisa ter sido
proferida antes do título executivo. Tais dispositivos somente podem ser aplicados quando o órgão julgador,
mesmo já havendo decisão do STF sobre o tema, decide em sentido contrário ao que o Supremo tinha decidido. A
sentença já deve ter nascido contrária ao entendimento do STF. O vício na sentença deve ser um "defeito genético",
ou seja, já nasceu com ela. Ex: em 2012, o STF decidiu que a lei X é inconstitucional; em 2013, o juiz julga a causa
aplicando a lei X; mesmo se esta decisão transitar em julgado, o título executivo será inexigível porque aplicou lei
já considerada inconstitucional pelo STF. Essa exigência passou a ser prevista de forma expressa no art. 525, § 14
do CPC/15.
E se a sentença transitou em julgado aplicando a lei X e só depois de algum tempo o STF declarou que essa lei é
inconstitucional? O CPC/15 inovou e previu, expressamente, que, se a decisão do STF declarando inconstitucional
a norma foi superveniente (posterior) ao trânsito em julgado da sentença exequenda, caberá ação rescisória, com
prazo contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF.
5.9. Os valores recebidos pelo beneficiário como indenização do seguro de vida são impenhoráveis, mas até o
limite de 40 salários mínimos
Fatos: João fez um seguro de vida. Assim, todos os meses ele pagava determinada quantia à seguradora (o
chamado “prêmio”) e, em caso de sua morte, a seguradora pagaria uma indenização no valor de R$ 100k em favor
de sua esposa Maria (beneficiária). João faleceu e a seguradora depositou os R$ 100k na conta corrente de Maria.
Ocorre que Maria era ré em um processo de execução e o juiz determinou a penhora on line dos R$ 100k. A
executada pediu a liberação da quantia alegando que a verba seria impenhorável, nos termos do art. 833, VI, do
CPC/15.
Decisão: O STJ adotou uma posição intermediária e afirmou que os valores deixados a título de seguro de vida
são impenhoráveis, mas até o limite de 40 salários mínimos, aplicando-se por analogia o art. 833, X, do CPC/15.
Argumentos: (i) Caráter alimentar: O direito do beneficiário do seguro de vida deve prevalecer sobre o direito
do credor, de modo a preservar o mínimo necessário à sua sobrevivência. Isso porque a finalidade do seguro de
vida é proporcionar um rendimento a alguém, não o deixando à míngua de recursos. Assim, essa quantia é
impenhorável e isso ocorre em virtude do caráter alimentar do benefício.
(ii) Necessidade de pagamento dos credores: Vale ressaltar, contudo, que também se deve garantir a efetividade do
pagamento dos credores. As verbas alimentares são consideradas impenhoráveis a fim de garantir a sobrevivência
digna do devedor. No entanto, essas verbas alimentares não podem ser muito altas considerando que o objetivo da
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impenhorabilidade não é o de fazer com que o devedor tenha um padrão de vida acima das suas condições, às
custas do devedor. Assim, esse valor de 40 salários mínimos corresponde ao critério que o próprio legislador
estabeleceu como sendo o montante que considera razoável e suficiente para assegurar uma vida digna. A quantia
que exceder esses 40 salários mínimos poderá ser utilizada para saldar os débitos dos credores do beneficiário do
seguro. Essa analogia pode ser feita porque a natureza alimentar da indenização recebida com o seguro de vida se
assemelha às verbas salariais do art. 833, IV, do CPC/15, que destaca serem impenhoráveis “as quantias recebidas
por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família”.
5.12. Análise da impenhorabilidade prevista no art. 649, IV do CPC/73 (art. 833, IV, do CPC/15): O art. 649,
IV, do CP/73 previa que as verbas de natureza salarial do executado eram impenhoráveis. O § 2º do art. 649 previa
uma exceção explícita e dizia que era possível a penhora da verba salarial do devedor para pagamento de prestação
alimentícia. O STJ, interpretando esse dispositivo, afirmou que é possível a penhora das verbas salariais do devedor
para pagamento de outras dívidas, além da prestação alimentícia, desde que essa penhora preserve um valor que
seja suficiente para o devedor e sua família continuarem vivendo com dignidade. Nas palavras do STJ: a regra geral
da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. do devedor (art. 649, IV do CPC/73) (art. 833, IV do
CPC/15), também pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à
dignidade do devedor e de sua família. Ex: Flávio recebe salário de R$ 30 mil por mês. Ricardo ajuizou execução
contra Flávio. O juiz determinou a penhora de 30% do salário de Flávio, todos os meses, até que a dívida que está
sendo executada seja paga. O STJ entendeu que essa penhora é válida e que não violou o art. 649, IV, do CPC/73.
Em suma:
• Regra: os salários, vencimentos, proventos de aposentadoria etc. são, como regra geral, impenhoráveis.
• Exceção explícita: dívidas de prestação alimentícia (§ 2º do art. 649 do CPC/1973).
• Exceção implícita: é permitida a penhora para outras dívidas, desde que a quantia bloqueada se revele razoável
em relação à remuneração por recebida pelo executado, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e
de sua família.
Argumentos: credor também tem direito à tutela jurisdicional efetiva; executado tem que agir com boa-fé;
impenhorabilidade total e absoluta das verbas salariais é desproporcional.
5.13. Possibilidade de o juízo da execução cível determinar penhora no rosto dos autos de crédito da
execução trabalhista caso o reclamante tenha falecido
Processo 1: João ajuizou execução, na Justiça Estadual (comum), contra Pedro cobrando R$ 15k. Tentou-se a
penhora de bens do devedor, mas não se encontrou nada. No curso da execução, Pedro faleceu. O exequente
requereu a habilitação dos sucessores do falecido, nos termos do art. 687 do CPC.
Processo 2 (execução trabalhista) : paralelamente ao processo 1, estava tramitando um outro processo. A
situação deste 2º processo era a seguinte: Pedro foi demitido, sem justa causa, da empresa Zeus. Como a empresa
não pagou corretamente suas verbas rescisórias, ele ingressou com reclamação trabalhista contra a empregadora. O
juiz trabalhista condenou a empresa a pagar R$ 20k em favor de Pedro. Iniciou-se a execução trabalhista. Ocorre
que, no curso do processo, Pedro faleceu. Diante disso, os sucessores do falecido requereram sua habilitação no
processo, nos termos do art. 688, II. O juiz trabalhista, por meio de uma penhora on line, havia conseguido
penhorar R$ 50 mil que estavam depositados na conta da empresa executada. O dinheiro ficou à disposição do
juízo trabalhista, mas ele ainda não foi transferido para os herdeiros de Pedro.
Penhora no rosto dos autos18: João soube que há essa execução trabalhista que havia sido proposta por Pedro
contra a Zeus. Soube também que foi penhorado esse dinheiro e que a quantia se encontra à disposição do juízo
trabalhista, mas que ainda não foi transferida para os herdeiros. Com essa informação, João pediu ao juiz da
execução cível que penhore, no rosto dos autos da execução trabalhista, R$ 15 mil dos R$ 50 mil que a Justiça do
Trabalho conseguiu penhorar. O juiz da execução cível autorizou a penhora e comunicou a decisão ao juiz da
execução trabalhista. Os herdeiros de Pedro recorreram contra esta decisão do juiz da execução cível alegando que
os valores que o juiz da execução cível penhorou no rosto do processo trabalhista são verbas salariais e que,
portanto, são impenhoráveis, nos termos do art. 833, IV, do CPC/15.
Decisão: O STJ afirmou que a decisão do juiz da execução cível foi proferida com base em uma medida cautelar
de tutela provisória com o objetivo de preservar os valores a fim de que a análise do crédito seja posteriormente
feita no inventário, quando, então, se poderá discutir-se a quantia é impenhorável ou não. Assim, o dinheiro
arrecadado deverá ser levado para partilha no juízo do inventário e ali deverá ser feita a análise da qualidade do
crédito e dos valores percebidos a título de herança. No juízo do inventário, o magistrado deverá sopesar o direito
18
A penhora no rosto dos autos é aquela que recai sobre um eventual direito do executado que ainda está sendo discutido em
outro processo judicial. Em outras palavras, o executado do processo 1 está pleiteando um crédito no processo 2. Logo, o juiz
do processo 1 pode determinar a penhora no rosto dos autos deste crédito do processo 2. A penhora no rosto dos autos é
disciplinada pelo art. 860 do CPC. Segundo Daniel Assumpção Neves, “essa espécie de penhora se presta a dar ciência ao juízo
da demanda em que se discute o direito, evitando-se a entrega do produto de alienação de bem penhorado diretamente ao
vencedor da ação, considerando-se que esse crédito já está penhorado em outra demanda judicial”. Essa expressão “no rosto
dos autos” era mencionada expressamente pelo art. 674 do CPC/1973, mas não foi repetida pelo art. 860 do CPC/2015. Apesar
disso, essa nomenclatura continua a ser utilizada pela doutrina e jurisprudência.
124
dos herdeiros de receberem as verbas trabalhistas como herança e o direito do credor do falecido de ver seu crédito
satisfeito.
5.14. Incidem juros da mora entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório
Fatos: João ajuizou ação de cobrança contra a Fazenda Pública. Foi prolatada sentença condenando o Poder
Público a pagar R$ 300 mil. Essa sentença transitou em julgado em 04/04/2016. Em 10/04/2016, o credor pediu ao
juiz, nos termos do art. 534 do CPC, o cumprimento de sentença, apresentando o cálculo da dívida atualizada.
Segundo entende o STF, a partir do momento em que forem apresentados os cálculos, começa a incidir juros da
mora contra a Fazenda Pública: Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos
cálculos e a da requisição de pequeno valor (RPV) ou do precatório.
O que acontece a agora? A Fazenda Pública poderá impugnar ou não o cumprimento de sentença. Suponhamos
que o Poder Público não impugnou. Neste caso, deverá ser expedido, por intermédio do Presidente do Tribunal,
precatório em favor do exequente. Neste caso, o juízo da execução elabora o precatório e o encaminha ao
Presidente do Tribunal. Este, por sua vez, irá expedir o precatório, ou seja, repassá-lo ao ente devedor para que seja
incluído no orçamento. Assim, deverá haver a incidência dos juros da mora referente ao período de 10/04/2016
(data da realização dos cálculos) e a data do precatório.
Existe um prazo para que o ente pague o precatório? SIM. Os pagamentos requisitados até 01/07 de cada ano
deverão ser pagos até o final do exercício do ano seguinte. Isso está previsto no § 5º do art. 100 da CF/88. Em
nosso exemplo: o precatório foi apresentado pelo Presidente do Tribunal em 30/05/2016; logo, ele deverá ser pago
pelo Poder Público até o dia 31/12/2017 (último dia do ano seguinte). Abrindo um parêntese: se o precatório tiver
valor muito alto (valor superior a 15% do montante dos demais precatórios apresentados até o dia 01/07 do
respectivo ano), então, neste caso, deverá ser pago 15% do valor deste precatório até o dia 31/12 do ano seguinte e
o restante em parcelas iguais nos 5 anos subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária. A CF/88
permite também que o credor faça um acordo com o Poder Público (§ 20 do art. 100 da CF/88, incluído pela EC
94/2016).
Período de suspensão dos juros moratórios: entre o dia 01/07 de um ano até o dia 31/12 do ano seguinte (em
nosso exemplo: de 01/07/2016 até 31/12/2017), não haverá incidência de juros de mora porque o STF entende que
esse foi o prazo normal que a CF/88 deu para o Poder Público pagar seus precatórios, não havendo razão para que a
Fazenda Pública tenha que pagar juros referentes a esse interregno. Existe, inclusive, uma súmula vinculante sobre
o tema: SV 17-STF: Durante o período previsto no parágrafo 1º (obs.: atual § 5º) do artigo 100 da CF, não incidem
juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos. Obs.: neste período, não há incidência de juros
moratórios, mas deverá ser paga correção monetária, conforme prevê a parte final do § 5º do art. 100.
E se passar o dia 31/12 e o ente devedor não efetuar o pagamento do precatório, neste caso, voltará a incidir
juros de mora? Em nosso exemplo, se passar o dia 31/12/2017, começa novamente a incidir juros moratórios? SIM.
Isso porque terá se esgotado o prazo dado pela CF para que o ente devedor pague o precatório. Logo, o ente
encontra-se em mora. Assim, por exemplo, se o precatório foi inscrito até o dia 01/07/2016, este precatório deverá
ser pago até o dia 31/12/2017. Se o pagamento for realizado neste período, não haverá incidência de juros de mora
porque não houve inadimplemento por parte da FP. No entanto, se passar o dia 31/12/2017 sem pagamento, haverá
a incidência de juros moratórios, que serão computados a partir de 01/01/2018 até a data em que ocorrer a quitação
do precatório.
Obs.: como estes juros moratórios não estavam previstos no precatório, considerando que se presumia que ele seria
pago na data fixada pela CF (até o dia 31/12), para que o credor receba o valor dos juros, será necessária a
expedição de um precatório complementar. Depois que o precatório está expedido, não se pode acrescentar novos
valores a ele.
Voltando ao nosso exemplo:
- Sentença transitada em julgado: 04/04/2016.
- Início dos juros moratórios: 10/04/2016 (data da realização dos cálculos).
- Dia em que o precatório foi apresentado para pagamento: 30/05/2016.
- Suspensão dos juros moratórios: 01/07/2016 (SV 17-STF).
- Prazo máximo para a Fazenda Pública pagar: 31/12/2017 (§ 5º do art. 100 da CF/88).
- Se a Fazenda não pagar até o prazo máximo: voltam a correr os juros moratórios a partir de 01/01/2018.
Repare, portanto, que o entendimento do STF definido no RE 579431/RS não invalida a SV 17 porque o que foi
decidido neste recurso é um período anterior ao de que trata a súmula.
Observação final complementar: a SV 17 foi editada em 29/10/2009 e continua sendo atualmente aplicada pelo
STF. Contudo, tem crescido entre os Ministros a ideia de que esta súmula foi superada pelo § 12 do art. 100 da
CF/88, acrescentado pela EC 62, de 10/12/2009, ou seja, posteriormente à edição do enunciado. Para muitos
Ministros, o § 12 determina a incidência de juros moratórios independentemente do período. Em provas de
concurso, a SV 17 continua válida, devendo ser assinalada como correta. Somente se manifeste sobre esta crítica ao
enunciado caso você seja expressamente indagado acerca disso, como no caso de uma prova oral, p. ex.
125
5.15. Os Estados-membros/DF e Municípios podem fixar valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT
(RPV), desde que respeitado o princípio da proporcionalidade
Quanto é “pequeno valor” para os fins do § 3º do art. 100? Este quantum poderá ser estabelecido por cada ente
federado (União, Estado, DF, Município) por meio de leis específicas, conforme prevê o § 4º do art. 100.
União: pequeno valor equivale a 60 salários mínimos (art. 17, § 1º, da Lei nº 10.259/2001).
E se o ente federado não editar a lei prevendo o quantum do “pequeno valor”? Nesse caso, segundo o art. 87 do
ADCT da CF/88, para os entes que não editarem suas leis, serão adotados, como “pequeno valor” os seguintes
montantes: I - 40 salários mínimos para Estados e para o DF; II - 30 salários mínimos para Municípios.
RPV: Nas hipóteses de “pequeno valor”, o pagamento é feito por meio de requisição de pequeno valor (RPV),
que se trata de uma ordem expedida pelo juiz à autoridade da FP responsável para pagamento da quantia devida.
Fatos: Rondônia editou lei estadual (Lei nº 1.788/2007) prevendo que, naquele Estado, as obrigações
consideradas como de pequeno valor seriam aquelas de até 10 salários-mínimos. Essa lei foi “boa” ou “ruim” para
os credores (exequentes) do Estado? “Ruim”. A Lei Estadual 1.788/2007 reduziu de 40 para 10 salários-mínimos o
crédito decorrente de sentença judicial transitada em julgado a ser pago por meio de RPV.
Decisão: Essa previsão da Lei estadual nº 1.788/2007 é válida? De acordo com o STF, sim.
E o Estado pode fixar qualquer valor? Ex.: SP pode fixar 5 salários-mínimos como sendo pequeno valor para
fins de RPV? NÃO. Os Estados/DF e Municípios, ao editarem as suas leis definindo o que seja “pequeno valor”,
deverão ter como critério a sua capacidade econômica, respeitado o princípio da proporcionalidade. A fixação de 5
salários-mínimos como sendo pequeno valor para um Estado rico como São Paulo seria uma ofensa ao princípio da
proporcionalidade. No caso concreto, entendeu-se que Rondônia atendeu o princípio da proporcionalidade ao
reduzir esse teto para 10 salários-mínimos considerando que é um dos Estados que menos arrecada na Federação,
com um IDH de 0,69. Vale ressaltar que nenhum ente pode fixar como pequeno valor quantia inferior ao valor do
maior benefício do regime geral da previdência social (“teto do INSS”). Em 2018, o “teto do INSS” foi de R$
5.645,80.
Uma última pergunta: os Estados/DF e Municípios podem editar leis fixando quantias superiores aos limites do
art. 87 do ADCT? Ex: São Paulo pode editar uma lei dizendo que “pequeno valor” naquele Estado, para fins de
RPV, corresponde a 60 salários-mínimos? SIM. Os Estados/DF e Municípios podem fixar limites inferiores ou
superiores àqueles que estão previstos no art. 87 do ADCT. Na prática, porém, será muito difícil que um Estado
amplie o limite do art. 87 porque, em tese, ele prejudica suas finanças considerando que terá mais débitos a serem
pagos por RPV.
6. EXECUÇÃO FISCAL
V. livro!
7. MANDADO DE SEGURANÇA
7.2. É desnecessária a oitiva do MP se o tribunal já tiver jurisprudência consolidada sobre o tema discutido :
Em regra, é indispensável a intimação do Ministério Público para opinar nos processos de mandado de segurança,
conforme previsto no art. 12 da Lei nº 12.016/2009. No entanto, a oitiva do Ministério Público é desnecessária
quando se tratar de controvérsia acerca da qual o tribunal já tenha firmado jurisprudência. Assim, não há qualquer
vício na ausência de remessa dos autos ao Parquet que enseje nulidade processual se já houver posicionamento
sólido do Tribunal. Nesses casos, é legítima a apreciação de pronto pelo relator.
7.3. Não cabe MS para declarar lei ou ato normativo inconstitucional: O mandado de segurança não é o
instrumento processual adequado para o controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos. Vale
ressaltar, no entanto, que é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade em MS (isto é, como causa de
pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal).
7.4. Nas hipóteses de MS no STJ envolvendo anistia política, só é possível a inclusão de juros e correção
monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido: já se viu o cabimento desse MS na
parte de D. Administrativo.
Fatos: O STJ julgou procedente o mandado de segurança impetrado por João. João ingressou, então, com
cumprimento de sentença pedindo o pagamento dos valores reconhecidos no MS. Até aí, tudo bem. Sem qualquer
polêmica. O “problema” foi que João pediu o pagamento não apenas da dívida principal, mas também dos juros de
126
mora e correção monetária. A União impugnou o cumprimento de sentença alegando que o acordão (título
executivo judicial) não previu o pagamento de juros de mora e correção monetária. Logo, não é possível a sua
cobrança agora na fase executiva. O autor (exequente) refutou a impugnação da União argumentando o seguinte: os
juros e correção monetária são pedidos implícitos.
Decisão: Nos casos de anistia política, em sede de mandado de segurança, só é possível a inclusão de juros de
mora e correção monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido.
Pedido implícito não é igual à condenação implícita : realmente, os juros de mora e a correção monetárias são
considerados como pedidos implícitos. Isso está previsto no art. 491 do CPC/15. Em suma, o pedido implícito
compõe o mérito da questão controvertida, razão pela qual cabe à decisão defini-lo, independentemente de constar
expressamente da postulação. Contudo, não se pode confundir pedido implícito com condenação implícita. Com
base na doutrina de Araken de Assis, Fredie Didier menciona que: “não se permite a condenação implícita: o
magistrado deve examinar expressamente o pedido implícito”. Ex.: é certo que os honorários de advogado
constituem pedido implícito, por força do art. 322, § 1º, do CPC/15. Assim, podem ser fixados na decisão,
independentemente de pedido expresso. Entretanto, permanecendo omissa a decisão (ainda que os honorários
tenham sido objeto da postulação) e ocorrendo o trânsito em julgado, não é possível a inclusão dessa verba na fase
executiva, havendo a necessidade de ajuizamento de ação autônoma para fins de definição e cobrança dos
honorários (art. 85, § 18, do CPC/15). Cumpre esclarecer que sobre o ponto omisso na decisão transitada em
julgado, no que concerne ao pedido, não se opera a preclusão ou eficácia preclusiva. Assim, é possível que a
postulação ocorra em nova demanda.
Decisão do STF: Cerca de um mês antes deste julgado do STJ, o STF havia decidido em sentido aparentemente
oposto. O STJ, no entanto, disse que esse julgado do STF não estava em sentido contrário ao seu, considerando que
o STF teria analisado a questão sob o ponto de vista da fase cognitiva e o STJ na fase de execução.
7.5. Lei 13.676/2018 permite a sustentação oral no julgamento do pedido de liminar em mandado de
segurança de competência originária dos Tribunais: Desse modo, agora sempre caberá sustentação oral no
julgamento do processo de mandado de segurança no Tribunal, seja na sessão para julgar o mérito do MS, seja na
sessão designada para julgar o pedido liminar.
8. PROCESSO COLETIVO
8.1. INQUÉRITO CIVIL - O art. 9º-A da Res. 23/2007, incluído pela Res. 126/2015, é constitucional: A Res.
23/07-CNMP disciplina, no âmbito do MP, a instauração e tramitação do IC. A Res. 126/15-CNMP alterou a Res.
23/2007 e determinou que, se após instaurar o IC ou o procedimento preparatório, o membro que o preside concluir
ser atribuição de outro MP, deverá submeter sua decisão ao referendo do órgão de revisão competente, no prazo de
3 dias. O STF considerou que esta previsão é constitucional. Tratando-se de divergência interna entre órgãos do
MP cumpre ao próprio MP decidir quem terá a atribuição para conduzir a investigação. O CNMP possui atribuição
constitucional para fazer o controle da atuação administrativa do MP (art. 130-A, da CF). O STF entendeu que essa
Resolução se insere no campo da estruturação administrativa da instituição. Não viola, portanto, o princípio da
independência funcional e da unidade, insculpidos no § 1º do art. 127 da CF. Além disso, o STF entendeu que não
compete ao Poder Judiciário envolver-se na gestão interna do MP, cabendo, no caso, um juízo de autocontenção.
*Qual é esse “órgão de revisão competente”?
- No caso do MPE: é o Conselho Superior do Ministério Público estadual (art. 30 da Lei nº 8.625/93).
- No caso do MPF: é a Câmara de Coordenação e Revisão (art. 171, IV, da LC 75/93).
8.2. Associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para ajuizar ACP discutindo DPVAT
DPVAT: O DPVAT é um seguro obrigatório contra danos pessoais causados por veículos automotores de via
terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não. Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos
pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em via terrestre, tem direito a receber a indenização
do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos
herdeiros. Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os
herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente. O DPVAT
não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais.
Custeio das indenizações pagas pelo DPVAT : Os proprietários de veículos automotores, é um seguro
obrigatório. Assim, sempre que o proprietário do veículo paga o IPVA, está pagando também, na mesma guia, um
valor cobrado a título de DPVAT. P/ o STJ: a natureza jurídica do DPVAT é a de um contrato legal, de cunho
social.
Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o valor pago pela
seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário? Sim. A pessoa poderá ajuizar uma ação de cobrança
contra a seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT.
Fatos: Uma associação chamada “Movimento das donas de casa e consumidores de Minas Gerais” ajuizou ação
civil pública contra a “Sul América Seguros” alegando que esta seguradora, quando vai pagar as indenizações do
127
DPVAT, não tem adotado os critérios corretos para o cálculo dos valores, de forma que tem pagado menos do que
os beneficiários teriam direito. A seguradora alegou que a autora seria parte ilegítima para a causa. Isso porque o
estatuto desta associação prevê que a sua finalidade é a defesa dos consumidores e a relação jurídica dos
beneficiários com as seguradoras do DPVAT não é de consumo. Logo, o pedido formulado pela associação não
teria relação com a sua finalidade estatutária.
Decisão: A tese da seguradora foi aceita pelo STJ? SIM. Uma associação que tenha fins específicos de proteção
ao consumidor não possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar
interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT.
- DPVAT não é uma relação de consumo.
- Associação tem por finalidade a defesa do consumidor.
8.3. Legitimidade do MP
O MP pode ajuizar ACP para anular aposentadoria que lesão ao erário: O MP tem legitimidade para ajuizar
ação civil pública que vise anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público.
Ao ajuizar ação coletiva para a tutela do erário, o MP não age como representante da entidade pública, e sim como
substituto processual de uma coletividade indeterminada, qual seja, a sociedade como um todo. Isso porque a
sociedade é titular do direito à boa administração do patrimônio público. O MP é titular do direito à boa
administração do patrimônio público, da mesma forma que qualquer cidadão pode ajuizar ação popular com o
mesmo objetivo (art. 5º, LXXIII, da CF/88).
8.5. É possível que as associações privadas façam transação em ACP: sim, nos termos do art. 487, III, b do
CPC, cf. decidiu o STF.
9. PROCEDIMENTOS ESPECIAIS
9.3. Não é cabível a reconvenção apresentada em embargos de terceiro, sob a égide do CPC/73
E sob a égide do CPC/2015? Na vigência do CPC/15, é possível a apresentação de reconvenção em embargos de
terceiro? O Min. Relator Ricardo Villas Bôas Cueva afirmou o seguinte em seu voto:(...) anote-se que o CPC/15,
alterando profundamente a sistemática anterior, passou a prever, além da possibilidade de reconvenção e
contestação em peça única (artigo 343), a adoção do procedimento comum após a fase de contestação nos
embargos de terceiro (artigo 679), o que certamente reascenderá a discussão em torno do cabimento da
reconvenção nas demandas ajuizadas sob a égide do novo diploma”.
Se ficar comprovada a insuficiência do depósito, a ação deve ser julgada improcedente: Em ação consignatória, a
insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o
pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional.
Legitimidade do banco de ajuizar ação de consignação em pagamento para pagar dívida que foi gerada contra
cliente em virtude de falha bancária: A instituição financeira possui legitimidade p/ ajuizar ação de consignação
em pagamento visando quitar débito de cliente decorrente de título de crédito protestado por falha no serviço
bancário.
9.5. Ação de exigir contas: É cabível a propositura de ação de prestação de contas para apuração de eventual saldo,
e sua posterior execução, decorrente de contrato relacional firmado entre administradora de consórcios e empresa
responsável pela oferta das quotas consorciais a consumidores. Caso concreto: a empresa 1 celebrou contrato com a
empresa 2, por meio do qual a empresa 1 organizaria e administraria um consórcio e a empresa 2 ficaria
responsável por oferecer e comercializar as quotas consorciais aos consumidores. Vale ressaltar que, depois que o
consumidor firmava o contrato, ele deveria efetuar os pagamentos das prestações diretamente para a empresa 1. A
130
empresa 2 seria remunerada com um percentual dos pagamentos. Ao se analisar o ajuste celebrado, percebe-se que
se trata de relação contratual que configura típico contrato de agência, previsto no art. 710 do CC. No contrato de
agência, tanto uma parte como a outra possuem o dever de prestar contas: O vínculo contratual colaborativo
originado do contrato de agência importa na administração recíproca de interesses das partes contratantes,
viabilizando a utilização da ação da prestação de contas e impondo a cada uma das partes o dever de prestar contas
a outra. Vale ressaltar, por fim, que, mesmo que a empresa 1 já tenha, extrajudicialmente, prestado contas para a
empresa 2, ainda assim persiste o interesse de agir de propor a ação. Isso porque a apresentação extrajudicial e
voluntária das contas não prejudica o interesse processual da promotora de vendas, na hipótese de não serem elas
recebidas como boas, ou seja, caso ela não tenha concordado com os valores demonstrados.
9.6. A prova de quitação dos tributos relacionados com a transmissão patrimonial aos sucessores não é
condição necessária para a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação
Tributos que devem ser “analisados” em uma sucessão causa mortis : a sucessão causa mortis,
independentemente do procedimento processual adotado, abrange:
1) os tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas (esses tributos compõem o passivo patrimonial deixado
pelo de cujus – suas “dívidas”); e
2) constitui FG dos tributos incidentes sobre a transmissão do patrimônio propriamente dita, dentre eles o ITCM.
A prova de quitação dos tributos relacionados com a transmissão patrimonial aos sucessores (item 2 acima) é
condição necessária prévia para a entrega dos formais de partilha ou da carta de adjudicação?
- CPC/73: SIM
- CPC/15: NÃO. O CPC/2015, em seu art. 659, § 2º, trouxe uma significativa mudança normativa no tocante ao
procedimento de arrolamento sumário ao deixar de condicionar a entrega dos formais de partilha ou da carta de
adjudicação à prévia quitação dos tributos concernentes à transmissão patrimonial aos sucessores. De acordo com o
CPC/15, no caso de arrolamento sumário, a partilha amigável será homologada de plano pelo juiz e, transitada em
julgado a sentença, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e rendas por ele abrangidos. Somente após, será
o Fisco intimado para lançamento administrativo do ITCM e de outros tributos porventura incidentes. Assim,
verifica-se que a homologação da partilha amigável pelo juiz, no procedimento de arrolamento sumário, não se
condiciona à prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas.
Isso significa que no arrolamento sumário é possível homologar a partilha mesmo sem a quitação dos tributos
relativos aos bens do espólio e às suas rendas? NÃO. Não é isso. Em relação ao CPC/73, o NCPC apenas
desvinculou o encerramento do processo de arrolamento sumário à quitação dos tributos gerados com a transmissão
propriamente dita, permitindo que, com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, sejam
expedidos desde logo os respectivos formais ou a carta de adjudicação. Contudo, essa inovação normativa do § 2º
do art. 659 do CPC/2015 em nada altera a condição estabelecida no art. 192 do CTN, de modo que, no arrolamento
sumário, o magistrado deve exigir a comprovação de quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas
rendas para homologar a partilha e, na sequência, com o trânsito em julgado, expedir os títulos de transferência de
domínio e encerrar o processo, independentemente do pagamento do imposto de transmissão. Assim, para que haja
a homologação da partilha, mesmo no caso de arrolamento sumário, continua sendo indispensável que haja a prévia
quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas. Essa exigência, como já dito, tem como
fundamento o art. 192 do CTN, que continua em vigor e deve ser interpretado em conjunto com o art. 659, § 2º do
CPC. Desse modo, segundo o que dispõe o art. 192 do CTN, a comprovação da quitação dos tributos referentes aos
bens do espólio e às suas rendas é condição sine qua non (indispensável) para que o magistrado proceda a
homologação da partilha.
9.7. Tribunal de Justiça não pode editar provimento fixando prazo para a propositura da ação de
restauração de autos: Tribunal de Justiça não tem competência para, por meio de provimento da respectiva
Corregedoria, estabelecer prazo para a propositura de ação de restauração de autos. Caso concreto: houve um
incêndio no fórum de Poção de Pedras (MA) e os autos queimaram. Diante disso, a Corregedoria do TJ/MA editou
um provimento fixando um prazo para que as partes requeressem a restauração dos autos, sob pena de serem
obrigadas a propor novamente a ação principal. O STJ não concordou e afirmou que o TJ não poderia ter editado
essa norma. Ao estabelecer prazo para a propositura da ação de restauração de autos com a apresentação dos
documentos necessários, o TJ/MA editou uma verdadeira norma sobre processo civil (norma processual), cuja
competência legislativa foi atribuída privativamente à União (art. 22, I, CF/88).
10.1. Ação proposta por associação de moradores cobrando taxa de manutenção de loteamento
O JEC detém competência? SIM, cf. o art. 3º, II da L. 9.099 (o qual, por sua vez, refere-se ao art. 275, II, b do
CPC/73). Vale ressaltar que, mesmo o CPC/73 tendo sido revogado, essa relação prevista no art. 275, II, b ainda é
utilizada para definir a competência dos Juizados Especiais, por força do art. 1.063 do CPC. Assim, o condomínio
possui legitimidade p/ ajuizar ação de cobrança de débitos condominiais no Juizado Especial, sendo de
131
competência do Juizado julgar esta demanda. E no caso de se tratar de associação de moradores? O STJ disse o
seguinte: são situações diferentes, porém, apresentam muita semelhança, de forma que se pode aplicar o mesmo
raciocínio jurídico p/ fins de fixação de competência.
Essa associação de moradores terá êxito quanto ao mérito? Não. Segundo o STJ, as taxas de manutenção criadas
por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram.
10.2. Lei 13.728/18: novo art. 12-A da Lei 9.099/95, que estabelece a contagem dos prazos em dias úteis nos
Juizados Especiais
DIREITO PENAL
1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
É possível aplicar o princípio da insignificância em favor de um réu reincidente ou que já responda a outros
inquéritos ou ações penais (= contumácia do agente)?
Jurisprudência: A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além
da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente,
elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. A reincidência não impede, por si só, que o juiz
da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto. Na hipótese de o juiz da
causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações
em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral,
em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, "c", do CP no caso concreto, com base no
princípio da proporcionalidade. STF. Plenário. J. em 03/08/15 e repetido no STF. 1ª T. J. em 28.08.2018.
Fatos: João foi denunciado por tentar furtar do galinheiro da vítima um galo, quatro galinhas caipiras, uma
galinha garnizé e três quilos de feijão, bens avaliados em pouco mais de cem reais. Nas instâncias inferiores, o
princípio da insignificância foi negado pelo fato de o réu já responder a outra ação penal por furto.
Decisão: o STF, contudo, decidiu conceder o benefício e absolver o acusado: “Em regra, a habitualidade delitiva
específica (ou seja, o fato de o réu já responder a outra ação penal pelo mesmo delito) é um parâmetro (critério) que
afasta o princípio da insignificância mesmo em se tratando de bem de reduzido valor. Excepcionalmente, no
entanto, as peculiaridades do caso concreto podem justificar o afastamento dessa regra e a aplicação do princípio,
com base na ideia da proporcionalidade. É o caso, p. ex., do furto de um galo, quatro galinhas caipiras, uma galinha
garnizé e três quilos de feijão, bens avaliados em pouco mais de cem reais. O valor dos bens é inexpressivo e não
houve emprego de violência. Enfim, é caso de mínima ofensividade, ausência de periculosidade social, reduzido
grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão jurídica. Mesmo que conste em desfavor do réu outra ação
penal instaurada por igual conduta, ainda em trâmite, a hipótese é de típico crime famélico A excepcionalidade
também se justifica por se tratar de hipossuficiente. Não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho do
Estado-polícia e do Estado-juiz movimente-se no sentido de atribuir relevância a estas situações. STF. 2ª Turma. J.
em 14/8/18.
Assim, não há uma regra geral e absoluta para a aplicação do princípio da insignificância em favor de
reincidentes ou réus que já possuam outras ações penais. No Info 910, p. ex., foi noticiado um julgado no qual o
STF negou a aplicação do referido princípio tendo como principal fundamento a circunstância de o réu ser
reincidente.
STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, como o réu era reincidente, em vez de absolvê-lo, o
Tribunal utilizou esse reconhecimento para conceder a pena restritiva de direitos, afastando o óbice do art. 44,
II, do CP
Fatos: Antônio foi denunciado por tentar furtar quatro frascos de xampu de um supermercado, bens avaliados
em R$ 31,20. O réu foi condenado pelo art. 155 c/c art. 14, II, do CP a uma pena de 8 meses de reclusão. Foi
aplicado o regime inicial semiaberto e negada a substituição por pena restritiva de direitos. A defesa impetrou
habeas corpus pedindo a absolvição do condenado com base na aplicação do princípio da insignificância. O
“problema” é que Antônio é reincidente (já possuía uma condenação anterior por furto).
Decisão: A 1ª Turma do STF adotou uma posição “intermediária”. Como o réu era reincidente em crimes
patrimoniais, o STF decidiu que não se poderia aplicar o princípio da insignificância para absolver o agente. Mas,
apesar disso, o STF concedeu HC de ofício para que a PPL imposta ao condenado seja substituída por PRDs. O
ponto interessante foi o seguinte: pela teoria tradicional, o reconhecimento do princípio da insignificância gera a
absolvição do réu pela atipicidade material. Em outras palavras, o agente não responde por nada. Fica livre. No
caso concreto, contudo, o STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, em vez de absolver o agente, utilizou
esse reconhecimento para conceder a substituição da PPL por PRD, afastando o óbice do art. 44, II, do CP. Desse
modo, o princípio da insignificância pode ser utilizado em alguns casos para não absolver o agente, mas conceder a
ele benefício penal, como por exemplo, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos,
132
mesmo havendo óbice legal. Situação parecida já havia sido reconhecida pelo Plenário do STF no julgado de 2015.
O Min. Alexandre de Moraes afirmou que, em pequenas comunidades, a substituição da pena privativa de liberdade
por medida restritiva de direito, a permitir que as pessoas vejam onde está sendo cumprida, tem valor simbólico e
pedagógico maior do que a fixação do regime semiaberto ou aberto.
Requisito subjetivo para a aplicação do princípio: o STJ construiu a tese de que, para a aplicação do princípio da
insignificância, além do aspecto objetivo, deve estar presente também o requisito subjetivo. Para o requisito
subjetivo estar presente, o réu não poderá ser um criminoso habitual: “Para a aplicação do princípio da
insignificância aos crimes de descaminho, devem ser preenchidos dois requisitos: a) objetivo: o valor dos tributos
não pagos deve ser inferior a 10 mil reais (para o STJ) ou 20 mil reais (para o STF); b) subjetivo: o agente não pode
se tratar de criminoso habitual. Assim, a reiterada omissão no pagamento do tributo devido nas importações de
mercadorias de procedência estrangeira impede a incidência do princípio da insignificância em caso de persecução
penal por crime de descaminho (art. 334 do CP), ainda que o valor do tributo suprimido não ultrapasse o limite
previsto para o não ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda Nacional”. STJ. 6ª T. J. em 20/5/14.
É possível a aplicação do princípio da insignificância para atos infracionais? Sim, cf. posição pacífica do STF e
do STJ, desde que verificados os requisitos necessários para a configuração do delito de bagatela (HC 112400).
Princípio da insignificância e trânsito em julgado: o princípio pode ser reconhecido mesmo após o trânsito em
julgado da sentença condenatória (HC 95570).
1) Furto: aplica-se o princípio em determinadas circunstâncias (pág. 961). Furto qualificado: em regra, não se
aplica (pág. 962). Obs.: ver a diferença entre furto insignificante e furto de pequeno valor (pág. 962).
2) Crimes contra a ordem tributária previstos na Lei 8.137/90 e no descaminho (art. 334 do CP): aplica-se o
princípio. – Há limite máximo de valor para que possa ser aplicado o princípio da insignificância nos crimes
tributários? SIM. - Qual é o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários?
Tradicionalmente, esse valor era de 10 mil reais. Assim, se o montante do tributo que deixou de ser pago era igual
ou inferior a 10 mil reais, não havia crime tributário, aplicando-se o princípio da insignificância.
- Qual era o parâmetro para se chegar a esse valor? Esse valor foi fixado pela jurisprudência tendo como base o art.
20 da Lei 10.522/2002, que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou
inferior a R$ 10.000,00. Segundo a jurisprudência, não há sentido lógico permitir que alguém seja processado
criminalmente pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer será cobrado no âmbito administrativo-
tributário. Nesse caso, o direito penal deixaria de ser a ultima ratio.
- Esse valor de 10 mil reais permanece ainda hoje? NÃO. Recentemente, foi publicada a Portaria MF nº 75, de
29/03/2012, na qual o Ministro da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções
fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00”. Diante
desse aumento produzido pela Portaria, começou a ser defendida a tese de que o novo parâmetro para análise da
insignificância penal nos crimes tributários passou de 10 mil reais (de acordo com o art. 20 da Lei n. 10.522/2002)
para 20 mil reais (com base na Portaria MF 75).
- A jurisprudência acolheu essa tese? STF: SIM, de imediato. Para o STF, o fato de as Portarias 75 e 130/2012 do
Ministério da Fazenda terem aumentado o patamar de 10 mil reais para 20 mil reais produz efeitos penais. Logo, o
novo valor máximo para fins de aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários passou a ser de 20
mil reais. STJ: relutou durante anos para aceitar a tese. O STJ, durante anos, ficou decidindo que o valor de 20 mil
reais, estabelecido pela Portaria MF nº 75/12 como limite mínimo para a execução de débitos contra a União, não
poderia ser considerado para efeitos penais (não deveria ser utilizado como novo patamar de insignificância). O
Tribunal apontava dois argumentos principais: i) a opção da autoridade fazendária sobre o que deve ou não ser
objeto de execução fiscal não pode ter a força de subordinar o exercício da jurisdição penal; ii) não é possível
majorar o parâmetro previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002 por meio de uma portaria do Ministro da Fazenda. A
portaria emanada do Poder Executivo não possui força normativa passível de revogar ou modificar lei em sentido
estrito. Porém, O STJ, vendo que as suas decisões estavam sendo reformadas pelo STF, decidiu alinhar-se à
posição do Supremo e passou a também entender que o limite para a aplicação do princípio da insignificância nos
crimes tributários e no descaminho subiu realmente para R$ 20 mil.
- Esse valor deve ser calculado quando? No momento da sentença, ele deve ser atualizado com juros e correção
monetária para saber se passa do teto de R$ 20 mil? NÃO. Para se verificar a insignificância da conduta, deve-se
levar em consideração o valor do crédito tributário apurado originalmente no procedimento de lançamento. Assim,
os juros, a correção monetária e eventuais multas de ofício que incidem sobre o crédito tributário quando ele é
cobrado em execução fiscal não devem ser considerados para fins de cálculo do princípio da insignificância (STJ).
- Para o STF, é possível aplicar o novo limite (de 20 mil reais) mesmo que o fato tenha ocorrido antes da Portaria
75/2012? SIM. Para o STF, o limite imposto por essa portaria (20 mil reais) pode ser aplicado de forma retroativa
para fatos anteriores à sua edição considerando que se trata de norma mais benéfica.
- Esse valor é considerado insignificante tanto no caso de crimes envolvendo tributos federais, como também
estaduais e municipais? NÃO. Esse parâmetro vale, a princípio, apenas para os crimes que se relacionam a tributos
federais, considerando que é baseado no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, que trata dos tributos federais. Assim, esse
é o valor que a União considera insignificante. Para fins de crimes de sonegação fiscal que envolvam tributos
estaduais ou municipais, deve ser analisado se há lei estadual ou municipal dispensando a execução fiscal no caso
de tributos abaixo de determinado valor. Esse será o parâmetro para a insignificância (STJ).
3) Descaminho: aplica-se, inclusive, com base nas explicações e critérios acima. O STJ, porém, afirma que devem
ser preenchidos dois requisitos: objetivo: valor inferior a R$ 10 mil (STJ) ou R$ 20 mil (STF); subjetivo: em
regra, o agente não pode se tratar de criminoso habitual (reiteração criminosa). Segundo afirmou o STJ, o princípio
da insignificância é verdadeiro benefício na esfera penal, razão pela qual não há como deixar de se analisar o
passado criminoso do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes pelo mesmo autor, os
quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Imprescindível, assim, o efetivo exame das circunstâncias
objetivas e subjetivas do caso concreto, porquanto, de plano, aquele que reitera e reincide não faz jus a benesses
jurídicas. Assim, agente que reiteradamente comete descaminho poderá ser beneficiado com o princípio da
insignificância?
• Regra: NÃO. Em regra, não se aplica o princípio da insignificância para o agente que praticou descaminho se
ficar demonstrada a sua reiteração criminosa (criminoso habitual).
134
• Exceção: o julgador poderá aplicar o referido princípio se, analisando as peculiaridades do caso concreto,
entender que a medida é socialmente recomendável.
4) Apropriação indébita previdenciária: aplica-se, nos mesmos moldes em que é aplicada ao crime de descaminho.
5) Crimes ambientais: aplica-se, devendo, no entanto, ser feita uma análise rigorosa, considerando que o bem
jurídico protegido é de natureza difusa e protegido constitucionalmente.
6) “Flanelinha” e exercício da profissão sem registro no órgão competente: cf. o art. 1º da L. 6.242/75, o exercício
da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores (“flanelinha”) depende de registro na
Delegacia Regional do Trabalho competente. Diante disso, caso a pessoa exerça a profissão de “flanelinha” sem
estar registrado na Superintendência Regional do Trabalho, ela poderá ser denunciada pela prática da contravenção
prevista no art. 47 da LCP? NÃO. O STF entende que se aplica, à hipótese, o princípio da insignificância, devendo
ser reconhecida a atipicidade material do comportamento do agente. Há mínima ofensividade e reduzida
reprovabilidade da conduta e a falta de registro no órgão competente não atinge, de forma significativa, o bem
jurídico penalmente protegido. Se há algum ilícito, este não é penal, mas apenas de caráter administrativo.
1.2. Crimes nos quais a jurisprudência rejeita a aplicação do princípio
1) Lesão corporal (STJ).
2) Roubo (STF e STJ).
3) Tráfico de drogas (STJ)
4) Moeda falsa (STJ)
5) Outros crimes envolvendo fé pública - ex.: delito de falsificação de documento público (STF).
6) Contrabando, especialmente porque se trata de crime pluriofensivo (STF e STJ). Vale ressaltar, no entanto, que o
STJ possui alguns precedentes admitindo, de forma excepcional, a aplicação deste princípio para o caso de
contrabando de pequena quantidade de medicamento para uso próprio.
7) Estelionato contra o INSS, sob o argumento de que esse tipo de conduta contribui negativamente com o déficit
da Previdência (STF e STJ).
8) Estelionato envolvendo FGTS, sob o argumento de conduta dotada de acentuado grau de reprovabilidade (STF).
9) Estelionato envolvendo o seguro-desemprego, sob o argumento de que se trata de bem protegido a partir do
interesse público (STF).
10) Violação de direito autoral, sob o argumento de que causa prejuízos à indústria fonográfica brasileira, aos
comerciantes legalmente instituídos e ao Fisco (STJ).
11) Posse ou porte de arma de munição, por se tratarem de crime de perigo abstrato, sendo irrelevante inquirir a
quantidade de munição apreendida (STJ). Essa é a regra geral, porém, o STF, em alguns casos, tem reconhecido o
princípio da insignificância para o crime de porte ilegal de munição.
12) Delitos praticados em violência doméstica, dada a relevância penal da conduta. Vale ressaltar que o fato de o
casal ter se reconciliado não significa atipicidade material da conduta ou desnecessidade de pena.
13) Crimes militares: trata-se de tema polêmico, mas a posição majoritária é no sentido de que não se aplica, sob
pena de afronta à autoridade, hierarquia e disciplina, bens jurídicos cuja preservação é importante para o regular
funcionamento das instituições militares. O caso mais comum e que é provável que seja cobrado em prova é o
crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar. Mesmo em reduzida
quantidade, o STF decidiu que não se aplica o princípio da insignificância.
2.2. Prescrição
Interpretação do art. 112 do CP: Se o MP não recorreu contra a sentença condenatória, tendo havido apenas
recurso da defesa, qual deverá ser o termo inicial da prescrição da pretensão executiva? O início do prazo da
prescrição executória deve ser o momento em que ocorre o trânsito em julgado para o MP? Ou o início do prazo
deverá ser o instante em que se dá o trânsito em julgado para ambas as partes, ou seja, tanto para a acusação como
para a defesa?
• Posicionamento pacífico do STJ: o termo inicial da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em
julgado da sentença condenatória para a acusação, ainda que a defesa tenha recorrido e que se esteja aguardando o
julgamento desse recurso. Aplica-se a interpretação literal do art. 112, I, do CP, considerando que ela é mais
benéfica ao condenado.
• Entendimento da 1ª Turma do STF: o início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando a
pretensão executória pode ser exercida. Se o Estado não pode executar a pena, não se pode dizer que o prazo
prescricional já está correndo. Assim, mesmo que tenha havido trânsito em julgado para a acusação, se o Estado
ainda não pode executar a pena (ex.: está pendente uma apelação da defesa), não teve ainda início a contagem do
prazo para a prescrição executória. É preciso fazer uma interpretação sistemática do art. 112, I, do CP. Vale
ressaltar que, com o novo entendimento do STF admitindo a execução provisória da pena, para essa 2ª corrente
(Min. Roberto Barroso) o termo inicial da prescrição executória será a data do julgamento do processo em 2ª
instância. Isso porque se estiver pendente apenas recurso especial ou extraordinário, será possível a execução
provisória da pena. Logo, já poderia ser iniciada a contagem do prazo prescricional.
*Atenção: essa discussão era bastante relevante entre 2009 e 2016, quando a tese majoritária no STF era que a
prisão só ocorreria com o trânsito em julgado da sentença condenatória, pois o art. 112, I do CP fazia com que:
• se o réu fosse condenado, a defesa recorresse e o MP não, esse condenado não podia iniciar o cumprimento da
pena enquanto estivesse pendente o recurso;
• apesar disso, pela redação literal do art. 112, I, do CP, já começava a correr o prazo da prescrição executória.
Juiz não deve decretar o arresto dos bens do condenado como forma de cumprimento forçado da prestação
pecuniária (PRD)
Fatos: João foi condenado a pena de 3 anos de reclusão pela prática do crime de falsidade ideológica (art. 299
do CP). Na sentença, o juiz substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: a) prestação de
serviços à comunidade; b) prestação pecuniária no valor total de R$ 100 mil, montante a ser pago parceladamente
em 36 prestações mensais. O MP afirmou que o prazo para cumprimento da prestação pecuniária é muito longo (36
meses) e que haveria o risco de o condenado não pagar. Diante disso, o MP pediu ao juiz que decretasse o arresto
dos bens do sentenciado, ou seja, eles ficariam indisponíveis para venda.
Decisão: o pedido do MP não deverá ser deferido. Descumprimento da PRD gera a reconversão em PPL (art.
44, § 4º do CP). Desse modo, a legislação previu uma consequência específica para o caso de descumprimento da
pena restritiva de direitos. Isso significa que, se o réu não pagar a prestação pecuniária, a medida a ser adotada pelo
juiz não é a alienação dos bens do condenado para pagamento da dívida, mas sim o “retorno” da PPL. Logo, não
faz sentido decretar o arresto dos bens do condenado considerando que, mesmo que ele descumpra a prestação
pecuniária (espécie de pena restritiva de direitos), não haverá uma execução (cobrança judicial) da quantia. O que
terá que ser feito é a conversão dessa PRD em PPL.
2.4. Execução da pena de multa: O MP possui legitimidade para propor a cobrança de multa decorrente de
sentença penal condenatória transitada em julgado, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda
Pública. Quem executa a pena de multa?
• Prioritariamente: o Ministério Público, na vara de execução penal, aplicando-se a LEP.
• Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias após ser devidamente intimado: a Fazenda Pública irá
executar, na vara de execuções fiscais, aplicando-se a Lei nº 6.830/80.
Procedimento: Agora, com a decisão do STF, o juiz deverá intimar o MP e o MP irá propor a execução da multa
na vara de execução penal. Caso o MP, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90
137
dias, o juiz da execução criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou
estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a observância do rito
da Lei 6.830/80. Obs: se João tivesse sido condenado pela Justiça Federal, quem iria ingressar com a execução
seria prioritariamente o MPF e, apenas subsidiariamente, a União, por intermédio da Procuradoria da Fazenda
Nacional.
O que acontece com o entendimento do STJ manifestado na Súmula 521? Fica superado e a súmula será
cancelada. Isso porque a decisão do STF foi proferida em ação direta de inconstitucionalidade, possuindo, portanto,
eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 102, § 2º, da CF).
2.5. Regime inicial: João, reincidente, foi condenado a uma pena de 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime inicial
fechado, pela prática do crime de furto simples (art. 155, caput, do CP). A defesa postulou a aplicação do regime
aberto com base no princípio da insignificância, considerado o objeto furtado ter sido apenas uma garrafa de licor.
O STF decidiu impor o regime semiaberto. Entendeu-se que, de um lado, o regime fechado deve ser afastado. Por
outro, não se pode conferir o regime aberto para um condenado reincidente, uma vez que isso poderia se tornar um
incentivo à criminalidade, ainda mais em cidades menores, onde o furto é, via de regra, perpetrado no mesmo
estabelecimento. A reincidência delitiva do paciente, que praticou o quinto furto em pequeno município, eleva a
gravidade subjetiva de sua conduta.
Sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a consumação do furto
Dentre as teorias, foi adotada no Brasil a que diz que o art. 17 do CP adotou a teoria absolutamente idôneos.
Fatos: João ingressa em um supermercado e, na seção de eletrônicos, subtrai para si um celular que estava na
prateleira. Ele não percebeu, contudo, que acima deste setor havia uma câmera por meio da qual o segurança do
estabelecimento monitorava os consumidores, tendo este percebido a conduta de João. Quando estava na saída do
supermercado com o celular no bolso, João foi parado pelo segurança do estabelecimento, que lhe deu voz de
prisão e chamou a PM, que o levou até a Delegacia. João foi denunciado pela prática de tentativa de furto. A defesa
alegou a tese do crime impossível por ineficácia absoluta do meio: como existia uma câmera acima da prateleira,
não haveria nenhuma chance de o réu conseguir furtar o objeto sem ser visto. O cometimento do crime seria
impossível porque o meio por ele escolhido (furtar um celular que era vigiado por uma câmera) foi absolutamente
ineficaz.
A tese da defesa é aceita pela jurisprudência? O simples fato de o estabelecimento contar com sistema de
segurança ou vigilância eletrônica (câmera) já é suficiente para caracterizar o crime impossível? NÃO. A existência
de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no
interior de estabelecimento comercial. No caso de furto praticado no interior de estabelecimento comercial
(supermercado, p. ex.) equipado com câmeras e segurança, a jurisprudência entende que, embora esses mecanismos
de vigilância tenham por objetivo evitar a ocorrência de furtos, sua eficiência apenas MINIMIZA as perdas dos
comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto (por completo), a ocorrência de furtos nestes locais.
Existem muitas variáveis que podem fazer com que, mesmo havendo o equipamento, ainda assim o agente tenha
êxito na conduta. Exs.: o equipamento pode falhar, o vigilante pode estar desatento e não ter visto a câmera no
momento da subtração, o agente pode sair rapidamente da loja sem que haja tempo de ser parado etc. É certo que,
na maioria dos casos, o agente não conseguirá consumar a subtração do produto por causa das câmeras; no entanto,
sempre haverá o risco de que, mesmo com todos esses cuidados, o crime aconteça. Desse modo, concluindo: na
hipótese aqui analisada, não podemos falar em ABSOLUTA ineficácia do meio. O que se tem, no caso, é a
inidoneidade RELATIVA do meio. Em outras palavras, o meio escolhido pelo agente é relativamente ineficaz,
visto que existe sim uma possibilidade (ainda que pequena) de o delito se consumar. Sendo assim, se a ineficácia
do meio deu-se apenas de forma relativa, não é possível o reconhecimento do instituto do crime impossível,
previsto no art. 17.
A decisão foi proferida pelo STF. Mas, o STJ já editou Súmula 567-STJ: Sistema de vigilância realizado por
monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não
torna impossível a configuração do crime de furto.
Furto de “cofrinho” contendo R$ 4,80 de uma instituição de combate ao câncer, mediante induzimento de filho
de 9 anos
Fatos: Vânia estava com seu filho de 9 anos na Associação dos Voluntários de Combate ao Câncer, uma
associação civil sem fins lucrativos. Vânia viu um “cofrinho” de moedas em cima da mesa. Ela, então, falou para o
seu filho pegar o “cofrinho” sem que ninguém visse e o colocasse na sua bolsa. O filho fez isso. O fato, contudo,
foi presenciado pela voluntária que trabalha na associação. Assim, quando Vânia e o filho estavam saindo foram
abordadas pela diretora da associação. O caso foi levado à autoridade policial e Vânia denunciada por furto. Em sua
defesa ela invocou o princípio da insignificância considerando que dentro do “cofrinho” havia apenas R$ 4,80.
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Decisão: o STJ refutou a tese. O STJ entendeu que, no caso concreto, não se podia falar em mínima
ofensividade nem havia reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Isso porque para conseguir a
subtração do bem, a ré induziu que seu próprio filho fosse pegar o objeto. Além disso, o crime foi praticado contra
uma instituição sem fins lucrativos que dá amparo a crianças com câncer. Ainda que irrelevante a lesão pecuniária
provocada, porque inexpressivo o valor do bem, a repulsa social do comportamento é evidente.
O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) antes do oferecimento da
denúncia é causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.684/2003?
Fatos: João foi preso em flagrante e denunciado em razão da prática do crime de furto de energia elétrica (art.
155, § 3º do CP). Antes do recebimento da denúncia, João pagou toda a dívida cobrada pela concessionária de
energia elétrica referente aos meses em que houve “gato”. Em razão disso, a defesa pediu a extinção da
punibilidade, com base no art. 9º da Lei nº 10.684/2003.
Lei nº 12.382/2011: Em 2011, foi editada a Lei 12.382, que alterou o art. 83 da Lei 9.430/96 e passou a dispor
sobre os efeitos do parcelamento e do pagamento dos créditos tributários no processo penal. O art. 9º da Lei
10.684/2003 e o art. 83 da Lei 9.430/96 mencionam os crimes aos quais são aplicadas suas regras: • arts. 1º e 2º da
Lei nº 8.137/90; • art. 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária); • Art. 337-A do CP (sonegação de
contribuição previdenciária). Repare, portanto, que o furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) não está listado
nessas duas leis.
Mesmo sem o furto de energia elétrica estar previsto, não é possível aplicar essas regras por analogia em favor
do réu? O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) antes do oferecimento da
denúncia é causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.684/2003?
6ª Turma do STJ: SIM O valor fixado como contraprestação de serviços públicos essenciais como a energia elétrica
e a água, conquanto não seja tributo, possui natureza jurídica de preço público, aplicando-se, por analogia, as
causas extintivas da punibilidade previstas para os crimes tributários. STJ. 6ª Turma. J. em 26/09/2017.
5ª Turma do STJ: NÃO O furto de energia elétrica não pode receber o mesmo tratamento dado aos crimes
tributários, considerando serem diversos os bens jurídicos tutelados e, ainda, tendo em vista que a natureza jurídica
da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, é de tarifa ou preço
público, não possui caráter tributário, em relação ao qual a legislação é expressa e taxativa. Nos crimes
patrimoniais existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena, qual seja, o instituto do
arrependimento posterior, previsto no art. 16 do CP.
3.2. Roubo
Abolitio Criminis promovida pela Lei 13.654/18 no roubo praticado com “arma branca”: v. livro.
3.3. Lei 13.654/2018: Furto e roubo envolvendo explosão de caixas eletrônicos: v. livro.
4.1. Somente ocorre o delito do art. 229 do CP se houver exploração sexual, ou seja, violação à dignidade sexual
Fatos: João era proprietário de um bar e restaurante denominado “Tesouro”. O agente, pretendendo aumentar a
clientela e auferir maiores lucros, convidou mulheres de cidades próximas para se prostituírem no local. Para tanto,
acertou com elas que forneceria hospedagem e alimentação em troca da realização de programas sexuais com clientes
do estabelecimento. Cf. ficou combinado, quando os clientes chegassem ao local as garotas os convenceriam a pagar
bebidas, que eram vendidas por doses e em valores superiores ao de mercado. Em seguida, essas mulheres acertariam
com os clientes a realização de programa sexual num dos quartos do local, mediante o pagamento de valor ao dono do
estabelecimento. Ao fim, a mulher ficaria com o valor correspondente ao programa enquanto o denunciado ganharia
com a venda das bebidas e com o aluguel dos quartos. Diante desses fatos, o MP ofereceu denúncia contra João pela
prática do crime previsto no art. 229 do CP.
Decisão: o STJ entendeu que não houve crime. Argumentos:
1) A finalidade específica e exclusiva do local deve ser a exploração sexual;
2) É necessário o tolhimento à liberdade da pessoa. Isso porque agora o tipo penal do art. 229 do CP fala em
“exploração sexual”. Segundo entendeu a 6ª Turma, somente ocorre exploração sexual, para os fins do art. 229 do CP,
quando houve uma violação à dignidade sexual, um cerceamento à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia
carnal.
3) Punir a conduta de manter um local onde as pessoas possam se prostituir com segurança gera mais riscos e perigos:
o Brasil não pune a prostituição em si, de modo que não se deve impedir que pessoas maiores de idade disponham de
um lugar para o exercício voluntário dessa atividade sexual. A única exigência é que as pessoas que estão se
prostituindo não estejam sendo “exploradas”. Proibir esses locais onde a pessoa possa se prostituir com segurança, em
última análise, significa lançar tais pessoas às mais diversas situações de risco e vulnerabilidade, expondo-as aos
perigos da rua.
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Resumo: Mesmo após as alterações legislativas introduzidas pela Lei 12.015/09, a conduta consistente em manter
Casa de Prostituição segue sendo crime tipificado no art. 229 do CP. Todavia, com a novel legislação, passou-se a
exigir a “exploração sexual” como elemento normativo do tipo, de modo que a conduta consistente em manter casa
para fins libidinosos, por si só, não mais caracteriza crime, sendo necessário, para a configuração do delito, que haja
exploração sexual, assim entendida como a violação à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia carnal. Não
se tratando de estabelecimento voltado exclusivamente para a prática de mercancia sexual, tampouco havendo notícia
de envolvimento de menores de idade, nem comprovação de que o réu tirava proveito, auferindo lucros da atividade
sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das
pessoas, não há falar em fato típico a ser punido na seara penal. Não se trata do crime do art. 229 do CP.
4.4. Lei 13.772/18: crime de registro não autorizado da intimidade sexual: v. livro (art. 216-B do CP).
Diretor de organização social é considerado funcionário público por equiparação para fins penais
Revisão: v. livro.
Fatos: O “Instituto de Solidariedade” é uma organização social que celebrou contrato de gestão com a AP do
DF. João é diretor do Instituto. A referida OS recebeu R$ 300k do Governo do DF para prestar serviços de
assistência social a pessoas carentes. Ocorre que João desviou parte dessa quantia em proveito próprio. Diante
disso, o MP denunciou o agente pela prática de peculato-desvio, delito tipificado no art. 312 do CP. Segundo o MP,
João deveria ser considerado funcionário público por equiparação, nos termos do art. 327, § 1º do CP. A defesa do
réu refutou essa afirmação e alegou que João não poderia ser enquadrado no art. 327, § 1º, porque ele era diretor
140
em um instituto que possui natureza jurídica de “organização social” e as organizações sociais não fazem parte da
AP nem podem ser consideradas entidades paraestatais. Para a defesa, o conceito de entidade paraestatal deve ser
interpretado conforme o art. 84, § 1º, da Lei 8.666/93, o qual não inclui as organizações sociais.
Decisão: o STF acolheu a argumentação do MP. O STF, adotando lição da Prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
entendeu que as organizações sociais que celebram contratos de gestão devem ser consideradas “entidades
paraestatais”. Mas e o art. 84, § 1º, da Lei 8.666/93? Não importa para nada aqui. O art. 84, § 1º, da Lei nº 8.666/93
tem influência, ou seja, repercute no âmbito administrativo, mas não constitui parâmetro interpretativo para os crimes
definidos no CP. Para os crimes funcionais, o CP traz uma regra específica no art. 327. Vale ressaltar que o legislador
fez questão de fornecer, no CP, um conceito mais amplo do que o utilizado no D. Administrativo. Assim, o conceito
de funcionário público previsto no art. 327 do CP não se confunde com as definições próprias do direito
administrativo. O caput do dispositivo, que serve como referencial interpretativo dos parágrafos, estabelece que o
conceito de funcionário público agasalhado pelo estatuto é “para os efeitos penais”. Além disso, o título é mais
abrangente do que o geralmente adotado no âmbito do direito administrativo, pois abarca funções temporárias e não
remuneradas. Trata-se, portanto, de um conceito instrumental concebido pelo legislador unicamente para fins de
aplicação da lei penal. A figura equiparada do § 1º é ainda mais ampla. Considera-se funcionário público, para fins
penais, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade parestatal. Recebe igualmente essa qualificação “quem
trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da AP”. Os
requisitos não são cumulativos, e sim, disjuntivos. Isso quer dizer que a acusação não precisa comprovar que a
entidade paraestatal executa atividade típica da AP.
O art. 327, § 1º, é exemplo de norma penal em branco? NÃO. O art. 327, tanto no caput como no § 1º, não pode
ser considerado como norma penal em branco. Não é necessário buscar seu complemento em outro ato normativo. Na
verdade, o art. 327 do CP é uma norma interpretativa.
São considerados “funcionários públicos” para fins penais : Diretor de organização social; Administrador de
Loteria; Advogados dativos; Médico de hospital particular credenciado/conveniado ao SUS (após a Lei 9.983/00);
Estagiário de órgão ou entidade públicos. Cuidado: Depositário judicial NÃO é considerado funcionário público
Depositário judicial não é funcionário público para fins penais, porque não ocupa cargo público, mas a ele é atribuído
um munus, pelo juízo, em razão do fato de que determinados bens ficam sob sua guarda e zelo. STJ. 6ª Turma. J. em
13/03/18.
5.4. Corrupção passiva não exige a comprovação de que a vantagem indevida esteja vinculada à prática de
“ato de ofício” por parte do funcionário público
Fatos: Gilberto era funcionário da “Avitation Ltda.”, uma empresa privada concessionária do uso de área destinada
a carga e descarga de aeronaves no Aeroporto Internacional de São Paulo. Gilberto trabalhava no local controlando as
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cargas que vinham nas aeronaves. Housseim, fugindo das autoridades do Líbano, fugiu daquele país em um avião de
carga e chegou no Aeroporto de São Paulo. Ele foi encontrado por Gilberto, tendo oferecido ao brasileiro R$ 1 mil
para que ele o ajudasse a ingressar no país, sem ser visto pela PF. Gilberto aceitou a proposta, mas foi flagrado pelas
câmeras do aeroporto e preso pela PF. O MPF denunciou Gilberto pela prática de corrupção passiva, delito tipificado
no art. 312 do CP e Housseim pela prática de corrupção ativa (art. 333 do CP). O juiz absolveu os réus sob o
argumento de que Gilberto não detinha competência para permitir a entrada de estrangeiro, circunstância que excluiria
os crimes. O magistrado afirmou que controlar a entrada dos estrangeiros no Brasil não era um “ato de ofício” de
Gilberto e, portanto, faltou um elemento objetivo dos tipos acima descritos.
Decisão: o STJ concordou com o juiz em relação a Husseim, mas não em relação a Gilberto.
Corrupção passiva não exige que o ato que o agente prometeu praticar esteja dentro de suas competências formais:
Ao se ler o art. 317 do CP percebe-se que o agente deve ter solicitado ou recebido a vantagem “em razão” da sua
função. Isso não significa, contudo, que o ato que ele prometeu praticar deve estar dentro das competências formais
do agente. Assim, para a configuração do delito de corrupção passiva exige-se apenas que haja um nexo causal entre a
oferta (ou promessa) de vantagem indevida e a função pública exercida. Em outras palavras, o agente recebeu “em
razão” da função que ele exerce. No entanto, não é necessário que o ato esperado pelo agente esteja dentro das
competências formais do agente.
Exigência de “ato de ofício” aparece apenas para o crime de corrupção ativa : a expressão “ato de ofício” aparece
apenas no caput do art. 333 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção ativa, e não no caput do art.
317 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção passiva. Ao contrário, no que se refere a corrupção
passiva, a expressão “ato de ofício” figura apenas na majorante do art. 317, § 1º, do CP e na modalidade privilegiada
do § 2º do mesmo dispositivo, o que reforça a ideia de que o caput do art. 317 do CP não exige ato de ofício.
Não foi atecnia do legislador, mas sim opção legislativa : no caso de crime de corrupção passiva (art. 317 do CP), o
legislador não praticou uma atecnia, ou falou menos do que desejava. Houve, na verdade, uma nítida opção legislativa
direcionada a ampliar a abrangência da incriminação por corrupção passiva, quando comparada ao tipo de corrupção
ativa, a fim de potencializar a proteção ao aspecto moral do bem jurídico protegido (a probidade da AP). Assim, “Para
a aptidão de imputação de corrupção passiva, não é necessária a descrição de um específico ato de ofício, bastando
uma vinculação causal entre as vantagens indevidas e as atribuições do funcionário público, passando este a atuar não
mais em prol do interesse público, mas em favor de seus interesses pessoais” (STF).
Conclusões: 1ª) não tem razão o MP quando pleiteia a condenação de Housseim, pois o tipo penal a ele imputado,
de fato, exige que a vantagem indevida seja oferecida ou prometida para determinar que funcionário público pratique,
omita ou retarde ato de ofício, isto é, que está dentro de suas atribuições funcionais formais. Como Gilberto não tinha
competência para realizar controle imigratório no Aeroporto Internacional de São Paulo/SP, Housseim não ofereceu
nem prometeu vantagem indevida a funcionário público para que ele praticasse “ato de ofício”; 2ª) tem razão o MP
quando pleiteia a condenação de Gilberto.
Mas, para condenar por corrupção passiva não se exige que também se condene pela corrupção ativa? NÃO.
Prevalece o entendimento de que, via de regra, os crimes de corrupção passiva e ativa, por estarem previstos em tipos
penais distintos e autônomos, são independentes, de modo que a comprovação de um deles não pressupõe a do outro.
5.5. O pagamento integral do imposto sonegado extingue apenas a punibilidade da sonegação fiscal, mas não
influencia no delito de corrupção ativa que foi praticado em conjunto pelo agente
Fatos: João, sócio de uma empresa, ofereceu e pagou vantagem pecuniária (propina) ao fiscal de tributos para que
pudesse recolher um valor menor de imposto do que era realmente devido. Assim, em vez de pagar R$ 400 mil de
imposto, João pagou apenas R$ 100 mil. Para fazer isso, João prestou declaração falsa e o fiscal, mesmo sabendo que
era inverídica, aceitou como se fosse verdadeira. Esse fato foi descoberto pela Administração Tributária que, após
apurar os tributos realmente devidos, encaminhou notícia crime ao MP. Em tese, os crimes praticados por João foram:
corrupção ativa (art. 333 do CP) e sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90). Ocorre que, Antes que a denúncia
fosse oferecida pelo MP, João correu e pagou a diferença do imposto devido, ou seja, os R$ 300 mil mais multa, juros
e correção monetária.
O pagamento do tributo gera algum efeito penal com relação ao delito de sonegação fiscal? SIM. O pagamento
integral do débito fiscal realizado pelo agente é causa de extinção de sua punibilidade, conforme prevê a Lei
10.684/03.
O pagamento do tributo gera também a extinção da punibilidade com relação ao crime de corrupção ativa? NÃO.
O art. 9º da Lei nº 10.684/2003 menciona os crimes aos quais são aplicadas suas regras: • arts. 1º e 2º da Lei nº
8.137/90; • art. 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária); • Art. 337-A do CP (sonegação de contribuição
previdenciária). Repare, portanto, que a corrupção ativa (art. 333 do CP) não está listado nessas duas leis. Isso porque
o objetivo do legislador, ao fixar essa extinção de punibilidade pelo pagamento, é o de arrecadar. Os crimes tributários
(delitos fiscais) são utilizados pelo Estado como uma forma de cobrança. Trata-se de um modo de estimular que o
sonegador pague o tributo devido, sob a “ameaça” do processo criminal.
Mesmo sem a corrupção ativa estar prevista, não é possível aplicar essa regra por analogia em favor do réu? NÃO.
São delitos totalmente distintos, com bem jurídicos tutelados igualmente diversos. A extinção da punibilidade dos
crimes de cunho fiscal, pelo pagamento do tributo é justificado porque assim se estará protegendo a ordem tributária e
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garantindo a efetividade da arrecadação estatal. Em outros termos, o Fisco vai receber aquilo que lhe devem. Por
outro lado, no crime de corrupção ativa, o bem jurídico tutelado é o normal funcionamento e o prestígio da AP. Nesse
sentido, oferecer a funcionário público vantagem ilícita para que cobre menos tributo é, em tese, conduta de maior
reprovabilidade e não merece, por isso mesmo, benefício de extinção da punibilidade. Aceitar a extinção da
punibilidade para a corrupção ativa subverteria a ordem da AP e estimularia o mesmo comportamento de outros
agentes públicos. O mero pagamento do tributo devido não tem a força de apagar a agressão feita à AP com o crime
de corrupção ativa.
5.6. Pratica corrupção passiva o Deputado que concede apoio político à permanência de Diretor da
Petrobrás em troca do recebimento de propina: Deputado Federal integrava a cúpula de um partido de
sustentação do governo federal. Como importante figura partidária, ele exercia pressão política junto à Presidência
da República a fim de que Paulo Roberto Costa fosse mantido como Diretor de Abastecimento da Petrobrás. Como
“contraprestação” por esse apoio, o Deputado recebia dinheiro do referido Diretor, quantia essa oriunda de
contratos ilegais celebrados pela Petrobrás. O STF entendeu que esta conduta se enquadra no crime de corrupção
passiva (art. 317 do CP).
Explicação: O regime presidencialista brasileiro confere aos parlamentares um poder que vai além da elaboração e
votação de lei e outros atos normativos. Os parlamentares possuem intensa participação nas decisões de governo,
inclusive por meio da indicação de cargos no Poder Executivo. Essa dinâmica é própria do sistema presidencialista
brasileiro, que exige uma coalizão para viabilizar a governabilidade. Trata-se do chamado “presidencialismo de
coalizão”. Não se pode esquecer, contudo, que a CF atribui ao CN competência para fiscalizar e controlar os atos do
Poder Executivo, incluídos os da AP Indireta (art. 49, X, da CF/88). Vale lembrar, inclusive, que o CN possui poderes
próprios de autoridade judicial quando instituídas comissões parlamentares de inquérito para apuração de fatos
determinados (art. 58, § 3º). Ademais, para evitar conflitos de interesses, os Deputados e Senadores são proibidos de:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de
economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas
uniformes; e b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad
nutum", nas entidades constantes da alínea anterior. Isso demonstra que os parlamentares devem manter
independência em relação ao Poder Executivo para o exercício de suas atribuições. Nesse contexto, se um parlamentar
recebe vantagens indevidas em troca de sustentação política a um diretor da Petrobrás, isso significa evidente omissão
em sua função de fiscalizar a lisura dos atos do Poder Executivo. O exercício ilegítimo da atividade parlamentar,
mesmo num governo de coalizão, é apto a caracterizar o crime de corrupção passiva. Esse tipo penal tutela a
moralidade administrativa e tem por finalidade coibir e reprimir a mercancia da função pública, cujo exercício deve
ser pautado exclusivamente pelo interesse público. O STF afastou o argumento da defesa de que se estaria
“criminalizando a atividade político-partidária”. Não é nada disso. A atividade política continua sendo permitida,
sendo lícito que partidos políticos apoiem determinada pessoa para os cargos de destaque do governo (exs:
ministérios, diretorias etc.). O que se está punindo, neste caso, são atos que transbordaram os limites do exercício
legítimo do mandato, ou seja, puniu-se um Deputado que recebia propina para dar sustentação política a um Diretor
de estatal.
Lavagem de dinheiro: o STF entendeu que o Deputado praticou a lavagem pelo fato de ter recebido a propina em
depósitos bancários fracionados, em valores que não atingem os limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à
comunicação compulsória dessas operações. Ex.: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo
depósito acima de R$ 20 mil deveria ser comunicado ao COAF; diante disso, o Deputado recebia depósitos periódicos
de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o crime de lavagem. Trata-se de uma forma de
ocultação da origem e da localização da vantagem pecuniária recebida pela prática do crime anterior. Além disso, a
apresentação de informações falsas em declarações de ajuste anual de imposto de renda foi uma forma de tentar dar
um ar de licitude a patrimônio oriundo de práticas delituosas.
6.1. Homicídio
O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo
eventual
O que isso quer dizer? Nem todo mundo que, dirigindo embriagado, causar a morte de outra pessoa, terá que
responder por homicídio doloso (dolo eventual). Não há uma correlação obrigatória, automática, entre embriaguez
ao volante e dolo eventual. A embriaguez ao volante é uma circunstância negativa que deve ser levada em
consideração no momento de se analisar se o réu agiu ou não com dolo eventual. No entanto, não se pode
estabelecer como premissa que qualquer sempre haverá dolo eventual nesse caso. Desse modo, não existe uma
presunção de que o condutor que mata alguém no trânsito praticou o crime com dolo eventual.
Embriaguez ao volante + outros elementos = dolo eventual : para que fique configurado o dolo eventual, além da
embriaguez ao volante é necessário que haja outros elementos nos autos de que o condutor estivesse dirigindo de
forma a assumir o risco de provocar acidente sem se importar com eventual resultado fatal de seu comportamento.
Ex1: condutor, além de embriagado, dirigia o automóvel em velocidade muito acima do permitido. Ex2: condutor,
além de embriagado, dirigia o automóvel, propositalmente, em zigue-zague na pista ou fazendo sucessivas
ultrapassagens perigosas. Ex3: recentemente, o STF decidiu que configura dolo eventual o caso do condutor
embriagado que entrou na contramão e atingiu uma motocicleta, causando a morte da vítima. Enfim, além da
embriaguez, deve haver um plus, isto é, uma circunstância a mais que caracterize o dolo eventual.
O juiz, no fim da 1ª fase do procedimento, pode desclassificar a conduta do réu que dirigia o carro embriagado
para homicídio culposo ou isso seria uma forma de usurpar do Júri a competência para decidir o tema (art. 5º,
XXXVIII, “d”, da CF)? Chegando um caso de homicídio causado por condutor embriagado, o juiz deverá
obrigatoriamente pronunciar o réu para que o Tribunal do Júri decida se houve dolo eventual ou culpa
consciente? O juiz pode desclassificar sim. Ele não é obrigado a remeter para o Plenário do Júri e isso não viola o
art. 5º, XXXVIII, “d”, da CF/88. A primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri tem o objetivo
principal de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da
acusação (iudicium accusationis) funciona, assim, como um filtro pelo qual somente passam as acusações
fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). Não é uma
tarefa fácil distinguir, na prática, o que seja dolo eventual ou culpa consciente, especialmente em homicídios
causados na direção de automóvel. Isso porque é sempre muito difícil ter certeza sobre o elemento anímico que
move a conduta do agente. Se essa dificuldade existe para o julgador togado, “que emite juízos técnicos apoiados
em séculos de estudos das ciências penais, o que se pode esperar de um julgamento realizado por pessoas que não
possuem esse saber e que julgam a partir de suas íntimas convicções, sem explicitação dos fundamentos e razões
que definem seus julgamentos?”. Se o legislador criou um procedimento bifásico para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida, em que a primeira fase se encerra com uma avaliação técnica, empreendida por um juiz
togado, o qual se socorre da dogmática penal e da prova dos autos, e mediante devida fundamentação, não se pode,
então, desprezar esse “filtro de proteção para o acusado” e submetê-lo ao julgamento popular sem que se façam
presentes as condições necessárias e suficientes para tanto.
Dirigir alcoolizado na contramão: reconhecimento de dolo eventual: Verifica-se a existência de dolo eventual no
ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na contramão. Esse é, portanto, um caso
específico que evidencia a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual. O condutor assumiu o risco ou, no
mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte de outrem.
6.2. Injúria
Esposa tem legitimidade para propor queixa-crime contra autor de postagem que sugere relação extraconjugal
do marido: A esposa tem legitimidade para propor queixa-crime contra autor de mensagem que insinua que o seu
marido tem uma relação extraconjugal com outro homem. Se alguém alega que um indivíduo casado mantém
relação homossexual extraconjugal com outro homem, a esposa deste indivíduo tem legitimidade para ajuizar
queixa-crime por injúria, alegando que também é ofendida. Caso concreto: Roberto insinuou que Weverton teria
um relacionamento homossexual extraconjugal com outro homem. A mulher de Weverton tem legitimidade para
ajuizar queixa-crime contra Roberto pela prática do crime de injúria.
Obs.: Não é uma questão de substituição processual: Importante esclarecer que a mulher não está substituindo o
Deputado Federal ao propor a ação penal. Ela está ajuizando em nome próprio porque ela se sentiu ofendida pela
insinuação de que seu marido formaria um casal com outra pessoa. A imputação por injúria ocorre quando a pessoa
se sente ofendida em sua honra subjetiva, ou seja, o que os ofendidos pensam de si. Se ela tem razão ou não ao se
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sentir ofendida é uma questão de mérito a ser decidida na ação penal. Negar a legitimidade para propor a queixa-
crime seria impedir que se possa discutir os limites da honra subjetiva.
6.3. Apropriação indébita previdenciária e a L. 13.606/18: acrescentou o § 4º ao art. 168-A do CP: “A faculdade
prevista no § 3º deste artigo não se aplica aos casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos
acessórios, seja superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de
suas execuções fiscais”. Assim, em caso de parcelamento de contribuições previdenciárias cujo valor seja superior
ao estabelecido administrativamente como sendo o mínimo para ajuizamento de suas execuções fiscais, será
vedado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar só a pena de multa, mesmo se o agente for primário e de bons
antecedentes.
6.4. Desacato: O crime de desacato é compatível com a CF e com o CADH. A figura penal do desacato não tolhe o
direito à liberdade de expressão, não retirando da cidadania o direito à livre manifestação, desde que exercida nos
limites de marcos civilizatórios bem definidos, punindo-se os excessos (STF). Desacatar funcionário público no
exercício da função ou em razão dela continua a ser crime, cf. previsto no art. 331 do CP (STJ. 3ª Seção).
1) Desacato não viola a liberdade de expressão
2) Descriminalizar o desacato não traria benefícios porque o fato constituiria injúria
3) Corte IDH admite que excessos na liberdade de expressão sejam punidos.
4) Desacato não é incompatível com o Pacto de São José da Costa Rica
5) Direito à liberdade de expressão não é absoluto
6) Vale ressaltar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável pelo julgamento de situações
concretas de abusos e violações de direitos humanos, tem, reiteradamente, decidido contrariamente ao
entendimento da Comissão de Direitos Humanos, estabelecendo que o direito penal pode sim punir condutas
excessivas no exercício da liberdade de expressão.
7) Desacato não tolhe a liberdade de expressão
8) Não se aplica a teoria da adequação social
6.5. Descaminho: O descaminho é crime tributário FORMAL. Logo, para que seja proposta ação penal por
descaminho não é necessária a prévia constituição definitiva do crédito tributário. Não se aplica a SV 24 do STF 19.
O crime se consuma com a simples conduta de iludir o Estado quanto ao pagamento dos tributos devidos quando da
importação ou exportação de mercadorias (STJ e STF). É dispensada a existência de procedimento administrativo
fiscal com a posterior constituição do crédito tributário para a configuração do crime de descaminho (art. 334 do
CP), tendo em conta sua natureza formal (STF).
Para tipificar o crime do art. 291 do CP, basta que o agente detenha a posse de petrechos destinados à
falsificação de moeda, sendo prescindível que o maquinário seja de uso exclusivo para esse fim
Punição de atos preparatórios: As condutas previstas no art. 291 poderiam ser consideradas como atos
preparatórios do crime de moeda falsa, delito tipificado no art. 289 do CP. Ocorre que, em regra, atos preparatórios
não são punidos criminalmente. Diante disso, o legislador resolveu punir esses atos preparatórios da moeda falsa
como um crime autônomo e, por isso, criou essa figura típica do art. 291. O objetivo, portanto, foi o de evitar que o
agente chegue a iniciar a execução do crime de moeda falsa, motivo pelo qual há quem o chame de autêntico “crime
obstáculo”.
Especialmente destinado é diferente de exclusivamente destinado: O tipo penal fala em maquinismo, aparelho ou
instrumento “especialmente destinado à falsificação de moeda”. A doutrina e a jurisprudência ensinam que essa
expressão não exige que o maquinismo, o aparelho ou o instrumento encontrado seja, exclusivamente, voltado para a
falsificação de moeda. Em outras palavras, o aparelho que for encontrado serve para outras finalidades e também pode
servir para a falsificação de moeda. É o caso de uma impressora. Não se pode dizer que se trata de uma máquina que
sirva exclusivamente para falsificar papel-moeda, mas ela pode sim servir para caracterizar este delito caso fique
comprovado que o agente a tinha para essa especial destinação. O STJ decidiu no mesmo sentido ao manter a
condenação pelo art. 291 do CP contra determinados réus que foram encontrados com uma grande quantidade de
computadores e impressoras “normais”, mas que pelas circunstâncias do caso concreto indicaram que estavam
sendo utilizadas para a falsificação de moeda.
Responsabilidade penal caso o agente falsifique a moeda: Se o agente que possui o aparelho destinado à
falsificação da moeda o utiliza e efetivamente cria uma cédula falsa, ele responderá pelo crime do art. 291 em
concurso com o delito de moeda falsa (art. 289 do CP)? 1ª corrente: SIM. O agente deve ser responsabilizado pelo
crime de pretrechos para falsificação de moeda (art. 291) em concurso material com o delito de moeda falsa (art. 289
do CP). É a posição do próprio Masson e do Rogério Greco. Trata-se da corrente majoritária. 2ª corrente: NÃO.
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Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da
Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
145
Incide o princípio da consunção, resultando na absorção do crime-meio (art. 291) pelo crime-fim, que é o de moeda
falsa (art. 289).
Competência: A competência para processar e julgar este delito é da Justiça Federal porque foi violado um serviço
de interesse federal (art. 109, IV, da CF/88), controlado pelo Banco Central, que é uma autarquia federal.
7.2. Dólar-cabo
Definição: v. livro (é o que fazem os doleiros).
A prática de dólar-cabo é crime? SIM. A prática de dólar-cabo configura o crime de evasão de dividas, previsto no
art. 22, p. u., 1ª parte, da Lei nº 7.492/86.
Definição de dólar-cabo invertido: v. livro.
Vimos acima que o dólar-cabo “tradicional” configura o crime do art. 22 da Lei 7.492/86. E o dólar-cabo
invertido? É possível enquadrar estar conduta no mesmo tipo penal? NÃO. A conduta não se amolda a esse tipo
penal. Veja o que disse o Min. Gilmar Mendes: “A operação de dólar-cabo invertido, que consistiria em efetuar
operação de câmbio não autorizada com o fim de promover a internalização de capital estrangeiro, não se enquadra na
evasão de divisas, na forma do caput do art. 22. Além disso, não há que se cogitar de seu enquadramento no tipo do
parágrafo único do art. 22, uma vez que não podemos presumir que a internalização decorra de valores depositados no
exterior e não declarados à autoridade financeira no Brasil. Ainda, cabe lembrar que, o crime de “manter depósitos
não declarados” no exterior só se perfectibiliza se o dinheiro estivesse depositado no exterior na virada do ano e não
fosse declarado ao Banco Central no ano seguinte, e nada disso consta do decreto de prisão.” (STF. 2ª Turma. J. em
4/9/18). Vale ressaltar, no entanto, que, a depender do caso concreto, esta conduta pode configurar lavagem de
dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98).
9.2. Comentários ao novo tipo penal do art. 24-A da Lei Maria da Penha: importantíssimo (v. livro).
9.3. Fixação do valor mínimo para reparação dos danos prevista no art. 387, IV do CPP: O STJ analisou a
aplicação do art. 387, IV, do CPP nas sentenças proferidas em casos de violência contra a mulher praticados no
âmbito doméstico e familiar. Vejamos as principais conclusões:
O art. 387, IV, do CPP trata apenas de prejuízos materiais ou ele também poderá ser utilizado para danos morais?
O juiz, na sentença criminal, poderá condenar o réu a pagar indenização à vítima por danos morais? SIM. O art.
387, IV, do CPP abrange tanto danos materiais como morais. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma, julgado em 9/8/2016. Isso
porque o art. 387, IV, não limita a indenização apenas aos danos materiais e a legislação penal deve sempre priorizar
o ressarcimento da vítima em relação a todos os prejuízos sofridos.
Para que seja fixado o valor da reparação, deverá haver pedido expresso e formal do MP ou do ofendido? SIM.
Para que seja fixado, na sentença, o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387, IV, do CPP),
é necessário que haja pedido expresso e formal, feito pelo parquet ou pelo ofendido, a fim de que seja oportunizado ao
réu o contraditório e sob pena de violação ao princípio da ampla defesa (STJ. 6ª Turma. J. em 22/03/2018).
É necessário que o MP ou o ofendido, ao fazer o pedido, apontem o valor líquido e certo pretendido? NÃO. Não é
necessário que o Ministério Público ou a vítima quantifique o valor mínimo que pretende ver fixado. Basta que seja
pedida a fixação de valor mínimo a título de reparação do dano causado pelo crime, sem necessidade de mencionar
uma quantia líquida e certa. Assim, p. ex., basta que o MP diga: juiz, fixe a quantia mínima de que trata o art. 387, IV.
Para a fixação do valor da reparação, é necessária a produção de provas dos prejuízos sofridos?
DANOS MATERIAIS: SIM. Em caso de danos materiais, o juiz somente poderá fixar a indenização se existirem
provas nos autos que demonstrem os prejuízos sofridos pela vítima em decorrência do crime.
DANOS MORAIS: NÃO. Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é
possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral independentemente de instrução probatória.
O dano moral é, portanto, considerado como in re ipsa.
10.3. Súmula 607 do STJ: A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da LD) configura-se com a
prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras.
*Outra Súmula relevante: Súmula 528: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior
pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.
10.4. Não incide a causa de aumento de pena do art. 40, III, da LD se o crime foi praticado em dia e horário no
qual a escola estava fechada e não havia pessoas lá
Razão de ser da agravante: A aplicação da causa de aumento de pena prevista no artigo 40, III, da LD, tem como
objetivo punir com mais rigor a comercialização de drogas em determinados locais onde se verifique uma maior
aglomeração de pessoas, de modo a facilitar a disseminação da mercancia, tais como escolas, hospitais, teatros,
unidades de tratamento de dependentes, entre outros.
Situação 1: Ricardo é preso vendendo droga em um beco que fica a 240m da escola pública do bairro. O
Ministério Público denuncia Ricardo pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a causa de
aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração foi cometida nas imediações de uma escola. A
defesa questionou a incidência da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que não houve
comprovação de que o réu se utilizou daquele local com maior concentração de pessoas para potencializar a
disseminação da droga. Além disso, a venda não foi feita para nenhum aluno, funcionário ou frequentador da escola.
A tese da defesa foi acolhida na situação 1? NÃO. A prática do delito de tráfico de drogas nas proximidades de
estabelecimentos de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/06) enseja a aplicação da majorante, sendo desnecessária a
prova de que o ilícito visava atingir os frequentadores desse local (STJ). Justamente por essa razão, o STJ entende que
esta causa de aumento de pena tem natureza objetiva, de forma que não importa a intenção do agente.
Situação 2: João, viciado em droga, liga para Pedro, traficante, pedindo para comprar cocaína. Eles combinam de
se encontrar no domingo, às 2h da madrugada, em frente à escola pública existente no bairro. No momento em que o
traficante está entregando o entorpecente, aparece a viatura da polícia e efetua a prisão em flagrante do agente. O
Ministério Público denuncia Pedro pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a causa de
aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração foi cometida nas imediações de uma escola. A
defesa questionou a incidência da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que a mera proximidade
da escola não basta para configurar a referida majorante, mesmo porque, pelo dia e horário do crime, o
estabelecimento de ensino encontrava-se fechado.
A questão chegou até o STJ. Afinal de contas, neste caso concreto, deve incidir ou não a causa de aumento de pena
do art. 40, III? NÃO. Não incide a causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso III, da LD, se a prática de
narcotraficância ocorrer em dia e horário em que não facilite a prática criminosa e a disseminação de drogas em área
de maior aglomeração de pessoas (STJ). No caso concreto, o crime foi praticado durante a madrugada, em um
domingo, ou seja, em horário em que obviamente a escola não estava em funcionamento. Assim, a proximidade da
escola foi um elemento meramente circunstancial, sem qualquer relação real e efetiva com a traficância realizada pelo
acusado. Ainda que se trate de majorante de cunho precipuamente objetivo - ou seja, não é necessário demonstrar que
o acusado pretendesse atingir as pessoas (notadamente alunos) do estabelecimento de ensino, mas apenas beneficiar-
se de sua proximidade - também não se pode, por outro lado, esquecer de uma interpretação teleológica da norma em
tela. Ora, o aumento de pena imposto àquele que trafica nas dependências ou imediações de estabelecimento de
ensino justifica-se nos benefícios advindos ao agente com a mercancia nas proximidades de tal estabelecimento,
diante da maior circulação de pessoas e da possibilidade de se atingir os frequentadores do local. Essa conclusão não
retira o caráter objetivo da majorante, pois continua sendo desnecessária a demonstração de que o acusado tivesse o
dolo de atingir aquele público específico. Mas é preciso que o cometimento do tráfico naquele local (ou seja, nas
proximidades da escola) represente um proveito ilícito maior ao agente, maximizando o risco exposto àqueles que
frequentam a escola (alunos, pais, professores, funcionários etc).
10.5. Decisão que reconhece detração penal analógica virtual não serve para fins de reincidência
Fatos: Em 2010, João foi preso em flagrante com uma pequena porção de droga. O flagrante foi lavrado como
sendo tráfico de drogas (art. 33 da LD). João foi denunciado e permaneceu preso durante todo o processo, que durou 6
meses. Ao fim do processo, o juiz proferiu sentença desclassificando o delito de tráfico para o crime de porte de
substância entorpecente para consumo próprio (art. 28 da LD). Na própria sentença, o magistrado declarou a extinção
da punibilidade do réu alegando que o art. 28 não prevê pena privativa de liberdade e que o condenado já ficou 6
149
meses preso. Logo, na visão do juiz, o réu não tem mais nada a cumprir. Não houve recurso do MP ou da defesa e este
primeiro processo transitou em julgado.
Detração penal analógica virtual: Veja que o juiz utiliza uma interessante nomenclatura: detração penal analógica
virtual. O que é isso?
Detração: a detração penal ocorre quando o juiz desconta da pena ou da medida de segurança aplicada ao réu o tempo
que ele ficou preso antes do trânsito em julgado (prisão provisória ou administrativa) ou o tempo em que ficou
internado em hospital de custódia (medida de segurança).
Analógica: o juiz afirmou que a detração que ele estava fazendo era “analógica” porque o art. 28 não prevê pena
privativa de liberdade. Logo, o magistrado utilizou-se da analogia para descontar o tempo que o réu ficou preso
preventivamente mesmo o art. 28 não cominando pena de prisão. Em outras palavras, o juiz utilizou-se da analogia
para descontar uma situação que não estava prevista na lei (abater o tempo em que o réu ficou preso mesmo o art. 28
não prevendo pena de prisão).
Virtual: além disso, a detração foi virtual porque o juiz descontou o tempo que o réu ficou preso cautelarmente
mesmo sem condenar o acusado. É como se ele dissesse o seguinte: eu nem vou condenálo pelo art. 28 porque já
reconheço que não há interesse processual nisso.
Segundo fato: Em 2012, João é preso novamente com uma quantidade maior de droga em um local conhecido
como boca-de-fumo. Ele foi denunciado e, ao final, condenado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da LD). Na
sentença, o magistrado considerou que João seria reincidente pelo fato de ter cometido o primeiro crime (aquele de
2010) que expliquei acima. Por conta dessa reincidência, o juiz deixou de aplicar o benefício do art. 33, § 4º, da LD
(tráfico privilegiado). A defesa recorreu alegando que a sentença proferida no primeiro processo e que extinguiu a
punibilidade por levar em conta o tempo de prisão provisória do acusado não teria o condão de gerar a reincidência
para o segundo processo. Em outras palavras, a defesa argumentou que a sentença do primeiro processo não foi
condenatória, mas sim extintiva da punibilidade. O TJ não concordou com o recurso da defesa. Segundo o TJ, o juiz
do primeiro processo extinguiu a punibilidade pelo cumprimento da pena. A extinção da punibilidade pelo
cumprimento da pena não afasta os efeitos secundários da sanção penal. Logo, se a pessoa praticar um novo delito,
será considerada reincidente por força da primeira condenação. A defesa não se conformou com a decisão do TJ e
conseguiu levar o caso até o STJ.
Decisão do STJ: Não se pode reconhecer a reincidência com base em único processo anterior em desfavor do réu,
no qual - após desclassificar o delito de tráfico para porte de substância entorpecente para consumo próprio - o juízo
extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria mais que suficiente para compensar
eventual condenação. Ao contrário do que afirmou o TJ, a decisão do juiz no primeiro processo não foi uma decisão
extintiva da punibilidade pelo cumprimento da pena. No primeiro processo, o juiz proferiu uma decisão extinguindo a
punibilidade alegando que houve o “exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva”. É como se o juiz
tivesse dito: não se pode mais punir o réu porque a prisão cautelar a que ele ficou submetido já foi desproporcional e,
em razão disso, houve o esgotamento da pretensão punitiva. Assim, não se pode dizer que a sentença do primeiro
processo tenha natureza condenatória considerando que ela apenas reconheceu, ainda que implicitamente, que houve
desproporção na adoção de medida acautelatória constritiva.
Réu ficou sem direito à transação penal no primeiro processo : Vale ressaltar, por fim, que poderia ter sido
permitida a realização de transação penal em favor do réu no primeiro processo. Isso só não foi concedido porque o
juiz reconheceu uma solução mais favorável ao acusado, em razão de ele ter ficado preso preventivamente durante
longo tempo, fazendo com que o juiz optasse pela extinção da punibilidade. Assim, se o réu tivesse celebrado
transação penal, ele não seria considerado reincidente neste segundo processo, considerando que a transação penal
não gera maus antecedentes nem reincidência. Desse modo, um segundo argumento que “reforça” a tese da defesa
está no fato de que o réu teria direito à transação penal, situação na qual não haveria dúvidas sobre a inexistência de
reincidência.
Para configurar o delito de calúnia eleitoral, é necessária a comprovação da lesividade da conduta e, se o suposto
atingido afirma não ter se ofendido, não há prova da materialidade: O comitê de campanha do candidato Ronaldo
foi arrombado e de lá furtados dois computadores. Em entrevista concedida a um jornal, Ronaldo teria afirmado que o
maior suspeito do crime era o governo. Em razão das declarações, o MP eleitoral ofereceu denúncia contra Ronaldo
pela prática de calúnia eleitoral (art. 324 do CE), figurando como suposta vítima Teotônio, Governador e candidato a
reeleição. O réu se defendeu alegando que apenas emitiu opinião sobre o ocorrido e que não citou o nome do
Governador. Vale ressaltar que Teotônio (suposta vítima) afirmou que não se sentiu pessoalmente ofendido. Diante
disso, o STF absolveu o réu afirmando que, para configurar o delito de calúnia é necessária a comprovação da
lesividade da conduta e que, como o suposto atingido afirma não ter se ofendido com as declarações, não há prova da
materialidade da conduta delituosa.
150
Candidato que omite, na prestação de contas, recursos utilizados em sua campanha eleitoral: Candidato que omite,
na prestação de contas apresentada à JE, recursos utilizados em sua campanha eleitoral, pratica o crime do art. 350 do
CE. Vale ressaltar que o delito de falsidade ideológica é crime formal. Não exige, portanto, o recolhimento do
material não declarado. Caso concreto: Paulo era candidato a Deputado Federal. A empresa de Paulo pagou R$ 168k
de materiais gráficos para a campanha, mas o candidato não declarou tais despesas na prestação de contas apresentada
à JE.
11.2. Racismo
Palestra proferida por Bolsonaro com críticas aos quilombolas e estrangeiros não configurou racismo: O então
Deputado Federal Jair Bolsonaro proferiu palestra no auditório de determinado clube e ali fez críticas e comentários
negativos a respeito dos quilombolas e também de povos estrangeiros. No trecho mais questionado de sua palestra, ele
afirmou: “Eu fui em um quilombola em El Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete
arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano
gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista,
você compra arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por metade do preço vendido em outra cidade vizinha.
Por que? Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada com nada.” O STF entendeu que a conduta de
Bolsonaro não configurou o crime de racismo (art. 20 da Lei nº 7.716/89). As palavras por ele proferidas estão dentro
da liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV, da CF/88, além de também estarem cobertas pela imunidade
parlamentar (art. 53 da CF/88). O objetivo de seu discurso não foi o de repressão, dominação, supressão ou
eliminação dos quilombolas ou dos estrangeiros. O pronunciamento do parlamentar estava vinculado ao contexto de
demarcação e proveito econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da
liberdade de expressão. Além disso, as manifestações de Bolsonaro estavam relacionadas com a sua função de
parlamentar. Inclusive, o convite para a palestra se deu em razão do exercício do cargo de Deputado Federal a fim de
dar a sua visão geopolítica e econômica do País. Assim, havia uma vinculação das manifestações apresentadas na
palestra com os pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados, de sorte que incide a imunidade
parlamentar.
A incitação de ódio público feita por líder religioso contra outras religiões pode configurar o crime de racismo
Fatos: Tiago, pastor de uma determinada igreja evangélica, publicou, em seu blog, vídeos e posts de conteúdo
religioso nos quais ofendeu líderes e seguidores de outras crenças religiosas diversas da sua (católica, judaica, espírita,
islâmica, umbandista etc.), pregando inclusive o fim de algumas delas e imputando fatos ofensivos aos seus devotos e
sacerdotes. O pastor afirmou, por exemplo, que os seguidores dessas outras crenças “sofrem” e “padecem”, sendo
“estuprados”, “violentados” e “destruídos” por seguirem “caminhos de podridão”. Utilizou expressões como “religião
assassina”, “líderes assassinos”, “prostituta católica”, “prostituta espiritual” e “pilantragem”. Tiago vinculou, ainda,
de forma pejorativa, tais religiões à adoração ao diabo. Diante disso, ele foi denunciado e condenado pela prática do
crime previsto no art. 20, §2º, da Lei 7.716/81. A defesa de Tiago interpôs uma série de recursos até que o caso
chegou ao STF. No STF, alegou a atipicidade da conduta. Segundo a defesa, a condenação ideológica de outras
crenças é inerente à prática religiosa, e se trataria de exercício de uma garantia constitucionalmente assegurada.
Decisão: o STF manteve a condenação. A incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e
seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão.
Hate Speech
Situação deve ser analisada com base no caso concreto: Assim, podemos concluir que é possível a condenação de
um líder religioso pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei 7.716/81) em caso de discursos de ódio público contra
outras denominações religiosas e seus seguidores. Vale ressaltar, no entanto, que essa condenação dependerá do caso
concreto, ou seja, das palavras que foram proferidas e da intenção do líder religioso de suprimir ou reduzir a
dignidade daquele que é diferente de si. Desse modo, não é qualquer crítica de um líder religioso a outras religiões
que configurará o crime de racismo. Nesse sentido, recentemente o STF absolveu um líder religioso dessa imputação
por falta de dolo: “Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se
converterem à sua religião. Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as
religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo. Só haverá racismo se o
discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da
dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente
superior pregar que tem o dever de ajudar os "inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e
de salvação espiritual e, neste caso não haverá conduta criminosa. Na situação concreta, o STF entendeu que o réu
apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve
tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é
inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria
indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente,
elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo”.
151
11.3. Lei Geral de Telecomunicações (S. 606/STJ)
11.4. O art. 305 do CTB é constitucional e não viola o princípio da não autoincriminação: A regra que prevê o
crime do art. 305 do CTB é constitucional, posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao
silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade. Argumentos:
1) Flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação: De fato, a CF/88 prevê, como uma decorrência da
ampla defesa, o direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere). De igual modo, o Pacto de San José da
Costa Rica também assegura esse direito aos acusados. No entanto, para o STF, é “admissível a flexibilização do
princípio da vedação à autoincriminação proporcionada pela opção do legislador de criminalizar a conduta de fugir do
local do acidente”. O legislador, ao exigir que o agente envolvido no acidente continue no local do fato até que sejam
feitos os procedimentos de identificação das pessoas e do sinistro, “não afeta o núcleo irredutível” do direito
fundamental à não autoincriminação. O direito à não autoincriminação preconiza que jamais se pode obrigar o
investigado ou réu a agir ativamente na produção de prova contra si próprio. Ocorre que o tipo penal do art. 305 do
CTB apenas obriga a permanência do agente no local para garantir a identificação dos envolvidos no sinistro e o
devido registro da ocorrência pela autoridade competente. Assim, ele não viola o núcleo da garantia de não
autoincriminação.
2) Obriga-se o condutor a permanecer no local, mas não a “assumir a culpa” (continua “garantido o direito ao
silêncio”): O art. 305 do CTB exige que o agente permaneça no local do acidente e se identifique perante a autoridade
de trânsito. Mas o tipo penal não obriga que o condutor assuma eventual responsabilidade cível ou penal. Se ele
permanecer no local e negar que tenha culpa, não incide o crime do art. 305 do CTB. Vale ressaltar, inclusive, que o
condutor, após sua identificação pela autoridade de trânsito, pode optar por permanecer em silêncio quanto à dinâmica
do acidente e não prestar nenhum esclarecimento sobre como ocorreu o sinistro. Em suma, depois de se identificar,
pode exercer seu direito ao silêncio, que não significará confissão nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa
(art. 186, parágrafo único, do CPP).
4) Fragilização da tutela penal: A criação de empecilhos à responsabilização penal do condutor que foge do local do
acidente fragiliza a tutela penal do Estado e deixa descoberto o bem jurídico que o referido crime deveria proteger.
Além disso, indiretamente, deixa sem proteção direitos fundamentais que um trânsito seguro busca preservar, dentre
eles o direito à vida.
5) Negar a vontade do Parlamento: Descriminalizar o crime de fuga significaria efetivamente negar a vontade do
Parlamento. Essa conduta é criminalizada porque a Constituição promete, em nome do povo, uma sociedade justa e
solidária, o que não poderia ser garantido caso afastada a juridicidade de uma conduta de quem abandona o local do
acidente para fugir à responsabilidade penal e civil.
6) Convenção de Trânsito de Viena: Importante mencionar que existe uma norma de direito internacional que abona
(avaliza) essa opção feita pelo legislador no art. 305 do CTB. Trata-se da Convenção de Trânsito de Viena,
promulgada pelo Decreto 86.714/1981. Esta Convenção prevê que o condutor e demais envolvidos em caso de
acidente devem comunicar a sua identidade, caso isso seja exigido (artigo 31).
7) Precedente do STF na análise do art. 307 do CP (falsa identidade): o STF já tem um precedente análogo. Isso
porque o STF reconheceu que o art. 307 do CP é constitucional e não viola o princípio que veda a autoincriminação.
8) Mesmo no caso de condutas ativas do acusado/investigado têm sido admitidas flexibilizações: O direito do
investigado de não realizar condutas ativas que importem na introdução de informações ao processo também
comporta níveis de flexibilização, muito embora a regra geral seja a da sua vedação. A jurisprudência do STF,
historicamente, adotava uma postura restrita quanto à admissibilidade das intervenções corporais. Contudo, na linha
do que se visualiza no cenário internacional, o STF, gradativamente, iniciou uma caminhada em sentido oposto. Um
precedente exemplificativo desse processo é a Rcl 2.040/DF, na qual se decidiu que a autoridade jurisdicional poderia
autorizar a realização de exame de DNA em material colhido de gestante mesmo sem sua autorização, tendo em vista
o objetivo de investigar possível crime de estupro.
152
9) Se o agente fugiu com medo de eventuais agressões ou para cuidar de um ferimento sofrido, não haverá crime
(“hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade”): Vale ressaltar, por fim, que o abandono do local do
acidente pode ser legitimado em caso de eventual risco de agressões que o condutor possa vir a sofrer por parte dos
populares presentes ou ainda caso ele esteja ferido e precise se deslocar imediatamente em busca de atendimento
médico. Para o Min. Lewandowski, nos casos concretos em que houver perigo de vida do causador do evento caso
permaneça no local do acidente, o juiz poderá aferir a exclusão da antijuridicidade da conduta, tal como a legítima
defesa ou o estado de necessidade. Já para o Min. Alexandre de Moraes, essas situações realmente não configuram
crime, mas por outra razão: atipicidade. Segundo o Ministro, esses casos representam condutas atípicas, uma etapa
anterior à excludente de ilicitude, porque o tipo penal exige que o condutor do veículo se afaste do local do crime
“para fugir à responsabilidade penal ou civil”. Havendo necessidade de o agente evadir-se pelas circunstâncias
apresentadas, não ocorre dolo específico do tipo.
Ausência do crime do art. 89 em conduta de Secretário de Estado que compra, sem licitação, livros didáticos
escolhidos por equipe técnica, de fornecedor exclusivo, sem sobrepreço: Não comete o crime do art. 89 da Lei nº
8.666/93 Secretária de Educação que faz contratação direta, com base em inexigibilidade de licitação (art. 25, I), de
livros didáticos para a rede pública de ensino, livros esses que foram escolhidos por equipe técnica formada por
pedagogos, sem a sua interferência. Vale ressaltar que havia comprovação, por meio de carta de exclusividade emitida
por entidade do setor, de que a empresa contratada era a única fornecedora dos livros na região. Além disso, não
houve demonstração de sobrepreço. Diante dessas circunstâncias, o STF absolveu a ré por ausência de “dolo
específico” (elemento subjetivo especial).
Assinatura de TAC não impede processo penal: A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão
ambiental não impede a instauração de ação penal. Isso porque vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da
independência das instâncias penal e administrativa.
Delito do art. 54 da Lei 9.605/98 é formal: O delito previsto na primeira parte do art. 54 da Lei nº 9.605/98 possui
natureza formal, sendo suficiente a potencialidade de dano à saúde humana para configuração da conduta delitiva, não
se exigindo, portanto, a realização de perícia. Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que
resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora. Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa.
11.7. A prática do delito de tortura-castigo (vingativa ou intimidatória), previsto no art. 1º, II, da Lei nº
9.455/97, é crime próprio: Há um vínculo preexistente, de natureza pública, entre o agente ativo e o agente passivo
do crime. Logo, o delito até pode ser perpetrado por um particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação
de cuidado, proteção ou vigilância), seja em virtude da lei ou de outra relação jurídica.
1. COMPETÊNCIA
Crime cometido no exterior e cuja extradição tenha sido negada: competência da Justiça Federal
Fatos: brasileiro nato praticou crime no exterior e retornou ao Brasil, razão pela qual o pedido de sua extradição
foi negado. Além disso, há previsão específica no Tratado de Extradição firmado entre o Governo da RFB e o
Governo do outro País, que prevê que se não for possível a extradição do indivíduo pelo fato de ele ser nacional do
Estado requerido, então, neste caso, o infrator deverá ser julgado pelo juízo competente do país, em conformidade
com a sua lei, pelos fatos que fundamentaram o pedido de extradição.
Decisão: o STJ decidiu que, neste caso, a competência é da Justiça Federal. Segundo dispõem os arts. 21, I, e
84, VII e VIII, da CF, compete à União manter relações com Estados estrangeiros e cumprir os tratados firmado.
Desse modo, a União possui compromissos internacionais com a apuração criminal (persecutio criminis) em caso
de delitos praticados por brasileiro no exterior e no qual este infrator esteja agora no Brasil e não possa ser
extraditado, devendo responder em nosso país pelo crime cometido lá fora. Há, portanto, interesse da União, que
justifica a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF.
Já houve decisão diversa do STF : O cometimento de crime por brasileiro no exterior, por si só, não atrai a
competência da Justiça Federal, sendo neutra, para tal fim, a prática de atos preparatórios no território nacional.
STF. 1ª Turma. HC 105461/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/3/2016.
Justiça Federal é competente para julgar venda de cigarro importado, permitido pela ANVISA, desacompanhada
de nota fiscal e sem comprovação de pagamento do imposto de importação
Fatos: um camelô vende cigarros do Paraguai, que são aprovados pela ANVISA e podem ser importados e
comercializados no Brasil, desde que cumpridas as obrigações tributárias. O camelô, no entanto, não possuía nota
fiscal dos cigarros apreendidos em sua posse. Ele confessou que adquiriu os cigarros de um rapaz que também mora
em Belo Horizonte e fornece mercadorias para os camelôs.
Crime, em tese, praticado: Descaminho, na figura equiparada prevista no art. 334, § 1º, IV, do CP (descaminho por
assimilação) – v. livro para informações adicionais sobre o crime de descaminho e sua diferença para o crime de
contrabando (págs. 1.152 a 1.154).
Competência: Compete à Justiça Federal processar e julgar a conduta de expor à venda cigarros de importação
permitida pela ANVISA, sem nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação. Como o
descaminho tutela prioritariamente interesses da União, é de se reconhecer a competência da Justiça Federal para
conduzir o inquérito policial e, eventualmente, caso seja oferecida denúncia, julgar a ação penal, aplicando-se o
disposto na Súmula 151-STJ: A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho
define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.
Tese declinatória invocada pela defesa: a fim de afastar a competência da Justiça Federal, alegou-se que não houve
transnacionalidade na conduta do agente. O STJ, porém, rejeitou essa tese. O simples fato do produto mantido em
depósito ter origem estrangeira é suficiente, por si só, para atrair a competência da JF. Os crimes de contrabando e de
descaminho tutelam prioritariamente interesse da União porque a ela compete privativamente definir os produtos que
não podem ingressar no país, além de exercer a fiscalização aduaneira e de fronteira (arts. 21, XXII e 22, VIII, da CF).
Ademais, os impostos exigidos para a entrada de mercadorias no país são tributos de competência da União.
Compete à Justiça Federal julgar os crimes de violação de direito autoral e contra a lei de software relacionados
com o card sharing
Fatos: João é líder de uma organização criminosa que “vende” clandestinamente sinal de TV por assinatura. O
modus operandi da organização criminosa é o seguinte: João assina uma conta de TV paga (ex: NET). Após a
assinatura, ele irá receber um receptor com um cartão dentro. Neste cartão constam os dados necessários para que ele
possa assistir todos os canais do plano contratado. Ocorre que João liga esse aparelho em um computador que lê os
dados do cartão e os repassa para os seus “clientes”, que poderão também assistir à TV por assinatura em suas casas
154
como se tivessem um cartão original. Essa atividade é chamada de “card sharing”. Em uma tradução literal,
significaria algo como “compartilhamento de cartão”. Vale ressaltar que os dados desses cartões são criptografados e
que há uma “quebra” das chaves criptográficas, muitas vezes feita pela internet por especialistas que estão em outras
partes do mundo. No caso de João, a “quebra” das chaves criptográficas dos cartões é feita por crackers situados na
Ásia e Leste Europeu, que enviam, via internet, a João os dados desbloqueados e que são repassados aos clientes.
Crime: prevalece que a prática de “card sharing” é crime. Ainda não há julgado dos Tribunais Superiores
definindo com segurança qual a tipificação legal para esta conduta, no entanto, prevalece que há sim crime. •
Violação de direito autoral (art. 184 do CP). • Crime da Lei de Software (Lei 9.609/98); • Em um caso no qual o
agente montou uma espécie de TV clandestina na qual transmitia ilegalmente a programação de outras televisões e
também uma programação própria, o STJ entendeu que a conduta se amoldava mais ao art. 183 da Lei 9.472/99 • Há
julgados do STJ afirmando que haveria o crime de furto (porém, não envolviam o “card sharing” e o STF tem decisão
em sentido contrário.
Competência: Justiça Federal, com base no art. 109, V da CF. Elementos:
a) Previsão do fato como crime no Brasil: A conduta de compartilhar, de forma ilícita, sinal de TV por assinatura por
meio de serviços de “card sharing” configura os crimes de violação de direito autoral e contra a lei de software.
b) Compromisso de combater este crime assumido pelo Brasil em tratado ou convenção internacional: O Brasil é
signatário da Convenção de Berna, integrada ao ordenamento jurídico nacional através do Decreto nº 75.699/75, e
reiterada na Organização Mundial do Comércio – OMC por acordos como o TRIPS, incorporado pelo Decreto nº
1355/94, com a previsão dos princípios de proteção aos direitos dos criadores. Diversos outros tratados e convenções
multilaterais foram assinados pelo Brasil, fixando garantias aos patrimônios autorais e culturais.
c) Relação de internacionalidade: O terceiro requisito constitucional é de tratar-se de crime à distância, com parcela
do crime no Brasil e outra parcela do iter criminis fora do país. Este requisito também está presente. No “card
sharing” as chaves criptográficas são quebradas por intermédio de especialistas situados em outras partes do mundo.
Verifica-se, nesse contexto, que tais crimes ultrapassam as fronteiras nacionais. Vale ressaltar, ainda, que os aparelhos
decodificadores utilizados para a transmissão do sinal de TV são fabricados na China ou na Coréia e não possuem
selo indicativo de licença do órgão fiscalizatório ou agência reguladora. Com efeito, a simples instalação e utilização
desses equipamentos, sem a devida autorização da ANATEL, por si só, caracteriza conduta capaz de representar
efetivo comprometimento a serviço público relacionado à atividade tecnológica, o que evidencia o interesse jurídico
da referida Agência, justificando, também por este motivo, a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109,
I, da CF.
Compete à Justiça Federal conceder medida protetiva em favor de mulher ameaçada por exnamorado que mora
nos EUA e faz as ameaças por meio do Facebook
Fatos: Gabriela morou nos EUA, onde namorou. Foi ameaçada pelo namorado. Mesmo voltando ao Brasil, a
agonia não teve fim, pois ele ficou enviou mensagens no Facebook ameaçando-a e dizendo que iria até o Brasil matá-
la. Ela procurou a Delegacia da Mulher e a Delegada formulou pedido de medida protetiva de urgência.
Decisão: Compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de
ameaça contra a mulher cometido por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu
resultado ocorrer no Brasil.
Justificativa: (i) trata-se de crime à distância, pois encontra-se o suposto autor das ameaças em território
estrangeiro, de modo que as ameaças foram praticadas nos EUA, mas a suposta vítima teria tomado conhecimento do
seu teor no Brasil; (ii) O crime de ameaça contra mulheres é previsto em tratado ou convenção internacional? Não.
Entretanto, o STF, ao analisar os crimes de pedofilia na Internet, já decidiu entendendo que o crime não precisa estar
previsto em tratado ou convenção internacional. Basta que o Brasil tenha se comprometido a combater essa prática
descrita no tratado ou convenção internacional. Aplica-se, assim, o art. 109, V da CF.
Compete à Justiça Estadual a execução de MS imposta a militar licenciado: vide Processo Penal Militar.
1.2. Restrição do foro por prerrogativa de função e suas consequências (QO na AP 937)
Conceito de foro por prerrogativa de função: Trata-se de uma prerrogativa prevista pela CF, segundo a qual as
pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções só serão processadas e julgadas criminalmente (não engloba processos
cíveis) por determinados Tribunais. Justificativa: entende-se que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem
cargos/funções importantes, só podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos
colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário. Por isso, tecnicamente, não se trata de um privilégio.
Previsão: em regra, só a CF pode prever casos de foro por prerrogativa de função. Porém, excepcionalmente, o art.
125, caput e § 1º, da CF autorizam que as CEs prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função nos TJs, ou seja,
situações nas quais determinadas autoridades serão julgadas originariamente pelo TJ. Vale ressaltar, no entanto, que a
previsão da CE só será válida se respeitar o princípio da simetria com a CF. Isso significa que a autoridade estadual
que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que
tenha foro por prerrogativa de função na CF. Exemplos de autoridades que dependem da CE (algumas CEs preveem
155
que a competência para julgar os crimes por elas praticados é do TJ): • Vice-governadores; • Vereadores. Se a CE não
trouxer nenhuma regra, tais autoridades serão julgadas em 1ª instância.
Disfuncionalidade: Cf. explica o Min. Luís Roberto Barroso, a CF prevê que um conjunto amplíssimo de agentes
públicos responda por crimes comuns perante tribunais. Estima-se que cerca de 37 mil autoridades detenham a
prerrogativa no país. Não há, no Direito Comparado, nenhuma democracia consolidada que consagre a prerrogativa
de foro com abrangência comparável à brasileira. Este modelo amplo de foro por prerrogativa de função
tradicionalmente acarreta duas consequências graves e indesejáveis para a justiça e para o STF: 1ª) Afasta o STF do
seu verdadeiro papel, que é o de Suprema Corte, e não o de tribunal criminal de 1º grau. 2ª) Contribui para a
ineficiência do sistema de justiça criminal. Além disso, as autoridades com foro por prerrogativa de função no STF
ficam sujeitas a julgamento por uma única instância, em desrespeito ao duplo grau de jurisdição, indo de encontro a
TIDH que o Brasil é signatário.
Jurisprudência antiga: o direito ao foro por prerrogativa de função iniciava-se com a diplomação do Deputado ou
Senador e só se encerrava com o término do mandato. Assim, se determinado indivíduo estivesse respondendo a uma
ação penal em 1ª instância, caso ele fosse eleito Deputado, no mesmo dia da sua diplomação cessaria a competência
do juízo de 1ª instância e o processo criminal deveria ser remetido ao STF para ali ser julgado.
Nova jurisprudência: 1) Redução teleológica do foro: Na origem, a prerrogativa de foro tinha como fundamento a
necessidade de assegurar a independência de órgãos e o livre exercício de cargos constitucionalmente relevantes.
Entendia-se que a atribuição da competência originária para o julgamento dos ocupantes de tais cargos a tribunais de
maior hierarquia evitaria ou reduziria a utilização política do processo penal contra titulares de mandato eletivo ou
altas autoridades, em prejuízo do desempenho de suas funções. Assim, o foro privilegiado foi pensado p/ ser um
instrumento destinado a garantir o livre exercício de certas funções públicas, e não para acobertar a pessoa ocupante
do cargo. Por essa razão, não faz sentido estendê-lo aos crimes cometidos antes da investidura nesse cargo e aos que,
cometidos após a investidura, sejam estranhos ao exercício de suas funções. Se o foro por prerrogativa de função for
amplo e envolver qualquer crime (ex.: um acidente de trânsito), ele se torna um privilégio pessoal que não está
relacionado com a proteção do cargo. Além disso, a existência do foro por prerrogativa de função representa uma
exceção ao princípio republicano e ao princípio da igualdade. Tais princípios, contudo, gozam de preferência
axiológica em relação às demais disposições constitucionais. Daí a necessidade de que normas constitucionais que
excepcionem esses princípios – como aquelas que introduzem o foro por prerrogativa de função - sejam interpretadas
sempre restritivamente. Assim, necessária uma redução teleológica do escopo das competências originárias do STF
pela via interpretativa. Conclusão: “As normas da CF que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função
devem ser interpretadas restritivamente, aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o
exercício do cargo e em razão dele. Assim, p. ex., se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser diplomado como
Deputado Federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instância, mesmo ocupando
o cargo de parlamentar federal. Ademais, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no mandato, se
o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado. Foi fixada,
portanto, a seguinte tese: O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício
do cargo e relacionados às funções desempenhadas”.
2) Momento da fixação definitiva da competência do STF: Se o parlamentar federal está respondendo a uma ação
penal no STF e, antes de ser julgado, ele deixe de ocupar o cargo (exs.: renunciou, não se reelegeu etc.), cessa o foro
por prerrogativa de função e o processo deverá ser remetido para julgamento em 1ª instância? O STF decidiu
estabelecer uma regra para situações como essa: • Se o réu deixou de ocupar o cargo antes de a instrução terminar:
cessa a competência do STF e o processo deve ser remetido para a 1ª instância. • Se o réu deixou de ocupar o cargo
depois de a instrução se encerrar: o STF permanece sendo competente para julgar a ação penal. Assim, o STF
estabeleceu um marco temporal a partir do qual a competência para processar e julgar ações penais – seja do STF ou
de qualquer outro órgão jurisdicional – não será mais afetada em razão de o agente deixar o cargo que ocupava,
qualquer que seja o motivo (exs.: renúncia, não reeleição, eleição para cargo diverso). Por que foi necessário
estabelecer este limite temporal? Porque era comum haver um constante deslocamento da competência das ações
penais de competência originária do STF (um verdadeiro “sobe-e-desce” processual). Quando se considera encerrada
a instrução, para os fins acima explicados? Considera-se encerrada a instrução processual com a publicação do
despacho de intimação para apresentação de alegações finais. Por que se escolheu esse critério do encerramento da
instrução? Por três razões: 1ª) Trata-se de um marco temporal objetivo, de fácil aferição, e que deixa pouca margem
de manipulação para os investigados e réus e afasta a discricionariedade da decisão dos tribunais de declínio de
competência; 2ª) Este critério privilegia o princípio da identidade física do juiz, ao valorizar o contato do magistrado
julgador com as provas produzidas na ação penal; 3ª) Já existia precedente do STF adotando este marco temporal.
Tese fixada quanto à 2ª proposição: “Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de
intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais
afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o
motivo”.
Consequência para investigações: se o crime foi praticado antes da diplomação ou se o crime foi praticado depois
da diplomação (durante o exercício do cargo), mas o delito não tem relação com as funções desempenhadas (ex.:
homicídio culposo no trânsito), a investigação pode ser feita pela Polícia (Civil ou Federal) ou MP. Não há
156
necessidade de autorização do STF e as medidas cautelares são deferidas pelo juízo de 1ª instância (ex.: quebra de
sigilo). Porém, se o crime foi praticado depois da diplomação (durante o exercício do cargo) e o delito está
relacionado com as funções desempenhadas (ex.: corrupção passiva), a investigação será feita pela Polícia Federal e
PGR, com supervisão judicial do STF, havendo necessidade de autorização do STF para o início das investigações.
Extensão: o STF entendeu que essa nova jurisprudência vale para outros casos de foro por prerrogativa de função,
no caso, para Ministros de Estado. O STJ, através do mesmo raciocínio, também decidiu que a restrição do foro deve
alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais.
Exceção: por outro lado, o STJ entendeu que a nova jurisprudência não se aplica para desembargador do TJ: Os
Desembargadores dos TJs continuam sendo julgados pelo STJ mesmo que o crime não esteja relacionado com as suas
funções. Assim, o STJ continua sendo competente para julgar quaisquer crimes imputados a Desembargadores, não
apenas os que tenham relação com o exercício do cargo. Isso porque o STJ entendeu que haveria um risco à
imparcialidade caso o juiz de 1º instância julgasse um Desembargador (autoridade que, sob o aspecto administrativo,
está em uma posição hierarquicamente superior ao juiz). Duvidas: 1) Essa mesma exceção poderá ser aplicada para os
membros dos TRFs (“Desembargadores Federais), para os membros dos TRTs (“Desembargadores Federais do
Trabalho”) e para os membros dos TREs? 2) Essa mesma exceção poderá ser aplicada para os membros dos TRFs
(“Desembargadores Federais), para os membros do MPU que oficiem perante tribunais (e que estão listados no art.
105, I, “a”, da CF)? 3) Se o crime praticado pelo Desembargador do Tribunal de Justiça for um “crime federal” (delito
de competência da Justiça Federal), ele poderia ser julgado pelo Juiz Federal de 1ª instância, considerando que eles
não mantêm qualquer vinculação entre si, já que não fazem parte do mesmo Tribunal?
A prerrogativa de foro de membro do MP é preservada quando a possível participação deste em conduta criminosa
é comunicada com celeridade ao PGJ: Se uma pessoa sem foro por prerrogativa está sendo interceptada por decisão
do juiz de 1º grau e ela liga para uma autoridade com foro (ex.: Promotor de Justiça), a gravação desta conversa não é
ilícita. Isso porque se trata de encontro fortuito de provas (encontro fortuito de crimes, serendipidade ou crime
achado). Se após essa ligação, o Delegado ainda demora três dias para comunicar o fato às autoridades competentes
para apurara a conduta do Promotor, este tempo não é considerado excessivo, tendo em vista a dinâmica que envolve
as interceptações telefônicas. Assim, o STF decidiu que a prerrogativa de foro de membro do MP é preservada
quando a possível participação deste em conduta criminosa é comunicada com celeridade ao PGJ. Tais gravações, por
serem lícitas, podem servir como fundamento para que o CNMP aplique sanção de aposentadoria compulsória a este
Promotor.
1.3. Regras para a aplicação da decisão do STF na AP 937 QO/RJ aos processos em curso no STF: (i) Com a
decisão proferida pelo STF, em 03/05/18, na AP 937 QO/RJ, todos os inquéritos e processos criminais que estavam
tramitando no STF envolvendo crimes não relacionados com o cargo ou com a função desempenhada pela autoridade,
foram remetidos para serem julgados em 1ª instância. (ii) O entendimento acima não se aplica caso a instrução já
tenha se encerrado. Em outras palavras, se a instrução processual já havia terminado, mantém-se a competência do
STF para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que o processo apure um crime que
não está relacionado com o cargo ou com a função desempenhada. Isso porque o STF definiu, como 2ª tese, que “após
o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar
outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.
1.4. Busca e apreensão ordenada contra o marido da Senadora, mas cujo cumprimento ocorreu no imóvel
funcional onde ambos residem: deve-se observar as regras de foro privativo: Paulo Bernardo era investigado e o
juiz de 1º grau determinou, contra ele, busca e apreensão. Ocorre que Paulo Bernardo residia com a sua esposa, a
Senadora Gleisi Hoffmann, em um imóvel funcional cedido pelo Senado. Desse modo, a busca e apreensão foi
realizada neste imóvel funcional. O STF entendeu que esta prova foi ilícita (art. 5º, LVI, da CF) e determinou a sua
inutilização e o desentranhamento dos autos de todas as provas obtidas por meio da referida diligência. O STF
entendeu que a ordem judicial de busca e apreensão foi ampla e vaga, sem prévia individualização dos bens que
seriam de titularidade da Senadora e daqueles que pertenciam ao seu marido. Diante disso, o STF entendeu que o juiz,
ao dar essa ordem genérica, acabou por também determinar medida de investigação contra a própria Senadora. Logo,
como ela tinha foro por prerrogativa de função no STF (art. 102, I, “b”, da CF), só o STF poderia ter ordenado
qualquer medida de investigação contra a parlamentar federal. Isso significa que o juiz de 1ª instância usurpou uma
competência que era do STF. Reconheceu, por conseguinte, a ilicitude da prova obtida (art. 5º, LVI, da CF) e de
outras diretamente dela derivadas.
1.5. Competência para julgar caixa 2 conexo com corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Fatos: João praticou as seguintes condutas: a) recebeu R$ 500 mil de propina de uma empresa para praticar atos
ilícitos como agente público; b) recebeu R$ 300 mil de doações eleitorais, por meio de caixa 2, durante sua campanha
para Governador; c) ocultou a origem dos R$ 500 mil de propina simulando ganhos com a venda de gado.
157
Crimes cometidos em tese: a) corrupção passiva (art. 317 do CP); b) falsidade ideológica (art. 350 do Código
Eleitoral); c) lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98). Vale ressaltar que todos os crimes praticados são
conexos.
Competência: Justiça eleitoral. Competirá à Justiça Eleitoral julgar todos os delitos. No concurso entre a jurisdição
penal comum e a especial (como a eleitoral), prevalecerá esta na hipótese de conexão entre um delito eleitoral e uma
infração penal comum. O fundamento para isso está no art. 35, II, do Código Eleitoral e no art. 78, IV, do CPP.
2.1. Decisão proferida em audiência de custódia reconhecendo a atipicidade do fato não faz coisa julgada
Audiência de custódia: é o direito que a pessoa presa possui de ser levada, sem demora (CNJ adotou o máximo de
24h), à presença de um juiz, que irá analisar se os DFs dessa pessoa foram respeitados (ex.: se não houve tortura), se a
prisão em flagrante foi legal ou se deve ser relaxada (art. 310, I, do CPP) e se a prisão cautelar (antes do trânsito em
julgado) deve ser decretada (art. 310, II) ou se o preso poderá receber a liberdade provisória (art. 310, III) ou medida
cautelar diversa da prisão (art. 319). É prevista na CADH, mas não com esse nome. Há quem chame de audiência de
apresentação. Apesar de existir um projeto de lei tramitando no CN, ela ainda não foi regulamentada por lei no Brasil.
Diante desse cenário, e a fim de dar concretude à previsão da CADH, o CNJ, no fim de 2015, aprovou a Resolução
213/2015, que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas.
Participantes: A audiência de custódia será realizada na presença do MP e da DP, caso a pessoa detida não possua
defensor constituído. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante
a audiência de custódia. Se a pessoa presa em flagrante delito constituir advogado até o término da lavratura do auto
de prisão em flagrante, o Delegado de polícia deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns, tais como correio
eletrônico, telefone ou mensagem de texto, para que compareça à audiência de custódia.
Deveres do Juiz: 1) esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões que analisará; 2) assegurar
que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à
integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito; 3) dar ciência sobre seu
direito de permanecer em silêncio; 4) questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos
direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor
público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares; 5) indagar sobre as circunstâncias de
sua prisão ou apreensão; 6) perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da
apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências
cabíveis; 7) verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em
que: a) não tiver sido realizado; b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tratos
referir-se a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial; 8)
abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos
objeto do auto de prisão em flagrante; 9) adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; 10)
averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da
pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química,
para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a
imposição de medida cautelar.
Procedimento: Após o juiz ouvir a pessoa presa, deverá conceder a palavra ao MP e depois à defesa técnica, para
que estes façam reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito
dos fatos que possam constituir eventual imputação. Após concluir a oitiva do flagranteado, pode: 1) determinar o
relaxamento da prisão em flagrante (caso entenda que a prisão foi ilegal); 2) conceder liberdade provisória (com ou
sem medida cautelar diversa da prisão); 3) decretar a prisão preventiva, caso estejam presentes os pressupostos do art.
312 do CPP; 4) decretar outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa.
Fatos: o juiz de plantão decidiu pelo relaxamento da prisão por entender que a conduta praticada pelo flagranteado
seria atípica. O MP poderia ter recorrido (cabe RESE, nos termos do art. 581, V, do CPP), mas não o fez. Meses
depois, o MP apresentou denúncia, que foi recebida. O réu, então, impetrou HC para trancar a ação penal, alegando
que teria havido coisa julgada que estaria sendo violada pela decisão de recebimento da denúncia.
Decisão: indeferido o HC. Na audiência de custódia é feito apenas um juízo preliminar acerca da legitimidade da
prisão em flagrante, analisando se é caso de eventual relaxamento, decretação da prisão preventiva ou concessão de
liberdade provisória. Assim, a decisão proferida na audiência de custódia não é uma decisão de mérito para efeito de
coisa julgada. Ademais, a atipicidade da conduta apontada pelo juiz plantonista, em sede de audiência de custódia, foi
utilizada apenas como fundamento para o relaxamento da prisão. Porém, o juiz plantonista não possuía competência
para determinar o arquivamento dos autos, pois sua atuação estava limitada à análise da regularidade da prisão. A
atuação do Judiciário nesta fase se justifica apenas p/ proteger direitos e garantias do custodiado. Qualquer
consideração feita sobre eventual tipicidade da conduta não produz efeito de coisa julgada, não havendo prolação de
sentença.
2.2. Descumprimento de medida protetiva, prisão preventiva e contravenção penal: v. Direito Penal.
158
2.3. Prisão domiciliar para gestantes, puérperas, mães de crianças e mães de pessoas com deficiência
Prisão domiciliar do CPP x da LEP: no CPP, a prisão domiciliar é uma medida cautelar que substitui a prisão
preventiva pelo recolhimento da pessoa em sua residência. Já na LEP, é medida de execução penal (cumprimento da
pena) na própria residência. As hipóteses também são diferentes (v. arts. 317 e 318 do CPP e o art. 117 da LEP).
Alterações promovidas pela Lei 13.257/16: agora basta que a investigada ou ré esteja grávida para ter direito à
prisão domiciliar - não mais se exige tempo mínimo de gravidez nem que haja risco à saúde da mulher ou do feto.
Além disso, 2 hipóteses novas foram incluídas: mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos; e homem, caso
seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos de idade incompletos. Ocorre que, como a lei diz que
o “juiz poderá”, havia divergência sobre se a medida era obrigatória e facultativa – a maioria da doutrina e dos
julgados do STJ diziam que era facultativa e o juiz deveria analisar, em cada caso concreto, se a prisão domiciliar
seria suficiente.
HC Coletivo: impetrado no STF pedindo que a Corte reconhecesse, de forma ampla e geral, que as presas grávidas
ou com filhos menores de 12 anos possuem direito à prisão domiciliar.
Decisão: (i) conhecimento do HC:
a) Cabimento: 1) Como a ação coletiva é um dos únicos instrumentos capazes de garantir o acesso à justiça dos
grupos mais vulneráveis socioeconomicamente. Nesse sentido, o STF tem admitido com maior amplitude a utilização
da ADPF e do MI coletivo. O HC, por sua vez, se presta a salvaguardar a liberdade. Assim, se o bem jurídico
ofendido é o direito de ir e vir, quer pessoal, quer de um grupo determinado de pessoas, o instrumento processual para
resgatá-lo é o HC, individual ou coletivo. Para o STF, apesar de não haver previsão expressa no ordenamento jurídico,
há 2 dispositivos legais que, indiretamente, revelam a possibilidade de HC coletivo: o art. 654, § 2º e o art. 580,
ambos do CPP20.
2) A CF prevê que o MS é cabível quando não for o caso de HC (art. 5º, LXIX). Há, portanto, uma equivalência entre
esses 2 remédios constitucionais. A CF prevê a existência do MS coletivo (art. 5º, LXX). Por dedução, pode-se
reconhecer a possibilidade do habeas corpus coletivo.
3) O pedido formulado no HC coletivo até poderia, em tese, ser conseguido com uma decisão em ADPF. Mas, o rol
de legitimados da ADPF é mais restrito. Assim, a existência de outras ferramentas disponíveis para suscitar a defesa
coletiva de direitos não deve obstar o conhecimento desta ação. Como o acesso à justiça, sobretudo de mulheres
presas e pobres, é muito difícil em virtude de sua notória deficiência, o Poder Judiciário não pode negar que os vários
segmentos da sociedade civil façam a sua defesa com os mecanismos que dispõem.
4) Um dos argumentos contrários à impetração do HC coletivo era o de que ele beneficiaria um universo de mulheres
indeterminadas ou indetermináveis. Esse argumento foi refutado pelo STF em virtude do fato de que os autores da
ação apresentaram listas contendo nomes e demais dados de inúmeras mulheres presas preventivamente e que se
encontram nesta situação (grávidas ou com filhos de até 12 anos).
5) Competência do STF: Porque muitas das decisões que não concederam a prisão domiciliar para as gestantes e mães
de filhos de até 12 anos foram proferidas pelo STJ e a competência para julgar habeas corpus contra acórdãos do STJ
é do STF. Além disso, era fundamental uma decisão de âmbito nacional do STF para garantir maior isonomia às
partes envolvidas, para permitir que lesões a direitos potenciais ou atuais sejam sanadas com mais celeridade e para
descongestionar o acervo de processos em trâmite no país. Essas razões, somadas ao reconhecimento do estado de
coisas inconstitucional do sistema prisional, bem assim à existência de decisões dissonantes sobre o alcance da
redação do art. 318, IV e V, do CPP, impõem o reconhecimento da competência do STF para o julgamento do writ,
sobretudo tendo em conta a relevância constitucional da matéria.
6) Legitimidade: Diante da inexistência de regramento legal, o STF entendeu que se deve aplicar, por analogia, o art.
12 da Lei 13.300/16, que trata sobre os legitimados para propor MI coletivo. Assim, possuem legitimidade para
impetrar HC coletivo: 1) o MP; 2) o partido político com representação no CN; 3) a organização sindical, entidade de
classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 ano (caso dos autos); 4) a DP.
b) Mérito: 1) Grave deficiência estrutural no sistema carcerário; 2) “Cultura do encarceramento”; 3) O Brasil não tem
conseguido garantir sequer o bem-estar de gestantes e mães que estão soltas; 4) Legislação prevê direitos às mulheres
presas que não estão sendo assegurados; 5) Documentos internacionais que asseguram direitos às pessoas sob custódia
do Estado; 6) Direitos dos filhos também são desrespeitados. Tudo isso para se determinar os parâmetros para a
aplicação dos incisos IV e V do art. 318 do CPP:
REGRA: Em regra, deve ser concedida prisão domiciliar para todas as mulheres presas que sejam gestantes,
puérperas (que deram à luz há pouco tempo), mães de crianças ou mães de PCD.
EXCEÇÕES: Não deve ser autorizada a prisão domiciliar se: 1) a mulher tiver praticado crime mediante violência ou
grave ameaça; 2) a mulher tiver praticado crime contra seus descendentes (filhos e/ou netos); 3) em outras situações
excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. Obs.: o
raciocínio acima explicado vale também para adolescentes que tenham praticado atos infracionais.
20
O art. 654, § 2º estabelece que compete aos juízes e tribunais expedir ordem de HC de ofício. O art. 580 do CPP, por sua vez, permite que
a ordem concedida em determinado HC seja estendida para todos que se encontram na mesma situação. Assim, conclui-se que os juízes ou
Tribunais podem estender para todos que se encontrem na mesma situação a ordem de HC concedida individualmente em favor de uma
pessoa.
159
Outras questões: (i) a regra e as exceções acima explicadas também valem para a reincidente; (ii) se o juiz entender
que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações, poderá substituí-la por medidas
alternativas arroladas no art. 319 do CPP; (iii) em regra, basta a palavra da mãe, mas, excepcionalmente, em caso de
dúvida, o juiz poderá requisitar a elaboração de laudo social; (iv) os juízes, durante a realização das audiências de
custódia, já deverão adotar as diretrizes acima explicadas, concedendo, em regra, a prisão domiciliar; (v) os juízes e
Tribunais deverão, de ofício, conceder a prisão domiciliar às mulheres que se enquadrem nos incisos IV e V do art.
318 do CPP; (vi) o STF, com o objetivo de se proteger do grande número de Rcl que receberia, afirmou
expressamente que, “nas hipóteses de descumprimento da presente decisão, a ferramenta a ser utilizada é o recurso, e
não a Rcl”.
Obs.: Custos vulnerabilis: significa “guardiã dos vulneráveis”. Segundo a tese da DP, em todo e qualquer processo
onde se discuta interesses dos vulneráveis seria possível a intervenção da DP, independentemente de haver ou não
advogado particular constituído. Quando a DP atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre não
como representante da parte em juízo, mas sim como protetor dos interesses dos necessitados em geral. Na seara das
execuções penais, a DP argumenta que, desde 2010, existe previsão expressa na LEP autorizando a intervenção da
Instituição como custos vulnerabilis. No âmbito cível, especificamente no caso das ações possessórias, o art. 554, §
1º do CPC é exemplo de intervenção custos vulnerabilis. Vale ressaltar que as duas previsões acima são
exemplificativas, admitindo-se a intervenção defensoral como custos vulnerabilis em outras hipóteses. A DP defende,
inclusive, que essa intervenção pode ocorrer mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim
vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica. É o caso, por exemplo, dos consumidores, das CAs, dos
idosos, dos indígenas etc. A intervenção da DP tem o objetivo de trazer para os autos argumentos, documentos e
outras informações que reflitam o ponto de vista das pessoas vulneráveis, permitindo que o juiz ou tribunal tenha mais
subsídios para decidir a causa. É uma atuação da Defensoria Pública para que a voz dos vulneráveis seja amplificada.
Observe-se, porém, que a tese institucional da DP é a de que não se trata de amicus curiae, havendo as seguintes
diferenças:
No HC coletivo analisado, várias DPs ingressaram com pedidos para intervir como custos vulnerabilis.
Subsidiariamente, pediram a intervenção como amicus curiae. O que o STF decidiu? O Min. Relator,
monocraticamente, admitiu a intervenção das DPs na qualidade de amicus curiae, mas não enfrentou a temática
do custos vulnerabilis. Desse modo, pelo menos por enquanto, não houve ainda a adoção expressa da figura do custos
vulnerabilis pelo STF.
2.4. Lei 13.769/18: Positivou no CPP o entendimento manifestado pelo STF. A principal diferença foi que o
legislador não incluiu a exceção número 3. Além disso, na exceção 2 não falou em descendentes, mas sim em filho ou
dependente.
Questiona-se: a exceção 3 ainda é possível? Aqui temos o ponto mais polêmico da novidade legislativa. Teria sido
um silêncio eloquente do legislador com o objetivo de superar, neste ponto, o entendimento do STF sobre o tema ou
representaria uma simples omissão? Particularmente, penso que a exceção 3 continua existindo. Isso porque ela foi
fixada pelo STF não por conta da interpretação da lei, mas sim com base em uma verdadeira construção (criação)
jurisprudencial. As 3 exceções não eram previstas em nenhum lugar. Logo, parece-me que o fato de o legislador não
ter encampado expressamente essa exceção 3 não significa que ela não exista. O legislador não tem condições de
prever todas as hipóteses excepcionais, sendo justificável que o juiz, diante de um caso concreto, identifique que a
concessão da prisão domiciliar ameaçará a garantia da ordem pública/econômica, a conveniência da instrução
criminal ou que irá colocar em risco a aplicação da lei penal.
A Lei previu também: que o Juiz poderá aplicar outras medidas cautelares em conjunto com a prisão domiciliar
(art. 318-B) e que o Juiz não deverá aplicar a prisão domiciliar se for o caso de liberdade provisória.
Comprovação: a comprovação da gravidez é realizada por meio de exame, sendo razoável a sua dispensa em casos
notórios. A da filiação é feita pela certidão de nascimento ou pela cédula de identidade da criança. A comprovação da
condição de PCD é feita por laudo/atestado médico ou por outro documento idôneo (ex.: sentença de curatela).
160
Responsável: O art. 318-A fala que deverá ser concedida a prisão domiciliar para a mulher que for “responsável”
por crianças ou PCDs. A expressão “responsável” é ampla e abrange, portanto, não apenas casos de guarda, tutela ou
curatela, mas também outras hipóteses nas quais a mulher seja a única que cuidava da criança ou da PCD. Ex.: a
mulher presa era a única parente próxima de sua irmã, PCD, sendo a custodiada a responsável por todos os cuidados.
Guarda efetiva: A lei não exige que a mulher tenha a guarda efetiva da criança. Assim, em tese, mesmo que o pai
possua a guarda unilateral da criança, ainda assim, pelo texto do artigo, haveria direito à prisão domiciliar. Veremos
como os Tribunais irão interpretar essa questão e se exigirão a guarda efetiva como condição para a concessão da
medida. Algo, contudo, me parece certo: se ficar constatada a suspensão ou destituição do poder familiar por outros
motivos que não a prisão, a mulher não terá direito à prisão domiciliar com base no art. 318-A do CPP.
Reincidente: a regra e as exceções acima explicadas também valem para a reincidente.
Reserva de jurisdição: A substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar é uma competência exclusiva do
juiz, cf. prevê expressamente o caput do art. 318 do CPP. Assim, caso o Delegado lavre o auto de prisão em flagrante
de uma mulher grávida, ele deverá mantê-la presa (em uma acomodação condigna) e encaminhar o auto de prisão em
flagrante ao juiz ressaltando que se trata de flagranteada gestante a fim de que delibere acerca da prisão domiciliar.
Alterações na progressão de regime: a Lei também trouxe novas regras sobre execução da pena envolvendo
gestante ou mulher que for mãe ou responsável por crianças ou PCD, prevendo regras mais brandas (“progressão
especial”), cf. se vê do art. 112, § 3º da LEP. O § 4º, contudo, faz uma ressalva e prevê que, se a mulher for
condenada por novo crime doloso; ou praticar falta grave, ela perderá o direito de se beneficiar com os requisitos
diferenciados do § 3º.
Pena por crime hediondo: A Lei 13.769/2018 alterou expressamente a Lei 8.072/90 para dizer que também no caso
de crimes hediondos, devem ser aplicados os requisitos abrandados do § 3º do art. 112 da LEP.
2.5. Prisão domiciliar humanitária: O art. 318, II, do CPP é chamado de prisão domiciliar humanitária. Em um caso
concreto, o STF entendeu que deveria conceder prisão humanitária ao réu tendo em vista o alto risco de saúde, a
grande possibilidade de desenvolver infecções no cárcere e a impossibilidade de tratamento médico adequado na
unidade prisional ou em estabelecimento hospitalar — tudo demostrado satisfatoriamente no laudo pericial.
Considerou-se que a concessão da medida era necessária para preservar a integridade física e moral do paciente, em
respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
É ilegal a decisão judicial que, ao decretar a prisão preventiva, descreve a conduta do paciente de forma genérica e
imprecisa
Fatos: No RJ, havia uma organização criminosa comandada pelo ex-Governador do Estado e que foi responsável
por desvios milionários dos cofres públicos. Por meio de colaborações premiadas, o MPF descobriu que grande parte
da propina desviada pela organização criminosa foi remetida para o exterior, principalmente por meio de doleiros.
Antônio era um desses doleiros. Em maio de 2018, o Juiz Federal decretou a sua prisão preventiva, após
representação do MPF, para garantir da ordem pública e por conveniência da instrução criminal. Irresignada, a defesa
impetrou HC no TRF da 2ª Região postulando, em síntese, a concessão de liberdade provisória. O TRF negou o
pedido. A defesa impetrou, então, HC contra a decisão no STJ. No STJ, o Ministro Relator negou o pedido de liminar
formulado. Diante disso, a defesa impetrou HC no STF contra essa decisão monocrática do Ministro do STJ.
A defesa já pode impetrar novo HC contra a decisão monocrática do Ministro do STJ, agora para o STF ? Em
regra, não. Há, nesse sentido, até a Súmula 691-STF. Não cabe porque não se exauriu a apreciação do tema no STJ.
Assim, em regra, esse HC não será conhecido com fundamento na falta de exaurimento da jurisdição do STJ e por
inobservância ao princípio da colegialidade. O exaurimento da instância antecedente é, como regra, pressuposto para
ensejar a competência do STF. EXCEÇÃO: A Súmula 691 pode ser afastada, contudo, em casos excepcionais,
quando a decisão atacada se mostrar teratológica, flagrantemente ilegal, abusiva ou manifestamente contrária à
jurisprudência do STF.
Decisão: o STF entendeu que a decisão do Juiz Federal era flagrantemente ilegal e que, por isso, deveria ser
conhecido o HC e concedida a ordem, pois:
• O art. 312 do CPP exige a prova da existência do crime. Mas, o decreto prisional descreve, de forma genérica e
imprecisa, a conduta do paciente e não deixa claro, em nenhum momento, os delitos a ele imputáveis e que
justificariam a prisão preventiva.
• A liberdade de um indivíduo suspeito da prática de infração penal somente pode sofrer restrições se houver decisão
judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos, e não apenas em hipóteses ou conjecturas, na
gravidade do crime ou em razão de seu caráter hediondo.
• O juiz pode dispor de outras medidas cautelares de natureza pessoal, diversas da prisão, e deve escolher aquela mais
ajustada às peculiaridades da espécie, de modo a tutelar o meio social, mas também dar, mesmo que cautelarmente,
resposta justa e proporcional ao mal supostamente causado pelo acusado.
• No caso concreto, entendeu-se que o perigo que a liberdade do paciente representa à ordem pública ou à aplicação
da lei penal pode ser mitigado por medidas cautelares menos gravosas do que a prisão.
161
• Além disso, os fatos imputados ao paciente ocorreram há alguns anos (2011 a 2014), não havendo razão para, agora,
ser decretada a prisão preventiva.
Diante disso, o STF concedeu o HC ao paciente determinando a substituição da sua prisão preventiva por medidas
cautelares diversas da prisão, na forma do art. 319 do CPP.
Não existe razão para reter o passaporte de agente diplomático que responde a processo penal no Brasil se ele goza
de imunidade de execução
Princípio da territorialidade temperada/mitigada: cf. o art. 5º do CP, aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de
convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
Imunidades diplomáticas: O Brasil assinou um tratado internacional assegurando imunidade de jurisdição penal
aos diplomatas, agentes diplomáticos e funcionários das OIs.
Imunidade de jurisdição e imunidade de execução: no âmbito penal, a imunidade diplomática pode ser dividida em
2 espécies: a) imunidade de jurisdição cognitiva: impede que o agente diplomático seja julgado pelo crime que
cometeu no Brasil; b) imunidade de execução penal: impede que o BR execute a sanção penal que o agente
diplomático recebeu.
Renúncia: O destinatário da imunidade não pode renunciá-la. Isso porque ela é conferida em razão do cargo (e não
da pessoa). Por outro lado, o Estado de origem do agente diplomático (chamado de Estado acreditante) poderá
renunciar a imunidade dos seus agentes diplomáticos. Desse modo, o agente diplomático não responderá, no Brasil,
pelo crime que cometer aqui, salvo se o Estado que ele representa (Estado acreditante) renunciar à imunidade.
Fatos: agente diplomático da Espanha praticou homicídio no Brasil e a Espanha remeteu uma Nota Verbal ao
Ministério de Relações Exteriores indicando a renúncia da imunidade de jurisdição (cognitiva) do agente diplomático.
No entanto, a Espanha fez menção expressa ao fato de que esta renúncia não representaria de nenhuma maneira
renúncia à imunidade de execução. Diante dessa autorização, o agente foi denunciado pelo MP e responde a ação
penal aqui no Brasil. O juiz impôs ao réu a medida cautelar prevista no art. 319, IV, do CPP, proibindo-o de sair do
Brasil sem autorização judicial, determinando a retenção de seu passaporte. O juiz fundamentou a sua decisão no
perigo de fuga, o que representaria risco à aplicação da lei penal.
Agiu corretamente o juiz? NÃO. Embora a jurisdição brasileira seja competente para o processo de conhecimento,
não será aqui que o réu irá cumprir eventual pena, caso seja condenado (persiste a imunidade de execução). Logo, não
se mostra necessária e adequada a imposição de medida cautelar de proibição de se ausentar do país considerando que
esta providência tem por objetivo garantir a aplicação da lei penal. Ocorre que a lei penal não será executada no
Brasil.
3. PROVAS
3.3. Indeferimento de todas as testemunhas da defesa sob o argumento de que seriam protelatórias:
constrangimento ilegal
Fatos: Ao apresentar RA, o réu arrolou uma série de testemunhas de seu interesse. O juiz proferiu despacho
determinando a intimação da defesa para que explicitasse as razões para a oitiva de cada uma das testemunhas
arroladas. A defesa apresentou petição afirmando que a determinação do juiz não tem previsão legal e que, em razão
disso, não apresentaria qualquer justificativa. Ao fim, reiterou o pedido para intimação das testemunhas. O juiz,
fundamentando sua decisão no § 1º do art. 400 do CPP, indeferiu a oitiva das testemunhas, argumentando que as
165
pessoas arroladas não têm qualquer vinculação com os fatos criminosos imputados ao réu, o que leva a crer que o
pedido para oitiva dessas testemunhas é um ato meramente procrastinatório, com o único objetivo de retardar o
processo com diligências desnecessárias. Diante disso, a defesa impetrou sucessivos HC, até que a questão chegou ao
STF.
Decisão: O direito à prova é expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica, que não pode ser,
arbitrariamente, negada ao réu. O princípio do livre convencimento motivado autoriza que o juiz indefira as provas
consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Mas, no caso concreto, não se trata do indeferimento de 1 ou
2 testemunhas, mas de todas elas, o que se afigura inadmissível em um Estado Democrático de Direito, em que a
ampla defesa é garantia constitucional de todos os acusados. O STF entendeu que a decisão do juiz extrapolou os
limites do razoável, especialmente se levado em consideração que a medida extrema foi tomada no estágio inicial do
processo (RA) e a motivação para tanto foi baseada na impressão pessoal do magistrado de que o requerimento seria
protelatório, já que as testemunhas não teriam, em tese, vinculação com os fatos criminosos imputados ao réu.
Delegado que acessa conversas do WhatsApp do flagranteado sem prévia autorização judicial
Fatos: João foi preso em flagrante por tráfico de drogas. A polícia apreendeu seu telefone celular. Como não havia
senha no aparelho, o Delegado abriu o WA e verificou as conversas de João. As mensagens comprovaram que ele
realmente negociava drogas e, o pior, que havia praticado diversos outros crimes, dentre eles ameaça e homicídio.
Tais mensagens foram transcritas pelo escrivão e juntadas ao IP em forma de certidão. A autoridade fundamentou tais
diligências no art. 6º, II, III e VII, do CPP. Posteriormente, tais elementos informativos serviram de base para que o
MP oferecesse denúncia contra João pela prática de uma série de crimes. A defesa, contudo, alegou que tais elementos
informativos são nulos. Segundo argumentou o advogado do réu, após a apreensão do celular, sem qualquer
autorização, a polícia teria que ter requerido ao juízo autorização para consultar o conteúdo do aparelho. Diante disso,
requereu que as "provas" colhidas fossem declaradas nulas e desentranhadas do processo.
166
Decisão: na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável ordem judicial p/ a
apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que
compreende igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática
e telemática. Outro precedente em sentido semelhante: Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas
pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no WA presentes no celular do suposto autor de
fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante.
Delegado que acessa conversas do WA da vítima morta com autorização da esposa do falecido
Fatos: João matou Pedro, crime que não foi presenciado por ninguém. A polícia começou a investigar o caso e a
esposa de Pedro entregou ao Delegado o telefone celular do marido falecido. O Delegado abriu o WA e percebeu que
Pedro manteve uma ríspida conversa com João e que eles combinaram de se encontrar no local onde a vítima foi
encontrada morta. A partir dessa conversa, a polícia conseguiu desvendar o crime e chegar a outros elementos
informativos que comprovaram que João foi o autor do homicídio. João foi denunciado e impetrou HC alegando que
o acesso do Delegado de Polícia às conversas no WA da vítima foi ilegal, considerando que realizada sem prévia
autorização judicial. Pediu, ainda, que a nulidade dessa prova fosse estendida para as demais provas obtidas a partir
dela, por força da teoria dos frutos da árvore envenenada, de acordo com o que prevê o art. 5º, LVI, da CF.
Decisão: não há ilegalidade na perícia de celular pela polícia, sem prévia autorização judicial, na hipótese em que
seu proprietário - a vítima - foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa.
Acesso ao celular do investigado X acesso ao celular da vítima: Os precedentes do STJ que reconheceram a
ilegalidade da prova envolviam acesso às conversas do WA no celular do investigado. Aqui, a leitura das conversas
ocorreu no celular da vítima, tendo o aparelho sido entregue voluntariamente pela esposa do falecido. Assim, no 2º
caso, não há prova ilícita, considerando que não houve uma violação à intimidade do investigado, titular de garantias
no processo penal. Na 2ª situação, o detentor do direito ao sigilo estava morto. Não havia mais sigilo algum a proteger
o titular daquele direito e a sua esposa, totalmente interessada no esclarecimento dos fatos, entregou o celular à Polícia
com o objetivo de elucidar os fatos. Logo, não havia necessidade de uma ordem judicial porque, no processo penal, o
que se protege são os interesses do acusado. Seria irrazoável e impróprio proteger-se a intimidade de quem foi vítima
do homicídio, sendo que a finalidade da investigação é esclarecer o homicídio e punir quem foi o responsável.
É nula decisão judicial que autoriza o espelhamento do WA para que a Polícia acompanhe as conversas do
suspeito pelo WA Web
WhatsApp Web: faz o espelhamento das conversas realizadas pelo WA.
Fatos: João estava sendo investigado pela polícia. Havia fortes indícios de que ele comandava uma organização
criminosa e que enviava as ordens de execução dos delitos por meio do WA. Foi, então, que o Delegado teve a
seguinte ideia: vamos apreender o celular de João, conectá-lo ao computador da Polícia por meio do WA e, assim,
monitorar as mensagens que ele trocar. Com isso, reuniremos provas de que ele está praticando diversos crimes.
Diante disso, ele formulou representação ao juiz explicando a diligência pretendida e pedindo autorização judicial
para: 1) apreender o celular do investigado; 2) conectá-lo ao WA; 3) fazer o monitoramento das conversas que o
investigado travar com outras pessoas. O juiz autorizou as medidas. De posse da autorização judicial, a polícia
abordou João, fez a sua condução até a Delegacia e lá apreendeu o celular do suspeito por alguns minutos. Sem que
João soubesse, o Delegado fez o espelhamento do aplicativo com o WA no computador da Delegacia. O Delegado
selecionou a opção “Mantenha-me conectado” no WA, de forma que, mesmo após o celular ser devolvido, a
sincronização continuaria. Feito isso, a autoridade policial devolveu o aparelho a João e o liberou. Com a
sincronização, a Polícia teve acesso a todas as conversas pretéritas, além de ficar acompanhando os novos diálogos.
Isso permitiu com que se reunissem inúmeros elementos informativos contra o investigado. Após, foi deflagrada
operação policial e João foi preso e denunciado. A defesa de João impetrou HC alegando que a decisão do juiz que
167
autorizou a apreensão do celular e o espelhamento seria ilegal e que, portanto, seriam nulas todas as provas
decorrentes dessa medida.
Decisão: O STJ concordou com a defesa. Para o Tribunal, não existe autorização no ordenamento jurídico para a
realização desta medida. Por isso, as provas são inválidas.
Mas não se pode fazer uma analogia entre essa medida e a interceptação telefônica? NÃO. Isso por 3 razões:
1) Na interceptação telefônica, o investigador de polícia atua como mero observador de conversas empreendidas
por terceiros. Não há possibilidade de o investigador interferir ou alterar as conversas. Já no espelhamento via WA
Web, o investigador de polícia tem a possibilidade de atuar como participante tanto das conversas que vêm a ser
realizadas quanto das conversas que já estão registradas no aparelho celular, pois tem o poder, conferido pela
própria plataforma online, de interagir nos diálogos mediante envio de novas mensagens a qualquer contato
presente no celular e exclusão, com total liberdade, e sem deixar vestígios, de qualquer mensagem passada,
presente ou, se for o caso, futura. Problema disso: O investigador, em tese, poderia apagar mensagens ou mandar
novas sem deixar nenhum vestígio de que foi ele. Isso porque o WA utiliza criptografia end-to-end, de forma que
esses registros não ficam armazenados em nenhum servidor. Logo, admitir essa espécie de prova seria conferir uma
presunção absoluta de que todos os atos dos investigadores seriam legítimos, considerando que o suspeito não teria
como provar, p. ex., que não enviou aquela determinada mensagem e que ela teria sido “plantada” pelo policial.
2) A interceptação telefônica tem como objeto a escuta de conversas realizadas apenas depois da autorização
judicial (ex nunc). Já o espelhamento via WA Web permite que o investigador de polícia tenha acesso amplo e
irrestrito a toda e qualquer comunicação realizada antes da mencionada autorização, operando efeitos retroativos
(ex tunc). Problema disso: Em termos técnico-jurídicos, o espelhamento seria um tipo híbrido de obtenção de prova
consistente, a um só tempo, em interceptação telefônica (quanto às conversas ex nunc) e em quebra de sigilo de
email (quanto às conversas ex tunc). Não há, todavia, ao menos por agora, previsão legal de um tal meio de
obtenção de prova híbrido. 3) A interceptação telefônica é operacionalizada sem a necessidade simultânea de busca
pessoal ou domiciliar para apreensão de aparelho telefônico. Já o espelhamento via WA Web depende da
abordagem do indivíduo ou do vasculhamento de sua residência, com apreensão de seu aparelho telefônico por
breve período de tempo e posterior devolução desacompanhada de qualquer menção, por parte do Delegado, de que
foi realizado o espelhamento. Problema disso: Esse procedimento não está regulado pela Lei 9.296/96 nem por
qualquer outra norma.
Diferente do acesso às conversas já registradas ou do acesso aos e-mails : o espelhamento do WA é diferente de
outras 2 providências que são consideradas válidas quando há autorização judicial: 1) Autorização para
interceptação de conversas mantidas por e-mail; e 2) Autorização judicial para a obtenção, sem espelhamento, de
conversas já registradas no aplicativo WA, com o propósito de periciar seu conteúdo.
Competência p/ homologação do acordo de colaboração premiada se o delatado tiver foro por prerrogativa de
função
Fatos: Luiz e outras pessoas foram presas preventivamente, investigados por crimes contra a AP. Luiz negociou
com o MP e firmou acordo de colaboração premiada, tendo mencionado em suas declarações que os valores
desviados dos cofres públicos seriam destinados ao Governador. O juiz homologou o acordo de colaboração
premiada. Após o acordo, as declarações do colaborador foram enviadas para o STJ, que instaurou inquérito para
apurar a conduta do Governador. Quando soube do fato, o Governador peticionou ao STJ alegando que houve
violação à sua competência. O reclamante afirmou que, diante da menção feita à pessoa do Governador, os autos
deveriam ter sido encaminhados ao STJ antes do acordo de colaboração ser assinado. Assim, alegou que a
negociação do acordo não poderia ter sido feita pelo MP e que a homologação não poderia ter sido realizada pelo
juiz de 1º grau. Ao final, o reclamante requereu que fosse reconhecida a usurpação de competência e,
consequentemente, declarada a nulidade de todos os atos praticados. O STJ não concordou com a tese e o
Governador recorreu ao STF.
Decisão: o STF concedeu a ordem. Para o STF, houve usurpação de atribuição da PGR e de competência do
STJ, o que teria acarretado a nulidade das provas que derivaram, ou seja, das provas que surgiram a partir das
declarações do colaborador. Cf. o art. 4º, § 7º da Lei 12.850/13, o acordo de colaboração premiada deve ser
remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade. Muito
embora a lei fale apenas em “juiz”, é possível que a homologação da colaboração premiada seja da competência de
tribunal, nos casos em que o delator ou os delatados possuem foro por prerrogativa de função. Com efeito, o
colaborador admite seus próprios delitos e delata outros crimes. Assim, quanto à prerrogativa de função, será
competente o juízo mais graduado, observadas as prerrogativas de função do delator e dos delatados.
169
Como vimos acima, após a instauração do inquérito no STJ, a defesa do Governador impugnou a utilização das
declarações do colaborador. Delatado possui legitimidade para impugnar o acordo de colaboração premiada?
• Em regra, não. O STF entende que o delatado não tem legitimidade para impugnar o acordo de colaboração
premiada, por se tratar de NJ personalíssimo. O delatado vai exercer seu contraditório e ampla defesa, ou seja, irá
ter a oportunidade de se defender das imputações na ação penal que for ajuizada contra ele. O que ele não pode é
buscar anular o acordo de colaboração premiada.
• Exceção: É possível que o delatado faça impugnação se o acordo violou as regras constitucionais de prerrogativa
de foro. Assim, ainda que seja negada ao delatado a possibilidade de impugnar o acordo, esse entendimento não se
aplica em caso de homologação sem respeito à prerrogativa de foro. Neste caso, o que se tem é uma hipótese de
ineficácia do acordo em relação à autoridade delatada (p. ex., o Governador). Assim, os atos de colaboração
premiada decorrentes do acordo não são eficazes para ele porque foi homologado com usurpação de competência
do STJ. Por essa razão, as provas devem ser excluídas do inquérito. Tento em vista que a instauração se deu com
base exclusivamente nos atos de colaboração, o inquérito deve ser trancado.
3.8. Não há óbice ao compartilhamento de delação premiada, desde que haja delimitação dos fatos
Fatos: Ricardo Saud, ex-executivo do Grupo J&F, celebrou, com o MPF, um termo de colaboração premiada.
Como a colaboração delatava a prática de crimes que, em tese, teriam sido praticados por autoridades com foro no
STF, foi o próprio STF quem fez a homologação. O MPSC pediu compartilhamento de trecho da colaboração para
apuração de eventual ato de improbidade administrativa que teria sido praticado pelo Governador. Ocorre que havia
dois “problemas”: 1) Como este trecho da delação não envolvia autoridades com foro privativo no STF, o STF já
tinha declinado a competência e remetido as declarações de Saud para o STJ. 2) No acordo de colaboração
premiada, já ficaram estabelecidas as sanções a que Saud estaria sujeito. Assim, se ele fosse denunciado também
por improbidade, estaria recebendo uma punição não prevista no acordo.
O STF tem competência para analisar esse pedido? SIM. Ainda que remetido a outros órgãos do Judiciário para
apuração dos fatos delatados, o juízo que homologou o acordo de colaboração premiada continua sendo competente
para analisar os pedidos de compartilhamento dos termos de depoimentos prestados no âmbito da colaboração.
É possível o compartilhamento? SIM. É admissível o compartilhamento dos termos de declaração do
colaborador premiado para serem utilizados, como prova emprestada, a fim de subsidiar apurações em outras
esferas. Assim, havendo delimitação dos fatos, não há nada que impeça o compartilhamento dos depoimentos com
o MP estadual a fim de que o órgão possa investigar a prática de eventual ato de improbidade administrativa por
parte de agente público. Vale ressaltar, porém, que o compartilhamento dos termos de depoimentos prestados no
âmbito de colaboração premiada deve respeitar as balizas do acordo homologado em juízo. Em outras palavras, o
pedido de compartilhamento deve respeitar os termos do acordo.
Provas não podem ser utilizadas contra o colaborador : Assim, as provas obtidas com o acordo de colaboração
premiada podem ser compartilhadas com outros órgãos e autoridades públicas nacionais e até estrangeiras. Tais
provas podem ser utilizadas por tais autoridades para fins cíveis, fiscais, administrativos e até mesmo criminais. No
entanto, tais provas NÃO podem ser utilizadas contra os próprios colaboradores para produzir punições além
daquelas pactuadas no acordo. Em outras palavras, no acordo de colaboração premiada, o colaborador confessou a
prática de ilícitos e apresentou provas contra outras pessoas que também participaram dos fatos. No próprio acordo
já ficaram acertadas as sanções a que ele irá se submeter. Se uma outra autoridade (ex: MP/SC) pede para utilizar
tais provas, isso pode ser autorizado, mas tais elementos fornecidos não poderão ser utilizados contra o
colaborador. Esta ressalva deve ser expressamente comunicada ao destinatário da prova, com a informação de que
se trata de uma limitação intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova, nos termos da Nota Técnica nº
01/2017, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. Por que funciona assim? O colaborador aceitou
produzir provas contra si mesmo porque isso ficou combinado segundo os termos do acordo de colaboração
premiada celebrado com o Estado. Em outras palavras, o colaborador concordou em confessar porque foi feito um
acordo de que ele somente seria punido de acordo com aquilo que foi combinado. Assim, a utilização de tais
elementos probatórios, produzidos pelo próprio colaborador, em seu prejuízo, de modo distinto do firmado com a
acusação e homologado pelo Judiciário, é prática abusiva, que viola o direito à não autoincriminação.
É inconstitucional Resolução do CNJ que proíbe o juiz de prorrogar a interceptação telefônica durante o
plantão judiciário ou durante o recesso do fim de ano: A Resolução 59/2008 do CNJ disciplina e uniformiza o
procedimento de interceptação de comunicações telefônicas e de sistemas de informática e telemática nos órgãos
jurisdicionais do Judiciário. Foi proposta uma ADI contra esse ato normativo. O STF decidiu que essa Resolução é
constitucional, com exceção do § 1º do art. 13, que prevê o seguinte: “§ 1º Não será admitido pedido de
prorrogação de prazo de medida cautelar de interceptação de comunicação telefônica, telemática ou de informática
durante o plantão judiciário, ressalvada a hipótese de risco iminente e grave à integridade ou à vida de terceiros,
bem como durante o Plantão de Recesso previsto artigo 62 da Lei 5.010/66”. Em relação ao § 1º do art. 13 da
Resolução 59/2008, o CNJ extrapolou sua competência normativa, adentrando em seara que lhe é imprópria. Essa
170
previsão violou: a) a competência dos Estados para editar suas leis de organização judiciária (art. 125, § 1º, da CF);
b) a competência legislativa na União para a edição de normas processuais (art. 22, I); c) a norma constante do art.
5º, XXXV, da CF, no que respeita à inafastabilidade da jurisdição.
4. TRIBUNAL DO JÚRI
4.1. Validade das alegações finais feitas nos debates orais e ausência de inovação dos fatos no plenário: A
defesa sustentava a nulidade absoluta do processo, em razão da ausência das alegações finais por abandono da
causa pelo advogado. Sustentava, também, a violação ao devido processo legal, diante da modificação da tese
acusatória em plenário, sem que tivesse sido oportunizado o exercício do contraditório. O STF entendeu não ter
ocorrido nulidade processual, tendo em vista que, na audiência de instrução, a defesa técnica postulou a
impronúncia. Além disso, afirmou haver correlação entre o que foi arguido pelo Estado-acusador em plenário e a
pronúncia. Em outras palavras, o MP pediu a condenação do réu justamente pelos fatos que constavam na
pronúncia.
4.2. É possível a pronúncia do acusado baseada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase
inquisitorial?
• NÃO. Haverá violação ao art. 155 do CPP. Além disso, muito embora a análise aprofundada seja feita somente
pelo Júri, não se pode admitir, em um EDD, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório
judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. STJ. 5ª Turma. AgRg no
REsp 1.740.921-GO, j. em 06/11/18. STJ. 6ª Turma. HC 341.072/RS, j. em 19/4/16.
• SIM. É possível admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que
isso represente afronta ao art. 155. Embora a vedação imposta no art. 155 se aplique a qualquer procedimento
penal, inclusive dos do Júri, não se pode perder de vista o objetivo da decisão de pronúncia não é o de condenar,
mas apenas o de encerrar o juízo de admissibilidade da acusação (iudicium accusationis). Na pronúncia opera o
princípio in dubio pro societate, porque é a favor da sociedade que se resolvem as dúvidas quanto à prova, pelo
Juízo natural da causa. Constitui a pronúncia, portanto, juízo fundado de suspeita, que apenas e tão somente admite
a acusação. Não profere juízo de certeza, necessário para a condenação, motivo pelo qual a vedação expressa do
art. 155 do CPP não se aplica à referida decisão. STJ. 5ª Turma. HC 435.977/RS, j. em 15/05/2018. STJ. 6ª Turma.
REsp 1458386/PA, j. em 04/10/2018. Obs.: prevalece, no STJ, a segunda posição, ou seja, de que é possível a
pronúncia.
4.3. Jurado que fala “é um crime” durante a sessão de julgamento viola o dever de incomunicabilidade,
acarretando a nulidade absoluta da condenação: Deve ser declarado nulo o júri em que membro do conselho de
sentença afirma a existência de crime em plena fala da acusação. Caso concreto: durante os debates no Plenário do
Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça estava em pé na frente dos jurados apresentando seus argumentos. Em
determinado momento, o Promotor fez uma pergunta retórica: “aí, então, senhores jurados, eu pergunto a Vossas
Excelências: qual foi a conduta que o réu aqui presente praticou?” Uma das juradas acabou “soltando” a seguinte
resposta: “é um crime”. O juiz presidente do Júri imediatamente a advertiu dizendo: por favor, a senhora não pode
se manifestar. O advogado, contudo, na mesma hora requereu ao magistrado que consignasse este fato na ata de
julgamento. O juiz decidiu que não houve quebra da incomunicabilidade e seguiu com o julgamento. O réu foi
condenado e a defesa recorreu alegando, entre outros argumentos, que houve nulidade do julgamento por quebra da
incomunicabilidade dos jurados. O STJ anulou o júri. Obs.: v. teoria do Júri no livro (págs. 1.254 a 1.257).
4.4. Sustentação oral em tempo reduzido: Diante das peculiaridades do Tribunal do Júri, o fato de ter havido
sustentação oral em plenário por tempo reduzido não caracteriza, necessariamente, a deficiência de defesa técnica.
STJ. 6ª Turma. HC 365.008-PB, j. em 17/04/18. Obs.: há decisão reconhecendo a ocorrência de nulidade pelo
171
simples fato de a sustentação oral ter sido feita em poucos minutos. No entanto, entendo que a posição majoritária é
no sentido que isso não conduz, obrigatoriamente, à nulidade, conforme decidido no HC 365.008-PB.
4.5. Soberania relativa do Júri e Reformatio in pejus: Se a condenação proferida pelo júri foi anulada pelo
Tribunal em recurso exclusivo da defesa, isso significa que deverá ser realizado um novo júri, mas, em caso de
nova condenação, a pena imposta neste 2º julgamento não poderá ser superior àquela fixada na sentença do 1º júri.
Em outras palavras, se apenas o réu recorreu contra a sentença que o condenou e o Tribunal decidiu anular a
sentença, determinando que outra seja prolatada, esta nova sentença, se também for condenatória, não pode ter uma
pena superior à que foi aplicada na 1ª. Isso é chamado de princípio da ne reformatio in pejus indireta, que tem
aplicação também no Tribunal do Júri. A soberania do veredicto dos jurados (art. 5º, XXXVIII, “c”, da CF) não
autoriza a reformatio in pejus indireta. *Atenção: Se o MP também recorreu para aumentar a pena, será possível
que a reprimenda do novo júri seja maior que a do primeiro. Obs.: v. teoria (págs. 1.259 a 1.262).
4.6. Condenação pelo Tribunal do Júri e execução provisória da pena: Em caso de condenação pelo Tribunal
do Júri, é possível a execução provisória da pena mesmo antes de o Tribunal julgar a apelação interposta pela
defesa? 1ª corrente: SIM. É possível a execução da condenação pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri,
independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso, em face do princípio da soberania dos
veredictos. Assim, nas condenações pelo Tribunal do Júri não é necessário aguardar julgamento de recurso em
segundo grau de jurisdição para a execução da pena. STF. 1ª Turma. HC 140449/RJ e HC 118770 ED, ambos j. em
2018.
2ª corrente: NÃO. Não é possível a execução provisória da pena em face de decisão do júri sem que haja o
exaurimento em grau recursal das instâncias ordinárias, sob pena de macular o princípio constitucional da
presunção de inocência. A execução provisória da pena somente é admitida se o recurso pendente de julgamento
não tiver efeito suspensivo. STF. 2ª Turma. HC 136223, j. em 25/04/2017. STJ. 5ª Turma. HC 438088, j. em
24/05/2018.
*não há o esgotamento da jurisdição nas instâncias ordinárias antes do julgamento da apelação pelo Tribunal de 2ª
instância. Além disso, entende-se que, mesmo na esfera do Júri, o Tribunal em sede de apelação, nas hipóteses do
art. 593, III, do CPP, pode: reconhecer eventual nulidade posterior à pronúncia; proclamar que a decisão soberana é
manifestamente contrária às provas dos autos; retificar a sentença do juiz-presidente, quando for contrária à lei ou
divergir das respostas dos jurados aos quesitos; e pode, ainda, corrigir eventual equívoco no procedimento de
individualização da pena. Assim, em que pese não seja possível a modificação da decisão dos jurados, como
absolver o réu ou reconhecer/afastar qualificadora, por exemplo, em razão da soberania do veredicto, é certo que
esse controle revisional pode ter repercussão direta no que foi decidido em primeiro grau, seja submetendo o réu a
novo julgamento, seja alterando aspectos da sentença que são da competência do juiz-presidente. Por fim,
considera-se que a soberania dos veredictos não é absoluta e convive em harmonia com o sistema recursal
desenhado pelo CPP. Em outros termos, o fato de o tribunal, no julgamento de apelação contra decisão do Tribunal
do Júri, não estar legitimado a efetuar o juízo rescisório, em nada influencia nem tampouco implica na execução
imediata da sentença condenatória, pois permanece intacta a sua competência para efetuar o juízo rescindente e
determinar, se for o caso, um novo julgamento.
5. TEMAS DIVERSOS
5.1. Arquivamento, de ofício, de inquérito: O STF pode, de ofício, arquivar inquérito quando verificar que,
mesmo após terem sido feitas diligências de investigação e terem sido descumpridos os prazos para a instrução do
inquérito, não foram reunidos indícios mínimos de autoria ou materialidade (art. 231, § 4º, “e”, do RISTF). A
pendência de investigação, por prazo irrazoável, sem amparo em suspeita contundente, ofende o direito à razoável
duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Caso concreto:
tramitava, no STF, um inquérito para apurar suposto delito praticado por Deputado Federal. O Ministro Relator já
havia autorizado a realização de diversas diligências investigatórias, além de ter aceitado a prorrogação do prazo de
conclusão das investigações. Apesar disso, não foram reunidos indícios mínimos de autoria e materialidade. Com o
fim do foro por prerrogativa de função para este Deputado, a PGR requereu a remessa dos autos à 1ª instância. O
STF, contudo, negou o pedido e arquivou o inquérito, de ofício, alegando que já foram tentadas diversas diligências
investigatórias e, mesmo assim, sem êxito. Logo, a declinação de competência para a 1ª instância a fim de que lá
sejam continuadas as investigações seria uma medida fadada ao insucesso e representaria apenas protelar o
inevitável.
Essa decisão ofende o sistema acusatório e o art. 129, I, da CF, que confere ao MP a titularidade da ação penal
pública? Ao se arquivar, de ofício, um inquérito policial, viola-se a atribuição conferida pela CF ao MP de decidir
se oferece ou não a denúncia? NÃO. “Nessas hipóteses excepcionais, não obstante nosso sistema acusatório
consagrar constitucionalmente a titularidade privativa da ação penal ao MP (CF, art. 129, I), a quem compete
decidir pelo oferecimento da denúncia ou solicitação de arquivamento do inquérito ou peças de informação, é dever
do Poder Judiciário exercer sua “atividade de supervisão judicial”, fazendo cessar toda e qualquer ilegal coação por
172
parte do Estado-acusador, quando o Parquet insiste em manter procedimento investigatório mesmo ausentes
indícios de autoria e materialidade das infrações penais imputadas (...) A manutenção da investigação criminal sem
justa causa, ainda que em fase de inquérito, constitui injusto e grave constrangimento aos investigados (...)”.
A decisão que determina o arquivamento de ofício viola o art. 28 do CPP? NÃO. O art. 28 do CPP não é óbice
ao arquivamento de inquérito, de ofício, pelo magistrado. O art. 28 do CPP se limita a impedir que, pedido o
arquivamento pelo MP e confirmado este entendimento no âmbito do próprio MP, possa o juiz se negar a deferi-lo.
No entanto, não obriga o Juiz a só proceder ao arquivamento quando este for expressamente requerido pelo MP,
seja porque cabe ao juiz o controle de legalidade do procedimento de investigação; seja porque o Judiciário, no
exercício de suas funções típicas, não se submete à autoridade de quem esteja sob sua jurisdição.
Transitoriedade do inquérito: Apesar de não ter sido mencionada expressamente, os julgados acima reforçam a
ideia de que uma das características do inquérito é a de que se trata de um procedimento temporário.
Essa possibilidade de arquivamento de ofício existe apenas para o STF? Um magistrado de 1ª instância poderá
promover, de ofício, o arquivamento do inquérito policial? No julgamento do Inq 4420/DF não houve uma resposta
expressa a pergunta. O STJ, contudo, possui precedentes em sentido contrário.
Obs.: em outro caso parecido com o acima explicado, o STF determinou o retorno dos autos ao MP a fim de que
apresente os indícios contra o investigado: Em 2016, foi instaurado inquérito no STF para apurar crimes de
corrupção passiva (art. 317 do CP) e de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei 9.613/98) que teriam sido praticados
por Aécio Neves. O Delegado de Polícia Federal concluiu as investigações, opinando, no relatório policial, pelo
arquivamento do inquérito sob a alegação de que não foram reunidos indícios contra o investigado. A Procuradoria-
Geral da República afirmou que, após a manifestação do Delegado, surgiram novos indícios e que, portanto, as
investigações deveriam continuar. Afirmou, contudo, que o STF deveria remeter os autos à 1ª instância para que as
investigações continuassem lá, tendo em vista que os delitos praticados por Aécio Neves teriam sido praticados
fora do cargo de parlamentar federal, não havendo competência do STF. O STF determinou o retorno dos autos à
PGR para que ela conclua as diligências ainda pendentes de execução, no prazo de 60 dias, e que depois apresente
manifestação conclusiva nos autos, apontando concretamente os novos elementos de prova a serem considerados.
De posse de manifestação mais objetiva da PGR, com provas suficientes para eventual continuidade das
investigações, o STF poderá avaliar se é mesmo o caso de arquivamento ou se a investigação deve prosseguir e em
que condições.
5.2. Comentários à Lei 13.642/18: nova atribuição da PF para investigar crimes que difundem conteúdo
misógino pela internet
Atribuições da PF: em regra, a PF é responsável pela investigação dos crimes que são de competência da Justiça
Federal. Isso porque uma das principais funções da PF é exercer, com exclusividade, as funções de polícia
judiciária da União. No entanto, a PF investiga também outros delitos que não são de competência da Justiça
Federal, como se vê do art. 144, § 1º, I da CF: “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim
como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei”.
Crimes que tenham repercussão interestadual ou internacional : a PF tem atribuição para investigar crimes que
tenham repercussão interestadual ou internacional e exijam repressão uniforme. A CF afirma que a relação desses
crimes deverá ser prevista em lei – a Lei 10.446/02, cuja ementa é a seguinte: “Dispõe sobre infrações penais de
repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do §
1º do art. 144 da CF”. No caso dos delitos previstos em seu art. 1º, não importa se eles serão ou não julgados pela
Justiça Federal. A atribuição para investigá-los poderá ser da PF independentemente disso. Assim, quando houver
repercussão interestadual/internacional que exija repressão uniforme, a PF poderá investigar certas infrações
penais21.
Obs.: a Polícia Federal irá investigá-los sem prejuízo da responsabilidade das Polícias Militares e Civis dos
Estados, ou seja, tais órgãos de segurança pública também poderão contribuir com as investigações.
Fora essa lista, a PF poderá investigar outros crimes? SIM. A lista do art. 1º da Lei 10.446/02 é exemplificativa.
Assim, o Departamento de PF poderá investigar outras infrações penais que não estejam nesta lista, desde que:
• tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça;
21
I – Sequestro e cárcere privado (art. 148, do CP) e extorsão mediante sequestro (art. 159), se: o agente foi impelido por motivação política
ou quando o crime foi praticado em razão da função pública exercida pela vítima;
II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei 8.137/90);
III – crimes em que haja violação a direitos humanos que o Brasil se comprometeu a reprimir em tratados internacionais;
IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver
indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação;
V – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet,
depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do CP);
VI – furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da
atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação.
173
• a infração tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme.
Essa autorização mais genérica está prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.446/2002.
O que fez a Lei 13.642/18? Acrescentou mais um inciso ao art. 1º da Lei prevendo novas hipóteses de crimes
que poderão ser investigados pela PF: VII – quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de
computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às
mulheres. Assim, a partir de agora existe previsão expressa de que a Polícia Federal poderá investigar os crimes
praticados pela internet que envolvam a divulgação de mensagens, imagens, sons, vídeos ou quaisquer outros
conteúdos misóginos. Conteúdo misógino é aquele que propaga o ódio ou a aversão às mulheres. *Atenção: esses
crimes do art. 1º, VII acima referidos continuam sendo, em regra, de competência da Justiça ESTADUAL. Apenas
a INVESTIGAÇÃO de tais delitos é que passou para a esfera federal. Assim, a Polícia Federal realiza o inquérito
policial e depois o remete para o Promotor de Justiça e Juiz de Direito que irão dar início e prosseguimento no
processo penal.
5.4. Princípio do in dubio pro societate: A doutrina mais moderna critica a existência desse princípio afirmando
que ele é contrário às garantias conferidas ao réu. Apesar disso, a jurisprudência continua aplicando esse princípio
em duas fases: 1) No momento do recebimento da denúncia (STF e STJ); 2) Na decisão de pronúncia no
procedimento do Tribunal do Júri (STF, em que pese decisão de 2019 da 2ª Turma, e STJ). E na análise da autoria e
174
materialidade durante prolação da sentença (sem ser Tribunal do Júri), adota-se aqui também o princípio do in
dubio pro societate? NÃO. Nesta fase, adota-se o princípio do in dubio pro reo. A insuficiência de provas conduz à
absolvição, nos termos do art. 386, VII, do CPP.
5.6. Empate no julgamento de ação penal no STF: esse entendimento vale também para o julgamento de EDs
opostos contra o acórdão que julgou a ação penal? SIM, aplicando-se a decisão mais favorável ao réu.
5.7. Havendo duas sentenças condenatórias envolvendo fatos idênticos, qual delas deverá prevalecer?
Havendo 2 sentenças condenatórias envolvendo fatos idênticos, deverá ser anulada a 2ª delas? Não. A tese do
MP não foi acolhida. Havendo 2 sentenças condenatórias envolvendo fatos idênticos, a 2ª delas não será
necessariamente aquela a ser anulada. Diante do trânsito em julgado de 2 sentenças condenatórias contra o mesmo
réu, por fatos idênticos, deve prevalecer o critério mais favorável em detrimento do critério temporal (de
precedência). Isso em homenagem aos princípios do favor rei e favor libertatis.
E se essa duplicidade de condenações tivesse sido descoberta antes do trânsito em julgado? Ex.: tramitam 2
ações penais contra o acusado referentes aos mesmos fatos; nas duas, o réu foi condenado, mas ainda não houve
trânsito em julgado. O que fazer nesta situação? O STJ possui precedente dizendo que deverá prevalecer a 1ª ação
penal ajuizada, sendo anulada a ação penal ajuizada por último.
O que o STF pensa a respeito? Há um precedente antigo da 1ª T. do STF em sentido contrário, ou seja,
sustentando que, em caso de dupla sentença transitada em julgado, deverá ser anulada a 2ª, prevalecendo a 1ª. Isso
porque o 2º processo nasceu de forma indevida considerando que já existia o primeiro. Logo, a instauração do 2º
processo violou a litispendência (se o 1º feito ainda estava em curso) ou a coisa julgada (se o 1º processo já havia
encerrado).
5.8. O acusado que responde a outro processo não tem direito à suspensão condicional do processo
SCP: é um instituto despenalizador, oferecido pelo MP ou querelante ao acusado que tenha sido denunciado por
crime cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano e que não esteja sendo processado ou não tenha sido
condenado por outro crime, desde que presentes os demais requisitos que autorizariam o sursis penal (art. 77 do
CP). A SCP está prevista no art. 89 da Lei 9.099. No entanto, vale ressaltar que não se aplica apenas aos processos
do JECRIM (infrações de menor potencial ofensivo), mas sim em todos aqueles cuja pena mínima seja igual ou
inferior a 1 ano, podendo, portanto, a pena máxima ser superior a 2 anos.
Como vimos acima, se o réu estiver sendo processado por outro crime (mesmo ainda sem condenação) já não
terá direito ao benefício da suspensão condicional. Indaga-se: essa proibição é inconstitucional pelo princípio da
presunção de inocência? NÃO. É constitucional a norma do art. 89 da Lei 9.099/95 (STF). Trata-se de benefício
despenalizador que prestigia aquele indivíduo que não responde a nenhum outro processo, não havendo, nesta
vedação, por si só, uma violação ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF).
6. NULIDADES
175
6.1. Não é permitido o ingresso na residência do indivíduo pelo simples fato de haver denúncias anônimas e
ele ter fugido da polícia
Fatos: Os policiais se deslocaram para região para verificar “denúncias anônimas” do “disque denúncia”, de que
estaria sendo praticado tráfico de drogas. Ao chegarem no local, viram que João correu quando avistou a polícia.
Os policiais perseguiram João e entraram na casa para onde ele correu. Ao revistarem a residência, encontraram
várias drogas. João foi preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da LD). O MP ofereceu
denúncia na qual sustentou que a prisão foi legal considerando que o crime de tráfico de drogas é permanente
quando praticado nas modalidades “ter em depósito” e “guardar”. Dessa forma, João estava em flagrante delito
sendo permitido o ingresso na residência sem autorização, conforme previsto no art. 5º, XI, da CF.
Flagrante delito: havendo flagrante delito, é possível ingressar na casa mesmo sem consentimento do morador,
seja de dia ou de noite. É o caso do tráfico de drogas. Diversos verbos do art. 33 da LD fazem com que este delito
seja permanente. Assim, se a casa do traficante funciona como boca-de-fumo, onde ele armazena e vende drogas, a
todo momento estará ocorrendo o crime, considerando que ele está praticando os verbos “ter em depósito” e
“guardar”. Diante disso, havendo suspeitas de que existe droga em determinada casa, será possível que os policiais
invadam a residência mesmo sem ordem judicial e ainda que contra o consentimento do morador? SIM. No
entanto, no caso concreto, devem existir fundadas razões que indiquem que ali está sendo cometido um crime
(flagrante delito). Essas razões que motivaram a invasão forçada deverão ser posteriormente expostas pela
autoridade, sob pena de ela responder nos âmbitos disciplinar, civil e penal e os atos praticados poderão ser
anulados. O STF possui uma tese fixada sobre o tema: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é
lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”,
que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil
e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados”. STF. Plenário. RE 603616/RO, j. em
5/11/15 (repercussão geral).
Decisão do STJ: entendeu que o ingresso na residência de João foi ilegal. Em que pese eventual boa-fé dos
policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Os
policiais procederam à abordagem de João tão somente com base em denúncias anônimas recebidas por meio de
canal telefônico. Não havia, contudo, referência a prévia investigação policial para verificar a possível veracidade
das informações recebidas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência
de tráfico naquele local. Ainda, o fato de haverem avistado o investigado João empreender fuga não poderia, de
igual forma, justificar a invasão da residência considerando que os policiais não viram se ele estava na posse de
substância entorpecente, tendo havido a perseguição pelo simples fato de ele ter corrido. Assim, como decorrência
da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão da
droga após a invasão desautorizada do domicílio do réu.
6.2. O simples fato de o juiz ser “duro” no interrogatório não implica quebra da imparcialidade : No caso, a
juíza, durante o interrogatório no plenário do júri, agiu com extrema firmeza, sendo até um pouco rude com o réu.
O STJ entendeu, contudo, que isso não é motivo para imputar à magistrada a pecha da falta de imparcialidade. O
juiz não é mero espectador do julgamento e tem, não só o direito, mas o dever (art. 497 do CPP) de conduzi-lo e, ao
interrogar a ré, não há notícia de que tenha tratado de alguma prova ou emitido qualquer opinião sobre elementos
colhidos na instrução ou na própria sessão do Júri, isto sim, causa plausível de quebra da parcialidade. A quebra da
imparcialidade tem de estar atrelada a alguma conduta do magistrado que possa desequilibrar a balança do
contraditório, ou seja, favorecer, para qualquer dos lados, a atuação das partes. Tema correlato: A utilização de
termos mais fortes e expressivos na sentença penal condenatória — como “bandido travestido de empresário” e
“delinquente de colarinho branco” — não configura, por si só, situação apta a comprovar a ocorrência de quebra da
imparcialidade do magistrado. STJ. 5ª Turma. REsp 1.315.619-RJ, j. em 15/8/13.
6.3. É nula a sentença proferida de forma oral e degravada parcialmente sem o registro das razões de
decidir: O art. 405 do CPP possibilita o registro dos termos da audiência de instrução em meio audiovisual. Tal
regra, que foi inserida no CPP pela Lei 11.719/08, tem 2 objetivos: 1) abreviar o tempo de realização do ato,
considerando que não será necessário reduzir a termo todos os depoimentos; 2) possibilitar o registro fiel da íntegra
do ato, com imagem e som, em vez da simples escrita, permitindo ver as expressões não verbais das testemunhas,
vítima e réu. O art. 405 do CPP não autoriza, contudo, que a sentença seja proferida oralmente, sem ser escrita.
Assim, ainda persiste a exigência de que a sentença seja reduzida a termo (assuma forma escrita), nos termos do
art. 388 do CPP. A busca da celeridade na prestação jurisdicional não dispensa a forma escrita da sentença. No
caso, ainda que parte da sentença tenha sido escrita (dosimetria e dispositivo), houve nulidade porque não foram
transcritas as razões de decidir.
Obs.: Uma pergunta correlata: as oitivas das testemunhas, vítima e réu e as alegações finais do MP e da defesa, se
forem feitas oralmente, precisam ser transcritas? Há necessidade de degravação? NÃO. Não há necessidade de
degravação no caso de depoimentos colhidos por gravação audiovisual, cabendo ao interessado promovê-la, a suas
expensas e com sua estrutura, se assim o desejar, ficando vedado requerer ou determinar tal providência ao Juízo de
176
primeiro grau. STJ. 5ª Turma. J. em 08/03/16. O registro audiovisual de depoimentos colhidos em audiência
dispensa sua degravação, salvo comprovada demonstração de sua necessidade. STJ. 6ª Turma. J. em 30/06/16.
6.4. Havendo mais de um advogado constituído, não há nulidade na intimação de apenas um deles que, no
entanto, já estava morto, mas cujo falecimento não foi comunicado ao juízo: Não há nulidade se o réu possui
mais de um advogado constituído nos autos e a intimação para a sessão de julgamento ocorre em nome de apenas
um dos causídicos que, no entanto, já havia falecido, mas cuja morte não tinha sido comunicada ao Tribunal. Vale
ressaltar que, neste caso, não havia pedido da defesa para que todos os advogados fossem intimados ou para que
constasse o nome de um causídico em específico nas publicações. Assim, estando o réu representado por mais de
um advogado, basta, em regra, que a intimação seja realizada em nome de um deles para a validade dos atos
processuais, salvo quando houver requerimento expresso para que as publicações sejam feitas de forma diversa.
(STJ e STF). Cumpre esclarecer, no entanto, que, se, no processo estivesse atuando apenas um advogado, neste
caso, haveria nulidade: A intimação do julgamento da apelação em nome do advogado falecido do réu, único
causídico constituído nos autos, configura cerceamento de defesa apto a ensejar a nulidade absoluta, já que
impossibilitou a interposição de recurso pela defesa (STJ).
6.5. Promotor de Justiça que passa a atuar no processo decorrente de desmembramento oriundo do TJ está
livre para alterar a denúncia anteriormente oferecida pelo PGJ: A PGR ofereceu denúncia contra Paulo e
outros réus perante o STJ. Este Tribunal desmembrou o feito e ficou com o processo apenas da autoridade com foro
no STJ, declinando da competência para que o TJ julgasse os demais. O PGJ (que atua no TJ) ratificou a denúncia.
Ocorre que o TJ também decidiu desmembrar o feito e ficou com o processo apenas da autoridade com foro no TJ,
declinando da competência para que o juízo de 1ª instância julgasse os demais corréus. O processo de Paulo, que
não tinha foro privativo, foi remetido para a 1ª instância. O Promotor de Justiça que atua na 1ª instância decidiu não
ratificar a peça acusatória, oferecendo nova denúncia incluindo, inclusive, novos réus. A defesa alegou que o
Promotor não poderia ter alterado a denúncia. O STF entendeu que o membro do MP agiu corretamente e que não
há qualquer nulidade neste caso. É possível o aditamento da denúncia a qualquer tempo antes da sentença final,
garantidos o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, especialmente quando a inicial ainda não
tenha sido sequer recebida originariamente pelo juízo competente, como ocorreu no caso concreto. O membro do
MP possui total liberdade na formação de seu convencimento (opinio delicti). Assim, a sua atuação não pode ser
restringida ou ficar vinculada às conclusões jurídicas que o outro membro do MP chegou, mesmo que este atue em
uma instância superior. Em outras palavras, o Promotor de Justiça que passou a ter atribuição para atuar no caso
não está vinculado às conclusões do PGJ que estava anteriormente funcionando no processo. Desse modo, é
irrelevante que outros membros do MP com atribuição para atuar em instância superior, em virtude da análise dos
mesmos fatos, tenham, anteriormente, oferecido denúncia de diferente teor em face do réu, uma vez que, cf. ficou
reconhecido pelo STJ e pelo TJDFT, a competência para o processo criminal era da 1ª instância, de forma que o
promotor natural do caso era o Promotor de Justiça que atua na 1ª instância. Portanto, o fato de o promotor natural
— aquele com atribuição para atuar na 1ª instância — não se encontrar tecnicamente subordinado e apresentar
entendimento jurídico diverso, afasta qualquer alegação de nulidade decorrente de alteração do teor da peça
acusatória oferecida contra o réu Paulo.
Obs.: O princípio da independência funcional está diretamente atrelado à atividade finalística desenvolvida pelos
membros do MP, gravitando em torno das garantias: a) de uma atuação livre no plano técnico-jurídico, isto é, sem
qualquer subordinação a eventuais recomendações exaradas pelos órgãos superiores da instituição; e b) de não
poderem ser responsabilizados pelos atos praticados no estrito exercício de suas funções.
7. RECURSOS
7.1. Tempestividade do recurso interposto antes da decisão recorrida ter sido publicada: Não é extemporâneo
recurso interposto antes da publicação do acórdão. Sob o ângulo da oportunidade, a publicação do acórdão
impugnado é elemento neutro, podendo a parte, ciente da decisão proferida, protocolar o recurso. Assim p. ex.,
admite-se a interposição de EDs oferecidos antes da publicação do acórdão embargado e dentro do prazo recursal
(STF).
7.3. Sustentação oral do MP pode discordar do parecer oferecido por outro membro do Parquet: A
sustentação oral do representante do MP que diverge do parecer juntado ao processo, com posterior ratificação, não
viola a ampla defesa (STF). O papel do MP como custos legis não se confunde com o de órgão acusador, podendo
opinar pela absolvição do réu, por exemplo, ainda que o recurso tenha sido da defesa. De igual forma, o membro do
MP que atua no caso não está vinculado ao parecer proferido, gozando de independência funcional.
7.4. Não cabimento de MS para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal (S. 604/STJ)
7.6. Inexistência de reformatio in pejus na manutenção da condenação, mas com base em fundamentos
diversos da sentença: Em recurso exclusivo da defesa, o Tribunal não pode complementar a sentença para
acrescentar fatos que possam repercutir negativamente no âmbito da dosimetria da pena (STF). Se o Tribunal
fizesse isso, haveria a chamada reformatio in pejus. Vale ressaltar, no entanto, que não caracteriza “reformatio in
pejus” a decisão de tribunal de justiça que, ao julgar recurso de apelação exclusivo da defesa, mantém a reprimenda
aplicada pelo magistrado de primeiro grau, porém com fundamentos diversos daqueles adotados na sentença.
-Ex. 1: O réu foi condenado e apelou para o TJ. O MP não recorreu. No recurso, a defesa questionou os parâmetros
utilizados na dosimetria da pena. O TJ manteve a condenação e a pena imposta, mas o TJ falou que um dos
aspectos não deveria ser considerado como “conduta social” (como fez o juiz), sendo mais adequado classificar a
circunstância como “personalidade” do agente. Assim, o TJ manteve a reprimenda fixada, mas com fundamento
diferente do que foi adotado na sentença, o que não configura reformatio in pejus. STF. 1ª Turma. J. em 10/2/2015.
-Ex. 2: Elton foi condenado pela prática de roubo majorado. Na 1ª fase da dosimetria, o juiz fixou a pena-base em 6
anos e 6 meses. Para o juiz, há 3 circunstâncias judiciais que devem ser valoradas negativamente: • a culpabilidade
• os antecedentes criminais e • as consequências do delito. O MP não recorreu. A defesa, por seu turno, interpôs
apelação alegando, dentre outros argumentos, que a dosimetria feita pelo juiz foi errada. O TJ concordou em parte
com a defesa e disse o seguinte: • culpabilidade: o juiz acertou e deve realmente ser valorada negativamente. •
178
antecedentes: o juiz errou. Isso porque ele não poderia ter considerado como maus antecedentes uma condenação
que ainda não transitou em jugado. Logo, essa consideração negativa deverá ser excluída. • consequências do
delito: o juiz acertou e deve ser mantida. O TJ considerou também que as circunstâncias do crime, apesar de o juiz
não ter dito nada, deveriam ser reputadas negativas. Assim, o TJ falou o seguinte: vou retirar os antecedentes como
uma circunstância negativa. Em compensação, eu estou incluindo uma nova como negativa, qual seja, as
consequências do crime. Assim, como continuam 3 circunstâncias negativas, mantenho a pena-base em 6 anos e 6
meses de reclusão.
8.1. É cabível HC para questionar a imposição de medidas cautelares diversas da prisão: O HC deve ser
admitido para impugnar medidas criminais que, embora diversas da prisão, afetem interesses não patrimoniais
importantes da pessoa física. Se, por um lado, essas medidas são menos gravosas do que a prisão, por outro, são
também onerosas ao investigado/réu. Além disso, se essas medidas forem descumpridas, podem ser convertidas em
prisão processual, de forma que existe o risco à liberdade de locomoção. Caso fechada a porta do “habeas corpus”,
restaria o mandado de segurança. Nos processos em primeira instância, talvez fosse suficiente para conferir
proteção judicial recursal efetiva ao alvo da medida cautelar. No entanto, naqueles de competência originária de
tribunal, confundem-se, na mesma instância, as competências para decretá-la e para analisar a respectiva ação de
impugnação. Isso, na prática, esvazia a possibilidade de impugná-la em tempo hábil.
8.2. Relator pode determinar, de forma discricionária, que HC seja julgado pelo Plenário do STF (e não pela
Turma): A competência para julgar determinados habeas corpus é de uma das duas Turmas do STF (e não do
Plenário). Ex: HC contra decisão do STJ, em regra, é de competência de uma das Turmas do STF. O Ministro
Relator do HC no STF, em vez de submetê-lo à Turma, pode levá-lo para ser julgado pelo Plenário? SIM. Essa
possibilidade encontra-se prevista no art. 6º, II, “c” e no art. 21, XI, do RI/STF. Para fazer isso, o Relator precisa
fundamentar essa remessa? É necessário que o Relator apresente uma justificativa para que o caso seja levado ao
Plenário? NÃO. É possível a remessa de habeas corpus ao Plenário do STF, pelo relator, de forma discricionária,
com fundamento no art. 6º, II, “c” e no art. 21, XI, do RI/STF, que tem força de lei.
Princípio do juízo natural: O STF afirmou que essa afetação ao Plenário não viola o princípio do juízo natural
considerando que o Plenário do STF é que seria, em tese, o órgão naturalmente competente para julgar todas as
causas da Corte, havendo essa divisão em Turmas apenas para se conseguir manter uma funcionalidade.
8.4. Em regra, não cabe HC contra decisão transitada em julgado: há exceção: se houver ilegalidade flagrante,
o Tribunal pode conceder o HC de ofício.
8.5. A superveniência da sentença condenatória faz com que o habeas corpus impetrado anteriormente fique
prejudicado: A superveniência de sentença condenatória que mantém a prisão preventiva prejudica a análise do
HC impetrado contra o título originário da custódia. Se, após o HC ser impetrado contra a prisão preventiva, o juiz
ou Tribunal prolata sentença/acórdão condenatório e mantém a prisão anteriormente decretada, haverá uma
alteração do título prisional e, portanto, o HC impetrado contra prisão antes do julgamento não deverá ser
conhecido.
Possibilidade de concessão de HC de ofício : O tema acima tem importância teórica, mas pouca relevância
prática. Isso porque o fato de o Tribunal reconhecer que o HC não deve ser conhecido, não impede que seja
concedida a ordem de ofício. Isto é, o Tribunal reconhece que o writ impetrado está prejudicado (não deve ser
conhecido) e, apesar disso, pode determinar, de ofício, a liberdade do paciente se verificar ilegalidade flagrante ou
teratologia.
8.6. Não cabe recurso contra a decisão do Min. Relator que, motivadamente, defere ou indefere liminar em
HC: assim, eventual interposição de AgRg não terá êxito.
9. EXECUÇÃO PENAL
9.1. STF mantém seu entendimento de que é possível a execução provisória da pena: O STF, ao julgar HC
impetrado pelo ex-Presidente Lula, decidiu manter o seu entendimento e reafirmar que é possível a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário. A execução provisória da pena não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência.
9.3. Unificação das penas não é considerado como sendo a data-base para a concessão de novos benefícios da
execução penal
Fatos 1: Em 04/04/10, João praticou o crime A. Em 05/05/11, João praticou o crime B. Em 2012, João foi
condenado a 6 anos pelo crime A, tendo recebido o regime inicial semiaberto. Não houve recurso, tendo ocorrido o
trânsito em julgado em 06/06/12, iniciando-se a execução penal. Em 2013, João, após cumprir 1/6 da pena, foi para
o regime aberto. Ocorre que, em 2014, sobreveio a condenação pelo crime B, tendo ele recebido a pena de 2 anos.
Houve trânsito em julgado em 07/07/14. Diante disso, o juiz unificou as duas penas: 4 anos que faltavam para
cumprir a pena do crime A + 2 anos do crime B. João já estava no regime aberto, mas, como a pena unificada
somou 6 anos, ele teve que regredir para o regime semiaberto. A data-base para a concessão dos benefícios da
execução penal (ex.: progressão) era 06/06/12 (trânsito em julgado do crime A). Indaga-se: com a unificação das
penas, essa data-base foi alterada? A data-base passou a ser o dia do trânsito em julgado do crime B? NÃO. A
unificação das penas não altera a data-base para a concessão de novos benefícios da execução penal. Isso porque a
LEP não prevê essa alteração, devendo ser considerado todo o tempo que o apenado já cumpriu de pena, ou seja,
todo o tempo em que ele já ficou preso. A alteração da data-base para concessão de novos benefícios executórios,
em razão da unificação das penas, não encontra respaldo legal. Assim, no exemplo, ao se calcular o prazo para que
João obtenha nova progressão de regime, deverá ser levado em consideração todo o período em que ele está preso,
ou seja, desde 06/06/12. Assim, ele irá cumprir o requisito objetivo ao completar 1/6 da pena unificada contado
desde 06/06/12.
Fatos 2: Em 04/04/10, Pedro praticou o crime A. Em 2012, Pedro foi condenado a 6 anos pelo crime A, tendo
recebido o regime inicial semiaberto. Não houve recurso, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 06/06/12,
iniciando-se a execução penal. Em 2013, Pedro, após cumprir 1/6 da pena, foi para o regime aberto. Em 05/05/14,
Pedro praticou o crime B. O processo pelo segundo delito (crime B) ainda está tramitando. Mesmo assim, isso irá
interferir na execução penal relativa ao crime A. Haverá a regressão do sentenciado, na forma do art. 118, I, da
LEP. Vale ressaltar que, para que haja a regressão com fundamento neste art. 118, I, da LEP não é necessário o
trânsito em julgado quanto ao novo crime cometido, bastando a sua prática. Este é o entendimento pacífico do STF
e do STJ. (Súmula 526-STJ). Assim, imagine que, em 07/07/14, mesmo antes de haver condenação pelo crime B, o
juiz já determinou que Pedro sofra a regressão de regime. Vale ressaltar que, com o cometimento do novo crime, há
prática de falta grave, o que significa a interrupção do prazo para a progressão de regime, nos termos da súmula
534 do STJ (Súmula 534-STJ). Em 08/08/2015, Pedro é condenado pelo crime B a uma pena de 4 anos, havendo
trânsito em julgado. A data-base para a nova progressão em favor de Pedro era 05/05/2014 (data do cometimento
da falta grave). Indaga-se: com a unificação das penas, essa data-base foi alterada? A data-base passou a ser o dia
do trânsito em julgado do crime B (08/08/2015)? NÃO. A unificação das penas não altera a data-base para a
concessão de novos benefícios da execução penal. A LEP não prevê essa alteração. A alteração da data-base para
concessão de novos benefícios executórios, em razão da unificação das penas, não encontra respaldo legal.
Conclusão: o período de cumprimento de pena desde a última prisão ou desde a última infração disciplinar não
pode ser desconsiderado, seja por delito ocorrido antes do início da execução da pena, seja por crime praticado
depois e já apontado como falta grave. Assim, no exemplo acima, ao se calcular o prazo para que Pedro obtenha
nova progressão de regime, deverá ser levado em consideração todo o período em que ele está preso desde a prática
da falta grave (07/07/14 – data em que houve a interrupção por força de lei). Assim, ele irá cumprir o requisito
objetivo ao completar 1/6 da pena unificada contado desde 07/07/14.
A unificação das penas não gera nova alteração na data-base, seja o novo crime anterior ou posterior ao início
da execução da pena: se o crime foi anterior ao início da execução (fatos 1), a superveniência do trânsito em
julgado da condenação enseja apenas a adequação da pena e o ajuste do regime, observando-se a detração e a
remição, ou seja, o apenado não perde o tempo de pena cumprido. O tempo de pena efetivamente cumprido deve
ser levado em consideração p/ a concessão de benefícios da execução, não havendo se falar, portanto, em novo
marco interruptivo. Assim, caso o crime cometido no curso da execução tenha sido registrado como infração
disciplinar, seus efeitos já repercutiram no bojo do cumprimento da pena, pois, segundo a jurisprudência
consolidada do STJ, a prática de falta grave interrompe a data-base para concessão de novos benefícios executórios,
à exceção do livramento condicional, da comutação de penas e do indulto. Assim, a superveniência do trânsito em
julgado da sentença condenatória não poderia servir de parâmetro para análise do mérito do apenado, sob pena de
flagrante bis in idem. De igual forma, se o crime foi praticado após o início da execução (fatos 2), a superveniência
do trânsito em julgado da condenação também só pode ensejar a adequação da pena e o ajuste do regime. Isso
181
porque a prática de crime durante a execução da pena é considerada falta grave, o que acarreta a regressão de
regime de cumprimento da pena e a interrupção do prazo para obtenção dos benefícios da execução, fixando-se,
nesse momento, a nova data-base. A superveniência do trânsito em julgado não pode ser novo marco interruptivo,
sob pena de um mesmo fato repercutir duas vezes sobre a execução, sem que haja justificativa plausível, em
evidente excesso de execução. O delito praticado antes do início da execução da pena não constitui parâmetro
idôneo de avaliação do mérito do apenado, porquanto evento anterior ao início do resgate das reprimendas impostas
não desmerece hodiernamente o comportamento do sentenciado. As condenações por fatos pretéritos não se
prestam a macular a avaliação do comportamento do sentenciado.
Havendo nova condenação, há unificação das penas, mas sem alteração da data-base para os novos benefícios : Se
o reeducando está cumprindo pena e surge uma nova condenação, haverá a soma ou unificação das penas. É o que
prevê o art. 111, p. u. Não há, porém, previsão legal de que o simples fato de ter havido a unificação das penas
signifique que deverá haver alteração da data-base para novos benefícios. Não há determinação legal nesse sentido.
Assim, haverá a unificação, mas s/ nova interrupção do tempo necessário p/ a obtenção de progressão de regime, p.
ex.
9.4. O juiz da execução criminal tem a faculdade de requisitar o exame criminológico e utilizá-lo como
fundamento da decisão que julga o pedido de progressão
Fatos: João cumpre pena em regime fechado. A defesa de João ingressou com requerimento de progressão para
o regime semiaberto. O juiz da VEP afirmou que, antes de decidir sobre o pedido, entendia necessária a realização
de exame criminológico - Despacho: “Quanto ao requisito subjetivo, a hipótese autoriza a realização de exame
criminológico (social, psicológico e psiquiátrico) p/ avaliar a personalidade do reeducando, sua periculosidade,
eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes graves (homicídio)”. A defesa ingressou com
reclamação no STF alegando que a decisão do magistrado viola a SV 26: “Para efeito de progressão de regime de
cumprimento de pena, por crime hediondo ou equiparado, praticado antes de 29 de marco de 2007, o juiz da
execução, ante a inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 8.072/90, aplicará o artigo 112 da LEP, na
redação original, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do
benefício podendo determinar para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”. Na
reclamação, a defesa alega que o juiz, como praxe, solicita a realização do exame criminológico antes de examinar
os requerimentos de progressão de regime dos presos condenados por crimes graves. Além disso, ele sempre
utiliza, nos diversos casos, texto semelhante para fundamentar a necessidade do exame, o que fere o princípio da
individualização da pena. Desse modo, para a defesa, o juiz, ao agir assim, ofende a SV 26.
O que é exame criminológico? Trata-se de um exame - feito no condenado - por um profissional - com o
objetivo de verificar - se este apenado tem aptidão física e psíquica para progredir de regime. /
O exame criminológico ainda hoje existe? SIM. O art. 112 da LEP, em sua redação original, exigia, como
condição para a progressão de regime e concessão de livramento condicional, que o condenado se submetesse a
exame criminológico. Em outras palavras, o exame criminológico era obrigatório. A Lei 10.792/03 alterou esse art.
112 e deixou de exigir a submissão do reeducando ao referido exame criminológico. No entanto, o exame
criminológico ainda poderá ser realizado se o juiz, de forma fundamentada e excepcional, entender que a perícia é
absolutamente necessária para a formação de seu convencimento. Em suma, a Lei nº 10.792/2003 não dispensou,
mas apenas tornou facultativa a realização do exame criminológico, que ainda poderá ser feito para a aferição da
personalidade e do grau de periculosidade do sentenciado.
Decisão: O STF considerou que a decisão reclamada está em consonância com a jurisprudência. Isso porque o
STF entende que o juiz da execução criminal tem a faculdade de requisitar o exame criminológico e utilizá-lo como
fundamento da decisão que julga o pedido de progressão.
Utilização de textos semelhantes é prática normal : O STF afirmou, ainda, que a utilização de textos semelhantes
em despachos e decisões proferidas em procedimentos idênticos não viola o princípio da individualização da pena
nem gera nulidade por falta de fundamentação quando o conteúdo tratar de especificidades do caso concreto sob
análise. Em suma: Nada impede que o magistrado das execuções criminais, facultativamente, requisite o exame
criminológico e o utilize como fundamento da decisão que julga o pedido de progressão.
9.5. A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento
da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar
Fatos: João foi condenado à pena de 5 anos de reclusão, tendo o juiz fixado o regime semiaberto. Ocorre que, no
momento de cumprir a pena, verificou-se que não havia no local estabelecimento destinado ao regime semiaberto
que atendesse todos os requisitos da LEP.
Poderá cumprir a pena no regime fechado enquanto não há vagas no semiaberto? NÃO. A falta de
estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. STF.
Plenário. RE 641.320/RS, j. em 11/5/2016 (repercussão geral). A manutenção do condenado em regime mais
gravoso do que é devido caracteriza-se como “excesso de execução”, havendo, no caso, violação ao direito do
apenado. Vale ressaltar que não é possível “relativizar” esse direito do condenado com base em argumentos ligados
à manutenção da segurança pública. A proteção à integridade da pessoa e ao seu patrimônio contra agressões
182
injustas está na raiz da própria ideia de Estado Constitucional. A execução de penas corporais em nome da
segurança pública só se justifica se for feita com observância da estrita legalidade. Permitir que o Estado execute a
pena de forma excessiva é negar não só o princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados
(art. 1º, III, da CF). Por mais grave que seja o crime, a condenação não retira a humanidade da pessoa condenada.
Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos, os condenados não se tornam simples objetos de direito
(art. 5º, XLIX, da CF).
Diante disso, o juiz deverá conceder, imediatamente, a prisão domiciliar em favor de João ? Também NÃO. A
concessão da prisão domiciliar não é a primeira opção nestes casos. O juiz deverá tentar resolver a situação por
meio de outras providências antes de conceder a prisão domiciliar.
O que fazer em caso de déficit (falta) de vagas no estabelecimento adequado? Havendo “déficit” de vagas, deve
ser determinada: 1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; 2) a liberdade eletronicamente
monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; 3) o
cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progrida ao regime aberto. Objetivo das
medidas acima é o de que surjam novas vagas nos regimes semiaberto e aberto. As vagas nos regimes semiaberto e
aberto não são inexistentes, são insuficientes. Assim, de um modo geral, a falta de vagas decorre do fato de que já
há um sentenciado ocupando o lugar. Assim, o STF determinou, como alternativa para resolver o problema,
antecipar a saída de sentenciados que já estão no regime semiaberto ou aberto, abrindo vaga para aquele que acaba
de progredir.
E se a ausência de vaga for no regime aberto? Neste caso, o Juiz deverá conceder a um preso que está no regime
aberto a possibilidade de cumprir o restante da pena não mais no regime aberto (pena privativa de liberdade), mas
sim por meio de pena restritiva de direitos e/ou estudo.
Benefícios devem ser concedidos aos detentos que estão mais próximos de progredir ou de acabar a pena Vale
ressaltar que os apenados que serão beneficiados com a saída antecipada ou com as penas alternativas deverão ser
escolhidos com base em critérios isonômicos. Assim, tais benefícios deverão ser deferidos aos sentenciados que
satisfaçam os requisitos subjetivos (bom comportamento) e que estejam mais próximos de satisfazer o requisito
objetivo, ou seja, aqueles que estão mais próximos de progredir ou de encerrar a pena. Para isso, o STF determinou
que o CNJ faça um "Cadastro Nacional de Presos", com as informações sobre a execução penal de cada um deles.
Isso permitirá verificar os apenados com expectativa de progredir ou de encerrar a pena no menor tempo e, em
consequência, organizar a fila de saída com observação da igualdade.
Por que o STF afirma que a prisão domiciliar não pode ser a primeira opção, devendo-se adotar as medidas
acima propostas? Segundo o STF, a prisão domiciliar apresenta vários inconvenientes, que irei aqui resumir: 1º)
Para ter esse benefício, cabe ao condenado providenciar uma casa, na qual vai ser acolhido. Nem sempre ele tem
meios para manter essa residência. Nem sempre tem uma família que o acolha. 2º) O recolhimento domiciliar puro
e simples, em tempo integral, gera dificuldades de caráter econômico e social. O sentenciado passa a necessitar de
terceiros para satisfazer todas as suas necessidades – comida, vestuário, lazer. De certa forma, há uma transferência
da punição para a família, que terá que fazer todas as atividades externas do sentenciado. Surge a necessidade de
constante comunicação com os órgãos de execução da pena, para controlar saídas indispensáveis – atendimento
médico, manutenção da casa etc. 3º) Existe uma dificuldade grande de fiscalização se o apenado está realmente
cumprindo a restrição imposta. 4º) A prisão domiciliar pura e simples não garante a ressocialização porque é
extremamente difícil para o apenado conseguir um emprego no qual ele trabalhe apenas em casa.
SV 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime
prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.
9.9. Impossibilidade de transferência do apenado para outro Estado da Federação sob a alegação de que
estaria recebendo tratamento privilegiado
Fatos: Sérgio Cabral, ex-Governador do Rio de Janeiro, estava preso em um presídio na capital fluminense. O
Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba e o Juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, em decisão conjunta,
determinaram a transferência de Cabral para uma unidade prisional de Curitiba (PR), sob o argumento de que o réu
estaria gozando de regalias indevidas no presídio do Rio de Janeiro. A defesa de Cabral impetrou HC contra esta
decisão. No writ, o impetrante alegou que as supostas regalias não ocorreram e que o paciente deveria permanecer
preso na unidade prisional do Rio de Janeiro a fim de ficar próximo de seus familiares.
Decisão: O HC impetrado foi acolhido pelo STF, pois é inviável a remoção de apenado para outro Estado com
fundamento em suposto tratamento privilegiado. Apenas razões excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas
poderiam legitimar essa medida.
Violação ao devido processo legal : Antes de ter sido determinada a remoção do apenado, ele deveria ter sido
ouvido, não havendo razões para se negar o contraditório prévio neste caso considerando que a transferência não
era urgente. Houve, portanto, violação do art. 282, § 3º do CPP. Além disso, a decisão judicial foi tomada sem que
tenha sido sequer instaurado procedimento disciplinar para apurar o comportamento carcerário do réu. Assim, para
o STF, não houve respeito ao devido processo legal e a garantia do contraditório, previstos no art. 5º, LIV e LV, da
CF.
Uso de algemas: O Min. Gilmar Mendes ressaltou em seu voto que Sérgio Cabral foi exibido às câmeras de
televisão algemado por pés e mãos, durante o transporte, a despeito de sua aparente passividade, o que teria violado
184
a SV 11. O uso infundado de algemas é causa de “nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere”, nos
termos do enunciado sumular. Ou seja, tal irregularidade seria suficiente para invalidar a transferência.
Assistência da família ao preso: Vale ressaltar que é permanência do custodiado no Estado onde residem seus
familiares está de acordo com a CF, que assegura ao preso o direito à assistência da família. No mesmo sentido é a
LEP. Assim, apenas razões excepcionalíssimas e devidamente fundamentadas autorizariam uma transferência para
outra unidade da federação.
O STJ também entende que “a transferência para distante localidade, com afastamento do preso de sua família,
exige especial motivação.” (STJ. 6ª Turma. RHC 93.825/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/04/2018).
9.10. Pessoa que havia recebido MS, mas que, no recurso, teve extinta a punibilidade por prescrição não
pode permanecer internada no hospital de custódia
Qual é o prazo máximo de duração das MS?
a) Posição do STF: 30 anos. O STF tem julgados afirmando que a medida de segurança deverá obedecer a um
prazo máximo de 30 anos, fazendo uma analogia ao art. 75 do CP, e considerando que a CF veda penas de caráter
perpétuo.
b) Posição do STJ: máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. Súmula 527-STJ: O tempo de
duração da MS não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. Ex.:
João, inimputável, pratica fato previsto como furto simples (art. 155, caput, do CP); o juiz aplica a ele MS de
internação; após 4 anos cumprindo medida de segurança, o magistrado deverá determinar a desinternação de João,
considerando que foi atingido o máximo da pena abstratamente cominada para o furto (“reclusão, de um a quatro
anos, e multa”). A conclusão do STJ é baseada nos princípios da isonomia e proporcionalidade (proibição de
excesso). Não se pode tratar de forma mais gravosa o infrator inimputável quando comparado ao imputável. Ora, se
o imputável somente poderia ficar cumprindo a pena até o máximo previsto na lei para aquele tipo penal, é justo
que essa mesma regra seja aplicada àquele que recebeu medida de segurança.
Fatos: João foi denunciado pela prática de homicídio. No curso do processo foi constatado que João era
inimputável e, em razão disso, o juiz proferiu sentença de absolvição imprópria, aplicando-lhe medida de segurança
de internação. A defesa recorreu contra a sentença para o Tribunal de Justiça. Apesar disso, João, por força de
decisão cautelar proferida pelo juiz na sentença, já iniciou o cumprimento da medida de segurança no hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP) enquanto aguarda o julgamento da apelação. Dois anos depois, o TJ
julga a apelação e reconhece que houve a prescrição da pretensão punitiva, declarando a extinção da punibilidade.
Mesmo com a extinção da sentença, João continuou internado no hospital de custódia sob o argumento de que se
trata de pessoa perigosa. Houve, portanto, uma espécie de interdição civil.
Essa decisão de manter João no hospital de custódia foi acertada? NÃO. O hospital de custódia é um
estabelecimento destinado àqueles que cumprem medida de segurança, resposta penal oferecida às pessoas que
apresentam diagnóstico psiquiátrico e tenham praticado crime. Vale ressaltar, inclusive, que a LEP inclui os
hospitais de custódia no rol dos “estabelecimentos penais”. Extinta a punibilidade em decorrência do
reconhecimento da prescrição, como foi o caso, não há que falar em aplicação de pena nem de medida de
segurança. A manutenção do paciente em HCTP significaria que ele estaria cumprindo MS mesmo tendo sido
extinta a punibilidade.
1.1. Civil que furta arma de soldado da Aeronáutica dentro de estabelecimento militar: crime militar:
Compete à Justiça Militar processar e julgar o crime de furto, praticado por civil, de patrimônio que, sob
administração militar, encontra-se nas dependências desta. Caso concreto: civil furtou, dentro de estabelecimento
militar, pistola que estava na posse de soldado da Aeronáutica. Fundamento: art. 9º, III, “a”, do CPM.
1.2. Configuração de crime militar e licenciamento: Na configuração de crime militar observa-se a data do
evento delituoso, considerado neutro o fato de o autor estar licenciado. STF. Plenário. J. em 26/6/2018 (Info 908).
O fato de o paciente não mais integrar as fileiras das Forças Armadas não tem qualquer relevância sobre o
prosseguimento da ação penal pelo delito tipicamente militar de abandono do posto, visto que ele, no tempo do
crime, era militar da ativa. STF. 2ª Turma. HC 130793, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 02/08/2016.
1.3. Compete à Justiça Estadual a execução de medida de segurança imposta a militar licenciado : isso porque
ele é militar licenciado, não fazendo mais parte do serviço ativo da corporação. Em outras palavras, ele é
atualmente um civil. Em que pese o art. 62 do CPM falar em “pena” e o réu ter sofrido a imposição de uma MS, o
raciocínio é o mesmo. A execução da medida de segurança será realizada em estabelecimento estadual,
considerando que não existem estabelecimentos penais federais próprios para essa finalidade. Logo, aplica-se a
185
Súmula 192-STJ: Compete ao juízo das execuções penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados
pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual.
3.1. É possível aplicar a agravante do art. 70, II, “l” do CPM ao crime de concussão (art. 305)
Fatos: João, policial militar, estava fazendo uma blitz de rotina quando parou o veículo de Pedro. Ao revistar o
carro, João encontrou droga no automóvel. Diante disso, João exigiu R$ 500 de Pedro para liberá-lo. O fato foi
descoberto e o militar foi denunciado pela prática do crime de concussão (art. 305 do CPM). Além disso, o
Ministério Público pediu a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 70, II, “L” do CPM. A defesa
do réu alegou, dentre outros argumentos, que a agravante do art. 70, II, “l”, não pode ser imputada para o crime de
concussão considerando que este delito sempre é praticado “em serviço”. Em outras palavras, o cometimento da
concussão durante o exercício da atividade seria algo inerente ao próprio tipo penal, ou seja, seria algo lógico e
sempre necessário. Dessa forma, seria inaplicável a agravante prevista no art. 70, II, “l”, do Código Penal Militar
(estando em serviço), sob pena de bis in idem. O STJ acolhe essa tese defensiva? Há bis in idem neste caso? NÃO.
Mesmo não estando em serviço, o agente pode praticar concussão : Pela leitura do art. 305 do CPM, constata-se
que o agente “estar em serviço” não é uma elementar do crime. Dito de outra forma: para que se configure o delito
de concussão, não é necessário que o agente esteja em serviço. Mesmo não estando em serviço, o agente pode
praticar este crime. O legislador, ao descrever a conduta, explicita que o crime se caracteriza ainda que o agente
esteja fora da função ou até antes de assumi-la. Assim, o crime pode se configurar mesmo que a exigência seja feita
por agente que ainda não tenha, por questões circunstanciais, a atribuição de praticar o ato que ensejou a
intimidação da vítima.
Art. 70, II, “l” exige que o agente esteja em “serviço de escala”: A agravante genérica prevista no art. 70, II, "l", do
CPM ("estando de serviço") diz respeito ao efetivo desempenho das atividades relacionadas com a função policial
militar, assim como daquelas atividades ligadas ao cumprimento de ordens emanadas de autoridade competente ou de
disposições regulamentares características da rotina militar. Há, na ideia referente à expressão contida no art. 70, II,
"l", do CPM, um caráter dinâmico, específico e prático, que é percebido pelo comportamento exteriorizado do agente
por meio da realização de atos concretos inerentes às suas atribuições em um dado momento. A expressão “em
serviço”, que também não deve ser confundida com situação de expediente regulamentar, insere-se na hipótese de
militar submetido à designação de tarefas não compreendidas dentro do expediente normal, mas prestadas em escala
especial.
DIREITO TRIBUTÁRIO
1. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
1.2. Os imóveis vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR) estão sujeitos ao regime de
imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88)
Programa de arrendamento residencial (PAR): o Governo Federal, por meio da Lei 10.188/01, lançou um
programa habitacional chamado de “Programa de Arrendamento Residencial” (PAR), com o objetivo de conferir
moradia para a população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. A gestão
do Programa cabe ao Ministério das Cidades e sua operacionalização à Caixa Econômica Federal (CEF). Como a
União não poderia gerir esse programa por meio de sua Administração Direta, ela outorgou essa tarefa à CEF,
braço instrumental do programa. Vale ressaltar, no entanto, que não há exploração de atividade econômica, mas
sim a prestação de serviço público, uma vez que se trata de atividade constitucionalmente atribuída à União e cuja
operacionalização foi delegada, por lei, a empresa pública federal, visando à consecução de direito fundamental. A
Caixa Econômica Federal fica responsável tanto pela aquisição como pela construção dos imóveis, que são
arrendados por pessoas de baixa renda que pagam prestações mensais e têm, ao final do contrato, a opção de
comprar o imóvel.
Fundo (FAR): A Lei 10.188/01 determinou que a CEF deveria criar um fundo financeiro privado com o objetivo
de separar o patrimônio e os valores que seriam utilizados para a realização do Programa (art. 2º).
A União participa, com recursos, para a formação deste fundo? SIM. O patrimônio desse fundo é constituído: I
– pelos bens e direitos adquiridos pela CEF no âmbito do PAR; II – pelos recursos advindos da integralização de
cotas.
A CEF, normalmente, ou seja, em suas atividades normais não relacionadas com o PAR, goza de imunidade
tributária recíproca? NÃO. Isso porque a CEF é uma empresa pública que explora atividade econômica.
Fatos: A CEF adquiriu um imóvel para utilizá-lo no PAR. O Município de São Vicente exigiu que a CEF
pagasse IPTU em relação a esse imóvel. A CEF explicou que o referido imóvel pertence ao PAR e, portanto, é de
propriedade da União, sendo abrangido pela imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF). Em outras
palavras, este bem imóvel está mantido sob a propriedade fiduciária da CEF, mas não se comunica com o
patrimônio desta empresa pública. Isso porque este bem integra o PAR, criado e mantido pela União, nos termos da
Lei 10.188/01. O Município não concordou com o argumento e afirmou que a CEF, como empresa pública
exploradora de atividade econômica, deve pagar os impostos, não gozando de imunidade tributária recíproca.
Existe imunidade tributária em relação a esse imóvel? Os imóveis vinculados ao PAR estão sujeitos ao regime
de imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88)? SIM. O STF entendeu que os fatores subjetivo e
finalístico que justificam a imunidade estão presentes no presente caso. O reconhecimento da imunidade na
presente situação não implica qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio econômico. A imunidade aqui irá
auxiliar a União a efetivar um dos mais importantes direitos sociais, qual seja, o direito à moraria, previsto no art.
6º da CF, ajudando a cumprir um dos objetivos fundamentais da República: erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF). Vale ressaltar que o reconhecimento da
imunidade recíproca na hipótese não trará um desequilíbrio na concorrência.
- CEF é mera administradora do programa
- Prestação de serviço público pela CEF
- Eventual saldo positivo é, ao final, revertido em favor da União
- Tais imóveis não pertencem definitivamente à CEF
Não confundir com o RE 594015 : “a imunidade recíproca, do art. 150, VI, a, da CF, não se estende a empresa
privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos.
Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município” (STF, 2017, com RG). No julgamento do RE,
o STF fixou a tese de que a imunidade recíproca não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público
quando esta explorar atividade econômica com fins lucrativos. Esse precedente não se aplica à presente hipótese
porque, quanto ao PAR, a concessão da imunidade não irá gerar qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio
econômico ou à livre iniciativa. Isso porque não há atividade comercial sendo desenvolvida no âmbito do PAR.
1.4. Mesmo que a entidade remetente dos valores para o exterior seja imune, ainda assim terá que pagar o
IRRF previsto no art. 11 do DL 401/68 (Concursos federais): O art. 11 do DL 401/68 prevê que “está sujeito ao
desconto do IR na fonte o valor dos juros remetidos para o exterior devidos em razão da compra de bens a prazo”.
Vale ressaltar que o contribuinte do IR previsto neste art. 11 é o vendedor (beneficiário dos valores residente no
exterior). O remetente dos juros (e que deve pagar o imposto de renda retido na fonte - IRRF) é o sujeito passivo
responsável por substituição, enquadrando-se nos conceitos previstos nos arts. 121, p. u., II, e 128 do CTN.
Importante esclarecer que, se o adquirente do bem (e que está remetendo o dinheiro para o exterior) for uma
entidade imune, mesmo assim terá que fazer o recolhimento do IRRF. Ex: entidade beneficente de assistência
social adquire, a prazo, uma máquina de uma empresa do exterior; ao remeter os valores para essa empresa, deverá
reter, na fonte, o IR sobre os juros; mesmo esta entidade sendo imune, ela deverá pagar o imposto de renda retido
na fonte na condição de responsável por substituição. A imunidade tributária não afeta a relação de
responsabilidade tributária ou de substituição e não exonera o responsável tributário ou o substituto. Assim, em
suma: a imunidade tributária de entidade beneficente de assistência social não a exonera do dever de, na condição
de responsável por substituição, reter o imposto de renda sobre juros remetidos ao exterior na compra de bens a
prazo, na forma do art. 11 do Decreto-Lei 401/68.
1.5. Apresentação anual de relatório das atividades exercidas pela entidade beneficente não era requisito
para o gozo da imunidade tributária
Imunidade para entidades beneficentes de assistência social : a CF conferiu imunidade p/ as entidades
beneficentes de assistência social afirmando que elas estão dispensadas de pagar contribuições para a seguridade
social (art. 195 (...) § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”). O § 7º do art. 195 da CF traz 2 requisitos para
o gozo desta imunidade:
1) que se trate de pessoa jurídica que desempenhe atividades beneficentes de assistência social. Obs: a assistência
social é tratada no art. 203 da CF/88. O STF, contudo, confere um sentido mais amplo ao e afirma que os objetivos
da assistência social elencados nos incisos do art. 203 podem ser conseguidos também por meio de serviços de
saúde e educação. Assim, se a entidade prestar serviços de saúde ou educação também poderá, em tese, ser
classificada como de “assistência social”.
2) que esta entidade atenda a parâmetros previstos na lei.
A lei a que se refere o § 7º é LC ou LO? COMPLEMENTAR. Esse assunto era extremamente polêmico na
doutrina e na jurisprudência, mas o STF apreciou o tema sob a sistemática da repercussão geral e fixou a seguinte
tese: Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em LC (STF. J. em 23/02/2017, com
repercussão geral). As imunidades tributárias são classificadas juridicamente como “limitações constitucionais ao
poder de tributar” e a CF exige que este tema seja tratado por meio de lei complementar, pois o § 7º do art. 195
deve ser interpretado em conjunto com o art. 146, II. Assim, a CF exigiu sim LC, mas não diretamente no § 7º do
art. 195 e sim na previsão geral do art. 146, II. Além disso, o STF afirmou que a imunidade de contribuições sociais
serve não apenas a propósitos fiscais, mas também para a realização dos objetivos fundamentais da República,
como a construção de uma sociedade solidária e voltada para a erradicação da pobreza. Logo, esta espécie de
imunidade não pode ficar à mercê da vontade transitória de governos. As regras para gozar dessa imunidade devem
ser respeitadas por todos os governos, não sendo, portanto, correto que o regime jurídico das entidades beneficentes
fique sujeito a flutuações legislativas constantes, muitas vezes influenciadas pela vontade de arrecadar. Assim, um
tema tão sensível como esse não pode ser tratado por lei ordinário ou medida provisória. Assim, diante da
relevância das imunidades de contribuições sociais para a concretização de uma política de Estado voltada à
promoção do mínimo existencial, deve incidir nesse caso a reserva legal qualificada prevista no art. 146, II, da CF
(lei complementar).
Existe alguma lei que preveja os requisitos que deverão ser atendidos pela entidade para gozar da imunidade de
que trata o § 7º do art. 195 da CF? SIM. Os requisitos legais exigidos na parte final do § 7º, enquanto não editada
nova LC sobre a matéria, são somente aqueles previstos no art. 14 do CTN. Assim, para gozarem da imunidade, as
entidades devem obedecer às seguintes condições: a) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de
suas rendas, a qualquer título; b) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais; c) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades
capazes de assegurar sua exatidão.
Art. 55 da Lei 8.212/91: previa requisitos para que as entidades beneficentes de assistência social pudessem
gozar da imunidade tributária do § 7º do art. 195 da CF. A segunda parte do inciso V do art. 55 exigia, como
requisito para a imunidade, que a entidade beneficente apresentasse, anualmente, relatório circunstanciado de suas
atividades. Vale ressaltar que, posteriormente, esse art. 55 foi revogado pela Lei 12.101/09.
Essa exigência presente na 2ª parte do inciso V do art. 55 podia ser considerada como uma exigência válida para
que as entidades beneficentes gozassem de imunidade tributária? A apresentação anual de relatório circunstanciado
de atividades era uma exigência válida para que as entidades beneficentes pudessem gozar da imunidade tributária?
NÃO. Como já explicado, os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em LC. A 2ª parte do art.
189
55, V, da Lei 8.212/91 extrapolou os requisitos estabelecidos no art. 14 do CTN. Logo, essa apresentação de
relatório das atividades, por não estar prevista em lei complementar, não pode ser considerada como uma exigência
válida para que a entidade goze da imunidade tributária. Essa exigência de que as entidades apresentassem esse
relatório de atividades pode, no máximo, ser considerada como uma obrigação tributária acessória, mas não pode
ser reputada como exigência para gozo da imunidade tributária porque não estava prevista em lei complementar.
1.6. Natureza declaratória do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS): S. 612/STJ.
2. TEMAS DIVERSOS
2.1. Notificação do auto de infração, fim do prazo decadencial e início do lapso prescricional: S. 622/STJ
2.2. Prazo prescricional e tributo declarado inconstitucional: Caso concreto: STF decidiu que determinada
contribuição tributária era inconstitucional. Não houve modulação dos efeitos. Contribuinte ajuizou ação pedindo a
repetição do indébito, ou seja, a restituição dos valores pagos. O debate envolve o prazo prescricional para essa
pretensão. No momento em que o contribuinte ajuizou a ação, o entendimento do STJ era no sentido de que o prazo
prescricional tinha início a partir da data da declaração de inconstitucionalidade da exação pelo STF no controle
concentrado, ou de resolução do Senado Federal, no controle difuso. Ocorre que, durante o curso da ação, o STJ
promoveu revisão abrupta de sua jurisprudência para considerar que, nos tributos sujeitos a lançamento por
homologação, o transcurso do prazo prescricional ocorre a partir do recolhimento indevido, independentemente da
data da decisão do STF ou da Res. do SF. Com a aplicação do novo entendimento do STJ, o contribuinte – que já
estava com a sua ação em curso – teria seu pedido rejeitado por força da prescrição. O STF, contudo, não
concordou com a aplicação imediata do novo entendimento do STJ aos processos em curso. Para o Supremo, isso
representa retroação da regra de contagem do prazo prescricional às pretensões já ajuizadas, em afronta ao
princípio da segurança jurídica e aos postulados da lealdade, da boa-fé e da confiança legítima, sobre os quais se
assenta o próprio Estado Democrático de Direito. A modificação na jurisprudência em matéria de prescrição não
pode retroagir para considerar prescrita pretensão que não o era à época do ajuizamento da ação, em respeito ao
posicionamento anteriormente consolidado. Toda inflexão jurisprudencial que importe restrição a direitos dos
cidadãos deve observar certa regra de transição para produção de seus efeitos, levando em consideração os
comportamentos então tidos como legítimos, porquanto praticados em conformidade com a orientação
prevalecente, em homenagem aos valores e princípios constitucionais.
Os requisitos para o parcelamento devem ser fixados em lei específica e atos infralegais não poderão impor
condições não previstas nesta lei
Depois de o crédito tributário ser constituído, ainda assim poderá haver algum “problema” com ele? SIM.
Existem três opções para o crédito tributário constituído. Assim, ele poderá ser: a) inscrito em dívida ativa e
cobrado do devedor mediante execução fiscal; b) suspenso (art. 151 do CTN); c) extinto (art. 156 do CTN).
Suspensão do crédito tributário : as hipóteses de suspensão do crédito tributário estão elencadas no CTN. Uma
das situações que gera a suspensão do crédito tributário é o parcelamento da dívida (inciso VI). O parcelamento é
uma forma de suspensão do crédito tributário, ou seja, enquanto o parcelamento estiver ativo (vigente), o Fisco não
poderá dar início nem continuar a execução fiscal contra o devedor. • Se o devedor descumprir as condições do
parcelamento, este será revogado e o crédito tributário poderá ser cobrado. • Se o devedor cumprir integralmente as
condições do parcelamento pagando toda a dívida, haverá a extinção do crédito tributário.
Exigência de lei: o art. 155-A do CTN prevê que “o parcelamento será concedido na forma e condição
estabelecidas em lei específica”. Essa lei específica deve ser editada por cada ente da Federação. Assim, p. ex., a
União deve editar uma lei para tratar sobre os débitos tributários federais, o Estado de São Paulo uma para dispor
sobre o parcelamento dos tributos estaduais, o Município de Vitória (ES) para os tributos municipais e assim por
diante. Cada ente político deve editar a sua própria lei, devendo, obviamente, respeitar as normas gerais que são
previstas no CTN. Essa lei deverá estabelecer as regras do parcelamento Vale ressaltar que a lei de que trata o caput
do art. 155-A deverá estabelecer os requisitos para que o contribuinte possa aderir ao parcelamento, prevendo ainda
o número máximo de parcelas em que a dívida pode ser dividida e os prazos para pagamento. O art. 153 do CTN,
que é aplicado subsidiariamente ao parcelamento, prevê que a lei deverá estabelecer os seguintes requisitos:
a) o prazo de duração do benefício;
b) as condições de concessão;
c) os tributos a que se aplica;
d) o número de prestações e seus vencimentos;
e) as garantias que devem ser fornecidas pelo beneficiado.
190
Fatos: a União editou a Lei 10.522/02 permitindo o parcelamento de tributos federais. A PGFN e RF editaram
uma portaria com o objetivo de regulamentar o parcelamento previsto nesta Lei. Trata-se da Portaria Conjunta
PGFN/RFB 15/09. Até aí, tudo bem. O problema foi que essa portaria previu que somente poderia ser concedido o
parcelamento simplificado para o pagamento dos débitos cujo valor fosse igual ou inferior a R$ 1 MM. A empresa
PITONGA S/A possuía um débito de 2 milhões e queria aderir ao parcelamento, tendo isso sido negado com base
na Portaria. Diante disso, ela impetrou mandado de segurança alegando que a exigência da Portaria seria ilegal.
Decisão do STJ: As condições para a concessão de parcelamento tributário devem estrita observância ao
princípio da legalidade. Logo, não é possível que atos infralegais imponham condições não previstas na lei de
regência do benefício. Os arts. 11 e 13 da Lei 10.522/02 até delegaram algumas atribuições para o Ministro da
Fazenda, como, por exemplo, a fixação do valor da parcela mínima e a apresentação de garantias. No entanto, não
houve delegação da lei para que atos infralegais estipulassem limite financeiro máximo do crédito tributário para a
sua inclusão no parcelamento. Desse modo, a referida Portaria incidiu em vício de legalidade ao estipular
condições não previstas na lei de regência do parcelamento.
Parcelamento de débitos considerados isoladamente (art. 1º, § 2º, da Lei 11.941/09): O contribuinte pode optar
pelo parcelamento de débitos considerados isoladamente, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 11.941/09, ainda que
relativos a uma mesma CDA, não sendo possível o parcelamento de uma fração de competência ou período de
apuração (STJ) – concursos federais e pouca relevância.
2.5. Possibilidade de compensação dos créditos de AITP com débitos de tributos federais: Os créditos tributários
provenientes do Adicional de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso - AITP, reconhecidos judicialmente,
podem ser compensados com outros débitos tributários federais administrados pela Secretaria da Receita Federal,
nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/96 (baixa relevância).
3. IMPOSTO DE RENDA
3.1. Valor recebido pelo jogador a título de “direito de arena” sujeita-se ao IRPF
Direito de arena: a Lei 9.615/98 prevê normas gerais sobre desporto. Essa norma é conhecida como “Lei Pelé”,
em virtude de o anteprojeto dela ter sido elaborado na época em que o ex-jogador Pelé era Ministro do Esporte. O
22
Súmula 70-STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323-STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547-STF: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias
nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
S. 127-STJ: É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi
notificado.
191
art. 42 desta Lei estabelece que: “Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na
prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a
retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que
participem”. O direito de arena é como se fosse o “pagamento” pelo fato de as emissoras de comunicação estarem
mostrando a imagem do “time” (entidade desportiva) e dos jogadores na “arena” disputando a competição. O
direito de arena pertence às entidades de prática desportiva, mas elas têm que repassar 5% da receita do direito de
arena para os sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais
participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil (art. 42, § 1º).
Exceção ao direito de imagem: “O direito de imagem é amplo e pertence por inteiro ao seu titular. Abre-se,
porém, uma exceção ao atleta que participa de um espetáculo, reservando-se um percentual maior para a
remuneração das entidades esportivas, que afinal são as que organizam, investem e remuneram p/ garantir o êxito
do empreendimento” (STJ).
Os atletas profissionais devem pagar IR com relação ao valor que recebem a título de direito de arena ? SIM
(STJ).
- Acréscimo patrimonial: o direito de arena é um rendimento extra que o esportista participante do espetáculo
desportivo recebe, possuindo, portanto, nítido conteúdo de acréscimo patrimonial. Frise-se que só fará jus à parcela
relativa ao direito de arena o esportista profissional que mantiver relação laboral com a entidade de prática
desportiva, formalizada em contrato de trabalho. Assim, conclui-se que a verba em questão retribui e decorre da
própria existência do contrato de trabalho, remunerando e acrescendo os ganhos do atleta em contrapartida pela
autorização dada para o uso da sua imagem.
- Não se trata de verba de caráter indenizatório: não se pode dizer que o direito de arena possui caráter
indenizatório. Isso porque não há dano ou lesão passível de reparação econômica. A rigor, o atleta profissional é
pago, antecipadamente, mediante repasse do valor do direito de arena, em retribuição a uma prestação consistente
na cessão dos seus elementos audiovisuais, indefinidamente vinculados a determinado espetáculo esportivo, cuja
exibição pode, ou não, protrair-se no tempo. O esportista profissional, portanto, é remunerado, previamente, para
abdicar da exclusividade do exercício de um direito disponível, nos termos pactuados.
3.2. Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL
IRPJ: tem como sua base de cálculo o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos
tributáveis (art. 44 do CTN).
CSLL: é a sigla para Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. A base de cálculo dessa contribuição “é o
valor do resultado do exercício, antes da provisão para o IR” (art. 2º da Lei 7.689/88). Desse modo, a base de
cálculo da CSLL também é o lucro, mas apurado antes da provisão para o IRPJ.
Crédito presumido de ICMS: trata-se de um incentivo concedido pela legislação por meio do que se concede um
crédito ao contribuinte para que ele pague menos ICMS. Assim, se a empresa contribuinte cumprir determinados
requisitos previstos na legislação, ela poderá ter direito a esse “crédito”, pagando menos ICMS. Desse modo, pode-
se concluir que a concessão de crédito presumido de ICMS possui natureza jurídica de incentivo fiscal.
O crédito presumido de ICMS, por representar, indiretamente, um lucro para a pessoa jurídica, deverá ser
incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL? NÃO. Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo
do IRPJ e da CSLL (STJ). A CF possui diversos dispositivos que preveem medidas de incentivo fiscal com o
objetivo de reduzir desigualdades regionais, alavancar o desenvolvimento social e econômico do país, inclusive
mediante desoneração ou diminuição da carga tributária. A outorga de crédito presumido de ICMS insere-se nesse
contexto, devendo ser instituída por legislação local específica do ente federativo tributante. Não se pode
considerar o crédito presumido como lucro da empresa, para fins de tributação do IRPJ e da CSLL, sob pena de
admitirmos a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no
exercício de sua competência tributária, outorgou. Essa interpretação faria com que houvesse o esvaziamento ou a
redução do incentivo fiscal que foi legitimamente outorgado pelo Estado-membro. Isso porque se, por um lado, a
empresa pagaria menos ICMS, por outro, teria que pagar mais IRPJ e CSLL. O art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF,
atribuiu aos Estados-membros e ao DF a competência para instituir o ICMS - e, por consequência, outorgar
isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de LC. A concessão de incentivo por Estado-
membro, observados os requisitos legais, configura, portanto, instrumento legítimo de política fiscal para
materialização dessa autonomia consagrada pelo modelo federativo. Nesse caminho, a tributação pela União de
valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à
cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.
Inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS : à semelhança do caso
acima, entendeu o Plenário do STF, em RE com repercussão geral, que o valor de ICMS não se incorpora ao
patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos.
3.3. A parcela decorrente do INCC integra a receita bruta da imobiliária que vendeu o imóvel; logo, é possível
inclui-la na base de cálculo do lucro presumido para fins de incidência do IRPJ (concurso federal)
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INCC: é a sigla para “Índice Nacional de Construção Civil”. Trata-se de um índice que é utilizado para fazer a
correção do valor do imóvel objeto de financiamento enquanto a obra está em execução. Foi criado e é atualizado
pela Fundação Getúlio Vargas. Todos os meses é publicado o INCC e ele demonstra as mudanças que ocorreram
nos preços dos materiais de construção e da mão de obra no setor imobiliário. Assim, por exemplo, se os preços
desses bens e serviços aumentaram no mês, o INCC será um percentual alto; se o aumento foi pequeno, o
percentual também será pequeno. Como dito acima, o INCC é o índice utilizado para corrigir o valor que falta para
o adquirente pagar enquanto o imóvel está sendo construído. Ex: João fez um contrato de promessa de compra e
venda para adquirir um apartamento na planta; o preço do apartamento é de R$ 300 mil; João paga R$ 200 mil de
entrada e financia os R$ 100 mil diretamente com a construtora, pagando parcelas todos os meses; o saldo devedor
será corrigido pelo percentual do INCC; imagine que, no 1º mês, o INCC foi de 0,30%; significa que o saldo
devedor, que era de R$ 100 mil, passará para R$ 100.300,00. Dessa forma, a construtora irá “ganhar” todos os
meses esse valor do INCC.
Decisão do STJ: a parcela decorrente do INCC integra a receita bruta decorrente da venda do bem imóvel, sendo
possível o seu acréscimo à base de cálculo do lucro presumido para fins de incidência do IR. Isso significa que a
Receita Federal não pode cobrar o valor recebido pelas imobiliárias a título de INCC como se fosse “receita
financeira”, tributada em separado. Esses valores vão fazer parte da receita bruta decorrente da venda do bem
imóvel.
3.5. Ganho de capital obtido com a venda de imóvel residencial é isento de IR se ele for utilizado para
pagamento de parcelas de outro imóvel residencial comprado anteriormente
Art. 39 da Lei 11.196/05: prevê uma hipótese de isenção de IR: “Art. 39. Fica isento do imposto de renda o
ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no
prazo de 180 dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis
residenciais localizados no País”. Ex.: João comprou seu apartamento por R$ 3 milhões; dois anos depois, vendeu
este imóvel por R$ 4 milhões, tendo “lucrado” R$ 1 milhão com o negócio. Diz-se que seu ganho de capital foi de
R$ 1 milhão. Em princípio, João teria que pagar IR sobre esse ganho de capital. Ocorre que o art. 39 acima
transcrito garante uma isenção do imposto caso ele utilize este valor recebido para adquirir outro imóvel
residencial.
Fatos: Em janeiro de 2016, Pedro comprou uma casa por R$ 3 milhões. Em julho de 2017, Pedro vendeu a casa
por R$ 4 milhões. Dessa forma, ele teve um ganho de capital de R$ 1 milhão. Em agosto de 2017, Pedro utilizou
R$ 400 mil (ou seja, parte do produto obtido com a venda) para quitar o financiamento habitacional de um
apartamento que estava pagando parceladamente há 5 anos. Pedro, na declaração de imposto de renda, informou
que os R$ 400 mil que recebeu de ganho de capital com a venda da casa seriam isentos do IR. Diante disso,
recolheu o imposto de renda apenas sobre R$ 600 mil, isto é, sobre o montante não utilizado para quitar o
financiamento. A Receita Federal, contudo, não concordou e afirmou que, para ter direito à isenção do IR, Pedro
deveria ter utilizado todo o dinheiro (R$ 1 milhão) para a compra do imóvel residencial (apartamento). Além disso,
a compra do imóvel residencial deveria ter sido posterior à data do ganho de capital. No caso de Pedro, foi o
contrário, pois primeiro ele já estava pagando o apartamento e depois teve o ganho de capital com a venda da casa,
utilizando o dinheiro para terminar de pagar o financiamento. O Fisco sustentou que existe expressa vedação à
pretensão de Pedro no art. 2º, § 11, I, da Instrução Normativa-SRF n. 599/2005, que regulamentou a isenção legal.
Pedro tem direito à isenção nesse caso ? SIM. Da leitura do art. 39 da Lei 11.196/05, podem ser extraídos os
requisitos necessários para a concessão da isenção: a) tratar-se de pessoa física residente no País; b) alienação de
imóveis residenciais situados em território nacional; e c) aplicação do produto da venda no prazo de 180 dias na
aquisição de outro imóvel residencial no País O STJ entende que o art. 2º, §11, I, da IN-SRF 599/05 é ilegal e que a
isenção do art. 39 da Lei 11.196/05 se aplica mesmo que o dinheiro obtido seja utilizado para pagar as prestações
de um imóvel residencial que o contribuinte já possuía e que estava quitando parceladamente. A restrição imposta
pela instrução normativa da Receita Federal torna a aplicação do art. 39 da Lei 11.196/05 quase que impossível. A
grande maioria das aquisições imobiliárias das pessoas físicas é feita mediante contratos de financiamento de longo
prazo (até trinta anos). Isso porque o mais comum é que as pessoas não tenham liquidez para adquirir um imóvel à
vista. Além disso, pessoa física geralmente adquire o "segundo imóvel" ainda "na planta" (em construção), o que
dificulta a alienação anterior do "primeiro imóvel", já que é necessário ter onde morar. A regra então é que a
aquisição do "segundo imóvel" se dê antes da alienação do "primeiro imóvel". Sendo assim, a finalidade do art. 39
da Lei 11.196/05 é mais bem alcançada quando se permite que o produto da venda do imóvel residencial anterior
seja empregado, dentro do prazo de 180, na aquisição de outro imóvel residencial, compreendendo dentro deste
conceito de aquisição também a quitação do débito remanescente do imóvel já adquirido ou de parcelas do
financiamento em curso firmado anteriormente. Ademais, se você observar a redação do art. 39, verá que ele exige
apenas a aplicação do "produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País". Não existe uma
exigência do momento em que deve ocorrer esta aquisição. Não há qualquer registro na Lei de que as aquisições de
que ela fala sejam somente aquelas cujos contratos ocorreram depois da venda do primeiro imóvel residencial. Em
193
outras palavras, a L. 11.196/05 não faz qualquer exigência cronológica quanto à aquisição do imóvel residencial
nem exclui da isenção a quitação ou amortização de financiamento, desde que seja respeitado o prazo de 180 dias e
seja recolhido o IR sobre o valor não utilizado na aquisição. Aliás, a lei nem poderia dizer isso, pois, como já
descrevemos, destoaria da realidade do mercado imobiliário para pessoas físicas que se faz com contratos a prazo,
financiamentos, e o início da aquisição do segundo imóvel antes mesmo da realização da venda do primeiro. Desse
modo, conforme já explicado, o art. 2º, § 11, inciso I, da IN SRF 599/05, ao restringir a fruição do incentivo fiscal
com exigência de requisito não previsto em lei, afronta o art. 39, § 2º, da Lei 11.196/05, padecendo, portanto, de
ilegalidade.
4.1. Não deve incidir IPI sobre a venda de produtos, na hipótese de roubo ou furto da mercadoria antes da sua
entrega ao comprador
Fato gerador do IPI: cf. o art. 46 do CTN, o IPI possui três fatos geradores: I - o desembaraço aduaneiro do
produto industrializado, quando de procedência estrangeira; II - a saída do produto industrializado do
estabelecimento industrial ou equiparado a industrial; III - a arrematação do produto industrializado, quando
apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Fatos: a “Souza Cruz”, indústria de tabaco, produziu 2 mil cigarros e os vendeu para o distribuidor “BB”. O
caminhão saiu da fábrica levando os cigarros que seriam entregues na distribuidora. Ocorre que o veículo foi
abordado por assaltantes armados que roubaram toda a carga. Apesar disso, a RF fez o lançamento tributário
cobrando o IPI referente aos 2 mil cigarros produzidos. A empresa ingressou, então, com ação ordinária pedindo a
anulação do lançamento e, consequentemente, do crédito tributário ao argumento de que não houve o fato gerador.
Decisão: Na hipótese em que ocorrer roubo/furto da mercadoria após a sua saída do estabelecimento do
fabricante não se configura o evento ensejador de incidência do IPI. Não deve incidir IPI sobre a venda de
produtos, na hipótese de roubo ou furto da mercadoria, antes da entrega ao comprador. Isso porque, neste caso,
como não foi concluída a operação mercantil, não ficou configurado o fato gerador.
4.2. Selo para controle de recolhimento de IPI não pode ser cobrado do contribuinte (concursos federais)
STF: é incompatível com a CF o art. 3º do Decreto-Lei 1.437/75, que autorizava que o Fisco exigisse do
contribuinte o ressarcimento pelo custo dos selos do IPI. Assim, o selo para controle de recolhimento de IPI não
pode ser cobrado do contribuinte, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária (art. 150, I, da CF). Nas
palavras do STF: “Ante o princípio da legalidade estrita, surge inconstitucional o artigo 3º do DL 1.437/75 no que
transferida a agente do Estado – Ministro da Fazenda – a definição do ressarcimento de custo e demais encargos
relativos ao selo especial previsto, sob o ângulo da gratuidade, no artigo 46 da Lei 4.502/64”.
STJ: É inexigível o ressarcimento de custos e demais encargos pelo fornecimento de selos de controle de IPI,
instituído pelo DL 1.437/1975, que, embora denominado ressarcimento prévio, é tributo da espécie Taxa de Poder
de Polícia, de modo que há vício de forma na instituição desse tributo por norma infralegal, excluídos os fatos
geradores ocorridos após a vigência da Lei 12.995/14.
4.3. Cessionário de crédito-prêmio de IPI não pode suceder o cedente em execução contra a União (concursos
federais): Não é possível a sucessão processual em razão de cessão de crédito de título judicial, referente a crédito-
prêmio de IPI, com a finalidade de oportunizar a compensação tributária pela cessionária (STJ).
5. ICMS
5.1. É devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente
se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida
ICMS: revisão (v. livro).
Substituição tributária para a frente (progressiva): a substituição tributária progressiva, também chamada de
substituição tributária para a frente ou subsequente, é uma técnica de arrecadação de alguns impostos, em especial
o ICMS. Na substituição tributária para a frente, a lei prevê que o tributo deverá ser recolhido antes mesmo que
ocorra o fato gerador. Desse modo, primeiro há o recolhimento do imposto e, em um momento posterior, ocorre o
fato gerador. Diz-se, então, que o fato gerador é presumido porque haverá o pagamento do tributo sem se ter
certeza de que ele irá acontecer. A substituição tributária progressiva é prevista na própria CF (art. 150, § 7º).
E se o fato gerador presumido não ocorrer? Ex: a refinaria pagou o imposto relacionado com as vendas futuras
na qualidade de responsável tributário; suponhamos, no entanto, que houve um acidente no distribuidor e ele
perdeu toda a gasolina que revenderia; logo, o FG que se presumiu que ocorreria não aconteceu, apesar de o
imposto já ter sido pago. O que fazer neste caso? A CF/88 determina expressamente que, se o fato gerador
presumido não se realizar, a AP deverá restituir a quantia paga, de forma imediata e preferencial (art. 150, § 7º).
E se o fato gerador presumido ocorrer, mas com um valor diverso do que foi presumido e calculado? Ex: a
refinaria pagou o imposto relacionado com as vendas futuras na qualidade de responsável tributário; suponhamos
que o imposto foi calculado presumindo que o distribuidor venderia o combustível por R$ 1,00 o litro, mas, na
realidade, diante de uma crise no mercado, ele só conseguiu vender por R$ 0,70; logo, a base de cálculo do imposto
(valor da mercadoria efetivamente vendida) foi inferior àquela que havia sido presumida; diante disso, na prática,
pagou-se um valor de imposto maior do que o que seria realmente devido. O que fazer neste caso? Haverá direito à
restituição do valor pago a mais de imposto? SIM. O STF decidiu que: “É devida a restituição da diferença do
ICMS pago a mais, no regime de substituição tributária para a frente, se a base de cálculo efetiva da operação for
inferior à presumida”. A substituição tributária, prevista no art. 150, § 7º, da CF/88, tem como fundamento o
princípio da praticidade. Por meio desta técnica, o Estado consegue comodidade, economicidade e eficiência na
execução administrativa das leis tributárias. No entanto, a praticidade tributária encontra freio nos princípios da
igualdade, capacidade contributiva e vedação do confisco, bem como na arquitetura de neutralidade fiscal do
ICMS. Desse modo, é papel do Poder Judiciário tutelar situações que extrapolem o limite da razoabilidade, como é
o caso em tela, no qual o contribuinte paga um valor maior do que efetivamente devido, tendo, portanto, direito de
ser restituído. Para o Min. Edson Fachin, a tributação não pode se transformar em uma ficção jurídica, em uma
presunção absoluta (juris et de jure) na qual o fato gerador presumido assuma um caráter definitivo e sejam
desprezadas as variações decorrentes do processo econômico. Não permitir a restituição nestes casos representaria
injustiça fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, fundado em legítimas expectativas emanadas de
uma relação de confiança e justeza entre Fisco e contribuinte. Desse modo, a restituição do excesso atende ao
princípio que veda o enriquecimento sem causa, haja vista a não ocorrência da materialidade presumida do tributo.
E o STJ? O STJ passou a acompanhar o STF em decisão de 2018.
5.2. Responsabilidade pelo pagamento da diferença de alíquota caso tenha havido tredestinação da
mercadoria
Fatos: A Coopersucar, situada em SP, vendeu álcool hidratado para a empresa “C2”. Pelo contrato, a mercadoria
teria como destino a cidade de Salvador (BA). Também de acordo com o contrato, a venda seria com cláusula FOB
(Free on Board). Isso significa que a obrigação da vendedora (Coopersucar) era apenas a de entregar a mercadoria
para a transportadora escolhida e contratada pela empresa compradora. Neste momento, ocorre a tradição e encerra-
se a responsabilidade contratual da vendedora. A partir daí todas as despesas e riscos correm por conta da
compradora.
Recolhimento do ICMS e alíquotas aplicáveis : a Coopersucar estava vendendo mercadoria. Logo, tinha que
pagar ICMS (um dos fatos geradores do ICMS é a circulação de mercadorias). O ICMS possui alíquotas diferentes
caso a venda seja para dentro do Estado ou se for para um comprador situado em Estado diferente do vendedor. No
primeiro caso, o vendedor terá que pagar, ao Estado de origem, a alíquota interna. Na segunda hipótese, o vendedor
paga, ao Estado de origem, a alíquota interestadual e o comprador paga, ao Estado de destino, a diferença entre a
195
alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual. Isso está previsto no art. 155, § 2º, VII e VIII, da
CF. Em nosso exemplo, como a venda era para outro Estado, a empresa vendedora foi obrigada a recolher a
alíquota interestadual do ICMS, que era de 7%. Se a Coopersucar tivesse vendido para dentro do Estado de São
Paulo, ela teria que recolher a alíquota interna de ICMS, que era de 25%.
Mercadoria não foi entregue em Salvador (BA) : a Coopersucar entregou a mercadoria para a transportadora
contratada pela empresa “C2”. Apesar disso, não consta que a carga tenha sido entregue em Salvador (BA). Com
isso, na prática, não houve comercialização interestadual, tendo a mercadoria permanecido no Estado de SP. Diante
disso, o Fisco paulista autuou a Copersucar dizendo o seguinte: você pagou alíquota interestadual de 7%
considerando que informou que a venda era para outro Estado; no entanto, isso não aconteceu; logo, terá que pagar
a diferença da alíquota interna (25% - 7% = 18%) mais multa e juros.
Argumentos da empresa vendedora: a empresa vendedora argumentou que: • vendeu as mercadorias à empresa
C2, que constava como habilitada em todos os cadastros públicos; • a empresa C2 ficou responsável pelo transporte
(cláusula FOB); • adotou todas as cautelas antes de fechar a operação (recebeu pedido de compra, pagamento
antecipado e identificado, ordens de carregamento etc); • emitiu a nota fiscal tendo como destinatária empresa
situada em outro Estado; • não poderia seguir a carga durante seu transporte até o destino final; • por tudo isso, não
poderia ser punida pela constatação posterior de que a empresa compradora não era idônea e possivelmente desviou
a carga para outro destino, com a participação da transportadora.
Os argumentos da empresa vendedora foram acolhidos pelo STJ? SIM. A empresa vendedora de boa-fé que
evidencie a regularidade da operação interestadual realizada com cláusula FOB (Free on Board) não pode ser
objetivamente responsabilizada pelo pagamento do diferencial de alíquota de ICMS em razão de a mercadoria não
ter chegado ao destino declarado na nota fiscal. A empresa vendedora adotou as cautelas de praxe e emitiu a nota
fiscal com o destino correto, de forma que agiu de boa-fé, não podendo ser responsabilizada objetivamente pelo
pagamento do diferencial de alíquota de ICMS em razão de a mercadoria não ter chegado ao destino declarado.
Vale ressaltar que a vendedora não tinha obrigação de fiscalizar o itinerário da carga. O CTN determina que as
convenções particulares não vinculam o Fisco no que tange à responsabilidade pelo pagamento dos tributos (art.
123 do CTN). Apesar disso, deve-se levar em consideração que o negócio jurídico foi realizado com a cláusula
FOB, de sorte que a responsabilidade do frete ficou a cargo do comprador, não se podendo obrigar o vendedor de
boa-fé a perseguir o itinerário da mercadoria, considerando que essa tarefa é privativa do poder de polícia exercido
pela autoridade fiscal e, por isso, indelegável. Importante esclarecer que, a despeito da regularidade da
documentação, o Fisco pode tentar comprovar que a empresa vendedora intencionalmente participou de eventual
fraude para burlar a fiscalização, concorrendo para a tredestinação da mercadoria (mediante simulação da operação,
p. ex.). Neste caso, sendo feita essa prova, a empresa vendedora poderá ser responsabilizada pelo pagamento dos
tributos que deixaram de ser oportunamente recolhidos. A responsabilidade por infração (art. 136 do CTN) não
alcança o vendedor de boa-fé, pois sua configuração exige que o Fisco identifique o agente ou responsável pela
tredestinação, não sendo possível atribuir sujeição passiva por mera presunção, competindo à autoridade fiscal, de
acordo com os arts. 116 e 142 do CTN, espelhar o princípio da realidade no ato de lançamento, expondo os motivos
determinantes que a levaram à identificação do fato gerador e o respectivo responsável tributário. As grandes
empresas vendedoras, como as indústrias, realizam uma grande quantidade de operações interestaduais, com
inúmeros compradores sediados em diversas unidades da Federação, de modo que não se mostra razoável atribuir
às empresas vendedoras um novo ônus tributário relacionado com a efetiva entrega das mercadorias nos destinos
informados pelos compradores, especialmente quando o negócio é feito com a cláusula FOB, em que o frete se dá
por conta e risco do comprador. Pensar de maneira diferente, para reconhecer a responsabilidade objetiva das
empresas vendedoras de boa-fé, representa, na prática, impor mais um ônus financeiro a esse empresário, que
injustamente passará a ser garantidor da Administração para cobrir prejuízos na realidade provocados por infrações
cometidas por outras empresas.
5.3. Não incidência de ICMS sobre operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE :
pouco relevante (v. livro, qualquer coisa).
O que é o leasing internacional (arrendamento mercantil internacional)? Ocorre quando uma empresa situada no
Brasil celebra contrato de leasing com um arrendador para trazer ao país um bem fabricado no exterior.
Há incidência de ICMS no caso de leasing internacional? O STF definiu que:
- REGRA: NÃO. Em regra, não incide o ICMS importação na operação de arrendamento mercantil internacional,
pois no leasing não há, necessariamente, a transferência de titularidade do bem. Em outras palavras, pode haver ou
não a compra. Assim, não incide o imposto se existe a possibilidade de o bem ser restituído ao proprietário e o
arrendatário não efetuar a opção de compra.
- EXCEÇÃO: incidirá ICMS importação se ficar demonstrado que houve a antecipação da opção de compra. Isso
ocorre quando não existe a possibilidade de o bem ser restituído ao proprietário, seja por circunstâncias naturais
(físicas), seja porque se trata de insumo.
Assim, pode-se dizer que, em regra, o ICMS não incide sobre as operações de arrendamento mercantil de coisas
móveis. Isso porque, para a ocorrência do fato gerador do ICMS, é necessária a efetiva circulação da mercadoria,
com a necessária transferência da sua titularidade. No leasing não ocorre a transferência da titularidade. Exceção:
haverá incidência de ICMS no leasing caso a sua natureza fique descaracterizada. Assim, se a operação de leasing
ficar descaracterizada, mostra-se legítima a cobrança do ICMS por parte do Fisco estadual.
Quando o contrato de leasing fica descaracterizado? O STJ possui julgados dizendo que o contrato de
arrendamento mercantil (leasing) só poderá ser descaracterizado caso ocorra uma das situações jurídicas previstas
nos seguintes artigos da Lei 6.099/74: • Art. 2º; • Art. 9º; • Art. 11, § 1º; • Art. 14; • Art. 23.
Hipótese do art. 23: “Art. 23. Fica o CMN autorizado a: a) expedir normas que visem a estabelecer mecanismos
reguladores das atividades previstas nesta Lei, inclusive excluir modalidades de operações do tratamento nela
previsto e limitar ou proibir sua prática por determinadas categorias de pessoas físicas ou jurídicas”. Assim, o
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Conselho Monetário Nacional possui autorização para expedir normas regulamentadoras acerca da atividade de
arrendamento mercantil, sendo possível, inclusive, a exclusão ou limitação de modalidades de operação.
Prazos mínimos de vigência do leasing: nesse contexto, o BC publicou a Res. 2.309/96, que previu, no art. 8º de
seu anexo, que os contratos de arrendamento mercantil deveriam obedecer prazos mínimos de vigência, estipulados
de acordo com a vida útil do bem arrendado Em outras palavras, a Resolução disse o seguinte: se o bem arrendado
tiver vida útil superior a 5 anos, o contrato de leasing deverá ter vigência de, no mínimo, 3 anos. Se o bem tiver
vida útil superior a 5 anos e o contrato de leasing deste bem tiver vigência menor que 3 anos, terá sido descumprida
a Resolução e, consequentemente, estará descaracterizado o contrato de leasing. Deixa de ser leasing por
descumprir a regulamentação sobre o tema.
Fatos: Determinada empresa celebrou contrato de arrendamento mercantil tendo como objeto uma
“pácarregadeira” (espécie de trator): Uma pá-carregadeira possui vida útil bem superior a 5 anos. Apesar disso, o
contrato celebrado pela empresa previa que o arrendamento mercantil teria duração de 24 meses (2 anos). Diante
disso, o Fisco estadual entendeu que estava descaracterizado o leasing e cobrou o ICMS.
Decisão: o STJ considerou que a postura do Fisco foi legítima: É possível a descaracterização do contrato de
leasing se o prazo de vigência do acordo celebrado não respeitar a vigência mínima estabelecida de acordo com a
vida útil do bem arrendado. Nos termos do art. 8º do anexo da Res. 2.309/96 e art. 23 da Lei 6.099/74, o prazo
mínimo de vigência do contrato de arrendamento mercantil financeiro é de (i) dois anos, quando se tratar de bem
com vida útil igual ou inferior a cinco anos, e (ii) de três anos, se o bem arrendado tiver vida útil superior a cinco
anos. Caso concreto: o bem arrendado (pá-escavadeira) possui vida útil superior a cinco anos. Apesar disso, o
ajuste previa o arrendamento pelo prazo de apenas dois anos. Logo, foi desrespeitada a Resolução, ficando
descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil. Ficando descaracterizado o leasing, é possível cobrar ICMS
sobre esta operação.
6. IMPOSTOS MUNICIPAIS
6.4. Incide ISS sobre serviço de proteção ao crédito oferecido por sindicato ou CDL aos seus associados?
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Fatos: o Sindicato dos Comerciantes de Santos oferece aos lojistas da cidade, mediante pagamento, serviços de
proteção ao crédito. Funciona assim: o comerciante/lojista pode pedir à entidade sindical informações sobre a
situação creditícia dos clientes que tenham anteriormente comprado mercadorias de seus associados. Além disso, o
sindicato faz também a cobrança dos consumidores que estão devendo os lojistas, enviando cartas, telefonando etc.
Em contrapartida, os associados pagam um valor para o sindicato. O Município entendeu que esse serviço é fato
gerador de ISS e exigiu da entidade sindical o pagamento do imposto. O sindicato questionou a cobrança alegando
que não tem objetivo de lucro e que os valores recebidos são apenas para ressarcir as despesas.
Incide ISS sobre serviço de consulta a cadastros de proteção ao crédito prestado por sindicato ou por câmara de
dirigentes lojistas, entidades sem fins lucrativos, em favor de seus associados? O STJ está dividido:
- 1ª T.: SIM. O ISS incide sobre os serviços de proteção ao crédito, ainda que prestados por entidade sindical a seus
associados.
- 2ª T.: NÃO A Câmara de Dirigentes Lojistas é uma associação cujos serviços destinam-se a atender seus próprios
sócios, os diretores de lojas, sem objetivo de lucro, mas visando a realização de seus objetivos, tal como previsto
em seu estatuto. Assim, como o CDL realiza suas atividades sem fins lucrativos não está sujeito à incidência do
ISS.
7. CONTRIBUIÇÕES
7.1. A CSLL é constitucional (concursos federais): é constitucional a CSLL, instituída pela Lei 7.689/88, sendo
também constitucionais as majorações de alíquotas efetivadas pela Lei nº 7.856/89, por obedecerem à anterioridade
nonagesimal. Por sua vez, a ampliação da base de cálculo, conforme o art. 1º, II, da Lei 7.988/89, a fim de se
compatibilizar com a anterioridade nonagesimal, só pode ser efetivada a partir do ano base de 1990.
7.2. O valor pago a título de ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS/PASEP e COFINS
Fatos: a empresa "XX" (vendedora de mercadorias) é contribuinte de PIS/COFINS. Com as mercadorias
vendidas em maio, o total das receitas auferidas pela empresa no mês foi R$ 100 mil. O fisco cobrou o PIS/PASEP
e COFINS com base nesse valor (alíquota x 100 mil = tributo devido). A empresa não concordou e afirmou que dos
R$ 100 mil que ela recebeu, ficou apenas com R$ 75 mil, considerando que R$ 25 mil foram repassados ao Estado-
membro a título de pagamento de ICMS. Em suma, para a empresa, a quantia paga a título de ICMS não pode ser
incluída na base de cálculo do PIS/PASEP e COFINS.
A tese da empresa foi acolhida pelo STF ? SIM. O ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da
COFINS. A inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições sociais leva ao inaceitável
entendimento de que os sujeitos passivos desses tributos faturariam ICMS, o que não ocorre. O ICMS apenas
circula pela contabilidade da empresa, ou seja, tais valores entram no caixa (em razão do preço total pago pelo
consumidor), mas não pertencem ao sujeito passivo, já que ele irá repassar ao Fisco. Em outras palavras, o
montante de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte porque tais valores são destinados aos cofres
públicos dos Estados ou do DF. Assim, a parcela correspondente ao ICMS pago não tem natureza de faturamento
(nem mesmo de receita), mas de simples ingresso de caixa. Por isso, não pode compor a base de cálculo da
contribuição para o PIS ou a COFINS.
7.3. É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF 247/02 e 404/04: julgado
que só interessa para quem estuda Direito Tributário de forma muito profunda para a área federal.
7.4. É legítima a majoração de alíquota do Finsocial devido por empresa exclusivamente prestadora de
serviços: Se uma empresa se autoqualificou como prestadora de serviços, a ela deverá ser aplicada a majoração de
alíquota estabelecida para o cálculo da contribuição ao Finsocial (baixa relevância).
7.5. Constitucionalidade da contribuição adicional de 2,5% sobre a folha de salários para as instituições
financeiras (Lei 7.787/89): É constitucional a contribuição adicional de 2,5% sobre a folha de salários instituída
para as instituições financeiras e assemelhadas pelo art. 3º, § 2º, da Lei 7.787/89, ainda que considerado o período
anterior à EC 20/98.
7.6. Instituições financeiras e majoração de alíquota da COFINS: julgado que só interessa para os concursos
que exigem COFINS de forma mais aprofundada - É constitucional a majoração diferenciada de alíquotas em
relação às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento ou a receita de instituições financeiras ou de
entidades a elas legalmente equiparáveis.
7.7. PIS e alteração da base de cálculo para instituição financeira: julgado não relevante para fins de concurso
público - São constitucionais a alíquota e a base de cálculo da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS),
previstas no art. 72, V, do ADCT, destinada à composição do Fundo Social de Emergência (FSE), nas redações da
200
EC Revisional 1/1994 e das ECs 10/96 e 17/97, observados os princípios da anterioridade nonagesimal e da
irretroatividade tributária.
7.8. É válida a cobrança da contribuição para o PASEP das empresas estatais, ao passo que as empresas
privadas recolhem para o PIS, tributo patrimonialmente menos gravoso: Não ofende o art. 173, § 1º, II, da CF
a escolha legislativa de reputar não equivalente a situação das empresas privadas com relação às sociedades de
economia mista, às empresas públicas e suas respectivas subsidiárias exploradoras de atividade econômica, para
fins de submissão ao regime tributário das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), à luz dos princípios da igualdade tributária e
da seletividade no financiamento da Seguridade Social.
7.9. Não deve haver modulação de efeitos na decisão que declarou que a contribuição social do empregador
rural sobre a receita bruta é constitucional: É constitucional formal e materialmente a contribuição social do
empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/01, incidente sobre a receita bruta obtida com a
comercialização de sua produção. O STF rejeitou os EDs opostos contra esta decisão e declarou que o
entendimento deve ser mantido mesmo após a edição da Resolução 15/2017 do Senado Federal. Além disso, o STF
entendeu que não deveria haver modulação dos efeitos da decisão.
8. DIREITO FINANCEIRO
8.1. É inconstitucional norma estadual que destina recursos do Fundo de Participação dos Estados para um
determinado fundo de desenvolvimento econômico
Fundo de Participação dos Estados (FPE) : o IR e o IPI são dois tributos federais. Apesar disso, o legislador
constituinte determinou que parte da arrecadação desses dois impostos deveria ser repassada aos Estados a fim de
auxiliar na manutenção desses entes. Assim, um percentual dos valores arrecadados com o IR e com o IPI deverão
ser repassados ao FPE. Isso está previsto no art. 159, I, “a”, da CF. Obs: o FPE é um instrumento contábil utilizado
para facilitar o repasse, permitindo uma melhor organização dos valores para que depois eles sejam repartidos entre
os Estados. Para fins didáticos, você pode imaginar o FPE como sendo uma conta bancária onde o dinheiro é
depositado para depois ser dividido entre os Estados, segundo critérios previstos na legislação.
Fatos: A CE/RJ criou um “Fundo de Desenvolvimento Econômico”, direcionado ao apoio e estímulo a projetos
de investimentos industriais prioritários no Estado. O problema foi que a CE previu que, no mínimo, 10% dos
recursos recebidos pelo RJ e provenientes do FPE (art. 159, I, “a”, da CF) deveriam ser destinados para esse Fundo
de Desenvolvimento Econômico. Isto é, existem recursos que o Estado recebe como transferências obrigatórias da
União. A CE disse que parte desses recursos tem destino certo: para um Fundo de Desenvolvimento Econômico.
Essa previsão da CE é válida? É compatível com a CF? NÃO. O STF entendeu que essa previsão viola o
princípio da não-afetação dos impostos, previsto no art. 167, IV, da CF. Obs.: alguns autores criticam a
nomenclatura “princípio”, afirmando que se trata, na verdade, de uma “regra”. Porém, é mais comum ainda
encontrarmos nos livros a menção feita a “princípio”.
Razão de ser: Leandro Paulsen explica que “a razão dessa vedação é resguardar a iniciativa do Poder Executivo,
que, do contrário, poderia ficar absolutamente amarrado a destinações previamente estabelecidas por lei e, com
isso, inviabilizado de apresentar proposta orçamentária apta à realização do programa de governo aprovado nas
urnas”. Em outras palavras, os impostos devem servir para custear o programa do governante eleito. Se a
arrecadação dos impostos ficar vinculada a despesas específicas, o governo eleito não terá liberdade para definir as
suas prioridades.
Só se refere a impostos: a vedação do art. 167, IV, da CF “diz respeito apenas a impostos, porque esta espécie
tributária é vocacionada a angariar receitas para as despesas públicas em geral. As demais espécies tributárias têm a
sua receita necessariamente afetada, mas não a qualquer órgão ou despesa, e sim ao que deu suporte a sua
instituição. A contribuição de melhoria será afetada ao custeio da obra; a taxa, à manutenção do serviço ou
atividade de polícia; a contribuição especial, à finalidade para a qual foi instituída; o empréstimo compulsório,
também à finalidade que autorizou sua cobrança”.
Exceções: o princípio da não-afetação (ou não vinculação) preconiza que é proibida a vinculação da receita de
impostos a órgão, fundo ou despesa. Esse princípio (ou regra), contudo, não é absoluto e a própria CF prevê
exceções. Vale ressaltar que as exceções elencadas no inciso IV do art. 167 são taxativas (numerus clausus), não
admitindo outras hipóteses de vinculação.
Exceções ao princípio:
• Repartição constitucional dos impostos;
• Destinação de recursos para a saúde;
• Destinação de recursos para o desenvolvimento do ensino;
• Destinação de recursos para a atividade de administração tributária;
• Prestação de garantias para: i) operações de crédito por antecipação de receita; ii) a União (garantia e
contragarantia); e iii) pagamento de débitos para com esta.
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Voltando ao caso concreto: O STF entendeu que a norma da CE/RJ afronta o art. 167, IV da CF, pois se trata de
“verba carimbada”, com destinação vinculada, que não poderia ter finalidade alterada por meio da legislação
estadual.
DIREITO INTERNACIONAL
1. EXTRADIÇÃO
1.1. Se a vítima do sequestro não foi encontrada, o prazo prescricional não começou a correr
Fatos: Gonzales, argentino, foi condenado na Argentina pelo fato de ter sequestrado opositores do regime
militar no ano de 1983, época em que era oficial das Forças Armadas. As vítimas dos crimes nunca foram
encontradas. Ocorre que o réu está morando no Brasil, razão pela qual o Governo da Argentina requereu a sua
extradição para lá. A defesa alegou que os delitos supostamente praticados estão prescritos, o que impede a
extradição por faltar o requisito da dupla punibilidade, previsto art. 82, VI, da Lei de Migração. O Governo da
Argentina, contudo, havia levantado dois argumentos para afastar a prescrição: 1º) os delitos praticados por
Gonzales seriam imprescritíveis em virtude de serem previstos pela legislação da Argentina como de crimes de
"lesa-humanidade" (ou “crimes contra a humanidade”); 2º) o crime de sequestro é permanente e a prescrição ainda
não teria começado a correr.
A 1ª tese do Estado requerente foi acolhida pelo STF ? NÃO.
Em que consistem os crimes de lesa-humanidade? A definição dos crimes de lesa-humanidade, também
chamados de crimes contra a humanidade, pode ser encontrada no Estatuto de Roma, promulgado pelo Decreto
4.388/02.
Crimes de lesa-humanidade e imprescritibilidade
Crimes de lesa-humanidade não são imprescritíveis no Brasil
Não se aplica ao Brasil a imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade
Não se aplica o art. 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (“Uma parte não pode invocar as
disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”): O Brasil, ao negar a extradição
com base no fato de o delito estar prescrito segundo a lei brasileira, violou o art. 27 da Convenção de Viena sobre
Direito dos Tratados? NÃO. O próprio Tratado de Extradição Brasil-Argentina proíbe a concessão da extradição
“quando a ação ou a pena já estiver prescrita, segundo as leis do Estado requerente ou requerido” (art. III, c). Desse
modo, o Brasil não está descumprindo o tratado com base em uma lei interna. Ao contrário, ele está aplicando
fielmente o tratado ao exigir o requisito da dupla tipicidade.
A 2ª tese do Estado requerente foi acolhida pelo STF ? SIM. Com relação ao crime de sequestro, é possível
considerar que se trata de crime ainda em curso, uma vez que as vítimas de Gonzales continuam desaparecidas.
1.2. Cabe pedido de extensão da extradição caso se descubra outro delito que tenha sido praticado pelo
extraditando antes da extradição e que não tenha sido mencionado no pedido original: O estrangeiro que
estava no Brasil e foi extraditado para outro país somente pode ser julgado ou cumprir pena no estrangeiro pelo
crime contido no pedido de extradição. Se o extraditando havia cometido outro crime antes do pedido de
extradição, não poderá, em regra, responder por tais delitos se não constou expressamente no pedido de extradição.
A isso se dá o nome de “princípio da especialidade”. Ex.: a Alemanha pediu ao Brasil a extradição do alemão
mencionando o crime 1; logo, em regra, o réu somente poderá responder por este delito; se havia um crime 2,
praticado antes do pedido de extradição, o governo brasileiro deveria ter mencionado expressamente não apenas o
crime 1, como também o 2. Para que o réu responda pelo crime 2, o governo alemão deverá formular ao Estado
estrangeiro um pedido de extensão da autorização da extradição. Isso é chamado de “extradição supletiva”. No caso
concreto, o STF autorizou o pedido de extensão. É possível o pedido de extensão ou de ampliação nas hipóteses em
que já deferida a extradição, desde que observadas as formalidades em respeito ao direito do súdito estrangeiro
(dupla tipicidade, inexistência de prescrição e demais requisitos).
2.1. Para que a sentença estrangeira seja homologada no Brasil é necessário que ela esteja eficaz no país de
origem: MUDANÇA DE ENTENDIMENTO
Homologação de sentença estrangeira: v. livro (revisão).
Para que a sentença estrangeira seja homologada no Brasil, é necessário que ela tenha transitado em julgado no
exterior? O trânsito em julgado é um requisito para a homologação da sentença estrangeira? NÃO mais. Segundo o
art. 216-D, III, do RISTJ, para que a sentença estrangeira possa ser homologada no Brasil exige-se que ela tenha
transitado em julgado. Ocorre que o STJ decidiu que esse inciso III do art. 216-D do RISTJ foi tacitamente
revogado pelo NCPC. Isso porque o NCPC previu os requisitos para a homologação da sentença estrangeira e, em
vez de exigir o trânsito em julgado, afirmou que basta que a sentença estrangeira seja eficaz no país de origem.
202
Confira: “Art. 963. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão: (...) III - ser eficaz no país em
que foi proferida”. Assim, cf. entendeu o STJ, o NCPC, ao exigir que a sentença estrangeira seja apenas “eficaz” no
país em que foi proferida, teria deixado de exigir o trânsito em julgado. Essa é a posição também de parcela
significativa da doutrina. Se este entendimento prevalecer realmente no STJ, fica superada a Súmula 420 do STF:
Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado
Em suma: Com a entrada em vigor do CPC/2015, tornou-se necessário que a sentença estrangeira esteja eficaz
no país de origem para sua homologação no Brasil. O art. 963, III, do NCPC, não mais exige que a decisão judicial
que se pretende homologar tenha transitado em julgado, mas apenas que ela seja eficaz em seu país de origem,
tendo sido tacitamente revogado o art. 216-D, III, do RISTJ.
3. HIPOTECA NAVAL