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CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO DE SÃO PAULO

CLEONICE DUARTE RIBEIRO PAZ

TUTELA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS EM CASOS DE


DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL OU DIVÓRCIO
Um novo olhar jurídico para uma realidade contemporânea

São Paulo - SP
2020
TUTELA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS EM CASOS DE
DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL OU DIVÓRCIO
Um novo olhar jurídico para uma realidade contemporânea

Relatório final, apresentado a


Universidade Estácio de São
Paulo, como parte das
exigências para a obtenção do
título de Bacharel em Direito.

São Paulo, ____ de _________ de 2020.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Monica Cavalieri Fitzner Areal
Orientadora

________________________________________
Prof.
Avaliador

________________________________________
Prof.
Avaliador
RESUMO

Este trabalho se trata de uma situação contemporânea que preocupa os


juristas, uma vez que não há regulamentação legislativa: o divórcio e a
dissolução de união estável quando os parceiros possuem animais de estimação
e nestes depositam afeto, tratando-os como se filhos fossem e integrassem o
seio familiar dos mesmos. Os magistrados estão se valendo da jurisprudência e
da analogia com o direito de família a respeito da guarda, visitas e pensão
alimentícia afim de solucionar estes interesses, uma vez que há procura do
judiciário sobre e não pode o mesmo ficar inerte quando provocado. Há também
uma necessidade de regulamentar essa situação para dirimir conflitos existentes
de forma mais célere e também para não causar insegurança jurídica.

Palavras-chave: Tutela de animais domésticos. Divórcio e animais.


Decisão judicial envolvendo animais. Jurisprudência sobre guarda de animais.
Animais e o direito. Direito de família e animais.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO. 2. DOMESTICAÇÃO DOS ANIMAIS. 2. ANIMAL


DOMÉSTICO COMO PROPRIEDADE. 2.1. ANIMAL DOMÉSTICO NO DIREITO
BRASILEIRO. 2.2 QUANTIDADE DE ANIMAIS NOS LARES BRASILEIROS. 3.
ANIMAL: COISA X SUJEITO DE DIREITO. 4. DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA
BRASILEIRA NO SÉCULO XX E ATUALMENTE. 5. CONFLITO DE GUARDA
DOS PETS NOS LARES BRASILEIROS. 6. A TUTELA DE ANIMAIS
DOMÉSTICOS E AS ATUAIS DECISÕES JUDICIAIS. 6.1. PROJETO DE LEI
N.º 1.365, DE 2015 DO SENHOR RICARDO TRIPOLI. 7. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO

A pesquisa bibliográfica fez um percurso cronológico afim de exemplificar


a colocação dos animais desde os primórdios até os dias de hoje, quando os
humanos se valeram da domesticação daqueles para facilitar o trabalho, o lazer
e a caça de outros animais; até a situação atual em que animais domésticos
integram o seio familiar e se tornam parte deste.
O objetivo deste artigo é apresentar uma luz para o conflito familiar já
existente, que é o divórcio e a dissolução da união estável, num contexto
envolvendo um novo ser considerado da família por estes casais: os animais
domésticos. Esse tema é de suma importância pois os conflitos continuarão
existindo, e o direito não pode ficar inerte perante tais situações.
Alguns autores escreveram a respeito dos direitos dos animais e traçaram
um paralelo com o Direito de Família amparados pela Constituição quando a
mesma cita a proteção a fauna e a flora. Houve também pesquisa a Lei de
Crimes Ambientais e ao Código Civil. Por fim ao do novo Projeto de Lei q visa
regulamentar essa relação que é o objetivo neste trabalho.
Este artigo se vale da pesquisa estratégica com abordagem qualitativa
utilizando-se as bibliografias e os documentos, há também estudo de caso e
pesquisa participante para que ao o trabalho tenha uma definição melhor e mais
completa possível.
TUTELA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS APÓS DISSOLUÇÃO
DE UNIÃO ESTÁVEL OU DIVÓRCIO
Cleonice Duarte Ribeiro Paz

1. DOMESTICAÇÃO DOS ANIMAIS

Desde tempos remotos a domesticação dos bichos esteve presente na


vida dos humanos. Primeiro para que os animais pudessem ajudar as
comunidades através da caça a outros bichos para servirem de alimento e
segundo como proteção contra invasores das tais comunidades.
A domesticação dos cães começou a mais de 500 mil anos, segundo a
arqueologia foi na era glacial. Já a dos gatos começou a 5000ª.C. no antigo Egito
em que o mesmo controlava os ratos, praga muito perigosa para as pessoas, em
troca de comida abundante e segurança. Os bichanos foram inclusive
considerados uma reencarnação da deusa Bastet, protetora das mulheres e da
fertilidade, pelos egípcios. Através desta prática os gatos se espalharam pelo
mundo, ocorreu sua domesticação e assim como os cães possuem um
lugarzinho como “filhos” no seio familiar.1
Todavia, cães e gatos não são os únicos animais domésticos. Eles são os
mais comuns e, devido a cultura da maioria dos países, são os mais presentes
nos lares. Outro exemplo de animal doméstico e aceito pelas pessoas são as
vacas na Índia que lá são até consideradas deusas.

1 TOLEDO - Maria Izabel Vasco de Toledo - A tutela jurídica dos animais no brasil e no direito
comparado – 2012 -
https://portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/viewFile/8426/6187%3E%5B58%5D%3C/a%3
E%20BALLONE. Acesso em: 02 de março de 2020 às 23h
Ao seu modo o Brasil detém uma quantidade significativa de animais
domésticos nos lares, convivendo com os humanos de forma pacífica e, muitas
vezes, como se filhos fossem.
Desta forma pode-se afirmar que o Brasil é um país que replica muito bem
o costume de possuir animais domésticos dentro de casa.

1.1. ANIMAL DOMÉSTICO COMO PROPRIEDADE

Através da domesticação o homem também pode aprisionar e dominar os


animais para seu uso. Ser humano, dotado de racionalidade, tornou os animais
domesticados em coisa para uso, comércio, caça, e também controle de pragas,
transferindo a ideia de animal como parte do instituto familiar para um objeto de
uso capitalista.
Venosa relata o momento em que o animal passou a ser tido como
propriedade:

[...] No momento em que o homem primitivo passa a apropriar-se de


animais para seu sustento, de caverna para abrigo, de pedras para
fabricar armas e utensílios, surge a noção de coisa, de bem
apropriável. A partir daí entende o homem que pode e deve defender
aquilo de que se apropriou ou fabricou, impedindo que intrusos
invadam o espaço onde habita, ou se apropriem dos instrumentos que
utiliza.

Ideia esta, presente também na cultura romana, fonte primária do direito


positivo brasileiro, em que os mesmos usavam de tudo aquilo que eles não
consideravam sujeitos para se divertir e dispor como coisa/ objeto. Eram os
animais, os escravos e criminosos.
É deste fundamento que o direito brasileiro se baseou por muito tempo. O
mesmo tratou os animais apenas como objetos em que os humanos detinham
posse e propriedade e dela podiam dispor. Até então não havia noção de
sentimento por parte das pessoas para com esta “coisa”. A ideia de animal como
ser senciente é bem recente.
O código civil atual ainda considera os animais como objetos. Tal
definição está completamente equivocada pois não respeita na prática o que
dispõe a constituição de 1988 e viola também a Declaração Universal dos
Direitos dos Animais na qual o Brasil é signatário e equiparado a Carta Magna.
Ou seja, esses animais não-humanos não podem continuar a serem
equiparados a coisas ou objetos. Danielle Tetü Rodrigues cita:

Se os Animais fossem considerados juridicamente como sendo


‘coisas’, o Ministério Público não teria legitimidade para substituí-los
em juízo. Impende observar que a legitimidade é conceito fechado,
impassível de acréscimos advindos de interpretações. Além do que,
seria um contra-senso existirem relações jurídicas entre coisas e
pessoas. Sói observar que não se trata de direito real, mas sim, de
direito pessoal, cujo traço característico é justamente a relação entre
pessoas, mediante os elementos de sujeito passivo e ativo, bem como
a prestação devida.

Portanto necessita urgentemente uma atualização legislativa e


consequentemente jurídica sobre a definição de animal para o direito brasileiro.

1.2. ANIMAL DOMÉSTICO NO DIREITO BRASILEIRO

Animais domésticos são aqueles que possuem capacidade para conviver


com os humanos.
Tal definição está presente no artigo 29, §3° da Lei n° 9.605 de 1998 – Lei
de Crimes Ambientais2:

São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às


espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou
terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo
dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais
brasileiras.

2 BRASIL. LEI N° 9.605 de 1998 – Lei de Crimes Ambientais, artigo 29, §3°, 1998 -
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm. Acesso em 02 de março de 2020 às 20h
Neste artigo houve a conceituação de espécies de fauna silvestre
subentendendo-se, por interpretação extensiva, que o oposto do conceito se
trataria das espécies domésticas.
Portanto, é possível compreender que para o direito brasileiro animais
domésticos são aqueles que participam da convivência humana e precisam,
assim como os silvestres, serem respeitados em seu bem-estar, cuidados com
a saúde e garantir que os mesmos não perturbem outras pessoas.
Também é possível perceber que os animais pertencem a uma parte do
direito ambiental, protegidos pela lei de crimes ambientais e não são sujeitos
passíveis de direitos propriamente ditos.
Conclui-se que para o direito brasileiro os animais, mesmo que
domésticos, não são considerados sujeitos de direitos, mas também não são
coisas pois se assim fosse o MP não teria capacidade de postular em juízo,
conforme bem afirma Danielle Tetü Rodrigues, trazendo assim uma definição
híbrida e ao mesmo tempo insegura para o direito positivo.

1.3. QUANTIDADE DE ANIMAIS NOS LARES BRASILEIROS

A mudança comportamental das famílias quanto a quantidade de pessoas


dentro dela é nítida. Enquanto em 1940 os casais tinham em média 6 (seis)
filhos, 60 (sessenta) anos depois essa média é três vezes menor. Gastos
financeiros, vida urbana corrida, independência feminina, casamento mais tardio,
mercado de trabalho competitivo ou simplesmente vontade pessoal de viver a
vida a dois por mais tempo, fizeram com que os adultos que se casam
repensassem melhor na quantidade de filhos que teriam e, inclusive, se teriam
filhos (comportamento este praticamente inexistente a meio século atrás).
Atrelado à essa consciência da humanidade, atualmente, dados do IBGE
apontam que as famílias brasileiras já possuem mais cachorros e gatos do que
crianças sendo, em especial, os animais de estimação parte da grande maioria
dos lares brasileiros. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de
Produtos para Animais de Estimação Abinpet3, em 2014, no Brasil, havia cerca
de 106,2 milhões de animais de estimação. Diante desse número expressivo, o
país tem a quarta população mundial. Através do gráfico a seguir é possível se
ter a dimensão da quantidade de animais pertencentes à população brasileira e
o quanto eles estão inseridos nos lares:

(Figura 1) 4

Desta forma é possível afirmar que os animais domésticos estão


ocupando cada vez mais espaço dentro das famílias e que estas diminuíram a
quantidade de filhos e se adaptaram muito bem com a inserção de outra espécie
para a convivência.

2. ANIMAL: COISA X SUJEITO DE DIREITO

A constituição brasileira prevê a preservação do meio ambiente como um


direito e um dever de todos. O artigo 225, §1º, VII diz o seguinte:

3 FERREIRA, Ana Conceição Barbuda Sanches Guimarães. A Proteção aos Animais e o Direito
– 01 de janeiro de 2014. – São Paulo: Juruá, 2014.
4 Figura1 – IBGE- Gráfico da População Pet no Brasil – Abinpet – Dados de 2013. Acesso em
02 de março de 2020 às 21h.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder
público:
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Logo, é um dever da comunidade cuidar do ambiente que compreende


dentro dele a fauna, a flora e a saúde ambiental num geral. Não há uma
especificação dos cuidados para com animais domésticos, todavia é por
interpretação das entrelinhas que se pode saber o que o legislador diz a respeito
do bem-estar dos animais domésticos que compreende a correta alimentação,
atendimento de saúde por profissional capacitado, liberdade locomotiva e nada
que cause dano físico ou psíquico ao mesmo. Se a população tem o dever de
cuidar também é direito da mesma ter um ambiente equilibrado e saudável. Por
ambiente naturalmente saudável pontua o Professor José Afonso:5

O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos


naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca
assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos
recursos naturais e culturais.

Portanto o cuidado ambiental de forma saudável também compreende a


boa interação dos humanos para com animais domésticos e a proteção dos
silvestres para o não-convívio com as pessoas de forma a garantir o bem-estar
de ambos os animais.

5 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2003,
p.19.
3. DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA BRASILEIRA NO SÉCULO XX E
ATUALMENTE

Conforme define o Dicionário Houaiss família é um "Núcleo social de


pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo
espaço e mantêm entre si uma relação solidária". Contudo nem sempre teve este
conceito.
As famílias passaram por diversas conceituações e formatos ao longo dos
anos, uma vez que o patriarcalismo imperava. Formato este superado ao longo
do tempo pois com os avanços as mulheres também passaram a ser cabeças
da entidade familiar, houve também a igualdade entre filhos sejam eles fora ou
dentro do casamento já constituído civilmente, ou mesmo dos filhos adotivos,
houve também o reconhecimento de constituição de família homoafetiva e do
modelo familiar monoparental. Tudo isso somente foi possível através do
Princípio da Isonomia em que reconhece iguais todos os tipos de família, não
havendo distinção nos formatos das mesmas.
Essa evolução foi conceituada por Paulo Lôbo6 desta forma:

No plano constitucional, o Estado, antes ausente, passou a se


interessar de forma clara pelas relações de família, em suas variáveis
manifestações sociais. Daí a progressiva tutela constitucional,
ampliando o âmbito dos interesses protegidos, definindo modelos, nem
sempre acompanhados pela rápida evolução social, a qual engendra
novos valores e tendências que se concretizam a despeito da lei.

Este modelo patriarcal não é recente, ele perpetuou por séculos, muito
forte na Idade Média e perdura até hoje em alguns países. Não é o caso do Brasil
que acompanhando a contemporaneidade definiu a família como um núcleo de
pessoas unidas por afetividade e não somente consanguinidade. Igualou as
mulheres em direitos e atribuiu maior proteção aos filhos, sejam eles afetivos ou
biológicos, conforme mencionados anteriormente.
E como nenhuma família é igual em sua concepção por diversos fatores
e, acatados pela proteção do Estado, não seria diferente com a inclusão de

6 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Família. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
alguém que não é consanguíneo daquele grupo de pessoas. O que o direito
brasileiro não esperava era que surgissem famílias constituídas apenas de
pessoas vivendo sós, ou, como tenta mostrar este referido trabalho, de pessoas
incluindo animais domésticos na base familiar. Ora se no modelo patriarcal os
filhos pertenciam a base do desenvolvimento desta instituição poderiam os
animais também serem considerados como tais.
Contudo, por ser muito recente família nestes moldes, ou melhor: pessoas
da entidade familiar considerando relação interespécie como se de sua própria
família pertencesse, as relações jurídicas envolvendo estes seres são muito
escassas e a doutrina e jurisprudência tal e qual muito pobre.

4. CONFLITO DE GUARDA DOS PETS NOS LARES


BRASILEIROS

É uma tarde de sexta chuvosa, dia de R.N., 34, garçom, dirigir alguns
quilômetros até a casa do ex-companheiro buscar seu filho para ficar com ele no
final de semana, todavia R.N. avisa por mensagens eletrônicas seu ex-parceiro
que não conseguirá chegar até sua casa tão cedo e que prefere esperar para
buscar seu pequeno no outro dia. O pequeno tem medo de chuva.
Já T.P. divorciou-se há um ano e, apesar de inúmeras ligações para seu
ex vir passar um tempo com sua menina, o mesmo se recusa a realizar tal fato
e a pequena o espera todos os dias em frente a porta exatamente às dezessete
horas. Segundo T.P. “ela tem saudades do pai”.
Por outro lado, o caso do casal A.B. e C.D. foi parar na justiça. Não houve
acordo entre eles sobre a guarda e visita, muito menos sobre a pensão
alimentícia e eles preferem um parecer jurídico sobre o caso uma vez que são
três pequenos.
O que os três casos tem em comum? Se assemelham aos diversos que o
Direito de Família está acostumado a receber, contudo os pequenos e filhos
referidos nos fatos não são crianças e sim animais domésticos, considerados por
aqueles que os adquiriram como se filhos fossem.
R.N. divide a guarda e visita de um cachorrinho fruto da relação de oito
anos com seu ex-companheiro. Ele afirma que no começo brigaram sobre com
quem o pequeno animal ficaria pois este foi adquirido logo no começo da relação,
eles não se casaram, mas moraram juntos durante os anos em que tiveram sob
o mesmo teto o cachorrinho, criado e educado pelos dois. Ao término da relação
deles R.N. sofreu com a distância do seu “bebê” porque a guarda não ficou com
ele mas a saudade sim e por isso hoje, com conversa amigável e tranquila com
o ex, ele consegue pegar o pequeno a cada quinze dias para ficar com ele
durante um fim de semana e ser devolvido na segunda-feira. O cachorrinho
desse casal é mimado freneticamente e o casal de ex-companheiros dividem
tranquilamente as despesas de veterinário.
O que não ocorreu com o segundo caso. T.P., 37, contadora, tem uma
gata adquirida no começo do relacionamento com seu atual ex-marido a doze
anos atrás. Apesar de T.P. insistir para que o mesmo visitasse a pequena o
mesmo se recusou afirmando que é apenas um bicho e que ela - a gata - não
tinha sentimentos. Fato desmentido por T.P. que apesar de não querer ver seu
ex-marido após o rompimento do relacionamento, sentiu a necessidade de que
o mesmo visitasse a gatinha de onze anos porque ela sentia falta da presença
do “pai” e por isso esperava ansiosa na porta a vinda dele. Isso nunca aconteceu
e T.P. ficou preocupada quando a gata passou a recusar alimento e água e ficava
horas olhando para a porta. O caso dela não houve solução, nem acordo
amigável e, antes mesmo dela procurar a justiça para dividir as despesas com o
animal que tiveram no percurso do relacionamento, a gata morreu.
Caso semelhante é o da estudante C.D. de 25 anos; ela se separou após
um relacionamento de oito anos e seu ex-parceiro se nega a dividir as despesas
com os três animais adquiridos no percurso da relação. Um cachorrinho e dois
gatos muito apegados entre eles e entre o casal, contudo o rompimento do
relacionamento foi complicado a respeito da guarda dos mesmos e estes foram
separados entre o casal, não restando outra alternativa. Eles acreditam que os
“filhos” nunca mais se verão pois o casal morará em estados diferentes. Não
acordaram sobre a pensão alimentícia do cachorro, eram dois gatos e cada um
ficou com um, e por haver pouco amparo jurídico a respeito, tentam decidir entre
eles o melhor para todos os envolvidos enquanto a decisão jurídica não ocorre.
São casos como esses que ocorrem em muitos lares brasileiros e os frutos
destas relações nem sempre são filhos humanos. A legislação brasileira nada
diz a respeito, há uma lacuna, todavia, algumas decisões jurídicas já
aconteceram e a solução encontrada pelos magistrados foi se valer do direito
comparado entre o respeito a vida animal presente no Direito Ambiental e ao
Direito de Família no que se tratar de ente familiar.
Há um respeito maior à vida do animal, mas também as pessoas
envolvidas em situações como às já mencionadas não podem ficar à mercê
apenas da celeridade processual dos tribunais já abarrotados de causas. Os
animais de companhia desempenharam sentimentos únicos no seio familiar e
não pode a legislação brasileira estar cega aos conflitos ou acordos que possam
fazer parte os animais como sujeitos de direitos equiparados como filhos.

5. A TUTELA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS E AS ATUAIS


DECISÕES JUDICIAIS

Muito embora não haja lei específica para os casos de tutela de animais
após divórcio ou dissolução de união estável, alguns juízes buscaram
alternativas muito congruentes para resolver conflitos, uma vez que não pode o
judiciário ficar inerte.
A decisão de um Recurso Especial7 do caso de uma cachorrinha
adquirida na constância da união estável de um casal trouxe alguns
questionamentos à sociedade jurídica, uma vez que considerou o referido animal
um ente pertencente ao seio da antiga família e, por conseguinte, dotado de
sentimentos. Segue decisão:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO


ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA
CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS
COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS.

7 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (4. Região). - REsp: n° 1713167 SP 2017/0239804-9,


Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19 de junho de 2018. Lex:
jurisprudência do STJ e Tribunais Regionais Federais, QUARTA TURMA, Data de Publicação:
DJe 09 de outubro de 2018. https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1.
Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a
discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de
estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo
desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da
pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada
tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também
pela necessidade de sua preservação como mandamento
constitucional (art. 225, § 1, inciso VII -"proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua
função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam
os animais a crueldade"). 2. O Código Civil, ao definir a natureza
jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte,
objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas,
não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser
considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o
animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade
familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a
sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia
possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos
bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer
outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico
dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma
satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se
trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por
sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar -
instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e
fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do
enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque
é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não
se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos
pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A
ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da
relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos
tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-
modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em
que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto,
a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à
pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6.
Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem
natureza especial e, como ser enchente - dotados de sensibilidade,
sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos
animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado.
7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum
conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da
qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar
atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais,
atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do
ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o
Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na
constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de
afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o
seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso
especial não provido.

Pontua ainda o referido Ministro: “Os Tribunais do país têm se deparado


com situações desse jaez, com divórcios e dissoluções de relações afetivas
de casais em que a única divergência está justamente na definição da custódia
do animal”.
O Ministro Salomão ainda pontuou que não se tratava de equiparar
crianças e adolescentes a animais, e sim de aplicar uma interpretação
extensiva do direito de família já existente aos casos de divórcio ou dissolução
quanto a guarda dos filhos, pois as decisões sobre ainda advém de pedido das
partes interessadas, ao contrário dos filhos menores que precisam constar
acordo em casos de separação dos pais.
Ele também descreveu a importância de se lembrar da natureza dos
animais irracionais quanto às suas necessidades biopsicológicas pois são as
mesmas dos humanos, capacidade de sentir e formar laços familiares.
Outro caso semelhante foi a regulamentação de guarda e visitas pela
vara de família concedida a um gato de nome Mingau. Os tutores do animal
disputaram a guarda do mesmo em Itajaí/SC e o julgamento da juíza Marcia
Krischke Mazenbacher teve a jurisprudência do STJ, mencionada
anteriormente neste artigo, respeitada. Mais surpreendente ainda foi a decisão
da juíza em tutela provisória de urgência considerando também que o ex
companheiro da mulher detentora da guarda do animal não usasse da visita
ao gato como desculpa para reaproximação da mesma e sim, apenas, para
garantir o direito da convivência do gato com ambos tutores. Ela decidiu pela
guarda compartilhada do bichano ficando o mesmo 15 dias com um e 15 dias
com o outro tutor.
A advogada do caso Geovana da Conceição fundamentou o pedido por
analogia do artigo 1.583 ao 1.590 do Código Civil, que tratam da proteção da
pessoa dos filhos:8

“Existem casos de fixação de pensão alimentícia em favor do animal


doméstico, o que entendo que deve ser visto também com bons olhos
pela Justiça, porque os animais de estimação dão despesas com
veterinário, ração, medicamentos etc. É justo que o casal também
divida essas despesas.”

8 CONCEIÇÃO. Geovana - Justiça decide que guarda de gato deve ser compartilhada por ex-casal – 2018
- https://petepop.ig.com.br/justica-decide-que-guarda-de-gato-deve-ser-compartilhada-por-ex-casal/
Acesso em: 28 de fevereiro de 2020
Ela defende, ainda, a necessidade de se regulamentar o direito de
convivência em relação aos animais de estimação: “É cada vez mais recorrente
casais optarem por não terem filhos e adotarem um animal de estimação,
surgindo, daí, a necessidade de se estabelecer regras de convivência em uma
hipótese de dissolução da união”9 opina.
Concluindo desta forma que se faz urgente a regulamentação jurídica
deste modelo contemporâneo de família para que os conflitos ou decisões
judiciais fiquem melhores amparados, e para que haja um cumprimento maior de
um dever já constitucional, porém pouco respeitado – o da proteção da fauna
para um ambiente ecologicamente saudável.

5.1. PROJETO DE LEI N.º 1.365, DE 2015 DO SENHOR RICARDO


TRIPOLI

Projeto de lei dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos
de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus
possuidores apresentado pelo então deputado Ricardo Tripoli ao Congresso
Nacional. Referido projeto aguarda julgamento.
Em seus dois primeiros artigos há uma solução melhor e mais efetiva para
os casos de tutela dos animais de estimação em caso de dissolução ou divórcio.
Segue: 10

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos
casos de dissolução litigiosa da união estável hetero ou homoafetiva e
do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências.

Art. 2º Decretada a dissolução da união estável hetero ou homoafetiva,


a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as
partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será essa

9 CONCEIÇÃO. Geovana - Justiça decide que guarda de gato deve ser compartilhada por ex-casal – 2018
- https://petepop.ig.com.br/justica-decide-que-guarda-de-gato-deve-ser-compartilhada-por-ex-casal/
Acesso em: 28 de fevereiro de 2020
10 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.365, de 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67157/guarda-
compartilhada-de-animais. Acesso em 02/03/2020 ás 23h.
atribuída a quem demonstrar maior vínculo afetivo com o animal e
maior capacidade para o exercício da posse responsável.

Parágrafo único. Entende-se como posse responsável os deveres e


obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação.

Conforme já conceituado e descrito neste artigo uma das possibilidades


para solução destes conflitos familiares seria o sancionamento deste projeto de
lei. Não resolveria todos os conflitos pois cada caso concreto é ímpar, contudo
haveria um melhor norte para as decisões dos magistrados que atualmente se
valem das jurisprudências e analogia para suas sentenças, uma vez que tal
matéria é de relevante interesse social e respeita o artigo Constitucional quanto
ao respeito aos animais e meio ambiente saudável e dá, inclusive, maior valor
aos interesses dos companheiros e cônjuges numa separação familiar onde
ambos se encontram muito atribulados emocionalmente.
7. CONCLUSÃO

Neste artigo houve a descrição a respeito do que acontece nos casos de


dissolução de união estável ou divórcio havendo animais domésticos no que
tange a falta de uma norma regulamentadora.

Transcreveu-se a ordem cronológica de quando os animais foram


domesticados, a média de animais domésticos nos lares brasileiros, a mudança
do conceito de família devido a pós-modernidade e a inserção de um animal
como integrante familiar. Comentou-se também casos concretos envolvendo a
problemática, o que ocorre na prática quando o direito brasileiro não se posiciona
e não soluciona estes conflitos, como também casos onde o magistrado se valeu
de outras alternativas para resolver a questão.

Não há muitas referências sobre o tema por ser tratar de uma


problemática muito nova contudo já há jurisprudência a respeito, relatou-se
algumas decisões e um Projeto de Lei criado pra regulamentar essa lacuna
legislativa.

Houve tentativa de contato com o autor do Projeto de Lei afim de se


descobrir o andamento do mesmo, porém foi infrutífera. No que diz respeito as
soluções para dirigir essas decisões e nortearem melhor os magistrados fica
evidente que este referido projeto ajudaria muito a desafogar o judiciário neste
quesito para uma maior celeridade processual.
REFERÊNCIAS

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Guarda Compartilhada e Dano Moral em Caso de Lesão ao Animal. – 11 de
abril de 2018. – São Paulo: Lámen Juris, 2018.
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1998 - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm. Acesso em 02 de
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BRASIL. Projeto de Lei nº 1.365, de 2015. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/67157/guarda-compartilhada-de-animais acesso em
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Animais e o Direito – 01 de janeiro de 2014. – São Paulo: Juruá, 2014.
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https://jus.com.br/artigos/56075/a-questao-do-animal-no-divorcio-litigioso-a-luz-
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https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/ acesso em: 28 de
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