ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NA DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL
CAPITULO 1
1. ANIMAIS COMO SUJEITO DE DIREITO
Heron José de Santana Gordilho e Tagore Trajano de Almeida Silva (2012) relatam dois processos históricos, um no ano de 1545 e outro em 1587, em que configuraram como partes em juízo animais não-humanos. Tratam-se de um caso ocorrido na França, passou-se em uma aldeia chamada Sain Julien, onde os aldeões pleiteavam ao juiz episcopal que fossem providenciados meios para que uma colônia de gorgulhos, uma espécie de besouro, não invadisse mais vinhedos, pois vinham causando prejuízos a estes. No ano de 1545, o juiz episcopal designa um advogado aos gorgulhos e ao final sentencia em favor destes, com a fundamentação de que os mesmos possuíam os mesmos direitos que os humanos em comer os vegetais (GORDILHO e TRAJANO, 2012). No ano de 1587, o juiz episcopal reabre o processo a fim de propor um acordo entre as partes, ocorrendo um contrato natural entre humano e animal não-humano, porém, as terras oferecidas aos insetos pela outra parte, eram estéreis, de modo que o advogado de defesa solicitou a condenação dos humanos ao pagamento das custas processuais, não se sabendo o desfecho de tal processo judicial (GORDILHO e TRAJANO, 2012). Relatam os autores, que na época em que ocorreram os casos mencionados não eram raros os processos em que figuravam como parte os animais não-humanos, ainda que sempre como acusados, desde danos à terceiros até homicídio, com condenações como excomungados da igreja e execução (GORDILHO e TRAJANO, 2012). O atual status jurídico dos animais no ordenamento jurídico brasileiro fica dificultoso efetivar a proteção que lhes é assegurada e não lhes permite, como no caso citado, figurar como parte nos processos judiciais. Heron José de Santana Gordilho (2008, apud TOLEDO) afirma que há grande diferença entre ser um sujeito de direitos e possuir personalidade jurídica, visto que aquele é mais abrangente que o último. Não obstante a pessoa jurídica passar a ser sujeito de direito após seu devido registro, merecem também os animais não-humanos tal direito (DIAS, 2006). No Código Civil atual, no caso do titular do direito ser incapaz ocorre a representação, e através desta o incapaz pode participar de negócios jurídicos através de seu representante, de forma que, mesmo a pessoa que é absolutamente incapaz, os menores de 16 anos, conforme art. 3º do Código Civil. Desta forma, mesmo os incapazes podem pleitear seus direitos por meio de representantes, o mesmo deveria ocorrer com os animais não-humanos, pois, segundo Edna Cardozo Dias (2006, apud, TOLEDO) os animais não-humanos, também considerados como incapazes, devem ser considerados sujeitos de direitos, visto que o nosso ordenamento jurídico expressa o dever de proteção a estes, e tendo em vista que são objetos de deveres, se fazem sujeitos de direitos, e nas palavras de Dias (2006) “são portadoras de direitos inerentes à sua natureza de ser vivo e de indivíduos de uma determinada espécie” e, os direitos de personalidade não passam de direitos garantidos à pessoa em sua individualidade. Em conformidade com Vivian Akemi Kuratomi (2011) o fato de o indivíduo ter a titularidade do direito não significa que ele mesmo o irá exercer, e é aí que se fala sobre a representação. É dever do poder público garantir a representação dos direitos dos animais, assim como é dever dos representantes de humanos incapazes, considerando que a inaptidão da fala não os tira o direito de viver e do não sofrimento, ocorrendo a representação através do Ministério Público, de acordo com Toledo. O art. 82 do Código Civil dispõe que são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social, ou seja, coisifica os animais não humanos. A PL 6054/2019 pretende acrescentar ao referido artigo o parágrafo único dispondo que disposto no caput não se aplica aos animais domésticos e silvestres. Além disso, o projeto de lei confere aos animais domésticos e silvestres a natureza jurídica sui generis, os tornando sujeitos de direitos despersonificados, de forma que não serão considerados coisas nem pessoas. Gisele Kronhardt Scheffer (2019) tece uma crítica acerca do Projeto de Lei que atualmente se encontra aguardando apreciação do plenário, pois, apesar do PL conferir status jurídico sui generis aos animais domésticos e silvestres e constar em sua justificativa que a ideia do projeto seria afastar a visão utilitarista dos animais, ela exclui de seu âmbito os animais de produção, demonstrando "sua face especista e subserviente aos interesses econômicos”. Porém, excluindo ou não os animais de produção, tal projeto de lei não deixa de ser grande avanço para a causa animal, pois desde 2012 foi declarado em Cambridge, como já mencionado neste trabalho, a sensciencia dos animais, e desde sempre estes sofrem abusos, exploração e maus-tratos inimagináveis.
1.2 ODIREITO DOS ANIMAIS
De maneira geral, a natureza em nosso ordenamento jurídico, de acordo com ANTUNES (2002), é tratada em três perspectivas, sendo elas: “(I) base material para produção de bens e riquezas, (II) base física capaz de assegurar a reprodução da vida e, (III) base sobre a qual se desenvolvem as relações sociais entre os indivíduos”. Por esta razão é que surge a necessidade do estudo do Direito Ambiental, mais especificamente para este trabalho, o Direito dos Animais. De forma que, por meio do sistema legal, sejam defendidos os animais como titulares de seus próprios direitos e não com a visão de eterno lucro da raça humana (RODRIGUES, 2008). O estudo do Direito dos Animais é de suma importância, sua missão é evoluir o ordenamento jurídico em direção aos direitos dos animais, incorporando aos debates jurídicos o assunto. O Direito dos Animais engloba várias áreas do direito, como o Direito Penal, Direito Civil, Direito Ambiental, constitucional, entre outros.
1.3 O DIREITO DOS ANIMAIS NO BRASIL
O Direito dos Animais no Brasil Conforme explana Tinoco e Correia (2010), durante o período colonial no Brasil, era aplicada a legislação portuguesa, que possuía alguns dispositivos de proteção à fauna e à flora, mas com interesses meramente econômicos. O Brasil conquistou sua independência no ano de 1822, e no ano de 1886 surgiu o primeiro dispositivo de defesa aos animais, o Código de Posturas do Município de São Paulo, que, em seu artigo 220 proibia maus tratos aos animais vindo de cocheiros e ferreiros, prevendo multa aos infratores (TINOCO E CORREIA, 2010). Posteriormente, no Código Civil de 1916 os animais, e a natureza em geral, eram protegidos como direitos de propriedade, sendo os animais bens móveis passíveis de propriedade, conforme previa seu art. 47, 1ª parte: “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio”. Consoante Tinoco e Correia (2010) os códigos de pesca e caça existentes protegiam os interesses dos pescadores e caçadores, e não a fauna e flora em si, sendo que, de acordo com Gomes e Chalfun (2010), podem ser citados como avanço ao direito dos animais os Decretos 16.590 de 1924, que proíbe a rinha de galo, 24.645 de 1934, Decreto lei 221 de 1967 e Código de Caça ou Lei 5.197 de 1967, depois alterada pela Lei 7653 de 1988. O mencionado Decreto n. 24.645 de 1934, elaborado durante o governo de Getúlio Vargas, estabeleceu algumas medidas de proteção aos animais e em seu art. 3º definiu alguns atos a serem considerados como maus-tratos, como atos de crueldade e abuso, manter os animais em ambientes anti-higiênicos, que impedissem a respiração dos mesmos, ou movimento e descanso, ou que os privando de ar ou luz, até mesmo abater ou fazer trabalhar animais em período adiantado de gestação (CASTRO Jr. e VITAL, 2015). Consoante Mota e Rodrigues (2018), a hermenêutica do Decreto n. 24.645 de 1934, levava à conclusão de que o Parquet seria substituto processual dos animais não- humanos, incitando a ideia que estes possuíam certa personificação e não eram meros objetos de direito. No ano de 1941 é editado o Decreto-Lei nº 3.688, mais conhecido como Lei das Contravenções Penais, onde o crime de maus-tratos aos animais acaba classificado como contravenção penal, sendo julgado através da Lei n. 9.099 de 1995 (Lei dos Juizados Especiais) como crime de menor potencial ofensivo, que de acordo com Gomes (2010) são os crimes que não são capazes de causar um dano considerável ao bem jurídico, de modo que a pena privativa de liberdade é substituída por restritiva de direitos (TINOCO E CORREIA, 2010). Em seu art. art. 64, a Lei das Contravenções Penais estabelece pena para quem tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo, mas, de acordo com Castro Jr. e Vital (2015), assim como a Carta Magna, não definiu o que seria crueldade e o trabalho excessivo, nem mesmo estabeleceu qual órgão ou instituição seria responsável pela averiguação e fiscalização de tal crime, dificultando a efetivação do dispositivo. Já o Decreto n. 5.197 de 1967, trata da Proteção à Fauna, e a caracteriza como propriedade do Estado, proibindo a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha da fauna silvestre, mas no mesmo dispositivo há exceções em que são permitidas tais condutas, prejudicando sua efetividade (MOTA E RODRIGUES, 2018). Posteriormente, no ano de 1985 é editada a Lei 7.347, dispondo acerca da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente e outros, que conforme afirmam Tinoco e Correia, “permitiu às Associações e Organizações Não-Governamentais a efetivação da tutela jurídica dos animais não-humanos”. O atual Código Civil, de 2002, não trouxe mudanças acerca do tratamento jurídico dado aos animais, de forma que ainda possuem status de bem móvel, conforme seu art. 82: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio”, inclusive, no novo Código de Processo Civil, em seu art. 742, inciso II, prevê a alienação de semoventes, designação dada aos animais não-humanos. Finalmente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os animais e o meio ambiente ganham proteção jurídica de status constitucional, bem como, são conferidos a eles natureza difusa e coletiva, e através do art. 225, que, de acordo com Toledo (2012), surge como direito fundamental do ser humano, pois, em concordância com Mota e Rodrigues (2018) sua proteção se deve ao interesse do ser humano de usufruir de seus benefícios “para uma plena e digna existência dos mesmos”. Em seu art. 225, §1°, inciso VII, a Carta Magna veda a crueldade para com os animais e, diferente da Lei dos Crimes Ambientais, reconhece nestes um valor inerente, não mais os caracterizando como um todo, de maneira geral à proteção do meio-ambiente, e sim individualmente (CASTRO Jr., 2015, p. 147), demonstrando, segundo Castro Junior, que a intenção do dispositivo não é meramente proteger o meio-ambiente para as futuras gerações e evitar a extinção das espécies, e sim o animal não-humano em sua individualidade, sem nunca deixar de lado as raízes antropocentristas, mas dando um grande passo em direção dos direitos dos animais, de acordo com Mota e Rodrigues (2018). Logo após, em 1998, os crimes contra a fauna e flora são organizados na Lei n. 9.605, chamada de Lei de Crimes Ambientais, porém, possuindo diversas falhas que dificultam a efetiva aplicação das penas, que no geral são desproporcionais aos crimes, violando o princípio da proporcionalidade, e da taxatividade, visto que não apresenta clareza ao descrever as condutas típicas (TOLEDO, 2012, p. 199). Ademais, a referida Lei tipifica como crimes inafiançáveis aqueles praticados contra animais silvestres nativos ou em rota migratória, entretanto, aqueles atentados contra animais domésticos e exóticos caracterizam-se como contravenção penal. A Lei dos Crimes Ambientais, dispõe em seu art. 32, caput, a proibição a atos de abuso, maus-tratos, que firam ou mutilem animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos e em seu parágrafo primeiro dispõe a mesma pena a quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Porém, em concordância com Mota e Rodrigues (2018), apesar de dar certa importância à capacidade dos animais não-humanos de sentir dor, é contrariada por outros dispositivos, como por exemplo a Lei 11.794, mais conhecida como Lei Arouca, que trata da vivissecção, ou seja, testes científicos em animais vivos. Além disso, através da Lei nº 14.064, de 2020, foi incluído ao art. 32 da Lei dos Crimes Ambientais o parágrafo 1º-A, com o seguinte texto: “Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda”, com o objetivo de acrescentar uma proteção aos animais domésticos no Brasil (DOMINGUES, 2020).