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FACULDADE EVANGÉLICA DE GOIANÉSIA

CURSO DE BACHAREL EM DIREITO

O DIREITO DOS ANIMAIS NO BRASIL

RHAFAELLA LEAL ANACLETO DE MATOS

NIQUELÂNDIA – GO
2014
1

RHAFAELLA LEAL ANACLETO DE MATOS

O DIREITO DOS ANIMAIS NO BRASIL

Monografia submetida à Faculdade Evangélica de


Goianésia, como requisito parcial à obtenção do
grau de Bacharelado em Direito.
Orientador: Professor Ms. Márcio Lopes Rocha

NIQUELÂNDIA – GO
2014
2

RHAFAELLA LEAL ANACLETO DE MATOS

O DIREITO DOS ANIMAIS NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado como requisito final para


obtenção do grau Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade Evangélica
de Goianésia.

Habilitação: Direito

Data da Aprovação

_____/_____/_____

Banca Examinadora

Prof. Mr. Márcio Lopes Rocha


Orientador

Prof.

Prof.
3

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela oportunidade de realizar esta conquista,


colocando em meu caminho todos os meios necessários para
concretizar mais esta etapa. Ao meu orientador, Márcio Rocha,
por conduzir-me em cada passo dessa obra. A minha família,
pela força e incentivos dados em todos os momentos de minha
vida, mas, especialmente em minha trajetória acadêmica.
4

Jamais creia que os animais sofrem menos do que os


humanos. A dor é a mesma para eles e para nós. Talvez pior,
pois eles não podem ajudar a si mesmos.

(Dr. Louis J. Camuti)


5

RESUMO

Este trabalho teve como principal objetivo tratar dos direitos dos animais no Brasil. O
conhecimento acerca desse tema obteve-se por meio de um estudo minucioso de
várias obras que tratam do assunto: BARBOSA SILVEIRA (2005); RIVERA (2006);
CHUAHY (2009); Livro de Gênesis - Bíblia Sagrada; Carta Magna de 88; FREITAS
(2001); SILVA (2004); CARVALHO (1995); SINGER (2010); CORDOVIL (2012);
MEDEIROS (2013), bem como alguns dispositivos legais: 9.605/98, art. 32 e Decreto
24.645/34 entre outros. A pesquisa foi de cunho bibliográfico e leitura
crítica/analítica. O presente estudo pautará inicialmente a relação histórica entre
homem e animal não humano com destaque para a importância dos não humanos
tanto para o meio ambiente quanto para o homem propriamente dito. Também
haverá a pauta dos usos que o homem faz do animal com foco para algumas
modalidades de exploração e abusos que o ser humano se permite realizar sobre os
animais não humanos, bem como os atos cruéis decorrentes de sua ambição
desmedida. Por fim haverá a exposição da legislação no contexto histórico do Brasil
até a normatização vigente. Pretende-se com isso mostrar os animais enquanto
seres sencientes mediante uma ótica não especista e que, por sua vez, são sujeitos
de direito, ainda que na possua a capacidade de ter obrigações equivalentes.

PALAVRAS CHAVE: Direitos; animais; homem; exploração; legislação.


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ABSTRACT

This study aimed to address the rights of animals in Brazil. The knowledge on this
topic were obtained through a detailed study of several works dealing with the
subject : BARBOSA SILVEIRA (2005); RIVERA (2006); CHUAHY (2009) ; Book of
Genesis - the Holy Bible ; Charter 88 ; FREITAS (2001); SILVA (2004) ; CARVALHO
(1995); SINGER (2010); CORDOVIL (2012); MEDEIROS (2013), as well as some
legal provisions : 9.605/98 Art. 32 and Decree 24.645/34 among others. The
research was bibliographical and critical nature / analytical reading. The present
study initially guiding the historical relationship between humans and non-human
animal with emphasis on the importance of non-human to both the environment and
for the man himself. There will also be the agenda of uses that man is the animal with
focus to some types of exploitation and abuse that humans may be done on non-
human animals and the cruel acts arising from his excessive ambition. Finally there is
the statement of the law in the historical context of Brazil to the prevailing norms. The
purpose of this show animals as sentient beings by a non- speciesist perspective and
that, in turn, are subject to the law, even though the have the ability to have
equivalent obligations.

KEYWORDS: Rights ; animals ; man ; exploitation; legislation.


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SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------------08

II A RELAÇÃO HOMEM E ANIMAL NÃO HUMANO----------------------------------------10


2.1 Uma Breve Análise Histórica Sobre a Relação Homem/Animal----------------------10
2.2 A Importância da Fauna para o Ser Humano e o Meio Ambiente--------------------15
2.2.1 Meio ambiente ----------------------------------------------------------------------------------15
2.2.2 A Influência dos Animais no Meio Ambiente e na vida do homem: Breves
apontamentos-------------------------------------------------------------------------------------------17
2.3 A Capacidade de Pensar do Animal não Humano---------------------------------------18

III - OS DIVERSOS USOS FAUNA PELO SER HUMANO---------------------------------20


3.3 Os Animais na Indústria do Entretenimento-----------------------------------------------20
3.3.1 Os Animais e a vida no circo----------------------------------------------------------------21
3.3.2 A dialética dos rodeios------------------------------------------------------------------------22
3.3.3 A diversão por meio de rinhas--------------------------------------------------------------24
3.4 A criação de animais nas fazendas-fábricas-----------------------------------------------25

IV – O DIREITO DOS ANIMAIS E O ORDENAMENTO JURÍDICO---------------------27


4.3 A proteção da fauna no Brasil ----------------------------------------------------------------27

V CONSIDERAÇÕES FINAIS----------------------------------------------------------------------32

VI REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS----------------------------------------------------------35
8

I INTRODUÇÃO

Desde os primórdios o ser humano apresenta uma relação intrínseca com


o animal, com grande evolução no decorrer dos séculos. A domesticação dos
animais pelo homem foi um grande passo nessa interação ocorrendo
aproximadamente há seis mil anos, mediante oferta de alimento e proteção ao não
humano. Em contrapartida passou a explorá-los enquanto alimento, vestuário,
transporte, entre outros usos. A convivência com o animal por muitas vezes foi
marcada pelos maus tratos, mas foi na exploração do animal como divertimento e
objeto imbuído de valor econômico que as crueldades mostraram sua força.
Nesse sentido, este objeto de estudo trata especificamente do Direito
Animal no Brasil tendo como principal objetivo conhecer como o direito do animal se
processa na legislação brasileira. Ao tratar essa temática serão feitos estudos que
buscarão elucidar a relação que se estabelece entre o homem e o animal não
humano. Com isso, a presente dissertação se subdividiu em três partes das quais a
primeira pauta a relação estabelecida entre o homem e o animal, iniciando pelas as
raízes históricas dessa relação verificando desde o período pré histórico,
perpassando pelas civilizações antigas até a atualidade buscando sempre entender
a dialética do pensamento humano em relação ao valor da vida do animal e do
quanto estes eram tidos como sujeitos de direito.
Mais a frente descreve-se a importância da fauna para o ser humano e o
meio ambiente mostrando que o animal tem um papel preponderante dentro do meio
natural, de equilíbrio ecológico e manutenção de outras espécies animais e vegetais.
Para o homem, também tem um valor incalculável seja na ciência ou na vida social.
Ainda dentro desse contexto, acrescentou-se um breve entendimento sobre o meio
ambiente e sua importância para o homem, destacando a influência dos animais
nesse meio e na vida humana, além de desmistificar a idéia de que o animal é vazio
de sentimentos e pensamentos, levantando a questão acerca da capacidade de
pensar do animal não humano.
Em entender como o homem utiliza os animais em benefício próprio e a
postura da lei dentro dessa premissa foi feita uma breve explanação dos usos dos
animais pelos seres humanos.
9

Para finalizar o estudo focou-se em uma retrospectiva histórica da


legislação jurídica no Brasil e os impactos desta na conquista dos direitos dos
animais, com uso das teorias elencadas pelas Leis Federais e estaduais e também
da Constituição Federal.
Entende-se que esta temática é de grande abrangência e vem sendo
pauta de discussões e debates não só no Brasil, mas no mundo todo. Diante de tal
relevância, esta monografia não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas,
sobretudo, apresentar um objeto de análise, breve e sucinto, de como o Brasil
concebe sua fauna, a protege e principalmente, a respeita.
10

II A RELAÇÃO HOMEM E ANIMAL NÃO HUMANO

No início dos tempos os animais viviam no meio ambiente e


compartilhava o que ele oferecia, tudo em perfeita harmonia. O homem, conforme
evoluía viu no animal algo importante à sua sobrevivência e subsistência, desde
então, o não humano passou a servir ao homem como alimento, vestimentas,
adornos, transporte e companhia, sendo tratados como meros objetos de
apropriação, imbuídos de valor econômico. Atualmente essa função vai além dessas
descritas, podem servir também como diversão e fonte de experimentos científicos.
Essa relação sempre foi de domínio do homem, haja vista que sua
habilidade raciocínio foi primordial para derrubar desde os menores, mais rápidos e
astutos animais até os maiores e mais fortes fisicamente. Foi essa capacidade que
colocou o homem no topo da cadeia alimentar estando as demais espécies à sua
mercê para servi-lo no que desejar. Para melhor entender como iniciou esse
processo de dominação e maus tratos é preciso conhecer suas raízes históricas que
demonstram como se desenvolveu essa relação.

2.1 Uma Breve Análise Histórica Sobre a Relação Homem/Animal

A relação entre o homem e o animal não humano remonta às raízes mais


remotas da história da humanidade. Neste período, esta ligação com o mundo
animal tinha como principal objetivo a sua sobrevivência. Evidências de pinturas
rupestres podem ser observadas nos dias atuais e permitem perceber que o homem
já exercia seu domínio sobre os animais em diversas situações como consumo de
sua carne e uso de seu couro como vestimenta. BARBOSA SILVEIRA (2005)
É importante lembrar que os animais são elementos constitutivos do meio
ambiente e, para tanto, essa relação nunca poderia deixar de acontecer. O homem
como ser pensante tomou posse desse ambiente e utilizando de sua habilidade de
pensar fixou seu lugar no topo cadeia alimentar.
11

O tempo passou e a relação do homem com o animal sofreu fortes


transformações. A relação ancestral de caça passou para uma relação mais próxima
com a domesticação de alguns animais, iniciando pelos animais de companhia até
os animais de produção, por volta de 6000 anos a.C, aumentando significativamente
o vínculo entre homens e animais. BARBOSA SILVEIRA (2005) diz que este
processo de domesticação foi muito importante para o desenvolvimento humano. A
escolha de espécimes era feita mediante caráter comportamental do próprio animal.
Ao analisar as antigas civilizações entende-se a importância do animal
para o homem também na mitologia, em representações religiosas onde as imagens
eram compostas por metade homem / metade animal. Conforme RIVERA (2006), a
explicação para essa junção era que, no entendimento da época, a imaginação de
um aliada aos poderes naturais do outro daria a possibilidade de elevação acima
das lutas do cotidiano pela dominação e pela sobrevivência. A autora ainda ressalta
que essa criação de mitos era comum em todas as tribos, conforme denotações
históricas, e que todas elas tinham o animal não humano como fonte de inspiração.
A civilização Egípcia, uma das mais ricas civilizações antigas,
representava seus deuses animais com a cabeça de um pássaro associado a um
corpo humano. Outros animais eram utilizados como fonte de adoração, como é o
caso da Deusa Hathor representada pelo corpo de uma mulher, em sua cabeça o
ornamento de chifres e orelhas de vaca. Além das esculturas, os Egípcios
veneravam os poderes naturais dos animais como o vôo e visão do pássaro, o faro
apurado de um cão, a força do touro, entre outros. Em escavações arqueológicas,
corpos mumificados de animais foram encontrados o que denota sua veneração
pelos não humanos. RIVERA (2006)
RIVERA (2006) salienta que a mitologia grega também tem registros
históricos de veneração aos animais, como é o caso da deusa Athenas que carrega
em seu ombro uma coruja de ouro, daí a simbologia de que esse animal representa
a sabedoria. Por outro lado, destaca-se a Medusa, personagem da mitologia grega,
tendo como cabelos inúmeras serpentes e, segundo tal mitologia, tem o poder de
transformar humanos em pedra apenas com seu olhar. Não obstante, os chineses
tem como adorações dragões e najas como símbolos ambivalentes, tanto para
trazer prosperidade, quanto para evitar infortúnios.
Conforme as considerações de DELUMEAU (2000), na índia ressalta-se a
adoração pelo gado bovino, considerado animal sagrado e sua carne não pode ser
12

consumida, haja vista que este é tido pelos indianos como o último estágio de
reencarnação do homem e fonte de prosperidade.
“A vaca, escreveu Gandhi, é a melhor companheira do homem. É ela
que dá a abundância. A vaca é um poema sobre a piedade. Para
milhões de seres humanos na Índia, ela é a mãe. Proteger a vaca
significa proteger a todos os seres mudos que Deus criou”.
(DELUMEAU, 2000, p.309).

Pelas palavras de Gandhi, pacifista e líder espiritual indiano, fica evidente


a reverência que esse povo dispõe aos animais. Além da vaca, os hindus divinizam
as aves, desde os tempos antigos, mediados pela visão de que sua habilidade de
voar consistia numa fonte de inspiração para os humanos. Com base nessa crença
destaca-se o deus hindu Garuda, metade homem, metade ave, retratando bem essa
idolatria. Além destes, animais como macacos, serpentes, ratos e elefantes também
são considerados sagrados e tratados com plena reverência. Por outro lado, a
religião judaica condena o consumo de carne de porco por ser considerado pelos
judeus como um animal impuro. DELUMEAU (2000)
Numa outra vertente, mediante análise da religião ocidental verifica-se
que esta desenvolve sua relação homem/animal com base nos contextos bíblicos.
Para CHUAHY (2009, p.11 e 12),

A interpretação dominante da Bíblia (Gênesis) é que Deus autorizou


os humanos a dominá-los. Aristóteles, Santo Agostinho e Santo
Tomás de Aquino acreditavam que os animais não tinham alma e por
isso seria impossível para humanos cometer qualquer pecado contra
eles. De acordo com Aristóteles, os animais desfrutavam da função
sensitiva, mas não da racionalidade, sendo inferiores a humanos na
hierarquia natural.

Reforçando essa idéia, São Thomás de Aquino, seguindo a linha de


Aristóteles, reforça a idéia de que “humanos tem um valor espiritual maior do que
outros animais, já que foram criados com base na imagem de Deus. CHUAHY
(2009, p. e 12).” A autora cita ainda o islamismo como a terceira religião baseada em
Abraão, como idealizadora do homem como ser magnânimo na natureza e que os
animais foram criados por Deus para servi-los. Na Idade Antiga e na Idade das
Trevas foi considerado pela Igreja um sacrilégio a dissecação de cadáveres
humanos para estudos científicos e anatômicos o que foi substituído por
experiências feitas com animais.
13

Já no século XVIII, segundo CHUAHY (2009), os iluministas representado


por Descartes entenderam que os animais eram serem desprovidos de sensação de
dor ou da habilidade de pensar numa linha de raciocínio de que os animais não
possuem alma, são vazios mental e espiritualmente. Em contrapartida, outros
filósofos como Thomas Hobes, John Locke e Immanuel Kant discordavam da
ideologia de Descartes e lançaram o entendimento de que os animais eram sim
capazes de sentir, mas não de raciocinar e essa ultima condição lhes impediam de
ser portadores de direitos. Outros filósofos expuseram sua opinião mas foi Voltaire
quem mais rebateu os pensamentos de Descartes, sob a ideologia de considerar-se
o bem estar do animal e não tê-los apenas como máquinas.
CHUAHY (2009, 13 e 14) cita o pensamento de Voltaire acerca dessa
ideologia retirado de seu livro Dicionário filosófico:

Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são


máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre
da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será porque
falo que julgas que tenho sentimento, memória, ideias? Pois bem, calo-me.
Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a
escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria.
Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho
memória e conhecimento. Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o
amo e procura-o por toda a parte com ganidos dolorosos, entra em casa
agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim
encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela
ternura dos ladridos, com saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que
tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de
uma mesa e dissecam vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas.
Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas.
Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os
órgãos do sentimento sem objetivo algum? Terá nervos para ser insensível?

Não resta dúvida de que o século XVIII foi um período antropocentrista (o


homem no centro de tudo), onde o animal foi visto como um ser vazio e disponível
para o homem. Essa é uma das linhas históricas que justificam, muitas vezes, os
maus tratos, exploração e crueldade do homem para com os animais, partindo do
pressuposto de que os não humanos não são causa de queda e pecado e que sua
existência tem como finalidade o atendimento das necessidades humanas.
Ainda no século XVIII, os cientistas acreditavam que homens e animais
pertenciam a reinos diferentes e por esse motivo não mantinham uma relação entre
eles. Um século depois essa ideologia foi derrubada por Darwin provando esta
relação com outros animais. Conforme Darwin, “alguns animais possuem conceitos
14

gerais, habilidade de raciocinar (em diferentes níveis), sentimentos morais


rudimentares e são capazes de sentir emoções complexas. CHUAHY (2009, 14).”
Já no oriente as influências religiosas seguem outra vertente, tendo no
Hinduísmo, Budismo e o Jainismo um campo fértil para a rejeição de qualquer tipo
de violência e no respeito a toda forma de vida, mediante um paradigma de que
“todos os seres vivos são espiritualmente iguais, de que todos estão interconectados
e que serão reencarnados. Homens podem viver como animais e vice-versa.”
CHUAHY (2009, p. e 15).
De acordo com a visão cristã alicerçada no texto bíblico, os primeiros a
serem criados e postos no paraíso foram os animais não humanos, “Que a Terra
produza seres vivos conforme a espécie de cada um: animais domésticos, répteis e
feras, cada um conforme a sua espécie. E assim se fez. (Gênesis 1, 24). Em
seguida Deus criou o homem, único e o fez à sua imagem e semelhança, em
seguida fez a mulher para lhe servir de companheira. Por serem únicos em meio às
demais espécies e serem semelhantes a Deus já há a interpretação intrínseca de
que o homem era superior a qualquer outra espécie. No inicio, o entendimento que
se tem é que a paz reinava no paraíso e não havia evidencia de mortes de animais
pelo homem.
No Livro de Genesis (1,29) foi descrito que o homem se alimentava de
ervas e frutas das árvores. Conforme a Bíblia Sagrada, algo começou a mudar a
partir do primeiro pecado do homem, induzido pela mulher e por um animal. Dessa
fase em diante o consumo de animais passou a ser permitido e Adão e Eva
passaram a vestir-se com couro de animais. Mais adiante, o filho deles, Abel já
pastoreava ovelhas e fazia oferendas de seu rebanho a seu Senhor. Ainda no livro
de Genesis (7), há a exposição da construção da Arca de Noé e do grande dilúvio,
onde casais de cada espécie animal foram salvos das águas enquanto todo o resto
da criação era dizimada da face da terra. Conforme texto bíblico em Genesis (7, 2-
3), Deus disse:
Leve com você sete casais de cada espécie de animal puro, macho e
fêmea, e um casal de cada espécie de animal impuro, macho e fêmea, e
leve também sete casais de aves de cada espécie, macho e fêmea, a fim de
preservá-los em toda a terra.

Em seguida, após voltar à terra firme, Noé rendeu seus agradecimentos a


Deus e “construiu um altar dedicado ao Senhor e, tomando alguns animais e aves
15

puros, ofereceu-os como holocausto, queimando-os sobre o altar.” Genesis (7,20).


No decorrer do texto bíblico é possível destacar inúmeras passagens que
demonstram o tipo de relação que o homem estabelecia com as demais espécies
neste tempo. Os animais eram utilizados em sacrifícios para ofertar a Deus e
também os utilizavam como transporte, diversão, alimento e mercadorias de troca e
venda.
Não só a religião colaborou para a exploração do animal não humano
mas, sobretudo, os fatores econômicos, pois percebeu-se o valor econômico
imbuído no animal ou mesmo em seu trabalho. Além do uso para o trabalho, há
evidencias que os maus tratos aos animais era vista como entretenimento. Roma
retratava bem essa realidade onde ocorriam com freqüência jogos com animais no
Coliseu reunindo homens, mulheres, jovens e até mesmo crianças, demonstrando
cenas sanguinárias de morte de pessoas e de animais. Conforme SINGER (2010, p.
276), “homens e mulheres assistiam à morte tanto de seres humanos como de
outros animais como uma fonte normal de entretenimento; e isso prosseguiu durante
séculos, com raros protestos.”
Diante do exposto é possível verificar que a própria história conspirou em
diversos momentos na inferioridade dos animais, sendo passíveis das piores
atrocidades. Tais atitudes ainda viam embasamento religioso e econômico para
sustentá-las o que, embora houvesse opiniões de filósofos e estudiosos contrárias,
ainda perduram até os dias atuais.

2.2 A Importância da Fauna para o Ser Humano e o Meio Ambiente

Os animais são importantes tanto para o ser humano quanto para o próprio
meio ambiente, essa afirmativa é de conhecimento até mesmo dos menos
esclarecidos no assunto. Mas o que se discute é que nem sempre, ou na maioria
das vezes, o homem em sua ganância econômica acaba por destruir o ambiente em
que vive, não preservando seus recursos e principalmente extinguindo sua fauna.
16

2.2.1 Meio ambiente

Para melhor compreender essa temática é relevante um melhor


conhecimento sobre o meio ambiente que é o espaço onde vive tanto o homem
quanto o animal, em harmonia ou não.
Atualmente vivemos em um mundo onde são cada vez mais frequentes
discussões acerca dos impactos que o homem vem causando no meio ambiente e
consequentemente à sua fauna. Nota-se que esses impactos desencadeiam uma
série de anormalidades no clima do planeta e que são sentidos diretamente pelo ser
humano.
Conforme a Carta Magna de 88, art. 225,
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações".

Para melhor entender como se dá essa dinâmica é relevante que se saiba


inicialmente o que é meio ambiente. Nesse sentido, a Lei n. 6.938, de 31 de agosto
de 1981, artigo 3º, I, dispõe: “Para fins previstos nesta Lei, entende-se por
meio ambiente, “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas; [...]”.
Alguns estudiosos criticam o termo utilizado na Constituição Brasileira,
pois meio e ambiente dizem a mesma coisa, trata-se assim de uma redundância.
Diante desse aspecto FREITAS (2001, p. 17) argumenta que:

A expressão meio ambiente, adotada no Brasil, é criticada pelos estudiosos,


porque meio e ambiente, no sentido enfocado, significam a mesma coisa.
Logo, tal emprego importaria em redundância. Na Itália e em Portugal usa-
se, apenas, a palavra ambiente.

Além disso, o conceito previsto pela Lei 6.938 é pouco abrangente e deixa
muito a desejar. Como bem diz SILVA (2004, p. 20), o conceito de meio ambiente
deve ser globalizante, “abrangente de toda a natureza, o artificial e original, bem
como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a
flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e
arquitetônico”.
17

Com isso SILVA (2004, p. 21), define o Meio Ambiente em três


patamares:

Meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, a água, o ar


atmosférico, a flora; enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde
se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o
ambiente físico que ocupam; Meio ambiente artificial, constituído pelo
espaço urbano construído; Meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio
histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora
artificial, difere do anterior pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de
que se impregnou.

Mediante as inúmeras definições do termo Meio Ambiente, entende-se


que este é o meio onde, todos os homens e animais, devem conviver de maneira
equilibrada contemplando o ambiente natural, artificial e cultural de maneira
sustentável.

2.2.2 A Influência dos Animais no Meio Ambiente e na vida do homem: Breves


apontamentos

O equilíbrio tão desejado para uma boa manutenção e preservação do


meio ambiente infelizmente é quebrado pela existência do homem que, por sua
ganância desmedida, não poupa esforços para desenvolver-se economicamente. Ao
contrário, os animais buscam conviver no ambiente tal como ele é sendo de grande
influência dentro dele.
A fauna silvestre é o recurso natural menos compreendido no Brasil. Ela se
tornou vítima de nossa ignorância sobre a estrutura e a dinâmica dos
ecossistemas nacionais. Não é possível conservar a fauna, num sentido
amplo, oferecendo-se aos animais apenas sobras de hábitats. Poucos
sabem ou acreditam que certos representantes da fauna possuem maior
importância econômica para o ecossistema que os próprios animais
domésticos. A fauna silvestre constitui um recurso primário e sua presença
na natureza é um índice de integridade e vigor do ambiente natural, ou seja,
do nosso próprio hábitat (CARVALHO, 1995, p.22).

Para CARVALHO (1995), muitas vezes eles sequer são notados, mas
estão por toda parte, cada um com sua função dentro do equilíbrio natural do
ecossistema. Um de seus principais papéis é a disseminação de sementes da flora
não deixando que esta deixe de existir. Outra função não menos importante é
18

controle de espécies animais, vertebrados e invertebrados, que em excesso


provocam prejuízo às lavouras, a outras espécies animais e também ao homem.
Alguns animais podem produzir toxinas importantes para a fabricação de
medicamentos.
Além de ajudar a flora com sua respiração, os animais também controlam
a população vegetal tendo em vista que ao se alimentarem de plantas promovem o
ciclo natural destas e permitem o surgimento de novas plantas. Suas fezes além de
proliferar sementes ainda servem de composto orgânico e fonte de alimento para
outras espécies.
Até mesmo o simples fato de respirar é algo relevante dentro do bioma
natural. A respiração dos animais libera o gás carbônico que auxilia no processo de
fotossíntese das plantas. Esse processo para ser realizado necessita de luz solar,
água e gás carbônico formando os açúcares responsáveis pela alimentação das
plantas. Auxiliam também na polinização das flores promovendo os frutos, entre
outras funções, todas em menor ou maior escala favorecem a preservação e
manutenção do ecossistema.
CARVALHO (1995) ainda salienta que se por um lado o animal tem uma
relação tão estreita com o ambiente em que vive, por outro lado essa contribuição
para com o ser humano é ainda mais diversificada. Além de sua influência maciça
na mitologia antiga e representações religiosas anteriormente relatadas, os animais
encantam com sua graça e beleza enchendo os olhos humanos, são importantes
como companhia se mostrando fiel ao seu dono, servem como transporte robusto e
eficiente, tem a docilidade e dinamicidade para tratamentos fisioterapêuticos, entre
outros.

2.3 A Capacidade de Pensar do Animal não Humano

Durante muito tempo teve-se a idéia de que os animais eram vazios


psicologicamente falando, ou seja, não tinham a habilidade de pensamento comum
nos seres humanos. Historicamente o homem analisa a questão da consciência
animal tendo como destaque as ideologias de Aristóteles e René Descartes. Estes
19

filósofos tinham a concepção concreta de que o comportamento animal, que em


muitas situações assemelhavam ao comportamento humano era puramente a
manifestação de reflexos instintivos. Diante dessa premissa, muitos casos de
crueldade eram justificados por esse motivo. Por outro lado Charles Darwin e
William James discordavam dessa idéia inicial e defendiam o entendimento que os
animais podiam sim ter uma atividade mental, mas que esta era complicada por não
terem estas estruturas mentais organizadas como são nos seres humanos.
CHUAHY (2009) argumenta que contínuos e intensos estudos foram
realizados por psicólogos e cientistas tendo início a partir dos anos 70. Seis anos
depois o biólogo Donald Griffin publicou seu livro “The Question of Animal
Awareness” (A questão da consciência animal). Este livro abriu um novo precedente
para o estudo da consciência animal. Depois disso outros livros foram publicados
pelo mesmo autor expondo suas pesquisas e análises. CHUAHY (2009) ressalta que
trinta anos mais tarde, após pesquisa e observação de alguns animais, Griffin afirma
a consciência animal a partir do prisma da percepção animal dos eventos ambientais
e de seus afetos.
Conforme estudos de Griffin, o animal é capaz de expor níveis simples de
consciência quando associa eventos e objetos ao passo que se adaptam a novos
desafios e versatilizam suas reações. O biólogo reintera esse pensamento afirmando
que essa consciência rudimentar pode variar conforme espécie, idade, cultura,
experiência e sexo. Diante disso o biólogo Griffin lança a ideologia que o nível de
consciência pode variar de animal para animal.
Essa descoberta não foi totalmente aceita por todos os estudiosos. Havia
aqueles que entendiam essas propostas como pensamentos subjetivos e as
observações de Donald Griffin caíram em descrédito a partir do momento que ele
começou a classificar todos os animais como seres conscientes em suas mais
insignificantes ações. Conforme CHUAHY (2009), nos dias atuais, embora a base
de toda pesquisa valorizem nos estudos de Griffin, a ciência não se pauta em
subjetivismos, está mais sistemática e objetiva. O que fica cada vez mais claro e
cientificamente comprovado é que existem vários graus de complexidade da
inteligência e que estes não são exclusivos dos seres humanos. É claro que a
inteligência humana é infinitamente mais elaborada e complexa do que a de um
animal. Apesar de não dominarem a linguagem ou introspecção demonstram claros
sentimentos, afetos, podem sentir dor e sofrer.
20

É dentro desse paradigma que se pauta o direito dos animais. Estes


necessitam ser tutelados, cuidados e preservados. Os maus tratos e a crueldade
muito acometida nos dias atuais são passiveis de punição e é para o resguardo
desse direito que os dispositivos legais surgiram desmistificando a soberania
desmedida e covarde historicamente construída do homem sobre o animal e
colocando sob pena suas ações cruéis.
21

III - OS DIVERSOS USOS FAUNA PELO SER HUMANO

Os animais povoam a face da terra antes mesmo do surgimento do


homem. Sua relação com o meio natural é de equilíbrio e harmonia, usufruindo do
que a natureza fornece e colaborando com sua manutenção. O homem veio depois
e desde muito cedo já fixou o especismo em sua cultura.
Conforme SINGER (2010) especismo refere-se a um tipo de
discriminação do homem por outras espécies animais, dessa forma, a existência do
animal não humano tem a finalidade única para servir a humanidade. O autor
acrescenta que na atualidade o especismo ganha forças, pois ainda há o cultivo
dessa pratica, "um preconceito que nos impede de levar a sério o sofrimento de um
ser que não seja membro de nossa própria espécie" (p. 40). Pensar dessa maneira
impede que o direito de outras espécies seja resguardo constituindo-se como um
terreno fértil para atitudes cruéis e abusivas.
Alertando para uma visão mais humanitária para com os animais,
SINGER (2010, p.46) afirma: “quando consideramos o valor da vida, já não podemos
dizer com tanta confiança que uma vida é uma vida e que é igualmente valiosa quer
se trate de uma vida humana, quer se trate da vida de outro animal”.
A exploração animais é algo recorrente e que faz parte de uma cultura
arraigada historicamente, questão difícil de ser mudada. O que implica uma reflexão
mais humanitária é com relação ao bem-estar animal mediante uma sociedade
consumista e capitalista que coloca seu desejo ou seu desenvolvimento à frente de
qualquer coisa executando ações, muitas vezes, cruéis.

3.3 Os Animais na Indústria do Entretenimento

A interação homem animal pode ser bastante íntima e informal. É comum


observar brincadeiras variadas entre os animais de estimação e seus donos. Essa
conexão é bem antiga e saudável para ambos os envolvidos na brincadeira desde
que o divertimento envolva as duas partes: homem e animal. O que não consistem
22

em uma atitude moral é causar dor, constrangimento, abandono e maus tratos aos
animais para que o homem possa se entreter. Essa é uma atitude violenta e covarde
que tem se alastrado demasiadamente na sociedade. É impressionante como muito
ser humano se compraz com o sadismo de ver o sofrimento animal.
Os espaços de visitação como os zoológicos, circos e aquários, apesar
de, na maioria, apresentarem estruturas grandiosas e um cuidado especializado com
os animais, estes locais acabam tornando-se para eles uma grande e sofisticada
prisão, pois são privado de espaço suficiente, convivência livre com animais de sua
espécie e em seu habitat natural. O confinamento de animais deveria obedecer a
critérios específicos de animais impossibilitados de convívio em seu meio e que
necessite de cuidados profissionais constantes sob risco de não sobreviverem e não
para o mero prazer do homem.

3.3.1 Os Animais e a vida no circo

De acordo com CHUAHY (2009, p. 77),

O circo nasceu em 1970 na Inglaterra e era especializado em cavalos. Em


1831 introduziram-se animais africanos no Cirque Olimpique de Paris. Mais
tarde, o americano Isaac Van Amburger inventou o estilo do circo moderno,
[...] o “treinamento” dos animais era simples e pode ser comparado ao
tratamento dado aos escravos: espanca-los até que ficassem submissos
diante de um chicote.

Essas atitudes descritas por CHUAHY (2009), apesar de cruéis e


desumanas, ainda podem ser vistas em grande parte dos circos. Essa técnica
agressiva é utilizada para que o animal em “treinamento” perca até mesmo sua
essência selvagem tornando-os passíveis de doma. Muitos são os casos de animais
doentes e mutilados e, quando já não acrescentam mais para o trabalho circense
são vendidos, abandonados ou encaminhados para instituições especializadas. Com
isso, o animal, depois de grande tempo de treinamento e de apresentações não se
enquadram mais nos shows e também já não podem ser mais devolvidos à
natureza, pois, sozinhos morreriam.
Parece incrível como o ser humano é capaz de retirar a saúde, a
liberdade, as vezes a vida e, sobretudo, a dignidade selvagem de um animal que
23

nasceu livre e que, por ambição humana, passaram a definhar dia a dia limitando-se
à contínuas repetições ao compaço do chicote de seu domador. Esses shows de
covardia e crueldade são fortalecidos por quem assiste, e aplaude essa prática, no
papel de meros espectadores que se divertem à custa do sofrimento do animal que
ora se apresenta.
Esta é uma pauta de luta que os defensores dos animais apregoam,
justificando que os animais não podem ser submetidos a tais atrocidades em nome
de uma cultura totalmente antropocentrista. Sabe-se que mudar essa realidade
ainda requer muito esforço, mesmo existindo jurisprudências que vedam essa
prática, como cita-se abaixo:

ANIMAIS DE CIRCO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPLEMENTAÇÃO DE


OPÇÕES DO LEGISLADOR QUANTO AO TRATO E MANTENÇA DE
ANIMAIS. PROIBIÇÃO DE QUALQUER FORMA DE MAUS TRATOS A
QUALQUER ANIMAL. ILEGÍTIMA INADEQUAÇÃO DAS AÇÕES
PÚBLICAS. A análise do sistema jurídico e a evolução da compreensão
científica para o trato da fauna em geral, permitem concluir pela vedação de
qualquer mau trato aos animais, não importando se são silvestres, exóticos
ou domésticos. Por maus tratos não se entende apenas a imposição de
ferimentos, crueldades, afrontas físicas, ao arrancar de garras, cerrilhar de
dentes ou enjaular em cubículos. Maus tratos é sinônimo de tratamento
inadequado do animal, segundo as necessidades específicas de cada
espécie. 'A condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade
de equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que são dotados de
estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor'.(STJ, Resp
1.115.916, Rel. Ministro Humberto Martins) Evoluída a sociedade, cientifica
e juridicamente, o tratamento dos animais deve ser conciliado com os
avanços dessa compreensão, de modo a impor aos proprietário a
adequação do sistema de guarda para respeito, o tanto quanto possível, das
necessidades do animal. A propriedade do animal não enseja direito
adquirido a mantê-lo inadequadamente, o que impõe a obrigação de se
assegurar na custódia de animais circenses, ao menos, as mesmas
condições exigíveis do chamados mantenedores de animais silvestres,
mediante licenciamento, conforme atualmente previsto na IN 169/2008. Na
ausência de recursos autárquicos e adequação da conduta pelos
responsáveis, deve o órgão ambiental, contemporaneamente, dar ampla
publicidade à sua atuação, convocando e oportunizando a sociedade civil
auxiliar em um problema que deve, necessariamente, caminhar para uma
solução. (AC 200670000099290, MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, TRF4 -
QUARTA TURMA, D.E. 03/11/2009.)

Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7142/os-animais/3#ixzz3IsCCOaXY.


Acesso: 10/11/2014

Algumas atitudes começam a despontar a esse respeito, haja vista que


alguns circos espalhados pelo mundo já aboliram a apresentação de animais em
seus shows. Um bom exemplo, conforme estudos de CHUAHY (2009), é o Cirque du
Soleil que pauta seu sucesso no que realmente é a alma do circo, como: shows de
mímicas, mágicos, palhaços, malabaristas, trapezistas, entre outras atrações. No
24

Brasil, ainda se admite shows com animais, porém em países como Austrália,
Grécia, Canadá, Estados Unidos e Colômbia essa prática é considerada ilegal
conforme legislação vigente.
O que se entende sobre essa temática é que, na realidade, quanto menor
e mais pobre o circo, maiores são as situações de maus tratos, tendo em vista a
falta de recursos financeiros para manter os animais que por inúmeras vezes
passam fome e sede e morrem por falta de um tratamento adequado. Nesse sentido,
autuar esse tipo de entretenimento que mal se sustenta é decretar seu fechamento
imediato o que, para a sociedade, nem sempre é plausível. Nesse aspecto, mais
uma vez impera o antropocentrismo, colocando a vontade do homem acima de
qualquer sofrimento que o animal venha a passar.

3.3.2 A dialética dos rodeios

Os rodeios são atividades em que o peão monta o cavalo ou o touro e


deve manter-se no lombo deste animal por, no mínimo oito segundos. Quanto maior
for o tempo sobre o animal e quanto mais arredio ele estiver, mais pontos são
obtidos. Além dessa atividade, outras atrações também envolvendo animais são
apresentadas. Essa atividade é bastante popular no Brasil e cada vez mais surgem
eventos desse tipo. Barretos, localizado no Estado de São Paulo é a cidade mais
tradicional em festa de rodeios conhecida em toda América Latina como “A cidade
do Peão de Boiadeiro”.
Além das montarias comumente praticadas ainda foi incorporada o “laço
de bezerro” e “laço em dupla”. O laço de bezerro consiste na laçada do animal e em
sua derrubada na arena. Conforme relata CHUAHY (2009, p. 91),

Na prova do laço em dupla, proibida em 2003, por causa de sua imensa


crueldade, dois peões em lados opostos laçam a cabeça e as partes de trás
de uma novilha e puxam o animal, cada qual em sua direção. Se não
morrer, o animal sofre contusões, fraturas e distensões.

Embora mostre uma crueldade iminente, a prática foi muito desenvolvida


na Festa do Peão de Boiadeiros em Barretos/SP, até nova proibição em 2006.
Nesse aspecto vigora a Lei 10.519 de 17 de julho de 2002. Esta dispõe sobre a
25

promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de


rodeios e dá outras providências. A jurisprudência abaixo também proíbe essa
atividade como pode-se verificar:

CONTRAVENÇÃO PENAL - CRUELDADE CONTRA ANIMAIS - CIRCO DE


RODEIOS – ESPETÁCULOS QUE MASCARAM, EM SUBSTÂNCIA, UM
SIMULACRO DE TOURADAS - CASSAÇÃO DE ALVARÁ DE
FUNCIONAMENTO - PRETENDIDA VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E
CERTO - PRETENSÃO REPELIDA - SEGURANÇA DENEGADA – ILÍCITO
PENAL - ATIVIDADE QUE INCIDE EM NORMA PUNITIVA DA LEI DE
CONTRAVENÇÕES PENAIS - INVOCAÇÃO INADMISSÍVEL DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO - Uma vez que a autoridade pública informa que a
atividade exercitada pelo Impetrante, em seu chamado circo de "rodeios"
incide na norma punitiva do art. 64 da Lei das Contravenções Penais, a
segurança deve ser denegada. Ninguém pode pretender direito líquido e
certo à prática de um ilícito penal. Saber se os animais utilizados pelo
Impetrante, na realização de seus espetáculos, eram realmente tratados
com crueldade, qual o afirma, com presunção de verdade, a autoridade
pública, constitui matéria de fato, cuja apuração transcende o âmbito do
mandado de segurança. O que, todavia, é fora de dúvida, é que ninguém
pode pretender direito, muito menos direito líquido e certo, a perpetrar, sob
a égide da Justiça, um ilícito penal (RT 247/105).
Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7142/os-animais/3#ixzz3IsCCOaXY.
Acesso: 10/11/2014.

Contudo, o texto legal não impede a ação e por muitas vezes torna-se
inaplicável.
Outras formas de entretenimento com uso de animais de grande porte
também são praticadas não só no Brasil, mas em diversas localidades do mundo. A
vaquejada é uma dessas atividades inventadas no Brasil e consiste na perseguição
de um boi por dois vaqueiros na arena de rodeio. A vitória se dá mediante a laçada
do boi e sua derrubada no chão, em seguida é arrastado brutalmente mostrando a
força e soberania dos vaqueiros. Outra atração é a farra do boi que não acontece
em rodeios, mas ocorre nas ruas da cidade. Nessa ação, homens, mulheres e
crianças perseguem o animal em fúria e utilizam-se de diversos materiais como
pedras, paus, facas entre outros, para ferir o boi que, por muitas vezes acabam
morrendo em decorrência desses ferimentos.
CHUAHY (2009) destaca a crueldade e o perigo decorrente desta
atividade e com isso foi proibida no ano de 1997 com base no acórdão 153.531/97
do Supremo Tribunal Federal (STF). Outro ordenamento que refuta esse ato está na
Lei Federal 9.605/98, art. 32 tornando crime o ato de abuso, maus tratos, além de
provocar ferimentos e/ou mutilação dos animais.
26

Mesmo diante dos dispositivos legais acima elencados a farra do boi


ainda é popular em Santa Catarina reunindo famílias inteiras para participar ou
assistir esse evento. Uma verdadeira escola da violência, haja vista que crianças
aprendem desde cedo que essa cultura é algo comum e que o sofrimento animal
não deve ser considerado. Nesse tipo de atrocidade todos se divertem menos o boi
que só sai perdendo seja ferido ou morto por uma única finalidade: a diversão
humana.

3.3.3 A diversão por meio de rinhas

As rinhas são competições em que dois animais medem forças até não
aguentarem mais ou com a morte de uma ou ambas as partes. As brigas mais
comuns são com galos e cães, mas podem ter como personagens principais
cavalos, canários e até mesmo cães com urso.
O fato é que a rinha, independente do animal em competição, denota
ação violenta em que sempre o animal sai lesionado, se não perder a vida. Este
constitui um crime ambiental conforme Decreto 24.645/34. Este dispositivo legal
decreta:
Art 3º – Consideram-se maus tratos:
I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
II - manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a
respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
III – ...
IV – golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de
economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações
outras praticadas em benefício exclusivo do animal e as exigidas para
defesa do homem:
V – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como
deixar de ministrar-lhes tudo que humanitariamente se lhe possa prover;
(...)
X – utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou
desferrado, sendo que este último caso se aplica a localidades com ruas
calçadas;
(...)
XIX- transportar animais em cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções
necessárias ao seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de
condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rede metálica
ou idêntica que impeça a saída de qualquer membro do animal;
(...)
XXVII – ministrar ensino a animais com maus-tratos físicos;
(...).
27

Diferentemente das competições de lutas entre seres humanos, os


animais não tem escolha ao entrar no ring. Trava uma batalha sem regra nem limites
e o desfecho é sempre prejudicial ao animal. CORDOVIL (2012) diz que a
modalidade mais famosa entre as rinhas de animais são as de galos. Esse jogo
segue uma minuciosa preparação dos animais pelos seus donos. CHUAHY (2009, p.
94) relata: “para fortalecer as pernas, treinadores seguram o galo pelo pescoço e
pelo rabo ou asas e os jogam para cima, deixando-os cair no chão”. Também, para
fins de treinamento as aves são empurradas pelo pescoço instigando-as a girarem
em círculos, um teste para desenvolver o equilíbrio do animal. Após os habituais
treinos, o animal é escovado, banhado em água fria e preso ao sol até sua exaustão.
Essa prática, na visão dos treinadores, promove o aumento da resistência da ave.
Conforme CORDOVIL (2012), durante o período em que esperam pela
luta, os animais são encarcerados em gaiolas que mal podem se movimentar. As
penas do pescoço, cochas e partes interiores das asas são arrancadas. As aves
iniciam cedo nessa atividade, em torno de um ano de idade. As rinhas, por serem
consideradas legalmente como atividade criminosa, ocorrem em locais
abandonados ou de acesso limitado.
Essa atividade é proibida no Brasil levando-se em consideração a
crueldade executada contra os animais combatentes. CHUAHY (2009) afirma que
ainda não há uma lei específica para esse delito, mas o Art. 32 da Lei Federal
9.605/98 impõe a constituição de um crime aos que cometerem “ato de abuso, maus
tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou
exóticos.”
Nesse sentido, o STF (Supremo Tribunal Federal), por meio da
jurisprudência elencada abaixo, proíbe a rinha de galos. Conforme o egrégio
Tribunal, essa prática configura como um ato cruel que ofende o artigo 225,
parágrafo 1º, inciso VII da Constituição federal, já citado anteriormente.

CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. 'BRIGA DE GALO'. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. IBAMA. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL. PETIÇÃO INICIAL. VALOR DA CAUSA. AUSÊNCIA.
CORREÇÃO JÁ REALIZADA. ATIVIDADE DE 'RINHA DE GALO'.
ILICITUDE RECONHECIDA PELO STF. DANO AMBIENTAL.
REPARAÇÃO. CABIMENTO. 1. A proteção ao meio ambiente submete-se a
regime de competência material comum entre os diversos entes
componentes da Federação (art. 23, incisos VI e VII, da CF/88), razão pela
qual, enquanto não editada a lei complementar prevista no art. 23, parágrafo
único, da CF, a atuação administração nessa matéria é atribuição de todos
28

os entes federativos (União, Estados e Municípios). 2. A legitimidade ativa


do IBAMA para propor esta ação civil pública ambiental decorre, pois, da
competência constitucional comum deferida à União para a proteção da
fauna de forma geral, sem restrições vinculadas à natureza desta (silvestre
nacional ou não), pois a propriedade ou não dos respectivos animais é
importante, apenas, para fixação da competência criminal da Justiça
Federal, nos termos do art. 109, inciso IV, da CF/88, e não, da competência
cível desta, que se satisfaz com a presença do IBAMA na lide, amparada no
interesse federal de fundo constitucional acima referido. 3. Em face da
determinação judicial de fl. 216, o IBAMA atribuiu valor a esta causa (fl.
221), restando, assim, prejudicada a irregularidade da petição inicial
apontada pelo Réu em sua apelação. 4. A ilicitude das 'rinhas' ou 'brigas de
galo' é questão já pacificada na jurisprudência do STF, inclusive, em sede
de controle concentrado de constitucionalidade (STF, Pleno, ADI n.º
3.776/RN, Relator Ministro Cezar Peluso, DJe 28.06.2007), por ofensa ao
disposto no art. 225, parágrafo 1.º, inciso VII, da CF/88, não merecendo,
portanto, qualquer outra discussão jurídica. 5. O exercício pelo Réu de
atividade associativa dedicada à 'briga de galo' há várias anos é fato
suficiente para justificar a indenização por dano ambiental fixada na
sentença, em face da ilicitude da conduta e do caráter notório do dano ao
meio ambiente decorrente do tratamento cruel imposto aos espécimes
animais nela envolvida, sendo irrelevante a constatação ou não do bom
estado de saúde dos animais apreendidos, devendo-se, ainda, ressaltar o
valor módico do montante indenizatório fixado (dez mil reais). 6. Não
provimento da apelação do Réu.(AC 200783000169530, Desembargador
Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 - Primeira Turma, DJE -
Data::04/03/2010 - Página: 233.)
Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7142/os-animais/3#ixzz3IsCCOaXY.
Acesso: 10/11/2014.

Apesar da clareza e objetividade dos dispositivos legais, os competidores


não se intimidam com as penalidades previstas em Lei e fazem girar grandes
montantes em dinheiro decorrentes das apostas.

3.4 A criação de animais nas fazendas-fábricas

Ao tratar desse tema, a ideia remetida é de extensos campos verdes com


animais pastando livremente até o ponto de exploração de seus recursos. Essa
visão tão comum num passado recente, hoje está cada vez mais raro. As pequenas
propriedades estão perdendo espaço para grandes latifundiários que transformam
suas terras em fazendas- fábricas. Nessas fazendas a exploração animal é
potencializada ao máximo.
Essa realidade vem se alastrando mediante grandes e significativas
mudanças iniciadas principalmente após a Segunda Guerra Mundial, com o advento
29

das novas tecnologias, à prosperidade e também ao aumento do consumo de


alimentos. Isso fez com que a procura por uma alimentação rápida aumentasse
surgindo assim grandes companhias alimentares. Nesse sentido a compra de carne
e outros subprodutos animal de variados e pequenos fazendeiros ficou inviável em
detrimento do valor que se conseguia ao comprar grandes quantidades de um único
fornecedor de grande porte.
Essas fazendas fábricas são modernas, equipadas com a mais alta
tecnologia, mas nem sempre tem como uma de suas prioridades o bem estar
animal. Ao contrário, o local de criação animal é cada vez mais confinado com
construções metálicas, sem janelas, com jaulas e/ou espaços que mal se pode
movimentar. Muitos animais não suportam a superlotação e às condições sofridas e
acabam morrendo antes de seu abate.
30

IV – O DIREITO DOS ANIMAIS E O ORDENAMENTO JURÍDICO

4.3 A proteção da fauna no Brasil

O direito dos animais começou a ganhar relevância a partir de debates


que surgiram com a fundação da União Internacional de Proteção animal, a U.I.P.A,
em 30 de maio de 1895, uma das mais antigas do Brasil dentro dessa temática. Esta
instituição foi movida pelo pensamento de bem estar animal muito difundido neste
período nos Estados Unidos e Europa. No Brasil, a principal preocupação e foco de
protestos eram sobre o uso dos animais de tração de carroças. DIAS (2007),
ressalta que discutia-se a compaixão e o bem estar por estes animais que eram
tratados com descaso e explorados até sua exaustão. Os jornais da época
cobravam atitudes concretas para inibir os maus tratos que esses animais sofriam e
destacavam modelos de associações de proteção aos animais fundadas no exterior,
bem como legislações estrangeiras protetivas da fauna aprovadas fora do país.
Essa movimentação causou o surgimento de diversas associações em
prol do bem estar animal e no fim dos maus tratos. Conforme DIAS (2007), no ano
de 1924 a U.I.P.A teve participação na elaboração do Projeto de Lei que culminou
no decreto 16.560 de 1924 instituindo a proibição do uso de animais para fins de
recreação causando-lhe sofrimento aplicando sobretudo a proibição das corridas de
touro, rinhas de galos e canários em casas de diversões públicas. Alguns anos mais
tarde foi publicado o Decreto Federal 24.645 de 10 de julho de 1934. Esta legislação
estabelece medidas de proteção aos animais com enumeração de vários tipos de
maus tratos. Em 3 de outubro de 1941 foi aprovado o Decreto-Lei 3.688 a
conhecida LPC (Lei das Contravenções Penais) sendo tratado o direito do animal
em seu art. 64 in verbis:
Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a
quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou
científicos, realiza em lugar público ou exposto ao publico, experiência
dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a
trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo
público.
31

Também é amparado por lei o animal que reside em apartamentos ou


condomínios com base na lei 4.591/62 e o Código Civil nº 554. O texto legal
normatiza a presença de animais em condomínios e apartamentos ressalvado o fato
deste apresentar ameaça à saúde pública.
Com a Lei nº 5.197, publicada em de 3 de janeiro de 1.967, cujos
atentados contra os animais silvestres assumiriam a categoria de crime ambiental. A
referida Lei dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências preceituando
em seu Art. 1º:
Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu
desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a
fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são
propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição,
destruição, caça ou apanha.

A referida Lei 5.197/67 aliada ao texto constitucional tornou o


protecionismo à fauna mais forte e concreta haja vista o disposto no Art. 225 da
CF/88 que infere: "Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da Lei, as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies
ou submetam os animais a crueldade". Por um lado essa normatização proíbe a
caça profissional e o comércio ilegal de espécies silvestres da fauna brasileira. Em
contrapartida, dá margem para a atividade de caça amadora, o que abre caminhos
para comercialização dos animais em proteção tornando-se assim uma estratégia de
manejo dos contrabandistas de animais. Outro fator que chama a atenção é a
delimitação da proteção a animais silvestres. Conforme Edna Cardozo Dias, em seu
livro A Tutela Jurídica dos Animais, embasada na classificação do IBAMA (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) seleciona os
animais não humanos da seguinte forma:

Fauna Doméstica - E constituída de todas as espécies que foram


submetidas a processos tradicionais de manejo, possuindo características
biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem para sua
sobrevivência, sendo passível de transação comercial e, alguns, de
utilização econômica.
Fauna Domesticada – É constituída por animais silvestres, nativos ou
exóticos, que, por circunstâncias especiais, perderam seus habitats na
natureza e passaram a conviver pacificamente com o homem, dele
dependendo para sua sobrevivência, podendo ou não apresentar
características comportamentais dos espécimes silvestres. Os animais
domesticados perdem a adaptabilidade aos seus habitats naturais e, no
caso de serem devolvidos à natureza, deverão passar por um processo de
readaptação antes da reintrodução.
32

Fauna Silvestre Nativa – É constituída de todas as espécies que ocorram


naturalmente no território ou que utilizem naturalmente esse território em
alguma fase de seu ciclo biológico.
Fauna Exótica – É constituída de todas as espécies que não ocorram
naturalmente no território, possuindo ou não populações livres na natureza.

(DIAS 2009 p. 103 e 104).

Com isso, a fauna doméstica, domesticada e exótica continuariam no


patamar das contravenções penais. Um detalhe importante é o que prevê o Art. 34.
da Lei 5.197/67, “Os crimes previstos nesta lei são inafiançáveis e serão apurados
mediante processo sumário, aplicando-se no que couber, as normas do Título II,
Capítulo V, do Código de Processo Penal.” Mediante o texto da Lei, muitos juízes
julgam a pena dura demais optando pelo descumprimento da norma. Mais uma vez,
o antropocentrismo é tido como prioridade, e a valorização da vida animal é posta
em segundo plano. No mesmo ano é aprovado o Código de Pesca, Decreto-Lei
221/67 dispondo especificamente sobre a proteção e estímulos à pesca.
Com o advento da Lei 7.173/83, houve a normatização dos
estabelecimentos e funcionamento de jardim zoológico. O Art. 1º desta lei salienta
“para os efeitos desta lei, considera-se jardim zoológico qualquer coleção de animais
silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em semi-liberdade expostos à visitação
pública.” Mais tarde, em 1987 surgiu a Lei dos Cetácios, Lei 7.646/87 Para efeito de
esclarecimento, de acordo com DI BENEDITTO (2001), pertencem a classe dos
cetácios os animais mamíferos da fauna marinha como, por exemplo: as baleias,
botos e golfinhos. Animais de sangue quente e com respiração pulmonar. Esta Lei
institui a proibição da pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá
outras providências.
As leis supracitadas foram um grande salto na proteção animal. Embora
limitadas em suas sanções colocaram em pauta que tanto o meio ambiente quanto
os animais que nela residem necessitam de proteção legal. Dentro desse parâmetro,
sem dúvida, a Constituição Federal de 1988 constitui-se como o maior e o mais
significativo ordenamento jurídico deste país e diante disso, não deixou de pautar
nesse Diploma Legal o amparo ao meio ambiente. Esse representa um grande
passo no que se refere à proteção ambiental. O foco dessa proteção está no caput
do Art. 225 instituindo que,
33

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de


uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.

Entretanto é no § 1º, inciso VII do mesmo artigo que o texto constitucional


evoca a proteção da fauna e da flora

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder


Público: (…) VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Até o advento da Carta Magna de 1988, os dispositivos legais constituíam


os crimes ambientais como contravenções penais e na maioria das vezes esses
delitos, especificamente contra a fauna passavam sem punições rígidas. Com a
instituição da Lei 9.605/88 esses abusos e maus tratos passaram a ser considerados
crimes ambientais. Essa Lei, também conhecida como Lei dos Crimes ambientais é
responsável pela proteção dos animais.
Além das Leis descritas acima ainda estão sendo estudados inúmeros
Projetos-Lei para o controle da biopirataria. DINIZ (2004, p. 688) afirma que
a biopirataria consiste no “uso de patrimônio genético de um país por empresas
multinacionais para atender fins industriais, explorando, indevidamente e
clandestinamente, sua fauna ou sua flora, sem efetuar qualquer pagamento por essa
matéria-prima”. Esses projetos também pautam o controle do tráfico de animais,
prática comumente praticada no Brasil. Essa temática é de grande relevância para
este país, uma vez que, a prática da biopirataria e o tráfico de animais tem colocado
em risco a sobrevivência das espécies nativas levando algumas delas ao risco de
extinção.
Conforme CHUAHY (2009), a Convenção da Diversidade Biológica (CDB)
refere-se a um tratado da Organização das Nações Unidas compondo um dos mais
importantes instrumentos internacionais de proteção ambiental. Esse tratado já
existe há mais de dez anos e contou com a assinatura de mais de 170 países por
meio da ONU (Organização das Nações Unidas) no ano de 1992.
34

O compromisso prevê que o uso de recursos genéticos depende do


consentimento do país provedor e reconhece a soberania nacional sobre a
biodiversidade e a repartição dos benefícios relacionados à exploração e
aos conhecimentos tradicionais associados, como a sabedoria indígena e
quilombola.

(CHUAHY 2009, p. 203)

MEDEIROS (2013) salienta que esta proposta só tem valor para


concessões após a Convenção da Diversidade Biológica. As patentes concedidas
antes desse tratado não poderão ser revertidas. A autora ainda intera, conforme
dados do MMA (Ministério Meio Ambiente), que após a assinatura da Convenção já
foram expedidas mais de mil patentes internacionais para mais de quarenta
espécies brasileiras contrabandeadas para outros países. Esse trabalho, apesar de
intimidar o contrabando, não é suficiente para reduzir o número de infrações desse
tipo. Diante desse quadro, o Brasil apresentou à OMC (Organização Mundial do
Comércio) uma nova proposta de emenda ao acordo TRIPs (Trade Related
Intelectual Property Rights - Relacionados ao Comércio dos Direitos de Propriedade
Intelectual). Essa emenda forçaria os escritórios de patentes a exigirem a
autorização de origem do objeto a ser patenteado.
35

V CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto foi possível ter uma idéia clara de como o homem, no
decorrer de sua história lidou com a presença de animais não humanos em sua
evolução. Viu-se que, apesar de uma visão antropocêntrica e de um comportamento
especista arraigado historicamente e alicerçado na religiosidade, algumas
civilizações, pensadores e cientistas defendiam o direito de igualdade com os
animais e até mesmo os considerava sagrados. Essa ideologia é construída com
base na difusão da cultura, é ela a responsável pelo comportamento e visão de
mundo das pessoas. Se um homem cresce em meio a uma cultura de maus tratos e
desrespeito para com a fauna e a flora, está tendencioso a reproduzir esse
comportamento e essa ideologia por achá-la politicamente correta.
É importante destacar, no que tange aos variados usos dos animais que a
premissa central e de maior destaque é mesmo a crueldade do ser humano, ou seja,
a maneira com que ele é capaz de maltratar, mutilar e ferir o animal apenas para
suprir seus desejos pessoais.
Outro dado assustador se faz na indústria de alimentação, com a prioridade
para obtenção de lucros o bem estar animal é posto em última estância de
prioridade, isso quando se adota uma prioridade para o animal. Um fato interessante
é que no uso do animal como divertimento, além de pessoas cruéis que lidam com o
animal para fins econômicos ainda existe o público, expectadores que assiste a toda
selvageria e ainda aplaudem o espetáculo, fechando os olhos para o sofrimento que
o animal passa para diverti-los. Outros usos não menos cruéis foram citados e a
decepção com a capacidade humana de ser cruel só aumenta.
Viu-se no processo histórico da legislação brasileira na conquista dos
direitos animais que muito foi conquistado desde os primórdios, contudo salienta-se
que ainda há muito que caminhar no ordenamento jurídico para que o direito dos
animais seja completamente preservado e seus agressores sejam devidamente
punidos.
Sabe-se que o uso de animais na vida cotidiana é algo necessário, o que se
pauta nesse estudo é quanto a um comportamento mais humanitário, ao respeito às
legislações vigentes. É preciso uma nova visão, um novo parâmetro não só para
36

com a fauna, mas com a natureza em geral. A partir do momento que os pais
ensinarem a seus filhos sobre a importância do respeito e do amor pelos animais,
pautados não só em palavras, discursos vazios, mas primordialmente em ações
concretas a visão de mundo do homem tende a mudar ou melhorar notoriamente. O
papel da Lei é de suma importância, esta deve ter parâmetros mais rígidos, penas
severas e aplicações imediatas. O poder da mídia é outro foco importante, pois ela
dissemina valores, ideologias e culturas e nesse sentido tem grande valor na
mudança de paradigma do homem em relação à fauna e flora que compõe seu
habitat.
37

VI REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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