Você está na página 1de 17

Parecer 18722 Data Aprovação 25/05/2021

Proc 19/1300-0004634-7 Esp PDPE


Autor FERNANDA FOERNGES MENTZ
Data Autor 02/03/2021
Ementa
TERRENOS RESERVADOS E FAIXAS MARGINAIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. CÓDIGO DAS
ÁGUAS. INTERPRETAÇÃO. NATUREZA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE EXCEÇÃO À DOMINIALIDADE
PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO.
PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA Nº 479 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. REVISÃO PARCIAL DO PARECER Nº 17.481/18.1.Considerando as disposições da
Cons�tuição Federal de 1988, que conferiu natureza pública aos terrenos reservados e faixas
marginais, revisa-se parcialmente o Parecer nº 17.481/18, deixando-se de admi�r exceções à
dominialidade pública de tais áreas, nos termos anteriormente previstos pelo Código das Águas
(Decreto nº 24.643/1934).2.Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Jus�ça, a
interpretação que deve ser dada ao art. 11 e ao art. 31 do Código das Águas, é no sen�do de
que o único �tulo capaz de subsidiar pleito de par�cular seria apenas o decorrente de
enfiteuse ou concessão. Não se pode cogitar de �tulo de propriedade privada, pois
juridicamente impossível. 3. Não há falar em direito à indenização aos detentores de �tulos de
propriedade sobre terrenos reservados, mesmo que anteriores ao próprio Código das Águas,
inexis�ndo direito adquirido à propriedade, em decorrência de ato do Poder Cons�tuinte
Originário que previu a natureza pública das áreas, revisando-se os precedentes desta
Procuradoria-Geral do Estado nesse sen�do (Parecer nº 4.640/1981 e Parecer nº
4.619/1984).4.Tal orientação encontra respaldo na Súmula nº 479 do Supremo Tribunal
Federal, que dispõe: “As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insusce�veis de
expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”.5.Recomenda-se que o ente público
regularize a situação jurídica dos terrenos reservados e faixas marginais, eventualmente
u�lizados por par�culares, dentro das hipóteses legais, conforme consignado no Parecer nº
17.481/18.
Indexação
FAIXA MARGINAL. TERRENO RESERVADO. CÓDIGO DE ÁGUAS. LEI - INTERPRETAÇÃO. BEM
PÚBLICO. DIREITO ADQUIRIDO. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. NORMA
CONSTITUCIONAL.
Legislação
CÓDIGO DE ÁGUAS. DF/24643. DF/24643/ART/11. DF/24643/ART/31.
Nome Origem
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO, GOVERNANÇA E GESTÃO
OBS
REVISA PARCIALMENTE OS PARECERES 17481; 4640; 5619.

PROCESSO ADMINISTRATIVO ELETRÔNICO Nº 19/1300-0004634-7

PARECER Nº 18.722/21

Procuradoria do Domínio Público Estadual

EMENTA:
TERRENOS RESERVADOS E FAIXAS MARGINAIS.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. CÓDIGO DAS
ÁGUAS. INTERPRETAÇÃO. NATUREZA PÚBLICA.
AUSÊNCIA DE EXCEÇÃO À DOMINIALIDADE
PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO.
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. PRECEDENTES
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA Nº
479 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REVISÃO
PARCIAL DO PARECER Nº 17.481/18.
1. Considerando as disposições da Cons�tuição
Federal de 1988, que conferiu natureza pública aos
terrenos reservados e faixas marginais, revisa-se
parcialmente o Parecer nº 17.481/18, deixando-se
de admi�r exceções à dominialidade pública de tais
áreas, nos termos anteriormente previstos pelo
Código das Águas (Decreto nº 24.643/1934).
2. Consoante jurisprudência do Superior Tribunal
de Jus�ça, a interpretação que deve ser dada ao art.
11 e ao art. 31 do Código das Águas, é no sen�do de
que o único �tulo capaz de subsidiar pleito de
par�cular seria apenas o decorrente de enfiteuse ou
concessão. Não se pode cogitar de �tulo de
propriedade privada, pois juridicamente impossível.
3. Não há falar em direito à indenização aos
detentores de �tulos de propriedade sobre terrenos
reservados, mesmo que anteriores ao próprio
Código das Águas, inexis�ndo direito adquirido à
propriedade, em decorrência de ato do Poder
Cons�tuinte Originário que previu a natureza
pública das áreas, revisando-se os precedentes
desta Procuradoria-Geral do Estado nesse sen�do
(Parecer nº 4.640/1981 e Parecer nº 4.619/1984).
4. Tal orientação encontra respaldo na Súmula nº
479 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: “As
margens dos rios navegáveis são de domínio
público, insusce�veis de expropriação e, por isso
mesmo, excluídas de indenização”.
5. Recomenda-se que o ente público regularize a
situação jurídica dos terrenos reservados e faixas
marginais, eventualmente u�lizados por
par�culares, dentro das hipóteses legais, conforme
consignado no Parecer nº 17.481/18.

AUTORA: FERNANDA FOERNGES MENTZ

Aprovado em 25 de maio de 2021.


1. Trata-se de processo administra�vo eletrônico, reme�do ao exame desta
Procuradoria-Geral do Estado pela Secretaria do Planejamento, Orçamento e Gestão -
SEPLAG com pedido de revisão/interpretação do PARECER nº 17.481, de lavra da signatária
(fls. 24-64).

O ques�onamento ganha relevo a par�r de situação concreta em que a


Procuradoria-Geral da República, por seu Núcleo das Comunidades Indígenas, Minorias
Étnicas e Educação, reitera pedido de informações acerca de terrenos marginais ao Guaíba
em que se encontra a comunidade indígena Mbyá-Guarani, se públicos, ou privados (Arado
Empreendimentos Imobiliários), consoante o�cios encartados às fls. 02-04, acompanhados
das matrículas nº 164.808 (fls. 05-06) e nº 165.411 (fls. 07-09). Por trás da indagação, de
acordo com mensagem de fl. 272, verifica-se há a intenção de construção de condomínio de
luxo na área denominada “Ponta da Arado”, no Bairro Belém Novo, cuja demarcação como
Terra Indígena interessa aos Mbyá-Guarani.

De acordo com fl. 14, no Sistema de Gestão do Patrimônio do Estado não foram


localizados registros cadastrais de terrenos reservados – faixas marginais de propriedade do
Estado do Rio Grande do Sul, compa�veis com as áreas objeto da consulta. No entanto,
consoante manifestação da Subsecretária do Património do Estado (fls. 65-67), a área
�tulada por terceiros, no trecho da Orla do Rio Guaíba compreendido entre a Ponta do
Dionísio (Bairro Assunção) e o limite de Porto Alegre com o Município de Viamão, que por
força de lei integra o patrimônio estadual, encontra-se atualmente cedido ao Município de
Porto Alegre, conforme cópia do Termo de Cessão de Uso (fls. 20-23).

À fl. 68-71 a Assessoria Jurídica determinou, inicialmente, o levantamento da


cadeia de dominialidade do imóvel, com vistas à verificação se o �tulo do par�cular precede
à Cons�tuição de 1988, pois, nos termos do PARECER ora ques�onado, nessa circunstância, a
propriedade pública da faixa marginal ou do terreno reservado estaria excepcionada.

Assim, foram carreadas aos autos as matrículas nº 56.964 (fls. 74-79), nº 67.725
(fls. 78-85), nº 67.726 (fls. 86-91), nº 67.727 (fls. 92-95), nº 79.624 (fls. 96-100), nº 67.728
(fls. 101-105), nº 79.623 (fls. 106-110), nº 79.622 (fls. 111-115), nº 79.621 (fls. 116-119), nº
79.620 (fls. 120-124), nº 76.112 (fls. 125-129), nº 79.619 (fls. 130-134), nº 79.618 (fls.
135-138), nº 79.617 (fls. 139-142), nº 79.616 (fls. 143-147), nº 79.615 (fls. 148-152), nº
79.614 (fls. 153-156), nº 79.613 (fls. 157-160) e nº 79.612 (fls. 161-165). Tais documentos
foram devidamente examinados pelo órgão técnico (fls. 173-176), que pontuou, em resumo,
que a Arado Empreendimentos Imobiliários Ltda. adquiriu a totalidade dos imóveis em
apreço no ano de 2011, os quais posteriormente foram unificados nas Matrículas 164.808 e
165.411. Ainda, informou que os imóveis passaram do proprietário Breno Alcaraz Caldas à
viúva Ilza Kessler Caldas; às ins�tuições bancárias até a aquisição pela Arado
Empreendimentos Imobiliários Ltda – com marco temporal pós-Cons�tuição de 1988.
Salientou que as matrículas fazem divisa/extensão até o Rio Guaíba, configurando terreno
reservado/faixa marginal, sendo que, em sua maioria, foram abertas depois de 1988 (apenas
uma é anterior, datada de 1986). Na sequência, foi anexado laudo técnico par�cular (Prisma
Topografia), acompanhado de diversos anexos, acerca da demarcação da propriedade da
empresa Arado (fls. 178-270).

A Assessoria Jurídica da consulente (fls. 283-297) embasa a remessa de consulta a


esta Procuradoria-Geral do Estado, em síntese apertada, a par�r das dificuldades prá�cas
verificadas pelo órgão técnico na aplicação do PARECER nº 17.481 às situações concretas
como a presente, ponderando que imóveis reservados lindeiros, ora devem sofrer a
cobrança pelo uso da faixa marginal, ora não. Do mesmo modo, argumenta que
manifestações anteriores desta PGE conduziam ao entendimento de que o marco sobre os
terrenos reservados precede à Cons�tuição Federal de 1988 (Pareceres nº 16.611, nº 4.640 e
nº 5.619), indicando possível contrariedade com as orientações anteriores da PGE (as quais
não foram revisadas) e o Parecer atual, ora deba�do, requerendo esclarecimentos. Com esse
propósito, ques�ona:

I – Considerando-se os pareceres trazidos à colação, qual o marco temporal a ser considerado


para análise da dominialidade privada a incidir sobre terrenos marginais: O Código de Águas - Decreto Federal
nº 24.643 de 10 de julho de 1934 ou a Cons�tuição Federal de 05 de outubro de 1988.

II – Caso se entenda como marco para �tulação privada como sendo o Código de Águas, conforme
referências registradas nos pareceres que antecedem a CF/88, posso imputar ao par�cular o ônus de
comprovar sua �tulação anterior?

III - Ainda, atentando-se a cadeia de dominilidade, em atenção ao disposto, independente do


marco ser a CF/88 ou o Código das Águas, até onde retroagiria essa para considerar �tulo de propriedade do
par�cular?

IV - Tendo-se em conta a deficiência histórica das descrições das áreas nas matrículas, possível o
entendimento que beira do rio é faixa marginal?

Especificamente, quanto ao caso concreto verificado nos autos, ques�ona-se:

I – Caso se considere como marco temporal a CF/88 nos termos do PARECER nº 17.481/18/2018,
quanto à dominialidade das faixas marginais, verifica-se que as matrículas foram abertas nos anos de 1986,
1988 (pós-CF) e 1995. Dessa forma, aplicando-se o critério do citado no parecer, e entendendo o marco
temporal como a Cons�tuição Federal de 1988, chega-se à conclusão de área �tulada anteriormente a Carta/88
e outras dezoito, não.

Todavia, essas glebas foram unificadas em duas matrículas, as quais constam em suas descrições a
divisa com o Rio Guaíba, dessa feita, resta dúvida, como se dará a interpretação quanto à faixa marginal?

II – Quanto ao atual proprietário verifica-se que �tulou a área em 2011, e na sua maioria as
matrículas remontam pós-CF/88, dessa forma cabe o Estado regularizar o uso e a efe�va cobrança dos valores?
Nesse ponto, deve ser considerada para aferição da �tulação da área a data de abertura da matrícula ou da
transferência do domínio ao atual proprietário.

Ainda, para aferição da �tulação da área deve ser considerada a data de abertura da matrícula ou
da transferência do domínio ao atual proprietário, até que ponto deverá ser retomada a cadeia dominial,
restando dúvida se deve ser levada em conta a matrícula do bem, ou ser considerado o �tulo anterior, como a
transcrição da área?

III - algumas matrículas referem que confrontam com 70 palmos de largura para serven�a dos
terrenos, posso entender tal descrição como faixa marginal?

Em conta o premente atendimento aos ques�onamentos exarados pelo Ministério Público


Federal, no Inquérito Civil nº 1.29.000.000771/2018-61 e diante da dificuldade do órgão técnico quanto a
interpretação do PARECER nº 17481/2018, necessário o encaminhamento do expediente à Procuradoria-Geral
do Estado.

Destarte, com a chancela da Coordenadora Setorial desta Procuradoria-Geral do


Estado junto à SEPLAG, bem como com o aval do �tular da Pasta, o feito aportou nesta
Ins�tuição, sendo distribuído na Equipe de Consultoria da Procuradoria do Domínio Público
Estadual.

É o relatório.

2. Conforme já mencionado, cinge-se a presente consulta na orientação jurídica


quanto à interpretação a ser dada ao PARECER nº 17.481/18, de autoria da signatária, mais
especificamente, no que tange ao marco temporal para análise de dominialidade, pois,
aparentemente, em contradição com orientações anteriormente exaradas por esta
Procuradoria-Geral do Estado.

Cumpre desde já referir que não há dúvida quanto à natureza pública dos
terrenos reservados, a qual é reconhecida pelas norma�vas incidentes, tendo sido
sedimentada através da Carta Magna de 1988.

Tal aspecto foi destacado no âmbito PARECER nº 17.481/2018, que restou assim
ementado:

SECRETARIA DA MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E DOS RECURSOS HUMANOS – SMARH.


TERRENOS RESERVADOS E FAIXAS MARGINAIS. NATUREZA PÚBLICA. A CONDIÇÃO DE TERRENO RESERVADO
NÃO PRESCINDE DE INSCRIÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. NECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO DE USO POR
PARTICULARES. INSTRUMENTOS LEGAIS. ONEROSIDADE. TAXA DE OCUPAÇÃO. DEMARCAÇÃO. COMPETÊNCIA.

Após o advento da cons�tuição Federal de 1988, resta incontroversa a natureza pública dos
terrenos reservados, devendo incidir a cobrança de taxa de ocupação sobre o seu respec�vo uso, nos termos
da Lei Estadual nº 12.144/2004, bem como do Decreto Estadual nº 46.428/2009 e respec�vas alterações.
Todavia, sendo o par�cular �tular de �tulo de propriedade, recairá servidão administra�va sobre a área
correspondente ao terreno reservado, consoante previsão do Código das Águas (Decreto nº 24.643/1934).

Considerando que a natureza pública do terreno reservado decorre da própria Cons�tuição


Federal de 1988, não há necessidade de inscrição no Registro de Imóveis. Entretanto, os atos administra�vos
que autorizam o uso de terreno reservado a par�cular deverão ser inscritos na respec�va matrícula.

Mostra-se indispensável a realização de levantamento prévio dos terrenos reservados, cabendo à


Secretaria da Modernização Administra�va e dos Recursos Humanos (SMARH) a gestão do patrimônio do
Estado. A respec�va demarcação das áreas, por sua vez, compete à Superintendência dos Portos de Rio Grande
(SUPRG), na qualidade de sucessora da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH).

Diversos são os instrumentos que permitem a u�lização de bens públicos por par�culares,
devendo a Administração Pública, diante do caso concreto, optar por aquele que melhor atenda à situação
fá�ca. Da mesma forma, deverá ser observada a necessidade de realização de procedimento licitatório,
dependendo do meio eleito ou, ainda, mesmo que não haja exigência legal, diante da existência de uma
pluralidade de par�culares interessados.

A referência, entretanto, ao marco temporal da Cons�tuição Federal de 1988 diz


respeito à inadmissibilidade de qualquer exceção à natureza pública dos denominadas
terrenos reservados, o que era previsto pelo Código das Águas (Decreto nº 24.643/34) nos
seguintes termos:

Art. 11. São públicos dominicais, se não es�verem des�nados ao uso comum, ou por algum �tulo
legi�mo não pertencerem ao domínio par�cular;

§ 1º os terrenos de marinha;

§ 2º os terrenos reservados nas margens das correntes públicas de uso comum, bem como dos
canais, lagos e lagoas da mesma espécie. Salvo quanto às correntes que, não sendo navegáveis nem flutuáveis,
concorrem apenas para formar outras simplesmente flutuáveis, e não navegáveis.

Art. 31. Pertencem aos Estados os terrenos reservados às margens


das correntes e lagos navegáveis, se, por algum �tulo, não forem do domínio
federal, municipal ou par�cular. (grifei)

Nessa toada, era permi�do pelo Código das Águas que os terrenos reservados
pertencessem ao domínio par�cular, desde que por meio de justo �tulo. Após o advento da
Carta Magna de 1988, não há mais previsão para tal flexibilização quanto à natureza pública
dos terrenos marginais.

Nesse cenário, importante colacionar decisões dos Tribunais Superiores sobre o


tema, as quais consolidam a natureza pública de tais áreas, independentemente da
existência de �tulo de propriedade anterior à Carta Magna de 1988.
Nesse sen�do, transcreve-se:

DIREITO ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICO. LEITO DO RIO TIETÊ.


MARGEM DE RIO. TERRENO RESERVADO. DOMÍNIO PARTICULAR.
IMPOSSIBILIDADE.

A Segunda Turma do STJ, após amplo debate no âmbito do REsp


508.377/MS, que culminou com a re�ficação do voto do eminente relator, Ministro
João Otávio de Noronha, concluiu que, no atual regime cons�tucional, não existe
domínio privado sobre terrenos marginais (ou reservados). Somente há
possibilidade de indenização do par�cular em caso de enfiteuse ou concessão.

2. De fato, essa é a correta interpretação dos arts. 11, 12, 14 e 31 do


Decreto nº 24.643, de 10/7/1934 (Código de Águas), à luz da Súmula 479/STF,
segundo a qual "as margens dos rios navegáveis são de domínio público,
insusce�veis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas da indenização".

3. Portanto, inviável o domínio privado das margens dos rios.


4. Recurso Especial não provido.

(REsp 1800313 / SP RECURSO ESPECIAL 2019/0028979-5 20/08/2019)

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. TERRENO RESERVADO.


INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. BEM DE DOMÍNIO PÚBLICO. SÚMULA 479/STF.
INCIDÊNCIA.
1. A jurisprudência desta Corte assentou-se pelo reconhecimento do caráter
público dos bens conhecidos como terrenos de reserva e pela consequente
impossibilidade de indenização por tais áreas, em regra.

2. O STJ admite como exceções à regra acima os �tulos em favor de


par�cular decorrentes de enfiteuse ou concessão, e não os de caráter real.

3. As áreas marginais a rios navegáveis, como a da hipótese, incluem-


se entre os terrenos reservados.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1285720 / MS, RECURSO ESPECIAL 2011/0233772-8 Ministro


OG FERNANDES (1139) 20/02/2018)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. RECURSO


HÍDRICOS. MARGEM DE RIO. TERRENO RESERVADO. DOMÍNIO PARTICULAR.
IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 27, § 1º, DO DL 3.365/1941.
LEI 9.433/1997.

1. Hipótese em que se discute, em Ação de Desapropriação, o direito


a indenização em relação a área situada em margem de rio (terreno reservado).

2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não


caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

3. O Código de Águas (Decreto 24.643/1934) deve ser interpretado à


luz do sistema da Cons�tuição Federal de 1988 e da Lei 9.433/1997 (Lei da Polí�ca
Nacional de Recursos Hídricos), que admitem apenas domínio público sobre os
recursos hídricos.

4. Na forma dos arts. 20, III, e 26, I, da Cons�tuição, abolida está a


propriedade privada de lagos, rios, águas superficiais ou subterrâneas, fluentes,
emergentes ou em depósito, bem como a de quaisquer correntes de água.

5. Nesse sen�do, a interpretação do art. 31 do Código de Águas,


segundo o qual "pertencem aos Estados os terrenos reservados às margens das
correntes e lagos navegáveis, se, por algum �tulo, não forem do domínio federal,
municipal ou par�cular", implica a propriedade do Estado sobre todas as margens
dos rios estaduais, tais como definidos pelo art. 26 da CF, excluídos os federais
(art. 20 da CF), tendo em vista que já não existem rios municipais nem
par�culares.

6. O �tulo legí�mo em favor de par�cular, previsto nos arts. 11 e 31


do Código de Águas, que poderia, em tese, subsidiar pleito do par�cular, é apenas
o decorrente de enfiteuse ou concessão, jamais dominial, pois juridicamente
impossível. Precedentes do STJ (REsp 508.377/MS, rel. Min. João Otávio de
Noronha, j. 23.10.2007; REsp 995.290/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 11.11.2008;
REsp 763.591/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 23.10.2008).

7. Conforme a Súmula 479/STF, "as margens dos rios navegáveis são


de domínio público, insusce�veis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas da
indenização".

8. Tendo em vista que o art. 27, § 1º, do DL 3.365/1941 em sua atual


redação já estava em vigor ao tempo em que proferida a sentença, os honorários
advoca�cios devem respeitar o limite máximo de 5% do valor da diferença entre a
oferta inicial e o montante da indenização fixado.

9. Recurso Especial parcialmente provido.

(Ministro HERMAN BENJAMIN (1132), REsp 1352673 / SP, RECURSO


ESPECIAL 2012/0233411-0, DJ 06/05/2014)

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. TERRENOS SITUADOS NA


MARGEM DOS RIOS. FAIXA DE RESERVA. DOMÍNIO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE.

1. Hipótese em que se discute ocupação privada do an�go leito do Rio


Tietê, no Município de São Paulo, referente ao curso das águas, anterior à
re�ficação, e do respec�vo terreno marginal (reservado ou faixa de reserva).

2. O par�cular "confessa a ocupação da área pública, contudo afirma


que a área referente à faixa de reserva é de sua propriedade, não pertencendo ao
Município" (trecho do acórdão). Inexiste discussão em relação ao álveo (leito) do
rio, pois houve concordância da recorrida com o domínio municipal.

3. O TJ-SP acolheu o pleito, decidindo que "a área de reserva é de


propriedade dos réus que sobre ela exercem posse".
4. O Código de Águas (Decreto 24.643/1934) deve ser interpretado à
luz do sistema da Cons�tuição Federal de 1988 e da Lei 9.433/1997 (Lei da Polí�ca
Nacional de Recursos Hídricos), que só admitem domínio público sobre os
recursos hídricos.

5. Na forma dos arts. 20, III, e 26, I, da Cons�tuição, não mais existe
propriedade privada de lagos, rios, águas superficiais ou subterrâneas, fluentes,
emergentes ou em depósito, e quaisquer correntes de água.

6. Nesse sen�do, a interpretação do art. 31 do Código de Águas,


segundo o qual "pertencem aos Estados os terrenos reservados às margens das
correntes e lagos navegáveis, se, por algum �tulo, não forem do domínio federal,
municipal ou par�cular", implica a propriedade do Estado sobre todas as margens
dos rios estaduais, tais como definidos pelo art. 26 da CF, excluídos os federais
(art. 20 da CF), tendo em vista que já não existem, repito, rios municipais ou
par�culares

7. O �tulo legí�mo em favor de par�cular, previsto nos arts. 11 e 31


do Código de Águas, que poderia, em tese, subsidiar pleito do par�cular, é
apenas o decorrente de enfiteuse ou concessão, jamais dominial, pois
juridicamente impossível. Precedentes da Segunda Turma (REsp 508.377/MS, rel.
Min. João Otávio de Noronha, j. 23.10.2007; REsp 995.290/SP, Rel. Min. Castro
Meira, j. 11/11/2008).

8. Considerando a premissa incontroversa de que a legislação paulista


transferiu para o Município de São Paulo o trecho do Rio Tietê, que cruza a cidade e
suas margens, conclui-se pelo acolhimento da pretensão recursal.
9. Recurso Especial provido.

(REsp 1184624/SP, RECURSO ESPECIAL 2010/0044498-5 02/12/2010,


DJe 04/02/2011)

Tendo em vista a evolução da legislação quanto à natureza jurídica dos terrenos


reservados, assim como da jurisprudência quanto ao tema, oportuno trazer à colação a lição
extraída do ar�go in�tulado “Disciplina cons�tucional da dominialidade hídrica e as áreas de
preservação permanente”, de autoria de André Luiz dos Santos Nakamura, pois elucida�va
quanto ao ponto:

Apesar da Cons�tuição Federal expressamente incluir os terrenos marginais entre os bens


públicos da União (art. 20, III), existem divergências acerca da propriedade destas áreas, em razão da disciplina
vigente do Código de Águas, bem como em razão do direito de propriedade destas áreas existentes
anteriormente à Cons�tuição de 1988.

Em razão da inexistência de revogação expressa ou tácita, existe ainda o entendimento de que


con�nua aplicável a disciplina constante do art. 11 do Código de Águas que admi�a a propriedade privada de
margens de rios públicos, desde que exista legí�mo �tulo de propriedade. Assim, somente exis�ria uma
presunção juris tantum de propriedade pública da margem do rio, que poderia ser elidida pela existência de
�tulo de propriedade válido sobre a área. Nesse sen�do já decidiu o Superior Tribunal de Jus�ça:

Administra�vo. Embargos de divergência. Terrenos reservados. Margem de rio navegável.


Indenizabilidade. Art. 11 do Decreto n. 24.643/34 (Código de Águas).
1. Segundo o art. 11 do Código de Águas (Decreto n. 24.643/34), os terrenos que margeiam os
rios navegáveis são bens públicos dominicais, salvo se por algum �tulo legí�mo não pertencerem ao domínio
par�cular.

2. Até prova em contrário, presume-se que os “terrenos reservados” pertencem ao domínio


público, presunção que pode ser ilidida por documento idôneo, comprobatório da propriedade par�cular.

3. A questão rela�va à indenizabilidade dos “terrenos reservados” passa pela definição do


domínio. Se a �tularidade é do Poder Público, estas áreas devem ser excluídas do valor da indenização, tal
como preconizado na Súmula n. 479 da Suprema Corte, segundo a qual “as margens dos rios navegáveis são
domínio público, insusce�veis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”.

4. Se o par�cular comprova a concessão por �tulo legí�mo, nos termos do § 1º do art. 11 do


Código de Águas, o valor dos terrenos reservados deve ser incluído na indenização, à semelhança do que
ocorre com os terrenos de marinha.

5. Hipótese em que não há informação ou documento nos autos que afaste a presunção de que se
trata de bens públicos dominicais.

6. Embargos de divergência improvidos.

(STJ, EREsp 617.822/SP, Rel. Ministro Castro Meira, 1ª Seção, j. 09.11.2005, DJ 21.11.2005, p. 117).

Contudo, o entendimento acima, salvo melhor juízo, não é mais acertado. Primeiramente, não
atende ao interesse público na preservação das águas, que poderia ser inviabilizada pela propriedade
privada das margens. Ademais, não desconsidera o texto expresso da Cons�tuição Federal que se refere
expressamente à propriedade das margens dos rios.

A Cons�tuição Federal realizou uma “desapropriação cons�tucional”, ao incluir as margens dos


rios como imóveis públicos no art. 20, III. Nesse sen�do, Ives Gandra Mar�ns ressalta que, “a inclusão de
praias e terrenos marginais implica desapropriação cons�tucional, cujo tratamento deverá ser semelhante
ao que se dá em relação aos terrenos de marinha”.

E con�nua o referido autor no sen�do de que “à evidência, o terreno de marinha pertence à


União, mas sua posse é man�da por variadas pessoas �sicas e jurídicas de direito público e privado”.

(BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Cons�tuição do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 1992. v. 3. t. I.)

Dessa forma, conforme o entendimento acima, teria ocorrido a passagem para o domínio
público de todas as áreas reservadas, independentemente da existência de �tulo de propriedade em nome
de par�cular. Contudo, poderia o ente público ceder a posse para par�culares, tal como se dá nos
denominados terrenos de marinha, por atos transla�vos como a enfiteuse. Esse entendimento foi acolhido
pelo STJ no julgado abaixo:

Administra�vo. Desapropriação. Terrenos situados na margem dos rios. Faixa de reserva. Domínio
par�cular. Impossibilidade.

1. Hipótese em que se discute ocupação privada do an�go leito do Rio Tietê, no Município de São
Paulo, referente ao curso das águas anterior à re�ficação, e do respec�vo terreno marginal (reservado ou faixa
de reserva).
2. O par�cular “confessa a ocupação da área pública, contudo afirma que a área referente à faixa
de reserva é de sua propriedade, não pertencendo ao Município” (trecho do acórdão). Inexiste discussão em
relação ao álveo (leito) do rio, pois houve concordância da recorrida com o domínio municipal.

3. O TJ-SP acolheu o pleito, decidindo que “a área de reserva é de propriedade dos réus que sobre
ela exercem posse”.

4. O Código de Águas (Decreto 24.643/1934) deve ser interpretado à luz do sistema da


Cons�tuição Federal de 1988 e da Lei 9.433/1997 (Lei da Polí�ca Nacional de Recursos Hídricos), que só
admitem domínio público sobre os recursos hídricos.

5. Na forma dos arts. 20, III, e 26, I, da Cons�tuição, não mais existe propriedade privada de lagos,
rios, águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes ou em depósito, e quaisquer correntes de água.

6. Nesse sen�do, a interpretação do art. 31 do Código de Águas, segundo o qual “pertencem aos
Estados os terrenos reservados às margens das correntes e lagos navegáveis, se, por algum �tulo, não forem do
domínio federal, municipal ou par�cular”, implica a propriedade do Estado sobre todas as margens dos rios
estaduais, tais como definidos pelo art. 26 da CF, excluídos os federais (art. 20 da CF), tendo em vista que já não
existem, repito, rios municipais ou par�culares.

7. O �tulo legí�mo em favor de par�cular, previsto nos arts. 11 e 31 do Código de Águas, que
poderia, em tese, subsidiar pleito do par�cular, é apenas o decorrente de enfiteuse ou concessão, jamais
dominial, pois juridicamente impossível. Precedentes da Segunda Turma (REsp 508.377/MS, rel. Min. João
Otávio de Noronha, j. 23.10.2007; REsp 995.290/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 11.11.2008).

8. Considerando a premissa incontroversa de que a legislação paulista transferiu para o Município


de São Paulo o trecho do Rio Tietê, que cruza a cidade e suas margens, conclui-se pelo acolhimento da
pretensão recursal.

9. Recurso Especial provido.

(STJ, REsp 1.184.624/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 02.12.2010, DJe
04.02.2011)

Percebe-se, assim, que o Superior Tribunal de Jus�ça já reconheceu a recepção do art. 11 do


Código de Águas, bem como já entendeu que o mesmo não mais subsiste, em razão da nova disciplina
cons�tucional. O entendimento mais correto, salvo melhor juízo, é o de que houve, por força da Cons�tuição
Federal, a transferência de todo o domínio das margens dos rios para a União ou Estados. Anoto que não se
pode falar em ofensa a direito de propriedade, pois se trata de norma decorrente do Poder Cons�tuinte
Originário, contra o qual não se pode falar em direito adquirido. Nesse sen�do é a lição de Manoel Gonçalves
Ferreira Filho:

A irretroa�vidade da norma é um princípio e como tal pode sofrer exceções. É o que se põe
rela�vamente à norma cons�tucional originária (…). Ela é a nova base do ordenamento jurídico, mo�vo por
que o direito a ela anterior só “con�nua” em vigor – na verdade recobra vigência – por efeito de uma recepção.
(…). Consequência disto é poder ela a�ngir os facta præterita, mudando-lhes o sen�do jurídico, anulando-os ex
tunc, ex�nguindo-lhes os efeitos etc. Portanto, contra ela não prevalecem nem o princípio da irretroa�vidade,
nem o do respeito aos direitos adquiridos.

(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Poder Cons�tuinte e direito adquirido. Fórum


Administra�vo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 1, n. 10, jul. 2001. Disponível em:
[www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd="1086]." Acesso em: 30.09.2017.)
Assim, a Cons�tuição Federal realizou uma desapropriação cons�tucional de todos os terrenos
marginais de rios, não havendo que se falar em ofensa ao direito de propriedade e, consequentemente, em
indenização, tendo em vista que não se pode cogitar de direito adquirido contra o produto do Poder
Cons�tuinte Originário. Em caso de desapropriação de áreas onde existe um curso de água, não são
indenizáveis as áreas das margens que já são públicas, conforme entendimento consubstanciado na Súmula
479 do STF. Não mais está em vigência a disposição do art. 11 do Código de Águas. Todos os �tulos de
propriedade eventualmente existentes que abranjam áreas de terrenos marginais de rios perderam a eficácia
em face da nova Cons�tuição.

Nesse cenário, e, considerando as disposições da Cons�tuição Federal de 1988,


que conferiu natureza pública de maneira incontroversa e absoluta aos terrenos reservados,
revisa-se parcialmente o PARECER nº 17.481, deixando de se admi�r exceções à
dominialidade pública de tais áreas, nos termos previstos pelo Código das Águas (Decreto nº
24.643/1934).

Assim, consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Jus�ça, a interpretação


que deve ser dada ao art. 11 e ao art. 31 do Código das Águas é no sen�do de que o único
�tulo capaz de subsidiar pleito de par�cular com relação a tais áreas seria apenas o
decorrente de enfiteuse ou concessão. Não se pode, pois, cogitar de �tulo de propriedade
privada, pois juridicamente impossível.

Dessa maneira, não há falar em direito à indenização aos detentores de �tulos de


propriedade sobre terrenos reservados, mesmo que anteriores ao próprio Código das Águas,
tendo ocorrido verdadeira “desapropriação cons�tucional” de tais bens.

Com efeito, não existe direito adquirido contra ato do Poder Cons�tuinte
Originário, revisando-se os precedentes da PGE nesse sen�do (PARECER nº 4.640/1981 e
Parecer nº 5.619/1984), estando tal orientação em consonância com a Súmula nº 479 do
Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:

As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insusce�veis


de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização.

No entanto, deverá o ente público regularizar o uso de tais áreas, podendo


transferir o domínio ú�l a par�culares, dentro das hipóteses legalmente previstas, conforme
já consignado no PARECER nº 17.481/18, replicando-se a seguinte passagem:

Com relação aos instrumentos legais existentes para a viabilização de uso por par�cular de bem
de natureza pública, diversas são as possibilidades, devendo a autoridade competente atentar para o exame do
caso concreto.
[...]

Desse modo, diante do caso concreto, tendo em vista o �po de u�lização que será dada ao imóvel
e a consequente opção pelo instrumento que melhor atenda à situação fá�ca, deverá ser observada a
necessidade da realização ou não de procedimento licitatório.

Importante deixar claro que, havendo uma pluralidade de par�culares que tenham interesse em
usufruir do bem público, obrigatória a realização de certame licitatório, independentemente da existência de
exigência legal.

Interessante trazer à baila que, no âmbito da União, com relação aos terrenos de marinha, o
Decreto-lei nº 9.760/46 previu o procedimento de regularização da posse.

Por fim, obje�vamente quanto aos ques�onamentos realizados através da


Informação ASJUR/SPE/SEPLAG nº 239/2020 (fls. 277/292):

I – Considerando-se os pareceres trazidos à colação, qual o marco temporal a ser considerado


para análise da dominialidade privada a incidir sobre terrenos marginais: O Código de Águas - Decreto
Federal nº 24.643 de 10 de julho de 1934 ou a Cons�tuição Federal de 05 de outubro de 1988.

Conforme exposto, após o advento da Cons�tuição Federal de 1988, foi conferida


natureza pública aos terrenos reservados, deixando de ser admi�da qualquer exceção à
dominialidade pública. Dessa forma, não se pode mais cogitar sobre a existência de
propriedade privada de tais áreas.

II – Caso se entenda como marco para �tulação privada como sendo o Código de Águas,
conforme referências registradas nos pareceres que antecedem a CF/88, posso imputar ao par�cular o ônus
de comprovar sua �tulação anterior?

Nos termos acima, resta prejudicado tal ques�onamento.

III - Ainda, atentando-se a cadeia de dominialidade, em atenção ao disposto, independente do


marco ser a CF/88 ou o Código das Águas, até onde retroagiria essa para considerar �tulo de propriedade do
par�cular?

Tratando-se de previsão cons�tucional, decorrente do Poder Cons�tuinte


Originário, não se pode falar em direito adquirido sobre tais propriedades, que são
consideradas de natureza pública.

IV - Tendo-se em conta a deficiência histórica das descrições das áreas nas matrículas, possível o
entendimento que beira do rio é faixa marginal?

Trata-se de questão eminente técnica que refoge do espectro dessa análise


jurídica.

No entanto, interessante, nesse ponto, trazer à baila a lição de Afrânio de


Carvalho constante do ar�go AS MARGENS DOS RIOS E “OS TERRENOS RESERVADOS”:
O rio, no seu todo, compõe-se de três elementos, água, leito e margem, dos quais a água é o
principal, servindo o leito e a margem para contê-la. Ao passo que a água é um elemento autônomo, o leito e a
margem se completam e solidarizam na função de con�nente dela. A margem, como prolongamento lateral
ascendente do leito ou álveo, chega até a orla saliente da calha do rio, onde serve para lindar a contenção da
água no seu curso normal. Na parte mais baixa, também é chamada de praia e na mais alta, de ribanceira ou
barranca, pois costuma haver uma gradação, maior ou menor, de uma para outra, embora seja por vezes quase
repen�na a mudança, como nos “canhões” do rio. Assim como o leito, a margem é parte integrante do rio,
mas, ao mesmo tempo, ambos não passam realmente de extremidades do solo ribeirinho, dada a
homogeneidade da sua composição.

[....]

Nesse conjunto, a margem é a porção do solo que, ficando fora do sulco do álveo
permanentemente ocupado pela água, sobe em rampa até o plano superior do terreno, onde se reduz a uma
ourela que domina a cava do rio. Devido a essa posição eminente, a sua crista não é a�ngida ordinariamente
pela água no tempo da chuva, embora possa sê-lo excepcionalmente quando ocorram fatores meteorológicos
extraordinários capazes de provocar uma inundação. Essa é a margem natural, a que baliza e sustenta
lateralmente o rio, parte integrante deste, porque sem ela o rio, espraiando-se, perderia a sua individualidade.

De parelha com esta corre uma faixa adjacente de solo, de maior ou menor largura, sem que
exista no encontro das duas qualquer sinal de separação, a não ser o ves�gio deixado no terreno ou vegetação
limítrofe pela água barrenta da cheia. Essa indefinição do exterior terrestre gerou o costume de designar como
margem genericamente todo o terreno que acompanha o rio sem discernir nele as duas faixas, uma con�gua
ao rio, a outra encostada nela. É que no chão uma dá sequência, ou con�nuidade à outra, pelo que é preciso
procurar fora dessa aparência algo que as dis�nga permanentemente.

Esse quê dis�n�vo encontra-se na função que uma delas desempenha


peculiarmente. A verdadeira margem do rio é estruturalmente parte do terreno
ribeirinho e funcionalmente parte integrante do rio.

(Revista de Direito Imobiliário | vol. 84/2018 | p. 669 - 723 | Jan - Jun / 2018
DTR\2018\14327)

Ademais, nos termos do Decreto Estadual nº 5.539/34:

Art. 52 -Os terrenos marginais, de que trata o ar�go anterior, vão até à distância de 15,40
metros para a parte da terra, contada da linha a�ngida pelo nível médio das enchentes ordinárias.

Nessa toada, s.m.j, não se pode confundir os conceitos de beira do rio e faixa
marginal. No entanto, essa compreenderá aquela.

Especificamente, quanto ao caso concreto verificado nos autos, ques�ona-se:

I - Caso se considere como marco temporal a CF/88 nos termos do PARECER nº 17.481/18/2018,
quanto à dominialidade das faixas marginais, verifica-se que as matrículas foram abertas nos anos de 1986,
1988 (pós-CF) e 1995. Dessa forma, aplicando-se o critério do citado no parecer, e entendendo o marco
temporal como a Cons�tuição Federal de 1988, chega-se à conclusão de área �tulada anteriormente a
Carta/88 e outras dezoito, não.

Todavia, essas glebas foram unificadas em duas matrículas, as quais constam em suas
descrições a divisa com o Rio Guaíba, dessa feita, resta dúvida, como se dará a interpretação quanto à faixa
marginal?

Tal ques�onamento resta prejudicado, pois, conforme referido, após a


Cons�tuição de 1988 as faixas marginais possuem natureza pública, revisando-se
parcialmente o PARECER nº 17.481/18.

II – Quanto ao atual proprietário verifica-se que �tulou a área em 2011, e na sua maioria as
matrículas remontam pós-CF/88, dessa forma cabe ao Estado regularizar o uso e a efe�va cobrança dos
valores? Nesse ponto, deve ser considerada para aferição da �tulação da área a data de abertura da
matrícula ou da transferência do domínio ao atual proprietário.

Ainda, para aferição da �tulação da área deve ser considerada a data de abertura da matrícula
ou da transferência do domínio ao atual proprietário, até que ponto deverá ser retomada a cadeia dominial,
restando dúvida se deve ser levada em conta a matrícula do bem, ou ser considerado o �tulo anterior, como
a transcrição da área?

Não há necessidade de que seja retomada a cadeia dominial, uma vez que a Carta
Magna de 1988 conferiu natureza pública aos terrenos reservados, não exis�ndo direito
adquirido à propriedade em razão de ato do Poder Cons�tuinte Originário.

Ante o exposto, conclui-se:

considerando as disposições da Cons�tuição Federal de 1988, que conferiu


natureza pública aos terrenos reservados e faixas marginais, revisa-se parcialmente o
PARECER nº 17.481/18, deixando-se de admi�r exceções à dominialidade pública de tais
áreas, nos termos anteriormente previstos pelo Código das Águas (Decreto nº 24.643/1934);

consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Jus�ça, a interpretação que


deve ser dada ao art. 11 e ao art. 31 do Código das Águas, é no sen�do de que o único �tulo
capaz de subsidiar pleito de par�cular seria apenas o decorrente de enfiteuse ou concessão.
Não se pode cogitar de �tulo de propriedade privada, pois juridicamente impossível;

não há falar em direito à indenização aos detentores de �tulos de propriedade


sobre terrenos reservados, mesmo que anteriores ao próprio Código das Águas, inexis�ndo
direito adquirido à propriedade, em decorrência de ato do Poder Cons�tuinte Originário que
previu a natureza pública das áreas, revisando-se os precedentes desta Procuradoria-Geral
do Estado nesse sen�do (PARECER nº 4.640/1981 e Parecer nº 4.619/1984);

tal orientação encontra respaldo na Súmula nº 479 do Supremo


Tribunal Federal, que dispõe: “As margens dos rios navegáveis são de domínio público,
insusce�veis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”;

recomenda-se que o ente público regularize a situação jurídica dos terrenos


reservados e faixas marginais, eventualmente u�lizados por par�culares, dentro das
hipóteses legais, conforme consignado no PARECER nº 17.481/18.

É o parecer.

Porto Alegre, 01 de março de 2021.

Fernanda Foernges Mentz,

Procuradora do Estado.

PROA nº 19/1300-0004634-7

Processo nº 19/1300-0004634-7

Analisada a proposta de PARECER da CONSULTORIA-GERAL/PROCURADORIA DO


DOMÍNIO PÚBLICO ESTADUAL, de autoria da Procuradora do Estado FERNANDA FOERNGES
MENTZ, opino pela aprovação de suas conclusões.

À consideração do Procurador-Geral do Estado.

VICTOR HERZER DA SILVA,

Procurador-Geral Adjunto

para Assuntos Jurídicos.

Processo nº 19/1300-0004634-7

PARECER JURÍDICO

O PROCURADOR-GERAL DO ESTADO, no uso de suas atribuições, aprova


o PARECER da CONSULTORIA-GERAL/PROCURADORIA DO DOMÍNIO PÚBLICO
ESTADUAL, de autoria da Procuradora do Estado FERNANDA FOERNGES MENTZ,
cujas conclusões adota para responder a CONSULTA formulada pela Secretaria de
Planejamento, Orçamento e Gestão.

Res�tua-se à Procuradoria Setorial junto à Secretaria de Planejamento,


Governança e Gestão.
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO, em Porto Alegre.

EDUARDO CUNHA DA COSTA,

Procurador-Geral do Estado.

Você também pode gostar