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PARECER Nº 18.722/21
EMENTA:
TERRENOS RESERVADOS E FAIXAS MARGINAIS.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. CÓDIGO DAS
ÁGUAS. INTERPRETAÇÃO. NATUREZA PÚBLICA.
AUSÊNCIA DE EXCEÇÃO À DOMINIALIDADE
PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO.
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. PRECEDENTES
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA Nº
479 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REVISÃO
PARCIAL DO PARECER Nº 17.481/18.
1. Considerando as disposições da Cons�tuição
Federal de 1988, que conferiu natureza pública aos
terrenos reservados e faixas marginais, revisa-se
parcialmente o Parecer nº 17.481/18, deixando-se
de admi�r exceções à dominialidade pública de tais
áreas, nos termos anteriormente previstos pelo
Código das Águas (Decreto nº 24.643/1934).
2. Consoante jurisprudência do Superior Tribunal
de Jus�ça, a interpretação que deve ser dada ao art.
11 e ao art. 31 do Código das Águas, é no sen�do de
que o único �tulo capaz de subsidiar pleito de
par�cular seria apenas o decorrente de enfiteuse ou
concessão. Não se pode cogitar de �tulo de
propriedade privada, pois juridicamente impossível.
3. Não há falar em direito à indenização aos
detentores de �tulos de propriedade sobre terrenos
reservados, mesmo que anteriores ao próprio
Código das Águas, inexis�ndo direito adquirido à
propriedade, em decorrência de ato do Poder
Cons�tuinte Originário que previu a natureza
pública das áreas, revisando-se os precedentes
desta Procuradoria-Geral do Estado nesse sen�do
(Parecer nº 4.640/1981 e Parecer nº 4.619/1984).
4. Tal orientação encontra respaldo na Súmula nº
479 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: “As
margens dos rios navegáveis são de domínio
público, insusce�veis de expropriação e, por isso
mesmo, excluídas de indenização”.
5. Recomenda-se que o ente público regularize a
situação jurídica dos terrenos reservados e faixas
marginais, eventualmente u�lizados por
par�culares, dentro das hipóteses legais, conforme
consignado no Parecer nº 17.481/18.
Assim, foram carreadas aos autos as matrículas nº 56.964 (fls. 74-79), nº 67.725
(fls. 78-85), nº 67.726 (fls. 86-91), nº 67.727 (fls. 92-95), nº 79.624 (fls. 96-100), nº 67.728
(fls. 101-105), nº 79.623 (fls. 106-110), nº 79.622 (fls. 111-115), nº 79.621 (fls. 116-119), nº
79.620 (fls. 120-124), nº 76.112 (fls. 125-129), nº 79.619 (fls. 130-134), nº 79.618 (fls.
135-138), nº 79.617 (fls. 139-142), nº 79.616 (fls. 143-147), nº 79.615 (fls. 148-152), nº
79.614 (fls. 153-156), nº 79.613 (fls. 157-160) e nº 79.612 (fls. 161-165). Tais documentos
foram devidamente examinados pelo órgão técnico (fls. 173-176), que pontuou, em resumo,
que a Arado Empreendimentos Imobiliários Ltda. adquiriu a totalidade dos imóveis em
apreço no ano de 2011, os quais posteriormente foram unificados nas Matrículas 164.808 e
165.411. Ainda, informou que os imóveis passaram do proprietário Breno Alcaraz Caldas à
viúva Ilza Kessler Caldas; às ins�tuições bancárias até a aquisição pela Arado
Empreendimentos Imobiliários Ltda – com marco temporal pós-Cons�tuição de 1988.
Salientou que as matrículas fazem divisa/extensão até o Rio Guaíba, configurando terreno
reservado/faixa marginal, sendo que, em sua maioria, foram abertas depois de 1988 (apenas
uma é anterior, datada de 1986). Na sequência, foi anexado laudo técnico par�cular (Prisma
Topografia), acompanhado de diversos anexos, acerca da demarcação da propriedade da
empresa Arado (fls. 178-270).
II – Caso se entenda como marco para �tulação privada como sendo o Código de Águas, conforme
referências registradas nos pareceres que antecedem a CF/88, posso imputar ao par�cular o ônus de
comprovar sua �tulação anterior?
IV - Tendo-se em conta a deficiência histórica das descrições das áreas nas matrículas, possível o
entendimento que beira do rio é faixa marginal?
I – Caso se considere como marco temporal a CF/88 nos termos do PARECER nº 17.481/18/2018,
quanto à dominialidade das faixas marginais, verifica-se que as matrículas foram abertas nos anos de 1986,
1988 (pós-CF) e 1995. Dessa forma, aplicando-se o critério do citado no parecer, e entendendo o marco
temporal como a Cons�tuição Federal de 1988, chega-se à conclusão de área �tulada anteriormente a Carta/88
e outras dezoito, não.
Todavia, essas glebas foram unificadas em duas matrículas, as quais constam em suas descrições a
divisa com o Rio Guaíba, dessa feita, resta dúvida, como se dará a interpretação quanto à faixa marginal?
II – Quanto ao atual proprietário verifica-se que �tulou a área em 2011, e na sua maioria as
matrículas remontam pós-CF/88, dessa forma cabe o Estado regularizar o uso e a efe�va cobrança dos valores?
Nesse ponto, deve ser considerada para aferição da �tulação da área a data de abertura da matrícula ou da
transferência do domínio ao atual proprietário.
Ainda, para aferição da �tulação da área deve ser considerada a data de abertura da matrícula ou
da transferência do domínio ao atual proprietário, até que ponto deverá ser retomada a cadeia dominial,
restando dúvida se deve ser levada em conta a matrícula do bem, ou ser considerado o �tulo anterior, como a
transcrição da área?
III - algumas matrículas referem que confrontam com 70 palmos de largura para serven�a dos
terrenos, posso entender tal descrição como faixa marginal?
É o relatório.
Cumpre desde já referir que não há dúvida quanto à natureza pública dos
terrenos reservados, a qual é reconhecida pelas norma�vas incidentes, tendo sido
sedimentada através da Carta Magna de 1988.
Tal aspecto foi destacado no âmbito PARECER nº 17.481/2018, que restou assim
ementado:
Após o advento da cons�tuição Federal de 1988, resta incontroversa a natureza pública dos
terrenos reservados, devendo incidir a cobrança de taxa de ocupação sobre o seu respec�vo uso, nos termos
da Lei Estadual nº 12.144/2004, bem como do Decreto Estadual nº 46.428/2009 e respec�vas alterações.
Todavia, sendo o par�cular �tular de �tulo de propriedade, recairá servidão administra�va sobre a área
correspondente ao terreno reservado, consoante previsão do Código das Águas (Decreto nº 24.643/1934).
Diversos são os instrumentos que permitem a u�lização de bens públicos por par�culares,
devendo a Administração Pública, diante do caso concreto, optar por aquele que melhor atenda à situação
fá�ca. Da mesma forma, deverá ser observada a necessidade de realização de procedimento licitatório,
dependendo do meio eleito ou, ainda, mesmo que não haja exigência legal, diante da existência de uma
pluralidade de par�culares interessados.
Art. 11. São públicos dominicais, se não es�verem des�nados ao uso comum, ou por algum �tulo
legi�mo não pertencerem ao domínio par�cular;
§ 1º os terrenos de marinha;
§ 2º os terrenos reservados nas margens das correntes públicas de uso comum, bem como dos
canais, lagos e lagoas da mesma espécie. Salvo quanto às correntes que, não sendo navegáveis nem flutuáveis,
concorrem apenas para formar outras simplesmente flutuáveis, e não navegáveis.
Nessa toada, era permi�do pelo Código das Águas que os terrenos reservados
pertencessem ao domínio par�cular, desde que por meio de justo �tulo. Após o advento da
Carta Magna de 1988, não há mais previsão para tal flexibilização quanto à natureza pública
dos terrenos marginais.
5. Na forma dos arts. 20, III, e 26, I, da Cons�tuição, não mais existe
propriedade privada de lagos, rios, águas superficiais ou subterrâneas, fluentes,
emergentes ou em depósito, e quaisquer correntes de água.
5. Hipótese em que não há informação ou documento nos autos que afaste a presunção de que se
trata de bens públicos dominicais.
(STJ, EREsp 617.822/SP, Rel. Ministro Castro Meira, 1ª Seção, j. 09.11.2005, DJ 21.11.2005, p. 117).
Contudo, o entendimento acima, salvo melhor juízo, não é mais acertado. Primeiramente, não
atende ao interesse público na preservação das águas, que poderia ser inviabilizada pela propriedade
privada das margens. Ademais, não desconsidera o texto expresso da Cons�tuição Federal que se refere
expressamente à propriedade das margens dos rios.
(BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Cons�tuição do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 1992. v. 3. t. I.)
Dessa forma, conforme o entendimento acima, teria ocorrido a passagem para o domínio
público de todas as áreas reservadas, independentemente da existência de �tulo de propriedade em nome
de par�cular. Contudo, poderia o ente público ceder a posse para par�culares, tal como se dá nos
denominados terrenos de marinha, por atos transla�vos como a enfiteuse. Esse entendimento foi acolhido
pelo STJ no julgado abaixo:
Administra�vo. Desapropriação. Terrenos situados na margem dos rios. Faixa de reserva. Domínio
par�cular. Impossibilidade.
1. Hipótese em que se discute ocupação privada do an�go leito do Rio Tietê, no Município de São
Paulo, referente ao curso das águas anterior à re�ficação, e do respec�vo terreno marginal (reservado ou faixa
de reserva).
2. O par�cular “confessa a ocupação da área pública, contudo afirma que a área referente à faixa
de reserva é de sua propriedade, não pertencendo ao Município” (trecho do acórdão). Inexiste discussão em
relação ao álveo (leito) do rio, pois houve concordância da recorrida com o domínio municipal.
3. O TJ-SP acolheu o pleito, decidindo que “a área de reserva é de propriedade dos réus que sobre
ela exercem posse”.
5. Na forma dos arts. 20, III, e 26, I, da Cons�tuição, não mais existe propriedade privada de lagos,
rios, águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes ou em depósito, e quaisquer correntes de água.
6. Nesse sen�do, a interpretação do art. 31 do Código de Águas, segundo o qual “pertencem aos
Estados os terrenos reservados às margens das correntes e lagos navegáveis, se, por algum �tulo, não forem do
domínio federal, municipal ou par�cular”, implica a propriedade do Estado sobre todas as margens dos rios
estaduais, tais como definidos pelo art. 26 da CF, excluídos os federais (art. 20 da CF), tendo em vista que já não
existem, repito, rios municipais ou par�culares.
7. O �tulo legí�mo em favor de par�cular, previsto nos arts. 11 e 31 do Código de Águas, que
poderia, em tese, subsidiar pleito do par�cular, é apenas o decorrente de enfiteuse ou concessão, jamais
dominial, pois juridicamente impossível. Precedentes da Segunda Turma (REsp 508.377/MS, rel. Min. João
Otávio de Noronha, j. 23.10.2007; REsp 995.290/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 11.11.2008).
(STJ, REsp 1.184.624/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 02.12.2010, DJe
04.02.2011)
A irretroa�vidade da norma é um princípio e como tal pode sofrer exceções. É o que se põe
rela�vamente à norma cons�tucional originária (…). Ela é a nova base do ordenamento jurídico, mo�vo por
que o direito a ela anterior só “con�nua” em vigor – na verdade recobra vigência – por efeito de uma recepção.
(…). Consequência disto é poder ela a�ngir os facta præterita, mudando-lhes o sen�do jurídico, anulando-os ex
tunc, ex�nguindo-lhes os efeitos etc. Portanto, contra ela não prevalecem nem o princípio da irretroa�vidade,
nem o do respeito aos direitos adquiridos.
Com efeito, não existe direito adquirido contra ato do Poder Cons�tuinte
Originário, revisando-se os precedentes da PGE nesse sen�do (PARECER nº 4.640/1981 e
Parecer nº 5.619/1984), estando tal orientação em consonância com a Súmula nº 479 do
Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:
Com relação aos instrumentos legais existentes para a viabilização de uso por par�cular de bem
de natureza pública, diversas são as possibilidades, devendo a autoridade competente atentar para o exame do
caso concreto.
[...]
Desse modo, diante do caso concreto, tendo em vista o �po de u�lização que será dada ao imóvel
e a consequente opção pelo instrumento que melhor atenda à situação fá�ca, deverá ser observada a
necessidade da realização ou não de procedimento licitatório.
Importante deixar claro que, havendo uma pluralidade de par�culares que tenham interesse em
usufruir do bem público, obrigatória a realização de certame licitatório, independentemente da existência de
exigência legal.
Interessante trazer à baila que, no âmbito da União, com relação aos terrenos de marinha, o
Decreto-lei nº 9.760/46 previu o procedimento de regularização da posse.
II – Caso se entenda como marco para �tulação privada como sendo o Código de Águas,
conforme referências registradas nos pareceres que antecedem a CF/88, posso imputar ao par�cular o ônus
de comprovar sua �tulação anterior?
IV - Tendo-se em conta a deficiência histórica das descrições das áreas nas matrículas, possível o
entendimento que beira do rio é faixa marginal?
[....]
Nesse conjunto, a margem é a porção do solo que, ficando fora do sulco do álveo
permanentemente ocupado pela água, sobe em rampa até o plano superior do terreno, onde se reduz a uma
ourela que domina a cava do rio. Devido a essa posição eminente, a sua crista não é a�ngida ordinariamente
pela água no tempo da chuva, embora possa sê-lo excepcionalmente quando ocorram fatores meteorológicos
extraordinários capazes de provocar uma inundação. Essa é a margem natural, a que baliza e sustenta
lateralmente o rio, parte integrante deste, porque sem ela o rio, espraiando-se, perderia a sua individualidade.
De parelha com esta corre uma faixa adjacente de solo, de maior ou menor largura, sem que
exista no encontro das duas qualquer sinal de separação, a não ser o ves�gio deixado no terreno ou vegetação
limítrofe pela água barrenta da cheia. Essa indefinição do exterior terrestre gerou o costume de designar como
margem genericamente todo o terreno que acompanha o rio sem discernir nele as duas faixas, uma con�gua
ao rio, a outra encostada nela. É que no chão uma dá sequência, ou con�nuidade à outra, pelo que é preciso
procurar fora dessa aparência algo que as dis�nga permanentemente.
(Revista de Direito Imobiliário | vol. 84/2018 | p. 669 - 723 | Jan - Jun / 2018
DTR\2018\14327)
Art. 52 -Os terrenos marginais, de que trata o ar�go anterior, vão até à distância de 15,40
metros para a parte da terra, contada da linha a�ngida pelo nível médio das enchentes ordinárias.
Nessa toada, s.m.j, não se pode confundir os conceitos de beira do rio e faixa
marginal. No entanto, essa compreenderá aquela.
I - Caso se considere como marco temporal a CF/88 nos termos do PARECER nº 17.481/18/2018,
quanto à dominialidade das faixas marginais, verifica-se que as matrículas foram abertas nos anos de 1986,
1988 (pós-CF) e 1995. Dessa forma, aplicando-se o critério do citado no parecer, e entendendo o marco
temporal como a Cons�tuição Federal de 1988, chega-se à conclusão de área �tulada anteriormente a
Carta/88 e outras dezoito, não.
Todavia, essas glebas foram unificadas em duas matrículas, as quais constam em suas
descrições a divisa com o Rio Guaíba, dessa feita, resta dúvida, como se dará a interpretação quanto à faixa
marginal?
II – Quanto ao atual proprietário verifica-se que �tulou a área em 2011, e na sua maioria as
matrículas remontam pós-CF/88, dessa forma cabe ao Estado regularizar o uso e a efe�va cobrança dos
valores? Nesse ponto, deve ser considerada para aferição da �tulação da área a data de abertura da
matrícula ou da transferência do domínio ao atual proprietário.
Ainda, para aferição da �tulação da área deve ser considerada a data de abertura da matrícula
ou da transferência do domínio ao atual proprietário, até que ponto deverá ser retomada a cadeia dominial,
restando dúvida se deve ser levada em conta a matrícula do bem, ou ser considerado o �tulo anterior, como
a transcrição da área?
Não há necessidade de que seja retomada a cadeia dominial, uma vez que a Carta
Magna de 1988 conferiu natureza pública aos terrenos reservados, não exis�ndo direito
adquirido à propriedade em razão de ato do Poder Cons�tuinte Originário.
É o parecer.
Procuradora do Estado.
PROA nº 19/1300-0004634-7
Processo nº 19/1300-0004634-7
Procurador-Geral Adjunto
Processo nº 19/1300-0004634-7
PARECER JURÍDICO
Procurador-Geral do Estado.