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12.

DESAPROPRIAÇÃO PELOS ESTADOS:

Estados podem desapropriar terras por interesse social

Os estados não invadem competência própria da União ao desapropriar imóveis rurais por
interesse social, para desenvolver políticas públicas. O entendimento é do presidente do
Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, ao manter a desapropriação de
terras no Rio Grande do Sul.

A decisão se deu nos autos do pedido de suspensão de segurança ajuizado pelo Estado
para obter a manutenção do decreto expropriatório, que foi cassado pelo Superior
Tribunal de Justiça.

O ministro entendeu que o Rio Grande do Sul não pretendeu desapropriar as terras "nos
moldes fixados pelo artigo 184 da Constituição Federal, cuja competência é
indiscutivelmente da União". Para ele, a expropriação foi feita com base no "artigo 5º,
inciso XXIV, da Constituição e regulamentada pela Lei 4.132, de 10/09/62, que arrola as
hipóteses de interesse social em seu artigo 2º."

Leia o voto de Maurício Corrêa:

DECISÃO: O Estado do Rio Grande do Sul requer suspensão de segurança contra


acórdão do Superior Tribunal de Justiça no recurso ordinário em mandado de segurança,
que decidiu pela nulidade do Decreto Expropriatório 41241/2001, sob o fundamento de
que o Estado não tem competência para proceder à desapropriação por interesse social,
para fins de reforma agrária, visto que tal matéria está reservada pela Constituição à
União Federal (CF/88, artigos 5º, XXIV, 184 e 185).

2. O Governo estadual, depois de publicado o decreto de interesse social (fl. 434), propôs
a ação desapropriatória obtendo, mediante depósito prévio da indenização em dinheiro, a
imissão provisória na posse. A seguir, permitiu o ingresso dos futuros beneficiários do
projeto de assentamento na área desapropriada, de modo a assegurar-lhes sua utilização,
como beneficiários do Programa Estadual de Reforma Agrária (fl. 435).

3. Os expropriados resistiram à ocupação. Inconformados, impetraram mandado de


segurança, em que sustentaram a competência privativa da União Federal para instaurar
o processo de desapropriação objetivando a reforma agrária (CF, artigo 184), o que
impossibilitaria o ente federado, a teor das disposições do artigo 5º, XXIV, da Constituição
Federal, de agir concorrentemente, valendo-se da cláusula constitucional do interesse
social.

4. Denegada a segurança pelo Tribunal de Justiça, os impetrantes interpuseram perante o


Superior Tribunal de Justiça recurso ordinário e medida cautelar com a finalidade de
emprestar efeito suspensivo ao primeiro, o que foi deferido, resultando da procedência
desse pedido a ordem de desocupação da área rural em causa. A final, em sessão
realizada em 25 de março de 2003, aquela Corte deu provimento ao recurso ordinário dos
impetrantes, sendo concedida a segurança e consolidada a medida cautelar. Daí o
presente pedido formulado pelo requerente, visando obstar a reintegração de posse dos
expropriados.
5. Sustenta o requerente o risco de dano para as 105 (cento e cinco) famílias que
atualmente ocupam a propriedade, em condições desumanas e sem poder exercer a
atividade agrícola. Suscita, ainda, a possibilidade de resistência dos ocupantes, quando
da utilização da força pública, com possível ocorrência de agressões e violências,
evidenciando-se, nesse particular, a grave lesão à ordem e à segurança pública.

6. O pedido de liminar foi apreciado pelo Ministro Celso de Mello, que concedeu
parcialmente a cautelar para suspender provisoriamente a decisão que determinou a
desocupação do imóvel, até o julgamento desse processo.

7. É o breve relatório.

8. Decido.

9. O caso sob exame reveste-se de peculiar gravidade, especialmente pelas implicações


sociais que o ato de remoção de famílias assentadas na área poderá acarretar. Dúvidas
não há de que inexistiu invasão de terra, senão ocupação autorizada pelo Poder Público
em benefício de pessoas cadastradas em programa social do Estado do Rio Grande do
Sul. Houve pagamento de indenização prévia em dinheiro por depósito.

10. O decreto expropriatório fundou-se na previsão dos artigos 5º, inciso XXIV, da
Constituição Federal e 2º, inciso II, da Lei 4132, de 10 de setembro de 1962, visando à
declaração de interesse social, para fins de desapropriação, de área rural para o
estabelecimento de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola, "com o
fito de assentamento de agricultores sem terra oriundos de várias regiões do Estado, que
serão beneficiados pelo Programa Estadual de Reforma Agrária" (fl. 61).

11. A análise das peculiaridades do caso concreto revela a plausibilidade jurídica da tese
defendida pelo requerente. De fato, não emerge dos autos, em princípio, que o Estado
tenha pretendido realizar desapropriação nos moldes fixados pelo artigo 184 da
Constituição Federal, cuja competência é indiscutivelmente da União. Tal modalidade,
também denominada desapropriação-sanção, tem requisitos próprios, como a
necessidade de o imóvel rural não estar cumprindo sua função social e o pagamento de
indenização em títulos da dívida agrária. O disciplinamento legal desse procedimento
encontra assento na Lei Complementar 76/93, alterada pela Lei Complementar 88/96, e
pelos artigos 18 a 23 do Estatuto da Terra (Lei 4504/64) e pela Lei 8629/93, alterada pela
Medida Provisória 2183-56/01. Nessa hipótese, o proprietário que descumprir o
mandamento do artigo 5º, inciso XXIII, da Carta Federal, perde o bem e não recebe
indenização em dinheiro, mas em títulos.

12. Diversa é a modalidade de desapropriação amparada no artigo 5º, inciso XXIV, da


Constituição e regulamentada pela Lei 4132, de 10/09/62, que arrola as hipóteses de
interesse social em seu artigo 2º. Segundo Hely Lopes Meirelles, há interesse social
quando "as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade
para seu melhor aproveitamento, utilização, ou produtividade em benefício da coletividade
ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público". Nesse
caso, os bens desapropriados não se destinam à Administração ou a seus delegados,
mas sim à coletividade ou a certos beneficiários que a lei credencia para recebê-los ou
utilizá-los convenientemente.
13. Encontra ressonância na doutrina e na jurisprudência a competência dos demais
entes da Federação para proceder à desapropriação, por interesse social, de imóvel rural,
com pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro. Aqui não se cogita se a
propriedade é produtiva, se é latifúndio ou não. Não se trata de sanção pelo mau uso da
propriedade. Na realidade, o ente estatal, para desenvolver políticas públicas
relacionadas com interesse social específico, expropria e paga a devida indenização ao
expropriado, como no caso, sem que com isso invada competência própria da União
Federal.

14. Longe de pretender firmar convicção no sentido do acerto ou não da decisão que
autorizou a remoção das famílias, até porque ainda pendente de recurso, permito-me,
antevendo a probabilidade do desfecho favorável ao Estado, visualizar o alcance social da
execução imediata da medida, com a retirada das famílias, sem a decisão definitiva que
reconheça a ilegitimidade do ato expropriatório.

15. Mesmo ciente do cabimento restrito da suspensão de segurança, a partir dos


argumentos expendidos, impossível é não reconhecer a potencialidade de grave lesão à
ordem pública, com iminente desestabilização social e, quiçá, atos de resistência e
violência no meio rural, com a remoção dos agricultores da propriedade, tudo isso
levando-se em conta o atual estágio do processo.

16. Ante essas circunstâncias, e reconhecendo a plausibilidade jurídica do pedido e a


possibilidade de danos irreparáveis ao interesse público, defiro o pedido de suspensão,
com base no artigo 297 do RISTF, até o julgamento definitivo do mandado de segurança,
mantendo, em conseqüência, a decisão de fls. 1076/77.

Comunique-se, com urgência.

Intime-se.

Brasília, 2 de setembro de 2003.

Ministro MAURÍCIO CORRÊA Presidente

Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2003.

DESAPROPRIAÇÃO. ESTADO-MEMBRO. REFORMA AGRÁRIA.

Qualquer dos entes da Federação, frente ao interesse social, pode efetuar


desapropriação de imóvel rural para implantação de colônias ou cooperativas de
povoamento ou trabalho agrícola, isso mediante o pagamento de prévia e justa
indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF/1988 c/c o art. 2º da Lei n. 4.132/1962).
Essa modalidade de desapropriação, praticada, no caso, pelo Estado-membro,
assemelha-se àquela destinada à reforma agrária (art. 184 da CF/1988), mas com ela não
se confunde, não se podendo falar em exclusividade da União. Precedente citado do STF:
SS 2.217-RS, DJ 17/12/2003. RMS 13.959-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha,
julgado em 6/9/2005.
RE 86046 – SP - ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIACAO. INTERESSE SOCIAL.
CRIACAO DE DISTRITO INDUSTRIAL NO MUNICIPIO. INVOCADO NO DECRETO
DECLARATORIO DE UTILIDADE PUBLICA DE AREA RURAL ADJACENTE A AREA
URBANA, PARA FINS DE DESAPROPRIACAO, O FUNDAMENTO DA 'UTILIDADE
PUBLICA' (DECRETO-LEI N. 3.365, DE 1941) E O FUNDAMENTO DO 'INTERESSE
SOCIAL' (LEI N. 4.132, DE 1962), PREVALECE ESTE ULTIMO. A DESAPROPRIACAO
DE AREA RURAL ADJACENTE, PARA FORMACAO DE DISTRITO INDUSTRIAL,
AJUSTA-SE AO INCISO LEGAL QUE AUTORIZA 'O APROVEITAMENTO DE TODO
BEM IMPRODUTIVO OU EXPLORADO SEM CORRESPONDENCIA COM AS
NECESSIDADES DE HABITACAO, TRABALHO E CONSUMO DOS CENTROS DE
POPULACAO A QUE DEVE OU POSSA SUPRIR POR SEU DESTINO ECONOMICO'
(LEI N. 4.132, ART. 2., I). SO E PRIVATIVA DA UNIAO A DESAPROPRIACAO DE
IMOVEL RURAL POR INTERESSE SOCIAL MEDIANTE PAGAMENTO EM TITULOS
ESPECIAIS DA DIVIDA PUBLICA; NAO A QUE SE FAZ COM PAGAMENTO EM
DINHEIRO. DECISAO QUE NAO COLIDE COM OUTRAS, PROFERIDAS PELO
TRIBUNAL, QUE INVALIDARAM DESAPROPRIACOES PARA A MESMA FINALIDADE,
MAS EFETUADAS COM INVOCACAO DO FUNDAMENTO DA 'UTILIDADE PUBLICA',
DO DECRETO-LEI N. 3.365, DE 1941.
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA 2217 – RIO GRANDE DO SUL DECISÃO: O Estado do
Rio Grande do Sul requer suspensão de segurança contra acórdão do Superior Tribunal
de Justiça no recurso ordinário em mandado de segurança, que decidiu pela nulidade do
Decreto Expropriatório 41241/2001, sob o fundamento de que o Estado não tem
competência para proceder à desapropriação por interesse social, para fins de reforma
agrária, visto que tal matéria está reservada pela Constituição à União Federal (CF/88,
artigos 5º, XXIV, 184 e 185). 2. O Governo estadual, depois de publicado o decreto de
interesse social (fl. 434), propôs a ação desapropriatória obtendo, mediante depósito
prévio da indenização em dinheiro, a imissão provisória na posse. A seguir, permitiu o
ingresso dos futuros beneficiários do projeto de assentamento na área desapropriada, de
modo a assegurar-lhes sua utilização, como beneficiários do Programa Estadual de
Reforma Agrária (fl. 435). 3. Os expropriados resistiram à ocupação. Inconformados,
impetraram mandado de segurança, em que sustentaram a competência privativa da
União Federal para instaurar o processo de desapropriação objetivando a reforma agrária
(CF, artigo 184), o que impossibilitaria o ente federado, a teor das disposições do artigo
5º, XXIV, da Constituição Federal, de agir concorrentemente, valendo-se da cláusula
constitucional do interesse social. 4.4. Denegada a segurança pelo Tribunal de Justiça,
os impetrantes interpuseram perante o Superior Tribunal de Justiça recurso ordinário e
medida cautelar com a finalidade de emprestar efeito suspensivo ao primeiro, o que foi
deferido, resultando da procedência desse pedido a ordem de desocupação da área rural
em causa. A final, em sessão realizada em 25 de março de 2003, aquela Corte deu
provimento ao recurso ordinário dos impetrantes, sendo concedida a segurança e
consolidada a medida cautelar. Daí o presente pedido formulado pelo requerente, visando
obstar a reintegração de posse dos expropriados. 5. Sustenta o requerente o risco de
dano para as 105 (cento e cinco) famílias que atualmente ocupam a propriedade, em
condições desumanas e sem poder exercer a atividade agrícola. Suscita, ainda, a
possibilidade de resistência dos ocupantes, quando da utilização da força pública, com
possível ocorrência de agressões e violências, evidenciando-se, nesse particular, a grave
lesão à ordem e à segurança pública. 6. O pedido de liminar foi apreciado pelo Ministro
Celso de Mello, que concedeu parcialmente a cautelar para suspender provisoriamente a
decisão que determinou a desocupação do imóvel, até o julgamento desse processo. 7.
É o breve relatório. 8. Decido. 9. O caso sob exame reveste-se de peculiar gravidade,
especialmente pelas implicações sociais que o ato de remoção de famílias assentadas na
área poderá acarretar. Dúvidas não há de que inexistiu invasão de terra, senão ocupação
autorizada pelo Poder Público em benefício de pessoas cadastradas em programa social
do Estado do Rio Grande do Sul. Houve pagamento de indenização prévia em dinheiro
por depósito. 10. O decreto expropriatório fundou-se na previsão dos artigos 5º, inciso
XXIV, da Constituição Federal e 2º, inciso II, da Lei 4132, de 10 de setembro de 1962,
visando à declaração de interesse social, para fins de desapropriação, de área rural para
o estabelecimento de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola, 10. O
decreto expropriatório fundou-se na previsão dos artigos 5º, inciso XXIV, da Constituição
Federal e 2º, inciso II, da Lei 4132, de 10 de setembro de 1962, visando à declaração de
interesse social, para fins de desapropriação, de área rural para o estabelecimento de
colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola, ¿com o fito de
assentamento de agricultores sem terra oriundos de várias regiões do Estado, que serão
beneficiados pelo Programa Estadual de Reforma Agrária¿ (fl. 61). 11. A análise das
peculiaridades do caso concreto revela a plausibilidade jurídica da tese defendida pelo
requerente. De fato, não emerge dos autos, em princípio, que o Estado tenha pretendido
realizar desapropriação nos moldes fixados pelo artigo 184 da Constituição Federal, cuja
competência é indiscutivelmente da União. Tal modalidade, também denominada
desapropriação-sanção, tem requisitos próprios, como a necessidade de o imóvel rural
não estar cumprindo sua função social e o pagamento de indenização em títulos da dívida
agrária. O disciplinamento legal desse procedimento encontra assento na Lei
Complementar 76/93, alterada pela Lei Complementar 88/96, e pelos artigos 18 a 23 do
Estatuto da Terra (Lei 4504/64) e pela Lei 8629/93, alterada pela Medida Provisória 2183-
56/01. Nessa hipótese, o proprietário que descumprir o mandamento do artigo 5º, inciso
XXIII, da Carta Federal, perde o bem e não recebe indenização em dinheiro, mas em
títulos. 12. Diversa é a modalidade de desapropriação amparada no artigo 5º, inciso
XXIV, da Constituição e regulamentada pela Lei 4132, de 10/09/62, que arrola as
hipóteses de interesse social em seu artigo 2º. Segundo Hely Lopes Meirelles , há
interesse social quando ¿as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento
da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização, ou produtividade em
benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do
Poder Público¿. Nesse caso, os bens desapropriados não se destinam à Administração
ou a seus delegados, mas sim à coletividade ou a certos beneficiários que a lei credencia
para recebê-los ou utilizá-los convenientemente. 13.13. Encontra ressonância na doutrina
e na jurisprudência a competência dos demais entes da Federação para proceder à
desapropriação, por interesse social, de imóvel rural, com pagamento de prévia e justa
indenização em dinheiro. Aqui não se cogita se a propriedade é produtiva, se é latifúndio
ou não. Não se trata de sanção pelo mau uso da propriedade. Na realidade, o ente
estatal, para desenvolver políticas públicas relacionadas com interesse social específico,
expropria e paga a devida indenização ao expropriado, como no caso, sem que com isso
invada competência própria da União Federal. 14. Longe de pretender firmar convicção
no sentido do acerto ou não da decisão que autorizou a remoção das famílias, até porque
ainda pendente de recurso, permito-me, antevendo a probabilidade do desfecho favorável
ao Estado, visualizar o alcance social da execução imediata da medida, com a retirada
das famílias, sem a decisão definitiva que reconheça a ilegitimidade do ato expropriatório.
15. Mesmo ciente do cabimento restrito da suspensão de segurança, a partir dos
argumentos expendidos, impossível é não reconhecer a potencialidade de grave lesão à
ordem pública, com iminente desestabilização social e, quiçá, atos de resistência e
violência no meio rural, com a remoção dos agricultores da propriedade, tudo isso
levando-se em conta o atual estágio do processo. 16. Ante essas circunstâncias, e
reconhecendo a plausibilidade jurídica do pedido e a possibilidade de danos irreparáveis
ao interesse público, defiro o pedido de suspensão, com base no artigo 297 do RISTF, até
o julgamento definitivo do mandado de segurança, mantendo, em conseqüência, a
decisão de fls. 1076/77. Comunique-se, com urgência. Intime-se. Brasília, 2 de setembro
de 2003. Ministro MAURÍCIO CORRÊA - Presidente.

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