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Luciano Nunes de Rezende

Curso de Direito Internacional Público – Parte II

Fontes do Direito Internacional

Fontes formais e materiais


Podemos distinguir entre fontes formais e materiais. As primeiras são os
processos de elaboração do dto, ou as diversas técnicas que permitem que uma norma
pertença ao dto positivo. As segundas são os fundamentos sociológicos das normas, a
sai base política, moral ou económica, mais ou menos explicitada pela doutrina; são,
então, as razões que determinam o nascimento de uma norma. As fontes materiais,
traduções directas das estruturas internacionais e das ideologias dominantes, têm uma
dinâmica que as fontes formais, simples processos técnicos, não podem ter. Por isso, o
interesse pelos dois tipos de fontes do DI varia segundo as épocas e as posições
doutrinais.

Se as fontes formais são as únicas pelas quais as normas acedem ao dto


positivo, as fontes materiais são cada vez mais levadas directamente em consideração
pelo dto, enquanto participam no processo de emergência do dto positivo - por
exemplo: as resoluções não obrigatórias devem ser tomadas em consideração para
compreender o processo contemporâneo de criação de uma regra convencional ou
consuetudinária. Tal consideração das fontes materiais é visível na actuação do TIJ
que tem em conta as regras e vias de formação das normas nas suas decisões.
Portanto, mais do que a própria fonte formal, é o processo de formação do dto no seu
conjunto que se torna necessário tomar em consideração.

Art. 38 ETIJ
Como resulta da distinção entre fontes materiais e formais do dto, o conteúdo
do dto deriva das primeiras, enquanto as segundas correspondem à formulação e à
introdução desse conteúdo no dto positivo.
A XII Convenção de Haia de1907 (art. 7) previa a seguinte enumeração das
fontes formais do direito: «Se a questão de direito a resolver for prevista por uma
convenção em vigor entre o beligerante captor e a potência que é parte no litígio, ou
cujo natural é parte no litígio, o tbnal conforma-se com as disposições da citada
convenção. Na falta de tais disposições, o tbnal aplica as regras do DI (aqui
entendidas como regras consuetudinárias gerais). Se não existirem regras geralmente
reconhecidas, o tbnal decide de acordo com os princípios gerais da justiça e da
equidade.»

Mas sobre esta questão de determinação das fontes formais convem que haja
consenso universal (comprometendo a quase totalidade dos Es), o que não existia com
a convenção de Haia, que nem chegou a entrar em vigor.
Com a criação de organizações universais e das primeiras jurisdições com
vocação universal surgem condições para estabelecer a enumeração das fontes,
primeiro no ETPJI e depois no ETJI, em ambos no art.38, segundo o qual:

“1. O tbnal, cuja função é resolver, de acordo com o DI, os litígios que lhe sejam submetidos,
aplicará:
a) As convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabeleçam regras expressamente
reconhecidas pelos Es em litígio;
b) O costume internacional, como prova duma prática geral aceite como de dto;
c) Os princípios gerais de Dto reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) Sob reserva das disposições do art. 59.º, as decisões judiciais e os ensinamentos dos
publicistas mais altamente qualificados das várias nações, como meios auxiliares para a

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determinação das regras de dto.


2. Esta disposição não prejudicará a faculdade de o tbnal, se as partes estiverem de acordo,
decidir ex aequo et bono.” (segundo a justiça e a equidade).

Este artigo apresenta grande importância, uma vez que todos os EM da ONU,
praticamente todos os países do mundo, são parte do ETIJ. Além disso, este artigo é
mesmo retomado noutros tratados sobre a resolução pacifica de conflitos, pelo que
esta se trata de uma enumeração universalmente aceite das fontes formais de DI; de
um instrumento comum de enunciação das fontes do DI.
Analisando o art. 38 verificamos que este distingue entre fontes escritas e não
escritas; fontes primárias e secundárias; que não contém uma hierarquia de fontes
formais, nem fixa os critérios de relacionamento entre as normas internacionais; e que
deverá ser feita uma interpretação actualista da alínea c).
O art. 38 é, ainda assim, criticado por ser ambíguo em algumas das suas
formulações e por não fornecer uma lista exaustiva das fontes formais de DI
contemporâneo, não referindo, por exemplo:, os actos unilaterais dos Es e as decisões
das OIs.

Hierarquia das normas de DI


Convém desde já distinguir entre normas jurídicas internacionais e fontes
formais do DI. Por normas entendemos o conteúdo, a substancia de uma regra
elaborada segundo as exigências «processuais» desta ou daquela fonte formal. Uma
mesma norma pode provir de várias fontes (a mesma norma pode ter fundamento
convencional ou consuetudinário para diferentes Es), da mesma forma que uma fonte
pode dar origem a várias normas (por exemplo: um tratado).
Esta distinção é importante porque o problema da hierarquia não tem a mesma
solução para as normas jurídicas e para as fontes do dto.

O princípio é que não existe qualquer hierarquia de fontes formais em DI. Essa
hierarquia não consta do art 38 ETIJ, embora parecesse resultar do art. 7 da Conv
Haia de 1907. Não é possível admitir, como postulado geral, que os tratados
prevaleçam sobre costume ou vice-versa. Seria diferente se, por um processo
centralizado, uma das fontes dispusesse de uma primazia incontestada. A ideia de uma
hierarquia de fontes formais é particularmente inaceitável numa abordagem
voluntárias, segundo a qual todas as fontes resultam, de alguma forma, da vontade dos
Es.
A ausência de hierarquia de fontes só vale para o dto interestadual. O mesmo
não se verifica nos sistemas jurídicos mais organizados, como os elaborados dentro
das OIs. Note-se ainda que as fontes propriamente interestatais não são
hierarquicamente superiores às que são características das OI e de outros sujeitos
internacionais, até porque muitas vezes são as mesmas.

Existe, todavia, uma hierarquia de normas jurídicas internacionais, que afirma


a primazia das normas de ius cogens perante normas consuetudinárias e/ou normas
convencionais (ver art. 53 e 64 CV69). Para os outros casos há, senão um principio
hierárquico, pelo menos regras de resolução de conflitos - (i) Lex posterior derogat
priori, (ii) Lex specialis derogat generali e (iii) Lex posterior generalis non derogat
priori speciali.

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Formação não convencional do DI


Em DI, como nas ordens jurídicas nacionais, coexistem vários modos de
formação de dto. A prática interestadual reconheceu na via convencional a fonte de
dto menos contestada e melhor regulamentada. A prova de regras convencionais é
relativamente fácil e o valor da norma depende do instrumento que a contém; o que
não sucede com as restantes fontes. A doutrina consagra a evolução do DI agrupando
todos os outros modos de formação de dto. Isto porque as normas destas fontes têm
mais flexibilidade e adaptabilidade e a sua ralação com as exigências da SI é mais
directa, mais «espontânea» - tal possibilita que estas normas tenham uma maior
longevidade e produtividade que os tratados. Já a rigidez do dto convencional é um
obstáculo à evolução necessária da SI e não garante sequer o respeito escrupuloso das
regras fundamentais.

Codificação do DI
O art. 13/1 a) CNU diz que «a AG promoverá estudos e fará recomendações,
tendo em vista [...] incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional
e a sua codificação;» Por codificação entende-se a operação de conversão das regras
consuetudinárias num corpo de regras escritas. Já por desenvolvimento do dto entese-
se a operação de afirmação de regras novas com base no dto existente.
A codificação tem com vantagens uma maior clareza e certeza jurídica quanto
à existência e conteúdo da norma, uma menor dispersão das regras sobre a mesma
matéria; podendo favorecer um relançamento das regras consuetudinárias (por
exemplo: dto do mar). Por outro lado, faz desaparecer a flexibilidade maleabilidade da
regra.

O costume
Trata-se de uma fonte formal do dto, uma vez que é, de facto, um processo
regido pelo DI e autónomo em relação aos outros modelos, como o modo
convencional. Isto é confirmado pelo art.38 do ETIJ. Segundo a doutrina, o costume,
para ser perfeito, deve reunir dois elementos: o elemento material e o psicológico. Nas
palavras do TIJ: a pratica efectiva e a opinio juris dos Es.

O primeiro elemento diz respeito ao cumprimento repetido de actos


denominados precedentes. O segundo é constituído pela convicção por parte dos
sujeitos de DI de que o cumprimento de tais actos é obrigatório, porque o dto o exige.
Discute-se se um destes elementos, nomeadamente o primeiro, tem de preceder ao
segundo (doutrina clássica) ou se tal pode não acontecer. Quanto a isto a prática
contemporânea permite reconhecer, por vezes, na opinio juris o ponto de partida da
criação de uma norma consuetudinária.
Note-se que o processo de criação de costume difere em vários aspectos do
processo convencional: (1º) a fonte costumeira não beneficia de uma expressão de
uma vontade mas apoia-se sobre a convicção de que existe uma regra; (2º) ela não
resulta de um acto jurídico, mas de comportamentos dos sujeitos de dto; (3º) o
processo é particularmente descentralizado, sendo a sua cronologia menos clara.

Fundamento jurídico
Aqui temos duas teorias. A teoria do acordo tácito é defendida pela corrente
voluntarista e afirma que a força obrigatória do costume assenta num acordo tácito
entre os Es e que as regras de costume não são oponíveis a Es que não deram o seu
consentimento. Mas esta teoria é criticada por reconhecer um papel quase exclusivo

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ao elemento psicológico e por não explicar como é que o costume geral se aplica a
todos os Es.
A doutrina da formação espontânea do dto consuetudinário reconhece que a
formação de regras de costume é um fenómeno essencialmente sociológico que se
efectiva após a tomada de conseguia jurídica colectiva da necessidade social. Esta
teoria permite explicar a validade erga omnes do costume geral e não distorce a
realidade das diferenças de poder entre sujeitos de DI.

Costume geral, regional e local


O costume geral vincula, como o próprio nome indica, todos os Estados e
resulta, falando-se de normas, no direito internacional geral (ex: proibição do uso da
força, as normas sobre limites territoriais, etc.). O costume regional refere-se a uma
determinada região do globo, como o continente americano, a Europa, etc. Este,
portanto, obriga mais do que dois Es que pertencem à mesma região do globo. O
costume especial obriga mais do que dois Es que pertencem a diferentes regiões do
mundo. O costume local é aquele que, em princípio, vincula apenas dois Estados.

Os elementos do processo
 Elemento material
A formação do costume apoia-se em toda a actuação dos sujeitos de DI (Es,
OI, etc.). Para que se forme uma norma costumeira é necessária a repetição do
precedente no tempo. Deve, portanto, ser uma prática constante, efectivamente
seguida e sem alteração (uniforme e continua). A uniformidade é a concordância dos
actos sucessivos de um E, que devem ser semelhantes uns aos outros. Se os
precedentes de um E, a propósito da mesma questão, colidem com os precedentes
(distintos) seguidos por outros Es, a formação da regra consuetudinária será travada.
Note-se que a uniformidade não exclui a eventualidade de violações. A continuidade
exige a prática frequente e uniforme, do precedente, por um certo lapso de tempo.
Mas não é suficiente que a repetição dependa do mesmo E autor do primeiro
precedente. A dispersão é necessária, mas não tem de ser universal. Para a s regras
consuetudinárias gerais o ETIJ diz que elas resultam de uma prática geral, não de uma
prática unânime (o que, aliás, seria irrealizável). Quanto ao costume regional, será
razoável pensar que, quanto mais restrito for o circulo de Es interessados, maior será a
unanimidade necessária, sendo esta exigida, claro está, em costumes bilaterais.

 Elemento psicológico
Admite-se, geralmente, que a simples repetição de precedentes não basta e que
uma regra de costume só existe se o acto considerado for motivado pela consciência
de uma obrigação jurídica. É esta característica que a permite distinguir dos usos e da
cortesia internacional. Tradicionalmente é a prática que está na origem da opinio juris,
mas o contrário também pode acontecer (por exemplo: resolução da AG das NU que
leva a uma prática que consuma a formação de uma norma consuetudinária). Quanto a
oponibilidade da norma, dir-se-á que a regra costumeira é inoponível aos Es que tenha
colocado objecções à criação de tal norma, mas que tal inoponibilidade já não vale
para Es que se tornam independentes após a formação da regra.

Aplicação do costume
O costume foi, durante vários séculos, a principal fonte de DI. No que diz
respeito à relação entre normas consuetudinárias sucessivas, diga-se que:
1.º normas c. gerais: prevalece a norma mais recente sobre a mais antiga; norma

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especial prevalece sobre a norma geral (excepção, o jus cogens);


2.º norma c. geral vs. norma c. regional (ou especial ou local): se abranger ambas as
partes prevalece a norma de costume regional (lex specialis). Caso contrário prevalece
a norma universal - porque só esta é oponível à partes em litigo.

Princípios gerais de dto


Note-se que estamos aqui a falar de princípios gerais de dto, e não de
princípios gerais do DI. Só podem, aliás, ser transpostos para a ordem jurídica
internacional os princípios (1º) comuns aos diferentes sistemas jurídicos nacionais
(sendo necessário e suficiente que um princípio interno se verifique na maior parte
dos sistemas jurídicos, e não em todos); (2º) tendo este de ser transponíveis para a
ordem jurídica internacional, i.e., têm de ser compatíveis com as características
fundamentais desta ordem jurídica
Como demonstra o ETJI tratam-se de uma fonte autónoma e directa; mas que é
supletiva, i.e., só se recorre a estes para colmatar lacunas do dto consuetudinário e
convencional, ou para evitar impasses resultantes de uma aparente lacuna jurídica.

Os actos unilaterais
Ao lado das convenções, a prática e jurisprudência internacionais reconhecem
a existência e a contribuição para a formação de DI de outras categorias de
instrumentos jurídicos que se distinguem dos tratados seja pelo seu carácter unilateral,
seja pela sua autonomia em relação ao dto dos tratados. Mas estes actos têm sempre
uma característica, que é comum: eles são a expressão de vontade num sujeito de DI,
tendentes a criar efeitos de dto. Um acto unilateral é um acto imputável a um único
sujeito de DI, podendo este ser um E ou uma OI (mas, note-se que esta definição não
deve ser entendida de forma rígida).

Os actos unilaterais dos Es


Embora o art.38 não os refira, a existência de actos pelos quais um E, agindo
sozinho, exprime a sua vontade e que produzem efeitos em DI é indiscutível. Claro
que é necessário que sejam demonstradas a imputabilidade do acto a um E, actuando
nos limites da sua capacidade, e uma publicidade suficiente da vontade do E. Não é
necessário, pelo contrário, que se estabeleça qualquer aceitação do compromisso
unilateral pelos outros sujeitos de dto. Os tbnais internacionais admitem que os actos
unilaterais estatais podem emanar de autoridade legislativa ou administrativa, dirigir-
se a Es, mas também à opiniao publica e tomar uma forma mais ou menos solene.

 Concepção restrita: actos unilaterais autónomos - Tratam-se de manifestações


unilaterais de vontade, emitidas sem o menor vinculo com um tratado ou costume.
Então, estes actos são autónomos porque a sua validade não depende da
compatibilidade com outro acto jurídico. Os principais tipos de actos unilaterais
autónomos são: (1º) a notificação; (2º) o reconhecimento - ver atrás; (3º) o protesto -
que constitui um vertente negativa do reconhecimento; (4º) a renúncia; (5º) e a
promessa.
 Concepção ampla: Esta engloba actos ligados a uma prescrição convencional
(por exemplo: adesão ao tratado, reserva) ou consuetudinária.

Nota: actos unilaterais não autónomos são aqueles que têm uma função instrumental,
que se encontram inseridos num processo ou procedimento.

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Tratados

Conceito
Por tratado ou convenção entende-se um acordo de vontades entre sujeitos de
DI, regulado pelo DI, constitutivo de direitos e deveres ou de outros efeitos nas
relações entre eles. Para alguns autores, só quando os efeitos consistirem na criação
ou modificação de normas é que estaremos perante tratados como fonte de direito.
Segundo Jorge Miranda, se um tratado vem codificar o costume, então não é fonte.
Esta posição pode prejudicar, na prática, o desenvolvimento do DI.
Então, o conceito envolve: (1º)um acordo de vontades; (2º) a necessidade de as
partes serem todas sujeitos de DI e de agirem nessa qualidade; (3º) a regulamentação
pelo DI; (4º) e a produção de efeitos com relevância nas relações internacionais(sejam
estritos efeitos nessas relações, sejam efeitos nas ordens internas das partes).

Ao contrário, o conceito não implica: (1º) que as partes sejam Es - há tratados


que envolvem outros sujeitos de DI, como as OI; (2º) que o acordo seja reduzido a
escrito; (3º) que, sendo escrito o acordo, este conste de um único instrumento - o
consenso pode formar-se por troca de notas (o que não significa que fique assim
concluído o processo).

A CV de 69 define tratado como acordo internacional concluído por escrito


entre Es e regido pelo DI, quer conste de instrumento único ou não, e qualquer que
seja a sua designação (art.2/1 a)). Mas esclarece no art.3 que o facto de não se aplicar
a tratados concluídos com a participação de sujeitos internacionais que não Es, nem a
tratados não escritos não afecta o valor jurídico de tais acordos, nem a aplicação a
estes das regras da convenção.

Distinção de realidades fins


Dos tratados internacionais distinguem-se: (1) Os feixes de actos unilaterais -
actos unilaterais simultaneamente emitidos por diferentes Es com conteúdo idêntico.
(2) Os acordos estritamente políticos - que não produzem em si efeitos jurídicos. (3)
Os acordos informais - não imediatamente vinculativos a nível jurídico. (4) os
comunicados de reuniões e conferencias diplomáticas. (5) os contratos entre OIs e
particulares.

Os contratos entre Es e empresas privadas transnacionais ou multinacionais (e


entre Es e empresas públicas) têm grande importância económica/política. Dir-se-ia
que eles se aproximam dos tratados, por serem celebrados, da parte do E, pelos órgãos
de representação internacional, por o regime envolver regras de DI; e por os litígios,
não raras vezes, serem decididos por instancias à margem do Dto interno.
Mas não possuindo aquelas empresas personalidade jurídica internacional, não
deveriam ser considerados tratados. Quando esteja em causa contratos em que domine
o regime de DI, diz-se que está aqui uma categoria paralela aos actos convencionais.

Terminologia
O termo geral usado é tratado ou convenção. Mas numerosos tratados em
especial ou sobre objecto específico, recebem designações particulares. Por exemplo:
carta, constituição ou estatuto (tratado constitutivo de uma OI ou regulador de um
órgão internacional); pacto (tratado de aliança militar ou tratado político de grande

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importância); concordata (tratado entre Santa Sé e E), acto geral (tratado conclusivo
de uma conferencia ou congresso internacional), etc.

Classificações

 Tratados normativos ou tratados contratos - Nos primeiros estabelecem-se


comandos de carácter geral e abstracto ou geral e concreto ou, as partes submetem-se
a comandos pré-existentes, concretizando-os nas suas relações. Nos segundos
estipulam-se prestações recíprocas e os tratados esgotam-se na sua realização.

 Classificação material: tratados gerais (objecto geral) e especiais (objecto


específico); tratados normativos (regulam órgãos) e constitutivos (criam DI).
 Quanto à qualidade das partes: inter-estadual, entre OIs, entre OIs e Es

 Quanto ao número de partes: os tratados podem ser bilaterais (2 partes) ou


multilaterais. Estes últimos podem ser restritos ou gerais. No último caso há uma
tendencial coincidência com a totalidade dos Es com acesso à CI.

 Quanto à forma: podem ser solenes (exigem ratificação) ou não solenes/


simplificados (o processo termina aquando da aprovação, ou aquando da assinatura -
ou acto equivalente).
 Tratados abertos e fechados: os primeiros admitem assinatura, ratificação ou
adesão de sujeitos que não participaram no seu momento inicial de celebração ou de
entrada em vigor. Por definição os tratados multilaterais gerais são abertos.

 Tratados institucionais (constitutivos de OI ou entidades afins) e não


institucionais.
 Tratados exequíveis por si mesmos (que obtêm plena efectividade só por si) e
não exequíveis por si mesmos (necessitam de outro tratado ou lei de
complementação).
 Tratados perpétuos e tratados temporários - consoante a duração indefinida ou
sujeita a termo final
 Tratados públicos e tratados secretos - conforme o conhecimento do seu
conteúdo seja revelado ou não. Os tratados secretos são hoje repelidos pelo DI, por
porem em causa a boa fé.

Limites à liberdade convencional


Acordos de vontade, os tratados pressupõem liberdade não só de celebração
mas também de estipulação das partes contratantes. Todavia esta liberdade está sujeita
a limites de dto interno e de DI. Os primeiros procedem da constituição de cada E,
sendo que os tratados contrários às normas constitucionais do Estado são nulos. Os
limites de DI são os princípios de jus cogens; os derivados de tratados principais
relativamente a tratados ou protocolos adicionais (art.30/2 CV); os derivados de
tratados constitutivos de OI e entidades afins em face dos tratados que os EM ou a OI
vem a celebrar; e os decorrentes de normas emanadas de OI ou de entidades a que os
Estados pertençam.

Regulamentação das formas de vinculação internacional dos Es: Esta regulamentação


tem carácter misto, pois consta de normas de DI e de normas de dto interno. Aliás, é
ao dto interno que cabe principalmente esta regulamentação.

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Processo e formas de vinculação


As fases clássicas do processo de vinculação internacional dos Es eram 3:
negociação, assinatura, ratificação. Mas no DI contemporâneo a tripartição é
diferente: (1º) negociação (com a assinatura), (2º) aprovação, (3º) ratificação.
Enquanto no DI clássico a conclusão de tratados abrangia sempre o mesmo
iter processual, hoje tal não se verifica: tem de haver sempre negociação, mas nem
sempre há ratificação ou aprovação. A CV reconhece esta situação no art. 11.
O processo geral comum será então: 1. Elaboração do texto (negociação); 2.
Expressão do consentimento do E a vincular-se (art. 11); 3.Introdução do tratado na
ordem jurídica internacional (arts. 24, 84).
A CV não impõe nenhuma forma determinada em face da natureza, objecto ou
conteúdo do tratado. Mas o próprio tratado pode estabelecer a sua forma (Art. 12/1,
a); 13 a), 14/1,a), 15/1,a)). Além disso, o Dto. Constitucional de cada E prescrever
esta ou aquela forma de vinculação.

Negociação do Tratado: Cabe, quanto a cada Estado, às pessoas investidas de plenos


poderes (plenipotenciários) como seus representantes (Art. 7/1 e 2 CV). Um acto
relativo à conclusão de um contrato praticado por um não plenipotenciário não produz
efeitos jurídicos (art. 8 CV69), a menos que seja ulteriormente confirmado.

Adopção do texto: Efectua-se através do consentimento de todos os Es que participam


na sua elaboração (art. 9/1). Realizando-se uma conferencia internacional com essa
finalidade, efectua-se pela maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes (art. 9/2).

Autenticação do texto: Faz-se segundo o processo nele estabelecido, acordado pelas


partes durante a elaboração e, na sua falta, por assinatura, assinatura ad referendum ou
rubrica do texto do tratado (art. 10 CV69).
A assinatura não é formalidade requerida pela convenção para todos os casos –
assim como não existe na vinculação por via de adesão. A assinatura não obriga o E-
parte (salvo nas convenções ultra-simplificadas), sendo que a sua consequência
principal é outra. Consiste em, fixado o texto, os Es contraentes ficarem adstritos, por
imperativos de boa fé, a abster-se de actos ou omissões que privem o tratado do seu
objecto ou fim (art. 18 CV69).

Aprovação ou ratificação: Todos os tratados requerem aprovação pelo órgão interno


competente (excepto os com forma ultra-simplificada).Mas nem todos requerem
ratificação. Quanto prevista, a ratificação nunca é um acto obrigatório para quem o
tenha de emitir.
Nota: pode um tratado configurar-se como solene por uma parte e como
acordo em forma simplificada para outra parte.

Órgãos internos competentes: para além do que disponha qualquer tratado em


concreto (art.14 CV), é o dto interno de cada E que estabelece qual a forma dos
tratados e quais os órgãos competentes para vincular internacionalmente o E.

A violação das regras constitucionais sobre a conclusão dos tratados: O art. 46


contempla este problema, exigindo 2 requisitos de invocabilidade: que se tenha
infringido uma regra interna de importância fundamental (em princípio, será
constitucional); e que a violação seja manifesta. Subjacentes às regras estão o

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princípio de boa fé e as exigências de segurança jurídica.

Reservas
Em principio as partes num tratado obrigam-se à totalidade das suas cláusulas.
A vinculação a algumas delas só se torna possível se o tratado o permite ou se as
outras partes o consentem (art.17 CV). Todavia nos tratados multilaterais podem ser
admitidas reservas, verificados certos pressupostos e observados certos
procedimentos, com a consequente alteração dos termos da vinculação das diversas
partes. Nas reservas há dois interesses contraditórios em presença: extensão da
convenção - deseja-se que esta valha para o maior numero de Es (aceitando-se
arranjos); e integridade da convenção - as mesmas regras devem valer, tanto quanto
possível, para todas as partes. Para facilitar as relações convencionais tem-se vindo a
adoptar uma posição mais flexível.

Por reserva entende-se uma declaração unilateral, seja qual for o seu conteúdo
ou designação, feita por um E quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou
a ele adere, pelo qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições
do tratado na sua aplicação a este E – art. 2/1,d) CV69.

As reservas estas sujeitas a limites:


 materiais: que podem ser expressos – proibição de reservas pelo tratado ou
autorização somente de determinadas reservas; ou tácitos – incompatibilidade da
reserva com o objecto ou fim do tratado (art. 19 a)b)c) CV69. Mas há tratados que não
consentem reservas (os de dto. int. Constitucional): ex, CNU, ETIJ, ETPI. Além disso
há tratados muito restritivos quanto a reservas: respeitantes aos direitos do Homem.
Além disso, não são possíveis reservas opostas ao jus cogens (art. 53 CV69).

 temporais: As reservas têm de ser formuladas durante o processo de


vinculação ao tratado (momento da assinatura, ratificação, aceitação ou aprovação do
tratado, ou no momento da adesão).

 formais: Têm de ser formuladas por escrito e comunicadas aos Es contraentes


e aos outros Es que tenham o dto de se tornar partes no tratado (art.23). Além de
unilateral a reserva é, então, uma declaração recepticia com objecto e conteúdo
determinados.

Para que produza efeitos a reserva tem de ser aceite por, pelo menos um E
(art.20/4 c)); ou por todas as partes (art. 20/2 CV69), quando tal resulte (1) do
número restrito de Estados, (2) bem como do objecto (3) ou fim do tratado. Quando o
tratado é constitutivo de uma OI, a não ser que disponha diversamente, a reserva exige
a aceitação do órgão competente (art. 20/3 CV69). Note-se que a aceitação de reservas
pode ser tácita - a reserva será tida como aceite por um E se este não tiver objectado
nos 12 meses subsequentes à sua notificação nem no momento em que tiver expresso
o seu consentimento a vincular-se pelo tratado, se o fez posteriormente (art.20/5
CV69).

Recorte da vinculação para os Es: (1º) Para os Es que não formularam reservas
nem objectaram à sua formulação, é o princípio do cumprimento integral que aqui se
aplica. (2º) Para os Es que formularam reservas e para os que as aceitaram, as reservas
modificam, quanto às disposições que selas são objecto, as relações entre esses Es

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(efeitos inter partes). (3º) Havendo Estados que objectaram às reservas, o


relacionamento vai depender da atitude que estes assumirem, visto que: podem
simplesmente ter formado uma objecção; ou podem ter objectado e sido contra a
entrada em vigor. As reservas e as objecções a estas podem ser revogadas, mas não a
aceitação de uma reserva (art. 22/1 e 2 CV 69).
Ao nível interno a competência para emitir, modificar ou revogar reservas
depende das normas constitucionais relativas à aprovação dos tratados.

A reservas distingue-se das declarações interpretativas - declaração unilateral


feita por um Estado qualquer que seja a sua designação, pela qual visa concretizar ou
clarificar o sentido ou alcance que atribui a um tratado ou a alguma das suas
disposições. Mas, se o E subordinar o seu consentimento à aceitação daquela
interpretação, a declaração interpretativa fica sujeita ao regime das reservas.

Depósito dos tratados: Nos tratados multilaterais, existe o instituto de depósito,


também previsto na CV69 – arts. 76- que são/77 - funções deste.

Registo e publicação: A CV69 impõe o registo relativamente a todos os tratados


(art.80) – proibição dos tratados secretos. No entanto a CV não determina a
consequência jurídica da falta de registo. Mas art. 102 CNU diz que nenhuma parte
em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registado poderá
invocá-lo perante a ONU ou o TIJ.

Efeitos dos Tratados perante terceiros


O postulado básico quanto ao efeitos dos tratados é o da relatividade - art. 34
CV69 – princípio da relatividade – um tratado não constitui nem direitos nem deveres
para um E que não seja parte, a não ser com o seu consentimento. No caso de deveres
é necessário que o E terceiro os aceite expressamente e por escrito (art. 35º CV69). Já
no caso de direitos presume-se o consentimento enquanto não haja indicações em
contrário, a menos que o tratado disponha diversamente (art. 36 CV69). Os tratados
abertos são tratados que conferem direitos a terceiros (dto de aderir e de se tornar
parte superveniente).

Constituído o direito/dever, a sua modificação ou revogação depende do


consentimento das partes e do E terceiro, salvo outra regra ter sido estabelecida (art.
37 CV69). Note-se que todos os Estados devem respeitar os tratados concluídos por
outros Es e não interferir na sua execução – oponibilidade dos tratados erga omnes.
Note-se ainda que (1º) é possível que uma norma constante de um tratado se torne
obrigatório em relação a um E terceiro como norma consuetudinária (art. 38 CV69);
(2º) e que a CNU impõe-se aos Es não membros, quer nas relações com Es membros
da organização, quer independentemente dessas relações (arts. 103; 2/6).

Entrada em vigor
Um tratado entra em vigor segundo as modalidades e nas datas fixadas pelas
suas disposições ou convencionadas por acordo dos Es que tenham participado nas
negociações (art. 24/1 CV69). Na falta de disposição a norma supletiva é a de entrar
em vigor logo que o consentimento a ficar vinculado seja manifestado por todos os Es
que tenham participado na negociação (24/2). Quando o consentimento de um E a
ficar vinculado por um tratado seja manifestado em data posterior à entrada em vigor
o tratado entra em vigor em relação a esse Estado nessa data, a não ser que disponha

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

diversamente (art. 24/3). Em certos casos admite-se a aplicação de um tratado a titulo


provisório(art. 25 CV 69).

As cláusulas dos tratados não têm aplicação retroactiva (regra geral). A menos
que tal resulte do tratado ou que tenha sido estabelecido de outro modo, as
disposições de um tratado não vinculam uma parte no que se refere a um acto ou facto
anterior ou a qualquer situação que tenha deixado de existir à data da entrada em vigor
do tratado em relação a essa parte (art. 28 CV69).

Modificações dos Tratados:


Antes de 1945, feito um tratado, ele só poderia ser modificado com o
consentimento de todos os Es partes. Quando as relações internacionais se tornaram
mais complexas veio a achar-se que isto seria demasiado excessivo e que podia
paralisar o desenvolvimento do DI. Admitiu-se, então, a modificação de tratados
multilaterais, não por unanimidade mas por maiorias agravadas. Mas note-se que o DI
actual reitera a fixidez dos tratados relativos a fronteiras internacionais; e que há
tratados insusceptíveis de revisão durante certo tempo (por exemplo: Tratado do
Atlântico Norte, de 1949 - 10 anos).

Na CV69, estabelecem-se duas regras procedimentais básicas: o acordo entre


as partes (art. 39, 1ª p); e a possibilidade de cada tratado regular as suas próprias
modificações (art. 39, 2ª p). Quanto ao procedimento de revisão dos tratados
multilaterais admite-se que 2 ou mais partes concluam um acordo destinado a
modificar qualquer destes tratados apenas no respeitante às relações entre si,
verificados determinados pressupostos (art. 41).

Limites materiais à revisão dos tratados:


Há pelo menos um tratado que parece conter limites expressos - convenção do
dto do mar no art. 155/2. Mas a existência de limites materiais verifica-se, desde
logo, no caso dos limites de carácter geral à estipulação originária - e aqui assume
particular relevância o jus cogens e os tratados constitutivos de OI ou outras entidades
internacionais. Mas a ideia de limites materiais parece razoável se estes derivarem do
objecto e fins do tratado - então deveriam ser respeitados os princípios estruturantes,
os objectivos e fins dos tratados.

Cessação de vigência: Pode ocorrer:

a) Por vontade das partes: abrogação – art. 54,b CV69 ou celebração de tratado
ulterior sobre a mesma matéria (art. 59 CV69).
b) Por caducidade: Decurso do prazo de vigência do tratado; execução do próprio
tratado; ou alteração fundamental de circunstâncias ou cláusula rebus sic stantibus
(art. 62).
c) Impossibilidade superveniente de execução (art. 61).
Pode ainda formar-se um costume contrário, mas não parece que tal possa
determinar a cessação total da vigência de um tratado.

Tratando-se de tratados bilaterais, acrescenta-se a estas causas:


a) A denúncia − tem de estar prevista no próprio tratado, caso tal não aconteça, só será
lícita quando se tiver estabelecido, terem as partes admitido a sua possibilidade ou tal
puder ser deduzido da natureza do tratado (art. 56 CV69).

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

b) Inexecução do tratado por uma parte.

Em tratados multilaterais a denúncia assume a forma de recesso e este pode


dar-se também com o consentimento de todas as outras partes. Por natureza, não é
admissível o recesso em convenções de codificação e em convenções respeitantes a
situações internacionais objectivas.
A cessação de vigência de um tratado não afecta nenhum dto, obrigação ou
situação jurídica das partes criada em execução do tratado antes desse facto – art. 70.
Note-se que a guerra pode provocar a cessação ou a suspensão de vigência de
certos tratados, mormente bilaterais.

Validade ou invalidade dos Tratados:


Aqui a linha de força é a salvaguarda, tanto quanto possível, da subsistência
dos tratados, daí quatro regras básicas:

 A validade de um tratado ou consentimento só ode ser contestada por


aplicação da CV (art.42)
 A nulidade de um tratado não afecta o dever do E de cumprir todas as
obrigações que constem do tratado às quais ele está adstrito em virtude do DI
independentemente do tratado (art.43)
 Em princípio uma causa de nulidade só pode ser invocada em relação ao
conjunto do tratado (art. 44/2)
 Um E não pode alegar a nulidade de um tratado depois do o ter considerado
válido (art.45)

O regime de invalidade assenta na distinção entre violação de regras de


competência (art. 46- ratificação imperfeita), vícios de consentimento ou na formação
da vontade interna (erro, dolo, corrupção, coacção - arts. 48 a 52) e desconformidade
material (jus cogens - arts. 53 e 64 - invalidade material). As disposições de um
tratado nulo não têm força jurídica - art. 69.

Ver conclusão dos tratados em Portugal nos powerpoints

Nota: Outras fontes: actos unilaterais; jurisprudência e doutrina (são meios auxiliares
para determinar normas de DI. As decisões judiciais não têm efeitos erga omnes – art.
59 ETIJ, i.e., não vale o princípio do precedente. Mas na prática o tbnal tem grande
importância no DI).

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

Fontes do Direito Internacional

Fontes formais e materiais


Podemos distinguir entre fontes formais e materiais. As primeiras são os
processos de elaboração do direito, ou as diversas técnicas que permitem que uma
norma pertença ao direito positivo. As segundas são os fundamentos sociológicos das
normas, a sai base política, moral ou económica, mais ou menos explicitada pela
doutrina; são, então, as razões que determinam o nascimento de uma norma. As fontes
materiais, traduções directas das estruturas internacionais e das ideologias
dominantes, têm uma dinâmica que as fontes formais, simples processos técnicos, não
podem ter. Por isso, o interesse pelos dois tipos de fontes do DI varia segundo as
épocas e as posições doutrinais.

Se as fontes formais são as únicas pelas quais as normas acedem ao direito


positivo, as fontes materiais são cada vez mais levadas directamente em consideração
pelo direito, enquanto participam no processo de emergência do direito positivo - por
exemplo: as resoluções não obrigatórias devem ser tomadas em consideração para
compreender o processo contemporâneo de criação de uma regra convencional ou
consuetudinária. Tal consideração das fontes materiais é visível na actuação do TIJ
que tem em conta as regras e vias de formação das normas nas suas decisões.
Portanto, mais do que a própria fonte formal, é o processo de formação do direito no
seu conjunto que se torna necessário tomar em consideração.

Art. 38 ETIJ
Como resulta da distinção entre fontes materiais e formais do direito, o
conteúdo do direito deriva das primeiras, enquanto as segundas correspondem à
formulação e à introdução desse conteúdo no direito positivo.
A XII Convenção de Haia de1907 (art. 7) previa a seguinte enumeração das
fontes formais do direito: «Se a questão de direito a resolver for prevista por uma
convenção em vigor entre o beligerante captor e a potência que é parte no litígio, ou
cujo natural é parte no litígio, o tbnal conforma-se com as disposições da citada
convenção. Na falta de tais disposições, o tbnal aplica as regras do DI (aqui
entendidas como regras consuetudinárias gerais). Se não existirem regras geralmente
reconhecidas, o tbnal decide de acordo com os princípios gerais da justiça e da
equidade.»

Mas sobre esta questão de determinação das fontes formais convem que haja
consenso universal (comprometendo a quase totalidade dos Es), o que não existia com
a convenção de Haia, que nem chegou a entrar em vigor.
Com a criação de organizações universais e das primeiras jurisdições com
vocação universal surgem condições para estabelecer a enumeração das fontes,
primeiro no ETPJI e depois no ETJI, em ambos no art.38, segundo o qual:

“1. O tbnal, cuja função é resolver, de acordo com o DI, os litígios que lhe sejam submetidos,
aplicará:
a) As convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabeleçam regras expressamente
reconhecidas pelos Es em litígio;
b) O costume internacional, como prova duma prática geral aceite como de direito;
c) Os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) Sob reserva das disposições do art. 59.º, as decisões judiciais e os ensinamentos dos
publicistas mais altamente qualificados das várias nações, como meios auxiliares para a

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

determinação das regras de direito.


2. Esta disposição não prejudicará a faculdade de o tbnal, se as partes estiverem de acordo,
decidir ex aequo et bono.” (segundo a justiça e a equidade).

Este artigo apresenta grande importância, uma vez que todos os EM da ONU,
praticamente todos os países do mundo, são parte do ETIJ. Além disso, este artigo é
mesmo retomado noutros tratados sobre a resolução pacifica de conflitos, pelo que
esta se trata de uma enumeração universalmente aceite das fontes formais de DI; de
um instrumento comum de enunciação das fontes do DI.
Analisando o art. 38 verificamos que este distingue entre fontes escritas e não
escritas; fontes primárias e secundárias; que não contém uma hierarquia de fontes
formais, nem fixa os critérios de relacionamento entre as normas internacionais; e que
deverá ser feita uma interpretação actualista da alínea c).
O art. 38 é, ainda assim, criticado por ser ambíguo em algumas das suas
formulações e por não fornecer uma lista exaustiva das fontes formais de DI
contemporâneo, não referindo, por exemplo:, os actos unilaterais dos Es e as decisões
das OIs.

Hierarquia das normas de DI


Convém desde já distinguir entre normas jurídicas internacionais e fontes
formais do DI. Por normas entendemos o conteúdo, a substancia de uma regra
elaborada segundo as exigências «processuais» desta ou daquela fonte formal. Uma
mesma norma pode provir de várias fontes (a mesma norma pode ter fundamento
convencional ou consuetudinário para diferentes Es), da mesma forma que uma fonte
pode dar origem a várias normas (por exemplo: um tratado).
Esta distinção é importante porque o problema da hierarquia não tem a mesma
solução para as normas jurídicas e para as fontes do direito.

O princípio é que não existe qualquer hierarquia de fontes formais em DI. Essa
hierarquia não consta do art 38 ETIJ, embora parecesse resultar do art. 7 da Conv
Haia de 1907. Não é possível admitir, como postulado geral, que os tratados
prevaleçam sobre costume ou vice-versa. Seria diferente se, por um processo
centralizado, uma das fontes dispusesse de uma primazia incontestada. A ideia de uma
hierarquia de fontes formais é particularmente inaceitável numa abordagem
voluntárias, segundo a qual todas as fontes resultam, de alguma forma, da vontade dos
Es.
A ausência de hierarquia de fontes só vale para o direito interestadual. O
mesmo não se verifica nos sistemas jurídicos mais organizados, como os elaborados
dentro das OIs. Note-se ainda que as fontes propriamente interestatais não são
hierarquicamente superiores às que são características das OI e de outros sujeitos
internacionais, até porque muitas vezes são as mesmas.

Existe, todavia, uma hierarquia de normas jurídicas internacionais, que afirma


a primazia das normas de ius cogens perante normas consuetudinárias e/ou normas
convencionais (ver art. 53 e 64 CV69). Para os outros casos há, senão um principio
hierárquico, pelo menos regras de resolução de conflitos - (i) Lex posterior derogat
priori, (ii) Lex specialis derogat generali e (iii) Lex posterior generalis non derogat
priori speciali.

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

Formação não convencional do DI


Em DI, como nas ordens jurídicas nacionais, coexistem vários modos de
formação de direito. A prática interestadual reconheceu na via convencional a fonte de
direito menos contestada e melhor regulamentada. A prova de regras convencionais é
relativamente fácil e o valor da norma depende do instrumento que a contém; o que
não sucede com as restantes fontes. A doutrina consagra a evolução do DI agrupando
todos os outros modos de formação de direito. Isto porque as normas destas fontes
têm mais flexibilidade e adaptabilidade e a sua ralação com as exigências da SI é mais
directa, mais «espontânea» - tal possibilita que estas normas tenham uma maior
longevidade e produtividade que os tratados. Já a rigidez do direito convencional é um
obstáculo à evolução necessária da SI e não garante sequer o respeito escrupuloso das
regras fundamentais.

Codificação do DI
O art. 13/1 a) CNU diz que «a AG promoverá estudos e fará recomendações,
tendo em vista [...] incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional
e a sua codificação;» Por codificação entende-se a operação de conversão das regras
consuetudinárias num corpo de regras escritas. Já por desenvolvimento do direito
entese-se a operação de afirmação de regras novas com base no direito existente.
A codificação tem com vantagens uma maior clareza e certeza jurídica quanto
à existência e conteúdo da norma, uma menor dispersão das regras sobre a mesma
matéria; podendo favorecer um relançamento das regras consuetudinárias (por
exemplo: direito do mar). Por outro lado, faz desaparecer a flexibilidade
maleabilidade da regra.

O costume
Trata-se de uma fonte formal do direito, uma vez que é, de facto, um processo
regido pelo DI e autónomo em relação aos outros modelos, como o modo
convencional. Isto é confirmado pelo art.38 do ETIJ. Segundo a doutrina, o costume,
para ser perfeito, deve reunir dois elementos: o elemento material e o psicológico. Nas
palavras do TIJ: a pratica efectiva e a opinio juris dos Es.

O primeiro elemento diz respeito ao cumprimento repetido de actos


denominados precedentes. O segundo é constituído pela convicção por parte dos
sujeitos de DI de que o cumprimento de tais actos é obrigatório, porque o direito o
exige. Discute-se se um destes elementos, nomeadamente o primeiro, tem de preceder
ao segundo (doutrina clássica) ou se tal pode não acontecer. Quanto a isto a prática
contemporânea permite reconhecer, por vezes, na opinio juris o ponto de partida da
criação de uma norma consuetudinária.
Note-se que o processo de criação de costume difere em vários aspectos do
processo convencional: (1º) a fonte costumeira não beneficia de uma expressão de
uma vontade mas apoia-se sobre a convicção de que existe uma regra; (2º) ela não
resulta de um acto jurídico, mas de comportamentos dos sujeitos de direito; (3º) o
processo é particularmente descentralizado, sendo a sua cronologia menos clara.

Fundamento jurídico
Aqui temos duas teorias. A teoria do acordo tácito é defendida pela corrente
voluntarista e afirma que a força obrigatória do costume assenta num acordo tácito
entre os Es e que as regras de costume não são oponíveis a Es que não deram o seu
consentimento. Mas esta teoria é criticada por reconhecer um papel quase exclusivo

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

ao elemento psicológico e por não explicar como é que o costume geral se aplica a
todos os Es.
A doutrina da formação espontânea do direito consuetudinário reconhece que a
formação de regras de costume é um fenómeno essencialmente sociológico que se
efectiva após a tomada de conseguia jurídica colectiva da necessidade social. Esta
teoria permite explicar a validade erga omnes do costume geral e não distorce a
realidade das diferenças de poder entre sujeitos de DI.

Costume geral, regional e local


O costume geral vincula, como o próprio nome indica, todos os Estados e
resulta, falando-se de normas, no direito internacional geral (ex: proibição do uso da
força, as normas sobre limites territoriais, etc.). O costume regional refere-se a uma
determinada região do globo, como o continente americano, a Europa, etc. Este,
portanto, obriga mais do que dois Es que pertencem à mesma região do globo. O
costume especial obriga mais do que dois Es que pertencem a diferentes regiões do
mundo. O costume local é aquele que, em princípio, vincula apenas dois Estados.

Os elementos do processo
 Elemento material
A formação do costume apoia-se em toda a actuação dos sujeitos de DI (Es,
OI, etc.). Para que se forme uma norma costumeira é necessária a repetição do
precedente no tempo. Deve, portanto, ser uma prática constante, efectivamente
seguida e sem alteração (uniforme e continua). A uniformidade é a concordância dos
actos sucessivos de um E, que devem ser semelhantes uns aos outros. Se os
precedentes de um E, a propósito da mesma questão, colidem com os precedentes
(distintos) seguidos por outros Es, a formação da regra consuetudinária será travada.
Note-se que a uniformidade não exclui a eventualidade de violações. A continuidade
exige a prática frequente e uniforme, do precedente, por um certo lapso de tempo.
Mas não é suficiente que a repetição dependa do mesmo E autor do primeiro
precedente. A dispersão é necessária, mas não tem de ser universal. Para a s regras
consuetudinárias gerais o ETIJ diz que elas resultam de uma prática geral, não de uma
prática unânime (o que, aliás, seria irrealizável). Quanto ao costume regional, será
razoável pensar que, quanto mais restrito for o circulo de Es interessados, maior será a
unanimidade necessária, sendo esta exigida, claro está, em costumes bilaterais.

 Elemento psicológico
Admite-se, geralmente, que a simples repetição de precedentes não basta e que
uma regra de costume só existe se o acto considerado for motivado pela consciência
de uma obrigação jurídica. É esta característica que a permite distinguir dos usos e da
cortesia internacional. Tradicionalmente é a prática que está na origem da opinio juris,
mas o contrário também pode acontecer (por exemplo: resolução da AG das NU que
leva a uma prática que consuma a formação de uma norma consuetudinária). Quanto a
oponibilidade da norma, dir-se-á que a regra costumeira é inoponível aos Es que tenha
colocado objecções à criação de tal norma, mas que tal inoponibilidade já não vale
para Es que se tornam independentes após a formação da regra.

Aplicação do costume
O costume foi, durante vários séculos, a principal fonte de DI. No que diz
respeito à relação entre normas consuetudinárias sucessivas, diga-se que:
1.º normas c. gerais: prevalece a norma mais recente sobre a mais antiga; norma

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

especial prevalece sobre a norma geral (excepção, o jus cogens);


2.º norma c. geral vs. norma c. regional (ou especial ou local): se abranger ambas as
partes prevalece a norma de costume regional (lex specialis). Caso contrário prevalece
a norma universal - porque só esta é oponível à partes em litigo.

Princípios gerais de direito


Note-se que estamos aqui a falar de princípios gerais de direito, e não de
princípios gerais do DI. Só podem, aliás, ser transpostos para a ordem jurídica
internacional os princípios (1º) comuns aos diferentes sistemas jurídicos nacionais
(sendo necessário e suficiente que um princípio interno se verifique na maior parte
dos sistemas jurídicos, e não em todos); (2º) tendo este de ser transponíveis para a
ordem jurídica internacional, i.e., têm de ser compatíveis com as características
fundamentais desta ordem jurídica
Como demonstra o ETJI tratam-se de uma fonte autónoma e directa; mas que é
supletiva, i.e., só se recorre a estes para colmatar lacunas do direito consuetudinário e
convencional, ou para evitar impasses resultantes de uma aparente lacuna jurídica.

Os actos unilaterais
Ao lado das convenções, a prática e jurisprudência internacionais reconhecem
a existência e a contribuição para a formação de DI de outras categorias de
instrumentos jurídicos que se distinguem dos tratados seja pelo seu carácter unilateral,
seja pela sua autonomia em relação ao direito dos tratados. Mas estes actos têm
sempre uma característica, que é comum: eles são a expressão de vontade num sujeito
de DI, tendentes a criar efeitos de direito. Um acto unilateral é um acto imputável a
um único sujeito de DI, podendo este ser um E ou uma OI (mas, note-se que esta
definição não deve ser entendida de forma rígida).

Os actos unilaterais dos Es


Embora o art.38 não os refira, a existência de actos pelos quais um E, agindo
sozinho, exprime a sua vontade e que produzem efeitos em DI é indiscutível. Claro
que é necessário que sejam demonstradas a imputabilidade do acto a um E, actuando
nos limites da sua capacidade, e uma publicidade suficiente da vontade do E. Não é
necessário, pelo contrário, que se estabeleça qualquer aceitação do compromisso
unilateral pelos outros sujeitos de direito. Os tbnais internacionais admitem que os
actos unilaterais estatais podem emanar de autoridade legislativa ou administrativa,
dirigir-se a Es, mas também à opiniao publica e tomar uma forma mais ou menos
solene.

 Concepção restrita: actos unilaterais autónomos - Tratam-se de manifestações


unilaterais de vontade, emitidas sem o menor vinculo com um tratado ou costume.
Então, estes actos são autónomos porque a sua validade não depende da
compatibilidade com outro acto jurídico. Os principais tipos de actos unilaterais
autónomos são: (1º) a notificação; (2º) o reconhecimento - ver atrás; (3º) o protesto -
que constitui um vertente negativa do reconhecimento; (4º) a renúncia; (5º) e a
promessa.
 Concepção ampla: Esta engloba actos ligados a uma prescrição convencional
(por exemplo: adesão ao tratado, reserva) ou consuetudinária.

Nota: actos unilaterais não autónomos são aqueles que têm uma função instrumental,

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

que se encontram inseridos num processo ou procedimento.

Tratados

Conceito
Por tratado ou convenção entende-se um acordo de vontades entre sujeitos de
DI, regulado pelo DI, constitutivo de direitos e deveres ou de outros efeitos nas
relações entre eles. Para alguns autores, só quando os efeitos consistirem na criação
ou modificação de normas é que estaremos perante tratados como fonte de direito.
Segundo Jorge Miranda, se um tratado vem codificar o costume, então não é fonte.
Esta posição pode prejudicar, na prática, o desenvolvimento do DI.
Então, o conceito envolve: (1º)um acordo de vontades; (2º) a necessidade de as
partes serem todas sujeitos de DI e de agirem nessa qualidade; (3º) a regulamentação
pelo DI; (4º) e a produção de efeitos com relevância nas relações internacionais(sejam
estritos efeitos nessas relações, sejam efeitos nas ordens internas das partes).

Ao contrário, o conceito não implica: (1º) que as partes sejam Es - há tratados


que envolvem outros sujeitos de DI, como as OI; (2º) que o acordo seja reduzido a
escrito; (3º) que, sendo escrito o acordo, este conste de um único instrumento - o
consenso pode formar-se por troca de notas (o que não significa que fique assim
concluído o processo).

A CV de 69 define tratado como acordo internacional concluído por escrito


entre Es e regido pelo DI, quer conste de instrumento único ou não, e qualquer que
seja a sua designação (art.2/1 a)). Mas esclarece no art.3 que o facto de não se aplicar
a tratados concluídos com a participação de sujeitos internacionais que não Es, nem a
tratados não escritos não afecta o valor jurídico de tais acordos, nem a aplicação a
estes das regras da convenção.

Distinção de realidades fins


Dos tratados internacionais distinguem-se: (1) Os feixes de actos unilaterais -
actos unilaterais simultaneamente emitidos por diferentes Es com conteúdo idêntico.
(2) Os acordos estritamente políticos - que não produzem em si efeitos jurídicos. (3)
Os acordos informais - não imediatamente vinculativos a nível jurídico. (4) os
comunicados de reuniões e conferencias diplomáticas. (5) os contratos entre OIs e
particulares.

Os contratos entre Es e empresas privadas transnacionais ou multinacionais (e


entre Es e empresas públicas) têm grande importância económica/política. Dir-se-ia
que eles se aproximam dos tratados, por serem celebrados, da parte do E, pelos órgãos
de representação internacional, por o regime envolver regras de DI; e por os litígios,
não raras vezes, serem decididos por instancias à margem do Direito interno.
Mas não possuindo aquelas empresas personalidade jurídica internacional, não
deveriam ser considerados tratados. Quando esteja em causa contratos em que domine
o regime de DI, diz-se que está aqui uma categoria paralela aos actos convencionais.

Terminologia
O termo geral usado é tratado ou convenção. Mas numerosos tratados em
especial ou sobre objecto específico, recebem designações particulares. Por exemplo:
carta, constituição ou estatuto (tratado constitutivo de uma OI ou regulador de um

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

órgão internacional); pacto (tratado de aliança militar ou tratado político de grande


importância); concordata (tratado entre Santa Sé e E), acto geral (tratado conclusivo
de uma conferencia ou congresso internacional), etc.

Classificações

 Tratados normativos ou tratados contratos - Nos primeiros estabelecem-se


comandos de carácter geral e abstracto ou geral e concreto ou, as partes submetem-se
a comandos pré-existentes, concretizando-os nas suas relações. Nos segundos
estipulam-se prestações recíprocas e os tratados esgotam-se na sua realização.

 Classificação material: tratados gerais (objecto geral) e especiais (objecto


específico); tratados normativos (regulam órgãos) e constitutivos (criam DI).
 Quanto à qualidade das partes: inter-estadual, entre OIs, entre OIs e Es

 Quanto ao número de partes: os tratados podem ser bilaterais (2 partes) ou


multilaterais. Estes últimos podem ser restritos ou gerais. No último caso há uma
tendencial coincidência com a totalidade dos Es com acesso à CI.

 Quanto à forma: podem ser solenes (exigem ratificação) ou não solenes/


simplificados (o processo termina aquando da aprovação, ou aquando da assinatura -
ou acto equivalente).
 Tratados abertos e fechados: os primeiros admitem assinatura, ratificação ou
adesão de sujeitos que não participaram no seu momento inicial de celebração ou de
entrada em vigor. Por definição os tratados multilaterais gerais são abertos.

 Tratados institucionais (constitutivos de OI ou entidades afins) e não


institucionais.
 Tratados exequíveis por si mesmos (que obtêm plena efectividade só por si) e
não exequíveis por si mesmos (necessitam de outro tratado ou lei de
complementação).
 Tratados perpétuos e tratados temporários - consoante a duração indefinida ou
sujeita a termo final
 Tratados públicos e tratados secretos - conforme o conhecimento do seu
conteúdo seja revelado ou não. Os tratados secretos são hoje repelidos pelo DI, por
porem em causa a boa fé.

Limites à liberdade convencional


Acordos de vontade, os tratados pressupõem liberdade não só de celebração
mas também de estipulação das partes contratantes. Todavia esta liberdade está sujeita
a limites de direito interno e de DI. Os primeiros procedem da constituição de cada E,
sendo que os tratados contrários às normas constitucionais do Estado são nulos. Os
limites de DI são os princípios de jus cogens; os derivados de tratados principais
relativamente a tratados ou protocolos adicionais (art.30/2 CV); os derivados de
tratados constitutivos de OI e entidades afins em face dos tratados que os EM ou a OI
vem a celebrar; e os decorrentes de normas emanadas de OI ou de entidades a que os
Estados pertençam.

Regulamentação das formas de vinculação internacional dos Es: Esta regulamentação


tem carácter misto, pois consta de normas de DI e de normas de direito interno. Aliás,

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

é ao direito interno que cabe principalmente esta regulamentação.

Processo e formas de vinculação


As fases clássicas do processo de vinculação internacional dos Es eram 3:
negociação, assinatura, ratificação. Mas no DI contemporâneo a tripartição é
diferente: (1º) negociação (com a assinatura), (2º) aprovação, (3º) ratificação.
Enquanto no DI clássico a conclusão de tratados abrangia sempre o mesmo
iter processual, hoje tal não se verifica: tem de haver sempre negociação, mas nem
sempre há ratificação ou aprovação. A CV reconhece esta situação no art. 11.
O processo geral comum será então: 1. Elaboração do texto (negociação); 2.
Expressão do consentimento do E a vincular-se (art. 11); 3.Introdução do tratado na
ordem jurídica internacional (arts. 24, 84).
A CV não impõe nenhuma forma determinada em face da natureza, objecto ou
conteúdo do tratado. Mas o próprio tratado pode estabelecer a sua forma (Art. 12/1,
a); 13 a), 14/1,a), 15/1,a)). Além disso, o Direito. Constitucional de cada E prescrever
esta ou aquela forma de vinculação.

Negociação do Tratado: Cabe, quanto a cada Estado, às pessoas investidas de plenos


poderes (plenipotenciários) como seus representantes (Art. 7/1 e 2 CV). Um acto
relativo à conclusão de um contrato praticado por um não plenipotenciário não produz
efeitos jurídicos (art. 8 CV69), a menos que seja ulteriormente confirmado.

Adopção do texto: Efectua-se através do consentimento de todos os Es que participam


na sua elaboração (art. 9/1). Realizando-se uma conferencia internacional com essa
finalidade, efectua-se pela maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes (art. 9/2).

Autenticação do texto: Faz-se segundo o processo nele estabelecido, acordado pelas


partes durante a elaboração e, na sua falta, por assinatura, assinatura ad referendum ou
rubrica do texto do tratado (art. 10 CV69).
A assinatura não é formalidade requerida pela convenção para todos os casos –
assim como não existe na vinculação por via de adesão. A assinatura não obriga o E-
parte (salvo nas convenções ultra-simplificadas), sendo que a sua consequência
principal é outra. Consiste em, fixado o texto, os Es contraentes ficarem adstritos, por
imperativos de boa fé, a abster-se de actos ou omissões que privem o tratado do seu
objecto ou fim (art. 18 CV69).

Aprovação ou ratificação: Todos os tratados requerem aprovação pelo órgão interno


competente (excepto os com forma ultra-simplificada).Mas nem todos requerem
ratificação. Quanto prevista, a ratificação nunca é um acto obrigatório para quem o
tenha de emitir.
Nota: pode um tratado configurar-se como solene por uma parte e como
acordo em forma simplificada para outra parte.

Órgãos internos competentes: para além do que disponha qualquer tratado em


concreto (art.14 CV), é o direito interno de cada E que estabelece qual a forma dos
tratados e quais os órgãos competentes para vincular internacionalmente o E.

A violação das regras constitucionais sobre a conclusão dos tratados: O art. 46


contempla este problema, exigindo 2 requisitos de invocabilidade: que se tenha
infringido uma regra interna de importância fundamental (em princípio, será

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Curso de Direito Internacional Público – Parte II

constitucional); e que a violação seja manifesta. Subjacentes às regras estão o


princípio de boa fé e as exigências de segurança jurídica.

Reservas
Em principio as partes num tratado obrigam-se à totalidade das suas cláusulas.
A vinculação a algumas delas só se torna possível se o tratado o permite ou se as
outras partes o consentem (art.17 CV). Todavia nos tratados multilaterais podem ser
admitidas reservas, verificados certos pressupostos e observados certos
procedimentos, com a consequente alteração dos termos da vinculação das diversas
partes. Nas reservas há dois interesses contraditórios em presença: extensão da
convenção - deseja-se que esta valha para o maior numero de Es (aceitando-se
arranjos); e integridade da convenção - as mesmas regras devem valer, tanto quanto
possível, para todas as partes. Para facilitar as relações convencionais tem-se vindo a
adoptar uma posição mais flexível.

Por reserva entende-se uma declaração unilateral, seja qual for o seu conteúdo
ou designação, feita por um E quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou
a ele adere, pelo qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições
do tratado na sua aplicação a este E – art. 2/1,d) CV69.

As reservas estas sujeitas a limites:


 materiais: que podem ser expressos – proibição de reservas pelo tratado ou
autorização somente de determinadas reservas; ou tácitos – incompatibilidade da
reserva com o objecto ou fim do tratado (art. 19 a)b)c) CV69. Mas há tratados que não
consentem reservas (os de direito. int. Constitucional): ex, CNU, ETIJ, ETPI. Além
disso há tratados muito restritivos quanto a reservas: respeitantes aos direitos do
Homem. Além disso, não são possíveis reservas opostas ao jus cogens (art. 53
CV69).

 temporais: As reservas têm de ser formuladas durante o processo de


vinculação ao tratado (momento da assinatura, ratificação, aceitação ou aprovação do
tratado, ou no momento da adesão).

 formais: Têm de ser formuladas por escrito e comunicadas aos Es contraentes


e aos outros Es que tenham o direito de se tornar partes no tratado (art.23). Além de
unilateral a reserva é, então, uma declaração recepticia com objecto e conteúdo
determinados.

Para que produza efeitos a reserva tem de ser aceite por, pelo menos um E
(art.20/4 c)); ou por todas as partes (art. 20/2 CV69), quando tal resulte (1) do
número restrito de Estados, (2) bem como do objecto (3) ou fim do tratado. Quando o
tratado é constitutivo de uma OI, a não ser que disponha diversamente, a reserva exige
a aceitação do órgão competente (art. 20/3 CV69). Note-se que a aceitação de reservas
pode ser tácita - a reserva será tida como aceite por um E se este não tiver objectado
nos 12 meses subsequentes à sua notificação nem no momento em que tiver expresso
o seu consentimento a vincular-se pelo tratado, se o fez posteriormente (art.20/5
CV69).

Recorte da vinculação para os Es: (1º) Para os Es que não formularam reservas
nem objectaram à sua formulação, é o princípio do cumprimento integral que aqui se

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aplica. (2º) Para os Es que formularam reservas e para os que as aceitaram, as reservas
modificam, quanto às disposições que selas são objecto, as relações entre esses Es
(efeitos inter partes). (3º) Havendo Estados que objectaram às reservas, o
relacionamento vai depender da atitude que estes assumirem, visto que: podem
simplesmente ter formado uma objecção; ou podem ter objectado e sido contra a
entrada em vigor. As reservas e as objecções a estas podem ser revogadas, mas não a
aceitação de uma reserva (art. 22/1 e 2 CV 69).
Ao nível interno a competência para emitir, modificar ou revogar reservas
depende das normas constitucionais relativas à aprovação dos tratados.

A reservas distingue-se das declarações interpretativas - declaração unilateral


feita por um Estado qualquer que seja a sua designação, pela qual visa concretizar ou
clarificar o sentido ou alcance que atribui a um tratado ou a alguma das suas
disposições. Mas, se o E subordinar o seu consentimento à aceitação daquela
interpretação, a declaração interpretativa fica sujeita ao regime das reservas.

Depósito dos tratados: Nos tratados multilaterais, existe o instituto de depósito,


também previsto na CV69 – arts. 76- que são/77 - funções deste.

Registo e publicação: A CV69 impõe o registo relativamente a todos os tratados


(art.80) – proibição dos tratados secretos. No entanto a CV não determina a
consequência jurídica da falta de registo. Mas art. 102 CNU diz que nenhuma parte
em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registado poderá
invocá-lo perante a ONU ou o TIJ.

Efeitos dos Tratados perante terceiros


O postulado básico quanto ao efeitos dos tratados é o da relatividade - art. 34
CV69 – princípio da relatividade – um tratado não constitui nem direitos nem deveres
para um E que não seja parte, a não ser com o seu consentimento. No caso de deveres
é necessário que o E terceiro os aceite expressamente e por escrito (art. 35º CV69). Já
no caso de direitos presume-se o consentimento enquanto não haja indicações em
contrário, a menos que o tratado disponha diversamente (art. 36 CV69). Os tratados
abertos são tratados que conferem direitos a terceiros (direito de aderir e de se tornar
parte superveniente).

Constituído o direito/dever, a sua modificação ou revogação depende do


consentimento das partes e do E terceiro, salvo outra regra ter sido estabelecida (art.
37 CV69). Note-se que todos os Estados devem respeitar os tratados concluídos por
outros Es e não interferir na sua execução – oponibilidade dos tratados erga omnes.
Note-se ainda que (1º) é possível que uma norma constante de um tratado se torne
obrigatório em relação a um E terceiro como norma consuetudinária (art. 38 CV69);
(2º) e que a CNU impõe-se aos Es não membros, quer nas relações com Es membros
da organização, quer independentemente dessas relações (arts. 103; 2/6).

Entrada em vigor
Um tratado entra em vigor segundo as modalidades e nas datas fixadas pelas
suas disposições ou convencionadas por acordo dos Es que tenham participado nas
negociações (art. 24/1 CV69). Na falta de disposição a norma supletiva é a de entrar
em vigor logo que o consentimento a ficar vinculado seja manifestado por todos os Es
que tenham participado na negociação (24/2). Quando o consentimento de um E a

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ficar vinculado por um tratado seja manifestado em data posterior à entrada em vigor
o tratado entra em vigor em relação a esse Estado nessa data, a não ser que disponha
diversamente (art. 24/3). Em certos casos admite-se a aplicação de um tratado a titulo
provisório(art. 25 CV 69).

As cláusulas dos tratados não têm aplicação retroactiva (regra geral). A menos
que tal resulte do tratado ou que tenha sido estabelecido de outro modo, as
disposições de um tratado não vinculam uma parte no que se refere a um acto ou facto
anterior ou a qualquer situação que tenha deixado de existir à data da entrada em vigor
do tratado em relação a essa parte (art. 28 CV69).

Modificações dos Tratados:


Antes de 1945, feito um tratado, ele só poderia ser modificado com o
consentimento de todos os Es partes. Quando as relações internacionais se tornaram
mais complexas veio a achar-se que isto seria demasiado excessivo e que podia
paralisar o desenvolvimento do DI. Admitiu-se, então, a modificação de tratados
multilaterais, não por unanimidade mas por maiorias agravadas. Mas note-se que o DI
actual reitera a fixidez dos tratados relativos a fronteiras internacionais; e que há
tratados insusceptíveis de revisão durante certo tempo (por exemplo: Tratado do
Atlântico Norte, de 1949 - 10 anos).

Na CV69, estabelecem-se duas regras procedimentais básicas: o acordo entre


as partes (art. 39, 1ª p); e a possibilidade de cada tratado regular as suas próprias
modificações (art. 39, 2ª p). Quanto ao procedimento de revisão dos tratados
multilaterais admite-se que 2 ou mais partes concluam um acordo destinado a
modificar qualquer destes tratados apenas no respeitante às relações entre si,
verificados determinados pressupostos (art. 41).

Limites materiais à revisão dos tratados:


Há pelo menos um tratado que parece conter limites expressos - convenção do
direito do mar no art. 155/2. Mas a existência de limites materiais verifica-se, desde
logo, no caso dos limites de carácter geral à estipulação originária - e aqui assume
particular relevância o jus cogens e os tratados constitutivos de OI ou outras entidades
internacionais. Mas a ideia de limites materiais parece razoável se estes derivarem do
objecto e fins do tratado - então deveriam ser respeitados os princípios estruturantes,
os objectivos e fins dos tratados.

Cessação de vigência: Pode ocorrer:

a) Por vontade das partes: abrogação – art. 54,b CV69 ou celebração de tratado
ulterior sobre a mesma matéria (art. 59 CV69).
b) Por caducidade: Decurso do prazo de vigência do tratado; execução do próprio
tratado; ou alteração fundamental de circunstâncias ou cláusula rebus sic stantibus
(art. 62).
c) Impossibilidade superveniente de execução (art. 61).
Pode ainda formar-se um costume contrário, mas não parece que tal possa
determinar a cessação total da vigência de um tratado.

Tratando-se de tratados bilaterais, acrescenta-se a estas causas:


a) A denúncia − tem de estar prevista no próprio tratado, caso tal não aconteça, só será

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lícita quando se tiver estabelecido, terem as partes admitido a sua possibilidade ou tal
puder ser deduzido da natureza do tratado (art. 56 CV69).
b) Inexecução do tratado por uma parte.

Em tratados multilaterais a denúncia assume a forma de recesso e este pode


dar-se também com o consentimento de todas as outras partes. Por natureza, não é
admissível o recesso em convenções de codificação e em convenções respeitantes a
situações internacionais objectivas.
A cessação de vigência de um tratado não afecta nenhum direito, obrigação ou
situação jurídica das partes criada em execução do tratado antes desse facto – art. 70.
Note-se que a guerra pode provocar a cessação ou a suspensão de vigência de
certos tratados, mormente bilaterais.

Validade ou invalidade dos Tratados:


Aqui a linha de força é a salvaguarda, tanto quanto possível, da subsistência
dos tratados, daí quatro regras básicas:

 A validade de um tratado ou consentimento só ode ser contestada por


aplicação da CV (art.42)
 A nulidade de um tratado não afecta o dever do E de cumprir todas as
obrigações que constem do tratado às quais ele está adstrito em virtude do DI
independentemente do tratado (art.43)
 Em princípio uma causa de nulidade só pode ser invocada em relação ao
conjunto do tratado (art. 44/2)
 Um E não pode alegar a nulidade de um tratado depois do o ter considerado
válido (art.45)

O regime de invalidade assenta na distinção entre violação de regras de


competência (art. 46- ratificação imperfeita), vícios de consentimento ou na formação
da vontade interna (erro, dolo, corrupção, coacção - arts. 48 a 52) e desconformidade
material (jus cogens - arts. 53 e 64 - invalidade material). As disposições de um
tratado nulo não têm força jurídica - art. 69.

Ver conclusão dos tratados em Portugal nos powerpoints

Nota: Outras fontes: actos unilaterais; jurisprudência e doutrina (são meios auxiliares
para determinar normas de DI. As decisões judiciais não têm efeitos erga omnes – art.
59 ETIJ, i.e., não vale o princípio do precedente. Mas na prática o tbnal tem grande
importância no DI).

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