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A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA E O CASO CONCERNENTE AO


TEMPLO PREAH VIHEAR

Caroline Lima Ferraz

Sumário: Introdução – 1. A Corte Internacional de Justiça – 2. A Cláusula Facultativa


da Jurisdição Obrigatória – 3. Análise de Jurisprudência Internacional: Caso
Concernente ao Templo Preah Vihear – 3.a Dos Fatos – 3.b. Do Direito e Do
Julgamento – Conclusão – Bibliografia

Palavras-chave: Corte Internacional de Justiça, jurisdição facultiva, julgamento,


Tailândia, Camboja, Templo Preah Vihear.

INTRODUÇÃO

Criada com o intuito de ser um órgão jurisdicional permanente


de solução de controvérsias no sistema internacional, a Corte Internacional de Justiça
baseia sua atuação em litígios contenciosos, envolvendo unicamente Estados, e
pareceres consultivos, exclusivos para organizações internacionais.

Sua competência para atuação nos litígios internacionais não se


assemelha ao direito interno, em que todos os cidadãos estão submetidos à jurisdição do
Poder Judiciário. A Corte Internacional de Justiça somente analisa um contencioso com
a expressa manifestação das partes envolvidas, consentindo com um julgamento
imparcial e com sentença de efeitos imediatos e obrigatórios. A regra, na Corte, é a
cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, ou seja, um Estado não poderia ser
submetido a uma corte internacional se não houvesse interesse manifestado na resolução
da lide.

Porém, a obrigatoriedade de jurisdição da Corte tem sido


aplicada nas cláusulas compromissórias, quando Estados firmam acordos internacionais
submetendo à jurisdição do Tribunal conflitos eventuais, mais ou menos definidos
antecipadamente, envolvendo as partes do Tratado.
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Acredita-se que, com a evolução do Direito Internacional –


embora lento –, a atuação da Corte na solução de controvérsias internacionais mude do
jus voluntarium para o jus naecessarium.

E, como o Direito Internacional que caminha para discussões


menos interestatais, a Corte Internacional de Justiça também tem pautado suas decisões
no asseguramento dos Direitos Humanos. As decisões recentes, por exemplo, não se
limitam a discutir temas como fronteiras ou soberania estatal, mas direitos das
populações envolvidas diretamente nos conflitos, como o caso concernente ao Templo
Preah Vihear, na fronteira entre Camboja e Tailândia.

1. CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

O início do século XX trouxe à tona a necessidade de se


estabelecer jurisdições internacionais permanentes para tratar do contencioso
internacional. A primeira iniciativa, embora frustrada, foi a constituição da Corte
Internacional de Presas Marítimas, de 1907, que, por falta no número de ratificações,
não prosperou (TRINDADE, 2013, p. 9).

Neste mesmo ano, o estabelecimento de uma corte regional


para tratar dos contenciosos envolvendo Estados latinoamericanos se materializou:
entrou em vigor a Corte Centro-Americana de Justiça, que atuou até 1918. A Corte era
uma inovação, pois além de discutir contendas entre Estados, aceitava casos envolvendo
também indivíduos. Eram os primeiros avanços do prééminence du droit (rule of law)
no plano internacional (TRINDADE, 2013, p. 10).

As discussões para a criação de um foro internacional


permanente continuaram. Em 1920, é elaborado e adotado o Estatuto da Corte
Permanente de Justiça Internacional – CPJI ou TPJI, que fez uma opção “estritamente
interestatal para o exercício da função judicial internacional em matéria contenciosa”
(TRINDADE, 2013, p. 11), e, embora tenha surgido a pedido da Liga das Nações, não
era vinculada àquela Organização. Os indivíduos, se necessário, deveriam recorrer a
instâncias distintas de direito internacional para resolver lides com os Estados. A CPIJ
atuou até o fim da Segunda Guerra Mundial.

Com o advento de uma nova ordem internacional pós Segunda


Guerra Mundial e a criação de uma organização internacional com maior legitimidade –
3

a Organização das Nações Unidas –, tornou-se imperioso o estabelecimento de um novo


tribunal internacional que fosse o “órgão judicial principal” da ONU (Carta das Nações
Unidas, art. 921) e que fosse um meio jurisdicional pacifico de solução de controvérsias
internacionais. Estabelecia, com isso, vínculo entre a preservação da paz e o respeito às
normas jurídicas (AMARAL JR, 2013, p. 284).

A dissolução da CPJI era necessária porque

as Nações Unidas tinham decidido excluir, no imediato, os Estados


ex-inimigos de toda a cooperação internacional; ora alguns de entre
eles permaneciam partes no Estatuto do T.P.J.I. Outras razões eram
de natureza técnica: a renovação dos Juízes do TPJI dependia de uma
decisão dos órgãos da Sociedade das Nações, que não podiam mais
realizar porque o processo de dissolução da SdN estava já iniciado
(QUOC DINH, pg. 907).

Em 1946, com a dissolução formal da CPJI, a Corte


Internacional de Justiça – CIJ, reuniu-se pela primeira vez e passou a funcionar com
uma sede permanente, no Palácio de Paz da Haia.

A Corte é composta por 15 juízes titulares eleitos pela


Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança, não sendo permitido dois juízes de
mesma nacionalidade. A CIJ tem duas funções primordiais: atuar de forma contenciosa
ou consultiva. A primeira “dirime controvérsias internacionais diretas submetidas a seu
conhecimento pelos Estados litigantes” (TRINDADE, 2013, p. 18). Esse exercício
contencioso encontra-se limitado em sua competência – a ratione personae. Somente
Estados podem apresentar casos contenciosos à Corte, conforme previsto no artigo
34(1)2, do seu Estatuto. Inicialmente, todos os Estados-Membros das Nações Unidas
podem apresentar demandas contenciosas ao Tribunal, mas a Corte também aceita a

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Carta das Nações Unidas,
Artigo 92º
O Tribunal Internacional de Justiça será o principal órgão judicial das Nações Unidas. Funcionará
de acordo com o Estatuto anexo, que é baseado no Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça
Internacional e forma parte integrante da presente Carta.

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Estatuto da Corte Internacional de Justiça,
Artigo 34
1. Apenas os Estados poderão ser partes em casos diante da Corte.
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participação de Estados não membros da ONU, desde que aceitem as condições fixadas
pela Assembleia Geral por recomendações do Conselho de Segurança 3, como “zelar
para que a igualdade das partes no litígio seja assegurada” (QUOC DINH, pg. 911).

Essa posição exclusivamente interestatal não tem sido


satisfatória, visto que as demandas envolvendo indivíduos é constante (TRINDADE,
2013, p. 22), como o Contencioso de Preah Vihear, que será tratado.

QUOC DINH vai além ao afirmar que

(...) A exclusão das pessoas privadas não significa que os litígios


levados ao Tribunal não respeitem aos particulares. Pelo contrário,
numerosos processos julgados pelo TPJI e depois pelo TIJ, em
matéria de responsabilidade internacional, resultam da aplicação da
protecção (sic) diplomática por Estados que toamram o facto (sic) e a
causa pelos seus nacionais e defenderam is seus interesses. (QUOC
DINH, pg. 912).

As Organizações internacionais têm a possibilidade de atuarem


como colaboradas, e nunca partes. A CIJ pode, quando achar necessário, pedir
informações às OI sobre matéria relativa aos processos que examina (QUOC DINH, pg.
912).

A segunda função da Corte é a de emitir Pareceres sobre


questões jurídicas, a pedido de qualquer órgão vinculado à Carta das Nações Unidas. Ao
contrário da função contenciosa, “o processo consultivo não está aberto aos Estados;
somente as organizações internacionais têm acesso a ele” (QUOC DINH, pg. 927).
Alguns Pareceres têm contribuído sistematicamente para a evolução do Direito
Internacional, como as Reparações de Dano (1949) e sobre a Namíbia (1971). Embora
os Pareceres não possuam força de sentença internacional, eles são dotados de validade,
e nenhum Estado ou sujeito de Direito Internacional pode, de boa-fé, desconhecê-los ou
minimizá-los ((TRINDADE, 2013, p. 20).

Por fim, a Corte Internacional de Justiça pode emitir, em


situação de extrema gravidade ou urgência, medidas provisiórias de proteção ou
“Provisional Measures”, de caráter obrigatório.

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QUOC DINH menciona o caso da RFA que, antes de ser aceita na ONU, poderia demandar perante a
Corte.
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A Corte tem adotado, nesses últimos anos, medidas que vão


além da solução de controvérsias envolvendo dois ou mais Estados. No caso
Imunidades Jurisdicionais do Estado (Alemanha versus Itália), a Corte aceitou a
intervenção da Grécia, mesmo não sendo parte. Além disso, a Corte tem tomado
medidas que vão além dos direitos puramente estatais, assegurando, por exemplo, a
aplicação dos Direitos Humanos – caso de Questões Relativas à Obrigação de Julgar
ou Extraditar (Bélgica versus Senegal), atinente ao principio da jurisdição universal sob
a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura, o caso de A.S. Diallo (Guine versus
Congo), sobre detenção e expulsão de estrangeiro, o caso da Aplicação da Convenção
Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Georgia
versus Federação Russa). (TRINDADE, 2013, p. 22-23).

Demonstra-se, com isso, que a Corte tem evoluído junto com o


Direito Internacional, não se atendo somente às demandas envolvendo questões estatais,
como território e soberania.

2. A CLÁUSULA FACULTATIVA DA JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIA

A jurisdição da Corte da Corte Internacional de Justiça se


apresenta como uma “atividade voltada para a definição do direito aplicável, isto é, a
delimitação do que é justo em cada caso concreto, e a partir dos conflitos de conduta”
(ESTEVEZ, apud BRANT, 2012, p. 11), envolvendo os Estados-Membro das Nações
Unidas.

No direito internacional, diferentemente do que acontece no


direito interno, em que prevalece a compulsoriedade da jurisdição estatal – todos estão
submetidos às normas jurídicas –, “a competência da Corte e das demais instâncias
jurisdicionais na esfera internacional resulta da vontade dos Estados soberanamente
manifestada” (AMARAL JR, 2013, p. 285). Assim, um Estado não poderia ser
submetido a uma corte internacional se não houvesse interesse manifestado na resolução
da lide. Para dirimir qualquer questão, foi admitida a cláusula facultativa de jurisdição
obrigatória.

A Cláusula foi idealizada pelo diplomata brasileiro Raul


Fernandes, que, na década de 1920, defendia que os Estados se sujeitassem às decisões
das cortes internacionais apenas quando manifestassem interesse, por determinado
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período de tempo ou para conflitos específicos (AMARAL JR, 2013, p. 286). Durante a
Conferência de São Francisco, muitos defendiam que a competência da Corte
Internacional de Justiça deveria ser obrigatória, outros, como os representantes dos
EUA e da URSS, opunham-se veementemente e defendiam a manutenção da cláusula
facultativa de jurisdição, que já fazia parte do Estatuto da CPIJ.

Segundo Cançado Trindade, a intenção inicial era, de acordo


com o artigo 36(2), do Estatuto da Corte da Haia, a de

atrair a aceitação de todos os Estados e (de) estabelecer a jurisdição


internacional resguardando a igualdade jurídica dos Estados; no
entanto, a prática estatal de agregar posteriormente restrições (não
previstas no Estatuto) à aceitação e tal cláusula desvirtuou o ideal
inicialmente professado (TRINDADE, 2013, p. 40).

Ainda segundo o autor, todos os

Estados-Membros das Nações Unidas são ipso facto partes dos


Estatuto da CIJ, mas apenas 67 deles aceitaram a jurisdição
obrigatória da CIJ consoante o artigo 36(2) de seu Estatuto,
(prevalecendo, assim) a célebre ‘Clausula Raul Fernandes’, ou
cláusula facultativa da jurisdição obrigatória. (TRINDADE, 2013, p.
18).

Assim, a competência da Corte Internacional de Justiça para


dirimir lides é, em regra, na cláusula facultativa da jurisdição obrigatória, segundo a
qual, os Estados não estão submetidos à jurisdição do Tribunal para um dado litígio
senão quando consentirem para a atuação do Tribunal. A exceção seria a cláusula
obrigatória de jurisdição (QUOC DINH, pg. 914).

A necessidade de manifestação do consentimento dos Estados


para que a Corte exerça sua competência contenciosa é exigida sistematicamente e em
termos categóricos, como no caso Direitos das minorias da Alta-Silésia ou no Fábrica
de Chorzow, em que a Corte afirmou que “A Jurisdição do Tribunal depende da vontade
das partes” (QUOC DINH, pg. 912).

A expressão desse consentimento deve ser clara e pautada no


compromisso, documento onde se espremi o consentimento das partes. A Corte já se
manifestou no sentido de que a aceitação pode ser tácita quanto a parte apresenta defesa
– forum prorrogatum, caso do Estreito de Corfu. (QUOC DINH, pg. 913-914).
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Quando admitida a competência da Corte, suas sentenças são


obrigatórias para as partes envolvidas, tendo força de coisa julgada. Além disso, “as
questões jurídicas decididas, apesar de se referirem aos litigantes, constituem
precedentes de alcance geral” (AMARAL JR, 2013, p. 287).

Acredita-se que, com a evolução do Direito Internacional –


embora lento –, a atuação da Corte na solução de controvérsias internacionais mude do
jus voluntarium para o jus naecessarium. Cançado Trindade afirma que os Estados têm
adotado cada vez mais cláusulas compromissórias, no intuito de tornar a competência da
Corte obrigatória para todos os Estados, “sem fazer concessões indevidas ao
voluntarismo estatal” (TRINDADE, 2013, p. 39). Segundo ao autor,

(...) em aditamento, cerca de 128 convenções multilaterais e 166


tratados bilaterais contêm clausulas prevendo o recurso à CIJ para a
soliçao de controvérsias sobre sua interpretação ou aplicação, as
chamadas cláusulas compromissórias”. (TRINDADE, 2013, p. 18).

Afirma, por fim, que “as cláusulas compromissórias, em


particular, se corretamente interpretadas e aplicadas, podem propiciar avanços rumo à
jurisdição internacional obrigatória” (TRINDADE, 2013, p. 43).

Segundo QUOC DINH, nesses acordos jurídicos, a jurisdição


da Corte é obrigatória, pois o “compromisso de se submeter à jurisdição do Tribunal
assenta sobre conflitos eventuais, mais ou menos definidos antecipadamente”. (QUOC
DINH, pg. 914).

3. ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL – CASO


CONCERNENTE AO TEMPLO PREAH VIHEAR

3.a. DOS FATOS

O Templo Hindu de Preah Vihear, situado próximo à fronteira


do Camboja e Tailândia, foi objeto de discussão e decisão na Corte Internacional de
Justiça em 1962. A lide envolvendo os dois países, contudo, não se encerraram na
década de 1960, continuando até os dias atuais.
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Em 1904, Tailândia (então Sião) e as autoridades coloniais


francesas que administravam o Camboja formaram uma comissão para demarcar a
fronteira entre o Estado tailandês e a colônia francesa. Durante as negociações, as partes
acordaram que, na região no Templo, deveria prevalecer a linha do divisor de águas da
montanha Dângrek. Com essa delimitação geográfica, o Templo hindu ficaria em
território tailandês.

Entretanto, em 1907, os oficiais franceses apresentaram às


autoridades tailandesas um mapa colocando o Templo de Preah Vihear completamente
no lado Cambojano. Na ocasião, as autoridades tailandesas aceitaram a delimitação
sugerida no mapa francês e não apresentou oposição qualquer.

Com a independência das províncias da Indochina em 1954, a


Tailândia invadiu o Templo de Preah Vihear, com destacamentos de forças armadas, e o
declarou território tailandês.

Tendo em vista a violação do território cambojano e um afronta


à soberania local, em 6 de outubro de 1959, Camboja apresentou uma Petição junto à
Corte Internacional de Justiça requerendo a apreciação do caso. aO Camboja queria o
reconhecimento internacional da soberania do Templo Preah Vihear, a retirada dos
destacamentos militares tailandeses localizados na área do templo desde 1954, bem
como a devolução todas as esculturas, obeliscos, totens, fragmentos de monumentos,
modelos em arenito e cerâmicas antigas que teriam sido removidas da área. Dentre os
documentos apresentados pelo Camboja estava o Mapa feito pelas autoridades francesas
em 1907.

Em sua defesa, a Tailândia apresentou preliminares e


incompetência da Corte para julgar o caso, argüindo que a área estava sob sua jurisdição
por força de Tratado de 1905, que previa a linha do divisor de águas da Montanha
Dângêk; que as provas materiais atestavam sua soberania sobre a área; que o Camboja
nunca administrou a referida área efetivamente, ou o fez de modo esporádico; que a área
estava geograficamente melhor conectada ao território tailandês, visto que o mapa de
1907 era inválido e que não era um documento oficial, além de violar as diretrizes
estabelecidas entre França e o então Sião. Afirmou ainda que as autoridades tailandesas,
à época da apresentação do mapa de 1907, não perceberam o erro ou não conferiram as
coordenadas corretamente.
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Em maio de 1961, as preliminares apresentadas pelo Governo


da Tailândia foram rejeitadas, passando assim para o julgamento do mérito da questão.

Foram apresentadas provas de que um grupo composto por


tailandeses e franceses viajaram até o Templo de Preah Vihear em 1906 para
delimitação das fronteiras e que, em janeiro de 1907, o Presidente da Comissão francês
comunicou a seu Estado que as fronteiras entre os dois países tinham sido
definitivamente demarcadas. A etapa seguinte seria a confecção dos mapas, feita por
técnicos franceses, incluindo membros da comissão mista que visitou região de Dângêk.
Não houve qualquer contestação feito pelo governo da Tailândia. Com base nesse mapa
não contestado, nem na época nem anos depois, o Camboja reconheceu a área como seu
território.

Julgando o pedido feito pelo Camboja, a Corte entendeu, por 9


votos a 3, que o Templo de Preah Vihear está situado no território cambojano; que a
Tailândia deve retirar qualquer força policial ou militar dá área; e, por 7 votos a 5, que a
Tailândia deve devolver qualquer objeto porventura retirado dá área.

Mesmo com a decisão da Corte Internacional de Justiça em


1962, as tensões fronteiriças não foram apaziguadas. Em 2008, o Templo de Preah
Vihear foi declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, sob forte pressão
tailandesa.

Um novo conflito pelo Templo ocorreu, em 2011, quando o


governo cambojano acusou e julgou militares tailandeses de espionagem, entrada ilegal
na zona de litígio, destruição de parte do templo e assassinato de civis que moravam
próximos ao Templo. Desde então, a região é alvo de constantes ataques de ambos os
países.

Em fevereiro do mesmo ano, o Camboja apresentou petição


junto à Corte Internacional de Justiça para que a Tailândia parasse com as ações
militares que colocavam em risco a vida de civis e a integridade do Templo. A Corte,
por 11 votos a 5, ordenou “Provisional Measures” emergenciais para que os dois países
cessassem imediatamente as ações militares na fronteira, impondo restrições às forças
policiais locais. Além dessas medidas, a Corte exortou a Tailândia para que parasse
“qualquer ato ou ação que possa interferir nos direitos do Camboja ou agravar a disputa
inicial”. (CIJ. Summary 2011/15 – 18 ju. 2011).
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3.b DO DIREITO E DO JULGAMENTO

Quanto ao questionamento da legitimidade da Corte, cabe


ressaltar, como dito anteriormente, que as discussões para a criação de uma jurisdição
permanente com competência geral surgiram antes mesmo do fim da Segunda Guerra
Mundial. Durante as negociações para a criação das Organizações das Nações Unidas,
foi acertado o estabelecimento da Corte Internacional de Justiça como principal órgão
judiciário da instituição.

No caso em questão, a Tailândia argüiu a incompetência da


Corte para o julgamento do caso, alegando que não havia aceitado a jurisdição
compulsória da instituição. A preliminar foi rejeitada em julgamento próprio para a
discussão do tema em 26 de maio de 1961. A Corte apresentou Declaração tailandesa de
20 de maio de 1950, com os seguintes termos:

I have the honour to inform you that by a declaration dated September


20, 1929, His Majesty’s Government has accepted the compulsory
jurisdiction of the Permamente Court of International Justice in
conformity with Article 36, paragraph 2, of the Statute for a period of
10 years and on condition of reciprocity. That declaration has been
renewed on May 3, 1940, for another period of ten years.
In accordance with the provisions of Art. 36, paragraph 4, of the
Statute of the International Court of Justice, I have now the honour to
inform you that His Majesty’s Government hereby renew the
declaration above mentioned for a further period of ten years from
May 3, 1950, with the limits and subject to the same conditions and
reservations as set forth in the first declaration of September 20,
1929.
Assim, a jurisdição da Corte valeria para questões envolvendo a
Tailândia até 3 de maio de 1960.

No julgamento de mérito, ocorrido em 15 de junho de 1962,


estavam presentes o Presidente da Corte, Juiz Winiarsky, seu Vice-Presidente, Juiz
Alfaro, e os juízes Badawi, Moreno Quintana, Wellington Koo, Spiropoulos, Sir Percy
Spencer, Sir Gerald Fitzmaurice, Koretsky, Tanaka, Bustamante y Rivero, e Morelli.

As discussões basearam-se na teoria de fixação de fronteiras e


dos atos unilaterais dos Estados.

O processo de fixação de fronteiras é composto por várias


fases, sendo elas a delimitação, que consiste em uma operação política e jurídica de
fixação de extensão espacial dos poderes estatais, a demarcação, que prevê a
11

transferência para o terreno do que foi debatido na delimitação, e, por fim, a


implantação de extremas, com a fixação de marcos, estacas etc. (QUOC DINH, pg.
477).

Estabelecer uma fronteira é, segundo defendido no Caso


Concernente ao Templo de Preah Vihear, um compromisso para o futuro. “De maneira
geral, quando dois países definem entre si uma fronteira, um dos seus principais
objetivos é estabelecer uma situação estável e definitiva (Rec. 1962, p. 34).

No caso concernente ao Templo de Preah Vihear, as


negociações para o estabelecimento definitivo das fronteiras surgiu com a constituição
da Comissão mista formada por oficiais franceses e tailandeses em 1904. Além disso,
novos tratados franco-siameses foram firmados em 1925 e 1937, mantendo o Templo
dentro do território cambojano. Em 1947, em Washington, foram realizadas reuniões da
Comissão Conciliadora Franco-Siamesa para discutir novamente a fronteira entre os
territórios franceses na Indochina e a Tailândia. (CIJ. Communiqué n. 62/16).

O julgamento também é relevante porque foram aceitos como


prova os atos unilaterais praticados pelo governo francês durante as negociações de
delimitação de fronteiras com governo da Tailândia, então Sião, e a falta de negativa por
parte do governo tailandês em questionar o mapa apresentado em 1907.

Segundo Quoc Dinh, “embora o art. 38º do Estatuto do T.I.J


não lhe faça menção, a existência de actos (sic) pelos quais um Estado, agindo sozinho,
exprime a sua vontade e que produzem efeitos em direito internacional é indiscutível”.
Boa parte da doutrina internacional admite como atos unilaterais

as manifestações de vontade, emitidas sem o menor vinculo com um


tratado ou um costume. Tais actos (sic) satisfazem a condição de
autonomia, visto que a sua validade não depende da sua
compatibilidade com outro acto (sic) jurídico, unilateral, bilateral ou
multilateral (QUOC DINH, pg. 370).
Dentre as classificações materiais para atos unilaterais está o
protesto. Protesto constitui uma vertente negativa do reconhecimento, pois trata-se de
uma ato pelo qual o Estado reserva os seus próprios direitos face às reivindicações de
outro Estado ou contra uma regra em vias de formação.

No caso concernente ao Templo de Preah Vihear, uma falta de


protestos inequívoca equivale a reconhecer os direitos dos outros Estados ou a validade
de uma situação originariamente contestável.
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O Reino do Sião e, posteriormente, a Tailândia não se manifestaram


contrários aos mapas apresentados pelos representantes franceses no
início do século XX. Pelo contrário, a Tailândia continuava a publicar
mapas com o templo de Preah Vihear no território cambojano. O tema
da localização do Templo não foi discutido e, sequer, levantado pelas
autoridades tailandesas nos tratados Franco-siameses de 1925 e 1937,
nem nas reuniões da Comissão Conciliadora Franco-Siamesa de
1947. (CIJ. Communiqué n. 62/16).
As discussões somente surgiram após a retirada das tropas
francesas da Indochina e a invasão do Templo pelos tailandeses. Mais de meio século se
passou para que a Tailândia reivindicasse o que acha seu de direito. Além disso,

The natural inference was that she (Thailand) hás accepted ther
frontier at Preah Vihear as it was draw on the map, irrespective of its
correspondence with the watershed line. (…) Even if there were any
doubt in this connection, Thailand was now precluded from asserting
that she had not accepted it since France and Cambodia had relied
upon her acceptance and she had for fifty years enjoyed such benefits
as the Treaty of 1904 had conferred on her.(CIJ. Communiqué n.
62/16)
Por fim, um novo julgamento quanto às conseqüências da
Decisão da Corte Internacional de Justiça no caso Templo Preah Vihear deve ocorrer
nos próximos anos, visto petição do Camboja solicitando a reinterpretação da decisão de
1962. “Provisional Measures” emergenciais foram solicitadas com base na defesa da
soberania cambojana, sua integridade territorial e o direito de não interferência
incumbido à Tailândia.

Segundo Cançado Trindade, Juiz da Corte Internacional de


Justiça e que participou diretamente na elaboração das “Provisional Measures”,

o Caso Preah Vihear (Camboja versus Tailândia), reaberto depois de


meio século, a CIJ, tendo presentes não so a questão territorial como
também os riscos sofridos pela população local, indicou ou ordenou
medidas provisórias de proteção, determinando, pela primeira vez em
sua história, a criação de uma zona desmilitarizada na região, que
desde então pôs fim ao conflito até o presente (setembro de 2012). Há
possibilidades de reabertura tanto para interpretação (como no caso
do Templo de Preah Vihear), como para revisão”. (TRINDADE,
2013, p. 20).

Assim, as medidas foram acatadas, no sentido de cessar


imediatamente qualquer conflito armado na região, visto que população civil está sendo
vítima dos ataques de ambos os lados.
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CONCLUSÃO

As medidas provisiórias de proteção ou “Provisional


Measures”, de caráter obrigatório, impostas pela Corte Internacional de Justiça, da a
situação de extrema gravidade ou urgência, no caso concernente ao Templo Preah
Vihear, na fronteira entre Camboja e Tailândia, é uma amostra da evolução do Direito
Internacional em prol de direitos e garantias que vão além dos interesses estatais
clássico.

A CIJ, formulada ainda nas discussões da criação das Nações


Unidas, é o órgão jurisdicional permanente de solução de controvérsias no sistema
internacional, com sentenças de caráter obrigatório. Sua atuação é pautada em julgar
contenciosos envolvendo apenas Estados – sendo membros ou não das Nações Unidas,
mas desde que aceitem as diretrizes da Assembleia Geral, recomendadas pelo Conselho
de Segurança –, ou atuar como órgão consultivo das organizações internacionais.

A competência ratione personae, ou seja, exclusiva para os


Estados, é diferente da adotada no direito interno, em que todos as pessoas estão
submetidas à jurisdição estatal. A jurisdição da Corte é pautada na vontade dos Estados
soberanamente manifestada de participar de determinada lide. Com isso, um Estado não
poderia ser submetido à Corte se não houvesse interesse manifestado na solução da
controvérsia internacional. Para dirimir qualquer questão, foi admitida a cláusula
facultativa de jurisdição obrigatória, que já era aceita no Tribunal Permanente de
Justiça Internacional, precursor da CIJ. É o chamado jus voluntarium.

Porém, nada impede que, com a evolução do Direito


Internacional – embora lento –, a atuação da Corte na solução de controvérsias
internacionais mude do jus voluntarium para o jus naecessarium. que o jus necessarium
seja a regra, como ocorre nas cláusulas compromissórias de diversos tratados
internacionais vigentes.

BIBLIOGRAFIA

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