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A, sociedade de direito irlandês, com sede em Dublin (Irlanda), oferece em França, mediante

o pagamento de uma comissão, uma plataforma eletrónica cuja finalidade é pôr em contacto
i) particulares que dispõem de locais de alojamento para arrendar e ii) pessoas que procuram
esse tipo de alojamento. A propõe, ainda, aos senhorios um certo número de outros serviços,
como um modelo que define o conteúdo da sua oferta e uma cobertura de danos até €
800.000,00. Em janeiro, uma associação representativa de empresas ativas no arrendamento
de imóveis (H) apresentou uma queixa contra A, alegando que esta não se limitaria a pôr em
contacto duas partes através de uma plataforma, oferecendo serviços complementares
característicos de uma atividade de locação de imóveis, motivo por que estaria sujeita ao
respeito da legislação nacional que determina que a referida atividade apenas pode ser
realizada por pessoa singular ou coletiva titular de carteira profissional a emitir pelo
presidente da Câmara Municipal competente. Perante a autoridade nacional competente, A
requereu o arquivamento do processo, à luz do artigo 4.º da Diretiva X - não transposta pelo
Estado francês -, com o seguinte teor: «Os Estados-Membros assegurarão que o exercício e a
prossecução da atividade de prestador de serviços da sociedade da informação não podem
estar sujeitas a autorização prévia ou a qualquer outro requisito de efeito equivalente».

1. Nos considerandos da Diretiva X pode ler-se: «A legislação comunitária e as


características da ordem jurídica comunitária constituem um meio essencial para que
os cidadãos e os operadores europeus possam beneficiar, plenamente e sem
consideração de fronteiras, das oportunidades proporcionadas pelo comércio
electrónico». Partindo da afirmação transcrita, explique que características ou
objetivos da União poderão justificar uma legislação que visa facilitar o
desenvolvimento do comércio eletrónico na sociedade da informação. (4 valores)
⎯ O mercado interno como objetivo setorial da UE, nos termos dos artigos 3.º, n.º 3 TUE e 26.º e 27.º
TFUE.
o Valorizou-se, em particular, a identificação da base legal para a adoção da Diretiva: artigo
114.º TFUE.
⎯ O mercado interno como um espaço sem fronteiras internas, no qual é assegurada a livre circulação
de mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais, bem como a liberdade de estabelecimento.
⎯ O desenvolvimento dos serviços da sociedade da informação num espaço sem fronteiras internas
como imperativo na eliminação das barreiras que dividem os povos europeus e a necessidade de
remoção de quaisquer obstáculos ou medidas de controlo que possam fazer perigar a livre prestação
dos serviços e o estabelecimento dos respetivos prestadores.

NB: as questões 2. e 3. foram objeto de ponderação global, sempre que mais favorável aos estudantes.

2. Que princípio se encontra subjacente à defesa de A, assente na referência ao artigo


4.º da Diretiva X? (3 valores)
⎯ Identificação do princípio do efeito direto como característica da Ordem Jurídica da UE, que respeita
à produção de efeitos e não à vigência da norma.
⎯ Significado: a possibilidade de invocação, pelos particulares, de determinadas normas de Direito da
União.
⎯ Da negação inicial do efeito direto das disposições de uma Diretiva (atentas as respetivas
características – cf. art. 288., §3 TFUE) à sua aceitação, como remédio para casos patológicos, a saber:
i) a não transposição atempada da Diretiva ou ii) a sua transposição deficitária.

3. Poderia A, nas condições descritas, invocar o referido artigo 4.º da Diretiva em seu
favor? (3 valores)
⎯ Identificação de um possível caso patológico fundante da invocação das normas da Diretiva (a não
transposição atempada da Diretiva pelo Estado francês).
⎯ Admissibilidade do efeito direto vertical e recusa do efeito direto horizontal.
⎯ A norma prevista no artigo 4.º da Diretiva como uma norma suficientemente clara, precisa e
incondicional para que lhe seja reconhecido efeito direto, podendo ser invocada por A, em seu favor,
perante os órgãos jurisdicionais nacionais.
o Valorizou-se a referência ao princípio da cooperação leal (cf. art. 4.º, n.º 3 TUE), em conexão
com a necessidade de o Estado francês revogar eventual legislação impeditiva da plena
execução das normas da Diretiva.

O juiz de instrução do tribunal de 1.ª Instância tem diversas dúvidas sobre o sentido do conceito
«atividade de prestador de serviços da sociedade da informação» e se a legislação nacional em apreço
afeta o art. 4.º da Diretiva.

4. A solicita o reenvio para o Tribunal Geral. Será este tribunal competente? (1 val.)
⎯ Explicitação da estrutura “unitária” do TJUE, composto pelo Tribunal de Justiça em sentido estrito,
pelo Tribunal Geral e pelos tribunais especializados (art.º 19.º, n.º 1 TUE) e afirmação da competência
do TJUE para conhecer das questões prejudiciais colocadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, nos
termos do art.º 267.º TFUE e do art.º 19.º, n.º 3, al. b) TUE.
⎯ Conclusão pela competência do Tribunal Geral para decidir sobre questões prejudiciais, mas apenas
nas matérias especificamente previstas nos Estatuto do TJUE (art.º 256.º, n.º 3 TFUE). Todavia, o
Estatuto do TJUE não identificou essas matérias, pelo que na prática, e por enquanto, o Tribunal Geral
não dispõe de competência no âmbito do reenvio prejudicial, a qual cabe em exclusivo ao TJ.

5. O juiz, porém, não efetua o reenvio, em conformidade com o novo regime disciplinar dos
magistrados, que prevê a instauração de um processo disciplinar quando os juízes de 1.ª
Instância adotem qualquer decisão que ponha em causa a efetividade das decisões do
Tribunal Constitucional. Analise a situação, considerando o regime do reenvio e a sua
relevância na ordem jurídica da UE. (4 val.)

⎯ Menção ao reenvio prejudicial previsto no art.º 267.º TFUE como “pedra angular” do sistema
jurisdicional de DUE, traduzindo-se num mecanismo de cooperação ou “diálogo juiz a juiz”, tendo
como principais objetivos assegurar a unidade de interpretação e aplicação do DUE (princípio da
uniformidade), a sua coerência, o seu pleno efeito (efetividade), a sua autonomia e, em última
instância, a sua adequação e validade.
⎯ Identificação das duas modalidades de reenvio prejudicial, reconduzindo a hipótese ao reenvio de
interpretação (art.º 267.º, al. b) TFUE).
⎯ Distinção entre reenvio facultativo e reenvio obrigatório (art.º 267.º, § 2-3 TFUE), concluindo pela
presença, no caso, de uma hipótese de reenvio facultativo.
⎯ A decisão de proceder ao reenvio (e, bem assim, a qualificação de uma determinada questão como
prejudicial e “necessária” para estes efeitos) como competência exclusiva do órgão jurisdicional
nacional, que tem a mais ampla faculdade de recorrer ao TJ, faculdade essa que é exercida livremente
a qualquer momento do processo.
⎯ Conclusão pela inaceitabilidade de qualquer regime nacional que diminua a liberdade dos juízes
nacionais para recorrer ao reenvio prejudicial, estando até em causa a afetação da sua independência
enquanto “juízes comuns” de DUE (valorizou-se, em particular, a identificação do princípio da tutela
jurisdicional efetiva, como relevante na aplicação do Direito da UE – cf. artigo 19.º TFUE. Os tribunais
nacionais como tribunais comuns de Direito da UE e a necessidade de respeito pela sua
independência, quando esteja em causa a efetivação de direitos resultantes do Ordenamento
Jurídico da UE).

6. Um membro do PE dirigiu uma pergunta escrita à Comissão exigindo que esta informe que
iniciativas pretende desencadear em relação «à flagrante violação de valores fundamentais e
do DUE». Qual o tipo de competências do PE aqui presente? (1 val.)

⎯ A possibilidade de os membros do PE colocarem questões à Comissão, a qual está obrigada a


responder-lhes por escrito ou oralmente – art.º 230.º TFUE.
⎯ Recondução da situação à competência do PE de controlo político da Comissão no âmbito da
dependência “funcional” desta em relação àquele (art.º 14.º, n.º 1 TUE).

7. Indique e explique que iniciativas pode a Comissão desencadear. (4 val.)


⎯ Breve menção ao compromisso axiológico da UE e dos EM presente no art.º 2.º TUE, estando em
causa o Estado de Direito numa das suas múltiplas dimensões, designadamente a tutela jurisdicional
efetiva e a independência do sistema judicial.
⎯ No âmbito da tutela dos valores fundacionais da UE, referência à multiplicidade de instrumentos
políticos e jurisdicionais vigentes e à disposição da Comissão (v.g.: quadro do Estado de Direito para
a UE, regime geral da condicionalidade, etc.).
⎯ Em especial, referência e explicação do art.º 7.º TUE (a proposta da Comissão no âmbito do braço
preventivo e sancionatório) e da acção por incumprimento (art.º 258.º TFUE).

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