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DIREITO CONSTITUCIONAL II

1.º Módulo de Hipóteses e Situações Práticas

Estruturas normativas

ANO LETIVO 2021/2022

JOANA NETO ANJOS - ASSISTENTE CONVIDADA FDUC

Nota prévia: A presente compilação de casos e hipóteses práticas relativos à matéria das estruturas
normativas destina-se aos alunos da disciplina de Direito Constitucional II da 1.ª e 2.ª turmas
teóricas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, do ano letivo 2021/2022, e tem
como principal objetivo o auxílio na preparação do estudo prático para efeitos de avaliação. Por
conseguinte, e por motivos pedagógicos, os casos encontram-se resolvidos de forma sintética e
adequada para o tempo disponível numa prova escrita. Sendo este apenas um meio auxiliar de
estudo, não prescinde de uma leitura cuidada do manual da disciplina e das leituras complementares
indicadas para o módulo temático em questão.

CASO 1
A Assembleia da República aprovou hoje uma lei ordinária que estabelece novos
requisitos para a atribuição de cidadania portuguesa, designadamente, permite a aquisição
da nacionalidade pelos indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros
que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, se declararem que querem ser
portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida
legalmente há pelo menos três anos, reduzindo assim o prazo para a exigência da
residência em dois anos.
1. Esta lei é compatível com a Constituição? Fundamente.
O caso em apreço diz respeito à matéria dos requisitos de atribuição de cidadania portuguesa,
atualmente regulados na Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade), que sofreu já
diversas atualizações.
Tal como resulta do disposto na alínea f) do artigo 164.º Constituição da República Portuguesa
(CRP, doravante), conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 166.º da CRP, a matéria relativa à
aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa (matéria da nacionalidade) não só constitui
uma reserva de competência legislativa absoluta do parlamento, como tem de ser disciplina através
de um tipo especial de lei parlamentar, ou seja, através de uma lei orgânica.
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A nacionalidade é, portanto, uma das matérias que, segundo o princípio da tipicidade das leis
orgânicas (artigo 166.º/2 da CRP), tem de ser disciplinada através de uma lei que obedece a um
procedimento de elaboração específico e mais agravado e que tem também uma forma própria e
uma numeração própria.
Assim, e apesar de a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, ainda não respeitar esta forma, por ser
anterior à consagração constitucional desta nova tipologia de leis – recordamos que as leis orgânicas
só foram introduzidas entre nós na Lei de Revisão Constitucional n.º 1/89 –, todas as alterações
legislativas a este regime jurídico ou relativas a esta matéria, posteriores a 1989, têm de respeitar a
forma de lei orgânica. Foi assim com as alterações legislativas à Lei n.º 37/81, introduzidas pelas
Leis Orgânicas n.ºs 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho,
8/2015, de 22 de junho e 9/2015, de 29 de julho.
Aliás, em 2013, a Assembleia da República chegou a aprovar uma alteração legislativa à Lei n.º
37/81 através de uma lei ordinária – a Lei n.º 43/2013, de 3 de julho –, mas tendo-se apercebido
atempadamente do erro, acabaria por determinar, através da Declaração de Rectificação n.º
33/2013 que: “Para os devidos efeitos, observado o disposto no n.º 2 do artigo 115.º do Regimento da Assembleia
da República, declara-se que a Lei n.º 43/2013, de 3 de julho, «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro
(Lei da Nacionalidade)», publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 126, de 3 de julho de 2013, foi, por
lapso, publicada como lei e não como lei orgânica, pelo que se anula a referida publicação, procedendo-se à sua
publicação autónoma e integral, atribuindo-se-lhe a designação de lei orgânica com numeração própria”. No
seguimento desta retificação, a Lei n.º 43/2013, de 3 de julho, foi anulada e, posteriormente,
publicado o seu conteúdo como Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho.
Para além da forma especial, a lei orgânica está igualmente subordinada a um procedimento mais
exigente de formação legislativa, ou seja, um procedimento específico de feitura. Além dos requisitos
formais e procedimentais de qualquer lei da Assembleia da República, a maior parte das leis
orgânicas são obrigatoriamente votadas na especialidade no Plenário (e não em comissões
parlamentares especializadas), nos termos do artigo 168.º/4 da CRP. Neste sentido, pode afirmar-
se que esta categoria de lei não está sujeita apenas a reserva do Parlamento mas, mais do que isso,
a reserva de Plenário.
Ainda nos termos do artigo 168.º, mas acordo com o seu n.º 5, as leis orgânicas carecem de
aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, contrariamente
à maioria simples ou relativa que se exige para as restantes leis do parlamento (artigo 116.º/3).
As leis orgânicas exigem uma maioria qualificada (2/3 dos deputados presentes, desde que
superior a maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções) e, por conseguinte, um largo

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consenso parlamentar para a superação do veto político do Presidente da República, nos termos do artigo
136.º/3.
Quer isto dizer que quando o legislador se engana e corrige a forma de lei ordinária em que é
aprovada uma alteração à Lei da Nacionalidade para lei orgânica, a inconstitucionalidade só se pode
ter por sanada se o diploma tiver também observado, no respetivo procedimento de feitura, as
exigências acrescidas em matéria de procedimento e de maioria qualificada para a respetiva
aprovação. Caso contrário, embora a inconstitucionalidade formal fique sanada, o diploma continuará
ainda a padecer de uma inconstitucionalidade procedimental.
Finalmente, ao nível das leis orgânicas verifica-se um alargamento da legitimidade processual ativa
para suscitar a fiscalização abstrata preventiva da constitucionalidade das suas normas, já que, para
além do Presidente da República, podem pedir a fiscalização o Primeiro-Ministro ou um quinto
dos deputados à Assembleia da República em efetividade de funções (artigo 278.º/4).
In casu, o Parlamento aprovou a alteração aos requisitos de atribuição da cidadania portuguesa
por lei ordinária e não, como era constitucionalmente obrigatório, através de uma lei orgânica.
Nessa medida, a aprovação de uma alteração a uma norma constante de uma lei orgânica sem a
forma de lei orgânica consubstancia uma inconstitucionalidade formal. Pese embora nada sendo dito
quanto ao procedimento parlamentar seguido, assumindo que não foi cumprido o procedimento
específico de feitura de uma lei orgânica nem respeitada a maioria necessária para a sua aprovação,
o diploma em causa padece ainda de uma inconstitucionalidade procedimental.
Esta inconstitucionalidade pode ser suscitada, em sede de fiscalização preventiva, pelo
Presidente da República, pelo Primeiro-Ministro ou por um quinto dos deputados à Assembleia da
República em efetividade de funções, isto significa que o Presidente da República estaria impedido
de a promulgar sem que tivessem decorrido os oito dias após a respetiva receção (artigo 278.º/7 da
CRP).

2. O artigo 5.º da Lei da Nacionalidade estipula que “o adotado plenamente por


nacional português adquire a nacionalidade portuguesa”, admitindo-se como fundamento
de oposição a essa aquisição, nos termos da alínea a) do artigo 9.º a “inexistência de
ligação efetiva à comunidade nacional”.
Com o intuito de esclarecer alguns aspetos procedimentais em relação à oposição à
aquisição de nacionalidade em caso de adoção, o parlamento decide aproveitar o
procedimento legislativo de revisão do regime jurídico da adoção internacional, aprovado
por lei ordinária do parlamento, para aí consagrar uma presunção de inexistência de

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ligação efetiva à comunidade nacional sempre que o adotado tenha mais de 15 anos e não
conheça a língua portuguesa.
Pode esta norma do regime jurídico da adoção internacional considerar-se válida?
A questão que agora se coloca prende-se com o problema da completude das leis orgânicas e com o
seu carácter de leis de valor reforçado.
A presunção de inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional consagrada no regime
jurídico da adoção internacional, que é uma lei ordinária da Assembleia da República, acaba por
“interferir” com o disposto nos artigos da Lei da Nacionalidade e, senão derrogar, pelo menos
modificar o seu sentido. Ora, as leis orgânicas devem esgotar a matéria sobre que versam, pelo que,
neste caso, a Lei n.º 37/81 não pode deixar para outras leis a regulação de aspetos relacionados
com a nacionalidade, como seria o caso do estabelecimento de presunções sobre os fundamentos
da oposição à aquisição da nacionalidade. Quer isto dizer, que o princípio da completude das leis orgânicas
impede que a presunção agora consagrada no regime jurídico da adoção internacional possa ser
considerada um elemento complementar do regime jurídico da nacionalidade.
Acresce que a referida presunção constitui uma violação do disposto no artigo 9.º da Lei da
Nacionalidade, pois o que aquele artigo pretende é que em cada caso possa ser suscitada
judicialmente a oposição à atribuição da nacionalidade, segundo a prova recolhida e carreada pelo
Ministério Público para a ação (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2016,
publicado no Diário da República de 30 de setembro de 2016), procurando desta forma “dotar o
Estado Português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem
nenhuma ligação afetiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis
pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa". A consagração de uma presunção viola o sentido
da norma da lei da nacionalidade e, mesmo sendo uma norma posterior, não pode considerar-se
derrogatória da primeira, na medida em que consta de uma lei ordinária do parlamento e a Lei da
Nacionalidade, por ser uma lei orgânica e, consequentemente, uma lei de valor reforçado segundo
o disposto no artigo 112.º/3 da CRP, tem, neste caso, primazia.
Assim, a norma do regime jurídico da adoção internacional, embora conste de uma lei do
parlamento integra uma lei ordinária, razão pela qual padece de uma ilegalidade material qualificada
(ilegalidade reforçada), que pode ser fiscalizada pelo tribunal constitucional em sede de fiscalização
abstrata sucessiva (artigo 281.º/1b) da CRP) ou de fiscalização concreta (artigo 280.º/2a) da CRP),
por violar uma disposição de uma lei da valor reforçado, que reveste a forma de lei orgânica, como
é a disposição da lei da nacionalidade - vide Acórdão do TC n.º 262/2015 (Processo n.º 713/14).

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CASO 2
A Assembleia da República aprovou, sob a forma de lei, o regime das eleições dos
titulares dos órgãos do poder local. O diploma foi discutido e aprovado na especialidade
em Comissões e foi aprovado, na votação final global, por maioria simples dos deputados
em exercício de funções. O Presidente da República vetou, por motivos políticos, o referido
diploma, que foi, depois, confirmado pelo Parlamento, tendo a respectiva votação obtido
maioria absoluta dos votos favoráveis.
1. De que vícios padece este regime?
O caso em apreço diz respeito à categoria normativa de leis orgânicas e à sua conformidade
com a Constituição da República Portuguesa (CRP, doravante).
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 166.º/2 e a consequente remissão para o artigo
164.º/l) primeira parte, ambos da CRP, o regime das eleições dos titulares dos órgãos do poder
local tem de revestir a forma de lei orgânica. Lembre-se que segundo o princípio da tipicidade apenas
são leis orgânicas certos atos legislativos de reserva absoluta da Assembleia da República que a CRP
assim qualifica nos termos do mencionado artigo 166.º/2 da CRP. Acresce que a forma especifica
– a forma de lei orgânica – implica que as leis orgânicas tenham qualificação, numeração e forma
autónomas, distintas das demais leis da Assembleia da República.
Verificamos, pois, neste caso, a existência de um vício de forma, já que a lei em apreço não reveste
a forma exigida pela CRP, o que configura uma inconstitucionalidade formal.
Para além disso, as leis orgânicas estão igualmente subordinadas a um procedimento mais exigente
de formação legislativa, ou seja, um procedimento específico de feitura, nos termos do qual a maior
parte das leis orgânicas (embora não todas) são obrigatoriamente votadas na especialidade no
Plenário (e não em comissões parlamentares especializadas), nos termos do artigo 168.º/4 da CRP.
Pode por isso afirmar-se que, em regra, esta categoria de lei não está sujeita apenas a reserva de
Parlamento, mas, mais do que isso, a reserva de Plenário. Porém, no caso concreto, este diploma
integra uma das exceções àquela regra, pelo que não carecia de ser aprovado na especialidade em
Plenário, já que o artigo 168.º/4 não remete para a alínea l) do artigo 164.º. Não existe, portanto,
qualquer violação procedimental neste ponto.
O mesmo não sucede, no entanto, ao nível da aprovação final global, pois o diploma necessitava,
de acordo com o estipulado no artigo 168.º/5 da CRP, de aprovação por maioria absoluta dos
Deputados em efetividade de funções (contrariamente à maioria simples ou relativa que se exige para as
restantes leis do parlamento ex vi o disposto no artigo 116.º/3 da CRP), o que não se verificou,
uma vez que o diploma foi aprovado por maioria simples dos deputados em exercício de funções.

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Por último, no que toca à superação do veto presidencial, as leis orgânicas exigem uma maioria
qualificada (2/3 dos deputados presentes, desde que superior a maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções) e, por conseguinte, um largo consenso parlamentar para a superação do veto político
do Presidente da República, nos termos do artigo 136.º/3 da CRP. Ora, no caso em apreço, o diploma
foi apenas confirmado por maioria absoluta dos votos favoráveis, contrariando expressamente o
disposto no referido artigo 136.º/3 da CRP.
Em conclusão, o diploma em apreço padecia, desde a sua versão original, de uma
inconstitucionalidade formal e de uma inconstitucionalidade procedimental. A isto acresce que a confirmação do
diploma na sequência do veto político também não respeitou a maioria constitucionalmente
exigida, pelo que o veto político também não foi validamente superado.

2. Poderia o Presidente da República promulgar a lei no dia em que o diploma é


rececionado nos serviços da presidência?
O artigo 278.º da CRP, mais concretamente os seus números 4, 5, 6 e 7, regulam dimensões
específicas da fiscalização abstrata preventiva das leis orgânicas, já que existe uma legitimidade processual
ativa alargada para a requerer
Deste modo, e para além do Presidente da República, podem pedir a fiscalização abstrata
preventiva do diploma, o Primeiro Ministro e um quinto dos deputados da Assembleia da
República em efetividade de funções (artigo 278.º/4 da CRP).
O alargamento da legitimidade processual ativa explica, desde logo, o dever de o Presidente da
Assembleia da República dar conhecimento às outras entidades do decreto enviado ao Presidente
da República para ser promulgado como lei orgânica (n.º 5). Já a limitação temporal prevista no n.º
7 deste artigo justifica-se pela necessidade de permitir ao Primeiro Ministro e aos deputados
requererem a fiscalização preventiva no prazo de 8 dias (n.º 6) – o Presidente da República não
pode, sequer, solicitar o encurtamento do prazo de apreciação do Tribunal por motivos de urgência.
Assim, nos termos do n.º 7 do artigo 278.º da CRP, a promulgação do Presidente da República
está temporalmente condicionada, pois este não pode promulgar “decretos de leis orgânicas” sem que
decorram oito dias após a respetiva recepção.

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CASO 3
A Lei n.º 107/2001 estabelece as "bases da política e do regime de proteção e
valorização do património cultural" (artigo 1.º). Neste diploma, estabelece-se que o acesso
aos bens culturais classificados deve ser tendencialmente gratuito.
O Governo, invocando a competência que lhe é atribuída pelo artigo 198.º/1/c) da
CRP, aprovou um Decreto-Lei que prevê que, com vista a garantir o financiamento da
conservação do património classificado, o mesmo só pode ser visitado mediante o
pagamento de uma quantia pecuniária a fixar administrativamente, mas nunca inferior a
50€ por pessoa/visita.
Quid iuris?
O caso em apreço respeita à categoria de lei de bases e decretos-lei de desenvolvimento.
As leis de bases são leis da Assembleia da República que consagram as bases gerais ou os
princípios fundamentais de um determinado regime jurídico, deixando a cargo do executivo o
desenvolvimento ou concretização dessas mesmas bases gerais. De facto, se a Assembleia da
República assim o pretender, pode regular todo o regime jurídico de uma determinada matéria; ou
então, pode definir apenas as bases gerais, ou seja, as grandes linhas de orientação, de opções
políticas fundamentais, que o executivo desenvolve ou concretiza.
Por seu turno, os decretos-leis que desenvolvem as leis de base são designados por decretos-
leis de desenvolvimento (artigo 198.º, n.º 1, al. c) da CRP. Este desenvolvimento pode ser levado a
cabo pelo Governo, através de decreto-lei de desenvolvimento, ou pelas Regiões Autónomas,
através de decreto legislativo regional de desenvolvimento das bases gerais.
Questão fundamental que se coloca a propósito do desenvolvimento de uma lei de bases é a
de saber qual o sentido da primariedade material das leis de bases relativamente aos decretos-leis
de desenvolvimento (artigos 112.º/2 e 198.º/1/c) da CRP).
De facto, e seguindo a posição de Jorge Miranda, o artigo 112.º/2 abrange quer as leis sobre
matéria de reserva de competência legislativa da Assembleia da República, quer matérias da
competência concorrente. O autor considera, aliás, que só quanto a estas últimas é que o artigo
112.º/2 tem plena utilidade, na medida em que se deve verificar uma primazia legislativa do parlamento
– independentemente de ser competência reservada ou não – e do próprio artigo 112.º/2 da CRP
não distinguir a subordinação perante matéria dentro ou fora da reserva da Assembleia da
República.
Já Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram que existe uma limitação do valor paramétrico
das leis de bases às matérias de competência reservada da Assembleia da República. A tese dos
autores assenta fundamentalmente em dois princípios essenciais: o princípio da tipicidade constitucional

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de competências, que estipula que a competência reservada é apenas a prevista e definida na CRP; e o
princípio da competência concorrencial entre Assembleia da República e Governo fora das áreas
reservadas, que permite a revogação das leis de bases editando outra em sua substituição ou
procedendo à emanação de uma disciplina total num único decreto-lei.
Segundo a posição do curso, em linha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, as leis
de bases só são leis com valor paramétrico superior aos decretos-lei nas matérias em que a CRP
reserva à Assembleia da República a disciplina das bases ou do regime geral – veja-se, nesse sentido,
as alíneas dos artigos 164.º e 165.º que se referem expressamente a bases gerais ou regime geral. Nesses
casos, as leis de bases têm valor reforçado em virtude do critério da parametricidade específica, nos
termos do artigo 112.º/3 da CRP.
Se, pelo contrário, a Assembleia da República elaborar uma lei de bases em matérias da
competência concorrente, esse regime jurídico pode ser modificado por um decreto-lei lei simples,
ao abrigo da competência legislativa originária do Governo (artigo 198.º/1/a) da CRP), mas não,
obviamente, por um decreto-lei de desenvolvimento, no uso da sua competência legislativa
derivada (artigo 198.º/1/c). Neste último caso, e ainda que a matéria fosse de competência
concorrente, verificar-se-ia sempre uma ilegalidade material qualificada (ilegalidade reforçada).
No caso em apreço, a matéria sobre a qual incide a lei de bases integra-se na reserva relativa da
competência legislativa da Assembleia da República, contemplada no artigo 165.º/1g) da CRP.
Nessa medida, verificando-se uma violação da lei de bases pelo decreto-lei de desenvolvimento do
Governo, estaremos então perante uma ilegalidade reforçada, uma vez que o decreto-lei de
desenvolvimento viola o disposto na lei de bases, diploma que tem sobre ele uma relação de
parametricidade específica.
Para além disso, e considerando que o diploma do Governo visa derrogar o disposto nas bases
gerais, deve acrescer uma sanção de inconstitucionalidade orgânica decorrente do facto de o Governo
estar a legislar em matéria que faz parte da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia
da República, sem dispor, para o efeito, de uma autorização legislativa. Assim sendo, a ilegalidade
reforçada é consumida pela inconstitucionalidade, já que se traduz num vício de menor gravidade.

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CASO 4
Suponha que, na falta da Lei de Bases que define as bases de política de ambiente,
estão atualmente em vigor no nosso ordenamento jurídico vários diplomas da Assembleia
da República dos quais é possível retirar os princípios básicos fundamentais que formam
a estrutura do sistema de proteção da natureza e do equilíbrio ecológico.
Neste contexto, o Governo, exercendo a sua competência legislativa originária, ao
abrigo do artigo 198.º/1/a) da CRP, pretende criar um regime jurídico relativo à proteção
das espécies florestais nativas, que contraria o que se encontra disposto numa das referidas
leis da Assembleia da República. Pode fazê-lo? Justifique.
As leis de bases são leis da Assembleia da República que consagram as bases gerais ou os
princípios fundamentais de um determinado regime jurídico, deixando a cargo do executivo o
desenvolvimento ou concretização dessas mesmas bases gerais. De facto, se a Assembleia da
República assim o pretender, nos casos em que a sua reserva de competência legislativa se limita às
bases, pode regular todo o regime jurídico de uma determinada matéria; ou então, pode definir
apenas as bases gerais, ou seja, as grandes linhas de orientação, de opções políticas fundamentais,
que o executivo, por seu turno, desenvolve ou concretiza.
Ora, no caso em apreço, inexiste qualquer Lei de Bases da Assembleia da República que, ao
abrigo do artigo 165.º, n.º 1, alínea g) da CRP, limite a liberdade de conformação do Governo na
tarefa de desenvolvimento dessas bases em conformidade com os princípios gerais já estipulados
ou que sequer habilite a sua iniciativa legislativa nesta matéria. Existe, sim, um quadro geral de
princípios básicos fundamentais que formam a estrutura do sistema de proteção da natureza e do
equilíbrio ecológico que é passível de ser retirado de um conjunto de diplomas legislativos do
Parlamento sobre essa matéria.
A questão que se coloca, in casu, é a de saber se o Governo, ao legislar sobre a proteção das
espécies florestais nativas, que está integrada na matéria relativa ao sistema de proteção da natureza
e do equilíbrio ecológico (matéria faz parte da reserva relativa de competência legislativa da
Assembleia da República), pode ou não contrariar o disposto em Lei da Assembleia da República
que, note-se, não é, em sentido formal, uma Lei de Bases.
Numa primeira análise, considerar-se-ia que, segundo o princípio da tendencial paridade ou igualdade
entre as leis e os decretos-leis (artigo 112.º, n.º 2, primeira parte da CRP), o Governo poderia alterar ou
até revogar o regime consagrado numa Lei da Assembleia da República, pelo que poderia
livremente legislar sobre o regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade. Nesta
perspetiva, deixamos de estar perante uma competência legislativa de desenvolvimento do

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Governo (artigo 198.º/1/c) da CRP que se encontra limitada pelas bases gerais enquanto lei
habilitante.
Contudo, e segundo a interpretação abrangente que o Tribunal Constitucional faz do que se deve
considerar-se a habilitação legal do Governo para legislar em matérias nas quais o legislador
reservou à Assembleia da República apenas a competência para fixar as bases do regime jurídico,
não é necessária a existência prévia de uma lei de bases “em sentido formal”. Ou seja, não é
necessário que exista um diploma que expressamente se auto-intitule como lei de bases sobre a
matéria, sendo suficiente a habilitação se, da legislação em vigor (por exemplo, diversos artigos
dispersos em diplomas legislativos do parlamento) for possível extrair um conjunto de princípios e
orientações gerais sobre a matéria – veja-se, a este propósito, o disposto no acórdão n.º 334/91.
Deste modo, na situação em estudo, quando o Governo, através de decreto-lei, pretende
aprovar o regime jurídico da proteção das espécies florestais nativas, tem de se subordinar ao
quadro de princípios básicos fundamentais que formam a estrutura do sistema de proteção da
natureza e do equilíbrio ecológico definido pelo parlamento. É que embora o aspeto concreto que
o Governo pretende legislar não esteja, em si, integrado na reserva de competência legislativa da
Assembleia da República – uma vez que a reserva de competência legislativa daquele órgão se
limita, neste caso, às bases do regime jurídico e o aspeto em questão é matéria de desenvolvimento
– também não podemos dizer que o mesmo pode ser disciplinado pelo Governo na plenitude da
sua liberdade de conformação legislativa. Com efeito, o que resulta da repartição constitucional do
poder legislativo neste caso é uma liberdade de conformação legislativa do Governo condicionada
pelo sentido imposto pelos princípios gerais consagrados na lei de bases, pelo que a sua violação
significa que o ato legislativo do Governo enferma de uma ilegalidade material qualificada (ilegalidade
reforçada).
A circunstância de não existir uma lei de bases não deve, no entanto, constituir um obstáculo
inultrapassável a toda e qualquer produção legislativa do Governo sobre a matéria. Se assim fosse,
cair-se-ia no vício oposto, pois que se estaria a alargar o âmbito da reserva legislativa parlamentar
para além do domínio em que ela está constitucionalmente definida. Seria, pois, excessivo afirmar
que, na falta da lei de bases a que se refere a alínea g) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição («bases
do sistema de proteção da natureza» e do «equilíbrio ecológico»), o Governo não podia editar
qualquer normação sobre a matéria, salvo se, para o efeito, se munisse de autorização legislativa.
Na perspetiva do Tribunal Constitucional, mais razoável será antes admitir que o Governo, na
falta de uma tal lei de bases, pode editar normas que não contendam com os princípios básicos
fundamentais que regem a matéria; apenas não pode – salvo se munido de autorização legislativa

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— editar normas que visem substituir, modificar, ou derrogar determinado princípio básico
fundamental.
Mantêm-se, assim, no caso, a primariedade material das leis de bases relativamente aos decretos-leis de
desenvolvimento (artigos 112.º/2 e 198.º/1/c da CRP), pelo que o Decreto-Lei em apreço padece de uma
ilegalidade reforçada, já que viola o disposto nos princípios gerais constantes dos diplomas
parlamentares em vigor que, para este efeito, equivalem funcionalmente à lei de bases.
Para além disso, e considerando que o diploma do Governo visa derrogar o disposto nas bases
gerais, deve acrescer uma sanção de inconstitucionalidade orgânica decorrente do facto de o Governo
estar a legislar em matéria que faz parte da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia
da República, sem dispor, para o efeito, de uma autorização legislativa. Assim sendo, a ilegalidade
reforçada é consumida pela inconstitucionalidade, já que se traduz num vício de menor gravidade.

CASO 5
Foi publicada no dia 1 de novembro de 2017 uma Lei da Assembleia da República
que, ao abrigo da alínea i) do artigo 165.º da CRP, concedeu ao Governo uma autorização,
com duração até 10 de fevereiro de 2018, para que este alterasse o artigo 9.º do Código do
IVA (CIVA), onde se encontram as atividades isentas de imposto.
Nesta autorização, a Assembleia da República determinou que todas as prestações
relacionadas com serviços médicos deveriam passar a estar isentas de imposto.
Através de um Decreto-Lei publicado em Diário da República no dia 25 de
fevereiro, o Governo definiu a nova lista das atividades isentas de IVA.
Este decreto-lei, que não fazia qualquer referência à lei de autorização, foi aprovado
em Conselho de Ministros no dia 5 de fevereiro, tendo sido registada a sua recepção para
promulgação pelos serviços da Presidência da República no dia 12 do mesmo mês.
Entre outras disposições, destaca-se o disposto no ponto 2.7. da Lista I anexa ao
CIVA (Bens e serviços sujeitos a taxa reduzida), onde estão previstas as prestações de
serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas feitas por
estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

1. Aprecie a conformidade constitucional do referido decreto-lei.


O caso em apreço trata da validade de um decreto-lei autorizado do Governo, emanado na
sequência de uma lei de autorização legislativa, de 1 de novembro de 2017, que habilita o Governo
a alterar o artigo 9.º do Código do IVA (CIVA), no qual se encontram elencadas as atividades
isentas deste imposto.
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Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 165.º da CRP, as leis de autorização legislativa devem
definir: i. o objeto – a matéria que o Governo pode regular através de decreto-lei autorizado (está
subjacente um princípio da especialidade das autorizações legislativas); ii. o sentido – tem de dizer qual é a
orientação que tem de ser observada pelo ato legislativo do Governo; iii. a extensão – os universos
subjetivo e objetivo abrangidos pelo regime jurídico a aprovar pelo Governo; e iv. a duração da
autorização – estabelece um prazo para o Governo legislar, o que pode também ter lugar através da
indicação de uma data limite.
No caso vertente, a Assembleia da República permite ao Governo que este altere a lista de
atividades isentas de IVA – objeto da autorização – estipulando, no entanto, que todas as prestações
relacionadas com serviços médicos deveriam passar a estar isentas de imposto e não apenas sujeitas
a uma taxa reduzida – sentido e extensão da autorização. A autorização é concedida até ao dia 10 de
fevereiro de 2018 – duração da autorização.
Analisando, contudo, o conteúdo da Lista I anexa ao CIVA (bens e serviços sujeitos a taxa
reduzida), percebe-se que o Governo não terá alterado o artigo 9.º em conformidade com o sentido expresso
na autorização legislativa, tendo-se limitado a submeter atividades relacionadas com a prestação de
serviços médicos a uma taxa de IVA reduzida, quando a lei impunha a isenção.
Desta forma, identificam-se, no decreto-lei autorizado, diversos vícios.
Desde logo, é possível concluir que se verifica uma violação do sentido e da extensão da autorização
legislativa, por violação dos limites materiais aí plasmados. Isto porque a lei de autorização, ainda
que autorize a alteração da listagem das atividades isentas deste imposto impõe que aí se incluam
todas as prestações relacionadas com serviços médicos. Ao prever que estas prestações ficam
apenas sujeitas a uma taxa reduzida de IVA, o decreto-lei autorizado viola de forma clara o sentido
e a extensão da autorização concedida.
Assim sendo, e perante uma violação destes dois limites materiais da lei de autorização,
deparamo-nos com uma ilegalidade material reforçada (ilegalidade reforçada), fundamentada na violação
do critério da parametricidade específica, consagrado no artigo 112.º/3 da CRP.
As leis de autorização são “pressuposto normativo necessário” dos decretos-leis autorizados,
pelo que a sua violação gera uma ilegalidade agravada ou reforçada.
Em segundo lugar, importa aferir se foi, ou não, violado o limite temporal fixado na lei de
autorização legislativa – 7 de fevereiro de 2018 –, para isso torna-se essencial compreender qual o
momento que consideramos relevante para efeitos da utilização da autorização.
Ainda que a doutrina apresente divergências quanto a este ponto, considerou o Tribunal
Constitucional que o momento que deve ser considerado relevante é o da aprovação do decreto-lei em

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Conselho de Ministros (órgão deliberativo do Governo) - deixando de parte o momento da
promulgação ou até a data de publicação em Diário da República.
Porém, e de acordo com a posição do curso, na prática, o prazo relevante acabaria por ser o
dia 12 de fevereiro (data da recepção do diploma em Belém), pelo que se haveria de considerar que
o Governo teria legislado já fora do prazo da autorização legislativa e, nessa medida, estaríamos
perante um caso de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que o prazo da autorização caducava no
dia 7 de fevereiro de 2018.
Já para o Tribunal Constitucional não existirá qualquer inconstitucionalidade orgânica, na
medida em que considera como o momento relevante o prazo da aprovação em Conselho de
Ministros (o que sucedeu no dia 5 de fevereiro), não exigindo que a recepção do Diploma seja
registada em Belém antes de caducado o prazo da autorização.
Finalmente, verifica-se ainda a existência de um vício de natureza formal, já que o decreto-lei
autorizado não faz referência à lei de autorização ao abrigo da qual foi emanado. Sendo esta uma
exigência expressa prevista no n.º 3 do artigo 198.º da CRP, estamos ainda perante uma
inconstitucionalidade formal.
Em suma, e concluindo, o diploma em apreço padece de uma ilegalidade reforçada e
inconstitucionalidade orgânica por violação do sentido e da extensão consagrados na lei de autorização
legislativa (vícios de excesso de autorização), de uma inconstitucionalidade orgânica por não ter sido
recepcionado na Presidência da República antes de caducado o prazo da autorização, não obstante
ter sido aprovado em Conselho de Ministros dentro do prazo de validade da lei de autorização, e
de uma inconstitucionalidade formal, por não indicar a lei de autorização legislativa (vícios de defeito
de autorização). Note-se, por fim, que a ilegalidade reforçada é consumida pelas
inconstitucionalidades, já que se traduz num vício de menor gravidade.

2. Seria possível que o Governo, em março de 2018, alterasse novamente a lista de


atividades isentas de IVA ao abrigo da mesma autorização legislativa, de forma a aí incluir
as prestações relacionadas com serviços médicos?
Em virtude do princípio da irrepetibilidade das autorizações legislativas, não é possível ao Governo
utilizar duas vezes a mesma autorização, sem prejuízo dos casos em que legitimamente opte pela
execução parcelada – assim dispõe o artigo 165.º/3 da CRP. Deste modo, o Governo não pode
utilizar mais do que uma vez a autorização, não podendo igualmente proceder à sua revogação,
alteração ou substituição.

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CASO 6
No dia 15 de janeiro de 2018, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, um
decreto-lei autorizado, que cria um regime especial para as expropriações necessárias à
realização de infra-estruturas financiadas por fundos comunitários.
Este diploma foi recebido pelo Presidente da República, para promulgação, em 3 de
fevereiro do mesmo ano.
O decreto-lei em causa foi precedido de uma lei de autorização legislativa que
autorizava o Governo a criar esse regime especial até 31 de janeiro de 2018.
1. Pronuncie-se sobre a validade do decreto-lei
Em apreço encontra-se um problema relativo à duração concedida numa lei de autorização
legislativa pela Assembleia da República para o Governo legislar, sob a forma de decreto-lei
autorizado, numa das matérias elencadas no artigo 165.º da CRP (mais concretamente, a alínea e)).
De facto, a lei de autorização em causa permite que o Governo elabore e aprove o regime
jurídico para as expropriações necessárias à realização de infra-estruturas financiadas por fundos
comunitários, autorizando-o a fazê-lo até dia 31 de janeiro de 2018.
Ora, o artigo 165.º, no seu número 2, estabelece os requisitos necessários para a validade material
da lei de autorização legislativa, impondo que a mesma defina: i. o objeto – a matéria que o Governo
pode regular através de decreto-lei autorizado (está subjacente um princípio da especialidade das
autorizações legislativas); ii. o sentido – tem de dizer qual é a orientação que tem de ser observada pelo
ato legislativo do Governo; iii. a extensão – os universos subjetivo e objetivo abrangidos pelo regime
jurídico a aprovar pelo Governo; e iv. a duração da autorização – estabelece um prazo para o Governo
legislar, o que pode também ter lugar através da indicação de uma data limite.
Nada sendo dito quando ao sentido ou extensão da autorização – o objeto considera-se ser o
regime especial para as referidas expropriações, assume-se que aí não reside qualquer problema –,
não dispomos de elementos para saber se existe alguma ilegalidade material qualificada por
desconformidade entre o decreto lei autorizado e a lei de autorização legislativa que lhe serve de
parâmetro material de controlo, segundo o critério da parametricidade específica.
Mas poderá verificar-se um problema de inconstitucionalidade orgânica, dependendo do momento
que se deva considerar relevante para efeitos de utilização da autorização (problema que se coloca
ao nível da duração estabelecida).
De modo a aferir se foi, ou não, violado o limite temporal fixado na lei de autorização – dia 31
de janeiro de 2018 -, torna-se essencial determinar o momento que consideramos relevante para
efeitos da utilização da autorização.

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De acordo com a posição do curso, na prática, o prazo relevante acabaria por ser o dia 3 de
fevereiro (data da recepção do diploma em Belém), pelo que se haveria de considerar que o
Governo teria legislado já fora do prazo da autorização legislativa e, nessa medida, estaríamos
perante um caso de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que o prazo da autorização caducava no
dia 31 de janeiro de 2018.
Já para o Tribunal Constitucional não existiria qualquer inconstitucionalidade orgânica, na
medida em que considera como momento relevante o prazo da aprovação em Conselho de
Ministros (o que sucedeu no dia 15 de janeiro), não exigindo que a recepção do Diploma seja
registada em Belém antes de caducado o prazo da autorização.
Assumindo ainda que o decreto-lei autorizado faz referência expressa à lei de autorização que
o habilita, como se exige no artigo 198.º/3 da CRP, e que não está, por isso, ferido de
inconstitucionalidade formal, ainda assim acabaremos por considerar que o diploma padece de uma
inconstitucionalidade orgânica por não ter sido rececionado na Presidência da República antes de
caducado o prazo da autorização, não obstante ter sido aprovado em Conselho de Ministros dentro
do prazo de validade da lei de autorização.
Com isto subscrevemos a posição do curso, que considera que a referida receção e registo do
diploma em Belém é um elemento essencial para a segurança jurídica, dado o carácter informal que
ainda hoje se tem de reconhecer às reuniões do Conselho de Ministros, não obstante as regras
previstas no respetivo Regimento e o crescente o esforço por dar publicidade imediata às decisões
que aí são tomadas através da realização de conferências de imprensa e da divulgação de
comunicados.

2. Imagine agora que, em 10 de janeiro de 2018, a Assembleia da República aprovou


uma lei mediante a qual estabeleceu um regime especial para as mencionadas
expropriações. Quid iuris?
Em causa estão as formas de cessação de uma autorização legislativa. De facto, a lei de
autorização, para além dos limites temporais que define, pode esgotar a sua relevância jurídica por
três motivos: i. utilização pelo Governo; ii. revogação pela Assembleia da República; ou iii.
caducidade pelas razões enunciadas no artigo 165.º/4 – demissão do Governo a que tiverem sido concedidas,
termo da legislatura ou dissolução da Assembleia da República.
Na hipótese em apreço, o que se verifica é uma revogação da autorização por parte da Assembleia
da República, mais concretamente uma revogação tácita ou implícita da autorização.
De facto, a Assembleia da República pode revogar a autorização legislativa com base na qual o
Governo estava legitimado a emanar decretos-leis sobre matérias de exclusiva competência daquele

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órgão. Esta revogação pode ser feita de forma expressa e mediante um ato igual ao da autorização
(lei).
No entanto, a revogação pode ser também implícita ou tácita, caso a Assembleia da República
edite leis durante o período de autorização, regulando diretamente as matérias objeto da
autorização, ficando o Governo impedido de continuar a fazer uso da autorização legislativa
concedida.

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