Suponha que na reunião plenária da AR, os Deputados presentes aprovam por unanimidade um projecto de lei que determina a extinção do Ministério da Cultura, dada a sua alegada inoperância. No mesmo dia e sessão, é também aprovado por unanimidade um diploma que determina a criação do Ministério do Espectáculo, que integra uma das Secretarias de Estado actualmente a funcionar no âmbito do Ministério da Educação. É da competência exclusiva do Governo aprovar matéria sobre a sua organização interna. Temos aqui um procedimento legislativo governamental que dará origem um Decreto-lei e não um procedimento legislativo parlamentar que daria origem uma Lei da Assembleia da República. Em termos de competência exclusiva absoluta (cfr art.º 164.º da CRP) e exclusiva reserva (cfr art.º 165.º da CRP) sendo que o Governo poderá legislar em matéria da competência reservada da AR mediante lei de autorização daquele órgão a este.
Caso prático n.º 5 A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores apresentou na AR uma proposta de lei sobre o regime do estado de sítio e do estado de emergência. O diploma foi aprovado na especialidade e em votação final global com 110 votos a favor e 10 votos contra. Enviado para o PR, este entendeu exercer o veto político, o que fez no segundo dia imediatamente a seguir à recepção do decreto. O diploma foi devolvido à AR que o confirmou por maioria absoluta, e remetido de novo para o PR que decidiu promulgá-lo. Mais tarde, por entender que a Lei da AR se tornara desadequada, o Governo aprova um Decreto-Lei que estabelece o novo Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência e que expressamente revoga a referida Lei. Comente todos os aspectos relevantes do ponto de vista jurídico-constitucional. Quanto à primeira fase do PLP temos a dizer que é uma proposta de lei apresenta pela ALR dos Açores (proposta de lei porque provem de um órgão externo à AR). À quem defende que as ALR só se podem dirigir à AR para apresentar proposta com incidência sobre as respetivas regiões autónomas, mas cada vez surgem mais posições no sentido de que com a revisão constitucional de 2004 houve um intuito de alargar os poderes das RA e no que compete à própria iniciativa das regiões autónomas ela deveria ser mais alargada e equipara à do Governo enquanto órgão central de soberania (estas duas posições podem ser adotada num ou noutro sentido). O exercício da iniciativa legislativa encontra-se previsto no art.º 167.º da CRP e é a este artigo que nos devemos dirigir. Quanto à fase da apreciação não temos informação nenhuma (esta fase não é muito desenvolvida nos casos práticos) pelo que não sabemos se houve uma apreciação interna ou externa (basta apenas nos referimos a esta fase e não abordá-la excessivamente). Quando à fase da discussão e da votação a primeira pergunta que temos de fazer é saber se a AR é ou não competente para o fazer e parece que sim nos termos do art.º 164.º, al. e), da CRP (é matéria da reserva absoluta da AR). Esta matéria é uma lei orgânica nos termos do art.º 166.º, n.º 2, da CRP e a particularidade de este regime revistar a forma de lei orgânica traduzir-se-á num quórum mais agravado nos termos do art.º 168.º, n.º 5, da CRP (maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções) mas antes temos de subentender que houve uma discussão e votação na generalidade (cfr art.º 168.º, ns.º 1 e 2 da CRP) e aqui é uma apreciação global do diploma. Temos a informação mais concreta em relação à segunda e terceira votação. Quanto à discussão e votação na especialidade, cfr o art.º 168.º, n.º 2, da CRP. Há uma particularidade que importa referir: esta discussões votação na especialidade deve ocorrer, nos termos do art.º 168.º, n.º 4, da CRP, deve ocorrer no plenário. Sobre o quórum comporta dizer: o primeiro quórum (quórum mínimo de funcionamento) estava preenchido (art.º 56.º do Regimento da AR) - um quinto dos Deputados em efetividade de funções. O segundo quórum está preenchido (quórum deliberativo em sentido amplo) - art.º 116.º, n.º 2, da CRP. Quanto ao terceiro (quórum deliberativo em sentido estrito ou maioria da aprovação), quanto à discussão e votação da especialidade o quórum de aprovação encontra-se preenchido - maioria simples cfr art.º 116.º, n.º 3 -, no entanto, quanto à votação final global, a regra (por ser uma lei orgânica) é a do art.º 168.º, n.º 5, da CRP (votação por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções [116 Deputados]). Aqui tínhamos apenas 110 votos a favor pelo que não tínhamos atingido o número de votos necessários a favor. O que se verificava aqui seria uma inconstitucionalidade formal em virtude de um vício aquando da votação final global da lei orgânica. Entramos na fase do controlo em que o PR recebe o decreto (agora) da AR e sabemos que pode fazer três: promulgar, vetar politicamente ou enviar para o TC (o veto de algibeira ou veto de bolso não está previsto na Constituição). Neste caso o PR vetou politicamente sendo que este órgão de soberania tem um prazo de vinte dias (cfr art.º 136.º, n.º 1, da CRP); caso enviasse para o TC o presidente tem 8 dias para enviar o diploma para o TC (cfr art.º 279.º da CRP). Este é o único caso em que um quinto dos Deputados e o PM pode requerer a fiscalização preventiva abstrata da constitucionalidade do diploma (cfr art.º 278.º, n.º 7, da CRP) por se tratar de uma lei orgânica: apesar daqui só mencionar quanto à promulgação do diploma entende-se que esta norma também se deve aplicar quanto ao veto político porque o exercício deste preclude o exercício do recurso ao TC. O diploma depois de vetado é enviado, com motivos (de mérito, de oportunidade política), para a AR. A AR pode confirmar ou nada fazer quanto ao diploma vetado sendo que, neste último caso, o procedimento legislativo parlamentar extingue-se (quanto a este ato normativo). A AR pretendeu confirmar e o que sabemos é que o diploma foi confirmado quanto à maioria absoluta (quórum mínimo de funcionamento) e estavam 116 Deputados para preencher o quórum deliberativo em sentido amplo (cfr art.º 116.º, n.º 2, da CRP). Aqui (quórum deliberativo em sentido estrito) teremos de nos centrar no art.º 136.º da CRP (no número 3 daquele artigo por se tratar de uma lei orgânica) - maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções; neste caso e por ser uma lei orgânica é exigia aquela maioria que não foi cumprida (temos de determinar se há 117 dos votos favoráveis [desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções] e dentro dos Deputados presentes temos de determinar se dois terços votaram). Confirmado o diploma o PR pode promulgar apenas (é obrigado a promulgar [art.º 136.º, al. b), da CRP]) o prazo para promulgar é o de oito dias previsto no art.º 136, n.º 2, da CRP. De seguida haverá lugar à referenda ministerial (cfr o art.º 140.º da CRP). De seguida haverá lugar à quinta fase, a de integração, que é o da publicação em Diário da República, nos termos do art.º 119.º, n.º 2, da CRP. No fim disto tudo teremos uma Lei Orgânica. A Assembleia é o órgão competente para aprovar diplomas sobre esta matéria. O Governo não poderia aprovar um diploma sobre esta matéria porque não tem competência por se tratar de uma matéria da competência exclusiva da AR (art.º 164.º, al. f), da CRP). Apesar de vigorar o princípio da paridade entre lei e Decreto-lei (art.º 112.º, n.º 2, primeira parte, da CRP) este artigo só se aplica em matéria concorrencial. Haveria uma inconstitucionalidade orgânica.
Caso prático n.º 6
Em 22 de Maio de 2009, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, um Decreto Legislativo Regional que estabelece novas regras sobre a composição e funcionamento do TC. Enviado ao Representante da República para promulgação, este decide remeter o diploma para o TC, requerendo a fiscalização preventiva das normas que lhe suscitavam dúvidas de constitucionalidade. Trinta dias depois, o TC pronuncia-se pela inconstitucionalidade do diploma, com os fundamentos invocados e ainda com fundamento na violação da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP. Comente todos os aspectos relevantes do ponto de vista jurídico-constitucional. De acordo com o art.º 228.º da CRP diz-nos em que matérias têm as ALR autonomia legislativa (matéria enunciadas no respetivo estatuto político-administrativo). Remeter para o art.º 227.º, als. a) e ss da CRP. Para saber se uma ALR pode legislar sobre uma dada matéria temos de seguir uma linha de raciocínio de acordo com o art.º 228.º, n.º 1, da CRP e temos de determinar se esta é uma matéria da competência reservada dos órgãos de soberania porque esfera legiferante das ALR não pode versar sobre matéria da competência reservada dos órgãos de soberania (vide arts.º 164.º, 165.º e 198.º, n.º 2, todos da CRP). Se é um matéria do art.º 165.º, devemos ver o art.º 227.º, n.º 1, al. b), da CRP, porque há o caso de haver uma autorização da AR para uma ALR legislar nas matérias previstas nesta alínea (a contrario porque as matérias aqui elencadas são as que a ALR não pode legislar sobre). Esta legislação tem de ser sempre feita nos termos do art.º 228.º, n.º 1, da CRP, ou seja, para além de estarmos perante matérias da competência reserva dos órgãos de soberania têm de ser matérias que estejam enunciadas nos estatutos político-administrativos das regiões autónomas. No caso temos um órgão (ALR) sem competência para aprovar uma matéria (neste caso esta matéria encontrava-se no art.º 164.º, al. c), da CRP) o que configura uma inconstitucionalidade orgânica. Estando perante matéria do art.º 164.º da CRP temos de ir ao art.º 166.º, n.º. 2, da CRP, perceber se se trata de uma lei orgânica (e esta matéria reveste a forma de lei orgânica). Uma lei orgânica corresponde a uma lei de valor reforçado enunciada como tal no art.º 112.º, n.º 3, da CRP. O Representante da República (órgão constitucional que Representa a unidade [ou unicidade] da República Portuguesa nas Regiões Autónomas) não tem competência para promulgar um diploma; nos termos do art.º 233.º, n.º 1, da CRP, este tem competência para assinar (e não promulgar) e manda publicar os diplomas. Este pode ou vetar o diploma politicamente (nos termos do art.º 233.º, n.º 2, da CPR) ou enviar o diploma para o TC, cfr o art.º 278.º, n.º 5, da CRP, no prazo de oito dias contados da receção do diploma, nos termos do art.º 278.º, n.º 3, da CRP. Para começar diz-nos que o diploma foi enviado para o TC sendo que o acórdão de pronuncia (prolação de um acórdão de pronuncia) e isso tem der feito nos termos do art.º 278.º (mormente no art.º 8 no tocante ao prazo [de 25 dias]) sendo que o prazo de prolação do acórdão foi intempestivo. Quando um decreto legislativo regional é declarado inconstitucional pelo TC o Representante da República deve vetar o diploma (ora declarando inconstitucional (art.º 279.º, n.º 1, da CRP). O TC não pode pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da norma que a ele lhe chega para apreciar da constitucionalidade (isto traduz-se no princípio do pedido previsto no art.º 51.º, n.º 5, da CRP) mas pode usar outras normas para fundamentar a constitucionalidade de normas para além das que foram pedidas (isto é linear a todos os outros tribunais). O Decreto não pode ser promulgado ou assinado se não forem expurgadas as normas declaradas inconstitucionais (nos termos do art.º 279.º, n.º2, da CPR); pode reformular o diploma ou nada fazer (não pode confirmar, nos termos do art.º 279, n.º 5, da CRP, assim entende a doutrina pelo facto da palavra Deputados estar em maiúscula naquele artigo [e isso quer dizer que aquele artigo se refere aos Deputados da AR]).
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