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Matéria UE relevante

Hierarquia
Os tratados constituintes, o TUE e o TFUE, estão no topo da hierarquia das normas na União
Europeia. A Carta dos Direitos Fundamentais da EU tem o mesmo status, visto que o art. 6º/1 do
TUE constata que esta tem o mesmo valor legal que os Tratados. As disposições do tratado
serão interpretadas à luz da Carta, com o objetivo de dar a interpretação que melhor se enquadra
com os Direitos da Carta. No 2º nível da hierarquia estão os princípios gerais de Direito, abaixo
dos tratados constituintes e acima dos atos de implementação, delegados e legislativos. Podem
ser usados para interpretar certos artigos dos Tratados e para invalidar os atos já referidos. Estes
princípios gerais têm sido moldados pelos tribunais da UE, que os têm usado como fundação
para a revisão judicial. Todos os sistemas legais desenvolvidos incorporam princípios da revisão
judicial, que normalmente são parte do Direito Administrativo, e dão bases legais para os
desafios legais à ação governamental. A tarefa judicial de elaborar princípios de revisão judicial
foi facilitado mais à frente por artigos dos tratados mais específicos. Ao desenvolver estes
conceitos, o TJUE baseou-se na doutrina do direito administrativo dos Estados-Membros.
Consideraram os princípios dos sistemas legais nacionais mais relevantes e adaptaram-nos às
necessidades da UE. Os princípios gerais conferem ao tribunal um poder considerável sobre a
interpretação dos Tratados e sobre a interpretação e validação de outros atos da EU.

Relações entre o Direito da UE e o Direito nacional


Foi introduzida, no Tratado de Lisboa, uma declaração acerca da primazia da do Direito da UE.
Antes da existência desta, o TJUE anunciou a sua visão acerca da supremacia nos primeiros
anos da CEE. O TJUE abordou a questão no caso “Van Gend en Loos” (26/62) quando
constatou que a CEE constituía uma nova ordem legal de Direito Internacional, para o benefício
da qual os Estados-Membros limitaram a sua soberania. A doutrina da supremacia estava, no
entanto, na vanguarda da decisão no caso “Costa” (6/64).
Caso Costa
Tribunal
O Tratado CE criou o seu próprio sistema legal que se tornou parte integral dos sistemas legais
dos Estados-Membros e cujos tribunais destes são obrigados a aplicar.
Ao criar a comunidade, os Estados-Membros limitaram a sua soberania, embora dentro de
certos limites, e criaram consequentemente um corpo legislativo que vincula tanto os seus
nacionais como os próprios Estados-Membros
Esta integração, no direito de cada Estado-membro, de disposições provenientes de fonte
comunitária e, mais geralmente, os termos e o espírito do Tratado têm por corolário a
impossibilidade, para os Estados, de fazerem prevalecer, sobre uma ordem jurídica por eles
aceite numa base de reciprocidade, uma medida unilateral posterior que não se lhe pode opor.
Com efeito, a eficácia do direito comunitário não pode variar de um Estado para outro em
função de legislação interna posterior, sem colocar em perigo a realização dos objetivos do
Tratado referida no art. 4º/3, segundo parágrafo, do TUE e sem provocar uma discriminação
proibida pelo art. 18º do TFUE.
As obrigações assumidas no Tratado que institui a Comunidade não seriam absolutas, mas
apenas eventuais, se pudessem ser postas em causa por posteriores atos legislativos dos
signatários.
O primado do direito comunitário é confirmado pelo art. 288º do TFUE, nos termos do qual os
regulamentos têm valor obrigatório e são diretamente aplicáveis em todos os Estados-membros.
Resulta do conjunto destes elementos que ao direito emergente do Tratado, emanado de uma
fonte autónoma, em virtude da sua natureza originária específica, não pode ser oposto em juízo
um texto interno, qualquer que seja, sem que perca a sua natureza comunitária e sem que sejam
postos em causa os fundamentos jurídicos da própria Comunidade.
A transferência efetuada pelos Estados, da sua ordem jurídica interna em benefício da ordem
jurídica comunitária, dos direitos e obrigações correspondentes às disposições do Tratado,
implica, pois, uma limitação definitiva dos seus direitos soberanos, sobre a qual não pode
prevalecer um ato unilateral ulterior incompatível com o conceito de Comunidade.
Fim caso costa
O TJUE adota uma abordagem teleológica que dá enfâse aos objetivos da UE e ao espírito dos
Tratados. O tribunal invocou uma série de argumentos para justificar que o Direito da UE devia
ter primazia sobre o Direito Nacional:
1. Argumento contratualista – o Direito da UE deve ter primazia porque decorreu do
acordo feito pelos Estados-Membros quando se juntaram à UE. Segundo o TJUE, o
Tratado criou a sua própria ordem legal, que se tornou uma parte integral dos sistemas
legais dos Estados Membros. O tribunal também enuncia que os Estados Membros
transferiram para as instituições da União “poderes reais decorrentes de uma limitação
de soberania” e assim limitaram os seus direitos de soberania.
2. Argumento Funcional – o TJUE captura a ideia de que os objetivos do Tratado não
podem ser alcançados sem que a primazia fosse concedida ao Direito da UE. Assim, o
TJUE refere que os objetivos de integração e cooperação do Tratado seriam
prejudicados se um Estado-Membro se recusasse a dar efeito a uma lei da UE que
deveria vincular todos de forma uniforme e igual.
3. Argumento igualitário – se o Direito de um Estado Membro pudesse unilateralmente
ter primazia sobre o Direito da UE, então isso levaria a discriminação na aplicação do
Direito da UE entre Estados Membros. Isso implicaria também que um Estado
beneficiasse do Direito da UE sem aceitar todos os seus encargos.
4. Argumento analítico – as obrigações dos Estados-Membros no Tratado seriam
meramente contingentes se fossem sujeitas a atos legislativos nacionais posteriores.
Assim, o art. 288º do TFUE refere que que os regulamentos são diretamente aplicáveis.
O argumento referente ao art. 288º tem, no entanto, eficácia limitada pois o artigo só se
refere à aplicação direta de regulamentos, enquanto o TJUE procurou estabelecer a
supremacia de todo o Direito da UE vinculativo.

Âmbito da primazia do Direito da UE


No caso 11/70, o TJUE decidiu que o status legal de uma medida nacional em conflito não era
relevante para se o Direito comunitário devia ter primazia ou não. Nem regras fundamentais do
direito constitucional nacional podiam ser invocadas para se contrapor à supremacia de uma
norma diretamente aplicável de Direito da UE.
Caso 11/70
O tribunal
O recurso a normas legais ou a conceitos do Direito nacional para julgar a validade de medidas
adotadas pelas instituições da CEE teriam um efeito adverso na uniformidade e na eficácia do
Direito da UE. A validade de tais medidas só pode ser julgada à luz do Direito comunitário.
Com efeito, ao direito emergente do Tratado, emanado de uma fonte autónoma, não podem, em
virtude da sua natureza, ser opostas em juízo regras de direito nacional, quaisquer. Que sejam,
sob pena de perder o seu caráter comunitário e de ser posta em causa a base jurídica da própria
CEE; portanto, a invocação de violações, quer aos direitos fundamentais, tais como estes são
enunciados na Constituição de um Estado-membro, quer aos princípios da estrutura
constitucional nacional, não pode afetar a validade de um ato da Comunidade ou o seu efeito no
território desse Estado.
Fim do caso 11/70
Tanto neste como noutros casos (caso Ciola) o TJUE afirmou que qualquer disposição do
Direito Nacional que conflituasse com o Direito da UE diretamente efetivo não devia ser
aplicada. Assim, o princípio da supremacia é exigido sempre que se trata de Direito da UE
diretamente efetivo, independentemente de as normas em questão serem constitucionais. Nos
casos C-453/00 e C-2/06 o TJUE refere o caso Ciola e admite que, sob circunstâncias
específicas, a supremacia precisa de ser acomodada com limitações domésticas do período de
tempo durante o qual atos administrativos podem ser revogados ou contestados judicialmente.

Âmbito: Ordem cronológica


No caso Simmenthal, o TJUE desenvolveu a sua doutrina da supremacia ao tornar claro que esta
se aplicava independentemente da lei nacional ser anterior ou posterior ao Direito Comunitário.
Uma medida da UE torna inaplicável qualquer disposição contraditória do direito nacional e
previne a adoção de novas leis nacionais conflituariam com o Direito da União.
Caso Simmenthal
De acordo com o princípio da primazia do Direito comunitário, a relação entre disposições do
Tratado e medidas diretamente aplicáveis das instituições de um lado e o Direito nacional do
outro, tornam inaplicáveis qualquer disposição conflituante do Direito doméstico.
Qualquer reconhecimento de que medidas nacionais que invadam o campo onde a CEE exerce o
seu poder legislativo ou que sejam incompatíveis com as disposições do Direito comunitário
tenham qualquer efeito legal, equivaleria a negar a efetividade das obrigações empreendidas
incondicionalmente e irrevogavelmente pelos Estados Membros nos termos do Tratado e iria
assim ameaçar as bases da CEE.
Qualquer juiz nacional tem o dever de, no âmbito das suas competências, aplicar integralmente
o direito comunitário e proteger os direitos que este confere aos particulares, considerando
inaplicável qualquer disposição eventualmente contrária de direito interno, quer seja esta
anterior ou posterior à norma comunitária.
Fim do caso Simmenthal
O TJUE também considerou se disposições de Direito nacional incompatíveis com o Direito da
UE poderiam ser mantidas provisoriamente durante o período de tempo necessário para as
autoridades domésticas repararem a violação, por analogia com o art. 264 do TFUE. O TJUE
decidiu que um tribunal doméstico poderia fazê-lo se fosse justificado pela prossecução de
ambos os interesses e apenas durante o tempo necessário para permitir que tal ilegalidade fosse
corrigida.

Âmbito: supremacia dependente do efeito direto


A questão aqui é se o efeito direto é uma condição prévia para o direito comunitário ter
supremacia sobre o Direito nacional ou não.
Segundo M Dougan
A supremacia é capaz de produzir certos efeitos legais dentro dos sistemas legais nacionais,
independentemente do princípio do efeito direto. O princípio da supremacia é capaz, em si
mesmo, de produzir efeitos de exclusão dentro da ordem legal doméstica (colocar de lado
normas nacionais que são incompatíveis com uma norma hierarquicamente superior de Direito
Comunitário). Para estes propósitos o princípio do efeito direto não é relevante pois o que releva
aqui é se existe uma incompatibilidade entre uma norma de Direito Comunitário e uma norma
de Direito Nacional.
O efeito direto goza do monopólio de tornar as normas comunitárias suscetíveis de serem
apreciadas pelos tribunais nacionais. O seu critério limite funciona como um gatilho e, daí,
como uma precondição necessária para o princípio da supremacia. O modelo da “primazia”, ao
postular a potência autónoma do princípio da supremacia em situações que exigem não mais do
que os efeitos de exclusão das normas dos tratados, parece contornar todo este quadro teórico.
Caso C-573/17
O tribunal
57. Para assegurar a efetividade de todas as disposições do Direito da UE, o princípio da
primazia requer, inter alia, que os tribunais nacionais interpretem, da melhor forma possível, o
seu Direito Nacional em conformidade com o Direito Comunitário e que seja dado aos
indivíduos a possibilidade de obter reparação quando os seus direitos tenham sido prejudicados
por uma violação do direito comunitário imputável a um Estado-Membro.
58. É igualmente por força do princípio do primado que, na impossibilidade de proceder a uma
interpretação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União, o
juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da
União tem a obrigação de garantir o pleno efeito das mesmas, não aplicando, se necessário, por
sua própria iniciativa, qualquer disposição contrária da legislação nacional, ainda que posterior,
sem ter de pedir ou esperar pela sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro
procedimento constitucional (v., neste sentido, Acórdão C-378/17, para. 35 e jurisprudência
referida).
59. Não obstante, importa ainda ter em conta outras características essenciais do direito da
União, mais especificamente o reconhecimento de um efeito direto a uma parte apenas das
disposições desse direito.
60. O princípio do primado do direito da União não pode, portanto, ter como consequência pôr
em causa a distinção essencial entre as disposições do direito da União que dispõem de efeito
direto e as que não têm esse efeito, nem, portanto, instituir um regime único de aplicação de
todas as disposições do direito da União pelos órgãos jurisdicionais nacionais.
61. A este respeito, há que sublinhar que qualquer juiz nacional, chamado a pronunciar-se no
âmbito da sua competência, tem, enquanto órgão de um Estado-Membro, a obrigação de não
aplicar qualquer disposição nacional contrária a uma disposição de direito da União que tenha
efeito direto no litígio que é chamado a decidir (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de
2010, Winner Wetten, C-409/06, EU:C:2010:503, n. o 55 e jurisprudência referida; de 24 de
janeiro de 2012, Dominguez, C-282/10, EU:C:2012:33, n. o 41; e de 6 de novembro de 2018,
Bauer e Willmeroth, C-569/16 e C-570/16, EU:C:2018:871, n. o 75).
62. Em contrapartida, uma disposição do direito da União que não tenha efeito direto não pode
ser invocada, enquanto tal, no âmbito de um litígio abrangido pelo direito da União, a fim de
afastar a aplicação de uma disposição de direito nacional que lhe seja contrária.
63. Assim, o juiz nacional não é obrigado, com fundamento unicamente no direito da União, a
deixar de aplicar uma disposição do direito nacional incompatível com uma disposição da Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, como o seu artigo 27º, não tem efeito direto
(v., neste sentido, Acórdão C-176/12, para. 46 a 48).
64. De igual modo, a invocação de uma disposição de uma diretiva que não seja suficientemente
clara, precisa e incondicional para lhe ser reconhecido efeito direto não pode ter como
consequência, com fundamento unicamente no direito da União, que a aplicação de uma
disposição nacional seja afastada por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro (v., neste
sentido, Acórdãos C-282/10, para. 41; C-595/12, para. 50; C-671/13, para. o 60; C-108/14 e C-
109/14, EU:C:2015:496, n. os 51 e 52).
65. Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma diretiva não pode,
por si mesma, criar obrigações para um particular e não pode, portanto, ser invocada, enquanto
tal, contra ele num órgão jurisdicional nacional.
Pág 313 do Livro:
Ficou claro no caso Kapferer (C-234/04) que um tribunal nacional nem sempre é obrigado a
anular uma decisão judicial definitiva que infrinja o direito comunitário. O TJUE reconheceu a
importância do princípio res judicata, segundo o qual as decisões judiciais que se tornaram
definitivas já não podem ser postas em causa. Por conseguinte, o direito da União não exige que
um órgão jurisdicional nacional não aplique as regras processuais internas que conferem
carácter definitivo a uma decisão, mesmo que fazê-lo fosse permitir sanar uma violação do
direito da União pela decisão em causa. No entanto, as regras processuais nacionais pertinentes
devem estar em concordância com os princípios da equivalência e da efetividade.
O TJUE limitou a possibilidade contornar a supremacia com base no princípio da res judicata,
no caso Lucchini (C-119/05), o que causou dúvidas de se a jurisprudência do caso Kapferer
ainda era efetiva. No entanto, no caso C-2/08, o TJUE distinguiu os dois casos.
Possível argumento: O Tratado Constitucional não ratificado continha no seu art. I-6 uma
formulação segundo a qual “A Constituição e o Direito adotado pelas instituições da UE no
exercício das competências conferidas nestas devem ter primazia sobre o Direito dos Estados
Membros”. Ora, como é sabido o dito Tratado nunca chegou a ser retificado e por receio de tal
voltar a acontecer com o TUE e com o TFUE, a UE não voltou a instituir tal princípio nestes
tratados. (ver início da pág. 315)
Pág. 315 do Livro:
Pode ser argumentado que a primazia do Direito comunitário sobre todo os Direito nacional tem
sido “lei”, segundo o TJUE, desde o início da década de 70. Isto pode ser verdade, mas a
realidade legal é que isso não tem sido geralmente aceite pelos tribunais domésticos. Esta
disjunção foi reconhecida pela UE e pelos tribunais nacionais. Nenhum dos lados estava,
contudo, à procura da derradeira batalha, o que é a razão pela qual a “tolerância constitucional”
preveniu uma “crise constitucional”. Isto foi possível, em parte, precisamente porque não havia
nenhuma disposição rigorosa que incorporasse a visão do TJUE. Se o art. I-6 do CT tivesse sido
incluído no processo, isto teria mudado.
Isto ainda deixa em aberto o estatuto do princípio da supremacia sob o Tratado de Lisboa. Esta
situação manter-se-á tal como aconteceu com o Tratado CE. O TJUE continua a defender a sua
versão de primazia, usando a Declaração 17 anexada ao Tratado de Lisboa para o reforçar. A
Declaração, contudo, sofre da mesma infirmidade presente no art. I-6 CT. Está demasiado
enquadrada em termos de primazia do direito comunitário sobre o direito dos Estados-Membros,
o que é ambíguo quanto ao facto de abranger todo o direito nacional, incluindo a Constituição,
ou de excluir esta última. Pode ser argumentado que deve ser dado o entendimento mais amplo
porque a Declaração declara que tal primazia opera “nas condições estabelecidas pela referida
jurisprudência.” Isto refere-se à jurisprudência do TJUE, segundo a qual todo Direito da UE tem
primazia sobre todo o Direito Nacional, incluindo as Constituições nacionais.
Não deixa de ser muito improvável que os TCD’s sejam persuadidos a esquecer as suas
preocupações anteriores e a aceitar que o Direito comunitário prevaleça sobre as constituições
domésticas, baseado numa declaração anexa aos Tratados. A disjunção entre a visão dos
judiciários da UE e os nacionais continua sob a nova ordem legal. É improvável que qualquer
um dos lados queira criar uma luta, apesar de as alterações no pessoal judiciário poder levar a
alterações das perspetivas.
Não há nada que sugira que o Tratado de Lisboa tenha resolvido o problema da Kompetenz-
Kompetenz, relativamente a quem deve decidir acerca da vinculação final das competências da
EU. Não há nada no Tratado de Lisboa que fortaleça a proclamação do TJUE de ser aquele que
decide em última instância quanto à questão.
O TJUE teria autoridade para se pronunciar sobre uma questão controversa como a de se a UE
ter competência para agir, nos termos da sua competência geral para interpretar o Direito da UE
prevista no art. 19º do TUE. Isto não significa, contudo, que o seu acórdão seja conclusivo a este
respeito. Além disso, a redação do art. 5º/2 do TUE, que se enquadra na ideia de que a União
atua dentro dos limites das competências que lhe são conferidas pelos Estados-Membros, de tal
forma que as competências não conferidas à UE continuam a pertencer aos Estados-Membros,
não reforça as pretensões da UE de decidir sobre os limites últimos da competência.
Conclusão
A supremacia do Direito comunitário e o requerimento de que os tribunais nacionais assegurem
a sua efetividade prática estão estabelecidos numa linha consistente de jurisprudência do TJUE.
Há certas disposições do Tratado que alguns podem ver como uma diluição parcial do princípio
da supremacia (arts. 351º e 347º do TFUE). No entanto, estas disposições têm um escopo
limitado e o princípio básico da supremacia articulado pelo TJUE é alargado e geral. Contudo,
isto constitui apenas uma parte da história da supremacia. Ultimamente, a aceitação e aplicação
da primazia do Direito da EU estão dependentes dos Estados Membros.
J Weiler, The Community System: The Dual Character of Supranationalism
Tal como no caso do efeito direto, a derivação da supremacia do Tratado depende de uma
interpretação de direito “constitucional” em vez de uma de direito internacional. A justificação
do TJUE de que a supremacia estava consagrada no Tratado foi contestada pelo Governo dos
Estados Membros neste caso e em outros. A aceitação desta visão cria uma revolução silenciosa
na ordem legal dos Estados-Membros.
Segue-se que o carácter evolutivo da doutrina da supremacia é necessariamente bidimensional.
Uma dimensão é a elaboração dos parâmetros da doutrina pelo TJUE. Mas a sua receção
completa, na segunda dimensão, depende da sua incorporação na ordem constitucional dos
Estados Membros e a sua afirmação pelos seus supremos tribunais. É relativamente fácil de
seguir a evolução da dimensão comunitária da doutrina. Por outro lado, quanto à segunda
dimensão, o caráter evolutivo do processo é mais complicado. Deve ser lembrado que, no que
diz respeito aos Estados-Membros originais, não existia uma preparação constitucional
específica para este desenvolvido inspirado pelo TJUE.

Supremacia do ponto de vista dos Estados-Membros


É importante, pelo bem da clareza analítica, distinguir 4 questões relativas aos Estados-
Membros e à supremacia da UE:
1. Se o Estado-Membro aceita a supremacia do Direito comunitário, assumindo que a UE
age dentro da sua própria esfera de competências. A resposta geral a esta questão é
afirmativa, sujeita às qualificações que advêm das próximas 3 questões.
2. Assumindo uma resposta afirmativa à primeira questão, o segundo problema é a base
conceptual na qual o Estado-Membro confere supremacia ao Direito da UE. Pode fazê-
lo porque aceita a justificação communautaire do TJUE no caso Costa, ou devido a uma
disposição na sua própria ordem legal nacional. Para a maioria dos Estados-Membros é
a última que dá uma fundação conceptual para aceitação da supremacia.
3. Se a ordem legal nacional coloca limites na aceitação da supremacia do Direito
comunitário, derivados da sua constituição nacional e/ou dos direitos fundamentais
nacionais. O TJUE declara a supremacia do Direito comunitário como operando contra
todos os tipos de Direito nacional, incluindo a constituição nacional, tal que qualquer
norma de Direito da UE destrona qualquer norma do Direito Nacional. Isto não é
geralmente aceite pelos Estados Membros.
4. O problema final é conhecido como a Kompetenz-Kompetenz, sobre quem tem autidade
final para definir as fronteiras da competência entre a UE e os Estados-Membros. O
TJUE, sob o art. 19º do TUE, considera isto como sendo seu trabalho, enquanto
virtualmente todos os TCD’s determinam tais questões, em última instância, por
referência às suas próprias disposições constitucionais, apesar de tratarem o ponto de
vista do TJUE com respeito.

Alemanha
Aceitação da supremacia e base conceptual para esta.
Os tribunais alemães articularam diferentes limites à supremacia do Direito da UE, no entanto,
importa deixar claro que os tribunais aceitaram, sujeita a estes limites, supremacia do Direito
comunitário. Isso fica evidente na decisão do Tribunal Constitucional Federal no caso
Honeywell (ver para. 53 e 54). É evidente deste caso que a supremacia é baseada primeiramente
naquilo que é o art. 23.1 da Constituição alemã, que se ocupa especificamente da UE e permite
a transferência dos poderes soberanos. O facto de se basear nas disposições da constituição
alemã tem sido a razão dominante para a aceitação da supremacia da UE na Alemanha. O
Tribunal Constitucional Federal menciona o argumento usado no caso Costa: a primazia da
aplicação do Direito Comunitário é exigida porque “a UE não podia existir como uma
comunidade legal se a efetividade uniforme do Direito da União não fosse salvaguardada nos
Estados-Membros”.

Limites à aceitação da supremacia: Direitos Fundamentais


No entanto, os tribunais alemães colocaram limites à aceitação da supremacia da UE. O
Tribunal Constitucional Federal referiu no para. 54 do caso Honeywell que a primazia da
aplicação do Direito da UE não pode ser generalizada. A natureza desses limites tem sido
debatida, judicial e extrajudicialmente. 3 tipos de limites são evidentes na jurisprudência alemã:
direitos fundamentais, competência e identidade constitucional. O foco judicial inicial foi nos
direitos fundamentais.
Caso Solange I
Neste caso o Tribunal Administrativo Alemão, ao receber a decisão do TJUE, decidiu que o
sistema de depósitos da comunidade violava princípios básicos da do Direito Constitucional
Alemão e pediu uma decisão do Tribunal Constitucional Federal.
O Tribunal
Certamente, os órgãos comunitários competentes podem fazer Direito cujos órgãos
constitucionais competentes alemães não podiam fazer sob a Constituição e que são válidos e
devem ser diretamente aplicados na Alemanha. Mas o art. 24º da Constituição limita esta
possibilidade no sentido que anula qualquer emenda ao Tratado que destruiria a identidade da
estrutura constitucional da Alemanha ao invadir as estruturas que a compõem.
A parte da Constituição que lida com os direitos fundamentais é uma característica essencial
inalienável da Constituição alemã e é parte da estrutura constitucional desta. O art. 24º não
permite, sem reservas, que esta seja sujeita a qualificações.
No caso de conflito entre o Direito Comunitário e as garantias de direitos fundamentais na
Constituição, a garantia dos direitos fundamentais na Constituição prevalece até os órgãos
competentes da UE não terem removido o conflito de normas em concordância com o
mecanismo do Tratado.
Fim do Caso
O Tribunal Constitucional Federal recusou-se a reconhecer a supremacia incondicional do
Direito da UE por causa da possibilidade de impacto do Direito da União nos direitos básicos
consagrados na Constituição alemã. Considerou que o art. 24º da Constituição não podia cobrir
uma transferência de poder para emendar uma “característica essencial inalienável” da estrutura
constitucional alemã, tal como a proteção dos direitos fundamentais. O Tribunal não iria
renunciar à sua competência para decidir quais as transferências legislativas que alterariam um
elemento inalterável da Constituição e a proteção dos direitos fundamentais na Constituição
alemã prevaleceria sobre o direito comunitário em caso de conflito.
Solange significa “enquanto” e refere-se à declaração do TC alemão de que enquanto a UE não
removesse o possível “conflito de normas” entre o Direito comunitário e os direitos
constitucionais nacionais, o tribunal alemão asseguraria que esses direitos tivessem precedência.
Solange II
O tribunal decidiu tendo em consideração as mudanças no Direito da UE desde 1974 (Solange
I), incluindo o desenvolvimento de proteção de direitos fundamentais do TJUE, a adoção de
várias declarações acerca de direitos e democracia pelas instituições comunitárias, e o facto de
os Estados-Membros terem acedido à Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
(não me apetece escrever a decisão do tribunal)
Fim do caso
A decisão do caso Solange II um tornou um conflito entre o direito comunitário e o direito
nacional algo menos provável de acontecer. Ainda assim, o tribunal neste caso não renunciou à
competência em matéria de direitos fundamentais, mas apenas constatou que não exerceria essa
jurisdição enquanto as presentes condições relativas à proteção de direitos fundamentais pelo
TJUE prevalecessem. O Tribunal Constitucional Federal preservou a sua autoridade final para
intervir se problemas reais relativos à proteção de direitos fundamentais no Direito comunitário
se levantassem.

Limites à aceitação da supremacia: competência e o bloqueio Ultra Vires


O TC alemão articulou um limite baseado na competência para a sua aceitação da supremacia
da UE no caso “Julgamento de Maastricht”, quando a constitucionalidade da ratificação do
Estado do Tratado de Maastricht foi posta em causa.
Maastricht Judgement
O TC alemão decidiu que a ratificação do Tratado de Maastricht era compatível com a
Constituição Alemã, mas deliberou não só na competência constitucional da Alemanha para
ratificar o TUE, como também naquilo que a futura posição seria se a UE tentasse exercer
poderes que não estivessem claramente previstos nos Tratados. Ao afirmar a soberania do
Estado alemão, o TC alemão deixou claro de que não iria renunciar ao seu poder de decidir
acerca da compatibilidade do Direito da UE com os fundamentos da Constituição alemã e
continuaria a exercer um poder de revisão sobre o escopo de competências da UE.
O tribunal
Há uma violação do art. 38º da Constituição se um ato que abre o sistema legal alemão à
validade direta e aplicação do Direito comunitário não estabelecer com certeza suficiente o
programa de integração previsto. Se não for claro a que alcance e nível a legislatura alemã
consentiu transferir o exercício dos seus poderes soberanos, então será possível à UE reclamar
funções e poderes que não foram especificados. Tal seria equivalente a uma ativação geral e
seria, assim, uma rendição dos poderes, contra a qual o art. 38º da Constituição dá proteção.
(não me apetece escrever mais)
Fim do caso
Este julgamento avisou as instituições da UE e o TJUE que a aceitação da Alemanha da
supremacia do Direito da EU era condicional. O TC alemão enfatizou não devia ir além dos
poderes que lhe foram expressamente conferidos nos Tratados. Os tribunais alemães aceitaram
que, dentro da sua própria esfera de aplicação, a UE tem precedência sobre o Direito nacional.
O tribunal afirmou a sua jurisdição de rever as ações das “instituições e agências” europeias, o
que inclui o TJUE, para assegurar que elas se mantêm dentro dos limites dos seus poderes e não
transgridem os direitos constitucionais dos cidadãos alemães.
Caso Honeywell
(não me apetece escrever)
Fim do Caso Honeywell
Esta decisão tornou consideravelmente mais difícil para um demandante sustentar uma
contestação de competência e ultra vires à supremacia do direito comunitário. O TJUE deve ter
a oportunidade de se pronunciar sobre a questão e o requerente deve demonstrar que o excesso
de poder violou manifestamente a competência da UE.

Limites da aceitação da supremacia: a identidade


Na sua decisão de Lisboa, o TC alemão reiterou a existência de um bloqueio ultra vires, baseado
no excesso de competência, apesar de a decisão Honeywell ser mais recente. O TC alemão nesta
decisão também articulou um “bloqueio de identidade”. O excerto seguinte começa após o TC
alemão reafirmar a sua autoridade para efetuar um controlo ultra vires.
Julgamento de Lisboa
O TC alemão revê se conteúdo nuclear inviolável da identidade constitucional da Lei
Fundamental, de acordo com o art. 23.1, 3ª frase em conjunção com o art. 79.3 da Constituição,
é respeitado. Neste respeito, a garantia da identidade constitucional nacional no âmbito do
direito constitucional e do direito da união é indissociável no espaço jurídico europeu. A revisão
de identidade torna possível examinar se, devido à ação das instituições europeias, os princípios
presentes no art. 1º e 20º da Constituição, declarados invioláveis no art. 79.3 desta, foram
violados. Tal garante que o primado da aplicação do direito comunitário só se aplica em virtude
e no contexto da habilitação constitucional que continua em vigor.
A unificação europeia com base numa união de Estados soberanos por meio de um tratado pode,
no entanto, não ser alcançada de uma forma a que não seja deixado espaço suficiente aos
Estados-Membros para a formação política de condições, económicas, culturais e sociais. Isto
aplica-se em particular a áreas que modelam as condições de vida dos cidadãos, em particular a
esfera privada da sua própria responsabilidade e de segurança social e política, protegida pelos
direitos fundamentais.
(não me apetece escrever mais)
Fim do julgamento de Lisboa

Pluralismo constitucional
N MacCormick, Questioning Sovereignty
A doutrina da supremacia do Direito comunitário não deve ser confundida com qualquer tipo de
subordinação incondicional do Direito dos Estados Membros ao Direito europeu. Tratam-se de
sistemas em interação, um dos quais constitui, no seu próprio contexto e em relação à gama de
temas relevantes, uma fonte de direito válido superior a outras fontes reconhecidas em cada um
dos sistemas dos Estados-Membros.
Assim, a análise mais apropriada acerca das relações dos sistemas legais é pluralista em vez de
monista, e interativa em vez de hierárquica. Os sistemas jurídicos dos Estados-Membros e o seu
sistema jurídico comum de direito comunitário são sistemas jurídicos distintos, mas que
interagem entre si, e as relações hierárquicas de validade no âmbito de critérios de validade
próprios de sistemas distintos não conduzem a qualquer tipo de superioridade absoluta de um
sistema em relação a outro. Daí decorre também que o poder interpretativo das mais altas
instâncias de decisão dos diferentes sistemas deve ser, em relação a cada sistema, último.
Compete ao TJCE interpretar, em última instância e de forma definitiva, as normas de direito
comunitário. Mas também deve caber ao mais alto tribunal constitucional de cada Estado
membro interpretar as suas normas constitucionais e outras e, por conseguinte, interpretar a
interação da validade do direito comunitário com as normas de validade de nível superior no
sistema estatal em causa.
Os potenciais conflitos e colisões de sistemas que podem ocorrer entre a UE e os Estados
Membros não ocorrem num vazio legal, mas sim num espaço para o qual o Direito Internacional
também é relevante.

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