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LOORDeNaÇAO
Lavagem
de Dinheiro
• Pareceres jurídicos
•Jurisprudência selecionada e comentada
THOMSON REUTERS
REVISTA DOS
TRIBUNAIS”
Diretora de Conteúdo e Operações Editoriais
JUUANA MAYUMI OnO
Gerente de Conteúdo
Miusa Crisdne Romera
Editorial: Aline Marchesi da Silva, Diego Garcia Mendonça, Karolina de Albuquerque Araújo Martino e Quénia Becker
Gerente de Conteúdo fox:Vanessa Miranda de M. Pereira
Produção Editorial
Coordenação
Andréia R. Schneider Nunes Carvalhaes
Especialistas Editoriais: Gabriele Lais SanfAnna dos Santos e Maria Angélica Leite
Analista de Projetos: Larissa Gonçalves de Moura
Analistas de Operações Editoriais: Caro\\ne Vieira, Damares Regina Felicio, Danielle Castro de Morais,
Mariana Plastino Andrade, Mayara Macioni Pinto, Patrícia Melhado Navarra e Vanessa Mafra
Analistas de Qualidade Editorial: Ana Paula Cavalcanti, Fernanda Lessa, Thais Pereira e Victória Menezes Pereira
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5991-898-0
21-67839 CDU-343.3(094.56)
Lavagem
de Dinheiro
° Pareceres jurídicos
° Jurisprudência selecionada e comentada
THOMSON REUTERS
REVISTA DOS
TRIBUNAIS
LAVAGEM DE DINHEIRO
• Pàreceres jurídicos
° Jurisprudência selecionada e comentada
Autores
Ademar Borges | Alaor Leite | Alamiro Velludo Salvador Netto
André Luís Callegari | Ariel Weber | Bruno Buonicore | DiasToffoli
Fausto De Sanctis | Gilmar Mendes | Gustavo Badaró | Heloísa Estellita
José Lunardelli | Juliano Breda | Luís Greco | Maria Thereza de Assis Moura
Nino Toldo | Paulo Fontes | Pierpaolo Cruz Bottini | Ricardo Lewandowski
Rogério Schietti Cruz
Coordenação
Pierpaolo Cruz Bottini e Ademar Borges
© desta edição [2021]
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo,
especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos.
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Impresso no Brasil [09-2021]
Profissional
Fechamento desta edição [16.08.2021]
corroaa afiliada
ISBN 978-65-5991-898-0
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS 5
1. INTRODUÇÃO 11
2. PARECERES
2.1. Corrupção ativa em transação comercial internacional - Lavagem de dinheiro -
Concurso de leis e de crimes
Luís Greco e Alaor Leite 29
2.7. Inépcia da denúncia por lavagem de dinheiro em razão da atipicidade das infrações
penais antecedentes
Ademar Borges 163
3. JURISPRUDÊNCIA COMENTADA
3.1. Habeas Corpus n° 132.179/SP
Da necessária descrição das infrações penais antecedentes no crime de lavagem
de dinheiro
Dias Toffoli 233
4. JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA
4.1. Voto
Recurso em Habeas Corpus n° 73.599-SC
Relator: Ministro Neji Cordeiro 355
4.2. Voto
Ação Penal n° 965/SP
Voto-Vista: Ministro Luís Roberto Barroso. 361
4.3. Voto
Recurso em Habeas Corpus n° 57.703/DF
Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca 403
4.4. Voto
Habeas Corpus n° 516.079/SP
Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior 415
4.5. Voto
A obra que ora vem de ser apresentada ao público foi gestada, inicialmente,
com o objetivo de apresentar à comunidade jurídica brasileira uma síntese das con
tribuições que um grupo de docentes têm produzido acerca da temática da lavagem
de dinheiro por meio de pareceres jurídicos. Em um segundo momento, pensou-se
que a obra ficaria mais completa se apresentasse ao público não apenas um retrato
da produção acadêmica traduzida pelos pareceres jurídicos, mas também alguns dos
mais importantes votos e decisões proferidos por Ministros do Supremo Tribunal
Federal, do Superior Tribunal de Justiça e também por Desembargadores Federais
sobre as principais controvérsias em torno do delito de lavagem de dinheiro. A ideia
que inspirou a presente coletânea foi a de transmitir aos profissionais do direito,
estudantes e pesquisadores um amplo panorama sobre o modo como a academia
e a jurisprudência têm enfrentado as principais questões envolvendo a aplicação
da lei de lavagem de dinheiro. A partir de uma leitura conjunta dos pareceres, de
um lado, e dos votos e das decisões judiciais, de outro, é possível extrair uma visão
mais precisa da qualidade do diálogo entre doutrina e jurisprudência no Brasil
acerca das mais variadas dimensões da interpretação e aplicação da legislação sobre
lavagem de dinheiro.
A atividade consultiva realizada por advogados dedicados à vida acadêmi
ca contribui para o desenvolvimento da dogmática penal, conferindo aplicação
prática à literatura especializada e propondo parâmetros mais claros e racionais
para o exercício da jurisdição criminal no país. Como bem alertou Alaor Leite,
recuperando a advertência de Schúnemann, é preciso que a doutrina cumpra o
seu mister como “quarto poder”,1 com vistas a auxiliar a enunciação de critérios
interpretativos para o porvir, controlando, a partir da produção científica do direito
penal, a legitimidade e a correção da atividade jurisdicional.
Tal como afirmou Heloísa Estellita na introdução do parecer com que contri
buiu para esta obra coletiva, “a estrutura de um parecer se aproxima bastante daquela de
artigos científicos que se propõem a analisar um grupo de casos ou uma matériajurídica
a partir de problemas que se manifestam na vida real, e, assim, é capaz de demonstrar
que as contribuições da dogmática se dirigem à solução de problemas concretos, da
vida cotidiana”. Os pareceres jurídicos oferecidos por Professores universitários
dedicados à pesquisa e à produção acadêmica procuram concretizar a ideia, sinte
tizada por Luís Greco, de que as teorias jurídicas, ao menos as de qualidade, não
até mesmo porque o dolo deve ter como referência todos os elementos típicos
e também deve estar presente no momento da prática da conduta, não sendo
penalmente relevante nem o dolo antecedente nem o subsequente. Segundo,
a determinação do objeto material da lavagem - o “dinheiro sujo”, se assim se
preferir - é fundamental para determinar o grau de contaminação do capital
de determinada pessoa, sobretudo porque apenas muito excepcionalmente se
poderia cogitar da contaminação total do património do sujeito. Terceiro, Alaor
Leite desenvolve a original formulação de que as condutas neutras previstas no
inciso II do § Io do art. Io da lei de lavagem de dinheiro, precisamente porque não
estão no mesmo plano das ações descritas no caput- afinal constituem formas até
mesmo simplórias de se mover na vida negociai — e não agridem o bem jurídico
na mesma medida, só devem ser criminalizadas na medida em que se destinarem
unicamente à ocultação ou dissimulação. Por isso, na visão do autor, “no § 1°,
inciso II as exigências subjetivas são ainda mais elevadas, eis que se constituiu um
elemento subjetivo especial, que mais se assemelha a um propósito delilivo seguro
(‘para ocultar ou dissimular") "". Por fim, o parecer de Alaor Leite coloca luzes sobre
a importância do desenvolvimento da categoria da cumplicidade por meio de ações
neutras na tarefa de excluir do âmbito de incidência da norma penal de lavagem
de dinheiro ações colidianas ínsitas à vida negociai.
O parecer do Professor Pierpaolo Bottini examina os crimes licitatórios como
antecedentes da lavagem de dinheiro e os requisitos para identificar a correspondên
cia entre o produto das infrações e aqueles bens ocultos ou dissimulados. Parte da
discussão sobre o conceito de produto de delito, discorre sobre as teorias a respeito
da mescla de capitais, para avaliar a procedência de denúncia que não descreve com
precisão a origem de bens pretensamente mascarados. Em um segundo momento,
analisa o significado da ocultação, núcleo do crime em análise e seus desdobra
mentos em casos concretos.
Na sequência, apresenta-se o erudito parecer da lavra dos Professores Alamiro
Salvador Netlo e Juliano Breda que discute, além de interessante controvérsia
sobre os requisitos exigidos para a tipificação do delito de corrupção passiva no
Brasil, dois importantes aspectos do delito de lavagem de dinheiro. Em primeiro
lugar, afirmam que o crime de lavagem de dinheiro é instantâneo de efeitos per
manentes, consumando-se no momento da efetiva ocultação ou dissimulação da
“origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, conforme descreve
o caput do art. Io da Lei 9.613/1998, com alterações dadas pela Lei 12.683/2012.
Por isso mesmo, concluíram que o simples fato de o autor seguir se aproveitando
da lavagem perpetrada, não significa afirmar que exista permanência delitiva,
pois não são praticados, diariamente, novos atos de ocultação e dissimulação. Tal
conclusão é particularmente relevante para a contagem da prescrição, como tam
bém alertaram com percuciência os pareceristas. Em segundo lugar, os Professores
18 LAVAGEM DE DINHEIRO
Alamiro Salvador Netto e Juliano Breda não apenas recordam neste trabalho a
exigência, como pressuposto à configuração da lavagem de capitais, de uma ação
capaz de atribuir o que se denomina de “aparência de legalidade” ao produto do
crime antecedente, como também chamam a atenção para a impossibilidade da
prática do delito de lavagem de dinheiro por mera omissão.
E, por fim, o parecer do Professor Ademar Borges trata da atual controvérsia
acerca da (im)possibilidade de imputação do delito de lavagem de dinheiro na
hipótese em que o suposto delito antecedente de sonegação fiscal ainda não se
consumou pela falta de lançamento tributário definitivo (Súmula Vinculante 24 do
STF). Depois de inventariar os elementos típicos do delito de lavagem de dinheiro
à luz da doutrina nacional c estrangeira assim como da jurisprudência atual do
STF e do STJ, o parecer destaca a importância da identificação precisa do objeto
material do delito de lavagem de dinheiro e também da descrição da sua relação
empírica com as posteriores ações típicas de branqueamento como condições de
aptidão da denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro. Tais premissas conduzem
à conclusão de que a imputação do delito de lavagem de dinheiro como injusto
autónomo em face do delito antecedente de sonegação fiscal exige que a acusação
delimite com precisão a “cota defraudada” que teria sido objeto material de poste
riores ações de ocultação ou dissimulação. Isso porque, na esteira da experiência
comparada, não se mostra legítima a afirmação da contaminação total do patrimó
nio do contribuinte que exerce atividade empresarial lícita apenas pelo fato de ter
praticado atos de sonegação fiscal. Ainda mais relevante no trabalho apresentado
por Ademar Borges é a demonstração de que, enquanto não forem definitivamente
constituídos os créditos tributários, o delito de sonegação fiscal não foi consumado,
de modo que a atipicidade da conduta antecedente impede a imputação do delito
de lavagem de dinheiro. Em linha com as conclusões expostas nos pareceres de
Luís Greco, Alaor Leite, Heloísa Estellita e André Callegari, o autor defende que
o delito de lavagem de dinheiro exige a consumação prévia de um delito anterior
do qual tenha resultado bens, valores ou direitos passíveis de atos autónomos de
ocultação ou dissimulação.
Como se disse, a ideia de reunir nesta obra coletiva não apenas os pareceres
jurídicos sobre lavagem de dinheiro mas também um importante repertório de
decisões e votos proferidos por ilustres Desembargadores Federais, Ministros do
STJ e do STF teve como objetivo fornecer ao leitor um panorama atual do estado
da arte das principais controvérsias que envolvem a aplicação da Lei n° 9.613/1998
pelos Tribunais brasileiros. Esse importante conjunto de decisões e votos aqui re
unidos- por meio da indicação pelos próprios magistrados dos pronunciamentos
INTRODUÇÃO • 19
que julgavam mais atuais e relevantes nessa temática - realiza também a função
de enunciar as bases atuais do diálogo entre doutrina e jurisprudência no campo
do debate sobre o delito de lavagem de dinheiro. É preciso destacar, desde logo,
que a jurisprudência brasileira tem dado especial relevância à produção acadêmica
nessa área, o que se revela não apenas pela expressa citação de destacados trabalhos
dogmáticos sobre o tema como também pelo modo deferente e atento com que os
Tribunais têm enfrentado as principais leses defensivas-eventuaimente subsidiadas
por pareceres jurídicos - apresentadas em casos envolvendo lavagem de dinheiro.
Convém advertir, ainda, que alguns trechos dos votos dos Ministros e Desem
bargadores foram suprimidos desta publicação na exata medida em que exploravam
aspectos fáticos específicos dos casos concretos ou abordavam controvérsias não
relacionadas ao debate sobre a interpretação da lei de lavagem de dinheiro. A seleção
dos principais trechos dos votos teve, portanto, o objetivo de tornar a obra coletiva
mais coesa e direcionada ao exame do modo como os Tribunais têm interpretado
as principais dimensões do delito de lavagem de dinheiro.
Vale destacar, ainda, que o capítulo dedicado ao estudo da jurisprudência na
cional sobre os temas mais relevantes em torno da interpretação da lei de lavagem
de dinheiro acabou sendo dividido em duas partes: na primeira - denominada de
jurisprudência comentada os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski,
Gilmar Mendes, Maria The reza de Assis Moura e Rogério Schietti bem como os
Desembargadores Paulo Fontes, Fausto de Sanctis e Nino Toldo produziram arti
gos por meio dos quais comentaram votos por eles proferidos em casos relevantes
sobre a matéria; e, na segunda - denominada jurisprudência selecionada - outros
Ministros do STF, do STJ e Desembargadores Federais somaram-se à obra por meio
da disponibilização de votos e decisões que expressam a mais atualizada interpre
tação do delito de lavagem de dinheiro nas duas variadas dimensões.
independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2o, II, da Lei
n° 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram
esses crimes antecedentes”.
Na sequência, o artigo do Ministro Ricardo Lewandowski aborda o candente
tema da lavagem de dinheiro nas hipóteses de recebimento de doação eleitoral
oficial, de importância fundamental para a compreensão dessa nova fronteira da
jurisprudência brasileira. Além de problemalizar de maneira particularmente
interessante os aspectos relativos à demonstração de que vantagem indevida, no
caso do crime antecedente de corrupção passiva, deve ter relação com a função
pública exercida pelo acusado e também à exigência de robusta corroboração
probatória externa da colaboração premiada para a superação do estado de ino
cência do acusado, o voto do Ministro Ricardo Lewandowski coloca em xeque a
possibilidade de condenação pelo crime de lavagem de dinheiro com base no mero
recebimento de doação eleitoral proveniente de corrupção passiva, na medida em
que a lei brasileira exige o que Alaor Leite chamou de elemento subjetivo especial
consistente na inequívoca intenção de ocultar ou dissimular a origem desses va
lores, camuflando sua origem espúria com o objetivo de reinseri-lo no marcado
com aparência lícita. Nesse sentido, o Ministro Ricardo Lewandowski conclui que
“o mero proveito económico do produto do crime de corrupção passiva não configura o
delito de lavagem de dinheiro, o qual exige, como visto, a prática das condutas típicas
e autónomas de ocultar ou dissimular o produto de crimes antecedentes, com o intuito
de branquear capitais”.
O artigo do Ministro Gilmar Mendes - em coautoria com Bruno Tadeu Buo-
nicore - comenta decisão monocrática proferida acerca da relevante controvérsia
acerca necessidade de constituição definitiva do crédito tributário em casos de
sonegação fiscal como requisito para a imputação do delito de lavagem de dinheiro
pelo suposta ocultação ou dissimulação dos valores obtidos a partir do delito fiscal
antecedente. Depois de apresentar um importante panorama sobre os delitos mate
riais e de resultado, o artigo explora a ideia de que a independência processual do
crime de lavagem não pode ser levantada como argumento válido para a sustentação
do crime de lavagem quando o suposto delito antecedente configura conduta que
sequer é típica. Partindo dessa premissa, o artigo rememora a conclusão a que o
Ministro Gilmar Mendes chegou ao proferir a decisão comentada no sentido de que
se o suposto crime fiscal antecedente revela conduta manifestamente atípica em
razão de incidência da SV 24 do STF, não há que se falar na configuração do crime
de lavagem de dinheiro, que perde ele mesmo o substrato material exigido para a
subsunção dos fatos ao tipo penal, ou seja, se o delito antecedente padece de atipia,
então o mesmo ocorre com o crime de lavagem. A decisão comentada pelo Minis
tro Gilmar Mendes e por Bruno Buonicore constitui importante parâmetro para a
construção de uma jurisprudência mais segura sobre essa específica controvérsia.
É interessante notar que o parecer do Professor Ademar Borges apresentado nesta
introdução i 21
ser direta, pois, pelo princípio do livre convencimento, o juiz forma sua convicção em
razão de todo o conjunto probatório, que é constituído por provas diretas e indiretas ou
exclusivamente por uni desses tipos. Esse conjunto deve ser robusto o suficiente para
permitir ao juiz formar sua convicção acerca da existência do crime antecedente, a
fim de que possa julgar o delito de lavagem. Deve o juiz, enfim, mostrar claramente
as razões pelas quais fundamenta sua convicção sobre a existência da infração ante
cedente.” É conhecido o debate sobre o grau de autonomia material e probatória
entre os delitos de lavagem de dinheiro e os crimes antecedentes. O artigo e voto
do Desembargador Nino Toldo são relevantes na medida em que esclarecem que
a autonomia processual do delito de lavagem de dinheiro em face do delito an
tecedente não afasta a necessidade de prova robusta (ainda que indireta) sobre
a existência desse delito bem como do seu produto que posteriormente sofre as
ações de ocultação ou dissimulação.
E, por fim, o artigo do Desembargador Federal José Lunardelli destaca a ne
cessidade de que a denúncia pelo delito de lavagem de dinheiro não apenas apre
sente descrição suficiente do delito antecedente como também seja acompanhada
de arcabouço probatório mínimo que permita identificar ajusta causa material
relativamente a esse delito antecedente. O artigo é fruto de formulação por ele
apresentado em voto particularmente importante para a jurisprudência nacional
na medida em que é conhecida certa tendência recente de supor que a autonomia
processual entre os delitos de lavagem de dinheiro e os delitos antecedentes per
mita a apresentação de denúncias que não descrevem adequadamente a prática do
delito antecedente (arl. 41 do CPP) e tampouco apresentam material probatório
inicial que dê suporte material à alegada existência desse delito antecedente. Além
disso, e na esteira de importantes contribuições da doutrina brasileira, o voto do
Desembargador Federal José Lunardelli, comentado em seu artigo, recupera a
centralidade da exigência de que os atos de ocultação ou dissimulação tenham o
intuito de posterior reinserção na economia formal sob a aparência de licitude. Por
isso mesmo, mero transporte ou uso simples dos valores provenientes de conduta
delitiva não configuram lavagem de dinheiro.
INTRODUÇÃO 25
Heloísa Estellita1
I. Introdução
O texto que a leitora e o leitor têm em mãos foi concebido como um parecer,
elaborado em 2016. Foi publicado como artigo2 e selecionado para compor esta
obra em virtude da generosidade dos organizadores. O texto foi mantido em sua
formulação original, inclusive no que tange à literatura consultada e existente na
época3, tendo sido anonimizado para impedir a sua conexão com o caso concreto
que motivou sua elaboração.
II. O caso
Em certa data, advogados foram procurados por jornalista que afirmou co
nhecer teor de certa delação premiada, no bojo da qual o delator relatara ter pago
propina a um funcionário público em troca de auxílio na aprovação de projetos, e
que parle destes valores teriam sido usados por referido funcionário público para
pagar honorários advocatícios devidos ao escritório de advocacia.
Tendo em vista que seu escritório patrocinava os interesses desse funcioná
rio público na seara criminal, os advogados realizaram pesquisa em documentos
bancários e contábeis da sociedade e identificaram estas informações: a) houve
contratação formal, devidamente documentada, anos antes da data da delação,
cujo objeto contratual era a representação do funcionário público em um in
quérito policial; b) os serviços prestados por referida sociedade de advogados
desde aquela data até a elaboração da consulta para parecer foram: estudo dos
autos, elaboração de estratégia de defesa, participação em reuniões, audiências
com autoridades públicas atuantes nos feito, elaboração e protocolo de petições,
com o escopo de defender da melhor forma possível o interesse do cliente; c) os
honorários contratados foram parcialmente pagos por meio de depósito bancário
de cheque na conta de titularidade da sociedade de advogados em determinado
banco de grande porte. O extrato bancário não indica, como de praxe, o emis
sor do cheque, mas apenas o depósito por meio de cheque, o valor e a data do
“crédito”, sem qualquer informação adicional; d) diante do depósito bancário
referente ao pagamento parcial dos honorários, foi emitido recibo, comutado
no diário geral do mesmo mês, não sendo necessária a elaboração de nota fiscal,
bastando a nota de honorários, nos termos da legislação municipal de cidade
onde fica a sede do escritório; e) os impostos referentes à receita foram devida
mente pagos na forma da lei; D não havia qualquer indício de que o pagamento
realizado tivesse origem suspeita ou ilícita, uma vez que o valor era compatível
com os vencimentos do cliente (funcionário público) e nada no depósito indicava
a origem do título de crédito.
Diante desse quadro, os Consulentes questionaram (quesitos): existe irregu
laridade ou ilegalidade no recebimento de honorários na forma exposta? É lícita
a quebra de sigilo bancário da pessoa jurídica do escritório de advocacia diante
de tais fatos?
porque não subsumível a algum tipo legal de crime, não há conduta proibida,
nem mesmo culpável.
Portanto, para afirmar a existência, ou não, do pressuposto legal que au
toriza a quebra dos sigilos bancário e fiscal, o primeiro passo é estabelecer se a
conduta narrada pelos Consulentes se subsome, primafacie, a algum tipo penal,
a evidenciar, nas palavras do STF, causa provável de sua prática. Dado que se trata
de analisar o recebimento de valores pelos Consulentes em virtude de relação
contratual formal entre as partes, a punibilidade deve ser analisada à luz do crime
de lavagem de capitais (art. Io, Lei 9.613/98) e do crime de receptação (art. 180,
caput e § 3o, CPB).7 Feita essa análise, chega-se à conclusão, na qual se retorna
ao disposto no § 4o do artigo Io da LC 105/200, para, então, de forma sintética,
responder aos quesitos.
Como se verá adiante, a regularidade ou não do recebimento de honorários,
sob o ponto de vista penal, é elemento de análise da própria tipicidade, razão pela
qual não será examinada autonomamente.
und von ihm her muB die dogmatische Aufgliederung eríolgen" (ROXIN, Kriminalpolitik
und Straírechtsystem, De Gruyter, 1974, p. 15). Também em ROXIN, Strafrecht -
Allgemeiner Teil, Band I, 4. Auflage, § 7, n. 62.
7. Não será analisada a conduta à luz do crime de íavorecimento real, posto que não
há qualquer elemento indicando que o recebimento dos honorários pudesse ter se
destinado, ainda que hipoteticamente, a "tornar seguro o proveito do crime" (art. 349,
CPB).
8. A confecção de contrato de honorários por serviços não efetivamente prestados para
encobrir transações financeiras nada tem a ver com o exercício regular da advocacia
e pode configurar prática de diversas figuras penais, a depender da situação concreta
(cf. STJ, APn 458, DJe 18/12/2009).
9. A última decisão de que se tem notícia é a proferida pela 2a Câmara do Segundo Se
nado do Tribunal Constitucional alemão em 28 de julho de 2015, na qual a Câmara
RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS MACULADOS 67
reafirmou a orientação já adotada pela Corte em casos similares (cujo primeiro foi o
BVerfG 110, 226, de 2004), segundo a qual o tipo penal, relativamente aos advogados,
deve ser interpretado de forma restritiva, só podendo alcançar o advogado que, quan
do do recebimento dos honorários, saiba seguramente que os valores provêm de um
dos crimes antecedentes apontados no art. 261, par. 1o, n. 2 (BVerfGE 110, 226; NJW
2015, 2949). Comentários à decisão faz RASCHKE, NZWiST 12/2015, p. 476-480.
10. SÁNCHEZ RIOS, Advocacia e lavagem de dinheiro: questões de dogmática jurídico-
-penal e de política criminal, Saraiva, 2010. (Direito penal económico. GVIaw).
11. Algumas já citadas no decorrer deste texto. Pode-se indicar, ainda, sem nenhuma
pretensão de exaustividade: AMBOS, La aceptación por el abogado defensor de hono
rários maculados: lavado de dinero. In: GUZMÁN DÁLBORA, josé Luis. El penalista
liberal: controvérsias nacionales e internacionales en derecho penal, procesal penal y
criminologia : Manuel de Rivacoba y Rivacoba homenaje, Hammurabi, 2004, p. 55-94;
CARO CORIA (Trad.); AMBOS; HINESTROSA, La aceptación por el abogado defensor
de honorários ,maculados': lavado de dinero?: intentos de restricción del tipo penal
de lavado (blanqueo) de dinero a la luz de los derechos internacional y extranjero,
Universidad Externado de Colombia, 2002; CHOCLÁN MONTALVO, Blanqueo de
capitales y retribución del abogado. El pago de honorários con cargo al património pre-
suntamente criminal, La ley penal, v. 5, n. 53, p. 43-50, out. 2008; DIAS, Recebimento
de honorários maculados e os crimes de lavagem de dinheiro e de receptação: análise
sob a perspectiva das ações neutras, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
v. 22, n. 110, p. 147-174, set./out. 2014; GRECO FILHO, RASSI, Lavagem de dinheiro
e advocacia: uma problemática das ações neutras, Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 20,
n. 237, p. 13-14, ago. 2012; MASSUD, SARCEDO, O exercício da advocacia e a lavagem
de capitais: panorama brasileiro. In: OLIVEIRA, William Terra de et al. (Org.). Direito
penal económico: estudos em homenagem aos 75 anos do Professor KlausTiedemann,
LiberArs, 2013, p. 263-289; LUCCHESI, O confisco penal de honorários advocatícios nos
Estados Unidos da América e seu impacto no sistema jurídico-penal acusatório, Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 22, n. 108, p. 349-384, maio/jun. 2014.
12. Recente: KRAATZ, Erik, Geldwãscherisiken fúr Anwãlte, NJ 4/201-5, p. 149-157.
13. Recente: BLANCO CORDERO, El delito de blanqueo de capitales, 4a ed., Aranzadi,
2015, p. 772 ess.
14. Abordando, em conjunto, a situação espanhola e alemã, WIRTZ, B^RMEJO, Strafver-
teidigerhonorar und Geldwãsche aus europãischer Perspektive: Gleiches Problem,
gleiche Lõsung?, ZIS, 10/2007. Na Espanha, vide por todos blANC^^ORDERO, °^ra
68 | LAVAGEM DE DINHEIRO
Essa, contudo, não é a situação legal brasileira. Aqui não há figura típica cri
minalizando a mera guarda ou recebimento, sem mais, de valores provenientes da
prática anterior de infração penal.15 Também não está prevista a punibilidade da
forma culposa, de qualquer das modalidades típicas da lavagem de capitais.
Dito isso, cumpre analisar os fatos narrados pelos Consulentes à luz do direito
positivo, ou seja, do disposto no artigo Io da Lei n. 9.613/98.
Tal dispositivo incrimina diversas condutas, que têm em comum o objeto
material sobre o qual recaem: bens, direitos ou valores provenientes, direta ou in
diretamente, de infração penal. Entendo que do caput ao § 2o, I, há a incriminação
de uma crescente gravidade no ataque ao bem jurídico,10 da conduta de menor para
a de maior gravidade, em conformidade com a clássica tripartição das etapas do
processo de lavagem (colocação, ocultação e integração),17 no que o dispositivo
presta tutela penal (extremamente) abrangente ao bem jurídico, especialmente
tendo-se em vista a questionável homogeneidade dos marcos penais para condutas
de lesividade diversa.
18. A crítica se dirige contra a modalidade típica de ocultar e, a meu ver, merece ser
acolhida: cf. VILARDI, O crime de lavagem de dinheiro e o início de sua execução,
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 12, n. 47, mar./abr. 2004, p. 18.
19. No mesmo sentido, afirmando a inaplicabilidade do § 261 Abs. 1, que contempla as
condutas de ocultação e dissimulação, para hipóteses de recebimento de honorários
pelo defensor Schrõke/Schrõder/Hecker/Stree, StGB, § 261, nr. 24.
20. Para COSTA, sequer há de cogitar da incidência destas modalidades típicas no rece
bimento de honorários (COSTA, Honorários advocatícios e lavagem de dinheiro, em
MALAN, Diogo; MIRZA, Flávio (Coord.). Advocacia criminal, direito de defesa, ética
e prerrogativas, Lumen Juris, 2014, p. 165).
70 LAVAGEM DE DINHEIRO
Isso, porque o recebimento dos valores se deu como contraprestação por pres
tação de serviços na área de especialidade dos contratados,21 ou seja, para pagamento
por sciviços prestados e não, como exige o elemento subjetivo especial do tipo, para
“ocultar o dissimular” sua utilização.22 De resto, como visto, a forma do pagamento
e a natureza da operação bancária nela envolvida implicam transparência quanto
à utilização do bem, e não em sua ocultação ou dissimulação.
Não se ajusta, igualmente, à figura típica inscrita no art. Io, § 2o, I, da Lei
n. 9.613/98 o recebimento de honorários por serviços efetivamente prestados.23
Trata-se da modalidade típica de utilização, na atividade económica ou financeira,
de bens direitos ou valores provenientes de infração penal. É evidente que não se
pode interpretar isoladamente esta modalidade típica e isso por três razões funda
mentais: (a) a própria interpretação sistemática do artigo Io, como dito, indica uma
gradação de ataque ao bem jurídico, que caminha das menos graves às mais graves:
desde a mera ocultação (caput), passando pela transformação (§ Io) até a integração
(§ 2o)24; (b) se se tratasse aqui da mera “utilização” para qualquer finalidade de
produtos de infração penal antecedente, estar-se-ia negando vigência à limitação
típica imposta pela cláusula “na atividade económica ou financeira”, justamente a
que evidencia que se cuida aqui da punibilidade da última fase da lavagem - a mais
grave sob o ponto de vista do (na verdade, da dificuldade de) alcance dos ativos cri
minosos por implementação de medidas cautelares patrimoniais do processo penal
ou tutela da ordem económica a integração: a incorporação formal dos ativos ao
sistema económico por, para ou no interesse do titular dos ativos criminosos; (c) a
interpretação de que se trataria também de puro e simples recebimento conduziria
a ter de afirmar a atipicidade quando o receptor dos valores não os utilizasse em
sua atividade económica, mas, sim, em outras atividades privadas (ou, não eco
nómicas), o que não faria o menor sentido fosse o intento do legislador proibir o
recebimento de valores oriundos da prática de crime por si só.25
artigo 180 do Código Penal está inserido dentro do Título II - Dos crimes contra
o património,28 a indicar que concede tutela de segundo grau ao património29-
público ou privado -30 já ofendido pelo crime anterior (p. ex., furto, apropriação
indébita, estelionato etc.).
Esse critério tem sido um entre os invocados para distinguir o âmbito de apli
cação do crime de lavagem de capitais do de aplicação do crime de receptação,31
especialmente naqueles países, como a Alemanha, nos quais as duas figuras foram
alocadas uma em seguida da outra32 e/ou a lavagem de dinheiro só se aplica a bens
oriundos de um rol taxativo de crimes.33 No direito positivo alemão, a referência
expressa no tipo penal a uma coisa oriunda de um crime contra o património34
cosa, que otro se haya hurtado o de otra manera haya obtenido por medio de un hecho
antijurídico dirigido contra el património ajeno de un tercero, con el fin de enrique-
cerse o enriquecer a un tercero, será castigado con pena privativa de la libertad hasta
cinco anos o con multa".
35. WESSELS/HILLENKAMP, Strafrechl - BesondererTeil 2, 37.Auflage, C.F. Muller, 2014,
§ 23, nr. 832; RENGIER, Strafrecht - BesondererTeil I, 17. Auflage, 2015, § 22, nr. 1.
O favorecimento real está definido no § 257 do StGB, dentro da mesma seção onde
se encontram alocados os crimes de receptação (Hehlerei, § 259) e de lavagem de
capitais (Geldwãsche, § 261). No Brasil, no mesmo sentido, BALTAZAR JÚNIOR, obra
citada, p. 1091.
36. WESSELS/HILLENKAMP, obra citada, § 23, nr. 823; KINDHÂUSER, Strafrecht- Beson-
dererTeil II, 4. Auflage, 2005, § 47, nr. 1; RENGIER, obra citada, § 22, nr. 1.
37. No parágrafo 6o, inclusive, há expressa menção a bens do património da União, em
clara referência a coisas corpóreas.
38. O contrato de conta-corrente bancário se rege pelas normas dos artigos 645 c.c. 586
do Código Civil: "Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se
obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo
disposto acerca do mútuo", "Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O
mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo
gênero, qualidade e quantidade".
39. Sobre as três classes de formação jurídica de conceitos, v. SCHÚNEMANN, Funda
mentos y limites de los delitos de omisión impropia, Marcial Pons, 2009, p. 55-57.
74 LAVAGEM DE DINHEIRO
40. Sobre os limites da interpretação das elementares do tipo de acordo com o texto da
lei, especialmente em matéria penal, onde proibida a analogia in malam partem,
v. PUPPE, Kleine Schule des juristischen Denkens, p. 120 e ss., especialmente p. 123.
41. Cf. SÁNCHEZ-VERA GÓMEZ-TRELLES, Blanqueo de capitais y abogacía, InDret, enero
2008, p. 31. O argumento é utilizado por KULISCH com relação à modalidade de
recebimento do tipo penal de lavagem na Alemanha, referindo-se ao juiz que recebe o
pagamento das custas processuais e da multa penal de condenado que tenha praticado
um dos crimes antecedentes apontados no parágrafo 1o do § 261 do StGB (KULISCH,
StraFo 1999, 337 (339)).
RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS MACULADOS 75
42. O excesso de exação está evidentemente fora do horizonte de análise (art. 316, § 1o).
43. Embora divergindo da técnica comum de tipiíicaçào das condutas culposas (empregada,
por exemplo, no art. 121, § 3o, CPB), o legislador criou, neste § 3o do art. 180, a forma
culposa da receptação, assim BITENCOURT, obra citada, Crime de receptação, item 10.
44. Em oposição a uma concepção de tipo como descrição da causação de resultados, cf.
GRECO, Imputação objetiva: uma introdução, em ROXIN, Funcionalismo e imputação
objetiva no direito penal, Renovar, 2002, p. 1-180.; ROXIN, Strafrecht Allgemeiner
Teil I, 4 Auflage, 2006, § 11, nr. 1 e ss.
45. Como afirma Greco, "a imputação objetiva e seus conceitos básicos nada mais são do
que a teoria do crime culposo" (GRECO, Imputação objetiva: uma introdução, obra
citada, p. 44).
46. HERZBERC, Das vollendete vorsãtzliche Begehungsdelikt ais qualifiziertes Versuchs-,
Fahrlãssigkeits-und Unterlassungsdelikt, juristische Schulung, v. 5, p. 377-384, 1996,
p. 381.
76 LAVAGEM DE DINHEIRO
47. A disciplina do artigo 17 do Código Penal brasileiro oferece um amparo legal a essa
afirmação.
48. GRECO, Imputação objetiva: uma introdução, obra citada, p. 44.
49. Por isso, ressente-se Herzberg do fato de que os manuais de direito penal normalmente
examinam a estrutura do crime culposo depois da dos dolosos (obra citada, local citado).
50. O que absolutamente não é evidente e mereceria análise própria em outra sede.
RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS MACULADOS 77
51. GRECO, Um panorama da teoria da imputação objetiva, 3 ed., RT, 2013, p. 52, quem
agrega um outro fundamento, não consequencialista: o núcleo de liberdade de cada
cidadão (p. 51).
52. GRECO, Um panorama..., obra citada, p. 46 ess.; ROXIN, Strafrecht, obra citada, §11,
nr. 65 e ss; FRISCH, Strafrecht: AlIgemeinenTeil, 6. Auf., C.H. Beck, 2013, p. 127-128.
53. Sobre o objeto da tutela do crime de receptação, v. supra.
54. No mesmo sentido, COSTA, obra citada, p. 164.
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78 I LAVAGEM DE DINHEIRO
55. Verdade que tanto o EOAB como o CDE estabelecem um patamar mínimo para a
cobrança de honorários, abaixo do qual considera-se aviltante a remuneração dos
serviços jurídicos. Os dispositivos são questionáveis, todavia, a discussão é irrelevante
para a solução deste caso.
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56. Lei 4.595/64 e arcabouço normativo emitido pelo BACEN e pelo CMN.
57. No que tange à supervisão para fins de prevenção do crime de lavagem de capitais,
confira-se a Circular 3461/2009.
58. Essa circunstância coloca em evidência que o tipo de receptação tem por objeto ma
terial um bem móvel e não valores ou bens. A rigor, neste caso, não há que se falar
em desproporção entre o preço pago (pelo receptador) e coisa (recebida do vendedor)
uma vez que, aqui, o advogado "vende seu serviço" e o cliente faz o pagamento por
esse serviço, na mão contrária, portanto, do que indica o texto legal.
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55. Verdade que tanto o EOAB como o CDE estabelecem um patamar mínimo para a
cobrança de honorários, abaixo do qual considera-se aviltante a remuneração dos
serviços jurídicos. Os dispositivos são questionáveis, todavia, a discussão é irrelevante
para a solução deste caso.
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56. Lei 4.595/64 e arcabouço normativo emitido pelo BACEN e pelo CMN.
57. No que tange à supervisão para fins de prevenção do crime de lavagem de capitais,
confira-se a Circular 3461/2009.
58. Essa circunstância coloca em evidência que o tipo de receptação tem por objeto ma
terial um bem móvel e não valores ou bens. A rigor, neste caso, não há que se falar
em desproporção entre o preço pago (pelo receptador) e coisa (recebida do vendedor)
uma vez que, aqui, o advogado "vende seu serviço" e o cliente faz o pagamento por
esse serviço, na mão contrária, portanto, do que indica o texto legal.
80 LAVAGEM DE DINHEIRO
terceiro etc.50 Essas medidas são vistas como critérios objetivos caracterizadores
do recebimento de honorários como conduta adequada a um papel profissional,
ou socialmente adequadas,60 ideia contida, justamente, na categoria do risco permi
tido.01 Embora, como dito, não tenhamos em nosso direito positivo a modalidade
de mero recebimento como hipótese de lavagem, a discussão se coloca, aqui, no
âmbito do recebimento na figura típica da receptação, onde pode ser aproveitada.
O comportamento dos Consulentes está em conformidade com o Standard
geral dos homens prudentes, e, se risco objetivo foi criado, a conduta a eles atribuída
manteve-se dentro do riscojuridicamentepennitido, razão pela qual não há de se lhes
imputar o resultado, não havendo que se falar em preenchimento dos pressupostos do
tipo objetivo do crime de receptação, nem na forma do caput, nem naquela do seu § 3o.
59. BeckOK StGB/RUHMANNSEDER, StGB, 29. Aufl., 01.12.2015, § 261, nr. 45.2; BEULKE/
RUHMANNSEDER, obra citada, nr. 193. A jurisprudência, contudo e como dito,
resolveu o problema do recebimento dos honorários advocatícios no plano do tipo
subjetivo, afirmando uma punibilidade apenas na hipótese de conhecimento seguro
da origem criminosa dos valores, cf. supra nota 6, ressaltando-se, uma vez mais, que
o § 261 define como crime o mero recebimento da coisa objeto dos crimes antece
dentes, o que não ocorre na legislação brasileira.
60. MÚSSIG procura demonstrar que a decisão do BVerfG de 2004, na qual a corte afastou
a punibilidade por lavagem no recebimento de honorários por defensor supostamen-
te no âmbito do tipo subjetivo (exigindo dolo direto), teria, em verdade, depois de
devidamente "traduzida" para a linguagem das categorias da dogmática penal, solu
cionado a questão no âmbito do tipo objetivo, indicando quando o recebimento de
honorários é entendido como conduta social adequada e, pois, objetivamente atípica
(MÚSSIG, Strafverteidiger ais "Organ der Rechtspflege" und die Straíbarkeit wegen
Geldwãsche - Zu (strafrechtsdogmatischen) Perspektiven der Strafverteidigung nach
dem Geldwãscheurteil des BVerG, Wistra, 6/2005, p. 201-206).
61. Vide GRECO, Imputação objetiva: uma introdução, em: ROXIN, Claus, Funcionalismo
e imputação objetiva no direito penal, Renovar, 2002, p. 30-34.
62. ROXIN, Strafrecht..., obra citada, § 12, nr. 89. No Brasil, cf. SANTOS, Juarez Cirino
dos. Direito penal: parte geral, 3 ed., 2008, p. 152.
63. RENGIER, obra citada, § 14, nr. 55.
RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS MACULADOS 81
IV Conclusão
Em suma:
(i) O artigo Io, § 4o, da LC 105/01, ao veicular pressuposto de necessidade da
medida de quebra de sigilo bancário (e, por analogia) fiscal, deve ser interpretado
como exigência de indício de conduta ajustável, prima facie, a algum tipo penal,
que revele causa provável de sua prática, a qual, existente, autoriza o afastamento
do sigilo.
(ii) O exame da tipicidade traduz o caráter prima facie criminoso de uma
conduta no âmbito da subsunção do fato à norma incriminadora, pois a tipicidade
traduz, na linguagem da dogmática penal, a exigência do princípio da legalidade,
primeiro passo da análise de subsunção.
(iii) O recebimento de honorários por serviços efetivamente prestados ou
contratados, cujos valores foram obtidos por meio de prática criminosa, não se
ajusta a qualquer das modalidades típicas do artigo Io da Lei 9.613/98.
(iv) A conduta igualmente não se ajusta aos tipos penais de receptação dolosa
ou culposa (art. 180, caput e § 3o, CPB), seja por ausência de objeto material, seja
por não criar risco juridicamente desaprovado, seja pela incongruência temporal
entre os fatos e a configuração do elemento cognitivo do dolo, seja pela ausência das
elementares objetivas ligadas à coisa ou à pessoa que a transmite que disparariam
o dever objetivo de cuidado (para a figura culposa).
(v) Inexistindo, prima facie, indício de conduta típica, não está configurado
pressuposto legal para a aplicação do disposto no § 4o do artigo Io da LC 105/01,
ou seja, a decretação da quebra dos sigilos bancário e fiscal.
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